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Antropologia

Brasileira

Prof.ª Thamirez Lutaif Lopes

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Thamirez Lutaif Lopes

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI.


Núcleo de Educação a Distância. LOPES, Thamirez Lutaif.

Antropologia Brasileira. Thamirez Lutaif Lopes. Indaial - SC: UNIASSELVI,


2022.

173p.

ISBN 978-85-515-0621-9
ISBN Digital 978-85-515-0617-2

“Graduação - EaD”.
1. Antropologia 2. Brasil 3. Etnia

CDD 306
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Bem-vindo ao livro da disciplina de Antropologia Brasileira.
Essa disciplina tem por objetivo introduzir esse campo de conhecimento no contexto do
Brasil. Vamos abordar diversos importantes para aqueles que querem entender desde
os debates tradicionais até os debates atuais da antropologia brasileira.

Na Unidade 1, abordaremos o desenvolvimento da antropologia no Brasil,


analisando suas especificidades e tendências. Vamos refletir sobre os principais temas
e preocupações teóricas e metodológicas encontrados na antropologia produzida no
Brasil. Em primeiro lugar será apresentado o desenvolvimento do campo da Antropologia
no Brasil para entendermos o que é a disciplina da antropologia, por que a antropologia
é considerada uma ciência social e um panorama histórico da antropologia brasileira.
Em segundo lugar serão abordados obras e autores clássicos da antropologia brasileira,
percorrendo o contexto dos principais debates nas áreas de etnologia indígena,
dos estudos sobre o negro e dos estudos sobre feminismo. Em terceiro lugar, serão
levantadas questões a respeito da cultura brasileira, como o próprio conceito de cultura
brasileira, temas de cultura popular e folclore brasileiro e o contexto dos estudos pós-
coloniais.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos mais alguns dos autores e obras


clássicas da antropologia brasileira, tendo em vista as discussões sobre identidade, raça,
etnia e gênero. Para isso, apresentaremos o conceito de cultura, diferenciaremos os
conceitos de raça e etnia e abordaremos as questões de gênero no contexto brasileiro.
Em seguida, as discussões étnicas e raciais serão aprofundadas, pormenorizando a
discussão sobre o racismo no Brasil, entendendo a noção de sincretismo religioso e
apresentando a ideia de racismo religioso. Depois, resumiremos alguns dos principais
temas sobre antropologia rural, antropologia urbana e antropologia nas mídias digitais.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos o desenvolvimento do campo institucional


e acadêmico da antropologia no Brasil, analisando temas contemporâneos da
antropologia brasileira. Primeiro, apresentaremos um panorama geral da graduação e
da pós-graduação em antropologia no Brasil, percorrendo a formação do antropólogo,
o trabalho do chamado antropólogo de “gabinete” e o trabalho do antropólogo de
campo. Depois, abordaremos temas contemporâneos de antropologia brasileira, como a
globalização cultural, entendendo o seu conceito e outros conceitos como modernidade,
pós-modernidade e multiculturalismo. Em último lugar, trataremos da questão do
antropoceno e sua relação com o Brasil pós-pandemia, analisando o conceito de
antropoceno, tratando da questão da antropologia multiespécie e trazendo um debate
atual sobre as doenças infecciosas e sua relação com o agronegócio no Brasil.

Bons estudos!
Prof.ª Thamirez Lutaif
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - PANORAMA INICIAL DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA.................................. 1

TÓPICO 1 - O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 O QUE É A ANTROPOLOGIA?...............................................................................................3
3 A ANTROPOLOGIA COMO CIÊNCIA SOCIAL NO BRASIL....................................................8
4 UM BREVE HISTÓRICO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA.............................................. 12
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 16
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 17

TÓPICO 2 - OBRAS E AUTORES CLÁSSICOS NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA.............. 19


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 19
2 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE INDÍGENAS.............................................................. 19
3 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE NEGROS.................................................................. 28
4 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE MULHERES.............................................................. 31
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 35
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 36

TÓPICO 3 - ENTENDENDO A CULTURA BRASILEIRA......................................................... 39


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 39
2 CONCEITO DE CULTURA BRASILEIRA............................................................................. 39
3 CULTURA POPULAR E FOLCLORE................................................................................... 43
4 ESTUDOS PÓS-COLONIAIS...............................................................................................47
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 52
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 58
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................59

REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 61

UNIDADE 2 — ANTROPOLOGIA BRASILEIRA...................................................................... 65

TÓPICO 1 — ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E A QUESTÃO DA CULTURA NACIONAL.........67


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................67
2 CULTURA............................................................................................................................67
3 RAÇA E ETNIA.................................................................................................................... 71
4 GÊNERO..............................................................................................................................75
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 80
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 81

TÓPICO 2 - ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E AS DISCUSSÕES ÉTNICO-RACIAIS........... 83


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 83
2 RACISMO........................................................................................................................... 83
3 SINCRETISMO RELIGIOSO................................................................................................87
4 RACISMO RELIGIOSO....................................................................................................... 92
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................95
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................96
TÓPICO 3 - ANTROPOLOGIA BRASILEIRA: ESTUDOS RURAIS E URBANOS.....................99
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................99
2 ANTROPOLOGIA RURAL....................................................................................................99
3 ANTROPOLOGIA URBANA...............................................................................................103
4 ANTROPOLOGIA DA MÍDIA..............................................................................................106
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................108
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 114
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 115

REFERÊNCIAS......................................................................................................................117

UNIDADE 3 - O CAMPO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA............................................... 119

TÓPICO 1 - PANORAMA DA GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO EM


ANTROPOLOGIA NO BRASIL........................................................................... 121
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 121
2 FORMAÇÃO EM ANTROPOLOGIA NO BRASIL................................................................. 121
3 O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO EM CAMPO...............................................................126
4 O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO NO GABINETE..........................................................128
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 131
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................132

TÓPICO 2 - TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE ANTROPOLOGIA NO BRASIL I:


GLOBALIZAÇÃO CULTURAL............................................................................135
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................135
2 O QUE É GLOBALIZAÇÃO CULTURAL?...........................................................................135
3 MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE......................................................................... 140
4 MULTICULTURALISMO................................................................................................... 144
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................148
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................149

TÓPICO 3 - TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE ANTROPOLOGIA NO BRASIL II:


ANTROPOCENO E BRASIL PÓS-PANDEMIA.................................................. 151
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 151
2 O QUE É ANTROPOCENO?............................................................................................... 151
3 ABORDAGENS DA ANTROPOLOGIA MULTIESPÉCIE......................................................156
4 DOENÇAS INFECCIOSAS, AGRONEGÓCIO E BRASIL PÓS-PANDEMIA........................159
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................164
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................169
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................170

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 172
UNIDADE 1 -

PANORAMA INICIAL DA
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender o conceito geral de antropologia;

• perceber a antropologia enquanto ciência social no Brasil;

• conhecer um panorama histórico da antropologia brasileira;

• compreender o contexto dos debates em etnologia indígena no Brasil;

• analisar o contexto dos debates em estudos sobre questões raciais no Brasil;

• explicar o contexto dos debates em estudos sobre feminismo no Brasil;

• assimilar o conceito de cultura brasileira;

• apreender alguns temas de cultura popular e folclore brasileiro.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL


TÓPICO 2 – OBRAS E AUTORES CLÁSSICOS NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA
TÓPICO 3 – ENTENDENDO A CULTURA BRASILEIRA

CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO
DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, abordaremos a definição de antropologia, como se deu o
desenvolvimento no Brasil e um panorama histórico da antropologia brasileira. Antes
de avançarmos nossos estudos, é importante que você entenda o conceito geral de
antropologia e qual é a diferença entre essa disciplina e as outras ciências sociais e
humanas. Do mesmo modo, é importante que entenda qual é o objeto de estudo da
antropologia e o que fazem antropólogos do mundo.

Em seguida, vamos refletir sobre os avanços da antropologia no nosso


país. Depois de aprender o objeto de estudo geral da antropologia mundial, vamos
compreender quais os principais objetos de estudo dos antropólogos brasileiros,
pensando na diversidade étnica do nosso país.

Por fim, conheceremos datas e períodos importantes da história da antropologia


brasileira desde o século XIX até os dias atuais. Ainda que a formalização da disciplina
no país tenha acontecido na década de 1960, repassaremos alguns fatores importantes
que permitiram a consolidação dessa disciplina no Brasil.

2 O QUE É A ANTROPOLOGIA?
Afinal, o que é a antropologia? Você já pode ter ouvido falar sobre esta disciplina,
mas vamos aprofundar o seu conceito ao longo da nossa disciplina, refletindo juntos
sobre o seu desenvolvimento no nosso país. A palavra “antropologia” possui uma origem
grega, sendo que anthropos significa homem e logos, estudo. Assim, podemos assumir
que a antropologia versa sobre o estudo do homem, ou, melhor ainda, sobre o estudo
dos seres humanos.

IMPORTANTE
Nos livros de ciências humanas é comum que a palavra “homem” seja utilizada
como um sinônimo de seres humanos. Contudo, é importante lembrar que o
termo “seres humanos” é mais adequado porque não exclui as mulheres.

3
Outras disciplinas, como a filosofia e a biologia, também versam sobre o estudo
dos seres humanos. Mas o que a antropologia tem de diferente em relação às outras
disciplinas? Podemos dizer que a antropologia foi baseada no estudo comparativo entre
diversas sociedades das mais variadas regiões do mundo. Enquanto disciplinas como
a biologia e a filosofia estavam baseadas principalmente nas sociedades consideradas
“civilizadas”, a antropologia se voltou para as sociedades consideradas “primitivas”
(LAPLANTINE, 1987).

IMPORTANTE
Vale lembrar que os termos “civilizado” e “primitivo” devem ser usados com
cuidado, pois se corre o risco de soar etnocêntrico. Em outras palavras,
dizer que uma sociedade é civilizada e outra primitiva pode dar a entender
que tal sociedade civilizada é melhor que a sociedade primitiva, o que é um
grande erro. Um dos maiores desafios dos antropólogos é fazer com que as
sociedades mais afastadas tenham sua importância reconhecida, validando
suas próprias culturas e modos de viver.

NOTA
O termo “etnocêntrico” é muito usado no campo da antropologia e deriva da
palavra “etnocentrismo”. O etnocentrismo está relacionado ao pensamento
de quem entende que a sua etnia é mais importante que as outras,
lembrando que devemos tomar cuidado para não pensar dessa maneira,
pois cada grupo tem a sua importância.

O movimento da antropologia partiu de regiões da civilização europeia e norte-


americana em direção a regiões distantes tidas como inexploradas. Em resumo, o
trabalho dos primeiros antropólogos estava voltado para o estudo de sociedades com
uma localização bem definida, que não tiveram muito contato com outras sociedades
próximas e que não tinham uma tecnologia considerada desenvolvida. Para simplificar,
podemos dizer que o objeto de estudo inicial da antropologia foi o estudo das sociedades
não ocidentais pelos antropólogos vindos de sociedades ocidentais (LAPLANTINE, 1987).

4
FIGURA 1 – INDÍGENA BRASILEIRO DA ETNIA KAYAPÓ

FONTE: <https://bit.ly/3BypRIM>. Acesso em: 16 jun. 2022.

IMPORTANTE
Hoje em dia, não podemos mais dizer que os objetos de estudo da
antropologia são as sociedades não ocidentais por parte dos antropólogos
de sociedades ocidentais. Existem novas áreas na antropologia, como
a antropologia urbana, que possui como objeto de estudo as relações
sociais da cidade. Por isso, podemos dizer que o trabalho do antropólogo
está mais no modo de analisar as sociedades a partir de teorias
antropológicas que no movimento do ocidental para o não ocidental.

Aqui vale nos atentarmos para uma questão importante sobre a ideia de tecnologia.
Podemos pensar que tecnologia tem a ver somente com equipamentos da cidade
como grandes máquinas e produtos que dependem de eletricidade, mas esse
pensamento é equivocado. Antes de qualquer coisa, a tecnologia diz respeito a um
conjunto de métodos e técnicas que também fazem parte daquelas sociedades
não ocidentais. Por exemplo, o uso de ferramentas, como o arco e flecha, para
caçar animais, por parte de sociedades indígenas, é uma grande tecnologia.

Em resumo, a antropologia foi tida como a disciplina que estuda as sociedades


humanas a partir de diversidades culturais, geográficas e históricas. Existem vários
setores de estudos especializados dentro da antropologia, como antropologia biológica,
arqueologia, antropologia linguística, antropologia psicológica e antropologia social e
cultural (LAPLANTINE, 1987).

A antropologia biológica também ficou conhecida como antropologia física e


está direcionada ao estudo do ser humano enquanto um animal social. Ela estuda o ser
humano a partir da relação entre o meio ambiente e o seu modo de viver (LAPLANTINE,
1987).

5
A arqueologia está baseada no estudo do ser humano considerando a pré-
história, ou seja, aquele período anterior à invenção da escrita. A partir de vestígios
materiais, como fósseis, a arqueologia busca presumir qual eram os modos de
organização social de sociedades humanas que não mais existem (LAPLANTINE, 1987).

FIGURA 2 – ARQUEOLOGIA

FONTE: <https://bit.ly/3SjYmZv>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A antropologia linguística, por sua vez, tem a ver com o estudo das sociedades
humanas a partir da linguagem, tanto oral como escrita. Devemos ter em mente que a
linguagem não diz respeito somente a palavras faladas, mas também a outras formas
de comunicação não verbal, como o conjunto de gestos presente em performances e
danças (LAPLANTINE, 1987).

A antropologia psicológica está voltada para a compreensão dos processos


psicológicos do ser humano em sua individualidade. Antes de analisar determinada
sociedade em seu conjunto de pessoas, o antropólogo entra em contato com indivíduos
particulares, e é isso que a antropologia psicológica leva em consideração.

Por fim, a antropologia social e cultural pode ser considerada a área mais
abrangente da antropologia. Ela estuda os diversos segmentos das sociedades humanas,
considerando elementos como o casamento, organização social, o parentesco, a família,
a divisão social do trabalho, a educação, a religião, entre outros.

6
INTERESSANTE
Hoje em dia, não podemos mais dizer que os objetos de estudo da antropologia
são apenas as sociedades humanas. Como herança da antropologia biológica,
surgiu a chamada antropologia multiespécie, que vem sendo muito discutida
nos cursos de pós-graduação em antropologia. O objeto da antropologia
multiespécie é a análise das relações entre seres humanos e não humanos
ou mesmo das relações entre os não humanos entre si a partir de teorias
antropológicas.

Outro ponto fundamental para entendermos o que é a antropologia tem


a ver com a questão da alteridade. Ora, o que é a alteridade? Em poucas palavras, a
alteridade é uma qualidade de quem é distinto de nós, ou seja, de quem é outro! Quando
os primeiros antropólogos pesquisaram sociedades distantes, eles se deparavam com
grupos de pessoas muito diferentes das sociedades das quais vinham. Isso os fez
perceber que aquilo que achavam que era natural nos seus modos de viver não era algo
natural, mas sim cultural. A partir do contato com grupos de pessoas que vivem de um
modo diferente do nosso, passamos a refletir mais sobre nós mesmos e sobre a nossa
sociedade.

Além disso, apenas a distância em relação a nossa sociedade


(mas uma distância que faz com que nos tornemos extremamente
próximos daquilo que é longínquo) nos permite fazer esta descoberta:
aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural;
aquilo que era evidente é infinitamente problemático. Disso decorre
a necessidade, na formação antropológica, daquilo que não hesitarei
em chamar de “estranhamento” (depaysement), a perplexidade
provocada pelo encontro das culturas que são para nós as mais
distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que se
tinha sobre si mesmo. De fato, presos a uma única cultura, somos não
apenas cegos a dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. A
experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos
a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa
dificuldade em fixar nossa atenção no que nos ́e habitual, familiar,
cotidiano, e que consideramos ”evidente”. Aos poucos, notamos que
o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas,
reações afetivas) não tem realmente nada de “natural”. Começamos,
então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a no ́s mesmos,
a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa
inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos
especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre
tantas outras, mas não a única (LAPLANTINE, 1987, p. 14).

Vamos entender isso melhor? Por exemplo, quem vive nas cidades, está
acostumado a dormir na cama, acordar, acender as luzes da casa, tomar água do filtro
ou da torneira da cozinha, tomar banho com a água quente que vem do chuveiro, fazer
comida no fogão e colocar roupas e sapatos para sair de casa. Fazem isso todos os dias,
o que os faz pensar que é algo natural.

7
Agora, vamos supor que você decide fazer uma pesquisa de campo em
antropologia e vai a uma sociedade indígena afastada da cidade e experimenta viver
como aquelas pessoas. Você chega na aldeia, que não possui luz elétrica, dorme na
rede, precisa buscar água no rio para beber, toma banho na água gelada do rio, busca
lenha para fazer comida na fogueira, não precisa colocar tantas roupas ou mesmo
sapatos. Isso causaria uma sensação de estranhamento, certo?

Essa sensação de estranhamento é o ponto chave da alteridade! A partir dela,


entendemos que o que pensávamos que era algo natural, porque fazia parte dos nossos
hábitos cotidianos, não é tão natural assim, mas sim cultural. Do mesmo modo, para as
pessoas dessa suposta sociedade indígena, nossos hábitos cotidianos soariam muito
estranho! Se você conversasse com uma criança, ela provavelmente iria perguntar se na
sua cidade tem um rio e, se você respondesse que não, em seguida ela logo perguntaria:
mas como você faz para tomar água e tomar banho? Assim, voltamos para a base de
todo o pensamento antropológico: os nossos modos de viver não são naturais, mas sim
culturais!

3 A ANTROPOLOGIA COMO CIÊNCIA SOCIAL NO BRASIL


Depois de entendermos o que é a disciplina da antropologia em linhas gerais no
item anterior, agora podemos pensar sobre a antropologia no nosso país. A antropologia
começou a ser difundida como uma ciência social no Brasil a partir da década de
1960, como um desdobramento de outra disciplina que era a sociologia. Levando em
consideração a pluralidade étnica do país, marcada pela relação entre os brancos e as
diversas etnias indígenas e os negros, surgiu a necessidade de ser consolidada uma
disciplina que soubesse refletir sobre essa relação: a antropologia (PEIRANO, 2000).

NOTA
Para não gerar dúvidas, podemos entender que a principal diferença entre a
antropologia e a sociologia é que a antropologia busca entender as relações
humanas a partir de elementos culturais em nível micro e a sociologia, a partir
de instituições sociais a nível macro.

O estudo voltado para os povos indígenas, bem como para os afrodescendentes,


já era um dos objetos dos sociólogos em atividade no país antes da década de 1960. No
entanto, a relação entre esses povos e o restante da população brasileira gerava uma
série de conflitos que não poderiam ser resolvidos apenas pelos conceitos próprios da
sociologia e foi preciso ir além (PEIRANO, 2000).

8
De um lado, havia a sociedade envolvente que era regida pela legislação brasileira
e suas grandes instituições e, de outro, havia uma série de sociedades espalhadas pelo
país que eram regidas por seus próprios elementos culturais. O principal conflito se ateve
ao fato de que a sociedade nacional estava carregada pelo processo de expansionismo
e integração, enquanto as outras sociedades tidas como tradicionais tentavam manter
seus próprios modos de viver desvinculados do desenvolvimento capitalista (PEIRANO,
2000).

INTERESSANTE
Depois, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, reconheceu
aos indígenas suas próprias organizações sociais, costumes, línguas nativas
e tradições, o que foi uma grande conquista para o movimento a favor do
reconhecimento dos direitos das populações tradicionais.

Podemos dizer que a principal contribuição da antropologia enquanto ciência


social no Brasil foi a de unir os ideais de integração, próprios da sociedade nacional,
e os ideais de diversidade, próprios das sociedades tradicionais. Em outras palavras,
a antropologia foi importante na medida em que foi capaz de permitir um diálogo
entre o povo brasileiro e os povos das mais variadas etnias que habitavam o país. Os
antropólogos fizeram um mapeamento da diversidade étnica no Brasil, de modo que
essas etnias pudessem ser organizadas fazendo parte da população brasileira, mas
ainda assim com suas diferenças culturais e sociais marcadas (VELHO, 2008).

DICA
Se tiver curiosidade a respeito dos conflitos que nasceram da tentativa de
homogeneizar as diversas etnias indígenas do Brasil e o resto da sociedade
envolvente em um único Estado soberano que representasse a todos, leia o
artigo Nações dentro da nação: um desencontro de ideologias, da antropóloga
Alcida Rita Ramos da Universidade de Brasília.

Em suma, existe uma relação direta entre a antropologia como ciência social
no Brasil e a própria construção da nação brasileira, fazendo o casamento da unidade
e da diversidade. Enquanto a antropologia ao redor do mundo estava preocupada em
estudar os “outros” de regiões mais afastadas, a antropologia brasileira passou a se
preocupar com as relações entre as diversas etnias e a sociedade envolvente que ora
compunham a população brasileira (VELHO, 2008).

9
Um dos maiores desafios dos antropólogos brasileiros foi, e ainda é, trabalhar
com as pessoas dessas etnias, não como se fossem simples informantes para os
escritos de antropologia, mas verdadeiros interlocutores e aliados políticos. Por isso,
antropólogos brasileiros possuem o dever ético de lutar pelos direitos dessas etnias em
conjunto com elas, e não as tratar como se fizessem parte apenas daqueles “outros”
distantes (VELHO, 2008).

DICA
Sugerimos que assistam aos filmes Ex-Pajé e A última floresta, dirigidos por
Luiz Bolognesi, que foram premiados internacionalmente e podem ser
considerados novos clássicos dos filmes da antropologia brasileira. Esses
filmes são importantes, sobretudo, porque os roteiros foram escritos em
conjunto com os próprios indígenas das etnias Suruí Paiter e Yanomami,
respectivamente.

Nesse contexto, nasceram as maiores vertentes da antropologia brasileira: a


Etnologia e a Antropologia da Sociedade Nacional. De um lado, o campo da Etnologia
costumava ser definido pelo estudo de grupos minoritários: indígenas, negros ou
brancos colocados à margem da sociedade, como os favelados ou trabalhadores rurais.
De outro lado, o campo da Antropologia da Sociedade Nacional seguiu os passos da
sociologia (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998).

NOTA
Vale lembrar que o termo “favelados” não deve ser usado de maneira
pejorativa ou preconceituosa, mas diz respeito a uma pessoa que vive em
uma favela – um conjunto de habitação popular urbana que normalmente
é construída em torno de morros.

A Etnologia, embora também concentrasse os estudos de negros, favelados ou


trabalhadores rurais, acabou ficando mais conhecida pela Etnologia Indígena. Conforme
comenta o importante antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira, a Etnologia
Indígena possuía algumas áreas de pesquisa mais significativas, como Organização
Social, Religião e Cosmologia, Relações Interétnicas e Etnicidade, Indigenismo
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998). Assim, a preocupação da Etnologia Indígena girava em
torno da noção de cultura e de todas essas áreas mencionadas por Cardoso de Oliveira.

10
Já a Antropologia da Sociedade Nacional tinha outras áreas de pesquisa, como
“a Sociedade Agrária e Campesinato, a Antropologia Urbana, as Minorias Sociais e
Étnicas, a Família, os Movimentos Sociais, as Religiões Populares e a Cultura Nacional”
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998). Logo, a preocupação da Antropologia da Sociedade
Nacional estava mais baseada na questão da estrutura e da organização da sociedade
e por isso estava um pouco mais próxima da sociologia.

Para refletirmos mais sobre a Etnologia Indígena, vamos pensar em um exemplo


e ver as figuras a seguir que retratam a etnia Yanomami que fica localizada na maior terra
indígena do Brasil nos estados do Amazonas e de Roraima, a Terra Indígena Yanomami
(TIY). Essa etnia é uma das mais famosas e provocou interesse de antropólogos
estrangeiros e brasileiros. A primeira foto retrata um indígena da etnia Yanomami, e a
segunda a casa coletiva em que as pessoas dessa etnia costumam viver.

DICA
Se quiser saber mais sobre essa etnia, sugerimos que leiam o livro “A
queda do céu: palavras de um xamã Yanomami”, escrito pelo Yanomami
Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce. Esse livro é um clássico
importante da antropologia produzida no Brasil, que ficou muito famoso
ao redor do mundo. Como comentamos, era comum que antropólogos
europeus buscassem sociedades mais afastadas em outras regiões
do mundo para se pesquisar e por isso Bruce Albert veio ao Brasil. Ele
passou anos de sua vida morando junto com os Yanomami em Roraima,
produzindo escritos etnográficos e lutando pelos direitos desse povo. Isso
nos mostra como é interessante que o antropólogo construa uma relação
duradoura com seus interlocutores.

FIGURA 3 – INDÍGENAS DA ETNIA YANOMAMI

FONTE: <https://bit.ly/3BB3yC8>. Acesso em: 16 jun. 2022.

11
FIGURA 4 – CASA COLETIVA YANOMAMI

FONTE: <https://bit.ly/3vuJflZ>. Acesso em: 16 jun. 2022.

4 UM BREVE HISTÓRICO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA


Conforme comentamos no item anterior, a antropologia passou a ser consolidada
no Brasil a partir da década de 1960. Nessa década, surgiram os primeiros programas
de pós-graduação em antropologia nas universidades federais brasileiras, o que foi um
marco importante para a formalização dessa disciplina no nosso país. Até a década
de 1960, os estudos próximos da antropologia estavam concentrados em outras áreas,
como a arqueologia, a paleontologia e a própria sociologia. Depois da década de 1960,
surgiu uma nova antropologia que passou a ser mais independente das outras áreas
(PEIRANO, 2000).

Como também comentamos, os primeiros antropólogos do mundo vieram de


sociedades ocidentais e buscavam estudar sociedades não ocidentais mais afastadas.
Podemos afirmar que a antropologia sempre esteve baseada na questão da alteridade,
ou seja, no estudo dos “outros”. Entretanto, no Brasil, isso aconteceu de um jeito
diferente! Os primeiros antropólogos brasileiros não precisaram ir a outros países em
busca de sociedades afastadas para se pesquisar, mas começaram a pesquisar as
diversas sociedades das mais variadas etnias no nosso próprio país. Em linhas gerais,
a antropologia brasileira é uma antropologia feita no Brasil com sociedades do Brasil
(PEIRANO, 2000).

IMPORTANTE
Hoje em dia, não podemos mais dizer que são somente os antropólogos
brancos vindos da sociedade envolvente que estudam as sociedades
mais afastadas do Brasil. Já existem muitos antropólogos de sociedades
tradicionais, como quilombolas e indígenas, que pensam suas próprias
culturas e mesmo a cultura dos brancos a partir de noções da antropologia.

12
NOTA
O termo sociedade diz respeito à sociedade nacional brasileira em seu
sentido amplo em contraposição às sociedades tradicionais, como as
indígenas e quilombolas.

Conforme nos ensina o pesquisador Francisco Salzano (2009), da Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, a história da antropologia brasileira pode ser dividida em
três períodos: (1) os pioneiros; (2) período formativo; e (3) fase contemporânea. Vamos
entender melhor esses períodos!

De acordo com o autor, o primeiro período foi datado entre os anos de 1835 e 1933.
O ano de 1835 foi importante, pois marcou a descoberta de um material arqueológico na
Lagoa Santa em Minas Gerais, por Peter Lund. Já o ano de 1933 marcou o fim do período,
considerando que a fundação da Universidade de São Paulo (USP) aconteceu em 1934.
A tabela, a seguir, nos traz alguns dos principais antropólogos da época e seus focos de
estudos (SALZANO, 2009).

TABELA 1 – OS PIONEIROS

FONTE: <https://bit.ly/3zQVVq5>. Acesso em: 16 jan. 2022.

O segundo período, portanto, começou em 1934, justamente por causa da


criação da USP. A tabela, a seguir, por sua vez, revela algumas pessoas que foram
fundamentais para o campo da antropologia na época.

13
TABELA 2 – PERÍODO FORMATIVO

FONTE: <https://bit.ly/3zQVVq5>. Acesso em: 16 jan. 2022.

Por fim, o terceiro período começou em 1955 de se estendeu até os dias atuais,
tendo em vista a criação da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) naquele ano. A
tabela, a seguir, revela duas fases da ABA, sendo que a primeira era conhecida por ser
uma instituição mais elitista, com dificuldades para o ingresso, e a segunda, por ser uma
instituição que os estudantes de graduação e pós-graduação poderiam participar com
mais facilidade.

TABELA 3 – FASE CONTEMPORÂNEA

14
FONTE: <https://bit.ly/3zQVVq5>. Acesso em: 16 jan. 2022.

A organização desses três períodos da história da antropologia brasileira nos


permite visualizar melhor como essa disciplina progrediu ao longo do tempo no contexto
do nosso país. A partir das tabelas, você pode conferir de referência para a área da
antropologia e pesquisar mais sobre seus trabalhos!

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A antropologia tem a ver com o estudo dos seres humanos a partir da comparação
entre várias sociedades de diferentes regiões do mundo.

• Os primeiros antropólogos vieram da civilização europeia e norte-americana e


foram em busca de regiões afastadas e pouco exploradas.

• Existem diversas áreas da antropologia, como a antropologia biológica,


arqueologia, antropologia linguística, antropologia psicológica, antropologia social
e antropologia cultural.

• Os conceitos de alteridade e estranhamento são pontos-chave para a antropologia


e os modos de viver dos seres humanos não são naturais, mais sim culturais.

• A antropologia brasileira concentrou sua atenção nos estudos sobre indígenas,


negros e brancos colocados à margem da sociedade.

• A diversidade étnica do Brasil gerou uma série de conflitos, os quais tentaram ser
compreendidos pelas antropólogas e antropólogos brasileiros.

• Enquanto os primeiros antropólogos do mundo buscavam pesquisar sociedades


afastadas em outros países, os antropólogos brasileiros começaram a pesquisar
temas e sociedades do nosso próprio país.

16
AUTOATIVIDADE
1 Enquanto estudiosos de outras disciplinas, como a Biologia e a Filosofia, estavam
voltados para o estudo das sociedades que consideravam civilizadas, os estudiosos
da antropologia estavam voltados para as sociedades que consideravam primitivas.
Sobre as noções de “civilizado” e “primitivo”, que são fundamentais para o saber
antropológico, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O termo “civilizado” tem a ver com as sociedades europeias, e o termo “primitivo”


tem a ver com as sociedades indígenas, sendo que as sociedades civilizadas são
melhores que as sociedades primitivas.
b) ( ) Desde o início do desenvolvimento da antropologia até os dias atuais, os objetos
de estudo dos antropólogos ocidentais são as sociedades não ocidentais
primitivas.
c) ( ) É importante tomar cuidado ao utilizar os termos “civilizado” e “primitivo”
porque, ainda que algumas sociedades fossem consideradas civilizadas e outras
primitivas no tempo dos primeiros antropólogos, corremos o risco de sermos
etnocêntricos.
d) ( ) É importante saber o que significam os termos “civilizado” e “primitivos” porque
as sociedades civilizadas são mais desenvolvidas e mais tecnológicas que as
sociedades primitivas.

2 A antropologia é a disciplina que tem como objeto principal o estudo dos seres hu-
manos, considerando diversidades culturais, geográficas e históricas. Existem diver-
sas áreas de estudos especializados dentro do campo da antropologia: antropologia
biológica, arqueologia, antropologia linguística, antropologia psicológica, antropolo-
gia social e antropologia cultural. Sobre essas áreas, analise as sentenças a seguir:

I- A antropologia biológica estuda os seres humanos tendo em vista somente o meio


ambiente e não considera seu modo de viver nem elementos culturais.
II- A arqueologia considera vestígios materiais para estudar sociedades que não
existem mais.
III- A antropologia linguística estuda as sociedades humanas a partir da linguagem
oral, desconsiderando a escrita.
IV- A antropologia psicológica entende os grupos de pessoas levando em consideração
os indivíduos particulares.
V- A antropologia social e a antropologia cultural fazem parte das áreas mais
abrangentes da antropologia e compreendem os mais diversos setores das
sociedades humanas, como organização social e divisão social do trabalho.

17
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II, IV e V estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e V estão corretas.

3 A história da antropologia brasileira pode ser dividida em três grandes fases: a fase
dos pioneiros, a fase do período formativo e a fase contemporânea. Sobre essas
fases, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) A fase dos pioneiros data dos anos 1835 a 1933.


( ) O ano de 1835 foi importante devido à descoberta do material arqueológico na
Lagoa Santa em Minas Gerais.
( ) O antropólogo Nina Rodrigues faz parte da fase do período formativo.
( ) O antropólogo Florestan Fernandes faz parte do período dos pioneiros.
( ) O antropólogo Darcy Ribeiro faz parte do período formativo.
( ) A criação da ABA aconteceu na fase contemporânea.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – V – F – F.
b) ( ) V – V – F – F – V – V.
c) ( ) F – V – V – F – F – V.
d) ( ) F – F – V – V – V – F.

4 A história da antropologia mundial está relacionada ao princípio alteridade, tendo em


vista o estudo de sociedades distantes. Porém, no Brasil, a alteridade na antropologia
pode ser entendida de uma maneira diferente já que nosso país abriga uma grande
diversidade étnica. Disserte sobre a questão da alteridade e na sensação de
estranhamento que ela implica, considerando as particularidades do Brasil.

5 O estudo relacionado aos povos indígenas e afrodescendentes também era um


objeto de estudo dos sociólogos que trabalhavam no Brasil antes da década de 1960.
Contudo, a década de 1960 marcou a consolidação de fato dessa disciplina no nosso
país. Nesse contexto, disserte sobre como a antropologia surgiu no Brasil e qual foi
sua importância na época.

18
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
OBRAS E AUTORES CLÁSSICOS
NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, abordaremos as principais obras e autores clássicos da antropologia
brasileira. Partiremos de um dos mais importantes campos da antropologia que é a
Etnologia Indígena. Os estudos voltados para os povos indígenas, suas culturas e seu
modo de viver é um ponto fundamental da antropologia mundial e, em particular, da
antropologia brasileira. Assim, conheceremos alguns dos pesquisadores que realizaram
importantes trabalhos entre as mais de 300 etnias presentes no Brasil.

Depois, voltaremos nossa atenção para os estudos sobre os negros no nosso


país, ou seja, para os africanos e afrodescendentes. Vamos passar por algumas
figuras importantes que iniciaram os estudos sobre os negros no Brasil e que são uma
importante referência até os dias atuais.

Em seguida, vamos entender os estudos de gênero no nosso país, tendo em


vista o enquadramento social das mulheres. Entenderemos como se deu o surgimento
dos primeiros debates de feminismo no Brasil, seu contexto histórico e quem foram
seus protagonistas.

2 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE INDÍGENAS


Os estudos sobre indígenas na antropologia brasileira estão diretamente
relacionados ao campo da Etnologia Indígena. A Etnologia, como aprendemos no tópico
anterior, foi fortalecida com os primeiros programas de pós-graduação em antropologia
no país. As primeiras pesquisas em antropologia brasileira voltadas para os povos
indígenas foram feitas por estudiosos estrangeiros, mas em seguida as antropólogas
e antropólogos brasileiros também começaram a avançar nessa área (MELATTI, 2018).

Conforme aponta o antropólogo brasileiro Julio Cezar Melatti, a fundação do


primeiro curso de pós-graduação em antropologia coincidiu com a criação da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI). Desde então, os conflitos que envolviam a sociedade nacional
e as populações indígenas começaram a ser mais divulgados na imprensa. Nesse
sentido, o autor também comenta que:

Sem dúvida, essa atenção da imprensa contribuiu para a formação


de um público mais alerta para os temas referentes aos índios,
culminando com a criação de entidades não governamentais de

19
apoio aos índios – hoje em número de, pelo menos dezesseis em
todo o Brasil – e com a mobilização dos próprios indígenas e ainda
com o interesse pelo estudo de grupos indígenas por parte de
pesquisadores ligados a disciplinas não antropológicas (MELATTI,
2018, p. 254).

O setor de Divisão de Estudos e Pesquisas da FUNAI era quem autorizava


as pesquisas sobre etnologia no país. Entre os anos de 1974 e 1980, foram feitos 86
projetos de pesquisa por brasileiros e 17 por estrangeiros, o que nos confirma que a
temática nacional era de fato um interesse para estudiosos vindos de outros países em
busca da alteridade e dos próprios estudiosos brasileiros. No entanto, naquela época,
esses poucos projetos eram feitos por um grupo de antropólogos mais restrito em que a
maioria deles se conhecia. Hoje em dia, isso mudou! Existem incontáveis pesquisadores
na área da etnologia, envolvidos ou não com entidades não governamentais e cursos de
pós-graduação (MELATTI, 2018).

Tendo em vista os estudos clássicos sobre indígenas no país, Melatti (2018)


organizou um compilado dos principais autores desse campo, das quais destacaremos
cinco temáticas: (1) organização social e política; (2) mitologia e ritual; (3) relações com
o meio ambiente; (4) arte, artesanato e tecnologia; e (5) contato interétnico. Para que
você conheça esses autores, confira as tabelas a seguir!

NOTA
Existem mais de 300 etnias indígenas no Brasil! Caso tenha interesse e
deseje se aprofundar nos estudos de alguma etnia indígena em particular,
sugerimos que use os quadros a seguir para tomar como base os autores
que também estudaram essa etnia para que assim comece suas pesquisas.
Em qualquer pesquisa, é importante recorrermos às primeiras pessoas que
estudaram aquela etnia, ou seja, aos clássicos!

Sobre os estudos em organização social e políticas, os principais pesquisadores


se voltaram para as regiões do Centro-Oeste e do Sudoeste Amazônico e alto rio Xingu.
Essa era de pesquisas foi iniciada pelo antropólogo inglês David Maybury-Lewis da
Universidade de Oxford, que realizou um estudo entre a etnia Xavante no Brasil. Tal
estudo foi fundamental na medida em que abriu espaço para que esse antropólogo,
que era professor na Universidade de Harvard nos EUA, criar um convênio com o Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro voltado para o estudo dos indígenas
do Brasil Central.

Vamos conhecer no quadro, a seguir, mais alguns dos pesquisadores que


pesquisaram esse tema depois do impulso dado por Maybury-Lewis!

20
QUADRO 1 – CLÁSSICOS DOS ESTUDOS EM ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA

Etnias indígenas
Pesquisadores
pesquisadas
Apinayé Roberto da Matta
Asuriní Roque de Barros Laraia
Awetí George de Cerqueira Leite Zarur
Jon Christopher Crocker; Zarco Levak; Renate Brigitte Viertler;
Borôro
César Albisetti; Angelo Jaime Venturelli
Cinta Larga Carmen Junqueira; Betty Lafer
Juruna Adélia Engracia de Oliveira
Kaapór Roque Laraia
Kalapalo Ellen Basso
Kamayurá Carmen Junqueira, Roque Laraia
Terence Sheldon Turner; Donald Hunderfund; Simone Dreyfus,
Kayapó
Gustaaf Verswijver
Krahô Julio Cezar Melatti; Manuela Carneiro da Cunha; Gilberto Azanha
Kreen Akarôre Etephan Schwartzman
Krinkatí Jean Elisabeth Carter Lave
Makú Peter Silverwood-Cope; Howard Reid
Marúbo Julio Ceezar Melatti; Delvair Montagner Melatti
Meináku Thomas Gregor
Munduruku Robert Murphy; Steve Brian Burkalter
Múra Pirahân Adélia Engrácia de Oliveira
Pakaá Nóva Alan Wilfrid Mason
Parintintín Waud Kracke
Suruí Carmen Junqueira; Roque Laraia
Suyá Anthony Seeger
Tenetehara Laís Cardia
Txikâo Patrick Menget
Waiwái Niels Fock
Wayâna Jean Lapointe
David Maybury-Lewis; Maria Aracy Lopes da Silva Ribeiro;
Xavante
Bartolomeu Giaccaria; Adalberto Heide; Helena Fanny Ricardo
Xikrin Luz Boelitz Vidal
Xokleng Gregory Urban
Hans Becher; Alcida Ramos; Judit Shapiro; Bruce Albert; Ettore
Yanomami
Biocca
Yawalapití Eduardo Viveiros de Castro
FONTE: Adaptado de Melatti (2018)

21
Os principais pesquisadores na temática de mitologia e ritual, por sua vez,
partiam dos estudos gerais sobre organização política e ritual, com a ressalva de que
faziam a pesquisa de campo buscando, sobretudo, colecionar os mitos e histórias
daqueles povos. De acordo com Melatti (2018, p. 259):

Esta linha temática está intimamente relacionada com a anterior,


uma vez que, dificilmente, um etnólogo se dirige ao campo com o
fim exclusivo de observar ritos ou colecionar mitos. Geralmente o
pesquisador utiliza os mitos e os ritos como janelas por onde pode
obter novos ângulos de observação do sistema social.

O início dos estudos sobre os mitos no contexto brasileiro foi marcado pelo
trabalho do antropólogo brasileiro Egon Schaden, que realizou um trabalho sobre a
mitologia entre algumas indígenas no Brasil em 1945. Em seguida, trabalhos marcantes
foram os do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro entre os Kadiweu, em 1950, e do
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss entre diversas etnias, a partir de 1964.
Em seguida, inúmeras outras pesquisas entre as etnias indígenas brasileiras foram
desenvolvidas, como podemos conferir no quadro a seguir.

QUADRO 2 – CLÁSSICOS DOS ESTUDOS EM MITOLOGIA E RITUAL

Etnias indígenas
Pesquisadores
pesquisadas
Asuriní Anton Lukesck; Carlos Kukesch
César Albisetti; Angelo Jaime Venturelli; Renate Vietler;
Borôro
Neusa Maria Bloemer
Desâna Umusin Panlon Kumu; Tolaman Kenhiri
Diversas etnias Claude Lévi-Strauss
Erikpátsa Adalberto Holanda Pereira
Irântxe Adalberto Holanda Pereira
Kadiwéu Darcy Ribeiro
Pedro Agostinho da Silva; Roque de Barros Laraia; Orlando
Kamayurá
Villas Boas; Cláudi Villas Boas; Etienne Samain
Karajá Odilon de Sousa Filho
Kayabí Miguel Pedro Alves Cardoso
Kayapó Turner; Lukesch
Kayapó Lux Boelitz Vidal; Gustaaf Verswijver
Krahô Manuela Carneiro da Cunha; Julio Cezar Melatti
Makú Peter Silverwood-Cope
Marúbio Delvair Montagner Melatti
Mundurukú Yolanda Murphy; Robert Murphy
Nambiquaras Adalberto Holanda Pereira

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Timbíra Roberto da Matta; Julio Cezar Melatti
Trumaí Aurore Monod-Becquelin
Xavante Bartolomeu Giaccaria; Maria Aracy da Silva Ribeiro
Yanomami Bruce Albert
FONTE: Adaptado de Melatti (2018)

Já os principais pesquisadores na temática ambiental podem ser divididos em


dois. Os primeiros foram aqueles que pesquisaram as sociedades indígenas a partir das
modificações culturais depois do contato com os brancos e suas implicações ambientais.
Os segundos, aqueles que fizeram uma classificação dos elementos ambientais na
cultura desses povos, como no caso de plantas medicinais.

Nesse tema, Melatti (2018, p. 260) destaca dois trabalhos principais:

Sem dúvida, o trabalho mais popular sobre este tema é o da


arqueóloga Betty MEGGERS (1977) sobre a Amazônia, devido à sua
tradução para o português e ao interesse político-econômico que
essa região inspira no momento. Mas se trata de um trabalho, em
parte, apoiado numa bibliografia muito antiquada. Uma pesquisa
mais cuidadosa, com dados colhidos especialmente para o projeto,
segundo técnicas previamente selecionadas para serem aplicadas
por todos os seus participantes, é aquele dirigido por Daniel GROSS
(and.) e desenvolvido por orientandos seus na City University of New
York, e uma brasileira, além de um biólogo da Universidade de Brasília,
em grupos Jê e nos Borôro.

Além de Betty Meggers e Daniel Gross, outros pesquisadores também passaram


a pensar nas relações com o meio ambiente a partir da antropologia, como vamos
conhecer a seguir:

QUADRO 3 – CLÁSSICOS DOS ESTUDOS EM RELAÇÕES COM O MEIO AMBIENTE

Etnias indígenas pesquisadas Pesquisadores


Apalaí Fernando da Costa Novaes
Bakairí Debra Picchi
Borôro Daniel Gross; Theka Hartmann
Diversas etnias Claude Dumenil
Diversas etnias amazônicas Betty Meggers
Etnias do Cerrado e de Roraima Edileusa Sette Silva
Etnias do Xingu Margareth Emmerich
Guajajara Anthony Hennman
Kaingang Anthony Hennman
Kaiwá Wilson Garcia; Maria Fátima Roberto; Joana Silva

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Parrel Addison Posey; Eric Cravero; Joan
Kayapó
Bamarger Turner
Mawé Anthony Hennman
Nambiquaras Eloene Setz
Paresí Eloene Setz
Suruí Carlos Coimbra; Everaldo Alvarez
Uaupés Janet Chernela
Yanomami Kenneth Taylor
FONTE: Adaptado de Melatti (2018)

Os estudos voltados para arte, artesanato e tecnologia, são um desdobramento


das relações com o meio ambiente, bem como da organização social e política das
sociedades indígenas. No geral, as regiões pesquisadas foram o Centro-Oeste, o alto
Rio Xingu e Rondônia.

Alguns projetos são bastante extensos, como o realizado sob os


auspícios do CNRC (George ZARUR, and.), tendo como objeto o
artesanato dos indígenas da região Centro-Oeste e desenvolvido
com o auxílio de vários colaboradores. Outro projeto que abrange uma
ampla área é o referente ao artesanato do rio Negro, do Xingu, dos
Karajá e dos Canelas, por pesquisadores da Universidade de Morón,
na Argentina (Ana Biró STERN & Martha Teresita MANARINI, and.).
Extenso, também, é o projeto sobre o emprego social da tecnologia,
que sc realiza no Xingu e entre os Tukúna e os Karajá (Maria Heloisa
FÉNELON COSTA, João Pacheco de OLIVEIRA FILHO, and.), também
com a ajuda de vários colaboradores. Outros, ainda que se refiram
ao artesanato em geral, têm por objeto apenasum grupo tribal
ou uma área mais restrita. É o caso das pesquisas sobre os Tiriyó
(FRIKEL, 1973), Wayâna e Apalai (Lucia Hussak van VELTHEM, and.),
grupos da região do Tumucumaque e estudados por sucessivos
pesquisadores do Museu Goeldi; dos Timbira e Guajajára, grupos
vizinhos estudados por uma mesma pesquisadora (NEWTON, 1971 e
and.), que participou do projeto Harvard-Museu Nacional; dos Xikrín
(Irmeli Mar jata SUVÍOLA, and.), dos Borôro (Teófilo TORRONTEGUI &
Arieta TORRONTEGUI, andã) e Maxakalí (Neli Ferreira NASCIMENTO,
and.), sendo que, pelo menos as duas últimas, estão sendo realizadas
por alunos de pós-graduação da USP (MELATTI, 2018, p. 262).

Vamos conferir o quadro, a seguir, tendo em vista esses trabalhos mencionados.

TABELA 4 – CLÁSSICOS DOS ESTUDOS EM ARTE, ARTESANATO E TECNOLOGIA

Etnias indígenas pesquisadas Pesquisadores


Apalaí Lucia Hussak van Velthem
Arara Paulo Barbosa Magalhães
Borôro Teófilo Torrontegui; Arieta Torrontegui; Ferraro Dorta
Canelas Ana Biró Stern; Martha Teresita Manarini

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Cinta Larga Paulo Barbosa Magalhães
Etnias do Centro-Oeste George Zarur
Guajajara Dolores Newton
Kadiwéu Sandra Wellington
Kamayurá Rafael Batos
Ana Biró Stern; Martha Teresita Manarini;
Maria Heloisa Fenelon Costa; João Pacheco
Karajá
de Oliveira Filho; Edna de Melo; Günther
Hartmann;
Karitiana Paulo Barbosa Magalhães
Kayabí Elisabeth Lins
Maxakalí Neli Ferreira Nascimento
Nambiquaras Thomas Avery; Kristen Avery; Desidério Aytai
Pakaá Nóva Paulo Barbosa Magalhães; Omar Landi Santos
Rio Negro Ana Biró Stern; Martha Teresita Manarini
Suruí Paulo Barbosa Magalhães
Suyá Anthony Seeger
Timbira Dolores Newton
Tiriyó Protásio Frikel
Maria Heloisa Fenelon Costa; João Pacheco de
Tukuna
Oliveira Filho
Wayâna Lucia Hussak van Velthem; Daniel Schoepf
Xavante Regina Müller; Virgínia Valadão; Desidério Aytai
Xikrín Irmeli Marjata Suvíola
Ana Biró Stern; Martha Teresita Manarini; Maria
Xingu Helena Heloisa Fenelon Costa; João Pacheco
de Oliveira Filho; Cristina Sá; Berta Ribeiro
Yawalapití Sandra Wellington
FONTE: Adaptado de Melatti (2018)

No caso dos clássicos dos estudos voltados para o contato interétnico entre os
povos indígenas e o restante da sociedade brasileira, é interessante notar que a maioria
dos pesquisadores foram os próprios brasileiros e não tanto os estrangeiros como
nas outras áreas de estudo. Esses pesquisadores se voltaram tanto para as políticas
indigenistas como para a atuação dos missionários no país.

O período em questão se inicia com uma reorientação das pesquisas


sobre aculturação, marcada pela publicação de importantes trabalhos
de Darcy Ribeiro (1957, 1962), posteriormente refundidos no volume
Os índios e a civilização (RIBEIRO, 1970). Mas foi nos cursos de
especialização oferecidos no Museu Nacional, nos inícios da década

25
dos Sessenta, que se forma um grupo em torno do proieto “Estudo
de Áreas de Fricção Interétnica no Brasil”, de Roberto Cardoso de
Oliveira, gerando trabalhos sobre os Tukúna (CARDOSO DE OLIVEIRA,
1972), os Suruí, Akuáwa e Gaviões (LARAIA & MATTA, 1978), os Krahó
(MELATTI, 1967 e 1972). Posteriormente, novos alunos do Museu
Nacional se engajaram em pesquisas, de certo modo, ligadas a este
projeto, produzindo trabalhos sobre os Xokleng e demais indígenas
de Santa Catarina (Sílvio Coelho dos SANTOS, 1960 e 1973), sobre os
Kaingâng e Guarani do Paraná (HELM, 1974 e 1977) (MELATTI, 2018,
p. 264).

Tendo em vista o amplo trabalho dos antropólogos brasileiros e alguns


antropólogos estrangeiros, vamos conferir o quadro a seguir.

TABELA 5 – CLÁSSICOS DOS ESTUDOS EM CONTATO INTERÉTNICO

Etnias indígenas
Pesquisadores
pesquisadas
Akuáwa Roque de Barros Laraia; Roberto da Matta
Aparaí Dominique Gallois
Apinayê José Reginaldo Santos Gonçalves
Apurinan Marcos Lazarin
Diversas etnias Darcy Ribeiro
Erikpátsa Sonia Coqueiro Garcez
Etnias de Minas Gerais Sonia Marcato
Etnias de Rondônia Bernand von Graeve
Etnias de Santa Catarina Sílvio Coelho dos Santos
Etnias do Acre Anthony Gross
Etnias do Nordeste Paulo Marcos Pires de Amorim
Etnias do Rio Negro Ana Gita de Oliveira; Eduardo Galvão
Etnias do Xingu Ellen Fischer; Eduardo Galvão; Nobue Myazaki
Galibí Eneida de Assis
Gaviões Roque de Barros Laraia; Roberto da Matta
Guajajara Mércio Pereira Gomes
Cecília Maria Vieira Helm; Maria Ligia Moura Pires; Peter
Guarani
Silverwood-Cope; Ana Gita de Oliveira
Irântxé Sonia Coqueiro Garcez
Kaapór Virginia Valadão
Cecília Maria Vieira Helm; Maria Ligia Moura Pires; Ligia
Kaingang
Simonian; Peter Silverwood-Cope; Ana Gita de Oliveira
Karajá Nancy Antunes Tsupal
Karipuna Eneida de Assis
Kawahib Miguel Menezes

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Kaxinawá Terri Valle de Aquino
Kayabí Miguel Cardoso
Krahô Julio Cezar Melatti
Makú Alcida Ramos
Mawé Jorge Romano
Mayongong Alcida Ramos; João Koch
Mundurukú José Sálvio Leopoldi
Nambiquara Paul Leslie Aspelin
Oyampí Dominique Gallois
Paresí Sonia Coqueiro Garcez
Pataxó Maria Rosário de Carvalho
Pukobyê Maria Helena Barata
Suruí Roque de Barros Laraia; Roberto da Matta
Terena Beatriz Buschinelli
Terênia Edgard de Assis Carvalho
Tukano Leonardo Figoli
Tukano Alcida Ramos
Roberto Cardoso de Oliveira; João Pacheco de Oliveira
Tukuna
Filho
Tumucumaque Roberto Maria Cortez de Souza
Tuxuá Nássara Antônio de Souza Nasser
Txukahamâi Vanessa Lea
Waurá Marco Antonio Melo
Wayâna Dominique Gallois
Xavante Tsupal; Clarice da Mota; Guariglia
Xokleng Sílvio Coelho dos Santos
Xokó Karirí Vera Cavalheiros
Yanomami Luizi Ponzo; Alcida Ramos
FONTE: Adaptado de Melatti (2018)

27
3 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE NEGROS

FIGURA 5 – MULHERES AFRODESCENDENTES

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/3%C2%AA_Marcha_das_Mulheres_Ne-
gras_no_Centro_do_Mundo%2C_no_RJ.jpg>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Depois de aprendermos os principais temas e autores relacionados ao campo


da Etnologia Indígena, agora vamos conhecer alguns dos estudos clássicos sobre os
negros no nosso país. Podemos considerar que as pesquisas sobre os africanos e
afrodescendentes começaram no início do século XX, contando com três autores de
suma importância: Raimundo Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Gilberto Freyre.

Nina Rodrigues foi um médico legista e antropólogo nascido no Maranhão em


1862, podendo ser considerado o precursor dos estudos sobre os negros no Brasil. Os
seus livros mais famosos foram: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil
(1894), O animismo fetichista dos negros na Bahia (1900) e Os africanos no Brasil (1932).
No início desse último livro, Nina Rodrigues chamou atenção para o fato de que não
havia estudos voltados para os negros, bem como para as línguas e religiões africanas,
e que os pesquisadores deveriam começar a se movimentar para isso!

IMPORTANTE
Ao contrário do que vimos no tópico anterior sobre os estudos dos
indígenas, os estudos sobre os negros no nosso país não foram tão
carregados de autores brasileiros.

28
Já a partir da década de 1930, considerando a fundação das universidades no
Brasil, esses estudos começaram a tomar mais corpo. Os anos de 1934 e 1937 foram
um marco nesse sentido, quando aconteceram dois Congressos de Estudos Afro-
Brasileiros, sendo o primeiro organizado por Gilberto Freyre, em Recife, e o segundo,
por Arthur Ramos, em Salvador. Isso nos faz perceber a importância dessas outras duas
figuras que, de certa forma, seguiram os passos de Nina Rodrigues (SOUZA, 2013).

Arthur Ramos foi um médico psiquiatra e antropólogo brasileiro, nascido em


Alagoas no ano de 1903. Dentre seus principais escritos, podemos destacar O negro
brasileiro (1934); O folclore negro no Brasil (1936); As culturas negras no Novo Mundo
(1938) e Aculturação negra no Brasil (1942).

DICA
Caso você tenha interesse na trajetória de vida de Arthur Ramos, sugerimos
o curto documentário intitulado Arthur Ramos – vida e obra (2016),
dirigido por Almir Guilhermino. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=Espuvbj4zPQ.

Gilberto Freyre foi um grande sociólogo e antropólogo brasileiro, nascido em


Recife, no ano de 1900. Sua obra mais conhecida é o livro Casa-Grande e Senzala (1933),
no qual retratou a relação entre as casas-grandes (lugares em que viviam os senhores
brancos) e as senzalas (lugares em que viviam os negros escravizados). Esse livro é um
marco da antropologia brasileira e foi traduzido para diversas línguas, possuindo grande
repercussão internacional.

DICA
Sugerimos que assista ao pequeno documentário chamado Casa-Grande e
Senzala (1974), dirigido por Geraldo Sarno, cuja sinopse foi inspirada no livro
de Gilberto Freyre. Recomendamos também uma série de dois episódios
chamada Casa-Grande e Senzala (2000), dirigida por Nelson Pereira dos
Santos e igualmente inspirada no livro de Gilberto Freyre. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZGG32QVye-4.

As pesquisas que percorreram a trajetória de Nina Rodrigues, Gilberto Freyre


e Arthur Ramos marcaram o início das discussões raciais no brasil, ainda que cada um
desses autores tenha seguido um enfoque diferente em seus escritos. Vamos conhecer
mais de cada um deles!

29
O pensamento de Nina Rodrigues, considerando que era um médico legista,
estava voltado para o direito penal e sua implicação nas questões raciais e na formação
da nação brasileira. Naquela época, uma das preocupações da medicina legal era a
relação entre raça e criminalidade. Em outras palavras, os estudiosos dessa área se
perguntavam se existia alguma característica biológica em certas pessoas que poderia
fazer com que elas fossem mais propensas a cometer crimes que outras (SILVA, 2013).

Nina Rodrigues entendia que os problemas sociais do Brasil, enquadrados em


questões criminais, eram fruto de patologias presentes em pessoas negras e mestiças,
ou seja, consideradas essas pessoas como de raças inferiores. De acordo com esse autor,
a evolução de um povo seria medida por sua homogeneidade e por isso considerava a
mestiçagem um problema. Em suma, Nina Rodrigues buscava compreender as raças
presentes no Brasil a partir de uma perspectiva biológica ou física.

IMPORTANTE
Ainda que o pensamento de Nina Rodrigues fosse avançado para sua época,
o seu pensamento pode ser considerado racista e por isso precisamos
tomar cuidado ao citar esse autor que, ainda assim, não pode passar
desapercebido no que diz respeito às questões raciais no Brasil.

ESTUDOS FUTUROS
As questões raciais e alguns termos muito usados em antropologia, como
raça, racismo, serão abordados na Unidade 2 do nosso curso.

Arthur Ramos, por sua vez, deu continuidade aos estudos de Nina Rodrigues,
mas tomou outro rumo em seus pensamentos sobre os negros brasileiros. Em seus
primeiros escritos sobre o negro brasileiro, Arthur Ramos já passa a criticar a visão de
Nina Rodrigues, dizendo que teria um falso ângulo científico. Portanto, esse autor foi
contra a ideia de inferioridade de algumas raças e dos supostos problemas que seriam
fruto da mestiçagem (LIMA, 2013).

O pensamento de Arthur Ramos era diferente de Nina Rodrigues, sobretudo


por não concordar com a inferioridade biológica dos negros, ainda que o autor pudesse
apontar para uma suposta inferioridade cultural nas entrelinhas de seus escritos. Os
estudos de Arthur Ramos estavam voltados principalmente para as religiões africanas
existentes no Brasil na época, por consideram que a pesquisa das religiões eram o
melhor caminho para se conhecer um povo (LIMA, 2013).

30
Arthur Ramos analisava a cultura dos negros como se fosse primitiva na medida
em que os fenômenos eram explicados não por causas naturais de cunho científico, mas
sim por causas míticas. Os mitos e narrativas da cultura africana traziam explicações
para acontecimentos como nascimento, doença e morte, o que era visto pelo autor
como uma característica de primitividade (LIMA, 2013).

NOTA
Embora para alguns críticos da antropologia o pensamento de Arthur Ramos
seja considerado tão perigoso quanto o de Nina Rodrigues, por questões
relativas ao racismo, em 1949 o autor recebeu o convite para liderar o
Departamento de Ciências Sociais da UNESCO devido ao seu importante
trabalho sobre questões raciais.

4 CLÁSSICOS DOS ESTUDOS SOBRE MULHERES


Depois de conhecermos os estudos clássicos envolvendo os povos indígenas
e afrodescendentes, vamos abordar os estudos sobre as mulheres no Brasil. Esse
estudo perpassa necessariamente as relações de gênero e, por isso, faremos um breve
apanhado dos precursores dessa análise no nosso país.

De acordo com a pesquisadora Maria Izilda Santos de Matos (2013), o livro


intitulado A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, escrito por Heleieth
Saffioti, em 1969, foi um marco para os estudos de gênero no Brasil. O livro tinha por
objetivo analisar a sociedade brasileira a partir da teoria do patriarcado se voltando para
a opressão masculina e capitalista em relação às mulheres.

NOTA
Conforme os estudos feministas, a teoria do patriarcado diz respeito a
uma organização sociopolítica que coloca os homens em uma situação de
privilégio, ou seja, em uma situação que eles detêm poder sobre as mulheres
e subjugam as mesmas.

É importante associarmos o momento em que surgem os estudos feministas


no Brasil ao contexto histórico da época. O período de vinte anos de governo militar,
entre os anos de 1964 e 1984, coincidiu com o início das análises de gênero no Brasil,
ainda que isso dificultasse a vida das mulheres. Elas começaram a se envolver mais com
questões sociais e políticas no movimento contra a anistia (MATOS, 2013).

31
Podemos dizer que os movimentos feministas no Brasil surgiram de fato a
partir da década de 1970, assim como em outros lugares do mundo. Contudo, esses
movimentos ficaram mais fortalecidos somente a partir das décadas de 1980 e 1990.
A ditadura foi um período de turbulência política no Brasil, trazendo à tona diversos
debates sobre o governo e a forma de organização da sociedade, o que contribuiu para
a emergência dos debates de gênero (SILVA, 2000).

Esse período marcou um novo movimento das mulheres brasileiras, que


passaram a reivindicar mais pelos seus direitos declarando as suas desigualdades. Nas
palavras da pesquisadora Susana Veleda da Silva:

Principalmente em São Paulo, mulheres de periferia, através


das comunidades da Igreja Católica reivindicam ao Estado o
atendimento das necessidades básicas como creches, melhores
salários, reclamam do custo de vida e unem-se contra a carestia. A
reivindicação pelas creches era apontada como um dos principais
problemas, pois as mulheres precisavam trabalhar fora, para manter
a família (Teles,1993). É claro que estas reivindicações propiciaram
não só mudanças de mentalidades como também mudanças no
espaço urbano. No final da década de setenta as pesquisas voltam-
se para as relações de produção. Mulher e trabalho, no espaço
urbano ou rural, marcam o início da pesquisa acadêmica, com
destaque para os trabalhos das sociólogas Heleieth Saffioti (1978/
1979/ 1981) e Eva Altermann Blay (1978). Nesse período, algumas
mulheres militavam clandestinamente em grupos de esquerda
contra a ditadura, propiciando, segundo Soares (1994) a emergência
do feminismo dentro dos partidos de esquerda. Mas são as mulheres
dos bairros populares que aparecem no espaço público construindo
uma “dinâmica política própria” (Soares,1994:16) e transformando o
seu espaço cotidiano (SILVA, 2000, s.p.).

É interessante notarmos que a época das primeiras manifestações das mulheres


no Brasil na década de 1970 coincide com a época de ingresso delas no mercado de
trabalho brasileiro. Ao lado das reivindicações trabalhistas e da crise do desemprego,
as mulheres também passaram a exigir seus direitos voltados para saúde, reprodução,
proteção contra violência, cultura, entre outros. Já a partir da década de 1990, essas
reivindicações passaram a ser institucionalizadas e houve um crescimento das ONGs
(Organizações Não Governamentais) feministas no Brasil (SILVA, 2000).

IMPORTANTE
Desde aquela época até os dias atuais, as reivindicações trabalhistas
costumam explicitar as desigualdades de gênero, sobretudo no caso de
salários inferiores para as mulheres com relação aos homens.

32
Ao contrário do que vimos a respeito dos estudos sobre os indígenas e sobre
os negros, os estudos sobre as mulheres no Brasil não possuem tanta linearidade e
são mais dispersos. Logo, é mais difícil sistematizar as obras, as pesquisadoras e os
pesquisadores dessa área, conforme foram feitos nos itens anteriores. Portanto, o que é
mais importante entendermos aqui é o contexto histórico em que esses debates sobre
gênero, mulheres e feminismo surgiram no nosso país.

Nas palavras da pesquisadora Mariza Corrêa (2001, p. 15):

É difícil traçar um perfil mais específico das feministas daquela


época, já que elas eram atrizes de teatro – lembrar a atriz portuguesa
radicada no Brasil, Ruth Escobar, por exemplo, que transformou seu
teatro num importante local de discussão sobre a situação da mulher
–, professoras universitárias, estudantes, sindicalistas, ativistas
vindas de movimentos populares, jornalistas etc. Creio que havia um
traço comum à todas, pelo menos em São Paulo e no Rio, que foi onde
circulei mais durante aqueles anos: eram mulheres de esquerda e
eram mulheres profissionais ou em vias de se tornarem profissionais.

FIGURA 6 – MANIFESTAÇÃO DE MULHERES

FONTE: <https://bit.ly/3Si9juy>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Também é importante entendermos que os movimentos feministas de hoje


possuem uma participação e reivindicações mais abrangentes. A prática feminista não
é mais exercida exclusivamente por mulheres e abarcam questões sociais mais amplas
como as próprias questões ambientais (SILVA, 2000).

Para finalizar nossa abordagem sobre os estudos sobre gênero no país, há uma
pesquisadora estrangeira que não pode passar desapercebida, chamada Margareth
Mead. Sua obra intitulada Sexo e temperamento em três sociedades primitivas,
escrita em 1935, é um grande clássico no que diz respeito às pesquisas de gênero em
antropologia no Brasil e no mundo. A autora foi uma pioneira nos estudos de relações
de gênero e muitas das pesquisas atuais recorrem a esse clássico para análises mais
aprofundadas (FELIPPE; OLIVEIRA-MACEDO, 2018).
33
Ao lado de seu marido, que também era antropólogo, Mead realizou uma pesquisa
de campo na Nova Guiné, focalizada em três povos: os Arapesh, os Mundugumor e os
Tchambuli. A pesquisadora teve como principal objetivo analisar as personalidades dos
homens e mulheres desses povos e uma de suas conclusões foi que as inclinações
psicológicas femininas e masculinas são padrões culturais. Em suma, o comportamento
de homens e mulheres não seria natural a cada um, mas sim transmitido de uma geração
a outra. A grande importância desse escrito se dá pela ideia de que a cultura é quem
adapta a forma de ser de cada gênero e, por isso, grande parte dos pesquisadores em
gênero recorrem a esse clássico (FELIPPE; OLIVEIRA-MACEDO, 2018).

Atualmente, as pesquisas sobre gênero em antropologia brasileira perpassam


diversos âmbitos da vida da mulher brasileira. Um trabalho importante nesse sentido é o
da antropóloga brasileira Mirian Goldenberg. A autora realizou uma pesquisa de campo
na classe média urbana carioca tendo em vista os papeis de gênero, ou seja, os papeis
das mulheres e dos homens nesse contexto (VAVASSORI, 2006).

O ponto alto do trabalho foi pensar na representação dos corpos das pessoas e
como isso é construído socialmente.

Identificando a tão exaltada valorização do corpo magro da mulher


e a importância da altura, virilidade e potência para os homens,
Goldenberg cita Pierre Bourdieu para afirmar que não só as mulheres
estão presas ao seu corpo real que é diferente do ideal, mas também
os homens vistos como dominantes sofrem, pois as exigências a
respeito de um determinado modelo de corpo recaem também sobre
eles, que se preocupam com a força física, virilidade, potência, altura
e com o tamanho do pênis (VAVASSORI, 2006, s.p.).

DICA
Se quiser saber mais sobre o trabalho da autora, sugerimos que leia na íntegra
o texto De perto ninguém é normal: estudos sobre corpo, sexualidade, gênero e
desvio na cultura brasileira. Disponível em: https://bit.ly/3JEVUZP.

34
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Os estudos sobre os povos indígenas no Brasil começaram com antropólogos


estrangeiros e depois surgiram também os antropólogos brasileiros.

• Ao contrário dos antropólogos estrangeiros, que iam em busca da alteridade em


outros países, os antropólogos brasileiros encontravam essa alteridade no próprio
Brasil.

• Existem mais de 300 etnias indígenas no Brasil.

• Existem muitos antropólogos que pesquisam as diversas etnias existentes no


Brasil, já que a Etnologia Indígena é uma das áreas mais difundidas da antropologia
brasileira.

• Dentre os autores mais conhecidos nos estudos sobre os negros no Brasil, estão:
Raimundo Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Gilberto Freyre.

• Antes dos principais autores citados, os estudos sobre os negros não eram
difundidos no Brasil.

• O debate sobre os negros no Brasil envolveu questões como religiões, a relação


entre senhores e escravizados e os debates raciais.

• Os estudos sobre as mulheres no Brasil, bem como os debates sobre gênero e


feminismo, começaram junto com o ingresso das mulheres no mercado de trabalho.

• Na época da ditadura, as mulheres passaram a se envolver mais com questões


sociais e políticas.

• Os primeiros estudos e práticas sobre mulheres, gênero e feminismo no Brasil


contaram principalmente om a participação de mulheres trabalhadoras e de
esquerda.

• Margareth Mead é uma antropóloga clássica que serve de base para pesquisas de
gênero no Brasil e no mundo.

35
AUTOATIVIDADE
1 Os estudos sobre as mulheres no Brasil começaram a partir da década de 1970.
Esse período foi marcado por diversos acontecimentos políticos, como o governo da
ditadura militar e diversas manifestações por direitos trabalhistas. Considerando o
surgimento do ativismo político feminista na época, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A luta pelos direitos das mulheres era uma reivindicação tanto de homens como
de mulheres.
b) ( ) O estudo sobre as mulheres estava voltado para debates como patriarcado e
opressão masculina em relação às mulheres.
c) ( ) Desde o início do movimento feminista no país, estava presente a atuação de
ONGs.
d) ( ) Naquela época, tanto homens como mulheres recebiam salários iguais e, por
isso, essa não era uma das reivindicações feministas.

2 Apesar dos primeiros estudos voltados para os povos indígenas terem sido feito
por pesquisadores estrangeiros, os pesquisadores brasileiros também tomaram as
rédeas do assunto. Considerando os pesquisadores da área da etnologia indígena,
analise as sentenças a seguir:

I- Nas décadas de 1970 e 1980, foram feitos mais projetos de pesquisa em Etnologia
Indígena que atualmente.
II- Existem mais de 300 etnias indígenas no Brasil, o que gera interesse de
pesquisadores brasileiros e estrangeiros.
III- Roberto da Matta foi um pesquisador sobre estudos em organização social e política
da etnia Apinayé no Brasil.
IV- A maioria dos pesquisadores sobre contato interétnico foram estrangeiros.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

3 Os estudos sobre os negros no Brasil contam com três autores clássicos: Raimundo
Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Gilberto Freyre. Sobre a trajetória de vida e o
pensamento desses três autores, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

36
( ) Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Gilberto Freyre foram antropólogos e médicos.
( ) Nina Rodrigues pode ser considerado o pioneiro dos estudos sobre os negros no
Brasil.
( ) A década de 1930 foi um marco para os estudos sobre os negros no país,
considerando os congressos organizados por Gilberto Freyre e Arthur Ramos sobre
o assunto.
( ) O livro Casa-Grande e Senzala escrito por Gilberto Freyre teve repercussão
internacional.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – F.
b) ( ) V – F – F – V.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) F – F – V – F.

4 Uma das áreas mais famosas da antropologia brasileira é a Etnologia Indígena, que
é voltada para o estudo dos povos indígenas. Considerando a grande diversidade
étnica que nosso país abriga, os estudos sobre as populações indígenas podem ser
divididos em algumas temáticas principais. Disserte sobre essas temáticas e traga
pelo menos um autor que estudou esse campo.

5 Diferentemente dos estudos voltados para os povos indígenas e afrodescendentes, os


estudos sobre mulheres, gênero e feminismo no Brasil não possuiu tanta linearidade
e foi construído de maneira mais dispersa no país. Disserte sobre a trajetória e o
contexto histórico desses estudos, destacando quem foram as protagonistas desse
movimento.

37
38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
ENTENDENDO A CULTURA BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 3, abordaremos o conceito de cultura brasileira. Esse é um tema
que gera um amplo debate, tendo em vista que, antes da colonização, nosso país era
habitado pelas etnias indígenas. Assim, entenderemos as influências que as outras
nações do mundo tiveram sobre a formação da cultura do nosso país e quais foram
essas nações. Além disso, também pensaremos a respeito da influência dos africanos e
afrodescendentes que foram trazidos ao Brasil na época da escravatura.

Em seguida, voltaremos nossa atenção para os estudos da cultura popular e do


folclore, que são um desdobramento da noção de cultura brasileira. Vamos conhecer
mais sobre as manifestações culturais do povo brasileiro e sobre as lendas que fazem
parte do folclore do nosso país.

Por fim, refletiremos sobre o pensamento pós-colonial. Para isso, retomaremos


brevemente a história do período da colonização do Brasil e como os estudos pós-
coloniais estão relacionados a isso.

2 CONCEITO DE CULTURA BRASILEIRA


Para entendermos mais a respeito do conceito de cultura brasileira, podemos
voltar a um dos autores que vimos no tópico anterior, o antropólogo e médico Arthur
Ramos. Esse autor tratou a respeito das culturas europeias e não europeias no Brasil,
tendo em vista as perspectivas raciais e culturais. Dentre as culturas europeias estavam
a portuguesa, a italiana, a alemã, entre outras, e dentre as culturas não europeias
estavam, sobretudo, as indígenas e as negras. Isso já nos mostra um pouco do que é a
cultura brasileira: uma grande combinação de diversas culturas! (BOSI, 1992).

ESTUDOS FUTUROS
O conceito de cultura em particular será abordado na próxima unidade dos
nossos estudos, mas podemos adiantar que cultura diz respeito basicamente
a um conjunto de pensamentos, práticas e objetos compartilhados por uma
sociedade.

39
Logo, não existe uma uniformidade ou uma homogeneidade do que chamamos
de cultura brasileira e por isso podemos pensar mais em culturas brasileiras no plural.
De acordo com o pesquisador Fernando de Azevedo (1964), isso se deve a várias
características do nosso país, como sua grande extensão territorial, a diversidade
geográfica, diferença do tempo de incorporação à civilização, aos meios de transporte e
comunicação, entre outros fatores. Nas palavras do autor:

Este, um ponto capital que se deve ter em vista quando falamos


em cultura brasileira – nessa cultura, que, embora se tenha
desenvolvido sobre uma base comum e sob os mesmos impulsos
iniciais, se desdobra numa série de paisagens humanas e sociais,
tão diferenciadas, como as geográficas, pelas diversidades regionais
decorrentes do meio físico e das influências, em graus variáveis, dos
contatos de raças e culturas. O que é verdadeiro em relação a umas,
pode não sê-lo e não é, de fato, para outras (AZEVEDO, 1964, p. 369-
370).

Ainda de acordo com Fernando de Azevedo (1964), a cultura portuguesa foi a de


maior influência no Brasil, considerando a herança colonial de elementos como a língua,
a religião e outros costumes. Durante o período colonial, era proibido que outras nações
mantivessem relações comerciais com o Brasil ou adentrar nos portos do país, o que
tornou lento o contato com outras civilizações. Somente quando Dom João VI chegou
ao Brasil em 1808, os portos foram abertos a todas as nações do mundo, o que refletiu
na influência cultural sobre o país (AZEVEDO, 1964).

A partir de então, o Brasil passou a ter influência de países europeus como a


França e a Inglaterra em termos intelectuais e políticos, embora a cultura portuguesa
ainda fosse predominante. Depois, durante o século XX, seguindo as guerras mundiais,
o Brasil passou a intensificar seu processo de industrialização recebendo forte influência
dos Estados Unidos da América (EUA). Além disso, o Brasil passou a receber imigrantes
das mais diferentes nações do mundo (AZEVEDO, 1964).

Fora a estrutura cultural de origem portuguesa seguida da influência de outras


culturas estrangeiras, precisamos ter em mente quem habitava o Brasil antes da
chegada dos colonizadores portugueses: os indígenas.

40
FIGURA 7 – INDÍGENAS

FONTE: <https://bit.ly/3BGba6F>. Acesso em: 16 jun. 2022.

IMPORTANTE
A história do Brasil e a relação entre indígenas e colonizadores vem sendo
reconstruída nos últimos tempos. Para termos uma visão mais coerente
da história do nosso país e da formação da cultura brasileira, devemos
manter em mente o protagonismo dos povos indígenas, os quais foram
erroneamente todos entendidos “índios”. Ao generalizarmos e chamarmos
todos de “índios”, estamos desconsiderando suas pluralidades étnicas e o
termo mais correto seria “indígena”. Quando os colonizadores chegaram
ao Brasil, pensaram que estavam chegando nas famosas Índias e por isso
chamaram os habitantes do território de “índios”. Contudo, “indígena” se
refere a quem é o nativo da terra, sendo o termo mais correto a ser utilizado.

Durante o período da conquista e da colonização do Brasil por parte dos


portugueses, as etnias indígenas sofreram grandes violências culturais. Um exemplo foi
a escravização dos indígenas e mesmo o processo de catequização, que transparecia a
subjugação das religiões indígenas pela religião dos brancos. Isso foi refletido em uma
visão discriminatória e preconceituosa em relação aos povos indígenas do país e é uma
das grandes preocupações dos antropólogos de hoje em dia desconstruir essa visão em
torno da pluralidade das culturas brasileiras (ALMEIDA, 2017).

Além dos indígenas, a formação da cultura brasileira contou com a influência


dos negros escravizados.

41
FIGURA 8 – NEGRO ESCRAVIZADO NO BRASIL COLONIAL

FONTE: <https://bit.ly/3BDUoVI>. Acesso em: 16 jun. 2022.

IMPORTANTE
Assim como a história do Brasil e a relação entre indígenas e colonizadores
vêm sendo reconstruída nos últimos tempos, o mesmo acontece com a
relação entre os negros e os brancos. Também é importante mantermos
em mente o protagonismo dos povos afrodescendentes para a formação
da cultura brasileira em vários aspectos, como arte, língua, religião, entre
outros.

Como sabemos pela história do nosso país, africanos foram trazidos à força
ao Brasil para servirem de escravos nas colônias. Contudo, resistiram à tentativa de
colonização sobre suas culturas e mantiveram seus hábitos na medida do possível. Nas
palavras da pesquisadora Maria Arlete Santos (2016, p. 219):

Os africanos no Brasil não abandonaram seus costumes e religiões,


apesar do trabalho estafante e do pequeno ciclo de vida. Organizavam
festas, adornavam os corpos, relembravam suas origens tais como o
Rei Congo, congada, música carregada de sofrimento em contraste
com os raros momentos de alegria, em que a língua de origem
sobressaia no canto. Essa cultura não podia expressar-se livremente,
pela sua condição de escravo, mas sobreviveu nas crenças religiosas
e práticas mágicas a que se apegavam em seu desamparo no mundo
hostil em que viviam, o qual transformavam em danças e músicas,
arrefecendo assim o sofrimento do dia a dia. Juntamente com
esses valores espirituais acrescentam-se reminiscências rítmicas,
musicais, saberes e gostos culinários. Essa herança africana,
associada às crenças indígenas, resultou nessa singular fisionomia
cultural brasileira.

42
Muitos dos elementos que representam a cultura brasileira foram herança dos
povos africanos, como o samba, que nasceu de casas de baianas no Rio de Janeiro, no
início do século XX e a capoeira que foi originada a partir de uma luta típica de Angola.
Palavras como macumba, farofa, quindim, canjica, miçanga, marimbondo, dendê,
quiabo, capenga e banguela também são um exemplo da herança desses povos sobre
a nossa língua. Algumas dessas próprias palavras já nos revelam a influência africana
sobre a culinária, que é um dos aspectos da cultura brasileira.

ESTUDOS FUTUROS
Não podemos deixar de mencionar também a influência dos africanos e
afrodescendentes na cultura brasileira em termos religiosos. Esse tema
será aprofundado na próxima unidade dos nossos estudos quando
abordarmos o sincretismo religioso.

Em resumo, a cultura brasileira é composta por diversas culturas que conversam


entre si, sobretudo a cultura dos brancos, as culturas dos indígenas e as culturas dos
negros. É interessante notar que as culturas dos indígenas e dos negros são os principais
focos de estudos da antropologia brasileira, conforme vimos na unidade anterior, sempre
pensando na relação com a cultura dos brancos.

3 CULTURA POPULAR E FOLCLORE


Depois de entendermos mais a respeito da formação da cultura brasileira,
ou melhor, das culturas brasileiras, vamos pensar na cultura popular em particular
e do folclore. Em linhas gerais, a cultura popular seria aquilo que está relacionado a
manifestações culturais tradicionais do povo brasileiro. Essas manifestações podem
incluir: “técnicas domésticas de trabalho, práticas de cura, habilidades artesanais,
literatura oral, folguedos tradicionais, crenças, músicas e muitas outras vivências”
(VANUCCHI, 2006, p. 97).

43
FIGURA 9 – ARTESANATO POPULAR

FONTE: <https://bit.ly/3P0pR7C>. Acesso em: 16 jan. 2022.

No entanto, a cultura popular envolve uma noção de classe que distingue o que
é da elite e o que é do povo. De acordo com o professor Aldo Vanucchi (1999), um curso
sobre cultura popular seria por si só algo de elite, enquanto o povo estaria preocupado
com outras coisas como “a vida, o trabalho, a família, a luta cotidiana de sobrevivência,
o descanso, a festa, a felicidade de viver” (VANUCCHI, 2006, p. 97).

Podemos dizer que a definição de cultura popular não é um consenso entre os


que escrevem sobre o assunto. Nas palavras de Vanucchi (1999, p. 98):

Alguns se satisfazem com uma conceituação negativa, bastante


cômoda: cultura popular será tudo o que não se enquadra na cultura
erudita, acadêmica, científica. Outros veem cultura popular como
o conjunto de conhecimentos e práticas vivenciados pelo povo,
embora possam também ser vividos e instrumentalizados pelas
elites. Pense-se no candomblé, no carnaval, na feijoada, nos usos
folclóricos, no jogo do bicho, na capoeira. Há também quem considere
cultura popular simplesmente o que é espontâneo, livre de cânones
e de leis, tais como danças, crenças, ditos tradicionais. Outros ainda
entendem como cultura popular tudo o que acontece no país por
tradição e que merece ser mantido e preservado imutável. Enfim, há
os que chamam de cultura popular tudo o que é do saber do povo, de
produção anônima ou coletiva.

Portanto, é difícil delimitar o que seria de fato essa cultura popular brasileira,
mas de todo modo é uma cultura muito mais voltada para o “fazer” do que para o “saber”.
Ela está manifestada no cotidiano do povo e nos meios que essas pessoas encontram
para sobreviver. Ela tem a ver com as práticas que são ensinadas oralmente pelo povo.
Aqui, por povo podemos compreender aquelas pessoas que foram colocadas à margem
da sociedade capitalista e que não tiveram oportunidade de ascensão econômica.

44
IMPORTANTE
Ainda que as práticas da cultura popular não estejam necessariamente
submetidas a um rigor acadêmico ou científico, elas não devem ser
menosprezadas! Por isso a importância de reconhecermos essas práticas
como fazendo parte da cultura popular para que assim sejam legitimadas.

Agora, vamos refletir sobre o folclore, que está diretamente vinculado à cultura
popular. Para o questionamento se folclore é um sinônimo de cultura popular ou há
diferença entre eles, Vanucchi (1999, p. 99-100) nos responde o seguinte:

Não há consenso na resposta. Autores abalizados, como Gramsci,


optam pela identificação de ambos, apreciando-os como uma
única realidade e da maior importância. Outros estudiosos buscam
diferenciar bem os dois saberes. Assim, por exemplo, Carlos
Rodrigues Brandão vê o folclore como “uma fração tradicional da
cultura popular”, ou melhor explicado, “uma situação da cultura...
um momento que configura formas provisoriamente anônimas de
criação popular, coletivizada, persistente, tradicional e reproduzida
através dos sistemas comunitários não eruditos da comunicação
do saber”. Enfim, existe uma terceira atitude: a dos que identificam
cultura popular como folclore, mas divisando neste apenas um
campo de curiosidade, em via de desaparecimento, algo antigo, de
mera referência histórica ou fantasiosa, fadado a dissolver-se numa
sociedade irreversivelmente técnica (VANUCCHI, 1999, p. 99-100).

FIGURA 10 – FOLCLORE

FONTE: <https://bit.ly/3cXO2pK>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A palavra folclore, por sua vez, deriva do termo folklore, da língua inglesa, no
qual folk está relacionado ao povo e lore, ao saber. Ela foi criada pelo arqueólogo inglês
Willian John Thoms no ano de 1846, ou seja, há muito tempo. De acordo com a cientista

45
social Vivian Catenacci (2001), quando essa palavra foi incorporada à língua portuguesa,
passou a significar os saberes tradicionais dos camponeses que eram transmitidos
oralmente.

Após esse breve apanhado a respeito dos conceitos de cultura popular e


folclore, não restam dúvidas de que ambos os conceitos possuem significados diversos.
No entanto, voltemos à ideia de que cultura popular se refere a diversas formas de
manifestação dos saberes tradicionais do povo brasileiro e que folclore se refere aos
contos passados de geração em geração de maneira oral.

DICA
Se tiver interesse em conhecer em detalhes algumas das lendas e mitos
do folclore brasileiro, sugerimos o livro Lendas e mitos do Brasil, escrito por
Theobaldo de Miranda.

Vamos ver algumas das lendas mais famosas do folclore brasileiro na tabela a
seguir:

QUADRO 6 – FOLCLORE BRASILEIRO

Espírito que protege as matas, os rios e os animais selvagens.


Aparece principalmente como um veado. Anhangá é
Anhangá
conhecido por punir os caçadores que maltratam os animais
das matas.
É uma cobra ou um facho de fogo que percorre os campos e
Boitatá cerrados. Costuma punir as pessoas que causam queimadas
e destruições nas matas.
Uma cobra gigantesca que mora nos grandes rios da Amazônia.
Boiuna
Sai do fundo dos rios para atacar e comer pescadores.
Um forte caboclo que habita próximo ao Rio São Francisco.
Caboclo d’água Os pescadores da região contam que esse caboclo vira os
barcos, espanta peixes e afoga pessoas.
Similar a um vampiro ou fantasma. Ele se vinga das pessoas
Corpo-seco
que maltratam os familiares próximos.
É um menino de cabelos vermelhos com os pés virados
para trás. Cuida das matas e dos animais selvagens. Seus
Curupira pés virados são conhecidos por confundir os caçadores que
encontravam suas pegadas e seguiam seus rastros, indo na
direção errada.

46
É uma linda mulher conhecida por ser a sereia dos rios. Seu
Iara canto comovente é usado para enfeitiçar os homens e levá-
los para o fundo do rio.
A transformação do lobisomem acontece em noites de lua
Lobisomem
cheia, quando alguém vira meio lobo meio homem.
A lenda do boto é contada nos arredores da Amazônia. Esse
Boto boto seria um rapaz que aparece à noite para conquistar
mulheres bonitas e depois some as deixando grávidas.
É uma criatura com corpo de humano e cabeça de jacaré que
Cuca
costuma amedrontar quem não obedece às mães e pais.
Um monstro peludo que vive na Floresta Amazônica
Mapinguari
procurando pessoas para comer.
Uma bruxa velha que pode se transformar em um pássaro de
Matinta perara
mau agouro que habita a região Norte do Brasil.
Uma mula com fogo no lugar da cabeça que pode ser
Mula sem cabeça
encontrada em estradas do interior.
Um menino que montou em um cavalo nos pampas do Sul do
Negrinho do
Brasil para fugir de um fazendeiro cruel. As pessoas costumam
pastoreio
rezar para ele para encontrar objetos perdidos.
É um menino negro de uma perna só com um gorro vermelho
e um cachimbo na boca. Em torno de sua perna, há um
Saci-pererê redemoinho de vento. Ele costuma fazer travessuras entre as
pessoas e dizem que quem conseguir roubar seu gorro terá
qualquer pedido atendido.
É uma planta que somente se abre à noite. De acordo com
mitos indígenas, uma mulher se apaixonou pela lua e foi morar
Vitória-régia com ela no céu e virar uma estrela. Essa mulher ficou na beira
do igarapé admirando a lua e acabou morrendo, virando uma
estrela das águas que é a vitória-régia.
FONTE: <http://www.multirio.rj.gov.br/media/PDF/pdf_4251.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2022.

4 ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
Para encerrar a primeira unidade dos nossos estudos, vamos entender o
pensamento pós-colonial no Brasil. A noção de pós-colonial surgiu na década de
1970 e foi mais difundida na década de 1980 no contexto britânico. O maior desafio do
pensamento pós-colonial é compreender as estratégias de resistência ao eurocentrismo
a partir do ponto de vista dos povos que foram dominados na fase da colonização ao
redor do mundo (MATA, 2014).

47
DICA
O termo “eurocentrismo” diz respeito ao pensamento que tende a analisar
os acontecimentos a partir de valores europeus. Esse termo é perigoso
na medida em que pode dar a entender que os valores europeus são os
corretos e os demais, errados ou mesmo inferiores.

De acordo com a pesquisadora Heloisa Toller Gomes (2006, p. 1), a vertente de


estudos denominada pós-colonialismo possui como foco central

o exame dos discursos do poder e do saber impostos pelos


colonizadores europeus em suas colônias e nas metrópoles de
onde partiu o aparato ideológico da dominação colonial, e examina
o fluxo discursivo produzido pelos povos subjugados. Expõe,
também e principalmente, as cicatrizes, sequelas e recorrências
contemporâneas dessa dominação colonial (GOMES, 2006, p. 1).

Logo, podemos resumir o pós-colonialismo como a análise da relação opressora


dos colonizadores europeus sobre os povos colonizados, tendo em vista a posição
desses próprios povos e as consequências dessas colonizações. Como comentamos no
item anterior, a cultura brasileira sofreu influência de diversas nações que colonizaram
o país. Portanto, no caso do Brasil, os estudos pós-coloniais têm a ver, sobretudo,
com a relação de dominação dessas nações sobre o povo brasileiro, tendo em vista
principalmente as populações negras e indígenas.

Antes de pensarmos diretamente sobre o pós-colonialismo, precisamos nos


voltar para o próprio colonialismo no Brasil. Nosso país passou muito tempo submetido
ao poder de Portugal, o qual, por sua vez, estava submetido ao poder da Inglaterra. Por
isso, “dizemos que o Brasil teve na verdade um colonizador direto, o português, e um
indireto, o inglês. Fomos, portanto, duplamente colonizados: por Portugal e pelo poderio
britânico, sempre atento às periferias de seus domínios” (GOMES, 2006, p. 3).

Os recursos naturais do Brasil foram explorados por Portugal e pela Inglaterra,


sendo que a exploração é um ponto-chave para se pensar a respeito do colonialismo
na medida em que é uma prática de dominação. Assim, os estudos pós-coloniais no
Brasil foram elaborados em torno da própria formação da cultura brasileira, levando em
consideração elementos históricos, sociais, culturais e mesmo raciais (GOMES, 2006).

As questões raciais no contexto do pensamento pós-colonial podem ser


consideradas as mais importantes.

Nesse sentido, e sem receio da redundância, chamo a atenção para a


atenção que deve ser dada à vigorosa presença afro-brasileira, tanto
do ponto de vista autoral quanto temático, nos estudos da sociedade

48
brasileira. Felizmente, já se afastam os dias em que a presença
literária negra, salvo as marcantes exceções que todos conhecemos,
fazia-se sentir, paradoxalmente, pela eloquência de um silêncio
carregado de vozes abafadas (GOMES, 2006, p. 8).

Isso acontece porque a escravidão foi um dos maiores, e mais nefastos,


acontecimentos da colonização do Brasil e estava direcionada principalmente aos povos
afrodescendentes. Conforme aponta Gomes (2006), essa escravidão ainda sobrevive de
certa forma no cenário atual das favelas no país. Assim, o período pós-colonial ainda
perpetua uma situação do período colonial por meio da exploração de fundamento
escravocrata.

FIGURA 11 – FAVELA

FONTE: <https://bit.ly/3zxLqXn>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Nesse contexto, vale pensar a respeito das expressões culturais afro-brasileiras


que são a marca desse período pós-colonial em resposta ao período do colonialismo e
das explorações que são resquício dele.

Os estudos pós-coloniais tratam fundamentalmente, no âmbito


discursivo, das tensões entre dominantes e dominados, no exercício
de seus respectivos recursos de expressão. Essa nova área de
saber pode e deve ser acolhida no espaço da literatura comparada,
para mútuo benefício de seus pesquisadores e, sobretudo, para a
ampliação e renovação dos estudos socioculturais em nosso país,
em torno das questões candentes de nacionalismo e cidadania,
etnicidade e hierarquias raciais, ideologias, sexualidade, cultura
(GOMES, 2006, p. 13-14).

49
DICA
Para pensar mais a respeito das formas de expressão que surgiram no
período pós-colonial, bem como do ponto de vista dos povos dominados,
sugerimos a leitura do romance Cidade de Deus, escrito por Paulo Lins.

No caso do pós-colonialismo relativo às populações indígenas, devemos


ter em mente o ponto de vista deles sobre o suposto “descobrimento” do Brasil e as
transformações que suas culturas sofreram desde a época da colonização. De acordo
com a pesquisadora Emilene Corrêa Souza (2012, p. 97):

Os indígenas foram colonizados e tiveram de se adaptar à nova


cultura e aos novos costumes apresentados pelo colonizador. Essa
colonização, que se deu por meios violentos, condicionou os indígenas
a serem vistos como um povo que não lutou por sua independência,
o que não é verdade. O povo indígena lutou contra o colonizador
num primeiro momento, mas por ser desprovido de recursos bélicos,
teve de se sujeitar ao colonizador. Como já dito anteriormente, esta
sujeição colonial se encontra presente em muitos aspectos na
cultura indígena. Embora isso possa ser visto com olhar negativo
na pós-colonialidade, contribuiu para que o povo indígena provasse
que, mesmo com a colonização, continuou a cultivar sua tradição.

IMPORTANTE
Atualmente, a ideia de “descobrimento” do Brasil vem caindo por terra.
Esse termo não é mais considerado correto porque não refletem os fatos:
se alguém descobriu o Brasil foram os povos indígenas que habitavam
o território antes da chegada dos colonizadores portugueses. O termo
correto para o que os colonizadores fizeram pode ser “tomada de posse”,
“invasão” ou “conquista”, o que tem sido alterado nas próprias escolas do
nosso país.

Assim como no caso da literatura afro-brasileira, que é uma retomada do


pensamento perante a dominação que sofreram, o mesmo acontece com a literatura
indígena. Essa literatura tem trazido ao conhecimento da sociedade que os povos
indígenas não podem mais ser vistos como aqueles povos inferiores tal como foi feito
pelos colonizadores, mas sim que possui suas próprias particularidades culturais que
são nada menos que válidas. Nas palavras da pesquisadora Sandy Almeida (2008, p.
39): “Este movimento literário, chamado de literatura pós-colonialista, surge nas ex-
colônias em todo o mundo e busca o reconhecimento da riqueza da cultura nativa, e
consequentemente, da identidade própria do nativo, pelo colonizador”.

50
FIGURA 12 – INDÍGENAS NO SENADO

FONTE: <https://bit.ly/3d3mUFT>. Acesso em: 16 jun. 2022.

IMPORTANTE
O uso de tecnologias da cidade, como televisão, celular e computador,
por parte de indígenas, é um tema que gera muitas divergências. Ainda
que uma parcela do senso comum entenda que os indígenas deixam
de ser indígenas por usarem tecnologias da cidade, os antropólogos lutam
por contestar esse tipo de discurso. Em resumo, nenhum indígena deixa de
ser indígena por usar uma tecnologia da cidade ou mesmo viver na cidade. As
tradições culturais indígenas, assim como todas as outras, são dinâmicas e assim
transformadas ao longo da história. Contudo, é preciso manter em mente que os
seus modos de viver e de pensar sempre estarão arraigados na cultura da etnia
indígena que fazem parte. Assim como uma pessoa branca da cidade não vira
indígena por viver na aldeia e usar um cocar, o indígena não vira branco por se
adaptar aos moldes da cidade.

51
LEITURA
COMPLEMENTAR
O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO

Roberto Cardoso de Oliveira


O olhar

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo (ou no campo) esteja na


domesticação teórica de seu olhar. Isso porque, a partir do momento em que nos sentimos
preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos o nosso olhar
já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo. Seja qual for esse objeto,
ele não escapa de ser apreendido pelo esquema conceituai da disciplina formadora
de nossa maneira de ver a realidade. Esse esquema conceituai, disciplinadamente
apreendido durante o nosso itinerário académico (daí o termo disciplina para as matérias
que estudamos), funciona como uma espécie de prisma por meio do qual a realidade
observada sofre um processo de refração - se me é permitida a imagem. É certo que
exclusivo do Olhar, uma vez que está presente em todo processo de conhecimento,
envolvendo, portanto, todos aqueles atos cognitivos, que mencionei, em seu conjunto.
É certamente no Olhar que essa refração pode ser mais bem compreendida. A própria
imagem óptica – refração – chama a atenção para isso.

Imaginemos um antropólogo iniciando uma pesquisa junto a um determinado


grupo indígena e entrando numa maloca, uma moradia de uma ou mais dezenas de
indivíduos, sem ainda conhecer uma palavra do idioma nativo. Essa moradia de tão
amplas proporções e de estilo tão peculiar, como, por exemplo, as tradicionais casas
coletivas dos antigos Tükúna do Alto Solimões, no Amazonas, teria o seu interior
imediatamente vasculhado pelo "Olhar etnográfico", por meio do qual toda a teoria que a
disciplina dispõe relativamente às residências indígenas passaria a ser instrumentalizada
pelo pesquisador, isto é, por ele referida. Nesse sentido, o interior da maloca não seria
visto com ingenuidade, como uma mera curiosidade diante do exótico, porém com um
olhar devidamente sensibiliza- do pela teoria disponível. Tendo por base essa teoria,
o observador bem preparado, enquanto etnólogo, iria olhá-la como um objeto de
investigação previamente já construído por ele, pelo menos numa primeira prefiguração:
passaria, então, a contar os fogos (pequenas cozinhas primitivas), cujos resíduos de
cinza e carvão indicariam que em torno de cada um deles estiveram reunidos não
apenas indivíduos, porém "pessoas", portanto, "seres sociais", membros de um único
"grupo doméstico"; o que lhe daria a informação subsidiária que pelo menos nessa
maloca, de conformidade com o número de fogos, estaria abrigada uma certa porção de
grupos domésticos, formados por uma ou mais famílias elementares e, eventualmente,
de indivíduos "agregados" (originários de um outro grupo tribal). Saberia, igualmente, a

52
totalidade dos moradores (ou quase) contando as redes dependuradas nos mourões da
maloca dos membros de cada grupo doméstico. Observaria, também, as características
arquitetônicas da maloca, classificando-a segundo uma tipologia de alcance planetário
sobre estilos de residências, ensinada pela literatura etnológica existente.

Tomando-se, ainda, os mesmos Tiikúna, mas em sua feição moderna, o


etnólogo que visitasse suas malocas observaria de pronto que elas se diferenciavam
radicalmente daquelas descritas por cronistas ou viajantes que, no passado, navegaram
pelos igarapés por eles habitados. Verifica- ria que as amplas malocas, então dotadas
de uma cobertura em forma de semiarco descendo suas laterais até o solo e fechando
a casa a toda e qualquer entrada de ar (e do olhar externo), salvo por portas removíveis,
acham-se agora totalmente remodeladas. A maloca já se apresenta amplamente aberta,
constituída por uma cobertura de duas águas, sem paredes (ou com elas precárias); e,
internamente, impondo-se ao olhar externo veem-se redes penduradas nos mourões,
com seus respectivos mosquiteiros – um elemento da cultura material indígena
desconhecido antes do contato interétnico e desnecessário para as casas antigas,
uma vez que seu fechamento impedia a entrada de qualquer tipo de inseto. Nesse
sentido, para esse etnólogo moderno, já tendo ao seu alcance uma documentação
histórica, a primeira conclusão será sobre a existência de uma mudança cultural de
tal monta que, se de um lado veio a facilitar a construção das casas indígenas, uma
vez que a antiga residência exigia um esforço muito grande de trabalho, dada a sua
complexidade arquitetônica, por outro lado veio afetar as relações de trabalho (por não
ser mais necessária a mobilização de todo o clã para a edificação da maloca), ao mesmo
tempo em que tornava o grupo residencial mais vulnerável aos insetos, posto que os
mosquiteiros somente poderiam ser úteis nas redes, ficando a família à mercê deles
durante todo o dia. Observava-se, assim, literalmente, o que o saudoso Herbert Baldus
chamava de uma espécie de "natureza-morta" da aculturação. Como torná-la viva,
senão pela pene- tração na natureza das relações sociais?

Retomando o nosso exemplo, veríamos que para se dar conta da natureza das
relações sociais mantidas entre as pessoas da unidade residencial (e delas entre si, em
se tratando de uma pluralidade de malocas de uma mesma aldeia ou "grupo local"),
somente o Olhar não seria suficiente. Como alcançar apenas pelo Olhar o significado
dessas relações sociais sem conhecermos a nomenclatura do parentesco, por meio
da qual pode- remos ter acesso a um dos sistemas simbólicos mais importantes das
sociedades ágrafas e sem a qual não nos será possível prosseguir em nossa caminhada?
O domínio das teorias de parentesco pelo pesquisador torna-se, então, indispensável.
Para chegar, entretanto, à estrutura dessas relações sociais, o etnólogo deverá se valer,
preliminarmente, de um outro recurso de obtenção dos dados. Vamos nos deter um
pouco no Ouvir.

53
O ouvir

Creio não ser ocioso mencionar que o exemplo indígena, tomado como ilustração
do Olhar etnográfico, não pode ser considerado como sendo incapaz de gerar analogias
com outras situações de pesquisa, com outros objetos concretos de investigação. O
sociólogo ou o politólogo por certo terão exemplos tanto ou mais ilustrativos para mostrar
o quanto a teoria social pré-estrutura o nosso olhar e sofìstica a nossa capacidade de
observação. Julguei, entretanto, que exemplos bem simples são geralmente os mais
inteligíveis. Como a Antropologia é a minha disciplina, continuarei a me valer dos seus
ensinamentos e de minha própria experiência profissional com a esperança de, assim
fazendo, poder proporcionar uma boa noção dessas etapas, aparentemente corriqueiras
da investigação científica. Portanto, se o Olhar possui uma significação específica para
um cientista social, o Ouvir também o tem.

Evidentemente tanto o Ouvir quanto o Olhar não podem ser tomados como
faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambos se
complementam e servem para o pesquisador como duas muletas (que não nos percamos
com essa metáfora tão negativa...) que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente,
na estrada do conhecimento. A metáfora, propositadamente utilizada, permite lembrar
que a caminhada da pesquisa é sempre difícil, sujeita a muitas quedas... É nesse ímpeto
de conhecer que o Ouvir, complementando o Olhar, participa das mesmas precondições
deste último, na medida em que está preparado para eliminar todos os ruídos que lhe
pareçam insignificantes, i.e., que não façam nenhum sentido no corpus teórico de
sua disciplina ou para o paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado. Não
queremos discutir aqui a questão dos paradigmas; foi possível fazê-lo no livro Sobre
o pensamento antropológico (1988b), e não temos tempo aqui de abordá-la. Bastaria
entendermos que as disciplinas e seus paradigmas são condicionantes tanto de nosso
Olhar quanto de nosso Ouvir.

Imaginemos uma entrevista por meio da qual o pesquisador sempre pode obter
informações não alcançáveis pela estrita observação. Sabemos que autores como
Radcliffe-Brown sempre recomendaram a observação de rituais para estudarmos
sistemas religiosos. Para ele, "no empenho de compreender uma religião devemos
primeiro concentrar atenção mais nos ritos que nas crenças" (RADCLIFFE-BROWN,
1973). O que significa dizer que a religião podia ser mais rigorosamente observável na
conduta ritual por ser ela "o elemento mais estável e duradouro" se a compararmos com
as crenças. Porém isso não quer dizer que mesmo essa conduta, sem as ideias que a
sustentam, jamais poderia ser inteiramente compreendida. Descrito o ritual, por meio
do Olhar e do Ouvir (suas músicas e seus cantos), falta - vale a plena compreensão
de seu "sentido" para o povo que o realizava e a sua "significação" para o antropólogo
que o observava em toda sua exterioridade. Por isso, a obtenção de explicações, dada
pelos próprios membros da comunidade investigada, permitiria se chegar àquilo que
os antropólogos chamam de "modelo nativo", matéria-prima para o entendi- mento
antropológico. Tais explicações nativas só poderiam ser obtidas por meio da "entrevista",
portanto, de um Ouvir todo especial. Todavia, para isso, há de se saber ouvir.

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Se aparentemente a entrevista tende a ser encarada como algo sem maiores
dificuldades, salvo, naturalmente, a limitação linguística – i.e., o fraco domínio do idioma
nativo pelo etnólogo –, ela torna-se muito mais complexa quando consideramos que a
maior dificuldade está na diferença entre "idiomas culturais", a saber, entre o mundo do
pesquisador e o do nativo, esse mundo estranho no qual desejamos penetrar. De resto,
há de se entender o nosso mundo, o do pesquisador, como sendo ocidental, constituído
minimamente pela sobreposição de duas subculturas: a brasileira, no caso de todos nós
em particular; e a antropológica, aquela na qual fomos treinados como antropólogos e/
ou cientistas sociais. É o confronto entre esses dois mundos que constitui o contexto
no qual ocorre a entrevista. É, portanto, num contexto essencialmente problemático
que tem lugar o nosso Ouvir. Como poderemos, então, questionar as possibilidades da
entrevista nessas condições tão delicada?

Penso que esse questionamento começa com a pergunta sobre qual a natureza
da relação entre entrevistador e entrevistado. Sabemos que há uma longa e arraigada
tradição na literatura etnológica sobre a relação. Se tomarmos a clássica obra de
Malinowski como referência, vemos como essa tradição se consolida e, praticamente,
trivializa-se na realização da entrevista. No ato de ouvir o "informante", o etnólogo
exerce um "poder" extraordinário sobre o mesmo, ainda que ele pretenda se posicionar
como sendo o observador mais neutro possível, como quer o objetivismo mais radical.
Esse poder, subjacente às relações humanas – que autores como Foucault jamais
se cansaram de denunciar, já na relação pesquisador/informante vai desempenhar
uma função profundamente empobrecedora do ato cognitivo: as perguntas, feitas
em busca de respostas pontuais lado a lado da autoridade de quem as faz (com ou
sem autoritarismo), criam um campo ilusório de interação. A rigor, não há verdadeira
interação entre nativo e pesquisador, porquanto na utilização daquele como informante
o etnólogo não cria condições de efetivo "diálogo". A relação não é dialógica. Ao passo
que, transformando esse informante em "interlocutor", uma nova modalidade de
relacionamento pode (e deve) ter lugar. Essa relação dialógica, cujas consequências
epistemológicas, todavia, não cabem aqui desenvolver, guarda pelo menos uma
grande superioridade sobre os procedimentos tradicionais de entrevista. Faz com que
os horizontes semânticos em confronto – o do pesquisador e o do nativo – se abram
um ao outro, de maneira a transformar um tal "confronto" num verdadeiro "encontro
etnográfico". Cria um espaço semântico partilhado por ambos os interlocutores, graças
ao qual pode ocorrer aquela "fusão de horizontes" (como os hermeneutas chamariam
esse espaço), desde que o pesquisador tenha a habilidade de ouvir o nativo e por ele ser
igualmente ouvido, encetando um diálogo teoricamente de "iguais", sem receio de estar,
assim, contaminando o discurso do nativo com elementos de seu próprio discurso.
Mesmo porque acreditar ser possível a neutralidade idealizada pelos defensores da
objetividade absoluta é apenas viver numa doce ilusão... Trocando ideias e informações
entre si, etnólogo e nativo, ambos igualmente guindados a interlocutores, abrem-se a
um diálogo em tudo e por tudo superior, metodologicamente falando, à antiga relação
pesquisa- dor/informante. O Ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual
estrada de mão única, numa outra, de mão dupla, portanto, uma verdadeira interação.

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Tal interação na realização de uma etnografia, envolve, em regra, aquilo que
os antropólogos chamam de "observação participante, o que significa dizer que o
pesquisador assume um papel perfeitamente digerível pela sociedade observada, a
ponto de viabilizar uma aceitação senão ótima pelos membros daquela sociedade, pelo
menos afável, de modo a não impedir a necessária interação. Mas essa observação
participante nem sempre tem sido considerada como geradora de um conhecimento
efetivo, sendo-lhe frequentemente atribuída a função de "geradora de hipóteses", a
ser testadas por procedimentos nomológicos – estes sim, explicativos por excelência,
capazes de assegurar um conhecimento proposicional e positivo da realidade estudada.

No meu entender, há um certo equívoco nessa redução da observação


participante e a empatia que nela tem lugar, a um mero processo de construção de
hipóteses. Entendo que tal modalidade de observação realiza é subjacente capta aquilo
que um hermeneuta chamaria de "excedente de sentido", i.e., aquelas significações (por
conseguinte, dados) que escapam a quaisquer metodologias de pretensão nomológica.
Voltarei ao tema da observação participante na conclusão desta exposição.

O escrever

Mas se o Olhar e o Ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos mais
preliminares no trabalho de campo (trabalho que os antropólogos se acostumaram a
se valer da expressão inglesa fieldwork para denominá-lo), é seguramente no ato de
Escrever, portanto, é na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do
conhecimento se torna tanto ou mais crítica. Um livro relativamente recente de Clifford
Geertz, Trabalhos e vidas: o antropólogo como autor, infelizmente, ao que eu saiba, ainda
não traduzido para o português, oferece importantes pistas para desenvolvermos esse
tema. Geertz parte da ideia de separar e, naturalmente, avaliar, duas etapas bem distintas
na investigação empírica: a primeira, que ele procura qualificar como a do antropólogo
"estando lá" (being there), isto é, vivendo a situação de estar no campo; e a segunda,
que se seguiria àquela, corresponderia à experiência de viver, melhor dizendo, trabalhar
"estando aqui" (being here), a saber, bem instalado em seu gabinete urbano, gozando
o convívio com seus colegas e usufruindo tudo o que as instituições universitárias e
de pesquisa podem oferecer. Nesses termos, o Olhar e o Ouvir seriam parte da primeira
etapa, enquanto o Escrever seria parte inerente da segunda.

Devemos entender, assim, por escrever o ato exercitado por excelência no


gabinete, cujas características o singularizam de forma marcante, sobretudo quando
o compararmos com o que se escreve no campo, seja ao fazermos nosso diário, seja
nas anotações que rabiscamos em nossas cadernetas. E se tomarmos ainda Geertz por
referência vemos que, na maneira pela qual ele encaminha suas reflexões, é o Escrever
“estando aqui", portanto, fora da situação de campo, que cumpre sua mais alta função
cognitiva. Por quê? Devido ao fato de iniciarmos propriamente no gabinete o processo
de textualização dos fenómenos socioculturais observados "estando lá". Já as condições
de textualização, i.e., de trazer os fatos observados (vistos e ouvidos) para o plano
do discurso, não deixam de ser muito particulares e exercem, por sua vez, um papel

56
definitivo tanto no processo de comunicação interpares (i.e., no seio da comunidade
profissional), quanto no de conhecimento propriamente dito. Mesmo porque há uma
relação dialética entre o comunicar e o conhecer, uma vez que ambos partilham de
uma mesma condição: a que é dada pela linguagem. Embora essa linguagem seja
importante em si mesma, como tema de reflexão, haja vista aquilo que poderíamos
chamar de "guinada linguística" (ou linguistics turn), que perpassa atualmente tanto a
filosofia como as ciências sociais, o aspecto que desejo tratar aqui, se bem que de modo
muito sucinto, é unicamente o da disciplina e de seu próprio idioma, por meio do qual
os que exercitam a antropologia (ou, mesmo, qualquer outra ciência social) pensam e
se comunicam. Alguém já escreveu que o homem não pensa sozinho, num monólogo
solitário, mas o faz socialmente, no interior de uma "comunidade de comunicação" e
"de argumentação" (APEL, 1985). Ele está, portanto, contido no espaço interno de um
horizonte socialmente construído (no caso o da sua própria sociedade e/ou de sua
comunidade profissional). Desculpando-me pela imprecisão da analogia, diria que ele se
pensa no interior de uma "representação coletiva": expressão essa, afinal, bem familiar
ao cientista social e que, de certo modo, dá uma ideia aproximada daquilo que entendo
por "idioma" de uma disciplina. Como podemos interpretar isso em conexão com os
exemplos etnográficos?

Diria inicialmente que a textualização da cultura, ou de nossas observações


sobre ela, é um empreendimento bastante complexo. Exige que nos despojemos de
alguns hábitos de escrever, válidos para diversos géneros de escrita, mas que para a
construção de um discurso que esteja disciplinado por aquilo que se poderia chamar
de "(meta)teoria social" nem sempre parecem adequados. É, portanto, um discurso
que se funda numa atitude toda particular que poderíamos definir como antropológica
ou sociológica. Para Geertz, por exemplo, poder-se-ia entender toda etnografía (ou
sociografia, se quiserem) não apenas como tecnicamente difícil, uma vez que colocamos
vidas alheias em "nossos" textos, mas, sobretudo, por esse trabalho ser "moral, política
e epistemologicamente delicado" (GEERTZ, 1988b). Embora Geertz não desenvolva essa
afirmação, como seria de se desejar, sempre podemos fazê-lo a partir de um conjunto
de questões.

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3SrEnYX>. Acesso em: 16 jan. 2022.

57
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A cultura brasileira é uma combinação de diversas culturas, considerando que o


Brasil foi colonizado por várias nações.

• A cultura portuguesa foi uma das maiores influências sobre a cultura brasileira por
causa da colonização.

• A cultura dos indígenas que habitavam nosso país antes da colonização e a cultura
dos negros escravizados também influenciaram muito a formação da cultura
brasileira.

• A vasta extensão territorial do Brasil influenciou na diversidade cultural do país.

• A cultura popular tem a ver com as manifestações cotidianas do povo brasileiro, que
incluem desde crenças até músicas.

• A cultura popular envolve as práticas que são ensinadas oralmente de geração a


geração.

• O folclore está voltado principalmente para as lendas transmitidas oralmente.

• Existem diversas lendas brasileiras que variam de acordo com a região do país.

• O pensamento pós-colonial é uma das formas de resistir ao eurocentrismo.

• O pós-colonialismo se volta para a relação entre os colonizadores europeus e os


povos colonizados.

• O pós-colonialismo no Brasil está diretamente relacionado às manifestações da


cultura afro-brasileira.

58
AUTOATIVIDADE
1 O pensamento pós-colonial surgiu a partir da década de 1970 entre os ingleses.
Esse movimento se voltava para os meios de resistência dos povos colonizados em
relação aos colonizadores. Sobre o pós-colonialismo no Brasil, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) O pensamento pós-colonial no Brasil tem a ver somente com a resistência do


povo colonizado em relação aos colonizadores portugueses.
b) ( ) A expressão literária afro-brasileira é uma forma de resistência válida ainda que
não tenha a ver com o pós-colonialismo.
c) ( ) A exploração dos recursos naturais no Brasil foram um tema para pensar no
colonialismo mas não no pós-colonialismo.
d) ( ) Há uma série de explorações do período colonial que ainda acontecem sobre a
população negra no país e as manifestações afro-brasileiras são uma resposta a
isso.

2 A cultura popular brasileira e o folclore estão diretamente relacionados. Enquanto a


cultura popular abrande diversos tipos de manifestações culturais, alguns autores
entendem que o folclore está voltado principalmente para as lendas que são
transmitidas oralmente de geração a geração. Tendo em vista o folclore brasileiro,
analise as sentenças a seguir:

I- Vários dos personagens principais do folclore brasileiro punem pessoas que não
respeitam a natureza.
II- O curupira é um menino cujos pés são virados para trás, o que confunde os
caçadores que seguem seus rastros.
III- Iara é uma linda mulher que engana homens e os esconde nas matas.
IV- A lenda do boto é contada nos interiores do país e tem a ver com um homem que
engravida misteriosamente as mulheres.
V- O Saci-pererê é um menino indígena de uma perna só que anda com um gorro
vermelho nas matas.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença III está correta.
c) ( ) As sentenças III, IV e V e estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.

59
3 O período de formação da cultura brasileira contou com a participação de nações
europeias e não europeias, fora a influência das etnias indígenas que já habitavam
o território antes da chegada dos dominadores. Sobre o contexto da colonização,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Dentre as culturas europeias que tiveram influência sobre o Brasil na época da


colonização estavam a portuguesa, a italiana, a alemã, a francesa e a inglesa.
( ) A cultura portuguesa teve influência sobre alguns dos principais aspectos da
cultura brasileira, tal como a língua.
( ) Os negros trazidos ao Brasil para serem escravizados sofreram uma subjugação
dos colonizadores a tal ponto que perderam por completo suas heranças culturais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 Para discutirmos sobre formação da cultura brasileira, é inevitável pensarmos na


história do nosso país desde a época da colonização até os dias atuais. Levando em
consideração o contexto histórico, comente porque podemos defender mais a ideia
de “culturas brasileiras” no plural em vez de “cultura brasileira” no singular.

5 A cultura popular brasileira está diretamente vinculada ao folclore brasileiro. Ambos são
considerados como fazendo parte das manifestações culturais tradicionais do povo
brasileiro. Diante disso, disserte sobre esses dois conceitos e aponte se há diferença
entre eles ou se possuem o mesmo significado.

60
REFERÊNCIAS
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Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 37, n. 75, 2017, p. 17-38. Disponível em:
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Sociais, Vol. 23, nº 66, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3QoSImW. Acesso em: 27
maio 2022.

63
64
UNIDADE 2 —

ANTROPOLOGIA
BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender o conceito de cultura brasileira e as diferenças entre os conceitos de raça


e etnia;

• conhecer o debate de gênero no contexto brasileiro e a discussão sobre racismo no


Brasil;

• analisar a noção de sincretismo e o debate religioso no Brasil;

• identificar temas de antropologia rural e urbana;

• assimilar temas de antropologia da mídia.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E A QUESTÃO DA CULTURA NACIONAL


TÓPICO 2 – ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E AS DISCUSSÕES ETNICORRACIAIS
TÓPICO 3 – ANTROPOLOGIA BRASILEIRA: ESTUDOS RURAIS E URBANOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

65
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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66
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E A
QUESTÃO DA CULTURA NACIONAL

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, abordaremos a antropologia brasileira e sua relação com a identidade
e a cultura nacional. Para que você entenda mais sobre o conceito de cultura em termos
gerais, vamos fazer a distinção entre natureza e cultura, que é um ponto-chave para
pensarmos nesse conceito. Do mesmo modo, é importante que você entenda algumas
questões, como o determinismo biológico e o determinismo geográfico, que são
amplamente debatidas entre os antropólogos do Brasil e do mundo.

Em seguida, vamos refletir sobre os avanços da antropologia no nosso


país. Depois de aprender o objeto de estudo geral da antropologia mundial, vamos
compreender quais são os principais objetos de estudo dos antropólogos brasileiros,
pensando na diversidade étnica do nosso país.

Por fim, conheceremos datas e períodos importantes da história da antropologia


brasileira desde o século XIX até os dias atuais. Ainda que a formalização da disciplina
no país tenha acontecido na década de 1960, repassaremos alguns fatores importantes
que permitiram a consolidação dessa disciplina no Brasil.

2 CULTURA
Para entendermos mais sobre o conceito de cultura, precisamos passar pelo
dilema que existe entre a natureza e a própria cultura. Conforme aponta o antropólogo
Roque de Barros Laraia (2001), esse dilema tem a ver com a unidade biológica e a
diversidade cultural dos seres humanos. Em outras palavras, constituímos uma única
espécie, mas também as inúmeras sociedades espalhadas pelo mundo possuem modos
de viver diferentes, o que é marca dessa grande diversidade cultural. Nas palavras do
autor:

Um dilema que permanece como o tema central de numerosas


polêmicas, apesar de Confúcio ter, quatro séculos antes de Cristo,
enunciado que "A natureza dos homens é a mesma, são os seus
hábitos que os mantêm separados". Mesmo antes da aceitação do
monogenismo, os homens se preocupavam com a diversidade de
modos de comportamento existentes entre os diferentes povos
(LARAIA, 2001, p. 6).

67
NOTA
O conceito de monogenismo mencionado pelo autor diz respeito a uma
teoria segundo a qual todos os seres humanos teriam uma descendência
em comum.

Ainda segundo Laraia (2001), o dilema da unidade biológica e diversidade


cultural não pode ser explicado a partir de um determinismo biológico ou mesmo de um
determinismo geográfico. Isso quer dizer que as condições biológicas particulares das
pessoas de cada raça ou etnia ou a região geográfica em que essas pessoas vivem não
são o suficiente para determinar suas culturas. Nesse sentido, o autor nos traz alguns
exemplos para combater esse determinismo:

São velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades


específicas inatas a "raças" ou a outros grupos humanos. Muita
gente ainda acredita que os nórdicos são mais inteligentes do que
os negros; que os alemães têm mais habilidade para a mecânica; que
os judeus são avarentos e negociantes; que os norte-americanos
são empreendedores e interesseiros; que os portugueses são
muito trabalhadores e pouco inteligentes; que os japoneses são
trabalhadores, traiçoeiros e cruéis; que os ciganos são nômades
por instinto, e, finalmente, que os brasileiros herdaram a preguiça
dos negros, a imprevidência dos índios e a luxúria dos portugueses
(LARAIA, 2001, p. 9).

IMPORTANTE
É um dos deveres de os estudantes de antropologia combater esse suposto
determinismo porque, como os exemplos trazidos pelo autor nos mostram,
isso pode desencadear uma série de preconceitos. Por preconceitos, aqui
entendemos ideias errôneas e pré-concebidas sobre aquelas “raças” ou
grupos humanos.

Para entendermos melhor, vamos imaginar a situação de uma criança que


poderia crescer em qualquer cultura. De certo modo, esse pensamento prevê que sua
educação determinaria seu modo de pensar e seu modo de agir enquanto elementos
constituintes da cultura e isso não dependeria de suas condições biológicas ou heranças
genéticas. Laraia (2001) comenta que se uma criança sueca crescesse e fosse educada
com uma família brasileira desde seu nascimento, ela teria a mentalidade similar aos
seus irmãos de criação e, portanto, teria a cultura inerente a essa família.

68
Outro ponto importante com relação a esse determinismo perpassa a questão
da sexualidade. Podemos pensar que as divergências entre os comportamentos das
pessoas de sexos diferentes são determinadas a partir de um padrão biológico. Contudo,
o fato de uma pessoa nascer com o que entendemos por um sexo ou por outro no senso
comum não é o que dita o padrão de comportamento desse indivíduo.

A espécie humana se diferencia anatômica e fisiologicamente


através do dimorfismo sexual, mas é falso que as diferenças de
comportamento existentes entre pessoas de sexos diferentes sejam
determinadas biologicamente. A antropologia tem demonstrado que
muitas atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem
ser atribuídas aos homens em outra. A verificação de qualquer
sistema de divisão sexual do trabalho mostra que ele é determinado
culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica
(LARAIA, 2001, p. 10).

ESTUDOS FUTUROS
A ideia de uma pessoa ser de um sexo ou de outro no senso comum será
aprofundada adiante nos estudos sobre gênero. No entanto, podemos
adiantar que a divisão entre o sexo masculino correspondente a homens
e o sexo feminino correspondente a mulheres também é uma elaboração
cultural.

Assim como vimos, com relação à ideia do determinismo biológico, a ideia


do determinismo geográfico também não é sustentada. Enquanto o determinismo
biológico tenta indicar que a herança genética de uma pessoa é o determinante da
diversidade cultural, o determinismo geográfico indicaria que o meio ambiente físico é
o determinante da diversidade cultural. Contudo, importantes antropólogos defendem
que apenas as condições geográficas em que uma certa sociedade se desenvolve não
bastam para explicar essa diversidade.

Para confirmar esse pensamento, Laraia (2001) nos traz um exemplo do próprio
Brasil na região do Parque Nacional do Xingu. O autor comenta que etnias indígenas
como Kamayurá, Kalapalo, Trumai e Waurá não usam grandes mamíferos como fonte
de alimentação porque possuem proibições de ordem cultural e preferem peixes ou
pequenas aves. Por outro lado, os Kayabi, que também habitam o Parque Nacional do
Xingu, usam dos grandes mamíferos como o veado ou o porco caititu como a base de
sua alimentação.

Logo, a diversidade cultural não pode ser explicada a partir das supostas
limitações de ordem biológica ou geográfica sobre os seres humanos. Assim entendemos
melhor o dilema entre natureza e cultura, sendo que a natureza – que tem a ver com
elementos biológicos e geográficos – não é determinante da cultura, apesar de exercer

69
influência sobre ela. Em poucas palavras, o pensamento antropológico moderno entende
que os fatores naturais somente colocam possibilidades para o desenvolvimento da
cultura, mas não a determina por si só (LARAIA, 2001).

Apesar do nosso curso estar voltado principalmente para a antropologia e


cultura brasileira, a noção de cultura desenvolvida no nosso país possui uma herança
de estudos antropológicos internacionais. O termo “cultura” derivou da raiz semântica
da palavra colore em latim, que significa algo próximo de cuidar ou cultivar.

Até o século XVI, esse termo era usado, sobretudo, para tratar de algo voltado
para o cultivo de plantas ou mesmo atividades agrícolas. A partir do fim desse século,
o significado do termo se expandiu, sendo que deixou de identificar somente o
desenvolvimento da agricultura e passou a também identificar o desenvolvimento dos
hábitos humanos em todos os sentidos (CANEDO, 2009).

FIGURA 1 – AGRICULTURA

FONTE: <https://bit.ly/3d2POpz>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A palavra cultura é utilizada em diversas áreas do conhecimento, mas é


realmente fundamental para a antropologia! Como comentamos, a definição do termo
cultura é internacional, sendo que a primeira formulação antropológica foi dada pelo
inglês Edward Tylor em 1871. Para esse antropólogo, a cultura tinha a ver com “todo o
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
(TYLOR, 1871, p. 1 apud LARAIA, 2001, p. 14).

De acordo com Laraia (2001), a definição dada por Tylor é interessante na


medida em que ressalta que a cultura é algo aprendido, confirmando a ideia que vimos
anteriormente, de que o modo de ser e de viver dos humanos não é algo transmitido
biologicamente ou, ainda, geograficamente. Além da definição de Tylor, a formulação feita
pelo estadunidense Alfred Kroeber também é um marco no pensamento antropológico.

70
O pensamento desse antropólogo foi um divisor de águas para romper de vez com os
“laços entre o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento
do segundo” (LARAIA, 2001, p. 16). Conforme aponta Laraia:

A preocupação de Kroeber é evitar a confusão, ainda tão comum,


entre o orgânico e o cultural. Não se pode ignorar que o homem,
membro proeminente ela ordem dos primatas, depende muito de
se u equipamento biológico. Para se manter vivo, independente
do sistema cultural ao qual pertença, ele tem que satisfazer um
número determinado de funções vitais, como a alimentação, o sono,
a respiração, a atividade sexual etc. Mas, embora estas funções seja
m comuns a toda humanidade, a maneira de satisfazê-las varia de
uma cultura para outra. E esta grande variedade na operação ele
um número tão pequeno ele funções que faz com que o homem
seja considera do um ser predominantemente cultural. Os seus
comportamentos não são biológica mente determinados. A sua
herança genética nada tem a ver com as suas ações e pensamentos,
pois todos os seus atos dependem inteiramente de um processo de
aprendizado (LARAIA, 2001, p. 21).

Em outras palavras, ainda que o ser humano dependa de atividades biológicas


básicas – como comer e dormir – para a sua sobrevivência, ele é considerado um ser
cultural! Essas atividades são regidas de tal modo pela cultura que a herança genética
fica em segundo plano.

3 RAÇA E ETNIA
FIGURA 2 – DIVERSIDADE RACIAL

FONTE: <https://bit.ly/3vIJAlv>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Além da noção de cultura, as noções de raça e etnia são de suma importância


para os estudos antropológicos e em especial para a antropologia brasileira. Como
entendemos na unidade anterior dos nossos estudos, a formação da cultura brasileira

71
teve influência de diversas culturas do mundo desde o período da colonização. Assim, é
fundamental sabermos diferenciar os conceitos de raça e etnia para nos aprofundarmos
na antropologia brasileira.

Os conceitos de raça e etnia muitas vezes são confundidos por seres muito
próximos, mas vamos conhecer mais suas diferenças a seguir. O termo raça deriva da
palavra italiana razza, a qual também derivou do latim ratio, que significa categoria ou
mesmo espécie. Esses termos começaram a ser difundidos para designar espécies
animais e vegetais e somente depois passaram a englobar os grupos humanos
(MUNANGA, 2003, p. 1).

Podemos dizer que o primeiro conceito de raça foi desenvolvido pelo antropólogo
francês François Bernier no ano de 1684 em um escrito que tentou diferenciar as raças
que habitavam o nosso planeta. Já no ano de 1790, foi feito o primeiro censo populacional
estadunidense que distinguiu mulheres e homens brancos das demais pessoas, como
os nativos da região e os negros escravizados. Já em 1890, esse censo foi atualizado e
passou a distinguir as pessoas a partir de termos como “branco, preto, chinês, japonês
e índios” (SANTOS et al., 2010, s.p.).

O criador do termo da nossa espécie Homo sapiens foi o sueco Carolus


Linnaeus, que também classificou quatro categorias principais de seres humanos
em 1758: americanos, europeus, asiáticos e africanos. O sueco também acatou uma
quinta categoria: os monstruosos. Esses supostos monstruosos seriam aqueles que
não poderiam ser enquadrados nas quatro categorias principais, marcando um caráter
discriminatório em seu pensamento (SANTOS et al., 2010).

O antropólogo alemão Johann Friedrich Blumenbach seguiu os estudos de


Carolus Linnaeus e classificou quatro variedades de seres humanos em 1775. A primeira
seria composta pelos europeus, leste-asiáticos e norte-americanos; a segunda, pelos
australianos; a terceira, pelos africanos; e a quarta, pelo restante das pessoas do
mundo. Essa classificação continuou a ser desenvolvida e, no ano de 1795, Blumenbach
compreendeu novas cinco variedades: caucasianos, mongóis, etíopes, americanos e
malaios (SANTOS et al., 2010).

Já em 1916, o antropólogo norte-americano Marvin Harris desenvolveu a


chamada “teoria da hipodescendência”, que foi importante na época para se pensar no
cruzamento de raças diferentes.

Nessa teoria, a criança fruto deste cruzamento pertenceria à raça


biológica ou socialmente inferior: “o cruzamento entre um branco e
um índio é um índio; o cruzamento entre um branco e um negro é um
negro; o cruzamento entre um branco e um hindu é um hindu; e o
cruzamento entre alguém de raça europeia e um judeu é um judeu”
(SANTOS et al., 2010, s.p.).

72
IMPORTANTE
Apesar do pensamento de Marvin Harris ter sido importante na época, a
ideia de que a criança nascida pertenceria ao grupo “inferior” é também
discriminatória na medida em que cria uma hierarquia entre as raças.

No Brasil, um importante pesquisador sobre o conceito de raça é Antônio Sérgio


Guimarães. De acordo com o autor, raça é um conceito nativo no Brasil e marcou por
muito tempo a posição social das pessoas. Retomando principalmente o que aprendemos
sobre os estudos sobre o negro no nosso país, o pensamento do autor enfatiza a relação
entre a noção de raça e a relação com os povos escravizados:

Pelo menos até o começo do século XX, essa era uma categoria
totalmente antinatural; somos uma nação que se formou
com a escravidão, e essa escravidão não era uma escravidão
generalizada de todos os povos, mas somente daqueles localizados
numa determinada parte do continente africano. Os povos que
escravizamos vieram da África ocidental e da África meridional, hoje
Congo, Angola, Moçambique, Zaire e, subindo a costa ocidental, a
Nigéria, o Níger e Golfo do Benin. Foram dessas regiões que vieram
os povos escravizados em toda a América. Um sistema muito próprio
de comercialização que envolvia negreiros da Holanda, de Portugal,
do Brasil, da Inglaterra, da França etc., alguns reinos africanos e as
colônias americanas. Essas pessoas escravizadas foram chamadas
de “africanas” e “negros”; essas foram, digamos, as duas identidades
criadas originalmente na sociedade escravocrata brasileira, em que
o negro tinha um lugar e esse lugar era a escravidão (GUIMARÃES,
2003, s. p.).

NOTA
O médico Nina Rodrigues teve muita influência na disseminação do conceito
de raça no Brasil, tendo em vista que seu estudo sobre as pessoas se dava
a partir de uma perspectiva supostamente biológica de raças superiores e
raças inferiores.

Nesse sentido, Guimarães comenta que, como a história do Brasil o fez um país
extremamente racialista, o conceito de raça se tornou fundamental na medida em que
organizava as posições sociais das pessoas. Essas posições sociais eram entendidas
como classes sociais.

73
Isso porque, no nosso caso, a relação social era fechada pela cor –
negro –, que sinalizava seja a ideia de raça, seja a ideia de cultura
e civilização, seja a ideia religiosa de uma descendência divina. As
pessoas comuns, entretanto, sempre se referiram a essa divisão entre
“senhores” e “escravos” como uma divisão de classes (GUIMARÃES,
2003, s. p.).

Depois de entendermos mais sobre o conceito de raça no mundo e no Brasil,


agora vamos pensar sobre o conceito de etnia. Em resumo, podemos dizer que o conceito
de raça envolve mais as características fenotípicas das pessoas, como a cor da pele. Por
outro lado, o conceito de etnia tem a ver com os fatores culturais das pessoas, como as
tradições e a língua. Nas palavras do professor Kabengele Munanga, da Universidade de
São Paulo:

O conteúdo da raça é morfobiológico e o da etnia é sociocultural,


histórico e psicológico. Um conjunto populacional dito raça “branca”,
“negra” e “amarela”, pode conter em seu seio diversas etnias. Uma
etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente,
têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma
mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram
geograficamente num mesmo território. Algumas etnias constituíram
sozinhas nações. Assim o caso de várias sociedades indígenas
brasileiras, africanas, asiáticas, australianas etc. que são ou foram
etnias nações (MUNANGA, 2003, p. 12).

FIGURA 3 – INDÍGENAS

FONTE: <https://bit.ly/3QqmBn9>. Acesso em: 16 jun. 2022.

O termo etnia derivou da palavra grega ethnos, que tem a ver com um grupo
que possui o mesmo ethos, ou seja, que compartilha dos mesmos elementos culturais.
Dentre esses elementos culturais, podemos considerar o parentesco, a língua, a religião,
o território compartilhado e outros. O sentimento de pertencimento a determinada
etnia é entendido como etnicidade, ou seja, etnicidade diz respeito a uma identidade

74
étnica. Como vimos na unidade anterior, o Brasil é um país que sofreu a colonização de
diversas nações do mundo e por isso o reconhecimento das várias identidades étnicas
é fundamental para que direitos previstos na nossa Constituição sejam eficazes.

DICA
Se tiver interesse em pesquisar mais sobre as questões raciais e étnicas
no âmbito da legislação brasileira, o que é fundamental para a área da
antropologia, sugerimos que leiam o Estatuto da Igualdade Racial (Lei
n. 12.288, de 20 de julho de 2010). O Art. 2o desse Estatuto prevê que
é dever do Estado garantir oportunidades iguais aos cidadãos brasileiros,
independentemente da etnia ou da cor da pele.

4 GÊNERO

FIGURA 4 – IGUALDADE DE GÊNERO

FONTE: <https://bit.ly/3BKW4gf>. Acesso em: 16 jun. 2022.

NOTA
A imagem anterior que escolhemos para iniciar nossos estudos sobre
gênero apresenta uma balança simbolizando a igualdade de gêneros, na
qual o símbolo à direita pertence ao masculino e o símbolo à esquerda, ao
feminino.

75
Na unidade anterior deste livro didático, conhecemos o percurso dos estudos
feministas no Brasil, o que está diretamente relacionado aos estudos sobre as relações
de gênero. Agora, vamos nos voltar principalmente para o conceito de gênero no
sentido amplo e alguns de seus desdobramentos no Brasil. Afinal, por que é importante
entendermos as discussões de gênero?

Como comentamos no primeiro tópico desta unidade sobre o conceito de cultura,


a visão do senso comum pode dar a entender que as diferenças de comportamento
entre os sexos masculino e feminino são inatas, ou seja, que são naturais ao ser
humano desde o seu nascimento. Contudo, vimos também que esses comportamentos
são sempre moldados culturalmente. Logo, é importante sabermos mais sobre o que
significam as relações de gênero para que possamos desconstruir as desigualdades que
nascem da hierarquia entre homens e mulheres.

Nas palavras da antropóloga Adriana Piscitelli (2009, p. 119):

Quando as distribuições desiguais de poder entre homens e


mulheres são vistas como resultado das diferenças, tidas como
naturais, que se atribuem a uns e outras, essas desigualdades
também são “naturalizadas”. O termo gênero, em suas versões mais
difundidas, remete a um conceito elaborado por pesquisadoras
feministas precisamente para desmontar esse duplo procedimento
de naturalização mediante o qual as diferenças que se atribuem a
homens e mulheres são consideradas inatas, derivadas de distinções
naturais, e as desigualdades entre uns e outras são percebidas como
resultado dessas diferenças. Na linguagem do dia a dia e também das
ciências a palavra sexo remete a essas distinções inatas, biológicas.
Por esse motivo, as autoras feministas utilizaram o termo gênero
para referir-se ao caráter cultural das distinções entre homens e
mulheres, entre ideias sobre feminilidade e masculinidade.

No que diz respeito ao debate sobre gênero no Brasil, Piscitelli (2009) comenta
que a igualdade ainda está longe de ser alcançada. Apesar de estatisticamente, as
mulheres possuírem mais anos de estudo que os homens, os homens continuam a
receber maiores salários e essa desigualdade é mais explícita quando se trata de
mulheres negras. Além disso, as mulheres que trabalham fora de casa também
costumam gastar mais horas realizando os trabalhos domésticos que os homens. Ou
seja, além de receberem salários menores, também trabalham durante mais tempo!

NOTA
Adriana Piscitelli (2009) comenta que as mulheres brancas recebem
40% menos e mulheres negras recebem 60% menos que homens para
um mesmo trabalho, o que são dados alarmantes no indicativo entre as
desigualdades de gênero no Brasil.

76
Fora as diferenças no que diz respeito aos salários e ao tempo de trabalho, as
violências sofridas pelas mulheres brasileiras tornam mais explícita essa desigualdade
entre os gêneros. Dentre essas violências, estão principalmente as situações de
agressão (física ou psicológica) por parte dos companheiros e violência sexual por
diversas pessoas, sejam próximas, distantes ou mesmo em situações de custódia do
Estado como nas prisões femininas (PISCITELLI, 2009).

DICA
Sugerimos que assista ao filme brasileiro Um céu de estrelas (1996), dirigido
por Tata Amaral. Esse filme trata da história da relação violenta de uma
cabeleireira chamada Dalva com Vitor, seu namorado.

Essa desigualdade não vem de agora! Em 1949, a filósofa francesa Simone


de Beauvoir escreveu um livro considerado revolucionário nos assuntos feministas
e que ainda é muito usado pelas antropólogas brasileiras que pesquisam esse tema.
O livro intitulado O Segundo sexo tratou de questões como a dominação masculina
e a construção social do papel da mulher. Segundo Beauvoir, ninguém nasce mulher,
mas sim se torna mulher! Isso resume bem a ideia de que os gêneros são construídos
socialmente, e não são inatos aos seres humanos (PISCITELLI, 2009).

DICA
Para saber mais sobre o trabalho de Simone de Beauvoir, sugerimos que leia
o artigo Auê sobre o Segundo sexo, escrito pela historiadora Sylvie Chaperon
baseado no livro de Beauvoir.
Disponível em: https://bit.ly/3So7vjP.

A inferiorização das mulheres com relação aos homens pode variar de acordo
com o lugar e com o contexto histórico. Entretanto, podemos afirmar que ela é universal
porque acontece em todos os lugares e contextos, inclusive no Brasil de hoje em dia.
Por isso, Piscitelli (2009, p. 122) nos chama a atenção:

Esse conjunto de indicadores e observações torna incontestável


a necessidade, também no Brasil atual, de fazer esforços para
compreender os lugares diferenciados e desiguais que as mulheres
ocupam em diversas áreas da vida social, prestando atenção aos
aspectos culturais que participam na delimitação desses lugares.

77
DICA
Dentre os trabalhos escritos por pesquisadoras brasileiras, destacamos
o livro Uma questão de gênero, das sociólogas Albertina de Oliveira Costa e
Cristina Bruschini.

Diante desses embates decorrentes da dominação masculina, pesquisadoras


feministas desenvolveram o conceito de gênero. O objetivo do conceito foi repensar o
papel social das mulheres, tendo em vista elementos culturais da sociedade. Assim, foi
fortalecida a distinção entre o termo sexo – que seria algo voltado para a natureza do ser
humano enquanto algo fixo – e o termo gênero – que seria algo voltado para a cultura do
ser humano enquanto algo mutável (PISCITELLI, 2009).

NOTA
O conceito de gênero ganhou força com a antropóloga estadunidense Gayle
Rubin a partir de seu ensaio O tráfico de mulheres: notas sobre a economia
política do sexo (1975), que também é uma referência importante para as
pesquisadoras em antropologia brasileira.

A distinção entre sexo e gênero também abre debate para questões da


sexualidade. Vamos recapitular para entender melhor: (1) sexo teria a ver com uma
classificação linear que enquadra os seres humanos em categorias de “homem” ou
“mulher” de acordo com seus genitais; (2) gênero teria a ver com a identificação com um
sexo, masculino ou feminino, independentemente do órgão genital; (3) já a sexualidade
teria a ver com a própria orientação sexual de cada ser humano, ou seja, se ele se sente
atraído por pessoas do mesmo sexo (homossexuais) ou do sexo oposto (heterossexuais)
em linhas gerais.

DICA
Se tiver curiosidade em pensar nas relações de gênero a partir da literatura
brasileira, sugerimos o clássico Grande sertão: veredas, escrito por Guimarães
Rosa. Esse livro perpassa a situação de Riobaldo, o protagonista do livro, que
sente um afeto homossexual por seu colega cangaceiro Diadorim.

78
A classificação de pessoas como “homens” e “mulheres” a partir do sexo se
torna simplista diante desse amplo debate, sendo que os antropólogos brasileiros
que pesquisam gênero costumam resistir a esse tipo de linearidade. Nesse contexto,
também abrimos margem para falar sobre intersexos, travestis e transexuais.

Esse conjunto de pessoas resiste a classificações lineares como


“homens” ou como “mulheres”. Os intersexos, pela ambiguidade de
seus genitais. As travestis porque, com genitais masculinos, mas com
corpos feminilizados mediante o uso de hormônios, silicones, roupas
e perucas femininas, transitam entre lugares femininos e masculinos.
E os transexuais porque incorporam um gênero diferente ao que
corresponderia a seus genitais, buscando uma mudança de sexo que
envolve, às vezes, cirurgias de transgenitalização, procedimento no
qual os genitais são alterados (PISCITELLI, 2009, p. 145).

DICA
Se quiser se aprofundar na discussão sobre os intersexos e transexuais,
sugerimos o ensaio Fantasias corporais, da antropóloga Mariza Corrêa, o texto
O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo (como se
fosse) natural, da psicóloga Paula Sandrine Machado e a tese de doutorado
Vidas que desafiam corpos e sonhos: uma etnografia do construir-se outro no
gênero e na sexualidade, da cientista social Flavia do Bonsucesso Teixeira.

79
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Apesar dos seres humanos fazerem parte de uma única espécie, as inúmeras
sociedades espalhadas ao redor do mundo marcam uma grande diversidade cultural.

• A diversidade cultural dos seres humanos não pode ser explicada a partir do
determinismo biológico ou do determinismo geográfico.

• Um dos principais dilemas que envolvem o conceito de cultura é a própria distinção


entre natureza – que envolve elementos biológicos e geográficos – e a cultura em si.

• A cultura tem a ver com os elementos que constituem o ser humano enquanto
membro de uma sociedade, como os conhecimentos, crenças, artes, morais, leis,
costumes etc.

• Raça é um conceito que tem a ver principalmente com características biológicas


dos seres humanos.

• Etnia é um conceito que tem a ver principalmente com características culturais dos
seres humanos.

• As diferenças comportamentais entre os sexos masculino e feminino não são inatas,


ou seja, não são naturais aos seres humanos desde o nascimento.

• As diferenças comportamentais entre os sexos masculino e feminino são moldadas


culturalmente.

• É importante estudarmos gênero para irmos contra à hierarquia entre os sexos, ou


seja, contra a dominação masculina sobre o feminino.

80
AUTOATIVIDADE
1 Os estudos sobre as relações de gênero perpassam inúmeras discussões, como a
dominação masculina, o feminismo, sexualidade, trabalho, entre outras. Sobre esses
temas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As características femininas e masculinas são inatas, ou seja, pertencem aos


seres humanos desde o nascimento.
b) ( ) A igualdade entre homens e mulheres no Brasil foi alcançada, tendo em vista
sobretudo a igualdade salarial e as condições de trabalho.
c) ( ) As violências como agressão física, psicológica e sexual com relação às mulheres
são uma marca da desigualdade de gênero.
d) ( ) A inferiorização das mulheres em relação aos homens não pode ser considerada
universal já que acontece apenas em contextos específicos.

2 O conceito de cultura sofreu algumas transformações ao longo da história. Ele


começou a ser utilizado para designar o desenvolvimento agrícola de espécies
vegetais e somente depois passou a ser usado para identificar grupos sociais
humanos. Tendo em vista esse conceito, analise as sentenças a seguir:

I- Até o século XX, o termo cultura era utilizado somente para designar o cultivo de
espécies vegetais.
II- O primeiro conceito de cultura em termos antropológicos foi formulado pelo inglês
Edward Tylor em 1971.
III- A cultura tem a ver com algo aprendido que não é transmitido somente
biologicamente ou por questões geográficas.
IV- Acultura humanatem avercom conhecimentos, crenças e costumas de um grupo social.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.

3 O conceito de raça teve diversas funções ao longo da história, começando com a


designação de espécies animais e vegetais e somente depois passou a designar raças
humanas. Sobre o uso do conceito de raça para designar raças humanas, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

81
( ) O primeiro conceito de raça foi desenvolvido pelo antropólogo francês François
Bernier em 1684.
( ) No ano de 1790, o conceito de raça foi usado para distinguir os homens das mulheres
nos EUA.
( ) Carolus Linnaeus, criador do termo Homo sapiens, classificou cinco categorias de
seres humanos em 1758: americanos, europeus, asiáticos, africanos e monstruosos.
( ) O antropólogo alemão Johann Blumenbach classificou quatro variedades de
seres humanos em 1775, sendo que a primeira deles era composta somente pelos
europeus e norte-americanos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – V.
b) ( ) V – F – V – F.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) F – F – V – F.

4 A discussão acerca do conceito de cultura perpassa alguns dilemas, dentre eles a


oposição entre natureza e cultura. A questão da natureza no contexto dos estudos
antropológicos, por sua vez, perpassa o determinismo biológico e o determinismo
geográfico. Tendo em vista todos esses fatores, disserte sobre o conceito de cultura.

5 Os conceitos de raça e etnia são um dos principais temas no que diz respeito à
antropologia brasileira. Apesar de muito próximos, esses conceitos podem e devem ser
diferenciados para realizarmos análises assertivas. Assim, conceitue cada um desses
conceitos indicando suas diferenças.

82
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA E
AS DISCUSSÕES ÉTNICO-RACIAIS

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, abordaremos os principais desdobramentos acerca dos conceitos
de raça e etnia aprendidos no tópico anterior. Partiremos da noção de racismo no seu
sentido amplo para depois pensarmos nas questões de racismo próprias do nosso país,
o que é um dos principais temas da antropologia brasileira atual.

Depois, voltaremos nossa atenção para os estudos relacionados ao racismo


religioso. Esse campo do conhecimento tem a ver principalmente com as religiões
de matriz afro-brasileira, como o Candomblé e a Umbanda. Portanto, conheceremos
algumas das práticas e tradições dessas religiões.

Em seguida, vamos entender um pouco sobre o racismo religioso, tendo em


vista as religiões afro-brasileiras apresentadas. Entenderemos algumas das violências
sofridas por elas no Brasil e porque isso é caracterizado como racismo religioso.

2 RACISMO
FIGURA 5 – MANIFESTAÇÃO ANTIRRACISTA

FONTE: <https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/49989098862>. Acesso em: 16 jun. 2022.

83
Para iniciar nosso estudo sobre as questões etnicorraciais no contexto da
antropologia brasileira, é inevitável comentarmos sobre o racismo. Antes de nos
voltarmos especificamente para o racismo no Brasil, vamos entender o que esse
conceito significa em termos gerais. De acordo com o sociólogo francês Michel Wieviorka
(2007), que é uma importante referência para as antropólogas e antropólogos brasileiros
que pesquisam o tema, o racismo diz respeito à caracterização de determinado grupo
humano a partir de características naturais.

Contudo, essas supostas características naturais estariam associadas a


características intelectuais e morais, que valem para cada indivíduo do grupo em questão
e que provocam atos de interiorização e exclusão. A discussão do racismo surgiu de
maneira sistemática nas ciências sociais na década de 20, sobretudo, devido à questão
do negro nos EUA vinculada ao antissemitismo da Alemanha nazista (WIEVIORKA, 2007).

Wieviorka (2007) possui duas preocupações principais quanto ao racismo, que


são importantes para se pensar no racismo no Brasil. A primeira é a transformação do
racismo ao longo do tempo, considerando as diferenças em suas manifestações: de um
lado, a expressão clássica do racismo é baseada na ciência e, de outro lado, sua expressão
contemporânea é fundamentada na questão da diferença e da incompatibilidade das
culturas. A década de 1960 inaugurou:

conceitos novos de racismo institucional, de racismo cultural, de


diferencialismo, de racismo-simbólico etc.; distinção entre formas
elementares (violência, discriminação, segregação etc.) e entre
níveis (políticos ou não); debates às lógicas contraditórias do racismo,
tensão subjacente entre um princípio de inferiorização, que concilia
um lugar ao grupo racizado na sociedade considerada, e um princípio
de diferenciação, que pretende mantê-lo à distância, até mesmo
destruí-lo (WIEVIORKA, 2007, p. 10-11).

A segunda é o retorno do racismo em sociedades que pareciam ter se livrado


dele para sempre, sendo que o racismo pertence ao presente da humanidade, e não
apenas ao seu passado. Wieviorka (2007) ainda comenta que os cientistas sociais
nunca são neutros com relação aos seus objetos de estudo e que os que se interessam
pelo racismo costumam combatê-lo, o que de fato acontece entre os estudiosos da
antropologia brasileira.

A discussão sobre o novo racismo marcou a passagem do racismo científico


baseado na suposta inferioridade biológica a este racismo cultural baseado na diferença
cultural como legitimação do discurso racista. O racismo cultural tem a ver com o
racismo simbólico e, portanto, com o racismo religioso e à intolerância religiosa devido
às diferenças, o que afeta diretamente a relação entre o racismo e as religiões afro-
brasileiras.

Doravante, a argumentação racista não se fundamenta mais na


hierarquia, mas na “diferença”, não mais nos atributos naturais
imputados ao grupo “racizado”, mas na sua cultura, sua língua, sua

84
religião, suas tradições, seus costumes. O novo racismo, nessa
perspectiva, insiste na ameaça que a diferença dos grupos visados
faria pesar sobre a identidade do grupo dominante. [...] Segundo esse
ponto de vista, que parece renovar o discurso e a prática racistas,
cada comunidade, étnica ou racional, constitui uma expressão
particular da natureza humana, nem superior, nem inferior: diferente
(WIEVIORKA, 2007, p. 34-35).

ESTUDOS FUTUROS
A relação entre o racismo e as religiões afro-brasileiras, que é um assunto
próprio do racismo religioso, será abordada adiante no item sobre racismo
religioso em que explicaremos um pouco mais sobre a disseminação da
Umbanda e do Candomblé no Brasil.

Agora que entendemos mais sobre o que significa o racismo em termos gerais,
vamos conhecer o pensamento do sociólogo brasileiro Antônio Sérgio Guimarães, que
trata das questões de raça e racismo especificamente no nosso país. Segundo esse autor,
o conceito de raça pode ser diferenciado de outros conceitos essencialistas, sobretudo,
por dois motivos: o conceito de raça não se refere a diferenças unicamente físicas como
a de sexo, mas o conceito classifica os indivíduos a partir de critérios ambíguos, embora
sejam justificados por uma teoria centrada na ideia de raça (GUIMARÃES, 1999).

De acordo com Guimarães (1999), todo racismo deve ser entendido de acordo
com sua própria história. Assim, existe uma lógica específica por trás do racismo brasileiro
a partir da constituição das identidades nacional e regional. No Brasil, a discriminação
do “Outro racial”, conforme denomina o autor, se dá mediante diferenças físicas e
culturais que não são assimiladas por algumas pessoas. “Daí esta noção, tão central ao
pensamento brasileiro, de embranquecimento, e a consequente rejeição simbólica do
‘negro’ e do ‘africano’” (GUIMARÃES, 1999, p. 10-11).

NOTA
Esse ponto tratado pelo autor nos leva ao debate da presença dos brancos
em religiões de matriz africana como o Candomblé, sejam eles mesmos
racistas ou antirracistas.

O advogado negro Silvio Luiz de Almeida (2018) também escreveu sobre o


racismo no Brasil, levantando a importância de diferenciar os conceitos de racismo,
preconceito e discriminação. Nas palavras do autor: “Podemos dizer que racismo é uma

85
forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta
por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou
privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (DE ALMEIDA,
2018, p. 25).

Já o preconceito racial seria “o juízo baseado em estereótipos acerca de


indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não
resultar em práticas discriminatórias” (DE ALMEIDA, 2018). Por fim, a discriminação
racial tem a ver com “a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos
racialmente identificados” (DE ALMEIDA, 2018).

De acordo com o autor, ainda existem três concepções de racismo importantes


para pensar no caso brasileiro: racismo individualista, racismo institucional e racismo
estrutural. O racismo individualista seria aquele entendido como uma patologia individual
ou coletiva que é direcionada a grupos sociais particulares. O racismo institucional seria
voltado não para atitudes individuais, mas para a atuação de instituições como um todo,
de modo que direcionem privilégios e desvantagens para as pessoas, tendo em vista
suas raças (DE ALMEIDA, 2018).

O racismo estrutural, por sua vez, pode ser considerado o mais importante
para pensarmos no caso do Brasil e do desenvolvimento da antropologia brasileira. A
partir do conceito de racismo estrutural, passamos a questionar o racismo institucional
enquanto uma mera consequência. Em outras palavras, o racismo estrutural nos faz
pensar que as instituições são racistas porque toda a estrutura da sociedade em que
vivemos é racista. Nas palavras do autor:

Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social,


ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações
políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma
patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é
estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais
são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.
O racismo é parte de um processo social que “ocorre pelas costas
dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição. Nesse caso, além
de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente,
torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações
sociais, políticas e econômicas (DE ALMEIDA, 2018, p. 38-39).

86
IMPORTANTE
O racismo é considerado um crime no Brasil! De acordo com o art. 1o da
Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, “Serão punidos, na forma desta Lei, os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional.”. O art. 20 da mesma Lei também prevê pena de
reclusão de um a três anos e multa para quem “Praticar, induzir ou incitar
a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional”. Além disso, o crime de injúria racial está disposto no art. 140 do
Código Penal brasileiro, que consiste em “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou o decoro”, sendo que a pena é aumentada para reclusão de um
a três ano e multa no caso de racismo conforme o parágrafo 3o do referido
artigo: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça,
cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência”.
FONTE: <https://bit.ly/3vJ8Ess>. Acesso em: 27 maio 2022.

3 SINCRETISMO RELIGIOSO

FIGURA 6 – CANDOMBLÉ

FONTE: <https://bit.ly/3d9HBjJ>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Para entendermos como acontece o sincretismo religioso no Brasil, vamos


primeiro conhecer o que significa esse conceito a partir das palavras do antropólogo
brasileiro Waldemar Valente:

O sincretismo se caracteriza fundamentalmente por uma intermistura


de elementos culturais. Uma íntima interfusão, uma verdadeira
simbiose, em alguns casos, entre os componentes das culturas que
se põem em contacto. Simbiose que dá em resultado uma fisionomia
cultural nova, na qual se associam e se combinam, em maior ou
menor proporção, as mesmas características das culturas originárias
(VALENTE, 1955, p. 42).

87
Em poucas palavras, o sincretismo é uma mistura de elementos culturais.
O sincretismo religioso, por sua vez, está voltado principalmente para a mistura de
elementos da religião das culturas que doravante entraram em contato. Assim, podemos
dizer que o sincretismo religioso no Brasil tem a ver com a fusão que aconteceu entre
as práticas religiosas que os negros escravizados trouxeram ao país e o Catolicismo,
religião dos colonizadores portugueses (VALENTE, 1955).

Nesse contexto, destacamos duas religiões de matriz afro-brasileira: o


Candomblé e a Umbanda. O Candomblé ficou conhecido sobretudo por causa das
pesquisas de dois autores que conhecemos anteriormente, Arthur Ramos e Nina
Rodrigues.

Nos flancos sonoros dos navios negreiros vieram não só os filhos


da Noite, mas também os seus deuses, os orixás dos bosques, dos
rios e do céu africano. É verdade que, no cais dos portos brasileiros,
o capelão esperava os nagôs, os jejes, os angolas – capelães das
cidades, capelães dos engenhos, para lhes ensinar as preces latinas
e os batizar com o Espírito Santo. Os negros confundiriam suas
divindades sombrias com os santos católicos, mas continuariam, por
meio dos cantos e das danças tradicionais, a adorar os deuses de
além-mar. E assim nasceu o candomblé, perdurando até os nossos
dias, apesar das muitas transformações por que passou (BASTIDE,
2001, p. 327).

NOTA
Na linha de pensamento controversa de Nina Rodrigues, os rituais de
Candomblé eram considerados bárbaros e demonstravam o suposto
subdesenvolvimento do homem negro. Os estudantes de antropologia
brasileira lutam para que essa ideia seja rebatida em nome da liberdade
religiosa.

Em suma, o Candomblé é uma religião afro-brasileira criada no Brasil por meio


da herança cultural trazida pelos africanos escravizados. Ele tem como função central o
culto às divindades que representam as forças da natureza: os Orixás da nação Yorubá,
os Voduns da nação Jeje ou os Inquices da nação Bantu. Na África, não existe a religião
denominada Candomblé, mas sim apenas o culto às divindades de acordo com regiões
ou famílias.

Os Orixás – senhores de nossa cabeça (ori) – são descendentes de Olorum –


senhor da vida – que designou a cada um deles uma característica do mundo para que
cuidassem. Exu é Orixá mensageiro, sem ele humanos e outros Orixás não podem se
comunicar; é responsável pelo movimento, pela reprodução e pelas trocas mercantis.
Ogum é Orixá do ferro, guerra, agricultura, caça e pesca. Nanã é guardiã do saber
ancestral, dona da lama em que foi modelado o ser humano. Oxumarê é Orixá da chuva,

88
do arco-íris e da fertilidade. Omolu é Orixá das doenças infecciosas e das suas curas.
Euá cuida do solo sagrado em que moram os mortos. Xangô é Orixá do trovão e da
justiça. Iansã é Orixá do vento, da tempestade, do raio e da sensualidade. Obá é Orixá
das correntezas dos rios e da vida doméstica das mulheres. Oxum é Orixá do amor, da
fertilidade e das águas doces. Iemanjá é dona das grandes águas, mãe de todos os
deuses que cuida do equilíbrio emocional e da loucura. Ossaim é Orixá das folhas, que
conhece seus segredos e poderes de cura. Oxalá é o criador do humano, senhor do
princípio da vida, do ar e da respiração.

Os Orixás não podem ser escolhidos, as pessoas é que são escolhidas por eles.
Para identificar a constelação de Orixás que acompanha alguém, é preciso consultar
os búzios, o oráculo tradicional africano. Assim, quando uma pessoa é dita filha de
algum Orixá, passa a ter algumas responsabilidades, tais como realizar oferendas com
os elementos preferidos pelo seu santo. “Os reinos animal, vegetal e mineral estão à
disposição do ser humano. [...] Cada Òrìsà possui um determinado animal, vegetal,
mineral e comidas, e tudo libera energia. É uma alquimia que depende de muita
habilidade...” (BENISTE, 2002, p. 68).

FIGURA 7 – ORIXÁS NO CANDOMBLÉ

FONTE: <https://bit.ly/3daNrB6>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A cabeça é uma parte do corpo fundamental nos ritos do Candomblé, como nas
oferendas. Ela é o centro em que o filho carrega o seu Orixá porque é entendido que ele
mora na cabeça.

A cabeça é o orixá, e o orixá é a cabeça – todas as práticas renovadoras


do axé são centralizadas na cabeça [...] A cabeça é mimese do
mundo, do mundo simbolizado. Estão na cabeça os elementos da
natureza e aí, após fixados, os princípios geradores do axé do corpo –
individual –, conjugados como o eu coletivo do terreiro, funcionarão e
ampliarão cada vez mais os vínculos sagrados, éticos, morais, sociais
e culturais do indivíduo com o grupo. O indivíduo é essencialmente
a cabeça – a partir deste espaço se expandem os outros espaços
89
do corpo. A cabeça é alimentada – abori ou bori – com diferentes
comidas: obi, orobô e outros frutos africanos com sangue de animais
sacrificados, e o corpo passado pelo sundidé – banho ritual do
sangue dos animais da matança. Folhas, pembas, águas lustrais são
substâncias incorporadas ao corpo e essencialmente à cabeça do
iaô, reforçando o axé e confirmando cada vez mais o orixá – o santo
feito (LODY, 1995, p. 59).

Um dos principais ritos do Candomblé é a possessão pelo Orixá, no qual o filho


que recebe o Orixá entra em transe religioso, como podemos ver na imagem a seguir.

FIGURA 8 – POSSESSÃO PELO ORIXÁ

FONTE: <https://bit.ly/3SyrXhN>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A Umbanda, por sua vez, pode ser considerada um dos principais exemplos
para pensarmos no sincretismo religioso no contexto do nosso país, sendo que é uma
verdadeira fusão entre elementos africanos e católicos. Apesar dos negros escravizados
terem reconstituídos algumas de suas práticas religiosas no formato do Candomblé,
esses ritos sofreram fortes perseguições e repreensões desde a época da colonização
até o período da ditadura militar (NASCIMENTO, 2010).

Nesse contexto, os praticantes dos ritos baseados nas culturas africanas


tiveram de criar estratégias para manter suas práticas religiosas de alguma forma que
não houvesse tanta repreensão. O meio que esses praticantes encontraram foi mesclar
os elementos rituais do Candomblé com elementos religiosos próprios da religião dos
colonizadores, o Catolicismo, e assim surgiu a Umbanda (NASCIMENTO, 2010).

Além disso, a Umbanda foi uma tentativa de legitimar o significado do que é


ser brasileiro, incorporando entidades como o preto-velho e o caboclo em seus cultos.
Assim, foram enaltecidas figuras normalmente inferiorizadas na sociedade brasileira: os
negros e os indígenas, respectivamente. Enquanto no Candomblé a possessão acontece

90
quando o filho de determinado Orixá é possuído por esse próprio Orixá, a possessão
na Umbanda acontece quando um adepto é possuído por entidades espirituais que
incluem os pretos-velhos e os caboclos (NASCIMENTO, 2010).

FIGURA 9 – UMBANDA

FONTE: <https://bit.ly/3OWuwHC>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Na Umbanda, os Orixás africanos encontraram correspondências com os


santos católicos, o que é uma das marcas mais explícitas do sincretismo religioso. É
comum que esses Orixás sejam homenageados nos mesmos dias atribuídos aos santos
católicos em várias regiões do país. Vamos conhecer mais sobre essa correspondência
no quadro a seguir:

QUADRO 1 – SINCRETISMO RELIGIOSO

Orixá africano Santo católico


Exu São Bartolomeu
Ogum São Jorge
Oxóssi São Sebastião
Ossain São Benedito
Obaluaiê São Lázaro
Omolu São Roque
Oxumarê São Bartolomeu
Ewá Santa Clara
Xangô São Jerônimo
Oxum Nossa Senhora da Conceição
Iansã/Oyá Santa Bárbara
Logun Edé São Expedito
Obá Santa Joana D’arc
Iemanjá Nossa Senhora dos Navegantes
Nanã Santa Ana
Ibeji São Cosme e Damião
Oxalá/Oxaguiã/Oxalufã Jesus Cristo
FONTE: Adaptado de <https://www.marica.rj.gov.br/conheca-os-orixas/>. Acesso em: 10 fev. 2022.

91
IMPORTANTE
É comum também que o Orixá Exu, de extrema importância para as práticas
religiosas afro-brasileiras, seja correspondido ao diabo católico. Precisamos
entender que, para as religiões afro-brasileiras, não existe uma distinção
entre bem e mal tal como acontece no Catolicismo, sendo que Exu não é um
Orixá “do mal” nem ruim. Portanto, essa associação é considerada errônea e
pode passar por preconceituosa!

4 RACISMO RELIGIOSO

FIGURA 10 – RACISMO RELIGIOSO

FONTE: <https://www.flickr.com/photos/agenciabrasilia/23266239232>. Acesso em: 16 jun. 2022.

O tema do racismo religioso está diretamente relacionado ao que estudamos


agora: o racismo no Brasil em seu sentido amplo e o sincretismo religioso. Como
comentamos, o racismo possui diversas facetas e entre elas está o racismo cultural
que, por sua vez, engloba o racismo religioso. Em poucas palavras, o racismo religioso é
aquele tipo de racismo voltado para as práticas religiosas de determinado grupo que já
é estruturalmente inferiorizado perante a sociedade dominante.

No caso do Brasil, o racismo religioso está voltado, sobretudo, para os


praticantes de religiões com matriz afro-brasileira, como o Candomblé e a Umbanda
que conhecemos no item anterior. As violações às práticas religiosas afro-brasileiras
também costumam ser chamadas de intolerância religiosa ou mesmo discriminação
religiosa. Contudo, os pesquisadores mais atuais nas temáticas sobre racismo no Brasil
vêm mudando esse conceito na medida em que essas violências são fruto de um
racismo estrutural.

92
DICA
Se quiser assistir a um filme que trata de algumas questões de intolerância
e racismo religioso, contemplando temas de capoeira e religiosidade afro-
brasileira, sugerimos o filme nacional Besouro (2009), dirigido por João Daniel
Tikhomiroff.

Dentre as violações próprias do racismo religioso, encontramos perseguições


e agressões aos praticantes, bem como invasões aos templos sagrados que incluem
desde quebrar as imagens dos orixás até mesmo atear fogo nos terreiros de Umbanda
e Candomblé. Vamos ver o triste exemplo a seguir, que retrata uma situação comum a
diversas regiões do Brasil:

A Iyalorixá Cris ty Oxum, por exemplo, que tem sua casa de candomblé
na cidade de Aparecida de Goiânia, enfrentou perseguição de um
vizinho durante alguns anos desde a fundação da casa em meados
de 2011. O agressor realizava protestos e cultos com uma caixa de
som na porta do terreiro, jogava pedras e bombinhas no telhado. Iya
Cris conta que todas as vezes que havia festa na casa ele chamava a
polícia. Durante as primeiras atividades realizadas, quando o terreno
ainda não tinha muro e os vizinhos conseguiam ver algo que fazia
ali, o mesmo vizinho acusou de estarem realizando rituais de magia
negra. Culminou com uma agressão física na qual ele tentava invadir
a casa durante uma festa. Derrubou o portão da casa da sacerdotisa
e provocou a fratura em um de seus pés. Foram registrados boletins
de ocorrência na delegacia e o processo se arrastou sem que ele
fosse punido. Outro caso foi o de uma filha do Babalorixá Raimundo
ty Oya que tentava se consultar no posto de saúde do setor onde fica
o terreiro, também em Aparecida de Goiânia. A jovem teve que lidar
com uma funcionária que queria “expulsar o demônio” de seu corpo
porque portava as vestimentas características de um recém-iniciado
no candomblé (contas no pescoço, torso/turbante, roupa branca)
(MOTA, 2018, p. 25).

NOTA
O termo “terreiro” é usado para se referir ao local sagrado em que ocorrem
os rituais religiosos da Umbanda e do Candomblé.

Embora a liberdade religiosa no Brasil seja legalizada, parece que isso não se
aplica às religiões de matriz afro-brasileira na prática, como podemos argumentar a
partir desse racismo religioso estrutural e das incontáveis violações aos praticantes e

93
templos. Em outras palavras, as religiões cristãs como o Catolicismo continuam como
religiões dominantes e as demais, como a Umbanda e o Candomblé, precisam ser
toleradas, mas não são igualmente reconhecidas em suas legitimidades (MOTA, 2018).

IMPORTANTE
A Constituição Federal de 1988, em diálogo com esses temas abordados
pela antropologia brasileira, instituiu em seu art. 5o, inciso VI, o dispositivo da
liberdade religiosa: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei,
a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
FONTE: <https://bit.ly/38hv88w>. Acesso em: 27 maio 2022.

O fato das religiões de matriz afro-brasileira precisarem ser toleradas já é


também um indicativo do racismo religioso! A necessidade de tolerância nos leva a
pensar que essas práticas não são reconhecidas como uma verdadeira religião, mas
somente como uma simples crença dos povos africanos. Em outras palavras, os mitos
e tradições em que estão baseadas essas religiões não são vistos como racionais e,
portanto, são diminuídos. Por isso, os antropólogos brasileiros lutam contra o racismo
religioso para que essas religiões sejam reconhecidas e tenham os mesmos direitos de
disseminação em segurança como as demais religiões cristãs.

94
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Os conceitos de raça e etnia são fundamentais na área de estudos da antropologia


brasileira.

• O conceito de raça está voltado sobretudo para o fenótipo do ser humano, ou seja,
suas características biológicas.

• O conceito de etnia está voltado principalmente para os elementos culturais dos


grupos humanos, como a língua, os costumes e as crenças.

• O Candomblé e a Umbanda são religiões criadas no Brasil a partir da herança cultural


trazida pelos negros escravizados na época da colonização.

• Enquanto o Candomblé mantém mais sua raiz africana, a Umbanda incorporou


elementos culturais dos colonizadores portugueses próprios do Catolicismo.

• O racismo religioso é um dos principais problemas enfrentados pelos praticantes


das religiões de matriz afro-brasileira.

• O racismo religioso vai além de uma simples discriminação e intolerância religiosa,


sendo caracterizado como racismo por ser uma questão estrutural na sociedade.

95
AUTOATIVIDADE
1 O racismo religioso pode ser considerado um grande problema do nosso país e por
isso é amplamente estudado no campo da antropologia brasileira. Tendo em vista
essa temática, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O racismo religioso é aquele tipo de racismo direcionado às práticas religiosas de


algum grupo que sofre inferiorização na sociedade.
b) ( ) O racismo religioso é aquele tipo de racismo direcionado às práticas religiosas de
qualquer grupo da sociedade, seja ela católica ou de matriz afro.
c) ( ) O racismo religioso envolve um preconceito com relação aos praticantes de
determinada religião, mas nunca chega a agressões físicas.
d) ( ) O racismo religioso não existe mais no Brasil, já que a liberdade religiosa é
legalizada no nosso país.

2 O Brasil é considerado um país estruturalmente racista, já que essas práticas


acontecem no âmbito de toda a sociedade, inclusive em suas instituições. Sobre o
racismo no contexto brasileiro, analise as sentenças a seguir:

I- O racismo pode ser entendido como uma prática sistemática de discriminação que
possui a raça como seu principal fundamento.
II- Apesar do racismo ser estrutural no Brasil, ele não culmina em desvantagens ou
privilégios para indivíduos de acordo com a raça que pertencem.
III- O racismo é considerado um crime no Brasil, tendo em vista a Lei n. 7.716 de 1989 e
o Código Penal brasileiro.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A Umbanda é uma religião importante para pensarmos sobre o sincretismo religioso


no nosso país, tendo em vista a correspondência entre orixás africanos e santos
católicos. Nesse sentido, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as
falsas:

( ) O orixá africano Ogum corresponde ao santo católico São Jorge.


( ) O orixá africano Xangô corresponde ao santo católico São Sebastião.
( ) O orixá africano Oxalá corresponde a Jesus Cristo.

96
( ) O orixá africano Iansã corresponde à santa católica Santa Bárbara.
( ) O orixá africano Iemanjá corresponde à santa católica Santa Ana.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – V – V.
b) ( ) V – F – V – V – F.
c) ( ) F – V – F – V – F.
d) ( ) F – F – V – F – V.

4 O racismo tem a ver com a caracterização e consequente inferiorização de


determinado grupo em virtude de suas características físicas. Esse tema não é novo
nos debates antropológicos, apesar de ter particularidades de acordo com a região
abordada. Portanto, disserte sobre o tema do racismo no contexto do nosso país.

5 O conceito de sincretismo tem a ver com uma mistura de elementos culturais. Já


o conceito de sincretismo religioso passa pela mistura de elementos da religião
de determinadas culturas que entram em contato. Nesse sentido, disserte sobre o
sincretismo religioso no contexto

97
98
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
ANTROPOLOGIA BRASILEIRA:
ESTUDOS RURAIS E URBANOS

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 3, abordaremos o conceito de antropologia rural. Esse é um tema
que gera um amplo debate, tendo em vista que retoma os conflitos da distinção entre
natureza e cultura, bem como a distinção entre campo e cidade. Assim, levando em
consideração a dinâmica de dependência entre campo e cidade, pensaremos a respeito
das condições de vida das populações rurais enquanto foco da antropologia rural.

Em seguida, voltaremos nossa atenção para os estudos da antropologia urbana,


que de certa forma é um desdobramento da antropologia rural. Vamos conhecer um
pouco mais sobre o objeto de estudo dos pesquisadores da antropologia urbana e por
qual motivo o estudo das grandes cidades pode também ser considerado um estudo
antropológico.

Por fim, refletiremos sobre a antropologia da mídia. Para isso, vamos entender
como essa área do conhecimento foi iniciada no mundo e qual sua abrangência no
Brasil.

2 ANTROPOLOGIA RURAL

FIGURA 11 – ARTESANATO RURAL

FONTE: <https://bit.ly/3JAXfRg>. Acesso em: 16 jun. 2022.

99
Depois de aprendermos o que significa a distinção entre natureza e cultura
em termos antropológicos, agora vamos conhecer mais sobre a antropologia rural. Em
poucas palavras, a antropologia rural é uma área de estudo voltada para a compreensão
das condições de vida da população que vive nos campos, ou seja, mais próxima do que
entendemos por natureza e mais afastada dos grandes centros urbanos.

Como também já aprendemos, o Brasil é constituído por uma grande diversidade


cultural que acompanha uma grande diversidade regional, geográfica e climática. Ao
lado do desenvolvimento das grandes cidades, existe uma população rural trabalhadora
que contribui para isso! Podemos até dizer que para que os centros urbanos existam,
é preciso que haja uma organização rural que supra as necessidades desses centros.

Ora, vamos entender isso melhor. Nas grandes cidades, as pessoas costumam
comprar seus alimentos, que são fundamentais para a sobrevivência, em mercados ou
feiras. Um grande costume do brasileiro é tomar seu café preto logo de manhã. Mas
quem de fato produz esse café que chega em nossa mesa? São os trabalhadores que
vivem em áreas rurais! Por isso, é importante que os estudos em antropologia brasileira
passem pela antropologia rural que, por sua vez, está diretamente relacionada à
antropologia urbana.

Nas palavras do antropólogo alemão Emilio Willems, radicado no Brasil:

Acompanhando a reta, depara-se com um tipo de cultura rural


estreitamente ligado à cidade: estradas atravessam-na, seus
homens trabalham e produzem para mercados e toda a sua vida está
organizada de maneira a satisfazer as necessidades desses mercados.
Se, por qualquer motivo que, às vezes, escapa à compreensão desses
produtores rústicos, os mercados deixam de absorver sua produção
ou lhes diminuem a compensação monetária, a sua vida se torna
extremamente difícil, pois a sua subsistência material depende de
troca monetária e lucro (WILLEMS, 2009, p. 187).

FIGURA 12 – AGRICULTOR TRABALHANDO

FONTE: <https://bit.ly/3dfaf2E>. Acesso em: 16 jun. 2022.

100
Como podemos derivar das palavras de Willems (2009), a produção dos
trabalhadores rurais também está diretamente relacionada ao mundo capitalista em que
vivemos. Assim, quando compramos esses produtos produzidos pelos trabalhadores
rurais, estamos todos fazendo parte de uma engrenagem de mercado capitalista baseada
na demanda e no consumo. Essas relações são uma das principais preocupações da
antropologia urbana assim como as condições de vida das populações rurais.

Por outro lado, além dos trabalhadores rurais, também existe uma população
que vive afastada dos centros urbanos e que não está tão condenada às regras do
mercado:

Prosseguindo pela reta encontram-se, já bem mais distantes do


ponto de partida, populações caboclas cuja vida parece decorrer em
um mundo diferente do nosso. Pouco ou nada as liga ao mercado
urbano. Não dependem dele e o uso que fazem do dinheiro é muito
restrito. Altas ou baixas do café ou do algodão não as atingem,
porque não plantam esses produtos ou, se os plantam, a produção
destina-se apenas ao consumo pessoal. Geralmente se é impiedoso
com essas populações; aplicam-se-lhes epítetos como “atrasadas”,
“indolentes” e outros, menos lisonjeiros ainda. Vivem de uma maneira
julgada indigna e desprezível. Acha-se que deviam trabalhar e
produzir mais e melhor, que deviam adubar suas roças, usar sabão,
escola, parteira, farmácia e médico. Se se perguntar a um de seus
indivíduos se conhece o nome do presidente da República, ele não
entenderá bem o sentido da nossa pergunta. Pouco se incomodarão
com o nosso conselho de curar ou evitar a anquilostomíase. Embora
falem português, não parece fácil entender-se com eles (WILLEMS,
2009, p. 188).

Nesse sentido, a antropologia rural se aproxima da etnologia indígena na medida


em que as populações indígenas podem fazer parte dessas pessoas que não estão
condenadas às regras do mercado, ainda que comprem alguns dos bens de consumo
próprios da cidade. Assim, indígenas, caboclos, sertanejos, agricultores e pessoas que
vivem em comunidades isoladas fazem parte dos estudos da antropologia rural.

No que diz respeito aos agricultores, é importante ressaltarmos o trabalho dos


agricultores orgânicos e agricultores familiares no Brasil, bem como o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST). Ou melhor, para os estudos antropológicos que possuem
como objeto de estudo essa espécie de movimentos!

A agricultura familiar envolve agricultores que usam da mão de obra de membros


da família no cultivo de plantas e animais em uma terra inferior a quatro módulos fiscais.
Já a agricultura orgânica diz respeito ao modelo de produção agrícola que rejeita
fertilizantes sintéticos, sementes transgênicas, agrotóxicos e usos de máquinas em
grande escala. O MST, por sua vez, é um dos maiores movimentos sociais do Brasil,
tendo como objetivo a luta por melhores condições de trabalho aos produtores rurais e
a reforma agrária.

101
NOTA
O indicativo de módulos fiscais na legislação brasileira é usado para
determinar a extensão de uma propriedade rural, sendo que o imóvel
rural com área inferior a um módulo fiscal é caracterizado como
minifúndio e o imóvel rural com área entre um e quatro módulos fiscais
é caracterizado como pequena propriedade.

A reforma agrária é um termo utilizado para se referir a redistribuição de terras em


um Estado. Essa ideia é fundamental para pensarmos na antropologia urbana
brasileira, sendo que um dos principais problemas apontados por movimentos
como MTST é o fato de que as terras produtivas pertencem principalmente
a grandes empresários ricos e quem de fato produz os alimentos, os
trabalhadores rurais, na maioria das vezes não possuem terras próprias.

FIGURA 13 – MANIFESTAÇÃO MTST

FONTE: <https://bit.ly/3JKeCPx>. Acesso em: 16 jun. 2022.

102
3 ANTROPOLOGIA URBANA

FIGURA 14 – AVENIDA PAULISTA

FONTE: <https://bit.ly/3A37gTY>. Acesso em: 16 jun. 2022.

A antropologia urbana, como o próprio nome diz, tem a ver com os estudos
antropológicos voltados para os centros urbanos. Como vimos no começo da nossa
disciplina, a antropologia em termos gerais tem como objeto de estudo aquele “outro”
distante. Aqui entra um ponto particular da antropologia urbana: o que acontece quando
os antropólogos nascidos e criados nas grandes metrópoles se voltam para a análise
antropológica desses mesmos espaços?

Ora, como comenta o antropólogo brasileiro José Guilherme Magnani,


esse campo da antropologia provoca uma série de desafios e até mesmo formas de
preconceito:

E quando se considera mais especialmente o trabalho do antropólogo


às voltas com questões urbanas, pesa sobre ele um preconceito
adicional, dessa feita partindo do interior da própria antropologia, ou
seja, há uma espécie de discriminação doméstica. E o ponto de partida
dessa visão é que a antropologia, em sua forma clássica, praticada no
contexto das sociedades não ocidentais, desenvolveu uma reflexão
própria a respeito de temas específicos como parentesco, mitologia
xamanismo, rituais que – esses sim – conformam um campo de
reflexão reconhecido e legítimo no interior das ciências sociais
(MAGNANI, 2003, p. 81-82).

Em suma, a antropologia urbana rompe com o objeto de estudo da antropologia


mais clássica, que é o “outro” distante, e passa a se importar com o estudo das sociedades
complexas. Ora, mas ainda assim podemos chamar isso de antropologia? A resposta
é sim! Ainda que o tema central da antropologia urbana não seja aquele considerado

103
clássico, essa disciplina se mantém fiel às teorias e metodologias da antropologia e,
portanto, é considerada como uma das áreas da antropologia. É exatamente aqui
também que se encontra o maior desafio da antropologia urbana.

Nas palavras de Magnani (2003, p. 83):

E aqui está o problema, que é o de tentar reproduzir, principalmente


no cenário das grandes metrópoles, aquelas condições tidas como
clássicas na pesquisa antropológica: a dimensão da aldeia, da
comunidade, do pequeno grupo. Cabe notar que, se tais condições
já não se aplicam nem mesmo nas próprias pesquisas da etnologia
indígena, continuam presentes, no imaginário, como as características
ideais da abordagem etnográfica (MAGNANI, 2003, p. 83).

DICA
Caso se interesse mais pela temática da antropologia urbana, sugerimos o
livro Na metrópole: textos de antropologia urbana, escrito pelos antropólogos
Lilian de Lucca Torres e José Guilherme Magnani. Uma questão interessante
abordada nesse livro diz respeito ao conceito de “tentação da aldeia”, que
significa a tentativa de se aplicar a abordagem etnográfica no contexto das
grandes metrópoles.

Além disso, Magnani (2003) destaca um ponto-chave acerca da antropologia


urbana: mais que pensar em elementos como o objeto da cultura popular e do lazer
nas metrópoles, a antropologia urbana se importa em pensar em quais lugares essas
práticas acontecem. Em poucas palavras, a antropologia urbana pode ser considerada
uma antropologia do espaço urbano.

FIGURA 15 – CULTURA POPULAR

FONTE: <https://bit.ly/3p3e7Xk>. Acesso em: 10 fev. 2022.

104
No que diz respeito ao espaço, Magnani (2003) traça um paralelo com Roberto
Da Matta, outro antropólogo muito importante em antropologia brasileira, tendo em
vista as noções de “rua”, “casa” e “pedaço”:

enquanto a casa é o domínio dos parentes e a rua, o dos estranhos,


o pedaço evidencia outro plano, o dos “chegados” que, entre a casa e
a rua, instaura um espaço de sociabilidade de outra ordem. Assim se
desvelou um campo de interação em que as pessoas se encontram,
criam novos laços, tratam das diferenças, alimentam, em suma, redes
de sociabilidade numa paisagem aparentemente desprovida de
sentido ou lida apenas na chave da pobreza ou exclusão (MAGNANI,
2003, p. 86).

DICA
Se quiser conhecer mais sobre o trabalho de Roberto Da Matta, sugerimos a
leitura do livro do autor, intitulado “A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher
e morte no Brasil”, que também trata de temas voltados para a antropologia
urbana brasileira.

FIGURA 16 – FESTA DE CULTURA POPULAR

FONTE: <https://www.flickr.com/photos/ministeriodacultura/25963586828>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Assim como os lugares em que a cultura popular e o lazer acontecem nas


metrópoles, a antropologia urbana também se importa com as relações que derivam
disso. No caso do lazer em especial, podemos classificar algumas variantes, como o
estado civil, a faixa etária, o local em que acontecem, entre outros. Conforme ressalta
Magnani (2003), o lazer na cidade de São Paulo, que é a cidade mais populosa do nosso
país, pode ser dividido naquele “lazer de homens solteiros e casados, de mulheres e
moças, de crianças e adultos; e modalidades desfrutadas em casa e fora de casa, e
neste último caso ainda era possível distinguir “fora de casa, mas no pedaço”.

105
Podemos dizer também que esses estudos da antropologia urbana têm a ver
com o tempo livre das pessoas. Ora, e se têm a ver com o tempo livre, também têm a
ver com o tempo de trabalho dessas pessoas que, quando não estão trabalhando, estão
livres e podem fazer outras atividades. Essas simples atividades, como ir ao bar depois
do expediente com os colegas de trabalho antes de voltar para casa, é considerada
um dos objetos de estudo da antropologia urbana! Isso pode nos dizer muito, como a
relação entre o mundo doméstico e o mundo do trabalho, os lugares, as relações que
derivam disso etc. (MAGNANI, 2003).

4 ANTROPOLOGIA DA MÍDIA
A antropologia da mídia é uma área de estudo antropológico que flerta com os
estudos de comunicação social. Como vimos no início da nossa disciplina, a antropologia
é uma pesquisa baseada na etnografia, ou seja, na pesquisa de campo. Contudo, assim
como toda a dinâmica da vida terrestre mudou com o curso da história, isso não foi
diferente com a antropologia! Ora, o que isso quer dizer?

Como também já vimos, a antropologia clássica dependia de pesquisas de


campo em regiões mais afastadas. Agora, o desenvolvimento das mídias sociais abriu
espaço para um novo campo das pesquisas etnográficas, por exemplo, as pesquisas
nas redes sociais que são usadas como metodologia na antropologia brasileira. Além
disso, o uso da internet e das redes sociais têm sido uma grande saída para a pesquisa
antropológica em tempos de pandemia.

FIGURA 17 – REDES SOCIAIS

FONTE: <https://bit.ly/3A22SVp>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Um marco para a antropologia da mídia em termos globais é o texto Anthropology


and Mass Media, publicado pela antropóloga norte-americana Debra Spitulnik em 1993.
Podemos dizer que é um texto pioneiro nesse sentido na medida em que a autora

106
defendeu que de fato a antropologia da mídia pudesse constituir uma nova área do
conhecimento. Considerando a comunicação em massa e o avanço das tecnologias
da informação, Spitulnik levanta a possibilidade de que isso seja estudado a partir das
teorias e métodos antropológicos (CAMPANELLA; MARTINELI, 2010).

Portanto, assim como acontece no caso da antropologia urbana, em que os


conceitos próprios da antropologia são utilizados para realizar a análise sobre as grandes
metrópoles, a antropologia da mídia utiliza dos conceitos antropológicos para analisar
as formas de comunicação entre as pessoas com relação à tecnologia! Nas palavras dos
pesquisadores Bruno Campanella e Fernanda Martineli:

Nesse contexto, a antropologia da mídia emerge como um campo


de estudos interdisciplinar que permite abordar a comunicação e
os meios de comunicação de massa a partir de sistemas culturais
mais amplos de produção e consumo de sentidos, levando em
conta sociabilidades e processos de interação mobilizados pelos
meios massivos que reverberam no contexto social (CAMPANELLA;
MARTINELI, 2010, p. 3).

Entretanto, conforme apontam Campanella e Martineli (2010), a antropologia


da mídia ainda é um campo de formação na antropologia brasileira, ou seja, não é tão
difundida como as outras áreas que vimos até agora. Como comentamos, a pandemia
contribuiu para que esse cenário mudasse aos poucos, já que os pesquisadores em
antropologia brasileira precisam encontrar novas formas para realizar suas pesquisas
de campo. Assim, redes como Twitter, Facebook, Instagram e Youtube passam a ganhar
espaço na antropologia como meios de pesquisa.

107
LEITURA
COMPLEMENTAR
PRECONCEITO DE COR E RACISMO NO BRASIL

Antônio Sérgio Alfredo Guimarães

Antes de entrar no assunto deste texto, convém alertar para um ponto


metodológico de todo pertinente para o que vou expor: refiro-me ao emprego de
categorias abstratas, puramente analíticas, para compreender a vida ou o pensamento
social, tais como eles foram concretamente vivenciados por seus atores. Tais noções,
inteiramente conceituais, no mais das vezes foram tecidas a partir de significados
historicamente precisos, que sociólogos ou historiadores pretendem, para fins teóricos ou
políticos, generalizar para além do tempo e da circunstância em que foram efetivamente
usados na vida real. Ao fazer isso, expomo-nos seja ao anacronismo histórico (ao
risco de imputar indevidamente sentidos e significados aos sujeitos passados) seja ao
estruturalismo mais árido (isto é, ao risco de privar a análise social da compreensão
do significado cultural de seus objetos); mas, não fazê-lo, nos expõe igualmente, pois
podemos pretender ser meros reconstrutores mentais de épocas mortas, como se
isto fosse possível, como se não estivéssemos todos muito bem fincados em nossos
atualíssimos interesses. Pois bem, é caminhando sobre esta lâmina fina, que separa
anacronismo de relativismo, que me moverei.

Vou tratar do preconceito de cor e racismo no Brasil restringindo-me à época


moderna, que começa com a geração de 1870, nas escolas de direito, do Recife e de
São Paulo, e nas escolas de medicina, da Bahia e do Rio de Janeiro. Tal recorte não é
arbitrário: tem a ver com a minha compreensão do que seja o racismo moderno. Sigo
o que apreendi com Louis Dumont (1966) e Collete Guillaumin (1992), entre outros,
para quem o discurso sobre a diferença inata e hereditária, de natureza biológica,
psíquica, intelectual e moral, entre grupos da espécie humana, distinguíveis a partir de
características somáticas, é resultado das doutrinas individualistas e igualitárias que
distinguem a modernidade da Antiguidade ou do Medievo e, no nosso caso, do Brasil
colonial e imperial. Sem minimizar a importância política da hierarquia e da desigualdade
sociais entre os povos conquistadores e conquistados, entre senhores e escravos, na
história do Ocidente, mas antes para maximizá-la, acredito que o distintivo no racismo
moderno seja justamente a ideia de que as desigualdades entre os seres humanos estão
fundadas na diferença biológica, na natureza e na constituição mesmas do ser humano.
A igualdade política e legal seria, portanto, a negação artificial e superficial da natureza
das coisas e dos seres. Ora, essa compreensão do racismo significa circunscrevê-lo à
modernidade, pois nos remete logicamente ao aparecimento da ciência da biologia e da
filosofia política liberal.

108
O racismo surge, portanto, na cena política brasileira, como doutrina científica,
quando se avizinha à abolição da escravatura e, consequentemente, à igualdade política
e formal entre todos os brasileiros, e mesmo entre estes e os africanos escravizados.
Como não posso me alongar sobre esse ponto, remeto-os a alguns trabalhos já clássicos
sobre o período, entre os quais cabe destacar: A escola Nina Rodrigues, de Mariza Corrêa
(1998); e O espetáculo das raças, de Lilia Schwarcz (1993).

O racismo brasileiro, entretanto, não deve ser lido apenas como reação à
igualdade legal entre cidadãos formais, que se instalava com o fim da escravidão; foi
também o modo como as elites intelectuais, principalmente aquelas localizadas em
Salvador e Recife, reagiam às desigualdades regionais crescentes que se avolumavam
entre o Norte e o Sul do país, em decorrência da decadência do açúcar e da prosperidade
trazida pelo café. Quem não se lembra do temor de Nina Rodrigues ao ver se desenvolver
no Sul uma nação branca, enquanto a mestiçagem campeava no Norte?

O racismo duro da Escola de Medicina da Bahia e da Escola de Direito do Recife,


entrincheirado nos estudos de medicina legal, da criminalidade e das deficiências
físicas e mentais, evoluiu, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, em
direção a doutrinas menos pessimistas que desaguaram em diferentes versões do
“embranquecimento”, subsidiando desde as políticas de imigração, que pretendiam a
substituição pura e simples da mão-de-obra negra por imigrantes europeus, até as
teorias de miscigenação que pregavam a lenta mais contínua fixação pela população
brasileira de caracteres mentais, somáticos, psicológicos e culturais da raça branca,
tais como podem ser encontrados em escritos de Batista Lacerda (1911) e Roquette
Pinto (1933). Foi também no Sul, centro da vida econômica e política, que as campanhas
de sanitarização e higienização públicas ganharam vigência, forçando a amenização
das teorias eugenistas em versões que privilegiavam as ações de saúde pública e de
educação, em detrimento de políticas médicas de controle da reprodução humana e
dos casamentos.

Mas se do Norte veio o racismo primeiro, também veio de lá a sua superação


doutrinária, com os escritos sociológicos de Gilberto Freyre (1933; 1936) de 1930. Algo
que começou a ser ainda gerado nos anos 1920, quando vigiam as teorias racistas. Para
entender esse movimento, que só ganhará o proscênio da vida intelectual e política
brasileira nos anos 1930 e 1940, seria preciso, entretanto, recuar mais um pouco em
direção ao romantismo literário. Pois, como demonstrou José Maurício Gomes de Almeida
(2003), já vem de José de Alencar ou de Franklin Távora, que viam conservados no Norte
“os elementos para uma literatura propriamente brasileira, filha da terra”, a inspiração
gilbertiana para buscar ali a “alma brasileira”. Esse traço do pensamento de Freyre,
entretanto, ganha cientificidade apenas a partir do seu encontro com a antropologia
cultural de Franz Boas, que substituiu a noção biológica de raça pela noção de cultura,
enquanto expressão material e simbólica do ethos de um povo.

109
Pois bem, Gilberto Freyre promove uma verdadeira revolução ideológica
no Brasil moderno ao encontrar na velha, colonial e mestiça cultura luso-brasileira
nordestina a alma nacional. Ethos esse que logo ganhará, em seus escritos políticos,
a partir de 1937, o nome de “democracia social e étnica”, por oposição à democracia
política da América do Norte e dos ingleses. Se há razão para dizer que as escolas de
direito e de medicina importaram as teorias raciais europeias de meados do século XIX
para atualizar e naturalizar, pela ciência, as desigualdades sociais e raciais brasileiras do
final do século (SCHWARCZ, 1993), com igual razão, pode-se afirmar que a “democracia
racial”, rótulo político dado às ideias de Gilberto, reatualizou, na linguagem das ciências
sociais emergentes, o precário equilíbrio político entre desigualdade social, autoritarismo
político e liberdade formal, que marcou o Brasil do pós-guerra.

Tal como seus antecessores, Gilberto respondia também ao desafio regional


brasileiro. É que, no começo dos anos 1920, a revolução estética modernista já inventara
o primitivo brasileiro, o popular, sob a influência das emoções trazidas pelos novíssimos
espetáculos de massa europeus e de seu gosto pelo exótico – o modernismo artístico
já desembarcara no Brasil pelo porto de Santos e fora gulosa e rapidamente consumido
pelas vanguardas intelectuais paulistas, em busca, a um só tempo, de autenticidade
e de sintonia com a Europa. O pensamento político que subjazia a essa elite, o seu
declarado culto pelo imigrante, pela industrialização e pela urbes moderna, era de todo
antagônico à lembrança do passado colonial luso-brasileiro do decadente Nordeste.
Mesmo quando cultuaram o passado, foram o barroco mineiro, e não o nordestino, a
urbanidade de Minas, e não a dos portos do Norte, os preferidos e apropriados pelos
paulistas. Tem razão Antônio Cândido quando lembra que a grande figura humana a
dar sentido ao clássico de Sérgio Buarque de Hollanda (1936), Raízes do Brasil, seja o
imigrante, do mesmo modo que foi no planalto, e não no litoral, que Sérgio plantou a
esperança da revolução brasileira.

Essa tensão regionalista entre Norte e Sul acompanha também a


institucionalização das ciências sociais no Brasil. Para a Universidade do Brasil, no Rio
de Janeiro, Gilberto Freyre e Arthur Ramos trazem, nos anos 1930, a influência dos
discípulos americanos de Franz Boas, principalmente Melville Herskovits. Será o mesmo
Arthur Ramos quem, na década de 1940, usará a sua liderança acadêmica para divulgar
o Brasil, no exterior, como um “laboratório de civilização” e uma “democracia racial”.
Tal iniciativa desembocará, como se sabe, no projeto UNESCO de relações raciais, do
começo dos anos 1950. Por outro lado, será Donald Pierson quem implantará no país, a
partir de 1939, a sociologia das relações raciais, aqui em São Paulo, na Escola Livre de
Sociologia e Política. Foi Pierson o principal divulgador, entre nós, da sociologia moderna,
principalmente a sociologia de seus mestres e colegas de Chicago – Robert Park, Ernest
Burgess, Herbert Blumer, Louis Wirth, John Dollard, Franklin Frazier e muitos outros.

110
Contudo, apenas em 1942, Pierson publica, em Nova Iorque, Negroes in Brazil,
fruto de sua pesquisa de doutorado na Bahia, entre 1935 e 1937. No prefácio à edição
brasileira de 1945, Arthur Ramos registra a novidade de um trabalho sociológico,
sistemático e em profundidade, para estudar as “relações raciais” que se desenvolvem
numa comunidade.

Essa mudança fora gestada nos Estados Unidos desde os anos 1910, quando os
primeiros cientistas sociais negros americanos, seguindo Franz Boas, desfizeram-se da
armadilha da definição biológica de “raça”, que explicava a condição social dos negros a
partir da hipótese de sua inferioridade inata, para realçarem, analisarem e discutirem a
heterogeneidade social, política e cultural do meio negro, concentrando-se na hipótese
de que a discriminação racial era o principal obstáculo para o progresso social, político
e cultural dos negros naquele país (Williams Jr., 1996). A outra vertente boasiana, aquela
desenvolvida por Herskovits em seus estudos de aculturação, fora paulatinamente
marginalizada pela sociologia que faziam os intelectuais negros, mais interessados em
realçar as oportunidades e as condições de vida como determinantes da situação social
e das atitudes pessoais e coletivas, em detrimento de fenômenos culturais.

De fato, para esses intelectuais, entre os quais podemos citar Du Bois, Monroe
Work, Brooker Washington, Alain Locke, entre outros, o transpasse do paradigma de
raça em Boas significava afirmar que as diferenças raciais (biológicas), ainda que não
inteiramente negadas, não poderiam ser responsabilizadas nem pela falta de integração
do negro nas sociedades americanas nem pelo seu desempenho inferior em relação
ao branco. Os fatores explicativos mais importantes para ambos os fenômenos seriam,
ao contrário, o preconceito, a discriminação e a segregação raciais. A explicação pela
“cultura”, que segundo Herskovits poderia ser um fator condicionante das dificuldades da
integração, adquirira, nos anos 1940, um caráter “conservador”, que só foi ultrapassado
depois dos anos 1960, quando a política de identidade passou a ser o principal foco do
ativismo negro.

A agenda de pesquisa que Pierson levou para a Bahia em 1935, como aluno de
doutorado em Chicago, sob a orientação de Robert Park, incorporava já a preocupação
principal com a integração e a mobilidade social dos negros, a hipótese de que o
preconceito racial seria o principal obstáculo a esta integração, em detrimento dos
aspectos de aculturação, conforme os ensinamentos de Park, que teorizou o ciclo da
assimilação social.

Quando Park introduz o livro de Pierson ao público americano é muito claro em


apontar o significado do Brasil como laboratório de relações raciais:

Fato que torna interessante a “situação racial” brasileira é que, tendo


uma população de cor proporcionalmente maior que a dos Estados
Unidos, o Brasil não tem “problema racial”. Pelo menos é o que se pode
inferir das informações casuais e aparentemente desinteressadas de
visitantes desse país que indagaram sobre o assunto [referindo-se a
James Bryce e Theodore Roosevelt] (PARK, 1971, p. 83).

111
Entretanto, Pierson já encontrou aqui, entre os acadêmicos brasileiros, uma
história social do negro, desenvolvida por Gilberto Freyre, que fizera da miscigenação
e da ascensão social dos mulatos as pedras fundamentais de sua compreensão da
sociedade brasileira. Ou seja, para ser mais claro, eram fatos estabelecidos, já em 1935,
pelo menos entre os intelectuais modernistas e regionalistas, que: (a) o Brasil nunca
conhecera o ódio entre raças, ou seja, o “preconceito racial”; (b) as linhas de classe não
eram rigidamente definidas a partir da cor; (c) os mestiços se incorporavam lenta mas
progressivamente à sociedade e à cultura nacionais; (d) os negros e os africanismos
tendiam paulatinamente a desaparecer, dando lugar a um tipo físico e a uma cultura
propriamente brasileiros.

O quanto essas crenças provinham mais de desejos do que de realidades,


refletindo mais ideais do que práticas, notou-o também Park, na mesma introdução,
ainda que reconhecesse se tratar de uma ideologia nacional.

O fato é que Arthur Ramos tinha razão: as ideias de Chicago chegaram à


Bahia depois das de Herskovits, e se este pode ser incorporado facilmente à tradição
inaugurada por Nina Rodrigues, Pierson, no que pese ter sido antecedido pela história
social de Freyre, iniciava uma nova sociologia que apenas nos anos 1950 seria retomada.

Seria, todavia, enganoso se eu não apontasse o quanto da antiga problemática


permanecia no novo método e nas novas teorias de Pierson, presente principalmente
na ideia de raça (que permitia que os mestiços fossem às vezes sub-repticiamente
tratados como negros) e na manutenção de explicações historicistas. Ora, o método
historicista de explicação se confunde com o de estabelecimento de verdades
fundacionais, e Pierson, ao utilizá-lo, acaba por bater três pilares: (a) a existência
original de raças diferentes; (b) a mistura racial ou miscigenação; (c) a mobilidade
social de mestiços. Pierson atribui esta última à inexistência do preconceito de raça
que, facultando a miscigenação, explicaria a ascensão social dos mestiços. Restava,
portanto, para entender os preconceitos de fato existentes, aquilo que ele chamou de
preconceito de classe. Nem mesmo a rígida estrutura de desigualdades na distribuição
de riquezas entre brancos e negros pode contrariar o historicismo, que vê as diferenças
como resultado de pontos de partida diferentes e trata os mestiços embranquecidos
como negros que ascenderam socialmente.

A esse respeito, há que se fazer justiça a Arthur Ramos, quando, introduzindo o


livro de Pierson ao público brasileiro, em 1945, avança a hipótese de trabalho de que os
estudos da UNESCO se valerão anos depois:

Estas conclusões podem ser comparadas com as do professor negro


Frazier, (...) que também nos visitou recentemente, e que verificou
a existência de um “preconceito de cor” que deveria ser distinto
do “preconceito de raça”. É um assunto aberto à discussão se este
preconceito ligado à cor negra mais carregada coincide ou não com o
status social e econômico mais baixo, o que as pesquisas de Pierson
nos levam a admitir (RAMOS, 1971, p. 96).

112
Em outras palavras: se não existia preconceito racial entre nós – tal como Blumer
(1939) o definia –, existiria preconceito de cor – tal como definido por Frazier (1942)? Ou
teríamos apenas preconceito de classe, como queria Pierson? Lembremo-nos de que o
preconceito racial é entendido, na sociologia de então, a partir do paradigma de Herbert
Blumer, como fundamentalmente um processo coletivo, que opera pelos “meios públicos
em que indivíduos que são aceitos como porta-vozes de um grupo racial caracterizam
publicamente um outro grupo racial”, definindo, neste processo, seu próprio grupo. Para
Blumer, isso equivale a colocar ambos os grupos em relação recíproca, definindo suas
respectivas posições sociais. São quatro os sentimentos que, segundo Blumer, estarão
sempre presentes no preconceito racial do grupo dominante: (a) de superioridade; (b) de
que a raça subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena; (c) de monopólio sobre
certas vantagens e privilégios; e (d) de medo ou suspeita de que a raça subordinada
deseje partilhar as prerrogativas da raça dominante.

FONTE: Adaptado de <https://www.scielo.br/j/ra/a/B8QfF5wgK3gzDNdk55vFbnB/abstract/?lan-


g=pt>. Acesso em: 10 fev. 2022.

113
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A antropologia rural tem a ver com o estudo das condições de vida das populações
rurais.

• Trabalhadores da agricultura orgânica, agricultura familiar e de movimentos sociais


rurais como o MTST são fundamentais para os estudos em antropologia rural.

• A antropologia rural tem como um dos seus focos principais a interdependência


entre o desenvolvimento da cidade e o trabalho das pessoas que vivem no campo.

• A antropologia urbana tem a ver com o estudo das relações e dos espaços das
grandes cidades.

• A antropologia urbana, ao contrário da antropologia clássica, leva em consideração


regiões próximas e urbanas como objetos de estudo.

• Um dos principais focos da antropologia urbana é a cultura popular e o lazer nas


grandes cidades, levando em consideração as relações sociais que derivam disso.

• A antropologia da mídia tem a ver com o estudo da comunicação social entre as


pessoas, bem como das redes sociais.

• Atualmente, as mídias digitais e as redes sociais também são usadas como meio
para pesquisas de campo em antropologia.

114
AUTOATIVIDADE

1 A antropologia da mídia pode ser considerada uma nova área dos estudos
antropológicos que surgiu na década de 1990 nos EUA. No Brasil, ela vem sendo
difundida aos poucos e a pandemia colaborou para isso, já que a internet e as redes
sociais começaram a ser mais utilizadas para as pesquisas etnográficas. Sobre a
antropologia da mídia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A antropologia da mídia possui como seu objeto principal a análise de redes


sociais como o Facebook e o Instagram.
b) ( ) A antropologia da mídia possui como seu objeto principal a análise dos meios de
comunicação social, incluindo ou não o uso das redes sociais.
c) ( ) A antropologia da mídia possui como seu objeto principal a análise de regiões
afastadas.
d) ( ) A antropologia da mídia possui como seu objeto principal as pesquisas
etnográficas decorrentes da pandemia.

2 A antropologia rural pode ser aproximada da etnologia indígena, tendo em vista que
ambas estão voltadas para a compreensão das populações mais negligenciadas
diante da sociedade envolvente. Com base nas informações sobre os objetos de
estudo da antropologia rural, analise as sentenças a seguir:

I- Os objetos de estudo da antropologia rural incluem os indígenas, caboclos e


agricultores que vivem afastados dos grandes centros urbanos.
II- Movimentos sociais rurais como o agronegócio são estudados pelos pesquisadores
da antropologia rural.
III- As condições de vida dos trabalhadores da agricultura familiar são importantes em
termos de antropologia rural.
IV- A agricultura familiar tem como base a luta pela reforma agrária.
V- A agricultura orgânica tem como pré-requisito legislativo a área inferior a quatro
módulos fiscais.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença III está correta.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças IV e V estão corretas.

115
3 A antropologia urbana pode também ser considerada uma antropologia dos espaços
urbanos, já que um dos seus principais focos é o espaço em que acontecem as
relações sociais da cidade. De acordo com esse pressuposto, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os pesquisadores em antropologia urbana tem como principal foco o tempo que as


pessoas passam trabalhando fora de casa.
( ) Os pesquisadores em antropologia urbana consideram objetos como cultura
popular e lazer nos espaços urbanos para seus estudos.
( ) Os pesquisadores em antropologia urbana prezam pela distinção entre o espaço da
rua e espaço da casa para suas análises.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – V – V.

4 Podemos afirmar que antropologia rural é um campo de estudos antropológicos que


parte da distinção entre natureza e cultura, assim como a distinção entre campo
e cidade. Considerando a dinâmica de reprodução e desenvolvimento das grandes
metrópoles, o que depende diretamente da organização dos trabalhadores rurais,
a antropologia rural é importante para pensarmos nos modos de vida atuais. Nesse
sentido, disserte sobre o objeto de estudo da antropologia rural, tendo em vista o
contexto brasileiro.

5 A antropologia urbana é uma vertente da antropologia baseada no estudo das grandes


metrópoles, como São Paulo. É comum que os pesquisadores em antropologia sejam
nascidos e criados em cidades grandes. Contudo, o objeto de estudo da antropologia
clássica é um “outro” de regiões afastadas. Nesse sentido, disserte sobre o objeto de
estudo da antropologia urbana e por qual motivo ela é considerada uma vertente da
antropologia.

116
REFERÊNCIAS
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Social – USP, v. 21, n. 1, junho 2009, p. 187-210.

118
UNIDADE 3 —

O CAMPO DA
ANTROPOLOGIA
BRASILEIRA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a respeito da formação de antropólogos no Brasil;

• entender o trabalho e o estudo acadêmico do antropólogo de campo;

• compreender o trabalho e o estudo acadêmico do antropólogo de gabinete;

• analisar os conceitos de modernidade e pós-modernidade no contexto brasileiro;

• definir o conceito de multiculturalismo, tendo em vista a pluralidade cultural e étnica


no Brasil;

• conhecer as abordagens da antropologia multiespécie;

• entender o debate atual sobre as doenças infecciosas e o agronegócio no Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar
o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PANORAMA DA GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA NO


BRASIL
TÓPICO 2 – TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE ANTROPOLOGIA NO BRASIL I: GLOBALIZAÇÃO
CULTURAL
TÓPICO 3 – TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE ANTROPOLOGIA NO BRASIL II: ANTROPOCENO
E BRASIL PÓS-PANDEMIA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

119
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

120
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
PANORAMA DA GRADUAÇÃO
E PÓS-GRADUAÇÃO EM
ANTROPOLOGIA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, abordaremos como pode ser realizada a formação em antropologia
no Brasil. Mas para que você entenda mais sobre isso, vamos pensar a respeito do
caminho que os antropólogos percorreram no Brasil desde a consolidação da disciplina
no nosso país.

Em seguida, vamos refletir sobre o trabalho do antropólogo em campo. Depois


que aprender mais sobre a formação em antropologia, vamos compreender quais são
as principais atividades dos antropólogos que fazem pesquisas de campo com grupos
sociais.

Por fim, conheceremos mais a respeito do antropólogo que chamamos de


“gabinete”. Ainda que seja comum afirmar que a parte principal do trabalho antropológico é
a pesquisa de campo, repassaremos algumas atividades importantes dos pesquisadores
no gabinete, que permitem a organização de todo o material recolhido no campo.

2 FORMAÇÃO EM ANTROPOLOGIA NO BRASIL


Depois de percorrermos alguns dos principais temas da antropologia brasileira
nas unidades anteriores, agora vamos pensar mais sobre os caminhos de formação que
os antropólogos podem percorrer! Antes de qualquer coisa, se você tem interesse em
se aprofundar nos conhecimentos antropológicos, um passo importante é conhecer as
possibilidades de graduação nessa área. Existem inúmeras universidades públicas e
privadas que oferecem cursos de graduação em Antropologia.

NOTA
Não existem tantos cursos de graduação em Antropologia no Brasil
reconhecidos pelo MEC. Isso se deve ao fato de que, nos cursos de graduação,
é mais comum que a disciplina da antropologia apareça como uma das áreas
do curso de graduação em Ciências Sociais.

121
Do mesmo modo, também encontramos, no Brasil, várias universidades
públicas e privadas que disponibilizam cursos de pós-graduação e especialização em
Antropologia, ou mesmo cursos livres, como é o caso da UNIASSELVI.

De acordo com a pesquisadora Daniela Cordovil (2008), ora antropóloga da


Secretaria da Justiça e Direitos Humanos do Pará, a antropologia passou a ser praticada
no nosso país no fim do século XIX. Nesse período, os estudiosos de antropologia
percorriam uma formação autodidata. Havia associações em que esses estudiosos se
reuniam para trocar informações, contando também com o apoio de materiais vindos
da Europa.

INTERESSANTE
O antropólogo Nina Rodrigues, que já conhecemos anteriormente na nossa
disciplina, foi um desses primeiros estudiosos de antropologia no Brasil.

Cordovil (2008) também enfatiza o fato de que o processo de formação dos


antropólogos no Brasil mudou muito desde o século XIX. Enquanto naquela época o
estudo autodidata era o principal caminho a ser percorrido, hoje encontramos mais
possibilidades! A partir do século XX, foram criadas as primeiras universidades no Brasil.
Logo, as carreiras de pesquisas científicas passaram a ser oficializadas, incluindo a
disciplina da antropologia.

Nesse sentido, Cordovil (2008) cita o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss,


que teve importância na organização dos estudos antropológicos na Universidade de
São Paulo (USP):

As condições de vida e de trabalho do antropólogo o excluem


fisicamente do seu grupo durante longos períodos. Devido à violência
das mudanças a que ele se expõe, adquire uma espécie de desapego
crônico: nunca mais em nenhuma parte voltará a sentir-se em sua
casa, ficará psicologicamente mutilado. Como a matemática ou a
música, a etnografia constitui uma dessas raras vocações autênticas,
alguém pode descobri-la em si mesmo, ainda que não lhe tenham
ensinado (LÉVI-STRAUSS, 1996 apud CORDOVIL, 2008, p. 2).

A passagem do texto de Lévi-Strauss mencionada traduz um pouco sobre o


que os antropólogos passam ao longo de sua carreira, principalmente no caso daqueles
que escolhem realizar etnografias em regiões afastadas. Assim, os que optam por se
aprofundar em caminhos como o da etnologia indígena, sabem que terão que lidar com
algumas dessas dificuldades em sua formação.

122
DICA
Se quiser saber mais sobre o trabalho de Lévi-Strauss, que é uma das maiores
referências para os antropólogos brasileiros, sugerimos que leia o texto Tristes
Trópicos, no qual o autor relata sobre os indígenas do Brasil Central. Disponível
em: https://docero.com.br/doc/8c8551.

De certo modo, podemos dizer que a formação em antropologia pressupõe


algumas habilidades consideradas inatas, ou seja, aquelas que não podem ser adquiridas
mediante os estudos, e outras habilidades que podem ser adquiridas mediante os
estudos.

Essas primeiras habilidades inatas estão relacionadas àquilo que Lévi-Strauss


entende pelas vocações autênticas que alguém descobre em si mesmo sem que
ninguém o tenha ensinado. Isso tem a ver com os processos psicológicos que as pessoas
que realizam longas etnografias em lugares afastados passam, como comenta o autor.

Já as outras habilidades passam pelos estudos antropológicos e pelas teorias


que fundamentam a disciplina, sendo que podem ser adquiridas pelas pessoas que
tenham acesso a esse material com a capacidade necessária para sua compreensão.

IMPORTANTE
É importante termos em mente que a formação do antropólogo passa tanto
pelo estudo qualitativo quanto pelo estudo quantitativo. Enquanto o estudo
quantitativo tem a ver com cálculos matemáticos e estatísticas, o estudo
qualitativo tem a ver com a análise de resultados individuais dos participantes
da pesquisa de modo mais descritivo.

Especificamente, na década de 1930, que a carreira em antropologia foi


consolidada em nível institucional. No começo da difusão da disciplina, os primeiros
estudiosos ainda costumavam buscar seus títulos acadêmicos em outros países que
não no Brasil. Somente depois de 1965, ano que marcou o nascimento dos programas
de pós-graduação no nosso país, os antropólogos brasileiros passaram a conseguir
esses títulos sem precisarem ir ao exterior (CORDOVIL, 2008).

Cordovil (2008) também comenta que o primeiro programa de pós-graduação


em antropologia no Brasil foi criado em 1968 no Museu Nacional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) exposto na imagem a seguir:

123
FIGURA 1 – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://bit.ly/3djzyks>. Acesso em: 16 jun. 2022

Depois, também foram criados os mestrados em antropologia na Universidade


de Brasília (UnB) e na Universidade de Campinas (Unicamp) em 1972.

FIGURA 2 – UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FONTE: <https://bit.ly/3JEXrin>. Acesso em: 16 jun. 2022

FIGURA 3 – UNIVERSIDADE DE CAMPINAS

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Feq_unicamp.jpg>. Acesso em: 16 jun. 2022

124
Sobre a formação do antropólogo no Brasil, Cordovil (2008, p. 2-3) também
aponta que:

A criação destes programas chama atenção para o fato de que antes


da antropologia ser percebida e ensinada como uma disciplina do
curso de graduação em Ciências Sociais, a formação do Antropólogo
foi vista como algo que se atingem apenas quando o estudante obtém
o título de mestre. Tanto que para ingressar na Associação Brasileira
de Antropologia, criada em 1952 é preciso ter, minimamente, o nível
de mestre. Atualmente existem 16 programas de pós-graduação em
antropologia em todo o Brasil e são formados anualmente centenas
de mestres e doutores em antropologia. O modelo de formação de
antropólogos em nível de pós-graduação destina-se à formação de
quadros intelectuais capacitados para a pesquisa e ensino, portanto,
é natural que o processo seja lento e desgastante. No seu início, na
década de 1970 e 80, levava-se em média 4 anos para concluir o
mestrado e 6 para finalizar o doutorado. Atualmente, depois de um
intenso esforço das agências de fomento esse tempo vem baixando
para 2 anos, o mestrado, e 4 anos o doutorado, sob protestos de
discentes e professores.

Em suma, podemos concluir que a formação do antropólogo depende de uma


formação teórica aprofundada que normalmente é alcançada em nível de mestrado.
Já a formação posterior seria em nível de doutorado, no qual o estudioso vivencia a
metodologia antropológica na prática em sua própria pesquisa. Nas palavras da autora:

É consenso entre os docentes de antropologia que para se tornar


antropólogo é preciso passar por um intenso período de formação
teórica, geralmente obtida durante o mestrado, onde o estudante
deve ter contanto com o maior número possível de monografias
clássicas, as chamadas etnografias, e conhecer as diferentes
escolas da antropologia. Diferente da sociologia, que reconhece
unanimemente seus três pais fundadores, os antropólogos possuem
uma variedade de contribuições de diferentes escolas, cada uma com
seus autores de referência. Para conhecer cada uma delas é preciso
que o aspirante a antropólogo tome contato com as etnografias
produzidas por essas escolas e de certa forma visite através da
leitura seus diferentes campos etnográficos. Reconhece-se que só
lendo etnografia será possível realizar uma boa etnografia. A outra
parte da formação do antropólogo, posta em prática geralmente
em nível de doutorado, é quando ele realiza seu próprio trabalho de
campo e vivencia todos os dilemas metodológicos da antropologia,
produzindo finalmente sua própria pesquisa. Este modelo clássico
de formação de certa forma é transposto em miniatura na formação
do graduado, que vem a cursar as universidades onde existe uma
habilitação em antropologia dentro do curso de ciências sociais...
(CORDOVIL, 2008, 4-5).

Assim, retomando o que comentamos no início desse tópico, para pensarmos


na formação tradicional de um antropólogo, é inevitável pensarmos também no trajeto
da graduação e da pós-graduação, tendo em vista mestrado e doutorado.

125
3 O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO EM CAMPO
De acordo com Roberto Cardoso de Oliveira (1996), o trabalho do antropólogo
consiste, sobretudo, em três atos: olhar, ouvir e escrever. No que diz respeito ao
trabalho do antropólogo em campo em especial, podemos considerar que os atos mais
preliminares são o olhar e o ouvir! Ora, vamos entender isso melhor.

ESTUDOS FUTUROS
O ato de escrever, que também faz parte do trabalho de campo, como
podemos observar nos chamados “diários de campo” dos antropólogos, pode
ser considerado um ato seguinte ao olhar e ouvir. Para fins de organização,
pensaremos mais a respeito desse ato de escrever no tópico seguinte quando
tratarmos do trabalho do antropólogo no gabinete.

Conforme aponta Cardoso de Oliveira (1996), a primeira experiência do


antropólogo quando realiza sua pesquisa de campo é olhar. Os profissionais dessa área
que estudaram as teorias antropológicas chegam em campo carregados de conceitos
que moldam o modo de olhar para seus objetos de pesquisa.

NOTA
O termo “objetos de pesquisa” para se referir aos povos afastados pelos
antropólogos merece uma ressalva: apesar de serem nomeados como
“objetos”, precisamos ter em mente que são pessoas e grupos vivos que
possuem seus modos de viver particulares e devem ser tratados com respeito
e não somente como “objetos” de estudo!

Nas palavras de Cardoso de Oliveira (1996, p. 16):

Imaginemos um antropólogo iniciando uma pesquisa junto a um


deter- minado grupo indígena e entrando numa maloca, uma moradia
de uma ou mais dezenas de indivíduos, sem ainda conhecer uma
palavra do idioma nativo. Essa moradia de tão amplas proporções
e de estilo tão peculiar, como, por exemplo, as tradicionais casas
coletivas dos antigos Tükúna do Alto Solimões, no Amazonas, teria
o seu interior imediatamente vasculhado pelo “Olhar etnográfico”,
por meio do qual toda a teoria que a disciplina dispõe relativamente
às residências indígenas passaria a ser instrumentalizada pelo
pesquisador, isto é, por ele referida. Nesse sentido, o interior da
maloca não seria visto com ingenuidade, como uma mera curiosidade
diante do exótico, porém com um olhar devidamente sensibiliza-

126
do pela teoria disponível. Tendo por base essa teoria, o observador
bem preparado, enquanto etnólogo, iria olhá-la como um objeto de
investigação previamente já construído por ele, pelo menos numa
primeira prefiguração: passaria, então, a contar os fogos (pequenas
cozinhas primitivas), cujos resíduos de cinza e carvão indicariam
que em torno de cada um deles estiveram reunidos não apenas
indivíduos, porém “pessoas”, portanto “seres sociais”, membros de
um único “grupo doméstico”; o que lhe daria a informação subsidiária
que pelo menos nessa maloca, de conformidade com o número de
fogos, estaria abrigada uma certa porção de grupos domésticos,
formados por uma ou mais famílias elementares e, eventualmente,
de indivíduos “agregados” (originários de outro grupo tribal). Saberia,
igualmente, a totalidade dos moradores (ou quase) contando as redes
dependuradas nos mourões da maloca dos membros de cada grupo
doméstico. Observaria, também, as características arquitetônicas da
maloca, classificando-a segundo uma tipologia de alcance planetário
sobre estilos de residências, ensinada pela literatura etnológica
existente.

Esse exemplo tratado pelo autor nos mostra bem como seria o ato de olhar
realizado pela pesquisadora ou pelo pesquisador. Em poucas palavras, quando um
antropólogo chega em campo, ele passa a observar por meio do olhar tudo que o cerca,
nos mínimos detalhes, sendo que esse é o ponto de partida para qualquer trabalho de
campo!

Além disso, considerando que existem inúmeros escritos antropológicos, é


comum que os pesquisadores que chegam a campo já tenham estudado previamente
sobre o grupo que é seu objeto de estudo. Dessa forma, os pesquisadores ainda podem
comparar o que estudaram sobre o grupo e o que estão vendo naquela realidade
particular, marcando as similaridades, diferenças e mudanças que o grupo sofreu ao
longo do tempo.

Depois dessas primeiras observações em silêncio, os antropólogos costumam


recorrer ao segundo ato apontado por Cardoso de Oliveira (1996), que é o ouvir. Contudo,
é quase impossível dissociar o ato do ver ao ato de ouvir, pois ambos andam lado a
lado na pesquisa de campo. De certo modo, o ato de ouvir complementa o ato de ver!
Quando o ato de olhar não é mais suficiente para chegar a conclusões, o ato de ouvir
é capaz de dar mais sentido às práticas observadas na medida em que os nativos
oferecem explicações. Assim, o ato de ouvir está baseado, sobretudo, na prática de
realizar entrevistas.

Nas palavras de Cardoso de Oliveira (1996, p. 19):

Imaginemos uma entrevista por meio da qual o pesquisador sempre


pode obter informações não alcançáveis pela estrita observação.
Sabemos que autores como Radcliffe-Brown sempre recomendaram
a observação de rituais para estudarmos sistemas religiosos. Para
ele, "no empenho de compreender uma religião devemos primeiro
concentrar atenção mais nos ritos que nas crenças" (Radcliffe-
Brown, 1973). O que significa dizer que a religião podia ser mais

127
rigorosamente observável na conduta ritual por ser ela "o elemento
mais estável e duradouro" se a compararmos com as crenças. Porém
isso não quer dizer que mesmo essa conduta, sem as idéias que a
sustentam, jamais poderia ser inteiramente compreendida. Descrito
o ritual, por meio do Olhar e do Ouvir (suas músicas e seus cantos),
faltava-lhe a plena compreensão de seu "sentido" para o povo que o
realizava e a sua "significação" para o antropólogo que o observava
em toda sua exterioridade. Por isso, a obtenção de explicações,
dada pelos próprios membros da comunidade investigada, permitiria
se chegar àquilo que os antropólogos chamam de "modelo nativo",
matéria-prima para o entendi- mento antropológico. Tais explicações
nativas só poderiam ser obtidas por meio da "entrevista", portanto, de
um Ouvir todo especial. Mas, para isso, há de se saber Ouvir.

Ainda de acordo com Cardoso de Oliveira (1996), o ato de ouvir está diretamente
relacionado ao método de pesquisa antropológico, conhecido como observação
participante. A partir desse método, o antropólogo passa a participar ativamente da
realidade do grupo em questão de modo que podem interagir “de igual para igual” com
aquele povo e assim obter conclusões mais assertivas.

4 O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO NO GABINETE


Depois de entendermos mais sobre o trabalho do antropólogo em campo, que
é marca da tradição antropológica, vamos pensar sobre o trabalho do antropólogo no
chamado gabinete. Roberto Cardoso de Oliveira (1996) comenta que os atos de olhar e
ouvir que vimos no item anterior compõem, sobretudo, o trabalho de campo. Já o ato
de escrever, que corresponde ao produto final do trabalho de campo, é a etapa final do
fazer antropológico segundo o autor.

Cardoso de Oliveira (1996) cita o importante antropólogo estadunidense Clifford


James Geertz para tratar dessa etapa final. Geertz dividiu duas etapas da investigação
antropológica, sendo a primeira entendida como um “estando lá” e a segunda, como um
“estando aqui”. Ou seja, esse “estando lá” diz respeito ao trabalho de campo propriamente
dito, e esse “estando aqui” é exatamente a experiência do gabinete.

DICA
Se quiser saber mais sobre o trabalho de Geertz nesse sentido, o que é uma
grande referência para os feitos da antropologia brasileira, sugerimos que leia
seu texto intitulado Trabalhos e vidas: o antropólogo como autor. Disponível
em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1364.

128
Vamos ver como Cardoso de Oliveira (1996, p. 22) trata o tema em suas palavras:

Mas se o Olhar e o Ouvir podem ser considerados como os atos


cognitivos mais preliminares no trabalho de campo (trabalho que os
antropólogos se acostumaram a se valer da expressão inglesa fieldwork
para denominá-lo), é seguramente no ato de Escrever, portanto
na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do
conhecimento se torna tanto ou mais crítica. Um livro relativamente
recente de Clifford Geertz, Trabalhos e vidas: o antropólogo como
autor, infelizmente, ao que eu saiba, ainda não traduzido para o
português, oferece importantes pistas para desenvolvermos esse
tema. Geertz parte da ideia de separar e, naturalmente, avaliar, duas
etapas bem distintas na investigação empírica: a primeira, que ele
procura qualificar como a do antropólogo "estando lá" (being there),
isto é, vivendo a situação de estar no campo; e a segunda, que
se seguiria àquela, corresponderia à experiência de viver, melhor
dizendo, trabalhar "estando aqui" (being here), a saber, bem instalado
em seu gabinete urbano, gozando o convívio com seus colegas e
usufruindo tudo o que as instituições universitárias e de pesquisa
podem oferecer. Nesses termos, o Olhar e o Ouvir seriam parte da
primeira etapa, enquanto o Escrever seria parte inerente da segunda.

Como comentamos no item anterior, também é comum que os antropólogos


tenham o chamado “diário de campo” para fazerem suas anotações no ambiente do
campo. Depois dos atos de ver e ouvir, ou seja, depois das observações obtidas a partir
da visão e das conversas e entrevistas realizadas com os interlocutores em campo, os
pesquisadores escrevem as informações obtidas nos seus diários de campo.

FIGURA 4 – PESSOA ESCREVENDO EM DIÁRIO

FONTE: <https://bit.ly/3zJ6WIG>. Acesso em: 16 jun. 2022

Logo, a produção do diário de campo também faz parte do ato de escrever.


Contudo, o ato de escrever o trabalho final a partir do que foi experimentado em campo,
é um ato próprio do que Cardoso de Oliveira (1996) entende pelo gabinete! Nas palavras
de Cardoso de Oliveira (1996, p. 22-23):

129
Devemos entender, assim, por Escrever o ato exercitado por
excelência no gabinete, cujas características o singularizam de
forma marcante, sobretudo quando o compararmos com o que se
escreve no campo, seja ao fazermos nosso diário, seja nas anotações
que rabiscamos em nossas cadernetas. E se tomarmos ainda Geertz
por referência vemos que, na maneira pela qual ele encaminha suas
reflexões, é o Escreve aqui", portanto fora da situação de campo, que
cumpre sua mais alta função cognitiva. Por quê? Devido ao fato de
iniciarmos propriamente no gabinete o processo de textualização dos
fenómenos socioculturais observados "estando lá". Já as condições
de textualização, i.e., de trazer os fatos observados (vistos e ouvidos)
para o plano do discurso, não deixam de ser muito particulares e
exercem, por sua vez, um papel definitivo tanto no processo de
comunicação interpares (i.e., no seio da comunidade profissional),
quanto no de conhecimento propriamente dito. Mesmo porque há
uma relação dialética entre o comunicar e o conhecer, uma vez
que ambos partilham de uma mesma condição: a que é dada pela
linguagem. Embora essa linguagem seja importante em si mesma,
como tema de reflexão, haja vista aquilo que poderíamos chamar de
"guinada lingüística" (ou linguistics turn), que perpassa atualmente
tanto a filosofia como as ciências sociais, o aspecto que desejo
tratar aqui, se bem que de modo muito sucinto, é unicamente o da
disciplina e de seu próprio idioma, por meio do qual os que exercitam
a antropologia (ou, mesmo, qualquer outra ciência social) pensam
e se comunicam. Alguém já escreveu que o homem não pensa
sozinho, num monólogo solitário, mas o faz socialmente, no interior
de uma "comunidade de comunicação" e "de argumentação"(Apel,
1985). Ele está, portanto, contido no espaço interno de um horizonte
socialmente construído (no caso o da sua própria sociedade e/ou de
sua comunidade profissional). Desculpando-me pela imprecisão da
analogia, diria que ele se pensa no interior de uma "representação
coletiva": expressão essa, afinal, bem familiar ao cientista social e
que, de certo modo, dá uma ideia aproximada daquilo que entendo
por "idioma" de uma disciplina.

Diante disso, também vale mantermos em mente a relação entre a escrita


antropológica e a autoridade do antropólogo. A escrita antropológica sempre é feita a
partir de um ponto de vista, ou melhor, a partir do ponto de vista do antropólogo que está
escrevendo. Isso pressupõe uma espécie de autoridade por parte desse pesquisador, na
medida em que a escrita vem carregada de conceitos próprios da antropologia e da visão
de mundo do próprio autor. Portanto, podemos afirmar que um escrito antropológico,
apesar de estar baseado em uma metodologia científica, nunca é neutro!

130
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A formação em antropologia no Brasil começou a partir do século XX, com a criação


das primeiras universidades no país.

• O trabalho do antropólogo pode ser resumido em olhar, ouvir e escrever.

• O ato de olhar antropologicamente consiste na observação dos elementos do grupo


social que é objeto de estudo.

• O ato de ouvir antropologicamente consiste na realização de conversas e entrevistas


com os interlocutores do grupo social que é objeto de estudo.

• O ato de escrever antropologicamente é o modo pelo qual o antropólogo sistematiza


o material recolhido em campo e é algo feito no “gabinete”.

131
AUTOATIVIDADE
1 Para pensarmos a respeito da formação em antropologia no Brasil, é inevitável
percorrermos um caminho histórico que conta com a criação das primeiras
universidades até a criação dos primeiros cursos de pós-graduação na área. Tendo
em vista esse contexto em nosso país, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Até o final do século XX, os estudiosos de antropologia no Brasil eram autodidatas.


b) ( ) O primeiro programa de pós-graduação em antropologia no Brasil foi criado na
década de 1960.
c) ( ) A Associação Brasileira de Antropologia foi criada na década de 1960.
d) ( ) O mestrado em antropologia na Universidade de Brasília foi criado na década de
1980.

2 O trabalho do antropólogo pode ser compreendido pela experiência de campo e


pelo trabalho realizado depois do campo, que está voltado para a sistematização do
trabalho na forma do escrito antropológico. Com base nessas etapas do trabalho do
antropólogo, analise as sentenças a seguir:

I- O ato de olhar antropologicamente tem a ver com a observação do grupo estudado


desde o contexto geral até os mínimos detalhes.
II- O ato de escrever antropologicamente acontece, sobretudo, durante o trabalho de
campo na forma de diário.
III- O ato de ouvir antropologicamente se dá por meio de entrevistas com o grupo
estudado.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os estudantes interessados nos saberes antropológicos podem recorrer aos cursos


de graduação em Antropologia e em Ciências Sociais. As universidades públicas e
particulares do Brasil oferecem essas oportunidades, sendo que estão espalhadas
pelas regiões do nosso país. Sobre as regiões que disponibilizam a graduação nessas
áreas, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

132
( ) As principais Universidades para cursar a graduação em Antropologia no sudeste
do Brasil são a UFF, a UFMG e a UFSCar.
( ) A região norte do Brasil não oferece possibilidade de graduação em Antropologia
em suas Universidades.
( ) As principais universidades que oferecem cursos de graduação em Ciências Sociais
no Brasil estão localizadas na região sudeste.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira tratou os atos mais preliminares


do trabalho do antropólogo em campo, que são olhar e ouvir. Tendo em vista esses dois
atos, disserte sobre como eles podem ser utilizados para a pesquisa antropológica a
partir do conhecimento do autor mencionado.

5 De acordo com Roberto Cardoso de Oliveira, o ato de escrever é algo que acontece,
sobretudo, depois da pesquisa realizada em campo. Nesse contexto, disserte sobre os
fundamentos da escrita antropológica a partir do pensamento desse autor.

133
134
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE
ANTROPOLOGIA NO BRASIL I:
GLOBALIZAÇÃO CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2, nós abordaremos alguns conceitos atuais fundamentais para os
pensadores da antropologia brasileira. Partiremos da noção de globalização no seu
sentido amplo para depois pensarmos nas questões de globalização cultural.

Depois, voltaremos nossa atenção para os estudos relacionados à modernidade


e à pós-modernidade. Esse campo do conhecimento tem a ver principalmente com o
estudo das consequências do capitalismo.

Em seguida, vamos entender um pouco sobre o multiculturalismo, tendo em


vista a diversidade cultural e étnica do Brasil. Entenderemos como o multiculturalismo
pode ser considerado uma consequência da globalização e por que isso é importante
para a luta pela igualdade na sociedade.

2 O QUE É GLOBALIZAÇÃO CULTURAL?

FIGURA 5 – BANDEIRAS

FONTE: <https://bit.ly/3Quslwc>. Acesso em: 16 jun. 2022.

135
Depois de aprendermos mais a respeito da formação e do trabalho das
antropólogas e dos antropólogos brasileiros, agora vamos entender mais sobre o
conceito de globalização cultural! Antes de qualquer coisa, para ficar claro o que é a
globalização cultural, vamos pensar mais a respeito do próprio conceito de globalização.

De acordo com o pesquisador brasileiro Gustavo Lins Ribeiro (2011), existem


diversos pensamentos antropológicos a respeito do conceito de globalização. Assim,
a preocupação de Ribeiro foi reunir essas perspectivas em torno do que ele chama de
uma Antropologia da Globalização. Vamos nos apoiar no trajeto desse pesquisador para
compreender o tema!

De acordo com Ribeiro (2011), existem duas definições básicas sobre o conceito
de globalização. A primeira definição tem a ver com a ampliação na circulação de coisas,
pessoas e informações numa escala global. Nas palavras do autor:

Primeiramente, penso a globalização como o aumento da circulação


de coisas, pessoas e informações em escala global. Estas
diferenciações são apenas analíticas. Muitas vezes as pessoas,
coisas e informações viajam juntas. Quero frisar que se trata de um
aumento, isto é, do incremento de vários processos que já existiam.
Assim, evita-se o primeiro, e talvez o mais primário, erro sobre a
globalização: considerá-la um processo que só existe a partir do
final do século XX. Na verdade, sem uma longa história de expansão
capitalista, algo que já havia sido indicado por Marx quando afirmava
que o horizonte do capital era o mundo, não existiria aquilo que,
ironicamente, denominei de “globalização realmente existente”
para me referir à existência, pós-queda do muro de Berlin (1989),
de um “capitalismo triunfante” sem barreiras e englobador de novos
mercados e territórios) (RIBEIRO, 2011, p. 7).

FIGURA 6 – REDE ENTRE PAÍSES

FONTE: <https://bit.ly/3vMCb4k>. Acesso em: 16 jun. 2022.

136
Já a segunda definição do conceito de globalização tratado pelo está relacionado
com uma verdadeira mistura das relações entre os lugares do mundo. Nas palavras de
Ribeiro (2011, p. 7):

A segunda definição de globalização relaciona-se com o


reembaralhamento das relações entre lugares. Globalização é o
aumento da influência do que não está aqui, aqui. Tal concepção,
ao mesmo tempo em que permite pensar o presente, mantém
seu caráter processual (estamos falando, de novo, do aumento de
intensidade de um processo) levando a considerar a história das
diferentes relações entre o próximo e o distante, entre “nosotros”
e “los otros”, fórmula que fica muito mais clara em espanhol. Por
exemplo, uma coisa eram os processos de mudanças econômicas,
políticas, tecnológicas, culturais e lingüísticas, causados pelo
comércio de longa distância estudado, digamos, pelos arqueólogos
no México pré-colombiano. Outra coisa são os fenômenos similares,
hoje, em um mundo encolhido (Ibidem).

ESTUDOS FUTUROS
A ideia de globalização, que gira em torno da raiz global, será importante para
entender a respeito do multiculturalismo adiante.

Agora que entendemos mais sobre a globalização em si, vamos, enfim, pensar
sobre a globalização cultural. Em poucas palavras, a globalização cultural tem a ver
com a influência da globalização sobre as culturas dos povos espalhados pelo globo.
Tomando a primeira definição de globalização consolidada por Ribeiro (2011), podemos
pensar antropologicamente a globalização, tendo em vista a circulação de coisas,
pessoas e informações.

DICA
Um texto muito importante com relação ao tema da globalização cultural,
que serve de referência para as antropólogas e os antropólogos brasileiros,
é intitulado Dimensões culturais da globalização, escrito pelo antropólogo
indiano Arjun Appadurai. Caso queira se aprofundar mais no tema, sugerimos
essa leitura! Disponível em: https://docero.com.br/doc/excexve.

No que diz respeito ao aumento da circulação de coisas, Ribeiro (2011) comenta


sobre a importância do mercado mundial como sendo o maior cenário para isso. De
acordo com o autor, o mercado é o lugar próprio para a conexão entre diferentes

137
“grupos étnicos, zonas ecológicas e locais de produção” (RIBEIRO, 2011, p. 12) a partir
das mercadorias de troca. Esse fenômeno, por sua vez, é uma marca do capitalismo
contemporâneo.

Conforme comenta o autor:

No que diz respeito ao incremento da circulação de objetos na


era da globalização, quis evitar realizar apenas uma etnografia da
disseminação de novos hábitos e itens de consumo. A pesquisa
etnográfica que propus, além de considerar este tópico, fazia-me
recordar diversas contribuições da antropologia brasileira relativas à
análise de mercados informais de trabalho, feiras, cultura e economia
popular (veja-se, por exemplo, Machado da Silva, 1971; Garcia, 1984).
Além disto, permitia retomar uma interface mais concreta e clássica
com a antropologia urbana através de diferentes vieses (estudos
de territórios urbanos, de categorias específicas de trabalhadores,
da dinâmica de sua economia), só que, desta vez, levando em
consideração o processo de globalização. Foi possível, então, lançar
luz sobre os processos de criação de um emergente pequeno
empresariado a partir de camadas populares, de comerciantes
seminômades modernos que manipulam os desejos de consumo e
as possibilidades de comercialização dos objetos e bugigangas que
simbolizam a modernidade para consumidores de classe média.
Revelaria, assim, uma poderosa e importante manipulação popular
das forças econômicas da globalização e difusão de mercadorias a
nível mundial (RIBEIRO, 2011, p. 13).

Nesse sentido, o importante geógrafo brasileiro Milton Santos (2010, p. 143-144,


amplamente citado por antropólogos, também pontua que:

Sem dúvida, o mercado vai impondo, com maior ou menor força,


aqui e ali, elementos mais ou menos maciços da cultura de massa,
indispensável, como ela é ao reino do mercado, e a expansão paralela
das formas de globalização econômica, financeira técnica e cultural.
Essa conquista, mais ou menos eficaz segundo os lugares e as
sociedades, jamais é completa, pois encontra a resistência da cultura
preexistente. Constituem-se, assim formas mistas sincréticas,
entre as quais, oferecida como espetáculo, uma cultura popular
domesticada associando a um fundo genuíno de formas exóticas
que incluem novas técnicas.

Já sobre a circulação de pessoas em nível da globalização cultural, Ribeiro


(2011) entende que é preciso levar em consideração principalmente as migrações
internacionais. O final do século XIX e início do século XX marcaram grandes níveis de
migração em nível global, o que o autor vê como um “encolhimento do mundo”. Essas
migrações permitem repensar as identidades sociais e étnicas, ou seja, permitem
repensar elementos fundamentais da cultura em termos de globalização.

Ribeiro (2011, p. 16) cita o exemplo dos bichos de obra para pensar nesse tema:

138
De fato, o estudo de migrações internacionais provê cenários
interessantes para pensar e repensar as teorias sobre identidades
sociais e étnicas. O estudo dos bichos de obra, em particular,
provou-se altamente profícuo. Eram pessoas expostas, ao longo
de toda a sua vida laboral, aos interesses e efeitos do capitalismo
transnacional. No caso concreto de Yacyretá, a segmentação étnica
do mercado de trabalho estava estruturada de tal forma que no
topo da pirâmide encontravam-se italianos que trabalhavam para
a empreiteira principal, responsável pela execução da obra. As
grandes empresas transnacionais da construção civil possuem
obras em desenvolvimento em diferentes países do mundo. Os seus
trabalhadores, sobretudo os técnicos especializados, são transferidos
de obra em obra em escala global. O conjunto das obras conforma
os circuitos migratórios dos grandes projetos. Os bichos de obra são
pessoas que entram no circuito migratório dos grandes projetos e nele
passam a viver permanentemente durante sua vida de trabalho ativo.
Mais ainda, como encontrei entre os trabalhadores especializados
de origem italiana casos de até terceira geração de pessoas que
vivem permanentemente vinculadas aos circuitos migratórios dos
grandes projetos em escala mundial, considerei como o bicho de
obra arquetípico a pessoa nascida e criada em acampamentos de
grandes obras pelo mundo afora e que assume estes circuitos e
acampamentos como definidores de suas identidades.

Por fim, Ribeiro (2011) relaciona o aumento da circulação de informações aos


cenários dos direitos humanos, do desenvolvimento e da diversidade cultural. Nesse
sentido, a globalização possui uma influência sobre os discursos globais de modo
que conecta as questões particulares a questões universais. Segundo o autor, essas
questões podem então ser negociadas democraticamente e provocam uma série de
novos conceitos. Nas palavras de Ribeiro (2011, p. 20-21):

Este exercício serviu de ponte para explorar as relações entre


diversidade cultural e outro discurso global, o do Patrimônio Cultural
da Humanidade. A definição de Patrimônio Cultural da Humanidade
depende do que se entenda por “valor universal excepcional”.
“Valor universal excepcional” define o quê (na verdade quem) é
universal e merece ser parte do patrimônio mundial, isto é, o quê/
quem transcende os confins de uma localidade e é capaz de ser
admirado por outros em uma economia simbólica global. Valor
universal excepcional é mais um exemplo da força ilocucionária
de alguns discursos. Cria reconhecimento em uma época na qual
abundam demandas por reconhecimento. As discussões sobre
“valor universal excepcional” não podem ser reduzidas à luta para
controlar uma definição abstrata, sem impacto, de universalidade. Ao
contrário, “valor universal excepcional” tornou-se uma questão a ser
debatida graças à sua força ilocucionária. É, na verdade, um artefato
taxonômico e artefatos taxonômicos, em geral, provocam efeitos
de poder que estruturam relações entre distintos atores coletivos.
É também um significante vazio e flutuante (Lévi-Strauss, 1973;
Laclau, 1994). Como não pode ser definido, a sua força ilocucionária
torna-se mais importante do que o seu significado. Finalmente, a
noção de “valor universal excepcional” congrega elites profissionais
e políticas, nacionais e transnacionais, ao redor de discursos sobre
que símbolos de identidades coletivas são mais legítimos para serem
disseminados em fluxos simbólicos nacionais e globais nos quais
abundam discursos globais sobre diversidade cultural.
139
3 MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

FIGURA 7 – VIADUTO EM SÃO PAULO

FONTE: <https://bit.ly/3BKtYBI>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Além da noção de globalização, também é importante entendermos mais sobre


o que significam os conceitos de modernidade e pós-modernidade. Em primeiro lugar,
devemos ter em mente que a modernidade foi marcada pelo surgimento do Iluminismo
na Europa nos meados do século XVIII. Portanto, a modernidade possui uma relação
direta com o crescimento do sistema capitalista em termos globais (ARAÚJO, 2007).

Tendo em vista que a modernidade nasceu com o Iluminismo, ela também é


fortemente marcada por uma era em que a razão é valorizada. O pesquisador brasileiro
José William Corrêa de Araújo (2007, p. 26-27) resume bem essa época nos seguintes
termos:

Modernidade é sinônimo de sociedade moderna ou civilização


industrial e está associada a um conjunto de atitudes perante o
mundo, como a ideia de que o mundo é passível de transformação
pela intervenção humana; um complexo de instituições econômicas,
em especial a produção industrial e a economia de mercado; toda
uma gama de instituições políticas, como o Estado nacional e a
democracia de massa; a primazia e a centralidade do indivíduo
e não, do grupo como sujeito de direitos e de decisões; o primado
da subjetividade; o pluralismo e a ideologia; a concepção linear de
história; a realimentação mútua entre ciência e tecnologia, com a
hegemonia de sua racionalidade própria; o predomínio cada vez maior
do simbolismo formal de cunho numérico-matemático (informática);
a pesquisa e industrialização em níveis diversos de qualidade
técnica (transformadora, inovadora, criadora); a burocratização e a
organização política da sociedade.

140
FIGURA 8 – INDÚSTRIAS

FONTE: <https://bit.ly/3QjPDES>. Acesso em: 10 mar. 2022.

ESTUDOS FUTUROS
A ideia de modernidade será importante para entender a relação entre o
multiculturalismo nas sociedades modernas no próximo item dos nossos
estudos.

Já a pós-modernidade é uma época que surgiu como uma superação da


modernidade. Ela veio para mostrar que ideais modernos tais como a razão, o progresso,
o nacionalismo, o capitalismo e mesmo o socialismo seriam fracassados e tenta romper
com tudo isso. Contudo, precisamos saber que o conceito de pós-modernidade não é
tão rígido e é mais difícil de ser definido com precisão, sendo até mesmo considerado
um conceito fluido (ARAÚJO, 2007).

Nesse contexto, o século XX marcou o declínio da modernidade e a chegada da


pós-modernidade. Acontecimentos globais como o nazismo na Europa mostraram que
os ideais modernos eram fracassados! Nas palavras de Araújo (2007, p. 71-72):

A Pós-Modernidade expressa o fracasso do Iluminismo racionalista


moderno, que levou o mundo às grandes ideologias de esquerda
e de direita, as quais quiseram, cada uma a seu modo, coagir
toda humanidade a aceitar suas “luzes”, mesmo com violências,
holocaustos e desumanidades. O século XX é o século do declínio
da Modernidade, mesmo sendo o das conquistas da técnica.
Nele, presenciou-se as violências extremas do nazifascismo, do
comunismo e mesmo do capitalismo liberal, o qual impôs a pobreza
e a miséria a centenas de milhões de pessoas pelo mundo afora.
Diante do fracasso dessas grandes ideologias, surge o agnosticismo
desencantado, sem arroubos por verdades absolutas e universais.
Este, se adapta bem ao pluralismo e ao individualismo vigentes

141
na grande sociedade, ao hedonismo do prazer imediato e fácil, ao
permissivismo comportamental e ético, e ao consumismo oferecido
pela nova ordem econômica mundial fundada na hegemonia do livre
mercado globalizado.

Enquanto a modernidade era marcada pelo capitalismo e pela produção


de mercadorias em massa, podemos dizer que a pós-modernidade é marcada pelo
aumento dos meios de comunicação de massa. Assim, elementos como a internet
foram intensificados e até mesmo passaram a contribuir para as demandas de consumo
de mercadorias na forma de propagandas. E não só mercadorias, mas a publicidade da
mídia passou a oferecer não somente mercadorias, mas também elementos culturais
como política e religião! “’Poder consumir’ acaba sendo traduzido como sinônimo de
participação, inserção social e até exercício de cidadania” (ARAÚJO, 2007, P. 49).

FIGURA 9 – CONSUMO

FONTE: <https://bit.ly/3QxW5bv>. Acesso em: 16 jun. 2022.

INTERESSANTE
O sociólogo francês Michel Maffesoli (apud VIEIRA, 2014), professor da
Universidade de Sorbonne, afirma que o Brasil é um “laboratório da pós-
modernidade”. De acordo com o autor, nosso país seria dotado de uma
criatividade da juventude brasileira, um foco no presente e uma rejeição ao
individualismo que seriam próprios dessa era pós-moderna!

Confira o quadro a seguir para organizarmos visualmente as diferenças entre a


modernidade e a pós-modernidade:

142
QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Modernidade Pós-modernidade
Redes de percepção e
Imprensa Audiovisual
conhecimento
Linha (história e Ponto (atualidade e
Figura do tempo
progresso) acontecimento)
Idade canônica O adulto O jovem
Logos (utopias, Imago (afetos e
Paradigma de atração
sistemas e programas) fantasmas)
Símbolo Sistemas (ideologias) Modelos (tecnologia)
Classe espiritual Inteligência laica Mídia (difusores e
(detentora do sagrado (professores e doutores) produtores)
social) O conhecimento A informação
O ideal (é necessário, é A performance (é
Referência legítima
verdade) necessário, funciona)
Motor de obediência A lei (dogmatismo) A opinião (relativismo)
Meio normal de influência A publicação A aparição
Estatuto do indivíduo Cidadão (a convencer) Consumidor (a seduzir)
Meio de identificação O herói A “star”
Li no livro (verdade Vi na TV (verdade como
Dicção da autoridade
como palavra impressa) uma imagem direta)
Regime de autoridade O legível (o fundamento O visível (o acontecimento
simbólica ou a verdade lógica) ou o verossímil)
O teórico ou o chefe O aritmético ou o líder
Unidade de direção social
(princípio ideológico) (princípio estatístico)
Centro de gravidade
A consciência O corpo
subjetiva
FONTE: <https://images.app.goo.gl/PfNKmU7Syp4LN3m28>. Acesso em: 10 mar. 2022

DICA
Por fim, sugerimos a leitura do texto Culturas híbridas: estratégias para entrar e
sair da modernidade, escrito pelo antropólogo argentino Néstor García Canclini,
que é uma grande referência para os antropólogos brasileiros.
FONTE: CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair
da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São
Paulo: EDUSP, 1997.

143
4 MULTICULTURALISMO

FIGURA 10 – MULTICULTURALISMO

FONTE: <https://bit.ly/3A5ka3S>. Acesso em: 10 mar. 2022.

Agora que entendemos um pouco mais sobre a globalização, a globalização


cultural, a modernidade e a pós-modernidade, podemos pensar a respeito do conceito
de multiculturalismo. Em termos gerais, o multiculturalismo tem a ver com uma espécie
de fusão entre as culturas que passaram a ter mais contato a partir da segunda metade
do século XX. A questão política que gira em torno do multiculturalismo é a justiça social
e a luta pela conquista de direitos para os grupos sociais considerados desprivilegiados
(MELO, 2015).

Ora, a justiça social e a luta por direitos, sejam eles sociais, políticos, econômicos
e mesmo culturais, fazem parte de uma luta maior pela igualdade. De acordo com o
importante sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, amplamente utilizado
como referência para os antropólogos brasileiros, o multiculturalismo significa “a
coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no
seio de sociedades ‘modernas’” (SANTOS; NUNES, 2003, p. 26).

Vamos ver o que aponta a pesquisadora brasileira Carolina Giordani Kretzmann


(2017, p. 14-15), estudiosa de Boaventura de Souza Santos:

Conforme Boaventura de Souza Santos e João Arriscado Nunes


(2003), multiculturalismo, justiça multicultural, cidadanias plurais
e direitos coletivos são algumas das expressões que definem
as tensões entre o reconhecimento da diferença e a realização
da igualdade, que estão no centro de lutas emancipatórias de
movimentos e grupos que reivindicam um novo ideal de cidadania e

144
a construção de um multiculturalismo emancipatório. Diante dessa
tensão, questionam os autores: Como é possível, ao mesmo tempo,
exigir que seja reconhecida a diferença, tal como ela se constituiu
através da história, e exigir que os “outros” nos olhem como iguais e
reconheçam em nós mesmos direitos de que são titulares?

Esse questionamento citado por Kretzmann nos faz retornar ao que foi
mencionado sobre a coexistência de diferentes culturas nas sociedades modernas.
Assim como o conceito de pós-modernidade, o conceito de multiculturalismo também
apresenta suas dificuldades na hora de ser definido. Contudo, a autora afirma que o
multiculturalismo passou a ser um conceito usado para “descrever as diferenças
culturais em um contexto transnacional e global” (KRETZMANN, 2017, p. 15).

FIGURA 11 – DIFERENÇAS RACIAIS

FONTE: <https://bit.ly/3Q9LpzY>. Acesso em: 16 jun. 2022.

DICA
Caso queira saber mais sobre a luta pela igualdade pautada no
multiculturalismo, sugerimos a leitura do texto Reconhecer para libertar: os
caminhos do cosmopolitismo multicultural, organizado por Boaventura de
Sousa Santos. Disponível em: https://wandersoncmagalhaes.files.wordpress.
com/2013/12/reconhecerparalibertar.pdf. Acesso em: 23 jun. 2022.

Tendo em vista o contexto da globalização, da modernidade e da pós-


modernidade apresentado anteriormente, podemos afirmar que o multiculturalismo se
encontra presente em todos os países que possuem algumas características específicas.
De acordo com Kretzmann, essas características seriam elencadas “por instituições
democráticas, por uma população heterogênea e por uma economia pós-industrial em
vias de globalização” (KRETZMANN, 2017, p. 15).

145
Dada a globalização, muitos dos países espalhados pelo mundo são considerados
multiculturais. Países como Canadá, México, Austrália, Brasil e mesmo países da Europa
possuem lutas multiculturais em torno da luta pelos direitos dos grupos à margem da
sociedade. Sobre os países americanos, Kretzmann (2017, p. 15-16) comenta que:

A luta multicultural está enraizada no processo histórico de


formação dos países americanos, que passaram por um processo
de conquista e colonização, seguido de uma política de assimilação
forçada e de eliminação da identidade dos povos que habitavam as
terras “descobertas”. Após o desaparecimento de grande parte da
população indígena brasileira e da verdadeira segregação dos povos
e culturas ditas “diferentes”, surge a consciência de que deve haver o
reconhecimento e o respeito a estes povos e às suas manifestações
culturais. [...] Percebe-se então, já no princípio da história da
colonização brasileira, a imposição e a opressão de uma cultura que
se queria hegemônica, assentando e definindo os contornos do que
hoje ainda persiste: a necessidade de afirmação étnica e cultural dos
grupos formadores do povo brasileiro.

Em resumo, o multiculturalismo está diretamente relacionado aos países


americanos e, em especial, ao Brasil. Na citação, percebemos que a palavra “descobertas”,
que se refere às terras colonizadas, está entre aspas e isso não é por acaso! No contexto
do Brasil, os antropólogos ativistas lutam para que a ideia do descobrimento caia por
terra. Isso porque, antes da chegada dos colonizadores, diversas etnias indígenas já
habitavam o território. Assim, o multiculturalismo também versa sobre a afirmação
étnica e cultural desses povos, como entendemos a partir da citação.

FIGURA 12 – ALDEIA INDÍGENA

FONTE: <https://bit.ly/3A6mCHj>. Acesso em: 16 jun. 2022.

146
IMPORTANTE
Dentre esses países que possuem as características específicas do
multiculturalismo que foram mencionadas, devemos destacar o nosso próprio
país! O Brasil abrange uma enorme pluralidade cultural e étnica, como vimos
ao longo de toda a nossa disciplina, e por isso podemos dizer que o Brasil
é de fato multicultural. Além disso, como também já vimos, existem grupos
sociais, como indígenas e quilombolas, que são inferiorizados perante a
sociedade dominante e que reúnem inúmeras lutas pelo reconhecimento de
seus direitos. Esse é um fenômeno próprio do multiculturalismo brasileiro.

147
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Existem duas definições principais sobre o conceito de globalização.

• A primeira definição de globalização tem a ver com o aumento da circulação de


coisas, pessoas e informações em escala global.

• A segunda definição de globalização tem a ver com a mistura das relações entre os
diversos locais do planeta.

• A globalização cultural, por sua vez, está voltada para a influência da globalização
sobre as culturas espalhadas pelo planeta.

• A era da modernidade está relacionada à produção em massa (civilização industrial).

• A era da pós-modernidade está relacionada à comunicação em massa.

• O multiculturalismo faz parte da fusão entre as culturas espalhadas pelo mundo,


que é uma consequência da globalização.

• O multiculturalismo tem a ver com a luta pelo reconhecimento dos direitos das
populações inferiorizadas na sociedade.

148
AUTOATIVIDADE
1 A modernidade é uma era que nasceu a partir do Iluminismo na Europa durante o
século XVIII, marcando a primazia do pensamento racional. Sobre a modernidade no
Brasil e no mundo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A modernidade pode ser considerada um sinônimo da civilização industrial


regulada pela intervenção humana sobre o mundo.
b) ( ) A modernidade é marcada pela centralidade dos grupos sociais sobre o indivíduo.
c) ( ) A modernidade tem a ver com a produção industrial, mas não com a economia
de mercado.
d) ( ) A modernidade veio antes da democracia e da instituição do Estado nacional.

2 Modernidade e pós-modernidade são termos diretamente relacionados. Podemos


dizer que a pós-modernidade é uma era derivada da modernidade, que marcou uma
espécie de transição do foco entre a produção de mercadorias para a produção da
comunicação em massa. Com base nas definições dos conceitos de modernidade e
pós-modernidade, analise as sentenças a seguir:

I- Enquanto a modernidade é marcada pela imprensa, a pós-modernidade é marcada


pelo audiovisual.
II- O jovem é a idade canônica que marca a modernidade, e o adulto é a que marca a
pós-modernidade.
III- A modernidade está voltada para a história e o progresso enquanto a pós-
modernidade está voltada para a atualidade pontual.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O Brasil possui características próprias da modernidade, como criatividade, foco


no presente e rejeição ao individualismo. Por isso, nosso país é considerado um
laboratório de pós-modernidade. Sobre as características que qualificam um país
enquanto pós-modernos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as
falsas:

149
( ) Uma frase comum que marca o contexto pós-moderno é a “eu vi na TV”, tomando a
verdade como uma imagem direta.
( ) O contexto pós-moderno dá mais importância para o que é legível do que para o
que é visível.
( ) O grande fluxo de informação disponibilizado na mídia é uma marca do contexto
pós-moderno.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O multiculturalismo está diretamente relacionado ao conceito de globalização na


medida em que é uma consequência do estreitamento das fronteiras entre os países
em nível global. Esse estreitamento permitiu uma espécie de fusão das culturas
entre as nações. Nesse contexto, comente por que o Brasil pode ser considerado um
exemplo de um país multicultural.

5 O conceito de globalização cultural é uma derivação do conceito de globalização na


medida em que integra a influência da globalização sobre a diversidade cultural mundial.
O pesquisador brasileiro Gustavo Lins Ribeiro explora duas definições sobre o conceito de
globalização. Nesse contexto, disserte sobre os princípios que fundamentam essas duas
definições.

150
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
TEMAS CONTEMPORÂNEOS DE
ANTROPOLOGIA NO BRASIL II: ANTROPOCENO
E BRASIL PÓS-PANDEMIA

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 3, nós abordaremos o conceito de Antropoceno. Esse é um tema
que gera uma ampla discussão, pois coloca em xeque a época em que vivemos. Assim,
tendo em vista a ação humana sobre o planeta como um todo, pensaremos a respeito
de algumas de suas consequências.

Em seguida, voltaremos nossa atenção para os estudos da antropologia


multiespécie, que marca essa crítica sobre o Antropoceno. Vamos conhecer mais sobre
o objeto de estudo antropologia multiespécie e por que é importante estudarmos as
relações que vão para além do próprio ser humano.

Por fim, refletiremos um pouco sobre a relação entre as doenças infecciosas


como a pandemia do novo coronavírus e o agronegócio no Brasil. Por fim, conheceremos
alguns dos pensamentos que podem servir de inspiração para lidarmos com o Brasil
depois da pandemia.

2 O QUE É ANTROPOCENO?

FIGURA 13 – AQUECIMENTO GLOBAL

FONTE: <https://bit.ly/3dkyXis>. Acesso em: 16 jun. 2022.

151
Talvez você já tenha ouvido algo sobre o conceito de Antropoceno, mas,
afinal, o que ele quer dizer? Esse termo foi empregado pela primeira vez pelo biólogo
estadunidense Eugene Stoemer na década de 1980, mas somente foi formalizado nos
anos 2000 numa publicação em conjunto com o Prêmio Nobel de Química pelo químico
holandês Paul Crutzen. Nesse escrito, o termo Antropoceno foi utilizado para se referir
à era geológica atual, enfatizando a atuação do homem sobre a geologia e a ecologia e
o coincidente aumento das concentrações de gás carbônico e gás metano no mundo
(SILVA; ARBILLA, 2018).

NOTA
O gás carbônico e o gás metano são compostos químicos produzidos,
sobretudo, pela queima de combustíveis fósseis como o petróleo, por
queimadas e desmatamentos, pela pecuária, entre outros fatores. Esses
gases são responsáveis pela maior parte do efeito estufa, aquele fenômeno
relacionado ao aquecimento global do nosso planeta. Isso é perigoso devido
a algumas consequências como o derretimento das calotas polares, elevação
dos níveis oceânicos e extinção de espécies.

A palavra antropoceno deriva do termo grego anthropo, que significa humano, e


do termo também grego ceno, que significa novo. Como veremos no quadro adiante, as
épocas geológicas sempre terminam com o sufixo ceno.

INTERESSANTE
Eugene Stoemer criou o termo, mas Paul Crutzen que foi o vencedor do
Prêmio Nobel de Química, popularizou o uso da palavra Antropoceno.
Crutzen comenta que usou o termo Antropoceno no calor do momento,
rebatendo alguém que havia comentado algo sobre o Holoceno, e tornou
o termo famoso.

Contudo, o termo Antropoceno passou a ser utilizado por antropólogos


internacionais e brasileiros como uma forma de analisar a situação atual em que
vivemos, criando uma aliança entre os conhecimentos biológicos e os conhecimentos
antropológicos. É impossível dissociar os fenômenos ambientais dos fenômenos
políticos e sociais e vice-versa. Por isso, os antropólogos puderam se apropriar desse
termo inicialmente biológico para realizar uma crítica a nível antropológico.

A antropóloga estadunidense Anna Tsing é uma grande referência para os


pesquisadores brasileiros do campo da antropologia que estudam o Antropoceno. Nas
palavras da autora:

152
Vivemos em um mundo de paisagens em ruínas e inesperadas
catástrofes ambientais. As mudanças climáticas são uma das
grandes pautas da ciência e da política contemporâneas, e perdas
de biodiversidade nos levam ao que vem sendo chamado de a Sexta
Extinção. Nas últimas décadas, cunhou-se o termo Antropoceno para
se referir ao impacto de proporções geológicas que a jornada humana
teve sobre a transformação da dinâmica ambiental do planeta. É
um debate que tem transformado também os estudos ambientais,
tanto nas Ciências da Natureza, quanto nas Ciências Humanas, sob o
desafio de observar esse processo em andamento (TSING, 2019, p. 5).

Em poucas palavras, o Antropoceno diz respeito a uma época que enfatiza as


consequências provocadas pelos seres humanos sobre a regulação do nosso planeta.

ESTUDOS FUTUROS
Anna Tsing também é uma referência para os antropólogos brasileiros que
pesquisam sobre a antropologia multiespécie, como veremos adiante.

DICA
Caso queira explorar mais o tema do Antropoceno e seus impactos,
sugerimos que visite o chamado Atlas Feral disponível no link https://
feralatlas.org. O site reúne um trabalho colaborativo entre diversos cientistas,
pesquisadores da área acadêmica, artistas e escritores de diversas partes do
mundo. Esse trabalho teve por objetivo analisar alguns fenômenos mundiais
nesse período do Antropoceno.

Para pensarmos no Antropoceno, também é importante pensarmos nas ciências


geológicas no que diz respeito à definição das unidades da Escala de Tempo Geológico
Internacional – um sistema de medida que tem por objetivo organizar a história geológica
do nosso planeta. No quadro a seguir, podemos observar um resumo dessa divisão com
os eventos mais importantes de cada época. Na época do Holoceno, por sua vez, foi
quando aconteceu a dispersão da espécie humana nesse tempo mais recente.

A Escala de Tempo Geológico Internacional ainda não reconheceu o Antropoceno


como uma época geológica de fato, ainda que o termo esteja difundido no campo de
pesquisadores científicos ao redor do mundo. Logo, podemos dizer que oficialmente
o Antropoceno faz parte do Holoceno. Vamos entender tudo isso melhor na tabela a
seguir:

153
QUADRO 2 – ESCALA DE TEMPO GEOLÓGICO INTERNACIONAL

FONTE: <https://bit.ly/3P8mons>. Acesso em: 10 mar. 2022.

Outro fato importante com relação ao Antropoceno é que autores como Stoemer
defendem que ele corresponde ao início da Revolução Industrial e à criação da máquina a
vapor. Isso tudo marcou um período de grandes transformações com relação à evolução
do planeta Terra. Além disso, no ano de 2004 foi publicado um livro chamado Global
Change and the Earth System: A Planet Under Pressure pelo Internacional Geosphere-
Biosphere Programme (IGBP). O mencionado livro considerou que existe uma série de
fatores ambientais e socioeconômicos que marcaram o início do Antropoceno, os quais
foram chamados de Grande Aceleração (SILVA; ARBILLA, 2018).

FIGURA 14 – POLUIÇÃO INDUSTRIAL

FONTE: <https://bit.ly/3A3h807>. Acesso em: 16 jun. 2022

154
A Grande Aceleração envolve principalmente os fatores que os pesquisadores
Silva e Arbilla resumiram a seguir:

-Os processos biológicos interagem fortemente com os processos


químicos e físicos, de tal forma que desempenham um papel
fundamental na manutenção do equilíbrio da Terra.
-As mudanças globais vão além dos câmbios climáticos e as
atividades antropogênicas influenciam o sistema de igual ou maior
forma que as forças naturais, levando a mudanças fora dos limites
esperados para as variações naturais.
-Os efeitos estão inter-relacionados e as relações causas-efeitos
não são lineares, extrapolando os níveis locais em que acontecem.
-A dinâmica da Terra está caracterizada por umbrais críticos e
mudanças abruptas, de forma que as atividades humanas podem,
inadvertidamente, causar consequências catastróficas para o
sistema.
-A Terra, como sistema, está atualmente fora do intervalo de
mudanças esperadas de forma natural (de acordo com o acontecido
nos últimos 500.000 anos) e a magnitude e velocidade dessas
mudanças não têm precedentes na sua história (SILVA; ARBILLA,
2018, p. 1624-1625).

Ora, em poucas palavras podemos dizer que o Antropoceno corresponde ao


fato de que o ser humano passou a ser uma nova força geológica sobre o planeta. Ou
seja, na época do Antropoceno, não são somente as forças naturais que influenciam
na regulação dos processos terrestres, mas também as ações dos seres humanos.
Devemos ressaltar que essa influência humana provoca reações inesperadas por parte
da Terra e não somente aquelas consideradas naturais e previsíveis, o que torna nosso
futuro incerto e perigoso!

Portanto, nesse sentido se faz importante a análise antropológica sobre


o Antropoceno. Como falamos, essa época é marcada não só por consequências
ambientais, mas também por consequências econômicas e sociais, sendo que elas não
podem ser separadas! Assim, as antropólogas e os antropólogos passaram a analisar os
fenômenos antropocênicos que afetam nossa vida em sociedade.

DICA
Se quiser ler mais sobre o Antropoceno no contexto antropológico,
sugerimos o livro do antropólogo francês Bruno Latour Onde aterrar? Como se
orientar politicamente no Antropoceno, muito difundido entre os antropólogos
brasileiros.

155
3 ABORDAGENS DA ANTROPOLOGIA MULTIESPÉCIE
Agora que entendemos mais sobre o termo Antropoceno, vamos refletir sobre
as abordagens da antropologia multiespécie. Ora, o que significa o termo multiespécie?
Em poucas palavras, podemos dizer que multiespécie se refere a um tipo específico de
relação que envolve seres de diferentes espécies. Em primeiro plano, essas relações se
referem ao que acontece entre seres humanos e não humanos, mas também podem se
referir a relações entre seres não humanos e outros seres não humanos. Dentre esses
seres não humanos estão os animais, as plantas, os fungos, entre outros.

FIGURA 15 – INTERAÇÃO MULTIESPÉCIE

FONTE: <https://bit.ly/3BMrhzp>. Acesso em: 16 jun. 2022.

As abordagens multiespécie passaram a ser um campo de interesse dentro dos


estudos antropológicos como uma tentativa de escapar do antropocentrismo, ou seja,
do foco das relações que acontecem apenas entre seres humanos. Apesar de vivermos
em uma sociedade humana, estamos constantemente nos relacionando com seres de
outras espécies, como nossos animais domésticos, com os animais e plantas dos quais
nos alimentamos, com os elementos que vieram da natureza dos quais construímos
nossas casas, entre outros. Por isso e muito mais é importante pensarmos nas relações
multiespécie em termos antropológicos!

NOTA
O termo antropocentrismo é usado para se referir a uma linha de
pensamento que entende o ser humano como o centro do universo e de
certa forma superior a todos os outros seres que existem no mundo.

156
Conforme aponta o pesquisador brasileiro Felipe Süssekind (2018) da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, estudioso das relações multiespécie, para
entendermos essas relações devemos passar por duas etapas. A primeira etapa tem
a ver com o próprio antropocentrismo que conduz o pensamento antropológico na
medida em que coloca a vida humana como superior à vida de todos aqueles que não
são humanos. A segunda etapa, por sua vez, está voltada para aquela distinção entre
cultura e natureza que vimos no início de nossa disciplina.

DICA
Se quiser conhecer mais sobre os escritos recentes voltados para as relações
multiespécie no campo da antropologia brasileira de outros pesquisadores,
sugerimos que leia os textos: Brotou batata para mim, de Ana Gabriela Morim
de Lima, Entre plantas e palavras, de Joana Cabral de Oliveira, O funeral do
caçador: caça e perigo na Amazônia, de Uirá Garcia e A cosmopolítica dos
animais, de Juliana Fausto.

Süssekind (2018) comenta sobre uma chamada “virada multiespécie” no


campo da antropologia, que aconteceu na medida em que passou a ser questionada
a exclusividade dos estudos voltados apenas para os seres humanos. Nesse sentido, o
pensamento antropológico passou a se aliar com outras áreas de conhecimento como
a biologia e a ecologia. Do mesmo modo, a oposição entre natureza e cultura também
passou a ser questionada no campo da antropologia, visto que os estudos mais recentes
não aceitam mais essa dicotomia, mas tentam enxergar a natureza e a cultura como
duas faces de uma mesma moeda. Conforme comenta Süssekind (2018, p. 173-174):

Mais recentemente, a noção de simbiose tem sido desenvolvida


por diferentes autores ligados aos estudos multiespécies,
particularmente Donna Haraway, no sentido de explorar seu
potencial para descrever as relações e enredamentos possíveis que
constituem experiências compartilhadas de vida. Mais do que usar
uma imagem biológica como metáfora para descrever uma relação
social, o que está em jogo nesse caso é um modo de conceber as
relações em que a ideia do social ou do biológico, como domínios
ontológicos separados, simplesmente não faz sentido. A hipótese de
Gaia, formulada nos anos 1960 por James Lovelock e Lynn Margullis,
tem fornecido, nesse mesmo sentido, alternativas poderosas para a
ideia tipicamente moderna da “natureza” como algo estável, exterior
e transcendente, disponível como recurso para os fins humanos.
Gaia é o nome dado por Lovelock ao sistema planetário dotado de
vida, o sistema de interações bioquímicas complexas que sustenta o
fenômeno da vida. Um sistema vivo que se retroalimenta, ligado a um
equilíbrio entre os elementos que compõem a ecoesfera terrestre;
o humano como agenciamento de efeitos planetários. Relida por
Stengers e Latour, guardadas as diferenças significativas entre eles,
Gaia coloca questões incontornáveis para a política e a experiência

157
contemporâneas. A compreensão da inter-relação entre a ação
humana e os fenômenos naturais e ambientais revela, além disso,
possíveis pontes entre o pensamento científico contemporâneo e o
pensamento de povos e culturas que de fato nunca conceberam o
humano como um domínio separado e oposto àquela da natureza. O
diálogo com cosmologias indígenas, a catástrofe climática, a extinção
de espécies, as paisagens devastadas e os modos de vida ligados a
elas, esses são também temas cruciais para os debates em torno dos
estudos multiespécies.

DICA
Além dos estudos estrangeiros de Anna Tsing, outra grande referência para
os antropólogos brasileiros que são interessados nas relações multiespécie
é a antropóloga estadunidense Donna Haraway, mencionada por Süssekind.
Por isso, também sugerimos que procure pelos trabalhos desta autora.

Süssekind (2018) toma como base de seu pensamento a antropóloga


estadunidense Anna Tsing, que conhecemos na GIO anterior. O autor menciona uma
frase da antropóloga que é a seguinte: “a natureza humana é uma relação entre
espécies”. Nas palavras de Süssekind (2018, p. 172):

Organismos e ambientes são coproduzidos pelas relações que


entretêm entre si, o que aponta para uma visão dos sistemas
materiais-semióticos que atravessam ecologia e antropologia.
Trocas de informações entre organismos em processos evolutivos
se articulam, nesse caso, com trocas que acontecem dentro de
processos socioculturais de grupos humanos.

Ora, isso quer dizer que não existe vida humana sem as outras espécies e sem
a relação com as outras espécies! Os processos sociais e culturais dos seres humanos
também envolvem a relação com outras espécies.

INTERESSANTE
Além do âmbito antropológico, a questão das relações multiespécie também
tem perpassado o âmbito da própria legislação brasileira no que diz respeito
ao reconhecimento de famílias multiespécie no caso da guarda de animais
domésticos. Isso acontece quando uma família reconhece seus animais de
estimação como membros da própria família e assim passam a reivindicar
os direitos de família a esses animais. No caso de separação de um casal,
por exemplo, isso pode ter como consequência a guarda compartilhada
dos animais domésticos, o que anteriormente só acontecia com relação
aos filhos humanos. Por isso, mais uma vez se torna importante a análise
antropológica sobre esse assunto!

158
4 DOENÇAS INFECCIOSAS, AGRONEGÓCIO E BRASIL PÓS-
PANDEMIA

FIGURA 16 – PANDEMIA NO BRASIL

FONTE: <https://bit.ly/3JFuHG6>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Agora que estamos chegando ao final da nossa disciplina, é inevitável tocarmos


no assunto da pandemia do novo coronavírus, que nos afligiu por mais tempo do que
esperávamos! Mais que isso, também vamos tocar na relação entre a pandemia e o
agronegócio. De acordo com o pesquisador estadunidense Rob Wallace, a origem da
pandemia de Covid-19 tem a ver com as práticas predatórias do agronegócio mundial
e principalmente à pecuária intensiva. Nas palavras do pesquisador Allan Rodrigo de
Campos Silva (2020, p. 427), estudioso de Rob Wallace:

A leitura do recém lançado “Pandemia e agronegócio” junta os fios de uma


história ainda mal contada. Para o autor, as origens da atual pandemia de COVID-19,
assim como diversas outras epidemias dos últimos anos, residem na globalização das
práticas predatórias do agronegócio, mais especificamente na pecuária intensiva, hoje
caracterizada por um verdadeiro sistema de produção de patógenos integrado à criação
de porcos e galinhas. Ou seja, em cada celeiro do agronegócio deveríamos enxergar
também uma fábrica de patógenos. Estrategicamente posicionado na fronteira entre
os estudos da Geografia e da Biologia Evolutiva, Wallace constrói cuidadosamente um
percurso explicativo, percorrendo décadas de estudos sobre a dinâmica e evolutiva
de vírus e bactérias na interface com os sistemas produtivos capitalistas. Em resumo,
os efeitos colaterais do agronegócio abrangem a produção de reiteradas catástrofes
ecológicas, que fazem com que epidemias e pandemias sejam cada vez mais comuns
– e destrutivas.

159
DICA
Se quiser saber mais sobre a relação entre a pandemia do novo coronavírus
e o agronegócio, sugerimos que leia o texto Pandemia e agronegócio escrito
por Rob Wallace.

FIGURA 17 – AGRONEGÓCIO

FONTE: <https://bit.ly/3pbl2gY>. Acesso em: 16 jun. 2022.

Ainda de acordo com Wallace, conforme comenta Silva (2000, p. 428), outras
doenças infecciosas e mesmo surtos epidêmicos como a gripe aviária e a gripe suína,
assim como a Covid-19, surgiram em função da expansão do agronegócio mundial, o qual
“destrói sistemas florestais inteiros e aumenta a interface com vetores de transmissão,
facilitando assim o chamado transbordamento (spillover) sobre populações humanas”.

A pecuária intensiva, ou seja, a criação de animais para consumo humano em


grande escala industrial, é responsável por essa grande proliferação de organismos
causadores de doenças como os vírus e bactérias. Isso acontece porque os locais
de produção pecuária fornecem condições favoráveis para a reprodução desses
organismos em dois sentidos: “esses micro-organismos estariam encontrando as
melhores condições possíveis para o aprimoramento da sua virulência – a capacidade de
infectar um hospedeiro – e para o aumento da sua patogenicidade – a sua capacidade
de causar dano ao hospedeiro” (SILVA, 2000, p. 248).

160
INTERESSANTE
Movimentos a favor dos direitos dos animais, como o veganismo, também
reforçam essas ideias estabelecidas por Wallace e por isso são contra a
produção de animais para consumo humano. As pessoas que fazem parte
da corrente vegana boicotam o consumo a qualquer produto animal ou que
seja derivado de animais, como carnes, ovos, laticínios e mesmo roupas de
couro ou qualquer outra coisa que venha de animais.

Tomando como ponto de partida a questão do agronegócio e da pecuária em


termos mundiais, Wallace também chama a atenção para o caso brasileiro. O Brasil é
um país líder na criação de gado, na plantação de soja e em outras práticas ligadas ao
agronegócio, que favorecem a degradação ambiental e o aumento da disseminação de
epidemias. Conforme ainda comenta Silva (2000, p. 430):

O pantanal brasileiro, uma das maiores planícies alagáveis do planeta,


abrigando mais de 600 espécies de aves, sofre com a pressão da
destruição ambiental do agronegócio, com seus campos drenados
para criação de gado e produção soja, ao mesmo tempo em que se
proliferam os celeiros da avicultura industrial por todo o país. Essa
dinâmica, em conjunto com as queimadas da Amazônia, o aumento
da grilagem e da pressão sobre reservas indígenas alcançaram um
patamar catastrófico durante 2019 e início de 2020, sob o governo de
Bolsonaro. O argumento de Rob Wallace também é bastante crítico
se voltado ao cenário brasileiro, uma vez que todas as condições
econômicas e ambientais que deram origem a surtos de doenças na
China ou nos EUA, podem ser encontradas de forma abundante no
território brasileiro de forma abundante.

No mesmo sentido, o documento Agronegócio e pandemia no Brasil: uma


sindemia está agravando a pandemia da Covid-19, traça as relações diretas entre a
agricultura intensiva e a pandemia. Nas palavras de Hara Flaeschen (ANO, página):

O documento “Agronegócio e pandemia no Brasil: uma sindemia


está agravando a pandemia de Covid-19?”, lançado em 27 de maio,
demonstra que além da agroindústria aumentar as chances de novas
zoonoses – com destruição de habitats naturais –, também deixa as
pessoas mais vulneráveis a doenças do tipo. Isto é porque o uso de
agrotóxicos nos alimentos afeta o sistema imunológico, enquanto
o consumo de ultraprocessados intensifica doenças e agravos não
transmissíveis.

161
DICA
Sugerimos que leia o texto Agronegócio e pandemia no Brasil: uma sindemia
está agravando a pandemia da Covid-19, na íntegra. Disponível em: https://bit.
ly/3QudMbJ. Acesso em: 23 jun. 2022.

Tendo em vista esse cenário de catástrofes ambientais, pandemias e mortes


de seres humanos e animais em larga escala, o que podemos fazer? Ou melhor, o que
podemos fazer enquanto brasileiros? Alguns diriam que uma saída para isso seria o
veganismo, mas outros diriam que para o veganismo funcionar precisaria ser algo
adotado pela maior parte da população. Mas também, seguindo a linha de pensamento
de Donna Haraway (2016), uma saída seria o que preza sua famosa frase “Faça parentes,
não bebês!”

Ora, o que significa fazer parentes e não bebês? Isso não significa que os seres
humanos deveriam parar de se reproduzir ou ter filhos, mas outra coisa! Isso significa
que os seres humanos deveriam expandir a sua abrangência de parentes, ou seja, que
deveriam não somente abranger os seres humanos como seus parentes, mas também
novos parentes multiespécie. De acordo com Haraway (2016), uma saída para a crise
mundial que vivemos é estabelecer novas formas de relações com animais, plantas e
outros seres no sentido de que todos dependemos uns dos outros e que devemos nos
cuidar!

FIGURA 18 – HUMANA E ANIMAL SELVAGEM

FONTE: <https://pixabay.com/pt/photos/esquilo-africano-paraxerus-1580046/>. Acesso em: 10 mar. 2022.

Vamos terminar nossa disciplina com as palavras de Anna Tsing (2019), quem
assume que estamos vivendo em tempos difíceis ou mesmo em uma “ruína”:

162
As paisagens globais de hoje estão repletas desse tipo de ruína. Ainda
assim, esses lugares podem ser animados apesar dos anúncios de
sua morte; campos de ativos abandonados às vezes geram novas
vidas multiespécies e multiculturais. Em um estado global de
precariedade, não temos outras opções além de procurar vida nessa
ruína (TSING, 2019, p. 2).

DICA
Sugerimos que leia o texto Viver nas ruínas: paisagens multiespécie no
antropoceno, de Anna Tsing na íntegra. Disponível em: https://bit.ly/3vRw3bg.

Portanto, uma maneira de sobreviver a esse Brasil pós-pandemia, além de criar


novas relações ou parentes multiespécie como diria Donna Haraway (2016), é procurar
novas formas de viver em meio a essa “ruína”!

163
LEITURA
COMPLEMENTAR
ANTROPOCENO, CAPITALOCENO, PLANTATIONOCENO, CHTHULUCENO:
FAZENDO PARENTES

Donna Haraway

Não há dúvida de que os processos antrópicos tiveram efeitos planetários, em


inter/intra-ação com outros processos e espécies, desde que nos reconhecemos como
espécie (algumas dezenas de milhares de anos) e investimos em uma agricultura em
larga escala (alguns milhares de anos). Certamente que, desde o início, as bactérias
e seus parentes foram, e ainda são, os maiores de todos os terraformadores (e
reformadores) planetários, também em uma miríade de tipos de inter/intra-ação
(incluindo as pessoas e suas práticas, tecnológicas e outras). A propagação de plantas
por dispersão de sementes, milhões de anos antes da agricultura humana, representou
uma grande mudança no planeta, e assim foram muitos outros eventos ecológicos de
desenvolvimento histórico, revolucionários e evolucionários.

As pessoas iniciaram essa discussão muito cedo e de forma dinâmica, mesmo


antes deles/nós sermos chamados de Homo sapiens. Mas penso que a relevância de
nomear de Antropoceno, Plantationoceno ou Capitaloceno tem a ver com a escala, a
relação taxa/velocidade, a sincronicidade e a complexidade. A questão constante,
quando se considera fenômenos sistêmicos, tem de ser: quando as mudanças de grau
se tornam mudanças de espécie? E quais são os efeitos das pessoas (não o Humano)
situadas bioculturalmente, biotecnologicamente, biopoliticamente e historicamente
com relação a, e combinado com os efeitos de outros arranjos de espécies e outras
forças bióticas/abióticas? Nenhuma espécie, nem mesmo a nossa própria – essa
espécie arrogante que finge ser constituída de bons indivíduos nos chamados roteiros
Ocidentais modernos – age sozinha; arranjos de espécies orgânicas e de atores abióticos
fazem história, tanto evolucionária como de outros tipos também.

Mas há um ponto de inflexão das consequências que muda o nome do “jogo”


da vida na terra para todos e tudo? Trata-se de mais do que “mudanças climáticas”;
trata-se também da enorme carga de produtos químicos tóxicos, de mineração, de
esgotamento de lagos e rios, sob e acima do solo, de simplificação de ecossistemas, de
grandes genocídios de pessoas e outros seres etc., em padrões sistemicamente ligados
que podem gerar repetidos e devastadores colapsos do sistema. A recursividade pode
ser terrível.

164
Anna Tsing (2015), em um artigo recente chamado “Feral Biologies”, sugere que
o ponto de inflexão entre o Holoceno e o Antropoceno pode eliminar a maior parte dos
refúgios a partir dos quais diversos grupos de espécies (com ou sem pessoas) podem
ser reconstituídos após eventos extremos (como desertificação, desmatamento…). Isso
tem parentesco com o argumento da World-Ecology, Research Network, coordenada
por Jason Moore, de que a natureza barata está no fim; o barateamento da natureza
não pode continuar mais a sustentar a extração e a produção no e do mundo
contemporâneo, porque a maioria das reservas da terra foram drenadas, queimadas,
esgotadas, envenenadas, exterminadas e, de várias outras formas, exauridas. Vastos
investimentos em tecnologias extremamente criativas e destrutivas podem conter esse
acerto de contas, mas a natureza barata realmente acabou. Anna Tsing argumenta que
o Holoceno foi um longo período em que os refúgios, os locais de refúgio, ainda existiam,
e eram até mesmo abundantes, sustentando a reformulação da rica diversidade cultural
e biológica. Talvez a indignação merecedora de um nome como Antropoceno seja a da
destruição de espaços-tempos de refúgio para as pessoas e outros seres. Eu, juntamente
com outras pessoas, penso que o Antropoceno é mais um evento-limite do que uma
época, como a fronteira K-Pg entre o Cretáceo e o Paleoceno. O Antropoceno marca
descontinuidades graves; o que vem depois não será como o que veio antes. Penso que
o nosso trabalho é fazer com que o Antropoceno seja tão curto e tênue quanto possível,
e cultivar, uns com os outros, em todos os sentidos imagináveis, épocas por vir que
possam reconstituir os refúgios.

Neste momento, a terra está cheia de refugiados, humanos e não humanos, e


sem refúgios.

Então, penso que mais do que um grande nome, na verdade, é preciso pensar
num novo e potente nome. Assim, Antropoceno, Plantationoceno e Capitaloceno
(termo de Andreas Malm e Jason Moore antes de ser meu). E também insisto em que
precisamos de um nome para as dinâmicas de forças e poderes chthonicas em curso,
das quais as pessoas são uma parte, dentro das quais esse processo está em jogo.
Talvez, mas só talvez, e apenas com intenso compromisso e trabalho colaborativo com
outros terranos, será possível fazer florescer arranjos multiespécies ricas, que incluam
as pessoas. Estou chamando tudo isso de Chthuluceno – passado, presente e o que está
por vir. Estes espaços-tempos reais e possíveis não foram nomeados após o pesadelo-
racista e misógino do monstro Cthulhu (note diferença na ortografia), do escritor de
ficção científica H. P. Lovecraft, e sim após os diversos poderes e forças tentaculares de
toda a terra e das coisas recolhidas com nomes como Naga, Gaia, Tangaroa (emerge da
plenitude aquática de Papa), Terra, Haniyasu-hime, Mulher-Aranha, Pachamama, Oya,
Gorgo, Raven, A’akuluujjusi e muitas mais. “Meu” Chthuluceno, mesmo sobrecarregado
com seus problemáticos tentáculos gregos, emaranha-se com uma miríade de
temporalidades e espacialidades e uma miríade de entidades em arranjos intra-ativos,
incluindo mais-que-humanos, outros-que-não-humanos, desumanos e humano-
como-húmus (human-ashumus). Mesmo num texto em inglês-americano como este,
Naga, Gaia, Tangaroa, Medusa, Mulher-Aranha, e todos os seus parentes, são alguns

165
dos muitos mil nomes próprios para uma linhagem de ficção científica que Lovecraft
não poderia ter imaginado ou abraçado – ou seja, teias de fabulação especulativa,
feminismo especulativo, ficção científica e fatos científicos. O que importa é que
narrativas contam narrativas, e que conceitos pensam conceitos. Matematicamente,
visualmente e narrativamente, é importante pensar que figuras figuram figuras, que
sistemas sistematizam sistemas.

Todos os mil nomes propostos são grandes demais e pequenos demais; todas
as histórias são grandes demais e pequenas demais. Como Jim Clifford me ensinou, nós
precisamos de narrativas (e teorias) que sejam grandes o bastante (e não mais que isso)
para reunir as complexidades e manter as bordas abertas e ávidas por novas e velhas
conexões surpreendentes (CLIFFORD, 2013).

Uma maneira de viver e morrer bem, como seres mortais no Chthuluceno, é unir
forças para reconstituir refúgios, para tornar possível uma parcial e robusta recuperação
e recomposição biológica-cultural-política-tecnológica, que deve incluir o luto por
perdas irreversíveis. Thom van Dooren (2014) e Vinciane Despret (2013) me ensinaram
isso. Há tantas perdas já, e haverá muitas mais. Esse renovado florescimento generativo
não pode ser criado a partir de mitos de imortalidade ou do fracasso de nos tornarmos
parte dos mortos e extintos. Há um monte de trabalho para o Orador dos Mortos de
Orson Scott Card (1986) e ainda mais para a reformulação de Ursula Le Guin em Always
Coming Home.

Eu sou uma compostista, não uma pós-humanista: somos todos compostos,


adubo, não pós-humanos. O limite que é o Antropoceno/Capitaloceno significa muitas
coisas, incluindo o fato de que a imensa destruição irreversível está realmente ocorrendo,
não só para os 11 bilhões ou mais de pessoas que vão estar na terra perto do final do
século 21, mas também para uma miríade de outros seres. (O número incompreensível,
mas sóbrio, de cerca de 11 bilhões somente será mantido se as taxas de natalidade
de bebês humanos, em todo o mundo atual, permanecerem baixas; se elas subirem
novamente, todas as apostas caem por terra). “À beira da extinção” não é apenas uma
metáfora; e “colapso de sistema” não é um filme de suspense. Pergunte a qualquer
refugiado, de qualquer espécie.

O Chthuluceno precisa de pelo menos um slogan (certamente, mais do que


um); continuam gritando “Ciborgues para Sobrevivência Terrestre”, “Corra Rápido, Morda
Forte” e “Cale-se e Treine”, eu proponho “Faça Parentes, Não Bebês!”. Fazer parentes
é, talvez, a parte mais difícil e mais urgente do problema. As feministas do nosso
tempo têm sido líderes em desvendar a suposta necessidade natural dos laços entre
sexo e gênero, raça e sexo, raça e nação, classe e raça, gênero e morfologia, sexo e
reprodução, e reprodução e composição de pessoas (nossa dívida aqui especialmente
para com os melanésios, em aliança com Marilyn Strathern (1990) e seus parentes
etnógrafos). Se for para existir uma ecojustiça de multiespécies, que esta também

166
possa abraçar a diversidade das pessoas. É chegada a hora de as feministas exercerem
liderança também na imaginação, na teoria e na ação, para desfazer ambos os laços: de
genealogia/parentesco e parentes/espécies.

Bactérias e fungos são excelentes para nos dar metáforas, mas, metáforas a
parte (boa sorte com isso!), nós temos um trabalho de mamífero a fazer com os nossos
colaboradores e cotrabalhadores sim-poiéticos, bióticos e abióticos. Precisamos fazer
parentes sim-chthonicamente, sim-poieticamente. Quem e o que quer que sejamos,
precisamos fazer-com – tornar-com, compor-com – os “terranos” (obrigado por esse
termo, Bruno Latour-em-modo anglófono)[13]. Nós, pessoas humanas em todos os
lugares, devemos abordar as urgências sistêmicas intensas; no entanto, até agora, como
Kim Stanley Robinson (2012) colocou em 2312, estamos vivendo tempos de “Hesitação”
(esta narrativa de ficção científica, que vai de 2005 a 2060, é demasiado otimista?), um
“estado de agitação incerto”. Talvez “A Hesitação” seja um nome mais apropriado do
que Antropoceno ou Capitaloceno! “A Hesitação” será gravada nos estratos rochosos
da terra; na verdade, já está escrita nas camadas mineralizadas da terra. Os sim-
ctônicos não hesitam; eles compõem e se decompõem, práticas tão perigosas quanto
promissoras. O mínimo que se pode dizer é que a hegemonia humana não é um caso
sim-chthonico. Como definem os artistas ecossexuais Beth Stephens e Annie Sprinkle,
a compostagem é tão quente!

Meu propósito é fazer com que “parente” signifique algo diferente, mais do
que entidades ligadas por ancestralidade ou genealogia. O movimento suave de
desfamiliarização pode parecer, por um momento, um erro, mas depois (com sorte)
aparecerá sempre como correto. Fazer parentes é fazer pessoas, não necessariamente
como indivíduos ou como seres humanos. Na Universidade, fui movida pelos trocadilhos
de Shakespeare, kin e kind (parente e gentil em português) – os mais gentis não eram
necessariamente parentes de uma mesma família; tornar-se parente e tornar-se gentil
(como categoria, cuidado, parente sem laços de nascimento, parentes paralelos, e
vários outros ecos) expande a imaginação e pode mudar a história. Marilyn Strathern
me ensinou que os “parentes”, em inglês britânico, eram originalmente “relações
lógicas” e só se tornaram “membros da família” no século 17. Este, definitivamente, está
entre os factoides que eu amo. Saia do inglês e os selvagens se multiplicam. Penso
que a extensão e a recomposição da palavra “parente” são permitidas pelo fato de que
todos os terráqueos são parentes, no sentido mais profundo, e já passaram da hora de
começar a cuidar dos tipos-como-arranjos (não espécies uma por vez). Parentesco é
uma palavra que traz em si um arranjo. Todos os seres compartilham de uma “carne”
comum, paralelamente, semioticamente e genealogicamente. Os antepassados
mostram-se estranhos muito interessantes; parentes são não familiares (fora do que
pensávamos ser a família ou os genes), estranhos, assombrosos, ativos. Demais para
um pequeno slogan, eu sei! Ainda assim, tente. Nos próximos dois séculos, ou mais,
talvez os seres humanos deste planeta possam ser novamente dois ou três bilhões,

167
aproximadamente e, nesse tempo, fazer parte de um bem-estar cada vez maior para
os diversos seres humanos e outros seres, agindo como meios e não apenas como fins.
Então, faça parentes, não bebês! O que importa é como parentes geram parentes.

FONTE: <http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/antropoceno-capitaloceno-plantationoceno-
chthuluceno-fazendo-parentes/>. Acesso em: 10 mar. 2022.

168
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O termo Antropoceno é usado para se referir à época geológica atual em que


vivemos.

• Antropoceno tem a ver com essa época marcada pelo aumento das concentrações
de gás carbônico e gás metano no planeta.

• Antropoceno também tem a ver com uma época em que as ações dos seres
humanos passaram a ser consideradas uma nova força geológica sobre o planeta.

• As relações multiespécie dizem respeito a relações que envolvem seres de diferentes


espécies.

• As relações multiespécie são de interesse da antropologia na medida em que o


antropocentrismo deixou de fazer sentido.

• As doenças infecciosas e as epidemias possuem uma relação direta com o


agronegócio mundial.

• As práticas brasileiras de criação de gado e plantação de soja favorecem o


surgimento de novas epidemias.

• Uma maneira de sobrevivermos à crise mundial que vivemos é criarmos novas


formas de nos relacionar com os demais seres que vivem no mundo.

169
AUTOATIVIDADE
1 Com base na definição acerca do conceito de Antropoceno, os pesquisadores da
antropologia brasileira encontraram novas formas de refletir sobre a época em que
vivemos. Tendo em vista esse conceito, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O Antropoceno é uma época marcada pelo aumento da concentração de oxigênio


do planeta Terra.
b) ( ) O Antropoceno é considerado uma época geológica de acordo com a Escala de
Tempo Geológico Internacional.
c) ( ) O Antropoceno é uma época marcada pelo fato de que o ser humano passou a
ser uma nova força geológica sobre os processos terrestres.
d) ( ) O Antropoceno é uma época que provoca consequências ambientais ao nosso
planeta, mas não consequências sociais.

2 A Escala de Tempo Geológico Internacional é utilizada para classificar o tempo


geológico do planeta Terra. Apesar de estar relacionada, sobretudo, à geologia,
também é utilizada para realizar análises sociais e consequentemente antropológicas.
Com base nessa Escala e na definição de Antropoceno, analise as sentenças a seguir:

I- O Antropoceno não faz parte da Escala de Tempo Geológico Internacional, ainda


que seja um conceito amplamente utilizado por cientistas reconhecidos na área.
II- Podemos dizer que o Antropoceno faz parte da época do Holoceno, marcada pela
dispersão da espécie humana.
III- O Antropoceno é a época anterior à Revolução Industrial e ao desenvolvimento da
máquina à vapor.
IV- O Holoceno faz parte do período Quaternário, o mais recente na Escala de Tempo
Geológico.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O conceito de multiespécie provoca grandes debates no campo antropológico. Isso


acontece porque coloca em xeque alguns pressupostos da antropologia, como
o antropocentrismo e a oposição entre natureza e cultura. Tendo em vista esse
conceito, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

170
( ) Multiespécie é um termo utilizado para se referir a um tipo de relação que envolve
seres de diferentes espécies.
( ) O estudo sobre as relações multiespécie pertence ao âmbito da antropologia na
medida em que se distancia da biologia.
( ) O estudo sobre as relações multiespécie representou uma verdadeira virada
nos estudos antropológicos, sendo que trouxe uma forma de escapar do
antropocentrismo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 As relações multiespécie podem ser consideradas aquelas relações que acontecem


entre seres humanos e outras espécies ou mesmo entre as outras espécies entre
elas mesmas. A partir dessa noção, podemos pensar nas mais variadas espécies de
relações entre os seres viventes para além dos seres humanos. Tendo em vista essa
temática, disserte sobre a importância dos estudos sobre as relações multiespécie
para a antropologia.

5 Alguns estudiosos afirmam que há uma relação direta entre o agronegócio global e a
proliferação de doenças infecciosas e mesmo pandemias. Tendo em vista essa afirmação,
disserte sobre como isso tem a ver com o contexto brasileiro.

171
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