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Processos de
Subjetivação
Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Allyne Evellyn Freitas Gomes
Prof. Bruno Stramandinoli Moreno
Prof. Reynaldo de Azevedo Gosmão
G633p
ISBN 978-65-5663-874-4
ISBN Digital 978-65-5663-871-3
CDD 150
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Psicanálise e Processos de
Subjetivação. Convidamos vocês para a leitura, o estudo e a inserção nas teorias psica-
nalíticas referentes ao tema. Serão momentos de conhecimentos e produção de con-
teúdo, discussões de aspectos práticos e casos clínicos que elucidam a intervenção
da clínica psicanalítica no tratamento das psicopatologias. Teremos a possibilidade de
abordar diferentes aspectos que constituem a teoria e a técnica psicanalítica.
Bons estudos!
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS........................................................................................................49
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 111
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 163
UNIDADE 1 —
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
E EPISTEMOLÓGICOS DA
PSICANÁLISE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
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UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
A PSICANÁLISE E SEUS ASPECTOS
EPISTEMOLÓGICOS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste momento, iremos estudar a psicanálise em sua constituição
como ciência e seu processo para tal. Isto é, como ocorreu a inserção da psicanálise no
contexto histórico da época e quais são os pontos relevantes da emergência e do avanço
dessa forma de ver e intervir sobre o sofrimento humano, bem como a constituição de
nossa vida psíquica e subjetiva dentro de um contexto sociocultural.
ATENÇÃO
Para compreendermos a construção de um saber científico,
também é necessário sabermos quem são os filósofos e autores
das diversas linhas de pensamento que constituem o arcabouço
teórico e metodológico da construção do conhecimento de uma
determinada ciência.
Produto de seu tempo e dos saberes que atravessam sua época, a psicanálise
freudiana recebeu as mais diversas interferências das artes, da filosofia, da literatura e
da música. Temos, então, uma ciência epistemologicamente transdisciplinar, que por
meio do entrecruzamento dos mais diversos saberes buscará compreender um objeto de
estudo até então não estudado cientificamente: o inconsciente humano. Não podemos
atribuir a Sigmund Freud o estatuto de descoberta do inconsciente, tal conceito já existia
anteriormente, porém, podemos afirmar que coube a ele estabelecer uma metodologia
de investigação e intervenção sobre o inconsciente humano. Tal metodologia só é possí-
vel graças aos embasamentos epistemológicos que conheceremos adiante.
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A pertinência de abordar os aspectos epistemológicos, desde o que se configu-
ra como epistemologia enquanto campo de saber da filosofia, nos ajuda a contextualizar
e localizar melhor o advento da psicanálise e seus objetivos, sua visão de mundo e de
ser humano, seus métodos e técnicas de intervenção com a outra mente humana, a
saber, o inconsciente.
ATENÇÃO
Essa epistemologia que permeia a psicanálise e lhe dá embasamento, tam-
bém lhe confere um olhar crítico e atento, levando em consideração ques-
tões pertinentes em cada etapa histórica, criando, assim, rupturas e novos
paradigmas. Especialmente as rupturas com o saber médico, do qual o pró-
prio Freud era oriundo em virtude de sua formação em neurologia.
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2.1 O QUE É EPISTEMOLOGIA?
A epistemologia visa estudar o cerne das ciências, ou seja, suas bases e emer-
gências, além disso, estuda o modo como elas se configuram nas teorias e na ciência
em suas perspectivas de sujeito e de mundo.
NOTA
A palavra epistemologia vem das palavras gregas episteme (conheci-
mento) e logia (estudo), trata-se, portanto, de uma área da filosofia
que tem por objeto de estudo o conhecimento e seus modos de
produção e validação.
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Sabemos que o objetivo principal da ciência é construir conhecimentos para
promover melhorias na qualidade de vida das pessoas e, que tais ciências se conver-
tem ou divergem em como olham e atuam sobre os sujeitos e o mundo. Sendo que
cada base epistemológica está atrelada a seu tempo histórico e à demanda daquele
momento em particular. Devemos considerar, portanto, que a ciência e a epistemologia
estão sempre em movimento, com rupturas e novas construções, indo ao encontro da
produção do conhecimento e do uso desse no cotidiano, na realidade.
IMPORTANTE
A partir dos estudos epistemológicos conseguimos compreender
a origem dos saberes, suas bases teóricas, ciências que dialogam
e que antagonizam, produzindo uma prática científica com possi-
bilidade de replicação, ou seja, em que o objeto de estudo e seus
métodos possam ser replicados em contextos diferentes, visando
obter resultados semelhantes.
Cada teórico ou filósofo acabava por criar suas ideias e métodos dando início
há um movimento científico que se estende até a contemporaneidade e está sempre se
atualizando de acordo com as demandas do tempo vivido.
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Devemos observar que essas vertentes epistemológicas acabam por ser rom-
pidas, desconstruídas e construídas a partir da necessidade da ciência em resolver as
questões que lhe implicam, ou seja, a necessidade de encontrar a solução dos proble-
mas reais.
Foi a partir da idade moderna que tais questões passaram a ter mais espaço
e força, isto é, com o advento do humanismo. Este pode ser caracterizado como um
período no qual emergiu um movimento filosófico fundamentado no reconhecimento
do valor do ser humano enquanto ser total, procurando compreendê-lo em seu mundo
natural e histórico.
No humanismo, o ser humano é visto como tendo alma e corpo, sendo ele res-
ponsável por viver e dominar o mundo que habita. Assim, o paradigma explicativo para o
mundo deixa de ser Deus e o teocentrismo, características da idade média. Desse modo,
passamos para a idade das luzes, em que o ser humano é colocado no centro da pauta.
O antropocentrismo reflete em mudanças de diversas áreas, como nas artes, que po-
dem então representar figuras humanas e não mais apenas figuras religiosas, e também
na medicina, recebendo uma importante contribuição, pois, se o corpo humano não é
mais um objeto apenas sagrado, é possível estudá-lo.
INTERESSANTE
Wihelm Wundt (1832-1920) é considerado um dos precursores da
psicologia científica. Ele utilizou aspectos trabalhados e discutidos
por Immanuel Kant (1724-1804) que estiveram relacionados a seu
tempo. Em seus postulados, valorizava a física e a fisiologia, como
também utilizava a aplicação lógica proposta por Herbart (1776-
1841). Destarte, Wundt salienta a necessidade de nos atermos aos
estudos da sociedade e da filosofia, uma vez que são essenciais para
o desenvolvimento da psicologia científica.
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Nessa perspectiva, a mente era tida como consciência e, para além dessa, ela
poderia conter algumas percepções sutis do inconsciente. Esse inconsciente de Wun-
dt seria estudado para além dos laboratórios, indo ao encontro social dos fenômenos
psíquicos.
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FIGURA 2 – IMMANUEL KANT
3 A EPISTEMOLOGIA NA PSICANÁLISE
Como já percebemos, a epistemologia é a base da qual provêm a ciência, o sa-
ber das teorias e das práticas, da idade moderna até os dias atuais. Para estudarmos a
Psicanálise, é pertinente conhecermos quais são suas bases epistemológicas, isto é,
de qual ponto Freud começou a questionar e propor uma nova visão sobre as patologias
e, assim, romper com a visão somente física/orgânica do ser humano, trazendo à tona a
importância da subjetividade na constituição do humano e suas doenças.
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Sabemos de antemão que Freud foi o “pai” da psicanálise. Ele desconstruiu o
saber científico sobre as psicopatologias pautado no argumento de que a doença não
deve ser explicada somente pelo saber médico. Foi com a Psicanálise que se romperam
paradigmas epistemológicos importantes quanto aos tratamentos em saúde mental.
Iremos, então, conhecer um pouco mais dessa epistemologia na qual Freud se pautou
para desenvolver a Psicanálise e seu método de tratamento dos transtornos mentais.
ATENÇÃO
Freud sempre sofreu resistências ao propor a cientificidade da
psicanálise por ela não se enquadrar nas formalidades científicas
de seu contexto histórico. E como o seu objeto científico (o incons-
ciente) não era passível de observação ou mensuração, a psicanálise
provocava rechaço entre os médicos contemporâneos de Freud.
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A teoria do inconsciente, assim como a sede dos adoecimentos psíquicos, o uso
da hipnose como método terapêutico, a questão da sexualidade humana como etiologia
das neuroses e a interpretação dos sonhos como método de investigação psicanalítica,
eram pontos que rompiam com qualquer ideal de cientificidade naturalista dos tempos
de Freud.
Sendo assim, não há como olhar para a Psicanálise como uma intervenção pau-
tada na ciência positiva, pois ela busca desconstruir esse lugar do sujeito do positivis-
mo. Aquele sujeito mensurável, verificável e imutável. O sujeito da psicanálise é aquele
que se transforma a partir do processo clínico, que é tido em sua singularidade e
com suas particularidades (TOREZAN; AGUIAR, 2011).
DICA
Assista ao professor e pós-doutor Christian Dunker, um dos maiores
nomes da psicanálise brasileira, apresentar a epistemologia psicanalítica
e seus fundamentos no vídeo A psicanálise é um conhecimento verificável?
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s5aLhKTIpaI.
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Freud abriu caminhos para uma nova maneira de ver e fazer ciência quanto
aos estudos e métodos de intervenção e tratamento das patologias da alma, as
psicopatologias. Ele considera a psicanálise como uma ciência natural. Sendo que,
em 1880 ele apresentou a hipnose como método de investigação e tratamento nas
histerias, junto a Breuer (1842-1925). Em sua concepção muitos dos sinais não podem
ser visualizados ou materializados, com isso o trabalho com a subjetividade humana e
suas várias nuances sobre o adoecimento psíquico.
Nessa busca por tornar a psicanálise uma ciência do psiquismo, podemos usar
a contribuição de Kant, apresentando a psicologia como uma abordagem voltada para a
observação e descrição de fenômenos externos. Ele considerava que os objetos de
estudo da psicologia não seriam palpáveis e possíveis de análise e observação no espa-
ço, estes estariam subentendidos e em um espaço não visível, consequentemente, não
acessível à cientificidade positiva. Os fenômenos não poderiam ser estudados, afinal,
não estariam articulados com as comprovações matemáticas.
Foi Herbart, a partir dos estudos de Kant, que começou a estudar os fenôme-
nos psíquicos. Isso ocorreu por meio da criação de quatro conceitos:
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• intensidade;
• continuidade;
• variação;
• covariação.
Tais conceitos trariam uma nova proposta de ciência para a psicologia. O con-
ceito de intensidade estava relacionado ao entendimento dos fenômenos psíquicos
como dotados de força, e, assim, poderiam ser medidos por meio de uma avaliação
quantitativa.
NOTA
O conceito de continuidade diz respeito à constante dos fenômenos
psíquicos, sendo vistos com uma continuidade quanto às suas so-
breposições e funções em relação à consciência. Ora alguns fenô-
menos se sobressaem, ora diminuem, num constante movimento.
Quanto ao conceito de variação, podemos observar a variação de
intensidade dos fenômenos psíquicos no correr do tempo. Por meio
destes conceitos percebemos que os fenômenos são considerados
como uma recusa ao acaso, pois teriam sempre uma ligação com algo
e uma função específica.
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Esses teóricos também compartilham a ideia de repressão de conteúdos
para que estes venham à superfície da consciência. Cada um à sua maneira apresenta
a repressão como meio de proteção do sujeito frente ao desprazer e ao sofrimento.
Para Freud, esse conflito vem de uma repressão sexual, já para Herbart é ocasional, não
tendo uma causa específica.
Cabe lembrar que ela foi tida como a verdade absoluta na época do Iluminismo,
como a luz no fim do túnel para todas e quaisquer problemáticas humanas e sociais.
ATENÇÃO
Uma das questões epistemológicas pertinentes a Freud se referia
ao uso da interpretação (um de seus métodos) e como ela ficaria
atrelada às ciências naturais. Sendo que as interpretações têm um
cunho subjetivo e não mensurável.
Isso ocorreu porque, após a morte de Freud, os psicanalistas estavam cada vez
mais se desviando dos princípios fundamentais freudianos e orientando a psicanáli-
se para uma psicanálise do Ego.
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FIGURA 7 – LACAN
INTERESSANTE
Desde a sua primeira grande obra – As estruturas elementares do
parentesco (1955) – o antropólogo belga Lévi-Strauss (1982) elegeu
Freud como um de seus interlocutores privilegiados na criação
e no desenvolvimento da sua antropologia estrutural. Alguns
autores chegam a afirmar que o pai da psicanálise foi o autor que
gerou maior impacto sobre a obra de Lévi-Strauss.
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FIGURA 8 – CONHECIMENTOS
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Freud foi o pai da psicanálise, e suas investigações com novos métodos de interven-
ção e tratamento em saúde mental constituíram uma das maiores revoluções teóri-
cas sobre o psiquismo e a sexualidade humana.
• A psicanálise, por mais “antiga” que possa parecer, pode ser reconfigurada e repen-
sada a partir de teóricos pós-Freud, podendo se adequar às necessidades sociais e
singulares do tempo atual, na contemporaneidade dos fatos e fenômenos psíquicos.
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AUTOATIVIDADE
1 Ao estudar a epistemologia, podemos encontrar diferentes vertentes, cada qual
com sua visão de ser humano e de mundo. Essas visões vão sendo modificadas
com o passar do tempo e com as demandas advindas da realidade, sendo que a
ciência tem por objetivo resolver problemas e problematizar situações. A perspectiva
epistemológica que vê o ser humano como dotado de mente e corpo, confere o
reconhecimento do valor humano enquanto ser total, compreendendo seu mundo
natural e histórico. Aqui, o sujeito é responsável por viver e dominar o mundo que
habita. Essa visão de homem está atrelada a qual base epistemológica? Assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) Humanismo.
b) ( ) Positivismo.
c) ( ) Iluminismo.
d) ( ) Estruturalismo.
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a) ( ) A Psicanálise aponta para uma nova proposta de ciência, indo na contramão da
objetividade, trazendo aspectos subjetivos e partes imateriais do ser humano,
como a própria alma, além de aspectos não palpáveis ou visíveis, ou seja, não
mensuráveis na ciência tradicional.
b) ( ) O avento da Psicanálise traz a articulação entre o positivismo e o humanismo em
sua base epistemológica.
c) ( ) A Psicanálise utiliza somente conceitos próprios da neurologia e da medicina
para descrever os fenômenos psíquicos.
d) ( ) Freud começou seus estudos na Psicanálise pelo experimento e mensuração
dos fenômenos psíquicos.
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UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
FREUD: O PAI DA PSICANÁLISE
E SUA HISTÓRIA
1 INTRODUÇÃO
Agora, no Tópico 2, abordaremos um breve histórico de vida de Freud, além da
psicanálise como uma constituição histórica e científica dentro de um cenário marcado
por uma cientificidade positiva e palpável.
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Contudo, assim como todo teórico, Freud se apresenta para contextualizar e
trazer questões pertinentes de uma época, de seu contexto histórico e demandas so-
ciais e culturais. Seu trabalho é e sempre será reconhecido como o precursor que pro-
piciou o início de novas descobertas no campo da subjetividade e transtornos mentais.
Veremos, então, um pouco mais sobre quem foi Freud, sua biografia e a história
da teoria e metodologia por ele criada, ou seja, a história da Psicanálise e alguns casos
clássicos que foram pioneiros da psicanálise como tratamento clínico dos transtornos
e doenças mentais.
ATENÇÃO
O menino Freud sempre foi um ótimo aluno e com boas perspec-
tivas futuras. Com 17 anos ingressou na faculdade de Medicina de
Viena. Desde seus primeiros passos na medicina, já se interessava
pelo sistema nervoso e o estudo das doenças mentais, no que se
referia aos métodos utilizados para a avaliação e tratamento de tais
psicopatologias.
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Foi em 1884 que Freud teve contato com Breuer, médico que já estava traba-
lhando com a hipnose para curar doenças mentais como a histeria. Seu método catártico
(no qual as pacientes falavam tudo o que vinha à cabeça, sendo um desabafo sobre o
que elas sentiam e pensavam), deu início ao primeiro método utilizado na psicanálise.
Foi com Estudos sobre as histerias que Freud iniciou a psicanálise, com seu
amplo campo de pesquisa e metodologia em saúde mental na época. Construindo, des-
se modo, novos paradigmas na ciência, até então totalmente objetificada e agora com
seu espaço para a subjetividade e as singularidades humanas.
Em suas premissas teóricas, Freud traz três pontos relevantes para o trabalho
analítico: somos seres bissexuais (ativos e passivos); somos movidos pela libido; e a vida
psíquica seria constituída por Eros (visto como a sexualidade) e pelos instintos de morte
e agressão.
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Foi no segundo congresso de Psicanálise que surgiu a ideia da fundação da IPA.
Nesse momento, Freud e os demais estudiosos, seus parceiros médicos, neurologistas e
psicanalistas, deram início ao movimento psicanalítico e propagaram a psicanálise en-
quanto uma ciência dita como uma psicologia aplicada, além da aplicação dela às medi-
cinas e à humanidade. Um dos objetivos da IPA era articular melhor os teóricos da psicaná-
lise, buscando também fortalecer essa área e promover mais saberes e práticas científicas
naquele contexto histórico.
Sabemos que, desde o início dos estudos, Freud passou por provações em re-
lação à sua teoria e proposta metodológica de fazer ciência. Ele mesmo não pretendia
levar sua clínica a ter um cunho científico, pois se dizia muito mais preocupado com o
que sua intervenção poderia promover enquanto mudança de situações e melhora de
sintomas neuróticos.
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Tal pulsão poderia ser considerada como impulsos endógenos, ou seja, impulsos
orgânicos do sujeito em relação à sua sexualidade. Ele traz esse tema à tona quando per-
cebe em seus atendimentos clínicos uma forma que poderia ser errada da vivência dessa
sexualidade, de certa forma reprimida e contra os instintos animais.
ATENÇÃO
Na história da psicanálise, devemos sempre lembrar das rupturas,
de modo que ela foi sendo ampliada e repensada por teóricos que
vieram depois de Freud, com propostas de novas maneiras de
olhar e intervir no sujeito.
Lacan foi um dos teóricos que trouxe uma ruptura por meio de seus seminários.
Contudo, sempre se colocou como freudiano, sugerindo um retorno às obras e estudos
de Freud, conforme estudamos anteriormente. Ele dizia que aos outros competia que
fossem lacanianos, não a ele. Lacan consegue reavivar as obras e os pensamentos de
Freud já amortecidos, dando originalidade e movimento à psicanálise, resgatando con-
ceitos e criando novos a partir dos preceitos freudianos, conferindo uma nova roupa-
gem que se atualiza nesse momento histórico.
25
INTERESSANTE
Foi em 1909 que Freud e seus colaboradores médicos chegaram na
América do Norte para possibilitar que a teoria psicanalítica fosse
conhecida e expandida pelo mundo. Assim, Freud publicou a partir
dessa experiência a obra Cinco lições de psicanálise. Assim, a psicanálise
ganhou espaço e força para além do continente europeu.
No caso de Anna O., pode-se dizer que foi escrito a quatro mãos, por ser esta
uma paciente que Breuer acompanhava, tendo Freud como seu aliado nos estudos
sobre a histeria. Vamos, então, ao caso: Anna O., cujo nome é Berta Pappenheim (1859-
1936), chegou até Breuer manifestando sintomas como alucinações, dores no corpo,
esquecimento da língua materna, dificuldade para ingerir líquidos, desatenção e tosse
persistente.
FIGURA 12 – ANNA O.
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Foi por meio da hipnose que Breuer conseguiu compreender a formação de
alguns dos sintomas. Zimerman (2004) nos auxilia ao dizer que os sintomas de Ana eram
aliviados na hipnose porque, nos momentos de transe, a paciente conseguia reviver
situações traumáticas da infância. Frente aos conflitos, por ter uma consciência frágil,
ela se dissociava, o que justifica a substituição dos sintomas durante o tratamento.
Contudo, Freud começou a perceber que Ana poderia estar deslocando seus
sintomas pelo fato de estar enamorada por Breuer. Ela manifestaria por ele, aos olhos
de Freud, atitudes de amor e ódio. O que acaba por ter sentido quando ela, em aparente
crise histérica, gritou “o filho de Breuer está para chegar”, pedindo que ele fizesse mais
uma sessão de hipnose. O que causou muito constrangimento em todos os envolvidos
e levou Breuer a se afastar por um tempo, interrompendo seu vínculo com Ana.
ATENÇÃO
O caso de Anna O., como lembra Zimerman (2004), trouxe o
método catártico para a psicanálise. A própria Ana dizia que era
curada por meio da palavra, ou seja, pelas conversas com Breuer.
Aqui também devemos observar que há uma família repressora, a
qual não deixava que ela vivesse seus desejos “fora do lar”. Seu
pai era doente e quem cuidava dele era Ana, o que mostra a
importância da relação familiar para o desenvolvimento do
psiquismo em qualquer instância.
Cabe, sobretudo, destacar que o pai do paciente se casou com sua mãe devido
a questões financeiras, de modo que ela era mais rica.
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O discurso repetido e brincalhão da mãe, o qual trazia o fato de seu marido
rejeitar a moça mais bonita e pobre, voltava como um fantasma ao paciente. Desse
modo, podemos perceber que esse caso foi atravessado e constituído por questões
financeiras e pelo medo em desapontar a família.
Quando Freud interpretou, procurou fazer com que “o homem dos ratos”
percebesse que tudo não passava de seus fantasmas inconscientes relacionados
ao dinheiro e ao que ele representa na sua vida. Bem como o fato de ficar em dívida
com sua família caso não aceitasse se casar com a moça rica: assim como seu pai
aceitou. Mas por que os ratos? Ele tinha uma fixação por ratos, os quais foram vistos
como representação fantasiosa do próprio pai.
FIGURA 13 – LUDOTERAPIA
O menino Hans não foi necessariamente atendido por Freud, mas sim em par-
ceria com o próprio pai de Hans, amigo e colega de Freud. O amigo trazia nas conversas
detalhes do comportamento cotidiano de seu filho, para que juntos pudessem interpre-
tar e amenizar os sintomas que estariam se agravando. Como lembra Zimerman (2004),
quem analisou o caso do menino foi o próprio pai, pois ele quem fez a maioria das
sessões com o menino.
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Em um dos encontros com Hans, Freud pediu para que ele desenhasse, e Hans
desenhou um cavalo, contudo, Freud observou que o cavalo tinha um risco muito forte
abaixo do nariz. Quando Freud questionou se aquilo desenhado era um bigode, o me-
nino disse fantasioso que sim, que se tratava de um bigode no cavalo, um bigode igual
ao de seu pai.
ATENÇÃO
As situações apresentadas retratam brevemente os casos clássicos
e precursores da psicanálise freudiana. Embora cada caso tenha sua
especificidade, eles têm a neurose em comum. Assim, podemos ter
uma compreensão das neuroses: sua diversa manifestação de sinto-
mas e psicopatologias associada à estrutura neurótica de personali-
dade proposta por Freud.
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Quando pensamos nos sintomas de Ana, eles estariam relacionados às expe-
riências infantis dela, principalmente no que diz respeito à maneira opressora de seus
pais sobre seu comportamento. Como em momentos em que ela estava desatenta e o
pai a repreendia de forma opressora, o que desperta nela uma incongruência de desejo
e ação. Ela, então, convertia essa hostilidade em sintomas corporais e em momentos
que “saia do ar”, como se não estivesse presente nas conversas.
Não temos a intenção de esgotar o estudo sobre os casos, uma vez que eles
podem e devem ser olhados mais minuciosamente. Todo estudo em psicanálise requer
dedicação, tempo e muita interpretação. A pretensão maior aqui foi elucidar como ocor-
reu o processo histórico da psicanálise em sua emergência naquele cenário, mos-
trando por meio da aplicabilidade da ciência psicanalítica, o início de sua efetivação
como metodologia de trabalho com saúde mental.
DICA
Para o aprofundamento dos conhecimentos sobre a história de
Sigmund Freud e seu processo de construção da psicanálise,
assim como os casos clínicos, indicamos o filme Freud, além da
alma, dirigido por John Huston, e também o documentário O
jovem doutor Freud, dirigido por David Grubin.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• A história de vida dos teóricos contribui para o próprio processo de instituição das
novas ciências.
• Foi com persistência, produção de conhecimento e muita clínica que Freud, por
meio de seus casos clássicos no tratamento da histeria e das neuroses, se destacou
na sociedade científica e promoveu uma nova teoria sobre o sujeito, sua estrutura
psíquica e seu sofrimento.
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AUTOATIVIDADE
1 Todas as linhas e metodologias da ciência e de estudos sobre o ser humano são
protagonizadas por pensadores que se debruçaram intensamente sobre seus ex-
perimentos e conhecimentos, promovendo quebras de paradigmas e construção de
outros. Uma das teorias precursoras no tratamento das psicopatologias, para além do
aspecto orgânico, é a Psicanálise. Assinale a alternativa que corresponde ao nome do
pai da psicanálise:
a) ( ) Carl Jung.
b) ( ) Sigmund Freud.
c) ( ) Charcot.
d) ( ) Breuer.
2 A Psicanálise foi pioneira no que diz respeito à maneira de abordar e tratar a histeria.
Junto com Breuer, Freud trabalhou com a hipnose em um caso muito conhecido,
o qual apresentava sintomas histéricos, contudo, não apresentava melhoras com
métodos tradicionais de intervenção. Tal caso clássico da história da psicanálise se
refere ao:
a) ( ) Caso Anna O.
b) ( ) Caso Melanie K.
c) ( ) Caso do homem dos ratos.
d) ( ) Caso do pequeno Hans.
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UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
A HISTÓRIA DA PSICANÁLISE NO BRASIL
1 INTRODUÇÃO
Neste momento de nossos estudos, iremos abordar a Psicanálise e seu surgi-
mento no Brasil.
2 O BRASIL E A PSICANÁLISE
A forma como a Psicanálise se institui no cenário nacional é o começo de uma
nova maneira de intervir na saúde mental e nos fenômenos psíquicos, gerando para
com outros países uma ruptura de paradigmas e um outro jeito de falar e trabalhar com
o sofrimento humano.
33
ATENÇÃO
Salientamos aqui o momento histórico em que o Brasil se encontrava
quando a psicanálise começou a se instituir como um campo do saber
e fazer em saúde mental. Tratava-se da virada do século XX, quando
nosso país estava abolindo a escravidão e consolidando um estado
de República. Muitas mudanças políticas ocorreram a partir de tais
situações sociais, culturais e econômicas.
ATENÇÃO
Nesse contexto de necessidade de reformulações e estratégias
de melhorias sanitárias, de reorganização social e de emergência
em pensar soluções para os problemas de saúde da população,
a intelligentsia nacional passou a articular sobre formas higienistas
para conter o avanço das mazelas sociais e culturais. A Psicanálise,
então, começou a ganhar espaço a partir da inserção dessa intelli-
gentsia, junto aos saberes médicos.
É nessa perspectiva que a medicina começou a intervir para não somente regular
os corpos quanto ao enfrentamento das doenças, mas também numa tentativa de orga-
nizar o corpo social. Tratava-se de uma ideia de normatizar as pessoas, higienizar aquilo
que estava sendo intolerável quanto às subjetividades doentes e desviantes das normas
institucionais da época, considerada a primeira república.
IMPORTANTE
Visto que a concepção higienista da medicina se tornara fortemente
presente no Brasil, a Psicanálise surgiu como método de intervenção
para tratar os sujeitos que eram considerados como débeis e impo-
tentes frente às demandas da sociedade. Sociedade essa marcada
pela ideia de homogeneização da espécie, na qual o diferente não era
aceito e por isso, refutado e excluído da sociedade.
34
Dessa maneira, a psicanálise seria uma das intervenções para “corrigir” tais
“anormalidades” e garantir o equilíbrio de uma sociedade higienizada, limpa de seres e
situações que fugissem a norma constituída por esse ideal absurdo e preconceituoso.
Tal ideal seria pautado pela psicanálise, a qual iria contribuir com seus conhecimentos e
práticas na higienização, ou seja, numa limpeza desses sujeitos não quistos e/ou com
potencial de trabalho.
ATENÇÃO
Vale ressaltar que a psicanálise circulava no Brasil antes mesmo
das intervenções científicas, enquanto leitura assídua de muitos
psiquiatras e também de artistas, como no caso da literatura.
Sua inserção ocorreu junto com a psiquiatria, quando esta reconhece que as
neuroses manifestam sintomas que não podem ser considerados como genéticos e
tampouco são tratados com métodos tradicionais da psiquiatria. O que possibilitou à
psicanálise intervir de forma a problematizar, analisar e interpretar tais psiconeuroses e,
assim, promover novos meios de intervenção, inclusive nas demais patologias da mente.
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IMPORTANTE
O primeiro nome que aparece na história da inclusão da psicanálise
é de Juliano Moreira (1873-1933). Ele utilizava a psicanálise no
estado da Bahia, tanto como professor, instigando seus discentes
a estudar essa nova proposta teórica e metodológica, quanto na
aplicabilidade da psicanálise em sua própria clínica.
36
Por mais que a psicanálise se proponha a romper paradigmas e criar outros, ela
ultrapassa esse status, pois a escuta (elemento primário e fundamental da clínica psicana-
lítica) precisa estar à disposição de simbolismos e do desejo. Sendo necessário que ela se
dê de forma atenciosa e concisa, com o olhar clínico mais integral sobre aquele que ouvi-
mos, não reduzindo os sujeitos a sintomas e queixas, mas indo além em sua compreensão.
FIGURA 16 – SIMBOLISMO
ATENÇÃO
Como a psicanálise propõe uma escuta intensa e genuína,
atenciosa e, por vezes, mais frequente e demorada, ela acaba
por ser, além de questionada em seus resultados, refutada pelos
sujeitos que desejam resolver seus conflitos internos de forma
rápida e sem muita responsabilidade sobre o processo.
37
DICA
Podemos observar o crescente desenvolvimento de novas psicopa-
tologias a partir dos próprios manuais de diagnóstico, em especial
o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V).
Para conhecer mais e se atualizar, leia o manual na íntegra: https://
edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5662409/mod_resource/con-
tent/1/DSM-5.pdf.
38
FIGURA 18 – PROCESSO TERAPÊUTICO
FIGURA 19 – PRESSA
Essa crise foi identificada em todos os territórios por ela contemplados, e parece
marcar, por vezes, uma crise do próprio mercado quanto aos tratamentos em saúde
mental. A urgência em ser feliz ou em viver tudo de uma vez só, além da falta de empa-
tia para consigo mesmo, ou seja, não olhar para si com mais respeito e honestidade ao
buscar resolver conflitos, gera o uso de uma “máscara da felicidade” superficial.
39
FIGURA 20 – MÁSCARAS DA FELICIDADE
Permitir-se entrar em contato com seus fantasmas mais profundos pode dar
medo e representar muita responsabilidade para enfrentar tais fantasmas. Nesse caso,
a psicanálise está à disposição para lidar com todos os fantasmas que criamos e nos
sãos criados, em seu processo de análise que vai compreender e ouvir o sujeito em sua
singularidade e historicidade, para então promover a intervenção clínica neces-
sária àquela situação em particular. O resultado do processo é muito melhor do que a
sua negação.
ATENÇÃO
É muito importante articular a clínica psicanalítica com o momento
social, econômico e cultural de sua época, sempre se reinventando
a partir das demandas em saúde mental e psicopatologias. Desse
modo, devemos rever a teoria e fazer com que ela não morra inte-
lectualmente e muito menos enquanto prática de cuidado em saúde.
Por fim, podemos notar que as crises servem para que possamos sempre rea-
valiar nossos conhecimentos, nossas observações e metodologias de intervir na ciência
e com a ciência, em prol de melhorias que atinjam a maioria da população. Portanto,
pensar a crise na psicanálise é possibilitar a produção de novos olhares e saberes sobre
os fenômenos psíquicos e as psicopatologias, seus diagnósticos e tratamentos.
40
LEITURA
COMPLEMENTAR
UM EXERCÍCIO RIGOROSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA
Angélica Bastos
Diante do mal-estar subjetivo, Freud assumiu uma posição ativa que resultou
na criação de um dispositivo clínico inusitado e solidário à invenção do inconsciente.
Assim, pelo ato de Freud, surgiu a psicanálise em descontinuidade com o que era até
então possível pensar, desejar e, sobretudo, fazer. O modo segundo o qual a investiga-
ção psicanalítica se arquiteta já indica uma série de exigências. Segundo Freud, o termo
psicanálise comporta três acepções; em primeiro lugar, designa “um procedimento para
a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro
modo” (FREUD, 1923/1966, p. 287).
Ao ler a obra de Freud, Cosentino (1999a, 2004) não se limita a tratar seu pen-
samento como um fato, por isso, não recai numa história da ciência ou das ideias. Tam-
pouco toma o fato da obra freudiana para tratá-lo como ideia, não realizando, por con-
seguinte, uma epistemologia de seus conceitos.
41
Nem concepção totalizante do mundo, nem investigação de um campo objeti-
vável segundo um modelo de ciência exata, a psicanálise se define por uma práxis e o
objeto da teoria psicanalítica coincide com o campo desta práxis. Trata-se do campo de
uma experiência mediada pela linguagem, mais especificamente mediada pela transfe-
rência, condição da clínica psicanalítica. O rigor na investigação psicanalítica requer a
transferência e essa exige do analista que interrogue sua posição.
42
ponto de falta na própria cadeia associativa. Com o dizer, nem tudo pode se dizer” (CO-
SENTINO, 1999a, p. 38) e, em segundo lugar, um limite à significação. Quanto a este, o
autor afirma que o núcleo antecipa também o “núcleo genuíno do perigo”, assinalado por
Freud em Inibição, sintoma e ansiedade (FREUD, 1926/1976).
Ele aplica Freud ao próprio texto freudiano e, localiza “um resto que escapa ao
dizer, fora da cadeia associativa e da função da palavra. O que excede a sobre determi-
nação e introduz com a angústia o registro da causa” (COSENTINO, 1999a, p. 38). Para os
psicanalistas, define-se, então, um procedimento de interpretação inconfundível com
a hermenêutica que buscaria o desdobramento da significação sempre insaturada e
pronta a liberar algo de novo ou ainda não dito. Assim, a linha de investigação do autor
segue o que não se deixa capturar pela significação, e que irrompe de modo pontual no
fenômeno do estranho e em várias dimensões do horror.
43
A clínica das fobias constitui o terreno privilegiado em que o psicanalista in-
terroga o dispositivo: “as fobias estendem os limites do campo analítico, e por isso, as
operações possíveis no marco da transferência, ao não coincidir com a estrutura do
fantasma” (COSENTINO, 1998a, p. 10). Desde os primeiros artigos de Freud, a reflexão
de Cosentino visa estabelecer o estatuto da angústia como afeto e como neurose. Seu
minucioso estudo sobre as fobias ressalta o lugar peculiar m exercício rigoroso de in-
vestigação clínica que esta neurose ocupa em relação à histeria e à neurose obsessiva
– placa giratória para esses dois tipos clínicos - além do destino que ela dá à angústia.
Uma vez que na fobia não se detecta a representação recalcada, a fobia escapa ao “rei-
no da substituição” de uma representação por outra. O autor ressalta momentos em que
a abordagem freudiana prefigura uma teorização ulterior, recortando em artigos tidos
por pré-psicanalíticos algo que será destacado em Inibição, sintoma e angústia, quando
esta assumir um lugar primordial e anterior ao recalque.
44
esse grito, já que a cessão do objeto é um entre dois; situa-se entre o Outro e o sujeito”
(COSENTINO, 1995, p. 117). A delimitação do campo da angústia culmina em sua relei-
tura no campo do gozo. Conforme Cosentino em sua leitura de RSI (LACAN, 1975-1976,
seminário inédito), assiste-se a um deslocamento da angústia para o campo do gozo, à
medida que ela deixa de ser abordada a partir do desejo do Outro. Assim, ela ultrapassa
a dialética entre o sujeito e o Outro para se circunscrever entre os registros e requisitar
o reconhecimento do real e do imaginário do corpo no mal-estar.
Despertar para o real é impossível porque o encontro com ele é faltoso, isto é,
o real se furta ao encontro no instante inapreensível entre o sonho e o despertar. Mas
é impossível despertar: o despertar é o real. Só pode haver nessa borda uma escrita.
Resta ainda revisar a construção do dispositivo analítico e a posição do analista, pois o
que aí se escreve questiona a “natureza” de sua posição (COSENTINO, 1998a, p. 11). No
terreno dos sonhos, a profundidade da análise de Cosentino (1998a, 2004) não pode
ser restituída ao leitor sem o contato direto com seu texto. Ele evidencia que ler Freud
não é a mesma coisa que ler qualquer outro autor, porque este inaugurou uma nova
45
maneira de ler: a leitura do inconsciente, na qual os sonhos desempenham papel privi-
legiado. Essa outra leitura busca uma certa decantação da linguagem, numa pontua-
ção que transgride as normas gramaticais, segundo uma lógica que desdenha a lógica
das proposições, tira conclusões de um fragmento de palavra, extrai consequências
do que se diz nos pedaços de frase, dando ao próprio ato de dizer seu valor máximo. O
que não pode ser lido no texto inconsciente, na cadeia associativa, Cosentino encontra
nos sonhos que recuperam as marcas de experiências infantis impressionantes. Seus
trabalhos recentes (COSENTINO, 2004, 2007) perscrutam no texto freudiano marcas
(Eindrücke), impressões, experiências contundentes que ele cuidadosamente distingue
dos trilhamentos de traços mnêmicos que se diferenciam uns em relação aos outros.
CONCLUINDO
Nós analistas contamos apenas com o sintoma e, além dele, com a linguagem.
Questionamos, justamente, a relação entre os dois. O saber atribuído a algo no real não
tem nada a ver com o saber que se articula pelo fato de que há um ser que fala. Pois
bem, por sua própria condição, procura-se delimitar uma relação entre a perda própria a
esse campo – uma dimensão do horror na própria divisão do sujeito - e a função desejo
do analista (COSENTINO, 2001, p. 13).
“Eu não procuro, acho” são as palavras de Picasso subscritas por Lacan (1979,
p. 14). O efeito de transmissão que o conjunto dos textos de Cosentino são suscetíveis
de provocar, deve-se à dimensão de achado presente em sua investigação, guiada não
pela busca, mas pelo desejo na experiência do inconsciente. Ao leitor, deixamos o con-
vite para acompanhá-lo em seus achados, dentre os quais salientamos sua refinada
leitura da obra de Freud e a concepção de duplo laço da experiência analítica.
46
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• Assim como em todo contexto mundial, a Psicanálise no Brasil também sofreu resis-
tências por parte da comunidade científica e começou a ganhar espaço por meio das
práticas dos médicos que utilizavam a psicanálise em sua clínica e também como
método investigativo.
• A crise da psicanálise diz muito mais sobre a intolerância do sujeito para se envolver
em um processo de cura que requer tempo, disposição e implicação total com o pro-
cesso, frente a uma atualidade com promessas rápidas de cura.
47
AUTOATIVIDADE
1 Sabemos que a saúde mental é uma constante nos estudos de médicos, psiquiatras,
psicólogos e demais interessados no ser humano e todas suas nuances. No mundo,
assim como no Brasil, houve a inserção de uma nova teoria e prática de trabalho com
os sujeitos que adoeciam, ultrapassando o aspecto somente orgânico, se detendo
também nas singularidades e no emocional desses sujeitos. Passaram a observar
e considerar, então, os aspectos psíquicos na elaboração das doenças, por vezes
somatizadas. Qual foi a linha teórica pioneira dessa maneira de ver e tratar o sujeito?
a) ( ) Psicanálise.
b) ( ) Humanismo.
c) ( ) Positivismo ortodoxo.
d) ( ) Existencialismo.
2 A crise foi identificada em todos os territórios, marcando uma crise do próprio merca-
do em relação aos tratamentos em saúde mental. Afinal, a urgência em obter felicida-
de ou em viver todas as coisas de uma única vez, além da ausência de empatia para
consigo mesmo, ocasionou o uso constante de uma “máscara da felicidade”. Sobre
essa situação, assinale a alternativa que apresenta tal crise:
a) ( ) Crise social.
b) ( ) Crise emocional.
c) ( ) Crise da psicanálise.
d) ( ) Crise mundial.
a) ( ) Pedro Magalhães.
b) ( ) Juliano Moreira.
c) ( ) Constantino Peres.
d) ( ) Charcot.
4 Em nosso contexto atual, fala-se sobre uma crise que a psicanálise estaria enfren-
tando, tal crise está relacionada a quais aspectos? Comente sobre.
48
REFERÊNCIAS
ANDRADE, J. J.; SMOLKA, A. L. B. A construção do conhecimento em diferentes
perspectivas: contribuições de um diálogo entre Bachelard e Vigotski. Ciência &
Educação, Bauru, 2009, v. 15, p. 245-268. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
S1516-73132009000200002. Acesso em: 12 ago. 2021.
49
FIGUEIREDO, L. C. Para além das matrizes: a psicanálise como enclave da
modernidade. Revista de Psicologia, Fortaleza, v. 21, n. 1/2, p. 103-110, 2003.
Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/12782/1/2003_art_
lcfigueiredo.pdf. Acesso em: 12 ago. 2021.
FREUD, S. S. (1923). O eu e o id. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. (v. 16; Obras
completas).
FREUD, S. S. (1900). A interpretação dos sonhos. Rio Grande do Sul: L&PM, 2012.
50
JAPIASSU, H. P. Introdução ao pensamento epistemológico. 6. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1934.
LACAN, J. Kant com Sade (1962). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
p. 776-803.
TAYLOR, E. William James, and Sigmund Freud: the future of psychology belongs to
your work. Psychological Science, [s. l.], v. 10, n. 6, p. 465-9, 1999.
51
52
UNIDADE 2 —
A METAPSICOLOGIA
FREUDIANA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
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54
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
A METAPSICOLOGIA: O QUE É?
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, estudaremos aqui os aspectos específicos das formulações freu-
dianas acerca da organização mental e psíquica humana, seremos instigados com elu-
cubrações, a fim de conseguir compreender alguns dos preceitos psicanalíticos.
Desde que Freud introduziu as primeiras discussões sobre esta temática, mui-
tas controvérsias e inquietações foram postuladas, mas no geral há sempre um ponto
que elucida e direciona estes movimentos: o conceito de inconsciente. Mesmo o psi-
canalista Jacques Lacan, após várias provocações, acaba estabelecendo uma analogia
entre inconsciente e psicanálise, natureza e física, de modo a alinhar uma “equivalência
entre essas instâncias”.
Assim como existe uma série de disciplinas e ramos científicos que tentam e
se desdobram para compreender e construir conhecimentos sobre a natureza (seja na
física, na biologia, na matemática, entre outras), o mesmo ocorre com o inconsciente. E
é aqui que a metapsicologia freudiana se posiciona.
55
2 A METAPSICOLOGIA COMO UMA PSICOLOGIA METAFÍSICA
Sigmund Schlomo Freud, ou como ele mesmo se autonomeava, a partir de
1878, apenas Sigmund Freud, um proeminente médico vienense do início do século
XX estabelece uma prática científica a qual ele delimitou psicanálise, na sua visão
uma “ciência natural”, ou como ele mesmo a define, uma psicologia empírica, pois, ao
mesmo tempo, é um método de “tratamento psicológico”.
Isso implica dizer que as teorias nessa seara têm como premissa resolver
problemas empíricos específicos, ou seja, para Freud, enquanto ciência, o corpo
se compõe de conhecimentos, e, assim, é constituído por teorias de diferentes tipos:
algumas que de um lado versavam desde aspectos empíricos, e outras em que se
estabelecem posicionamentos mais especulativos.
ATENÇÃO
Autores como Nasio (1997) e Jorge (2008) já sinalizaram que os
conceitos de pulsão, libido e aparelho psíquico se encontram nesta
segunda porção. E é justamente a qual Freud denomina como
metapsicologia.
56
O pensamento freudiano referente à teoria metapsicológica, tem seu desen-
volvimento e construção na junção entre a parte empírica e a parte especulativa
de suas teorizações e conceituações. As quais unem-se de maneira harmoniosa, com
um modo muito particular de definir e conceber a pesquisa científica, algo como uma
conformação intelectual (concreto e abstrato ao mesmo tempo).
57
NOTA
Devemos distinguir os aspectos clínicos dos processos incons-
cientes, os quais já haviam sido explorados por outros médicos an-
teriormente, tais como o psiquiatra francês Jean-Martin Charcot ou o
neurologista francês Hippolyte Bernheim, os quais o próprio Freud
rende menção. E quanto ao “pensamento inconsciente”, em termos
metapsicológicos, é preciso estabelecer o que é considerado factual
e o que é especulativo. Nesse sentido, parece mais salutar consi-
derar como uma “instância psíquica” entrecruzada e produzida no
encontro de certas forças e energias.
58
QUADRO 1 – TERMOS E CONCEITOS FREUDIANOS
59
Para Fulgêncio (2005), são estes os fundamentos que para Freud caracterizam
a Psicanálise. Uma tentativa de delimitar, descrever, explicar e dimensionar dois con-
juntos de fatos incomuns e de difícil tarefa observacional: transferência e resistência.
Algo que emerge, como descrevem a experiência e as práticas clinicas de Freud, a todo
o instante que se entra no “encalço” dos sintomas de um neurótico em busca de suas
origens, normalmente em sua vida passada.
E é nesse ponto que Fulgêncio (2005) salienta a concepção de Freud sobre tais
conceitos, como sendo metapsicológicos, uma vez que eles ocorrem sob a forma de
sentenças metapsicológicas. Para Freud, o sonho opera sob a premissa da realiza-
ção de um dado desejo. Mas esta premissa diz respeito apenas à uma “porção psico-
lógica” da solução, não a biológica.
ATENÇÃO
É interessante notar que a explicação metapsicológica aponta duas
direções possíveis. Uma voltada para a construção de soluções por
referência aos processos corporais, obtidas e formuladas em termos
biológicos, uma vez que o sonho é vivenciado em termos corpóreos.
E outra via apresentada na tentativa de organizar o que poderia
“significar” os motivos que mobilizam o sujeito: uma certa causa da
existência daquele desejo e sua elaboração por meio do sonho.
Desse modo, seria o processo propriamente psíquico envolvido na
realização do desejo por meio do sonho.
60
Devemos lembrar que toda prática científica, se explícita, tem uma relação de
dependência com uma dada teoria, afinal, ela funcionará como bússola para orientar as
formas de selecionar os fenômenos a serem estudados.
E é isso que Freud propõe ao ter que, diante uma multiplicidade de fenômenos
a serem considerados, escolher quais os elementos seriam pertinentes de observação.
E por conta disso, seriam capazes de possibilitar o estabelecimento de certos tipos de
relação a serem empreendidos: um movimento de vinculação entre fenômenos e seu
devido ordenamento.
NOTA
Tomemos a compreensão freudiana do conceito de funções
mentais. Para Freud, tratava-se de algo a ser mensurado não de
forma direta, mas com seus efeitos: aumento, diminuição e des-
locamento, como uma descarga energética pelo corpo. Mesmo
sendo precisamente especulativo, este é um exemplo de conceito
auxiliar, haja vista que sua aplicação contribuiu apoiando os mo-
dos explicativos e de organização dos fatos e dados empíricos em
foco e, por conseguinte, não necessariamente corresponde a um
elemento crivelmente implicado no fenômeno em estudo.
61
Distinguir um do outro, pelo menos no campo psicanalítico, parece ser algo
pouco usual e produtivo, pois é difícil separa o “joio do trigo” quando um e outro se
embrenham na constituição um do outro. Afinal, mesmo que os fatos clínicos sejam
agregados no manejo de formulações teóricas, não há como afirmar, indiscutivel-
mente, o que oriunda da experiência em contraponto do que procede do significado
(percepção) daquilo que foi experienciando, pelo menos não em psicanálise.
Para Freud, a descrição dos fatos em si não dava condições suficientes de ex-
plicar de modo satisfatório como os fenômenos psíquicos operavam, e mesmo no
nível consciente, parece algo interpretativo para se empreender. A forma encontrada
por Freud para fornecer um caráter descritivo ao inconsciente foi estabelecer e for-
mular a concepção de elementos que nele habitavam e poderiam ser observados em
carácter indireto, por exemplo, as “forças” e “energias” de “natureza psíquica”.
Ainda resta entendermos como e com quais tipos de modelos conceituais es-
peculativos são estruturadas e “maquinadas” as “teorias empíricas” de Freud. O modelo
metapsicológico freudiano pressupunha a utilização dos mesmos preceitos meto-
dológicos das chamadas ciências naturais da sua época: hipóteses estabelecidas por
aproximação.
Seu valor é impreciso, uma vez que um modelo busca ilustrar o funcionamento
e dinâmica de um dado fenômeno. Imagine um furacão, especificamente seu “olho”,
como é possível descrever e explicar as forças e energia ali implicadas? É preciso fazer
simulações, correlações, comparações e estimativas indiretas, mesmo em caráter em-
pírico. Mesmo se utilizados certos instrumentos computacionais, estes operam sobre a
forma de simulações e “modelagens da realidade”.
62
FIGURA 3 – OLHO DO FURACÃO
63
Como é possível apreender estas explanações se elas têm um caráter notada-
mente especulativo? Foi com base em conjuntos de dados e hipóteses desta ordem
que Freud foi a um modo procedimental muito próprio da Psicanálise, o processo de
verificação.
ATENÇÃO
Alguns autores e comentadores da obra freudiana, como Fulgêncio (2005),
o psicanalista argentino Juan-David Nazio, o psicanalista brasileiro Marco
Antônio Coutinho Jorge, ou mesmo a historiadora francesa Élisabeth
Roudinesco, apontam que fica evidente, com a expressiva presença na
obra de Freud, conceitualizações em termos de “forças psíquicas”.
64
Sendo assim, as explicações também precisavam ser abordadas, produzidas e
buscadas a partir dessa premissa. Com isso, os fatos quando observados precisavam
ser organizados (estruturados e formatados) e relacionados (entre si), em função de
supostas forças e movimentos em caráter conflitivo. Cabe destacar que uma formula-
ção metodológica dessa natureza tem como pressuposto explicitar um significado.
O que, em termos práticos, designa a adoção de um ponto de vista “dinâmico” sobre os
modos de práticas e investigação científica.
IMPORTANTE
Nesse contexto está o elemento central no arcabouço metodológico
psicanalítico proposto por Freud: o ponto de vista. A maneira ou a
perspectiva sob a qual o olhar de quem observa, analisa, significa e
compreende, assume.
65
NOTA
Ao descrever a pulsão, o recurso utilizado por Freud é de ordem
metapsicológica. Afinal, ele busca explicar em termos empíricos
um elemento abstrato, em caráter auxiliar. E assim, enquanto
força (digna de materialidade), a pulsão, tal como na natureza, atua
sobre a porção corpórea humana.
São esses conceitos, como aponta o próprio Freud, que subsidiam e dão a
porção estrutural de sua metapsicologia. Sob três eixos estruturantes, veremos os
aspectos que constituem, operacionalizam e mobilizam o psiquismo humano na visão
de Freud:
• aspectos dinâmicos;
• aspectos topográficos;
• aspectos econômicos.
66
Então, há concomitantemente uma outra porção desse aparelho psíquico,
o que ele chama de econômico. Um elemento quantitativo (uma suposição lógica,
lembrando que estamos tratando de conceituações auxiliares que nos apoiem no
entendimento de um mecanismo), para a energia psíquica, ao que será investido e
empenhado em uma causa, provocação, um motivo desencadeado: objeto de desejo,
medo, saturação etc. Contudo, existe ainda uma terceira via ser considerada: o aspecto
topográfico. É daqui que se empreende a noção de aparelho psíquico, algo possível
de ser visualizado, e como tal, passível de configuração e reconfiguração, a pender da
perspectiva utilizada em sua análise.
67
Evidentemente Freud não inventou o modo especulativo para conceber suas
teorizações. De modo que isso já havia sido empreendido em larga escala com filósofos
e pensadores, sejam eles contemporâneos ou não de sua metapsicologia. Mesmo com
aqueles oriundos das “ciências naturais”, isso já havia sido aplicado de modo exitoso.
IMPORTANTE
Muitos dos “mestres” ou mesmo de pensadores, alvos da admiração
de Freud, empreenderam ações investigativas sob a premissa especu-
lativa e ficcional de elementos, aspectos e conjecturas, a fim de abarcar
questões concernentes e necessárias às próprias teorizações. Como
destaque, cabe aqui listar alguns: o filósofo, matemático e físico alemão
Gustav Theodor Fechner; o fisiologista alemão Herman von Helmholtz;
o médico alemão Ernst Wilhelm von Brücke; o filósofo e psicólogo ale-
mão Franz Clemens Honoratus Hermann Brentano; o filósofo prussiano
Immanuel Kant; o físico austríaco Ernst Mach. A lista é longa, mas já dá
podemos ter uma noção da complexidade e da amplitude com que tal
prática investigativa especulativa foi empregada.
68
Nesse sentido, precisamos considerar que a metapsicologia freudiana fornece
valoração aos fenômenos psíquicos, mas sem, necessariamente, diminuir-se quan-
to a seus conceitos: as forças, as energias ou as instâncias de um aparelho. Mesmo a
prática clínica apresenta um componente empírico a suas definições, nem tanto por
instrumentalizar paciente e terapeuta para atuar experiecialmente, porém, mais com o
intuito de:
69
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• Para Freud, na ciência existem teorias de diferentes tipos: algumas que versam as-
pectos empíricos e outras em que se estabelecem posicionamentos mais especula-
tivos.
• Freud estruturou sua teoria metapsicológica sob três eixos, ou seja, três aspectos
que constituem, operacionalizam e mobilizam o psiquismo humano: dinâmicos; to-
pográficos; econômicos.
70
AUTOATIVIDADE
1 Para estabelecer os parâmetros científicos em seu projeto metapsicológico, Freud
fez uso de certos “expedientes” alternativos. Nesse sentido, é possível afirmar que:
I- São excludentes.
II- São práticos e experienciais.
III- Devem ser compartilhados, traduzidos, implicados e apropriados.
71
( ) Uma tentativa de delimitar e descrever, explicar e dimensionar dois conjuntos de
fatos incomuns e de difícil lide observacional: transferência e resistência.
( ) Algo que emerge, como descrevem as experiências e práticas clínicas de Freud, a
todo o instante que se entra no “encalço” dos sintomas de um neurótico em busca
de suas origens.
( ) Uma psicologia baseada apenas em fatos clínicos.
4 Freud estruturou sua teoria metapsicológica sob três eixos, ou seja, três aspectos
que constituem, operacionalizam e mobilizam o psiquismo humano: dinâmicos; to-
pográficos; econômicos. O que caracteriza a condição metapsicológica da teoria
freudiana?
5 Para Freud, a descrição dos fatos em si não dava condições suficientes de explicar
de modo satisfatório como os fenômenos psíquicos operavam, e mesmo no nível
consciente, parece algo interpretativo para se empreender. Como Freud estabeleceu
as bases da realidade inconsciente dos fenômenos psíquicos a que se buscou
entender?
72
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
A METAPSICOLOGIA DA
PSICANÁLISE FREUDIANA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, buscaremos definir um quadro genealógico da metap-
sicologia de Freud. Para se estabelecer, enquanto projeto científico, Freud precisou pro-
por algumas bases para sua Psicanálise. Nessa perspectiva serão apresentados alguns
conceitos específicos que direcionam os entendimentos da Psicanálise suas reflexões
acerca do funcionamento psíquico.
Cabe lembrar que Freud foi “forjado”, intelectualmente, sob um clima cientificis-
ta e positivista, muito característico do século XIX, no qual a visão predominante enten-
dia a ciência como uma “produção suprema do homem e a única que pode conduzi-lo
ao conhecimento” (GARCIA-ROZA, 2009, p. 44).
Considerando que a dinâmica utilizada por Freud buscou integrar diferentes ar-
ticulações, em especial os aspectos empíricos (em geral clínicos) e especulativos, ob-
servaremos que isso se reverteu na perspectiva de que Freud, assim como muitos de
seus contemporâneos, partiu da premissa de que “os processos psíquicos são passíveis
de serem expressos por leis científicas” (GARCIA-ROZA, 2009, p. 45).
73
2 A METAPSICOLOGIA DE FREUD E SUAS IMPLICAÇÕES
NA PSICANÁLISE
Inicialmente, estudaremos a respeito do aparelho psíquico, de modo que Freud
concebia o psiquismo humano como um aparelho no qual flui uma determinada energia
que vai sendo transmitida e transformada. Para ele, o funcionamento desse “aparelho”
tinha no âmago de seu funcionamento duas premissas:
• existe uma dada “quantidade” (Q) que dimensiona a atividade do repouso das
partículas materiais;
• tais partículas materiais se identificam com os neurônios.
São essas duas premissas que atuam regulando o “aparelho psíquico”, por meio
de mecanismos como o Princípio de Inércia Neurônica, no qual os neurônios tendem
a descarregar completamente toda a quantidade (Q) de energia que a eles é propagada.
Além do Princípio das Barreiras de Contato, em que, no sentido oposto, atua ofere-
cendo ações de resistência à descarga total.
Esse modelo explicativo, mais do que fornecer uma condição ontológica, busca
apenas descrever, por alusão, uma “mecânica” de funcionamento. Como aponta Gar-
cia-Roza (2009), trata-se de um empréstimo da teoria termodinâmica da física. Isso
significa que o aparelho psíquico de Freud foi, enquanto tal, concebido a partir de uma
referência, especificamente do modelo “termodinâmico”, ou seja, mesmo os neurônios
não se referem a elementos analisados por ciências como a histologia e neurologia de
sua época. Devemos lembrar que Freud, a todo o instante utiliza elementos “fantásti-
cos”, auxiliares, como apoio para suas reflexões a respeito do aparelho psíquico.
Sem dúvidas, como destaca Garcia-Roza (2009), Freud utiliza muitas descober-
tas empreendidas pelos cientistas de sua época. Todavia, não lhes foi fiel em demasia
para estruturar suas explicações metapsicológicas
74
IMPORTANTE
Os neurônios aludidos por Freud são constituídos não como os
que foram descobertos pela histologia do século XIX. Ao contrário,
são tidos como base material do aparelho psíquico, sim, mas não
é “uma tentativa de explicação do funcionamento do aparelho
psíquico em bases anatômicas” (GARCIA-ROZA, 2009, p. 47).
Isso significa que a vida psíquica trabalha entre esses polos, numa certa tensão
que nunca se esgota, ou seja, a vida, de acordo com a metapsicologia freudiana, é uma
eterna tensão psíquica. Algo que mais à frente será denominado por Freud como o
Princípio de desprazer-prazer.
75
ATENÇÃO
O modelo freudiano especula que existem duas extremidades do
arco reflexo. Então, ao pensar no aparelho psíquico, trata-se de
seus polos, mas o aparelho está imerso, e assim é constituído pela
realidade externa. Na fronteira desse aparelho existe a separação
entre um interior psíquico e um exterior que o circunscreve.
Para Freud, a excitação é sempre interna, uma vez que tudo, interno (fome
e sono, por exemplo) ou externo (como acidente, tropeço ou pancada) deixa uma
marca psíquica.
Como descreve Nasio (1997, p. 18) “a fonte da excitação endógena é uma mar-
ca, uma ideia, uma imagem, ou, para empregar o termo apropriado, um representante
ideativo carregado de energia”, então, há uma estimulação “ininterrupta” que tende a
manter o aparelho psíquico em estado de tensão constante, mobilizando o sujeito a
buscar permanentemente descarregar tal tensão.
76
FIGURA 7 – DINÂMICA DE “ESCOAMENTO ENERGÉTICO”
77
neurônicos, ou como mais tarde em psicanálise se intitularia como investimento. Esse
Q circula no sistema de neurônios, desenhado por Freud, na passagem de um para o ou-
tro, por meio de diferentes caminhos, regulados pelo princípio de inércia neurônica
e pelo princípio de constância.
ATENÇÃO
Para essa função há uma outra de ordem secundária, que procura
não apenas liberar Q, mas, também, tende a conservar as vias de
descarga, de modo a possibilitar uma condição de manutenção de
afastamento de fontes de excitação. Algo como equilíbrio = função
(descarga) mais função (fuga do estímulo), ou seja: eq = f (d) +f (fe).
Essa modelagem proposta por Freud está baseada na ideia de que o funciona-
mento do aparelho psíquico ocorre buscando evitar o livre escoamento da energia
(GARCIA-ROZA, 2009), pois, há no sistema uma convergência de diferentes fontes de
estímulos, podendo ser contempladas em dois tipos: exteriores (ambientais) e interiores
(endógenas, oriundas do próprio organismo). Assim, para Freud, nessa convergência
são criadas as demandas, necessidades e mobilizações no sujeito: fome, frio, sono, se-
xualidade, entre outras.
78
FIGURA 8 – PESOS E CONTRAPESOS NO SISTEMA INCONSCIENTE
O contrapeso desenhado por Freud foi denominado lei da constância (L. C.).
Trata-se de uma tendência que contrapõe o princípio da inércia. Se no P.I. a tendência
é reduzir Q a zero, o sistema psíquico faz uso da L.C. a fim de regular, mantendo Q em
níveis reduzidos, a ponto de se proteger de qualquer oscilação, numa constante.
DICA
Para compreendermos mais obre o princípio da constância,
recomendamos a leitura da obra Além do Princípio do Prazer, de
Freud, publicada em 1920.
79
Inerente a essa proposta, Freud entendeu que tal dinâmica produz uma classi-
ficação, uma tipologia de neurônios: aqueles que permitem a fruição de Q (os quais ele
denominou permeáveis) e aqueles que limitam essa passagem (denominados imper-
meáveis). Sendo que os primeiros, por procederem a passagem de Q, tendem a retornar
ao estado anterior, mas os impermeáveis não, pois, a cada passagem há uma quanti-
dade de Q diferente já armazenada, podendo ou não ter sido investida. E aqui reside a
ideia de memória neurônica, pois, acaba sendo estabelecido um histórico de excita-
ções e de investimentos (destinos). Essa relação estrutura dois sistemas neurônicos:
IMPORTANTE
Muitas vezes, tal represamento produz marcas psíquicas. De
modo que fruição, escoamento e descarga passam a seguir
um mesmo caminho. Regulada pela marca psi que direciona
e orienta a fim de ser investida. Essa é uma característica
marcante e inerente dos neurônios Ψ (psi).
Para Freud, este volume Q, via Φ (phi), impede qualquer criação de barreira de
contato. Ao passo que com o volume de Q, é consideravelmente menor nos neurônios
Ψ (psi), havendo maior probabilidade de se estabelecer barreiras mais perenes e, assim,
de memória.
80
Ambos os sistemas neurônicos, Φ (phi) e Ψ (psi), atuam primordialmente es-
coando grandes quantidades de Q, enquanto mecanismo de evitação de dor (despra-
zer), em função do acúmulo excessivo de Q, o qual, muitas vezes é formado em fun-
ção da contenção seletiva imposta pelos “neurônios Ψ (psi)”. O princípio do prazer,
descrito por Freud, momentos mais adiante em sua obra, segue esta dinâmica.
Além das descrições até aqui empreendidas a respeito dos sistemas neurônicos
que ilustram uma porção quantitativa, para Freud, há ainda que se considerar a porção
qualitativa dessa sistemática. Desse modo, ele propõe uma terceira “via neurônica”, ou
seja, uma terceira tipologia que se especializa quanto à “qualidade” do aparelho psíquico.
IMPORTANTE
Aqui não se identifica a função memória, o estado é transitório,
assim como a percepção. O ponto central da proposição de Freud
é a condição de transitoriedade dos neurônios ω (ômega). Mais
do que a carga de Q em si, o que é denotado a esse sistema
neurônico é o tempo e o período com que recebem estimulação.
Há exposição a uma carga mínima, suficientemente necessária,
para a excitação.
81
2.4 A EXPERIÊNCIA DA SATISFAÇÃO E A EXPERIÊNCIA DA DOR
Na linha das “descargas” e dos “escoamentos” possíveis e exequíveis pelo sis-
tema neurônico, seus resíduos atuam como experiências significantes: de satisfação e
de dor, na perspectiva metapsicológica de Freud. E serão essas “experiências” que pro-
duzirão e constituirão os chamados afetos e estados de desejos. Agora, tentaremos
traçar algumas considerações acerca da chamada experiência de satisfação.
ATENÇÃO
A grande questão levantada por Freud é que a repetição dessa ex-
periência está mais ligada à imagem registrada sobre o objeto e da
vivência em si, do que do objeto e situações reais. Imagine, então,
que um recém-nascido ainda não é capaz de diferenciar uma coi-
sa da outra, para ele tudo é real. Esse circuito é desencadeado,
havendo a experiência concreta ou não. Mais do que a descarga,
o foco torna-se a posse do objeto para a repetição da experiência
de satisfação. O que, na maioria das vezes, acaba gerando frustra-
ção, uma vez que ele não encontra o objeto à disposição a todo
momento. Esse movimento produz, concomitante, a percepção da
realidade em função das ausências e presenças a ele disponíveis.
82
No caso da experiência da dor, a situação é análoga, pois uma das tendências
básicas do funcionamento psíquico é a orientação para evitar desprazer, ou seja,
escoar o aumento excessivo nos níveis de Q. O sistema é ativado na medida em que é
identificado: ativa-se uma dinâmica de descarga acompanhada da associação a uma
imagem do objeto que produz a dor.
De uma maneira invertida, o objeto da dor é aquele que produz o aumento dos
níveis de Q, enquanto o da satisfação o elimina. Dito de outra forma, à imagem do objeto
desprazeroso é reinvestida, e para ela surge um canal de escoamento (um objeto) que
regula a energia a ser descarregada.
Então, desejos e afetos, para Freud, são a base de mecanismos futuros, que
ainda em sua teoria metapsicológica, ele identificou como recalcamento. Este em
especial será trabalhado no Tópico 3 desta unidade.
3 A METAPSICOLOGIA FREUDIANA E O
FUNCIONAMENTO PSÍQUICO
Para Nasio (1997), a metapsicologia freudiana concebe um elemento essencial
para a definição do funcionamento psíquico: os processos inconscientes. E nesse
sentido, segundo o psicanalista argentino, é preciso considerar quatro tempos básicos
que ilustram tal dinâmica:
83
• Prazer: a satisfação parcial ou substitutiva ligada às formações inconscientes não
necessariamente é sentida pelo sujeito como uma sensação agradável de prazer.
Antes, em muitos casos, anteveem uma sensação desprazerosa (uma tensão des-
confortável), a qual se converte em prazer justamente por ocasião de sua descarga,
ou ainda, como aponta Nasio (1997), um certo sofrimento suportado pelo sujeito em
função da possibilidade de prazer futuro. Isto é, para Freud, prazer está mais atrela-
do a um sentido econômico, “descarga de tensão”, ou melhor, encontrar prazer em
ações e movimentos de alívio da tensão. Assim, o sofrimento seria uma experiência
de prazer não sentido.
Nesta linha, Nasio (1997) aponta que diante da infinidade de expressões e com-
portamentos humanos, o desafio é escolher qual, ou melhor, quais formações provêm
do inconsciente.
84
Para ele, tais manifestações surgem em carácter intempestivo, “como atos
inesperados, que surgem abruptamente em nossa consciência e ultrapassam nossas
intenções e nosso saber consciente” (NASIO, 1997, p. 26).
Atos que oscilam desde condutas cotidianas e rotineiras (leia-se aqui atos
falhos, esquecimentos, sonhos, ou alguma ideia brilhante, um insight criativo de um po-
ema ou da solução de um problema) até manifestações patológicas (se alimentar mal,
comportamentos desconexos com a realidade, sintomas neuróticos-psicóticos etc.).
“Normais” ou “patológicos” são produtos inconscientes (abruptos e inesperados).
Podemos imaginar, por exemplo, a apatia de uma pessoa que vê outra em situ-
ação de vulnerabilidade, perigo ou necessidade e não faz nada (seja pela razão que for).
Há algo aí a ser considerado que foge da sua consciência. Um fenômeno que opera a
despeito da escolha consciente do sujeito e que, de um modo ou de outro, acaba por
determiná-lo enquanto sujeito. O psicanalista argentino ainda enfatiza que essa pers-
pectiva considera a ideia de que:
85
FIGURA 10 – RELAÇÃO DENTRO-FORA NO FLUXO ENERGÉTICO
Podemos tomar como exemplo uma análise dos sonhos que temos, muitas ve-
zes, “sem pé nem cabeça”. Eles mostram bem esses tipos de manifestações. Entretanto,
enquanto estrutura, apontam para dois tipos de sistemas: um primeiro que contempla
processos conscientes, e um segundo, processos inconscientes.
86
O segundo grupo, de acordo Nasio (1997), objetiva o “escoamento” da tensão de
modo imediato, com o intuito de atingir o “prazer absoluto”, enquanto tal é caracterizado
por “representações pulsionais”, multiplicando-se em muitos outros. Freud denominou
isso como representações inconscientes ou representações de coisas. E como
tal, englobam todo o tipo de “imagens (acústicas, visuais ou tácteis) de coisas ou de
pedaços de coisa impressas no inconsciente” (NASIO, 1997, p. 19).
Freud destaca que tais representações têm em sua natureza uma condição im-
preterivelmente visual, pois fornecem a matéria-prima de sonhos e, principalmente, das
fantasias. A denominação representações refere-se à outra condição, a de investimen-
to, ou seja, estão carregadas de energia, oriunda de algum fragmento ou acontecimento
real, e que é revisto enquanto representação disso.
NOTA
O conceito de pulsão para Freud, como destaca Fulgêncio (2005, p.
106), pode ser definido como “uma força equivalente às forças físico-
químicas que atuam sobre a matéria”. Lembremos que, no bom estilo
freudiano de especular, “força”, mesmo nas ciências naturais, não é
conceito empírico. Trata-se, então, de uma construção especulativa
teórica, com a intenção de convencionar uma ideia abstrata sem
conteúdo empírico definido, embora necessário.
87
Agora, a respeito do primeiro grupo de processos, há um sistema que Freud
identificou como pré-consciente/consciente. Tal qual o primeiro, ele busca o prazer,
no entanto, ao contrário do primeiro, sua missão é redistribuir a energia (aquela
investida) de modo a descarregá-la gradualmente sob a égide dos ditames do princípio
de realidade. Por conseguinte, as representações daí oriundas são denominadas
representações pré-conscientes e representações conscientes.
ATENÇÃO
Cabe destacar que ambos os sistemas buscam o escoamento
de energia (tensão): o prazer. O que os difere é que enquanto o
sistema “pré-consciente/consciente” opera por meio do alcance
de prazer moderado/parcial, o sistema inconsciente, por sua vez,
tem com premissa a obtenção de um prazer absoluto.
88
FIGURA 12 – INSTÂNCIAS DA PSIQUE HUMANA NA METAPSICOLOGIA FREUDIANA
Para Nasio (1997), o que Freud estabeleceu como aparições conscientes da-
quilo que outrora fora recalcado, no nível inconsciente, mostram-se em muitos casos
como uma solução ao sofrimento, o qual precisa e acaba fruindo à consciência, a fim de
diminuir uma tensão criada. Ou seja, algo que produz uma mistura entre um elemento
inconsciente e uma máscara consciente, ou ainda, como destaca o autor:
89
NOTA
Para Freud, o recalcamento se divide em dois tipos de intervenção:
uma que captura da carga pré-consciente/consciente uma dada
energia e a devolve ao nível inconsciente (esquecimentos, chistes
etc.), a qual denominou de recalcamento primário, e; um outro
tipo de intervenção no qual, o produto inconsciente é literalmente
reinventado como um novo “produto inconsciente”, com uma nova
carga inconsciente.
Isto significa que, a partir de sua natureza tópica, ou seja, enquanto um dos
polos, as fantasias não surgem simplesmente ao nível consciente, mas enquanto
produções inconscientes, num mix entre o que tais “representações inconscientes da
coisa” suscitam e sua máscara consciente (por exemplo, uma vontade inexplicável de
comer manga com leite, ou mesmo um afeto questionável para com uma dada pessoa).
Contudo, na maioria dos casos, as fantasias acabam por atuar como uma espécie de
defesa do “aparelho psíquico” frente a alguma pressão exagerada inconsciente, em
função de uma dada “tensão produzida”, uma “válvula de segurança”.
90
Desse modo, devemos compreender que as “produções finais do inconscien-
te” não atuam de maneira a atender plenamente esse movimento. Dito isso, o que são
operadas são realizações parciais do desejo. Elas podem ocorrer e satisfazer parcial-
mente o desejo, ou ainda, substituir o alvo ideal de satisfação, e que jamais será atingido
por algo possível e que não colapse o aparelho, ou mesmo o funcionamento psíquico.
FONTE: O autor
91
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• Freud concebia o psiquismo humano como um “aparelho” no qual flui uma determi-
nada energia, sendo transmitida e transformada. Seu funcionamento seguia duas
premissas: a existência de uma dada “quantidade” (Q) de energia que dimensiona a
atividade do repouso das partículas materiais, e que tais partículas materiais seriam
definidas como neurônios.
92
AUTOATIVIDADE
1 Para Freud, há uma força no âmbito psíquico, equivalente às forças físico-químicas
que atuam na matéria, mobilizando a ação e a atuação do sujeito. Freud denominou
essa força como:
a) ( ) Representações do pré-consciente.
b) ( ) Pulsão.
c) ( ) Estados empíricos do sonho.
d) ( ) Experiência generalizante da clínica.
2 O psiquismo humano, para Freud, era concebido como um aparelho em que flui uma
determinada energia, de modo que ela é transmitida e transformada. Isso implica que
o funcionamento desse aparelho atendia algumas condições. Sobre tais condições,
analise as sentenças:
I- Existe uma dada quantidade (Q) que dimensiona a atividade do repouso das
partículas materiais.
II- As partículas materiais são como os neurônios.
III- A energia Q é algo doloroso e intenso.
93
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – V – F.
c) ( ) V – F – V.
d) ( ) F – F – V.
94
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
CONTRIBUIÇÕES DA METAPSICOLOGIA
PSICANALÍTICA PARA A CLÍNICA
CONTEMPORÂNEA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos alguns elementos essenciais para o pro-
jeto metapsicológico de Freud, de modo que auxiliarão conceitos futuros desenvolvidos
na estruturação e proposição de uma “ciência psicanalítica”.
ATENÇÃO
A questão aqui é “qual é o sentido produzido?” ou “por que
fazemos o que fazemos enquanto ato?”. Dar sentido a um ato
involuntário está relacionado com a sua condição de substituto
de um conteúdo idealizado. Um ato que, em suma, opera
sob uma condição de impossibilidade de se efetivar, ou seja, foi
produzido, mas não pôde acontecer.
95
Como transportar isso para a conotação sexual a qual Freud enfatiza? Todo ato,
para Freud, é passível de interpretação, porque carrega consigo um significado, um
sentido que o direciona de modo substitutivo ou não. Como mostra Nasio (1997), por-
tanto, todo o ato (involuntário ou não) tem um sentido. O problema, então, é qualificá-lo
enquanto tal: qual teor que nele está atrelado este sentido?
96
Nesse sentido, precisamos compreender o conceito psicanalítico de sexua-
lidade sob a perspectiva do investimento, pois nascem de uma representação vin-
culada à uma zona erógena corpórea, que a mascara a nível consciente, porém, sob
o efeito do barramento recalcante. Enquanto tendência, Freud denominou este movi-
mento de pulsão sexual.
Enquanto objeto, pouco importa quem ou o que ele seja, pois, no limite, ele é
fantasiado pelo sujeito, não sendo, necessariamente, real. Os atos substitutivos, em
especial aqueles oriundos de pulsões sexuais, são forjados e exprimem um compo-
nente sexual, produzido em uma dada fantasia (ou várias). Sua operacionalidade é es-
truturada em torno do objeto fantasiado, não de sua condição real. Mais do que isso,
o que mobiliza é a possibilidade de investimento, ou seja, o prazer que ele, enquanto
fantasia-fantasiado, objetiva proporcionar.
97
papel de mediador da fantasia pelo sujeito (não é mais o objeto real que opera, mas sim
a fantasia do sujeito sobre ele criado. Um abraço, um carinho, uma provocação visual,
entre outros, assume o poder promotor de prazer, por exemplo.
Didaticamente, essa divisão apresentada por Nasio (1997) descreve três estados
que se misturam e se confundem na dinâmica amorosa. Nesse sentido, é justamente
sob essa dinâmica que as pulsões sexuais se embrenham buscando proporcionar uma
“satisfação possível”. Para Freud, em sua teoria metapsicológica, há uma condição
antagônica entre aquilo que é idealizado e o que é possível.
98
É interessante notar que o Ego que Freud propõe em sua metapsicologia não
está totalmente alinhado com o que ele vai propor na segunda tópica (GARCIA-ROZA,
2009). Na primeira ele é proposto mais como uma formação oriunda do sistema Ψ
(psi), e que por conta disso, não está relacionado a questões que envolvam a realidade:
percepção, consciência e desejo.
99
Lembremos que a função perceptiva da realidade é vivenciada pelos
neurônios ω (ômega), mas a função de inibição é operada pelo Ego. É aqui que Freud
entende a necessidade de propor uma teorização que explique tal dinâmica: trata-se
dos processos primários e secundários.
Sendo assim, o papel que o Ego assume é essencial. Em uma dupla função, ele
opera inibindo e defendendo o funcionamento do aparelho psíquico. Assim, os pro-
cessos primários, como destaca Garcia-Roza (2009), referem-se aos processos que
têm como função defender a integridade do aparelho psíquico.
ATENÇÃO
Garcia-Roza (2009) alerta que é preciso diferenciar processos primá-
rios e secundários de funções primárias e secundárias. Enquanto
os primeiros referem-se ao fluxo (livre o regulado) da energia psíquica a
ser investida em um dado objeto, os segundos, por sua vez, referem-se
às funções básicas do sistema nervoso: o modelo do arco-reflexo e a
descarga total de Q (primárias), e a fuga de estímulo (secundária).
100
FIGURA 17 – FLUXOS E SENTIDOS
Outro ponto a ser destacado, o qual Freud enfatiza em sua obra (GARCIA-ROSA,
2009), é que, sob o prisma genético, os processos secundários seriam resultados de
uma transformação dos processos primários, visto que Freud entendeu que os proces-
sos secundários seriam uma etapa “mais evoluída” dos processos primários quanto ao
modo de gerir a energia psíquica. Seja reprimindo, seja buscando caminhos alternati-
vos para fluir a energia psíquica e seu investimento possível. Nesse sentido, podemos
dizer que cada um corresponde uma etapa de desenvolvimento em relação ao outro.
101
FIGURA 18 – SONHOS
102
3.1 A INTERPRETAÇÂO DOS SONHOS
Em sua obra A interpretação dos sonhos, de 1900, Freud, introduz uma grande
quantidade de conceitos, com a intenção de formular sua primeira teoria do incons-
ciente. Buscou, assim, estabelecer um grau de amplitude suficientemente abrangente,
a fim de abarcar uma função comum a todo sujeito, na figura do sonho, por exemplo,
além de mecanismos inconscientes e mesmo conscientes que se estruturam de modo
neurótico. Para ele, os sonhos são um exemplo contundente das latências dos conteú-
dos inconscientes, mas não daquilo que se torna manifesto pela via do sonho.
No entanto, cabe destacar que “o sonho não quer dizer nada a ninguém; não é
um veículo de comunicação; ao contrário, se empenha em permanecer incompreendi-
do” (FREUD, 1917 apud JORGE, 2008, p. 126). Há, desse modo, a necessidade de esta-
belecer um carácter relacional entre o sentido e a interpretação a ser estabelecida,
mas com foco no inconsciente e não no sonho e suas figurações em si. Mais do que uma
dada simbologia, é preciso considerar as motivações individuais, ou seja, aquilo que
singularmente se restringe ao indivíduo e não a um simbolismo universalizante, segun-
do Freud, é preciso fugir disso.
103
3.2 O SIMBOLISMO E SIGNIFICANTES NOS SONHOS
Freud considerava o simbolismo um elemento secundário no processo in-
terpretativo dos sonhos. Contudo, como bem lembra Garcia-Roza (2009), precisamos
lembrar que símbolo, etimologicamente falando, possui uma ressalva interessante no
que se refere à interpretação. Mais do que dar uma qualidade a um objeto, o termo grego
symbolon designa duas metades de um objeto partido que se aproximavam. Isto é,
designa uma relação que se convenciona em termos de sentido e significado.
104
3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÔES SOBRE A METAPSICOLOGIA
FREUDIANA
Autores como Fulgêncio (2005), Jorge (2008), Nasio (1997) e Garcia-Roza
(2009) entendem a teoria metapsicológica de Freud como uma bússola, um norte
referencial de ação acerca das práticas estabelecidas em psicanálise. A “descoberta”
dos processos inconscientes revolucionou o modo de pensar em uma série de áreas,
nuances e dimensões do cotidiano das pessoas. Suas relações interpessoais, a política,
e a própria existência humana em seus contextos vivenciais.
FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/sigmund-freud-cartoon-sitting-on-
his-388215331>. Acesso em: 2 ago. 2021.
Por fim, as teorizações propostas por Freud em sua metapsicologia não criam
os fenômenos inconscientes, apenas os desmascaram. Assim como outros fenômenos
psíquicos ocultos. Há, então, uma dinâmica produtora de condições e modos de existir.
Uma dinâmica que mobiliza diferentes ações e regula fluxos e “modos de escoamento”
de energia psíquica. Então, a vida guiada sob a perspectiva de um dado funcionamento
psíquico produz modos de existência, mas especialmente de significação.
105
LEITURA
COMPLEMENTAR
O QUE É METAPSICOLOGIA CIENTÍFICA?
A palavra Trieb pode ser traduzida como pulsão ou instinto. Outra palavra ale-
mã, Instinkt, também é utilizada por Freud para se referir, neste caso, apenas ao instinto
no seu sentido exclusivamente biológico. Apesar de reconhecer a diferença entre Trieb e
Instinkt, Andrade (2003) propõe que se traduza Trieb como instinto, pois acredita, entre
outras coisas, que o termo é menos inadequado, mais simples e mais fiel aos escritos de
Freud. Por outro lado, boa parte dos psicanalistas traduz Trieb como pulsão. Esta será
nossa posição neste artigo.
106
pois, diferentemente dos animais, a sexualidade humana não está apenas a serviço da
reprodução e da conservação da espécie, mas é perversa, ou seja, vai além da genitali-
dade e adquire um caráter mais amplo.
REPRESENTAÇÕES E AFETOS
107
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• O sonho se apresenta como exemplo mais notório dos processos primários. Pois, há
uma diminuição da função orgânica e um aumento da livre circulação da energia
psíquica.
108
AUTOATIVIDADE
1 Qualquer que seja a manifestação a nível consciente, um pensamento, uma palavra,
um sentimento ou um comportamento precisa ser compreendido para além de
questões externas. Há algo que lhes valora, há uma mensagem por eles carregada. A
isso Freud estabeleceu como:
a) ( ) Purgação neurótica.
b) ( ) Dar sentido.
c) ( ) Estados catatônico.
d) ( ) Generalização evidente.
109
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) F – V – F.
c) ( ) V – V – F.
d) ( ) F – F – V.
110
REFERÊNCIAS
FULGÊNCIO, L. Freud’s metapsychological speculations. Int. J. Psychoanal., [s. l.], v.
86, n. 1, p. 99-123, 2005. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1516/
TNY1-6YT7-V37T-16LD?journalCode=ripa20. Acesso em: 29 jul. 2021.
111
112
UNIDADE 3 —
PROCESSOS DE
SUBJETIVAÇÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
113
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
Acesse o
QR Code abaixo:
114
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A PSICANÁLISE FREUDIANA
E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, trabalharemos a compreensão acerca do processo de
subjetivação no interior da psicanálise.
Bons estudos!
115
Visando contribuir para a ciência de seu tempo, Freud, em seu primeiro trabalho
publicado juntamente com Josef Breuer (1842-1925), Estudos sobre histeria (1895), cons-
truiu um novo modelo de prática clínica, em que o saber não estava centrado na figura
do médico, além disso, caberia ao profissional produzir um discurso sobre o doente.
Baseado nas construções empíricas e nos resultados dos seus casos, Freud
estabeleceu, então, um novo modo de fazer a prática clínica, especialmente a clínica
dos cuidados em saúde mental.
NOTA
As primeiras pacientes de Sigmund Freud foram as histéricas. O
termo “histeria” vem de útero, e acreditava-se que as sintomatolo-
gias da histeria seriam encontradas apenas em mulheres, porém,
é possível localizar, na teoria psicanalítica, estudos sobre a histeria
masculina. É importante destacar que a paciente Anna O., atendida
inicialmente por Breuer e posteriormente por Freud, tem uma enor-
me relevância na teoria psicanalítica. Na relação entre Breuer e Anna
é possível perceber os primeiros momentos do que, posteriormen-
te, será discutido como o conceito de amor de transferência entre a
paciente e seu analista. Além disso, é atribuída à Anna a criação da
técnica da associação livre de palavras, conceito primordial na clínica
psicanalítica. Apesar das mudanças sociais, temporais e históricas,
a técnica ainda preserva sua relevância e deve ser estudada com
afinco por todos os estudantes de psicanálise.
116
Compreenderemos, adiante, que os modos de subjetivação dos sujeitos na
atualidade não são os mesmos do contexto de surgimento da teoria psicanalítica freu-
diana, na sociedade vienense.
NOTA
Segundo o dicionário de Laplanche e Pontalis (2001, p. 38), a regra
fundamental da psicanálise, isto é, a associação livre, é tida como um
"Método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os
pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento
dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representa-
ção), quer de forma espontânea".
117
FIGURA 1 – SUBJETIVIDADE E CULTUR
Dessa maneira, cada tempo histórico está implicado em suas condições. Mas
vale ressaltar que a própria história é cíclica, pois existem fatores que se repetem, por
exemplo, a pandemia. Afinal, não é primeira vez que isso ocorre na sociedade humana,
mas, de certa forma, a cada vez que um momento pandêmico atinge a humanidade,
somos levados a lidar com essas questões de uma determinada maneira.
118
Cada novo momento histórico nos alerta para novos modos de enfrentamento
do mal-estar e da angústia, porém, questões como a castração, a falta estruturante,
a dinâmica edípica, o narcisismo, entre outras levantadas pela teoria psicanalítica, se
repete independentemente do tempo histórico e dos aspectos sociais, obviamente em
novas formatações, mas se repetem como o princípio básico do gozo na repetição.
Em vista disso, não podemos falar de algo estático, que se conclui e estaciona,
mas sim de um processo contínuo que se atualiza por meio dos encontros vivenciados
com outros indivíduos que compõem o laço social. Nossa subjetividade é, portanto,
assim como o inconsciente, um conceito dinâmico e que depende das interações
com os outros significativos para se constituir.
119
FIGURA 3 – ERA DIGITAL E SUBJETIVIDADE
Isso significa a ditadura midiática do corpo jovem, belo, perfeito, harmônico que
sustenta toda uma indústria de cosméticos, cirúrgica, medicamentos e moda. Indús-
trias que recorrem à influência das mídias sociais por intermédio dos influencers para
vender e impactar cada vez mais a subjetividade das pessoas, propagando um ideal de
corpo e beleza por vezes irreal.
É, então, na sociedade dos filtros, das pessoas, das máscaras, dos likes e dos
milhões de seguidores que engendramos nossos modos de subjetivação. Quais cami-
nhos irão tomar os processos de subjetivação depois do período da pós-modernidade?
Não sabemos, porém, com certeza as redes sociais e as mídias continuam tendo forte
impacto na determinação dos corpos, dos comportamentos e dos afetos.
120
FIGURA 4 – PADRÃO E SUBJETIVIDADE
DICA
No ano de 2020, em plena pandemia de COVID-19, período marcado pelo isolamento
social e por uma grave crise de sanitária em esfera global, foi lançado o filme O dilema
das redes. O filme nos mostra como os grandes líderes das mídias e da tecnologia
possuem o controle sobre a maneira de pensarmos, agirmos e vivermos.
Nele, frequentadores do Vale do Silício revelam como as plataformas de
mídias sociais estão reprogramando a sociedade e sua forma de enxergar
a vida. Com relatos sobre neurociência e aspectos psicológicos e sociais
associados ao uso das redes sociais, o filme faz uma crítica importante
ao uso abusivo das redes sociais, aos objetivos por trás das plataformas,
bem como aos prejuízos em nível biopsicossocial aos usuários. Vale a pena
assistir e refletir sobre os processos de subjetivação que estamos vivendo,
atravessados fortemente pelos usos das mídias sociais.
A resposta para a pergunta “quem sou eu?” Certamente está atravessada pela
produção de personalidades virtuais. Cabe lembrar que personalidade vem do grego
“persona”, que quer dizer “máscara”, se referindo ao teatro grego e às representações que
os homens faziam de diversos personagens, incluindo personagens femininos com uso
de tais personas (máscaras). Porém, tudo isso ocorre na subjetividade e nos processos
conscientes de construção da identidade dos sujeitos. Quais efeitos a subjetivação
pode ter em relação ao sujeito do inconsciente e seus processos de constituição por
meio do recalque? Vamos entender um pouco mais dos processos de subjetivação para
chegar nessa resposta.
121
ESTUDOS FUTUROS
Como ocorre a constituição da subjetivação na contemporaneidade?
Esse processo inconsciente é afetado por nossa relação com a globa-
lização, mídias sociais, internet e fenômenos de forte impacto, como a
pandemia de 2020? Posteriormente, compreendermos as relações en-
tre subjetivação, psicanálise e pós-modernidade, analisando como o in-
consciente dos sujeitos podem ser afetados por tais fenômenos e quais
impactos eles exercem no processo de subjetivação de cada sujeito.
Com o conceito de pulsão, como aquilo que está entre o somático e o psíquico,
Freud inaugura um novo modo de pensar o ser humano, pensar o desenvolvimento à
luz dos processos de constituição do inconsciente. Analisar a relação do corpo com os
investimentos libidinais e pulsionais será o caminho utilizado pela psicanálise Freudiana
para compreender o sujeito.
122
ATENÇÃO
Desse modo, na teoria freudiana clássica, temos a ênfase no
desenvolvimento psicossexual por intermédio dos processos de
deslocamento da libido e dos investimentos pulsionais, com
destaque na experiência do Complexo de Édipo e sua resolução.
Na teoria Lacaniana, temos a ênfase na linguagem e nos processos
de constituição por meio do estágio do espelho. Na visão de
Melanie Klein, o desenvolvimento do sujeito deve ser pensado
desde os momentos primitivos da relação com o seio materno,
entre outros enfoques que as diversas escolas da psicanálise
irão produzir para compreender os modos de constituição do
inconsciente e como este orienta e se apresenta na consciência.
Segundo a análise realizada por Simões et al. (2011), a visão sobre o psiquismo
e o inconsciente, alicerçada apenas na lógica do indivíduo e da mente, reforçando a
divisão consciente e inconsciente, não é mais referência na clínica contemporânea. Na
atualidade, os processos de constituição dos sujeitos vencem o mentalismo outrora
estabelecido e as visões binárias sobre o humano, fazendo confluir social e psíquico na
formação dos processos subjetivos, em que o Eu e o mundo não se configuram como
instâncias separadas, mas sim complementares na constituição dos processos de
subjetivação da existência humana.
O sujeito pós-moderno é um sujeito em crise. Seus modos de subjetivação
são variados, vivemos, assim, a crise de referência das instituições totalizantes que
normatizam os discursos sobre o sujeito: a igreja, a ciência, o estado, a política e
diversos campos disciplinares, bem como diversas instituições que eram de primordial
importância para direcionar as subjetividades contemporâneas vem caindo por terra
e instaurando o que Jorge Forbes (2004) irá nomear de sujeito desbussolado. Tal
sujeito, de acordo com o psicanalista que defende a clínica do real, é resultado de um
tempo histórico e social.
Forbes (2004) defende uma mudança no ato analítico, ele chama a atenção a
uma transformação do laço social, que exige uma mudança na forma de incidência do
ato analítico. Para o psicanalista, estamos no contexto de uma psicanálise não mais
orientada pelo édipo, pela busca da origem inconsciente dos sintomas neuróticos por
123
meio do movimento de fazer surgir os conteúdos recalcados, ou seja, na atualidade, é
preciso propor uma psicanálise para o ser humano que não sabe o que fazer, nem es-
colher entre os vários futuros que lhe são possíveis: sem pai, sem direção, sem bússola
(FORBES, 2004).
IMPORTANTE
A moda do momento: as cirurgias de harmonização facial
prometem beleza, juventude e o principal, a harmonia. Mas qual
harmonia os sujeitos buscam? Considerando que a face é uma
das partes do corpo humano que estabelece um maior número
de diferenças individuais e características do sujeito, harmonizar
é padronizar pessoas a um modelo "harmônico" ou "ideal". Este
ideal de ego que busca alcançar um padrão de perfeição, um ideal
narcísico de beleza, tem em cada intervenção estética um ideal
frustrado, pois a transformação desse Eu está nos mecanismos
internos de subjetivação de si e não nas performances externas
de corpo, ou como dizem os lacanianos, o corpo "sintoma".
Para pensar uma subjetividade fora da mente, Simões et al. (2011) propõem,
tomando como referência os pós estruturalistas Deleuze e Guattari, um diálogo em
que a subjetivação contemporânea possa incluir não só a dimensão da mente, mas do
sujeito como um todo e também como parte do mundo.
DICA
O principal psicanalista brasileiro que discute a relação entre
subjetivação e psicanálise na contemporaneidade é Joel Birman.
Assista ao vídeo em que ele apresenta a formulação de que não
existe separação entre estatuto do indivíduo e sociedade, mos-
trando o que Lacan chama de inconsciente transindividual,
em que o inconsciente está para além do indivíduo imbricado no
campo histórico e social. O autor aponta que o texto Mal-estar na
civilização, de Freud, é um relato de sujeitos pós-modernos que
se confrontam com as patologias do social. Para assistir, acesse:
https://vimeo.com/71267710.
124
Pudemos notar, então, que os processos de subjetivação dizem respeito
à capacidade humana de interagir com as questões de seu tempo, as demandas
socioculturais e as normativas, absorvendo e aderindo apenas aquelas que considera
pertinente, ou seja, não sendo uma cópia do desejo da sociedade, mas sim o produto de
uma elaboração subjetiva frente às demandas do contemporâneo.
125
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• A psicanálise ocorreu por meio da escuta para além de uma perspectiva da norma
social.
126
AUTOATIVIDADE
1 Sobre a subjetividade e as marcas contemporâneas, é possível analisar uma exa-
cerbação das relações com o corpo por fatores estéticos e necessidade de perten-
cimento com os grupos sociais. São fatores impulsionados pelo fortalecimento do
uso da internet, da ampliação da sociedade do consumo na geração Y e pelo uso das
mídias sociais que exercem influências sobre os processos de subjetivação humana.
Sobre o desejo que corresponde a esse cenário, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Desejo de pertencer.
b) ( ) Desejo de diferenciar.
c) ( ) Desejo de apropriação.
d) ( ) Desejo de vincular.
I- Conflitos sexuais.
II- Conflitos familiares e sociais.
III- Conflitos inconscientes.
127
( ) As redes sociais constituem um grande fator para influenciar no modo de vida e na
construção das subjetividades contemporâneas.
( ) A religião, assim como instituições culturais, científicas e educacionais influenciam
na subjetividade humana.
( ) A subjetividade tem um período biológico de construção.
128
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO NA
PSICANÁLISE PARA ALÉM DE FREUD
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos a perspectiva contemporânea da psi-
canálise, do percurso pós-freudiano até os dias atuais. É impossível pensar a psicaná-
lise sem retomar Freud, uma vez que ele foi o inventor, sistematizador e percussor da
psicanálise, mas com sua morte, houve outros teóricos que fizeram outros avanços a
partir de sua teoria, e criaram outras relações de analisar o inconsciente e até mesmo a
subjetividade e a cultura.
Bons estudos!
129
FIGURA 5 – FREUD O PÓS-FREUD QUE RESISTE
130
refletir sobre ele, trabalham como os processos e com os conceitos
de transferências e de resistência, em virtude do que utilizam como
meio privilegiado de intervenção terapêutica a interpretação do dis-
curso produzido durante a sessão.
Para Lacan, o efeito da subjetividade será analisado pelo estilo adotado pelo
sujeito em sua personalidade, ou seja, uma síntese que representará as funções
psíquicas e sua forma de colocar funções psíquicas no meio social dentro de uma
estrutura, seja ela neurótica, perversa ou psicótica.
O termo “sujeito” já era muito utilizado na tradição filosófica francesa, mas Lacan
(1954-55/2010) o transformou em um ponto central de seu ensino, introduzindo-o na
psicanálise com uma acepção particular: o sujeito não é o indivíduo, no sentido de uma
unidade, mas um sujeito dividido entre consciente e inconsciente. Dessa forma, haveria
um sujeito do enunciado, identificado como sujeito do significado, aquele que está cons-
ciente do que diz; e o sujeito da enunciação, identificado como sujeito do significante,
aquele que está para além do que se diz (LACAN, 1964/2008). O discurso, portanto, não
é mera comunicação, pois nas brechas daquilo que foi enunciado está a enunciação, a
presença do sujeito do inconsciente, aquele que se manifesta por um lapso, um esque-
cimento, um sonho, um chiste, um sintoma, enfim, uma formação do inconsciente.
131
Para explicar o que seria o estádio do espelho, Lacan (1949/1998) nos leva
a imaginar uma cena em que um bebê se encontra diante de um espelho, susten-
tado pela mãe, já que ele ainda não consegue andar nem se manter numa postura
ereta. Ao olhar para a imagem refletida, o bebê se reconhece nela e sua expressão
se enche de júbilo. Se pudesse falar, diria: “Este sou eu!”. O júbilo corresponde à sa-
tisfação narcísica de ter representado um corpo não mais fragmentado, mas unifica-
do. A imagem refletida no espelho, portanto, corresponderia à imagem da mãe – no
sentido da pessoa que exerce a função materna – o que implica dizer que não há a
necessidade de um espelho de fato para que o eu do bebê possa se constituir.
132
fazê-lo. Qualquer atividade da mãe realizada longe do bebê demarca que ela tem
outros interesses, outros desejos e que o bebê não é o único objeto do seu desejo. A
mãe, portanto, é faltosa.
Quando aludimos que a mãe deseja algo além do bebê, identificamos a sua
condição faltosa. É por seguir desejando, por olhar para outras direções, que a mãe
introduz um terceiro significante na sua relação com o bebê.
FONTE: COUTO, D. P. Freud, Klein, Lacan e a constituição do sujeito. Psicol. pesq., Juiz de
Fora, v. 11, n. 1, p. 2-10. ISSN 1982-1247, 2017. p. 6-7. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472017000100004. Acesso em: 2 out. 2021.
133
Na teoria do ego, a defesa de um ego forte é o que prepararia o sujeito para
lidar com as questões mais densas da vida, ou seja, os aspectos subjetivos partiriam
de um treinamento, o que foge de diferentes perspectivas que defendem o além do
princípio do prazer, do real e do gozo defendida por Freud.
ATENÇÃO
A psicologia do ego criada por Hartmann, Kris e Loewenstein teve uma
grande contribuição também na temática da sublimação, incorporando
aspectos artísticos na psicanálise e sendo considerada por alguns auto-
res como a psicologia da arte.
Com isso, podemos perceber que os impasses são inúmeros dentro da psicanáli-
se, mas a psicanálise e seus conceitos são maiores que os próprios psicanalistas, o con-
ceito de subjetividade, por exemplo, é tomado como um camaleão, tendo divergências e
convergências estruturais entre os teóricos da área.
INTERESSANTE
Na atualidade, o livro A interpretação dos sonhos, publicado em 1900,
é um dos livros mais traduzidos do precursor da psicanálise. Após
anos defendendo a psicanálise de forma solitária, Freud fundou o
que ficou chamado como a sociedade das quartas-feiras. Em
1902, na sala de recepção do consultório de Sigmund Freud, ele
e outros interessados em psicanálise, fiéis seguidores da teoria
psicanalítica, se reuniam às quartas para estudar a teoria e discutir
seus avanços e questões clínicas, temos, desta forma, a primeira
sociedade psicanalítica. Segundo Oliveira (2016), eles se reuniam
na Berggasse 19, semanalmente, após as 21 horas, de modo que
cada um deveria apresentar considerações teóricas, artísticas,
literárias que pudessem contribuir para a psicanálise. Todos eram
obrigados a falar e os debates eram por vezes violentos, inclusive
Freud precisava intervir.
134
A história da psicanálise pós-freudiana foi diretamente influenciada pelos di-
versos rompimentos e divergências dentro da sociedade psicanalítica de Viena, ou seja,
a primeira escola de psicanálise formada pelos primeiros seguidores do pensamento
freudiano. Ao questionar os fundamentos teóricos estabelecidos pelo “pai da psicaná-
lise” e propor novos meios de olhar para o inconsciente, além de novas técnicas para
operar com ele, os seguidores percebiam a resistência de Freud, pois ele não flexibili-
zava suas ideias originais, por isso começaram a acontecer dissidências no movimento
psicanalítico freudiano.
Cabe destacar que a hipótese defendida por Freud em toda sua obra é que a
etiologia das neuroses era de origem sexual, hipótese essa defendida até a sua mor-
te, de maneira que ele avançou em suas obras e construiu saberes importantíssimos
sobre a sexualidade infantil, zonas erógenas, bissexualidade psíquica e outras impor-
tantes questões que ainda hoje têm grande relevância social e clínica.
135
FIGURA 8 – FREUD E INTERLOCUÇÕES
FIGURA 9 – INTERDISCIPLINARIDADE
O grupo pioneiro não era formado somente por médicos, mas tam-
bém por educadores e intelectuais da época, contando com um mú-
sico e também com escritores. Participavam das “noites psicológicas
de quarta-feira” Otto Rank, responsável pela redação das atas, Alfred
Adler, Max Graf, pai do pequeno Hans, entre outros.
136
Já nessas reuniões, em suas atas registradas, é possível perceber questões
envolvidas na elaboração de algumas noções ou conceitos próprios à psicanálise,
bem como o surgimento de questões importantes e válidas ainda hoje.
IMPORTANTE
No Brasil, a psicanálise chegou por intermédio de Durval Bellegar-
de Marcondes e Francisco Franco da Rocha, da Sociedade Brasi-
leira de Psicanálise – a primeira da América Latina, que renasceu
como Grupo Psicanalítico de São Paulo, em junho de 1944 –, além
das importantes psicanalistas Virgínia Bicudo e Lélia Gonzalez, que
fizeram com que seus movimentos e conhecimentos reverberas-
sem até a contemporaneidade.
137
Inicialmente, é importante destacar que Freud compreende o processo de
construção da subjetividade por meio do mito edípico, em que o sujeito se constitui
pelas dimensões do inconsciente, atravessado pela sexualidade, pelas questões sociais,
familiares e culturais.
FIGURA 10 – SUBJETIVAÇÃO
138
FIGURA 11 – TERAPIA INFANTIL
139
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
• A psicanálise sofreu dispersão geográfica, cultural e social, fazendo com que outros
pressupostos teóricos fossem incorporados em seu bojo.
140
AUTOATIVIDADE
1 Após a morte de Freud e outros eventos, a psicanálise tomou folego pelo mundo,
mas principalmente pelo rigor e importância do trabalho que Freud fez em vida.
Entretanto, ocorreram movimentos que influenciaram diretamente nas diferentes
leituras da psicanálise sobre o globo. A respeito da dispersão influenciadora, assinale
a alternativa CORRETA:
2 A hipótese defendida por Freud em toda sua obra, é que a etiologia das neuroses
era de origem sexual. Essa hipótese foi defendida até a sua morte, de modo que ele
avançou e construiu saberes importantíssimos sobre a sexualidade infantil, zonas
erógenas, bissexualidade psíquica e outras importantes questões que ainda hoje têm
grande relevância social e clínica. Sobre essas ideias, analise as sentenças a seguir:
( ) Melaine Klein, Jacques Lacan, psicologia do ego por Hartmann, Kris e Loewenstein
e os teóricos britânicos Fairbain e Winnicott.
( ) Wilfred Ruprecht, William James, Erik Erikson.
( ) Bion, Klein, Alzheimer e Winnicott.
141
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
142
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO E
O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DO
TRABALHO DO PSICANALISTA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, buscaremos em Freud, especificamente na sua obra
intitulada Psicologia das massas e análise do Eu, como ele apresenta a ideia de a psi-
cologia individual ser social, enquanto Lacan aponta que a psicanálise precisa estar à
altura de sua época. Sendo assim, a psicanálise só pode ser pensada dentro da cultura,
dentro de um tempo histórico, desde seu princípio, foi assim com Freud ao escutar as
histéricas e tem sido assim com as demandas LBGTQIA+, questões raciais, desigualda-
des e outras temáticas.
Mas cabe ressaltar que, por mais que a vivência seja inédita, a história é cíclica,
sempre se repete com traços de ineditismo, se repete de outro modo, mas em ter-
mos psicanalíticos, estamos sempre a voltas de um estranho familiar, ou seja, pensar a
subjetividade na contemporaneidade não é tão diferente de pensar a subjetividade em
outras épocas.
Bons estudos!
143
A principal fonte de prazer sexual infantil é a excitação apropriada de deter-
minadas partes do corpo particularmente excitáveis, além dos órgãos genitais, como
os orifícios da boca, ânus e uretra, além da pele e outras superfícies sensoriais. Como
nesta primeira fase da vida sexual infantil a satisfação é alcançada no próprio corpo,
excluído qualquer objeto estranho, é denominada, segundo o termo introduzido por Ha-
velock Ellis, de autoerotismo. Zonas erógenas denominam-se os lugares do corpo que
proporcionam o prazer sexual. O prazer de chupar o dedo, o gozo da sucção, é um bom
exemplo de tal satisfação autoerótica partida de uma zona erógena (FREUD, 1996b).
IMPORTANTE
Freud sistematiza diversos pontos que convergem para a proble-
mática da orientação sexual (heterossexual, homossexual e bis-
sexual) e, falando sobre, Freud apresenta que não há um caminho
único ou verdades únicas e sustentáveis radicalmente comuns aos
indivíduos, isto desmistifica e empobrece os argumentos que visam
patologizar as vivências sexuais.
144
Então, o investimento pulsional por si só depende de uma instância do sujeito
implicada, por intermédio de suas fantasias e representações. O sujeito é composto por
necessidades fundamentais e elas fazem parte do aspecto constitutivo, uma pulsão se-
xual que podemos entender como toda ação de investimento e/ou busca de satisfação.
Contudo, nos Três ensaios [...] (1905) é possível encontramos uma concep-
ção que prioriza a via do exercício pulsional e não apenas as identificações edípicas.
Freud, ao se referir ao objeto e alvo, relata instâncias da sexualidade humana, e apa-
rentemente desconsidera o investimento realizado pelo próprio sujeito em suas refe-
rências corpóreas e fantasmática, que são diretrizes básicas e tecem o caminho para o
exercício e enredo singular para o sujeito de objeto e alvo. Por exemplo, a experiencia-
ção do sujeito perante o feminino e masculino também é apresentado com dificuldade
pelo autor, os conceitos de passivo e ativo são questionáveis e definem a constituição
bissexual humana.
145
O Caso Dora e os Três ensaios [...] (1905) têm grande importância para esta
compreensão, porque no decorrer do Caso Dora, e quando Freud apresenta os aspectos
constituintes da homossexualidade, da sexualidade infantil e zonas erógenas, ele tem a
percepção de uma validade universal dos sujeitos, por meio da bissexualidade como
fundamento orgânico que gera desdobramentos sintomáticos devido à castração.
ATENÇÃO
A bissexualidade psíquica é um substrato em que se processa o
édipo, a identificação e castração, além dos modos de satisfação das
fases erógenas. A bissexualidade, diz Freud (1923 apud DELOUYA,
2003, p. 208), "ofusca e embaralha nossa visão sobre a natureza das
escolhas objetais primárias". Os termos utilizados por Freud são subs-
tancialmente consistentes e instigam pensar a sexualidade humana, as
vivências sexuais e representações, questionando um parâmetro da
normalidade, uma vez que a bissexualidade psíquica seria a regra e a
sexualidade seria perversa, polimorfa (FREUD, 1996b).
Ao final dos Três ensaios [...] (1905), Freud afirma que um dos resultados
constitutivos a partir da perversão polimorfa da criança funciona em detrimento das
formações reativas, porque se opõem diretamente à realização do desejo e podem
ser evidenciadas, sobretudo, na neurose obsessiva.
Neste livro, com a análise sistêmica é possível perceber que não são concre-
tos os tipos ideais para as pulsões, e Freud subverte a ordem de protótipos de identi-
dade ideal. Por mais que apresente os mecanismos estruturantes, a própria construção
edípica demonstrada por Freud é uma tentativa de desvendar os enigmas que visam
sanar a diferença sexual, mas nunca consegue, o sintoma apenas reduz a combustão
da pulsão, ou seja, a sexualidade humana não é meramente um aspecto de reprodução
ou de constructo relacional, ela está a serviço e faz suplência aos sentidos singulares
dos sujeitos.
146
ATENÇÃO
As marcações binárias não são suficientes para a psicanálise,
isto é, o aspecto pulsional e o edípico, ser portador ou não do
falo não caracteriza contingência principal nas escolhas para o
posicionamento singular do sujeito, não é reducionista a ponto
de constituir grupos para portadores do falo e para os castrados
(ou vice-versa).
FIGURA 13 – FREUD
Freud, em seu texto Sobre as teorias sexuais das crianças, de 1908, concerne o
termo "Geschlecht" em alemão, que tem dupla significação, ou seja, pode ser entendido
como gênero e como sexo. O paradoxo do conceito amplia nossa compreensão, porque
nele existe a esfera da psicanálise, que não pretende legislar a forma de gozo ideal para
os sujeitos, que extrapola a compreensão única do fenômeno, e também a noção de
sexo e gênero em relação à posição individual e subjetiva que permite a cada um ou
cada uma desvendar a realidade do caminho pulsional, que vai além da compreensão
científica e biologicista do que é dito de sexo e gênero, porque a instância individual
é criativa e fura os planos de regulamentação.
147
Freud acrescenta um eixo estrutural na compreensão da sexualidade humana,
isto é, a diferenciação da sexualidade animal e sexualidade humana. Ele propõe a
desconstrução dos determinismos biológicos e/ou ambientais para definir a
satisfação sexual humana, embora possa ser influenciada pela expressão biológica e
pelas experiências subjetivas.
FIGURA 14 – SEXUALIDADE
148
FIGURA 15 – TEMPOS CONTEMPORÂNEOS
FIGURA 16 – SUJEITOS
149
Como apresentado nos tópicos anteriores, os efeitos da cultura, da cibercultura
e da sociedade do consumo esgotam mentalmente a sociedade, apressando a popula-
ção de modo que as relações se tornam automatizadas, as conversas como “olá, tudo
bem?” são conversas rápidas que não passam de três segundos, e se a resposta for
diferente de “tudo!”, talvez o enunciador nem ouça.
FIGURA 17 – OUVIR
150
4 ATUAÇÕES DO PSICANALISTA NO CONTEXTO CLÍNICO
E SOCIAL
O campo de atuação dos psicanalistas no contexto social e clínico é indissoci-
ável, uma vez que a clínica é uma crítica social feita de outro modo, ou em palavras
freudianas, a psicologia individual é social.
151
cidadão se aproxima das questões referentes a polis marcando sua
posição ética. Assim, a psicanálise é cada vez mais convocada a atuar
nos mais diversos campos, fora dos limites dos enquadres clássicos
e das práticas standard. Segundo Vilhena e Rosa (2012, p. 109), hoje
em dia a psicanálise engendra diálogos com diferentes campos de
saber e em diferentes espaços muito além do consultório particular.
Tal fato, que se mostra uma tendência inexorável, tem em Freud seu
mais sólido respaldo, pois ele já afirmava que a psicanálise possui
uma essência que não se perde, ainda que o trabalho analítico ocorra
em outras esferas que não o setting convencional.
152
diferentes modos de operar das quais lança mão a psicanálise. Não
se trata mais de julgar se numa prática trata-se ou não do exercício
da psicanálise, mas sim, de se interrogar sobre os princípios que a
orientam. [...] Ao abordarmos a ação da psicanálise em sua relação
com outros saberes, torna-se importante especificar os princípios
que norteiam sua prática. Ferrari (2004) indica que a psicanálise
trabalha em direção contrária a generalização e vitimização do
sujeito, considerando caso a caso e buscando a responsabilização
subjetiva. A particularidade da proposta psicanalítica implica em
contemplar o sujeito a partir do que lhe é particular, separando-o
das classificações universalizantes (Miller & Milner, 2006). Nessa
perspectiva, o psicanalista atua levando em consideração isso que
sobra, que fica como resto e que tem como pressuposto a própria
impossibilidade constituinte do sujeito. Esse “não-pode, que marca a
falta, que funda o sujeito como desejante” (Besset, 1997, p. 69).
153
zação diante de histórias. Diante do esgotamento niilista encontram-se as pessoas
a serem atendidas, mas também os articuladores dos encontros e os profissionais,
o cuidado de si e o cuidado do outro. A movimentos de pessoas em direção a outras
pessoas com impactos que só podem ser seguidos, cartografados, uma dimensão
experiencial e política de um fazer.
Esse movimento/fluxo da clínica nessa situação não deve ser lido de forma
simplificada, pois nada tem de único e vale sempre refletir sobre o que isso fala da
psicologia, escapando à ideia simplista da solidariedade. Situações, especialmen-
te as coletivas que envolvem intenso sofrimento, costumam ser noticiadas convo-
cando a psicologia como saber e prática. Desastres naturais (como deslizamentos,
enchentes) e outros provocados pelo homem (desastres com vítimas de armas de
fogo, atiradores, desabamentos de construções e barragens...) mobilizam psicólogos
que se propõem a atender de forma social ou mesmo voluntária, indivíduos e grupos.
Mais que um conjunto de pessoas que se sensibilizam diante do sofrimento huma-
no, os recursos que os profissionais de psicologia disponibilizam são também, em
sua essência, recursos políticos. Falam de uma postura e forma de ação no mundo
que podemos considerar movimentos de resistência. Tornam a clínica e a psicologia
visíveis diante da sociedade como um fazer essencial quando se trata de sofrimento
psíquico e cuidado.
154
A reação diante da impossibilidade ultrapassa o acolhimento imediato, arti-
culando junto a um conjunto de outras pessoas e outros profissionais a criação de
novos possíveis. O trabalho do clínico jamais escapa dessa articulação, quer seja
num consultório privado ou num espaço compartilhado, numa clínica ampliada, uma
profunda reflexão sobre como situações se sustentam. Lidar com os impossíveis,
fazer surgir daí articulações criativas, diante do que está interrompido, capturado
pelo universo da impossibilidade está no fundamento do fazer clínico (PRESTRELO;
ARAUJO; MORAES; MARQUES, 2016).
FONTE: ARAUJO, E. S. A “clínica social” em psicologia e articulações que sustentam esse fazer: uma
reflexão acerca do cenário brasileiro. Psicol. Conoc. Soc., Montevideo, v. 9, n. 2, p. 298-317, 2019. p.
305-308. Disponível em: http://dx.doi.org/10.26864/pcs.v9.n2.12. Acesso em: 2 out. 2021.
Podemos concluir que o trabalho clínico possui um caráter social, pois essas
esferas são intrínsecas, indissociáveis e complementares. O que se escuta na
clínica e se percebe a respeito das questões de dimensões sociais são fatores que se
esbarram, e os trabalhos são feitos, portanto, de forma complementar.
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LEITURA
COMPLEMENTAR
A PSICANÁLISE DO SUJEITO DESBUSSOLADO
Jorge Forbes
“O viajante surpreendido pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus
próprios temores; mas, apesar de tudo isto, não enxergará mais que um palmo adiante
do nariz”.
I STANDARDS E PRINCÍPIOS
A prática lacaniana não tem standards, mas tem princípios. É o que afirma o
tema central deste IV Congresso da Associação Mundial de Psicanálise. Há controvérsias
quanto ao que seja um princípio. Restrinjo-me à noção que prepondera: princípio é algo
que engendra, que vem antes, a cabeça primeira. Na etimologia, tem a raiz de caput,
cabeça Standard, por sua vez – um anglicismo para o que nomeamos, em português,
padrão – é aquilo que se adquire da experiência. O princípio antecede a experiência,
enquanto o standard é dela fruto. É fato que alguns standards podem, com sua
consagração, acabar por ter função de princípio, no que antecedem e orientam novas
experiências.
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o ápice da pirâmide. Lembramos, se ainda é necessário reforçar essa ideia, que, quando
não sabíamos alguma coisa, éramos convidados a procurar no dicionário, chamado de
quê? “Pai dos burros”.
Não acredito nesse destino, por duas razões: a primeira, porque embora ainda
poucos, podemos notar uma série de pesquisadores estudando e promovendo novas
conceituações deste laço social que exige, para a sua compreensão, uma nova topologia,
a borromeana, na visão de Jacques Lacan. Além do grupo que representamos, na psica-
nálise, acrescentaria pessoas além dela, como o filósofo francês Gilles Lipovetsky, recém
citado; o sociólogo polonês Zygmunt Bauman; o arquiteto americano Ron Pompei; no
Brasil, os juristas Tercio Sampaio Ferraz Junior e Miguel Reale Junior.
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Enfim, cito alguns nomes só para provocar em cada um a lembrança de outros,
de diversas áreas. Todos, como diria, profissionais do incompleto, que de forma oca-
sional ou provocada, além das especificidades de suas disciplinas, em um verdadeiro
movimento de desespecialização, contribuem reciprocamente, realizando o que Freud
preconizava em sua “questão da análise leiga”, a saber: a compreensão, pelo paciente,
dos fundamentos do tratamento a que se submete. A segunda razão é a forte convicção
de que a essência desejante e incompleta de saber – ou seja, inconsciente - do homem
é um princípio que resistirá a todos os tipos de “bushadas” totalitárias.
V ANGÚSTIA: UM PARÂMETRO
• Se ontem se analisava para se compreender mais, para ir mais fundo, hoje se dirige o
tratamento ao limite do saber: é a necessidade da aposta, na precipitação do tempo.
• Se ontem se fazia análise para obter uma ação garantida, livre de influências fanta-
siosas, hoje nenhuma ação é assegurada em um justo saber, toda ação é arriscada e
inclui a responsabilidade do sujeito.
• Se ontem a psicanálise falava em sofrimento psíquico, o que a levou a ser patroci-
nada por psicólogos que a reduziram a uma das disciplinas de seu currículo, hoje é
necessário separá-la do campo da saúde mental, como tem insistido Jacques-Alain
Miller.
• Se ontem queríamos uma certeza verdadeira, hoje, na segunda clínica de Jacques
Lacan, separamos certeza subjetiva de verdade lógica. Queremos uma certeza con-
vencida.
• Se ontem nos limitávamos em nossa práxis ao espaço cartesiano do consultório, hoje
haverá psicanálise onde houver um analista, e ele é necessário nos mais diversos
locais da experiência humana, muito além das instituições de saúde.
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Existem várias opositoras a este caminho, das estatísticas empíricas às me-
tanálises, dos remédios salvadores - recentemente houve quem propusesse colocar
antidepressivo junto com o flúor na água de São Paulo - aos livros de autoajuda. E daí?
Nada que possa desentusiasmar aqueles que se beneficiaram de um trabalho analítico
e foram formados no tratamento da angústia pela invenção responsável.
Não tenho certeza de que não tenhamos standards. Uma vez que os princípios
estão além dos enunciados, sendo difícil positivá-los, caberia talvez entendermos que
nossos enunciados são, afinal, standards com função de princípios. Porém, são stan-
dards ad hoc, usados a cada decisão analítica. Assim como acontece com os princípios
do direito, na concepção de Tercio Sampaio Ferraz Junior: na decisão jurídica, eles têm
aplicação como topoi, lugares-comuns de uma retórica. Standards. A principal diferença
entre os standards ortodoxos e os nossos está na posição de quem os enuncia: de uma
forma completa, ou de uma forma incompleta. Frente à estabilidade dos nossos prin-
cípios, nossos standards clínicos serão leves, contraditórios, múltiplos, circunstanciais:
sensíveis à singularidade de cada momento da sua aplicação. O analista “escolhe” quais
usar a cada vez, a cada tempo. O analista pode querer o que deseja, não fica no inefável
do que opera na clínica.
Concluo, com Freud, mostrando que o que estamos debatendo aqui, os princípios
analíticos, não é novo. Em “Inibições, Sintomas e Angústia”, em 1926, assim aconselhava
Sigmund Freud: “Aceitemos humildemente o desprezo com que nos olham, sobranceiros,
do ponto de observação de suas necessidades superiores. Mas visto que nós não podemos
também renunciar a nosso orgulho narcísico, ficaremos reconfortados com o pensamento
de que tais ‘Manuais para a Vida’ ficam logo desatualizados, de que é precisamente nosso
trabalho míope, tacanho e insignificante que os obriga a aparecer em novas edições, e de
que até mesmo os mais atualizados deles nada mais são do que tentativas para encon-
trar um substituto para o antigo, útil e todo-suficiente catecismo da Igreja. Somente uma
pesquisa paciente e perseverante, na qual tudo esteja subordinado à única exigência da
certeza, poderá gradativamente ocasionar uma transformação. O viajante surpreendido
pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus próprios temores; mas, apesar de
tudo isto, não enxergará mais que um palmo adiante do nariz”.
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:
• O que estabelece o trabalho clínico não são as quatro paredes ou o setting tradicio-
nal, com divã, tapete, cadeiras etc., mas sim a transferência da relação paciente e
analisando, desejo e inconsciente.
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AUTOATIVIDADE
1 Quando um sujeito procura um atendimento psicológico, uma análise, ele está se
queixando de algum sofrimento que também é causado pelos impasses sociais,
pois essas dimensões são inseparáveis. Marque o que é CORRETO afirmar sobre o
entrelace do coletivo e o individual a partir do conceito lacaniano:
2 Com base nas definições sobre a sexualidade apontadas por Freud na teoria
psicanalítica, analise as sentenças a seguir:
3 Sabemos que a psicanálise é uma práxis, uma teoria que se faz por meio de uma
prática, a escuta. A respeito disso, analise as sentenças e classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
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( ) A psicanálise surgiu da escuta da histeria.
( ) A psicanálise, na contemporaneidade, tem papel fundamental em fazer escutar o
que a sociedade tenta reprimir.
( ) A psicanálise na contemporaneidade tem sido mais respeitada, pois está mais
próxima dos preceitos psiquiátricos.
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REFERÊNCIAS
ARAUJO, E. S. A “clínica social” em psicologia e articulações que sustentam esse fazer:
uma reflexão acerca do cenário brasileiro. Psicol. Conoc. Soc., Montevideo, v. 9, n. 2,
p. 204-216, 2019 Disponível em: http://dx.doi.org/10.26864/pcs.v9.n2.12. Acesso em: 2
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standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, v. 2). Disponível em:
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FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895]). In: FREUD, S.
Publicações pré-Psicanalíticas e esboços inéditos. Rio de Janeiro: Imago Rio de
Janeiro: Imago, 1996a. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund
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OLIVEIRA, L. M. V. C.; Arquivos da psicanálise: a construção do freudismo. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 572-
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em: 2 out. 2021.
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