Você está na página 1de 178

Sociologia

Brasileira

Prof. Renan Subtil Torres

Indaial – 2020
1a Edição
Elaboração:
Prof. Renan Subtil Torres

Copyright © UNIASSELVI 2020

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

T693s

Torres, Renan Subtil

Sociologia brasileira. / Renan Subtil Torres. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

170 p.; il.

ISBN 978-65-5663-347-3
ISBN Digital 978-65-5663-342-8

1. Sociologia brasileira. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


da Vinci.

CDD 300

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Saudações, caro acadêmico! O presente material, o qual se encontra em suas
mãos ou na tela de seus aparelhos digitais, é fruto de um zeloso trabalho da UNIASSELVI
que almeja apresentar a você a relevância das principais abordagens e autores
trabalhados na Sociologia Brasileira. Por meio de nosso livro didático, entraremos
em contato com o desenvolvimento da Sociologia em território brasileiro, tão como
conheceremos um pouco do trabalho intelectual de cada um dos autores que mais
contribuíram para o pensamento acerca da sociedade de nosso país.

A Sociologia Brasileira é responsável pelos estudos das particularidades


da dinâmica social brasileira que, apesar de influenciada por toda uma série de
acontecimentos globais, desenvolve-se de maneira única. A recente descoberta e
vastidão de nosso território, a mistura dos povos originários com invasores e escravos,
a abundância de nossos recursos naturais, a exploração colonialista dentre outras
características, são o pano de fundo para a ocorrência de fenômenos sociais específicos
e complexos. Sendo assim, nosso material de estudos apresentará os principais temas e
teorias que contemplam nossa realidade, sempre de maneira clara e objetiva.

O livro de Sociologia Brasileira desenvolvido pela UNIASSELVI pretende


apresentar a você, acadêmico, de uma maneira ao mesmo tempo consistente e didática,
as principais discussões sobre as tribulações sociais brasileiras. Também será abordado
o desenvolvimento de nossas problemáticas por meio da reconstrução histórica dos
mais importantes objetos de estudo que reproduzem a formação do Brasil. A escolha
dos autores foi realizada de maneira com a qual possamos enxergar a realidade nacional
da maneira mais objetiva e menos abstrata possível, auxiliando-nos a nos situar em
meio a uma complexa realidade.

A Unidade 1 abordará o desenvolvimento do pensamento social brasileiro,


apresentando a maneira com a qual se pensava a sociedade anteriormente aos séculos XIX
e XX, as particularidades das análises sociais que compreendem o período posterior. Feito
isso, trabalharemos o processo de sistematização da Sociologia em território brasileiro,
finalizando com a formalização e institucionalização da Sociologia no Brasil. Para tanto,
utilizaremos de autores que lançaram mão de análises sociais em tais períodos, mesmo
que anteriores à formação das Ciências Sociais tal como a concebemos hoje. Também
apresentaremos as ideias de importantes autores nacionais que interpretam as análises
sociais de tempos passados e reconstroem a dinâmica social por meio de análises
históricas que devem ser consideradas.

Na Unidade 2 estudaremos interpretações clássicas sobre o Brasil por meio de


autores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Caio
Prado Júnior. Tais pensadores desenvolveram teorias sobre a formação social brasileira
desde o período colonial, processo de modernização nacional, relações raciais no país
além de cultura, política e economia locais. Trata-se de grandes nomes da investigação
acerca da dinâmica social de nosso território e importantes teóricos do processo
histórico de construção nacional.

Finalmente, na Unidade 3, trabalharemos alguns dos principais temas abordados


pela Sociologia Brasileira. Dentre eles estão assuntos como raça e identidade sob a
perspectiva de pensadores das Ciências Sociais brasileiras, o processo de modernização
do Brasil e a Sociologia Brasileira após a década de 1970. Esperamos que aproveitem o
conteúdo preparado pela UNIASSELVI e ampliem seus conhecimentos sobre o contexto
social de nosso país! Bons estudos!

Prof. Renan Subtil Torres

GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.
QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.

ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - O PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO DOS SÉCULOS XIX E XX.................... 1

TÓPICO 1 - FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA.......................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 O BRASIL ANTES DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA.........................................................3
3 DO PERÍODO COLONIAL À REPÚBLICA VELHA..................................................................8
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 19
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 20

TÓPICO 2 - SISTEMATIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL............................................. 23


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 23
2 A CONSTITUIÇÃO DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO........................................... 23
3 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA TEORIA SOCIAL BRASILEIRA....................................... 30
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 32
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 33

TÓPICO 3 - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL................................ 35


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 35
2 O NASCIMENTO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL................................................................. 35
3 A SOCIOLOGIA BRASILEIRA E SEUS PRINCIPAIS DESAFIOS........................................ 39
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 49
RESUMO DO TÓPICO 3.......................................................................................................... 51
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 52

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 54

UNIDADE 2 — INTERPRETAÇÕES CLÁSSICAS SOBRE O BRASIL......................................57

TÓPICO 1 — SOCIOLOGIA E A INTERPRETAÇÃO DO BRASIL..............................................59


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................59
2 OS GRANDES INTÉRPRETES DO BRASIL E SUAS PRINCIPAIS ABORDAGENS.............59
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 68
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 69

TÓPICO 2 - GILBERTO FREYRE, SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E A FORMAÇÃO


DO POVO BRASILEIRO...................................................................................... 71
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 71
2 GILBERTO FREYRE E A ESCRAVIDÃO NO BRASIL........................................................... 71
3 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DO BRASIL...........79
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 88
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 89
TÓPICO 3 - FLORESTAN FERNANDES E CAIO PRADO JÚNIOR......................................... 91
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 91
2 FLORESTAN FERNANDES: RELAÇÕES SOCIAIS E ESTRUTURA DE CLASSES
NA SOCIEDADE BRASILEIRA............................................................................................ 91
3 CAIO PRADO JÚNIOR: A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA.............................................................................................................96
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 101
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................106
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................107

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................109

UNIDADE 3 — TEMAS DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA.........................................................111

TÓPICO 1 — RAÇA E IDENTIDADE NO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO BRASILEIRO......... 113


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 113
2 O DEBATE RACIAL NO BRASIL........................................................................................ 113
3 O DEBATE ACERCA DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO..... 121
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 127
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................128

TÓPICO 2 - MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA........................................................................ 131


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 131
2 A MODERNIZAÇÃO DO BRASIL NO SÉCULO XIX............................................................ 131
3 O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO BRASILEIRO PÓS-PRIMEIRA
GUERRA MUNDIAL...........................................................................................................135
4 A MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA SOB OS OLHARES DE ÁLVARO VIEIRA PINTO,
RUY MAURO MARINI, CAIO PRADO JÚNIOR E FLORESTAN FERNANDES....................139
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................146
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 147

TÓPICO 3 - SOCIOLOGIA BRASILEIRA PÓS-1970: NOVOS OLHARES.............................149


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................149
2 SOCIOLOGIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: DA DITADURA MILITAR NO BRASIL
ÀS PRINCIPAIS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS NOS DIAS ATUAIS.............................149
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................160
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................165
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................166

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................168
UNIDADE 1 -

O PENSAMENTO SOCIAL
BRASILEIRO DOS SÉCULOS
XIX E XX
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apresentar o processo de transformação do pensamento sociológico brasileiro por


meio de registros do período colonial;

• reconstruir as principais abordagens anteriores à formalização da Sociologia em


território brasileiro;

• evidenciar o processo de sistematização da Sociologia no Brasil;

• abordar a institucionalização da Sociologia brasileira;

• apresentar autores cujas ideias foram importantes à compreensão do processo de


formação da Sociologia e da sociedade brasileira como um todo.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO


TÓPICO 2 – A SISTEMATIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL
TÓPICO 3 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

Acesse o
QR Code abaixo:

2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -

FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
Pensar a sociedade na qual estamos inseridos demanda um esforço no sentido
de considerarmos todos os elementos que a constitui. Isso significa que o pensamento
sociológico lançado a determinado território parte da ideia de que toda sociedade é
constituída por seus aspectos sociais. Ou seja, toda sociedade é constituída por suas
condições materiais e históricas, tão como por todo e qualquer tipo de manifestação
humana, sendo ela cultural, artística ou filosófica.

A Sociologia Brasileira emergiu de um longo processo interdisciplinar que leva


em conta todos os registros possíveis acerca dos povos originários, invasores, escravos
e sua interrelação, passando pela realidade material que é única de cada região do
mundo. Sendo assim, estudaremos no primeiro tópico da Unidade 1 de nosso material,
as condições em meio às quais emergiu o pensamento social brasileiro, passando por
uma breve história do Brasil, do período pré-colonial aos primeiros estudos sobre as
populações nativas e seu contato com os invasores europeus e os escravizados por
eles. Bons estudos!

2 O BRASIL ANTES DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA


Antes de iniciarmos nossos estudos acerca do Brasil como era anteriormente à
invasão portuguesa do ano de 1500, devemos considerar alguns pontos importantes com
relação ao conceito de pensamento social. Primeiramente, não devemos considerar ape-
nas análises sociológicas, antropológicas, históricas ou provenientes de outros campos
do saber de forma separada. A sociedade é um fenômeno complexo que deve ser ana-
lisado sob o máximo de perspectivas possíveis. Segundo, devemos pensar a sociedade
de maneira macro e micro concomitantemente, ou seja, analisar o indivíduo em sua sub-
jetividade, de forma isolada, como um elo que compõe a totalidade da realidade e, não
menos importante, analisar a sociedade como um todo, um grupo de indivíduos capaz de
modificar a realidade e construir a história do território onde habita. Em terceiro lugar, para
se pensar sociologicamente, devemos estudar a maior variedade possível de fontes de
informação, sejam elas escritas, ouvidas, vivenciadas, formais ou não formais. Dessa ma-
neira conseguimos conceber a dinâmica social de maneira mais fiel possível à realidade. O
autor Freitas Pinto (2002, p. 144-145) acredita que:

3
A ideia de pensamento social corresponde em parte à constatação
de que a riqueza dos processos sociais e culturais jamais é revelada
plenamente quando utilizamos tão somente os métodos e recursos
de uma determinada disciplina como a sociologia, a antropologia ou
história. O pensamento social é construído transpondo barreiras e
limites de disciplinas e campos de conhecimento, combinando, em
muitos casos, dados empíricos e fatos com percepções extraídas da
poesia, do romance, do teatro.

Sabendo os pressupostos sociológicos apresentados anteriormente, comece-


mos nossos estudos respeitando uma ordem cronológica de fatos que se iniciam antes
da colonização portuguesa, antes mesmo de nosso país se chamar Brasil. Estima-se
que o continente americano abrigava aproximadamente uma centena de milhão de
pessoas, e é importante destacar que o território – o qual, hoje, corresponde ao nos-
so país – era habitado por cerca de 1 a 5 milhões de pessoas, dependendo da fonte
informativa. Devido ao fato da ausência de registros escritos, uma vez que os povos
originários transmitiam seus conhecimentos por meio, principalmente, da fala, é difícil o
acesso àquelas culturas existentes anteriormente à invasão portuguesa.

FIGURA 1 – TRIBO BRASILEIRA XINGU

FONTE: <https://www.sohistoria.com.br/ef2/indios/index_clip_image002.jpg>.
Acesso em: 30 abr. 2020.

É importante saber que o povo nativo se organizava em grupos sociais comu-


mente conhecidos como “tribos”. Os indivíduos foram chamados de “índios” pelos colo-
nizadores e esse tratamento perdura até hoje. Isso se deve ao fato de os portugueses
supostamente estarem buscando um caminho alternativo à Índia ao se depararem com
as terras brasileiras, referindo-se a elas como Índias Ocidentais por determinado perí-
odo. Esse tipo de tratamento acabou por generalizar as centenas de etnias e línguas
que foram classificadas por estratos linguísticos centrais. São eles: tupis-guaranis, que
habitavam a região do litoral, macro-jê ou tapuias, região do Planalto Central, aruaques
ou aruak, da Amazônia e caraíbas ou karib, também da região amazônica.

4
As múltiplas sociedades nativas eram complexas, porém possuíam algumas
características comuns como a divisão social do trabalho. Geralmente, os homens
eram responsáveis pela caça, pesca, construção de habitações, guerras dentre
outras atividades. As mulheres costumavam se incumbir dos cuidados com a família,
confecção de vestimentas, preparo de alimentos, agricultura do milho, feijão, abóbora,
batata-doce, amendoim, mandioca e outros tipos de trabalho. Quase sempre havia uma
hierarquia bem estabelecida e líderes específicos, além de pessoas especializadas nos
cuidados à saúde e referências espirituais.

Era comum a domesticação de alguns animais considerados selvagens pelo ho-


mem branco e a harmonia com a natureza era plena quando comparada à contempora-
neidade. Costumava-se utilizar apenas recursos indispensáveis à sobrevivência humana,
como madeira, peles de animais, penas, corantes naturais, fibras de plantas diversas além
de uma riquíssima medicina da floresta, infelizmente soterrada e discriminada pela cultu-
ra europeia. Hoje existem alguns poderosos remédios remanescentes da cultura nativa,
utilizados na cura de diversas doenças e terapias. Um bom exemplo é o chamado Santo
Daime ou Ayahuasca, chá de folhas e cipós utilizados em ritos e tratamentos para males
como a depressão, ansiedade e vícios em substâncias químicas diversas.

O embate entre as culturas originárias e europeias resultaram no soterramento


dos costumes dos povos nativos. Em outras palavras, a miscigenação – que era em parte
consequência de estupros realizados pelos portugueses colonizadores –, o processo de
catequização e ensino da língua portuguesa à população genuinamente brasileira, foram
alguns dos fatores que acabaram por descaracterizar o modo de vida dos chamados po-
vos indígenas. A esse processo se dá o nome de aculturação: quando uma cultura perde
suas características ou deixa de existir devido à influência de uma cultura exterior.

DICAS
Muitos dos registros acerca da cultura dos povos nativos, que viveram na
época das primeiras expedições portuguesas ao Brasil, foram retratados
pela Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição de Pedro Álvares
Cabral, que destinou, ao então rei de Portugal, Dom Manuel, suas primeiras
impressões sobre o território recém explorado.

A carta pode ser acessada por meio do endereço eletrônico a seguir: http://
objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf.

É bastante interessante analisarmos o ponto de vista dos invasores europeus


às terras dos tupiniquins – primeiros povos a entrar em contato com os
portugueses recém-chegados.

5
A colonização de nossas terras não foi a primeira ideia dos portugueses após a
chegada de Pedro Álvares Cabral em sua primeira expedição ao Brasil, cujo desembar-
que foi no dia 22 abril de 1500, onde hoje é o estado da Bahia. Buscando por insumos
comercializáveis, que poderiam ser alternativa ao então lucrativo comércio oriental de
especiarias, os portugueses se decepcionaram à primeira vista, pelo fato de não encon-
trarem recursos naturais como metais preciosos no litoral brasileiro. Logo descobriram o
Ibirapitanga ou Arabutã, que tempos depois ficaria conhecida como Pau-brasil. Tratava-se
de uma árvore abundante em território nacional, tão como em diversas outras localidades
da América e ilhas próximas. O nome dela tem origem da cor vermelha de seu interior,
que lembrava brasa. Chamada inicialmente de pau-de-tinta pelos portugueses, logo ficou
conhecida como Pau-brasil que, tempo depois, inspiraria o nome de nosso país.

O comércio do Pau-brasil, apesar de lucrativo, não chegava perto da lucrativi-


dade que o comércio de especiarias no ocidente proporcionava a Portugal. Com a ajuda
dos povos nativos, seduzidos por meio do escambo. Tratava-se da troca de serviços
braçais por quinquilharias diversas, oferecidas pelos portugueses, configurando uma
transação comercial primitiva entre povos estrangeiros e originários. O Pau-brasil
foi explorado de maneira devastadora, chegando à beira da extinção tempos após suas
primeiras extrações. Isso se devia à utilidade da tinta da madeira no tingimento de teci-
dos brancos, muito valorizados na Europa após coloridos com o vermelho de sua seiva.

FIGURA 2 – EXPLORAÇÃO DO PAU-BRASIL POR MEIO DA MÃO DE OBRA NATIVA

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/wp-content/uploads/2020/01/ciclo-do-pau-brasil-2-750x430.
jpg>. Acesso em: 6 maio 2020.

A extração da madeira no Brasil demandava uma autorização concedida pelo


rei de Portugal. Essa autorização se chamava estanco. A primeira pessoa a receber
o estanco foi Fernando de Noronha, que hoje é o nome de uma das ilhas do litoral
nordestino brasileiro. O Pau-brasil extraído pelas pessoas que recebiam o estanco
da realeza portuguesa era armazenado em feitorias, ou seja, armazéns espalhados
pela costa brasileira que serviam de depósito para a madeira que, posteriormente, era
enviada por meio de embarcações para a metrópole europeia.

6
Toda essa movimentação de mercadorias ao longo da costa brasileira atraía a atenção
de outros povos. Os franceses eram os principais interessados nessa nova fonte de riquezas. Eles
faziam alianças com tribos inimigas dos portugueses e atacavam o litoral em busca do domínio
da transação mercantil do Pau-brasil. A fim de se defender dos ataques franceses, Portugal
decide organizar expedições guarda-costas para o Brasil, que eram caravelas armadas
enviadas para patrulhar os mais de 8 mil quilômetros de litoral e refrear a ameaça estrangeira.

Diante às disputas que pelo vasto território brasileiro e seus abundantes recursos
naturais, surge a demanda pela garantia dessas terras por parte de Portugal. Foi assim que,
no ano de 1534, o então rei português, Dom João III, decide implementar um programa de
ocupação efetiva do Brasil. Esse ano foi o marco final do chamado Período Pré-Colonial, a
partir do qual a coroa portuguesa decide enviar pessoas para colonizar o território brasileiro. Tal
estratégia serviu para estabelecer os domínios portugueses sobre as terras recém-tomadas
pelos europeus, dificultando a entrada de outros povos que estavam em busca das riquezas
encontradas em terras tupiniquins. Vale salientar que o Pau-brasil era apenas um dos inúme-
ros recursos naturais descobertos, até então, no que hoje corresponde aos limites brasileiros.
Diversas outras riquezas ainda viriam a ser descobertas pelos invasores portugueses, am-
pliando ainda mais seus interesses sobre o território dominado a partir do ano de 1500.

Podemos sintetizar o Período Pré-Colonial como um tempo de descobertas para os po-


vos europeus que aqui desembarcaram em busca da ampliação de seus domínios comerciais.
Marcada pela aculturação dos povos nativos frente à cultura europeia, a época pré-colonial foi
fundada na descoberta do valor comercial do Pau-brasil, e do conveniente trabalho braçal do
povo originário, intermediado pelo escambo e fundamental para a extração daquela madeira.
O estanco era a autorização provida pela coroa portuguesa para a extração do Pau-brasil, que
era armazenado em feitorias espalhadas pelo litoral brasileiro e, logo depois, transportado para a
Europa por meio de embarcações. As expedições guarda-costas serviam de intimidação frente
às invasões estrangeiras, principalmente de franceses, que objetivavam a disputa dos recursos
materiais brasileiros. O referido período, classificado como pré-colonial, encerra-se em 1534,
quando Portugal envia pessoal para ocupar o Brasil de maneira definitiva. O quadro a seguir
salienta os principais aspectos desse período, que perdura do ano de 1500 até 1534:

QUADRO 1 – PERÍODO PRÉ-COLONIAL

• Duração – de 1500 a 1534.


• Principal atividade econômica – extrativismo.
• Principal matéria-prima – Pau-brasil.
• Regime de trabalho – utilização da mão de obra nativa intermediada pelo regime de
escambo.
• Autorização real para a atividade – estanco.
• Depósito da matéria-prima bruta – feitoria.
• Principais ameaças – ataques de franceses aliados a tribos nativas rivais aos
portugueses.
• Principal defesa portuguesa – expedições guarda-costas.
FONTE: O autor

7
Agora que exploramos as principais características do primeiro período após
à entrada dos portugueses no território que hoje corresponde ao Brasil, estudaremos
outra fundamental fase da ocupação dessas terras: o Período Colonial. Por meio
dos estudos dessa outra importante etapa do desenvolvimento social brasileiro,
construiremos as bases para a investigação acerca da produção e desenvolvimento do
pensamento sociológico de nosso país.

3 DO PERÍODO COLONIAL À REPÚBLICA VELHA


Tendo em vista que a coroa portuguesa reconheceu a potencialidade do Brasil
em termos de riquezas, que já estavam atraindo forças estrangeiras que as disputavam
com os pioneiros europeus, Dom João III, então rei de Portugal, decide, em 1534,
colonizar essas terras com o objetivo de estabelecer sua dominação. Cabe salientar
que já ocorriam revoltas e diversas resistências em nome das terras brasileiras, antes
mesmo da chegada de Portugal ao país.

Desde o ano de 1494, o Tratado de Tordesilhas já dividia legalmente o Brasil que


conhecemos hoje em duas partes. As coroas de Portugal e Espanha, na época Reino de
Portugal e Coroa de Castela, já se interessavam no chamado “novo continente”, a América
recém invadida pela expedição marítima capitaneada por Cristóvão Colombo em 1492.

O tratado consistia em uma divisão de terras por meio de uma linha imaginária.
Essa linha cortava o Brasil de norte a sul, do que hoje corresponde ao estado do Pará até
Santa Catarina. De acordo com o tratado que objetivava pôr fim às disputas pelas terras
americanas entre os dois reinos, tudo o que situava a oeste da linha pertenceria à Coroa
Castela e, a leste, do Reino de Portugal. Anos depois esse tratado foi revogado a pedido
dos portugueses ao perceberem a vastidão ainda inexplorada ao centro e a oeste do
que hoje corresponde à América Latina.

Por volta do ano de 1534, o então rei de Portugal, Dom João III, divide o Brasil
em sesmarias, que consiste em pedaços de terras demarcados por meio de linhas
imaginárias traçadas vertical e horizontalmente com relação ao mapa do território
nacional. Cada um desses pedaços de terra era destinado a um nobre escolhido pelo rei.
As terras delimitadas não eram posse de seus destinatários, os chamados donatários.

Cada donatário tinha direito de ocupar o território e produzir riquezas dentro dele,
porém, a decisão acerca da destituição dos territórios e/ou substituição dos donatários
estava nas mãos do rei. Cada um dos donatários recebia uma Carta de Doação, que
consistia em um documento que assegurava que cada uma das sesmarias era delegada
a um administrador específico.

A Carta Foral, por sua vez, era o documento em que constavam as diretrizes de
posse da sesmaria, ou seja, as instruções acerca daquilo que o donatário pode ou não
pode fazer em relação à ocupação do espaço que tomaria conta a partir do momento
em que recebesse sua Carta de Doação.
8
As faixas de terra, cuja gestão era passada de pais para filhos, foram batizadas
de Capitanias Hereditárias. A partir do ano de 1934, o país passou a ser dividido
em 15 Capitanias Hereditárias que seriam distribuídas entre 12 donatários. Cada uma
das sesmarias que vieram a se tornar Capitanias Hereditárias, recebia um nome e
era concedida aos respectivos donatários, incumbidos da tarefa de ocupar e produzir
riquezas em seus territórios.

• Capitania do Maranhão: João de Barros e Aires da Cunha e Fernando Álvares de


Andrade.
• Capitania do Ceará: Antônio Cardoso de Barros.
• Capitania do Rio Grande: João de Barros e Aires da Cunha.
• Capitania de Itamaracá: Pero Lopes de Sousa.
• Capitania de Pernambuco: Duarte Coelho Pereira.
• Capitania da Baía de Todos os Santos: Francisco Pereira Coutinho.
• Capitania de Ilhéus: Jorge de Figueiredo Correia.
• Capitania de Porto Seguro: Pero do Campo Tourinho.
• Capitania do Espírito Santo: Vasco Fernandes Coutinho.
• Capitania de São Tomé: Pero de Góis da Silveira.
• Capitania de São Vicente: Martim Afonso de Sousa.
• Capitania de Santo Amaro: Pero Lopes de Sousa.
• Capitania de Santana: Pero Lopes de Sousa.

FIGURA 3 – DIVISÃO POLÍTICA ESTABELECIDA PELO TRATADO DE TORDESILHAS

FONTE: <http://opiniaoenoticia.com.br/wp-content/uploads/tordesilhas.jpg>.
Acesso em: 15 maio 2020.

9
É importante termos em mente que o processo de formação colonial de nosso
país não se deu de maneira pacífica, muito menos democrática. A terra, que já possuía
moradores há milênios, fora dividida em vários pedaços que agora passariam a ser
jurisdição de um donatário europeu, mesmo que sem a aprovação de muitos povos
nativos. Foram muitas as batalhas que foram travadas entre nativos e colonizadores
europeus. Anteriormente ao loteamento e distribuição das terras litorâneas do Brasil,
existiam conflitos em torno da ocupação de seu território vasto e rico em recursos
naturais. Além da diversidade da fauna e da flora brasileira, a água é abundante e escoa
por meio de gigantescos rios. Diversas populações vivenciavam disputas por territórios
que dispunham de tais recursos fundamentais para a sobrevivência.

O século XVI foi marcado por batalhas como o Cerco de Igarassu que,
conforme Hans Staden (1945), consistiu em um levante realizado pelos índios caetés
contra os portugueses que, dentre outros fatores motivacionais, escravizaram membros
de sua etnia. O cerco ocorreu em uma vila de Pernambuco, entre 1549 e 1551, conforme
alguns historiadores, os quais nem sempre entram em consenso quanto à data oficial da
resistência. Em 1562, foi realizado o Cerco de Piratininga, que foi a união entre índios
carijós, guaianás, guarulhos e tupiniquins, organizados contra a dominação portuguesa.
O fato ocorreu em São Paulos dos Campos de Piratininga, quando as etnias indígenas
reunidas atacaram a vila onde portugueses aliados a tupiniquins se defenderam da
ofensiva. Isso evidencia a existência da aliança, não só entre índios de diferentes tribos,
mas entre “homens brancos” (europeus) e indígenas (nativos).

A imagem a seguir ilustra um pouco da relação amistosa que os colonizadores


conseguiram estabelecer com os antigos donos das terras de São Paulo dos Campos de
Piratininga, os índios tupiniquins. Embora a aliança entre brancos e indígenas favorecesse
ambas as partes, outros povos e, inclusive os próprios tupiniquins, levantaram-se contra
essa jovem vila, então com dois anos de idade. Observe:

FIGURA 4 – ALIANÇA ENTRE HOMENS BRANCOS E TRIBOS NATIVAS

FONTE: <https://cutt.ly/ggbanjn>. Acesso em: 15 maio 2020.

10
Mais tarde, entre os anos de 1554 a 1567, foi formada a Confederação dos Ta-
moios que era composta majoritariamente pelo povo Tupinambá, por sua vez composto
por tribos Tupiniquins, Aimorés e Terminós. Tratava-se de um dos primeiros grandes con-
flitos entre os povos originários, que reivindicavam sua liberdade tão como a retomada de
suas terras, e homens brancos, especialmente portugueses e franceses, que ocupavam
um território que compreendia parte do litoral paulista e fluminense. A Guerra dos Ai-
morés foi outro importante episódio de resistência por parte dos povos nativos. Os Ai-
morés eram povos que habitavam o território que hoje corresponde aos estados de Minas
Gerais e Espírito Santo e resistiram à colonização portuguesa por mais de um século.

Essa guerra, que durou aproximadamente de 1555 a 1673, foi composta por di-
versas batalhas, dentre elas a Batalha do Cricaré. Essa batalha ocorreu na Capitania
de Espírito Santo, mais especificamente no Povoado de Cricaré, onde uma ofensiva li-
derada por Vasco Fernandes Coutinho, donatário responsável pela referida sesmaria,
desembarcou com sua armada vinda do litoral do que hoje corresponde à Bahia. Apesar
da difícil batalha que custou a vida de vários nativos e colonizadores, os Aimorés con-
seguiram afastar a tropa que defendia os domínios de Vasco Fernandes Coutinho, cujo
comandante, Fernão de Sá, morrera neste combate. Após a retirada dos colonizadores
invasores, os Aimorés destruíram as feitorias dos bandeirantes por volta do ano de 1558.

Outro importante episódio da história da ocupação dos Brasil por invasores


europeus se materializou com a Guerra dos Bárbaros (1650-1720). O conflito ocorreu
entre os nativos Tapuias e colonizadores portugueses que, com o fim da União Ibérica,
em 1640, e a expulsão dos holandeses, em 1654, passaram a concentrar sua atenção nas
terras nordestinas, mais especificamente da Bahia ao Maranhão, para a consolidação do
cultivo da cana-de-açúcar e expansão da pecuária. Foram aproximadamente 70 anos
de combates entre os povos nativos e os invasores portugueses, custando a vida de
centenas de índios e muitos colonizadores portugueses. Para Puntoni (1999, p. 196):

A Guerra dos Bárbaros mais se aproximou de uma série heterogênea


de conflitos entre índios e luso-brasileiros do que de um movimento
unificado de resistência. Resultado de diversas situações criadas ao
longo da segunda metade do século XVII, com o avanço da fronteira
da pecuária e a necessidade de conquistar e “limpar” as terras para
a criação de gado, esta série de conflitos envolveu vários grupos e
sociedades indígenas contra moradores, soldados, missionários e
agentes da coroa portuguesa.

A Guerra dos Bárbaros foi um massacre contra o povo Tapuia, que era composto
por grupos culturais que compreendia o povo Jê, Tarairiu, Cariri e outros grupos que
não eram classificados pelos cronistas da época. Alguns dos povos que podem ser
citados entre os não batizados pelos colonizadores são os Sucurú, os Bultrim, os Ariu,
os Pega, os Panati, os Corema, os Paiacu, os Janduí, os Tremembé, os Icó, os Carateú,
os Carati, os Pajok, os Aponorijon e os Gurgueia. Toda essa diversidade fora ignorada
pelos invasores europeus que, por meio de um processo de aculturação que operava

11
através da catequização e alfabetização compulsória de nativos às línguas e crenças
europeias, apagou culturas altamente complexas e de ciência avançada. O domínio dos
Tapuia sobre os saberes advindos da interação homem-natureza, poderiam, hoje, nos
proporcionar diversas soluções à vida em sociedade, como a cura de diversos males
e doenças, tão como uma dinâmica social mais harmoniosa e menos destrutiva em
relação aos recursos naturais e seres humanos que coexistem contemporaneamente.

DICAS
“Uma índia-velha cachimbeira conta a seus netos a história de luta de
seus antepassados contra as invasões dos colonizadores do nordeste
do Brasil, provocadas pela expansão da pecuária bovina. A historiografia
oficial denominou os confrontos de guerra dos bárbaros. Resta-nos
saber se são bárbaros os índios ou os europeus”, tal frase se encontra na
descrição da animação feita sob direção de Júlia Manta, recontando sob a
perspectiva de uma índia Tapuia remanescente do terrível massacre que,
entre os séculos XVII e XVIII, tirou a paz dos povos nativos do nordeste
brasileiro: A Guerra dos Bárbaros: vale a pena conferir essa interessante
obra brasileira que retrata, por meio de desenhos, a força e resistência
dos povos originários do Brasil contra as mazelas da colonização
europeia. O vídeo pode ser assistido por meio do sítio eletrônico a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=e5duD0qNCrU.

A chegada massiva e compulsória de outro povo foi determinante à formação de


nossa cultura e de pensamento social brasileiro: o negro africano. Os negros foram trazidos
da África pelos colonizadores europeus como alternativa à mão de obra indígena, fosse ela livre
ou escrava. A expansão da economia canavieira do século XVI, trouxe consigo a demanda por
um trabalho intensificado nas lavouras. Os povos africanos, fisicamente adaptados às rígidas
condições de sobrevivência de seu continente de origem, foram a solução ao trabalho indígena.

As razões da opção pelo escravo africano foram muitas. É melhor não


falar em causas, mas em um conjunto de fatores. A escravização do
índio chocou-se com uma série de inconvenientes, tendo em vista os
fins da colonização. Os índios tinham uma cultura incompatível com o
trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório, como pretendi-
do pelos europeus. Não eram vadios ou preguiçosos. Apenas faziam o
necessário para garantir sua subsistência, o que não era difícil em uma
época de peixes abundantes, frutas e animais. Muito de sua energia e
imaginação era empregada nos rituais, nas celebrações e nas guerras.
As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de pro-
dutividade eram totalmente estranhas a eles (BORIS, 1996, p. 28).

A mão de obra escrava proveniente dos negros africanos foi fruto do tráfico de
pessoas, intensificado durante as expedições portuguesas à costa africana no século
XV. Após esse período, o comércio escravista se tornou uma atividade muito lucrativa
para os colonizadores. Os escravos negros possuíam habilidades, tanto no cultivo da
cana-de-açúcar – que já era uma das atividades portuguesas nas ilhas do Atlântico –

12
quanto na criação de gado. Conforme Boris (1996), entre os anos de 1550 e 1855, cerca
de 4 milhões de negros, em sua maioria jovens e do sexo masculino, entraram no Brasil
pelos portos utilizados para seu comércio.

Não por acaso, a partir da década de 1570 incentivou-se a importação


de africanos, e a Coroa começou a tomar medidas através de várias
leis, para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos
índios. As leis continham ressalvas e eram burladas com facilidade.
Escravizavam-se índios em decorrência de "guerras justas", isto é,
guerras consideradas defensivas, ou como punição pela prática de
antropofagia. Escravizava-se também pelo resgaste, isto é, a compra
de indígenas prisioneiros de outras tribos, que estavam para ser
devorados em ritual antropofágico. Só em 1758 a Coroa determinou
a libertação definitiva dos indígenas. Mas, no essencial, a escravidão
indígena fora abandonada muito antes pelas dificuldades apontadas
e pela existência de uma solução alternativa (BORIS, 1996, p. 28-29).

O povo negro, assim como os nativos brasileiros, também resistiu contra a cruel domi-
nação europeia sobre as terras do Brasil. Foram inúmeros os levantes, guerras e batalhas contra
o sistema escravagista da época. É muito importante nos lembrarmos que o nosso país foi o
último a abolir legalmente a escravidão dos negros africanos que para cá foram trazidos.
No ano de 1758 fora abolida a escravidão dos índios e, somente em 13 de maio de 1888, os
escravos negros do Brasil foram libertados das senzalas por meio da assinatura da Lei Áurea.
Contudo, a abolição da escravatura em terras brasileiras não foi um simples ato de benevolên-
cia da nobreza, mas resultado de intensas e sangrentas batalhas em nome da liberdade.

Cabe salientar que o povo negro brasileiro muito sofreu após a abolição
da escravidão. Assolados pela fome, escassez de empregos remunerados, falta de
moradias, o povo negro foi empurrado para longe do convívio do branco, concentrando-
se em localidades que hoje são chamadas de periferias.

Ao português estranho ao continente cumpre juntar o negro, igual-


mente alienígena. A importação começou desde o estabelecimento
das capitanias e avultou nos séculos seguintes, primeiro por causa
da cultura da cana, mais tarde por causa do fumo, das minas, do
algodão e do café. Depois da supressão do tráfico em 1850, o café
provocou deslocações consideráveis na distribuição interna; o mes-
mo efeito produziu a abolição (ABREU, 2009, p. 16).

FIGURA 5 – TRANSPORTE DE NEGROS AFRICANOS PARA COMPOSIÇÃO DE MÃO DE OBRA ESCRAVA

FONTE: <https://www.olharconceito.com.br/imgsite/noticias/1(85).jpg>. Acesso em: 16 maio 2020.


13
Diversos foram os personagens e acontecimentos que marcaram a resistência
negra em território brasileiro. Desde o suicídio das pessoas que não mais aguentavam os
maus-tratos de uma vida sob regime de escravidão, os abortos induzidos pelas escravas
negras que eram estupradas recorrentemente pelos seus senhores, até as paralisações,
assassinatos e guerras contra os escravocratas, são exemplos de reação do povo negro
trazido para cá. Muitos mártires, símbolos da violência e crueldade cometidas contra o
povo negro no Brasil, são hoje considerados heróis que contribuíram no processo de
libertação que se arrasta até os dias de hoje.

Os escravos negros, muitas vezes, conseguiam fugir das senzalas, que eram
os barracões e outras habitações insalubres e inseguras construídas pelos senhores
de escravos (“donos” das pessoas que eram traficadas para mão de obra escrava) para
abrigar o povo capturado em terras africanas. Esses escravos, então, associavam-se
e formavam comunidades denominadas quilombos, onde passavam a se concentrar
e acolher os demais negros fugitivos. Os quilombolas, moradores dos quilombos,
eram comumente surpreendidos por ofensivas de capitães do mato, empregados dos
senhores de escravos que caçavam e castigavam os fugitivos. Cabe salientar que
muitos desses capitães do mato eram negros que ganhavam algumas regalias de seus
senhores em troca de seus serviços, dentre elas a delação de escravos que planejavam
fugir e a aplicação de penas físicas e diversos tipos de tortura.

No interior das senzalas, os negros escravizados manifestavam sua fé e cultura,


na medida do possível. As más condições das habitações resultavam em doenças e outros
tipos de mazelas que dificultavam ainda mais a vida dos escravos. Já nos quilombos,
que eram assentamentos mais isolados, escondidos da ação dos senhores de escravos e
capitães do mato, os costumes dos negros escravizados podiam se manifestar de forma
mais livre. Até hoje, no Brasil, existe certo preconceito em relação à cultura e religião de
matriz afrodescendente. O senso comum dos brasileiros recorrentemente associa as
crenças religiosas dos negros à feitiçaria ou a chamada “macumba”, expressão utilizada
para estigmatizar a cultura negra.

Houve muitas grandes e sangrentas revoltas decorrentes da tentativa de


emancipação do povo negro em nosso país. Alguns dos principais símbolos de resistência
negra e batalhas em nome da libertação dos escravos negros no Brasil estão listadas
no quadro a seguir:

QUADRO 2 – ALGUMAS DAS RESISTÊNCIAS DE ESCRAVOS NEGROS NO BRASIL

• Quilombo dos Palmares: liderado por Zumbi dos Palmares e sua esposa Dandara,
foi o maior quilombo brasileiro, situado onde hoje fica o estado do Alagoas,
concentrando boa parte dos escravos fugitivos e soltos voluntariamente.

14
• Fuga do Engenho Santana: em 1789, um grupo de escravos fugitivos constituiu
um quilombo dentro do qual se organizaram e construíram um trato para apresentar
aos senhores daquele engenho. Dentre as principais reivindicações estavam o
direito ao lazer, folgas e liberação das manifestações culturais daquele grupo.
• Revolta dos Malês: rebelião organizada por negros livres e escravos da Bahia em
busca da abolição. Esse levante ocorreu no ano de 1835 e foi uma das dezenas de
greves só no estado baiano.
• Rebelião de Carrancas: outra importante rebelião ocorrida, dessa vez, em Minas
Gerais no ano de 1833.
• Revolta de Manoel Congo: levante organizado por Manoel Congo no município de
Vassouras, no Rio de Janeiro. Ocorreu no ano de 1838.
• Balaiada: resistência que ocorreu entre os anos de 1839 a 1842 no Maranhão, na
qual escravos liderados por Cosme Bento das Chagas preocuparam as elites.
FONTE: O autor

Muito contribuiu para o fim da escravidão formal no Brasil as ações do chamado


Movimento Abolicionista, composto por diversas classes sociais. Artistas, membros da
elite, intelectuais, negros alforriados, escravos e mulheres promoveram diversos tipos de
trabalho a favor da abolição da escravatura no Brasil. Isso não significa que os outros ti-
pos de resistência já mencionados, além de muitos outros, não configurem movimentos
abolicionistas. Todavia, o movimento passa a ter maior visibilidade e ascensão quando as
camadas mais privilegiadas da sociedade brasileira interviram de forma mais ativa. Esse
fato ilustra o severo grau de racismo incrustado em nossa sociedade, desde seus primór-
dios, quando a discriminação em relação às vontades dos negros era ainda mais explícita.

FIGURA 6 – MOVIMENTO ABOLICIONISTA

FONTE: <https://cutt.ly/6gbdOZ2>. Acesso em: 17 maio 2020.

15
Consideradas as bases de nossa sociedade, formada pelos povos nativos,
colonizadores europeus e escravos negros trazidos da África, avançaremos para
os períodos posteriores à era colonial. O advento da união do território brasileiro a
Portugal no ano de 1815, somado às crises financeiras e políticas da coroa portuguesa,
impulsionaram uma demanda pela Independência do Brasil, que já não sustentava
tantas cobranças por parte também da Inglaterra. As elites portuguesas pressionavam
pela volta do regime colonial no Brasil, enquanto as elites já estabelecidas em nossas
terras não possuíam esse anseio. O então rei de Portugal, Dom João VI, deixa seu filho –
que viria a se tornar Dom Pedro I – tomando conta da política brasileira até que, no ano
de 1889, é proclamada a República Brasileira.

Nos primeiros anos da República Velha (1889-1930), nosso povo se


encontrava sob regime militar. Esse período é chamado de República da Espada
(1889-1894). Deodoro da Fonseca entra como Presidente da República, substituindo
o regime provisório dos militares. No ano é estabelecida a Constituição de 1891, cujos
principais pressupostos eram o as eleições diretas para homens alfabetizados com
mais de 21 anos de idade, o federalismo, que consistia no confio de certa autonomia
para os estados, divisão do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário. Nessa
época o Brasil também passa a emitir moedas em papel, medida adotada por Rui
Barbosa, o então Ministro da Fazenda.

O período que vai de 1894 até 1930 é chamado de República Oligárquica,


quando fora eleito Prudente de Moraes, primeiro presidente civil eleito. A política do
Brasil era comandada por uma oligarquia rural, ou seja, por grandes produtores. O Partido
Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM) eram os partidos que
mais lançavam presidentes. A Política Café com Leite, batizada em referência às duas
maiores atividades econômicas da época, era o regime eleitoral predominante, no qual
os governadores dos estados brasileiros e os presidentes da República acordavam de
maneira tanto legal quanto ilegal para não haver oposição à presidência vigente e garantia
de autonomia estatal. De outro modo, a Política Café com Leite consistia em trocas de
favores entre presidentes e governadores de forma a manipularem o jogo político.

O coronelismo era o regime em que os coronéis, grandes proprietários de


terra que exerciam influência direta sobre o povo que vivia no interior de seus domínios,
conduziam o voto de cabresto. O voto de cabresto era a imposição do voto ao povo, que
era submisso e financeiramente dependente dos violentos coronéis que o ameaçava.
Tal regime provocou grandes desigualdades e exclusão no Brasil republicano, fato
que motivou o nascimento dos chamados movimentos sociais do período. É válido
ressaltarmos que as resistências indígena e negra do período colonial brasileiro também
foram modalidade de movimento social, pois consistia na reivindicação por melhores
condições de vida por parte das classes menos privilegiadas da sociedade.

16
Entre 1893 e 1897, ocorre no Brasil a chamada Guerra de Canudos no nordeste
brasileiro. Frente às condições de miséria vivenciadas pelo povo nordestino, assolado
pela fome, seca e violência crescentes, Antônio Conselheiro, autointitulado um “enviado
de Deus”, toma a frente de um movimento que resulta na formação do povoado de
Canudos. As gigantescas proporções que o resultado dos discursos de Conselheiro
tomou, abriu espaço para uma ofensiva das forças republicanas que massacraram o
povo de Canudos. Há relatos que em torno de 20 mil, dos 25 mil habitantes de Canudos,
foram mortos pelo exército. Além disso, aquela cidade foi totalmente destruída nesse
ataque genocida ao povo nordestino, protagonizado pelas forças armadas brasileiras.

Dentre os mais notáveis movimentos sociais da época estava a Revolta da


Vacina, no Rio de Janeiro, onde diversas pessoas estavam insatisfeitas com os
constantes desalojamentos determinados pelo estado. Os despejos eram realizados
para a manutenção viária e construção de espaços públicos, além disso, nesse mesmo
período foi imposta a obrigatoriedade da vacinação contra as epidemias que assolavam
o Rio. O acúmulo de lixo era um problema que trazia graves doenças para a população,
dentre elas estão: a varíola, a peste bubônica e a febre amarela, doenças que matavam
milhares de pessoas na época. Frente às drásticas medidas adotadas pelo então
presidente Rodrigues Alves, eleito em 1902, o povo carioca se amotinou.

FIGURA 7 – REVOLTA DA VACINA

FONTE: <https://cutt.ly/Mgbd04S>. Acesso em: 17 maio 2020.

A Revolta da Chibata (1910) foi um movimento social por meio do qual os


marinheiros brasileiros de baixa patente reivindicavam o fim dos maus tratos que sofriam.
O líder deles era João Cândido, conhecido como almirante negro, que fomentava os
pedidos por melhor condições de trabalho, alimentação e a anistia daqueles que se
envolveram na referida revolta. O movimento foi duramente reprimido pelo governo.
Mais tarde, entre 1912 e 1917, ocorre a Guerra do Contestado, entre as fronteiras do
estado do Paraná e Santa Catarina.

17
O conflito sócio-político se originou da construção de uma estrada de ferro que
ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul e demandou a expulsão de muitas pessoas de
suas terras. José Maria de Santo Agostinho, líder que se sensibilizou com o sofrimento
daqueles camponeses, posicionou-se contra o regime republicano brasileiro e logo seu
movimento de resistência foi desmantelado pelas forças do governo.

O declínio do regime republicano oligárquico se deu com a ascensão do


tenentismo. Os tenentes eram jovens oficiais que eram contra as oligarquias ruralistas
que conseguiram implantar o voto secreto no Brasil. Em meio a uma crise econômica
que afetou o mercado brasileiro do café, enfraquecendo as elites aqui estabelecidas,
existiu também um conflito político entre Minas Gerais e São Paulo. No ano de 1930,
o então presidente Washington Luís, lançado por São Paulo, estava em seu último
ano de mandato, apoiando o candidato Getúlio Vargas que perdera as eleições para
Júlio Prestes, de Minas Gerais. Sob suspeitas de fraudes eleitorais agravadas pelo o
assassinato de João Pessoa, vice de Getúlio Vargas, Júlio Prestes é deposto por militares
que, por meio de um golpe, nomeiam Vargas presidente da República no ano de 1930.
Tal fato marca o fim do período da República Velha.

A breve síntese que acabamos de fazer acerca da formação social do Brasil


nos apresenta alguns dos elementos que formam a base de nossa sociedade. Nosso
povo, nossa cultura, costumes, crenças e tradições, são fruto de um complexo e amplo
processo histórico que envolveu diversos povos, de diversos cantos do Planeta. No
próximo tópico continuaremos com a síntese histórica nacional sob a perspectiva de
diversos autores fundamentais à teoria social brasileira.

18
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O território que hoje corresponde ao Brasil era habitado por nativos de diversas
etnias antes da chegada dos invasores portugueses.

• Os povos indígenas, como são conhecidos até hoje os povos nativos brasileiros,
possuíam uma cultura altamente desenvolvida, além do domínio sobre os recursos
naturais aqui existentes.

• A invasão portuguesa trouxe consigo a escravidão, tanto dos povos nativos quanto
dos negros trazidos da África para cá.

• Muitos movimentos de resistência e luta pela emancipação de nossos povos foram


travadas em território brasileiro.

• O chamado período republicano foi marcado por diversas revoltas populares e


regimes políticos variados.

• A sociedade brasileira foi formada por elementos advindos das culturas nativa,
negra e europeia.

19
AUTOATIVIDADE
1 Antes mesmo de ser conhecido como Brasil, o território no qual vivemos era habitado
por diversas etnias nativas. Esses povos eram, em sua maioria, pessoas que viviam
em harmonia com a natureza, além de possuírem política bem organizada e altos
conhecimentos sobre os recursos naturais – que eram muito mais abundantes antes
da invasão portuguesa. A chegada dos europeus em terras brasileiras foi motivo de
muitos conflitos e resistência por parte dos povos que aqui habitavam. Covardemente
explorados pelos colonizadores, os chamados e até hoje conhecidos como indígenas,
foram submetidos a trabalhos braçais por objetos que recebiam em troca por meio do
escambo, quando não eram explicitamente escravizados. De acordo com as lutas por
emancipação protagonizadas pelos povos indígenas no Brasil, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Houve grandes cercos a cidades e vilas ocupadas por colonizadores europeus


em busca da libertação de pessoas escravizadas, muitos deles terminando em
sangrentos confrontos entre nativos e invasores.
( ) Alguns grupos indígenas faziam acordos com colonizadores, conforme às
demandas por melhores condições de vida às suas tribos, o que não impedia que
membros da mesma tribo não concordassem com os termos estabelecidos pelos
portugueses e outros europeus.
( ) Aconteceram conflitos nos quais diversos grupos indígenas diferentes se
associaram para lutar em resistências às más condições de vida impostas pela
colonização europeia, alguns terminando na expulsão ou morte de colonos
invasores.
( ) Os índios submetidos ao escambo não estavam sendo explorados, pois as trocas
estabelecidas pelos portugueses eram sempre justas e supriam as necessidades
dos povos nativos, sem demanda por conflitos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F.
b) ( ) V – V – V – V.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) F – V – F – V.
e) ( ) F – F – F – V.

2 O povo negro que foi trazido por meio de tráfico negreiro e hoje compõe mais da metade
da população brasileira, sempre foi combativo em relação aos abusos cometidos
pelos senhores de engenho do período colonial brasileiro e às sequelas sociais
iniciadas nesse tempo. Embora sejam diversos os relatos históricos que atribuem
à Princesa Isabel e ao 13 de maio à liberdade do povo negro no Brasil, estudamos

20
que o trabalho realizado a favor da plena emancipação dessas pessoas continua
contemporaneamente, porém, protagonizado pelo próprio movimento. Foram
diversos os levantes dos escravos negros, que se rebelavam e se concentravam em
quilombos, reivindicando por direitos que vão desde melhores condições de vida nas
senzalas à liberdade de manifestações culturais e religiosas. Com base nos principais
conflitos que ocorreram em nome da liberdade do povo negro no Brasil, analise as
sentenças a seguir:

I- Zumbi dos Palmares foi um grande líder negro que orientou a resistência do
quilombo dos Palmares, o maior e mais populoso do Brasil, onde ele e sua esposa
Dandara trabalharam a favor da emancipação de seu povo.
II - Era muito comum a prática do suicídio entre o povo negro na época das senzalas,
tão como os abortos realizados por escravas que eram vítimas frequentes de
estupros cometidos pelos senhores de escravos.
III - Dentre as práticas de resistência, que fizeram parte da luta a favor da emancipação
do povo negro no período colonial, estão as greves e os levantes contra os abusos
sofridos durante o regime escravagista.
IV - Apesar da Lei Áurea propor, no dia 13 de maio de 1888, a libertação dos escravos no
Brasil, as dificuldades sociais junto à discriminação e preconceito contra os negros
são sequelas do período escravista até os dias de hoje.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

3 O período do Brasil República, dividido em vários momentos conforme historiadores,


foi marcado por diversas revoltas populares e militares. Os novos movimentos sociais
emergentes no final do século XIX e início do século XX coexistiam com diversos
movimentos e dinâmicas sociais baseadas na autoridade e no militarismo. De acordo
com os conhecimentos absorvidos no primeiro tópico de nosso livro de Sociologia
Brasileira, disserte acerca dos conceitos de coronelismo, tenentismo e sobre a Guerra
de Canudos e a Revolta da Vacina.

21
22
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
SISTEMATIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA
NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
A Sociologia no Brasil emergiu de um processo histórico no qual as demandas
pela construção de uma teoria social que atendesse a alguns tipos de interesse. No
presente tópico, abordaremos o processo de organização da Sociologia Brasileira
anterior a sua formalização e institucionalização. Ou seja, analisaremos o período de
nascimento das primeiras análises sociais documentadas por autores genuinamente
brasileiros, que vivenciaram boa parte da história de nosso povo e nossa sociedade.
Desse modo, conseguiremos acompanhar, mesmo que de maneira resumida, a trajetória
que percorreram as análises sociais brasileiras. Serão estudadas desde as experiências
de estudo social pioneiras, realizadas em ambiente e por profissionais não pertencentes
ao meio propriamente sociológico, até o pensamento social científico/acadêmico
contemporâneo, metodologicamente mais avançados.

Começaremos pela contextualização do período no qual escreveram os principais


autores de nosso pensamento social, partindo para a análise das ideias de diversos
outros influentes pensadores nacionais, tão como aqueles que são considerados
marginais, tanto acadêmica quanto popularmente. Então começaremos pelas principais
abordagens dos estudos sociais do Brasil.

2 A CONSTITUIÇÃO DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO


O conflito entre classes foi o objeto de estudo mais enfatizado das Ciências
Sociais em seu período de nascimento. Isso ocorria em todo o mundo e na América Latina
não foi diferente. O pensamento social foi muito influenciado pelas teorias marxistas
(MARX, 2013), pois a principal preocupação dos primeiros pensadores a investigar a
dinâmica social do continente era a condição de exploração das então colônias europeias.
A pobreza, conflitos étnico-raciais, a violência de maneira geral e o processo histórico que
resultaram em tais fatores foram as principais abordagens da época.

O pensamento social no Brasil, naturalmente, foi constituído por pensadores


que não eram considerados sociólogos, teóricos políticos ou outras classificações
intelectuais e/ou acadêmicas. Basta lembrarmos que o reconhecimento dos campos
do saber de maneira isolada, como hoje é feito na Academia, é um fenômeno
bastante recente.

23
As primeiras formações acadêmicas de pesquisadores sociais, ocorre na
década de 1930 em nosso país. As Ciências Sociais brasileiras foram impulsionadas,
em grande parte, por autores independentes que relatavam suas impressões sobre o
período histórico no qual viveram e seu passado.

Conforme os estudos de Cândido (2006), podemos dividir a Sociologia Brasileira


em dois períodos, de acordo com os pensadores e o contexto no qual escreveram. O re-
ferido autor sustenta que o primeiro período de produção do pensamento social brasileiro
está compreendido entre os anos de 1880 e 1930, sendo o período de 1930-1940 consi-
derado um momento de transição para a produção intelectual voltada à sociedade brasi-
leira a partir da década de 1940. A partir daí a Sociologia estaria mais estruturada e seus
autores cada vez mais especializados na investigação dos fenômenos sociais nacionais.

No Brasil, podemos distinguir nitidamente, na evolução da Sociologia,


dois períodos bem configurados (1880-1930 e depois de 1940),
com uma importante fase intermédia de transição (1930-1940). No
primeiro, é praticada por intelectuais não especializados, interessados
principalmente em formular princípios teóricos ou interpretar de
modo global a sociedade brasileira. Além disso, não se registra o
seu ensino, nem a existência da pesquisa empírica sobre aspectos
delimitados da realidade presente (CÂNDIDO, 2006, p. 271).

Considerado o trecho anterior, partiremos das análises de autores do século


XIX para então compreendermos o processo histórico pelo qual se desenvolveu o
pensamento social brasileiro. Iniciaremos nossos estudos sobre a constituição do
pensamento social brasileiro a partir da obra de Constância Duarte (2010) sobre Nísia
Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, nascida em
Papari, no Rio Grande do Norte, no ano de 1810. Ela foi um grande nome do pensamento
social do século XIX e uma das pioneiras do debate de gênero nacional.

Quando observamos o percurso realizado pelas mulheres na conquista


de seus direitos mais elementares, como o de ser alfabetizada, poder
frequentar escolas ou simplesmente ser considerada dotada de
inteligência, verificamos o quanto esse trajeto foi penoso. Em parte,
é possível vislumbrá-lo através das trilhas deixadas por algumas
escritoras em seus textos, conscientes de que faziam parte de uma
reduzida elite de mulheres letradas, e que a educação era importante
para a valorização social do gênero feminino. Dentre as que
participaram desse debate, ao longo do século XIX, está a norte-rio-
grandense Nísia Floresta Brasileira Augusta, autora de importantes
títulos sobre a mulher, professora e fundadora de colégios para
meninas, que muito contribuiu para o avanço da educação feminina
em nosso país (DUARTE, 2010, p. 11).

Além dos direitos da mulher, Nísia Floresta reivindicava, por meio de seus
escritos, pelos direitos fundamentais dos índios e dos escravos negros brasileiros.
Ela escreveu sobre os direitos das mulheres e os abusos cometidos pelos homens na
sociedade patriarcal na qual estamos inseridos.

24
Foi um grande exemplo de resistência feminina que, em tempos quando a
mulher era dificilmente alfabetizada, forçada a ficar em casa cuidando exclusivamente
da família e dos afazeres domésticos, Nísia Floresta viajou por países como Portugal,
Inglaterra, Alemanha, Grécia, Itália e França, estudando e lecionando para meninas.
Umas de suas obras mais notáveis é Direitos das mulheres e injustiça dos homens
(FLORESTA, 1839), publicada pela primeira vez no ano de 1833. Pode ser considerada
uma das precursoras do movimento feminista brasileiro, inspirando não só mulheres,
mas diversos estratos sociais menos privilegiados, explorados e escravizados.

FIGURA 8 – RETRATO DE NÍSIA FLORESTA

FONTE: Duarte (2010, p. 10)

Um dos grandes nomes do abolicionismo brasileiro é o de Joaquim Nabuco


(1849-1910). Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo foi um político, diplomata,
advogado e historiador pernambucano que publicava poesias e chegou a ser Deputado
Geral da Província no ano de 1878. Fundou em sua casa, na praia do Flamengo, uma
Sociedade Contra a Escravidão. No ano de 1884, Nabuco apoiava o Gabinete liberal
Sousa Dantas, que propôs diversas medidas que objetivavam extinguir gradualmente a
escravidão no Brasil. Em 1985 é promulgada a Lei dos Sexagenários e, em 1887, Nabuco
se torna deputado de Pernambuco. Em discurso na Câmara condena a utilização do
Exército na perseguição dos escravos fujões. Teve forte atuação nos trâmites para a
assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.

FIGURA 9 – JOAQUIM NABUCO

FONTE: <https://cutt.ly/egmJcqE>. Acesso em: 19 maio 2020.


25
No dia 29 de maio de 1867, nascia em Aracati, no Ceará, Adolfo Ferreira Cami-
nha, um escritor naturalista que publicou poemas e fundou a Padaria Espiritual, movi-
mento literário-político que sustentava a importância da educação no que diz respeito
aos avanços sociais. Nasceu em tempos difíceis nos quais a seca assolava o nordeste
brasileiro. Simpatizava com o abolicionismo e publicou o jornal O Pão. Sua difícil vida que
se findou aos seus 30 anos de idade, inspirou obras grandes e quase sempre trágicas.

FIGURA 10 – ADOLFO CAMINHA

FONTE: <https://cutt.ly/3gmJSud>. Acesso em: 19 maio 2020.

Outro grande nome do pensamento social brasileiro é João da Cruz e


Sousa, poeta, filho de escravos, que nasceu em 1861, na cidade de Nossa senhora
do Desterro. Teve a oportunidade de estudar no Liceu Provincial de Santa Catarina
apesar da dura discriminação racial que sofria. Quem financiou seus estudos foram
os antigos “proprietários” de seus pais, que eram aristocratas. Escreveu para o
jornal abolicionista Tribuna Popular e é patrono da Academia Catarinense de Letras.
Colaborou com o jornal Folha Popular e escreveu também para revistas. Era ativista a
favor do fim do racismo e seus textos quase sempre tratavam dos temas escravidão,
solidão e dor. Pode ser considerado um símbolo da difícil ascensão do povo negro aos
cargos tradicionalmente brancos, tão como um dos negros pioneiros da Academia
no Brasil. Apesar das dificuldades provocadas pelo racismo que sofria, era bastante
reconhecido entre seus colegas e chegou a ser apelidado de “Dante Negro”, em
referência ao escritor humanista da Itália, Dante Alighieri.

26
FIGURA 11 – CRUZ E SOUSA

FONTE: <https://cutt.ly/WgmJ0ss>. Acesso em: 19 maio 2020.

Domingos José Gonçalves de Magalhães, que viria a se tornar o Visconde do


Araguaia, é outro dos grandes nomes da política e pensamento social do século XIX.
Foi um carioca que construiu uma densa carreira, trabalhando como médico, professor,
diplomata, político, poeta e ensaísta. Divulgou a cultura brasileira por meio da Revista
Niterói, fundada por ele junto aos escritores brasileiros Manuel de Araújo Porto-Alegre
(1806-1879) e Francisco de Sales Torres Homem (1812-1876). Foi Deputado do Rio
Grande do Sul e diplomata no cargo de Ministro de Negócios de países como Paraguai,
Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Itália, Vaticano, Áustria, Rússia e Espanha. Também
atuou como professor de Filosofia e possui uma extensa obra.

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/goncalves-de-magalhaes/>. Acesso em: 19 maio 2020.

FIGURA 12 – GONÇALVES DE MAGALHÃES

FONTE: <https://cutt.ly/ngmKvvm>. Acesso em: 19 maio 2020.

27
O poeta, professor, crítico de história, jornalista, teatrólogo e etnólogo, Antônio
Gonçalves Dias, nasceu em Caxias, no Maranhão, no ano de 1823, sendo um dos
pensadores que ajudaram a construir o pensamento social brasileiro. Fundou a Revista
Literária Guanabara e escreveu para diversos jornais da época. O autor mestiço foi autor
do livro Os Últimos Cantos e grande divulgador da grandeza indígena do Brasil. Exaltava
o povo nativo brasileiro, atribuindo o papel de protagonista aos índios de seus contos. É
autor da famosa Canção do Exílio.

FIGURA 13 – GONÇALVES DIAS

FONTE: <https://s.ebiografia.com/assets/img/authors/go/nc/goncalves-dias-l.jpg>.
Acesso em: 19 maio 2020.

Por fim, consideremos a obra de Machado de Assis, que foi um jornalista,


contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nascido no ano de 1839, no Rio de
Janeiro. Joaquim Maria Machado de Assis é considerado um dos maiores, senão o maior
nome da literatura brasileira. Foi criado no Morro do Livramento, estudou de acordo com
suas condições e se tornou um grande revisor e escritor brasileiro. Também colaborou
com o indianismo, dedicando várias de suas obras ao povo nativo brasileiro. No quadro
a seguir, encontram-se algumas de suas principais obras e suas sínteses:

QUADRO 3 – AS OBRAS MAIS IMPORTANTES DE MACHADO DE ASSIS

Memórias Póstumas de Brás Cubas – Nesta criação de 1881, o autor nos mostra a
perspectiva de um narrador, Brás Cubas, que decide contar sua história de vida após
sua morte. O livro é cercado de ironia e críticas aos privilégios e a elite da época, uma
das principais obras de Machado de Assis e sempre exigido nos vestibulares.

Dom Casmurro – Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1899 e traz o olhar
minucioso do autor sobre a sociedade e um tema polêmico: o ciúme. Isso, além de
uma das mais famosas personagens da literatura brasileira: Capitu.

28
A Mão e a Luva – Segundo romance de Assis, a obra foi publicada em 1874, em folhetins.
Dessa forma, se comparada aos livros anteriores, sua escrita é algo mais superficial e
simples, com um tom novelesco. A trama gira em torno dos relacionamentos burgueses
e da personagem Guiomar, protagonista considerada heroína da história.

Helena – Com a trama ambientada em Andaraí, no Rio de Janeiro, acompanhamos


um romance cercado de surpresas, amor proibido e personagens dramáticos. Dividido
no total de 28 capítulos, esta obra de Machado de Assis faz críticas à sociedade e foi
publicada em formato de folhetim, em 1876.

Quincas Borba – Lançado em 1891, neste livro acompanhamos a história de Rubião,


um ingênuo rapaz que decide seguir os ensinamentos do filósofo Quincas Borba.
Narrado em terceira pessoa, o livro possui traços realistas para a época, com muita
ironia e certas doses de pessimismo.

Iaiá Garcia – Marcando o fim da fase romântica de Machado de Assis, o livro de 1878,
também reúne detalhes da sociedade daquela época: os interesses, questões de
poder, amores proibidos e casamentos arranjados.

Ressurreição – Esta obra de Machado de Assis, de 1872, marca o estilo “machadiano”,


com os traços de romance, a intimidade com o leitor e o pessimismo presente em
quase todos os seus livros. No enredo temos Félix, um rapaz descrente da própria vida
amorosa até se apaixonar por Lívia. Depois, somos cercados pela desconfiança do
personagem e, mais uma vez, pelo ciúme cego do protagonista.
FONTE: <https://beduka.com/blog/materias/literatura/principais-obras-machado-assis/>.
Acesso em: 19 maio 2020.

FIGURA 14 – MACHADO DE ASSIS

FONTE: <http://machado.mec.gov.br/templates/machado/img/machado.png>.
Acesso em: 19 maio 2020.

29
É claro que o pensamento social brasileiro foi construído por diversos outros
autores que, infelizmente, não poderemos apresentar no presente material. Todavia,
a partir da obra de tais intelectuais, conseguimos identificar os principais problemas
sociais brasileiros vivenciados até o século XIX. A partir daí, podemos explorar as
principais abordagens das Ciências Sociais brasileiras, por mais que ainda não existisse
um campo do saber específico dedicado a esses estudos até então. As principais
inquietações dos autores tributários ao pensamento social do Brasil serão abordadas no
próximo subtópico, que ampliará nosso repertório de autores fundamentais à formação
da Sociologia Brasileira tal como a concebemos hoje. É importante salientar que as
sínteses apresentadas no presente tópico são de caráter introdutório. A complexidade e
vastidão da produção da Teoria Social brasileira demanda pesquisas mais aprofundadas,
tendo em vista o caráter fundamental da História do Brasil para o entendimento da
problemática social nacional.

3 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA TEORIA SOCIAL


BRASILEIRA
O subtópico anterior nos apresentou alguns dos tributários da Teoria Social
Brasileira que evidenciam os principais objetos de estudo do período que se inicia com
a chegada dos portugueses ao Brasil até o Período Colonial. Agora, destacaremos as
abordagens predominantes intrínsecas ao pensamento social brasileiro, inserindo o ponto
de vista de outros autores fundamentais à composição das Ciências Sociais no Brasil.

No século XIX, o autor Tobias Barreto de Menezes já tecia reflexões sobre temas
que abarcavam a Filosofia e Psicologia a fim de compreender o pensamento humano.
Desde o referido período, Menezes (1889) já expressava suas inquietudes em relação à
condição humana e nossos direitos fundamentais. A dominação de determinadas classes
e os efeitos sociais do sistema capitalista faziam parte do pensamento desse autor que
reconhecia a importância da literatura para a construção do pensamento social.

Espíritos medíocres que tiveram a ventura de apparecer á hora própria,


poderam facilmente conseguir uma reputação intelectual, acima do seu
mérito e dos seus esforços. De dia em argumentando e capitalisando
esse renome indebto, fructo do commercio com a ignorância geral,
chegaram enfim ao ponto de immobilisar, por assim dizer, na pessoa
deles, todas as honras literárias, e tornal-as para outros de uma quasi
impossível acquisição (sic) (MENEZES, 1889, p. 113-114).

Outras abordagens da sociedade brasileira foram realizadas por Sílvio Romero,


que considerava imprescindível levarmos em conta as condições climáticas e geográficas
do Brasil, os três povos fundamentais que o formaram tão como os aspectos morais
de nosso povo para compreendermos nossa realidade (MORAES FILHO, 1999). O autor
sustenta a ideia de que os estudos sociais devem contemplar análises antropológicas,
biológicas, filosóficas e políticas para que sejam consistentes.

30
[...] Sílvio Romero avança a hipótese de que o estudo deve considerar
o conjunto de elementos assim classificados: primários (ou naturais);
secundários (ou étnicos) e terciários (ou morais). No primeiro plano
as questões mais importantes dizem respeito ao clima e ao meio
geográfico. Aponta-os: “o excessivo calor, ajudado pelas secas na
maior parte do país; as chuvas torrenciais no vale do Amazonas,
além do intensíssimo calor; a falta de grandes vias fluviais entre o S.
Francisco e o Paraíba: as febres de mau caráter reinantes na costa”.
A isto acrescenta: “o mais notável dos secundários é a incapacidade
relativa das três raças que constituíram a população do país. Os
últimos – os fatores históricos chamados política, legislação, usos,
costumes, que são efeitos que depois atuam também como causas”.
Em síntese, as diversas doutrinas acerca do Brasil chamaram a
atenção para aspectos isolados, que cabia integrar num todo único.
O destino do povo brasileiro, a exemplo do que se dava em relação
à espécie humana, estaria traçado numa explicação de caráter
biosociológica, como queria Spencer (MORAES FILHO, 1999, p. 51).

A construção da nacionalidade brasileira foi abordada por Adolfo Varnhagen


(1957 apud GUIMARÃES, 1988), que aborda a relação entre o homem branco, a nação
e o Estado para tentar entender o fenômeno do nacionalismo. Varnhagen (1857 apud
GUIMARÃES, 1988, p. 18), em relação a sua metodologia de estudos, evidencia que: “Em
geral busquei inspirações de patriotismo sem ser no ódio a portugueses ou à estrangeira
Europa, que nos beneficia com ilustrações; trarei de pôr um dique a tanta declamação e
servilismo à democracia; e procurei ir disciplinando produtivamente certas ideias soltas
de nacionalidade”.

Devemos considerar o fato de que o Brasil foi construído à base de mão de


obra negra e indígena, explorada pelos europeus colonizadores. A partir de tais pilares,
desenvolveram-se diversos tipos de problemas sociais que hoje são investigados pela
Sociologia Brasileira.

A dominação de classes, raças e interesses é tema de múltiplas pesquisas


que, até os dias de hoje, são desafio para os estudiosos que produzem a Teoria Social
Brasileira. A economia baseada na agricultura, que carrega a herança da mão de obra
escrava, reflete em diversas problemáticas sociais como a desigualdade, a violência, a
miséria, o racismo e diversos outros problemas.

No próximo tópico abordaremos o processo de institucionalização da Sociologia


no Brasil, apresentando o desenvolvimento e a formalização da disciplina como campo do
saber independente, tão como a Sociologia foi inserida no âmbito acadêmico brasileiro. Para
tanto, evidenciaremos o desenrolar histórico das Ciências Sociais no país, seu contexto de
formação e seus principais produtos iniciais.

31
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A Teoria Social brasileira foi constituída, inicialmente, por diversos pensadores de


distintas áreas do conhecimento que acompanhavam os problemas sociais do
período histórico no qual viveram.

• Dentre os autores que relataram as principais problemáticas sociais brasileiras estão


tributários do abolicionismo, indianismo, feminismo entre outros.

• O pensamento social brasileiro já se manifestava por meio da literatura, jornalismo,


política entre outros meios, antes mesmo de se tornar um campo do saber
independente.

• As principais abordagens sociais estabelecidas anteriormente à formalização das


Ciências Sociais no Brasil giram em torno da questão racial, colonizadora, escravista
e econômica.

32
AUTOATIVIDADE
1 A Teoria Social brasileira nasceu anteriormente à formação das Ciências Humanas
formais. Foram diversos os pensadores que já problematizavam, principalmente a
partir do século XVIII, a sociedade que se consolidava no Brasil. Dentre os principais
assuntos abordados por tais intelectuais estavam a dominação de classes, patriarcado,
escravidão, formação do povo brasileiro, colonialismo e outros. Considerando a
produção intelectual voltada à Teoria Social brasileira, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Nísia Floresta, por ser considerada uma das pioneiras não só dos debates feministas
brasileiros como também da ascensão acadêmica feminina, tendo em vista as
dificuldades que a mulheres sofriam e sofrem até hoje em relação ao ingresso na
carreira de educador no Brasil.
( ) Dentre os autores nacionais que escreviam, ainda no século XVIII, sobre o cenário
social brasileiro, muitos trabalhavam como jornalistas, professores, políticos,
poetas e diversas outras ocupações.
( ) Os autores que trabalhavam a favor do abolicionismo escravocrata no Brasil nem
sempre eram de origem afrodescendente, sendo alguns deles políticos, intelectuais,
artistas e outros simpatizantes não negros da causa.
( ) O indianismo é uma das vertentes que surgiram da necessidade que alguns autores
tiveram de resgatar o protagonismo indígena na formação do povo brasileiro, ou
seja, reatribuir aos povos nativos do Brasil o título de brasileiros legítimos, cuja
cultura e etnia foram reduzidas drástica e cruelmente frente à dominação europeia.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F.
b) ( ) V – V – V – V.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) F – F – V – V.
e) ( ) F – F – F – V.

2 O contexto histórico-geográfico no qual se formou o Brasil é único, assim como em


cada um dos países colonizados ou não. As condições materiais de cada território,
tão como as especificidades de cada povo que habita determinada região são fatores
particulares que ajudam a moldar as civilizações que ocupam qualquer tipo de
espaço. No caso do Brasil, a riqueza de recursos naturais e a multiplicidade de etnias
que aqui habitavam antes da invasão portuguesa, são os pilares de nossa história,
que continuou após a chegada dos colonizadores e do povo negro trazido da África
para serem escravizados aqui. Frente à diversidade dos elementos que constituem
a sociedade brasileira, foram tecidas análises sociais que, desde a chegada dos

33
europeus às terras tupiniquins, serviram de base para formação da Teoria Social
brasileira. Com base nas afirmações sobre as principais abordagens do pensamento
social brasileiro do Período Colonial, analise as sentenças a seguir:

I- Um dos temas mais discutidos entre os pensadores do Período Colonial brasileiro é


o da exploração do povo nativo, êxodos e o a mão de obra escrava com todas suas
implicações.
II- Os autores do século XVIII e início do século XIX relataram diversos tipos de conflitos
entre colonizadores e povos nativos, europeus e escravos negros além de alianças
entre alguns povos distintos.
III- São frequentes os relatos de lutas entre indígenas e negros que disputavam o
território brasileiro, tão como a união entre povos europeus para escravização e
comercialização do povo nativo em terras estrangeiras.
IV- Muitos dos relatos dos precursores do pensamento social brasileiro são referentes
às resistências que culminaram na expulsão de alguns grupos de colonizadores das
terras por ele invadidas.

Assinale a alternativa CORRETA?

a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


b) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
e) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

3 A ocupação de nosso território por colonizadores europeus é comumente


retratada como o “descobrimento do Brasil”, todavia, sabemos que aqui já existia
uma multiplicidade de povos e etnias com dinâmicas sociais muito diferentes da
europeia, antes mesmo do ano de 1500. O processo de aculturação “soterrou” uma
grande variedade de culturas, crenças, conhecimentos e maneiras de se interagir
com a natureza e seus recursos. Sabendo isso, faça uma reflexão sobre um Brasil
contemporâneo, caso os colonizadores não tivessem ocupado as terras dos povos
originários. Disserte sobre como seria, em sua opinião, um Brasil formado pelos povos
nativos, sem a interferência do restante do mundo, sem a presença da dinâmica
capitalista de superprodução, acumulação e consumo, sem exploração dos povos e
recursos naturais aqui existentes.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO
BRASIL

1 INTRODUÇÃO
No presente tópico, daremos sequência à reconstituição e síntese histórica
iniciada no primeiro tópico, contextualizando o nascimento da Sociologia no Brasil como
campo do conhecimento independente. Trabalharemos também a trajetória dos estudos
sociais brasileiros, analisando a maneira com a qual é inserida, suspensa e retorna à
educação pública nacional.

Para tanto, iniciaremos nossas analises a partir da Revolução de 1930, quando


se inicia a Era Vargas, período da História do Brasil em que as ciências sociais ganham
um novo escopo, uma nova dinâmica política emerge e a Sociologia ganha um espaço
no qual jamais esteve inserido. Acompanhe, então, como evoluiu e as transformações
que sofreu a Sociologia Brasileira com o desenrolar do processo histórico.

2 O NASCIMENTO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL


No período que compreende os anos de 1930 a 1945, intitulado Era Vargas,
o Brasil passa por profundas mudanças políticas, econômicas e sociais. Com a tomada
de poder por Getúlio Vargas, que assumiu o governo do país por meio de um Golpe
de Estado apoiado principalmente por militares, a dinâmica da Política Café com Leite
é rompida, afastando as oligarquias da alternância de poder no Brasil. Uma de suas
primeiras medidas com relação à Economia nacional foi a queima de uma grande parte
do café produzido e estocado no país a fim de valorizar o produto, tendo em vista que a
Crise Econômica de 1929 havia prejudicado o preço do café. Outra importante medida
adotada por Getúlio Vargas foi o investimento na indústria com o intuito de substituir a
antiga economia baseada no comércio de produtos agrícolas.

Nesse período, mais especificamente no ano de 1932, foi publicado o Manifesto


dos Pioneiros da Educação Nova, um documento escrito por intelectuais brasileiros com o
objetivo de orientar uma transformação social por meio de políticas públicas educacionais
brasileiras. Dentre os principais pressupostos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
estava o enaltecimento dos direitos dos cidadãos brasileiros no que tange à educação.

O material propunha que a educação brasileira fosse única, gratuita, obrigatória e


laica, respeitando o protagonismo da sociedade brasileira sobre nosso desenvolvimento
social. O Estado, a partir daí, teria maiores responsabilidades sobre a educação no país,
garantindo o acesso e a permanência de jovens nas escolas.

35
A Reforma Capanema foi uma reforma educacional promovida pelo ministro
da Educação e da Saúde de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, que implementou, no
ano de 1942, uma política educacional alinhada ao seu ideário. A referida reforma foi
responsável pela regulamentação do ensino primário, criou o supletivo para as pessoas
que não puderam concluir os estudos no tempo estabelecido, organizou o ensino
ginasial (4 anos) e colegial (3 anos), estabeleceu o ensino profissional de nível médio
além da criação do “Sistema S” de formação profissional. De acordo com a Agência
Senado, Sistema S é um:

Termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas


voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa
e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm
raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema
S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio
(Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do
Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e
Serviço Social de Transporte (Sest).

FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/sistema-s>. Acesso em: 3 jun. 2020.

A adoção da Reforma Capanema revela uma característica fundamental


no propósito da educação brasileira no início do século XX. Os investimentos eram
majoritariamente voltados à formação profissional do povo, tendo em vista a tentativa de
industrialização do Brasil durante a Era Vargas. Os estudos de Torres (2016) identificam
que essa tendência perdura contemporaneamente nas políticas públicas educacionais
brasileiras. Todavia, foi também durante a Era Vargas que a Sociologia emerge como
campo especializado do saber em terras tupiniquins. Como Cândido (2006) já nos
revelava no ano de 1956, de acordo com suas pesquisas, a Sociologia no Brasil pode ser
considerada existente desde o século XIX, sendo, até a década de 1930, constituída por
juristas e diversos outros tipos de profissionais. De 1930 a 1940, o Brasil passa por um
período de transição que profissionaliza os pesquisadores da Teoria Social. Os estudos
de Liedke Filho (2005) revelam parte da história da Sociologia no Brasil, tão como
algumas etapas de sua evolução, suas influências europeias e norte-americanas entre
outros aspectos que moldaram a Sociologia Brasileira. Liedke Filho (2005) aponta que
a emergência e a evolução da Sociologia como uma disciplina acadêmico-científica no
Brasil e na América Latina se divide em duas etapas, cada uma por sua vez passa por
dois períodos fundamentais. Observe:

36
• A Herança Histórico-cultural da Sociologia:
º Período dos Pensadores Sociais.
º Período da Sociologia de Cátedra.

• Etapa Contemporânea da Sociologia:


º Período da Sociologia Científica.
º Período de Crise e Diversificação.

Liedke Filho (2005) concorda com Cândido (2006) ao caracterizar o primeiro


período da primeira etapa, a Herança Histórico-Cultural da Sociologia Brasileira
(século XIX até início do século XX).

O período dos Pensadores Sociais, também chamado por alguns auto-


res de período Pré-Científico, corresponde historicamente ao período
que se estende das lutas pela Independência das nações latino-ame-
ricanas até o início do século XX. Durante esse período, a elaboração
de teoria social tendeu a ser desenvolvida por pensadores e mesmo
homens de ação (políticos), sob a influência de ideias filosófico-sociais
europeias ou norte-americanas, por exemplo, o iluminismo francês,
o ecletismo de Cousin, o positivismo de Comte, o evolucionismo de
Spencer e Haeckel, o social-darwinismo americano de Sumner e Ward
e o determinismo biológico de Lombroso. Sob as influências desses
autores buscava-se equacionar duas problemáticas centrais – a for-
mação do Estado nacional brasileiro, opondo liberais e autoritários, e a
questão da identidade nacional, tendo como núcleo a questão racial
opondo os que sustentavam uma visão racista e os inspirados pelo
relativismo étnico-cultural (LIEDKE FILHO, 2005, p. 377).

Após o momento que os primeiros Pensadores Sociais informais emergem no


Brasil, o período da Sociologia de Cátedra se desenvolve de forma a fortalecer as bases
da Teoria Social Brasileira.

O período da Sociologia de Cátedra iniciou-se nos países latino-


americanos em fins do século passado, quando cátedras de Sociologia
foram introduzidas nas Faculdades de Filosofia, Direito e Economia. No
Brasil, esse período teve início em meados da década de vinte, quando
foram criadas as primeiras cátedras de Sociologia em Escolas Normais
(1924-25), enquanto disciplina auxiliar da pedagogia, dentro do esforço
democratizante do movimento reformista pedagógico que tem sua
expressão maior no movimento da Escola Nova. Neste momento,
ocorreu a proliferação de publicações como os manuais e coletâneas
para o ensino de Sociologia, os quais procuravam divulgar as ideias de
cientistas sociais europeus e norte-americanos renomados, tais como
Durkheim e Dewey, bem como ideias sociológicas acerca de problemas
sociais como urbanização, migrações, analfabetismo e pobreza. Ao
mesmo tempo, a questão da miscigenação racial no Brasil passou
a ser tratada em uma perspectiva otimista como em Casa Grande e
Senzala de Gilberto Freyre (2000) (LIEDKE FILHO, 2005, p. 380-381).

O segundo momento, a Etapa Contemporânea da Sociologia, é subdividido


em Período da Sociologia Científica e Período de Crise e Diversificação. No primeiro período
ocorre um fenômeno muito importante à Sociologia Brasileira: a institucionalização
da Sociologia no Brasil.

37
A institucionalização acadêmica da Sociologia no Brasil ocorreu em me-
ados da década de 1930, com a criação da Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo (1933) e com a criação da Seção de Sociologia e
Ciência Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo
(1934). As tentativas, de relacionar o ensino e a pesquisa em Sociologia,
ainda que limitadas e parciais em ambas as instituições, demarcam o
início da chamada etapa da Sociologia Científica, a qual viria a ter seu
apogeu em fins dos anos de 1950 (LIEDKE FILHO, 2005, p. 382).

O atual momento da Sociologia Brasileira se inicia com o Período de Crise e


Diversificação da Sociologia no Brasil.

No bojo da crise social e política brasileira e latino-americana do


final dos anos 50 e início da década de 60 [...], verificou-se o início
do período de crise e diversificação da Sociologia brasileira. Este
momento foi caracterizado pela crise institucional e profissional
da Sociologia e das ciências sociais em geral, sob o efeito das
medidas repressivas (cassações, prisões, exílios e desaparecimento)
dos regimes autoritários. O Golpe de 1964 no Brasil inaugura este
ciclo autoritário, também chamado de ciclo do novo autoritarismo,
caracterizado pela transformação dos estados desenvolvimentistas-
populistas da região em estados burocrático-autoritários, na
terminologia proposta por Guillermo O’Donnell (1982), e seguido por
uma sucessão de golpes militares, como os ocorridos na Argentina
(golpes de 1966 e 1976) e no Uruguai (golpe de 1973) (LIEDKE FILHO,
2005, p. 384).

O quadro a seguir sintetiza os principais momentos da trajetória do Pensamento


Social Brasileiro, dos primeiros pensadores que lançaram mão das primeiras análises
sociais no Brasil à institucionalização e principais crises da Sociologia nacional. Observe:

QUADRO 4 – A SOCIOLOGIA NO BRASIL

Período Entre 1888 e


Entre 1934 e 1957 Entre 1957 e 2002
aproximado 1934
Gramsci;
Escola de Chicago;
Althusser;
Lombroso; Marx;
Elias;
Spencer; Weber;
Habermas;
Influências Comte; Manheim;
Foucault;
Durkheim; Goldman;
Giddens;
Dewey. Luckàcks;
Bourdieu;
Sartre.
Weber.

38
Multiculturalismo;
Identidade Raças;
Nacional; Gênero;
Relações Raciais e
Miscigenação Direitos Humanos;
Democracia Racial;
Racial (Visão Violência;
Estudos de
Pessimista); Desigualdades Sociais;
Temas Comunidade;
Escola Nova e Religiões;
Transição para a
Democratização; Representações Sociais;
Modernidade;
Miscigenação Identidades Sociais;
Dois Brasis.
Racial (Visão Novos Movimentos Sociais;
Otimista). Reativação da Sociedade
Civil
Visão Racista X Sociedade Tradicional
Relativismo; e Sociedade Moderna;
Questão Racial; Modernização,
Autoritarismo X
Problemáticas Liberais X Dependência e
Democratização.
Autoritários; Nacionalismo;
Formação do Subdesenvolvimento
Estado Nacional. e Desenvolvimento.
PENSADORES
SOCIOLOGIA CRISE E
SOCIAIS (Não
CIENTÍFICA DIVERSIFICAÇÃO
formais);
Etapas da (Cursos de Sociologia (Cassações e Censura);
SOCIOLOGIA
sociologia e Política na USP; NOVA IDENTIDADE
DE CÁTEDRA
Escola Livre Sociologia SOCIOLÓGICA
(Cátedras em
e Política). (Contemporaneidade).
Escolas Normais).
FONTE: Adaptado de Liedke Filho (2005)

Podemos concluir que o estabelecimento da Sociologia no Brasil passou


por diversas etapas desde sua construção, institucionalização até sua autonomia e
profissionalização. Agora, concentraremos nossas análises nos principais desafios
enfrentados pelos brasileiros em busca da ascensão da Sociologia no Brasil.

3 A SOCIOLOGIA BRASILEIRA E SEUS PRINCIPAIS


DESAFIOS
Prosseguindo sob as análises de Liedke Filho (2005), acompanharemos as principais
tribulações da Sociologia Brasileira. Iniciaremos do período de Crise e Diversificação da
Sociologia Brasileira que, desde a crítica marxista emergente no fim da década de 1950 e
início dos anos 1960, implicou uma mudança de paradigma no que se refere ao pensamento
social brasileiro. As mudanças político-culturais das décadas de 1960 e 1970 no mundo
inteiro colaboraram com as mudanças estruturais da Teoria Social, inclusive no Brasil.

39
FIGURA 15 – REFLEXÃO SOBRE AS DIFICULDADES DE ESTABELECIMENTO DA SOCIOLOGIA
NO BRASIL

FONTE: <https://cafecomsociologia.com/wp-content/uploads/2016/02/Untitled-1-2280x1052_c.jpg>.
Acesso em: 3 jun. 2020.

Partindo do pressuposto que a Sociologia é uma fundamental ferramenta


utilizada a favor da conscientização e mudanças sociais contemporâneas, devemos
refletir sobre os motivos pelos quais esse campo do saber enfrenta diversos obstáculos
para sua inserção e estabelecimento na educação básica brasileira. As segunda onda
de sequentes ditaduras militares na América Latina, ocorrida a partir da década de 1960,
teve início no Brasil no ano de 1964, passando pela Bolívia (1964), Argentina (1966 e,
posteriormente, 1976) e pelo Chile e Uruguai no mesmo ano (1973), foram marco de
sucessivas repressões armadas, cassações, prisões, exílios, desaparecimentos e
censuras aos pensadores das Ciências Sociais.

O Golpe Militar de 1964, que deu início ao período da Ditadura Militar no Brasil
(1964-1985), foi marco de inúmeros retrocessos às Ciências Sociais brasileiras. Alguns
dos acontecimentos mais notáveis foram o fechamento, em 1964, do ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros), criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955,
como órgão do Ministério da Educação e Cultura, e as cassações na Universidade de
São Paulo, no ano de 1969. Em contrapartida, surgiram alguns centros privados de
pesquisas como o CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), CEDEC (Centro
de Estudos de Cultura Contemporânea) e o IDESP (Instituto de Estudos Econômicos,
Sociais e Políticos de São Paulo).

O impacto negativo da instauração do regime autoritário sobre a


evolução sociológica brasileira está relacionado diretamente com o
golpe de 1964 e com o “golpe dentro do golpe” de 1968 que tem no
AI-5 seu marco principal. O fechamento do ISEB, em 1964, os IPM e
as cassações pareciam indicar que as ciências sociais brasileiras es-
tavam entrando em um período recessivo. O fechamento do ISEB em
1964 pelo regime militar e as cassações de cientistas sociais em 1969,
assim como o impacto negativo da repressão cultural-educacional
aos níveis universitários e das condições de exercício profissional,
correspondem plenamente às características gerais da quarta etapa
de evolução da Sociologia na América Latina. Todavia, em contraste

40
com a evolução adversa da Sociologia em outros países latino-ame-
ricanos, particularmente do Cone Sul, sob as condições autoritárias,
a Sociologia no Brasil experimentou uma razoável expansão institu-
cional do ensino e da pesquisa (LIEDKE FILHO, 2005, p. 396).

O regime militar reavivou um costume que já se praticava no Brasil desde a Era


Vargas: a queima de livros considerados subversivos. O regime militar brasileiro, além
de queimar diversos títulos considerados nocivos à ordem estabelecida pelo exército
nacional, fechou as portas de diversas instituições de ensino, bibliotecas e centros de
estudos onde literaturas libertárias eram compartilhadas. A imagem a seguir ilustra a
queima de livros como ato de repressão às ideias consideradas contrárias à hegemonia
política vigente no Brasil na década de 1930. A partir da análise de tal tipo de censura de
conhecimento, podemos concluir que os saberes produzidos não só na academia, mas
por diversas categorias de intelectuais do Brasil, são, há muito tempo, considerados
subversivos e, portanto, alvo de diversas retaliações políticas.

FIGURA 16 – REFLEXÃO SOBRE A QUEIMA DE LIVROS COMO REPRESSÃO INTELECTUAL NO BRASIL

FONTE: <https://www.correio24horas.com.br/fileadmin/acervo/tt_news/Midia_Santana/recorte_jornal013.
jpg>. Acesso em: 4 jun. 2020.

A perseguição de intelectuais e suas obras é recorrente em regimes ditatoriais,


ou seja, que não aceite e, consequentemente, reprimem outros tipos de manifestação
política. A ditadura militar brasileira não atuou de maneira diferente, silenciando boa
parte da população brasileira sustentando falsos argumentos baseados no crescimento
e modernização do Brasil. A referida ação é, além de antidemocrática, nociva à evolução
e emancipação intelectual do povo brasileiro.

41
O Relatório Final da Comissão da Verdade da UFES (2016), destaca
a fase da Universidade em tempos de ditadura como uma época
de contradições. Por um lado se apresentava um projeto de
modernização da sociedade em que as Universidades ocupavam um
lugar de destaque, e por outro lado e ao mesmo tempo é estruturada
uma política de estado voltada para a repressão e o silenciamento
da sociedade, que constitui o alicerce principal do projeto de
hegemonia do grupo político que assumiu o poder no Brasil em 1964.
As universidades tinham papel estratégico na construção do ideal do
“Brasil Grande” elaborado pelo regime militar (LIMA, 2017, p. 43).

Dentre alguns intelectuais censurados e exilados durante o período da ditadura


militar estão:

• Ferreira Gullar

Militante do Partido Comunista Brasileiro, o poeta foi preso logo após a


assinatura do Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968. Atuando na clandestinidade
desde então, somente em 1971 é que Gullar deixou o país. Durante os anos de exílio,
passou por Moscou, na Rússia; Santiago, no Chile; Lima, no Peru; e Buenos Aires, na
Argentina. Seu retorno ao Brasil aconteceu somente em março de 1977.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/exilados-durante-a-ditadura-militar/g-17517116>. Acesso em: 4 jun. 2020.

• Oscar Niemeyer

Membro do Partido Comunista Brasileiro desde 1945, o arquiteto foi


perseguido pelo governo após o golpe. Impedido de trabalhar no Brasil, em 1967
seguiu para a França, onde se instalou em Paris, e recebeu autorização de Charles
de Gaulle para exercer sua profissão no país. Reconhecido e valorizado no exterior,
Niemeyer só voltou para o Brasil no início da década de 1980.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/exilados-durante-a-ditadura-militar/g-17517116>. Acesso em: 4 jun. 2020.

• Ana Maria Machado

Ana Maria Machado nasceu em Santa Teresa, Rio de Janeiro, em 24 de


dezembro de 1941. É casada com o músico Lourenço Baeta, do quarteto Boca Livre,
tendo o casal uma filha. Do casamento anterior com o médico Álvaro Machado, Ana
Maria teve dois filhos. Estudou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no
MoMa de Nova York, participou de salões e exposições individuais e coletivas no
país e no exterior, enquanto fazia o curso de Letras (depois de desistir do curso de
Geografia). Formou-se em Letras Neolatinas, em 1964, na então Faculdade Nacional

42
de Filosofia da Universidade do Brasil, e fez estudos de pós-graduação na UFRJ.
Em janeiro de 1970, deixou o Brasil e partiu para o exílio. Na bagagem, levava cópias
de algumas histórias infantis que estava escrevendo, a convite da revista Recreio.
Trabalhou como jornalista na revista Elle em Paris e no Serviço Brasileiro da BBC de
Londres, além de se tornar professora de Língua Portuguesa na Sorbonne. Nesse
período, participou de um seleto grupo de estudantes na École Pratique des Hautes
Études cujo mestre era Roland Barthes, sob cuja orientação terminou sua tese de
doutorado em Linguística e Semiologia, em Paris. O trabalho resultou no livro Recado
do Nome (1976), sobre a obra de Guimarães Rosa.

FONTE: <http://www.academia.org.br/academicos/ana-maria-machado/biografia>. Acesso em: 4 jun. 2020.

FIGURA 17 – ANA MARIA MACHADO

FONTE: <https://www.academia.org.br/sites/default/files/academicos/fotografias/ana-maria-machado.
jpg>. Acesso em: 4 jun. 2020.

• Glauber Rocha

O aumento da repressão durante a ditadura fez com que o cineasta partisse


para o exílio em 1971. Durante a temporada fora do Brasil – que duraria cinco anos –,
Rocha passou por diversos países da América Latina, Europa e nos EUA. Executou
uma série de projetos no período em que ficou no exterior e retornou ao Brasil
apenas em 1976.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/exilados-durante-a-ditadura-militar/g-17517116>. Acesso em: 4


jun. 2020.

43
• Fernando Gabeira

No final dos anos 1960, o jornalista e ex-deputado ingressou na luta armada


contra a ditadura militar, tendo participado do sequestro do embaixador americano
Charles Elbrick. Foi preso e, depois de ser libertado, partiu para o exílio. Durante este
tempo, passou por Chile, Suécia e Itália. Ficou dez anos fora do Brasil. Retornou com
a anistia, no fim de 1979.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/exilados-durante-a-ditadura-militar/g-17517116>. Acesso em: 4 jun. 2020.

• Augusto Boal

A entrada em vigor do AI-5 fez com que o dramaturgo deixasse o país com
o Teatro Arena, em uma excursão de um ano, entre 1969 e 1970, por EUA, México,
Argentina e Peru. Quando voltou ao Brasil, foi preso e torturado e decidiu seguir para
a Argentina. Boal passaria ainda por uma série de outros países antes de voltar ao
Brasil, em 1984.

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/exilados-durante-a-ditadura-militar/g-17517116>. Acesso em: 4 jun. 2020.

• Álvaro Vieira Pinto

Álvaro Vieira Pinto nasceu em Campos (RJ), no dia 11 de novembro de


1909. Formado em medicina em 1932, pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio
de Janeiro, em 1934 ingressou na Ação Integralista Brasileira (AIB), organização de
inspiração fascista, liderada por Plínio Salgado. No campo profissional, dedicou-se
aos estudos e pesquisas laboratoriais. Paralelamente, completou os cursos de física
e matemática na Universidade do Distrito Federal (UDF). Alceu Amoroso Lima, então
reitor da UDF, indicou-o para ensinar lógica matemática, disciplina pela primeira fez
oferecida no país. Exilou-se a princípio na Iugoslávia e posteriormente no Chile.

FONTE: <https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/alvaro_vieira_pinto>. Acesso


em: 4 jun. 2020.

• Darcy Ribeiro

Formado em antropologia, dedicou seus primeiros anos de vida profissional


ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia (1946-1956). Nesse
período, criou o Museu do Índio e formulou o projeto de criação do Parque Indígena do

44
Xingu. Elaborou para a Unesco um estudo sobre o impacto da civilização sobre grupos
indígenas brasileiros no século XX e, em 1954, colaborou com a Organização Interna-
cional do Trabalho na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o
mundo. Foram 12 anos exilado entre o Uruguai, Venezuela, Chile, Peru e México.

FONTE: <http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/darcy-ribeiro/>. Acesso em: 4 jun.


2020.

• Paulo Freire

Quando os militares tomaram o poder em 1º abr. 1964, depondo o então pre-


sidente João Goulart, Paulo Freire vivia com a família em Brasília, a serviço do Minis-
tério da Educação e Cultura (MEC). Envolvido com o trabalho de formação de profes-
sores em Goiânia, era sua assistente, Carmita Andrade, quem o mantinha informado
sobre a intensa movimentação política na capital. Na Câmara dos Deputados, políti-
cos conservadores se revezavam na condenação permanente de seu método de al-
fabetização. Em 18 de abril, o deputado Emival Caiado, do partido conservador União
Democrática Nacional (UDN), denunciou Mauro Borges, então governador de Goiás
e aliado do ex-presidente Jango, de implantar o comunismo no Estado: “O método
comunizante do sr. Paulo Freire teve entusiástica acolhida do Governo goiano. O sr.
Mauro Borges deu total e completa cobertura a órgãos estudantis dominados por
comunistas”. Caiado concluiu, aos brados: “Não creio que em nenhum outro Estado
o comunismo tenha se infiltrado tanto!”. Paulo se rendeu ao apelo feito por vários de
seus amigos, entre eles o professor de literatura e líder católico Alceu Amoroso Lima,
conhecido também como Tristão de Ataíde, e buscou exílio na embaixada da Bolívia.
Antes disso, tentara sem sucesso a representação diplomática do Chile, que recusa-
ra seu pedido. Muitos colegas também tentaram encontrar formas de acolhê-lo no
exterior, caso de Ivan Illich, educador austríaco radicado no México, que conhecera
Paulo em uma visita ao Recife, mas nada havia dado certo até então.

FONTE: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/22/cultura/1571754417_189523.html>. Acesso em:


4 jun. 2020.

45
FIGURA 18 – PAULO FREIRE

FONTE: <https://cutt.ly/zgm0atEl>. Acesso em: 4 jun. 2020.

Dentre as pessoas que foram exiladas, mortas e/ou desaparecidas durante o


regime militar no Brasil, grande parte eram mulheres, estudantes, professores e outras
categorias de intelectuais que lutaram contra os abusos de poder cometidos durante o
período. Em sua obra, Costa et al. (1980) constitui um apanhado de relatos de mulheres
que muito sofreram com a ditadura. A seguir consta um dos depoimentos de uma vítima
de tortura cometida pelos militares que defendiam o governo ditatorial:

[...] me puseram numa cela e jogaram Sandra noutra, perto da


minha, uma cela suja, sem cama. Ela gritava muito porque entravam
e torturavam ali mesmo. A cada momento chegava um tenente
daqueles que queria forçar até estuprá-la e tudo. E eu passei a noite
assim, andei o resto da noite com este tipo de tortura na minha cabeça.
Ela gritando de um lado e eu, sem condições de pensar direito nem
nada, num estado nervoso, tremendo, querendo raciocinar... pensar...
(COSTA et al., 1980, p. 165).

A chamada Nova República, período posterior à ditadura militar, e a


implementação da nova Constituição de 1988 (BRASIL, 2002), trouxe consigo uma nova
abordagem sociológica no Brasil. Liedke Filho (2005) sintetiza as consequências da
“transição democrática” em relação à produção da Teoria Social no país, apontando uma
tendência microssociológica de tais análises. Ou seja, as análises sociais brasileiras se
voltaram ao estudo de movimentos menores, que não concernem mais à resolução de
problemas estruturais maiores, como o do sistema político-econômico-social vigente.

A Sociologia no Brasil, no período dos anos 1960 e 1970 para os anos


1990, vivenciou uma passagem de análises macrossociológicas de
crítica ao modelo econômico-social excludente do “milagre” e de
crítica ao modelo autoritário para uma microssociologização dos
estudos. Em grandes linhas, verificou-se uma evolução temática da
Sociologia brasileira nos seguintes termos: de grandes interpretações
macroestruturais do modelo econômico-político-cultural do regime
anterior, passou-se para a análise dos agentes e características
da transição democrática, seguida dos temas da democratização
necessária, dos movimentos sociais e da estratégia de reativação da
sociedade civil. Rapidamente, ocorreu uma dissociação da questão
dos movimentos sociais em relação a condições macroestruturais,

46
passando a Sociologia a dedicar-se massivamente a enfocar as
identidades e representações sociais dos movimentos urbanos e
rurais, do movimento sindical, dos movimentos feministas e gay, do
movimento negro e dos movimentos ecológicos. Filosoficamente
poder-se-ia dizer que, em termos clássicos, ocorreu um tipo de
passagem do privilegiamento da questão do “para-si” para o “em-si”
dos movimentos sociais (LIEDKE FILHO, 2005, p. 425-426).

DICAS
Darcy Ribeiro é um dos grandes nomes do Pensamento Social Brasileiro. Intelectual
formado em Medicina e Ciências Sociais, Darcy Ribeiro se interessava por temas ligados
aos povos nativos brasileiros, Cultura e Educação, trabalhando no Ministério da Cultura e
da Educação e também como Chefe da Casa Civil.

Com a implantação do regime militar, exilou-se em diversos países da América Latina onde
continuou sua atuação política, assessorando diretamente presidentes como Allende, no
Chile, e Velasco Alvarado, no Peru. Em uma entrevista concedida ao programa Roda Viva da
TV Cultura no ano de 1988, Darcy tece observações sobre o regime militar brasileiro e suas
consequências à Cultura, Educação e Política brasileiras.

O vídeo pode ser acessado por meio do endereço eletrônico a seguir: https://www.youtube.
com/watch?v=6r7QDo9yHJk. Suas análises são muito importantes e capazes de ampliar
nossas perspectivas sobre a Ditadura Militar no Brasil e suas implicações na Ciência, em
especial, as Ciências Sociais brasileiras.

O programa Roda Viva da TV Cultura foi responsável por entrevistas coletivas


com grandes nomes do pensamento social do Brasil e do mundo, portanto, é
altamente recomendável o acesso a esse canal informativo que representa uma
excelente ferramenta a favor da compreensão da dinâmica política mundial,
especialmente da América Latina.

Contemporaneamente, o Brasil enfrenta sérias dificuldades em relação ao en-


sino das disciplinas, sobretudo, do campo das Ciências Humanas nas escolas públicas.
Apesar de a Sociologia se tornar, no ano de 2009, conteúdo obrigatório nas escolas de
ensino médio brasileiras, que era facultativo depois do ano de 1980 até então, é visível
a tentativa de boicote da disciplina por parte dos últimos governantes brasileiros. Pode-
mos associar tal fenômeno a partir das análises de Ianni (1997) acerca da importância da
Sociologia como instrumento de compreensão, inserção e construção social. Observe:

A Sociologia pode ser vista como uma forma de autoconsciência da


realidade social. Essa realidade pode ser local, nacional, regional ou
mundial, micro ou macro, mas cabe sempre a possibilidade de que ela
possa pensar-se criticamente, com base nos recursos metodológicos
e epistemológicos que constituem a Sociologia como disciplina
científica. [...] Ocorre que a Sociologia pode tanto decantar a tessitura
e a dinâmica da realidade social como participar da constituição
dessa tessitura e dinâmica. Na medida em que o conhecimento

47
sociológico se produz, logo entra na trama das relações sociais, no
jogo das forças que organizam e movem, tensionam e rompem a
tessitura e a dinâmica da realidade social (IANNI, 1997, p. 25).

Dentre as tentativas de restrição ao ensino das Ciências Humanas, com


destaque à Sociologia no Brasil, estão as recentes leis referentes às reformas do Ensino
Médio no ano de 2017. Com a implementação da Lei da Reforma do Ensino Médio
(13.415/2017), que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
de 1996, o Ensino de Sociologia perdeu o seu caráter de obrigatoriedade, assim como
várias outras disciplinas importantes à formação cidadã e crítica da juventude brasileira.
Um imenso retrocesso considerando que:

A presença da Sociologia no Ensino Médio é de grande relevância


para os jovens brasileiros. Primeiramente, porque é capaz de cumprir
com a proposta expressa pela Lei nº 9.394/96 (LDB/96) de associar
conhecimentos de sociologia ao exercício da cidadania. Mesmo que
a disciplina Sociologia não seja a única capaz de fomentar nos alu-
nos a propensão a discorrer sobre assuntos ligados à cidadania, seu
conteúdo programático contém preceitos diretamente relacionados a
esse conceito. Um curso de Sociologia pressupõe a apreensão de te-
mas e autores oriundos da Ciência Política (o que engloba noções de
sistemas políticos, formas de exercício do poder, participação popular
na política, eleições etc.), da Antropologia e sua abordagem relativista
(capaz de contrastar de forma linear diferentes modelos de organiza-
ção social), além dos conceitos e teorias fundamentais da Sociologia,
que contribuem para a compreensão das relações sociais (tais como
desigualdades, gênero, cor/raça, mobilidade social, família, religião
etc.). Desse modo, é inegável que, se não é a única disciplina capaz de
incutir nos estudantes um espírito que os leve a atuar de forma cidadã,
a Sociologia conta com ferramentas adequadas a propiciar uma for-
mação reflexiva, que parte da teoria fundamentada para a apreensão
do real e do cotidiano (BRASIL, 2006a) (MACHALA, 2017, p. 17).

Podemos concluir que o estudo da Sociologia é fundamental para o desenvol-


vimento cognitivo, cívico, moral, ético entre outras instâncias individuais, além de ser
forte aliado ao processo de conscientização que, para Paulo Freire (1980), é importan-
te ferramenta de emancipação intelectual e física dos indivíduos. Frente aos aspectos
emancipadores intrínsecos à Sociologia, diversas barreiras foram impostas ao estudo,
desenvolvimento e ensino da Teoria Social no Brasil e no mundo. O período do regime
militar brasileiro foi responsável pela imposição de diversas barreiras ao desenvolvimen-
to da Sociologia Brasileira, as quais persistem até os dias atuais.

48
LEITURA
COMPLEMENTAR
A DIALÉTICA DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO BRASIL

Ruy Mauro Marini

O golpe militar que depôs o presidente constitucional do Brasil, João Goulart, em


abril de 1964, foi apresentado pelos militares brasileiros como uma revolução e definido
um ano depois por um de seus porta-vozes como uma “contrarrevolução preventiva”.
Por suas repercussões internacionais, sobretudo na América Latina, e diante das
concessões econômicas aos capitais norte-americanos, muitos consideraram o golpe
simplesmente como uma intervenção disfarçada dos Estados Unidos. Essa opinião é
compartilhada por determinados setores da esquerda brasileira que, no entanto, nunca
souberam explicar por que, precisamente quando pareciam chegar ao poder, este lhes
foi inesperadamente arrebatado sem que se disparasse um só tiro.

Parece-nos que nenhuma explicação sobre um fenômeno político pode ser boa se
o reduzir a apenas um de seus elementos, e é decididamente ruim se tomar como chave
justamente um fator condicionante externo. Em um mundo caracterizado pela interdepen-
dência e, mais que isso, pela integração, ninguém negaria a influência dos fatores inter-
nacionais sobre as questões internas, principalmente quando se trata de uma economia
como a daquelas denominadas centrais, dominantes ou metropolitanas e de um país
periférico, subdesenvolvido. Mas em que medida esta influência é exercida? Qual é sua for-
ça diante dos fatores internos específicos da sociedade sobre a qual atua? O Brasil, com
seus 90 milhões de habitantes e uma economia industrialmente diversificada, é uma rea-
lidade social complexa, cuja dinâmica foge às interpretações unilaterais, ainda que esteja
condicionada e limitada pelo marco internacional no qual está inserida. Sem uma análise
da problemática brasileira, das relações de força existentes entre os grupos políticos e das
contradições de classe que se desenrolavam sobre a base de uma dada configuração eco-
nômica, não se compreenderá a transformação política ocorrida a partir de 1964. Mais grave,
não será possível relacionar esse desenrolar político à realidade econômico-social que se
encontra em sua base, nem estimar as perspectivas prováveis de sua evolução. Perspecti-
vas que, no final das contas, não se referem apenas ao Brasil, mas a toda a América Latina.

1 Política e luta de classes

A história política brasileira apresenta, no século XX, duas fases bem


caracterizadas. A primeira, que vai de 1922 a 1937, é de grande agitação social, marcada
por várias rebeliões e por uma revolução: 1930. Suas causas podem ser buscadas na
industrialização verificada no país na década de 1910, devida sobretudo à guerra de 1914,

49
que leva a economia brasileira a realizar um considerável esforço de substituição de
importações. A crise mundial de 1929 e suas repercussões sobre o mercado internacional
manteriam a capacidade de importação do país em níveis baixos, acelerando, assim, seu
processo de industrialização.

As transformações operadas na estrutura econômica nesse período se


expressam, socialmente, no surgimento de uma nova classe média - isto é, de uma
burguesia industrial diretamente vinculada ao mercado interno - e de um novo
proletariado, que passam a pressionar os antigos grupos dominantes para obter um lugar
próprio na sociedade política. O resultado das lutas desencadeadas por esse conflito é,
por intermédio da Revolução de 1930, um compromisso - o Estado Novo de 1937, sob
a ditadura de Getúlio Vargas - através do qual a burguesia se estabiliza no poder, em
associação aos latifundiários e aos velhos grupos comerciantes, ao mesmo tempo em
que estabelece um esquema particular de relações com o proletariado. Neste esquema,
o proletariado será beneficiado por toda uma série de concessões sociais (concretizadas
sobretudo na legislação trabalhista do Estado Novo) e, por outro lado, será enquadrado
em uma organização sindical rígida, que o subordina ao Governo, dentro de um modelo
de tipo corporativista.

FONTE: MARINI, R. M. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2013. p. 73-75.

50
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• A Sociologia Brasileira nasceu das teorias sociais formuladas por diversos intelectuais
das mais variadas áreas do conhecimento, porém, foi reconhecida como campo
independente do saber apenas no início do século XX.

• A institucionalização da Sociologia no Brasil foi um processo lento e contou com a


influência da Teoria Social europeia e norte-americana.

• A década de 1930 trouxe consigo diversos avanços para a Sociologia e para a


Educação de maneira geral no Brasil.

• A Sociologia sofreu com diversos embargos, censuras e outros tipos de obstáculos


durante o período militar no Brasil.

• A Sociologia Brasileira é atacada até a contemporaneidade com obstáculos em


forma de reformas educacionais e outros tipos de ações que dificultam seu
desenvolvimento e ensino.

51
AUTOATIVIDADE
1 O início do século XX foi marco de uma série de eventos importantes ao desenvolvimento
da Sociologia Brasileira. Do processo de formalização e institucionalização da
Sociologia no Brasil, de sua ascensão nos ensinos médio e universitário, até os diversos
momentos no qual foi atribuído à disciplina um caráter obrigatório e/ou facultativo nas
escolas brasileiras, a Sociologia resiste no Brasil e ainda constitui uma fundamental
ferramenta utilizada a favor da conscientização e consequente emancipação do povo
brasileiros. Sobre os principais eventos que fizeram parte da história da Sociologia em
território nacional, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) A Sociologia foi reconhecida e difundida de forma mais ampla no início do século


XX, quando as primeiras instituições que trabalhavam com as Ciências Sociais
começaram a formar seus profissionais e reconhecê-los como acadêmicos.
( ) A Teoria Social Brasileira sofreu uma série de repressões e censuras, sendo o
tempo que compreendeu a Ditadura Militar um período de vultosos silenciamentos,
exílio de intelectuais e diversos outros tipos de contenção do desenvolvimento da
Sociologia.
( ) A Sociologia, após reconhecida academicamente e ensinada nas escolas de
todo o Brasil, não sofreu alterações quanto a sua obrigatoriedade nos ensinos
fundamental, médio e superior.
( ) O incentivo à Sociologia no Brasil é um fator que colabora com a formulação de
políticas públicas e resolução de problemas sociais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F.
b) ( ) V – V – V – V.
c) ( ) V – F – V – F.
d) ( ) V – V – F – F.
e) ( ) F – V – F – F.

2 A Teoria Social possui grande potencial de refletir em decisões políticas importantes


e, quando disseminada de forma democrática e horizontal, pode fornecer a
conscientização necessária à ação política popular. Ou seja, quando a maioria da
população possui acesso aos principais debates políticos, ao conhecimento das
principais e mais importantes problemáticas sociais e outros fenômenos concebidos
por meio da Sociologia, as chances de uma política mais justa e voltada a serviço dos
propósitos coletivos são maiores.

52
Essa teoria pode fundamentar algumas políticas adotadas durante o período da Ditadura
Militar do Brasil, principalmente quando consideramos o esforço por parte dos militares
para fechar as universidades, proibir o ensino de Sociologia nas escolas, censurar
literaturas e manifestações artísticas, exilar e matar muitos intelectuais brasileiros. De
acordo com algumas teorias sociais, o referido tipo de prática é voltado à perpetuação
de determinada dinâmica política imposta a certo território. Com base nos possíveis
impactos da Sociologia na política brasileira quando disseminada por meio da educação
pública, analise as sentenças a seguir:

I- Diversos intelectuais da Teoria Social brasileira foram perseguidos, exilados ou


mortos sob o argumento de subversão às práticas repressivas que ocorreram
durante o período ditatorial no Brasil.
II - De acordo com Paulo Freire, a conscientização pode ser trabalhada por meio do
estímulo à capacidade reflexiva da população em relação à Sociedade, que, por
meio desse e outros recursos educacionais, ampliam a capacidade individual de
agir politicamente.
III - Darcy Ribeiro foi um dos grandes nomes da Teoria Social brasileira que se exilou em
diversos países durante o período ditatorial brasileiro.
IV - Apesar dos diversos silenciamentos, perseguições, mortes e exílios realizados
durante a Ditadura Militar brasileira, ainda sim houve pensadores e militantes que
continuaram no Brasil atuando politicamente.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

3 O Pensamento Social Brasileiro passou por diversas etapas, dentre elas ascensão e
declínios, principalmente quando consideramos o ensino de Sociologia nas escolas
públicas brasileiras. De acordo com o conteúdo apreendido no último tópico da pre-
sente unidade, disserte em um parágrafo resumindo a trajetória da Sociologia Brasi-
leira desde o início do século XX até os dias atuais, enfocando os principais avanços
e retrocessos em relação à propagação da Teoria Social por meio da Educação.

53
REFERÊNCIAS
ABREU, C. Capítulos da história colonial. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa
Social, 2009. 195 p. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/kp484/pdf/
abreu-9788579820717.pdf. Acesso em: 5 jun. 2020.

BORIS, F. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Organizado por


Cláudio Brandão de Oliveira. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002. 320 p.

CÂNDIDO, A. A Sociologia no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 271-


301, jun. 2006. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/kp484/pdf/
abreu-9788579820717.pdf. Acesso em: 5 jun. 2020.

COSTA, A. de O. et al. Memórias das mulheres do exílio. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980.

DUARTE, C. L. Nísia Floresta. Recife: Editora Massangana, 2010.

FLORESTA, N. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 3. ed. Rio de Janeiro:
[s.n.], 1839.

FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao


pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.

GUIMARÃES, M. L. S. Nação e civilização nos trópicos: o instituto histórico e geográfico


brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
n. 1, p. 5-27, 1988. Disponível em: https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/814866/
mod_resource/content/1/Guimar%C3%A3es%2C%20Manoel.%20IHGB%20e%20o%20
projeto%20de%20um%20Hist%C3%B3ria%20Nacional.pdf. Acesso em: 5 jun. 2020.

IANNI, O. Sobre a inclusão da sociologia no curso secundário. Revista Atualidades


Pedagógicas, São Paulo, ano 8, n. 40, p. 19-20, jan./abr. 1957.

LIEDKE FILHO, E. D. A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias, Porto


Alegre, ano 7, n. 14, p. 376-437, jul./dez. 2005.

LIMA, G. R. Memória, gênero e política: a militância das estudantes da UFES contra a


Ditadura Militar (1969-1972). 2017. 185 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Vitória, 2017.

54
MACHALA, B. N. A reforma do Ensino Médio no Brasil e seu impacto no ensino da
sociologia. Revista Três Pontos, Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p. 17-25, 2017. Disponível em:
https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistatrespontos/article/view/12360. Acesso
em: 5 jun. 2020.

MARINI, R. M. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2013.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. (Livro I: o
processo de produção do capital).

MENEZES, T. B. Ensaios e estudos de philosophia e critica. Recife: Editor José


Nogueira de Souza, 1889.

MORAES FILHO, E. O pensamento político-social de Silvio Romero. In: CENTRO DE


DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO. Sílvio Romero 1851/1914: bibliografia
e estudos críticos. Salvador: CDPB, 1999. Disponível em: http://www.cdpb.org.br/antigo/
silvio%20romero.pdf. Acesso em: 5 jun. 2020.

PINTO, R. F. O pensamento social de Djalma Batista. Revista da Academia Amazonense


de Letras, Manaus, n. 24, p. 144-152, nov. 2002.

PUNTONI, P. A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militar na expansão da


fronteira da América Portuguesa, 1550-1700. Novos Estudos, São Paulo, n. 53, p. 189-
204, mar. 1999.

STADEN, H. Suas viagens e cativeiro entre os índios do Brasil. São Paulo: Editora
Nacional, 1945.

TORRES, R. S. Biopolítica e segurança pública: tolerância zero no Espírito Santo e


uma educação voltada à fabricação de sujeitos produtivos. 2016. 193 f. Dissertação
(Mestrado em Sociologia Política) – Universidade Vila Velha, Vila Velha, 2016.

55
56
UNIDADE 2 —

INTERPRETAÇÕES
CLÁSSICAS SOBRE O BRASIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apresentar autores que são considerados os clássicos do Pensamento Social


Brasileiro;

• reconhecer as principais discussões da Sociologia Brasileira produzida a partir da


década de 1930;

• trabalhar as relações sociais brasileiras do Período Colonial de acordo com os


estudos de Gilberto Freyre;

• tecer análises historiográficas e sociológicas acerca do desenvolvimento social do


Brasil a partir das ideias de Sérgio Buarque de Holanda;

• discutir as relações raciais brasileiras sob a perspectiva do pensador Florestan


Fernandes;

• analisar a formação da sociedade brasileira contemporânea a partir da obra de Caio


Prado Júnior.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA E A INTERPRETAÇÃO DO BRASIL


TÓPICO 2 – GILBERTO FREYRE, SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E A FORMAÇÃO DO
POVO BRASILEIRO
TÓPICO 3 – FLORESTAN FERNANDES E CAIO PRADO JÚNIOR

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

57
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

58
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
SOCIOLOGIA E A INTERPRETAÇÃO
DO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
O presente tópico tem como objetivo introduzir a trajetória e as principais
colaborações dos autores que são considerados os pensadores clássicos da Teoria
Social Brasileira. A partir do contexto histórico-espacial, no qual cada um deles foi
formado e produziu, entenderemos alguns fatores que os influenciaram a tecer seus
estudos e atuação política em seus respectivos objetos de interesse.

Posteriormente, serão apresentadas as teorias de cada um dos autores de forma


separada e mais aprofundada. Os referidos autores são Gilberto Freire, com suas teorias
sobre as relações sociais brasileiras do Período Colonial, Sérgio Buarque de Holanda e
suas análises historiográficas e sociológicas acerca do desenvolvimento social do Brasil,
Florestan Fernandes e seus estudos das relações raciais brasileiras e, finalmente, Caio
Prado Júnior com a formação da sociedade brasileira contemporânea. Bons estudos!

2 OS GRANDES INTÉRPRETES DO BRASIL E SUAS


PRINCIPAIS ABORDAGENS
Iniciaremos a apresentação de nossos principais nomes da Teoria Social Brasileira
por Gilberto Freyre (1900-1987). Gilberto de Mello Freyre nasceu em Recife, no dia 15
de março de 1900, que atuou como sociólogo, historiador, ensaísta, jornalista, professor
e político, revolucionando o Pensamento Social Brasileiro de seu tempo, contribuindo,
até os dias de hoje, com a Sociologia Brasileira.

FIGURA 1 – GILBERTO FREYRE

FONTE: <http://editoraunesp.com.br/blog/icone/homenagem-a-gilberto-freyre>.
Acesso em: 11 jun. 2020.

59
Gilberto Freyre trabalhou também como antropólogo e artista plástico, conside-
rado contemporaneamente como um dos mais importantes sociólogos brasileiros. Filho
de Francisca de Mello Freyre e do professor, advogado e juiz Alfredo Freyre, Gilberto é
considerado um ensaísta, diferente de outros grandes nomes do pensamento social
de sua época. Isso se deve ao fato de que ele não obedeceu à risca os pormenores
acadêmicos já estabelecidos durante sua produção, ou seja, foi um autor que trabalhou
de maneira mais informal em relação à produção da Academia, embora sua leitura seja
obrigatória nos mais diversos cursos da área de Ciências Humanas do Brasil.

Freyre estudou no Colégio Americano Gilreath, hoje conhecido como Americano


Batista, onde se formou bacharel em Letras, além de receber aulas particulares em sua
residência. No ano de 1918 partiu para os Estados Unidos, onde se formou em Artes
Liberais e se especializou em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Baylor.
Na Universidade de Colúmbia, o brasileiro cursou seu mestrado e doutorado em Ciências
Políticas, Jurídicas e Sociais. O título de sua tese foi A Vida Social no Brasil em Meados
do século XIX.

Retornou ao Brasil, na década de 1920, após concluir seus estudos nos Estados
Unidos e viajar diversas vezes pela Europa. Retorna a sua casa em Recife, de onde
prosseguiria com boa parte de sua produção intelectual. No ano de 1926, Gilberto Freyre
participa da formulação do Manifesto Regionalista, cujo grupo era contrário à Semana
de Arte Moderna de 1922, de ideologia nacionalista. Os regionalistas reivindicavam o
fim da imposição da cultura europeia pelos modernistas no Brasil, em detrimento da
cultura local, valorizando nossa cultura em tempos em que pouco se fazia em benefício
da mesma.

Sua principal obra é Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2003), publicada no ano
de 1933, extremamente polêmica, é alvo de fortes críticas e elogios até os dias atuais.
O texto possui grande influência da Antropologia Cultural Norte-Americana, tradição de
seu professor Franz Boas, importante nome da Antropologia mundial. Uma das maiores
críticas gira em torno da romantização da miscigenação, comumente estabelecida por
meio do estupro de mulheres brasileiras pelo homem branco e a hipersexualização de
nosso povo. Em outras palavras, Freyre é muito criticado por naturalizar a sexualidade,
muitas vezes compulsória, entre diferentes povos que habitavam o Brasil colonial.

Apesar das críticas, a obra foi responsável pela quebra de paradigmas


relacionados às raças presentes no Brasil, como a supremacia racial: ideia de que
existem raças superiores e inferiores. A obra propõe uma reconstrução do processo de
miscigenação que ocorria em meio aos engenhos brasileiros, os quais descreveu do
ponto de vista arquitetônico, e as construções mais comuns que os compunham: casa-
grande, senzala, casa de moer e capela. Sua obra foi muito criticada e marginalizada
pela ala conservadora nacional que era adepta à ideia de superioridade da raça branca,
dificultando o acesso a tal obra que, com o passar do tempo, foi ressurgindo em meio
aos estudos acadêmicos brasileiros.

60
FIGURA 2 – PRIMEIRA EDIÇÃO DE CASA-GRANDE & SENZALA DE 1933

FONTE: <https://d2xsuil29zvzbt.cloudfront.net/imagens/img_m/717/364971.jpg>.
Acesso em: 11 jun. 2020.

O segundo nome do Pensamento Social Brasileiro, considerado um clássico, é


Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). O escritor, sociólogo, historiador, jornalista e
crítico literário paulista nasceu no dia 11 de julho de 1902. Era filho de Heloísa Buarque
de Holanda e de Cristóvão Buarque de Holanda, farmacêutico e professor universitário.
Contribuiu com o mesmo Movimento Modernista que resultou na Semana de Arte
Moderna de 1922 criticada por Gilberto Freyre. Foi um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT) e sua principal obra é Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995), na qual o
autor disserta sobre a formação do povo brasileiro.

FIGURA 3 – SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

FONTE: <https://s3.static.brasilescola.uol.com.br/be/2020/03/sergio-buarque-de-holanda.jpg>. Acesso em:


11 jun. 2020.

61
Sérgio Buarque concluiu seu bacharelado em Direito pela Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, no ano de 1925, escrevendo, também, contos e
poemas enquanto cursava sua graduação. Trabalhou em diversos jornais brasileiros até
viajar à Europa, convidado por Assis Chateaubriand, um jornalista, empresário e político
brasileiro que atuava em diversas outras áreas. Na Alemanha e na Polônia teve acesso
à obra de Max Weber, autor da Sociologia Clássica que muito influenciou a produção
intelectual de Sérgio Buarque de Holanda. Retornando ao Brasil, na década de 1930,
devido ao crescimento do movimento nazista alemão, trabalhou para estatais de
notícias. As anotações trazidas da Europa serviram como base de seu livro sociológico e
historiográfico intitulado Raízes do Brasil, primeira e mais influente obra do autor.

Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995) é uma obra publicada no ano de 1936 e que
aborda a formação do povo brasileiro, um dos clássicos do Pensamento Social Brasileiro.
O texto reflete sobre a colonização do Brasil e suas implicações a respeito da sociedade
brasileira moderna. Sérgio Buarque também tece reflexões acerca da fragilidade da
hierarquia dos colonizadores do país, apontando que o território brasileiro foi dominado
não só pela nobreza de Portugal, mas também pela Espanha. O autor também disserta
sobre a relação entre disciplina e obediência característicos da educação jesuítica,
predominante no período colonial brasileiro.

FIGURA 4 – PRIMEIRA EDIÇÃO DE RAÍZES DO BRASIL DE SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

FONTE: <https://sebodomessias.com.br/imagens/produtos/0/3665_866.jpg>.
Acesso em: 11 jun. 2020.

A referida obra ainda introduz o conceito de “Cultura da Cana”, muito influenciado


pela produção weberiana. Trata-se de um conjunto de elementos que refletiam na
cultura brasileira e que nasciam da produção açucareira. Tais elementos essenciais
eram as grandes propriedades, o trabalho escravo e o mercado exterior, sobre os quais
nossa cultura foi moldada. Outro elemento fundamental na formação do povo brasileiro,
segundo Sérgio Buarque, se encontra no conceito de Homem Cordial, que consiste

62
em um povo que age conforme suas emoções, submisso aos mandos e desmandos de
seus superiores e que consideravam mais os bens privados de sua vida em detrimento
dos bens públicos. De outro modo, o Homem Cordial era aquele que dava preferência
aos interesses próprios, familiares, deixando de lado as relações públicas quando a
demanda é auxiliar os membros de seu grupo.

O terceiro teórico que trabalharemos na presente unidade é Florestan


Fernandes (1920-1995). Ele foi um político, sociólogo e ensaísta paulista, filho de
imigrante portuguesa de nome Maria Fernandes. Não chegou a conhecer seu pai e foi
criado por Hermínia Bresser de Lima, que o incentivou a estudar. De origem muito pobre,
começou a trabalhar aos seis anos de idade para ajudar sua mãe, interrompendo seus
estudos ainda no ensino fundamental. Aos 17 anos de idade, retorna aos estudos e
conclui o que hoje equivale aos ensinos fundamental e médio entre 1938 e 1940.

FIGURA 5 – FLORESTAN FERNANDES

FONTE: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/wp-content/uploads/2017/06/diagnostico-florestan-
-fernandes-racismo-resgatado.jpg>. Acesso em: 12 jun. 2020

A vida acadêmica de Florestan Fernandes se iniciou no ano de 1941, quando in-


gressou na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (USP), concluindo seu bacharelado em Ciências Sociais no ano de 1943 e a licen-
ciatura em 1944. Em 1943, já escrevia para jornais e se filiou ao Partido Socialista Revolu-
cionário (PSR). Cursou pós-graduação em Sociologia e Antropologia pela Escola Livre de
Sociologia e Política, em seguida atuou como pesquisador e professor. Em 1947, concluiu
seu mestrado em Ciências Sociais pela mesma Escola, quando escreveu sua dissertação
intitulada A Organização Social do Tupinambá, que mais tarde viria a se tornar uma das
principais obras do Pensamento Social Brasileiro. No ano de 1951, conclui seu doutorado
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
(USP), escrevendo a tese de título A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá.

É um autor de tradição marxista, embora também tenha sido influenciado pelas


ideias weberianas e durkheimianas. Dentre suas diversas obras, podemos destacar
A Organização Social do Tupinambá (FERNANDES, 1963) e A Integração do Negro na
Sociedade de Classes (FERNANDES, 1978). A primeira obra foi baseada em cronistas
63
do tempo colonial e foi responsável por uma quebra de paradigma relacionado à
imagem dos povos indígenas que era disseminada até então. Rompendo com o estigma
associado aos povos originários brasileiros pelos colonizadores, Fernandes (1963)
desmente o caráter preguiçoso comumente associado aos índios brasileiros, inserindo
uma análise das complexas relações sociais existentes entre os Tupinambá. Muitos
aspectos culturais foram descritos por Florestan, revolucionando a maneira com a qual
se pensava os povos indígenas até o século XX.

FIGURA 6 – UMA DAS EDIÇÕES DO LIVRO A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO TUPINAMBÁ DE


FLORESTAN FERNANDES

FONTE: <https://d1o6h00a1h5k7q.cloudfront.net/imagens/img_m/7863/3358961.jpg>.
Acesso em: 12 jun. 2020.

A obra intitulada A Integração do Negro na Sociedade de Classes (FERNANDES,


1978) o autor disserta sobre as dificuldades enfrentadas pelo povo negro no Brasil após
a abolição da escravidão. Ele relata as consequências sociais, culturais e morais do
longo período de escravidão do Brasil, último país a abolir formalmente a escravidão,
embora não tenha significado o fim do racismo no país. Ao mostrar a difícil ascensão
dos negros aos moldes capitalistas de trabalho livre, Fernandes desmente anteriores
teorias como a da democracia racial brasileira, evidenciando que as heranças da
escravidão constituem um sólido cenário de sofrimento, exploração, discriminação e
violência contra o povo negro brasileiro.

64
FIGURA 7 - UMA DAS EDIÇÕES DO LIVRO A INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES DE
FLORESTAN FERNANDES

FONTE: <https://cutt.ly/kgm59oQ>. Acesso em: 12 jun. 2020.

O último autor considerado um clássico do Pensamento Social Brasileiro que


abordaremos em nosso material será Caio Prado Júnior (1907-1990). Nascido em
São Paulo, de família abastada, o pensador atuou como escritor, historiador, político,
sociólogo, economista, filósofo e editor de livros. Sua obra é referência quando o tema
é a formação da sociedade brasileira contemporânea. Estudou no Colégio São Luís e no
Chelmesford Hall, em Eastbom – Inglaterra. De tradição marxista, formou-se bacharel
em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco e
lecionou Economia Política na universidade de São Paulo.

FIGURA 8 – CAIO PRADO JÚNIOR

FONTE: <https://cutt.ly/Mgm550H>. Acesso em: 12 jun. 2020.

65
Os pais de Caio Prado Júnior, Caio e Antonieta Silva Prado, sempre foram ligados à
política, portanto, desde jovem o sociólogo teve contato com o meio, iniciando sua carreira
nas atividades no campo pelo Partido Democrático (PD) no ano de 1928, contribuindo
ativamente com a Revolução de 1930. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),
viajou para estudar na União Soviética em 1933, assumiu a vice-presidência da Aliança
Nacional Libertadora, foi preso por dois anos e se exilou na Europa. Quando retornou ao
Brasil, em 1940, publicou Formação do Brasil Contemporâneo (PRADO JÚNIOR, 1961),
considerada sua mais importante obra e um clássico do Pensamento Social Brasileiro, no
qual disserta sobre a formação histórica do Brasil. Juntamente a nomes como Monteiro
Lobato, Caio Prado Júnior funda a Editora Brasiliense.

Em Formação do Brasil Contemporâneo (PRADO JÚNIOR, 1961), Caio Prado Júnior


analisa o processo histórico que culmina com a sociedade brasileira contemporânea,
enfatizando o economicismo existente por trás das relações sociais no país. Em outras
palavras, o autor afere que as relações sociais, a cultura e a política brasileira são
moldadas de acordo com as atividades econômicas predominantes de cada época.
A chegada do povo negro, por exemplo, foi um dos fenômenos determinados pelas
demandas econômicas do período colonial, pois era lucrativo o trabalho realizado por
mão de obra escrava. A principal tese do pensador é a de que, apesar de a história do
Brasil ser dividida em vários períodos pelos historiadores, poucas rupturas ocorreram
política e economicamente. O referido texto será melhor analisado no próximo tópico, no
qual nos aprofundaremos nos principais textos de cada um dos autores.

FIGURA 9 – CAPA DE UMA DAS VERSÕES DA OBRA FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO DE CAIO
PRADO JÚNIOR

FONTE: <https://cutt.ly/4gm6kbC>. Acesso em: 12 jun. 2020.

66
Juntos, os quatro autores brevemente apresentados anteriormente,
representam os principais intérpretes do Brasil, pertencentes à segunda geração de
pensadores que contribuíram com a Teoria Social Brasileira: a geração científica. Como
vimos na unidade anterior, a primeira geração de contribuintes do Pensamento Social
Brasileiro fazia parte de um grupo ainda não formalizado de pensadores. Ou seja, não
eram pensadores considerados sociólogos pelo fato de ainda não existir um campo do
saber independente e destinado a ao pensamento voltado à Sociedade no Brasil. Um
dos pensadores que representou a ruptura com a primeira geração dos pensadores
sociais brasileiros foi Gilberto Freyre, apesar de ser um autor que pouco acompanhou as
normas acadêmicas emergentes em sua época.

A geração científica corresponde aos autores que foram formados no Brasil,


especialmente a partir da década de 1930, para desenvolver suas teorias acerca do
desenvolvimento e funcionamento da dinâmica social brasileira. Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Caio Prado Júnior não são os únicos
pensadores pertencentes à segunda geração de teóricos da sociedade brasileira,
porém, os sociólogos considerados os expoentes da teoria social no Brasil. Isso quer
dizer que são os intérpretes mais bem-aceitos da Sociologia de sua época. No tópico
seguinte, nos aprofundaremos nos principais debates e teorias de cada um desses
quatro grandes nomes da Sociologia Brasileira.

67
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O Pensamento Social Brasileiro rompeu com sua primeira geração de contribuintes


no início do século XX, quando a Sociologia foi reconhecida cientificamente, como um
campo independente do saber, formando seus primeiros teóricos academicamente
reconhecidos.

• Gilberto Freyre foi um pensador brasileiro que muito contribuiu com as análises
acerca da formação do povo brasileiro, enfatizando a mestiçagem como um
processo fundamental para o entendimento da mesma.

• Sérgio Buarque de Holanda avançou com as análises da formação do povo brasileiro,


considerando a colonização do Brasil e suas implicações a respeito da sociedade
brasileira moderna.

• Florestan Fernandes investigou a formação da sociedade brasileira por meio das


relações entre as classes sociais aqui existentes, do protagonismo dos povos
originários e do processo de inserção do povo negro na sociedade capitalista pós-
abolição da escravidão.

• Caio Prado Júnior enfatiza, principalmente, as condições históricas relacionadas


à formação da sociedade brasileira contemporânea, evidenciando a influência dos
aspectos econômicos de cada um dos períodos de nossa história sobre a dinâmica
social.

68
AUTOATIVIDADE
1 Sabemos que a primeira geração de pensadores que contribuiu para o desenvolvimento
do Pensamento Social Brasileiro não teve sua origem intelectual dentro dos muros de
universidades ou escolas especializadas na teorização acerca de nossa Sociedade.
Foram indivíduos e grupos de diversas naturezas que lançaram mão das primeiras
análises relacionadas à formação e funcionamento da dinâmica social do Brasil, desde
os povos originários até políticos, artistas, professores jornalistas e diversos outros
profissionais que somaram com a construção da Teoria Social Brasileira até o início
do século XX. A partir da década de 1930, emergem no Brasil as primeiras instituições
e grupos dedicados exclusivamente às investigações voltadas à Sociologia e
Política, formando nossos primeiros profissionais formalmente reconhecidos pela
Academia. Eis que nasce a segunda geração de pensadores sociais brasileiros:
aqueles submetidos aos métodos e aceitação científicos. Sobre essa nova etapa do
Pensamento Social Brasileiro, analise as sentenças a seguir:

I- O começo do século XX foi de fundamental importância no que diz respeito ao


avanço das Ciências Sociais no Brasil, principalmente por causa do reconhecimento
da Sociologia como uma disciplina formal.
II - As primeiras universidades voltadas aos estudos sociais no Brasil só emergiram a
partir da década de 1930, dificultando o reconhecimento de pensadores anteriores
a tal período como teóricos sociais.
III - Apesar de não estarem submetidos aos métodos científico/acadêmicos, as teorias
sobre a formação da sociedade brasileira formuladas até o século XIX também
podem ser consideradas teorias sociais válidas.
IV - Apesar de só emergir no início do século XX, a Academia já reconhecia como
sociólogos até mesmo os povos originários que escreveram no Brasil.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
e) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

2 O início do século XX é marcado pela ascensão da Sociologia no Brasil. As pesquisas


acadêmicas, a partir dessa época, contam com instituições que se voltam
exclusivamente aos estudos sociais no país, formando seus primeiros profissionais,
alguns dos quais muito contribuíram para a formação da Teoria Social Brasileira. Dentre
os intelectuais que escreveram, principalmente, a partir da década de 1930, podemos

69
destacar alguns dos expoentes do Pensamento Social Brasileiro, considerados os
principais intérpretes do Brasil. Com base no exposto, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Gilberto Freyre é considerado um pensador que marcou uma nova era no


Pensamento Social Brasileiro. Embora não escrevesse integralmente de acordo
com as normas e formalidades científicas, que acabavam de ascender no Brasil de
sua época, Freyre foi responsável por gigantescas contribuições à reconstrução da
história de nosso povo.
( ) Sérgio Buarque de Holanda contribuiu com análises voltadas à formação do povo
brasileiro, concentrando seus estudos nos impactos que o processo de colonização
provocou em na dinâmica social moderna.
( ) Florestan Fernandes devolveu aos povos originários o protagonismo na formação
de nossa sociedade. A partir de sua extensa obra, o Brasil pôde observar, por
meio de outra perspectiva, o papel dos povos indígenas e dos afro-brasileiros na
construção social de nosso país.
( ) Caio Prado Júnior é um autor cuja obra nos auxilia no entendimento em relação
à formação da sociedade brasileira contemporânea por meio, principalmente, de
análises voltadas à importância das atividades econômicas em relação à construção
da civilização no Brasil dos dias atuais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) V – F – V – V.
d) ( ) V – V – V – V.
e) ( ) F – F – F – F.

3 O Pensamento Social Brasileiro é composto por quatro nomes que se destacaram


durante o século XX e foram considerados os maiores intérpretes do Brasil. Todos
eles foram bastante influentes na Sociologia Brasileira e compuseram grandiosas
obras que revolucionaram a Teoria Social Brasileira em sua época. O ponto de vista
de cada um deles é importantíssimo para a compreensão do que hoje concebemos
como a sociedade brasileira. Apesar de vários livros e pesquisas realizadas por cada
um deles, estudamos, no presente tópico, apenas as contribuições que receberam
maior atenção do público que compõe o campo científico/acadêmico brasileiro.
Considerando o conteúdo estudado, construa um parágrafo dissertando as principais
contribuições de cada um deles.

70
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
GILBERTO FREYRE, SÉRGIO BUARQUE
DE HOLANDA E A FORMAÇÃO DO
POVO BRASILEIRO

1 INTRODUÇÃO
O presente tópico pretende aprofundar os conhecimentos acerca da obra
de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, dois dos principais intérpretes do
Brasil. Para tanto, adentraremos seus mais notáveis escritos com o intuito de melhor
compreendermos as contribuições desses intelectuais ao Pensamento Social Brasileiro,
principalmente no que toca a formação e desenvolvimento do povo brasileiro.

Apresentaremos então as problemáticas mais relevantes abordadas por cada


um dos autores citados anteriormente, buscando esclarecer pontos importantes de
seus discursos com o objetivo de remontarmos da maneira mais simples e clara possível
o processo de formação de nosso povo. Esse trabalho demanda a leitura de seus textos
além da perspectiva de intérpretes especialistas na obra de tais estudiosos que se
debruçaram sobre a Teoria Social Brasileira.

2 GILBERTO FREYRE E A ESCRAVIDÃO NO BRASIL


Iniciaremos nossos estudos a partir da obra de Gilberto Freyre, um autor
que se dedicou ao processo de miscigenação no Brasil, lançando mão de uma nova
perspectiva do assunto. Freyre acreditava que a miscigenação (também conhecida
como mestiçagem) seria um fenômeno muito comum no Brasil, determinante para a
formação de nosso povo e algo a ser considerado positivo.

A obra de Freyre é considerada ensaística. Em outras palavras, trata-se de uma


obra que não obedece fielmente às normas científicas, ou seja, possui uma linguagem
muita mais próxima da popular do que acadêmica. Apesar de pouco se alinharem às
regras tecnicistas do mundo científico/acadêmico, os textos de Freyre são considerados
uma obra essencial à compreensão do Brasil, principalmente quando falamos dos
elementos fundamentais que serviram de base à formação do povo brasileiro. Sua obra
é responsável por desmistificar uma espécie de racismo científico que iniciava seu
processo de construção no começo do século XX.

Esse tipo de racismo nasce em forma de teorias científicas, que começavam a


contaminar os diversos espaços intelectuais da época com a ideia da inferioridade de
algumas raças em relações a outras. Esse tipo de teoria também defendia a ideia de
que a mistura entre etnias poderia ser algo negativo no sentido biológico. Dito de outra
71
forma, seria a ideia de que o contato entre brancos e negros, índios e brancos, índios
e negros entre a multiplicidade de outras combinações entre raças humanas, poderia
afetar as instâncias física e/ou intelectuais dos descendentes dessas relações. Ou seja,
a miscigenação seria algo ruim para a humanidade. Freyre (2003; 2013) rompe com tal
concepção e propõe a ideia de que a miscigenação poderia ser algo positivo aos
seres humanos e às sociedades.

Freyre explora a fundo o tema da miscigenação em sua obra Casa-Grande &


Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (FREYRE,
2003), tomando como ponto de referência, como explícito no próprio título de seu
livro, o espaço físico onde ocorria maior interação entre escravos negros e os donos de
terras para os quais trabalhavam em regime de escravidão, os chamadores “senhores
de engenho”. Herdando muita influência de seu professor Franz Boas, Gilberto Freyre
trazia em suas obras muitas ideias advindas da Antropologia Cultural, ou Culturalismo.
Isso influenciou em sua reconstrução do povo brasileiro por meio de seus principais
aspectos culturais: trabalho escravo, economia agrícola e família patriarcal. Para o autor,
essas são as condições preponderantes que facilitaram a mistura entre raças no Brasil.

Quando em 1532 se organizou econômica e civilmente a sociedade bra-


sileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses
com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para
a vida tropical. Mudado em São Vicente e em Pernambuco o rumo da
colonização portuguesa do fácil, mercantil, para o agrícola; organizada a
sociedade colonial sobre base mais sólida e em condições mais estáveis
que na índia ou nas feitorias africanas, no Brasil é que se realizaria a
prova definitiva daquela aptidão. A base, a agricultura; as condições, a
estabilidade patriarcal da família, a regularidade do trabalho por meio da
escravidão, a união do português com a mulher índia, incorporada assim
à cultura econômica e social do invasor (FREYRE, 2003, p. 65).

DICAS
O Culturalismo é uma vertente de estudos voltados à compreensão de
comportamentos individuais e coletivos por meio a análise a cultura à qual o
sujeito ou grupo está inserido. O Culturalismo é muito difuso em campos do
saber como a Psicologia e as Ciências Sociais, no caso do último, emergiu no
seio da Antropologia com os estudos de europeus direcionados aos povos,
sobretudo, tribais com os quais se deparavam em meio a suas expedições.
O povo Brasileiro é um documentário, disponível na plataforma YouTube,
que demonstra um pouco dos estudos culturalistas brasileiros, evidenciando
como a cultura de nossos povos ancestrais, nativos do Brasil, influenciaram na
formação de nosso povo tal como se apresenta hoje em dia. O documentário
pode ser acessado por meio do seguinte link: https://www.youtube.com/
watch?v=TMNulMYchm0&ab_channel=Funda%C3%A7%C3%A3oLeonelBrizo
laFLB-AP. Aproveite!

72
Por meio de Casa-Grande & Senzala, Freyre (2003) consegue desmistificar a
ideia de hierarquias raciais, que consiste em conceber a existência de raças e/ou etnias
superiores e inferiores. O pensador refutou as teorias que tentavam inferiorizar os negros.
Além disso, a obra concebe o patriarcalismo – sistema social no qual o homem adulto
possui privilégios sociais, morais, políticos entre outros – como um fator importante no que
diz respeito à formação de nosso povo. Freyre (2003) acredita que o patriarcado dominou
também as relações raciais, submetendo negros e índios aos mandos e desmandos
dos senhores de engenho: geralmente descendentes europeus brancos que possuíam
grandes propriedades de terra, nas quais a produção agrícola era impulsionada por meio
da mão de obra escrava.

O sistema patriarcal criara um espaço para a aproximação entre raças,


principalmente entre brancos e negros, que potencializou a miscigenação entre
diferentes etnias. A presença das casas-grandes – sede administrativa das fazendas
onde vivia o patriarca, senhor de engenho escravocrata – que abrigava os grandes
produtores e suas famílias, das quais eram administrados e a demanda por senzalas –
casarões rudimentares onde viviam os escravos negros que trabalhavam na propriedade
– no mesmo território, proporcionou condições para a mestiçagem dentro da dinâmica
do engenho. Segue na Figura 10 uma ilustração feita por Cícero Dias no ano de 1933 e
que retrata a casa-grande de um dos engenhos existentes no Brasil colonial: o Engenho
Noruega, antigo Engenho dos Bois, em Pernambuco.

FIGURA 10 – ENGENHO NORUEGA

FONTE: <https://cutt.ly/igQtDyc>. Acesso em: 21 jun. 2020.

A proximidade entre brancos e negros provocada pelo regime escravista, fez


com que a mestiçagem entre esses dois povos fosse ocorrendo de maneira gradativa.
Embora Freyre (2003) sustente a ideia de que a relação entre senhores de engenho
e escravos no Brasil fosse mais leve quando comparada às relações senhor-escravo

73
de outros países, ainda sim era um sistema extremamente violento, sendo comum
o fato de escravas serem frequentemente estupradas por seus “senhores”. Gilberto
Freyre apresenta uma perspectiva mais complexa em relação à concepção simplista
entre escravos e seus “donos”. O autor apresenta o patriarca como dono de diversos
outros personagens além de seus escravos, como de sua esposa, seus filhos e demais
elementos que compunham o engenho do qual eram gestores.

Apesar da obra de Freyre ser um dos referenciais mais ricos e revolucionários


de sua época, principalmente quando se trata de dados históricos e análises sociais, ela
ainda é alvo de muitas críticas. Umas das principais críticas gira em torno da chamada
romantização da mestiçagem, desconsiderando que ela é fruto, em sua maior parte, de
relações abusivas entre senhores de engenho e suas escravas. A linguagem empregada
por Freyre (2003, 2013) também provocou desconfortos a muitos dos críticos de sua
obra, alguns dos quais julgaram como desrespeitosa. A própria Igreja de sua época
condenou como chulo o palavreado comumente empregado pelo autor.

Quanto à miscibilidade, nenhum povo colonizador, dos modernos,


excedeu ou sequer igualou nesse ponto aos portugueses. Foi mistu-
rando-se gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro con-
tato e multiplicando-se em filhos mestiços que uns milhares apenas
de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras vas-
tíssimas e competir com povos grandes e numerosos na extensão de
domínio colonial e na eficácia de ação colonizadora. A miscibilidade,
mais do que a mobilidade, foi o processo pelo qual os portugueses
compensaram-se da deficiência em massa ou volume humano para
a colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas. Para tal
processo preparara-os a íntima convivência, o intercurso social e se-
xual com raças de cor, invasora ou vizinhas da Península, uma delas,
a de fé maometana, em condições superiores, técnicas e de cultura
intelectual e artística, à dos cristãos louros (FREYRE, 2003, p. 70-71).

O trecho anterior evidencia outro aspecto fundamental de sua teoria: a de que


os portugueses já eram mestiços antes mesmo de colonizarem o Brasil. Isso aconteceu
por meio do contato entre portugueses e os chamados povos “mouros” do norte afri-
cano, além do fato de Portugal ser um país costeiro, o que facilitou a mistura entre os
brancos portugueses e outros povos. A teoria de Freyre é a de que a mestiçagem, ao
contrário da degeneração biológica em qual muitos teóricos de seu tempo acreditavam
provocar, fortalecia as raças, fazendo com que os portugueses estivessem ainda mais
aptos a conquistar outros territórios em detrimento de outros povos. O acesso a outras
culturas também atribuiu ao povo colonizador português o caráter heterogêneo do povo
brasileiro. Sendo assim, além da combinação entre europeus, nativos e negros, já existia
a mestiçagem própria dos colonizadores portugueses, por isso o Brasil seria um país tão
rico em termos de diferentes raças e culturas.

Outros conceitos importantes na teoria de Freyre (2003) e que lhe atribuiu muitas
críticas é o da sexualidade e da sensualidade dos povos tropicais. Para o autor, as condições
climáticas dos trópicos seriam um fator que contribuía para a fluidez sexual dos povos
nativos em relação ao que acontecia na Europa. A sensualidade de nossos povos seria

74
então aflorada pelo clima. O pensador sustentava a ideia de que as condições climáticas
colaborariam com o desenvolvimento de uma suposta falta de pudor dos brasileiros. Cabe
relembrarmos que muitos relatos da mestiçagem entre brancos e negros no Brasil ocorreu
de maneira compulsória, ou seja, as negras escravas eram comumente estupradas por
seus senhores, sendo equivocada a perspectiva freyriana de que isso acontecia de forma
natural, bonita ou romântica. A linguagem utilizada por Freyre (2003) no trecho a seguir
evidencia sua perspectiva “hipersexualizada” acerca do papel da negra: mulher destinada
à satisfação das inúmeras necessidades do homem branco, inclusive as sexuais.

Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam


nossos sentidos, na música, no andar, na fala. no canto de ninar
menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida. Trazemos
quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama
que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela
própria amolengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que
nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da
mulata que nos tirou o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa.
Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-
de-vento, a primeira sensação completa de homem. Do moleque que
foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo (FREYRE, 2003, p. 367).

FIGURA 11 – CULTURA DO ESTUPRO NA AMÉRICA LATINA RETRATADA POR DIEGO RIVERA

FONTE: <https://cutt.ly/XgQyilz>. Acesso em: 22 jun. 2020.

Outra crítica à obra de Gilberto Freyre (2003) é a da supervalorização da


aristocracia brasileira. Há quem interprete seu texto de maneira com a qual os senhores
de escravos brasileiros pareçam figuras bondosas, caridosas, reafirmando a tese freyriana
de que a escravidão no Brasil foi mais branda em relação a de outros países. Contudo,
os castigos físicos eram acontecimentos corriqueiros nos engenhos, representados por
meio de diversas pinturas e vários relatos das atrocidades cometidas contra os negros
escravizados em nosso território.

Embora Freyre (2003) acreditasse que a escravidão no Brasil tenha sido


algo mais leve em relação a outros países, não muda o fato de que o regime aqui
era absurdamente cruel em relação aos escravos. Essas pessoas sofriam abusos de

75
diversas naturezas, violência física e psicológica, torturas e castigos inimagináveis. A
punição destinada aos escravos que tentavam fugir ou demostravam algum tipo de
resistência às condições subumanas de existência nos engenhos brasileiros, era muitas
vezes o “tronco”, no qual eram chicoteados em frente aos seus familiares, amigos e
demais trabalhadores, comumente resultante na morte deles.

IMPORTANTE
Uma personagem que ilustra muito bem as torturas sofridas pelos escravos, em especial
as escravas brasileiras, é a escrava Anastácia. Ela foi um dos inúmeros exemplos de luta
e resistência aos maus tratos, tortura e abusos, inclusive sexuais, cometidos pelos seus
senhores. Era conhecida por uma beleza particular que chamava a atenção de seus
estupradores, porém, relutante em se entregar aos abusos, sofria a ira de seus donos que a
sentenciaram a usar uma máscara de ferro pelo resto de sua vida, retirada apenas quando
se alimentava. Depois de uma vida inteira de sofrimento, Anastácia teve seus restos mortais
enterrados na Igreja do Rosário, que logo desapareceram em um incêndio. Anastácia é
considerada santa por religiões de matriz afro-brasileira e possui muitos devotos no Brasil.
Segundo eles, Anastácia realizava milagres, dentre eles o da cura de enfermos e feridos.
Sua biografia é recontada em diversos livros

FIGURA – SANTA ANASTÁCIA

FONTE: <https://cutt.ly/ngQumz4>. Acesso em: 23 jun. 2020.

Podemos concluir que a obra Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2003), ao mesmo
tempo em que é alvo de críticas voltadas a sua linguagem e suposta simpatia aos senho-
res de engenho, é reconhecida como um dos textos mais importantes para se entender o
processo de desenvolvimento do povo e da cultura brasileira. O livro consegue descrever,
de maneira minuciosa, vários elementos e comportamentos com os quais teve contato,
porém, é claro, sob uma perspectiva de uma pessoa pertencente à classe aristocrata de
seu tempo. Devemos, portanto, considerar que sua linguagem sexualizada e/ou a visão
romântica da escravidão no Brasil, pode ser explicada pela vivência do autor em detrimen-
to da vivência dos negros que passaram pelos suplícios da escravidão.

76
Antonio Candido (1993, 1995), por exemplo, foi um dos críticos a dar
mais ênfase a uma interpretação dualista de Gilberto Freyre. Tanto no
famoso prefácio a Raízes do Brasil, quanto no artigo “Aquele Gilberto”,
publicado à época da morte de Freyre e depois republicado em Re-
cortes, Candido constrói um esquema dualista para entender Freyre.
Para ele, o autor de Casa grande & senzala seria um escritor que ainda
detinha a visão senhorial e aristocrática da história brasileira e que, no
entanto, também havia sido um inovador capaz de ter seus momen-
tos progressistas e de trazer no bojo de sua interpretação do Brasil
elementos que problematizavam a visão senhorial do país. Fernando
Henrique Cardoso (1993, p.25) segue o mesmo padrão argumentativo
de Candido ao afirmar que “[o] encanto do livro de Gilberto Freyre é
que ele, ao mesmo tempo em que desvenda, oculta e mistifica”. O que
se pode concluir da leitura de Candido e Cardoso é que tanto a luci-
dez crítica quanto a mistificação saudosista fazem parte da obra de
Freyre. Entretanto, não há em seus argumentos nenhuma explicação
de como essa configuração peculiar funciona, ou seja, como tais linhas
de força ideológicas interagem entre si (MELO, 2009, p. 280).

ATENÇÃO
Quando lemos um texto conhecido, é de fundamental importância
que pesquisemos suas possíveis críticas, advindas de outros leitores,
com diferentes perspectivas. Esse estudo faz com que ampliemos nossa
percepção do texto e que possamos enxergar com outros olhos alguns
detalhes que comumente deixamos passar despercebidos, além de conceber
novas interpretações daquelas palavras. Uma dica importante para o
momento de leitura das críticas, especialmente se forem feitas por outros
intelectuais conhecidos, é fazer uma breve pesquisa da classe social, tradição
e posicionamento ideológico de cada autor. Esses fatores podem exercer
muita influência na perspectiva e, consequentemente, na interpretação de
determinados autores a respeito de cada Teoria Social criticada. Por exemplo:
um autor ex- escravo pode ter uma perspectiva completamente diferente de
um autor descendente de escravocratas. Por isso, é importante pesquisarmos
os autores e críticos de todos os textos aos quais temos acesso.

Outra notável obra de Gilberto Freyre é Sobrados e Mucambos: decadência do


patriarcado rural e desenvolvimento do urbano (FREYRE, 2013), publicada alguns anos
após o lançamento da primeira edição de Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2003) e
que disserta sobre a decadência do patriarcado rural no decorrer dos séculos XVIII e XIX.

Conforme Freyre (2013), enfraquecido com o declínio da escravidão e influenciada


pelos movimentos modernos estrangeiros, o patriarcado rural perde gradualmente seu espaço,
prestígio e poder. As elites rurais são, então, forçadas a deixar as casas-grandes e passam a
viver em sobrados urbanos e seus ex-escravos, por sua vez, passam a se refugiar em casas de
pau-a-pique em bairros pobres da cidade. A linguagem muito se assemelha à de sua primeira
obra (FREYRE, 2003), porém o foco dessa vez seria a formação das cidades brasileiras.

77
Em suma, podemos afirmar que a ideia central de Gilberto Freyre foi a respeito
da dinâmica da casa-grande e da senzala, que os elementos sociais, culturais, políticos
e econômicos fundamentais do Brasil se moldaram. Em outras palavras, o processo
histórico brasileiro seguiu mais ou menos a mesma dinâmica de seus primórdios, do
período colonial. A partir desse período, houve pequenas modificações nas atividades
produtivas, no sistema escravista entre outros elementos que não abalaram as estruturas
sociais brasileiras. Ou seja, por mais que a aristocracia agrária tenha se retraído, os
negros brasileiros não estejam mais sob regime de escravidão, as casas-grandes e
senzalas se tornaram obsoletas, ainda sim existe um abismo entre as classes: uma
elite social continua existindo, os sobrados se tornaram mansões nos dias de hoje, os
mocambos hoje compõem as favelas e as pessoas que lá habitam são majoritariamente
o povo negro, famílias migradas das zonais rurais, nordestinos e seus descendentes.

Concluímos que a obra de Gilberto Freyre, apesar de duramente criticada por


apresentar uma perspectiva elitista da sociedade brasileira, pela hipersexualização da
mulher negra e indígena, pela criação do mito do bom senhor entre outras, ela ainda
é referência no que diz respeito ao resgate histórico e na descrição dos costumes de
nosso povo desde o período colonial. Portanto, devemos ler sua obra e seus intérpretes
para que tenhamos maior capacidade de entender o processo pelo qual o Brasil passou
até obter a configuração social dos dias atuais, tecer análises de nossa sociedade e
propor mudanças matérias sólidas. Devemos, também, lembrar de tomarmos os devidos
cuidados ao efetuarmos nossas leituras para que haja o mínimo de más interpretações
possíveis e possamos obter o máximo de informações que expliquem nossa história.

FIGURA 12 – REFLEXÃO SOBRE AS HERANÇAS DA CASA-GRANDE E DA SENZALA À SOCIEDADE


BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

FONTE: <https://cutt.ly/HgQiEMt>. Acesso em: 24 jun. 2020.

78
3 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O DESENVOLVIMENTO
SOCIAL DO BRASIL
Sérgio Buarque de Holanda é autor de outra obra fundamental à compreensão
da formação de nossa sociedade a partir do regime colonial no Brasil. Uma de suas
mais importantes obras recebe o título de Raízes do Brasil (HOLANDA, 1995), publicada
pela primeira vez no ano de 1936, na qual o pensador discorre sobre a construção das
relações sociais brasileiras sob uma perspectiva de desenvolvimento histórico. Para
Holanda (1995), nosso país herdou características sociais fundamentais determinadas
pelo colonialismo e que refletem no tipo de política predominante até os dias de hoje.
Em suma, Sérgio Buarque de Holanda nos apresenta o colonialismo como o fator que
deu origem às principais heranças políticas e sociais do Brasil.

O trecho a seguir introduz o pensamento central de sua obra (HOLANDA, 1995),


mostrando-nos que, em sua perspectiva, a cultura e o corpo social brasileiro são fruto,
principalmente, das intervenções do povo europeu em nossas terras. Em outras palavras,
foi a colonização europeia o fator preponderante ao estabelecimento de uma cultura cuja
estrutura central nunca se rompeu com o passar dos tempos. Ela apenas se transformou
e se adaptou conforme as condições materiais e forças dominantes que regeram, e regem
até os dias de hoje, nossa sociedade.

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território,


dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas
a sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato
dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países dis-
tantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias,
e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfa-
vorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.
Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade
de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civiliza-
ção que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho
ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução
próprio de outro clima e de outra paisagem (HOLANDA, 1995, p. 31).

Em Raízes do Brasil (Holanda, 1995) identifica uma série de fatores que,


segundo ele, moldaram a cultura e a política de nossa sociedade. Representando um
dos pensadores brasileiros mais importantes no que tange à compreensão da dinâmica
social brasileira, Sérgio Buarque de Holanda foi bastante influenciado pelas ideias de
Max Weber.

O autor brasileiro usa a perspectiva weberiana de “tipos ideais” ou “tipos puros”,


que é o método desenvolvido pelo autor alemão para estudar a sociedade. Tipos ideais
são, basicamente, parâmetros de observação da sociedade, ou seja, um referencial para
compararmos o que observamos com uma teoria sobre essa mesma observação.

Os tipos ideais não são conceitos inflexíveis, que objetivam colocar fenômenos
sociais dentro de caixas conceituais, mas sim, conceitos que podem variar de acordo com
a evolução do raciocínio em relação a determinado objeto social.

79
A metodologia empregada por Holanda em Raízes do Brasil, implica
concebermos a sociedade como um conjunto de modelos ou grupos de pessoas. Em
outras palavras, o autor enquadra os principais atores que compõem a dinâmica social
brasileira, desde o período colonial, em diferentes classes. Alguns dos exemplos de
pares ideais adotados por Holanda (1995) são “aventureiros” e “trabalhadores”, “urbano”
e “rural” entre outras classificações que são apresentadas no curso de toda a obra.

O primeiro paradigma que Holanda (1995) quebra, quando sua obra é comparada
a estudos e teorias anteriores, é o de que o Brasil fora colonizado puramente pelo
povo português. Para o pensador, as terras brasileiras, assim como praticamente toda
a América Latina, foram dominadas pelos povos ibéricos, ou seja, em sua maioria
portugueses e espanhóis. Sérgio Buarque de Holanda identifica em Espanha e Portugal
algumas características peculiares em relação ao resto da Europa, garantindo melhores
condições à dominação do Brasil.

O principal fator ibérico favorável à colonização, não só a do Brasil, mas de


toda a América Latina, foi a proximidade geográfica espanhola e portuguesa em relação
ao continente recém explorado, uma vez que os dois países possuem costa marítima
voltada ao oeste.

É significativa, em primeiro lugar, a circunstância de termos recebido


a herança através de uma nação ibérica. A Espanha e Portugal são,
com a Rússia e os países balcânicos (e em certo sentido também
a Inglaterra), um dos territórios-ponte pelos quais a Europa se
comunica com os outros mundos. Assim, eles constituem uma
zona fronteiriça, de transição, menos carregada, em alguns casos,
desse europeísmo que, não obstante, mantêm como um patrimônio
necessário (HOLANDA, 1995, p. 31).

FIGURA 13 – REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA QUE EVIDENCIA A POSIÇÃO PRIVILEGIADA DOS PAÍSES


IBÉRICOS EM RELAÇÃO AO CONTINENTE AMERICANO

FONTE: <https://teletime.com.br/wp-content/uploads/2017/02/tratado-de-tordesilhas.jpg>. Acesso em:


12 jul. 2020.

80
Outra notável característica que Espanha e Portugal compartilhavam, ressaltada
por Holanda (1995), e que facilitou a colonização do Brasil e muitos outros países latino-
americanos pelos povos ibéricos foi a ausência de uma hierarquia feudal tão imponente
quanto a que havia em outros países europeus. Essa falta de uma hierarquia forte nos
dois referidos países, facilitou a ascensão, crescimento e fortalecimento da burguesia
mercantilista, classe que se destacou na busca pela expansão do mercado e,
consequentemente, das expedições marítimas. Sérgio Buarque de Holanda sustenta a
ideia de que essa falta de organização por parte das nobrezas ibéricas, que impuseram
poucos limites às transações mercantis da burguesia, resultou na maior autonomia
econômica de Portugal e Espanha, que tiveram mais oportunidades de se aventurar
pelos mares em busca de maiores riquezas.

Holanda (1995) acredita que Portugal passou por muitas mazelas governamentais,
embora tenha sido um grande império, inclusive se tornando o primeiro Estado Nacional.
Com o advento de ocorrências como, por exemplo, as dívidas acumuladas com a Inglaterra
e conflitos com a Espanha e Holanda, Portugal se desestabilizou administrativamente.
Uma das consequências de tais desafios enfrentados pela coroa portuguesa foi a
concessão involuntária das boas condições de desenvolvimento das quais gozou a
burguesia mercantil daquele país.

A dinâmica econômica mais autônoma da península Ibérica em relação aos


países europeus vizinhos constitui uma série de heranças muito importante à formação
das sociedades emergentes nas terras colonizadas por Portugal e Espanha, conforme
Holanda (1995). A autonomia e a capacidade de prover a si mesmo todas as suas demandas,
torna-se um valor entre os povos ibéricos, que passam a atribuir mais valor àqueles que
conseguem, por si só, por meio de seu próprio esforço, suprir suas necessidades e/ou de
sua família. Isso viria, segundo Sérgio Buarque de Holanda (1995), a influenciar diretamente
a formação da cultura, especialmente as relações de trabalho, dos países colonizados.

Precisamente a comparação entre elas e as da Europa de além-


Pireneus faz ressaltar uma característica bem peculiar à gente da
península Ibérica, uma característica que ela está longe de partilhar,
pelo menos na mesma intensidade, com qualquer de seus vizinhos
do continente. É que nenhum desses vizinhos soube desenvolver a
tal extremo essa cultura da personalidade, que parece constituir o
traço mais decisivo na evolução da gente hispânica, desde tempos
imemoriais. Pode dizer-se, realmente, que pela importância particular
que atribuem ao valor próprio da pessoa humana, à autonomia de
cada um dos homens em relação aos semelhantes no tempo e no
espaço, devem os espanhóis e portugueses muito de sua originalidade
nacional. Para eles, o índice do valor de um homem infere-se, antes
de tudo, da extensão em que não precise depender dos demais,
em que não necessite de ninguém, em que se baste. Cada qual é
filho de si mesmo, de seu esforço próprio, de suas virtudes… – e as
virtudes soberanas para essa mentalidade são tão imperativas, que
chegam por vezes a marcar o porte pessoal e até a fisionomia dos
homens. Sua manifestação mais completa já tinha sido expressa no
estoicismo que, com pouca corrupção, tem sido a filosofia nacional
dos espanhóis desde o tempo de Sêneca (HOLANDA, 1995, p. 32).

81
Voltando ao conceito de tipos ideais que Sérgio Buarque de Holanda herdou de
Max Weber, trabalhando-o de maneira intensa em sua obra, analisaremos um par ideal
considerado por ele fundamental à formação da sociedade brasileira: o “aventureiro” e o
“trabalhador” (HOLANDA, 1995).

De acordo com Holanda (1995), o grupo social cognominado “aventureiro”, é


composto por um tipo de sujeito que não se interessa na realização de uma atividade
laboral capaz de suprir de forma direta suas necessidades fundamentais, suprir as
demandas básicas de sua sobrevivência e de sua família. Em outras palavras, o aventureiro
não se preocupa com o tipo de trabalho necessário para alimentar sua família, que seria
o cultivo, por exemplo, e suas consequências ao mundo no qual está inserido. Ele está
muito mais atento às estratégias que gerariam maior lucratividade para si mesmo, como
pensar a quantidade de terras que deve ocupar para o plantio e o tipo de mão de obra que
irá empregar para tal atividade.

O “trabalhador”, por sua vez, é o sujeito que volta sua atenção muito mais ao
trabalho em sua manifestação prática e nos seus resultados diretos em relação a sua
sobrevivência. Utilizando o mesmo exemplo empregado ao aventureiro, podemos dizer que
o trabalhador se preocupa muito mais na forma com a qual realizará o trabalho na lavoura
(que não será realizado pelo aventureiro) e na maneira com a qual ele proverá seu sustento.
De outro modo, o trabalhador é aquele indivíduo que pensa no resultado imediato de seus
serviços e nos motivos pelo qual dispende sua energia no trabalho por ele realizado.

FIGURA 14 – REPRESENTAÇÃO DO PAR IDEAL “AVENTUREIRO-TRABALHADOR” NO PERÍODO COLONIAL


BRASILEIRO

FONTE: <https://cutt.ly/bgQoGp1>. Acesso em: 12 jul. 2020.

A imagem da Figura 14 ilustra o par ideal composto pelo aventureiro e o trabalhador


intrínsecos à “cultura do café” (termo que trabalharemos detalhadamente mais adiante)
brasileira. Podemos observar o seguinte: o sujeito aventureiro, incorporado pelo homem branco
montado ao cavalo no lado direito da pintura, que pode ser concebido como o proprietário
da plantação de cana-de-açúcar e o trabalhador, encarnado pelos negros que dependiam
diretamente de seu trabalho braçal para garantir sua sobrevivência em dado regime.

82
Sendo o par ideal explanado anteriormente considerado uma das bases da
formação social brasileira, Sérgio Buarque de Holanda enquadra os portugueses
e espanhóis como sendo os aventureiros, sendo os indígenas e negros africanos
concebidos como os trabalhadores que, em um primeiro momento colonial brasileiro,
compuseram nosso povo e nossa cultura. Os colonizadores europeus eram aventureiros
por objetivarem a multiplicação de suas riquezas com a exploração das terras dominadas,
lançando-se em aventuras marítimas que culminaram com a invasão e domínio de vários
territórios do Globo, inclusive o Brasil. Os africanos escravizados e trazidos para cá, junto
aos povos nativos que foram submetidos ao trabalho escravo ou demasiadamente
exploratório pelos europeus, dão origem a uma classe de trabalhadores que Holanda
(1995) afirma existir até os tempos modernos (quem sabe, contemporâneos).

O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas


riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A
mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com
as especiarias e os metais preciosos. Os lucros que proporcionou de
início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados
europeus, compensavam abundantemente esse esforço – efetuado, de
resto, com as mãos e os pés dos negros –, mas era preciso que fosse
muito simplificado, restringindo-se ao estrito necessário às diferentes
operações (HOLANDA, 1995, p. 49).

Uma das grandes inovações que o pensamento de Holanda (1995) proporcionou


à Teoria Social Brasileira, encontra-se em sua perspectiva dialética em relação às
transformações ocorridas na sociedade brasileira com o desenvolver da história. Para
o autor, nossa sociedade é fundada sobre bases sólidas que pouco se modificaram até
a idade moderna. Para melhor ilustrar essa ideia, podemos considerar as relações de
dominação entre diferentes classes (ou pares ideais) que, apesar de se adaptarem às
mudanças sociais ocorridas com os passar do tempo, mantêm-se igual em sua essência.

Um bom exemplo é a relação de dominação dos povos brancos europeus sobre os


nativos e negros africanos: em regime escravocrata os negros eram dominados de forma
mais direta, trancados em senzalas e fisicamente castigado pelos senhores de engenho.
Em tese, a escravidão sofrida pelos povos negros foi formalmente abolida por meio da Lei
Áurea, de 13 de maio de 1888. Todavia, os descendentes de africanos ainda viviam (e vivem
até hoje) submetidos a uma dinâmica sociocultural que dificulta de maneira evidente sua
sobrevivência, inserção, ascensão e tratamento igualitário, em uma sociedade moderna
que herda a hegemonia social dos descendentes europeus colonizadores. Sendo assim, é
possível identificarmos a continuidade de uma cultura e de uma política que sofreram leves
alterações em suas roupagens, embora continuem essencialmente as mesmas.

83
FIGURA 15 – REFLEXÃO SOBRE NOVAS ROUPAGENS PARA A CULTURA COLONIAL QUE SOBREVIVE NA
CONTEMPORANEIDADE

FONTE: <http://joseliamaria.com/wp-content/uploads/2019/06/IMG_6762-1024x739.jpg>. Acesso em:


13 jul. 2020.

A Figura 15 revela, quando compara à figura anterior (Figura 14), a continuidade de


uma cultura colonial que se manteve praticamente intacta na contemporaneidade. Obser-
vamos um trabalhador de descendência negra trabalhando no corte da cana-de-açúcar.
Embora possua condições mínimas de trabalho, como equipamentos de proteção indivi-
dual (EPIs) exigidos pela legislação trabalhista vigente, não está na condição de aventureiro
quando analisado pela ótica de Holanda (1995). Continua sendo um trabalhador preocupado
com suas demandas cotidianas que agora são atendidas (pelo menos parcialmente) pelo
salário que recebe, que não é alto o suficiente para tirar o mesmo da condição de trabalha-
dor. Percebemos que pouca coisa mudou em relação ao mesmo trabalho realizado por meio
de mão de obra escrava dos tempos coloniais. O trabalho é duro e as vezes insuficiente para
a própria subsistência, enquanto os lucros provenientes de seu esforço são destinados ao
proprietário da lavoura, que pode ser concebido na condição de um aventureiro.

Compare-se o sistema de produção, tal como existia quando o mes-


tre e seu aprendiz ou empregado trabalhavam na mesma sala e uti-
lizavam os mesmos instrumentos, com o que ocorre na organização
habitual da corporação moderna. No primeiro, as relações de empre-
gador e empregado eram pessoais e diretas, não havia autoridades
intermediárias. Na última, entre o trabalhador manual e o derradeiro
proprietário — o acionista — existe toda uma hierarquia de funcioná-
rios e autoridades representados pelo superintendente da usina, o
diretor-geral, o presidente da corporação, a junta executiva do con-
selho de diretoria e o próprio conselho de diretoria. Como é fácil que
a responsabilidade por acidentes do trabalho, salários inadequados
ou condições anti-higiênicas se perca de um extremo ao outro dessa
série (HOLANDA, 1995, p. 142).

O trecho anterior apresenta, por meio de outro exemplo, a transição entre duas
relações de trabalho fundamentalmente iguais, que passaram por adaptações ao longo
da história que mascararam as mesmas condições dos aventureiros, que, nesse caso,
é o proprietário de determinada corporação e os trabalhadores, representados pelos
funcionários, que perpetuam a mesma dinâmica anterior, porém, sob regime trabalhista
diferente do qual eram submetidos anteriormente.

84
Outro importante conceito de Holanda (1995), que inovou o Pensamento Social
Brasileiro de sua época, foi o de homem cordial. O autor sustenta a ideia de que o
homem cordial moldou as bases da cultura e política brasileiras. Trata-se de um homem
que, por meio de uma política orientada por um personalismo, construiu um povo
cordial. No entanto, o conceito de cordial para Sérgio Buarque de Holanda (1995), não é o
sinônimo de benevolência, educação, altruísmo ou quaisquer outros adjetivos positivos.

De acordo com Holanda (1995), cordial, palavra derivada do latim cordis, que
significa coração, possui uma conotação de guiado pelo afeto. Isso não quer dizer
que o brasileiro seja essencialmente compreensivo ou afável. Porém quer dizer que o
sujeito construído por meio, principalmente, do caráter do perfil europeu colonizador,
é guiado através de seus interesses particulares, em especial, interesses familiares.
Simplificando, o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda (1995) é, grosso modo,
o homem que coloca os interesses privados acima dos interesses públicos, comuns ao
restante da sociedade.

O exemplo que melhor se aplica ao exposto anteriormente, é o da ausência


de separação da esfera pública da privada nas decisões políticas no Brasil. O
patrimonialismo herdado dos europeus influencia no momento em que um político,
eleito por vias democráticas, delega um cargo público importante a algum parente ou
outra pessoa de sua confiança, independentemente de sua capacidade de exercer as
tarefas inerentes à função do mesmo. Ou seja, o político brasileiro é, comumente, aquele
que tem suas ações políticas guiadas por laços afetivos pessoais, particulares, privados
ao invés de atender aos anseios públicos. Isso dá sentido à expressão patrimonialismo,
uma vez que tal político investe em seus laços emocionais, em seu patrimônio afetivo,
objetivando acumular respeito ao invés de realmente fazer uma política justa aos olhos
dos demais membros da sociedade.

Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade,


formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental
entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam
justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro
burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “
patrimonial” , a própria gestão política apresenta-se como assunto de
seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que
deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a
interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático,
em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se
assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens
que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança
pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com
as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que
caracteriza a vida no Estado burocrático (HOLANDA, 1995, p. 145-146).

Esse comportamento advém, conforme Holanda (1995), das raízes culturais


do povo brasileiro, que é moldada principalmente pela educação que recebemos no
curso da história e pelas relações de trabalho às quais fomos submetidos. O pensador
brasileiro acredita que carregamos fortes heranças da educação jesuítica que

85
recebemos, de forma quase exclusiva, até aproximadamente o final do século XVIII.
Esse modelo de educação era baseado no culto à disciplina e obediência, que submetia
nossos educandos a um tipo de respeito cego a indivíduos de prestígio, como alguns
militares, por exemplo.

A disciplina não era fomentada devido a uma visão estratégica, que poderia prover
aos indivíduos alguns benefícios pessoais ou coletivos por meio de algum tipo específico
de atitude, mas de forma a moldar os sujeitos pela imposição de um comportamento
submisso, considerado ideal pelos educadores. Sendo assim, podemos dizer que fomos,
durante muito tempo (quase três séculos), educados para respeitar pessoas ao invés
de ideias (personalismo), obedecendo a concepções políticas individuais, privadas, em
detrimento das demandas e posicionamentos coletivos, públicos.

FIGURA 16 – REFLEXÃO SOBRE A PARCIALIDADE DA NOMEAÇÃO DE PESSOAS AFETIVAMENTE LIGADAS


AOS GESTORES INSTITUCIONAIS NO BRASIL

FONTE: <https://ospyciu.files.wordpress.com/2014/07/1.jpg>. Acesso em: 13 jul. 2020.

A provocação realizada pela Figura 16 gira em torno do tema nepotismo, que


consiste na nomeação de parentes e/ou pessoas de confiança de gestores estatais
a cargos públicos. A cultura patrimonialista que, de acordo com Holanda (1995), está
intrínseca à sociedade brasileira, pode resultar em práticas, como a denunciada
anteriormente, na esfera pública. Ao analisarmos tal possível consequência, proveniente
de um comportamento herdado do povo europeu pelos brasileiros, o homem cordial
pode ser concebido como um sujeito antidemocrático por natureza, que prioriza seu
patrimônio social, moral e material ao invés de zelar pelo bem comum.

Para Holanda (1995), a família é, desde os tempos coloniais, a instituição mais


importante para o brasileiro, à qual somos condicionados a dedicar nossos maiores
esforços em detrimento de outras instâncias da vida social. Isso quer dizer que somos
muito mais fiéis ao bem-estar de nossos familiares em relação ao restante da sociedade.
A cordialidade então se limita ao recinto doméstico e à garantia dos interesses daqueles
que o compõem. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, é comum que a parcela

86
do povo que possui acesso aos estudos e cargos que demandam esforços acadêmicos,
busquem a esfera pública por meio de outras funções políticas. Porém, sua atuação se
limita aos valores e costumes apreendidos no seio familiar, o que a faz, comumente,
lançar mão de políticas públicas alinhadas aos interesses domésticos.

Essa aptidão para o social está longe de constituir um fator


apreciável de ordem coletiva. Por isso mesmo que relutamos em
aceitar um princípio superindividual de organização e que o próprio
culto religioso se torna entre nós excessivamente humano e
terreno, toda a nossa conduta ordinária denuncia, com frequência,
um apego singular aos valores da personalidade configurada pelo
recinto doméstico. Cada indivíduo, nesse caso, afirma-se ante os
seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas
afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais,
do resto do mundo (HOLANDA, 1995, p. 155).

O trecho anterior pode ser entendido como uma tentativa de Holanda (1995) de
explicar as raízes da tradição política do Brasil, um país fundado sobre valores estritamen-
te familiares, personalistas e individualistas. A cordialidade se resume em um afeto desti-
nado muito mais aos nossos iguais imediatos, ou seja, nossa família, do que uma emoção
voltada ao reconhecimento de toda uma classe à qual pertencemos e que é alheia ao
nosso meio familiar. Sendo assim, o contexto político brasileiro, dominado por aqueles
cuja posição social privilegiada os permite estudar, herda de nossos antepassados mem-
bros quase sempre pertencentes à elite “bacharelada”, aos quais se refere Sérgio Buarque
de Holanda (1995), àqueles que se formaram e ingressaram na carreira política.

De qualquer modo, ainda no vício do bacharelismo ostenta-se tam-


bém nossa tendência para exaltar acima de tudo a personalidade in-
dividual como valor próprio, superior às contingências. A dignidade
e importância que confere o título de doutor permitem ao indivíduo
atravessar a existência com discreta compostura e, em alguns casos,
podem libertá-lo da necessidade de uma caça incessante aos bens
materiais, que subjuga e humilha a personalidade. Se nos dias atuais
o nosso ambiente social já não permite que essa situação privilegia-
da se mantenha cabalmente e se o prestígio do bacharel é sobretudo
uma reminiscência de condições de vida material que já não se re-
produzem de modo pleno, o certo é que a maioria, entre nós, ainda
parece pensar nesse particular pouco diversamente dos nossos avós.
O que importa salientar aqui é que a origem da sedução exercida pe-
las carreiras liberais vincula-se estreitamente ao nosso apego quase
exclusivo aos valores da personalidade (HOLANDA, 1995, p. 157).

Juntas, as obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, apesar de suas


limitações naturais, contribuíram para o desenvolvimento das bases de uma nora era da
Teoria Social Brasileira: a que seria trabalhada de acordo com os parâmetros científicos
e acadêmicos. Sendo assim, é imprescindível a leitura da produção intelectual de ambos
os autores, sempre de maneira crítica, considerando o contexto de formação de cada
um deles e o que esses fatores influenciaram em seus respectivos pensamentos.

87
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O Pensamento Social Brasileiro adentrou em seu período científico-acadêmico por


meio da obra de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

• Gilberto Freyre foi um grande nome do Pensamento Social Brasileiro, contribuindo


com uma perspectiva acerca da formação do povo brasileiro partindo do processo
de miscigenação no Brasil.

• A obra de Gilberto Freyre é, até hoje, alvo de fortes críticas, principalmente em


relação à linguagem nela empregada e à romantização de fatos que representaram
muito sofrimento ao povo afrodescendente e às mulheres brasileiras.

• Sérgio Buarque de Holanda contribuiu com o avanço da Teoria Social Brasileira,


considerando alguns aspectos fundamentais do período colonial e suas implicações
sociais na modernidade.

• A obra de Sérgio Buarque de Holanda evidencia algumas características que foram


herdadas dos colonizadores europeus pelo nosso povo, moldando um modelo cultural
e político baseado na cordialidade, personalismo, individualismo e patrimonialismo.

88
AUTOATIVIDADE
1 Gilberto Freyre é considerado um dos maiores contribuintes do Pensamento Social
Brasileiro, trabalhando principalmente o processo de formação do povo brasileiro por
meio de sua perspectiva sobre a mestiçagem ou miscigenação. Embora tenha sofrido
muitas críticas com o passar dos tempos, sua obra contribuiu com a reconstrução
dos elementos fundamentais que constituíram a dinâmica social brasileira: a casa-
grande e a senzala. Partindo do pressuposto freyriano que esses dois elementos,
intimamente interligados, moldaram as bases da cultura e da política brasileiras,
analise as sentenças a seguir sobre o processo de formação de nosso povo:

I- A miscigenação no Brasil foi um processo no qual as diferentes raças e etnias


aqui inseridas (europeus e africanos), misturaram-se aos povos nativos e entre si,
dando origem ao nosso povo que é considerado um dos mais ricos em termos de
diversidade racial.
II - Embora Gilberto Freyre tenha narrado de maneira romântica o processo de
miscigenação e as comodidades da escravidão ao homem branco brasileiro, ambos
foram processos violentos e que deixaram marcas em nossa sociedade até os
tempos atuais.
III - Embora não negue o caráter cruel e violento do regime escravocrata brasileiro,
Gilberto Freyre sustenta a ideia de que a escravidão no Brasil foi “branda” em relação
a outros países, sendo essa afirmação alvo de muitas críticas ao seu pensamento.
IV - Gilberto Freyre foi um autor que narrou, de forma imparcial e isenta de concepções
emotivas, a escravidão no Brasil, tão como o processo de mestiçagem, ao qual se
referia com repúdio aos estupros e violências que ocorreram aqui durante esse
período.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.


b) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
e) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

2 Sérgio Buarque de Holanda revolucionou a Teoria Social Brasileira emergente no início


do século XX, concebendo a cultura e a política moderna como fruto histórico de
fenômenos sociais iniciados no período colonial. Para o autor, bases de nossa sociedade
sofreram poucas modificações em sua essência, seguindo padrões que se originaram
nos povos ibéricos que colonizaram nossas terras, antes mesmo da colonização. A
modernidade seria composta, na concepção de Holanda, por uma série de “pares ideais”

89
que, contrapostos ou não, evoluíram de acordo com o processo histórico e moldaram a
sociedade brasileira até a modernidade. De acordo com o que estudamos no presente
tópico, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os tipos ideais “aventureiro” e “trabalhador”, que Sérgio Buarque de Holanda


considerava as classes mais fundamentais que compuseram a sociedade brasileira,
eram formados, basicamente, por aqueles que objetivavam lucrar com atividades
econômicas e aqueles que trabalhavam para suprir as suas necessidades imediatas,
respectivamente.
( ) Sérgio Buarque de Holanda acreditava que a sociedade brasileira carrega heranças
sociais advindas do modo de vida dos povos ibéricos, uma vez que Espanha e
Portugal, com suas particularidades políticas em relação ao resto da Europa,
obtiveram maiores vantagens no desenvolvimento mercantilista, garantindo maior
autonomia no comércio, exploração e suprimento de suas demandas familiares.
( ) O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, é aquele sujeito altruísta, educado
e pacífico que foi responsável por solidificar nossas bases culturais e políticas
voltadas ao atendimento das necessidades do povo em detrimento de suas
demandas pessoais e familiares.
( ) O caráter hereditário da trama política brasileira, ou seja, a cultura da valorização
dos laços familiares sobre as aptidões políticas no momento da nomeação de
cargos públicos por gestores do Estado, possui pouca relação com a cordialidade
intrínseca aos governos que regem o Brasil desde o período colonial.

Assinale a alternativa que a presenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) V – F – V – V.
c) ( ) V – V – F – V.
d) ( ) F – F – V – V.
e) ( ) V – V – F – F.

3 Sabemos que Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são dois grandes autores
brasileiros que muito contribuíram com a construção das bases da Teoria Social
Brasileira, principalmente no que diz respeito à era científico/acadêmica que nasceu
no início do século XX. Isso não significa que os pensadores que contribuíram com o
Pensamento Social Brasileiro, anteriormente, não foram de grande importância nesse
processo. Dentre limitações e perspectivas muito criticadas contemporaneamente,
os referidos autores foram responsáveis por grandiosas inovações no que diz respeito
à reconstrução de um Brasil ainda desconhecido por muitos até o século passado.
Com base no conteúdo estudado no presente tópico, resuma, com suas palavras, as
principais contribuições de cada um desses autores aos estudos de nossa sociedade.

90
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
FLORESTAN FERNANDES E CAIO
PRADO JÚNIOR

1 INTRODUÇÃO
O terceiro e último tópico da Unidade 2 de nosso material apresentará as ideias
centrais de outros dois grandes nomes do Pensamento Social Brasileiro: Florestan
Fernandes e Caio Prado júnior. Abordaremos os principais conceitos trabalhados em
suas obras mais importantes, destacando suas abordagens e inovações em relação à
perspectiva sociológica construída no Brasil.

Para tanto, utilizaremos escritos desenvolvidos por diferentes intérpretes das


obras de ambos os pensadores e trechos retirados de sua própria literatura, objetivando
maior riqueza de análises e perspectivas. Lembrando que a leitura das obras de Florestan
Fernandes e Caio Prado Júnior são indispensáveis, uma vez que toda sua riqueza não
pode ser expressada apenas por meio de interpretações feitas por outros estudiosos ou
sínteses que objetivam a introdução ao pensamento de ambos. Bons estudos!

2 FLORESTAN FERNANDES: RELAÇÕES SOCIAIS E


ESTRUTURA DE CLASSES NA SOCIEDADE BRASILEIRA
Antes de iniciarmos nossos estudos das contribuições de Florestan Fernan-
des à Teoria Social Brasileira, devemos considerar as principais influências e métodos
adotados pelo autor para composição de sua obra. Fernandes é um autor que bebe de
várias fontes para construir seu ponto de vista, dentre elas devemos ressaltar o pensa-
mento de Max Weber, Emile Durkheim e, principalmente, Karl Marx. Florestan Fernandes
era considerado um autor marxista, apesar de sua influência heterogênea, pois adotou
o materialismo histórico dialético de Marx como método de conceber a realidade. Tra-
ta-se, de maneira bem resumida, de considerar o mundo material como algo composto
por elementos em constante mudança. Esse incessante ciclo de mudanças ocorre no
mundo material, ou seja, em tudo aquilo que podemos tocar e transformar, sob o efeito
de nossas necessidades, reflexão e trabalho, resultando na construção da história.

Outra característica pessoal interessante de Florestan Fernandes é sua condi-


ção de pessoa negra, pobre e que vivenciou severas dificuldades em sua vida. Precisou
trabalhar muito cedo, já aos seis anos de idade, para ajudar sua família, fato que talvez
tenha influenciado sua concepção acerca da existência de diferentes classes sociais,
e a importância do trabalho humano na construção de nossa história. É considerado um

91
autor “militante”, ou seja, que abre mão da neutralidade proposta pela Sociologia científica,
posicionando-se a favor de uma classe social específica: a trabalhadora. Bastos (2015)
sustenta a ideia de que Florestan Fernandes facilitou o entendimento acerca da estrutura
social brasileira, partindo do estudo da realidade das classes menos privilegiadas.

[...] opera com a afirmação de que o elo mais fraco da corrente social
ilustra o funcionamento da sociedade [e que, portanto,] a escolha
para análise de um grupo que carrega desvantagens maiores do que
outros para integrar-se socialmente implica uma admissão teórico-
metodológica: a partir da periferia percebe-se melhor o movimento
da sociedade, possibilitando, assim, a percepção dos princípios que a
articulam (BASTOS, 2015, p. 49).

Florestan Fernandes possui uma obra muito extensa, porém, as duas obras que
ganharam maior destaque devido às inovações que concedeu à Teoria Social Brasileira
foram, sua dissertação de mestrado intitulada A Organização Social dos Tupinambá
(FERNANDES, 1963) e A Integração do Negro na Sociedade de Classes (1978). Ambas
as obras romperam com as ideias de Gilberto Freyre, que resultaram numa concepção
de “democracia racial” existente no Brasil que, até então (década de 1940), estavam
em alta entre os intelectuais da época. Embora Freyre não tenha utilizado o termo
democracia racial em sua obra e desmentir essa ideia em entrevista posteriormente, era
muito comentado que o pensamento freyriano induzia a crença na existência de uma
igualdade entre as raças que se miscigenaram e compuseram nosso povo.

Em Florestan Fernandes, as relações raciais entre brancos, índios e


negros são vistas sob o prisma da exclusão social na passagem da
sociedade colonial para a tradicional escravista e daí para a sociedade
de classes. Consequentemente, o objeto de análise, nas obras
interpretativas do Brasil não é apenas o negro ou o índio, mas o povo,
a sociedade brasileira que emerge na história. Uma sociedade que
comporta tanto momentos de modernização, quanto de arcaísmo;
de inclusão e integração como de exclusão e discriminação. Enfim,
um sistema social que apresenta, ao mesmo tempo, processos
integrativos e desintegrativos (MARIOSA, 2019, p. 188).

Florestan Fernandes (2008) é adepto da ideia de que as chamadas estruturas so-


ciais são construtos socioculturais que se modificam lentamente ao desenrolar da história.
Isso quer dizer que alguns hábitos sociais geram mentalidades que, por mais que operem
por meio de outros moldes com o passar dos tempos, permanecem com uma estrutura
fundamental intacta devido à cultura criada por esses mesmos hábitos. Utilizemo-nos no-
vamente do exemplo da escravidão no Brasil: por mais que a abolição da escravatura tenha
sido formalizada por meio da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, a cultura da diferenciação
entre negros e brancos não cessou no momento em que a ela fora outorgada. A cultura
racista herdada de nosso antepassado colonizador demanda um processo histórico mais
longo, além de outros fatores políticos, para ser gradualmente superada.

Em termos sociológicos, as sociedades humanas que tendem ou


participam de um mesmo padrão de civilização podem ostentar
essa condição de várias maneiras. No essencial, a vigência de um
padrão de civilização sempre pressupõe um mínimo de eficácia em
sua atualização histórico-social. Todavia, tanto estrutural quanto

92
funcionalmente, ocorrem amplas flutuação em torno e abaixo ou
acima desse mínimo. As sociedades do Novo Mundo não constituem
exceção a essa regra. Ao contrário, elas mostram como as
contingências da conquista, da colonização e da integração nacional
afetaram, por vezes de modo dramático e profundo, a amplitude, o
curso e os efeitos de “expansão da civilização ocidental” nesta parte
do globo (FERNANDES, 2008, p. 98).

FIGURA 17 – REFLEXÃO SOBRE A CRÍTICA À TEORIA DA DEMOCRACIA RACIAL

FONTE: < https://4.bp.blogspot.com/-arh_aAeep7c/WT10qdp9XVI/AAAAAAAAAfc/eDfhQcf-tDsR73xQvv-


SeP1Jft1JxcK2rQCLcB/s1600/democracia%2Bracial.jpg >. Acesso em: 14 jul. 2020.

Uma das teorias de Florestan Fernandes que ganhou destaque entre os pensadores
sociais brasileiros é a do Capitalismo Dependente (FERNANDES, 1975), contexto sócio-políti-
co-econômico no qual o Brasil está inserido. Dentre outras consequências desse modelo capi-
talista, especialmente em relação à América Latina, está a submissão do bloco de países latino-
-americanos à dinâmica político-econômica capitaneada principalmente por países europeus
e pelos Estados Unidos da América. A referida tese denuncia a submissão da trama produtiva
brasileira não só às exigências de uma burguesia interna, mas também à burguesia estrangeira
à qual a nacional está submetida. Ou seja, o trabalho de produção de riquezas brasileiro deve
suprir as demandas tanto da hegemonia local, quanto das elites burguesas europeia e esta-
dunidense. Tal sistema financeiro internacional reflete na superexploração do trabalho e na
dificuldade de absorção das riquezas que produzimos pela nossa própria sociedade.

O autor (FERNANDES, 1975) explica que a superação dessa condição dependente


por parte do Brasil é dificultada devido à herança colonial no país. Isso significa que a
ruptura com o sistema de Capitalismo Dependente demandaria uma mudança política
interna drástica, de forma a voltar a produção brasileira de riquezas às demandas nacionais
em detrimento da histórica atenção ao mercado exterior que explora nosso território. Essa
ideia é baseada na noção de que o rompimento com as estruturas sociais construídas em
solo brasileiro demanda tempo e trabalho para se concretizar.

93
DICAS
Partindo do pressuposto que as ideias originárias dos discursos proferidos
por pensadores, não só da área social, mas de quaisquer campos do
conhecimento, são compreendidas de maneira mais clara quando
acessadas em forma articulada e na íntegra, torna-se imprescindível
acompanharmos suas conversas, aulas e entrevistas (quando possível, é
claro). Sendo assim, apresentamos uma entrevista de Florestan Fernandes
concedida ao programa Vox Populi, que pode ser acessada no endereço
eletrônico a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=dPAYUfcwR0E.
Por meio dela conseguimos nos aproximar ainda mais dos argumentos
construídos pelo autor de forma didática, complementando a leitura de sua
obra que também é fundamental ao entendimento de seu pensamento.

Uma outra importante tese de Florestan (FERNANDES, 1975) é a de que o


Estado brasileiro foi tomado pela estrutura burguesa que havia se estabelecido aqui. Em
outras palavras, nossas instituições foram construídas por quem dominava a dinâmica
cultural, política e econômica no Brasil: a burguesia colonizadora. Isso quer dizer que,
com o passar do tempo, a organização política foi se moldando de forma a adquirir um
aspecto mais democrático (que não quer dizer que se tornaria um governo democrático
de fato). Porém, as mesmas classes que dominavam o Brasil colonial, inseriram-se na
política formal e continuaram ditando seus interesses por intermédio do Estado. Ou seja,
partindo do conceito de estruturas sociais sólidas, dificilmente rompidas a curto prazo,
nosso território, cultura, política e economia continuaram orientados pelas mesmas
pessoas que dominavam o país em regime colonial.

Em uma de suas obras de maior destaque, Florestan Fernandes (1978) discorre


sobre a condição do negro no Brasil pós-escravidão, associando a desigualdade racial
no contexto capitalista a uma questão de dominação entre classes sociais. Para o
pensador, a situação do povo negro brasileiro continuou desfavorável socialmente em
relação aos brancos, que possuíam melhores oportunidades e cargos empregatícios,
dentre outros privilégios. Analisando a conjuntura político-social de São Paulo do século
XX, Fernandes (1978) observou que naquele estado em vias de crescimento econômico,
as desigualdades sociais eram mais facilmente observáveis. Lá a discriminação racial se
tornara algo mais nítido em relação a outros estados brasileiros onde a integração do
negro na sociedade também era um processo difícil e desigual.

94
FIGURA 18 – REFLEXÃO SOBRE A DIFICULDADE NO QUE TANGE À INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA
SOCIEDADE DE CLASSES

FONTE: <https://observatorio3setor.org.br/wp-content/uploads/2019/04/1-racismo.jpg>.
Acesso em: 14 jul. 2020.

A obra de Fernandes (1978) apresenta uma análise acerca da inserção


do povo negro no contexto social do estado que mais se desenvolvia industrial e,
consequentemente, economicamente. O texto, então, versa os desafios enfrentados
pelo negro em busca de sua integração na dinâmica capitalista após a recente abolição
formal da escravidão no Brasil. O autor percebe que, desde o reconhecimento do
fim da escravidão no ano de 1888, o negro, apesar de legalmente protegido contra o
escravismo, continuava isolado do restante da sociedade que possuía maiores chances
de ingresso em um mercado de trabalho industrial nascente.

Encontrando-se em uma condição desfavorável, na qual até mesmo os


imigrantes europeus recém chegados ao Brasil recebiam prioridade na ocupação dos
empregos gerados pela indústria emergente, o negro brasileiro se depara com um
crescente processo de marginalização. Tal fato é associado por Fernandes (1978) à
herança cultural colonial, que dá continuidade à mentalidade escravista que inferioriza
o negro em relação ao branco. Observa-se a continuação da ideia, oriunda das classes
hegemônicas, de que os negros não poderiam ocupar os mesmos cargos que os brancos.

Outra tese muito importante e inovadora elaborada por Fernandes (1978), ressalta
a resistência de uma parcela do povo negro brasileiro em relação a sua integração à
nova dinâmica social pós-escravidão. Segundo o pensador, muitos negros que estavam
inseridos ou tiveram contato direto com a trama escravista, sendo ex-escravos ou seus
descendentes, tomavam consciência de que as novas modalidades de trabalho a eles
oferecidas davam continuidade à exploração que sofriam durante regime de escravidão.
A recusa pelos novos trabalhos que seguiam submetendo o negro brasileiro a condições
precárias resultaria na busca por outras alternativas para sua sobrevivência. Atividades
ilícitas, ou consideradas criminosas pela classe hegemônica brasileira, estariam cada
vez mais presentes na vida do negro no Brasil.

95
O compromisso de Florestan Fernandes com a mudança da condição inferior do
negro no Brasil se manifesta em sua obra. O sociólogo ressalta a importância da luta de
classes por meio de movimentos sociais que reivindiquem melhores condições de vida
ao povo negro. A organização de ações que denunciam a desigualdade, o racismo, a
discriminação, a falta de oportunidades dentre outras diversas dificuldades enfrentadas
cotidianamente pelos negros brasileiros seriam, conforme o autor, um trabalho que
proporcionaria ao negro, de forma gradual, melhores condições de vida em meio à
sociedade de classes (FERNANDES, 1978).

FIGURA 19 – EXEMPLO DE MANIFESTAÇÃO SOCIAL QUE DENUNCIA O SOFRIMENTO DO AFRO-BRASILEIRO


NA CONTEMPORANEIDADE

FONTE: <https://www.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/2019/04/negros.jpg>. Acesso em: 14 jul. 2020.

Cabe ressaltar que a obra de Florestan Fernandes é muito vasta e não se limita ape-
nas às obras estudadas no presente subtópico. Por se tratar de um dos maiores pensadores
brasileiros, que é considerado um dos maiores sociólogos da América Latina e do mundo, o es-
tudo de sua produção intelectual é imprescindível a uma análise de aspectos fundamentais da
sociedade brasileira. Portanto, é obrigatória a leitura de seus escritos àqueles que pretendem
contribuir com a Teoria Social Brasileira, com a teoria e/ou com políticas em âmbito nacional.

3 CAIO PRADO JÚNIOR: A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE


BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Uma nova perspectiva acerca da formação da sociedade brasileira contempo-
rânea é formulada por Caio Prado Júnior: outro grande pensador que contribuiu de
maneira ímpar com a Teoria Social Brasileira. Caio Prado Júnior (1961) é um intelectual
que também se utiliza dos métodos marxistas para compreensão da realidade, inovan-
do em suas análises da formação do Brasil contemporâneo partindo de pressupostos
econômicos. Isso quer dizer que o autor identifica, durante o desenvolver histórico de
nossa sociedade, alguns fatores fundamentais que foram orientados pelo tipo de eco-
nomia aqui existente. Ou seja: nossa cultura e política foram construídas a partir da
dinâmica econômica estabelecida em nosso território.

96
Caio Prado Júnior (1961) identifica na economia implantada no Brasil, desde o
período pré-colonial, as bases de nossa cultura e política. O intelectual se depara, aos
estudar os diversos ciclos econômicos brasileiros identificados pelos historiadores,
com padrões culturais engendrados por cada modelo econômico aqui desenvolvido.
Por exemplo, no início do século XVI, a partir da invasão dos primeiros europeus, Prado
Júnior (1961) observa um tipo de cultura emergente da dinâmica extrativista do Pau-
brasil. Essa cultura foi forjada devido à submissão dos povos nativos aos trabalhos de
extração da madeira que era comercializada no exterior.

O trabalho realizado pelos povos ditos indígenas, seduzidos pela já mencionada


prática do escambo, orientaria toda uma cultura brasileira. Dos contatos iniciais que
resultaram na proximidade entre europeus invasores e povos nativos, intermediada pelo
escambo, influenciaria a cultura aqui estabelecida antes da chegada dos brancos.

Prado Júnior (1961) enfatiza as consequências da economia imposta pelos povos


europeus ao comportamento de etnias que, mais tarde, formariam alguns dos pilares
fundamentais da sociedade brasileira. Um de seus conceitos centrais à compreensão
do processo histórico que culminou com o Brasil contemporâneo, parte da ideia de
que durante o período colonial brasileiro, fatos essenciais interferiram em nossa cultura
e política. O autor introduz o “sentido da colonização” como uma sequência de fatos
históricos forjados pela dinâmica colonial, sobretudo pelos seus aspectos econômicos,
que constituíram as bases de nossa sociedade.

Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”.


Este se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto
de fatos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo
período de tempo. Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do
cipoal de incidentes secundários que o acompanham sempre e o fazem
muitas vezes confuso e incompreensível, não deixará de perceber que
ele se forma de uma linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que
se sucedem em ordem rigorosa, e dirigida sempre numa determinada
orientação. É isto que se deve, antes de mais nada, procurar quando se
aborda a análise da história de um povo, seja aliás qual for o momento
ou o aspecto dela que interessa, porque todos os momentos e aspectos
não são senão partes, por si só incompletas, de um todo que deve ser
sempre o objetivo último do historiador, por mais particularista que
seja. Tal indagação é tanto mais importante e essencial que é por ela
que se define, tanto no tempo como no espaço, a individualidade da
parcela de humanidade que interessa ao pesquisador: povo, país, nação,
sociedade, seja qual for a designação apropriada no caso. É somente aí
que ele encontrará aquela unidade que lhe permite destacar uma tal
parcela humana para estudá-la à parte (PRADO JÚNIOR, 1961, p. 13).

O trecho anterior introduz a ideia de que, a partir da observação dos aspectos


centrais do desenvolvimento histórico de determinada sociedade, povo, nação, dentre
outras denominações, podemos compreender a formação de dada cultura. Concebendo
a economia como o fator preponderante à construção social do Brasil, Prado Júnior
(1961) aponta o sentido que a colonização deu à nossa sociedade. O autor acredita que as
atividades econômicas aqui implantadas pelos povos europeus, moldaram nossos costumes
e, portanto, foram fundamentais à evolução de nossa sociedade até os dias de hoje.
97
O autor (PRADO JÚNIOR, 1961) aponta que entender o papel da América Latina
para os povos ibéricos colonizadores, é de fundamental importância para entender a
formação de nossa sociedade. Ele acredita que o fato de que território latino-americano
fora muito mais para a exploração e produção de riquezas do que propriamente para
a ocupação dos colonizadores, tem muito a dizer sobre o desenvolvimento de nossa
cultura (PRADO JÚNIOR, 1961).

O intelectual disserta sobre toda uma cultura que nasce em torno das atividades
econômicas centrais do Brasil, desde sua colonização. Ele concebe, por exemplo, o clico
econômico da cana-de-açúcar, como fator originário de uma “cultura da cana”, que
moldou aspectos culturais e políticos brasileiros que, até a contemporaneidade, pouco
sofreram mudanças estruturais significativas (PRADO JÚNIOR, 1961).

FIGURA 20 – O CICLO ECONÔMICO DA CANA-DE-AÇÚCAR COMO UM DOS ORIENTADORES


POLÍTICO-CULTURAIS DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

FONTE: <https://cutt.ly/3gQsZMR>. Acesso em: 14 jul. 2020.

Caio Prado Júnior (1961) destaca um caráter pouco racional em relação à ocupação
do Brasil pelos povos ibéricos. Isso quer dizer que se houve de fato uma racionalidade
em torno da utilização de nosso território, ela estaria muito mais voltada à exploração
de nossos recursos do que à construção de uma sociedade voltada ao crescimento
econômico e/ou à habitação do local. Nesse sentido, o conceito de “colônia de exploração”
e “colônia de povoamento”. A colonização de nosso país e dos demais da América Latina,
estaria muito mais voltada à exploração dos recursos naturais e produção de riquezas do
que propriamente ao povoamento por parte dos europeus ibéricos.

A inserção do negro na sociedade brasileira também é associada por Caio Prado


Júnior (1961) aos aspectos economicistas de nosso desenvolvimento. O autor discorre que
o tráfico negreiro para o Brasil foi motivado, sobretudo, pelas vantagens econômicas do
trabalho escravo na produção de riquezas retiradas de nosso país. Sendo assim, a economia
também seria preponderante em relação à chegada em massa dos povos africanos no
Brasil. É muito importante salientar o papel da economia na introdução de uma das etnias
que compõem a base do povo brasileiro, conforme os estudos do referido pensador.

98
Comparando a colonização latino-americana com a colonização da América do
Norte, sobretudo a consolidada nos Estados Unidos da América, Caio Prado Júnior (1961)
aponta uma dualidade em relação às intenções dos colonizadores europeus na América.
Enquanto na América Latina a colonização estivesse voltada muito mais à exploração e
impulsionamento do capitalismo europeu, nos Estados Unidos, a colonização seria mais
racionalizada no sentido da construção de um país cujo povoamento seria o objetivo
maior dos europeus. Essa concepção provocou muitos debates no mundo acadêmico e,
até os dias de hoje, discutem-se algumas teses do autor.

Ao analisar a comparação que Prado Júnior faz entre a colonização


da América do Norte e a do Sul, na sua obra História Econômica
do Brasil, Adorno levanta três observações: a primeira delas, e mais
significativa, diz respeito a indefinição da natureza econômico
social da empresa mercantil colonizadora. Ora, não se trata de
feudalismo, embora o patrimonialismo expresso pelas sesmarias
apontasse nessa direção, também não se trata de capitalismo, haja
vista, que não há separação radical entre trabalho e capital. Restava
qualificá-lo de pré-capitalismo, mas não haveria clareza na inserção
da colonização no terreno da acumulação originária do capital, já
em andamento no mundo europeu, especialmente na Inglaterra
(ADORNO, 1989, p. 241 apud LIMA, 2008, p. 72).

Embora os conceitos do intelectual em questão sejam amplamente refutados


na academia contemporânea, principalmente aqueles referentes ao capitalismo ou às
etapas pelo qual seu desenvolvimento passou, Caio Prado Júnior (1961) contextualiza,
de maneira original, a ocupação da América Latina e América do Norte pelos europeus.
As ideias de Caio Prado Júnior (1961) representaram um grande avanço no que tange
à compreensão do propósito da colonização do continente americano como um todo.

O conceito de “Revolução Brasileira” é outra tese de fundamental importância


na obra de Caio Prado Júnior. Conforme o pensador (PRADO JÚNIOR, 1961), para que
o Brasil alcançasse sua emancipação em relação aos domínios políticos estrangeiros,
que estão diretamente relacionados à condição de país economicamente dependente,
nosso território necessitaria de uma modernização econômica. Por mais contraditório
que pareça, o pensador sustenta a ideia de que o Brasil só poderia se desvincular
politicamente dos países que dominavam a dinâmica econômica mundial, por meio
do estabelecimento de uma burguesia forte. A partir dessa formação de uma base
econômica sólida, o país poderia voltar sua produção de riquezas para o interior,
rompendo com seu caráter de “apêndice econômico” de outros países. Isso reforça a
ideia de que a economia é o fator que mais exerce influência sobre nossa história.

99
FIGURA 21 – REFLEXÃO ACERCA DA SOBREPOSIÇÃO DA ECONOMIA SOBRE OS DEMAIS
ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

FONTE: <https://conhecimentocientifico.r7.com/wp-content/uploads/2018/11/destaque.jpg>. Acesso em


15 de julho de 2020.

Encerraremos a Unidade 2 de nosso livro didático com uma interpretação da


obra de Caio Prado Júnior.

100
LEITURA
COMPLEMENTAR
AGRARISTAS POLÍTICOS BRASILEIROS

Raimundos Santos

[...]

O PAPEL DO SINDICALISMO NA REFORMA DO MUNDO RURAL

Relembremos agora como o “ponto de vista do trabalho” orienta a dissertação


agrária. À luz da interpretação de Brasil, ela pode ser vista como marco de um campo
intelectual que não restringe a reforma do mundo rural à questão fundiária. Caio Prado
Júnior confere importância à ideia de uma reforma agrária não camponesa; um tema
continuado sob registro diverso por outros autores no pré-64 e depois da destituição de
Jango, inclusive em tempos bem recentes.

Na época da Declaração de Março de 1958, embora refratado, o agrarismo de Caio


Prado fez-se presente no PCB, em particular, como já aludido no princípio deste ensaio,
na fórmula da reforma agrária “inicialmente não camponesa”, que se tornaria reforma
agrária camponesa numa segunda fase. Por sua visão “não estagnacionista” pós-1958, o
PCB adota, naqueles anos radicalizantes da “pré-revolução brasileira” (FURTADO, 1962),
a proposição programática das “medidas parciais de reforma agrária”, bem ecléticas e
nada catastróficas, nelas, aliás, refletindo-se o argumento não campesinista de Caio
Prado. Fora desse campo, naquela época o conceito de reforma agrária ainda se amplia
mediante o equacionamento propriamente nacional-desevolvimentista, como se pode
ver em textos isebianos. Desperta particular interesse a modalidade de reforma agrária
de Ignácio Rangel, autor que, avaliando a falta de condições políticas para um processo
redistributivista, argumenta a favor de uma reforma agrária centrada em questões “não
propriamente agrárias” (problemas estritamente agrícolas, como produção, preços,
intermediação etc.).

Em relação ao seu próprio campo, o historiador valoriza “a atenção especial


com os assalariados e semiassalariados”, elemento que, no pré-64, compunha a tática
agrária sindical-camponesa dos comunistas. Mas, ao mesmo tempo, via na mistura
errática de reivindicações trabalhistas e camponesas – que, segundo ele, aparecia no
novo agrarismo do PCB – a primazia do tema da luta pela terra, o que levava a se perder
a “réstia de bom senso” que os comunistas haviam adquirido quando passaram a dar
atenção ao sindicalismo rural (PRADO JÚNIOR, 1966).

101
O modelo caiopradiano da revolução “agrária e nacional” – na aparência,
simples inversão da fórmula “anticolonialista e agrária antifeudal” prescrita pela III
Internacional aos países coloniais e dependentes – sugere uma grande transformação
ao modo americano, no sentido de que aqui também era possível buscar dinamismo
em um Oeste (o largo mercado rural) complementar a um Leste (nossa industrialização)
insuficientemente modernizado. Diversamente da tradição comunista, Caio Prado atribui
essa função a um protagonismo popular não camponês assentado em reivindicações
trabalhistas da força de trabalho dos grandes setores da agropecuária, mobilizada por
sindicatos estáveis e espalhados pelos municípios brasileiros. Fazendo decorrer a ideia
de revolução agrária da sua interpretação de Brasil, o clássico pensa na renovação do
mundo rural como avivamento de um capitalismo débil que, entregue à própria lógica,
ver-se-ia incapaz de modernizar o país e abrir espaço aos contingentes devastados,
particularmente os excluídos do sistema produtivo agrário.

Ao contrário do vazio social que Gilberto Freyre debitava às nossas “revoluções


políticas”, Caio Prado referencia sua ideia de revolução agrária justamente na Abolição.
É esta filiação que o historiador confere – às vésperas de 1964, tempo de urgências e
radicalismos – ao Estatuto do Trabalhador Rural (1963), comparando o alcance desta lei
ao impacto generalizante que tivera o 13 de maio de 1888, ao conformar o contingente
nacional da força de trabalho livre. No caso, como proteção de direitos, o Estatuto viria
a universalizar processos socioeconômicos por meio da expansão de sindicatos nos
grandes setores da agropecuária, onde estava – vale repetir o autor – o núcleo estratégico
da revolução agrária, do qual se difundiriam à economia rural impulsos transformadores
sustentáveis: os assalariados e semiassalariados, os “empregados agrícolas”.

Em vez de um “movimento camponês” pela terra confinado em poucas regiões,


Caio Prado aposta na mobilização desse campo popular, único capaz de assegurar
trabalho revolucionário expansivo, “em profundidade”, como ele dizia. Para além dos
termos e paradigmas pecebistas, o historiador apresenta ao partido comunista uma
teorização do rural derivado da sua hipótese sobre nossa gênese e evolução no sentido
de um modernismo inconcluso. Como se observou no princípio destas notas, o autor
propõe essa problematização nas categorias marxianas, mas, em vez de evocar um ser
demiúrgico do processo modernizador, o “Capital”, como se vê em outros constructos
acadêmicos, era o trabalho mediado por uma extensa mobilização social – por meio da
forma sindical moderna – que ocupava centralidade no tema da modernização e da
reforma do mundo rural.

Em artigo sobre o Estatuto do Trabalhador Rural publicado na Revista Brasiliense


(1963), o autor diz que não se sustentava uma transformação completa da estrutura e
organização dos grandes setores da economia agrária sem um amplo “movimento social
reivindicatório”. Citemos o autor: “Seria naturalmente ingenuidade pura imaginar que
um simples texto legal, estabelecendo a reorganização de nossas principais atividades
agrárias e dando-lhes estrutura e funcionamento da produção completamente distintos
e originais, tivesse a virtude, somente por si, e sem o amparo, impulso e instrumento
de poderosas e ativas forças sociais, de determinar tais consequências. Ora não se

102
apresenta nenhum sintoma ponderável da ação dessas forças. As reivindicações dos
trabalhadores empregados na grande exploração rural brasileira vão noutro sentido que
não o do fracionamento da base fundiária em que se assenta aquela grande exploração; e
o da transformação deles, de empregados que são, em pequenos produtores individuais
e autônomos. As reivindicações desses trabalhadores são as de ‘empregados’, que é a
sua situação econômica e social. A saber, reivindicações por melhores condições de
trabalho e emprego” (PRADO JÚNIOR, 1963, p. 6-7).

Esse grande “movimento social reivindicatório” poderia desequilibrar, a favor


da força de trabalho, a lógica estruturante do mundo rural: a “contradição” entre os
monopolizadores das condições de trabalho e os despossuídos rurais. Era essa, e não
a contradição antifeudal e antilatifundiária, como pensavam os comunistas e outros
grupos militantes, a “dialética econômica” que tensionava o mundo produtivo e rural
brasileiro (PRADO JÚNIOR, 1966). Assim, em vez da fórmula marxista-leninista, era tal
desequilíbrio que estimulava os conflitos pela terra, os quais, por serem pontuais e
esporádicos, não possuíam amplitude suficiente para sustentar a renovação do mundo
rural ao “modo americano”. Para Caio Prado, a luta pela terra, usando expressão bem
mais contemporânea, não era a “questão política do campo” (MARTINS, 1982). O acesso
à terra pressupunha forma associativa moderna e permanente; movimento esse que,
afinal, se firmaria com a rede sindical inicialmente assentada por todo o país a partir da
estruturação da União dos Lavradores e Trabalhadores da Agricultura do Brasil (Ultab),
em 1954, e da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), em 1963,
construções já mencionadas anteriormente.

Façamos agora um outro tipo de observação: a pequena presença de Caio Prado


na controvérsia do então chamado “objetivismo burguês”. Em um dos textos publicados
na referida Tribuna de debates, na qual também vê a tributação como meio para forçar
o acesso à terra, Caio Prado diferencia o ponto de vista do trabalho do tributo proposto
nas teses oficiais, o qual aparecia “mais como medida de incentivo à produtividade
das grandes propriedades” (PRADO JÚNIOR, 1960a; 1996, p. 69). Continuemos com o
autor: “Essa melhoria não será trazida pelo simples aumento da produtividade, como
mostramos anteriormente; e ocorrem mesmo frequentemente situações em que o
aumento da produtividade agrícola é acompanhada pelo agravamento das condições
de vida do trabalhador. A contradição fundamental na economia agrária brasileira reside,
como vimos, na oposição de grandes proprietários e a massa trabalhadora efetiva ou
potencialmente a serviço deles, seja qual for a forma das relações de trabalho vigente
– salariato, semiassalariato, parceria ou formas mistas. É no terreno da luta social em
que aquela oposição se manifesta, que a reforma agrária deve ser colocada. A par
das reivindicações imediatas (legislação trabalhista, regulamentação da parceria em
benefício do trabalhador etc.), figurará a facilitação do acesso da massa trabalhadora
à propriedade da terra, o que determinará condições mais favoráveis à luta dos
trabalhadores. A tributação, como medida essencial para aquele fim de proporcionar terra
aos trabalhadores, deve, portanto, visar, em primeiro e principal lugar, o barateamento e
a mobilização comercial da terra, e não a simples produtividade, que será consequência
da reforma e não constitui condicionamento dela” (Id.: 69-70).

103
Mediado por tal tipo de movimento social, em Caio Prado o tema do trabalho não
é mobilizado de modo impreciso nem constitui simples evocação do princípio marxista-
leninista da superioridade operária em relação aos seus aliados, mas advém de uma
interpretação de Brasil. Aliás, a propósito da “questão política do campo”, registre-se
um ponto da bibliografia que está a merecer tratamento: por trás da busca da “questão
política no campo” ou da “questão nevrálgica”, como preferia o historiador, radicam, a
rigor, imagens de Brasil diferenciadas por suas origens e significados singulares. Em uma
comparação entre Caio Prado e José de Souza Martins, já se apontou o par exploração
versus expropriação (FARIA, 1990) como uma polaridade que distingue os autores em
suas ênfases no trabalhismo e na terra, respectivamente.

Também se sugeriu que esse mesmo par não apenas diferencia sindicatos e
ligas camponesas, negociação e confronto, pressão por políticas públicas e reivindicação
de terra, como também, no fundo, configura dois estilos de mobilização agrária. Vistos
de um ponto amplo, tais polaridades expressam linhagens de interpretação do Brasil,
cujas construções explicitam – isso é importantíssimo – modos desiguais de conceber
a conexão teoriaprática; ponto este sempre reivindicado pelos grandes nomes desses
mesmos campos intelectuais, sobressaindo-se Caio Prado Júnior como outsider do
primeiro deles. Vale dizer, um militante pouco valorizado pelo partido comunista como um
dos clássicos do nosso ensaísmo e não assumido plenamente, mediante interpelações
a sua teoria do Brasil e excursos sobre a revolução, proveitosos que teriam sido para o
pecebismo contemporâneo.

Assim, à luz desse tipo de associação entre pensamento social e político, Caio
Prado se nos afigura não apenas como pensador agrarista, mas também um dos pu-
blicistas constituintes do marxismo político brasileiro, como temos sugerido desde o
princípio destas páginas. Ou seja, e dizendo de modo paradoxal, Caio Prado e Alberto
Passos Guimarães (voltando ao outro autor comunista) respondem pelos registros mais
expressivos dos êxitos de um partido que se esgotou com o fim da URSS. E falamos em
êxitos, não obstante o partido comunista se exaurir na passagem aos anos 1990, após
haver sido, em menos de um decênio, deslocado pelos novos grupos petistas, com a
ajuda da Igreja, tanto do associativismo quanto do mundo intelectual. E isto mesmo
que, neste mundo intelectual, os comunistas tenham produzido controvérsias de vários
temas da chamada revolução brasileira, sempre expondo os seus argumentos, intramu-
ros e na esfera pública, quer nas suas publicações quer em espaços da mídia nacional.

Com a distância do tempo e vendo as coisas a partir de hoje, podemos afirmar


que a primeira e talvez a principal realização daquele partido comunista consiste em
haver deixado na esquerda militante uma tradição de política democrática, anunciada
em 1958 na sequência dos debates sobre o stalinismo. São elementos de uma cultura
política valiosa por sua origem difícil (forçando passagem em meio ao marxismo-
leninismo e a posturas dogmáticas, algumas radicalizadas); uma cultura de esquerda
também muito educativa, por causa da presença de não poucas ambiguidades,
persistentes no PCB ao longo do tempo, mas não só nele, já que algumas ainda são
visíveis hoje em outros grupos, inclusive do PT. Depois, mas não com menor importância,

104
está o valor da contribuição dos comunistas para a melhora do mundo rural, tanto em
termos da extensão de direitos (por meio do agrarismo sindical-camponês) quanto em
relação ao que chamavam de “medidas parciais de reforma agrária”, cuja proposição
mais significativa – recordem-se os tempos – teve início no imediato pré-64.

Como igualmente já referimos, aquele tipo de sindicalismo prossegue em nossos


dias na Contag, que ainda mantém certos traços antigos e faz lembrar a inspiração em
Caio Prado. Por sua vez, foi por meio de um agrorreformismo de “soluções positivas”
e gradualista, como aquele a que tende o PCB pelo menos desde meados dos anos
1950, que viria a se consolidar – digamos ao velho modo – um campesinato, ao qual
Alberto Passos Guimarães, em seu tempo, se refere como um campesinato ainda por se
constituir. Um campesinato que, ao fim do “século do comunismo”, já se visualiza na figura
da agricultura familiar, florescente aqui e em muitas partes do mundo desenvolvido. No
entanto, como ainda veremos, Alberto Passos Guimarães e Caio Prado não são clássicos
do marxismo político brasileiro apenas por trazerem até nós o registro intelectual da
presença pecebista no nosso mundo rural.

[...]

FONTE: SANTOS, R. Agraristas políticos brasileiros. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais,
2008. p. 13-20. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/59grm/pdf/santos-9788599662816.
pdf. Acesso em: 7 out. 2020.

105
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O Pensamento Social Brasileiro avançou consideravelmente a partir das contribuições


dos autores marxistas Florestan Fernandes e Caio Prado Júnior.

• Florestan Fernandes foi um dos maiores pensadores sociais brasileiros,


ressignificando o papel histórico dos povos nativos brasileiros e dos negros.

• Caio Prado Júnior introduziu uma perspectiva economicista da formação do Brasil


contemporâneo.

• Florestan Fernandes denunciou as dificuldades ainda sofridas pelo povo negro


brasileiro pós-escravidão.

• Caio Prado Júnior percebeu padrões sociais no Brasil que sofreram poucas
mudanças estruturais desde o período colonial.

106
AUTOATIVIDADE
1 Florestan Fernandes é um dos pensadores brasileiros que mais contribuíram com a
Teoria Social, não só brasileira, mas de um âmbito mundialmente abrangente. Sua
influência marxista e sua vivência adquirida em um contexto de severas dificuldades
sociais em um Brasil em pleno desenvolvimento industrial, foram características que
o autor afirma contribuírem com o teor de sua vasta obra. Partindo do pressuposto
que observar de perto a realidade material que nos circunda constitui, juntamente ao
conhecimento do processo histórico que a moldou, uma forte base à compreensão
de nossa sociedade, podemos considerar o trabalho de Florestan Fernandes uma
obra completa e muito significativa, tanto dentro como fora do espaço acadêmico.
Considerando o conteúdo estudado no presente tópico e as principais contribuições
de Florestan Fernandes, analise as sentenças a seguir:

I - Dentre uma multiplicidade de outros objetos de estudo, Florestan Fernandes


se dedicou aos povos originários, sendo sua dissertação de mestrado e tese de
doutorado dedicadas ao povo Tupinambá.
II - Florestan Fernandes era um autor estritamente acadêmico, ou seja, não se envolvia
com a política nacional e não demonstrava seus posicionamentos políticos em sua
obra.
III - A obra de Florestan Fernandes muito contribuiu com denúncias acerca das
dificuldades que o povo negro no Brasil sofre, mesmo depois da abolição formal da
escravidão.
IV - O referido pensador brasileiro sustenta a ideia da existência de estruturas sociais
sólidas, que só são rompidas a partir de resistências protagonizadas pelas classes
que mais sofrem na sociedade.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


b) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.
e) ( ) Somente a sentença I está correta.

2 Caio Prado Júnior representa outro intelectual brasileiro que inovou em sua perspectiva
acerca da formação do Brasil contemporâneo. Para o sociólogo, a economia assumiu
um papel importante na formação de nossa cultura e, consequentemente, de nossa
política. O pensador acreditava também na existência de um “sentido da colonização”,
que orientava as transformações culturais brasileiras a partir de seu desenvolvimento
histórico. Outros dois conceitos importantes trabalhados em sua obra são os de

107
“colônia de exploração” e “colônia de povoamento”, que consistem em classificações
das colônias americanas de acordo com a intenção dos colonizadores europeus
em relação a ocupação do novo continente. Sobre a teoria de Caio Prado Júnior,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Caio Prado Júnior focou seus estudos no papel dos povos indígenas e do negro no
desenvolvimento do cultural do Brasil.
( ) Ao analisarmos a obra de Caio Prado Júnior, identificamos o papel preponderante
da Economia no desenvolvimento social do Brasil.
( ) Para Caio Prado Júnior, o Brasil pode ser considerado uma colônia de povoamento,
uma vez que os povos ibéricos sempre tiveram a intenção de fixar colônias de seus
povos aqui a fim de desenvolver a Economia da colônia.
( ) Caio Prado Júnior identificou diferentes padrões de colonização nos Estados
Unidos da América em relação aos países latino-americanos.
( ) O pensador brasileiro Caio Prado Júnior, identifica em sua obra um sentido
explorador no que tange à ocupação ibérica em nosso território.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F – F.
b) ( ) F – V – V – V – V.
c) ( ) F – F – F – F – V.
d) ( ) F – V – F – V – V.
e) ( ) V – F – F – V – V.

3 Considerando as obras de Florestan Fernandes e Caio Prado Júnior dois expoentes


do Pensamento Social Brasileiro, torna-se de fundamental importância por parte do
sociólogo o aprofundamento em suas respectivas literaturas. De acordo com o que
estudamos no Tópico 3 do presente material, disserte sobre as principais colaborações
de cada um desses pensadores em relação à Teoria Social Brasileira.

108
REFERÊNCIAS
BASTOS, E. R. Sessenta anos da publicação de um relatório exemplar. Sinais Sociais,
Rio de Janeiro, v. 10, n. 28, p. 29-54, maio/ago. 2015.

FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global,


2008.

FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática,


1978.

FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na américa latina. Rio


de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

FERNANDES, F. A organização social dos Tupinambá. São Paulo: Difusão Europeia


do Livro, 1963.

FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da


economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003.

FREYRE, G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento


do urbano. São Paulo: Global, 2013.

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LIMA, A. S. Caio Prado Jr. e a polêmica “feudalismo-capitalismo”: pela desconstrução de


consensos. Aurora, Marília, ano 2, n. 3, dez.2008. Disponível em https://revistas.marilia.
unesp.br/index.php/aurora/article/view/1195. Acesso em: 23 jun. 2020.

MARIOSA, D. F. Florestan Fernandes e os aspectos sócio-históricos de uma integração


híbrida no Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 21, n. 50, p. 182-209, jan./abr. 2019.
Disponível em https://www.scielo.br/pdf/soc/v21n50/1807-0337-soc-21-50-182.pdf.
Acesso em: 23 jun. 2020.

MELO, A. C. Saudosismo e crítica social em casa grande e senzala: a articulação de uma


política da memória e de uma utopia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23, n. 67, 2009.
Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ea/v23n67/a31v2367.pdf. Acesso em: 23 jun.
2020.

PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. Brasília: Editora


Brasiliense, 1961.

SANTOS, R. Agraristas políticos brasileiros. Rio de Janeiro: Centro Edelstein


de Pesquisas Sociais, 2008. p. 13-20. Disponível em: https://static.scielo.org/
scielobooks/59grm/pdf/santos-9788599662816.pdf. Acesso em: 7 out. 2020.

109
110
UNIDADE 3 —

TEMAS DA SOCIOLOGIA
BRASILEIRA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• analisar os principais debates sobre raça e identidade no pensamento sociológico


brasileiro;

• reconhecer os aspectos fundamentais do processo de modernização no Brasil e


suas implicações sociais;

• discutir os novos moldes da Sociologia Brasileira pós-1970, seus principais


contribuintes e abordagens;

• abordar as principais problemáticas sociais contemporâneas do Brasil;

• sintetizar a conjuntura política brasileira contemporânea, apontando possíveis


soluções sociológicas.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar
o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – RAÇA E IDENTIDADE NO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO BRASILEIRO


TÓPICO 2 – MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA
TÓPICO 3 – A SOCIOLOGIA BRASILEIRA PÓS-1970: NOVOS OLHARES

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

111
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

112
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
RAÇA E IDENTIDADE NO
PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
BRASILEIRO

1 INTRODUÇÃO
O conteúdo estudado nas unidades anteriores enfatizou, dentre outros assuntos,
a multiplicidade de matrizes étnicas que compõem o Brasil. Tal fato contribui para que os
debates em torno do tema raça estejam constantemente presente no meio sociológico
brasileiro. Além disso, os debates identitários de maneira geral, ganham amplo espaço
de discussões, sobretudo na contemporaneidade.

O presente tópico abordará as discussões brasileiras mais relevantes sobre raça


e identidade, apresentando o pensamento de estudiosos brasileiros de temas raciais,
de gênero e outros grupos identitários. O estudo de tal temática é imprescindível à
compreensão das principais lutas, resistências, preconceitos, perseguições entre outros
conflitos que são envolvidos pelas representações identitárias presentes no Brasil.

2 O DEBATE RACIAL NO BRASIL


Viver em um país no qual o povo foi formado a partir do contato entre uma
ampla variedade étnica como no Brasil, demanda o entendimento acerca da existência
dos muitos conflitos provenientes dessa multiplicidade de pessoas convivendo em um
mesmo território. Vimos anteriormente que o Brasil foi formado a partir do embate entre
diferentes povos, o que ocasionou a dominação e subjugação de uns por outros. Esse
fenômeno foi responsável por uma cultura racialmente desigual, na qual alguns povos
são, independentemente de seu grau de miscigenação, inferiorizados por outros que se
sentem mais evoluídos, mais puros ou quaisquer sentimentos de superioridade.

A desigualdade racial no Brasil, assim como em qualquer lugar no mundo, resulta


em mazelas sociais gravíssimas, submetendo grupos inteiros de pessoas a condições
de vida inferiores às pertencentes a raças hegemônicas. Essa hegemonia racial de
determinados povos não significa superioridade em nenhum aspecto, mas significa que,
em um dado momento histórico, essa raça mais privilegiada se impôs em detrimento
de outras que terão maiores dificuldade de se inserir na dinâmica social estabelecida.

A discriminação e, consequentemente, o racismo são elementos presentes na


sociedade brasileira, sendo temas amplamente discutidos em meio acadêmico, político,
popular e diversas outras instâncias do pensamento social.

113
O autor Clóvis Moura (1992), reconstrói a trajetória do povo negro no Brasil,
concebendo-o como “o grande povoador” do nosso território. O sistema escravagista
foi responsável pelo tráfico em massa de africanos para as terras tupiniquins tomadas à
força pelos colonizadores europeus. Por isso, de acordo com o autor, os negros africanos
constituem um povo de suma importância à construção política, social, econômica e
cultural de nosso povo, embora tenha sido excluído do usufruto das riquezas produzidas
em nossas terras.

A história do negro no Brasil confunde-se e identifica-se com a


formação da própria nação brasileira e acompanha a sua evolução
histórica e social. Trazido como imigrante forçado e, mais do que isto,
como escravo, o negro africano e os seus descendentes contribuíram
com todos aqueles ingredientes que dinamizaram o trabalho durante
quase quatro séculos de escravidão. Em todas as áreas do Brasil
eles construíram a nossa economia em desenvolvimento, mas, por
outro lado, foram sumariamente excluídos da divisão dessa riqueza
(MOURA, 1992, p. 7).

Partindo da ideia de que o negro impulsionou de forma imprescindível o desen-


volvimento brasileiro desde o período colonial, constituindo boa parte de nossa popula-
ção, devemos considerar esse povo como um dos maiores tributários de nossa sociedade.

É importante destacar que, apesar de servir ao trabalho de construção política,


social, econômica e cultural do Brasil de forma mais significativa do que quaisquer
outros povos que compõem nossa nação, por meio de trabalho braçal forçado, pesado e
extremamente desumano, o negro brasileiro sofre até os dias de hoje com a segregação
racial. Isso implica na discriminação que marginaliza o povo negro, tão fundamental à
constituição de nossa sociedade, submetendo-o às condições de profunda desigualdade
no contexto capitalista moderno.

Já mencionamos a importância do povo negro brasileiro, desde os estudos das


obras de Gilberto Freyre (FREYRE, 2003; 2013), Sérgio Buarque de Holanda (HOLANDA,
1995), Florestan Fernandes (FERNANDES, 1963; 1975; 1978; 2008), Caio Prado Júnior
(PRADO JÚNIOR, 1961; 1981) e outros nomes do pensamento social brasileiro.

Portanto, não é novidade, pelo menos desde o começo do século XX, que
os negros africanos trazidos para o Brasil constituem boa parte de nossa história.
No entanto, devemos estar cientes da luta desse povo pelo reconhecimento de sua
condição de ator fundamental na construção de nossa sociedade, por condições iguais
de trabalho, habitação, sociabilidade e, enfim, melhores condições de vida no Brasil
contemporâneo.

As lutas por emancipação do povo negro brasileiro sempre estiveram presentes


durante o período escravagista e, até os dias de hoje, contribui com o processo
histórico de libertação dessas pessoas que tanto sofrem os efeitos do colonialismo.
Além das resistências diretas à escravidão, manifestadas por meio de levantes, revoltas,
desobediências aos senhores, fugas e diversos outros tipos, a “quilombagem”, de acordo

114
com as palavras de Moura (1992), ganha destaque entre as lutas dos negros no Brasil.
Por se tratar de um processo puramente violento, o escravismo, conforme Moura (1992),
demandou, e demanda até hoje, uma resposta violenta como instrumento de ruptura.
Ou seja, não seriam possíveis as conquistas do povo negro, inclusive a abolição formal
da escravidão (erroneamente atribuída à princesa Isabel, que outorgou a Lei Áurea), por
outras vias políticas que não envolvessem o radicalismo da ação direta e violenta de
emancipação do povo negro escravizado no Brasil.

A quilombagem é um movimento emancipacionista que antecede, em


muito, o movimento liberal abolicionista; ela tem caráter mais radical,
sem nenhum elemento de mediação entre o seu comportamento
dinâmico e os interesses da classe senhorial. Somente a violência,
por isso, poderá consolidá-la ou destruí-la. De um lado os escravos
rebeldes; de outro os seus senhores e o aparelho de repressão a essa
rebeldia (MOURA, 1992, p. 22).

Considerando o trecho anterior, devemos reconhecer que são legítimos


quaisquer movimentos emancipacionistas por parte dos negros no Brasil, inclusive
aqueles fundados sobre bases violentas. Basta refletir sobra a violência histórica que
esse povo sofreu durante séculos, sobretudo, em nosso território: o último a abolir
formalmente a escravidão em todo o globo terrestre.

FIGURA 1 – RESISTÊNCIA NEGRA NO BRASIL. CARLOS LATUFF

FONTE: <https://escravidaobrasil.weebly.com/uploads/4/2/0/7/42076079/8328419.jpg?399>. Acesso


em: 4 ago. 2020.

Outro autor que ressalta a importância do negro, no que tange à formação do


povo brasileiro, é Darcy Ribeiro, destacando em sua obra o histórico apagamento de seu
papel crucial em nossa formação como sociedade (RIBEIRO, 1995). O referido pensador,
nosso conterrâneo, evidencia as sucessivas tentativas de negação e soterramento
das tradições negras em nosso país por parte dos colonizadores europeus e seus
descendentes ao decorrer da história do Brasil.

115
A contribuição cultural do negro foi pouco relevante na formação
daquela protocélula original da cultura brasileira. Aliciado para
incrementar a produção açucareira, comporia o contingente
fundamental da mão de obra. Apesar do seu papel como agente
cultural ter sido mais passivo que ativo, o negro teve uma importância
crucial, tanto por sua presença como a massa trabalhadora que
produziu quase tudo que aqui se fez, como por sua introdução
sorrateira mas tenaz e continuada, que remarcou o amálgama racial
e cultural brasileiro com suas cores mais fortes (RIBEIRO, 1995, p. 114).

Levando em consideração o conteúdo exposto anteriormente, devemos


conceber como legítimos os movimentos por emancipação negra presentes, até os
dias de hoje, em nossa sociedade. Afinal, apesar de legalmente abolida a escravidão no
Brasil, no final do século XIX, os negros ainda sofrem com o longo processo histórico
de violentos abusos vivenciados por eles em solo brasileiro. Hoje em dia, o movimento
de libertação do negro, tão como diversas manifestações culturais desse povo ainda
são profundamente estigmatizadas por aqui. Sua religião, costumes, inserção social e
política são cotidianamente tolhidos pela dinâmica capitalista contemporânea.

Atualmente, os movimentos sociais organizados pelo negro no Brasil contam


com diversos coletivos que atuam em prol da liberdade, igualdade de direitos, inserção
na dinâmica político-econômica, dentre uma infinidade de direitos que lhes foram
historicamente negados. Um bom exemplo é o do MNU (Movimento Negro Unificado)
que reúne muitos militantes favoráveis à causa negra no país. O Movimento Negro
Unificado existe, oficialmente, desde o dia 7 de julho de 1978, quando foi lançado nas
escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, reunindo cerca de duas mil pessoas.

ATENÇÃO
O MNU (Movimento Negro Unificado) possui como principal objeto o enfrentamento
ao racismo no Brasil. O MNU, por meio de seu Plano de Lutas do MNU, aprovado no
17º Congresso Nacional, realizado em Salvador/BA, em 2014, divulgou seu Plano de
Enfretamento ao Racismo, cujos principais parágrafos de seu estatuto versam: realizar
campanhas de enfrentamento ao racismo, ao racismo institucional, à intolerância religiosa,
ao machismo, à homofobia, à lesbofobia e à transfobia; fortalecer e ampliar em nível
nacional a campanha “Não dê Bola pro Racismo”; apoiar/realizar campanhas contra o tráfico
de mulheres e homens negros; contra a exploração sexual e tráfico de crianças e
jovens negros; organizar debate sobre economia criativa e etnodesenvolvimento
voltado à população negra; realizar seminários com as seguintes temáticas:
juventude, mulheres negras, LGBT, infância e adolescência; realizar seminários/
encontros com operadores do direito filiados ao MNU; cobrar nos editais de
concursos públicos e processos seletivos a igualdade de direitos étnicos e
religiosos respeitando a expressão da identidade do povo negro e de religião
de matriz africana. Mais informações podem ser acessadas por meio do
endereço eletrônico a seguir: https://mnu.org.br/mnu/.

116
O movimento negro no Brasil conta, desde o ano de 1975, com o Instituto de
Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), que fomenta a capacitação de militantes que
atuam em diversas instâncias. O IPCN contribui com a luta racial negra no interior de
espaços políticos, culturais, intelectuais e diversos outros, sempre buscando o fim do
racismo brasileiro e os Direitos Humanos fundamentais até hoje negado aos negros.
O IPCN atuou junto ao Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo
(GRANESQ) e também em blocos afros, como o Agbara Dudu. Auxiliou bailes de Black
Music realizados em baixo do Viaduto Negrão de Lima, no bairro de Madureira, zona
norte carioca, e outros locais onde as comunidades negras se concentravam.

FIGURA 2 – INSTITUTO DE PESQUISA DAS CULTURAS NEGRAS E OS MOVIMENTOS DE COMBATE AO


RACISMO NO BRASIL

FONTE: <http://artememoria.org/wp-content/uploads/2018/11/ATO-CONTRA-O-RACISMO-1024x691.
jpg>. Acesso em: 5 ago. 2020.

O estado do Espírito Santo conta com o Coletivo Zacimba Gaba, movimento


idealizado e criado com objetivo de acolhimento, diálogo, empoderamento e reflexão
sobre a capoeira feminina do Espírito Santo. O grupo que incentiva a conservação da
cultura afro-brasileira atua em diversos espaços capixabas e conta com o apoio de
algumas instituições de ensino.

DICAS
Algumas atividades do Zacimba Gaba são acompanhadas por meio de sua
página oficial no Facebook, acessada através do link https://www.facebook.
com/Coletivo-Zacimba-Gaba-ES-628179580924265/?ref=page_internal.

117
INTERESSANTE
Para quem não sabe, Zacimba Gaba foi princesa de Cabinda, na Angola,
foi captura e trazida para o Brasil há cerca de 300 anos. Quem arrematou
Zacimba, entre aproximadamente doze negros trazidos para o Porto
da Aldeia de São Matheus, situado na Capitania do Espírito Santo, foi o
fazendeiro português José Trancoso. A princesa sofreu diversos tipos de
violência durante anos, inclusive estupro. Ela é mais um, entre múltiplos
exemplos de pessoas capturadas na África e trazidas ao Brasil para
trabalhar sob o regime de escravidão. Prova do desrespeito branco
em relação à nobreza africana, submetida aos terrores do regime
escravocrata brasileiro.

O debate racial no Brasil não se limita apenas ao povo negro trazido da África.
O povo nativo brasileiro, denominado “indígena” desde a época da invasão europeia,
sobrevive até os dias de hoje em meio à dominação sócio-político-cultural dos invasores.

As centenas de milhões de povos originários da América, existentes anteriormente


à colonização europeia, foram reduzidas à aproximadamente cinco milhões de nativos.
Em terras hoje consideradas brasileiras, a predominância nativa é de povos de linguagem
tupi que, por meio de um processo histórico permeado por inúmeras guerras e disputas
territoriais, destacaram-se em sua ocupação.

Há quem diga que os povos nativos americanos viviam em plena harmonia


antes da invasão europeia, porém, a raça humana sempre foi marcada por conflitos.
Darcy Ribeiro (1995) evidencia em sua obra, um pouco da dinâmica de ocupação do
território que viria a ser nosso país. Explicitando o caráter dominador de algumas etnias,
Ribeiro (1995) registra a trajetória de alguns grupos de nativos pela América do Sul, tão
como o processo de ocupação dessas terras.

A costa atlântica, ao longo dos milênios, foi percorrida e ocupada por


inumeráveis povos indígenas. Disputando os melhores nichos ecoló-
gicos, eles se alojavam, desalojavam e realojavam, incessantemente.
Nos últimos séculos, porém, índios de fala tupi, bons guerreiros, se
instalaram, dominadores, na imensidade da área, tanto à beira‐mar,
ao longo de toda a costa atlântica e pelo Amazonas acima, como su-
bindo pelos rios principais, como o Paraguai, o Guaporé, o Tapajós, até
suas nascentes. Configuraram, desse modo, a ilha Brasil, de que fala-
va o velho Jaime Cortesão (1958), prefigurando, no chão da América
do Sul, o que viria a ser nosso país. Não era, obviamente, uma nação,
porque eles não se sabiam tantos nem tão dominadores. Eram, tão-
-só, uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco,
dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se
bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo
se desconheciam e se hostilizavam (RIBEIRO, 1995, p. 29).

118
Contemporaneamente, o maior dos desafios do nativo brasileiro é a resistência
às imposições sociais do homem branco invasor. Comparado aos tempos de colonização
europeia no Brasil, são poucos os remanescentes de tribos indígenas concentrados
no território brasileiro, menos ainda aqueles que conservam sua cultura e costumes
ancestrais frente à dominação colonizadora.

Ehrenreich (2014) narra em sua obra, a incapacidade dos colonizadores


europeus em entender seu caráter invasor, fato que muito dificultou o avanço de sua
dominação sobre os povos nativos do Brasil. Ehrenreich (2014) disserta um pouco sobre
o processo de manipulação do povo Botocudo, instalados entre o que hoje corresponde
aos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Dentre os povos primitivos da América do Sul, são os Botocudos ou


Aimorés os que requerem o maior interesse do etnólogo. Embora
ainda hoje a maioria deles se encontre no nível mais baixo dos usos
e costumes, não foi sem resultado que ofereceram resistência até os
tempos mais recentes frente às influências exercidas pela civilização
que os cercava, ao passo que as demais tribos indígenas da costa
leste do Brasil estão, em parte, completamente dizimadas e, em
parte, se submeteram à raça branca e negra do país, perdendo todas
as suas particularidades tribais. Desse modo, os Botocudos são ainda
hoje os senhores incontestáveis de suas florestas montanhosas,
apesar de o seu antigo território já ter sido muito restringido. Nas
proximidades imediatas da costa, a apenas poucos dias de viagem de
portos muito frequentados, estando alguns deles em fase de plena
florescência, uma parte da autêntica vida primitiva dos indígenas
ficou conservada nas matas virgens entre o Rio Doce e rio Pardo, de
um modo como acreditamos existir somente bem no interior desse
incrivelmente vasto continente (EHRENREICH, 2014, p. 43).

Conforme Ehrenreich (2014), o povo Botocudo sofreu, desde a chegada dos


europeus ao novo continente, diversos tipos de abusos como a coerção, escravização,
embate direto dentre outros tipos de violência. A importância dessas pessoas em relação
à formação do povo brasileiro é imensa. Os conhecimentos dos botocudos, quanto ao
território e relações sociais locais, tão como sua força de trabalho foram explorados
de maneira violenta pelo branco. Todavia, a resistência dessas pessoas sempre se fez
presente, seja na forma de desobediência e/ou enfrentamento aos brancos, até hoje os
botocudos são símbolo de força e coragem nativa.

Hoje, no Espírito Santo, existem tribos das etnias Tupiniquim e Guarani


instaladas, principalmente, na cidade de Aracruz. Lá, esses povos têm a oportunidade
de se concentrar e manter vivos muitos costumes ancestrais. Embora o contato com
o homem branco tenha influenciado muito nos costumes desses povos, muitos deles
ainda conservam sua língua, religião e diversas outras manifestações culturais. A cidade
de Aracruz é referência capixaba em estudos indígenas, que contam com a boa vontade
e acessibilidade por parte de muitos índios que concordam em difundir sua história com
os demais ocupantes do Brasil, independentemente de sua origem.

119
FIGURA 3 – POVOS NATIVOS REMANESCENTES NO BRASIL

FONTE: <http://www.aracruz.es.gov.br/arquivos/turismo/Dana_dos_Guerreiros.jpg>. Acesso em: 9 ago. 2020.

Embora bastante soterrada e contada em versões advindas de descendentes


colonizadores, a história do índio brasileiro ainda pode ser acessada por meio de narrativas
de descendentes indígenas. Daniel Munduruku (2010) representa um dos nomes
indígenas que contribuem com o reavivamento da cultura nativa brasileira, mesmo em
tempos de dominação de uma ciência fundamentalmente europeia, manifestada pela
produção acadêmica contemporânea. A seguir, encontra-se o trecho de Histórias de
Índio que retrata a vivência nativa brasileira.

Após o banho e a brincadeira, ele devia se ocupar de alguma tarefa com


a mãe ou o pai. Não havia uma hora definida para começar esta atividade
uma vez que Kaxi tinha percebido que os mais velhos diziam serem eles
os senhores do tempo e não possuírem nenhum controlador do tempo
- que ele descobriu mais tarde se tratar do kaxinug usado pelo homem
branco para marcar as horas. Às vezes, saíam bem cedinho para a roça
ou para a caça e a pesca, outras vezes iam só na parte da tarde, e outras,
ainda, não iam a lugar nenhum, preferindo ficar em casa, conversando e
pitando [...]. À medida que crescia, Kaxi ia sendo iniciado nos costumes
tradicionais de sua tribo. Falava a gíria [...], caçava, pescava, plantava e
colhia junto com os adultos (MUNDURUKU, 2010, p. 19).

O debate racial em torno dos povos negro e nativo, hoje, transcendem o espaço
acadêmico, ganhando as ruas e as mais diversas instâncias sociais. Os diálogos e
enfrentamentos objetivam, principalmente, a emancipação dos povos que constituem
a civilização brasileira. O sentido da palavra emancipação aqui empregado, consiste na
busca por condições mais justas de sobrevivência frente à parcela da sociedade mais
privilegiada em relação ao sistema social, político, econômico e cultural predominante no
Brasil. Esse sistema é imposto desde os tempos coloniais brasileiros e perdura, sem grandes
modificações estruturais, até os dias de hoje.

Roberto Damatta é um autor brasileiro que também estuda povos nativos brasileiros.
Um dos aspectos que o referido pensador ressalta acerca de povo originário do Brasil é,
dentre diversos outros, sua organização social e aspectos gerais de sua cultura. O trecho a
seguir diz respeito aos costumes de alguns povos nativos brasileiros e a concepção que os
mesmos possuem acerco do conceito de tempo.

120
Assim, do mesmo modo que ocorre entre os apinayé do Brasil Central,
grupo tribal que eu mesmo estudei e pesquisei (Cf. DaMatta, 1976), a or-
ganização de grupos de idades ajuda a sublinhar etapas de tempo pela
referência a uma formalização típica dessas sociedades e, obviamente,
não depende de qualquer característica ambiental natural. Os apinayé -
como os nuer - marcam uma duração ou um evento do passado fazendo
referência a um parente mais velho; como, por exemplo: "isso aconteceu
no tempo em que meu Geti (avô) era moço..." Além disso, os nuer assina-
lam o tempo por meio de certas atividades. Mas ele jamais é individualiza-
do como algo concreto, conforme acontece conosco. É Evans-Pritchard
quem diz: "Os nuer não possuem uma expressão equivalente ao 'tempo'
de nossa língua e portanto, não podem, como nós, falar do tempo como
se fosse algo concreto, que passa, pode ser perdido, pode ser economiza-
do e assim por diante. Não creio que eles jamais tenham a mesma sensa-
ção de lutar contra o tempo ou de terem de coordenar as atividades com
uma passagem abstrata do tempo, porque seus pontos de referência são
principalmente as próprias atividades sociais, que, em geral, têm o caráter
de lazer." E conclui Evans-Pritchard, ironicamente: "Os nuer têm sorte"(Cf.
EvansPritchard, 1978: 116) (DAMATTA, 1997, p. 22-23).

A resistência desses povos, manifestada em todos os âmbitos da sociabilidade


contemporânea, é de fundamental importância à continuidade da busca por igualdade e
respeito. Afinal, a base de toda nossa população é sustentada por tais etnias, sejam elas
nativas ou inseridas em nosso território. Apresentamos, aqui, apenas uma amostra dos
principais debates raciais brasileiros. Agora, trataremos de outros assuntos identitários
de suma importância à sociedade brasileira.

3 O DEBATE ACERCA DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO


BRASIL CONTEMPORÂNEO
A identidade de gênero abre espaço para o debate de problemáticas delicadas e
muito polêmicas em todo o mundo e, no Brasil, não é diferente: o tema ganha cada vez
mais espaço ao passar dos anos. Devemos iniciar nossas ponderações sobre identidade
de gênero esclarecendo o sentido que a expressão tomará em nossas análises. Por se
tratar de um tema identitário, devemos ter em mente que a conversa gira em torno de
um sentimento subjetivo. Ou seja, trata-se de como determinada pessoa se identifica
em relação ao gênero. De outra maneira, identidade de gênero significa a maneira como
um indivíduo se enxerga e suas implicações sociais.

Falar de identidade de gênero significa romper com a concepção tradicional de


sexo biológico. Em outras palavras, não significa falar apenas de homem e mulher, mas
também de outras identidades de gênero.

A identidade de gênero não está relacionada à orientação sexual da pessoa,


então, não está relacionada ao tipo de gênero pelo qual sente ou deixa de sentir atração
sexual. Significa, na verdade, a maneira com a qual o sujeito se identifica e a posição so-

121
cial que essa identidade assume. Posição social significa, no presente contexto, as im-
plicações relacionais às quais sua identidade de gênero está submetida. Isso quer dizer
que a sociedade assume maneiras distintas de relacionar com determinados gêneros.

As relações de gênero no Brasil, assim como em boa parte do globo, estão


impregnadas de valores patriarcais. O patriarcado consiste a ideia da suposta superioridade
masculina nos mais diversos meios sociais. Isso quer dizer que, culturalmente, a sociedade
brasileira está inclinada a conceber a figura masculina como dominante na sociedade
em detrimento de quaisquer outros gêneros. Sendo assim, pessoas que se identificam
como pertencentes a gêneros não enquadrados na categoria “homem cis heterossexual”
– expressão na qual “cis” significa que o indivíduo assume sua sexualidade biológica, ou
seja, identifica-se com o sexo com o qual nasceu –, tendem a sofrer diversos tipos de
violência, principalmente por homens.

A ideia da supremacia masculina, resultante do já mencionado patriarcado,


engendra uma ideologia e, consequentemente, um comportamento denominado
machismo. O machismo é reproduzido principalmente por homens e se manifesta
em todo o mundo. O machismo existente no Brasil, apesar de suas peculiaridades,
decorrentes da especificidade histórica e geográfica brasileira, serve de fundamento para
inúmeras opressões no seio da sociedade. As mulheres compõem o grupo de indivíduos
que mais sofrem com as imposições e violências ocasionadas pelo machismo. Todavia,
toda opressão desperta naturalmente um tipo de resistência. No caso do machismo,
a resistência feminina deu origem a um forte movimento que vem ganhando força ao
passar dos tempos: o feminismo.

FIGURA 4 – MANIFESTAÇÃO DO FEMINISMO BRASILEIRO

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/fe/mi/feminismo_lobby_do_baton_bb.jpg>. Acesso em:


14 ago. 2020.

O movimento feminista brasileiro emergiu no século XIX de acordo com as


demandas por educação feminina, direito feminino de participação política e inserção
social. A condição da mulher brasileira, desde o período colonial, é de submissão em
relação ao homem, que a submete a tarefas subalternas, tanto no seio familiar como no
âmbito político, seja ela escrava ou livre.
122
Como vimos na Unidade 1 de nosso livro, Nísia Floresta Augusta foi uma das
precursoras do ideal libertário feminista no Brasil. Influenciada pelas ideias da inglesa
Mary Wollstonecraft, Nísia escreveu diversas obras com o intuito de orientar as mulheres
brasileiras em direção a uma vida digna e mais igual em relação aos homens. A professora
brasileira foi grande influência no meio educacional e político, incentivando inúmeras
mulheres a resistir aos abusos e violências patriarcais.

O feminismo é um movimento libertário importantíssimo e se manifesta por


meio de inúmeras vertentes. Embora seja um campo do saber e uma manifestação
política protagonizada pelas mulheres, o feminismo possui vertentes que contemplam
os interesses de diversas outras classes.

A referida luta acaba transcendendo a problemática exclusivamente feminina,


buscando a atenção de demandas de outros grupos de pessoas que não possuem
acesso a determinadas informações sobre a dinâmica social. Essas classes de
indivíduos, que permanecem incapazes de reagir aos abusos e violências consequentes
do sistema patriarcal, recebem atenção de algumas vertentes do feminismo, dentre
elas, o feminismo marxista. Mary Castro (2000) nos conta como deve ser abrangente
essa categoria de resistência feminina.

Engendrar um feminismo marxista, a partir de análises das


experiências de mulheres de setores populares em movimentos
e organizações de base, e re-acessando criticamente as teorias
marxista e feminista não pode ser agenda exclusiva das feministas
de esquerda, mas de todos os socialistas e comunistas inclusive, é
importante que haja mais espaço e diálogo na mídia crítica marxista,
nos partidos e na academia para esse conhecimento. Nestes
tempos, um feminismo marxista é mais que um gênero de feminismo
(CASTRO, 2000, p. 108).

Outra importante autora brasileira é Heleieth Saffioti que, dentre outros


assuntos, disserta sobre o lugar da mulher no sistema capitalista. Segundo Saffioti
(1976), a mulher pertencente à classe trabalhadora sempre se viu obrigada a trabalhar
para sustentar sua família, sobreviver e ajudar na construção das riquezas produzidas
em suas respectivas nações. Ou seja, além de submetida às atividades domésticas
tradicionais que o patriarcado lhe impunha, a mulher proletária trabalha, desde tempos
considerados pré-capitalistas, em proporções semelhantes ao que o homem trabalha.

A MULHER das camadas sociais diretamente ocupadas na produção


de bens e serviços nunca foi alheia ao trabalho. Em todas as épocas e
lugares, tem ela contribuído para a subsistência de sua família e para
criar a riqueza social. Nas economias pré-capitalistas, especificamente
no estágio imediatamente anterior à revolução agrícola e industrial,
a mulher das camadas trabalhadoras era ativa: trabalhava nos
campos e nas manufaturas, nas minas e nas lojas, nos mercados
e nas oficinas, tecia e fiava, fermentava a cerveja e realizava outras
tarefas domésticas. Enquanto a família existiu como uma unidade
de produção, as mulheres e as crianças desempenharam um papel
econômico fundamental (SAFFIOTI, 1976, p. 17).

123
Em outra de suas obras, Saffioti (2004) aborda com mais ênfase as consequências
violentas do patriarcado em relação não somente às mulheres, mas à violência sofrida por
diversas outras classes devido à grande desigualdade vivida no Brasil. Além disso, a autora
sustenta a teoria de que as desigualdades abrem espaço para conflitos que serão superados
apenas quando a sociedade evoluir e negar suas contradições por meio do conhecimento. Sa-
ffioti (2004) acredita que o conhecimento, assim como o preconceito, é algo construído social-
mente, ou seja, a desigualdade é algo que nasce, é sustentado e perpetuado pelos indivíduos.

O mais preocupante são as gerações mais jovens, cujos atos de cruelda-


de para com índios, sem teto, homossexuais revelam mais do que into-
lerância; demonstram rejeição profunda dos não-idênticos. As desigual-
dades constituem fontes de conflitos, em especial quando tão abissais
como no Brasil. Em casos como este, e eles existem também em outras
sociedades, as desigualdades traduzem verdadeiras contradições, cuja
superação só é possível quando a sociedade alcança um outro estado,
negando, de facto e de jure, o status quo. Neste estágio superior, não
haverá mais as contradições presentes no momento atual. No entanto,
podem surgir outras no processo do devir histórico. Numa sociedade
como a brasileira, com clivagens de gênero, de distintas raças/etnias
em interação e de classes sociais, o pensa mento, refletindo estas su-
bestruturas antagônicas, é sempre parcial (SAFFIOTI, 2004, p. 37-38).

FIGURA 5 – PINTURA DA REVOLUCIONÁRIA FRIDA KAHLO QUE RETRATA A BANALIZAÇÃO DE ATOS DE


VIOLÊNCIA E CRUELDADE CONTRA AS MULHERES

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/un/os/unoscuantospiquetitosfridakahlo-cke.jpg>.
Acesso em: 18 ago. 2020.

Aproveitando as ponderações de Saffioti (2004) acerca das violências sofridas


por pessoas consideradas diferentes da maioria, ou seja, os “não idênticos”, adentraremos
em outro assunto, o preconceito contra a classe LGBTQ+. A sigla LGBTQ+ significa
“Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queer e outros”, também é uma
sigla menos extensa para estabelecer orientações sexuais e identidades de gêneros
não masculinos heterossexuais. Existem siglas mais completas como LGBTTTQQIAA:
“Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Two-Spirits (Dois-Espíritos), Queer,
Questionando, Intersex, Assexual, Aliado e Pansexual”. Utilizaremos a sigla LGBTQ+ para
abreviar nossas abordagens. Segue, no Quadro 1, a maioria (pois a classificação está em
constante expansão) das respectivas identidades de gênero definidas.

124
QUADRO 1 – LISTA COM AS PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DE ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE
GÊNERO EMPREGADAS CONTEMPORANEAMENTE

• Lésbica: mulheres que sentem atração romântica ou sexual por outras mulheres.
• Gay: homens que sentem atração romântica ou sexual por homens. O termo também
pode ser utilizado para mulheres homossexuais.
• Bissexual: pessoas que sentem atração (afetiva ou sexual) por ambos os sexos.
• Transgênero: pessoas que não se identificam com seu sexo biológico e estão em
trânsito entre gêneros.
• Transsexual: são pessoas que se identificam com um sexo diferente do seu
nascimento. Por exemplo: uma pessoa que nasceu homem, mas se identifica como
mulher, é uma mulher transgênero.
• 2/Two-Spirit (Dois-Espíritos): utilizado por nativos norte-americanos para
representar pessoas que acreditam ter nascido com espíritos masculino e feminino
dentro delas.
• Queer: pode ser considerado um termo “guarda-chuva”, englobando minorias
sexuais e de gênero que não são heterossexuais ou cisgênero.
• Questionando: pessoas que ainda não encontraram seu gênero ou orientação
sexual – estão no processo de questionamento, ainda incertos sobre sua identidade.
• Intersex: é uma variação de características sexuais que incluem cromossomos
ou órgãos genitais que não permitem que a pessoa seja distintamente identificada
como masculino ou feminino.
• Assexual: é a falta de atração sexual ou falta de interesse em atividades sexuais –
pode ser considerado a “falta” de orientação sexual.
• Aliado: são pessoas que se consideram parceiras da comunidade LGBTQ+.
• Pansexual: é a atração sexual ou romântica por qualquer sexo ou identidade de
gênero.
FONTE: <https://cutt.ly/VgYljFz>. Acesso em: 18 ago. 2020.

As pessoas que se identificam como pertencentes a qualquer uma das


categorias LGBTQ+, assim como as mulheres que não se identificam com o referido
grupo, são comumente vítimas de preconceito e discriminação entre muitos membros
da sociedade patriarcal. Essas pessoas estão organizadas no Brasil em diversos
coletivos e entidades, buscando basicamente sua ascensão social, o fim da violência e
condições iguais de vida em um país onde existem muitas manifestações machistas,
racistas, homofóbicas dentre outras agressões.

Dentre as organizações a favor dos direitos LGBTQ+ atuantes no Brasil, está


a ABGLT (Associação Brasileira LGBT). A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) se define como uma organização
brasileira cujo objetivo e missão são, desde o ano de 1995, a organização de ações que
promovam a cidadania e os direitos humanos de pessoas que se autoidentificam como
pertencentes a quaisquer uma das classificações LGBT.

125
A organização contribui para a construção de uma nova sociedade, que seja
democrática e na qual nenhuma pessoa seja vítima de discriminação, coerção e/ou
violência, por causa de suas orientações sexuais e identidades de gênero.

FIGURA 6 – IMAGEM DE MANIFESTAÇÃO LGBTQ+ ESTAMPADA NO SITE OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO BRASI-


LEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E INTERSEXOS (ABGLT)

FONTE: <https://bit.ly/34CVKiF>. Acesso em: 18 ago. 2020.

Uma das pessoas que se identifica pertencente ao grupo LGBTQ+ brasileiro e


disserta sobre a problemática que envolve identidade de gênero no país é Berenice
Bento (2006). Bento é uma mulher transexual que identifica em sua obra uma espécie
de patologização das muitas identidades de gênero que fogem do padrão homem-cis-
heterosexual (BENTO, 2006). Ou seja, foi tratado como doente, desde o século XX, toda
pessoa que não se identificava com seu sexo biológico, que buscou transformações
físicas ou teve sua orientação sexual voltada a pessoas do mesmo gênero. Ao mesmo
tempo em que foram criados padrões de comportamento sexual e identidade de gênero,
foram tratadas como anomalias psíquicas as demais concepções subjetivas acerca da
sexualidade que fugia à norma tradicional da sociedade, sobretudo o que diz respeito às
pessoas que se consideram transexuais.

A articulação entre os discursos teóricos e as práticas reguladoras dos


corpos ao longo das décadas de 1960 e 1970 ganhou visibilidade com
o surgimento de associações internacionais, que se organizam para
produzir um conhecimento voltado à transexualidade e para discutir os
mecanismos de construção do diagnóstico diferenciado de gays, lés-
bicas e travestis. Nota-se que a prática e a teoria caminham juntas. Ao
mesmo tempo em que se produz um saber específico, são propostos
modelos apropriados para o “tratamento” (BENTO, 2006, p. 40).

Podemos concluir o tópico dizendo que em uma sociedade fundada sobre terras
colonizadas, na qual a escravidão foi formalmente abolida em tempos recentes e o pa-
triarcado interfere diretamente sobre a cultura nacional, a desigualdade se torna presente
no cotidiano das pessoas e engendra diversos tipos de violência. O preconceito, discri-
minação e demais agressões sociais são fruto de um processo histórico que só pode ser
modificado por meio de resistências organizadas, portanto, coletivos e organizações de
classes são sempre um caminho rumo a rupturas comportamentais no seio da sociedade.
126
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O povo brasileiro foi formado por três raças fundamentais: brancos, negros e nativos
americanos.

• A multiplicidade de raças e identidades brasileiras engendrou conflitos raciais e


diversos tipos de violência.

• A resistência negra, assim como o movimento dos povos nativos brasileiros, é muito
forte no Brasil, conquistando por meio de lutas, conflitos e resistências, múltiplos
direitos a esses dois povos cruelmente dominados pela colonização europeia.

• O movimento de luta feminista no Brasil é responsável pela emancipação e garantia


de direitos de milhões de mulheres, além de ajudar no combate ao machismo e à
violência contra a mulher que o sistema patriarcal estimula.

• A luta LGBTQ+ é protagonista da resistência contra a homofobia e outras violências


ocasionadas pela desigualdade de gênero no Brasil.

127
AUTOATIVIDADE
1 O Brasil é um país cujo povo é formado por múltiplas etnias, uma das consequências
sociais de toda essa riqueza racial coexistente num mesmo território é a discriminação
e o racismo – graves problemas sociais que abrem espaço para a violência. Como
todo o tipo de opressão é passível a resistências de inúmeras naturezas, não seria
diferente com relação à violência racial brasileira que oprime, principalmente, pessoas
de matrizes étnicas africanas e nativas, desde o período colonial. Nesse contexto
de desigualdade racial, emergem movimentos sociais a favor da emancipação,
reivindicação por igualdade de oportunidades, fim da crueldade contra classes menos
privilegiadas socialmente dentre outras lutas. Os movimentos negro e indígena do
Brasil foram muito importantes para esses dois grupos étnicos. Considerando os
desafios e conquistas de tais movimentos sociais, analise as sentenças a seguir:

I- O movimento negro muito contribuiu com o processo de libertação dos escravos


brasileiros, todavia, até a contemporaneidade, esse grupo étnico sofre com a
herança histórica do colonialismo brasileiro e com as desigualdades engendradas
por uma sociedade racista.
II - Os nativos brasileiros, que são chamados de indígenas devido à generalização
cultural praticada pelos colonizadores europeus, resistem no Brasil em algumas
tribos remanescentes que conservam sua cultura ancestral, embora muitas sofram
com a interferência da cultura colonizadora.
III - Embora a maioria dos livros de história recontem o fim da escravidão dos negros
brasileiros do ponto de vista colonizador, atribuindo o protagonismo de tal evento à
princesa Isabel e à Lei Áurea, os verdadeiros protagonistas foram os próprios escra-
vos que lutaram, resistiram e se organizaram em nome da liberdade de seus iguais.
IV - Sem os movimentos negro e indígena não haveria garantia de que os mínimos
direitos atribuídos a esses povos pela sociedade contemporânea seriam concedidos.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.
e) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

2 Outra herança que engendra muita violência no seio da sociedade brasileira é o sis-
tema familiar patriarcal. O patriarcado implica em uma cultura que supervaloriza a
figura masculina, sobretudo, a dos homens adultos heterossexuais. Todo esse enal-
tecimento do masculino abre espaço para uma subcultura machista, que permeia o
tecido social nacional fazendo vítimas. As vítimas do machismo que sofrem de ma-

128
neira mais direta com tal subcultura, herdada de nossas raízes colonizadas, são as
mulheres. Todavia, muitas outras pessoas também são vítimas de tais violências. Em
resposta às violências sofridas pelos homens de nossa sociedade, emerge o feminis-
mo brasileiro: conjunto de movimentos sociais e políticos que possuem como princi-
pais objetivos o empoderamento feminino, igualdade de direitos civis e ruptura com
os padrões patriarcais da sociedade. Considerando esse importante movimento de
luta feminina no Brasil, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O movimento feminista no Brasil é responsável por inúmeras conquistas para


as mulheres, dentre elas está sua gradual ascensão num mercado de trabalho
dominado, assim como outras instâncias da vida social, pelos homens.
( ) O empoderamento feminino auxilia na resistência em relação aos abusos patriarcais
e na busca por maiores níveis de respeito em um país no qual a sociedade herdou
inúmeras violências e tempos coloniais.
( ) A sociedade brasileira emancipa seu povo de maneira natural, sendo assim, as
mulheres brasileiras alcançarão sua liberdade e igualdade de direitos naturalmente,
mesmo sem a presença de movimentos sociais que os reivindiquem.
( ) O feminismo brasileiro é uma ideologia que propõe o ódio aos homens como forma
de protesto contra a violência cometida por eles.
( ) Sem uma resistência organizada por parte das mulheres brasileiras, poucos direitos
teriam sido conquistados a elas desde o período colonial.

Assinale a opção que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V – F – V.
b) ( ) V – V – V – F – V.
c) ( ) V – V – F – F – V.
d) ( ) F – F – V – V – V.
e) ( ) F – V – V – V – F.

3 As pessoas pertencentes ao grupo LGBTQ+ são vítimas de ódio e violência fomentados


por diversas instituições no Brasil. Não é raro aprendermos na escola, na igreja, no
ciclo de amigos ou no seio familiar que identidades de gênero e/ou orientação sexual
divergente da norma homem e mulher heterossexuais cis são algo que foge à natureza
humana. Esse fato faz com que a discriminação e o preconceito contra essa classe
de pessoas seja algo de difícil ruptura em nosso território. Em meio à violência, ódio
e discriminação sofridos por essas pessoas, muitas se organizam em movimentos
LGBTQ+. Considerando o que aprendemos no primeiro tópico desta unidade, disserte
acerca da importância de tais movimentos sociais para a classe LGBTQ+ no Brasil.

129
130
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -

MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um país vasto em território e recursos naturais que passou por um
processo histórico particular em relação à América Latina e ao mundo. Apesar de ser
uma nação que foi moldada sob os ditames do imperialismo europeu e habitado de
maneira exploratória, o Brasil passou por um período de vultosos avanços materiais
e tecnológicos durante os últimos séculos, continuando a se desenvolver até a
contemporaneidade.

O presente tópico enfocará o processo de modernização brasileiro a partir da


ótica de grandes autores nacionais, sintetizando os principais eventos que marcaram
nosso desenvolvimento ao longo dos anos. O estudo desse tema é de fundamental
importância à compreensão do desenrolar histórico de nosso país. No presente estudo,
teremos acesso aos principais elementos e eventos que contribuíram com a formação
do Brasil que conhecemos hoje. Aproveite!

2 A MODERNIZAÇÃO DO BRASIL NO SÉCULO XIX


A economia brasileira do século XIX girava em torno, principalmente, da
produção do café. Sua produção foi introduzida com sucesso no interior de São Paulo,
onde a planta crescia com vigor e saúde, intensificando sua colheita. O Vale do Paraíba
foi uma das localidades de destaque no início da produção cafeeira, que se expandiu
para o oeste posteriormente. Embora tenha gerado bons frutos inicialmente, o cultivo
do café no Vale do Paraíba declinou devido ao desinteresse dos produtores locais no
investimento na modernização da agricultura, cuja principal característica no período
era a adoção da mão de obra livre.

Além da demanda por mão de obra livre, pois essa também seria consumidora
da produção nacional, multiplicando os lucros dos grandes produtores, ainda existia a
demanda por extensões mais vastas de terra para o cultivo do café. Foi o que aconteceu
na expansão para a produção em direção ao oeste paulista: imensidões de mata
atlântica foram derrubadas para a implantação daquela cultura extensiva. Com as terras
já preparadas para o cultivo, faltava agora a modernização dos “braços” que produziam
o café. Sendo assim, foram implantadas, com mais intensidade, técnicas mecanizadas
transporte, pilagem, ensacamento, pesagem. entre outros.

131
A alta produtividade do café, que passou a ser voltada para o mercado exterior,
fez com que aumentasse a demanda por transportes em massa do produto para os
portos, cuja produção partia por meio de navios para outros países. Foi assim que o
Brasil passou a investir massivamente em ferrovias e grandes locomotivas para que o
escoamento do café fosse realizado de maneira mais rentável. Nasce, então, uma série
de importantes linhas férreas que impulsionaram a modernização brasileira.

FIGURA 7 – A BARONEZA: PRIMEIRA LOCOMOTIVA DO BRASIL

FONTE: <https://cutt.ly/agYzT56>. Acesso em: 25 ago. 2020.

IMPORTANTE
O desenvolvimento do transporte ferroviário na Inglaterra foi consequência direta da
Revolução Industrial, que começou a ganhar força em 1830. Com isso, Dom Pedro II
viu a necessidade de colocar o Brasil nos trilhos também. Foi aí que surgiu a ideia das
construções das estradas de ferro, que seria um importante passo para uma nova era
para a nação brasileira. Apesar de ser algo grandioso e que revolucionaria a economia
nacional, as pessoas deram pouca importância ao fato. Foi só após Irineu Evangelista de
Souza, o Visconde de Mauá, construir a primeira ferrovia do país, chamada de Estrada de
Ferro Mauá, que o povo finalmente se deu conta do que estava acontecendo. A
inauguração oficial aconteceu no dia 30 de abril de 1854, onde circulava pela
primeira vez a Baroneza, guiada pelo Visconde num trecho de 14,5 Km a uma
velocidade de 36 Km/h. O evento foi tão importante para a época que contou
com a presença do Imperador Dom Pedro II e de toda a sua Comitiva Imperial.

FONTE: <https://amantesdaferrovia.com.br/blog/a-baroneza-o-primeiro-trem-do-bra-
sil>. Acesso em: 25 ago. 2020.

132
A modernização do transporte não foi o único avanço promovido pela cultura do
café no Brasil. A vida nas cidades mudou de maneira drástica com o crescimento econô-
mico, físico e populacional de algumas delas. São Paulo, por exemplo, central econômica
do Brasil, foi impulsionada pela prosperidade na produção cafeeira daquele período. Mon-
teiro Lobato (2009) retrata em sua obra, mesmo que de uma maneira um tanto quanto
romantizada, o crescimento paulista a partir da cultura do café do final do século XIX.

A quem viaja pelos sertões do chamado oeste de São Paulo empolga


o espetáculo
maravilhoso da preamar do café. Aquela onda verde nasceu humilde
em terras fluminenses. Tomou vulto, desbordou para São Paulo e,
fraldejando a Mantiqueira, veio morrer, detida pela frialdade do clima,
à beira da Paulicéia.
Mas não parou. Transpôs o baixadão geento e foi espraiar-se em
Campinas.
Ali começou mestre Café a perceber que estava em casa. Corredor
de mundo, viajante exótico vindo da Arábia ou da África, provara pelo
caminho todos os massapés e sondara todos os climas.
Franzia o nariz, porém. Veio sorrir ali, ao pisar esse oásis do rubídio
que é o oeste paulista. E arranchou de vez, para sempre, em sua casa.
Repete-se, então, o movimento bandeirante de outrora. Atrai o
homem aventureiro não mais o ouro dissimulado em pepitas no seio
da terra, mas o ouro anual das bagas vermelhas que se derriçam em
balaios.
A região era todo um mataréu virgem de majestosa beleza.
Rasgara-o a facão o bandeirante antigo, por meio de picadas; o
bandeirante moderno, machado ao ombro e facho incendiário na
mão, vinha agora não penetrá-lo, mas destruí-lo.
Almas fechadas ao contemplativismo, nunca lhes amolentou o pulso a
beleza augusta dos jequitibás de frondes sussurrantes como o ocea-
no, nem o vulto grave das perobeiras milenárias (LOBATO, 2009, p. 16).

Lobato (2009) enfatiza o crescimento populacional de São Paulo na última


década do século XIX, que passou de 64.000 habitantes para 239.000 até o ano de 1900.
Esse crescimento exponencial facilitou a modernização da cidade que hoje é a mais
populosa do Brasil, com cerca de 12 milhões de pessoas. Outra cidade que prosperou
com o movimento de urbanização, advindo da crescente modernização do país, foi o
Rio de Janeiro. A capital carioca recebeu, no mesmo período, melhorias em termos de
infraestrutura, como calçamento, gás encanado, redes de saneamento entre outras.

A modernização do Brasil, de meados do século XIX, refletiu também em


avanços como a criação de dezenas de indústrias, diversos bancos, companhias de
navegação a vapor, companhias de seguro, estradas de ferro, empresas de mineração,
transporte urbano dentre diversos outros, apenas entre 1850 e 1860. A região sudeste
foi a mais privilegiada pelos avanços proporcionados pela modernização, crescendo
exponencialmente desde o início do referido processo.

O processo de modernização brasileiro não trouxe apenas avanços e melhorias


a nossa sociedade. Paralela ao progresso econômico, a desigualdade social cresceu
também em ritmo acelerado. Se por um lado existe uma pequena classe que usufrui

133
de maneira plena dos benefícios da modernização do Brasil, por outro, existe uma
maioria de indivíduos que sofre com a superexploração do trabalho, com a miséria, com
a violência e outras sobras da produção de riquezas no país. Contemporaneamente,
nosso território é marcado por um abismo social que pode ser retratado pela Figura 8,
a qual mostra como algumas pessoas são privilegiadas economicamente, vivendo em
apartamentos seguros e confortáveis no Rio de Janeiro, habitam ao lado de uma grande
quantidade de brasileiros que vivem as piores mazelas do capitalismo.

FIGURA 8 – MODERNIZAÇÃO E DESIGUALDADE NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/legacy/2018/11/28/favela-rj-1116795.
jpg>. Acesso em: 26 ago. 2020.

Um importante sociólogo brasileiro tenta buscar as origens da desigualdade


acentuada pelo processo de modernização no Brasil a partir da explicação de um
fenômeno global. Ruy Mauro Marini (2013) acredita que o subdesenvolvimento brasileiro
e latino-americano, é fruto de sua submissão aos mandos e desmandos do sistema
econômico mundial, capitaneado principalmente pelos Estados Unidos da América.

O caráter imperialista dos países que dominam a economia mundial é um dos


fatores que submetem os países da América Latina, inclusive o Brasil, a sua condição de
subdesenvolvimento e pobreza.

A história do subdesenvolvimento latino-americano é a história


do desenvolvimento do sistema capitalista mundial. Seu estudo é
indispensável para quem deseje compreender a situação que este
sistema enfrenta atualmente e as perspectivas que a ele se abrem.
Inversamente, apenas a compreensão segura da evolução da
economia capitalista mundial e dos mecanismos que a caracterizam
proporciona o marco adequado para situar e analisar a problemática
da América Latina (MARINI, 2013, p. 47).

O processo que proporcionou aos Estados Unidos da América o domínio do


sistema capitalista, teve um forte marco com o final da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), quando o referido país conseguiu se sobressair economicamente e se tornar a

134
maior potência de todo o globo. Sendo assim, abordaremos, no próximo subtópico, o
processo de desenvolvimento e modernização brasileiros a partir do fim da Primeira
Guerra Mundial.

No referido período ocorreram fenômenos de suma importância em relação à


modernização, desenvolvimento e desigualdade presentes até os dias de hoje no Brasil.
Portanto, são imprescindíveis para o sociólogo os estudos acerca desse processo rico
em acontecimento e fenômenos que compõem a história de nosso país.

3 O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO BRASILEIRO


PÓS-PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
O advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou profundas
transformações em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os Estados Unidos da América,
que entraram no primeiro grande conflito global no final do mesmo, saíram da guerra
como a maior potência econômica mundial.

O Brasil, grande exportador do café, que no final da Primeira Guerra era nosso
principal produto, tinha os Estados Unidos como um dos principais compradores de
nossa mercadora. Nossa economia, que girava em torno da produção cafeeira, agora,
nos anos 1920, era impulsionada com a entrada de novas máquinas industriais e novas
tecnologias.

Os meios de comunicação brasileiros avançam no pós-Guerra, trazendo


benefícios àquela parcela da população nacional que tinha acesso ao rádio, por exemplo,
que revolucionou o sistema informacional no Brasil.

O telefone também foi uma facilidade que a prosperidade econômica brasileira


proporcionou ao povo mais abastado de nosso país, encurtando distância entre as
pessoas. A crescente tecnologia foi só um dos aspectos da modernização brasileira. Esse
processo de transformação ocorreu em diversos âmbitos no país, inclusive o âmbito
material, político, social, habitacional, econômico, produtivo dentre tantos outros.

135
FIGURA 9 – A MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA E AS PRIMEIRAS TRANSMISSÕES A RÁDIO OCORRIDAS NA
DÉCADA DE 1920

FONTE: <https://informa.life/wp-content/uploads/2012/09/old_radio_1.jpg>.
Acesso em: 24 ago. 2020

INTERESSANTE
No dia 7 de setembro de 1922, o País celebrava os primeiros cem anos de existência
fora das amarras do governo português. A cidade do Rio de Janeiro, então capital federal,
comemorava a data com alguns eventos oficiais – entre eles uma exposição
que trazia, pela primeira vez ao território nacional, os principais aparelhos e
instrumentos da tecnologia da radiodifusão, que já haviam atingido uma escala
considerável em território norte-americano. Para demonstrar o funcionamento
do principal “invento” da época, uma transmissão experimental foi realizada,
tendo como palco o tradicional Teatro Municipal. Dali o público ouviu a voz do
então presidente, Epitácio Pessoa, declamando as vantagens daquela nova
tecnologia, seguida dos arranjos da ópera O Guarani, obra do compositor
Carlos Gomes. Esses foram os sons da primeira transmissão radiofônica
oficial da História do Brasil.

FONTE: <https://informa.life/90-anos-de-radio/>. Acesso em: 24 ago. 2020.

A segunda metade de século XX marcou a modernização de nosso sistema


produtivo. O maquinário destinado à potencialização da produção agrícola recebeu
melhorias mais acentuada a partir da década de 1960. Considerando o contexto do
referido período, marcado pelo fortalecimento das políticas de caráter socialista no
Brasil, torna-se válido destacar que ocorreram eventos importantes no que se refere à
vida no campo.

Todavia, com a imposição da ditadura militar no país foi promulgado o Estatuto


da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964). O mesmo estatuto propunha um
modelo agropecuário concentrador de terras, que modernizaria seletivamente o campo,
excluindo aqueles que vivem da produção em pequenas propriedades.

136
Uma das principais ações advindas do Estatuto da Terra foi a concessão de
crédito para produtores rurais investirem em suas respectivas produções. A medida
foi positiva para alguns trabalhadores do campo que, com acesso a maquinários mais
modernos, melhores insumos e defensivos agrícolas. Lembrando que defensivo agrícola
é um nome mais brando atribuído aos agrotóxicos, contribuindo para o disfarce de
algumas das consequências destrutivas ao ser humano da produção em massa. Além
dos prejuízos à saúde das pessoas, outra consequência social da modernização da
agropecuária no Brasil é o monopólio de alguns poucos latifundiários que, prosperando
a partir das ações do Estatuto da Terra, começaram a ocupar e concentrar cada vez
mais terras para produzir, cultivando verdadeiros impérios. A formação de tais impérios
foi extremamente prejudicial a milhares de famílias brasileiras que vivem no campo e
ficaram sem terras para produzir, formando as primeiras resistências contra os efeitos
deletérios da produção latifundiária.

ATENÇÃO
Nos países centrais do sistema capitalista, a democratização do acesso à terra, a reforma
agrária foi uma das principais políticas para destravar o desenvolvimento social e econômico,
produzindo matéria prima para a nascente indústria moderna e alimentos
para seus operários. No Brasil, nem mesmo as transformações políticas e
econômicas para o desenvolvimento do capitalismo foram capazes de afrontar
a concentração de terras. Ao longo de cinco séculos de latifúndio, também
foram travadas lutas e resistências populares. As lutas contra a exploração e, por
conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a
expulsão e contra a exclusão, marcam a história dos trabalhadores. A
resistência camponesa se manifesta em diversas ações e, nessa marcha,
participa do processo de transformação da sociedade.

FONTE: <https://mst.org.br/nossa-historia/inicio/>. Acesso em: 24 ago.


2020.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é a principal organização


de trabalhadores rurais que luta pelos direitos fundamentais previstos no Estatuto da
Terra e que não são atendidos.

O pleno emprego, assim como consta no Art. 1° § 2º da Lei nº 4.504/1964, é um


dos inúmeros direitos negados aos pequenos produtores rurais, que produzem a maior
parte do alimento que milhões de brasileiros levam a mesa todos os dias.

São esses os direitos reivindicados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais


Sem Terra, ao contrário do estigma que a organização sofre no Brasil, sendo associada
a invasores de terras que querem simplesmente expropriar os latifundiários quando, na
verdade, buscam apenas a divisão das terras concentradas para o trabalho destinado
ao sustento de suas famílias.

137
IMPORTANTE
Desde meados do século XX, novas feições e formas de organização foram criadas na luta
pela terra e na luta pela reforma agrária. Nas diferentes regiões do país, contínuos conflitos
e eventos formaram o campesinato no princípio da segunda metade do século passado.
A ditadura implantou um modelo agrário mais concentrador e excludente, instalando uma
modernização agrícola seletiva, que excluía a pequena agricultura. O regime militar foi
duplamente cruel e violento com os camponeses. Por um lado – assim como todo
o povo brasileiro – os camponeses foram privados dos direitos de expressão,
reunião, organização e manifestação, impostos pela truculência da Lei de
Segurança Nacional e do Ato Institucional nº 5. Por outro, a ditadura implantou um
modelo agrário mais concentrador e excludente, instalando uma modernização
agrícola seletiva, que excluía a pequena agricultura, impulsionando o êxodo
rural, a exportação da produção, o uso intensivo de venenos e concentrando
não apenas a terra, mas os subsídios financeiros para a agricultura.

FONTE: <https://mst.org.br/nossa-historia/inicio/>. Acesso em: 24 ago. 2020.

O MST é resultado da união de diversos outros movimentos anteriores que se


uniram em busca de seus direitos fundamentais à terra, ao trabalho e à qualidade de vida
digna que todo o brasileiro merece. A imagem nos mostra alguns jornais publicados pela
organização dos trabalhadores rurais sem terra no Brasil, que lutam incessantemente em
busca de um espaço em meio à concentração latifundiária.

FIGURA 10 – JORNAIS PUBLICADOS PELOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA QUE SE


ORGANIZARAM NO BRASIL

FONTE: <https://mst.org.br/wp-content/uploads/2019/11/84-861.png>.
Acesso em: 25 ago. 2020.

A modernização brasileira e os avanços tecnológicos nascentes no Brasil em


decorrência dela, implicaram em outra transformação na dinâmica social brasileira: a
intensificação da imigração. Principalmente, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro
investiram em uma boa quantidade de mão de obra estrangeira antes mesmo da
abolição da escravidão no final do século XIX.

138
O governo imperial brasileiro estimulou a imigração europeia em massa para
o Brasil, com o intuito de ocupar regiões ainda despovoadas pelo povo colonizador,
além de suprir as demandas por trabalhadores livres nas lavouras de café. Sendo assim,
diversas famílias de origem italiana, alemã, dentre outras nacionalidades, vieram para o
país em busca de oportunidades de emprego e melhores condições de vida, fugindo da
pobreza vivida na Europa.

O contato com outros povos, advindos de outros países europeus e que ainda
não haviam se estabelecido no Brasil, modificou, de maneira significativa, a sociedade
brasileira, sobretudo, nossas relações sociais e nosso desenvolvimento urbano. Nossa
cultura ficou ainda mais miscigenada, enriquecendo, por um lado, as relações entre
pessoas de diferentes nacionalidades e, por outro lado, acentuando conflitos entre
diferentes etnias, resultando na potencialização de violências como o racismo.

No próximo subtópico, apresentaremos a perspectiva de alguns dos mais


notáveis pensadores brasileiros sobre o tema da modernização brasileira, expondo
alguns aspectos de seus pontos de vista. Devido à riqueza de elementos que juntos
moldaram nossa sociedade, cuja apreensão de maneira completa se torna muito difícil
por parte de apenas um autor, teceremos algumas ponderações sobre as perspectivas
de Álvaro Vieira Pinto, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes do referido tema,
enriquecendo nosso debate e ampliando nosso aparato intelectual relativo à formação
do Brasil contemporâneo.

4 A MODERNIZAÇÃO BRASILEIRA SOB OS OLHARES


DE ÁLVARO VIEIRA PINTO, RUY MAURO MARINI, CAIO
PRADO JÚNIOR E FLORESTAN FERNANDES
Iniciaremos nossas discussões acerca da modernização brasileira analisada por
autores brasileiros com a perspectiva de Álvaro Vieira Pinto acerca da tecnologia e sua
relação com o desenvolvimento no Brasil.

Pinto (2005) explica que, em seu ponto de vista, o subdesenvolvimento é algo


intrínseco ao processo de modernização, ou seja, as desigualdades e a pobreza são
consequências do caráter desigual e excludente do capitalismo globalizante.

Tal sistema sócio-político-econômico atua de forma a explorar uma maioria de


trabalhadores, que usufrui muito menos da riqueza que produz com seu trabalho ao
mesmo tempo em que uma minoria, que trabalha menos, goza dessa mesma riqueza de
forma plena. O mesmo acontece com a ciência e a tecnologia. Enquanto uma parcela da
humanidade trabalha para produzir saberes e tecnologias novas, outra consegue tirar
maior proveito dessa produção em detrimento dos que trabalham mais.

Só há saber novo com avanço técnico. Se uma parte da humanidade


já demonstrava usufruir benefícios da apropriação social da

139
tecnologia, restava ao intelectual engajado explicar as causas dos
“entraves históricos” ao desenvolvimento nacional em países como o
Brasil, rico e pobre ao mesmo tempo. Aliás, se existe um traço peculiar
que pode ser atribuído à “geração isebiana”, com todo o exagero
que essa expressão contém, esse traço pode ser reconhecido na
atenção contínua às concomitâncias da sociedade. Trata-se de outra
herança da Cepal: perceber que o subdesenvolvimento não é uma
situação assemelhada ao passado do mundo desenvolvido. É, ao
contrário, concomitante a ele e, na maioria dos casos, resultante da
deterioração nos termos de troca entre as partes (PINTO, 2005, p. 8).

A situação de desigualdade que caminha junto à modernização do Brasil foi


agravada, conforme Ruy Mauro Marini (2013), pelas políticas neoliberais impostas ao
mercado exterior pelos Estados Unidos da América.

O neoliberalismo é, de maneira resumida, uma ideologia/doutrina político-


econômica que prega a liberdade de concorrência mercantil, a ausência de regulação
estatal da economia, abertura para o mercado exterior, supressão de assistência social
por parte dos governos entre outras características.

No Brasil, o neoliberalismo ganhou maiores proporções na segunda metade


do século XX, quando nossos governantes abriram espaço ao capital estadunidense
que buscou a ampliação de seu mercado para países de todos os continentes de
forma intensiva após o término da Primeira Guerra Mundial, a fim de superar uma crise
econômica. Esse foi mais um episódio da modernização brasileira que abriu espaço a
novos e graves problemas sociais em nosso país.

Os governos de Café Filho e Juscelino Kubitschek, que se sucedem


à grave crise política de 1954 produzida pela situação aqui descrita
– encerrada pelo suicídio do presidente Vargas –, sendo, portanto,
frutos do compromisso entre as classes dominantes em conflito,
tratarão de encontrar uma fórmula de transação que permita
superar a crise econômica, sem levar a um confronto definitivo entre
as posições implicadas. O recurso escolhido foi abrir a economia
brasileira aos capitais estadunidenses, a fim de romper o nó formado
no setor cambial. A Instrução 113 da Superintendência da Moeda
e do Crédito – Sumoc (atual Banco Central) cria o marco jurídico
para essa política, cujo auge é atingido com o Plano de Metas do
governo de Kubitschek, que acarreta cerca de 2,5 milhões de dólares
em investimentos e financiamentos e empurra de novo a expansão
industrial (MARINI, 2013, p. 115).

A maior abertura ao capital estrangeiro teve como uma de suas consequências


a entrada de novas empresas estrangeiras em nosso território, fato que nos trouxe
acesso a novos produtos, serviços e tecnologias por um lado, todavia, por outro lado,
acentuou a exploração e a desigualdade social.

Uma das causas desse retrocesso quanto ao abismo social entre classes
econômicas no Brasil foi, dentre outras, a entrada de uma política trabalhista que
desrespeita as normas da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira.

140
Um bom exemplo dessa precarização do trabalho decorrente do incentivo
neoliberal estadunidense é o sistema de fast-food. As redes estrangeiras de
alimentação rápida, submetem os brasileiros a escalas de trabalho pagas por hora, com
um salário base muito inferior a um salário mínimo, sendo o complemento dessa renda
responsabilidade do empregado, independentemente do movimento do comércio ou
quaisquer outros fatores que influenciem as vendas.

FIGURA 11 – NEOLIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO E EMPRESAS MULTINACIONAIS INSTALADAS NO BRASIL


E NO MUNDO

FONTE: <https://cutt.ly/DgYxPPZ>. Acesso em: 28 ago. 2020.

A competitividade entre os trabalhadores contemporâneos que vendem sua


força de trabalho nesse novo Brasil modernizado, é mais acirrada do que nunca.

Essa consequência do neoliberalismo no mercado de trabalho obriga a


população a dispender muito mais tempo e energia com os estudos, sejam eles cursos
de aperfeiçoamento, faculdades, pós-graduações, especializações e outros tipos de
qualificação para conseguirem vagas de emprego disponíveis no mercado.

No interior das empresas e outras instituições que empregam os brasileiros,


a competitividade incentivada pelos patrões para obtenção de melhores resultados e,
consequentemente, maiores lucros, submete os funcionários a jornadas de trabalhos
mais intensas em nome de bonificações, cargos mais elevados e até da própria
permanência na instituição.

Torres (2016) identifica que a racionalidade de gestores de empresas


contemporâneas, que fomentam a competitividade, o excesso de trabalho realizado
por classes sociais exploradas, o investimento no capital intelectual e financeiro que
objetiva o lucro das organizações, transcendeu os espaços empresariais e adentrou à
esfera pública.

141
Essa nova inclinação de gestores públicos – sejam eles políticos e/ou pessoas
que ocupam cargos que regulamentam a dinâmica social – à adoção de técnicas
utilizadas no meio empresarial para o estímulo à produtividade e ao lucro é, conforme
Torres (2016), altamente prejudicial à parcela da população que trabalha mais por
salários menores.

Isso se deve ao tempo, ao esforço, energia, saúde e outros elementos que a


classe proletária deposita na competitividade trabalhista que, quando manifestada
em meio público, incide sobre a busca por resultados numéricos que representam
produtividade em diversas esferas da vida em sociedade.

Um dos exemplos utilizados pelo referido autor se encontra na esfera carcerária,


cuja produtividade do Poder Executivo é expressada por meio de políticas públicas
que fomentam a competitividade por maiores números de prisões e apreensões,
superlotando as prisões brasileiras.

Outra das características do neoliberalismo brasileiro é o retorno em massa


das privatizações. Caio Prado Júnior (1981) reconstrói o processo histórico no qual o
Brasil foi condicionado aos mecanismos econômicos estrangeiros, desde o período da
colonização de nosso país.

A dinâmica economicista neoliberal que vivemos contemporaneamente, seria


a continuação de uma cultura exploratória a qual o Brasil foi submetido, considerando
que a maior parte das riquezas aqui produzidas, quase sempre foram usufruídas por
povos europeus.

Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos


constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o co-
mércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exte-
rior, voltado para fora do país e sem atenção e considerações que não
fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade
e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura
social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para es-
pecular, realizar um negócio; inverterá seus cabedais e recrutará a mão
de obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais ele-
mentos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil,
constituir-se-á a colônia brasileira (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 22).

Pacheco Júnior (2018) faz uma interpretação acerca da racionalidade de Caio


Prado Júnior, especialmente no tocante ao modo de vida de países nos quais os povos
colonizadores se instalaram com o objetivo maior de habitar as novas terras americanas.

Para Pacheco Júnior (2018), Caio Prado sustenta a ideia de que no Brasil e na
maioria dos países da América Latina, existiu um padrão de colonização explorador, no
qual o lucro destinado aos países do exterior se sobressaía em detrimento das demandas
internas do país. Enquanto isso, nas zonas temperadas da América, a ocupação das
terras pelos colonizadores era muito mais voltada à habitação e enriquecimento locais.

142
Para as regiões situadas nas zonas temperadas da América, dirigiram-
se fundamentalmente os ingleses, em função dos processos político-
religiosos e econômicos que passavam no velho continente. Por um
lado, a Inglaterra vivia um processo de privatização das suas áreas de
pastagens, com os cercamentos das terras e a expulsão dos camponeses
para as cidades; era o período de gestação das indústrias e uma
nova forma de produção material da vida nas áreas em processo de
urbanização; por outro lado, uma forte perseguição político-religiosa
aos puritanos ingleses. Caio Prado (2000) nos mostra que esse tipo de
colonização parte de condições e circunstâncias especiais, pois nada
tem a ver com a ação de traficantes e exploradores sedentos por lucro.
Cita o autor: “o que os colonos desta categoria têm em vista é construir
um novo mundo, uma sociedade que lhes ofereça garantias que no
continente de origem já não lhes são mais dadas” (PRADO JÚNIOR,
2000, p. 15 apud PACHECO JÚNIOR, 2018, p. 32).

O Brasil contemporâneo vive um período no qual as privatizações, venda


de empresas estatais, estímulo à competitividade entre a classe trabalhadora e a
potencialização de lucros particulares estão no auge.

Se até o final do século XX existiram políticas voltadas à melhoria das condições de


vida do povo brasileiro, hoje nossas empresas que geram as maiores receitas para nosso
país e que poderiam ser convertidas na resolução de problemas sociais graves, estão sendo
vendidas para o setor privado, ou seja, o lucro produzido por essas instituições e que seria
convertido em melhorias públicas, fica retido na mão de empresas ou pessoas físicas. O ne-
oliberalismo implica em uma dinâmica político-social economicista, na qual a economia é
sempre prioridade em relação à distribuição das riquezas produzidas no seio de nossa pátria.

FIGURA 12– REFLEXÃO SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES E A VENDA CONTEMPORÂNEA DE EMPRESAS


ESTATAIS BRASILEIRAS

FONTE: <https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2020/07/ASasASasAS.jpg>.
Acesso em: 28 ago. 2020.

143
Florestan Fernandes (1975) acredita que a modernização no Brasil faz parte de
um processo histórico intitulado revolução burguesa, que influenciou a construção
do país sob os moldes capitalistas europeus. Embora influenciadas pela Europa
colonizadora, a cultura e a política brasileiras foram construídas de maneira peculiar,
considerando as tradições nativas, colonizadoras e dos escravos trazidos para cá.

[...] ao se apelar para a noção de ‘Revolução Burguesa’, não se pretende


explicar o presente do Brasil pelo passado dos povos europeus. Inda-
ga-se, porém, quais foram e como se manifestaram as condições e os
fatores histórico-sociais que explicam como e porque se rompeu, no
Brasil, com o imobilismo da ordem tradicionalista e se originou a mo-
dernização como processo social (FERNANDES, 1975, p. 20-21).

A formação da civilização brasileira, tal como se configura hoje foi, segundo


Fernandes (1975), orientada à atenção das demandas senhoriais. Ou seja, nossa cultura,
política e economia foram moldadas de acordo com as necessidades dos herdeiros
da riqueza produzida pela colonização. O formato do Estado, tão como o modelo
econômico, as normas sociais e a modernização se desenvolveram a partir da dinâmica
de produção de riquezas divididas de maneira desigual, cuja parcela da sociedade que
mais trabalhou para construir nossa sociedade recebeu desproporcionalmente menos
do que aqueles que herdaram os meios de produção.

Enquanto veículo para a burocratização da dominação patrimonialista


e para a realização concomitante da dominação estamental no plano
político, tratava-se de um estado nacional organizado para servir
aos propósitos econômicos, aos interesses sociais e aos desígnios
políticos dos estamentos senhoriais. Enquanto fonte de garantias dos
direitos fundamentais do “cidadão”, agência formal de organização
política da sociedade quadro legal de integração ou funcionamento
da ordem social, tratava-se de um Estado nacional liberal e, nesse
sentido, “democrático” e “moderno” (FERNANDES, 1975, p. 68).

Podemos afirmar que a modernização brasileira seguiu os padrões de


desenvolvimento proporcionados, inicialmente, pela exploração de nosso povo nativo
e dos escravos trazidos para o Brasil por meio do tráfico negreiro. Sendo assim, nossa
cultura, política e economia estavam, desde o início da invasão europeia, vinculadas ao
sistema produtivo aqui estabelecido pelos colonizadores.

Mais tarde, durante os séculos XIX e XX, a produção cafeeira brasileira foi a
grande impulsionadora de nossa economia, trazendo avanços tecnológicos à agricultura,
transporte e à urbanização. A partir daí, a modernização do Brasil avançou de maneira mais
intensa, refletindo no êxodo rural, crescimento exponencial das cidades e suas populações.
O investimento industrial que o país recebeu durante o século XX deu prosseguimento
aos avanços tecnológicos que modificaram nossas relações de trabalho, produção e
distribuição das riquezas aqui produzidas.

Diversos intelectuais brasileiros buscaram as raízes de nossa modernização


em processos históricos que envolveram nosso modelo de colonização, o sistema
produtivo aqui empregado, a exploração de nossos trabalhadores, a multiplicidade

144
cultural miscigenada e diversos outros fatores. Os movimentos sociais também fizeram
parte de nosso processo modernizador, auxiliando na luta pela distribuição de nossos
recursos naturais e acesso às riquezas brasileiras àqueles que a produzem de maneira
mais direta e intensa: por meio do trabalho braçal nem sempre assalariado.

Outro autor cuja menção é importante, principalmente no que diz respeito ao


tema trabalho, é Octávio Ianni que, em sua obra O Mundo do Trabalho, disserta acerca
das principais características do mundo do trabalho contemporâneo. Para Ianni (1994),
a dinâmica do trabalho dos dias atuais acompanha o processo de globalização do
capitalismo que, a partir das inovações materiais e metodológicas da referida esfera,
transformou não só as relações de trabalho da maioria dos países do Globo, mas a
estrutural social de países como o Brasil.

O que caracteriza o mundo do trabalho no fim do século XX, quando


se anuncia o século XXI, é que este tornou-se realmente global. Na
mesma escala em que ocorre a globalização do capitalismo, verifica-
se a globalização do mundo do trabalho. No âmbito da fábrica global
criada com a nova divisão internacional do trabalho e produção –
ou seja, a transição do fordismo ao toyotismo e a dinamização do
mercado mundial, amplamente favorecidas pelas tecnologias
eletrônicas – colocam-se novas formas e significados do trabalho. São
mudanças quantitativas e qualitativas que afetam não só os arranjos
e a dinâmica das forças produtivas, mas também a composição e
a dinâmica da classe operária. A própria estrutura social, em escala
nacional, regional e mundial, é atingida pelas mudanças. Na medida
em que a globalização do capitalismo, considerada inclusive como
processo civilizatório, implica a formação da sociedade global,
rompem-se os quadros sociais e mentais de referência estabelecidos
com base no emblema da sociedade nacional (IANNI, 1994, p. 2).

A obra de Ianni é de fundamental importância para o entendimento de questões


nacionais e internacionais, sobretudo acerca do desenvolvimento do capitalismo globa-
lizado e sua influência sobre diversos aspectos sociais, inclusive brasileiros. Portanto,
considera-se indispensável, a qualquer estudioso do Brasil e da América Latina, a leitura
de seus estudos, que contribuíram de forma significativa com a Teoria Social Brasileira.

145
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O processo de modernização brasileiro foi impulsionado pela cultura do café


consolidada no século XIX.

• Os avanços tecnológicos iniciais no Brasil, provenientes da produção cafeeira, foram


direcionados ao setor de transporte com a construção das primeiras ferrovias.

• A modernização brasileira foi potencializada com os avanços tecnológicos, urbanos


e sociais emergentes após a Primeira Guerra Mundial.

• Diversos autores brasileiros concebem a modernização do Brasil como parte de um


processo histórico global.

• Alguns dos intelectuais nacionais consideram que a modernidade brasileira está


condicionada às demandas dos países colonizadores, sobretudo os europeus e os
Estados Unidos da América.

146
AUTOATIVIDADE
1 O processo de modernização do Brasil envolve uma série de fatores que constituem
peculiaridades em nosso desenvolvimento quando comparado a outros países do
globo. Colonizados por europeus, cujo objetivo maior era a exploração dos recursos
naturais aqui existentes. Enquanto outras partes do continente americano eram ocu-
padas com vistas à construção de uma civilização desenvolvida, plenamente habitá-
vel e com clima semelhante ao da Europa, nossas terras eram destinadas ao lucro dos
senhores e descendentes colonizadores. Isso implicou na formação de modelos de
política, cultura e economia moldados de forma a dar atenção às demandas estran-
geiras, à busca pelo enriquecimento dos invasores por meio da exploração da mão de
obra nativa e africana, intermediada pelo escambo e a escravidão. Considerando as
particularidades da modernização brasileira em relação ao resto do mundo, classifi-
que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O desenvolvimento tecnológico, no Brasil, obteve grandes avanços a partir da


agricultura que, além de receber investimentos em técnicas e equipamentos de
produção, resultou no avanço de outros setores da economia brasileira.
( ) O processo de urbanização foi uma das principais consequências da modernização
do Brasil, trazendo consigo o adensamento populacional dos grandes centros
urbanos emergentes, sobretudo nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
( ) As primeiras grandes estradas de ferro brasileiras foram fruto da modernização da
produção cafeeira.
( ) O final do século XIX foi um marco da entrada das grandes multinacionais
estadunidenses no Brasil.
( ) A troca da mão de obra escrava por mão de obra assalariada no Brasil fez parte do
seu processo de modernização.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – V – V.
b) ( ) V – V – V – F – V.
c) ( ) V – V – F – V – V.
d) ( ) F – V – V – V – F.
e) ( ) V – F – V – V – V.

2 A modernização brasileira, do início do século XX, foi responsável por inúmeros


avanços tecnológicos, além de impulsionar o nascimento de diversos movimentos
sociais de suma importância ao avanço de nossa sociedade. O crescimento
econômico impulsionado pela cultura do café, principal produto voltado ao mercado
exterior do referido período, foi um dos principais elementos que contribuíram com a
modernização do Brasil. O final da Primeira Guerra Mundial e a ascensão econômica

147
dos Estados Unidos da América que conquistou a hegemonia mundial nesse aspecto
após o primeiro grande conflito global, refletiu na intensificação da exportação
cafeeira para o mesmo país norte-americano. Considerando o conteúdo estudado no
Tópico 2 da terceira unidade de nosso livro didático, analise as sentenças a seguir:

I - A produção de café brasileira, sobretudo do oeste paulista, refletiu na instalação da


malha ferroviária em nosso país, fator que muito facilitou o transporte terrestre de
pessoas e mercadorias no Brasil.
II - Dentre os avanços tecnológicos que a modernização brasileira proporcionou
a algumas parcelas da população, destaca-se a transmissão via rádio, que
revolucionou nossa comunicação.
III - A telefonia brasileira também recebeu investimentos com o advento do pós-guerra,
ganhando seus primeiros aparelhos telefônicos que encurtaram as distâncias entre
aquelas pessoas que podiam investir nesse tipo de tecnologia recém introduzida
em nosso território.
IV - A imigração europeia em massa para o Brasil também constituiu uma importante
característica do modelo de modernização de nosso país, influenciando na forma
com a qual o país cresceu de maneira multicultural.
V - Dentre os movimentos sociais que surgiram a partir da modernização agrícola no
Brasil, está o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, que possui,
como principal objetivo, a reforma agrária de maneira justa entre os trabalhadores
do campo.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentença IV e V estão corretas.
e) ( ) As sentenças I, II, III, IV e V estão corretas.

3 Dentre alguns dos principais tributários do pensamento social brasileiro que


trabalham, além de outros temas, com o processo de modernização de nosso país,
estão Álvaro Vieira Pinto, Ruy Mauro Marini, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes.
Esses pensadores contribuíram com os estudos do desenvolvimento histórico
e os elementos centrais que influenciaram a modernidade brasileira tal como a
concebemos hoje. Considerando o conteúdo estudado no presente tópico, faça um
resumo das principais contribuições de cada um desses autores no que se refere ao
processo de modernização do Brasil.

148
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
SOCIOLOGIA BRASILEIRA PÓS-1970:
NOVOS OLHARES

1 INTRODUÇÃO
Devemos ter em mente que a Sociologia Brasileira, assim como qualquer outro
estudo, prática, trabalho ou quaisquer manifestações humanas, passou e passa por um
processo histórico que a molda de maneira constante. Isso significa que o pensamento
humano, por se tratar de algo fluido e integralmente em estágio de metamorfose, está
passível a sofrer modificações ao passar dos tempos, de acordo com os fatores externos,
materiais e imateriais que o influenciam.

O Brasil passou por diversos momentos importantes e decisivos ao desenvol-


vimento da Sociologia, até ela se apresentar da forma que a concebemos contempora-
neamente. O último tópico de nosso material em Sociologia Brasileira, encerrará nossos
estudos com uma breve reconstrução da Sociologia no Brasil, apontando os principais
eventos e o desenvolvimento do referido campo do saber em um passado recente. Tal
temática é de fundamental importâncias, não só para os futuros sociólogos ou pesqui-
sadores de áreas afins, mas para todas as pessoas que almejam compreender o desen-
rolar de nossa história e dos dias de hoje. Aproveite!

2 SOCIOLOGIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA:


DA DITADURA MILITAR NO BRASIL ÀS PRINCIPAIS
ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS NOS DIAS ATUAIS
A década de 1960 foi decisiva em diversos aspectos da história do Brasil. Isso
se deve, principalmente, a um evento que influenciou de maneira incisiva a política,
a cultura, a economia, os costumes, a educação e diversos outros âmbitos da vida
brasileira em sociedade: a instauração da ditadura militar no Brasil, em 1964. O regime
ditatorial em território brasileiro resultou em uma série de retrocessos ao nosso povo.
Não foi diferente em relação à educação.

Desde a década de 1930, no Brasil, existia um forte debate acerca do futuro


da educação no país. Os Manifestos dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos
educadores (1959) (AZEVEDO et al., 2010), publicados nos anos de 1932 e 1959, foram
importantes documentos redigidos por educadores brasileiros com o objetivo de propor
novas diretrizes para a educação nacional. O Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, escrito por 26 profissionais da educação, propôs uma nova política educacional
que proporcionasse a emancipação do povo, igualdade de oportunidades e rompimento
com os ideais políticos dominantes desde aquele período.

149
Nós não devíamos, nem podíamos recuar diante da resistência dos
ortodoxos, em face da extensão crescente da sociologia nos domínios
da educação. O manifesto, em que a educação se encara como um
processo social e se põe em relevo “o predomínio da ação que exercem
os fatores sociais sobre os indivíduos”, acusa, certamente, na base e no
desenvolvimento de seus princípios e de seu plano, uma consciência
profunda das transformações que o poder crescente da indústria
e do comércio impõe aos espíritos como às coisas, e, portanto, “o
ponto de vista sociológico”, que considera um fato de estrutura social
as transformações consequentes no sentido e na organização das
instituições pedagógicas. É desse ponto de vista sociológico que aí se
estuda a posição atual do problema dos fins de educação; é ele que
nos fez encarar a educação como “uma adaptação ao meio social”, um
processo pelo qual o indivíduo “se penetra da civilização ambiente”; é
ele ainda que nos levou a compreender e a definir a posição da escola
no conjunto das influências cuja ação se exerce sobre o indivíduo,
envolvendo-o do berço ao túmulo (AZEVEDO et al., 2010, p. 26-27).

Podemos afirmar que, da década de 1930 ao final da década de 1950, os debates acer-
ca de uma educação mais igualitária, libertadora e com grande potencial de transformação
social estavam acalorados. Os intelectuais da época, tão como as forças dominantes, tinham
plena consciência do poder transformador e libertador da Educação. Sendo assim, o conflito de
interesses entre essas duas classes que, de um lado prezava pela libertação de nosso povo por
meio da educação e de outro resistia em nome da exploração de nosso trabalho, intensificou-se.

ATENÇÃO
Os anos 1950 e 1960 foram marcados por um intenso debate sobre a educação
brasileira. Muitos intelectuais e movimentos sociais formularam propostas para a
organização de um sistema nacional de ensino mais democrático e popular, que
superasse as desigualdades socioculturais, formasse cidadãos consciente de seus
direitos e preparados para desafios econômicos. O Brasil era considerado uma
pátria “mal-educada”, com índices de analfabetismo alarmantes. A polarização
política que antecedeu ao golpe de 1964 também atingiu a educação. A sociedade
brasileira fervilhava com projetos educacionais humanistas e inovadores que,
mais tarde, sofreram diretamente os impactos da repressão.

FONTE: <http://memoriasdaditadura.org.br/livros-sob-censura/>. Acesso em: 29 ago. 2020.

Os anos 1960 foram decisivos para a imposição do modelo educacional


considerado ideal pela classe dominadora. A Ditadura Militar deflagrada em 1964, trouxe
consigo uma dura reforma no modelo educacional nacional. O primeiro governador
ditatorial do Brasil foi Castello Branco (1964-1967), cuja primeira medida promulgada
por meio de um primeiro Ato Institucional (AI-1), foi a reforma universitária. Uma das
primeiras políticas universitárias instituídas por Castello Branco foi o alinhamento dos
professores universitários brasileiros com estadunidenses. Tratava-se do acordo MEC
USAID (United States Agency for International Development). A sigla USAID traduzida
para o português é Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

150
Os encontros dos profissionais da educação superior brasileira com os técnicos es-
tadunidenses, resultaram na produção do Relatório Meira Matos, nome do coronel do exército
que o redigiu, orientando a reforma universitária e do ensino fundamental em nosso país.

Em âmbito universitário, a medida fundamental imposta pelos militares era


a redução dos custos com os estudantes. Ou seja, o referido relatório estabelecia o
enxugamento dos recursos destinados à educação superior pública a fim de não
comprometer os demais orçamentos do ministério da educação.

FIGURA 13 – REFLEXÃO ACERCA DAS REPRESSÕES CONTRA A EDUCAÇÃO E A REFORMA UNIVERSITÁRIA


INSTITUÍDA PELO REGIME MILITAR NO BRASIL

FONTE: <https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/conteudo/images/dm10(1).jpg>.
Acesso em: 29 ago. 2020.

DICAS
A fim de melhor compreendermos os acontecimentos que interferiram na
dinâmica educacional brasileira do período militar, sugerimos que assista
ao documentário Educação na Ditadura: a marca da repressão, disponível
na plataforma YouTube, por meio do endereço: https://www.youtube.com/
watch?v=YqDgaGNDads&ab_channel=UNIVESP. Nele temos acesso a uma
série de entrevistas com especialistas sobre o assunto, que remontam as
principais mudanças e retrocessos que a ditadura militar brasileira provocou
ao modelo educacional do país.

Rosa, Ribeiro Júnior e Torres (2018) identificam em sua obra uma tendência à
adoção de métodos educacionais estadunidenses em escolas brasileiras, semelhante
ao que ocorreu durante o regime militar brasileiro. Esse fato evidencia que o modelo
educacional implementado durante a ditadura militar ainda possui resquícios na
educação contemporânea.

151
O ponto que mais chama a atenção na tentativa de implementação de políticas
educacionais estrangeiras, principalmente estadunidenses, revela o despreparo ou, até
mesmo, a falta de interesse e nosso corpo político em uma educação libertadora para o
nosso povo. Uma educação desconectada de nossa realidade material e nossa cultura,
representa um grande perigo ao desenvolvimento de nosso povo, que fica à mercê das
demandas políticas e econômicas de países imperialistas. A perseguição aos ideais
marxistas, que se contrapunham à exploração do trabalho, à desigualdade e à miséria
a qual é submetido nosso povo, foi um dos fatores que mais influenciaram os moldes
educacionais brasileiros durante a ditadura militar.

A educação superior foi a mais lesada com essa disputa ideológica que resultou
em censuras de obras de diversas naturezas, destruição de acervos inteiros de livros,
perseguição, exílio, tortura e morte de intelectuais, dentre uma infinidade de outras
barbaridades cometidas pelos militares em solo brasileiro.

IMPORTANTE
Livros são fundamentais para a formação cultural e política da população, para a
preservação da memória dos povos, além de serem essenciais para a educação. O regime
militar brasileiro impôs a censura contra livros que considerava perigosos, subversivos
ou imorais. Nessa sessão, você conhecerá uma “biblioteca proibida” de livros censurados
e saberá o que os censores escreviam sobre essas obras. Ao mesmo tempo, a ditadura
sustentou a modernização de grandes grupos editoriais, favorecendo a concentração do
poder econômico nas mãos de poucos empresários. Mas para os militares, censurar
os livros não era suficiente: era preciso incentivar uma modernização editorial
com controle político rígido. Essa ação se fez com o apoio à indústria gráfica e à
produção de papel, além da criação de programas governamentais de compra de
livros escolares, que favoreceram determinadas empresas e difundiram manuais
alinhados com os valores conservadores.

FONTE: http://memoriasdaditadura.org.br/livros-sob-censura/ Acesso em: 29


ago. 2020.

O regime militar foi responsável por muitas modificações nas diretrizes básicas
da educação brasileira. A Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, marca um momento de
inserção da ideologia dos ditadores por meio da educação pública.

Um dos artigos dessa legislação educacional, implementada no início da década


de 1970, propõe o ensino de novas disciplinas como Educação Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística e Programas de Saúde como instrumentos de doutrinação a
favor dos interesses dos dominadores. Observe:

Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,


Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado
quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro
de 1969. (Vide Decreto nº 69.450, de 1971) (BRASIL, 1971).

152
A introdução dessas novas disciplinas foi acompanhada do deslocamento das
disciplinas de Filosofia e Sociologia. Isso se deve ao fato de que os principais nomes
tributários de tais campos do saber, que outrora tinham seus conteúdos lecionados de
maneira obrigatória nas escolas públicas brasileiras, eram considerados subversivos à
ideologia dos ditadores daquele período sombrio, violento e opressivo pelo qual o Brasil
passou ao ser submetido ao governo militar compulsório.

FIGURA 14 – MANIFESTO ESTUDANTIL BRASILEIRO

FONTE: <https://cutt.ly/7gYvDVs>. Acesso em: 30 ago. 2020.

Da década de 1940 até a de 1970, a Sociologia conseguiu alcançar um nível de


institucionalização mais avançado em todo o mundo. Tal processo implicou em um grau
maior de formalização da disciplina dentro e fora das universidades.

Isso quer dizer que a Sociologia recebeu maior atenção em diversas partes do
mundo, sendo concebida como um campo independente do conhecimento em vários
países. Até então, os estudos sociológicos haviam alcançado um momento de maior
cientificidade e desprendimento de ideologias em relação aos períodos anteriores. Ou
seja, nascia uma ciência livre de utilitarismos e voltada muito mais à compreensão dos
fenômenos sociais do que a busca pelo enriquecimento, por exemplo.

Em síntese, entre 1940 e 1970 a sociologia parecia estar assentada


sobre bases sólidas. Predominou neste contexto uma preocupação
de identificar e defender um paradigma teórico particular que con-
substanciasse os princípios básicos da epistemologia sociológica.
Embora não fosse consensual, havia por parte de muitos sociólogos
um acordo tácito de que os princípios morfológicos básicos sobre os
quais assentavam cientificamente o entendimento do mundo social
– o grau de generalizações abstratas e universais, tanto a nível con-
ceitual quanto metodológico – já estavam construídos ou parcial-
mente construídos. Nessa perspectiva, a sociologia estava entrando
finalmente nos “eixos”, isto é, em processo de rigorosa delimitação
do seu campo científico, cuja plena consolidação poderia estabelecer
mútuas conexões entre as diferentes orientações teóricas existen-
tes. A sociologia marchava a largos passos para finalmente atingir um
estágio tão desejado de maior maturidade científica: desvincular-se
definitivamente das tradições filosóficas e ideológicas. A vitória do
sonho comtiano [...] (ALVES, 2010, p. 18-19).

153
A partir da década de 1970, o Brasil viveu a chamada Crise da Sociologia. O
regime militar brasileiro foi um dos principais fatores que contribuíram para a emergência
dessa crise.

O choque cultural vivenciado no Brasil dos anos 1960 e a intervenção dos


militares na política foram fatores que contribuíram com o declínio da Sociologia,
considerada, dentre outros campos do saber, uma disciplina subversiva em relação aos
preceitos dominantes.

Em outras palavras, a Sociologia representava uma ameaça à ordem instaurada


pelo regime ditatorial. Sendo assim, o governo dos militares instaurou uma série de
reformas ao ensino da Sociologia, sobretudo o ensino universitário, adequando-o aos
interesses capitalistas voltados ao crescimento econômico e alinhando seus métodos
aos difundidos pela maioria das potências econômicas do mundo: os Estados Unidos
da América.

A chamada crise da sociologia dos anos 1970 é um fenômeno comple-


xo, pois abarcou aspectos muitos diferentes do universo intelectual,
social e político do mundo ocidental. Embora os estudos sobre esse
período se utilizem de diferentes perspectivas interpretativas (Marsal,
1977; Picó, 2003), há um certo consenso de que a “crise” da sociologia
desse período foi decorrente de mudanças culturais e de valores de-
senvolvidos pelos diversos movimentos sociais ocorridos na década
de 1960. Muitos desses movimentos assinalavam para uma “revolução
cultural” plasmada pelas transformações das condições materiais, de
estilos de vida, de liberdades pessoais, explicitando os desajustes en-
tre a estrutura institucional da sociedade civil (como a universidade) e
uma educação mais permissiva e democrática. Exemplo significativo é
a “revolta estudantil” dos anos 1960 que, para a constituição do campo
sociológico, foi uma das mais expressivas, pois, entre outros aspectos,
colocou em questão a qualidade do ensino, a estreiteza das estruturas
científicas, a deterioração das funções universitárias e o predomínio da
sociedade tecnocrática (ALVES, 2010, p. 19).

O ensino dos anos 1970 passava a receber fomento estrangeiro, ou seja,


incentivos financeiros por parte de outros países, principalmente os Estados Unidos,
para que seus objetos de investigação estivessem muito mais voltados ao crescimento
econômico daquele país do que quaisquer outros temas.

A Sociologia estava perdendo seu caráter filosófico, as reflexões incentivadas


pelos financiadores de nossas pesquisas, estavam muito mais interessados na produção
de riquezas do que no avanço intelectual do ser humano.

Nesse contexto, a sociologia objeto de ataque: pela sua colaboração com


os planos reformistas; pela sua identificação com a teoria funcionalista
americana; pelo seu “sociologismo” e fechamento às indagações filosó-
ficas; pelo seu caráter nomotético e uni-paradigmático. Além do mais, a
nível teórico, os movimentos sociais levantaram questões importantes.
Uma delas é referente à história: são os atores sociais que constituem o
sujeito da história ou a história é dotada de uma lógica imanente, cons-
tituindo um processo sem sujeito? (ALVES, 2010, p. 19-20).

154
Até os anos 1970, as Ciências Sociais foram forjadas de forma a atender aos
interesses reformistas dos militares no Brasil. Já, durante as décadas de 1970 e 1980,
a Sociologia passa por transformações e retornam, em certa medida, aos seus moldes
mais voltados ao entendimento da sociedade e seus fenômenos, desprendendo-se
dos interesses estritamente dominadores e economicistas de tempos de ditadura.
Sendo assim, a Sociologia retoma seu fluxo evolutivo, de maneira limitada, devido aos
mandos e desmandos dos militares em nosso território, porém, retomando aos objetos
de estudo anteriores e lançando mão de novas pesquisas. Sobre a manipulação das
Ciências Sociais dos anos 1960 até 1970, Alves (2010, p. 28) afere que:

Essa situação sofre mudanças substanciais a partir das décadas de 1970


e 1980. Com o relativo declínio do funcionalismo nos Estados Unidos e
do estruturalismo na Europa, aparecem ou emergem orientações teóri-
cas novas ou parcialmente excluídas do panteão acadêmico. Digno de
nota é a preocupação que os teóricos passam a ter pela integração das
dicotomias estabelecidas nas ciências sociais. Há um renovado retorno
aos seus clássicos, novas propostas de sínteses teóricas são formula-
das e, inevitavelmente, ressurge a preocupação com a metateorização,
isto é, pelo questionamento das estruturas subjacentes à teoria. O mo-
vimento autoreflexivo, que os cientistas sociais passam a demonstrar,
fez com que houvesse um retorno à filosofia. Autores mais alinhados
com a filosofia do que propriamente com a sociologia – como Schutz,
Merleau-Ponty, Paul Ricoeur, Michel Serres, Foucault, Habermas, Char-
les Taylor e Castoriadis – fazem usualmente parte nos programas das
disciplinas sociológicas. Por outro lado, cientistas como Bourdieu, Gid-
dens, Luhmann, Jeffrey Alexander escrevem artigos de caráter eminen-
temente filosófico. Nesse contexto, a teoria da ação social recebe novo
impulso, resultando na expansão do campo conceitual das ciências so-
ciais e, com isso, inaugurando novas problemáticas.

A Sociologia Brasileira passa, a partir das décadas de 1970 e 1980, a receber maio-
res influências de autores, sobretudo europeus, que realizavam abordagens mais volta-
da à questão das subjetividades, liberdades individuais entre outras. Além disso, emerge
uma interdisciplinaridade no interior da Sociologia que transcende o espaço, até mesmo,
das Ciências Humanas. Estariam inseridas nos estudos sociológicos, com cada vez mais
frequência, problemáticas que adentram temas mais comumente abordados nas Ciên-
cias da Natureza, Filosofia, Medicina dentre outras áreas do conhecimento humano.

No presente trabalho, procuramos refletir sobre dois pontos. O


primeiro refere-se ao processo de transformação da sociologia
iniciado nas décadas de 1970 e 1980. Observamos que as ciências
sociais (e com elas, a sociologia) perderam a relativa uniformidade
disciplinar. Mais especificamente, houve uma diminuição do nível de
consenso em torno das linhas de demarcação entre as ciências, sem
que com isso tenha se eliminado a disciplinarização. A sociologia tem
cada vez mais assumido um caráter multidisciplinar. Como resultado
desse processo – e aí talvez esteja a grande novidade das ciências
sociais contemporâneas – é o estabelecimento da reconciliação
e novas alianças entre posições até então tidas como antinômicas
entre ciências da natureza, ciências humanas e filosofia. As novas
configurações que emergem das pesquisas em curso são usualmente
atravessadas por polaridades múltiplas (ALVES, 2010, p. 28).

155
FIGURA 15 - REFLEXÃO SOBRE A REPRESSÃO AOS INTERESSES ESTUDANTIS CONSIDERADOS
SUBVERSIVOS PELO REGIME MILITAR BRASILEIRO

FONTE: <https://static.poder360.com.br/2018/12/Top-Midia-1-868x644.jpg>.
Acesso em: 30 ago. 2020.

A Sociologia Brasileira contemporânea está em seu ponto culminante, em termos


de abordagens. Nunca se estudou a multiplicidade de temas como hoje. A Sociologia,
hoje, transcende o campo estritamente sociológico do saber, adentrando as mais diversas
áreas do conhecimento, uma vez que quase todo fenômeno, ou objeto da realidade, pode
influenciar a sociedade e, consequentemente, a maneira com a qual vivemos.

Feita a ressalva, podemos dizer que, partindo das discussões gené-


ricas, da divulgação e das “teorias gerais do Brasil”, a Sociologia se
configurou afinal entre nós como disciplina caracterizada, embora
sincrética, praticada cada vez mais por especialistas. Hoje é possível
a formação adequada do sociólogo entre nós, devido à organização
do ensino, relativa densidade do meio científico e solicitação cres-
cente da sociedade, em fase de grande progresso técnico e conse-
quente racionalização nos setores administrativo, assistencial e de
planejamento. É fora de dúvida que a sociologia brasileira já existe
como bloco, o que se verifica pela posição internacional que vem
adquirindo aos poucos. Até aqui, projetava-se fora do país este ou
aquele sociólogo, destacado como exceção graças ao mérito pes-
soal; hoje, sem prejuízo disso, é a nossa sociologia que começa a
projetar-se em conjunto (CANDIDO, 2006, p. 301).

O trecho anterior reflete sobre o recente despertar do interesse do


estabelecimento de uma Sociologia do Brasil e a formação de um ponto de vista
sociológico legitimamente brasileiro. Assumir uma abordagem mais brasileira significa
nos aproximarmos ainda mais de nossa realidade, afinal, o Brasil é um país de sociedade
com inúmeras peculiaridades em relação ao resto do mundo. Aprender sobre a dinâmica
social brasileira é de suma importância, principalmente para os pesquisadores, militantes,
políticos e outros profissionais que almejam direcionar seus trabalhos à melhoria de
nossa sociedade. Hoje observamos uma grande demanda por estudos sociais e
políticos, tendo em vista a multiplicidade de crises que vivemos hodiernamente. Os
novos movimentos sociais despertam, a cada dia que passa, o interesse por temáticas

156
sociológicas que auxiliam no processo de libertação de nosso povo, na ampliação das
liberdades individuais, no combate à miséria e à violência, dentre outras inúmeras
possíveis intervenções. Os estudos sociais brasileiros e latino-americanos podem nos
servir de ferramentas utilizadas a favor da mudança de paradigmas que dificultam o
desenvolvimento da humanidade, tanto daqui, como de todo o Planeta.

O Brasil é um país que possui potencial para sustentar e alavancar o


desenvolvimento humano durante muito tempo. Isso se deve ao fato de que nosso
país possui uma vasta bacia hidrográfica, grande remanescente da Floresta Amazônica,
muitos recursos minerais e muitos outros. Devido à crescente exploração irracional de
tal riqueza, sobretudo durante os últimos governos brasileiros, estamos correndo o risco
de perder tudo isso devido à má gestão do país por parte de governantes despreparados
e políticas voltadas ao enriquecimento de uma minoria de pessoas. Sendo assim, é
dever de todo o indivíduo e coletivo que almeja melhores condições de vida para os
seres humanos, estudar nossa história e conjuntura política e social.

FIGURA 16 – PINTURA DE JOAQUÍN TORRES GARCÍA QUE REPRESENTA A IMPORTÂNCIA DA AMÉRICA DO


SUL PARA OS SERES HUMANOS

FONTE: <https://iberoamericasocial.com/wp-content/uploads/2018/04/America-Invertida.jpg>. Acesso em:


30 ago. 2020.

A Teoria da Dependência da América Latina foi um esforço intelectual de


diversos pensadores latino-americanos que, trabalhando conjuntamente, elaboraram
a tese de que:

157
Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o
resultado da superação do domínio colonial e do aparecimento de
burguesias locais desejosas de encontrar o seu caminho de partici-
pação na expansão do capitalismo mundial; a teoria da dependência,
surgida na segunda metade da década de 1960, representou um es-
forço crítico para compreender a limitações de um desenvolvimento
iniciado num período histórico em que a economia mundial estava já
constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos e po-
derosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte delas entra-
va em crise e abria oportunidade para o processo de descolonização
(SANTOS, 2020, p. 18).

Outro tributário da Teoria da Dependência é Ruy Mauro Marini (2011) que,


em sua obra, reflete dentre outros aspectos da dependência latino-americana, a
crise do socialismo europeu, a revolução técnico científica e a ascensão da doutrina
neoliberal, que boicotaram com os ideais e as políticas emancipadoras emergentes
na América Latina do século XX. Conforme o autor, a economia de mercado impõe,
contemporaneamente, políticas que perpetuam o subdesenvolvimento desses países,
fundamentais à expansão e manutenção do capitalismo moderno.

A crise do socialismo europeu, a revolução técnico-científica e a


difusão da doutrina neoliberal puseram em xeque, nos anos de 1980,
os pontos de referência que se valiam os meios políticos e intelectuais
mais progressistas da América Latina para pensar o futuro da região:
os conceitos de desenvolvimento e de dependência. Seu lugar é
ocupado hoje por palavras de ordem, entre os quais se destacam a
economia de mercado, a inserção n processo mundial de globalização
e a redução do Estado (MARINI, 2011, p. 213).

André Gunder Frank é outro pensador que contribuiu com a Teoria da


Dependência. Dentre outras contribuições, Frank (2005) contextualiza a formação do
Brasil como resultado de forças mercantis capitalistas globais.

O autor também é tributário da ideia de que as condições de desenvolvimento


de nosso país fazem parte da natureza do sistema sócio-político-econômico capitalista,
que produz a própria condição de desenvolvimento e subdesenvolvimento dos países
que fazem parte dessa trama.

O Brasil, em seu conjunto, por mais feudais que suas características


possam parecer, deve sua formação e sua natureza atual à expansão
e ao desenvolvimento de um único sistema mercantil-capitalista que
alcança (hoje com exceção dos países socialistas) o mundo inteiro. [...]
este sistema capitalista, em todo tempo e lugar – e é de sua natureza
que assim seja –, produz desenvolvimento e subdesenvolvimento.
Um é tão produto do sistema “capitalista” como o outro. [...] Chamar
“capitalista” ao desenvolvimento e atribuir o subdesenvolvimento
ao “feudalismo” é uma incompreensão séria que conduz aos mais
graves erros políticos (FRANK, 2005, p. 58).

Vânia Bambirra é uma intelectual brasileira que também fez parte do processo
de desenvolvimento da Teoria da Dependência. Em uma entrevista, a autora marxista
conta um pouco da trajetória do grupo de pensadores que compuseram essa importante

158
teoria que nos ajuda a compreender o processo histórico pelo qual o Brasil esteve e
está inserido. A partir da compreensão de tal processo histórico é possível entender
melhor as condições de desenvolvimento de nosso país, condições que podem ajudar a
explicar nossas disparidades sociais.

E a gente então começou, era um grupo grande, era muita gente envol‐
vida... nós começamos [a estudar O Capital [...] fomos interrompidos
pelo golpe [...] A ideia da teoria da dependência não tinha desabrocha‐
do. Claro que nas teses da Polop já havia, já se percebia, já estava ano‐
tado que as burguesias nacionais eram vinculadas ao imperialismo, a
ideia da classe dominante dominada, que a gente vai desenvolver de‐
pois no Chile... Eu me lembro que você me perguntou pelo telefone... se
por acaso a teoria da dependência tinha surgido na UnB. Eu digo que
não, que realmente ela desabrochou, a equipe mesmo... foi composta na
Faculdade de Economia da Universidade do Chile e no Centro de Estu‐
dios Socio-Económico (Ceso) (BAMBIRRA, 2013, p. 32).

O ex-presidente da República brasileira, Fernando Henrique Cardoso, é um


grande sociólogo adepto da Teoria da Dependência que acredita que a solução da
maioria de nossos problemas sociais seria uma mudança política radical. O autor acredita
que uma das vias transformadoras de nossas condições de pobreza e desigualdade se
manifestaria sob a forma de uma revolução socialista.

As alternativas que se apresentariam, excluindo-se a abertura do


mercado interno para fora, isto é, para os capitais estrangeiros,
seriam todas inconsistentes, como o são na realidade, salvo se se
admite a hipótese de uma mudança política radical para o socialismo
(CARDOSO; FALETTO, 1977, p. 120).

O estudo dos autores mencionados anteriormente e suas respectivas teorias


são de fundamental importância no que tange ao conhecimento da dinâmica social
brasileira, sobretudo acerca do processo histórico no qual o Brasil está inserido e que
resultou nas desigualdades que vivemos contemporaneamente.

A Teoria da Dependência é uma das grandes teorias sobre o desenvolvimento


e subdesenvolvimento dos países que compõem a América Latina, portanto, cabe
reforçarmos nossa compreensão do referido tema com uma leitura complementar de
um dos grandes tributários desse pensamento.

159
LEITURA
COMPLEMENTAR
SUBDESENVOLVIMENTO E REVOLUÇÃO

Ruy Mauro Mariani

A história do subdesenvolvimento latino-americano é a história do desenvol-


vimento do sistema capitalista mundial. Seu estudo é indispensável para quem deseje
compreender a situação que este sistema enfrenta atualmente e as perspectivas que
a ele se abrem. Inversamente, apenas a compreensão segura da evolução da economia
capitalista mundial e dos mecanismos que a caracterizam proporciona o marco adequado
para situar e analisar a problemática da América Latina.

As simplificações nas quais, por sua limitação natural, este trabalho possa
incorrer não devem fazer o leitor esquecer esta premissa fundamental.

A vinculação ao mercado mundial

A América Latina surge como tal ao se incorporar no sistema capitalista em


formação, isto é, no momento da expansão mercantilista europeia do século XVI. A
decadência dos países ibéricos, que primeiro se apossaram dos territórios americanos,
engendra aqui situações conflitivas, derivadas dos avanços das demais potências
europeias. É a Inglaterra, mediante sua dominação imposta sobre Portugal e Espanha,
que finalmente prevalece no controle e na exploração desses territórios.

No decorrer dos três primeiros quartos do século XIX, e concomitantemente à


afirmação definitiva do capitalismo industrial na Europa – principalmente na Inglaterra –,
a região latino-americana é chamada a uma participação mais ativa no mercado mundial,
como produtora de matérias-primas e como consumidora de uma parte da produção leve
europeia. A ruptura do monopólio colonial ibérico se torna então uma necessidade e, com
isso, desencadeia-se o processo de independência política, cujo ciclo termina praticamente
ao final do primeiro quarto do século XIX, dando como resultado as fronteiras nacionais em
geral ainda vigentes em nossos dias. A partir desse momento se dá a integração dinâmica
dos novos países ao mercado mundial, assumindo duas modalidades que correspondem
às condições reais de cada país para realizar tal integração e às transformações que esta
vai sofrendo em função do avanço da industrialização nos países centrais.

Assim, num primeiro momento, os países que respondem mais prontamente às


exigências da demanda internacional são aqueles que apresentam certa infraestrutura
econômica, desenvolvida na fase colonial, e que se mostram capazes de criar condições

160
políticas relativamente estáveis. Chile, Brasil e, pouco depois, Argentina aumentam sensi-
velmente neste período seu comércio com as metrópoles europeias, baseado na exporta-
ção de alimentos e matérias-primas como cereais, cobre, açúcar, café, carnes, couro e lã.

Paralelamente, utilizando inclusive o crédito oferecido pela Inglaterra, aumentam


suas importações de bens de consumo não duráveis e dão início à construção de um
sistema de transporte, através de obras portuárias e das primeiras ferrovias, abrindo
assim um mercado complementar à incipiente produção pesada europeia.

A partir de 1875 certas mudanças no capitalismo internacional se fazem sentir.


Novas potências se projetam para o exterior, em especial a Alemanha e os Estados
Unidos, e este último país começa a instaurar uma política própria no continente
americano, muitas vezes em choque com os interesses britânicos. No próprio campo do
comércio, a influência estadunidense é considerável, tornando perceptível em alguns
países, principalmente no Brasil, a tendência a direcionar suas exportações para a nova
potência do norte.

Nos países centrais, por sua vez, aumenta o desenvolvimento da indústria pesada,
com a tecnologia que lhe corresponde, e a economia se orienta a uma maior concentração
das unidades produtivas, dando lugar ao surgimento dos monopólios. Esses traços,
gerados pela acumulação capitalista realizada nas etapas anteriores, aceleram o processo
e forçam o capital a buscar campos de aplicação fora das fronteiras nacionais, mediante
empréstimos públicos e privados, financiamentos, aplicação em ações e, em menor
medida, investimentos diretos. Portanto, diferentemente dos créditos externos utilizados
antes e que correspondiam a operações comerciais compensatórias, a função que
assume agora o capital estrangeiro na América Latina é subtrair abertamente uma parte
da mais-valia criada dentro de cada economia nacional, o que aumenta a concentração
do capital nas economias centrais e alimenta o processo de expansão imperialista.

Em parte pelo efeito multiplicador da infraestrutura de transportes e pelo


afluxo de capital estrangeiro, mas principalmente devido à aceleração do processo de
industrialização e urbanização nos países centrais, que infla a demanda mundial de
matérias-primas e alimentos, a economia exportadora latino-americana conhece um
auge sem precedentes. Esse auge está, no entanto, marcado por um aprofundamento
de sua dependência frente aos países industriais, a tal ponto que os novos países que
se vinculam de maneira dinâmica ao mercado mundial desenvolvem uma modalidade
particular de integração.

Efetivamente, o desenvolvimento do principal setor de exportação tende, nos


países dependentes, a ser assegurado pelo capital estrangeiro através de investimentos
diretos, deixando às classes dominantes nacionais o controle de atividades secundárias
de exportação ou a exploração do mercado interno. Mesmo os países que haviam se
integrado de forma dinâmica à economia capitalista em sua fase anterior veem seu

161
principal produto de exportação cair nas mãos do capital estrangeiro - como é o caso
do Chile, primeiro com o salitre e logo com o cobre, ou da Argentina com os frigoríficos
e do Brasil com o controle da exportação de café.

Ainda que não transforme fundamentalmente o princípio sobre o qual se assenta a


economia dependente latino-americana, esse processo tem implicações de certo alcance.
De fato, em contraste com o que ocorre nos países capitalistas centrais, onde a atividade
econômica está subordinada à relação existente entre as taxas internas de mais-valia e de
investimento, nos países dependentes o mecanismo econômico básico provém da relação
exportação-importação, de modo que, mesmo que seja obtida no interior da economia, a
mais-valia se realiza na esfera do mercado externo, mediante a atividade de exportação,
e se traduz em rendas que se aplicam, em sua maior parte, nas importações. A diferença
entre o valor das exportações e das importações, ou seja, o excedente passível de ser in-
vestido, sofre, portanto, a ação direta de fatores externos à economia nacional.

Contudo, nos países em que a atividade principal de exportação está sob o con-
trole das classes dominantes locais existe uma certa autonomia das decisões de inves-
timento – condicionada, evidentemente, pela dependência da economia frente ao mer-
cado mundial. Em geral, o excedente é aplicado no setor mais rentável da economia, que
é precisamente a atividade de exportação que mais excedente produziu (o que explica
a afirmação sobre a tendência à monoprodução); porém, para atender o consumo das
camadas da população que não têm acesso aos bens importados, ou então como defesa
contra as crises cíclicas que afetam regularmente as economias centrais, parte do ex-
cedente se orienta também para atividades vinculadas ao mercado interno. Por isso, em
alguns países – como a Argentina, o Brasil ou o Uruguai –, ao lado de uma indústria vincu-
lada essencialmente à exportação (frigorífico, moinhos etc.), desenvolve-se uma indústria
leve que produz para o mercado interno, indo além do nível artesanal e dando lugar, pro-
gressivamente, à implementação de núcleos fabris de relativa importância.

E diferente a situação dos países em que a principal atividade de exportação se


encontra nas mãos de capitalistas estrangeiros. A mais-valia colhida na esfera do comér-
cio mundial pertence a capitalistas estrangeiros, e apenas uma parte dela – cuja magni-
tude varia de acordo com o poder de barganha de cada setor – passa à economia nacional
através de tributos e impostos pagos ao Estado. Daqui se derivam duas consequências:
redistribuída às classes dominantes locais – que por isso disputam o controle do Esta-
do –, essa parte da mais-valia se converte em demanda de bens importados, reduzindo
consideravelmente o excedente passível de ser reinvestido; do mesmo modo, a parte da
mais-valia que permanece em mãos do capitalista estrangeiro somente é investida no
país se as condições da economia central assim exigirem. Partes substanciais da mais-
-valia são subtraídas do país através da exportação de lucros e, nos ciclos de depressão
na metrópole, ela é transferida integralmente.

Deste modo, com maior ou menor grau de dependência, a economia que se


cria nos países latino-americanos, ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do
seguinte, é uma economia exportadora, especializada na produção de alguns poucos

162
bens primários. Uma parte variável da mais-valia que aqui se produz é drenada para as
economias centrais, pela estrutura de preços vigente no mercado mundial, pelas práticas
financeiras impostas por essas economias ou pela da ação direta dos investidores
estrangeiros no campo da produção.

As classes dominantes locais tratam de se ressarcir desta perda aumentando


o valor absoluto da mais-valia criada pelos trabalhadores agrícolas ou mineiros,
submetendo-os a um processo de superexploração. A superexploração do trabalho
constitui, portanto, o princípio fundamental da economia subdesenvolvida, com tudo
que isso implica em matéria de baixos salários, falta de oportunidades de emprego,
analfabetismo, subnutrição e repressão policial.

A integração imperialista dos sistemas de produção

A consolidação do imperialismo como forma dominante do capitalismo internacio-


nal não ocorre de forma tranquila. No curso de sua evolução terá que passar por um período
extremamente difícil, que se abre com a guerra de partilha colonial de 1914, avança com a
desorganização imposta ao mercado mundial pela crise de 1929 e culmina com a guerra
pela hegemonia mundial de 1939. A economia que emerge deste processo reestabelece a
tendência integradora do imperialismo, mas agora em nível mais alto do que o anterior, na
medida em que consolida definitivamente a integração na esfera do mercado e impulsiona
a etapa da integração dos sistemas de produção compreendidos em seu raio de ação.

Em seu aspecto mais global, este processo dá lugar a tendências contraditórias.


Por um lado, reforça o sistema imperialista, conformando um centro hegemônico de
poder – os Estados Unidos – que impulsiona e coordena a integração, garantindo-a com
seu poder militar. Por outro lado, conduz ao surgimento de um campo de forças opostas;
o campo socialista, que nasce e se desenvolve no fogo dos conflitos engendrados pela
própria integração imperialista.

Dada a limitação deste ensaio à análise do que acontece no interior do sistema


imperialista, não podemos aprofundar o estudo dos fenômenos específicos que se
verificam nas economias centrais. Assinalemos apenas que o processo de integração se
acompanhada de uma expansão acelerada do setor de bens de capital, particularmente
notável nas indústrias que, dentro deste setor, encontram-se vinculadas à produção
bélica. Paralelamente ocorre uma hipertrofia do aparelho estatal, que se converte no
principal agente de produção e consumo da economia, especialmente no que se refere
à indústria de guerra.

Se bem é certo que a estatização e a militarização imperialistas se realizam em


função do campo socialista, também é certo que obedecem à própria dinâmica do sistema
e expressam os mecanismos básicos que o regem. Em última instância, esta dinâmica e
estes mecanismos se referem à acumulação de capital no interior do sistema, que tende
a concentrar – por meio da superexploração do trabalho nas economias periféricas –

163
partes sempre crescentes da mais-valia nos centros integradores. O aumento do
excedente passível de ser investido que estes centros dispõem, por muito que seja
malgasto em atividades não produtivas – como a indústria bélica e a publicidade –,
acarreta um aumento constante dos investimentos diretos nas economias periféricas,
através dos quais se realiza progressivamente a integração do sistema produtivo destas
economias ao sistema do centro integrador.

Este processo se coliga com o crescimento e a diversificação do sistema


periférico. Por certo, a crise do mercado imperialista, que estoura na segunda década
do século XX, tem como mais importante consequência a inviabilização da antiga
forma de vinculação que antes se impunha na América Latina – a forma da economia
primário-exportadora. Isso se manifesta como uma tendência permanente, que não
se limita apenas aos períodos de retração do mercado mundial; pelo contrário: devido
ao surgimento de novas regiões produtoras (impelido pela expansão imperialista) e
ao desenvolvimento de produções similares ou substitutos artificiais nas próprias
economias centrais, constantemente se reduzem as possibilidades de comércio da
América Latina, ao mesmo tempo em que se reduzem os termos de troca.

FONTE: MARINI, R. M. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2013, p. 47-54. Dispo-


nível em: http://www.unirio.br/cchs/ess/Members/debora.holanda/teorias-do-brasil-2019-01/unidade-3/
ruy-mauro-marini-subdesenvolvimento-e-revolucao/at_download/file. Acesso em: 23 out. 2020.

164
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O desenvolvimento da Sociologia no Brasil seguiu um padrão até os anos 1960,


quando a intervenção militar interveio na maneira de se pensar a sociedade brasileira
por meio de reformas educacionais.

• A Sociologia foi uma das disciplinas banidas do currículo escolar durante o regime
ditatorial.

• A reforma universitária implicou no alinhamento de professores brasileiros com


especialistas estadunidenses.

• A educação sofreu uma significativa redução em seus investimentos durante a


ditadura militar.

• O ensino da Sociologia foi considerado subversivo por representar ameaça ao


modelo político ditatorial.

• Dentre as transformações sofridas pela Sociologia após a intervenção militar


brasileira, o foco foi no economicismo e na produção de estratégias de acumulação
de riquezas por parte de classes privilegiadas.

165
AUTOATIVIDADE
1 A Sociologia no Brasil é, tão como no restante do mundo, uma disciplina responsável
pela ampliação da percepção das pessoas em relação ao funcionamento da sociedade,
suas implicações políticas, as injustiças e violências cometidas pelos governantes
e outras classes, dentre uma infinidade de fenômenos. O poder de desconstrução
de valores petrificados e, por vezes, ultrapassados, além da capacidade de elevar os
níveis de consciência e níveis de raciocínio que possui a Sociologia, foram fatores
que abalaram e continuam abalando as classes dominantes de todo o mundo. Isso
acontece devido à alienação à qual nosso povo é submetido, pois é necessário que o
povo esteja alienado da realidade social. Isso serve para que as classes dominadoras
possam explorar seu trabalho e produzir riquezas das quais os trabalhadores
que a produzem, de fato, não usufruem. Considerando os aspectos mencionados
anteriormente acerca da importância da Sociologia, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) A Sociologia no Brasil pode ser considerada um instrumento utilizado a favor da


libertação de nosso povo, tanto do modo de produção explorador dominante, como
da cultura imperialista.
( ) O ensino da Sociologia pode contribuir para a formação de governantes mais
conscientes, uma vez que são produzidas teorias políticas importantes no âmbito
científico/acadêmico brasileiro.
( ) O regime ditatorial no Brasil foi um fator retardante em relação ao desenvolvimento
da Sociologia no Brasil.
( ) A Sociologia foi considerada uma das matérias mais importantes na época da
ditadura militar brasileira, recebendo incentivos por parte do exército, da marinha e
aeronáutica brasileiros.
( ) O alinhamento entre professores universitários brasileiros e estadunidenses foi
uma das estratégias de dominação utilizados no período ditatorial brasileiro.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – V – F.
b) ( ) V – V – F – V – F.
c) ( ) F – F – V – V – V.
d) ( ) V – F – V – F – V.
e) ( ) V – V – V – F – V.

2 O regime militar brasileiro foi um grande repressor, não só do ensino da Sociologia no


Brasil, mas de múltiplas manifestações artísticas e culturais de diversas naturezas. O
governo ditatorial se viu obrigado a reprimir todo e qualquer tipo de manifestação que
se opunha à instauração de um regime que privilegiasse classes minoritárias do Brasil

166
e outros países que se interessavam, sobretudo, na instalação de suas empresas em
nosso solo. Nesse contexto, emergiram muitos movimentos sociais que reivindicavam
por uma grande variedade de direitos tolhidos pelos militares, lutavam contra as violên-
cias e outros abusos cometidos pelo exército. A resposta dos ditadores foi truculenta,
resultando no exílio, prisão, morte e tortura de diversos professores, artistas, líderes e
membros de movimentos sociais libertários e contrários ao regime instaurado no ano
de 1964. Considerando os absurdos cometidos pelo regime ditatorial no Brasil, e que
foram relatados em nosso material de estudo, analise as sentenças a seguir:

I- Diversos professores foram expulsos do Brasil durante o regime ditatorial instaurado


na década de 1960, sobretudo professores marxistas que consideravam abusivas
as violências cometidas pelo regime militar.
II - Dentre os professores exilados pela ditadura militar brasileira, Paulo Freire, Darcy
Ribeiro, Ruy Mauro Marini e Florestan Fernandes foram alguns dos que continuaram
atuando mesmo no exterior de nosso país.
III - A Sociologia e a Filosofia foram banidas do currículo obrigatório do ensino público
brasileiro durante o regime militar.
IV - A Sociologia era considerada subversiva pelos ditadores militares brasileiros por
denunciar os abusos e incoerências das práticas dessa classe que foi responsável
pela morte e tortura de milhares de brasileiros entre as décadas de 1960 e 1980 no
Brasil.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Somente a sentença I está correta.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) Somente a sentença IV está correta.
e) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

3 Durante um longo período no Brasil, a Sociologia sofreu diversos tipos de limitação,


censura e reformas que impediram que a disciplina se desenvolvesse de maneira
natural. O período da ditadura militar brasileira foi um dos grandes entraves ao
pleno desenvolvimento das investigações sociais brasileiras. De acordo com o que
aprendemos no presente tópico, disserte acerca dos principais retrocessos que a
Sociologia sofreu no período militar brasileiro.

167
REFERÊNCIAS
ALVES, P. C. A teoria sociológica contemporânea: da superdeterminação pela teoria à
historicidade. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 25, n. 1, jan./abr. 2010. Disponível
em: https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/5510. Acesso em: 23
out. 2020.

AZEVEDO, F. et al. Manifestos dos pioneiros da educação nova (1932) e dos


educadores (1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

BAMBIRRA, V. Teoria da dependência: lugar e papel das ciências sociais da UnB.


Brasília: Biblioteca do Instituto de Ciências Sociais, 2013. p. 27-71.

BENTO, B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transsexual.


Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

BRASIL, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino
de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.ht-
ml#:~:text=Fixa%20Diretrizes%20e%20Bases%20para,graus%2C%20e%20d%C3%A1%20
outras%20provid%C3%AAncias.&text=%C2%A7%201%C2%BA%20Para%20efeito%20do-
,m%C3%A9dio%2C%20o%20de%20segundo%20grau. Acesso em: 23 out. 2020.

CANDIDO, A. A sociologia no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 271-301, jun.
2006. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12503. Acesso em: 23
out. 2020.

CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina:


ensaio de interpretação sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. 143 p.

CASTRO, M. G. Marxismo, feminismo e feminismo marxista: mais que um gênero em


tempos neoliberais. Crítica Marxista, São Paulo, v.1, n. 11, p. 98-108, 2000.

DAMATTA, R. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio
de Janeiro: [S. n.], 1997. Disponível em http://www.tecnologia.ufpr.br/portal/lahurb/wp-
content/uploads/sites/31/2017/09/DAMATTA-Roberto-A-Casa-e-a-Rua.pdf Acesso
em: 15 de outubro de 2020.

EHRENREICH, P. Índios botocudos do Espírito Santo no século XIX. Vitória: Arquivo


Público do Estado do Espírito Santo, 2014.

FERNANDES, F. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global,


2008.

168
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática,
1978.

FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio


de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

FERNANDES, F. A organização social dos Tupinambá. São Paulo: Difusão Europeia


do Livro, 1963.

FRANK, A. G. A agricultura brasileira: o capitalismo e o mito do feudalismo. In: STÉDILE, J.


P. (Org.). A questão agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2005. (Volume 2).

FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da


economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003.

FREYRE, G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento


do urbano. São Paulo: Global, 2013.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

IANNI, O. O mundo do trabalho. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 2-12,


jan./mar., 1994.

LOBATO, M. A onda verde. São Paulo: Editora Globo, 2009.

MARINI, R. M. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2013, p. 47-


54. Disponível em: http://www.unirio.br/cchs/ess/Members/debora.holanda/teorias-
do-brasil-2019-01/unidade-3/ruy-mauro-marini-subdesenvolvimento-e-revolucao/
at_download/file. Acesso em: 23 out. 2020.

MARINI, R. M. Desenvolvimento e dependência. In: TRASPADINI, R.; STEDILE, J. P. (Orgs.).


Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 221-224.

MOURA, C. História do negro brasileiro. São Paulo: Ed. Ática, 1992.

MUNDURUKU, D. Histórias de índio. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2010.

PACHECO JÚNIOR, I. Considerações sobre o pensamento de Caio Prado Júnior:


colonização e revolução. Praça, Recife, v. 2, n. 1, p. 24-49, 2018. Disponível em: https://
periodicos.ufpe.br/revistas/praca/article/view/236280. Acesso em: 23 out. 2020.

PINTO, Á. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

PRADO JÚNIOR. C. História econômica do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, 1981.
Disponível em: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/autores/Prado%20Jr,%20
Caio/Historia%20Economica%20do%20Brasil.pdf. Acesso em: 23 out. 2020.

169
PRADO JÚNIOR. C. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. Brasília: Editora
Brasiliense, 1961.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia


das Letras, 1995.

ROSA, P. O.; RIBEIRO JÚNIOR, H.; TORRES, R. S. Biopolítica, educação e segurança


pública: ponderações sobre a implementação das políticas de tolerância zero nas
escolas do Espírito Santo. Florianópolis: Insular: 2018.

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu


Abramo, 2004.

SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis:


Vozes, 1976.

SANTOS, T. Teoria da dependência: balanço e perspectivas. Florianópolis: Insular,


2020.

TORRES, R. S. Biopolítica e segurança pública: tolerância zero no Espírito Santo e


uma educação voltada à fabricação de sujeitos produtivos. 2016. 193 f. Dissertação
(Mestrado em Sociologia Política) – Universidade Vila Velha, Vila Velha, 2016.

170

Você também pode gostar