Você está na página 1de 228

Cultura

Bíblica

Prof. Alexandre de Paula Amorim

Indaial – 2021
2a Edição
Elaboração:
Prof. Alexandre de Paula Amorim

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

A524c

Amorim, Alexandre de Paula

Cultura bíblica. / Alexandre de Paula Amorim. – Indaial:


UNIASSELVI, 2021.

218 p.; il.

ISBN 978-65-5663-582-8
ISBN Digital 978-65-5663-581-1

1. Texto bíblico. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 220

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
O presente livro didático tem como objetivo apresentar os aspectos culturais,
étnicos, ecológicos, econômicos, religiosos e sociais dos antigos hebreus e dos demais
povos antigos do Oriente Próximo e da Palestina. Permitir que o acadêmico possa ser
apresentado e introduzido aos diversos mundos e às diversas culturas que figuram,
que fizeram parte e que influenciaram na construção do texto bíblico.

É importante que o leitor tenha em mente que, Apesar de estarmos tratando


de uma disciplina de natureza religiosa, o foco da disciplina Cultura Bíblica não é a
religião em si e nem o texto bíblico, precisamente. O interesse principal da disciplina é
o de entender a cultura, ou melhor, as culturas e as sociedades que deram origem aos
escritos bíblicos. Todo o esforço dirigido é para a compreensão dos aspectos culturais,
étnicos, ecológicos, econômicos, religiosos e sociais de outros vários por trás do texto.

No Tópico 1 apresentaremos a discussão acerca do conceito antropológico


de cultura. A origem e a evolução do conceito que remontam as análises do tema
desenvolvidas por John Locke ainda no século XVII até as contribuições mais atuais
sobre o tema e conceito. Na sequência, apresentaremos uma introdução à Bíblia, sua
origem, sua história, sua relevância para os povos semitas e para a civilização ocidental.
As especificidades da Bíblia, quanto às diferenças entre os textos da Bíblia hebraica, a
Septuaginta, a Bíblia cristã católica e a Bíblia protestante.

No Tópico 2 temos um panorama sobre a Palestina, sua origem, história,


localização, principais características históricas, culturais e ambientais. Sua ocupação,
as disputas e sua importância como o cenário, como o contexto vital mais importante
que influenciou na formação dos judeus e dos escritos bíblicos. Também há informações
básicas sobre o Crescente Fértil e a capital judaica, Jerusalém.

No Tópico 3 apresentaremos uma história sumária dos hebreus, sua origem, seu
modo de vida, a formação de sua religião, os etnônimos, sua trajetória tribal à formação da
monarquia e sua relação com os diversos povos, semitas e não semitas que fizeram parte
da formação de desenvolvimento dos antigos hebreus e, posteriormente, dos judeus.

Bons estudos!

Prof. Alexandre de Paula Amorim


GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você –
e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite
que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois,
é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 — A TERRA, A CULTURA E O POVO DA BÍBLIA.................................................... 1

TÓPICO 1 — INTRODUÇÃO À CULTURA E A BÍBLICA.............................................................3


1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 A ORIGEM DA CULTURA.......................................................................................................5
3 O QUE É CULTURA?.............................................................................................................. 7
4 A BÍBLIA............................................................................................................................. 12
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 21
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 22

TÓPICO 2 — A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA......................................................... 25


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 25
2 TOPONÍMIA.........................................................................................................................27
3 LOCALIZAÇÃO E CLIMA.....................................................................................................27
4 O CRESCENTE FÉRTIL...................................................................................................... 28
5 A CAPITAL ......................................................................................................................... 30
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 32
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 33

TÓPICO 3 — O POVO: OS HEBREUS E OS SEMITAS............................................................ 35


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 35
2 OS HEBREUS......................................................................................................................37
3 ETNONÍMIA........................................................................................................................ 40
4 OS SEMITAS...................................................................................................................... 42
4.1 OS CANANEUS......................................................................................................................................43
4.2 OS BABILÔNICOS.................................................................................................................................44
5 POVOS NÃO SEMITAS....................................................................................................... 48
5.1 OS EGÍPCIOS......................................................................................................................................... 48
5.2 OS PERSAS............................................................................................................................................51
5.3 OS GREGOS...........................................................................................................................................52
5.4 OS ROMANOS.......................................................................................................................................55
LEITURA COMPLEMENTAR..................................................................................................57
RESUMO DO TÓPICO 3..........................................................................................................59
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 60

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 63

UNIDADE 2 — O MUNDO E A CULTURA DO ANTIGO TESTAMENTO.................................... 65

TÓPICO 1 — A VIDA CULTURAL DOS HEBREUS...................................................................67


1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................67
2 O MODO DE VIDA HEBRAICO............................................................................................ 68
2.1 O MODO DE PRODUÇÃO......................................................................................................................71
3 A COSMOVISÃO HEBRAICA...............................................................................................76
3.1 A MITOLOGIA HEBRAICA..................................................................................................................... 77
3.2 AS CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DA CRIAÇÃO................................................................ 80
3.3 CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DO SOFRIMENTO................................................................82
4 O PARENTESCO ................................................................................................................ 85
4.1 O MATRIMÔNIO E A SEXUALIDADE..................................................................................................89
4.2 O PAPEL DA MULHER.........................................................................................................................94
4.3 O LEVIRATO...........................................................................................................................................96
4.4 OS ANCIÃOS.......................................................................................................................................... 97
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................99
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................100

TÓPICO 2 — A VIDA RELIGIOSA DOS HEBREUS................................................................103


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................103
2 O SISTEMA DE SACRIFÍCIOS.......................................................................................... 104
3 AS FESTIVIDADES RELIGIOSAS.....................................................................................106
3.1 O HABURAH.........................................................................................................................................108
3.2 O QUIDDUS..........................................................................................................................................108
3.3 A FESTA DA PÁSCOA........................................................................................................................109
3.4 A FESTA DOS PÃES ÁZIMOS.............................................................................................................111
4 A ARTE JUDAICA ............................................................................................................. 112
4.1 O ANICONISMO DAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS............................................................................114
5 PRINCIPAIS CÓDIGOS LEGAIS DO PERÍODO PATRIARCAL .......................................... 115
RESUMO DO TÓPICO 2.........................................................................................................117
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 118

TÓPICO 3 — A VIDA POLÍTICA DOS HEBREUS................................................................... 121


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 121
2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO PERÍODO TRIBAL.........................................................122
3 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA MONARQUIA................................................................123
3.1 A GEOPOLÍTICA JUDAICA................................................................................................................. 126
4 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS NO PERÍODO MONÁRQUICO.............129
5 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS PROVOCADAS PELO EXÍLIO.............130
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................135
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 137
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................138

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 141

UNIDADE 3 — O MUNDO E A CULTURA DO NOVO TESTAMENTO...................................... 147

TÓPICO 1 — A VIDA CULTURAL NO NOVO TESTAMENTO..................................................149


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................149
2 O PERÍODO DO INTERTESTAMENTO...............................................................................150
2.1 O ESCRIBA E O SÁBIO....................................................................................................................... 153
2.2 O ECLETISMO DO INTERTESTAMENTO......................................................................................... 155
2.3 AS SEITAS, OS GRUPOS E OS PARTIDOS JUDAICOS ..............................................................158
2.3.1 Os Fariseus.................................................................................................................................158
2.3.2 Os Saduceus............................................................................................................................. 159
2.3.3 Os Zelotas..................................................................................................................................160
2.3.4 Os Herodianos...........................................................................................................................161
2.3.5 Os Essênios ...............................................................................................................................161
3 MODO DE VIDA NO NOVO TESTAMENTO.........................................................................164
3.1 A FAMÍLIA NO NOVO TESTAMENTO................................................................................................ 165
3.2 O MODO DE PRODUÇÃO DO NOVO TESTAMENTO..................................................................... 170
3.3 A DIETA NO NOVO TESTAMENTO.................................................................................................... 171
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 173
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 174

TÓPICO 2 — A VIDA POLÍTICA NO NOVO TESTAMENTO.................................................... 177


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 177
2 O IMPÉRIO ROMANO........................................................................................................178
3 A SITUAÇÃO POLÍTICA DA PALESTINA .........................................................................182
3.1 CIDADES, VILAS E ALDEIAS............................................................................................................. 187
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................190
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 191

TÓPICO 3 — A VIDA RELIGIOSA NO NOVO TESTAMENTO.................................................193


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................193
2 A IMPORTÂNCIA DO TEMPLO E DA SINAGOGA NO NOVO TESTAMENTO......................194
3 O JUDAÍSMO DO NOVO TESTAMENTO............................................................................196
3.1 CRENÇAS E CRENDICES ................................................................................................................. 199
4 OS SAMARITANOS...........................................................................................................201
5 JESUS E A CULTURA DO NOVO TESTAMENTO.............................................................. 202
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................... 205
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 209
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................210

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................213
UNIDADE 1 —

A TERRA, A CULTURA E O
POVO DA BÍBLIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância dos elementos culturais na leitura da Bíblia;


• analisar os desafios de compreensão do texto bíblico;
• entender o que é cultura;
• aplicar a concepção antropológica de cultura à leitura bíblica;
• entender a importância da Palestina no mundo antigo;
• identificar os diferentes topônimos e ocupações;
• compreender a realidade ambiental da cultura judaica;
• entender a origem dos judeus;
• identificar os principais elementos da formação da identidade judaica;
• distinguir entre a religião javista e o judaísmo;
• situar Israel no contexto palestinense.
• perceber influências e contribuições dos povos e nações no judaísmo.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À CULTURA BÍBLICA

TÓPICO 2 – A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA

TÓPICO 3 – O POVO: ISRAEL, OS POVOS SEMITAS E OS POVOS NÃO SEMITAS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

Acesse o
QR Code abaixo:

2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
INTRODUÇÃO À CULTURA E A BÍBLICA

1 INTRODUÇÃO
“A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm
visões desencontradas de cada coisa.”
(Ruth Benedict)

“Que o homem progrida quanto quiser, que todos os ramos do


conhecimento humano se desenvolvam ao mais alto grau, coisa
alguma substituirá a Bíblia, base de toda a cultura e de toda a
educação.”
(Immanuel Kant)

Em relação à leitura da Bíblia, a maioria dos exemplares disponíveis para


aquisição é fruto de traduções literais, que traduzem o significado, mas que não
conseguem traduzir o sentido, como nas traduções idiomáticas. Outro fator importante
é compreender que não se trata de descrições precisas e exatas, pois os escritos
bíblicos não foram escritos para os parâmetros experimentais da ciência moderna. E
assim como não satisfaz à exigência da ciência moderna, os escritos bíblicos também
não satisfazem a exigência antropológica, no sentido de não serem, em rigor, um
registro etnográfico. Os relatos, por mais que deixem escapar alguns detalhes históricos
e etnológicos, são econômicos nessas informações, pois foram escritos para falantes
nativos e não para serem escrutinados por outras culturas e em outras épocas.

É comum certas tradições judaicas e cristãs considerarem o judaísmo como


sendo a saga linear de uma religião e de um único povo, que tem sua origem na
convocação de Abrão por Yahweh. Se do ponto de vista genealógico e teológico tal
interpretação tenha sua coerência, do ponto de vista cultural, mutatis mutandis, trata-
se de diversos povos, diversas religiões e diversas culturas. Sendo que Israel, o povo da
Bíblia, é soma de todas elas.

Para a compreensão do ambiente histórico e cultural bíblico, utiliza-se três


categorias de fontes: as primárias, as secundárias e as terciárias. As fontes primárias
são as descobertas arqueológicas, as fontes secundárias são os próprios textos bíblicos
e as fontes terciárias são analogias com outras sociedades anteriores, contemporâneas
e posteriores.

3
Cabe ainda esclarecer, que os escritos bíblicos são frutos de interpretação
teológica tanto por parte do hagiógrafo (escritor bíblico) quanto por parte da comunidade
que recebeu os textos. Mesmo que contenham elementos culturais, geográficos
e históricos, os escritos são condicionados pela crença religiosa do escritor e dos
receptores do texto bíblico.

Analogicamente falando, é como se o texto bíblico fosse uma pintura que


necessita de uma moldura para ficar de pé. Esta moldura são as condições histórico-
culturais e ambientais. Estas duas categorias juntas formam o que na exegese bíblica
se chama sitz im leben – “espaço de vida”, “contexto de vida”. O fato é que se trata de
um espaço de vida de quatro mil anos atrás. De um contexto de vida muito diferente
dos dias atuais, com estruturas linguísticas e estruturas de pensamento muito distintas
das atuais. A pretensão de alcançar um conhecimento objetivo e direto deste contexto,
torna-se improvável.

Levando em consideração apenas o fator língua, este já carrega em si uma


grande complexidade. A língua ou o seu sistema, a linguagem, é muito mais do que
somente aquilo que possibilita a interação entre falantes.

A linguagem é algo extensivo do ser humano. É parte do seu ser, ou seja, é


ontológica. É a manifestação do próprio existir do ser humano, de seu grupo, de sua
cultura. E se é possível dizer que as palavras possuem diversos significados, determinando
com isso, seu uso polissêmico na construção do pensamento e da linguagem, o que
dizer então de um idioma de quatro mil anos, foneticamente impronunciável, como é o
caso do hebraico antigo.

A Bíblia é uma coletânea de livros que narra a história do povo hebreu. Cobre um
período de mais ou menos mil e setecentos anos, que vai desde os patriarcas (Abraão,
Isaac, Jacó) no século XIX a.C. até os últimos escritos do Novo Testamento (2ª epístola
de Pedro) no século II d.C.

Por se tratar de um contexto histórico que está distante cerca de três mil e
setecentos anos, relativos ao Antigo Testamento, e dois mil anos no que se refere ao
Novo Testamento, somado a um contexto social e cultural muito diferente dos dias
atuais, um dos principais entraves à análise e estudo do texto bíblico é a sua correta
compreensão e interpretação.

Apesar de ser um conjunto de livros, a Bíblia deve ser compreendida em sua


totalidade, ou seja, em sua unidade interna. Tal unidade pode ser interpretada a partir
de duas perspectivas. Uma é a do interesse geral e científico, que olha para a Bíblia
como fonte histórica e etnográfica da origem e desenvolvimento de Israel como uma
grandeza multiétnica. A outra é a dos religiosos que têm na Bíblia um livro sagrado,
fonte da mensagem de redenção de Yahweh para os hebreus e que posteriormente
torna-se uma mensagem universal.

4
A maioria dos leitores da Bíblia a interpreta de forma literal. Entretanto, é
consenso entre os especialistas que a leitura da Bíblia não pode ser literalista, ou seja,
“ao pé da letra” – isso é impraticável. Tampouco se deve abri-la aleatoriamente para
corroborar uma opinião que se deseja defender. Independentemente do interesse,
seja ele científico ou religioso, é necessário que se compreenda que cada livro tem sua
própria história e deve ser lido à luz do seu contexto histórico, gênero literário, intenção
do autor, sem que se perca de vista a sua unidade com o todo.

Antes de iniciar a reflexão do tema proposto pelo presente livro didático – a


cultura na Bíblia – é necessário que se saiba, de fato, do que está se tratando. Nesse
caso, optou-se por apresentar, específica e separadamente os temas que compõe o
título da disciplina: a cultura e a Bíblia.

NOTA
Sitz im leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de
textos bíblicos, cunhada pelo teólogo Herman Gunkel. Na crítica
das formas ou história das formas, o ponto de vista sociológico
tornou-se um exercício obrigatório para os exegetas. Por meio
do sitz im leben, se reconhece que as tradições bíblicas levam a
marca dos ambientes socioculturais que as transmitiram. Traduz-
se comumente por “contexto vital”. De uma forma simples, o sitz
im leben descreve em que ocasião uma determinada passagem da
Bíblia foi escrita, ou seja, qual foi o fato que motivou o surgimento
de um determinado gênero literário bíblico. Há dois tipos de sitz im
seben: o primário e o secundário. O primário se refere ao fato que
promoveu a elaboração do gênero literário. O secundário se refere
ao local onde era utilizado este gênero.

2 A ORIGEM DA CULTURA
As ciências sociais ainda não chegaram a um consenso sobre a origem da
cultura. Contudo, na antropologia, há uma interpretação amplamente aceita, que afirma
ser a regra da proibição do incesto que estabelece o limite entre o reino da natureza e
o reino da cultura entre os seres humanos, de acordo com o antropólogo francês Lévi-
Strauss (1982). Segundo Lévi-Strauss (1982), ao impor limites à natureza humana, a
regra ou o tabu do incesto acaba produzindo uma estrutura de organização social, que
obriga os homens de uma família a buscarem mulheres em outra família, estabelecendo
assim uma rede de reciprocidade.

5
Pelo fato de existirem pessoas, em especial, mulheres com as quais não se
pode ter relações sexuais, os grupos humanos se veem obrigados a trocarem mulheres
entre si, criando a regra da exogamia e estabelecendo alianças com outros grupos que
eram potenciais rivais. A regra da exogamia, a que obriga a se casar com uma pessoa
de outro grupo ou família, também pode ter ajudado a manter a integridade do grupo
familiar, já que impede que os homens da mesma família disputem a mesma mulher.

Mas a cultura, impotente diante da filiação, toma consciência de seus


direitos ao mesmo tempo que de si mesma, diante do fenômeno,
inteiramente diferente, da aliança, o único sobre o qual a natureza já
não disse tudo. Somente aí, mas por fim também aí, a cultura pode e
deve, sob pena de não existir, afirmar ‘primeiro eu’ e dizer à natureza:
‘não irás mais longe’. Considerada em seu aspecto puramente formal,
a proibição do incesto, portanto, é apenas a afirmação, pelo grupo, de
que em matéria de relação entre os sexos não se pode fazer o que
quer. O aspecto positivo da interdição consiste em dar início a um
começo de organização (LÉVI-STRAUSS, 1982, p. 71-83).

FIGURA 1 – CASAL PRIMITIVO

FONTE: <https://bit.ly/3gTdlIp>. Acesso em: 17 maio 2021.

Quando os seres humanos começam a produzir cultura, eles concomitantemente,


se separam e superam os limites impostos pela da natureza. O reino da natureza é o
reino amplo da biologia, da flora, da fauna, de todos os seres vivos, incluindo os próprios
seres humanos. A natureza é a totalidade das coisas. É tudo que existe no mundo natural
antes que o homem faça alguma coisa, Segundo Gardini:

O conceito moderno de natureza refere-se ao dado imediato; ao


conjunto das coisas, antes que o homem faça qualquer coisa nelas;
ao conjunto das energias e das substâncias, essências e leis. Este
conjunto é experimentado como pressuposto da existência, e
como tarefa a desempenhar pelo conhecimento e pela criação.
Mas “natureza’’ também significa um conceito valorativo, a norma

6
obrigatória de todo conhecimento e de toda criação, do justo, do
saudável e perfeito, precisamente o que se entende por “natural”. Daí
os critérios de toda existência válida: do homem natural, da sociedade
natural e da forma do estado, da educação, da maneira de viver.
Tal como se realizam desde o século XVI ao século XX (GUARDINI,
2000, p. 38).

Em contraposição, a cultura é tudo que o homem produz a partir da natureza,


com o uso de suas faculdades: todo o conjunto de habilidades adquiridas e desenvolvidas
coletivamente, desde as técnicas mais rudimentares com emprego de instrumentos
líticos até as conquistas científicas mais modernas.

A cultura é um fenômeno complexo, que pode ser compreendido a partir de


suas características principais. Essas características podem ser agrupadas segundo
três aspectos: a origem, a forma e a finalidade.

• Origem – ela é humana, social e laboriosa.


• Forma – sensível, dinâmica e múltipla.
• Finalidade – religiosa, humanista e naturalista.

IMPORTANTE
É importante ressaltar que tal interpretação antropológica da
possível origem da cultura, nada diz sobre a origem humana, se
criacionista, evolucionista ou design inteligente. Mostra apenas a
lógica por trás de uma instituição humana, que, possivelmente,
teria sido a regra que estabeleceu uma distinção entre os seres
humanos e os outros animais, permitindo, assim, a proliferação
da espécie.

3 O QUE É CULTURA?
Dentro das humanidades, mais especificamente, dentro das ciências sociais,
o termo/conceito cultura é um dos mais debatidos, um dos mais polêmicos e um dos
mais estudados.

Há um consenso entre os especialistas de que cultura é um conceito de natureza


antropológica. Entretanto, dentro da própria antropologia não há um consenso sobre o
tema entre as diversas vertentes. Por tratar-se de um tema muito presente no cotidiano
das pessoas, o conceito de cultura também é um dos conceitos mais apropriados tanto
pelo senso comum quanto por outras áreas do conhecimento.

7
O conceito antropológico de cultura foi uma das ideias mais
importantes e de maior influência no pensamento do século XX.
O uso do termo cultura adotado pelos antropólogos do século XIX
espalhou-se para outras áreas de pensamento com um profundo
impacto; hoje é um lugar-comum para que os humanistas e outros
cientistas sociais falem, por exemplo, de “cultura japonesa”.
No entanto, paradoxalmente, a noção de cultura implícita nesses
usos mostrou ser muito ampla e muito rudimentar para ser capaz
de capturar os elementos essenciais no comportamento humano.
A reação de alguns estudiosos foi abandonar o termo como
instrumento conceitual básico; resposta de outros foi aprimorar e
limitar o instrumento para torná-lo mais preciso.
No uso da antropologia, é claro, cultura não significa cultivo nas artes
e dotes sociais. Refere-se, ao contrário, à experiencia apreendida
e acumulada. Uma cultura – digamos a cultura japonesa – refere-
se àqueles de comportamento característicos de um grupo social
específico que foram socialmente transmitidos (KEESING, 2014, p.
34-35).

É provável que nenhuma apropriação do termo cultura tenha tido mais êxito do
que a efetuada pelas chamadas minorias. Há uma miríade de grupos que se consideram
vítimas do processo civilizacional do Ocidente. Estas transformam a cultura num
termo corrente e instrumental usado como forma de protesto contra o atual processo
civilizatório do capitalismo. De acordo com Kuper (2002), o uso corrente do termo, na
verdade, é fruto de um fenômeno de despertamento de consciências culturais, que está
na ordem do dia. Desde subgrupos urbanos, aborígines australianos à fundamentalistas
islâmicos, todos se sentem ameaçados pela diferença e sobreposição cultural.

O conceito de cultura, no sentido de como é utilizado atualmente, de acordo


com Laraia (2017), já se desenvolvia deste o início da era moderna. John Locke (1632-
1704), em 1690 no seu Ensaio acerca do entendimento humano, combatia as ideias
de correntes inatistas, que afirmam ser genética a transmissão de valores, princípios,
crenças e comportamento humano. Para tais correntes, a hereditariedade é o
fundamento que explica a continuidade das ações humanas.

Depois de Locke, seguem as contribuições de James Turgot (1727-1781), Jean-


Jacques Rousseau (1712-1778), até que em 1871, o antropólogo britânico Edward Tylor
elaborou o que é considerada a primeira definição antropológica de cultura. Entretanto,
antes de apresentar a definição antropológica de cultura, entenda o processo de
desenvolvimento do conceito.

Três nações, a francesa, a alemã e a inglesa tiveram um papel fundamental para


o desenvolvimento do conceito de cultura. São três perspectivas que guardam entre si
distinções e aproximações conceituais, sendo as responsáveis pelos principais debates e
evolução do conceito de cultura.

8
Na França, o debate se dá em torno do termo civilização (civilisation). O termo
civilização é cunhado no espírito positivista do iluminismo e tem sentido análogo ao
sentido dado posteriormente ao termo cultura.

No conceito de civilização está a ideia de um progresso material e


desenvolvimento. Posteriormente, o conceito ganha o sentido tanto de progresso
material quanto de desenvolvimento intelectual. Estes, na concepção francesa devem
servir de referência não apenas para a Europa, como também para outros povos do
mundo todo em estágio inferior, os chamados povos primitivos (KUPER, 2002).

Na Alemanha, a princípio, o conceito kultur era semelhante ao conceito francês


de civilização. Aos poucos foi se construindo uma distinção de cultura como realidade
espiritual, ligada ao aspecto interior da cultura de cada nação. Diferentemente da
concepção universalista francesa, a concepção alemã se fundamenta nos valores
nacionais, espirituais, na genialidade individual, nas emoções e até mesmo nas forças
obscuras. Este é o conteúdo do conceito alemão, kultur (KUPER, 2002).

Entre a concepção francesa civilisation e a concepção alemã kultur, o


antropólogo britânico Edward Tylor elabora o conceito inglês culture, como uma espécie
de síntese, que tomado em seu sentido etnográfico, significa “todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2017, p. 25).
Nesta definição está todo aspecto material e imaterial como também o processo pelo
qual é transmitida a cultura. Esta definição é considerada a primeira definição de cultura
de natureza antropológica.

A concepção de Tylor estabelece uma importante distinção de cultura como


sendo produção humana fortemente marcada pelo caráter do aprendizado e da
transmissão, em oposição à ideia de transmissão biológica, ligada ao conceito de raça
que ainda pairava sobre a Europa. Nesse sentido, cultura se refere ao modo de pensar
e agir assimilados no convívio diário com outros seres humanos. E é construída através
de um processo que envolve inúmeras gerações.

Entretanto, é preciso esclarecer, que por mais que suas contribuições tenham
sido de grande importância, Tylor ainda permanece como um evolucionista. A grande
preocupação de Tylor não estava na diversidade cultural, mas sim na questão da
igualdade humana. Segundo ele, a diversidade cultural seria o resultado dos diferentes
estágios da evolução humana. Uma concepção tipicamente evolucionista unilinear fruto
da grande influência de Charles Darwin nas ciências modernas (LARAIA, 2017).

Coube a Franz Boas (1858-1949), um antropólogo teuto americano, o papel de


desarticular as concepções evolucionistas. Boas foi o precursor de uma corrente teórica
conhecida como particularismo histórico, culturalismo ou relativismo cultural.

9
Em seu artigo The limitation of the comparative method of anthropology, de
1896, Boas (2003) expõe quais são as duas tarefas primordiais da Antropologia: 1) a
reconstrução da história de povos ou regiões particulares; 2) a comparação da vida
social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis.

Segundo a perspectiva de Boas (2003), cada povo ou cultura escolhe seu


próprio caminho diante do devir histórico ao qual é submetido. A partir desta perspectiva,
admite-se uma teoria evolutiva multilinear e não mais unilinear, como pensava Tylor,
ou seja, existem vários caminhos para o desenvolvimento e o progresso de um povo.
Cada cultura tem uma história própria, particular e sua transformação ocorre através do
contato com outras culturas.

Como o tema deste livro diz respeito aos povos da antiguidade, povos nômades,
seminômades, caçadores e coletores que mantinham outro tipo de relação com a
natureza, é importante abordar a discussão antropológica acerca da natureza e da
cultura, pois toda a evolução das sociedades antigas, assim como da humanidade como
um todo, está relacionada à relação inversamente proporcional que os grupos humanos
mantêm com “reino da natureza” ou com o “reino da cultura”.

Por natureza entende-se tudo que faz parte do reino animal, vegetal e mineral.
De outra forma, pode-se dizer que a natureza é a totalidade das coisas. É tudo que existe
antes que o ser humano faça alguma coisa, incluindo o próprio ser humano. Do pondo
de vista orgânico, fisiológico, o ser humano é um espécime do reino animal, porém, há
uma especificidade tão peculiar no ser humano, que o antropólogo norte americano
Alfred Kroeber (1876-1960), chegou a se referir ao ser humano como o “superorgânico”
(LARAIA, 2017).

A ideia não é negar ou menosprezar a dimensão biológica do ser humano,


pois, sem corpo, sem bios não há ser humano.

O propósito do “superorgânico” é evidenciar duas coisas: primeiro que por mais


que as funções vitais ou orgânicas sejam as mesmas em todo ser humano, a forma de
lidar com as demandas vitais e orgânicas é diferente de uma cultura para outra cultura;
segundo, que o ser humano é um animal tão sui generis, que superou sua condição
orgânica. Através da cultura, o ser humano produz invenções que lhe servem como
extensão do próprio corpo, enquanto os animais precisam se adaptar para sobreviver.

Veja a síntese das teses do artigo de Kroeber (1949 apud SANTOS, 2020, p. 4-5):

1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o


comportamento do homem e justifica as suas realizações.
2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais, os seus
instintos foram parcialmente anulados [...]
3. A cultura é o meio da adaptação aos diferentes ambientes
ecológicos [...]

10
4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de
romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda
a terra em seu habitat.
5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do
aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente
determinadas.
6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo,
é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação,
não importa o termo), que determina o seu comportamento e a
sua capacidade artística ou profissional.
7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a
experiência histórica das gerações anteriores. Esse processo
limita e estimula a ação criativa do indivíduo.
8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a
oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor,
construído pelos participantes vivos e mortos do seu sistema
cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nessa
classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as
primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o
fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que
fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o
arco e a flecha etc. são eles gênios da mesma grandeza de Santos
Dumont e Eistein. Sem as suas primeiras invenções descobertas,
hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior
do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado
ao que é hoje.

Em contraposição à natureza, a cultura é tudo que o homem adquire ou produz


com o uso de suas faculdades. Enquanto os animais possuem especializações orgânicas,
o ser humano possui uma especialização cerebral (biopsíquica) que lhe permite atingir e
superar todas as especializações dos animais. O ser humano cria, aprende e transmite.
Por ser biocultural, o ser humano não age motivado apenas por seus instintos, mas
principalmente, orientado por sua cultura. Para se entender a cultura e as sociedades
que deram origem aos escritos bíblicos, antes é preciso entender o que é a Bíblia, pois
ela é uma das principais fontes dessa história cultural.

QUADRO 1 – QUADRO CONCEITUAL

CULTURA:
Sentido habitual, senso comum: formação espiritual que eleva o gosto, a inteligência e a
personalidade à dimensão universal.
Sentido antropológico: conjunto complexo que inclui conhecimentos, técnicas, tradições,
e caracteriza uma sociedade ou um dado grupo.
Termos e expressões conexos.
Relação de vizinhança: civilização.
Relação de dependência: educação – humanidade – saber – sociedade.
Relação de oposição: ignorância – natureza.

FONTE: O autor

11
4 A BÍBLIA
A Bíblia é o livro mais popular e mais lido em todo o mundo. Por ser a regra de fé
das religiões monoteístas da atualidade – o cristianismo e judaísmo, estima-se que um em
cada três habitantes do planeta possua uma Bíblia ou que pelo menos já a tenha lido ou
conheça algumas de suas histórias.

Paradoxalmente, por mais que seja um dos livros mais lidos e mais conhecidos,
a Bíblia também é um dos livros menos compreendidos. Por esse motivo é que existem
milhares de religiões, seitas, cultos e confissões que se baseiam na Bíblia, mesmo
mantendo profundas divergências entre si.

O que a maioria das pessoas não sabe é que a Bíblia não é um livro. É na verdade,
um conjunto de livros, uma biblioteca. Etimologicamente falando, o termo bíblia é plural
do termo grego bíblion (livro). Seu significado original é “rolo” ou “livro”.

Trata-se de um conjunto de livros de contextos, autores, séculos e gêneros


diferentes, mas que remetem à mesma história da relação de um Deus (Yahweh) e
seu povo (hebreus), no caso do Antigo Testamento e dos cristãos, no caso do Novo
Testamento. Essa forma de denominar a coleção de livros sagrados no singular e no
feminino é recente, segundo Mounce (2009, p. 172):

Embora este significado seja eclesiástico na sua origem, suas raízes


remontam até ao AT. Em Dn 9, 2 (LXX) ta biblia refere-se aos escritos
proféticos. No Prólogo de Siraque, refere-se às Escrituras do AT de
modo geral. Este uso linguístico passou para a igreja cristã (2 Clem.
14.2) e cerca do início do século V foi estendido para incluir todo o
conjunto de escritos canônicos, conforme agora os possuímos. A
expressão ta biblia passou para o vocabulário da igreja ocidental e,
no século XIII, por aquilo que Westcott chama de "feliz solecismo", o
neutro plural veio a ser considerado um feminino singular, e, nesta
forma, o termo passou para as línguas da Europa moderna. Essa
mudança significante do plural para o singular refletiu o conceito
crescente da Bíblia como uma só declaração de Deus, ao invés de
uma multidão de vozes falando em nome dEle.

A Bíblia é o livro sagrado do judaísmo e do cristianismo. Para estas religiões a


Bíblia não é um compêndio de ciências naturais ou de história.

Para judeus e cristãos a Bíblia é a Palavra de Deus, a Lei, a Sagrada Escritura.


Por ser um dos escritos mais antigos, por seu valor histórico também é considerada um
patrimônio da humanidade. Para o ocidente de tradição judaico-cristã, a primeira parte
da Bíblia, o Antigo Testamento, contém a história do início da humanidade.

12
NOTA
Um biblon era um rolo de papiro ou biblo, uma planta semelhante
a uma taquara, cuja casca interna era secada para se tornar uma
matéria de escrita de uso generalizado no mundo antigo.

FIGURA 2 – PLANTA PAPIRO FIGURA 3 – PAPEL DE PAPIRO

FONTE: <http://twixar.me/ZR8m>. FONTE: <http://twixar.me/hR8m>.


Acesso em: 17 maio 2021. Acesso em: 17 maio 2021.

Como já mencionado, a Bíblia contém uma divisão em duas grandes partes.


São duas porções de livros separados cronologicamente por cerca de quinhentos anos.
A primeira parte é o Antigo Testamento ou Primeiro Testamento. A segunda parte diz
respeito ao Novo Testamento ou Segundo Testamento. De acordo com Konings (1998),
o termo testamento aqui não tem o sentido de rol de bens ou direitos deixados, mas
de “aliança atestada” entre Deus e seu povo, a chamada berit. Diz respeito ao pacto de
fidelidade de Yahweh para com seu povo, que se inicia com a aliança feita com Abraão
e tem seu cumprimento final no Novo Testamento em Jesus Cristo.

FIGURA 4 – A TORAH

FONTE: <https://www.deviantart.com/qymaen/art/Torah-132588246>. Acesso em: 17 maio 2021.

13
O Antigo Testamento possui quarenta e seis livros, a depender da versão da
Bíblia. Os primeiros cinco livros (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio), são
chamados de pentateuco. Uma referência aos “cinco estojos” onde eram guardados os
rolos de papiro ou pergaminho contendo os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica.

A tradição atribui à Moisés a autoria do pentateuco, mas na verdade, o


pentateuco recolhe tradições narrativas e legislativas que vão desde os patriarcas em
1800 a.C. até o período de Esdras em 450 a.C., no pós exílio, quando ocorre a redação
final. Uma posição mais moderada, entende que Moisés estava presente no início do
pentateuco, mas não no seu final.

Como há muitos trechos no pentateuco que falam de leis e costumes de Israel,


codificados a partir de Moisés, esse conjunto de livros ganhou o nome de Torah (“Torá”),
que em hebraico tem o sentido de instrução, de ensinamento. Na versão grega da Bíblia
hebraica, a Septuaginta, o termo “Torá” é traduzido por nómos. A Torá tem como fonte
quatro tradições: 1) a tradição javista – ligada ao reino de Judá; 2) a tradição eloísta –
ligada ao reino de Israel; 3) a tradição sacerdotal – da classe de sacerdotes e levitas; 4) a
tradição deuteronomista – ligada à tradição profética e movimentos de reforma religiosa
nos dois reinos (KONINGS, 1998).

O Novo Testamento ou Segundo Testamento é composto por vinte sete livros.


São escritos do primeiro século, que narram o testemunho a respeito de Jesus de
Nazaré, dado por seus apóstolos e discípulos mais próximos. O Novo Testamento foi
escrito em grego e não é aceito pelos judeus. Para os cristãos, o Novo Testamento é a
mensagem que contém o clímax da revelação de Yahweh, que se deu em Jesus Cristo,
seu Filho, o messias salvador do mundo.

O Novo Testamento foi escrito em grego, pois esta era a língua do cotidiano
da maioria dos judeus e cristãos do primeiro século. Era um grego popular, conhecido
como koiné. Como os primeiros cristãos também eram judeus, o grego koiné sofreu forte
influência do hebraico e aramaico. Por isso se diz que o Novo Testamento está repleto
de semitismos (KONINGS, 1998).

Assim como o Antigo Testamento não é um compêndio de história natural, o Novo


Testamento também não é um tratado de teologia sistemática. Toda a sistematização
teológica cristã ocorre nos séculos posteriores.

O Novo Testamento é fruto da experiência das comunidades cristãs das origens,


que acreditaram na pregação dos apóstolos. E essa pregação em si, não era uma reflexão
elaborada, ou teológica, no sentido acadêmico. Era uma mensagem simples, de homens
simples para alimentar a fé de pessoas comuns.

Em relação à autoria dos escritos do Novo Testamento, permanece a mesma


dificuldade que possui toda a Bíblia. Por mais que a tradição atribua a autoria de tal
livro a tal autor, tal atribuição não resiste à crítica histórica. Há várias incongruências de

14
datas, estilística, coerência interna, entre outros. Entretanto, acadêmico, tudo isso em
nada diminui o mérito e a validade dos escritos acolhidos pela comunidade das origens,
que serviram e ainda servem de testemunho de fé para os cristãos.

Além de ser o conjunto heterogêneo de livros, a Bíblia possui múltiplas versões.


As diferenças entre Bíblias se restringem ao Antigo Testamento. A Bíblia hebraica (Tanak)
é menor que a Bíblia cristã, pois não possui os escritos do Novo Testamento. Tanak é
o acrônimo que faz referência à divisão dos livros da Bíblia hebraica. Este corresponde
à Torá, (os cinco livros da Lei), Nebiîm (vinte e um livros proféticos) e Ketubîm (os treze
livros chamados de Escritos). A Tanak foi escrita em hebraico e alguns trechos de livros
em aramaico (KESSLER, 2009).

Por volta do século III a.C. a comunidade judaica que vivia no exílio em Alexandria
no Egito, faz uma tradução da Bíblia hebraica para o grego. Essa versão é chamada de
Septuaginta, referência aos setenta anciãos que teriam feito tradução, de acordo com
a tradição. A Septuaginta possui sete livros a mais, que não são aceitos pelos judeus e
nem pela maioria dos protestantes. São os chamados deuterocanônicos (não aceitos
no cânon ou “canonizados posteriormente”) (KESSLER, 2009). Alguns protestantes
chamam estes livros de apócrifos. O que consiste em um erro terminológico, pois os
livros apócrifos são aqueles recusados tanto por protestantes quanto por católicos.

FIGURA 5 – A SEPTUAGINTA

FONTE: <https://mytheoblogy.files.wordpress.com/2012/11/septuagint-manuscript.jpg?w=497>.
Acesso em: 17 maio 2021.

Os primeiros cristãos, incluindo o próprio Jesus Cristo, liam a Septuaginta.


A tradução grega que incluía alguns livros e partes de livros a mais do que a Bíblia
hebraica. No final do primeiro século, quando os cristãos foram expulsos das sinagogas,
os rabinos judeus decidiram aceitar somente os livros que constavam no original
hebraico, o chamado cânon restrito, enquanto os cristãos continuaram com o cânon
amplo (Bíblia grega). Após a Reforma Protestante em 1517, com o intuito de "voltar às

15
origens", o protestantismo adotou o cânon judaico, o cânon restrito. Por isso há uma
diferença entre a Bíblia católica e a Bíblia protestante. Porém, para os que acreditam
nela, a mensagem é uma só.

A reivindicação da Bíblia quanto à sua origem divina é amplamente


justificada pela sua influência histórica. Seus manuscritos são
contados aos milhares. Mal o NT havia sido reunido como um
todo, e já havia traduções em latim, siríaco e egípcio. Hoje, não há
nenhum idioma no mundo civilizado que não possua a Palavra de
Deus. Nenhum outro livro já foi tão cuidadosamente estudado, nem
teve tanta coisa escrita a respeito dele. Sua influência espiritual é
inestimável. É preeminentemente o Livro – a Palavra de Deus na
linguagem do homem (MOUNCE, 2009, p. 172-173).

A Bíblia é um documento histórico, mas principalmente teológico, do judaísmo


e do cristianismo. É muito comum a Bíblia ser criticada por estar em desacordo com
a biologia, com a arqueologia ou com outras ciências. É importante que se diga que
tais críticas não são pertinentes. Apesar de conter informações profundas e algumas
até cientificamente comprovadas, a Bíblia não foi escrita para tal finalidade e nem para
o crivo da ciência moderna. Para a finalidade com a qual foi escrita, a Bíblia cumpre
cabalmente o seu papel. Qual seja, o de mensagem teológica da redenção humana.

INTERESSANTE
Nos livros originais da Bíblia não havia separação entre as palavras,
nem vogais, sem sinais de pontuação e nem títulos. No século XIII, foi
feita a divisão em capítulos e, no século XVI, em versículos. E os dois
Testamentos encadernados juntos só acontece no século XV, com a
invenção da imprensa.

FIGURA 6 – MANUSCRITO HEBRAICO

FONTE: <https://www.pinterest.cl/pin/312507661627476689/>. Acesso em: 17 maio 2021.

16
QUADRO 2 – BÍBLIAS HEBRAICA, GREGA, CATÓLICA E PROTESTANTE

BÍBLIA HEBRAICA (TANAK)


Nebiîm
Torá Ketubiîm
(profetas)
(Lei) (Escritos)
Anteriores Posteriores
Salmos
Isaías

Jeremias
Provérbios
Ezequiel
Rute
Gênesis 12 Profetas Menores:
Josué Cantares
Êxodo Oséias, Joel, Amós,
Juízes Eclesiastes
Levítico Abdias, Jonas,
1+2 Samuel Lamentações
Números Miquéias, Naum,
1+2 Reis Ester
Deuteronômio Habacuc, Sofonias,
Daniel
Ageu, Zacarias,
Esdras+Nemias
Malaquias
1+2 Crônicas
BÍBLIAS GREGA, CATÓLICA E PROTESTANTE
ANTIGO TESTAMENTO (Com base na LXX)
NOVO TESTAMENTO
Grifo: livros deuterocanônicos (recusados pelos protestantes)
[Grifo]: apócrifos ou pseudepigráficos (recusados por protestantes (Católico – Protestante
e católicos)
Livros históricos
Evangelhos e Atos:
Gênesis
Mateus, Marcos,
Êxodo
Lucas, João, Atos
Levítico Livros proféticos
Números Isaías
Cartas paulinas:
Deuteronômio Jeremias
Livros sapienciais Romanos, 1/2
Josué Lamentações
Salmos Coríntios, Gálatas,
Juízes Baruc
[Odes] Efésios, Filipenses,
Rute Ezequiel
Provérbios Colossenses, 1/2
1/2 Rs (= 1/2 Sm) Dn (+ fragmentos
Eclesiastes Tessalonicenses, 1/2
3/4 Rs (= 1/2 Rs) deuterocanônicos)
Cantares Timóteo, Tito, Filemon,
1/2 Paralipômenos 12 Profetas Menores:
Jó Hebreus
(= 1/2 Cr) Oséias, Amós,
Sabedoria
[1 (ou 3) Esd] Miquéias, Joel,
Sirácida Cartas católicas
2 Esd (=Esd/Ne) Abdias, Jonas, Naum,
[Salmos de Salomão] ou universais:
Est (+ fragmentos Habacuc, Sofonias,
Tiago, 1/2 Pedro, 1/2/3
deuterocanônicos) Ageu, Zacarias,
João, Judas,
Judite Malaquias
Tobias
Apocalipses:
1/2 Macabeus
Apocalipse
[3/4 Macabeus]

FONTE: Konings (1998, p. 12-13)

17
10 COISAS QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A BÍBLIA COMO LITERATURA

Leland Ryken

1 A ideia da Bíblia como literatura não começa na era moderna.

Como fiz carreira como defensor da Bíblia como literatura por meio século,
adotei a estratégia de primeiro limpar do terreno as concepções equivocadas e só
depois fazer a defesa positiva da importância de ler e interpretar a Bíblia preservando
sua natureza literária. Uma vez que a expressão “bíblia como literatura” entrou em
cena em meados do século XX, é compreensível que evangélicos tenham receio da
ideia. Contudo, grandiosos baluartes teológicos do passado, como Agostinho, Lutero
e Calvino, jamais duvidaram de que a Bíblia tivesse qualidades literárias.

2 Ver a Bíblia como literatura não é necessariamente um sinal de liberalismo


teológico.

Como os eruditos bíblicos liberais estão mais inclinados que os conservadores


a adotar abordagens literárias da Bíblia, é fácil associar tais abordagens ao liberalismo
teológico; no entanto, não há conexão necessária entre eles. Começo meu curso
de literatura na Bíblia com a leitura de dez declarações de autores bíblicos sobre
a natureza singular da Bíblia – sua inspiração, sua infalibilidade e assim por diante.
Em seguida, digo que, para mim, um estudo literário da Bíblia começa onde começa
qualquer outro estudo dela – afirmando como verdade tudo que a Bíblia diz acerca
de si mesma. Não vejo conflito entre o que creio teologicamente acerca da Bíblia e
meu estudo literário dela.

3 Dizer que a Bíblia é literatura não precisa implicar que seja ficcional e
não factual.

A maior parte da literatura é ficcional em algum nível, mas a ficcionalidade


não é um traço definidor da literatura. Uma obra escrita é literária sempre que os
autores empregam técnicas literárias, independentemente de registrarem o que
realmente aconteceu ou inventarem os fatos narrados.

4 Quando encontramos qualidades literárias na Bíblia, não estamos


acrescentando esses traços a ela.

Para pessoas não familiarizadas com a abordagem literária da Bíblia, pode


parecer que eruditos literários estão acrescentando algo à Bíblia, mas esta é uma
impressão falsa. Quando interagimos com a Bíblia usando ferramentas literárias de
análise, não estamos acrescentando algo, mas descobrindo o que já está no texto.
Não podemos tratar a história de Sansão como uma tragédia literária se esta não
tiver as qualidades desse gênero.

18
5 A ideia da Bíblia como literatura começou com os escritores da Bíblia.

Foram os escritores da Bíblia que nos deram uma Bíblia literária, de modo
que a origem do conceito pode remontar a eles. Temos uma pista disso no modo
como alguns autores bíblicos falam com precisão técnica dos gêneros literários em
que escreveram – salmo, crônica, cântico, parábola, epístola, apocalipse e outros.
Entretanto, a principal evidência é a natureza literária do que escreveram. Cada
página da Bíblia contém ao menos algum exemplo de técnica literária, e muitas
páginas estão inteiramente repletas delas.

6 O tema da literatura é a experiência humana.

Várias qualidades tornam um texto literário, e é fácil negligenciar o princípio


mais básico e universal da literatura – o princípio que diz respeito ao conteúdo da
literatura. A literatura toma a experiência humana como tema. Quando lemos uma
obra literária, compartilhamos uma experiência. A literatura é veraz perante a vida
e a experiência, e não é em primeiro lugar um sistema de transmissão de ideias.
Uma abordagem literária da Bíblia identifica e revive as experiências humanas retratadas
e evita reduzir a Bíblia a um conjunto de ideias.

7 A literatura é uma corporificação e uma encarnação de seu tema.

Professores que ensinam literatura e escrita criativa alegam que a literatura


mostra em vez de dizer. “Mostrar” é encarnar concretamente; “dizer” é expressar uma
abstração ou uma ideia. O sexto mandamento nos diz “não matarás”. A história de
Caim e Abel (Gênesis 4,1-16) mostra e encarna essa verdade, e o faz sem usar a
abstração do assassinato e sem ordenar-nos que nos abstenhamos dele. Quando o
jovem rico pediu que Jesus definisse o próximo, Jesus, em vez disso, contou uma
história (a parábola do bom samaritano) que nos mostra como é o comportamento
amoroso. Uma abordagem literária da Bíblia interage com as experiências encarnadas
que os autores bíblicos põem diante de nós.

8 Talento artístico é uma parte importante da natureza literária da Bíblia.

Deus não desprezou a beleza quando criou o mundo e tampouco a desprezou


quando supervisionou a redação da Bíblia. As partes literárias da Bíblia estão repletas
de destreza artística, e prestar atenção a ela e desdobrá-la mediante análise é
uma parte importante de uma abordagem literária da Bíblia. Ao fazê-lo, pode-se
acrescentar uma dimensão e um nível de apreciação inteiramente novas à leitura
e ao estudo da Bíblia. Adicionalmente, precisamos operar com base na premissa
de que os autores bíblicos consideravam importante e digno de atenção tudo que
punham em suas obras, inclusive os aspectos artísticos.

19
9 Respeitar os aspectos literários da Bíblia é uma forma de observar as
intenções dos autores bíblicos.

Por muito tempo, a pedra angular da hermenêutica evangélica foi a intenção


autoral – a necessidade de interpretar uma passagem preservando a intenção inferida
do autor. É hora de colocarmos a abordagem literária da Bíblia sob esta rubrica. É
lógico que, se um autor bíblico confiou sua mensagem a formas e técnicas literárias,
ele pretendia que aplicássemos métodos comuns de análise literária ao texto.

10 Ler a Bíblia como literatura está ao alcance da capacidade de qualquer


leitor.

Como a maioria dos evangélicos prestam pouca atenção à natureza


literária da Bíblia, perpetua-se o equívoco de que a abordagem literária da Bíblia é
especializada e técnica. Na verdade, tudo que ela exige é que apliquemos à Bíblia
o que sabemos acerca da literatura em geral. Todos tivemos aulas de literatura
na faculdade ou no ensino médio em que aprendemos que enredo, cenário e
personagens são os elementos de uma história, e que poetas pensam em imagens e
figuras de linguagem. Tudo que precisamos fazer é pôr em prática o que já sabemos
enquanto lemos e interpretamos a Bíblia.

FONTE: <http://monergismo.com/novo/cosmovisoes/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-biblia-
como-literatura-leland-ryken/>. Acesso em: 17 maio 2021.

20
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A origem e a evolução do conceito de cultura desde John Locke até os dias atuais.

• Cultura como conceito apropriado. A utilização do conceito de cultura por diversos


campos do saber, grupos étnicos, minorias e movimentos sociais e emancipatórios.

• Cultura como conceito antropológico. Seu desenvolvimento dentro da Antropologia,


de Tylor a Geertz, do funcionalismo aos pós-modernos.

• A origem francesa do conceito de cultura. Concepção fundamentada na ideia de


progresso material e científico, unilinear e universal.

• A origem alemã do conceito de cultura. Concepção fundamentada nos valores


nacionais, espirituais, na genialidade individual, nas emoções e nas forças obscuras.

• A Bíblia, sua origem, sua história, sua relevância para os povos semitas e para a
civilização ocidental.

• A Bíblia e suas especificidades. Suas divisões; Antigo Testamento e Novo Testamento,


a Tanak, a Septuaginta, a Bíblia cristã católica e a Bíblia protestante.

• A Bíblia e sua importância para os judeus e para os cristãos. Sua importância como
orientação traditiva para os judeus, na sua formação e desenvolvimento enquanto
povo e como regra de fé para os cristãos.

21
AUTOATIVIDADE
1 A cultura, assim com outros conceitos fundamentais, desde a sua origem passa
por um processo de debates, disputas teóricas, polissemias e apropriações por
outros campos do conhecimento. Por se tratar de um conceito que diz respeito a
todas as dimensões da vida humana, o conceito de cultura acabou se tornando
o objeto próprio da Antropologia. Elabore um texto dissertativo, apresentando o
conceito antropológico de cultura e o conceito de cultura apropriado por campo de
conhecimento ou segmento social.

2 O ser humano é um ser simultaneamente biológico e cultural, pois é constituído


tanto por aspectos biológicos como culturais. É um ser biológico porque faz parte
da natureza e, como tal, apresenta características comuns aos outros seres vivos,
tais como comer, andar, dormir, brincar, acasalar, procriar etc. Como ser cultural,
ao contrário de outros animais que nascem já adaptados à natureza e agem por
instinto, o ser humano produz cultura e a transmite e adapta aos seus descendentes,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O ser humano é um ser biocultural porque nasce de forma natural, mas torna-se um
ser cultural.
( ) A natureza é o reino do mundo selvagem, incluindo os povos primitivos que não
foram ocidentalizados, civilizados.
( ) O ser humano não possui especializações corporais assim como os animais, porém,
cria especializações superficiais que supera a dos animais.
( ) O ser humano é um ser biocultural porque possui um corpo com necessidades
naturais e fisiológicas. Não obstante, vivencia essas necessidades de acordo com a
sua cultura.

Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) V – V – F – F.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) F – V – F – V.

3 A Bíblia é o livro mais lido na atualidade. Ela foi composta por um longuíssimo período
de mais ou menos três mil anos de tradição oral, redações primitivas, redações
posteriores, várias cópias e uma centena de versões e traduções. Seus livros são
compostos por múltiplos gêneros literários, dos quais constam salmos, crônicas,
cânticos, parábolas, epístolas, apocalipses e outros. Com relação à Bíblia, assinale a
alternativa CORRETA:

22
a) ( ) A Bíblia é a religião das três maiores religiões do mundo; cristianismo, judaísmo e
islamismo.
b) ( ) A Bíblia é um livro literário como qualquer outro.
c) ( ) A Bíblia judaica, católica e protestante é a mesma Bíblia.
d) ( ) O fato de a Bíblia ser um livro literário que possui vários gêneros, em nada altera
o fato dela ser um livro sagrado.

4 A Bíblia é um livro sagrado que serve de regra de fé e orientação moral para milhões
de indivíduos. Por outro lado, é um importante patrimônio universal por fazer parte dos
documentos históricos escritos mais antigos da humanidade. Analise os enunciados
a seguir:

I- A Bíblia é um dos importantes documentos históricos da civilização indo-europeia.


II- A Bíblia é uma coleção de livros redigida originalmente em dezenas de línguas.
III- A Bíblia é um livro de regiões monoteístas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado III está correto.

23
24
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
A TERRA: CANAÃ, ISRAEL, PALESTINA

1 INTRODUÇÃO
A terra do povo da Bíblia é uma pequena faixa de terra com extensão territorial
de apenas 22.000 km². A Palestina, como é conhecida na historiografia universal é
do tamanho do menor estado brasileiro, o estado de Sergipe. Para se ter uma ideia,
caberiam sete Palestinas dentro do estado do Amazonas, o maior estado brasileiro,
porém, a inexpressividade topográfica da Palestina contrasta com a sua importância
geográfica, estratégica, política e econômica.

Situada na costa oriental do Mar Mediterrâneo, ponto de convergência entre a


Europa, a Ásia e a África, a Palestina era uma das mais importantes rotas comerciais do
mundo antigo. Também era através da Palestina que se estabelecia a conexão entre o
oriente e o subcontinente indiano. É nesta região que os hebreus e posteriormente
Israel se estabelece. Numa terra geograficamente aberta para a influência dos povos
do Mediterrâneo, dos povos da Ásia Menor e principalmente, aberta para a influência de
duas grandes civilizações, o Egito e a Mesopotâmia.

FIGURA 7 – CANAÃ: IDADE DO BRONZE

FONTE: <https://super.abril.com.br/wp-content/uploads/2016/09/super_imgmapa_exodo.
jpg?quality=70&strip=info>. Acesso em: 17 maio 2021.

25
Palestina sempre foi uma região muito cobiçada por causa de sua posição
estratégica. Foi palco de muitos conflitos e disputas. Entre tantos conflitos, invasões e
destruições, dois eventos em especial estão entre os mais traumáticos para a memória
judaica. No ano 200 a.C. Antíoco Epifânio, um rei da dinastia dos selêucidas, proíbe a
prática do judaísmo, desfigura o templo e o dedica à Zeus. E no ano 135 d.C. o imperador
romano Adriano, constrói sobre as ruínas de Jerusalém uma cidade romana, Aelia
Capitolia. Ergue um templo dedicado a Júpiter e muda o nome da Judéia para Síria-
Palestina para apagar qualquer ligação com os judeus.

IMPORTANTE
Quando se trata da Geografia Bíblica, o interesse não é estudar
apenas os povos e as terras do Oriente, mas conhecer o cenário
onde os acontecimentos bíblicos vieram a acontecer, para que
se possa compreender melhor a história do relacionamento de
Yahweh com seu povo, através do estudo da influência que as
características físicas e ambientais da região exerceram sobre os
personagens da epopeia bíblica.

FIGURA 8 – ARQUEOLOGIA EM ISRAEL E ORIENTE PRÓXIMO

FONTE: <http://twixar.me/qR8m>. Acesso em: 17 maio 2021.

FIGURA 9 – COLUNAS ROMANAS, RUÍNAS EM AELIA CATOLINA

FONTE: <http://twixar.me/rR8m>. Acesso em: 17 maio 2021.

26
2 TOPONÍMIA
A identificação dos nomes de localidades da antiguidade não é tarefa fácil. No
caso da Palestina, por ser uma região palco de disputas imperiais, e que possui um rico
acervo arqueológico, os topônimos da religião foram registrados e conservados. Quanto
à delimitação das fronteiras e cronologia não se pode exigir muito.

Na maioria das vezes a localidade recebia o nome do povo ocupante, mas


também ocorria o inverso. Fato que torna ainda mais difícil para o estudo da toponímia,
dado que durante toda a Idade do Bronze (2.000 a.C. – 1.200 a.C.) os povos semitas se
deslocavam constantemente por toda a região.

O topônimo Canaã (do hebraico Kna’an) é provavelmente uma referência ao


neto amaldiçoado de Noé, filho de Cão (cf. Gênesis 9, 18; 22-27). A esse descendente
de Noé estariam ligados grupos semitas que historicamente habitavam a Fenícia e em
partilhar, a Síria-Palestina (DOUGLAS, 2006). Canaã era o nome dado à Palestina antes
da ocupação dos hebreus. Pelos hebreus, a região sempre foi chamada de Canaã e
posteriormente Israel, nunca de Palestina.

O termo Palestina não é um termo usado na Bíblia. É o termo com o qual a região
tornou-se conhecida na historiografia mundial. O termo vem dos gregos antigos que
apelidaram assim a região, por causa dos povos que habitavam a região costeira, os
filisteus, filistim (em hebraico plishtim).

A administração romana denominava a região da Judéia. Na atualidade, a região


abrange o Estado de Israel, em que predomina a população judaica. E o Estado Palestino,
em que predomina a população palestina e árabe (KONINGS, 1998).

3 LOCALIZAÇÃO E CLIMA
A Palestina ou Israel está localizada na costa oriental do Mar Mediterrâneo.
Encontra-se latitudinalmente no hemisfério Norte. Por isso, possui diferenças marcantes
entre as estações climáticas. Pode ocorrer neve durante o inverno e ter verões bem
ensolarados. Faz fronteira ao Norte com a Fenícia, atual Líbano; ao Sul com o Egito; ao
Leste faz fronteira com Amon e Moabe, atual Jordânia; e Nordeste com Aram, Atual Síria.

Na época em que os hebreus chegam à Palestina, o território palestino nesse


período era composto por quatro regiões: a faixa junto ao Mar Mediterrâneo; uma zona
de montanhas e colinas áridas; uma faixa estreita entre o Jordão; e os semiáridos que
pertencem ao deserto da Síria e Arábia. Em geral, uma região que não favorecia a prática
da agricultura (BARBOSA, 2009).

27
FIGURA 10 – MAPA MUNDI LOCALIZAÇÃO DE ISRAEL

FONTE: <https://vamospraonde.com/wp-content/uploads/2016/12/israel-mapa-1024x507.jpg>.
Acesso em: 17 maio 2021.

INTERESSANTE
A Palestina é atravessada de norte a sul por montanhas
beirando uma depressão ou fosso geográfico, pelo qual
desce o rio Jordao, que desemboca no Mar Morto –
chamado assim porque a evaporação elevou seu teor
salino a ponto de impossibilitar a vida em suas águas.

4 O CRESCENTE FÉRTIL
Em relação à localização mais ampla, a Palestina está situada no que hoje se
chama de Oriente Médio. Na antiguidade essa região era conhecida como Crescente
Fértil, o cenário pano de fundo da história bíblica. É uma faixa territorial em formato
semicircular, uma meia lua, de terras férteis que se estendem do Egito até o Golfo
Pérsico, passando pelas planícies da Palestina e da Mesopotâmia (KONINGS, 1998).

28
FIGURA 11 – MAPA DO CRESCENTE FÉRTIL

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/wp-content/uploads/2018/10/crescente-fertil.jpg>.
Acesso em: 17 maio 2021.

O crescente fértil foi historicamente habitado por diversos povos e civilizações


desde os mais primitivos estágios da humanidade. Os povos antigos assim o
denominavam por ser uma região extremamente propícia à agricultura, literalmente
"rasgando" áreas desérticas completamente inóspitas, impróprias para povoamento
constante e estável. O Crescente é fértil em contraposição aos desertos e cadeias
de montanhas que o cercam uma região com uma importância única para a história
universal. Veja o comentário:

Apesar de o Crescente Fértil abranger diversos países, suas


extremidades não se encontram tão distantes assim: de Egito até
ao Golfo Pérsico são 2.000 km – a distância de Belém a Brasília. As
rotas comerciais que atravessavam a região eram disputadas pelas
“forças imperiais”, ora da Mesopotâmia (assírios, babilônios, persas),
ora do Egito. E entre o rochedo e o mar, o marisco que sofre é a terra
de Canaã/Israel, mas, em vez de comparar a terra de Israel a um
marisco, poderíamos compará-la a uma pérola, pois as sucessivas
ondas de conquista imperialista não desalojaram o povo de Israel
ali encrustado, mas antes forneceram-lhe a experiência histórica e
religiosa única, que fez nele se desenvolver a pérola que chamamos
a Bíblia (KONINGS, 1998, p. 29).

Existe uma crença medieval que diz que Jerusalém é o centro do mundo.
Segundo Douglas (2006), num certo sentido, tal crença não é tão absurda, “pois o
minúsculo corredor sírio, que une o mundo da Europa, da Ásia e da África, os cinco
mares Mediterrâneos, Negro, Cáspio, Vermelho e Golfo Pérsico, é o lugar onde a maior
massa de terra do nosso planeta, se transforma num istmo” (DOUGLAS, 2006, p. 977).

29
FIGURA 12 – MAPA DE JERUSALÉM NO CENTRO DO MUNDO

FONTE: <https://bit.ly/3opt6db>. Acesso em: 17 maio 2021.

5 A CAPITAL
A afirmação de que Jerusalém está no centro do mundo não é um exagero
quando se compreende que esta é a cidade sagrada para os cristãos, judeus e
muçulmanos. Estamos falando de mais da metade da população do planeta, 55,48%, o
que equivale a 4 bilhões e 327 milhões de pessoas.

A crença de que uma terra foi dada por Deus, impede que esta terra seja
entregue ou até mesmo dividida. O fato de ser um solo sagrado é usado politicamente,
colocando Jerusalém no centro da questão geopolítica mundial.

Não há registro de uma cidade que tenha sido tão disputada nos últimos quatro
mil anos. De fato, Jerusalém é a cidade mais disputada da história. Seus números são
impressionantes. A cidade foi palco de cento e dezoito conflitos nos últimos quatro mil
anos. Duas vezes destruída, vinte três vezes sitiada, cinquenta e duas vezes atacada e
quarenta e quatro vezes capturada (SZKLARZ, 2008).

Jerusalém foi fundada por volta de dois mil a.C. Há inscrições egípcias antigas
que mostram o interesse dos faraós pela cidade em mil e novecentos a.C. No século
seguinte, a cidade torna-se um núcleo urbano pelas mãos dos cananeus. Estes serão
conquistados por semitas descendentes de Canaã filho de Noé, os jebuseus. É contra
este povo que Davi luta e conquista Jerusalém, fazendo dela a capital de seu reino
(DOUGLAS, 2006; SZKLARZ, 2008).

30
Jerusalém, que em hebraico (Yerushalem), significa “cidade da paz”, segundo
atribuição encontrada no Antigo Testamento em hebraico (Jeremias 26, 18) e no
aramaico em (Esdras 5, 14). Jerusalém é uma cidade de muitos topônimos, de muitas
denominações. Também chamada de Sião (Tzion), provavelmente por causa da fortaleza
jebusita próxima à cidade na época em que a cidade foi conquistada pelo monarca Davi.

Davi quanto se torna rei, sua capital era Hebrom. Percebeu que Jerusalém tinha
uma localização diplomaticamente estratégica entre as tribos de Benjamim e Judá. Ao
conquistá-la, Jerusalém passa a ser conhecida também com a “cidade de Davi” (ir David)
(2 Samuel 5, 6-8). Posteriormente, seu filho Salomão constrói o templo e Jerusalém se
torna a “cidade santa” (ir qodesh) (2 Samuel 5, 9).

FIGURA 13 – RUÍNAS DO TEMPLO DE SALOMÃO

FONTE: <https://bit.ly/2SOOg8L>. Acesso em: 17 maio 2021.

31
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A Palestina, sua origem e história. De terra primitiva dos filisteus até se tornar terra
prometida dos hebreus. Sua localização e principais características históricas,
culturais e ambientais. Sua importância estratégia, sua ocupação e os diversos
capítulos de domínio e disputas.

• A Palestina, uma terra de múltiplos significados. A história da toponímia da Palestina.


A Filistia, a Palestina, a Canaã e o Israel.

• A Palestina, a terra dos judeus, e o cenário do nascimento da Bíblia. A história da


Palestina, o cenário, o contexto vital mais importante e o que mais influenciou na
formação dos judeus e dos escritos bíblicos.

• O Crescente Fértil e sua importância para as civilizações do mundo antigo. Uma


das regiões mais importantes do Mundo Antigo. Berço das principais civilizações,
culturas e religiões. Uma região em constante disputa em função de sua localização
estratégica.

• A capital Jerusalém, sua história e sua importância para os judeus. A antiga cidade
dos jebuseus. Uma cidade que foi berço do esplendor da monarquia hebraica, uma
das cidades mais amadas e mais disputada da história.

32
AUTOATIVIDADE
1 A Palestina é uma região semiárida de estepes. Batizada há muito com o nome de
Terra Santa, igualmente conhecida por Cananeia, ou terra de Canaã, consiste numa
estreita faixa territorial a sudoeste do Líbano, banhada a leste pelo mar Mediterrâneo
e dividida pelo rio Jordão, em duas partes: a leste, a Transjordânia; e a oeste, a
Cisjordânia, onde se encontra, presentemente, o Estado Judeu ou de Israel. No ponto
de vista da macro localização, a Palestina encontra-se no Oriente Médio, no meio
do Crescente Fértil, entre a Mesopotâmia e o Egito. Elabore um texto dissertativo,
destacando o fator de contraste da localização da Palestina em relação à Mesopotâmia
e ao Egito e suas consequências na história de Israel.

2 A palestina sempre foi uma região de muitas disputas, várias ocupações sobrepostas
e uma terra de muitos nomes. Sobre os topônimos da Palestina, associe os itens,
utilizando o código a seguir:

I- Palestina.
II- Canaã.
III- Israel.

( ) Terra prometida ao patriarca Abraão por meio de um pacto de vassalagem com Yahweh.
( ) Nação surgida das tribos e remanescentes que sobrevivem a invasões e deportações.
( ) Região denominada pelo Império Romano em referência aos antigos habitantes
filisteus.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II.
b) ( ) I – II – III.
c) ( ) II – II – I.
d) ( ) I – II – III.

3 O Crescente Fértil foi uma importante região, especialmente para o início da


sedentarização de diversos povos. Ela leva esse nome porque, localizada entre os
rios Tigre, Eufrates, Jordão e Nilo, tem um formato que se assemelha ao de uma
lua crescente. Foi nessa região que se desenvolveram as primeiras populações
sedentárias da humanidade, que passou pela revolução agrícola e, posteriormente,
pela revolução urbana. Com relação ao Crescente Fértil, marque a alternativa
CORRETA:

33
a) ( ) O Crescente Fértil tem esse nome porque está cercado por regiões desérticas.
b) ( ) O Crescente Fértil deve sua fertilidade aos rios Tigres e Eufrates.
c) ( ) O Egito faz parte dessa região, mas não por causa de fatores naturais e sim por
questões religiosas.
d) ( ) A região mais fértil do Crescente Fértil é a Palestina.

4 Para os judeus, Jerusalém é considerada divina porque foi a capital do Reino de Davi.
Esse também foi o local onde o Rei Salomão construiu o templo para guardar a Arca
da Aliança. Sobre Jerusalém, analise os enunciados a seguir:

I- Jerusalém, cujo significado em hebraico é “cidade da paz”, faz jus à alcunha pelo
fato de ter experimentado milênios de paz.
II- Sião e Jerusalém são a mesma cidade.
III- Jerusalém é a antiga fortaleza dos jebuseus.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado III está correto.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
O POVO: OS HEBREUS E OS SEMITAS

1 INTRODUÇÃO
“Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o
Senhor teu Deus com todo e teu coração, com toda a tua alma e
com todas as tuas forças”.
(Lei Mosaica)

Neste tópico, apresentaremos, sumariamente, algumas informações sobre os


povos que mantiveram contato com os hebreus. Por isso, acadêmico, selecionamos
informações pontuais sobre a cosmovisão, a mitologia, o modo de vida e a religião destes
povos que influenciaram e foram influenciados pelos hebreus. O estilo de vida destes
povos deve sempre ser analisado a partir da perspectiva de elementos de aproximação
e semelhança ou de distanciamento e contraste com os hebreus. Fique atento para esta
indicação.

Dentro da cronologia arqueológica, a história dos hebreus tem como pano de


fundo o período que vai da Idade do Bronze Médio (± 2.000 a.C.) ao período Helênico-
Romano (90 d.C.) (Vide quadro da classificação arqueológica de Israel – Quadro 3). Essa
história se inicia com o patriarca Abrão (‘avram), cujo significado mais provável é “o pai
exaltado”, que após o pacto de vassalagem estabelecido com o Deus ‘el, tem o nome
alterado para Abraão (‘abraham), “pai de multidões”.

Sobre a questão da datação da antiguidade, a cronologia dos tempos antigos é


uma matéria complexa pela amplitude temporal e dificuldade de informações precisas.
As ciências históricas e arqueológicas têm avançado na identificação mais precisa
acerca de eventos e períodos longínquos, aceitando convencionalmente alguns marcos
de datação da historiografia universal. Veja o que diz Barbosa (2009, p. 56):

Antes de tudo é preciso esclarecer qual temporalidade é analisada


neste livro: a Antiguidade. Como conceito histórico para a Escola
Metódica, o termo Antiguidade refere-se, essencialmente, a um
período bastante longo e impreciso, delimitado entre a constituição
das primeiras civilizações (por volta de 10.000 a.C., apesar de
haver questionamentos em relação a essa datação) e a queda do
Império Romano do Ocidente (ocorrida em 476 d.C.). A Antiguidade
é compreendida então pelos metódicos como a divisão entre a
civilização e a barbárie ou mesmo como o berço da civilização.

35
O patriarca hebreu Abraão é um semita que vivia na Mesopotâmia, mais
especificamente em Ur, uma importante cidade-estado suméria, atual sul do Iraque.
Variáveis do seu nome aparecem em escritos cuneiformes dos séculos XIX e XVIII a.C.
na região (DOUGLAS, 2006). Não há informações suficientes do estilo de vida de Abraão
na Mesopotâmia, se era nômade ou sedentário. Por ser uma cidade de pujança urbana
e econômica, acredita-se que a vida de Abraão pregressa à Canaã era sedentária. E que
Abraão era um homem de posses, conforme (Gênesis 14,14).

De acordo com a historiografia judaica, num dado momento de sua vida, já na


maturidade, Abraão estabelece um pacto com o Deus ‘el, que lhe ordena deixar sua
terra, seus parentes e seu modo de vida para viver como nômade em busca de uma
terra que seria dada a ele e a sua posteridade – Canaã, “a terra prometida”.

De acordo com a perspectiva de Merrill (2001), é provável que Abraão vivia


como um pagão na Mesopotâmia, conforme o estilo de vida de seu clã. Por mais que
a historiografia estabeleça a ligação genealógica entre Abraão e Sem, a “linhagem boa de
Noé”, o mais provável é que houve um distanciamento do estilo de vida entre a linhagem
de Sem e os semitas contemporâneos de Abraão, o que justifica a sua convocação e
missão dada pelo Deus ‘el. Ao migrar da Mesopotâmia para Palestina, Abraão abandona
o politeísmo, dando início à religião monoteísta e à nação que se tornará Israel.

QUADRO 3 – CLASSIFICAÇÃO CRONO-ARQUEOLÓGICA DE ISRAEL

1. IDADE DO BRONZE OU PERÍODO CANANEU


Bronze Primitivo Cananeu 3.200 – 2.600 a.C.
Bronze Intermediário Cananeu 2.600 – 2.200 a.C.
Bronze Médio Cananeu 2.200 – 1.750 a.C.
Bronze Recente 1.750 – 1.200 a.C.

2. IDADE DO FERRO OU PERÍODO ISRAELITA


Idade do Ferro Primitivo 1.200 – 950 a.C.
Idade do Ferro Médio 970 – 840 a.C.
Idade do Ferro Recente 840 – 330 a.C.

3. PERÍODO HELÊNICO
Helênico I 330 – 165 a.C.
Helênico II – Período Macabeu 165 – 63 a.C.

4. PERÍODO HELÊNICO-ROMANO 63 – 70 d.C.


5. PERÍODO ROMANO 70 – 330 d.C.

FONTE: Adaptado de Douglas (2009, p. 87)

36
2 OS HEBREUS
O Período dos patriarcas é o primeiro das três fases de presença dos hebreus na
Palestina. Esta fase se inicia com Abraão, Isaque e Jacó em 1900 a.C. e vai até o Êxodo
com Moisés e a entrada na terra prometida com Josué por volta de 1250 a.C. A segunda
fase vai do Êxodo até a formação do judaísmo antigo no século V a.C. E a terceira fase
vai do judaísmo antigo até o século II d.C. com a perseguição e expulsão dos judeus
pelos romanos.

O clã de Abraão se estabelece na Palestina, com consequente desenvolvimento


do monoteísmo e multiplicação de sua descendência. A Palestina era chamada de
Canaã e seus habitantes de cananeus. Nesse contexto, Israel está no meio do Crescente
Fértil, cercado por nações, que eles chamam de “gentes”, do hebraico goyim, daí o termo
gentios. Os cananeus não eram um único povo ou uma única etnia. Era um conjunto
de povos semitas com diversas denominações. E apesar do parentesco étnico com
os semitas e até os mais próximos, com os ismaelitas (árabes), os hebreus apenas
consideravam como sendo seus, os filhos da promessa. Aqueles ligados à genealogia
de Jacó (Israel). A quem Yahweh fez a promessa (KONINGS, 1998).

FIGURA 14 – SACRIFÍCIO DE ISAAC (REMBRANDT)

FONTE: <https://de-academic.com/pictures/dewiki/50/220px-Rembrandt_Harmensz._van_Rijn_035.jpg>.
Acesso em: 17 maio 2021.

Durante todo o período patriarcal de Abraão e seus descendentes, Isaque


e Jacó, o povo de Israel viveu como nômade ou seminômade. Ainda pairam dúvidas
sobre esta questão. O fato é que o estilo de vida monádico marcou para sempre o ethos
judaico, como veremos na época do profetismo.

37
Os assentamentos de Israel eram em áreas que ficavam nos arredores das
cidades-estado, vilas e povoados urbanos. Pela grande ocorrência da palavra behemah,
indicando pequenos animais, provavelmente ovinos, jumentos, bois, cabras e camelos,
a criação de gado foi a principal atividade de subsistência dos israelitas (DOUGLAS,
2006). As evidências de sítios arqueológicos mostram que, excetuando os elementos
característicos e distintivos de Israel, não há grandes diferenças culturais entre os
israelitas e os cananeus (MERRILL, 2001).

De acordo com as análises de Kessler (2009), o conceito de Israel não é unívoco.


Trata-se de um longo desenvolvimento, de vários povos e várias culturas. Entretanto,
há três componentes constitutivos característicos: 1) a consciência de pertença étnica
(genealogia comum e evocação dos patriarcas; 2) a relação de pertença com a terra até
mesmo na diáspora; 3) a relação com Yahweh (KESSLER, 2009).

Desse modo, a partir das afirmações de Kessler (2009) sobre a tríade de


características distintivas de Israel é que se chega ao ponto central da compreensão
de toda a epopeia nacional de Israel. Toda a vida política, religiosa, cultural e econômica
orbita em torno desta tríade. Nesse sentido, a vida em Canaã deve ser compreendida
como um antítipo, uma escolha improvável em contraposição à Mesopotâmia e ao Egito.
Trata-se de uma questão de natureza ecológica, ambiental e geográfica ligada à terra da
promessa, que reverbera em todas esferas da vida de Israel.

A designação de ter que viver de escassez hídrica, que depende exclusivamente


da pluviosidade, contrasta com riqueza hídrica da Mesopotâmia e do Delta irrigado do
Egito. Esse é o grande desafio vivido por Israel: o de viver no meio de potências bélicas
e com certa fartura de recursos hídricos, no lugar em que Yahweh os colocou para que
dependessem exclusivamente Dele:

10
Com efeito, a terra em que vais entrar para possuí-la, não é como o
Egito de onde saíste, onde, depois de lançada a semente, devias regar
a terra com a força de teus pés, como se rega uma horta. 11A terra que
ides ocupar é uma terra de montes e vales, que bebe as chuvas do
céu. 12É uma terra de que o Senhor, teu Deus, toma cuidado, e para a
qual os seus olhos estão continuamente voltados do começo ao fim
do ano (Deuteronômio 11,10-12).

NOTA
Não há um consenso entre os estudiosos sobre a real diferença
entre nomadismo e seminomadismo. Além disso, a definição e
as diferenças dependem de uma série de variáveis, tais como o
tempo, a região e o tipo de sociedade. Uma tipologia amplamente
aceita, afirma ser, a presença da agricultura sazonal, a diferença
entre o nomadismo e seminomadismo, o que faz com que os
grupos seminômades tenham moradias permanentes, as quais
são abandonadas em algum período do ano.

38
QUADRO 4 – OS PATRIARCAS

O nascimento de Terá 2296


O nascimento de Abrão 2166
A partida de Abrão de Arã 2091
Hagar é dada por mulher a Abrão 2081
O nascimento de Ismael 2080
A reafirmação da aliança 2067
A destruição de Sodoma e Gomorra 2067
O nascimento de Isaque 2066
A morte de Sara 2029
O casamento de Isaque 2026
O nascimento de Jacó e Esaú 2006
A morte de Abraão 1991
O casamento de Esaú 1966
A morte de Ismael 1943
A viagem de Jacó a Arã 1930
Os casamentos de Jacó 1923
0 nascimento de Judá 1919
Final dos catorze anos de trabalho pelos quais Jacó obteve suas duas esposas 1916
O nascimento de José 1916
O final da estada de Jacó com Labão 1910
A chegada de Jacó a Siquém 1910
Diná é deflorada 1902
O casamento de Judá 1900
José é vendido 1899
José é preso 1889
José é libertado 1886
Morte de Isaque 1886
O início da fome 1879
Primeira visita dos irmãos de José ao Egito 1878
Judá comete incesto com Tamar 1877
Segunda visita dos irmãos de José ao Egito 1877
Descida de Jacó ao Egito 1876
Morte de Jacó 1859

FONTE: Merrill (2001, p. 29)

39
3 ETNONÍMIA
O estudo da etimologia, etnonímia, antroponímia e toponímia dos povos da
antiguidade é sempre um empreendimento árduo e complexo. São povos multiétnicos,
em intenso contato com outros povos, se deslocando constantemente, incorporando
elementos de várias línguas, somado à escassez de fontes históricas e arqueológicas.
No caso hebreu, o fato de terem vivido por longo tempo como escravos e nômades,
acabou por retardar o desenvolvimento da escrita. Deste modo, seus primeiros escritos
foram em outros idiomas semíticos, como no caso do livro de Jó, que Moisés teria
escrito em proto-sinaítico.

A etimologia do termo hebreu, em hebraico ‘ivrim, se perdeu ao longo do tempo.


Não se sabe se é um epônimo (nome atributivo de proteção/veneração), um etnônimo
(nome de atribuição étnica) ou um epíteto, uma alcunha dada por outra etnia.

Os estudiosos do tema – Douglas (2006); Kessler (2009); Merrill (2001) – têm


trabalhado com três principais possibilidades. A primeira é que o termo tenha como
origem o patriarca Éber (‘ever) bisneto de Sem. A segunda provável origem seria o termo
abar (‘abar), que significa “passar pelo meio”; “atravessar”. E a terceira origem seria o
termo habîru, uma alcunha com significado equivalente à “população estrangeira”;
“nômades”; “sem organização política”.

O termo hebreu aparece pela primeira vez na narrativa bíblica em (Gênesis


14:13) como designação étnica de Abraão. Posteriormente, ocorrem outras menções.
Na narrativa do Êxodo, os termos hebreus e Israel aparecem como equivalentes (Êxodo
5:1-3). Tal equivalência, provavelmente é fruto de uma redação posterior que projeta
sobre a narrativa mosaica o etnônimo (Israel) do período posterior – a monarquia.

FIGURA 15 – ESTELA DE TEL DÃ

FONTE: <https://i2.wp.com/www.biblestudywithrandy.com/wp-content/uploads/2014/06/House-of-David.
jpg?w=948&ssl=1>. Acesso em: 17 maio 2021.

40
O termo hebreu é substituído pelo termo Israel na transição do modo de vida
monádico para os assentamentos fixos e posterior constituição da monarquia. Os
hebreus ficam para trás com a vida de migrante, de “povo sem organização política” e
nasce Israel, como uma grandeza étnica, radicada em Canaã. Israel (Yisra’el) é o patriarca
neto de Abraão. Este teve seu nome trocado de Jacó (Yacob) para Israel por ocasião da
renovação do pacto de Yahweh com os descendentes do Abraão.

9
Quando Jacó voltou de Padã-Arã, Deus apareceu-lhe novamente e
o abençoou. 10 "Teu nome, disse-lhe ele, é Jacó. Tu não te chamarás
mais assim, mas Israel." 12 E chamou-o Israel. 11 Deus disse-lhe: "Eu sou
o Deus todo-poderoso. Sê fecundo e multiplica-te. De ti nascerão um
povo e uma assembleia de povos; e de teus rins sairão reis. 12 A terra
que dei a Abraão e a Isaac, eu te darei e à tua posteridade. 13 Depois,
Deus retirou-se de junto dele. 14 No mesmo lugar onde Deus lhe falou,
Jacó erigiu uma estela sobre a qual fez uma libação, e derramou óleo.
15
E deu o nome de Betel ao lugar onde Deus lhe tinha falado (Gênesis
35, 9-15).

Após séculos de transformações políticas, culturais, econômicas e sociais, as


doze tribos de Israel são substituídas por duas cidades-estados monárquicas. Reino
de Israel ao norte e reino de Judá ao sul. Depois de décadas de disputas entre os dois
reinos e invasões de nações inimigas, o reino do norte desaparece e o remanescente de
Israel é reduzido à tribo de Judá. Coube a este remanescente manter a pertença étnico-
cultural e religiosa do antigo Israel.

O termo judeu, em hebraico yehudi, como designação não apenas dos membros
da tribo de Judá, mas de todos os descendentes de Abraão surge no pós-exílio babilônico
no século VI a.C. No período posterior, do domínio persa, o termo judeu deixa de ser aplicado
de forma exclusiva aos israelitas e adquire a conotação religiosa, identificando todo
seguidor da religião judaica, pois outros povos se convertem à religião dos filhos de Abraão.

FIGURA 16 – ANTIGOS HEBREUS

FONTE: <http://www.templodeapolo.net/imagens/figuras/templodeapolo.net_
tmp729098023069548546.jpg>. Acesso em: 17 maio 2021.

41
As bases do judaísmo começam a ser formadas no exílio babilônico (586 – 539
a.C.). No pós-exílio é período de grandes e profundas transformações em Israel. É nesse
período que ocorre a redação da maioria dos escritos da Tanak, a Bíblia hebraica. A
Lei de Moisés passa a ter uma importância muito grande diante do desmantelamento
da vida litúrgica ligada ao templo. Como nem todos retornam do exílio, surge uma
relativa diferença entre os repatriados em Jerusalém e os exilados da diáspora. As
transformações que atingem estes dois grupos tornam-se elementos constitutivos da
formação e desenvolvimento do judaísmo (KONINGS, 1998).

Por mais que o judaísmo tenha relações profundas e constitutivas com a religião
de Israel do Antigo Testamento, trata-se da religião dos judeus, que nasce no exílio
babilônico e se consolida em 70 d.C., com a destruição do templo. Nesse sentido, essa
“nova religião” contrasta com a religião antiga (DOUGLAS, 2006).

O profetismo, gênero literário que vigora durante o exílio, transforma-se em


apocalipsismo, gênero muito difundido dentro do judaísmo. Há estudiosos como Douglas
(2006) e Konings (1998), que afirmam que o antigo Israel era a religião do tabernáculo e
do templo, enquanto o judaísmo é a religião do livro.

Por causa da importância e centralidade que a Torá adquirira para o judaísmo,


ela se tornara alvo de atualizações para corresponder aos anseios e demandas do
contexto histórico e cultural da comunidade judaica na Palestina e na diáspora. Tais
atualizações correspondem ao gênero midráxico. No judaísmo posterior ocorrem as
novas interpretações da Torá, que adquire o sentido mais de instrução do que de código
legal. Essas novas interpretações da Torá estão presentes no Talmude, Mishná e nas
interpretações alegóricas do judaísmo helênico.

NOTA
Sobre a confusão dos etnônimos: 1) hebreu – Abraão o patriarca
era chamado de hebreu; 2) Israel – os filhos e netos de Abraão eram
chamados de Israel; 3) judeu – após o exílio babilônico, os descendentes
de Davi, da tribo Judá, eram chamados de judeus; 4) israelense – todo
cidadão do Estado moderno de Israel, independente da origem étnica.

4 OS SEMITAS
A ideologia do purismo étnico, cultural e nacional sempre foi e ainda é uma
estratégia utilizada por grupos humanos como forma de afirmação de sua identidade.
A partir das sumárias informações históricas já mencionadas, percebe-se que Israel é
um grupo multiétnico. Uma realidade vivenciada por praticamente todos os povos da
antiguidade na Eurásia e África em maior ou menor grau.

42
Do ponto de vista da fenomenologia, a construção da identidade étnica de povo
é desenvolvida num processo marcado por duas dinâmicas: a primeira é a identificação e
assimilação de traços e elementos de outros grupos. A segunda dinâmica é o contraste,
ou seja, a rejeição de traços, elementos e características de outros grupos (BARTH,
1998). Esse processo esteve presente em Israel durante todo o seu desenvolvimento
enquanto povo e religião, no caso do judaísmo.

Deve-se contar o fato de que deste o início houve interferências


a partir de culturas estranhas. Nos primeiros tempos isso deve ter
acontecido através da mediação de outras culturas cananeias, mas
logo a seguir, o mais tardar a partir do século VIII a.C., Israel, e depois
Judá, está sob a influência unicamente dos assírios, babilônicos,
dos persas e dos gregos e depois dos romanos. Por isso é proibitivo
querer entender o desenvolvimento da sociedade israelita e judaica
de forma isolada a partir das leis internas (KESSLER, 2009, p. 46).

Desde sua peregrinação, sua fixação na Palestina e vários exílios e diásporas,


Israel manteve intenso contado com uma miríade de povos, culturas e religiões. No
entanto, acadêmico, se fôssemos apresentar todos esses povos aqui, mesmo que
sumariamente, o texto se transformaria numa enciclopédia dos povos antigos, e esse
não é escopo de interesse para este livro. Desse modo, optou-se por destacar aqui
os povos e civilizações mais influentes na formação de Israel, reconhecidos tanto pela
historiografia bíblica quanto pela historiografia universal e possuem mais informações.

4.1 OS CANANEUS
Os cananeus são provavelmente o conjunto étnico que manteve o mais longo e
intenso contato com Israel, e por consequência, o que exerceu maior influência em sua
cultura. São identificados como sendo os moradores da costa e da colina Palestina. Os
cananeus são semitas descendentes de Canaã, filho de Noé, entre os quais se encontram
os edonitas, moabitas, amalecitas, amonitas, girgaseus, amoritas, perisitas, hivitas e os
jebusitas (Deuteronômio, 7, 1). Alguns estudiosos acreditam que em sentido genérico, o
termo cananeu também se refere aos amorreus e fenícios. Outros já acreditam que se
trata de etnônimos equivocadamente sobrepostos e que, portanto, são povos diferentes.

O fato é que esses povos tiveram grande participação na formação de Israel.


Como por exemplo, os fenícios que eram uma civilização comercial e marítima. Foram
responsáveis pela introdução de técnicas de navegação e construção de embarcações.
Também foram responsáveis pelo primeiro alfabeto fonético, que influenciou o hebraico
e o aramaico, assim como os idiomas modernos. Entre os cananeus havia povos de
estilo de vida muito rudimentar monádica e povos que erigiram grandes cidades-
estados nos moldes da civilização grega. Entre essas cidades, as mais importantes
eram as portuárias com grande desenvolvimento cultural como Ugarit, Biblos, Tiro e
Sidon (KONINGS, 1998).

43
Os cananeus eram povos politeístas que veneravam deuses locais chamados
de Baal, que significa senhor, marido, chefe, possuidor. Estes títulos eram comuns entre
os semitas de Canaã. Os próprios parentes de Saul tinham nomes com esse sufixo
(Jerobaal, Esbaal, Isbaal, Meribaal). Os Israelitas percebem que a cada parte de Canaã
tem sua própria deidade, por isso eles os identificam no plural, baalim e não apenas
como uma só divindade (1 Reis 18, 18). Outra importante divindade cultuada entre os
cananeus era Moloc. No entanto, a grande rivalidade era entre Yahweh, Deus de Israel e
os baalim dos cananeus (KONINGS, 1998).

Esse contraste religioso é de fundamental importância para o desenvolvimento


do monoteísmo em Israel. Não por acaso, numa região que dependia exclusivamente
da água da chuva, sua principal divindade, Baal era o deus da fertilidade. A quem eram
oferecidos ritos que incluíam prostituição litúrgica e sacrifício humano. Práticas que
eram abominadas pelos israelitas. Em oposição a tais práticas, Israel chama Yahweh de
“verdadeiro esposo” de Israel.

4.2 OS BABILÔNICOS
Os sumérios, apesar de não serem mencionados na Bíblia, merecem uma
menção dado sua importância para o desenvolvimento do que chamamos de civilização
do Oriente Próximo. Os sumérios teriam chegado à Mesopotâmia antes de 5.000 a.C.
Não se sabe ao certo de que ponto específico da Ásia eles vieram. O que se sabe é que
a língua suméria não encontra correlação cognata nem com as línguas antigas e nem
com as línguas modernas. É creditado a eles a invenção da escrita, a escrita cuneiforme.
Uma técnica de talhar (cunhar) em blocos de argila.

Por causa da resistência de durabilidade cronológica, os escritos cuneiformes


sumérios são um importante testemunho de eventos históricos e mitológicos que
estruturaram toda a civilização mesopotâmica e Oriente Próximo. Há relatos em escrita
suméria de eventos que guardam semelhanças com eventos fundantes da cosmologia
hebraica, como por exemplo, a Torre de Babel e o dilúvio. Alguns historiadores acreditam
que se de fato existiu uma Torre de Babel, trata-se provavelmente de um zigurate;
famosos templos sumérios dedicados às divindades locais.

O zigurate é um dos monumentos mais característicos e mais espetaculares da


arquitetura religiosa mesopotâmica. O seu nome deriva do verbo zaqâru que significa
construir em altura. Os mesopotâmios designavam desta maneira as torres por andares
em cujos topos se construíam os santuários.

44
A sua origem é controversa. Segundo André Parrot, a zigurate procedia dos
templos de terraço. Desde o IV milênio, numerosos templos foram erguidos sobre altos
terraços artificiais, os quais teriam sido concebidos para que as habitações dos deuses
ficassem ao abrigo das inundações. A raridade deste tipo de arquitetura obriga a dar
primazia a uma explicação de carácter místico ou religioso (SANTOS, 2003, p. 189).

CIDADES SÍMBOLOS ESTÃO EM XEQUE

Paulo Daniel Farah

[...]
Torre de Babel

O zigurate mais famoso de todos, o do deus Marduk, na Babilônia, deu origem


à história da Torre de Babel. Era denominado Etemenanki, que significa "o templo da
fundação do céu e da terra". Não se conhece a natureza exata das cerimônias que se
realizavam no alto do santuário.

A forma dos zigurates era parecida com a de algumas pirâmides do Egito


(como a de Saqqara), mas sua função era diferente. As pirâmides eram essencialmente
túmulos. Os zigurates são construções de tijolo coroadas por um santuário e se
parecem mais com os templos da América Central.

O antigo povoamento de Uruk (atual Warka) foi habitado durante ao menos


5.000 anos, até o século V d.C. No quarto milênio a.C., Uruk foi a cidade mais importante
da Mesopotâmia. Possuía dois centros: Kullaba, onde se encontra o templo de An (ou
Anu), o deus do céu, e Eanna, que abriga o zigurate do templo dedicado à deusa Inanna
(ou Ishtar, que passou a ser cultuada por gregos e romanos sob os nomes de Afrodite
e Vênus). Construído por volta de 2110 a.C., impressiona mais que o primeiro.

Relatos de épocas posteriores dizem que a muralha que rodeava a cidade fora
construída por Gilgamesh, rei de Uruk e herói de um dos primeiros épicos da história.
Segundo a Epopéia de Gilgamesh, um terço da cidade de Uruk era constituída de
templos, e outro terço, de jardins (FARAH, 2003, p. 1).

FONTE: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3003200327.htm>. Acesso em: 17 maio 2021.

45
FIGURA 17 – ZIGURATE DE UR

FONTE: <https://bit.ly/3rV7aKj>. Acesso em: 17 maio 2021.

FIGURA 18 – RECONSTRUÇÃO 3D DO ZIGURATE DA CIDADE DA BABILÔNIA

FONTE: <https://bit.ly/33pEiQI>. Acesso em: 17 maio 2021.

Além desse grande legado que foi a escrita, os sumérios também inventaram a
roda, foram os primeiros a desenvolverem técnicas de construção de barragens, diques
e canais de irrigação, que posteriormente, serão desenvolvidos pelos egípcios. Pesa
sobre os sumérios o crédito de também terem desenvolvido conhecimentos e técnicas
de exploração e manipulação de forças ocultas sobrenaturais.

A magia entre os sumérios era utilizada de forma defensiva, visando curas; de


forma prognóstica, para adivinhação, e não oficialmente, também magia malévola para
produzir o mal. Todo o legado sumério incorporado pelos seus sucessores, acádios,
amorreus e caldeus.

Os amorreus são compreendidos como sendo os paleobabilônicos, que por


volta de 1.800 a.C. possuíam a hegemonia da mesopotâmia. Desse período, o monarca
mais importante foi o Hamurabi.

O Código de Hamurabi, escrito por volta de 1.700 a.C., considerado um dos


primeiros códigos escritos, possui uma certa congenialidade com a Lei mosaica. Por
mais que a tradição atribua uma origem divina à Lei, esta foi dada dentro de um contexto
cultural humano e que, portanto, é natural que ela possua semelhanças com códigos
de outros povos (DOUGLAS, 2006).

46
FIGURA 19 – O CÓDIGO DE HAMURABI

FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/wp-content/uploads/2018/06/c%C3%B3digo-de-hamurabi.png>.
Acesso em: 17 maio 2021.

Os amorreus foram sucedidos pelos caldeus, compreendidos como neobabilônicos.


Os caldeus são os fundadores de Ur, cidade de onde veio Abraão. Posteriormente,
Caldeia e Babilônia tornam-se sinônimos. O monarca Nabucodonosor foi o déspota
caldeu que construiu uma das obras mais imponentes do mundo antigo – os jardins
suspensos da Babilônia. Cidade para onde ele enviou a elite de Israel. Fato que impactou
muito os costumes e a cosmovisão judaica (DOUGLAS, 2006).

FIGURA 20 – JARDINS BABILÔNICOS

FONTE: <https://learnodo-newtonic.com/wp-content/uploads/2018/07/Babylon-Facts-Featured-
1024x384.webp>. Acesso em: 17 maio 2021.

Um dos principais postulados da cosmovisão caldeia/babilônica é o de que a


vida terrena é o tempo para a produção do prazer. Os babilônicos cultuavam a vida de
prazer, pois acreditavam que na vida pós-morte se experimentaria a monotonia e a
inação. Não esperavam nada da morte, fato de não haver entre eles grandes cerimonias
funerais, como as que haviam no Egito. O antropomorfismo dos deuses era outra
característica da cosmologia babilônica. Por entenderem que o hibridismo era algo
negativo, representavam suas divindades com formas humanas (KESSLER, 2009).

47
5 POVOS NÃO SEMITAS
Dado o fato de a Palestina ser um grande espaço aberto, uma terra aberta
para os lados, seus povos tinham que conviver com as invasões que de um lado viam
da Mesopotâmia e do outro viam do Egito. ou seja, Israel era um corredor entre duas
grandes civilizações. Além disso, ainda tinha que lidar com as migrações de povos que
viam da Ásia Menor e do Mediterrâneo, como no caso dos filisteus. Como a Palestina
sempre foi uma região muito disputada, Kessler (2009) afirma que o surgimento de dois
reinos, Israel e Judá, se deve ao fato de um vácuo de poder das grandes potências da
antiguidade, assírios, babilônicos, persas, egípcios, gregos e romanos.

5.1 OS EGÍPCIOS
Ao lado dos assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos, os egípcios foram
uma das grandes potências que se rivalizavam pelo controle do mundo antigo. Um reino
de três mil anos e trinta e quatro dinastias, o Egito sempre esteve presente na história
de Israel, ora como aliado, ora como inimigo. O Egito está no centro do evento mais
marcante da histórica de Israel, o Êxodo. O Êxodo é o evento que marca a separação
entre os hebreus nômades tribais e a nação de Israel.

Como uma grande civilização, o Egito foi responsável pela difusão de


tecnologias e cultura no mundo antigo, como por exemplo, a agrimensura, sua filosofia
e sua teologia. Inovações que certamente influenciaram Israel. Entretanto, apesar de
algumas semelhanças culturais, religiosas e da relativa influência que a cultura egípcia
exerceu sobre os israelitas, há muito mais contrastes entre essas duas cosmovisões.
Esse contraste torna-se patente quando se analisa a questão ecológica e religiosa entre
Israel e Egito.

Um dos fatores fundamentais que possibilitou que o Egito fosse uma grande
potência é a infalível cheia do Rio Nilo. Que deposita sedimentos ao longo de suas
margens, fertilizando o solo para a agricultura. Por isso o Egito foi considerado o “celeiro
do mundo mediterrâneo oriental” (MERRILL, 2002). Heródoto, historiador grego do século V
a.C. dizia que o “Egito era uma dádiva do Nilo”. Heródoto teria viajado pela região, porém
não se encantou com as maravilhas arquitetônicas do Egito. Ficou impressionado com
Nilo e entedia que o Egito dependia do Nilo para existir. Veja o relato do historiador:

Salve, ó Nilo! Ó tu que manifestaste sobre esta terra e vens em paz


para dar vida ao Egito. Regas a terra em toda a parte, deus dos
grãos, senhor dos peixes, criador do trigo, produtor da cevada... Ele
traz as provisões deliciosas, cria todas as coisas boas, é o senhor
das nutrições agradáveis e escolhidas. Ele produz a forragem para
os animais, provê os sacrifícios para todos os deuses. Ele se apodera
de dois países e os celeiros se enchem, os entrepostos regurgitam,

48
os bens dos pobres se multiplicam; torna feliz cada um conforme seu
desejo... Não se esculpem pedras nem estátuas em tua honra, nem
se conhece o lugar onde ele está. Entretanto, governas como um
rei cujos decretos estão estabelecidos pela terra inteira, por quem
são bebidas as lágrimas de todos os olhos e que é pródigo de tuas
bondades (HERÓDOTO, 1998, p. 365).

Em comparação com o Delta do Nilo e a região banhada pelos rios Tigres e


Eufrates na Mesopotâmica, a Palestina é provavelmente a região menos fértil do
Crescente Fértil. Este é fator importante tanto na constituição de Israel enquanto nação
quanto em sua relação com Yahweh em contraposição aos deuses dos gentios. Na
ausência de um Nilo ou um Tigres e Eufrates, Israel dependia muito da pluviosidade
para abastecer a hidrografia do Rio Jordão (DOUGLAS, 2006).

A questão ecológica e a questão religiosa eram duas realidades indissociáveis


para os povos antigos. Dado às precárias condições de subsistência, as religiões da
antiguidade são basicamente o reflexo da relação dos grupos com o meio ambiente,
mediada por forças, divindades e seres superiores que pudessem garantir sua
sobrevivência.

De acordo com Eliade (2008), os egípcios atribuíam ao fato de terem vivenciados


os anos dourados no século XIV à sua capacidade de manterem os deuses felizes. Daí
o fato de a idolatria egípcia ter acompanhado os israelitas, conforme (Êxodo 32; 1 Reis
12: 25-33).

Assim como os babilônicos, os egípcios também acreditavam que a vida


terrena é o tempo para a produção do prazer, porém, diferentemente dos babilônicos, a
cosmovisão egípcia acreditava que o outro mundo, pós-vida terrena era mais glorioso
do que a vida terrena. Também acreditavam que havia vários destinos no pós-vida,
como também acreditavam numa geografia “infernal”. E o mundo glorioso é governado
por Osíris. Por isso, Osíris, por ser também o deus da vegetação, era a única divindade
egípcia que possuía unanimidade, sendo cultuado nacionalmente (DOUGLAS, 2006).
Diferentemente da mitologia hebraica que tem como pano de fundo a realidade
sobrenatural, a mitologia egípcia está fundamenta na realidade da vida real dos povos
do Nilo. Sua referência é o sistema faraônico.

Os deuses egípcios são pensados a partir da imagem e semelhança com os


faraós e não o inverso. À semelhança dos hebreus, os egípcios também acreditam numa
divindade suprema que deu origem aos deuses e ao universo. E apesar de haver muitas
variações sobre as divindades e as origens das coisas, estas não são conflitantes,
apenas versões e atualizações com personagens diferentes e elementos diferentes
(MARQUES, 2015).

49
A cosmovisão egípcia tem uma perspectiva otimista acerca do ser humano.
Tal perspectiva entende o ser humano como um ser bom, destinado a coisas boas. A
criação dos seres humanos é fruto da bondade divina. Este fora criado para se deleitar
nos prazeres terrenos. Sua única obrigação é a de empreender certo esforço cúltico
com a finalidade de manter o equilíbrio dos cosmos, para que as forças caóticas não o
destruam. Todo o aparato litúrgico e cerimonial tem como objetivo a manutenção desse
equilíbrio (MARQUES, 2015).

FIGURA 21 – REPRESENTAÇÃO DE OSÍRIS

FONTE: <https://favpng.com/png_view/hand-drawn-illustration-of-ancient-egypt-ancient-egyptian-
religion-horus-osiris-myth-deity-png/DE8jNBNk>. Acesso em: 17 maio 2021.

Há estudiosos do antigo Egito que levantam a hipótese de que os egípcios teriam


influenciado o monoteísmo mosaico e o rito da circuncisão. De acordo com Douglas
(2006), a prática da circuncisão não era algo incomum. Existia entre os egípcios e os
sumérios. Entre os egípcios a circuncisão era um sinal de importância social. Era uma
prática exclusiva das classes altas.

Os reis e sacerdotes eram obrigados a passar pelo rito, como forma de marcar
o início da puberdade, que possuía múltiplos significados, entre os quais: marcar a
passagem para a puberdade; aumentar a fertilidade; como marca de filiação ao deus Rá
e também para finalidades médico-higiênicas.

50
Sobre a questão de o monoteísmo egípcio ter influenciado o monoteísmo
de Israel, Douglas (2006) e Silva (2019) descartam até mesmo a possibilidade de um
ateísmo egípcio e sua possível influência em Israel. Acredita-se que na verdade, o que
ocorreu no Egito do faraó Arkhenaton foi um culto monolatátrico e não monoteísta, ou
seja, admitia-se outros deuses, mas se cultuava preferencialmente o deus Aton. Eliade
(2008) admite que Israel transitou da monolatria para o monoteísmo no seu processo de
construção identitária e religiosa, porém, o mais provável é que o monoteísmo já estava
presente entre os antepassados distantes de Abraão.

Outros indícios corroboram a afirmação de que no Egito não houve monoteísmo.


No máximo um “monoteísmo imperfeito”, pois era eticamente reprovável em comparação
com monoteísmo mosaico. Além disso, alguns egiptólogos acreditam que o monoteísmo
egípcio teve sua origem em questões de natureza político pragmática do que de
natureza religiosa. Posto que o reformador religioso, o faraó Amenófis IV, auto intitulado
Arkhenaton (“filho do deus Aton”), travava uma guerra política com a classe sacerdotal,
que vinha ganhando cada vez mais importância e ascensão política com o culto ligado
ao deus Amon, Arkhenaton resolve revitalizar o culto ao deus Aton e proibe que qualquer
outra divindade seja cultuada (SILVA, 2019).

Outro fator de contraste com Israel era a liturgia egípcia. O templo era restrito
aos sacerdotes, enquanto a população cultuava em casa os seus deuses familiares.
O culto aos grandes deuses seguia o mesmo formato dos serviços dispensados aos
faraós. Suas imagens eram despertadas matinalmente, eram lavados, vestidos,
recebiam desjejum, refeição ao meio dia e à tarde, ou seja, deuses que dependiam dos
seus súditos para tudo. Em contraposição, Yahweh é um Deus que não dorme, sempre
vigilante e autossuficiente (DOUGLAS, 2006).

5.2 OS PERSAS
Os persas são povos de origem indo-europeia que tiveram grande importância no
Oriente Médio. Sua cosmologia, teologia, sistema bancário, sistema postal influenciaram
profundamente os povos do Crescente Fértil, incluindo Israel. Os persas tiveram um
papel marcante na história de Israel, quando Ciro, o persa, derrotou os babilônicos e
permitiu que os judeus retornassem para sua terra.

Apesar de permanecer sob domínio persa, a situação de Israel é muito melhor


do que a do cativeiro babilônico. Além de permitirem o retorno, assumiram o aramaico
como língua e não substituíram a cultura semítica, dando relativa autonomia aos povos
sujeitados, o que permitiu a sobrevivência da pertença religiosa em Judá. No processo
de reconstrução de Judá, os persas e judeus mantiveram intenso contato comercial.

51
FIGURA 22 – ARQUEIROS PERSAS

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/629237379182516677/>. Acesso em: 17 maio 2021.

Os persas cultuavam deuses da natureza, da fertilidade e do céu. A religião dos


persas é o zoroastrismo. Uma religião fundada pelo sacerdote Zoroastro ou Zaratustra
no século VII a.C. Ao contrário da maioria das religiões do Médio Oriente, a religião
proclamada por Zoroastro possui altos ideais morais. O princípio basilar do zoroastrismo
é: “faça sempre o bem, aborreça o mal”.

Apesar de politeísta, Zoroastro acreditava em um deus supremo, criador do


universo, chamado de Ahura-Mazda. Tal divindade criadora teria estabelecido dois
princípios constitutivos da realidade histórica, o bem e o seu opositor, o mal. Dessa
crença surge o maniqueísmo, concepção cosmológica que influenciou diversas religiões
em todo o mundo. O zoroastrismo acabou se perdendo entre os cultos mais antigos na
Pérsia, mas não antes de ser exportado. Douglas (2006) identifica certas influências do
zoroastrismo nos escritos do judaísmo.

5.3 OS GREGOS
Os gregos são povos de origem indo-europeia. Fazem parte das civilizações
egeias, que além dos helenos (gregos) tem os cretenses e os miceanos. Os gregos
são responsáveis por um grande legado ao mundo ocidental, que inclui o idioma, a
democracia, a filosofia, a aritmética, a medicina e vultosa mitologia. Os gregos encerraram
o longo período da relativa autonomia judaica sob o domínio persa em 333 a.C.

Os gregos tinham uma grande ambição – a conquista do mundo antigo. O


período da história da Grécia entre a morte de Alexandre III (O Grande) da Macedônia em
323 a.C. e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 147 a.C., caracterizou-se
pela difusão da civilização grega numa vasta área que se estendia do Mar Mediterrâneo
Oriental à Ásia Central. Esse período é conhecido como período helênico. O helenismo
constitui-se numa política expansionista de integração cultural dos povos subjugados.
O helenismo realizou um feito inédito. O de operar uma síntese entre traços culturais,
filosóficos e religiosos dos indo-europeus com os traços do Médio e Extremo Oriente.

52
De modo geral, o helenismo foi a concretização de um ideal de Alexandre
Magno: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios que conquistava. Ao invés
disso, incorporou elementos tão heterogêneos, que o caráter heleno se diluiu. Foi nesse
período que as ciências tiveram seu primeiro e grande desenvolvimento, por causa da
fusão de civilizações milenares. Os judeus foram profundamente influenciados pelo
helenismo. Tanto os que viviam na Palestina como os que estavam na diáspora, dentro
do grande império helênico. A influência cultural helênica foi tão profunda entre os
judeus, que por volta de 250 a.C. o rei Ptolomeu II encomendou aos judeus de Alexandria
a tradução da Bíblia para o grego (KONINGS, 1998).

FIGURA 23 – DETALHE DO ALTAR DE PÉRGAMO

FONTE: <http://2.bp.blogspot.com/-9Bf02n4qz1k/UoL2VrqinLI/AAAAAAAADcE/5ODGzw69xPo/s1600/
Diapositiva85.jpg>. Acesso em: 17 maio 2021.

Essa tradução grega é chamada de Septuaginta (sigla LXX), dado que a tradição
atribui tal empreendimento a 70 sábios anciãos judeus (KONINGS, 1998). A Septuaginta
tornou-se tão importante entre os judeus, por ser o texto bíblico utilizado por muitos
judeus e cristãos do primeiro século, incluindo o próprio Jesus Cristo. Contudo, um
século antes, a influência helênica também produziu a paganização de vários costumes
judaicos. O ápice dessa relação cultural espúria foi a profanação do Templo em 168 a.C.
por Antíoco Epífanes, com instalação de estátuas de deuses gregos e sacrifícios de
animais impuros. Fato que foi o estopim para a revolta dos Macabeus.

O fato de os romanos não terem imposto sua cultura permitiu que, no contexto
do Novo Testamento, o helenismo continuasse sendo a cosmovisão dominante. A língua
grega era o veículo da cultura e do comercio. “[...] A maioria dos judeus eram “helenistas”:
comerciantes, profissionais liberais, ou até escravos que viviam nas diversas cidades do
Império Romano” (KONINGS, 2002, p. 1496). A língua grega praticamente se tornou a
língua franca do mundo antigo. Esse é um fato positivo que possibilitou que os discípulos
de Jesus disseminassem a mensagem cristã ao mundo conhecido de sua época.

53
O fato é que o helenismo deixou marcas profundas no judaísmo e no cristianismo.
O próprio templo de Salomão que Herodes “O grande” reconstruiu tinha certos detalhes
arquitetônicos helênicos. A helenização da Palestina Judaica pode ser percebida nas
inúmeras construções que exibem o estilo arquitetônico grego em mármore.

FIGURA 24 – RUINAS GREGAS NA JORDÂNIA

FONTE: <http://twixar.me/5P8m>. Acesso em: 17 maio 2021.

Em relação à influência religiosa, à primeira vista, se tem a impressão de


que em termos filosóficos, a filosofia grega se aproxima do monoteísmo judaico e
consequentemente, do cristianismo das origens. Todavia, tal impressão não resiste a
uma análise perita. Razão disso foi que os primeiros cristãos, os apóstolos e os “pais
apostólicos” tiveram que lutar contra as seitas filosóficas helênicas, em especial, o
docetismo e gnosticismo. O que Forte (2015) afirma é que as teses docetistas e gnósticas
são incompatíveis com a fé cristã:

Podemos afirmar que a heresia é tão antiga como o próprio


cristianismo. São Paulo e São Pedro tiveram já de travar duros
combates contra esses erros que se introduziram de forma sutil. No
século II, o fenómeno herético manifestou-se com especial vigor, o
que afetou não só a consciência dos fiéis, mas também pôs em crise
a própria Igreja. Uma característica própria da heresia é acentuar de
tal modo um determinado aspecto da verdade, que esquece ou nega
outros pontos também importantes. Nesse período, na Ásia Menor,
assiste-se à difusão do gnosticismo e à entrada, em força, nos
ambientes cristãos do pensamento helenístico. Havia, porém, outras
heresias, nos tempos neotestamentários, entre as quais uma muito
difundida era o docetismo. O docetismo é uma heresia cristológica,
segundo a qual Cristo ter-se-ia unido ao homem Jesus apenas “em
aparência”. De facto, nas duas primeiras cartas de São João (cf. 1Jo
1-3; 4,1-3; 2Jo 7) destaca-se, como objetivo principal, denunciar o
docetismo, que não só distingue o Jesus de Cristo, mas considera
aparente a encarnação de Jesus (FORTE, 2015, p. 5).

54
A infiltração das seitas filosóficas helênicas foi um dos primeiros grandes desafios
que o cristianismo nascente teve que lidar. O período patrístico, primeiro período da
historiografia cristã, tratou basicamente da conciliação entre a fé cristã e a filosofia grega
e da defesa apologética dos principais artigos do cristianismo diante do grego-helênico.
Muitos teólogos cristãos estavam convencidos de que a ideia de logos, a grega e a do
evangelho é o elo ente a filosofia e o cristianismo; e que o cristianismo é uma busca
filosófica pela verdade. Enquanto o Novo Testamento afirma, categoricamente, que a
verdade é uma pessoa – o logos, o verbo encarnado. O aforismo de Tertuliano atesta a
incompatibilidade: “O que tem Atenas a ver com Jerusalém?”.

5.4 OS ROMANOS
Por último, os romanos, povos também de origem indo-europeia. É provável
que nenhum povo tenha conseguido realizar tamanha façanha como os romanos. A de
construir o império mais famoso da história e um dos mais proeminentes em manter seu
legado, que durou cerca de dez séculos.

Os romanos se rivalizam com os gregos na importância da formação da


cultura ocidental. A influência romana entre os judeus é retratada no contexto do Novo
Testamento. Jesus de Nazaré nasce sob o domínio romano. Sobre a vida dos judeus do
primeiro século, costuma-se dizer que o domínio era romano, mas a cultura era grega.
Isso porque os romanos não substituíram a cultura grega na Palestina pela sua cultura.

No período no Novo Testamento, Roma, a capital do império vive o seu apogeu.


Roma, cidade cosmopolita, chega a ter mais de um milhão de habitantes. A Pax Romana
e o Mare Nostrum garantiam certa segurança para os povos que viviam sob o domínio
romano, como no caso dos judeus. Muitos estudiosos do Novo Testamento dizem que
tais condições foram imprescindíveis para o surgimento e expansão do cristianismo.

FIGURA 25 – COLISEU EM ROMA

FONTE: <http://twixar.me/jP8m>. Acesso em: 17 maio 2021.

55
Os romanos tiveram uma importância política significativa para o destino do
judaísmo na Palestina, e principalmente para o surgimento do cristianismo, haja vista que
foi sob o domínio romano que Cristo foi crucificado. O fato de o cristianismo ter surgido
como uma seita do judaísmo, a influência romana deve ser analisada separadamente,
pois se trata de influências distintas, dadas as especificidades que a cisão provocou nos
judeus e nos cristãos do primeiro século e nos séculos posteriores. Por critério bíblico
neotestamentário, o foco será mais nos cristãos do que nos judeus.

Entretanto, no que diz respeito à influência cultural romana tanto no judaísmo


quanto no cristianismo, deve ser levado em consideração que os romanos, um povo
mais rústico em comparação com os gregos, também foram helenizados pelos gregos.
Daí a fórmula binômica, greco-romano. O que por seu turno, torna um pouco mais difícil
a identificação exata do que realmente é influência grega ou romana, porém, alguns
traços culturais são bem característicos.

A organização burocrático-administrativa e jurídica romana se distingue e se


sobressai muito à organização grega. Diferença percebida no desenvolvimento das
duas vertentes cristãs durante o período patrístico, do século I ao VII. Tanto os “pais
gregos” quanto os “pais romanos” foram influenciados pela filosofia grega, porém, os
resultados foram diferentes.

A tradição jurídica romana caracterizava-se pela rigidez, pela ritualidade e pelo


formalismo. Ao contrário da tradição especulativa grega, a tradição jurídica romana
levou os teólogos latinos a construírem um sistema mais exato de conceitos com
relevância prática para a igreja. A influência jurídica aparece na terminologia precisa e
no maior rigor conceitual. Fatores importantes para a institucionalização da Igreja e a
sistematização da teologia cristã. Veja o que diz (BRAATEN, 1990, p. 38):

Existe uma diferença notável entre o pensamento dogmático dos


pais gregos do Oriente e dos pais latinos do Ocidente. Os pais gregos
tinham uma tendência ao pensamento especulativo, sondando os
mistérios mais profundos que a mente pode pretender penetrar. Os
pais latinos estavam mais ligados à atividade prática, preocupados
com a autoridade e a ordem legítima na Igreja. Sua mentalidade e
interesse eram mais jurídicos do que especulativos, mais orientados
para a práxis da Igreja do que para a gnosis do misticismo.

O resultado prático dessa institucionalização é que a mensagem cristã, que
nasce da experiência de vida simples das comunidades das origens, se transforma no
discurso teológico mais elaborado. E novamente há separação e uma diferenciação
entre uma classe detentora do conhecimento e o restante da população cristã. Assim
como ocorrerá na época da monarquia.

Fusões interétnicas, incorporações de traços culturais estrangeiros estão no
epicentro do desenvolvimento de toda tradição cultural. É importante salientar, que
apesar dos judeus serem um povo multiétnico e terem sofrido diversas influências,
sempre mantiveram certa homogeneidade cultural e religiosa. Tal resiliência dificilmente é
encontrada em outro grupo ou religião.

56
LEITURA
COMPLEMENTAR
DA FILOSOFIA HELENÍSTICA À TEOLOGIA CRISTÃ. FORMAÇÃO DO DOGMA
COMO PROCESSO CRIATIVO

Alfio Cristaudo

A lição de Bento XVI, em Regensburg, dia 12 de setembro de 2006, entregou à


reflexão teológica o aprofundamento de algumas questões ainda hoje debatidas: a
helenização do Cristianismo e, portanto, a legitimidade ou menos das hodiernas tentativas
de deselenização da mensagem do Evangelho, os limites da aplicação do método histórico-
crítico, as consequências anexas ao valor universal da profissão de fé em Cristo, sobretudo
no que se refere à relação com outras religiões e, finalmente, à sua inculturação. A base
para reafirmar o vínculo intrínseco, considerado providencial, que relaciona estruturalmente
a fé cristã com a filosofia grega, foi reconhecida pelo Papa Ratzinger no uso joanino do
substantivo lògos, relido de acordo com a semântica da racionalidade.

No entanto, precisamente, a retomada deste termo pelo autor do prólogo do


quarto evangelho é um dos elementos sintomáticos para avaliar o problema da chamada
helenização do cristianismo: a questão é entender se a mensagem evangélica recebeu
passivamente a influência da cultura helênica , a ponto de desnaturar-se, ou se, na
assunção de termos e categorias pertencentes à bagagem conceitual do contexto cultural
greco-romano, a primeira comunidade cristã tenha filtrado ativamente as categorias
linguísticas usadas, levando em conta as necessidades primárias da fé professada.

Mediante investigação histórica e literária que parte da filosofia grega, com


especial atenção ao platonismo, estoicismo e ao médio platonismo, para alcançar
os apologistas do século II, o desenvolvimento semântico dos termos noùs, lògos e
pnèuma permite retraçar a formação das definições dogmáticas professadas pela antiga
Igreja, investindo os campos da teologia trinitária, da cristologia, da antropologia, bem
como da angelologia e da doutrina da criação.

A análise do conjunto das fontes revela o caráter inadequado da antiga categoria


de helenização: as primitivas comunidades cristãs, por meio da adoção da língua grega,
pretendiam reconectar-se idealmente à experiência do judaísmo helenístico da área
alexandrina ou ao explícito programa de mediação entre as Escrituras judaicas e as
instâncias fundamentais da filosofia e da cultura gregas; pois bem, tanto no lado judeu
quanto no lado cristão, na condução desse processo de mediação, encontramos a
tendência de modificar ou mesmo corrigir o alcance semântico de alguns substantivos
retirados da tradição grega; não que isso signifique a negação da influência helênica
no núcleo original da mensagem bíblica, no entanto, a vitalidade da nova fé contribuiu
para legitimar alguns processos de transformação cultural, que chegaram para alcançar
efeitos de porte epocal.

57
Na passagem do termo noùs do âmbito da filosofia grega para aquele judaico,
bem como na recepção cristã, o acolhimento da fé bíblica comportou a redução dos
noùs ao nível das realidades criaturais e contingentes. O substantivo pnèuma abandona
gradualmente uma acepção material para passar a indicar a dimensão transcendente
e incorpórea: de fato, no epistolário paulino, pnèuma designa a irrupção da potência
divina em oposição à carnalidade pecaminosa do homem terrenal, aspecto ulteriormente
exasperado pela mentalidade gnóstica através da identificação da natureza pneumática
com a realidade divina e excedente, estruturalmente estranha, até mesmo hostil à
sensibilidade e à matéria. Finalmente, se na filosofia grega o lògos é o instrumento para
a comunicação do pensamento, o prólogo do quarto evangelho associa-se a retomada
deste termo à concepção veterotestamentária da palavra criadora, refundida junto à
representação da Sabedoria personificada: assim, o substantivo lògos foi usado como
título pessoal do filho de Deus pré-existente.

Os apologistas, para descrever a geração do Filho pelo Pai, pressupõem o


conhecimento do par categorial lògos endiàthetos e lògos prophorikòs (ou seja, "interior" e
"proferido") formalizados em meados do segundo século antes da era cristã, no contexto
da diatribe entre Estoicos e acadêmicos sobre o problema da racionalidade animal:
desta forma, o duplo estágio do raciocínio, concebido originalmente internamente no
diálogo da alma consigo mesma e depois proferido, constitui um termo analógico para
explicar a relação que liga o Logos mediador a Deus.

Em suma, o desenvolvimento semântico dos substantivos noùs, lògos e


pnèuma mostra que a formação do dogma se configura como um processo criativo,
caracterizado pela desativação semântica e pela sucessiva assunção dos conceitos e
categorias pertencentes ao imaginário cultural coletivo. Além disso, se os apologistas
acreditaram expressar adequadamente a relação que liga o Logos ao Pai, de acordo
com o modelo da dupla fase, depois superado por Orígenes através da introdução do
conceito de geração eterna, a profissão de fé niceno, defronte ao perigo representado
pela heresia ariana, interpretou a relação entre Deus e o Logos recorrendo à categoria de
consubstancialidade: assim, o modelo da dupla fase, com as mudanças nas condições
da vida cristã, tornou-se tão inadequado a ponto de ser explicitamente rejeitado por
Atanásio e formalmente condenado como herético pelo Concílio de Sirmio, em 351.

As diferentes fases destacadas pelo exame histórico das fontes podem levar a
concluir que o desenvolvimento do dogma coincide com a superposição de elementos
estranhos à fé evangélica original; de fato, os mesmos resultados, se considerados de
acordo com um critério de compreensão teológica, referem-se à existência do único
sujeito Igreja, que prossegue na tentativa de compreender e definir melhor a identidade
de Cristo, especialmente em relação ao dado da fé na unicidade de Deus: nesta
operação, os mestres cristãos adotaram, de tempos em tempos, os modelos linguísticos
e categoriais considerados mais apropriados. E isso com o único propósito de expressar
a mesma fé na proclamação do Cristo do Evangelho, o enviado de Deus para a salvação
do mundo.

FONTE: Adaptada de <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576921-da-filosofia-helenistica-a-teologia-


crista-formacao-do-dogma-como-processo-criativo>. Acesso em: 17 maio 2021.

58
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os hebreus e sua origem. Os semitas que tiveram sua origem com Abrão, o caldeu. A
peregrinação e a trajetória das tribos nômades e a história dos patriarcas.

• Os hebreus, suas fases e etnônimos. O nomadismo, o seminomadismo e o


sedentarismo. A história dos descendentes de Heber, os hapîru, os ivrîm, os hebreus,
os israelitas e os judeus.

• Os hebreus e o monoteísmo javista. O monoteísmo como uma experiência religiosa


sem precedentes na antiguidade. O desenvolvimento progressivo da religiosidade
pagã e politeísta babilônica até se tornar o monoteísmo javista. As influências persas
egípcias no monoteísmo javista.

• Os hebreus e o judaísmo. A origem, a formação e o desenvolvimento do judaísmo


como a religião dos antigos hebreus no pós-cativeiro. As diferenças entre a antiga
religião hebraica e o judaísmo.

• Os povos semitas, personagens coadjuvantes das histórias bíblicas. Os babilônicos


e os cananeus. Os semitas e suas relações com os diversos povos que direta e
indiretamente influenciaram sua cultura, seu modo de vida e sua religião.

• Os povos não semitas, as grandes civilizações e impérios que dominaram no tempo


bíblico. Os egípcios e sua importância num dos períodos mais importantes da história
hebraica. Os persas e sua influência na cultura e na religião hebraica. O legado greco-
romano para o judaísmo e para o cristianismo.

59
AUTOATIVIDADE
1 Os hebreus podem ser colocados em paralelo com outras grandezas multiétnicas
do mundo antigo, com semelhanças culturais, sociais, econômicas e religiosas
que, ao longo do seu processo de formação e desenvolvimento, influenciaram-se
mutuamente. Elabore um texto dissertativo, destacando os fatores distintivos dos
hebreus em relação aos povos com quem mantiveram contato.

2 Os antigos hebreus são povos pastores nômades, da região do Levante, oriundos


do Oriente Próximo, que falavam língua semita, o hebraico, e que inauguram o
monoteísmo entre os povos politeístas do mundo antigo. Associe os itens, utilizando
o código a seguir:

I- Hebreu.
II- Israelita.
III- Judeu.

( ) Etnônimo dos descendentes de Abraão no período patriarcal.


( ) Etnônimo dos indivíduos pertencentes à nação de Israel no período monárquico.
( ) Etnônimo dos descendentes de Abraão e dos convertidos à sua religião após o exílio
babilônico.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II.
b) ( ) III – I – II.
c) ( ) I – II – III.
d) ( ) III – II – I.

3 Durante toda a história de ocupação dos hebreus na palestina, eles tiveram que
conviver com uma diversidade de povos semitas e não semitas, mantendo modos de
vida muito semelhantes, influenciando e sendo influenciado por estes povos. Analise
as proposições a seguir:

I- Os cananeus foram os povos com quem os hebreus tiveram contato mais extenso e
prologando.

ENQUANTO

II- Os babilônicos tiveram pouco ou quase nenhuma influência sobre os hebreus.

60
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As duas proposições são verdadeiras, e a segunda proposição está em oposição
à primeira.
b) ( ) As duas proposições são falsas, e a segunda proposição está em oposição à
primeira.
c) ( ) A primeira proposição é verdadeira, e a segunda proposição é falsa.
d) ( ) A primeira proposição é falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

4 Além da influência dos povos semitas, seus congêneres, os hebreus, também tiveram
que lidar com a intromissão das grandes potências da antiguidade, os chamados
“donos do mundo antigo”. Entre estes, encontram-se os romanos, os gregos, os
assírios, os egípcios, os babilônicos e os persas. Sobre a influência das superpotências
entre os hebreus, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os hebreus foram escravos por tanto tempo no Egito, que esse fato acabou
influenciado o surgimento do monoteísmo hebreu e a prática da circuncisão.
b) ( ) Fora a questão do politeísmo, entre a religião egípcia e religião hebraica não há
grandes diferenças.
c) ( ) Os gregos tiveram grande influência cultural sobre Israel, mas esta logo foi
substituída pela cultura romana.
d) ( ) Entre a religião persa, o zoroastrismo e o judaísmo existem certos aspectos
semelhantes.

5 Os romanos tiveram uma importância política significativa para o destino do judaísmo


na Palestina, e principalmente para o surgimento do cristianismo, haja vista que foi
sob o domínio romano que Cristo foi crucificado. Sobre a relação do Império Romano
com os judeus, analise os enunciados a seguir e assinale a alternativa CORRETA:

I- O Mare Nostrum é uma política marítima e expansionista dos gregos no Mediterrâneo.


II- O Gnosticismo e suas teses são compatíveis com os artigos da fé cristã.
III- Apesar de toda influência estrangeira, Israel manteve certa integridade cultural e
religiosa.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado III está correto.

61
62
REFERÊNCIAS
BARBOSA, M. T. Do antigo oriente próximo a Roma: uma abordagem da antiguidade.
Guarapuava: Unicentro, 2009.

BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P.; STREIFF-FENART, J.


Teorias da etnicidade. São Paulo: Unesp, 1998.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada Tradução da CNBB: Antigo e Novo Testamentos.


Tradução de Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Johan Konings. São Paulo:
Loyola, 2002.

BOAS, F. U. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

BRAATEN, C. E. Dogmática cristã, v. 1, São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1990.

CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução: Viviane Ribeiro.


Bauru: EDUSC, 2002, p. 9-12.

DOUGLAS, J. D. O novo dicionário da Bíblia. Tradução: João Bentes. 3 ed. Rev. São
Paulo: Vida Nova, 2009.

ELIADE, M. Tratado das religiões. Tradução: Fernando Tomaz; Natália Nunes. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.

FARAH, P. D. Cidades-símbolo estão em xeque. Folha de São Paulo – Mundo, São


Paulo, domingo, 30 de março de 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
fsp/mundo/ft3003200327.htm. Acesso em: 17 maio 2021.

FORTE, S. Paulo, mestre e modelo de vida cristã: influência de Paulo no Adversus


Haereses de Ireneu de Lião. 2015, 119 f. Dissertação (Mestrado Integrado em Teologia –
1º Grau Canónico) – Faculdade De Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,
2015.

GUARDINI, R. O fim da Idade Moderna. Trad. M. S. Lourenço. Lisboa: Edições 70, 2000.

HERÓDOTO. História. 2. ed. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998.

KEESING, R. Antropologia cultural: uma perspectiva contemporânea. Trad. Vera


Jocelyne. Petrópolis: Vozes, 2014.

KESSLER, R. História social do Antigo Israel. Tradução: Aroldo Reimer. São Paulo:
Paulinas, 2009.

63
KONINGS, J. A Bíblia e suas origens. Petrópolis: Vozes, 1998.

KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos. Tradução: Mirtes Frange de Oliveira


Pinheiro. Bauru: EDUSC, 2002.

LARAIA, R.B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editores, 2017.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares de parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

MARQUES, J. J. Literaturas do Próximo Oriente Antigo na Bíblia – origens,


aliança sabedoria. 2015. Dissertação (Mestrado em História e Cultura das Religiões)
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015, p. 117.

MERRILL, E. H. História de Israel no Antigo Testamento. Tradução: Romell S.


Carneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

MOUNCE, R. H. Bíblia. In: ERWLL, W. (Editor). Enciclopédia histórico-teológica da


igreja cristã. Tradução: Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2009.

RYKEN, L. 10 Coisas que você precisa saber sobre a Bíblia como literatura. Tradução
de Willian Campos da Cruz. Monergismo, [S. l.], 31 jul. 2019. Disponível em: http://
monergismo.com/novo/cosmovisoes/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-
biblia-como-literatura-leland-ryken/. Acesso em: 17 maio 2021.

SANTOS, L. dos. R. As atividades do forte do barbalho como expressão


da economia criativa na Bahia. 2020. 24 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Especialização em Políticas e Gestão Cultural) – Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia, Santo Amaro, 2020. Disponível em: http://www.repositoriodigital.ufrb.edu.br/
bitstream/123456789/1989/1/Luciano%20dos%20Reis%20Santos.pdf. Acesso em: 17
maio 2021.

SANTOS, A. R. Um lugar de encontro entre o homem e os deuses. Revista


Portuguesa de Ciência das Religiões, Lisboa, Ano II, n. 3/4, p. 189-196, 2003.
Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/
view/4605/3117. Acesso em: 17 maio 2021.

SILVA, R. Especial Egito: o faraó do êxodo. [S. l.: s. n.], 2019, 1 vídeo (28 min).
Publicado pelo canal Evidência NT. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ccWsLlzjCD8. Acesso em: 17 maio 2021.

SZKLARZ, E. Jerusalém, o centro do mundo. Revista Super Interessante, São Paulo,


31 jan. 2008, Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/jerusalem-o-centro-
do-mundo/. Acesso em: 27. out. 2020.

64
UNIDADE 2 —

O MUNDO E A CULTURA DO
ANTIGO TESTAMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os valores, as crenças e os princípios do modo de vida hebraico;


• identificar as principais características da cosmovisão hebraica;
• entender os aspectos políticos do modo de vida hebraico;
• entender os aspectos do parentesco;
• entender os aspectos religiosos do modo de vida hebraico;
• conhecer fatores da transição do mundo hebraico para o judaísmo;
• distinguir os diferentes modos de vida por trás do texto bíblico;
• compreender de que forma o ethos judaico influenciou o texto bíblico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A VIDA CULTURAL DOS HEBREUS

TÓPICO 2 – A VIDA RELIGIOSA DOS HEBREUS

TÓPICO 3 – A VIDA POLÍTICA DOS HEBREUS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

65
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

66
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
A VIDA CULTURAL DOS HEBREUS

1 INTRODUÇÃO
“Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando,
lembrando-nos de Sião.
Nos salgueiros daquela terra, pendurávamos, então, as nossas
harpas, porque aqueles que nos tinham deportado pediam-nos
um cântico. Nossos opressores exigiam de nós um hino de alegria:
Cantai-nos um dos cânticos de Sião.
Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra estranha?
Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise!
Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar
de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias.”
(Salmos 137, 1-6)

Um tema que sempre capturou a atenção dos estudos antropológicos,


ecológicos e econômicos é a complexa relação entre os recursos naturais, o tamanho
dos grupos humanos e o tipo de economia praticada por esses grupos.

Por questões mais lógicas do que empíricas, as teses mecanicistas que afirmam
ser o tamanho do grupo e o tipo de economia uma determinação dos recursos naturais
disponíveis, sempre obtiveram maior aceitação do que as teses dialéticas, que afirmam
a influência, mas não uma determinação dos recursos naturais sobre o tamanho e o tipo
de economia praticada pelos grupos humanos.

Nesta relação, que não é mecânica e sim dialética, ocorre que os seres humanos,
ao mesmo tempo em que, culturalmente se adaptam e transformam o meio ambiente,
sofrem certa influência das características e recursos disponíveis no ambiente físico.

As estratégias de sobrevivência utilizadas pelos grupos humanos têm sido


as mais diversas. Vão desde as migrações sazonais de grupos caçadores e coletores
ao desenvolvimento da agricultura e criação de rebanhos. Alguns grupos combinam
migrações com agricultura incipiente, outros desenvolvem sistemas de estocagem e de
trocas e há aqueles grupos que não alteram a sua dieta, mas a forma de obtê-la.

Este é o exemplo de muitos grupos caçadores-coletores das florestas tropicais,


que concentram as atividades de coleta na estação seca, em parte devido à maior
facilidade de viajar durante essa estação, embora os recursos possam estar disponíveis
durante o ano todo.

67
O fato é que a cultura e o modo de vida de qualquer grupo humano estão
diretamente relacionados com o seu habitat. É por isso que existem variados modos de
vida espalhados pelo planeta. A cultura imprime sua marca no ambiente assim como
carrega em si marcas constitutivas desse ambiente. No caso dos hebreus, essa relação
povo e ambiente tem contornos ainda mais dramáticos, pois a imagem do “paraíso”, do
“novo Éden”, da “terra que mana leite e mel” foi nutrida na memória coletiva por vários
séculos. Para um antigo hebreu, a noção de identidade se efetiva dentro da esfera
comunal que depende da terra para se concretizar.

2 O MODO DE VIDA HEBRAICO


Modo de vida é um constructo antropológico que tem como função identificar a
mudança de um tipo de sociedade ou agrupamento humano, baseado na organização
social, na força de trabalho e no modo de produção. Existem duas principais divisões no
modo de vida: o modo de vida agrário rural e o citadino urbano. Esses modos apresentam
características distintas, porém, não são completamente antagônicos, podendo ser
praticados de modo simultâneo, sobreposto ou subsequente. Entender esses modos
e suas relações é importante dado ao fato de que as condições de reprodução da vida
impactam diretamente no estilo de vida (CHWARTS, 2016).

Os primeiros cinco séculos da vida dos hebreus, desde a saída do Egito até a
formação da nação de Israel são caracterizados pelo modo vida agrário. As informações
bíblicas e extrabíblicas dão conta de que os primeiros séculos dos hebreus na Palestina
se desenvolveram dentro desse modo de vida.

O modo de vida agrário é um modo de vida simples no sentido técnico e denotativo


do termo. Apesar dos grandes desafios à sobrevivência e a variedade de conhecimentos
que precisam ser dominados, tais como, agronomia, astronomia, geologia, botânica e
pecuária, toda a vida agrária, inclusive seu sentido, está voltada exclusivamente para as
atividades de sobrevivência. Tudo orbita em torno da sobrevivência.

É a partir dessa perspectiva que se deve analisar a vida dos hebreus do período
pré-estatal. Baseada em uma estrutura de linhagem segmentária, a questão da
sobrevivência ocupa as concepções e as práticas do camponês. E tais práticas cotidianas
refletem a reprodução do grupo, não só fundamentado no aspecto econômico, como
também na reprodução de outras relações: festas, cerimônias, trocas recíprocas, visitas,
trocas matrimoniais entre tantas outras.

As práticas do cotidiano camponês são assumidas como sintéticas e totalizantes.


Elas são perpassadas e condensam em si a ideia de mínimo vital – a satisfação imediata
da existência.

68
Uma característica em comum encontrada na maioria dos povos agrários,
dos povos sem escrita, são coincidências normativas produzidas pelas pressões do
ambiente e sua relação umbilical com a religião. Abrindo apenas um parêntese; é desta
característica que reside toda a dificuldade de descrever o modo de vida desses povos.

Entre os hebreus, nos quais o fator religião tem ainda mais peso e relevância
na discrição e análise do seu modo de vida, tem-se a sensação de estar escrevendo
ou lendo sempre a mesma coisa. Sobre qualquer aspecto, seja a vida econômica, seja
política, seja a vida familiar, seja a arte ou seja a sexualidade, tudo orbita em torno da
religião javista.

Não é por outro motivo que não esse, que baal se tornou a principal divindade
de Canaã. “Baal era o deus das tempestades, controlador da chuva e da fertilidade,
chamado de senhor do céu e da terra e o que está montado nas nuvens” (DOUGLAS,
2006, p. 96).

De modo análogo, e guardadas as devidas proporções, esse mote da vida


cananeia estava presente na vida dos assentamentos hebreus na terra prometida.
Terra que lhes fora dada por morada perpétua no pacto com Yahweh. Sendo que
sua sobrevivência e permanência da terra dependiam de ações, devoções e práticas
cotidianas derivadas desse pacto.

NOTA
Estrutura de linhagem segmentária é a organização típica de sociedades
sem Estado, sem instituições administrativas e judiciárias especializadas,
baseada em segmentos de linhagens, sublinhagens, clãs, subclãs, estrei-
tamente ligados por ancestralidade comum. Além do fator genealógico, as
linhagens segmentárias permanecem unidas graças à existência de uma
cultura religiosa e uma moral religiosa comum.

A seca era o principal inimigo camponês, do agricultor cananeu. Em qualquer


lugar onde há escassez de água, esta adquiri importância significativa para seus
habitantes. A falta d’agua é um problema estrutural na Palestina. No caso dos hebreus,
não havia tecnologias e principalmente recursos como na Mesopotâmia e no Egito.

Os recursos que possibilitaram a implementação de técnicas hidráulicas para


amenizar a escassez hídrica só foram conquistados no tempo da monarquia, porém, de
modo geral, Israel sempre teve que lidar com esse problema:

69
Elias replicou: Não temas; volta e faze como disseste; mas prepara-
me antes com isso um pãozinho, e traze-mo; depois prepararás o
resto para ti e teu filho.
Porque eis o que diz o Senhor, Deus de Israel: a farinha que está na
panela não se acabará, e a ânfora de azeite não se esvaziará, até o dia
em que o Senhor fizer chover sobre a face da terra (1 Reis 17, 13 –14).
Eis o que diz o Senhor a Jeremias a propósito da seca:
Judá está coberta de luto, e às suas portas enlanguesce o povo, a
cabeça pendida para a terra. De Jerusalém se levanta um clamor de
angústia.
Os grandes da cidade enviaram os servos à procura de água.
Encaminham-se estes às cisternas; água, porém, não encontram,
e voltam com os recipientes vazios, envergonhados, confundidos,
cobertas as cabeças (Jeremias 14,1-3).
As sementes secaram sob os torrões, os celeiros estão vazios, os
armazéns, arruinados, porque falta o trigo.
Como geme o rebanho, e como anda errante o gado por falta de
pastagens! Até mesmo os rebanhos de ovelhas padecem.
Clamo a vós, Senhor, porque o fogo devorou a erva do deserto, a
chama queimou todas as árvores do campo;
os próprios animais selvagens suspiram por vós, porque as correntes
das águas secaram, e o fogo devorou a erva do deserto (Joel 1,17-20).

Pela dependência exclusiva da pluviosidade, a agricultura cananeia era de


cultivo irrigado, enquanto no Nilo egípcio o cultivo era de vazante, segundo Mazoyer
(2010). Sem terem as condições de construírem um sistema de barragens, diques e de
canais de irrigação como os do Egito, os hebreus do período pré-estatal tinham que
apelar para Yahweh e do seu sistema de coleta de águas da chuva. Na região ocupada
pelos hebreus há mais de 70 topônimos (nomes de lugares) denominados de ayin,
equivalente a “fonte” e outros 60 topônimos denominados bir, equivalente a “poço”
(DOUGLAS, 2006).

Outro problema grave relacionado aos períodos de seca e escassez d’agua


é que eles provocavam a escravidão por dívidas, prática muito comum em Canaã. Por
isso, uma das principais características da vida campesina, se não a mais importante, é a
solidariedade. Vida campesina em outros termos significa uma extensa rede de relações
de reciprocidade e solidariedade. Os desafios da vida no campo são enfrentados de
forma coletiva, quando as necessidades e vicissitudes de uns são supridas pelos seus
vizinhos, que são os seus parentes.

É importante lembrar que durante muito tempo os hebreus viveram como


nômades e seminômades. E que o conjunto de características presentes na vida agrária
campesina, são resquícios da vida monádica. Da dependência mútua entre os membros
da tribo, da crença na descendência comum e no vínculo de solidariedade levado ao
seu extremo, como por exemplo, na prática da “vingança de sangue, que deveria ser
cobrada por um membro do clã em caso de morte provocada por um membro de outro
clã” (THOMPSON, 2006, p. 999). A partir destas características fundamentais é que se
compreende bem a recorrente menção da torá sobre perdão, solidariedade, restituição,
hospitalidade e ações de graça (MAZOYER, 2010).

70
2.1 O MODO DE PRODUÇÃO
De acordo com Kessler (2009), com relação ao modo de produção dos hebreus,
não há nenhuma novidade ou elemento que os diferenciasse dos demais povos do
período ou do contexto cananeu. Vale lembrar, acadêmico, que do ponto de vista
macroeconômico, as sociedades com Estado desse período viviam sob o regime de
servidão coletiva.

Os servos tinham que produzir para sua própria subsistência, entregar parte de
sua produção para o Estado e trabalhar compulsoriamente nas obras públicas, o que
era chamado de corveia. Os hebreus provavelmente foram submetidos a esse regime
no Egito, antes da saída dos hicsos e na Babilônia de Nabucodonosor (BARBOSA, 2009).

Apesar de haver uma diferença de mais ou menos um século da primeira estada


dos hebreus em Canaã, no período patriarcal, e a segunda estada após o êxodo egípcio,
o modo de vida da primeira estada e da segunda estada é praticamente o mesmo.

As mudanças significativas só ocorrem na transição para a monarquia. E


assim como os demais povos cananeus, os hebreus praticavam uma agricultura de
subsistência conectada à criação de gado doméstico. Cultivavam em campos e terraços
e mantinham pequenas hortas próximas as suas moradias (KESSLER, 2009). Utilizavam
ferramentas de madeira, pedra e osso, como o arado. Os mais pobres não tinham
condições de possuir ferramentas de metal. Na época do rei Davi, o metal já era um
utensílio mais comum (DOUGLAS, 2006).

Os hebreus praticavam o shemitá – o ano sabático. Uma espécie de pousio que


era ordenado pela Torá:

O Senhor disse a Moisés no monte Sinai: "Dize aos israelitas o


seguinte: quando tiverdes entrado na terra que vos hei de dar, a terra
repousará: este será um sábado em honra do Senhor. Durante seis
anos semearás a tua terra, durante seis anos podarás a tua vinha
e recolherás os seus frutos, mas o sétimo ano será um sábado, um
repouso para a terra, um sábado em honra do Senhor: não semearás
o teu campo, nem podarás a tua vinha (Levítico 25,1-4).

O pousio consiste na prática de “descansar” o solo das atividades agrícolas,


como forma de devolver a vitalidade da terra e evitar queda na produtividade. O pousio
era praticado há pelo menos 6.000 a.C. pelos egípcios, pelos gregos e pelos romanos.

O tempo de uso da terra e o intervalo de descanso, cada povo praticava a seu


modo. Entre os cananeus, por exemplo, se cultivava durante sete anos e se descansava
sete anos. No entanto, entre os hebreus o ano sabático tinha um significado mais
profundo do que apenas reequilibrar as propriedades físico-químicas do solo.

71
O ano sabático era um modo de construir e fazer a manutenção de uma
memória de longa duração entre os hebreus. Memória esta que estava conectada
com a criação de Yahweh, que “descansou” no sétimo dia, prática do shabat, e com a
memória perpétua que se deve manter sobre o perdão das dívidas, da restituição de
terras perdidas, de ações de graça, de gratidão e de generosidade em resposta aos
feitos de Yahweh (DOUGLAS, 2006).

FIGURA 1 – ARADO PALESTINO DA ÉPOCA DO BRONZE

FONTE: <http://2.bp.blogspot.com/-FgEyw379zdU/UpeAbzfJdLI/AAAAAAAAmmw/cTrb_Ei2uqs/s1600/arado.gif>.
Acesso em: 18 maio 2021.

Nos períodos em que estavam assentados na Palestina, os hebreus se


organizavam no modelo de anfictiônias – ligas de tribos com vínculo religioso. A
simplicidade dos assentamentos dos hebreus contrastava com a pomposidade exibida
pelas cidades-estados cananeias e fenícias.

O modo de vida simples dos hebreus tem sido comprovado por evidências
arqueológicas. Tais evidências encontram-se tanto nos relatos de estelas egípcias sobre
os hebreus, quanto nos vestígios materiais encontrados na região que testemunham tal
modo de vida.

[...] Esses filisteus foram o primeiro povo a usar ferro na Palestina


(uma adaga de ferro e uma faca, encontrados numa tumba de Tell
el Far’a) enquanto que os israelitas foram lentos em quebrar esse
monopólio e sua consequente superioridade econômica (1Sm 13,
18-22). Fortes, ricos e bem construídos os cananeus sustentaram-
se pelo menos por mais outro século (Bete-Seã). Os israelitas, no
tempo dos juízes, ou edificavam casas inferiores (Betel, vivendo no
andar térreo dos edifícios cananeus capturados (Beit Mirsim), ou se
amontoavam em vilas mal edificadas por eles mesmos (Gate Raqqat).
Sua cerâmica também era tosca e pobre, se comparada com a dos
cananeus (DOUGLAS, 2006, p. 88).

72
Durante o período pré-estatal os povoados hebreus eram compostos por
casas simples, que apresentavam a mesma grandeza, não havendo assim, grandes
desigualdades, indicando uma configuração social mais igualitária. Esse aspecto
igualitário inclui até mesmo as relações de gênero. As mulheres trabalhavam em
atividades que, posteriormente serão atividades exclusivas para os homens.

A afirmação de que no período pré-estatal havia uma estrutura social machista


que excluía as mulheres de atividades sociais importantes, não encontra ressonância
nos textos bíblicos. Tanto nos textos bíblicos quanto na etnologia dos povos agrários e
simples evidencia-se uma simetria na relação de gênero, pois, em uma economia agrária,
requer-se trabalho conjunto de homens, mulheres e crianças. Sendo que a divisão de
tarefas era estabelecida de acordo com a proximidade da casa para a proteção dos mais
vulneráveis (mulheres e crianças) (KONINGS, 1998).

O texto bíblico corrobora a importância social da mulher, no qual se encontram


mulheres pastoras, mulheres como figuras preparadas e conscientes do seu papel social
e atuantes, como as matriarcas Sara, Rebeca, Lia e Raquel, que, em certos momentos,
decidem de forma autônoma sobre sexualidade de seus maridos (KONINGS, 1998), ou de
protagonistas como Débora, Rute e Ana. Vejas os exemplos:

Jacó disse aos pastores: "Meus irmãos, de onde sois?" "Somos de


Harã", responderam.
"Conheceis porventura Labão, filho de Nacor?" "Sim."
"Como vai ele?" "Vai muito bem; e eis justamente sua filha Raquel que
vem com o rebanho."
"É ainda pleno dia, tornou Jacó, e não é hora de se recolherem os
rebanhos. Dai de beber às ovelhas e levai-as de novo ao pasto."
"Não o podemos, responderam eles, antes que todos os rebanhos
estejam reunidos. Tiramos então a pedra de cima do poço e damos
de beber aos animais."

Falava ainda com eles, quando chegou Raquel com o rebanho do seu
pai, porque era pastora (Gênesis 29, 4-9)
Ora, as sete filhas do sacerdote de Madiã vieram tirar água do poço e
encher as gamelas para dar de beber às ovelhas de seu pai.
Sobrevindo então alguns pastores, as expulsavam. Moisés, porém,
tomou sua defesa e deu de beber ao seu rebanho (Êxodo 2, 6,17).

Um dia, por ocasião da ceifa, Rubem saiu ao campo e, tendo


encontrado umas mandrágoras, levou-as à sua mãe Lia. Raquel disse
a Lia: "Rogo-te que me dês as mandrágoras do teu filho."
Lia respondeu: "Já não é bastante teres tomado meu marido, para
que queiras ainda as mandrágoras do meu filho?" "Pois bem, tornou
Raquel, em troca das mandrágoras do teu filho, que ele durma contigo
esta noite."
À noite, quando Jacó voltou do campo, Lia saiu-lhe ao encontro:
"Vem comigo, disse-lhe ela, eu te aluguei em troca das mandrágoras
do meu filho." E Jacó dormiu com ela aquela noite (Gênesis 30,14-16).

73
Contra a argumentação de que se trata de episódios isolados, caso não fossem
ocupações ordinárias, o texto faria tal menção de destaque para evidenciar que seria algo
extraordinário. Há ainda casos de ocupações mais proeminentes, como por exemplo, a
profetisa e juíza Débora:

Os filhos de Israel clamaram ao Senhor, porque Jabin tinha


novecentos carros de ferro e oprimia-os duramente já fazia vinte
anos. Naquela época, a profetisa Débora mulher de Lapidot, era juíza
em Israel. Sentava-se sob a palmeira de Débora, entre Ramá e Betel,
na montanha de Efraim, e os israelitas iam ter com ela para que
julgasse suas questões (Juízes 4, 3-5).

Como dissemos no início deste tópico, sobre como as condições sociais e de


reprodução da vida impactam diretamente no estilo de vida, no período seguinte ao
pré-estatal – o período monárquico, fatores internos e fatores externos provocaram o
desenvolvimento de assimetrias, tanto no nível social, com o aparecimento de classes
sociais, como no nível familiar e relacional, com o surgimento de relações assimétricas
entre homens e mulheres.

Junto aos fatores externos que provocaram o desenvolvimento de assimetrias


em Israel, tem-se o fato de que as sociedades cananeias eram cidades com Estados
monárquicos. Onde o monarca possuía extensos poderes como, conscrição militar,
requisição de terras, requisição de rebanhos, requisição de filhos e servos, dízimos,
impostos e trabalhos forçados. Todos estes fatores provocavam uma aguda distinção
de classes sociais entre os povos cananeus, em contraposição à sociedade mais
homogênea dos israelitas dos tempos patriarcais (DOUGLAS, 2006).

No tange aos fatores internos, com o passar do tempo, a estrutura segmentária


de linhagens igualitárias e homogêneas vai sendo corroída por falhas e extrapolações
sociais, pois, de outro modo, nenhuma liga de tribos se transformaria num Estado
complexo e estratificado socialmente. Este é um processo que demanda muito tempo
e uma série de fissuras no tecido social da solidariedade, como conflitos familiares,
dificuldades econômicas, crimes, até se tornar um fosso que separa famílias, parentes
e confraternos. Em algumas narrativas bíblicas aparece tal estratificação, como no caso
de Nabal, em que o texto original em hebraico usa a expressão “muito grande”, referindo-
se às suas posses. Assim como, também se refere a “homens oprimidos”, referindo-se
aos endividados (DOUGLAS, 2006).

Havia um homem em Maon cujas propriedades estavam em


Carmelo. Era um homem muito rico: possuía três mil ovelhas e mil
cabras. Ele encontrava-se então em Carmelo para a tosquia de suas
ovelhas. Chamava-se Nabal, e sua esposa Abigail, mulher de grande
inteligência e formosura. Ele, porém, era grosseiro e mau; descendia
de Caleb. Davi, no deserto, sabendo que Nabal tosquiava o seu
rebanho, mandou-lhe dez homens com esta ordem: Subi a Carmelo
e dirigi-vos a Nabal, saudando-o em meu nome e dizendo-lhe: Pela
vida! A paz seja contigo! Paz à tua casa e paz a todos os teus bens! (1
Samuel 25, 2-6).

74
Davi partiu dali e refugiou-se na caverna de Odolão. Seus irmãos
e toda a sua família, ouvindo isso, foram juntar-se a ele. Todos os
que se viam em miséria, os endividados, os descontentes, foram ter
com Davi, e ele tornou-se o seu chefe. E estiveram com ele cerca de
quatrocentos homens (1 Samuel 22,1,2).

Apesar da mudança social e no modo de produção, na transição da sociedade


tribal fundamentada na linhagem clânica para a sociedade estatal, esta continuou a ser
baseada nas relações de parentesco. Não houve grande diferenciação ou alteração do
modo de organização social. O que se tem é que o aparato estatal que se sobrepõe às
relações de parentesco, que continuam a ser as unidades básicas da sociedade, com
suas famílias e clãs autônomos, autossuficientes em termos produtivos.

A narrativa bíblica condensa toda a conjunção de fatores que conduziram à


formação do Estado em Israel, estabelecendo uma distinção crítica entre o modo de
vida tribal simples e o modo de vida complexo da monarquia:

Samuel, tendo envelhecido, estabeleceu os seus filhos juízes de


Israel. Seu filho primogênito chamava-se Joel, e o segundo Abia; e
julgavam em Bersabéia. Os filhos de Samuel, porém, não seguiram
as suas pisadas, mas deixaram-se arrastar pela cobiça, recebendo
presentes e violando o direito. Todos os anciãos de Israel vieram
em grupo ter com Samuel em Ramá, e disseram-lhe: Estás velho
e teus filhos não seguem as tuas pisadas. Dá-nos um rei que nos
governe, como o têm todas as nações. Estas palavras: Dá-nos um
rei que nos governe, desagradaram a Samuel, que se pôs em oração
diante do Senhor. O Senhor disse-lhe: Ouve a voz do povo em tudo
o que te disseram. Não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, pois já
não querem que eu reine sobre eles. Fazem contigo como sempre o
têm feito comigo, desde o dia em que os tirei do Egito até o presente:
abandonam-me para servir a deuses estranhos. Atende-os, agora;
mas declara-lhes solenemente, dando-lhes a conhecer os direitos
do rei que reinará sobre eles. Referiu Samuel todas as palavras do
Senhor ao povo que reclamava um rei: Eis, disse ele, como vos há de
tratar o vosso rei: tomará os vossos filhos para os seus carros e sua
cavalaria, ou para correr diante do seu carro. Fará deles chefes de mil
e chefes de cinquenta, empregá-los-á em suas lavouras e em suas
colheitas, na fabricação de suas armas de guerra e de seus carros.
Fará de vossas filhas suas perfumistas, cozinheiras e padeiras.
Tomará também o melhor de vossos campos, de vossas vinhas e de
vossos olivais, e dá-los-á aos seus servos. Tomará também o dízimo
de vossas semeaduras e de vossas vinhas para dá-los aos seus
eunucos e aos seus servos. Tomará também vossos servos e vossas
servas, vossos melhores bois e vossos jumentos, para empregá-los
no seu trabalho. Tomará ainda o dízimo de vossos rebanhos, e vós
mesmos sereis seus escravos. E no dia em que clamardes ao Senhor
por causa do rei, que vós mesmos escolhestes, o Senhor não vos
ouvirá. O povo recusou ouvir a voz de Samuel. Não, disseram eles; é
preciso que tenhamos um rei! Queremos ser como todas as outras
nações; o nosso rei nos julgará, marchará à nossa frente e será
nosso chefe na guerra. Samuel ouviu todas as palavras do povo e
referiu-as ao Senhor. E respondeu-lhe o Senhor: Ouve-os; dá-lhes
um rei. Samuel disse aos israelitas: Volte cada um para a sua cidade
(1 Samuel 8,1-22).

75
As transformações sociais e no modo de vida vão acontecendo gradativamente. Aos
poucos, a figura do rei vai adquirindo importância, assumindo parte da responsabilidade
e o lugar da estrutura patriarcal, sendo responsável pelo bem-estar do povo, sua defesa
e pelo acesso às dádivas divinas e da natureza.

Em algum grau, a presença de um monarca se rivaliza com a presença de


Yahweh. A demanda dos hebreus era por um “deus” que eles pudessem ver e tocar. É
importante lembrar que mudanças na estrutura social sempre estão ligadas a causas
multifatoriais, encadeadas por dinâmicas internas e externas, por elementos novos que
surgem ou até mesmo por elementos constitutivos que sempre estiveram presentes na
cosmovisão.

3 A COSMOVISÃO HEBRAICA
Mesmo cientes dos problemas de imprecisão relativos à tradução de certos
termos, optamos por utilizar supra textualmente o termo cosmovisão. O termo alemão
weltanschauung tem sido traduzido por cosmovisão ou visão de mundo. A princípio
se pode pensar que não há dificuldade alguma em se traduzir welt, para mundo e
anschauung, para visão. A questão é que o termo tem sua origem na filosofia alemã,
com Immanuel Kant (1724 – 1804). E em cada nova utilização, Dilthey (1838 – 1911),
Mannheim (1893 -1947), Heidegger (1889 – 1976), o termo adquire novas acepções e até
mesmo acepções antagônicas. Na acepção kantiana, weltanschauung é empregado de
forma análoga à filosofia da cultura (BLACKBURN, 1997).

Nas ciências sociais, em particular na antropologia, cosmovisão é um conjunto


de crenças gerais a partir do qual se desenvolve uma visão de mundo sustentada por
valores fundantes. Esse conjunto de crenças e valores dão origem e sustentam todas as
ideias e conceitos acerca da realidade e da vida. Como não é possível ter acesso direto
à realidade, a cosmovisão é a construção de interpretações e significações de como a
realidade se apresenta para os grupos humanos e para os indivíduos membros destes
grupos.

Com relação aos povos da antiguidade, não está claro para os antropólogos,
sociólogos e filósofos da religião, quais os limites, as diferenças e a natureza da relação
entre a cosmovisão de um grupo e sua religião. No entanto, a ideia de que a religião
é parte constitutiva da vida cultural desses povos é amplamente aceita. O que nos
leva a entender que a cosmovisão desses povos tem como realidade subjacente a sua
religião. Nesse sentido, dizer “cosmovisão religiosa”, consiste em redundância, pois
toda cosmovisão é necessariamente religiosa. Além disso, alguns teóricos da religião
acreditam que a característica definidora do ser humano é o homo religiosus, como
afirma Poupard (1984, p. 860): “O homem religioso é aquele que crê na presença de uma
força, o sagrado, e que ajusta o seu comportamento a essa crença”. E, ainda, Eliade
(1996, p. 14) afirma que:

76
[...] O homo religiosus é um homem que transmite uma mensagem:
esta mensagem vem da história, mas transcende a história [...] O
homo religiosus vive uma experiência religiosa. Ele encontra-se
numa série de situações existenciais que o colocam em contato
com o mundo transcendente. Através das diversas situações por ele
assumidas, penetramos no seu universo espiritual. Essas situações
deixaram traços. Em definitivo, a história das religiões é a história
do homo religiosus mergulhado na realidade existencial das suas
crenças, das suas experiências e do seu comportamento. Esse
homem crê na origem sagrada da vida e no sentido da existência.
Assim, o homo religiosus é o homem que “toma conhecimento do
sagrado, poque este se manifesta, se mostra como qualquer outra
coisa completamente diferente do profano”.

A descrição do homem religioso feita por Poupard (1984) e Eliade (1996) é a


discrição que encaixa no perfil antropológico do homem hebreu e da mulher hebreia.
Um povo marcado pela epifania do sagrado, como manifestação que desde os tempos
imemoriais esteve presente de forma exclusiva na sua constituição.

A genealogia e a historiografia dos hebreus é a história de como Yahweh é,


como Ele se relaciona com os seres humanos e como Ele intervém na história humana.
De modo que não há como pensar em hebreus, em Israel ou em judeus sem levar em
consideração sua relação constitutiva com Yahweh.

3.1 A MITOLOGIA HEBRAICA


Caro acadêmico, sem adentrar a questão de natureza hermenêutica, do caráter
literal ou mítico dos escritos bíblicos, trataremos da mitologia hebraica, pois, do ponto
de vista da estilística, alguns escritos e algumas narrativas bíblicas enquadram-se neste
estilo narrativo literário, podendo, assim, serem colocados lado a lado com as narrativas
mitológicas de outros povos da antiguidade. O que em absoluto interfere na sacralidade
ou na legitimidade moral dos escritos bíblicos.

O termo mito é costumeiramente utilizado de forma equivocada. Quando


utilizado pelo senso comum e pela sabedoria popular, o termo tem o significado de
fábulas ou lendas sobre façanhas de deuses, semideuses, heróis e figuras folclóricas.
Também é comum a utilização do termo mito para se referir a personagens históricos
e pessoas. No que tange ao ambiente acadêmico, o termo mito é utilizado de forma
correta para expressar uma variedade de coisas, dado os múltiplos significados que o
termo adquiriu ao longo da história dos estudos culturais (MARQUES, 2015).

Devido à influência grega que legou ao ocidente uma noção pejorativa de mito
em termos intelectuais, como aquilo que foge à lógica hipotética dedutiva, há certa
resistência por parte de alguns segmentos religiosos em aceitar que tais narrativas
seriam de natureza mitológica, como nos informa Marques (2015, p. 18):

77
A Bíblia hebraica tem, no seu início, um livro que começa com um
capítulo no qual se descreve a criação do universo material, dos seres
vivos e do homem. Trata-se do Livro do Gênesis, que foi colocado
no início do conjunto bíblico não porque seja o de redação mais
antiga, mas exatamente porque relata o início de tudo. Este relato
foi tomado à letra por muitos e em diferentes épocas (ainda hoje por
algumas comunidades), mas é óbvio para os estudiosos que se trata
de um relato mítico, que apenas pretende explicar o mundo como
ele se apresentava aos autores dos relatos, bem como os redatores
(compiladores) finais do texto.
O seu tema fundamental, do ponto de vista teológico, é o tema da
criação. Tudo o que existe é obra do Deus único, Yahweh, que o criou
pela palavra, num tempo primordial, longínquo, dispondo tudo tal
qual como se encontra hoje, através de processos de criação e de
separação dos diversos elementos, até resultar algo ordenado e com
sentido, após o estado caótico original: «a terra era informe e vazia,
as trevas cobriam o abismo e o sopro de Deus (ruah ̓elohîm) movia-
se sobre a superfície das águas» (Gênesis 1, 2-3).

Em primeiro lugar, vamos entender o que é de fato o mito, depois entender qual a
sua função e por último, os tipos de mito. O conceito de mito aqui apresentado se orienta
pelas formulações desenvolvidas por Croatto (2001), Eliade (1989) e Detienne (1998).

De acordo com esses “mitólogos”, o mito pertence à ordem das narrativas, da


oralidade ou escrita. O mito se caracteriza pela narrativa histórica ligada a uma tradição,
que lida com entidades que têm como atributo não serem meros humanos; acerca
de fatos passados em tempos primordiais. É uma explicação etiológica dos fatos do
cotidiano. Sua matéria se aproxima da verdade que não pode ser alcançada pela mente
humana, mas que pode ser vagamente intuída. Por último, para se compreender uma
narrativa mitológica é preciso entender que sentido está no todo e não nas partes
(MARQUES, 2015).

Quanto a sua funcionalidade, o mito é uma narrativa explicativa de alta eficácia


didático pedagógica. Ao invés de utilizar conceitos, o mito é construído a partir de
símbolos. O mito é uma narrativa, que por natureza agrega vários símbolos. Deste modo,
os elementos utilizados, que são os signos, servem como representação de significados
compartilhados pelo grupo.

O signo é apenas um intermediário na produção de conhecimento simbólico.


O símbolo está para o mitógrafo e para o hagiógrafo, assim como o conceito está para
o cientista. Num certo aspecto, a linguagem simbólica supera a linguagem conceitual,
pois, o símbolo transborda os limites do racional e atinge camadas mais profundas da
psique humana (ELIADE, 1989).

O fato das grandes questões da existência humana serem alvo de reflexão


desde os primórdios, a mitologia dos povos antigos é um conjunto de relatos que dizem
respeito às inquietações básicas da existência: a origem, o propósito, o sentido, a
finalidade e o destino.

78
O mito fornece uma explicação satisfatória para o contexto em que foi elaborado.
Entre outras coisas, sua função é a de tornar coerente explicações que de outro modo
não seriam compreendidas.

Na narrativa mitológica está projetado os anseios do grupo num determinado


momento de sua história. E o motivo dos mitos se tornarem imortais é porque carregam
em si traços da psicologia humana, da antropologia, assim como valores éticos e morais
aplicáveis à realidade humana em qualquer época ou contexto (DETIENNE, 1998).

Quanto aos tipos, os mitos são: teogônicos, cosmogônicos e parenéticos.


Os mitos teogônicos tratam da origem, genealogia e filiação dos deuses. Os mitos
cosmogônicos descrevem a origem da criação do mundo, do cosmos. E os mitos
parenéticos trazem exortações de caráter moral. Os mitos teogônicos são típicos das
culturas politeístas. Entre os hebreus não existem mitos teogônicos, apenas mitos
cosmogônicos e parenéticos.

A cosmogonia hebraica está no capítulo um do livro de Gênesis, chamado


bereshit. A narrativa traz uma visão teológica da criação do universo, portanto, não tem a
intenção de ser um relato ou descrição minuciosa da origem do universo. Apenas traduz
em termos de linguagem, de imagens e de estrutura simbólica a afirmação radicular de
que tudo o que existe é obra de Yahweh, que tudo criou pelo poder de sua palavra, sem
utilizar matéria pré-existente alguma.

Em termo de estrutura semântica de linguagem, de mentalidade e de cronologia,


as narrativas bíblicas sobre a origem guardam grande proximidade das mitologias
congêneres egípcia e mesopotâmica. Essas narrativas iniciam-se com a ação de deuses
em tempos primordiais, imemoriais, criando o universo e seres humanos para darem
continuidade de cuidado e manutenção do mundo criado.

A exemplo disso, na mitologia mesopotâmica encontra-se a proposição de que


o ser humano “foi criado para substituir os deuses menores nos trabalhos agrícolas
e outros que já estavam cansados desses afazeres e ameaçavam com uma total
paralização” (MARQUES, 2015, p. 17).

As narrativas mitológicas do oriente próximo seguem o mesmo padrão de


criação e desenvolvimento progressivo dos desdobramentos da criação até que as
narrativas mitológicas se encerram abruptamente, ou se conectam com as narrativas
históricas. Este é um exemplo do caso hebreu:

É hoje aceito pelos principais especialistas da exegese e da


hermenêutica bíblicas que esse relato mítico se prolongue até ao fim
do capítulo décimo primeiro do livro do Gênesis, sendo que a criação
se vai completando, aperfeiçoando, ganhando progressivamente as
características observadas ao tempo, através de episódios variados e
de recursos diversos, até desembocar no tempo histórico dos patriarcas
hebreus, no capítulo décimo segundo. Efetivamente todos os relatos

79
dos primeiros onze capítulos se situam num tempo primordial, mítico,
sem personagens históricos, sendo esses relatos muitas vezes de cariz
etiológico, procurando proporcionar explicações para o tempo do autor,
de difícil compreensão ou aceitação, através de histórias colocadas nas
origens ou tempos muito antigos, elaboradas para esse fim.
Vivendo o povo israelita num determinado contexto cultural,
nomeadamente entre os egípcios e os povos do Próximo Oriente Antigo,
é natural que tenha absorvido muito do material mítico próprio desses
povos e que o tenha incorporado, adaptando-o à sua especificidade,
nos seus próprios escritos. Assim, com as descobertas arqueológicas
recentes, séculos XIX e XX, de textos diversos desses povos, foi possível
aos estudiosos dos textos bíblicos detectar semelhanças, em muitos
relatos, entre as histórias bíblicas e as outras, relativas a contextos e a
problemáticas idênticas (MARQUES, 2015, p. 18).

Seguindo as narrativas mitológicas sobre a criação têm-se as narrativas sobre


a intervenção divina. Essas narrativas seguem a mesma estrutura, em que o caos
foi contido ou aniquilado. Enfatizam a temática de trazer para o contexto humano a
eminência da aniquilação, regresso do caos, paralelamente ao avanço da civilização
humana, no sentido de progresso e a multiplicação da maldade.

As narrativas que se enquadram nessa discrição são as narrativas do dilúvio e


a da Torre de Babel. No caso de Babel, Marques (2015), diz que a ação divina neste caso
foi mais preventiva do que punitiva. Narrativas mitológicas semelhantes a essas estão
presentes nos mitos sumérios de Atrahasis, Epopeia de Gilgamesh e texto sumério de Nipur.

3.2 AS CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DA CRIAÇÃO


A Torá é a fonte constitutiva da identidade judaica. O modo de ser judaico está
expresso na Torá. Nela está a fundação do povo e da nação. A relação do povo com
Yahweh, a partir do culto, da moral e dos costumes que distinguem os judeus dos
demais povos. Por isso que os judeus são chamados de “o povo do livro”. Ela é fonte e
alicerce do ethos judaico. Assim como a cosmovisão judaica tem sua fonte na bereshit
– o livro de Gênesis. Nele encontra-se noções acerca da criação, da criação humana,
seus principais aspectos, traços característicos da psicologia humana, a origem do
sofrimento, o destino humano, sua finalidade e o cerne da natureza da relação do ser
humano com Yahweh.

No capítulo um do livro de Gênesis (1, 26-27), há a afirmação de que o ser humano


foi criado à imagem e semelhança divina. As principais tradições judaicas interpretam
a declaração sobre a criação humana ser imagem e semelhança, como sendo uma
analogia à capacidade criativa. Essa interpretação é corroborada pelo contexto imediato
seguinte (Gênesis 1:28), informando que o ser humano participa de algum modo da
atividade criadora, ocupando o topo da pirâmide criacional. No Egito, tal comparação
entre divindade e humanos era reservada apenas ao faraó (CROATTO, 2013; MARQUES,
2015). Veja a narrativa bíblica:

80
Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.
Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os
animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que
se arrastem sobre a terra." Deus criou o homem à sua imagem; criou-o
à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou:
"Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a.
Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos
os animais que se arrastam sobre a terra" (Gênesis 1, 26-28).

Um dos aspectos existenciais mais importantes da narrativa do Gênesis é a


explicação do sentido para a vida humana, a compreensão do sofrimento e da morte,
e principalmente, a resolução do paradoxo entre a bondade divina, a condição em que
se encontra o ser humano e a existência do mal. O sofrimento não pertence à obra da
criação. Ele é uma intrusão no mundo criado. A criação foi feita livre e boa, como afirma
Gênesis (1, 31). Contudo, com a entrada da transgressão humana no âmbito da criação,
tem-se também a entrada do sofrimento e da morte (DOUGLAS, 2006; MARQUES, 2015).

O uso metafórico da expressão “imagem e semelhança” também denota


a natureza da relação estabelecida entre criatura e criador. Imagem esta que fora
corrompida no advento da queda:

O relato do Gênesis sobre a criação emprega essa palavra [imagem]


em sentido teológico “criou Deus, pois, o homem à sua imagem”
(Gênesis 1, 27; 9, 6). Nessas poucas palavras o escritor define tanto a
natureza do homem como a relação entre o homem e Deus; por outro
lado, há a distinção fundamental entre o homem e os animais, mas,
não tem a mesma posição que Deus, mas antes, depende dele, e só
existe por causa de sua vontade. Por causa do pecado de Adão essa
imagem ficou desfocalizada, pelo que não é claramente percebida
em seus filhos (Gênesis 5, 3) (JONES, 2006, p. 611-612, grifo nosso).

Há certa dificuldade em identificar claramente qual era a crença hebraica acerca


do fim da história e a vida pós-morte. Essas concepções foram se desenvolvendo e só
se tornaram um corpus teórico mais sólido no judaísmo. No que tange às concepções
mais radiculares, mais básicas: não havia entre os hebreus a esperança de ressureição.
Acreditam que após a morte todos indistintamente iriam para o seol – “terra dos
mortos”, “terra de não retorno”. Termo que foi traduzido para grego, hades e geena e para
o português, inferno. O conceito de seol estava presente nas escatologias do Oriente
Próximo. A princípio acreditava-se que o seol era um poder paralelo a Yahweh. Depois
passou-se a acreditar que Yahweh era Deus do seol e que seria o destino apenas dos
ímpios (CROATTO, 2013; DOUGLAS, 2006).

As experiências de cativeiro, de martírio, de perseguição, juntamente com as


influências persa, egípcia e grega, mas especificamente do platonismo, fizeram com
que se desenvolvesse uma escatologia de continuidade histórica entre os judeus. Como
Yahweh havia prometido terra, riquezas e triunfo e estes não haviam se concretizado na
história de Israel, a esperança de realização foi projetada para outra vida. A partir desta
concepção se desenvolvem as correntes apocalipsistas com esperança na ressureição
dos mortos.

81
3.3 CONCEPÇÕES JUDAICAS ACERCA DO SOFRIMENTO
A história do povo hebreu é um dos capítulos da história universal em que é possível
verificar a presença constante e aguda do sofrimento humano. Uma interpretação literal da
narrativa do Gênesis causa a impressão de que há uma relação direta de causa e efeito
entre errar e ser automaticamente punido como consequência do episódio da queda
humana. Em diálogo com a narrativa teodiceica do Gênesis, a tradição sapiencial judaica
dá importante destaque ao tema do sofrimento humano, que a partir da realidade física
espraia-se para as dimensões da qualidade de vida do indivíduo, do aspecto psicológico,
religioso e espiritual (DOUGLAS, 2006; MARQUES, 2015).

Como não existe na língua hebraica o termo para sofrimento no sentido amplo
e abstrato, como por exemplo, o conceito moderno de “sofrimento existencial”, é típico
do pensamento e da literatura judaica usar o sofrimento e enfermidades físicas e dores
específicas nos órgãos internos como metáforas do sofrimento generalizado, que atinge
toda a interioridade e exterioridade do ser humano:

Cravou em meus rins as flechas de sua aljava (Lamentações 3, 13).


Eu mesmo o contemplarei, meus olhos o verão, e não os olhos de
outro; meus rins se consomem dentro de mim (Jó 19, 27).
Por essa causa tenho os rins atenazados, e sou tomado de dores
como uma mulher no parto. Atordoa-me o sofrimento, cega-me o
terror (Isaías 21: 3).
Enquanto me conservei calado, mirraram-se-me os ossos, entre
contínuos gemidos (Salmos 32, 3).
A noite traspassa meus ossos, consome-os; os males que me roem
não dormem (Jó 30, 17).
A língua sã é uma árvore de vida; a língua perversa corta o coração
(Provérbios 15, 4).

As crenças sociais e coletivas nunca são um conjunto de concepções coesas,


seja sobre coisas triviais do dia ou acerca das questões fundamentais da existência.
Essas crenças possuem certa dinâmica e mobilidade. Além disso, estas também variam
e oscilam de acordo com o nível de consciência que o indivíduo possui e sua localização
na hierarquia social. Ainda sobre as concepções acerca do sofrimento, Marques (2015)
diz que apesar de intrínseca relação entre o sofrimento humano e o pecado, a chamada
“teologia da retribuição”, a tradição judaica também atribui como causa do sofrimento
psicológico, espiritual, a situações como a morte, a solidão, a saudade, as perseguições,
o abandono e a infidelidade, à própria fragilidade da condição humana:

Fiquei mudo, mas sem resultado, porque minha dor recrudesceu. Meu
coração se abrasava dentro de mim, meu pensamento se acendia
como um fogo, então eu me pus a falar: Fazei-me conhecer, Senhor,
o meu fim, e o número de meus dias, para que eu veja como sou
efêmero. A largura da mão: eis a medida de meus dias, diante de vós
minha vida é como um nada; todo homem não é mais que um sopro.
De fato, o homem passa como uma sombra, é em vão que ele se
agita; amontoa, sem saber quem recolherá (Salmos 39, 2-6).

82
A questão do sofrimento também se relaciona com o sistema de sacrifícios
judaicos. O conjunto de prescrições ritualísticas da lei mosaica acabou por estabelecer
uma relação com o sagrado mediada pelo ciclo de dádivas e bençãos. Quanto mais
se oferece sacrifícios e ofertas mais se atrai o favor divido. Quanto menos ou nada se
oferece, menos chance de se atrair a atenção divina. Daí se estabelece um ciclo vicioso
que desemboca na “teologia da retribuição”. Esta teologia estabelece uma relação
estreita entre o pecado e castigo pela via do sofrimento. Assim como a obediência
é recompensada pela via da prosperidade dos bens e da prole extensa (DOUGLAS,
2006; KESSLER, 2009; MARQUES, 2015).

A confissão e o abandono do erro são atitudes que fazem cessar as sanções


e o castigo. De modo que, aquele que se encontra na situação de negativo é porque
continua pecando ou é porque não fora perdoado. Esta crença está patente nos diálogos
entre o patriarca Jó e os seus amigos. Vamos a uma breve análise a saga de sofrimento
vivida por Jó:

Havia um homem que morava na terra de Uz, e se chamava Jó. “Era um


homem íntegro e reto, que temia a Deus e se afastava do mal”. Tinha uma família com
esposa, sete filhos e três filhas. Era um homem rico, possuindo sete mil ovelhas, três
mil camelos, quinhentas jumentas, quinhentas juntas de bois. Tinha também grande
número de servos. “Era, pois, o mais rico de todos os homens do Oriente” (Jó 1:3).

Os filhos de Jó estavam sempre envolvidos em festas e banquetes,


comungando uns com os outros em sua felicidade e fartura. Jó era um homem
preocupado com a espiritualidade de seus filhos, oferecendo sempre, após cada festa
holocausto por cada um dos sete filhos, pedindo perdão por seus possíveis pecados.
Assim se dava a rotina de Jó e sua família, em regozijo e felicidade dia após dia.

Certo dia, houve uma reunião no céu, comparecendo na presença de Yahweh


todos os anjos. Entretanto, no meio destes anjos estava Satanás. Yahweh chama
Satanás para uma conversa perguntando-lhe:

– De onde vens?

Ao que Satanás responde:

– De rodear a terra e passear por ela.

Yahweh então lhe provoca perguntando se ele observou seu servo Jó, e
elogia este homem em relação à sua fidelidade e seu caráter irrepreensível, mas
Satanás reage e argumenta que Jó só é assim fiel, porque Yahweh o cobre com toda
sorte de benção, e desafia propondo que Jó sofra a fim de se verificar se continuará

83
fiel como o é na bonança. Yahweh aceita o desafio, confiando na boa índole de seu
servo, e então, num primeiro momento, retira-lhe os bens, os servos e os filhos.
Entretanto, Jó permanece fiel mesmo diante dessas tragédias.

Noutro dia, vem novamente Satanás à presença de Yahweh e este diz:

– Viu como meu servo é leal? Mesmo diante do sofrimento inútil que eu lhe
causei, ele continua fiel!

Mas Satanás argumenta que ele continua fiel só porque não sentiu na própria
pele a dor. Então Yahweh outorgou a Satanás o poder de flagelar a Jó, colocando
como limite, apenas, não lhe tirar a vida. Desse momento em diante, Satanás cuidou
para que a vida de Jó se tornasse um inferno, fazendo-o doente da cabeça aos pés.

Os amigos de Jó vieram visitá-lo para prestar-lhe condolências pela sua dor,


mas aproveitaram para exortá-lo a se arrepender dos pecados que cometera, pois
acreditavam que seu intenso sofrimento era uma consequência natural de pecados
cometidos.

Jó se sentiu injustiçado, pois sabia que não tinha cometido pecado algum,
e que seu sofrimento, portanto, não era um castigo merecido. Diante de tamanha
desgraça, Jó se tornou rejeitado pela sociedade, pelos amigos e até por sua própria
mulher, que queria que ele amaldiçoasse a Yahweh e morresse. Porém, mesmo em
meio a dor física e ao desprezo, Jó permaneceu fiel (Jó, 1-42).

A narrativa dramática da vida de Jó se enquadra na categoria de parênese. Que


é um discurso exortativo que atua como referência moral, modelando, legitimando ou
coibindo certos tipos de comportamentos.

Há elementos na estrutura da narrativa que indicam que o autor dessa novela


dramática é provavelmente um intérprete do povo hebreu, e que este suscita a reflexão
sobre a dor e o sofrimento humano. De acordo Croatto (2013), o que há de histórico
nessa narrativa é o seu horizonte de produção. Esse parece ser o contexto de sofrimento
vivido em um tempo de cativeiro, quando surge a necessidade de uma explicação que
justifique para o povo sofredor qual a razão do seu sofrimento e que, ao mesmo tempo,
consiga eximir o próprio Yahweh de qualquer culpa.

Para garantir a eficácia pedagógica da parênese, o autor constrói a sua narrativa


sob a ação e a autoridade de seres sobrenaturais, Yahweh e Satanás. O sentido da
existência, as desventuras e sofrimentos da vida e o lugar do ser humano diante da
divindade encontram uma explicação metafísica e teológica na narrativa. Compete a
Jó, e por consequência a todo ser humano, somente se colocar na sua condição de
criatura e, resignadamente se conformar com o sofrimento como sendo próprio da
realidade humana (CROATTO, 2013).

84
Diante do que parecia ser um paradoxo – o sofrimento de um justo, num
contexto em que todo sofrimento estava relacionado à infração moral e ao pecado,
a narrativa surpreende com um desfecho que aponta para a inerência do sofrimento
humano. Diante da inexorabilidade do sofrimento, Jó se recolhe ao sentimento de
criatura (CROATTO, 2013).

O desfecho da narrativa dramática de Jó introduz a concepção do sofrimento


como pedagogia. Depois de um longo período de silêncio, Yahweh se manifesta e toda a
tragédia de Jó parece fazer sentido. No silêncio quebrado por Yahweh, “a linguagem dá
significado à existência, e a existência só se torna significante por causa da linguagem
discursiva que lhe empresta um significado” (ELIADE, 1996, p. 74). Afinal, não há nada
mais terapêutico do que compreender que o sofrimento não é necessariamente um
castigo e, além disso, útil para tornar o ser humano em um ser ainda mais nobre.

4 O PARENTESCO
O parentesco é a primeira forma de organização da vida em coletividade. É um
sistema que consiste em definir os limites da família, em atribuir estatutos e papéis aos
indivíduos e subgrupos, em regular a atividade sexual do grupo, em exprimir relações
econômicas segundo a idade, o sexo e o lugar dos indivíduos no grupo. Parentesco
se define pelo conjunto das relações que unem geneticamente, ou seja, por filiação e
descendência, ou voluntariamente, por meio da aliança, do pacto de fidelidade de um
certo número de indivíduos (LÉVI-STRAUSS, 1982).

O sistema de parentesco não é simplesmente uma questão de tradução de


termos de uma língua para outra. Não é universal. São sistemas diferentes que não
possuem os mesmos termos, e cada cultura tem o seu próprio sistema. Por exemplo, o
sistema tupi-guarani possui uma concepção tão radical da patrilinearidade, em que não
existe o termo mãe na língua tupi.

O termo equivalente seria a “mulher do pai”. Já no hebraico arcaico existia os


dois termos: ‘em para mãe e ‘av para pai. Os dois termos são provavelmente palavras
imitativas dos primeiros sons labiais de um bebê.

Entre os hebreus se dava muita importância aos filhos, eram considerados um


sinal do favor divino. Quanto mais a prole fosse extensa mais mão de obra disponível,
mais proteção e mais segurança. Cabia à mãe criar os filhos e cuidar da primeira
educação. Quando alcançavam a puberdade ficavam sob os cuidados do pai.

Enquanto as filhas ficavam sob os cuidados da mãe na puberdade e aprendiam o


serviço doméstico. Não há registro de escolas entre os hebreus no período patriarcal. Os
filhos aprendiam com o pai sobre a lei, os ritos, a história e também a profissão, que era a
mesma do pai. Essa instrução era muito valorizada. Há um provérbio do Talmude Babilônico
que diz: “Quem ensina ao filho uma profissão ensina a não ser ladrão” (GARIN, 2010).

85
Uma concepção tipicamente hebreia ou judaica diz respeito à sacralidade da
família, principalmente dos pais. A ordenação presente na Torá: “honra teu pai e tua mãe”,
não tem paralelo nos códigos congêneres do Oriente Próximo. E é importante frisar que
é pai e mãe, não somente pai. Isto significa que ambos estão no mesmo patamar de
respeito, de acordo Chwarts (2016). De modo que o desrespeito aos país constitui-se em
erro gravíssimo: “Aquele que ferir seu pai ou sua mãe, será morto” (Êxodo 21,15); “Maldito o
que despreza o pai e a mãe! E todo o povo dirá: Amém!” (Deuteronômio 27,16). Os primeiros
conselhos da literatura sapiencial são conselhos sobre a importância dos pais:

Ouve, meu filho, a instrução de teu pai: não desprezes o ensinamento


de tua mãe. Isto será, pois, um diadema de graça para tua cabeça e
um colar para teu pescoço (Provérbios 1,8-9).
Guarda, filho meu, os preceitos de teu pai, não desprezes o
ensinamento de tua mãe. Traze-os constantemente ligados ao teu
coração e presos ao teu pescoço. Servir-te-ão de guia ao caminhares,
de guarda ao dormires e falarão contigo ao despertares, porque
o preceito é uma tocha, o ensinamento é uma luz, a correção e a
disciplina são o caminho da vida (Provérbios 6, 20-23).

No Antigo Testamento não existe um termo que corresponda de forma precisa


ao termo moderno, família, como composta por pai, mãe e filhos. O termo que mais
se aproxima de família é o termo beit (“casa”). Entretanto, este termo pode significar
tanto um grupo de pessoas quanto a habitação em si. Em alguns contextos, o termo
beit é utilizado para designar aqueles que vivem sob o mesmo teto, mas também para
identificar um número bem maior de pessoas, como “casa de Israel”:

Dizei a toda a assembleia de Israel: no décimo dia deste mês cada


um de vós tome um cordeiro por família, um cordeiro por casa. Se
a família for pequena demais para um cordeiro, então o tomará
em comum com seu vizinho mais próximo, segundo o número das
pessoas, calculando-se o que cada um pode comer (Êxodo 12: 3,4).
A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens
de Judá são a planta de sua predileção. Esperei deles a prática da
justiça, e eis o sangue derramado; esperei a retidão, e eis os gritos de
socorro (Isaías 5, 7).

O termo equivalente mais próximo do português “família”, encontra-se na frase


beit ‘av (“casa do pai”). Curiosamente, o termo hebraico mais traduzido por família é
mishpahah, que na verdade tinha o sentido mais de clã do que de família (DOUGLAS,
2006). A beit ‘av, casa paterna era composta pela família extensa.

Geralmente, contava com pai e mãe, filhos solteiros, filhos casados com esposas
e filhos, viúvas, aparentados, servos e escravos e estrangeiros recebidos como hospedes.
Na casa paterna se concentrava o poder político e econômico, que eram exercidos pelo pai.
Essa é uma configuração típica do período patriarcal (CHWARTS, 2016).

86
O patriarca conduzia seu clã como uma expressão de sua devoção a Yahweh. Isso
pode ser evidenciado nos nomes dados aos filhos e nos nomes de lugares significativos
denominados pelo patriarca. Prática que resultava em uma forma de transmitir valores,
crenças de geração em geração e a importância de se manter fiel a Yahweh.

Neste tempo não havia sobrenomes, a patronímia era um hábito comum dos
grupos de linhagem segmentários patriarcal, de utilizarem o nome do pai para identificar
dentro do próprio grupo os indivíduos com o mesmo nome, visto que o repertorio de
nomes não era tão vasto, resultando em muitos indivíduos com nomes iguais no mesmo
clã ou tribo (DOUGLAS, 2006).

Durante este período, o pai liderava os ritos religiosos na família. Tinha poderes
amplos sobre a vida daqueles que pertenciam a sua casa. O pai era sucedido pelo
primogênito, que herdava sua posição, nome, função e propriedades.

O sistema de descendência, era patrilinear, passava de pai para filho, mas


também era androlinear, passava somente do pai para o filho macho. O que poderia
também incluir indivíduos não consanguíneos ou filhos apenas do cônjuge macho,
no caso de concubinas e servas. Estes filhos eram tratados como filhos da verdadeira
esposa, como ocorre no caso de Abraão (MERRILL, 2001). Em comparação com os
costumes modernos, pode-se pensar que este sistema é machista, porém, sua lógica
está voltada para as questões de ordem econômica e da sobrevivência.

Na atualidade, os judeus estão divididos quanto à questão da descendência. A


maioria dos judeus acreditam na matrilinearidade. O que significa que a descendência
étnica é herdada através da mãe, ou seja, é judeu aquele que tem mãe judia. E há
os judeus sectários que acreditam na patrilinearidade, crença mais primitiva, como
demonstrado anteriormente.

Fato é que nem a Torá legisla sobre tal assunto. Não há nenhuma lei específica
sobre isso. E sobre as práticas pré-existentes à Torá, existem basicamente três posturas:
a Torá pode regulamentar, pode combater e pode ser indiferente, como neste caso.

Para as questões não prescritas a Torá orientava que se buscasse a orientação


dos juízes. Outro fator, é que a Torá foi escrita tendo como pressuposto a obediência
do povo e sua permanência na terra prometida e não misturados a outros povos, com
outras culturas e religiões (GARIN, 2010).

Contudo, sobre essa questão, há sim, uma prática patrilinear amplamente


demonstrada nas inúmeras genealogias das narrativas bíblicas. Também era praticada
no Médio Oriente antes da Torá ser escrita, como demonstra a narrativa de Judá e sua
nora Tamar:

87
Judá escolheu para Her, seu primogênito, uma mulher chamada
Tamar. Her, porém, o primogênito de Judá, era mau aos olhos do
Senhor, e o Senhor o feriu de morte. Então Judá disse a Onã: "Vai,
toma a mulher de teu irmão, cumpre teu dever de levirato e suscita
uma posteridade a teu irmão." Entretanto Onã, que sabia que essa
posteridade não seria dele, maculava-se por terra cada vez que se
unia à mulher do seu irmão, para não dar a ele posteridade (Gênesis
38, 6-9).

A crença na matrilinearidade surgiu posteriormente no judaísmo a partir de uma


interpretação da corte de Esdras – o Sinédrio, em hebraico sanhedrîn. Essa interpretação
da matrilinearidade está fundamentada no fato de que circunstancialmente é sempre
possível determinar a mãe de uma criança.

No caso do pai, é sempre mais complicado. Até mesmo atualmente, com


toda tecnologia disponível, ainda há menos de 1% de chance de o teste falhar ou ser
inconclusivo. Desde então, a interpretação se cristaliza e se transforma num costume.

É importante salientar, que uma decisão do Sinédrio abre um precedente e se


transforma em uma jurisprudência, mas em rigor, não é exatamente a mesma coisa que
a lei. Semelhante ao que aconteceu com o divórcio. Em que o costume acaba sendo
confundido com a lei.

Outra questão importante é não confundir matrilinearidade, descendência, com


matriarcado, que é uma organização social em que a função política é exclusivamente
exercida por mulheres. O matriarcado existe apenas na ficção. Não havendo registro
histórico ou etnológico de sua ocorrência.

Como a residência nesse sistema é patrilocal, em que os noivos vão morar com
os parentes do pai do novo, os demais membros da família, principalmente as filhas,
fundam linhagens aparentadas paralelas. A reunião dessas linhagens paralelas forma
o clã (mishpahah). A associação de vários clãs forma a tribo (shevet ou matteh). Como
esse sistema está fundamentado no parentesco de um ancestral primitivo comum, um
dos seus principais pilares, senão o principal, é o casamento endogâmico, de acordo
com (CHWARTS, 2016). O casamento endogâmico, preferencialmente com parentes
consanguíneos e monogâmicos é a união matrimonial ideal expressa na Torá:

O velho Abraão estava avançado em idade, e o Senhor o tinha


abençoado em todas as coisas. Abraão disse ao servo mais antigo
de sua casa, que administrava todos os seus bens: Mete tua mão
debaixo de minha coxa. Quero que jures pelo Senhor, Deus do céu
e da terra, que não escolherás para mulher de meu filho nenhuma
das filhas dos cananeus, no meio dos quais habito; mas irás à minha
terra, à minha parentela, e lá escolherás uma mulher para o meu filho
Isaac (Gênesis 24, 1-4).
Rebeca disse a Isaac: "Estou desgostosa da vida por causa das filhas
de Het. Se Jacó tomar uma mulher entre as filhas de Het, para que
ainda viver?" (Gênesis 27, 46).

88
O casamento endogâmico era a união preferencial, pois, era favorável para
manter a consanguinidade, os acertos econômicos e, no caso específico dos hebreus,
era indispensável para manter a identidade cultural e religiosa. Ademais, o casamento
exogâmico produz a assimilação cultural e religiosa, que acaba conduzindo às práticas
idolátricas (MERRILL, 2001).

Contudo, acadêmico, é importante ressaltar que toda essa estrutura de


parentesco era uma estrutura ideal. Na prática, havia as extrapolações do sistema,
como por exemplo, casamentos exogâmicos, casais morando na casa do pai da noiva, e
a poligamia que era permitida e praticada.

4.1 O MATRIMÔNIO E A SEXUALIDADE


O matrimônio judaico não é uma mera relação entre um homem e uma mulher.
É, na verdade, um pacto fundamentado em uma tríplice díade, sendo primeiro a que
vincula o homem e a mulher com a instituição da conjugalidade, nas obrigações de
cuidado, manutenção, responsabilidade, fidelidade e indissolubilidade; a que vincula o
casal com a sociedade, na fidelidade para com a manutenção linhagem endogâmica; e
por último, a que vincula o casal com Yahweh, sendo este o pacto precípuo, expressão
máxima de fidelidade do qual os demais vínculos são apenas analogias, são apenas
resultado do pacto sagrado com Yahweh (GONDIM, 2012). Dentro de uma estrutura de
linhagem segmentária judaica, não se casar é considerado uma ofensa muito grande,
podendo a pessoa viver como uma proscrita:

Para Ausubel (1989) não havia no hebraico bíblico um termo


correspondente para a palavra “solteiro”, possivelmente pelo fato de
que não havia necessidade dela. Obviamente, a simples ideia de não
se casar era inaceitável para os judeus dos dias de remotos (GONDIM,
2012, p. 73).

Assim como a fertilidade era interpretada como favor de Yahweh, ser estéril
também era interpretado como uma maldição. O matrimônio é uma teia de relações
complexas entre os hebreus e os demais povos da antiguidade. Parte desta complexidade
deve-se aos resquícios do modo de vida nômade tribal e parte se deve à influência de
outras culturas.

Na maioria dos casos, um dote era pago pelo noivo à família da noiva. Era muito
comum o dote ser pago por meio de trabalho do noivo para o sogro. Douglas (2006),
esclarece que não se deve interpretar o dote como pagamento pela noiva e sim uma
espécie de compensação pela perda de um membro valioso da família. Quando se casa
um filho homem, automaticamente a família recebe mais um membro, mais uma mão de
obra. No caso de se casar uma filha mulher, família perde um membro e por causa disso
deve ser compensada.

89
A idade ideal para o casamento era por volta dos 18 anos, porém, era aconselhável
fazer um jovem casar-se aos 13 anos, para que, entrando na puberdade, não passasse
pela experiência da ejaculação e fosse tentado a pecar (GONDIM, 2012). Um casamento
não poderia ocorrer sem o consentimento e a benção do patriarca da família. E era ele
quem escolhia com quem os filhos se casariam. Em alguns casos, o jovem escolhia uma
moça e os pais tratavam das negociações, mas raramente um filho se casava sem o
consentimento dos pais. E uma vez dada a benção dos pais ao casal, esta não poderia
ser revogada (DOUGLAS, 2006). De acordo com Chwarts (2016), Rebeca era o arquétipo
de esposa ideal entre os hebreus:

Portanto, a donzela a quem eu disser: Inclina o teu cântaro, por favor,


para que eu beba, e me responder: “Bebe, e darei de beber também
aos teus camelos, essa seja a que destina ao vosso servo Isaac.
Por isto conhecerei que manifestais vossa bondade para com meu
senhor." Ainda não tinha acabado de falar, quando sobreveio, com um
cântaro aos ombros, Rebeca, filha de Batuel, filho de Melca, mulher
de Nacor, irmão de Abraão. A jovem era extremamente bela, virgem,
e homem algum a havia possuído. Ela desceu à fonte, encheu o seu
cântaro e ia voltando. O servo correu-lhe ao encontro e disse-lhe:
"Queres dar-me de beber um pouco da água de teu cântaro?" "Bebe,
meu senhor", respondeu ela. E prontamente inclinou o cântaro sobre
o seu braço para lhe dar de beber. Tendo ele bebido, ela disse: "Vou
buscar água também para os teus camelos, para que todos bebam."E,
despejando seu cântaro no bebedouro, correu a buscar água de novo
na fonte para todos os camelos (Gênesis 24,14-20).

Há uma série de situações em que se poderia introduzir uma segunda ou várias


mulheres na situação de um casamento. As situações mais comuns são: uma serva que
acompanha a noiva ou adquirida apenas para servi-la; uma escrava, pois os escravos
são considerados propriedade, ou seja, tinha valor utilitário, o que se estendia a sua
prole, que também eram utilizados como mão de obra. O dono da casa tinha direitos
sexuais sobre as escravas de sua casa. E também havia as concubinas, que na maioria
das vezes, vinham junto com a noiva ou eram adquiridas após o casamento (DOUGLAS,
2006; KONINGS, 2002). Os hebreus faziam uma distinção entre as escravas que seriam
libertas e as concubinas que permaneciam na casa. Veja:

Se um homem tiver vendido sua filha para ser escrava, ela não sairá
em liberdade nas mesmas condições que o escravo. Se desagradar
ao seu senhor, que a havia destinado para si, ele a fará resgatar; mas
não poderá vendê-la a estrangeiros depois de lhe ter sido infiel. Se a
destinar ao seu filho, tratá-la-á segundo o direito das filhas. Se tomar
outra mulher, não diminuirá nada à primeira, quanto à alimentação,
aos vestidos e ao direito conjugal. Se lhe recusar uma destas três
coisas, ela poderá partir livre, gratuitamente, sem pagar nada" (Êxodo
2, 7-11).
Quando um teu irmão hebreu, homem ou mulher, se tiver vendido a ti,
ele te servirá seis anos, mas no sétimo ano deixá-lo-ás ir livre de tua
casa (Deuteronômio 15, 12).

90
Nos casos em que uma criada era dada de presente de casamento pelo pai da
noiva, os filhos dessa criada eram reputados como da família. O mesmo ocorria com
os filhos de escravas e concubinas. Todos estes arranjos e costumes que envolviam o
casamento e a sexualidade tinham como finalidade resolver o problema da descendência.
Em muitos casos era a própria esposa que escolhia uma escrava ou uma concubina
para o seu marido, como no caso de Sarai:

Sarai, mulher de Abrão, não lhe tinha dado filho; mas, possuindo uma
escrava egípcia, chamada Agar, disse a Abrão: "Eis que o Senhor me
fez estéril; rogo-te que tomes a minha escrava, para ver se, ao menos
por ela, eu posso ter filhos." Abrão aceitou a proposta de Sarai. Sarai
tomou, pois, sua escrava, Agar, a egípcia, passados dez anos que
Abrão habitava a terra de Canaã, e deu-a por mulher a Abrão, seu
marido (Gênesis 16, 1-3).

A questão da poligamia entre os hebreus. A poligamia é uma categoria de


parentesco que indica uniões reprodutivas entre mais de duas pessoas. Quando essa
união se dá entre um homem e mais de uma mulher, denomina-se poliginia. E quando é o
caso uma mulher e mais de um homem, trata-se de poliandria. Matrimônios poliândricos
são tão raros enquanto prática cultural, que em toda a literatura antropológica não existe
nenhum caso relatado de poliandria exclusiva.

Entre os hebreus a poligamia era permitida e praticada. A poligamia está


relacionada à necessidade de prole extensa e de manutenção da linhagem dos grupos
tribais de descendência clânica. Pode se confundir a poligamia com o adultério e com a
fornicação, práticas sexuais que não eram reconhecidas como matrimonio e rechaçadas
pelos hebreus. Não há na língua hebraica termos como monogamia, poligamia ou
solteiro. Tendo como referência a Torá, fonte da instrução do povo hebreu, está implícita
a ideia que a monogamia é o modelo ideal de matrimonio, pois Yahweh criou apenas
uma esposa para Adão. A permissão à poligamia ocorre por causa de situações que
concorrem contra a reprodução do grupo. Tal afirmação encontra correspondência na
literatura antropológica.

Segundo Lévi-Strauss (1972), dado ao fato da distribuição do número de homens


e mulheres ser na maioria das vezes proporcional, chega-se à conclusão de que a prática
da poligamia tem sua origem em situações disfuncionais, em situações de anomia social.
Isso pelo fato de o matrimônio ser alvo de regras, prescrições e tabus entre todas as
culturas. Não obstante, o modelo ou as causas que se escondem por trás do casamento,
a questão que deve ficar clara é que, do seu próprio modo, todo grupo distingue entre
o matrimônio e outras uniões. Sempre há uma esposa considerada a “legítima”, o que
indica ser este o modelo ideal. Além disso, há uma advertência na lei mosaica sobre tal
comportamento: “Guarde-se também o rei de multiplicar suas mulheres, para que não
suceda que seu coração se desvie (de Deus). Tampouco ajuntará ele grande quantidade
de prata e ouro” (Deuteronômio 17,17).

91
Outro tema importante relacionado ao matrimonio e à sexualidade é a questão
do incesto. A prática do incesto consiste na relação sexual entre parentes próximos
consanguíneos ou afins. Não há informações específicas e cabais sobre incesto nos
escritos bíblicos. A lei mosaica proibia relações sexuais entre certos parentes próximos
e afins, porém, não há uma explicação do porquê de tal proibição. O fato é que a prática
existia entre os hebreus e com a compilação dos escritos da Torá, tais práticas foram
proibidas:

Observareis meus preceitos e minhas leis: o homem que o observar


viverá por eles. Eu sou o Senhor. Nenhum de vós se achegará àquela
que lhe é próxima por sangue, para descobrir sua nudez. Eu sou o
Senhor. Não descobrirás a nudez de teu pai, nem a de tua mãe. Ela
é tua mãe: não descobrirás a sua nudez. Não descobrirás a nudez da
mulher de teu pai: é a nudez de teu pai. Nem a de tua irmã, filha de teu
pai ou de tua mãe, nascida na casa ou fora dela. Não descobrirás a
nudez da filha de teu filho ou da filha de tua filha, porque é tua nudez.
Nem a da filha da mulher de teu pai, nascida de teu pai: é tua irmã. Não
descobrirás a nudez da irmã de teu pai: ela é da mesma carne que
teu pai. Nem a da irmã de tua mãe; porque ela é da mesma carne que
tua mãe. Não descobrirás a nudez do irmão de teu pai, aproximando-
te de sua mulher: é tua tia. Não descobrirás a nudez de tua nora: é
a mulher de teu filho. Não descobrirás, pois, a sua nudez. Nem a da
mulher de teu irmão: é a nudez de teu irmão. Não descobrirás a nudez
de uma mulher e de sua filha, e não tomarás a filha de seu filho, nem
a filha de sua filha, para descobrir a sua nudez: elas são tuas próximas
parentas, e isso seria um crime. Não tomarás a irmã de tua mulher, de
modo que lhe seja um rival, descobrindo a sua nudez com a de tua
mulher durante a sua vida (Levítico 18, 5-18).

Os estudos comparativos de etnologia têm demonstrado que a proibição do


incesto é a única regra cultural considerada universal. Ela é encontrada em diferentes
formas, regras e significados, estando presente em todos os grupos humanos estudados.

Tais estudos evidenciam que o casamento é a instituição mais arcaica e


permanente encontrada entre os agrupamentos humanos. E que, provavelmente, umas
das primeiras regras criadas, se não a primeira, seria a proibição do incesto.

As ciências sociais e humanas ainda não chegaram a um consenso sobre a


origem da cultura. Há uma perspectiva antropológica que acredita ser a regra da
proibição do incesto que estabelece o limite entre a natureza e a cultura, impondo
limites à natureza e organizando a estrutura social através da reciprocidade.

Pelo fato de existirem pessoas, em especial mulheres com as quais não se pode
ter relações sexuais, os grupos humanos se viram obrigados a trocarem mulheres entre
si, criando a regra da exogamia e estabelecendo alianças com outros grupos que eram
potenciais rivais (LÉVI-STRAUSS, 1982).

92
O interdito à relação sexual irrestrita significa para alguns teóricos o chamado
“ponto crítico”. Aquele que estabelece a transição do ser humano da condição de
natureza para a humanidade. De acordo com Lévi-Strauss, a regulação do sexo teria
a função de divisor de águas entre o reino da natureza e o reino da cultura. A cultura
se funda na relação sexual e/ou concomitantemente na classificação de mulheres
permitidas e mulheres não permitidas para o intercurso sexual, o que caracteriza a
proibição do incesto (LÉVI-STRAUSS, 1972).

De acordo com essa perspectiva antropológica, o aspecto positivo da regra


da proibição do incesto é o de dar início à organização social. A regra da exogamia, a
que obriga a se casar com uma pessoa de outra tribo, clã ou família, também pode ter
ajudado a manter a integridade familiar, já que impede que os homens da mesma família
disputem a mesma mulher, e que por consequência, impede a dissolução do grupo, ao
mesmo tempo que possibilita seu crescimento por meio das alianças matrimoniais.

A prática do incesto entre os hebreus provavelmente era um resquício de


múltiplas influências culturais. Influências babilônicas que acompanharam o patriarca
Abraão, assim como aquelas vindas dos povos cananeus e de outros povos. O incesto
era um costume comum praticado pelas famílias monárquicas para manter a pureza
da linhagem, e por grupos de linhagem clânica no Egito, na Babilônia e em Canaã. Para
que não restem dúvidas sobre esta prática entre os hebreus, como já demonstrado
anteriormente na lei mosaica, os casamentos de Abraão e Jacó, transcritos nos textos
a seguir foram posteriormente proibidos entre os hebreus:

Abraão respondeu: Eu pensava comigo que não havia certamente


nenhum temor a Deus nesta terra, e que me matariam por causa de
minha mulher. Aliás, ela é realmente minha irmã, filha de meu pai, mas
não de minha mãe; ela tornou-se minha mulher (Gênesis 20:11,12).
Pela manhã, viu Jacó que tinha ficado com Lia. E disse a Labão: "Que
me fizeste? Não foi por Raquel que te servi? Por que me enganaste?"
"Aqui, respondeu Labão, não é costume casar a mais nova antes da
mais velha. Acaba a semana com esta, e depois te darei também sua
irmã, na condição que me sirvas ainda sete anos." Assim fez Jacó:
acabou a semana com Lia, e depois lhe deu Labão por mulher sua filha
Raquel (Gênesis 29, 25-28).

A função e a importância da mulher dentro da economia política, do sistema


de troca, do sistema de alianças e principalmente, o seu valor simbólico para os povos
antigos nunca foi de fato compreendido pelas ciências modernas. Muito se fala da
mulher como simples moeda de troca. Sendo a mulher o principal elemento do sistema
de alianças e reciprocidade, e visto que de tais alianças dependia a vida do grupo; não
se trata de uma simples troca, pois, se assim o fosse, uma mera troca, nenhum dos
lados ficariam em dívida um com outro. O fato é que quando se cede uma mulher para
um aliado, não há nada que possua equivalência que este aliado possa retribuir em
troca. É exatamente por isso que quem recebe se torna um devedor eterno com uma
dívida impagável, ou seja, em tese, um eterno aliado.

93
4.2 O PAPEL DA MULHER
O papel da mulher nos primórdios de Israel deve ser analisado à luz do modo
de vida nômade, seminômade e campesino. Em todos esses contextos dificilmente há
assimetrias de gênero e estrutura hierárquica social rigorosa. Todos os membros do
grupo são de fundamental importância para a manutenção e sobrevivência do grupo.
Por isso as relações são simétricas.

A divisão do trabalho e das funções é baseada na idade e na capacidade física


dos indivíduos. Soma-se a esses fatores, a importância da prole extensa. E quanto mais
extensa mais chances o grupo tem de sobreviver as intemperes. Neste sentido, o papel
da mulher é de suma importância.

A afirmação de que a mulher recebia tratamento inferior no período patriarcal,


não encontra respaldo nos escritos da Torá. Uma leitura atenta e criteriosa irá perceber
que há sim um tratamento igualitário e simétrico, que posteriormente vai se modificando
nos períodos seguintes da historiografia de Israel.

Dois fatores são fundamentais para entender o lugar da mulher no Israel


patriarcal. O primeiro, é que não há na lei mosaica, com exceção dos problemas de
tradução, interpretação e anacronismo, clara evidência de orientações, prescrições e
formalizações que indiquem que se deva tratar a mulher com menor dignidade do que
o homem (RIBEIRO, 2020).

O segundo fator, é que, o que a lei mosaica prescreve e ordena deve ser
compreendido como o modo de ser e o comportamento ideal para manutenção das
relações saudáveis entre os indivíduos. Na prática, sabe-se que nem tudo o que está
escrito na lei era obedecido. Desse modo, não só a mulher, mas todos os membros de
Israel, homens, servos, escravos, concubinas e até mesmo o próprio Yahweh, em algum
grau, não recebiam o tratamento devido prescrito pela lei.

Ainda de acordo com Ribeiro (2020), a narrativa bíblica dá lugar de destaque


para a figura da mulher em diversos momentos essenciais: na narrativa da criação,
na formação do povo, na conquista da terra prometida, no período dos juízes, no
estabelecimento da monarquia e no exílio. Em todos os momentos importantes da
vida de Israel há relatos da participação de mulheres. Ademais, as mulheres eram uma
presença importante na vida social e religiosa de israel. Caso não fosse, o hagiógrafo
não teria a preocupação de fazer o registro dos termos específicos, mulher (ishah) e filha
(bat). Veja:

então, ao lugar que o Senhor, vosso Deus, escolheu para estabelecer


nele o seu nome, ali levareis todas as coisas que vos ordeno: vossos
holocaustos, vossos sacrifícios, vossos dízimos, vossas primícias e
todas as ofertas escolhidas que tiverdes prometido por voto ao
Senhor. Alegrar-vos-eis em presença do Senhor, vosso Deus, vós,

94
vossos filhos e vossas filhas, vossos servos e vossas servas,
assim como o levita que se encontrar dentro de vossos muros,
porque ele não tem parte nem herança em Israel (Deuteronômio
12,11,12, grifo nosso).
Vós estais hoje todos em presença do Senhor, vosso Deus, vossos
chefes, vossas tribos, vossos anciãos, vossos oficiais, todos os
homens de Israel, vossos filhos e vossas mulheres, o estrangeiro
que mora no acampamento, desde o cortador de lenha até o
carregador de água (Deuteronômio 29,10-11, grifo nosso).

Quando o autor do texto e os copistas não fazem nenhuma referência de


destaque na atuação e liderança de mulheres, isto é uma evidência de que não se trata
de um fato excepcional. As mulheres eram excluídas apenas do sacerdócio.

Contudo, trata-se da ocupação de maior exigência em Israel, o que também


excluía a maioria dos homens. Além dos sacerdotes serem escolhidos especificamente
de uma tribo, teriam que cumprir rigorosas exigências que dificilmente uma mulher
conseguiria cumpri-las, dado sua função precípua dentro da organização social
(RIBEIRO, 2020).

Os sacerdotes não rasparão a cabeça, nem os lados de sua barba, e


não farão incisões em sua carne. Serão santos para o seu Deus e não
profanarão o seu nome, porque oferecem ao Senhor os sacrifícios
consumidos pelo fogo, o pão de seu Deus. Serão santos. Não
desposarão uma mulher prostituta ou desonrada, nem uma mulher
repudiada por seu marido, porque são santos para o seu Deus. Terás,
pois, o sacerdote por santo, porque ele oferece o pão de teu Deus: ele
será santo para ti, porque eu, o Senhor que vos santifico, sou santo.
Se a filha de um sacerdote se desonrar pela prostituição, desonrará
seu pai; e será queimada no fogo. O sumo sacerdote, superior a seus
irmãos, sobre cuja cabeça se derramou o óleo de unção, e que foi
estabelecido para revestir as vestes sagradas, não descobrirá a sua
cabeça, e não rasgará as suas vestes. Não se aproximará de morto
algum; e não se contaminará por seu pai, nem por sua mãe. Não
sairá do santuário de seu Deus, e não o profanará, porque o óleo
da unção de seu Deus está sobre ele como um diadema. Eu sou o
Senhor. Tomará por mulher uma virgem. Não desposará nem viúva,
nem mulher repudiada, nem mulher prostituta ou desonrada, mas
desposará uma virgem do meio de seu povo. Não desonrará sua
linhagem no meio de seu povo: pois sou eu, o Senhor, que o santifico".
O Senhor disse a Moisés: "Dize a Aarão o seguinte: homem algum de
tua linhagem, por todas as gerações, que tiver um defeito corporal,
oferecerá o pão de seu Deus. Desse modo, serão excluídos todos
aqueles que tiverem uma deformidade: cegos, coxos, mutilados,
pessoas de membros desproporcionados, ou tendo uma fratura no
pé ou na mão, corcundas ou anões, os que tiverem uma mancha
no olho, ou a sarna, um dartro, ou os testículos quebrados. Homem
algum da linhagem de Aarão, o sacerdote, que for deformado,
oferecerá os sacrifícios consumidos pelo fogo. Sendo vítima de uma
deformidade, não poderá apresentar-se para oferecer o pão de seu
Deus (Levítico 21, 5-21).

95
As manifestações divinas, as hierofanias, não eram acontecimentos ordinários.
Em todo o Antigo Testamento há pouquíssimas pessoas que passaram por essas
experiências, de serem visitadas por Yahweh ou por seus emissários diretos. De modo
que, os que vivenciaram tal encontro eram tidos como pessoas especiais. A narrativa
bíblica mostra o próprio Yahweh se dirigindo diretamente às mulheres:

Deus ouviu a voz do menino, e o anjo de Deus chamou Agar, do céu,


dizendo-lhe: "Que tens, Agar? Nada temas, porque Deus ouviu a voz
do menino do lugar onde está. Levanta-te, toma o menino e tem-no
pela mão, porque farei dele uma grande nação" (Gênesis 21,17-18).
Ora, havia em Sorá um homem da família dos danitas, chamado
Manué. Sua mulher, sendo estéril, não tinha ainda gerado filhos. O
anjo do Senhor apareceu a esta mulher e disse-lhe: Tu és estéril, e
nunca tiveste filhos; mas conceberás e darás à luz um filho (Juízes
13, 2-3).

É importante salientar, que tal simetria na relação entre homens e mulheres é


típica do contexto tribal baseado na organização clânica de parentesco. Após séculos
de profundas mudanças culturais e sociais, do cativeiro babilônico e dos sucessivos
domínios dos helênicos e dos romanos, a situação da mulher em Israel será radicalmente
modificada. A exemplo do que ocorria entre os romanos, em que a mulher era socialmente
subordinada, politicamente nula e economicamente tinha uma participação relativa
(RIBEIRO, 2020).

NOTA
Nas sinagogas, a partir do século I a.C., havia um espaço para
mulheres separado dos homens. Já, de acordo com achados
arqueológicos, alguns templos não possuíam um andar superior
para mulheres, como, por exemplo, a Sinagoga de Korazim. São
evidências arqueológicas que sugerem que não havia separação
entre homens e mulheres nessa e em outras sinagogas antigas.

4.3 O LEVIRATO
O levirato é um terno de natureza jurídica que deriva do latim levir – “irmão
do marido”. O levirato é uma instituição que tem como função resolver o problema da
falta de descendência nos grupos clânicos de linhagem segmentária. Quando o homem
morria sem deixar descendentes, esperava-se que seu irmão solteiro esposasse a viúva
para prover descendentes ao seu irmão falecido. O levirato não é costume exclusivo dos
hebreus. Também era praticado entre os babilônicos e cananeus. E entre os hebreus, já
era praticado antes da Torá, como sugere a icônica narrativa de Judá e sua nora Tamar
(Gênesis, 38) (DOUGLAS, 2006).

96
Como se trata de um costume, de uma prática fluida e não de um código
normativo, na prática, no cotidiano dos hebreus havia muitas situações que extrapolavam o
ideal preconizado pelo costume, fazendo surgir uma série de variações desse preceito.

Na tradição de Levítico, Capítulo 25, o levirato aparece como uma instituição de


caráter compulsório a ser cumprida pelo irmão do morto. Já de acordo com a tradição
de Deuteronômio, Capítulo 25, o levirato se restringe a irmãos que moram juntos, sendo
facultativo ao irmão do morto prover ou não sua prole. No caso do livro de Rute o preceito
é estendido para outro parente além do irmão (DOUGLAS, 2006).

O levirato também está relacionado a outro preceito muito importante para as


questões de descendência de linhagens, herança e sobrevivência das famílias. Trata-se
da figura do go’el, “o protetor”. O go’el é o resgatador de bens para que uma família ao
perder o seu mantenedor ou as condições de manutenção, não fique na miséria.

Em linguagem teológica, este parente benfeitor que resgata as dívidas de seus


familiares é um “redentor”. Rute e Noemi foram resgatadas pelo “redentor” Boaz. No livro
de Isaías o termo go’el é aplicado a Yahweh e no Novo Testamento é aplicado a Jesus
Cristo. Além de assumir as dívidas da família, de resgatar um israelita vendido por dívida
o go’el também tinha a obrigação de ser o vingador, caso o sangue da família fosse
derramado (GARIN, 2010).

4.4 OS ANCIÃOS
Há uma crença coletiva que circula nas sociedades do Ocidente sobre o respeito
e a devoção que as sociedades orientais teriam pelos anciãos. Que estes seriam os
guardiães da tradição, da história, da sabedoria e do legado deixado pelos antepassados
e por causa disso seriam reverenciados. Não que tal crença esteja completamente
equivocada. A questão é que a ideia de “povos orientais” é uma categoria inventada
por nações europeias. As categorias Oriente e Ocidente servem mais para designar a
posição geográfica do que de fato diferenças culturais. É bem provável que povos ditos
orientais encontrem um grau maior de estranhamento entre outros povos orientais do
que entre alguns povos ocidentais. Além disso, o apreço e deferência aos mais velhos
está presente em praticamente todos os povos da antiguidade.

Em todas as civilizações a autoridade tem sido investida sobre aqueles que, por
terem mais idade e experiência, são julgados como sendo mais qualificados para exercer
funções de orientação e liderança. Tal investidura está fundamentada no princípio
natural que os que chegaram primeiro à vida e que mais viveram foram provados pela
experiência e que por isso, possuem melhor qualificação para cuidar, orientar e ensinar
os que estão chegando.

97
É por isso que em todas as civilizações se estabelece idade mínima para exercer
certas funções. Os títulos de líderes encontrados entre diversos povos da antiguidade
eram termos equivalentes à “idade avançada”. Entre os hebreus se utiliza o termo zaqen.
Termo correspondente ao termo gerontes utilizado pelo poeta Homero. Os espartanos
usavam prebys para identificar seus anciãos. Os romanos usavam o termo senatus e os
árabes usavam o termo sheik para os anciãos (TAYLOR, 2006).

Entre os hebreus, o respeito aos anciãos, ou o respeito às cãs como se referiam,


não era de forma indiscriminada como se pensa. Não bastava ter apenas a idade
avançada. Não era somente uma questão de cronologia. Por mais que alcançar a velhice
era considerada uma recompensa e um favor divino, as cãs brancas apontam para o
ideal de que com a idade vem consequentemente a maturidade, mas esta, quando
aliada ao caminho da justiça: “Coroa de honra são as cãs, quando elas estão no caminho
da justiça” (Provérbios 16, 31); “Melhor é a criança pobre e sábia do que o rei velho e
insensato, que não se deixa mais admoestar” (Eclesiastes 4, 13).

98
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O modo de vida primitivo dos hebreus e suas especificidades. As particularidades


do modo de vida agrário na Palestina e sua relação no desenvolvimento da cultura
hebraica e na religiosidade monoteísta. Os desafios do modo de vida agrário e
campesino na Palestina em contraposição ao modo de vida desenvolvido em outras
regiões do Oriente Próximo.

• As principais questões da vida econômica, o modo de produção de subsistência


e modo de produção de servidão coletiva. A organização econômica tribal, suas
características, seus desafios e as transformações que conduziram à economia mais
complexa.

• A cosmovisão hebraica, seus principais valores, principais crenças e conjunto de


representações. A mitologia hebraica, suas origens, seus paralelos com outros povos
e suas particularidades culturais e religiosas.

• As leis e os costumes do parentesco. As concepções e expectativas culturais acerca


dos papéis de cada membro dos grupos de linhagem segmentária. O papel do pater
família, o papel da mulher e o papel dos anciãos entre os hebreus.

99
AUTOATIVIDADE
1 A relação entre os seres humanos e o espaço natural onde habitam é uma relação
de simbiose. Com o tempo, os seres humanos incorporam e desenvolvem modos de
vida próprios e condicionados pelo ambiente, ao mesmo tempo em que transformam
o ambiente, adaptando-o às suas necessidades. Elabore um texto dissertativo,
apresentando a relação e os desafios que a terra de Canaã, ou Palestina, impôs à
sobrevivência dos hebreus.

2 O modo de produção asiático, ou servidão coletiva, era empregado nas nações que
possuíam Estado. Nele, os súditos eram obrigados a produzir para sobrevivência e
produzir um excedente para abastecer a corte. Além disso, era obrigado a prestar
trabalho compulsório nas obras públicas e fazer parte do exército do soberano.
Associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Corveia.
II- Ano sabático.
III- Agricultura de subsistência.

( ) Pousio para descanso do solo das atividades agrícolas.


( ) Produção agrícola para consumo próprio sem excedente.
( ) Obrigação que os servos e os súditos tinham para o soberano.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I - III - II.
b) ( ) III - I - II.
c) ( ) I - II - III.
d) ( ) II - III - I.

3 Parentesco é a relação que une duas ou mais pessoas por vínculos genéticos ou
sociais. O parentesco estabelecido mediante um ancestral em comum é chamado
parentesco consanguíneo, enquanto, que, o criado pelo casamento e outras relações
sociais recebe o nome de parentesco por afinidade. Analise as proposições a seguir:

I- O sistema de descendência judaico no Antigo Testamento era patrilinear, a descendência


era transmitida pelo pai.

ENQUANTO

II- O sistema de descendência judaico moderno é matriarcal, ou seja, a descendência


é transmitida de mãe para filho.

100
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As duas proposições são verdadeiras, e a segunda proposição está em oposição
à primeira.
b) ( ) As duas proposições são falsas, e a segunda proposição está em oposição à primeira.
c) ( ) A primeira proposição é verdadeira, e a segunda é proposição é falsa.
d) ( ) A primeira proposição é falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

4 O matrimônio é uma das instituições mais importantes para os hebreus. Era do


sucesso e da solidez desta instituição que Israel seria uma grande nação. A relação
entre marido e mulher servia como analogia da relação de fidelidade entre os hebreus
e Yahweh. Elabore um texto dissertativo, apresentando a importância da prole para
os hebreus.

5 Sobre as questões de família, sexualidade e parentesco, analise os enunciados a seguir:

I- A relação entre homem e mulher era igualitária no período patriarcal.


II- Nos momentos mais importantes de Israel, as mulheres não são mencionadas.
III- A cultura patriarcal hebraica nutria certo desprezo pela figura da mulher.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado I está correto.

101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
A VIDA RELIGIOSA DOS HEBREUS

1 INTRODUÇÃO
“Podemos partir de um traço caracterológico dos judeus que domina
sua relação com os outros. Não há dúvida de que eles têm uma
opinião particularmente elevada de si próprios, de que se consideram
mais eminentes, de posição mais alta, superiores a outros povos –
dos quais também se distinguem por muitos de seus costumes. Ao
mesmo tempo, são inspirados por uma confiança peculiar na vida,
tal como a que se deriva da posse secreta de algum bem precioso,
uma espécie de otimismo: pessoas idosas o chamariam de confiança
em Deus.”
(Sigmund Freud)

Neste tópico iremos apresentar as correlações e as diferenças entre os hebreus e


os povos vizinhos. Se do ponto de vista econômico e cultural não há grandes diferenças
entre os hebreus e os cananeus, do ponto de vista religioso há um abismo chamado
monoteísmo javista. Essa é, e continuará a ser, a principal característica distintiva entre
Israel e os demais povos do Oriente Próximo.

Todas as evidências levam a acreditar que o monoteísmo como praticado pelos


hebreus e, posteriormente pelos judeus, não encontra paralelo entre outros povos. Parte
disto se deve ao fato de como o judeu se relaciona com o mitzvah. O mitzvah significa
qualquer mandamento, ordenação, lei ou estatuto contido na Torá e, por essa razão,
deve ser observada por todos.

Ao tomar posse de sua parte em Canaã, Israel se vê cercado de povos politeístas,


praticantes de magia, prostituição religiosa, sacrifícios humanos e outras práticas e
comportamentos condenados pela moral mosaica.

Os deuses cananeus, em especial os baalim do comércio e da fertilidade eram


deuses domésticos. Eram deuses regionais, sendo que cada localidade possuía sua
divindade. Eram deuses ligados à terra, a uma geografia específica.

Em contraposição, Yahweh era um Deus com características de pastor, guerreiro


e, principalmente, um Deus migrante. Um Deus que sempre acompanha o seu povo
(KONINGS, 1998). É o Deus do início, é o Deus do Egito, do deserto e da terra prometida.

Esse contraste religioso está presente tanto no conteúdo quanto na forma. A


religião hebraica dos assentamentos tribais, da estrutura social baseada na linhagem
clânica era muito simples em comparação com a religião institucionalizada dos

103
cananeus, pelo menos no início. Ela contava com templos, ritos estruturados, sacrifícios
e classe de sacerdotes. Inscrições encontradas nos vestígios arqueológicos atestam o
uso do título de sumo sacerdote nas religiões canaanitas (DOUGLAS, 2006).

2 O SISTEMA DE SACRIFÍCIOS
O sistema de sacrifícios judaicos é um sistema complexo e sincrético que tem
sua origem em práticas ancestrais de Abraão e nas nações circunvizinhas. Nessas
nações são encontrados muitos aspectos paralelos que remetem ao sistema de
sacrifícios judaico. Contudo, como se trata de nações consideradas pagãs para Israel,
há práticas que não coincidem e principalmente, a diferença do significado por trás de
toda a liturgia sacrificial. Em todo o sistema de sacrifícios há uma gradação de vítimas
sacrificadas segundo seu valor econômico ou simbólico. Geralmente o ápice dessa
gradação de vítimas é o primogênito humano ou uma virgem. Mesmo que em algum
momento tenha havido este tipo de sacrifício em Israel, pois há fortes indícios que sim,
este é terminantemente proibido pela Torá:

Quando o Senhor teu Deus desarraigar de diante de ti as nações,


aonde vais a possuí-las, e as possuíres e habitares na sua terra,
guarda-te, que não te enlaces seguindo-as, depois que forem
destruídas diante de ti; e que não perguntes acerca dos seus deuses,
dizendo: Assim como serviram estas nações os seus deuses, do
mesmo modo também farei eu. Assim não farás ao Senhor teu Deus;
porque tudo o que é abominável ao Senhor, e que ele odeia, fizeram
eles a seus deuses; pois até seus filhos e suas filhas queimaram no
fogo aos seus deuses (Deuteronômio 12, 29-31).

FIGURA 2 – RÉPLICA DO ALTAR DE SACRIFÍCIOS DO TABERNÁCULO NO DESERTO

FONTE: <http://www.wildolive.co.uk/images/Altar.jpg>. Acesso em: 18 maio 2021.

Dentro do sistema de sacrifícios judaico há uma multiplicidade de termos


e significados para sacrifício a depender do modo como a vítima é disposta para o
sacrifício, de quem participa e da ocasião. Usaremos aqui os termos mais comuns para

104
os dois principais tipos de sacrifício. O termo ólah, para a oferta que é inteiramente
consumida pelo fogo e o termo zevah, para a oferta que é comida conjuntamente com
o ofertante. Para além de uma questão de troca mercantil ou indenizatória, típica dos
sacrifícios das nações circunvizinhas, o sistema de sacrifícios de Israel é um sistema
didático, que simboliza a necessidade e os meios de expiação da condição de corrupção
psíquica e moral humana, por meio dos sacrifícios (‘olah), e a necessidade de comunhão,
por meio das ofertas pacíficas (zevah) (DOUGLAS, 2006; MERRILL, 2002).

TABELA 1 – SACRIFÍCIOS E SUAS TARIFAS

Touros Cordeiros Carneiros Cabras


Sacrifícios diários (manhã e tarde) 2
Sábados (adicionais) 2
Luas Novas 2 1 7 1
Pães Ázimos (cada dia) 2 1 7 1
Total para sete dias 14 7 49 7
Semanas (Primícias) 2 1 14 1
Primeiro dia do 7º mês 1 1 7 1
Dia da Expiação 1 1 7 1
Tabernáculos 1º 13 2 7 1
Tabernáculos 2º 12 2 14 1
Tabernáculos 3º 11 2 14 1
Tabernáculos 4º 10 2 14 1
Tabernáculos 5º 9 2 14 1
Tabernáculos 6º 8 2 14 1
Tabernáculos 7º 7 2 14 1
Tabernáculos 8º 1 1 7 1
Total para oito dias 71 15 105 8

FONTE: Adaptada de Douglas (2006, p. 1195)

Contudo, é preciso chamar à atenção para a diferença que existe entre o ideal
preconizado pelo sistema religioso e o comportamento religioso do fiel no cotidiano. A
forma mais básica e primitiva do comportamento religioso está orientada para o ciclo
vicioso dádiva-benção. Independentemente de como se inicia neste ciclo, se é ofertando
pelo medo da punição ou ofertando em agradecimento pela dádiva recebida, de qualquer
modo o fiel é perenemente incentivado a ofertar. Essa é a dinâmica operacional por trás
da chamada “teologia da retribuição”. Na prática, este sistema, e esta teologia foram
responsáveis pelo tesouro acumulado pelo templo em Israel.

105
De acordo com Kessler (2009), com a institucionalização religiosa na monarquia,
em alguns momentos esse tesouro religioso se funde com o tesouro real para servir às
demandas do Estado:

A partir das ofertas dos fiéis que visitam o templo e das “ofertas reais”
(1Rs 14, 25s; 15, 18; 2Rs 12, 19; 14, 14; 16, 8; 18, 15; 24, 13). Primeiramente,
o tesouro do templo sempre é diferenciado em relação ao tesouro
real. Em segundo lugar, o tesouro do templo é sempre mencionado
em segundo lugar, o que pode ser atribuído ao interesse especial dos
redatores deuteronomistas no templo. Em terceiro lugar, sempre se
pressupõe que o rei pode dispor de ambos os tesouros. Este último
detalhe evidencia o quanto os santuários, sobretudo os centrais,
estavam inseridos na ordem estatal (KESSLER, 2009, p. 119).

Isso mostra que o templo, para além de sua importância espiritual, religiosa
e simbólica, também desempenhou uma função econômica importante. Como a Torá
ordenava a não aparecer diante de Yahweh com mãos vazias (Êxodo 23, 15; 34, 20), havia
uma intensa movimentação econômica em função das ofertas e oferendas no templo.
Nesse sentido, fica exposto que no contexto da monarquia, a relevância e a supremacia
da esfera religiosa são relativizadas. O Estado representa a união político-administrativa,
que anteriormente era representada única e exclusivamente pela religião.

3 AS FESTIVIDADES RELIGIOSAS
De forma análoga ao que ocorre com o fenômeno religioso, as festas e as
celebrações são fenômenos universais, estando presentes nas manifestações humanas
mais remotas. Registros históricos e arqueológicos dos mais variados possíveis,
testemunham a importância das celebrações para as civilizações passadas. Dentre
os múltiplos sentidos atribuídos às celebrações estão: o agradecimento, o colhimento
ao chegante, a celebração de momentos da vida familiar, a celebração da colheita, os
rituais tradicionais, a memória, os ritos de passagem, a solidariedade, a generosidade, a
gratuidade, a devoção, a diversão e a penitência.

A tradição clássica da antropologia da religião (Durkheim) tem considerado que


as celebrações teriam surgido pela necessidade dos seres humanos em separar no
tempo, dias ou períodos determinados para que todas as obrigações ordinárias fossem
cessadas.

Neste sentido, a celebração tem a função precípua de separar a esfera profana


da esfera sagrada. Momento em que se abre a possibilidade de transcendência, de união
com o divino. Nos ritos mais primitivos isto se torna visível, em que toda cerimônia tem
por objetivo o estado de efervescência, o estado de êxtase. Tal estado de efervescência
estaria então correlacionado ao estado religioso (DURKHEIM, 1989).

106
As refeições sangrentas são uma das principais formas de aproximação à
comunhão entre os deuses e os seres humanos desde os primórdios. Celebrações
divino-humanas como estas eram praticadas pelos povos do Oriente Próximo, a exemplo
dos gregos e dos romanos.

Na antiguidade os povos tinham que conviver constantemente com longos


períodos de seca e escassez de alimentos. Ter o que comer acaba adquirindo um
significado sagrado, indicando o favorecimento divino. Todo alimento é compreendido
como sendo uma dádiva divina. Assim como a sua falta indica um sinal de punição
(CARMO FILHO, 2003).

Entre os hebreus, não há maior gesto de união do que participar de uma


refeição com outra pessoa. Sentar-se juntos à mesa e compartilhar o alimento é um
sinal de amizade, de união, de estima, de confiança e de apreço. E esse mesmo sentido
da refeição compartilhada entre os seres humanos também é atribuído na relação entre
os seres humanos e Deus.

Para um hebreu ou judeu vale a premissa de que nunca se come sozinho.


Alimentar-se, necessariamente significa partilha. Em última, ou a depender, em primeira
instância, se está na presença de Yahweh. É por isso que o judeu ora sempre antes e
após a refeição. É este ato que transforma a mera refeição social em uma reunião de
comunhão na presença de Yahweh (CARMO FILHO, 2003).

Além dos animais domésticos comestíveis, pão e vinho são os alimentos mais
presentes na mesa de um hebreu. O pão é o alimento mais básico da dieta hebraica. O
plantio da uva está presente desde os tempos imemoriais, como apresentado na saga
de Noé. Por isso, tornou-se uma bebida muito popular. O terceiro alimento mais comum
na dieta de um hebreu é o azeite da oliveira, segundo o Kitchen (2006). Além de serem
ingredientes presentes em todas as celebrações, ter na mesa pão e vinho era um sinal
de provisão, de ter o necessário, o suficiente para a sobrevivência. Veja o caso deste
hebreu e sua serva:

E retiraram-se para lá, para passarem a noite em Gibeá; e, entrando


ele, assentou-se na praça da cidade, porque não houve quem os
recolhesse em casa para ali passarem a noite. E eis que um velho
homem vinha à tarde do seu trabalho do campo; e era este homem
da montanha de Efraim, mas peregrinava em Gibeá; eram, porém
os homens deste lugar filhos de Benjamim. Levantando ele, pois, os
olhos, viu a este viajante na praça da cidade, e disse o ancião: Para
onde vais, e donde vens? E ele lhe disse: Viajamos de Belém de Judá
até aos lados da montanha de Efraim, de onde sou; porquanto fui
a Belém de Judá, porém agora vou à casa do Senhor; e ninguém
há que me recolha em casa, todavia temos palha e pasto para os
nossos jumentos, e também pão e vinho há para mim, e para a tua
serva, e para o moço que vem com os teus servos; de coisa nenhuma
há falta. Então disse o ancião: Paz seja contigo; tudo quanto te
faltar fique ao meu cargo; tão-somente não passes a noite na praça
(Juízes 19,15-20).

107
3.1 O HABURAH
O haburah é uma refeição comunitária de múltiplos formatos. Nesta, o formato
não é importante, apenas o sentido. Pode ser qualquer ocasião para celebração dos laços
fraternos, para promover a união, para apagar as diferenças, fortalecer a mutualidade.
Principalmente em tempos adversos, tempos que em Israel somam-se muitos. O
haburah pode ser a celebração de um casamento, uma aliança, um acordo de negócio,
uma circuncisão e outros momentos especiais. Carmo Filho (2003) nos informa que
haburah, provavelmente tenha-se originado do termo heber, mesmo nome do patriarca,
que significa “amigo” (CARMO FILHO, 2003).

Veja a descrição de uma cerimônia de haburah apresentada por Carmo Filho
(2003, p. 17):

a) Lavavam as mãos, hábito típico dos judeus (Marcos 7,3) “... seguem
os ensinamentos que receberam dos antigos. Só comem depois de
lavarem as mãos, com bastante cuidado”;
b) Consumiam algum tipo de alimento acompanhado do primeiro
cálice; um detalhe neste item, é que todos os participantes
pronunciavam uma benção. Era uma forma de o grupo unido
entrar em sintonia com o sagrado, e caracterizava sua abrangência
comunitária;
c) Novamente lavavam as mãos “cuidadosamente”;
d) É o momento da refeição comunitária. O dono da casa, o
anfitrião, proferia a benção do pão e o distribuía pedaços para os
participantes assentados em redor da mesa;
e) Havia a benção do segundo cálice e todos prosseguiam na refeição;
f) No final todos tomavam o terceiro cálice chamado de Ação de
Graças, cuja benção era feita pelo anfitrião, representando o grupo
reunido.

3.2 O QUIDDUS
O termo quiddus ou kidush em hebraico significa “benção”. É a benção ou prece
proferida a princípio para anunciar o início do shabat, “dia de descanso”, ou em dias
de festas. Está relacionado à prescrição: “lembra do dia de sábado para santificá-lo”. O
anfitrião ou o chefe da família segura o cálice e ora santificando-o (CARMO FILHO, 2003).

A prece do quiddus é composta por duas partes. Inicia-se com a declamação do
trecho da Torá (Gênese 2,1-3) no qual pela primeira vez menciona-se o Shabat e depois
segue-se a oração feita pelos sábios especialmente para o quiddus. Entre as duas partes
está a bênção do vinho – Borê pri haguefen. Antes da bênção do vinho há duas palavras
em aramaico, avisando aos presentes que se preparem para a oração. A declaração
"Bendito sejas... por cujos mandamentos somos santificados" significa que a mitzvah é
uma maneira de se alcançar um nível de santidade (MITZVAH, 2018).

108
O quiddus é uma prática familiar dos tempos tribais que posteriormente aparece
como celebração na sinagoga durante o exílio babilônico para manter viva a memória da
comunidade familiar e étnica, com relação aos feitos de Yahweh (CARMO FILHO, 2003).

3.3 A FESTA DA PÁSCOA


Por mais que a narrativa bíblica nos induza a pensar que as instituições e ritos
religiosos foram estatuídos a partir de um dado momento específico e praticados da
mesma forma desde então, do ponto de vista cultural, sabe-se que esses fenômenos
são constituídos por meio de um longo processo com várias camadas, práticas culturais,
religiosas e hábitos que vão sendo assimilados, abandonados, incorporados até que se
cristalize um formato. Sendo que, esse formato alcançado não é fixo. Assim como todo
o seu processo de constituição está à mercê de constantes modificações.

O termo páscoa, pessach em hebraico, tem o significado de “passar por


cima”, de “poupar”. É comemorada no mês de abib, na tradição hebraica, ou mês de
nissan, segundo a tradição babilônica. É o primeiro mês do calendário judaico, início da
primavera. Corresponde aos meses de março e abril no calendário gregoriano.

Não se sabe ao certo qual a origem da Páscoa. Stewart (2006), apresenta


algumas possíveis origens. A primeira é um rito cerimonial de circuncisão. Um rito
antidemoníaco realizado na entrada da casa para a sua proteção. Uma festividade de
pastores nômades. A segunda é um ritual para o aumento da vitalidade do rebanho e
dos celebrantes. E por último, uma refeição de celebração da amizade, sendo todos
estes anteriores a Moisés.

Entretanto, Stewart (2006), acredita de fato na rubrica autoral divinamente


inspirada de Moisés, dados os indícios de que o redator de Êxodo 12 possuía grande
intimidade com Yahweh e que demonstra conhecimento de detalhes típicos de uma
testemunha ocular.

A Páscoa é provavelmente a celebração mais antiga entre os hebreus. Há


evidências de práticas muito semelhantes que estavam presentes desde o período dos
patriarcas, no período em que os hebreus eram pastores nômades (CARMO FILHO, 2003).

Seu significado e estrutura ritualística foram sendo modificados juntamente


com o desenvolvimento de Israel, desde a peregrinação patriarcal, os clãs tribais, as
cidades-estado, passando pela monarquia até a chegada do judaísmo pós-exílico.

Como já fora apresentado na Unidade 1, Israel, assim como todos os povos do


Oriente Próximo na antiguidade são povos multiétnicos, são o resultado da influência de
vários povos de contato direto e indireto.

109
FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DA PÁSCOA JUDAICA NO ÊXODO

FONTE: <https://seedsoffaith.cph.org/wp-content/uploads/2017/07/cph_30256304907-768x1008.jpg>.
Acesso: em 10 jan. 2021.

Nesse processo, Israel assimilou elementos da religiosidade de muitos povos


nômades; suas crenças, lendas, superstições e rituais, como no caso da típica cerimônia
dos árabes pré-islâmicos, identificado como sendo festa da Páscoa. Segundo Carmo
Filho (2003, p. 25), uma das possíveis origens da Páscoa seria uma crença hebraica que
tem sua origem nos pastores árabes que diz:

nas noites de lua cheia do mês de Abib (o primeiro mês do calendário


judaico), perigos demoníacos ameaçavam os primogênitos humanos
e dos animais. Para guardarem-se ao terror dessa noite, ofereciam
como sacrifício um animal, e com o sangue da vítima, usando alguns
ramos de hissopo (espécie de planta que eles consideravam mágica)
untava-se a travessa das tendas (Ex. 12, 21-23).
Para os pastores árabes “os perigos personificavam-se nos demônios
que imaginavam povoar a região, principalmente o Destruidor (Mashit)
cuja ação maléfica era temida”. A prática celebrativa israelita que deu
origem à Páscoa judaica foi assim sendo, o resultado da influência de
outros povos aos costumes dos judeus.
A Páscoa israelita era uma cerimônia realizada nas vésperas da
partida dos pastores a procura de novas pastagens para os rebanhos,
quando as famílias não saíam de casa até a manhã seguinte (Ex. 12,
21-23) quem sabe com o intuito de permanecerem juntos o maior
tempo possível em comunhão e fraternidade antes da partida de
seus entes queridos (CARMO FILHO 2003, p. 25).

A Páscoa é apresentada no pentateuco em duas formas distintas e


complementares, a partir de duas tradições, no Êxodo e no Deuteronômio. No Êxodo, a
Páscoa tem um caráter mistagógico. É uma celebração reservada ao contexto familiar
em homenagem a Yahweh. Já de acordo com a tradição do Deuteronômio, mostra a
incorporação da celebração no calendário judaico, como sendo uma data especial na
vida do povo, louvor e agradecimento à libertação dos egípcios, ocorrida no mês de abib:

110
E acontecerá que, quando vossos filhos vos disserem: Que culto
é este? Então direis: Este é o sacrifício da Páscoa ao Senhor, que
passou às casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu aos
egípcios, e livrou as nossas casas. Então o povo inclinou-se, e adorou
(Êxodo 12, 26,27).
Guarda o mês de Abibe, e celebra a Páscoa ao SENHOR teu Deus;
porque no mês de Abibe o SENHOR teu Deus te tirou do Egito, de
noite. Então sacrificarás a Páscoa ao Senhor teu Deus, das ovelhas
e das vacas, no lugar que o Senhor escolher para ali fazer habitar o
seu nome. Nela não comerás levedado; sete dias nela comerás pães
ázimos, pão de aflição (porquanto apressadamente saíste da terra do
Egito), para que te lembres do dia da tua saída da terra do Egito, todos
os dias da tua vida. Levedado não aparecerá contigo por sete dias
em todos os teus termos; também da carne que matares à tarde, no
primeiro dia, nada ficará até à manhã. Não poderás sacrificar a páscoa
em nenhuma das tuas portas que te dá o Senhor teu Deus; Senão no
lugar que escolher o Senhor teu Deus, para fazer habitar o seu nome,
ali sacrificarás a páscoa à tarde, ao pôr do sol, ao tempo determinado
da tua saída do Egito. Então a cozerás, e comerás no lugar que
escolher o Senhor teu Deus; depois voltarás pela manhã, e irás às tuas
tendas. Seis dias comerás pães ázimos e no sétimo dia é solenidade
ao Senhor teu Deus; nenhum trabalho farás (Deuteronômio 16, 1-8).

A Páscoa é uma celebração que condensa múltiplos sentidos em consonância


com o contexto abandonado e a nova realidade que se abre no horizonte.

3.4 A FESTA DOS PÃES ÁZIMOS


A celebração dos pães ázimos, matzah em hebraico, era comemorada com a
chegada da colheita da cevada, no início da primavera. Uma oferenda das primícias da
colheita. A finalidade da celebração era o aumento dos rebanhos e fecundidade dos
campos. Carmo Filho apresenta uma interpretação teológica do significado dos pães
ázimos em diálogo com a teologia paulina, em que se utilizam antigas superstições
judaicas, atribuindo um novo sentido moral ao invés de metafísico:

O pão sem fermento que comiam, era feito com os grãos moídos
das espigas recém-colhidas. A razão de comer unicamente este tipo
de pão está relacionada com as antigas tradições que falavam de
influências maléficas que havia nas casas, quando o alimento estava
ficando escasso.
Utilizar o fermento que restou da colheita anterior para fazer
fermentar o fruto da nova colheita não era tido como prática correta.
(Compare esta ideia de não usar o fermento velho no fruto da colheita
nova, com I Co 5.8: “Então vamos comemorar a nossa Páscoa, não
com o fermento, o fermento velho do pecado e da imoralidade, mas
com o pão sem fermento, o pão da pureza e da verdade”) (CARMO
FILHO, 2003, p. 32).

Alguns autores acreditam que a celebração da Páscoa e dos pães ázimos são a
mesma celebração, e que no episódio do Êxodo a festa dos pães ázimos fora incorporada
à páscoa, com atribuição de novo sentido. Tanto Carmo Filho (2003), quanto Douglas
(2006), acreditam que as duas celebrações coexistiram separadamente durante muitos

111
séculos. E que por ocasião da reforma religiosa de Josias ocorre a junção e as duas festas
tornam-se uma. De qualquer modo, acadêmico, vale destacar que as duas celebrações
estão relacionadas, seja pela ocasião do mês de abib ou pela proibição do fermento,
com uma oferenda e agradecimento a Yahweh, memorialmente renovadas a cada ano.

4 A ARTE JUDAICA
Ao contrário do que muitos pensam a Torá não condena nenhuma expressão
artística e sim a idolatria. É provável que o veto à idolatria tenha desencorajado o
desenvolvimento das artes visuais entre os judeus. Olhando para o campo das artes
como um todo, existem poucas evidências nas narrativas bíblicas e nos achados
arqueológicos sobre a arte hebraica. De modo geral, não é possível estabelecer uma
distinção clara entre a arte hebreia ou judaica e a dos demais povos em períodos
anteriores à dominação grega, quando de fato se tem uma arte com matizes e
características próprias do judaísmo. Sabe-se que a maioria dos ofícios e das artes
práticas pelos povos do Oriente Próximo também eram praticadas pelos hebreus. Entre
elas conta-se a xilogravura em metais e joias, bordados e olaria (WISEMAN, 2006).

Se nas artes visuais não houve desenvolvimento entre os hebreus, nas artes
performáticas e literárias se desenvolveu um alto padrão de expressão artística. Os
hebreus deixaram grande legado na música sacra e na literatura em prosa e poesia.
O legado nestas artes fora importante elemento para o desenvolvimento da cultura
ocidental. A música e a dança são expressões artísticas que sempre estiveram presentes
entre os hebreus. Estão presentes nas celebrações, nos momentos de alegria familiar,
nas cerimonias religiosas, nas conquistas militares e até nos momentos de tristeza e
lamento (WISEMAN, 2006).

FIGURA 4 – ANTOLOGIA DE POEMAS JUDAICOS

FONTE: <http://twixar.me/3N8m>. Acesso em: 18 maio 2021.

112
Entre os instrumentos citados nas narrativas bíblicas estão o címbalo, a harpa, a
cítara, a flauta, a corneta, a lira, a trombeta, o tamboril e o saltério. Não sendo expressões
exclusivas da cultura hebraica, parte da influência na música e na dança vem das
culturas egípcia e fenícia (STRADING, 2006).

FIGURA 5 – INSTRUMENTOS MUSICAIS HEBRAICOS

FONTE: <https://www.justviolin.org/uploads/2/6/8/0/26802979/editor/hebrew-instruments.
png?1584627971>. Acesso em: 18 maio 2021.

No Antigo Testamento há uma série de termos para imagem (pesel, masekhah,


teraph, hemanim, tselem) que fazem referência à representação, imitação e aparência.
De modo genérico, o termo imagem é utilizado para se referir a representações de seres
humanos, divindades, animais e seres híbridos.

Se a religião foi a primeira forma ou sistema de conhecimento, o uso de imagens


é a primeira forma de linguagem e de comunicação estruturada. Num certo sentido, o
uso de imagens para representar a realidade sensível é superior ao uso de conceitos da
linguagem verbal.

A linguagem verbal se utiliza de signos arbitrários e não possui relação sensível


com a realidade representada, enquanto tal relação de representação do sensível é
exatamente a função executada pela imagem.

Na maioria das vezes em que o termo imagem aparece no Antigo Testamento,


o termo está relacionado à questão religiosa. Era muito comum entre os povos do
Oriente Antigo usar animais como forma de representar a deidade natural, como por
exemplo, a figura do boi como representação do poder divino, ou animais alados como
representação da presença divina (STRADING, 2006).

113
A sexualidade é outro tema muito presente, principalmente entre os assírios e
os egípcios. Pela ausência desse tipo de imagens entre os hebreus, é provável que eram
consideradas excessos ou até cruezas obscenas.

FIGURA 6 – RECONSTITUIÇÃO DO PAPIRO DE TURIN

FONTE: <https://bit.ly/3buex2v>. Acesso em: 18 maio 2021.

4.1 O ANICONISMO DAS RELIGIÕES ABRAÂMICAS


O aniconismo é a oposição ao uso de representações do mundo natural e
sobrenatural nas culturas e religiões abraâmicas monoteístas. É importante ressaltar,
que além das diversas correntes judaicas, cristãs e islâmicas, fazem parte das religiões
abraâmicas a fé Drusa e a fé Bahá’í. As formas mais brandas de aniconismo restringem
apenas imagens divinas. Já as formas mais severas incluem personagens sagrados,
todos os seres vivos e tudo o que existe (ROCHA, 2007).

Os judeus possuem uma iconografia bem despretensiosa se comparada com a
iconografia das duas grandezas, Egito e Mesopotâmia, de quem estavam próximos no
tempo e no espaço. Tudo indica que tal pobreza iconográfica está relacionada à idolatria
rigorosamente combatida na lei mosaica. Segundo o Motyer (2006), a religião mosaica é
anti-imagem. Uma determinação de corte, que possivelmente está em contraposição
ao passado mesopotâmico, ao Egito e ao contexto idolátrico cananeu.

Na lei mosaica encontra-se uma clara proibição a respeito da feitura de imagens,
como se encontra no livro do Êxodo (20, 4): “Não farás para ti escultura, nem figura
alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo
da terra”. Da injunção mosaica, o não desenvolvimento da iconografia judaicas se deve
à linha tênue que separa a arte iconográfica e o que poderia desembocar na idolatria,
à semelhança dos povos vizinhos (ROCHA, 2007). Para se compreender a seriedade
deste veto, o segundo mandamento do decálogo, que proibi a feitura de imagens não

114
encontra paralelo entre os povos do Oriente Próximo. Alguns estudiosos afirmam que
a religião do Antigo Testamento se resume à antítese entre a verdadeira adoração a
Yahweh e a ameaça da idolatria (MOTYER, 2006).

Em momentos excepcionais em que havia a necessidade da arte da
representação iconográfica, contratavam-se artistas estrangeiros para a produção de
imagens, com exceção da imagem de Yahweh, como no caso da construção do templo
de Salomão:

O rei Salomão mandara vir de Tiro um homem que trabalhava em


bronze, Hirão, filho de uma viúva da tribo de Neftali, cujo pai era de
Tiro. Hirão era talentoso, cheio de inteligência e habilidade para fazer
toda espécie de trabalhos em bronze. Apresentou-se ao rei Salomão
e executou todos os seus trabalhos (1 Reis 7, 13-14).

Outrossim, os casamentos interétnicos eram a principal causa da presença de


imagens não permitidas entre os judeus. Esses casamentos foram em grande medida
praticados pela realeza judaica. Escavações em Jerusalém trouxeram à tona uma rica
iconografia com objetos de decoração e culto, provavelmente trazidos por mulheres
estrangeiras que desposaram alguns monarcas. No século VII d.C. os judeus tornaram-
se anicônicos, abandonando radicalmente as imagens. Não se sabe se este abandono
está relacionado à ascensão islâmica no Oriente no mesmo período (ROCHA, 2007).

5 PRINCIPAIS CÓDIGOS LEGAIS DO PERÍODO PATRIARCAL


Segundo Marques (2015), há autores que interpretam a relação de Yahweh com o
povo hebreu nos termos de um pacto de vassalagem semelhante aos celebrados no
Oriente Próximo Antigo, como no caso dos hititas. Esses tratados tinham como pontos
principais, cláusulas em que o soberano se apresentava, apresentava sua linhagem,
impunha suas exigências ao vassalo, com promessas de benefícios se as exigências
fossem cumpridas e com penalidades, caso não fossem cumpridas.

Entretanto, Douglas (2015), chama a atenção para o fato de que as semelhanças


são insignificantes. Não obstante, uma análise no decálogo, síntese dos princípios da
Torá, tem-se apenas três referências da relação entre Yahweh e os hebreus, ficando o
restante do conteúdo sobre a relação entre eles mesmos, ou seja, a função precípua da
lei era a de salvaguardar a saúde e integridade das interações entre os próprios hebreus.

Ao invés dos pactos de vassalagem, a lei mosaica mantém estreita vinculação
com os principais códigos civis, morais e religiosos da antiguidade. Por se tratar de
sociedades semelhantes, as questões enfrentadas por elas também são semelhantes.
Por isso há semelhanças na linguagem, no princípio moral e na filosofia jurídica. Além
disso, é possível perceber certo refinamento de senso moral e proporcionalidade dos
códigos mais antigos para os códigos mais novos. Veja um resumo desses códigos na
Tabela 2:

115
TABELA 2 – PRINCIPAIS CÓDIGOS DO PERÍODO PATRIARCAL

CÓDIGO DATA / CONTEXTO INFORMAÇÕES

A lei suméria contém o prólogo, artigos e epílogo


típicos e trata de questões como os direitos das
LIPIT-ISHTAR ± 1934-24 a.C. sumério pessoas, casamentos, sucessões, penalidades e
propriedade e contratos.

O código está escrito em duas tábuas quebradas


encontradas em Tall Abū Harmal, perto de Bagdá.
Os dois tablets não são duplicados, mas cópias
separadas de uma fonte mais antiga. Acredita-se
ESHUMMA ± 1815 a.C. – sumério
que as leis sejam cerca de duas gerações anteriores
ao Código de Hamurabi, com o qual mantém relativa
semelhança.

É a coleção existente mais completa e perfeita das


leis babilônicas, desenvolvida durante o reinado de
Hamurabi. Consiste em decisões legais, coletadas no
final de seu reinado. São 282 casos jurídicos que
HAMMURABI ± 1792–1750 - babilônico incluem disposições econômicas (preços, tarifas,
comércio e comércio), direito de família (casamento
e divórcio), bem como direito penal (assalto, roubo)
e direito civil (escravidão, dívida).

O código de Ur-Nammu lidava com a bruxaria, a fuga


de escravos e lesões corporais. Provavelmente foi
UR-NAMMU ± 1700 a.C. – acadiano
uma ampliação do código sumério de Lipit-Ishtar.

FONTE: Adaptada de Codex (2018)

116
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os principais aspectos da vida religiosa dos hebreus. O monoteísmo hebraico, suas


relações de aproximação e distanciamento de outras religiosidades.

• As principais festas e celebrações. A importância da Páscoa como um evento


estrutural na cultura e religião hebraicas. As questões históricas sobre a origem
da Páscoa e sua relação com a festa dos Pães ázimos. As celebrações quiddus e o
haburah.

• O sistema de sacrifícios hebraicos, como um sistema progressivo, um sistema didático


que simboliza a necessidade e os meios de expiação da condição de corrupção
psíquica e moral humana.

• A questão da arte entre os hebreus, seu pouco desenvolvimento, o histórico de


sua restrição com relação ao caráter monoteísta. A questão do aniconismo e o
desenvolvimento posterior no contexto monárquico.

• Os principais códigos legais do período patriarcal. O código hebraico e suas relações


com os códigos do Oriente Próximo. Os códigos Lipit-Ishtar, Eshumma, Ur-Nammu e
Hammurabi.

117
AUTOATIVIDADE
1 Para alguns estudiosos do fenômeno religioso, a vida social e cultural dos povos da
antiguidade é um mero reflexo, uma espécie de decalque do universo religioso, dado a
tamanha dependência que possuem deste. Elabore um texto dissertativo, destacando
os efeitos práticos na vida dos hebreus em função do monoteísmo javista.

2 O sistema de sacrifícios judaicos é um sistema complexo e foi desenvolvido a parir


de uma série de influências. Este sistema tem sua origem em práticas ancestrais
de Abraão e das nações circunvizinhas. Nessas nações são encontrados muitos
aspectos paralelos que remetem ao sistema judaico. Associe os itens, utilizando o
código a seguir:

I- Zevah.
II- Ólah.
III- Mitzvah.

( ) Oferta de sacrifício inteiramente consumida pelo fogo.


( ) Oferta de sacrifício que é comida em comunhão com o ofertante.
( ) Mandamento a ser obedecido.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II.
b) ( ) III – I – II.
c) ( ) I – II–III.
d) ( ) II – III – I.

3 Assim como a vida social e cultural é um mero reflexo da esfera religiosa para os
povos antigos, suas festividades e celebrações guardam um sentido análogo, em
que a festa se torna uma experiência gradiente com o transcendente ou com a
transcendência, indicando que culto e celebração são realidades imiscuídas. Sobre a
religiosidade e as celebrações judaicas, classifique V para as sentenças verdadeiras
e F para as falsas.

( ) A Páscoa é uma refeição comunitária que possui diversos sentidos, podendo ser
celebrada em muitas ocasiões pela comunidade judaica.
( ) Os principais ingredientes da dieta hebraica são: pão, peixe, mel e vinho.
( ) O kiddus consiste em uma prece proferida para abertura do shabat desde os tempos
tribais.
( ) O aniconismo é o veto à representação de formas humanas ou divinas não somente
entre os hebreus, mas em todas as religiões abraâmicas.

118
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) F – V – V – F.
d) ( ) V – F – F – V.

4 Os sacrifícios humanos faziam parte da ritualística nos cultos de diversos povos. Nos
sistemas de sacrifícios dos povos da antiguidade havia uma gradação de vítimas
sacrificadas segundo seu valor econômico ou simbólico. Geralmente, o ápice desta
gradação de vítimas sacrificadas era um primogênito humano. Elabore um texto
dissertativo, estabelecendo uma diferença entre o sistema de sacrifícios dos povos
do Oriente Próximo e o sistema de sacrifícios dos hebreus.

5 A arte hebraica teve um desenvolvimento tímido se comparado com os povos e


as grandes civilizações que direta e indiretamente influenciaram os hebreus. Parte
desse tímido desenvolvimento artístico hebraico se deve ao rigorismo dos seus
códigos morais e religiosos. Sobre as questões da arte praticada entre os hebreus e
os códigos de leis do período patriarcal, analise os enunciados a seguir sobre o legado
hebreu.

I- Os hebreus possuíam refinada habilidade nas artes e grande acervo artístico antes
do período mosaico.
II- O grande legado deixado pelos hebreus foi nas artes performáticas e literárias.
III- Ao contrário da maioria dos códigos legais da antiguidade, que eram quase que
exclusivamente códigos civis, o código hebreu, ou lei mosaica, era quase que
exclusivamente um código moral.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado I está correto.

119
120
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
A VIDA POLÍTICA DOS HEBREUS

1 INTRODUÇÃO
“Todos os anciãos de Israel vieram em grupo ter com Samuel em
Ramá,e disseram-lhe: Estás velho e teus filhos não seguem as tuas
pisadas. Dá-nos um rei que nos governe, como o têm todas as nações.”
(1 Samuel 8, 4-5)

Acadêmico, no Tópico 3 abordaremos a organização política de Israel. De forma


sintética iremos apresentar as principais características do período patriarcal e suas
instituições. Em seguida, as principais características do período monárquico e os
fatores envolvidos no longo processo de transformação da organização política clânica
simples no aparato estatal complexo da monarquia.

O paradigma interpretativo das formas de organização do poder nos grupos


humanos se baseia na dinâmica entre a distribuição do poder, a ausência do poder
político, em que prefigura uma organização pré-política e anárquica e o excesso de
poder que conduz invariavelmente ao despotismo do poder político.

Os hebreus podem ser colocados em paralelo com outros povos do Oriente


Próximo que se enquadram nessa tipologia das formas de organização do poder.

Os hebreus, a princípio, se dividiam em tribos de acordo com o número de filhos.


Estas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política e social girava em
torno desta situação.

No início, as tribos eram governadas por um Conselho de Anciãos chamado


Sinédrio. Esse conselho teve origem com os 70 anciãos que assessoravam Moisés.
Paralelamente à atuação do Sinédrio, havia os chefes investidos de autoridade, os juízes.

O mais famoso dos chefes juízes foi Sanção, conhecido por sua força hercúlea.
Após vieram Saul (status de rei pelo profeta Samuel), Davi e Salomão.

121
2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO PERÍODO TRIBAL
Os israelitas possuíam uma organização política simples como os demais povos
nômades ou seminômades da Palestina. Após o período do cativeiro egípcio e tomada
da terra de Canaã, a organização simples baseada no parentesco e na atuação de juízes
eventuais, será aos poucos transformada em uma estrutura burocrática que culminará
na instituição da monarquia. Primeiro, iremos descrever a organização política tribal,
seguido dos fatores de transição condicionantes até a formação do Estado monárquico
em Israel. Esta era estrutura da organização política após o processo de sedentarização
(Figura 7).

FIGURA 7 – ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DE ISRAEL TRIBAL

Tribo
(shevet)

Clã
(mishpahah)

Chefia masculina
"Casda do pai"

FONTE: O autor

Na prática, os problemas, disputas e conflitos que surgiam entre os hebreus


não eram levados para outra instância. Eram resolvidos somente entre as duas partes,
isto é, os chefes de famílias que representavam seus filhos, aparentados e protegidos.
As questões e problemas de natureza coletiva eram resolvidos pela intervenção dos
anciãos, chamados de juízes (shofetim), mas não institucionalmente. Eram os chefes de
clãs mais velhos que atuavam ocasionalmente para dirimir os conflitos que surgiam e
também para liderar as tribos de Israel contra os tiranos cananeus. Esses juízes também
eram conhecidos como “salvadores”, do hebraico moshiach. Daí o termo messias em
português (KESSLER, 2009).

Os israelitas começam a abandonar o modo de vida tribal, no processo da


conquista de territórios na terra de Canaã. Situação que demanda uma nova organização
política e social. É neste contexto que surgem os juízes, líderes carismáticos que
convocam os homens de Israel e os lideram nas campanhas militares, pois ainda não
havia um exército profissional organizado. Outra função importante dos juízes era nas
demandas de posse da terra para que não ocorresse entre os israelitas o problema da
concentração de terras que havia entre os cananeus e no Egito (KONINGS, 1998).

122
Nesse processo de sedentarização as tribos se unem para enfrentar as cidades-
estados de Canaã. Surge então a anfictiônia israelita. Esse modelo de confederação de
tribos, que se reúnem episodicamente para combater inimigos comuns, tem sua origem
na Grécia.

Os gregos reuniam seus clãs e tribos tendo por critério e motivo a necessidade
de fortalecimento para combater inimigos, mas principalmente pelo vínculo sagrado. De
modo semelhante, no caso israelita, o principal motivo e critério era o culto a Yahweh.
Havia o fato das doze tribos que se reuniam em Canaã serem todas de descendentes
de Abraão, mas o motivo fundamental era o de combater os inimigos de Yahweh. Os
demais motivos eram secundários. Posteriormente, durante a monarquia surgem outras
motivações para a guerra (DOUGLAS, 2006).

Como os escritos da Torá só são reunidos e compilados após o exílio babilônico,


não se sabe exatamente qual foi o tempo da ascensão e da queda da atuação dos juízes.
Dado que as narrativas misturam e sobrepõem ambientes, contextos e demandas do
período tribal aos do período monárquico. Sabe-se, porém, que atuação deles está
relacionada com as mudanças políticas e socais do crescimento populacional, que
juntamente com o processo de urbanização e surgimento de algumas cidades, dão
origem à formação do Estado (KESSLER, 2009).

3 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA MONARQUIA


Não havia uma clara distinção entre poder político e poder religioso entre os
israelitas. Em última instância, o poder político está subordinado à religião. Para os
israelitas a religião era mais importante. A aplicação do termo teocracia para se referir
à organização política dos israelitas no período sacerdotal, período do cativeiro e pós-
cativeiro babilônico, só deve ser feita de forma conspícua, ou seja, de forma distinta,
pois entre os israelitas não houve um governo da classe sacerdotal, nos moldes que
havia no Oriente Próximo, como por exemplo, no Egito (FERREIRA, 1998).

A função de sacerdote sempre foi resguardada desde o tempo da peregrinação


e convivia paralelamente com as funções políticas desenvolvidas pelos juízes e
posteriormente pelos monarcas. O que ocorre no pós-exílio é apenas uma atuação
mais relevante dos sacerdotes, pois havia um vácuo deixado pelo poder monárquico.
No entanto, esse vácuo não é suficiente para caracterizar um governo teocrático dos
sacerdotes.

A formação dos Estados do Oriente Próximo na antiguidade guarda semelhanças


fundamentais. Entre uma série de fatores internos e externos, o caminho da formação
tem basicamente os mesmos fatores mais comuns, tais como, surgimento de novas
tecnologias, recrudescimento populacional, aumento do intercâmbio comercial com
nações vizinhas, surgimento de infraestrutura pública, surgimento da escrita, taxação,

123
recenciamento e centralização do poder, quando se trata dos grupos tribais de linhagem
clânica, como o caso hebreu, a dinâmica interna tem um papel muito importante na
mudança social. Veja a Figura 8:

FIGURA 8 – PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO ANTIGO

FONTE: O autor

Mesmo que em termos de política e de etnologia comparativas, a formação


dos Estados na antiguidade possua um padrão de desenvolvimento e que os mesmos
elementos e características estejam presentes em todos, ainda sim, é possível
evidenciar características típicas-ideais distintivas em cada um desses povos. No caso
dos romanos temos um Estado com forte característica militar. Já os gregos erigiram um
Estado fundamentado na política. E os egípcios e os hebreus fundaram seus Estados
fundamentados na religião.

À luz de tudo o que fora apresentado está claro o caráter religioso tanto do povo
hebreu quanto do Estado monárquico Israelita. A grande importância que os israelitas
dão a esfera religiosa é o elemento norteador da vida política, social e econômica. Em
termos de relevância e influência, a esfera religiosa e a relação com Yahweh passou por
vários momentos de recrudescimento e arrefecimento, que vão deste o nomadismo
idólatra, o estabelecimento em Canaã e formação de ethos religioso mosaico, o
descumprimento dos preceitos divinos, o sofrimento e arrependimento exílico até o
ciclo interminável de dominações e diásporas. Desse modo, pode-se estabelecer um
contraste entre o modo de vida simples tribal campesino e o modo de vida complexo
urbano estatal. Na transição de um estilo de vida para o outro tem-se paulatinamente o
abandono da observância dos preceitos da Torá.

124
Alguns teóricos, como Carmo (2001), acreditam que a constituição de um
governo ou um poder centralizado, necessariamente enfraquece e fragiliza a força,
a coesão e autoridade da estrutura familiar, baseada na autoridade do pater família,
do pai (‘av), mas na verdade, a fragilização dos laços familiares e o esgarçamento do
tecido social ocorrem antes da formação do Estado. O estado apenas acentua e acelera
esse processo de degradação familiar e social. Alguns elementos presentes desde a
conquista da terra de Canaã são elucidativos para entender todo o processo que se
desenvolveu posteriormente. Um desses elementos foi a presença de remanescentes
cananeus que permaneceram na terra após a conquista das tribos israelitas.

A conquista da terra na narrativa condensada da tradição deuteronomista de


Josué, dá a impressão que se tratou de uma conquista rápida e completa da terra
de Canaã. A própria configuração étnica e política de Canaã, juntamente com outras
evidências arqueológicas dão conta de um longo processo de conquista, gradual e
incompleto (KESSLER, 2009).

Isso leva ao fato de que os Israelitas não expulsaram completamente os


cananeus. Que eles permaneceram em vários enclaves pela terra de Canaã. Acredita-
se que em algum grau esta permanência pode ter produzido uma influência cultural.
Fato que também explica a disponibilidade de mão de obra escrava, o que permitiu o
desenvolvimento de uma elite em Israel no período monárquico. Visto que só a mão de
obra dos israelitas endividados não seria suficiente para a construção do conjunto de
estruturas arquitetônicas erigidas nos tempos monárquicos (MERRILL, 2001).

À semelhança do que acontecia nas cidades-estados de Canaã e no Egito, a


formação e manutenção da monarquia cria um contexto de necessidade de segurança
militar profissional e permanente. Só havia duas formas de sustentar uma estrutura
bélica das cidades-estados no Oriente Próximo. A primeira é exploração dos povos
subjugados e os espólios de guerra. A segunda, um pouco mais complicada, é a
tributação do próprio povo, o que ao longo de muito tempo produz invariavelmente
uma insatisfação popular (KONINGS, 1998).

A centralização política é um fenômeno complexo que estende seus tentáculos


por todas as esferas da vida social. Todas as instituições em maior ou menor grau acabam
sofrendo as reverberações da centralização. No âmbito religioso, a centralização trouxe
profundas modificações na dinâmica das celebrações religiosas. A Páscoa, por exemplo,
deixa de ser uma celebração familiar e perde o seu caráter de compartilhamento
comunitário, transformando-se em uma grande cerimônia nacional. Na prática, a
centralização acaba prejudicando os mais pobres. Estes se viam impedidos a peregrinar
até Jerusalém para participar da celebração por falta de recursos (CARMO FILHO, 2003).

De acordo com Kessler (2009), a centralização cúltica e litúrgica ocorre
gradualmente. Na época pré-estatal havia apenas os santuários locais e a liturgia ficava
a cargo dos chefes tribais. Na época estatal monárquica havia santuários locais e um

125
santuário central que ficava a cargo da classe sacerdotal. No final do século VII, no
período babilônico, todos os santuários locais foram fechados e ocorre a introdução da
figura do sumo sacerdote, como no contexto religioso canaanita. Mesmo assim, Merrill
(2001), afirma que havia uma simplicidade cúltica entre os hebreus comparada com os
povos do Oriente Próximo. O número de estelas ou monolitos religiosos dos hebreus e
dos demais povos comprovam tal simplicidade.

3.1 A GEOPOLÍTICA JUDAICA


Por causa de sua localização geográfica estratégica, Israel viveu sob o domínio
dos grandes impérios. Em toda a sua história política, mesmo nos tempos áureos da
monarquia, Israel nunca teve a vocação expansionista ou imperialista.

No que tange à sua política externa, os hebreus sempre estiveram à sombra


das grandes potências do mundo antigo. Não obstante, foi devido a um vácuo de poder
dessas nações poderosas, que se transformaram em grandes impérios, que Israel
conseguiu estabelecer sua monarquia (KONINGS, 1998). Kessler (2009), chega a dizer
que Israel e Judá sempre foram culturas mais “fracas”, ou seja, culturas dominadas e
não dominadoras.

Como já fora anteriormente apresentado, a devoção a Yahweh, a pertença


genealógica e o vínculo com a terra prometida são os fatores constitutivos fundamentais
na construção e manutenção da identidade cultural de longa duração em Israel. A
questão é que estes três fatores estavam entrelaçados de forma interdependente,
tendo como suporte radicular a Torá, a lei mosaica. O que faz com que haja pouco ou
nenhum espaço para desvios e exceções, sem que com isso se incorra em erro, rebelião
e pecado contra Yahweh (SORJ, 2014). Desse modo, o conflito entre tal exigência moral
religiosa e as questões culturais e geopolíticas sempre estiveram presentes na vida de
Israel. Sendo um problema durante o período tribal, tal situação agrava-se ainda mais
no período da monarquia, pois as exigências da religião monoteísta que constantemente
eram vocalizadas pelos profetas vão de encontro às pretensões expansionistas da
monarquia, de estabelecer alianças com povos vizinhos, que resultavam em certa
aculturação e leniência com cultos pagãos (SORJ, 2014).

Com a formação do Estado monárquico surge o problema sobre como deveria


ser a organização política nesse novo contexto. Há na lei mosaica uma riqueza de
informações, detalhes e minúcias sobre o comportamento coletivo, individual, sobre os
sacerdotes, lugar, posição e medidas especificas do tempo, mas não diz nada a respeito
de palácio ou corte.

126
Por mais que se possa pensar que os princípios estavam expressos na lei
serviriam para qualquer situação, na prática se tem outro contexto bem distinto ao
contexto em que a lei fora dada (SORJ, 2014). Não havia informações claras de como
deveriam ser tratadas as questões de ordem política num Estado. E com o Estado surge
outro problema, a questão geopolítica, que diz respeito às estratégias de administração,
manutenção e expansão territorial, mas que também não são contempladas pela
legislação mosaica.

Externamente, eles não sabiam exatamente como deveria proceder na relação


com outras nações e internamente, também não sabiam se a organização política das
cidades do período dos juízes e sacerdotes deveria ou não ser mantida indefinidamente,
em contraposição ao modelo de chefia monárquica típica do contexto da Palestina. Veja
o que diz Sorj (2014, p. 59):

Inicialmente, as tribos que povoaram Canaã eram dirigidas por


conselhos de anciãos, sem um comando central, coligando-
se, em caso de perigo externo, em torno de um líder que a Bíblia
denomina Juiz, embora em certos casos tratar-se de guerreiros
por excelência, como foi o caso de Sansão. A aliança do povo de
Israel com Deus, pela qual os judeus cumprem os mandamentos
divinos e Deus os protegeria, se mostra insuficiente frente aos
ataques dos povos vizinhos. As guerras constantes com os povos
do entorno, enfrentadas com o apoio de Deus (antes da construção
do Templo, o Tabernáculo contendo as Tábuas da Lei acompanhava
os exércitos), teriam levado as tribos a apoiar a consagração de um
rei. Certamente algo estranho à tradição, e, de acordo com a Bíblia,
quando o povo pede a Samuel, último juiz e primeiro profeta, que
nomeie um rei, tanto Samuel como Deus se opõem. Samuel elabora
uma diatribe contra a monarquia (1 Samuel 8) em que argumenta
que ela só traria opressão.

127
TABELA 3 – LINHA DO TEMPO DAS GRANDES POTÊNCIAS

POTÊNCIAS OS HEBREUS SÉC. PROFETAS ATUANTES

BABILÔNIA (antiga) PATRIARCAS (Abraão, Isaac, Jacó) 19-15


EGITO Hebreus no Egito 14
13 Moisés
Edom-Moab Êxodo/Josué/ Juízes – Israel em
12 Débora
Filisteus Canaã
11 Samuel/Natã
Reis – Saul/Davi/Salomão
Aías
ASSÍRIA Divisão dos dois reinos 10
Elias/ Eliseu
9
Arâm (Síria) Amós/Oséias
8
Miquéias/Isaías I
Josias/Manassés/Joaquim 7 Sofonias/Jeremias
BABILÔNIA 597 Exílio 6 Ezequiel
(Nabucodonosor) 586 Destruição do Templo
538 Fim do exílio decreto de Isaías II
Ciro
PERSAS 2º Templo Isaías III

JUDAÍSMO
GREGOS
Neemias/Esdras 5
HELENISMO Malaquias/Zacarias
330 Alexandre na Judéia 4

Macabeus x Antíoco Epífanes 3 Apocalípticos


Fariseus/essênios/saduceus 2
ROMANOS
Herodes, o Grande 1 a.C.
29 a.C. Augusto
Nascimento de Jesus =0= João Batista / Jesus
14 d.C. Tibério
Morte de Jesus 1 d.C.

CRISTIANISMO
37 Calígula
41 Cláudio
Apóstolos e
evangelistas, profetas
e mártires
79 Tito Destruição do 2º Templo
81 Domiciano Cristãos x judeus 2
96 Nerva, Trajano Perseguições romanas

FONTE: Adaptada (KONINGS, 1998)

Diante dos problemas políticos apresentados, tudo nos leva a acreditar que o
ideal por trás da expansão, estatização e centralização do poder não só não estava
em consonância com a lei mosaica, como também não estava em consonância com
a vontade de Yahweh. A recusa de Samuel, a resposta de Yahweh e as constantes
exortações dos profetas para que se voltasse ao modo de vida tribal simples corroboram
essa interpretação (Vide 2.1 Modo de Produção).

128
4 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS NO
PERÍODO MONÁRQUICO
Apesar de todas as transformações ocorridas, não se deve pensar que o antigo
modo de vida foi completamente extinguido. No contexto monárquico, os dois modos
de vida conviviam paralelamente.

Parte da população israelita continuava a viver na estrutura comunitária familiar


do campo. Modo de vida que contrasta com a vida urbana da cidade de Jerusalém,
a antiga cidade dos jabuseus, e Samaria, cidade fundada por monarcas de Israel.
Essas cidades eram importantes centros políticos e comerciais. Possuíam a mesma
arquitetura política das cidades-estado cananeias. Nessas cidades tem-se um estilo de
vida desenraizado do modo simples tribal (KONINGS, 1998).

Toda a homogeneidade social típica do período tribal é substituída por uma


aguda distinção de classes sociais. A simetria das relações de gênero, também típica do
modo de vida tribal e campesino dá lugar às relações assimétricas em uma sociedade
fortemente hierarquizada.

Alguns documentos atestam que as funções administrativas do rei eram


executadas em sua maioria por homens. Dentro da estrutura monárquica, os anciãos
que eram os sábios que cumpriam funções esporádicas no contexto tribal, passam a
fazer parte da estrutura administrativa burocrática. E os homens que eram convocados
apenas em tempos de guerra são substituídos por um exército profissional e por milícias
de mercenários (KESSLER, 2009).

Mesmo que a estrutura familiar e de parentesco continue a ser a base da


sociedade israelita, algumas modificações começam a aparecer. A restrição de possuir
mais de uma esposa desaparece já no final do período dos juízes. Gideão é um chefe juiz,
identificado como sendo possuidor de muitas esposas: “Teve setenta filhos, saídos todos
dele, porque tinha numerosas mulheres. Sua concubina, que estava em Siquém, deu-lhe
também um filho, que foi chamado Abimelec” (Juízes 8, 30-31). Durante a monarquia
esse comportamento foi seguido por diversos monarcas (GARIN, 2010). Comportamento
que provavelmente foi seguido pelos membros das cortes.

Com o reino dividido entre Judá ao sul e Israel ao norte, as transformações


na estrutura social atingem os dois reinos, porém, mantendo certas especificidades
em cada local. Pelo fato do reino do norte ter um desenvolvimento estatal alguns
séculos a frente do reino do sul, nele começou a se formar uma sociedade de classes,
enquanto, no reino do sul formou-se uma aristocracia rural em paralelo com uma
aristocracia funcional a serviço do rei. Em grau e escala diferente, nos dois reinos ocorre
a diferenciação de poder, de prestígio social, de influência e riqueza. A diferenciação
gera uma complexidade social que acaba por produzir pequenas diferenças no modo de
vida, na cultura e na religiosidade entre as classes sociais (KESSLER, 2009).

129
A riqueza de alguns não é exatamente fruto da pobreza de outros, porém, no
interior desta diferenciação está o sistema de crédito que opõe credores e devedores,
que antes eram regidos por princípios de solidariedade, perdão e generosidade estatuídos
pela lei mosaica. O esgarçamento do tecido social e diferenciação econômica e social
são facilmente percebidos nas duras críticas tecidas pelos profetas Isaías e Miquéias ao
reino do sul e do profeta Amós ao reino do norte:

A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens


de Judá são a planta de sua predileção. Esperei deles a prática da
justiça, e eis o sangue derramado; esperei a retidão, e eis os gritos
de socorro. Ai de vós, que ajuntais casa a casa, e que acrescentais
campo a campo, até que não haja mais lugar, e que sejais os únicos
proprietários da terra. Os meus ouvidos ouviram ainda este juramento
do Senhor dos exércitos: Grande número de casas, eu o juro, será
devastado, grandes e magníficas herdades ficarão desabitadas
(Isaías 5: 7-9).
Ai dos maquinadores de iniquidade, dos que tramam o mal nos seus
leitos, e o executam logo ao amanhecer do dia, porque têm o poder
na mão! Cobiçam as terras e apoderam-se delas, cobiçam as casas e
roubam-nas; fazem violência ao homem e a sua família, ao dono e a
sua herança (Miquéias 2, 1,2).
Oráculo do Senhor: Por causa do triplo e do quádruplo crime de Israel,
não mudarei meu decreto. Porque vendem o justo por dinheiro, e o
pobre por um par de sandálias, porque esmagam no pó da terra a
cabeça do pobre, e transviam os pequenos, porque o filho e o pai
dormem com a mesma jovem, o que é uma profanação do meu
santo nome, porque se estendem ao pé de cada altar sobre vestes
recebidas em penhor, e bebem no templo do seu Deus o vinho dos
que foram multados (Amós 2, 6-8).

5 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS


PROVOCADAS PELO EXÍLIO
As invasões das potências do Oriente Próximo nos reinos de Judá e Israel foram
responsáveis por longos processos de exílio sucedidos por várias ondas de deportação.
Se já havia um processo de esgarçamento do tecido social com o desenvolvimento
do Estado, com os sucessivos exílios tem-se a agudização da degradação social. Além
das mortes que ocorriam nesse processo, os assentamentos de exilados israelitas não
eram formados pelo critério de agrupamento de membros da mesma família, mas de
agrupar indivíduos de famílias diferentes, produzindo a separação entre familiares
(KESSLER, 2009).

Os laços familiares são rompidos e o lugar de moradia das famílias deixa de


ser a base material do sistema familiar. As relações de parentesco que até então eram
a base das sociedades israelitas não deixam de existir, porém, suas regras e critérios
passam a ser outros.

130
A consanguinidade cede lugar ao local de moradia comum e às listas de
deportados. As províncias formadas por exilados de Israel estão cercadas por províncias
de outros povos. O resultado são os casamentos mistos e acentuação da degradação
moral e religiosa (KESSLER, 2009).

Merrill (2001) chama a atenção para o que considerou ser uma característica
positiva para sobrevivência dos israelitas no contexto exílico. No exílio os israelitas se
mostraram o povo de fácil adaptação. Uma relativa coesão e uma habilidade de serem
“bons cidadãos” na terra de seus algozes. Nesse sentido, eles absorvem profundamente
o estilo de vida da sociedade em que vivem. E, ao mesmo tempo, mantêm sua
religiosidade e tradições ancestrais. Exemplos desse comportamento adaptativo são a
adoção de nomes babilônicos de Ester, Mardoqueu, Daniel e seus companheiros.

Se a experiência do exílio em si já é uma experiência traumática, o pós-exílio não


se mostra menos deletério para a manutenção das antigas tradições israelitas. Como
houve intensa miscigenação no contexto do exílio, os repatriados carregam consigo
o rastro que incentiva o desmantelamento da estrutura tradicional. A elite repatriada
torna-se novamente a classe dominante e desenvolve o sistema bancário e o comércio
internacional, com o apoio de judeus da diáspora que vivem em outras cidades do
império persa (KONINGS, 1998).

Como vassalo do império persa, o fato de retornarem a sua terra de origem não
faz Israel uma nação soberana politicamente. Eram um povo, mas não eram uma nação
soberana. Embora sua identidade estivesse fundamentada nas experiências religiosas
e na vida dos patriarcas e no episódio do Êxodo, a reestruturação do legado cultural
e religioso no pós-exílio ocorre com a escrituração da Torá. A redação dos escritos da
Torá foi uma estratégia e uma forma de manter viva a identidade religiosa. E a partir da
lei, das memórias dos profetas e dos escritos sapienciais se projeta e se constrói uma
imagem idealizada da vida comunitária de Israel (KONINGS, 1998).

Os registros mostram a existência de pelo menos dois cultos. O daqueles que


continuavam fiéis a Yahweh e o daqueles que se voltam para outros deuses. Este é o ambiente
da mudança significativa do reconhecimento natural de quem era israelita, baseado na
descendência para o critério do reconhecimento do ethos religioso – do judaísmo.

Antes do exílio tínhamos o “antigo Israel”, o povo, formado pelos descendentes


de Abraão. Após o exílio temos o judaísmo, uma comunidade religiosa de livre
pertencimento, baseada no credo religioso. Os pilares dessa nova comunidade religiosa
são a circuncisão, o sábado e as leis alimentares (KESSLER, 2009).

A partir desse momento se estabelece uma distinção clara entre “o Israel fiel”
e “o Israel infiel. No processo de reconstrução da vida nacional, as transformações
atingem mais a elite do que o povo como um todo. Uma parte da elite foi assimilada no
contexto do exílio.

131
A assimilação significa uma intensa participação política e econômica com
a cultura dominadora tanto no contexto do exílio como após o exílio, vivendo sob o
domínio da nação dominadora. Como o lugar da elite é a cidade, as cidades sobrevivem
do intenso fluxo de comércio de trocas. Uma intensa rotina comercial exige que se
comercialize a todo tempo, incluindo o sábado. Também exige que se sente à mesa para
fechar negócios. Sendo este o modo quase que exclusivo de se concretizar parcerias
comerciais.

É importante esclarecer que nem todos os israelitas foram exilados nas


diversas invasões sofridas por Israel. Como forma de desestabilizar a estrutura política
e econômica das nações invadidas, as elites dessas nações eram preferencialmente
expatriadas, deixando sempre um remanescente, política e economicamente acéfalo
na terra devastada. Em Israel permaneceu um remanescente de posse de uma
terra depauperada, porém, este terá fundamental importância na manutenção de
elementos da religiosidade primitiva, como também na estruturação do judaísmo
veterotestamentário.

Todas essas exigências da vida citadina e comercial da elite repatriada esbarram


nos tabus e prescrições religiosas. Entre um casamento tradicional endogâmico e o
estabelecimento de uma aliança política e comercial, por meio de um casamento misto,
o bom comerciante optará pelo segundo.

É por esse fator que existem inúmeras referências a tendas e metáforas como
cortar a corda de uma tenda, tenda forte, tenda alargada, que demonstram o quanto o
nomadismo permaneceu no imaginário, nas crenças coletivas de Israel. É a partir deste
imaginário monádico que os escritos da Torá são produzidos (DOUGLAS, 2006).

Esse mesmo recurso semiológico foi utilizado pelos profetas ao denunciarem


a corrupção moral quando do estabelecimento da monarquia. Profetas como, Amós e
Oséias se utilizavam do ideal de vida nomádica como figura simbólica de saúde espiritual.
Condenavam o luxo da vida citadina e incentivavam o retorno ao estilo de vida simples:

Pois no dia em que eu punir as transgressões de Israel, também


castigarei os altares de Betel; e as pontas do altar serão cortadas, e
cairão por terra.E ferirei a casa de inverno juntamente com a casa de
verão; e as casas de marfim perecerão, e as grandes casas terão fim,
diz o Senhor (Amós 3, 14-15).
Portanto agora irão em cativeiro entre os primeiros dos que forem
levados cativos, e cessarão os festins dos banqueteadores. Jurou o
Senhor DEUS por si mesmo, diz o SENHOR, o Deus dos Exércitos:
Abomino a soberba de Jacó, e odeio os seus palácios; por isso
entregarei a cidade e tudo o que nela há (Amós 6, 7-8).
Eu sou o Senhor, teu Deus, desde a saída do Egito; farei com que
habites de novo sob tendas, como nos dias de festa (Oséias 12, 9).

132
O profetismo é um movimento de renovação moral e religiosa e de denúncia das
mazelas sociais. O profeta é compreendido como sendo o porta voz da vontade divina
e exprime o que Deus lhe permite compreender a respeito da realidade presente ou, às
vezes, mas não necessariamente, futura.

Outra característica do profetismo em Israel é a junção de ideias e concepções


de redenção assentadas nas tradições clânicas. Uma das importantes concepções
clânicas é o caso da figura do goêl, uma importante instituição clânica que tem função
e importância atualizada em diversos momentos da história de Israel, como já fora
anteriormente apresentado (CHWARTS, 2016).

Apesar de toda experiência sofrida por Israel, com potencial de eliminar todo e
qualquer vínculo com a religião javista, a ligação desse povo com Yahweh se manteve
viva. Nas crônicas de Esdras e Neemias encontra-se um capítulo que coroa do modo
lapidar a relação entre Yahweh e esse povo. Uma confissão pública de pecados e um
compromisso público coletivo de guardar a lei, por parte daqueles que acabavam de
passar pela experiência do exílio:

Enquanto Esdras, prostrado diante da casa de Deus, fazia chorando


esta prece e esta confissão, foi-se reunindo em torno dele uma
multidão numerosa de israelitas, homens, mulheres e crianças; e o
povo também derramava abundantes lágrimas. Então Sequenias,
filho de Jeiel, dos filhos de Elão, tomou a palavra e disse a Esdras: Nós
pecamos contra o nosso Deus, tomando por mulheres as estrangeiras
pertencentes ao povo desta terra. Entretanto, resta ainda uma
esperança para Israel. Façamos, agora, uma aliança com nosso
Deus: proponhamo-nos a mandar de volta todas essas mulheres e
seus filhos, de conformidade com o teu conselho e o daqueles que
têm respeito pelos mandamentos de nosso Deus. E que seja feito
segundo manda a lei (Esdras 10:1-3).
O resto do povo, os sacerdotes, levitas, porteiros, cantores, natineus,
e todos os que estavam separados dos povos estrangeiros para
seguir a lei de Deus, suas mulheres, filhos e filhas, todos os que
estavam em idade de conhecer e compreender juntaram-se aos
seus irmãos, às pessoas importantes, e se comprometeram com
juramento a caminhar segundo a lei de Deus, dada por intermédio
de Moisés, seu servo, a observar e a praticar todos os mandamentos
do Senhor, nosso Deus, suas ordenações e leis. Prometemos não dar
nossas filhas aos habitantes da terra e não tomar suas filhas para os
nossos filhos; nada comprar da terra, em dia de sábado ou em dia
de festa, se trouxessem para vender, naqueles dias, mercadorias ou
quaisquer gêneros alimentícios que fossem; deixar repousar a terra
e não reclamar nenhuma dívida no sétimo ano (Neemias 10, 28-31).

Nestes episódios fica claro a força que o monoteísmo javista possui como
elemento estruturante do ethos judaico. A questão do nacionalismo étnico e a religião
não se separam. Este um é dos fatores, talvez o principal fator que explica a violência
da revolta dos Macabeus, os piedosos hassidim, quando este fator de unidade sofre
a ameaça de ser extinto, quando da profanação do templo e perseguição aos judeus
piedosos por Antíoco Epífanes (KONINGS, 1998).

133
À luz de tudo o que fora apresentado pode-se perceber que, do ponto de vista
sociológico, após os cativeiros, exílios e deportações há um esfacelamento do tecido
social do povo hebreu. As transformações sociais ocorridas e os milhares de judeus
que permaneceram na diáspora, espalhados por todos os cantos do Oriente Próximo
comprovam tal afirmação. Do ponto de vista antropológico, pode-se dizer que um
conjunto de crenças fundamentais do monoteísmo javista sobreviveu e se tornou o
liame entre o judaísmo posterior e o cristianismo.

134
LEITURA
COMPLEMENTAR
OS HEBREUS

Michele Tupich

Alguns dos principais documentos referentes ao povo hebreu foram descobertos


em 1947 às margens do Mar Morto. Esses documentos – pergaminhos – trouxeram
informações sobre essa civilização até então bastante desconhecida, pois as referências
que havia a seu respeito eram provenientes do Antigo Testamento, ou seja, de um dos
textos que compõe a Bíblia. Os Hebreus (o termo hebreu pode ser traduzido como “povo
do outro lado do rio”) eram de origem semita e no tempo do primeiro império babilônico
viviam agrupados nas proximidades de Ur. Segundo fontes, chegaram à Palestina por
volta do século XVIII a.C.

O território palestino nesse período era composto por quatro regiões: a faixa
junto ao Mar Mediterrâneo; uma zona de montanhas e colinas áridas; uma faixa estreita
entre o Jordão; e os semiáridos que pertencem ao deserto da Síria e Arábia. Em geral,
uma região que não favorecia a prática da agricultura. Os Hebreus começaram seu
povoamento em Canaã, de onde migraram para o Egito, provavelmente incentivados
pelos Hicsos e impulsionados pelo clima seco que dificultava a sobrevivência que
dependia da agricultura.

Segundo Jaime Pinsky, quando os Hicsos foram expulsos do Egito, os Hebreus


sofreram grande perseguição, iniciando um processo de retirada do Egito que ficou
conhecido como êxodo. Esse fato é narrado, na Bíblia, no livro do Êxodo, no qual é
contada a peregrinação dos Hebreus pelo deserto sob a liderança de Moisés que teria
durado quarenta anos até seinstalarem em Canaã.

A ocupação de Canaã foi um processo longo e, segundo Jaguaribe, durou cerca


de três séculos. Nesse contexto os grupos dividiram-se em doze tribos, as quais, em
momentos de necessidade, uniram esforços sob a liderança de um conselho de juízes.
Barucq adverte que, por volta de 1010 a.C., os Israelitas – os Hebreus – instituíram Saul
como seu primeiro rei, gozando da mesma autoridade desfrutada até então pelos juízes.

Entretanto, foi sob a liderança de Salomão, filho do rei Davi, que os Israelitas
tiveram maior desenvolvimento. O exército foi expandido, obtiveram o controle das rotas
comerciais, das caravanas que comerciavam incenso e perfumes com as rainhas da
Arábia meridional, desenvolveram a comercialização pelo Mar Mediterrâneo e pelo Mar
Vermelho. Salomão desenvolveu um reinado pacífico e diplomático e, com sua morte,

135
explodiram duas tensões: a primeira foi o conflito entre os pontos de vista político e
religioso, a outra foi a competição latente entre as tribos setentrionais e Judá ao sul.
Como resultado dessas discordâncias, o reinado dividiu-se em dois, o reino de Israel ao
norte e o de Judá ao sul.

Segundo Barucq, o reino de Israel não teve longa duração e foi dominado
pelos assírios, os quais eram controlados por Sargão II, que converteu a região em uma
província assíria. Já o reino de Judá seguiu a política diplomática de Salomão com o
Egito, a Assíria e a Babilônia, submetendo-se às formas de vassalagem, pagando tributos
e alianças, o que garantiu uma existência mais longa, de quase dois séculos. Por volta
de 587 a.C., Nabucodonosor e seu exército ocuparam Jerusalém em caráter definitivo. A
maioria da população e certamente os que se encontravam nas camadas superiores da
sociedade foram levados para a Babilônia como cativos. Nessa circunstância, portanto,
desapareceram os agrupamentos populacionais que caracterizavam os povos hebreus.

FONTE: Barbosa, M. T. Do antigo Oriente próximo a Roma: uma abordagem da antiguidade.


Guarapuava: Unicentro, 2009, p. 41-43.

136
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As formas de organização política dos hebreus, suas tipologias, seu desenvolvimento


no período patriarcal até o período monárquico.

• As principais características da administração política no período patriarcal, da


atuação majoritária dos chefes tribais ao desenvolvimento da atuação dos juízes.

• As principais características da administração política no período monárquico. Os


fatores de natureza interna e os fatores de natureza externa que influenciaram o
desenvolvimento do estado monárquico.

• As transformações sociais e culturais provocadas pelo exílio. A desagregação da


estrutura de linhagem, as mudanças dos papéis dos membros familiares e as
influências culturais e religiosas adotadas no contato com outros povos.

• A questão geopolítica em Israel. Sua posição estratégica e os desafios enfrentados


por Israel ao longo de sua história. O papel coadjuvante geopolítico e política
expansionista do período monárquico.

137
AUTOATIVIDADE
1 Anfictiônia é uma organização de caráter religioso que surgiu na Grécia, no Período
Arcaico, que congregava vários povos, antes do surgimento da Pólis grega. Com
o tempo, essas anfictiônias tinham também uma função política e militar. O fator
religioso acabou favorecendo o agrupamento de povos contra seus inimigos comuns.
Elabore um texto dissertativo sobre a anfictiônia hebraica e suas características.

2 A organização tribal pré-estatal é considerada por muitos teóricos como sendo um


tipo de organização anárquica, pela falta de um poder centralizado. No entanto, uma
análise acurada permite compreender a intrincada e complexa rede de relações e
hierarquias que compõe a organização tribal. Associe os itens, utilizando o código a
seguir:

I- Shebet.
II- Shofetim.
III- Mishpahah.

( ) Reunião de várias linhagens que descendem de um ancestral comum.


( ) Reunião de vários clãs que têm como fundamento o casamento endogâmico e a
ancestralidade comum.
( ) Espécie de chefe clânico mais velho que esporadicamente arbitrava disputas,
contendas e aconselhava em situações difíceis. Também chefia a tribo no tempo de
guerra.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II.
b) ( ) III – I – II.
c) ( ) I – II – III.
d) ( ) II–III – I.

3 Após um longo período de permanência em Canaã, os israelitas chegaram ao


consenso que seria mais vantajoso enfrentar seus inimigos com a instauração de
um Estado monárquico ao invés de manter o poder político descentralizado na figura
dos chefes locais. Sobre a questão da monarquia em Israel, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

138
( ) A organização política dos hebreus, desde os primórdios, deve ser considerada uma
teocracia, pois sempre foram governados por Deus, pelo intermédio de homens que
eram seus representantes.
( ) Do ponto de vista tipológico, tanto o Estado hebreu quanto o Estado egípcio são
Estados característicos fundamentados na religião.
( ) As relações simétricas e igualitárias entre homens e mulheres típicas do período
patriarcal deram lugar às relações assimétricas no período monárquico.
( ) Após muitos séculos de subjugação, Israel tornou-se uma grande potência sob
reinado de Salomão e passou a ter domínio absoluto em toda a região da Palestina.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) F – V–V–F.
d) ( ) V – F – F – V.

4 A formação e desenvolvimento de um povo ou de uma nação é um longo processo


em que ocorre uma constante fusão, incorporação e abandono de trações culturais.
Elabore um texto dissertativo, apresentado as três principais características sempre
estiveram presentes na identidade cultural de Israel.

5 Diante das inúmeras transformações sociais, culturais e religiosas que ocorrem


durante o período monárquico e o período dos exílios, surge um movimento reformador
entre os judeus – o profetismo. Sobre o profetismo, analise as assertivas a seguir.

I- Apesar das mulheres serem ativas e participativas na sociedade israelita, só os


homens exerciam a função de profeta.
II- Samuel foi o juiz que inaugurou o movimento do profetismo em Israel.
III- Os profetas traziam exortações sobre questões espirituais, visto que eram eles que
vocalizavam a vontade de Deus para o povo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado II está correto.

139
140
REFERÊNCIAS
BARBOSA, M. T. Do antigo Oriente próximo a Roma: uma abordagem da antiguidade.
Guarapuava: Unicentro, 2009.

BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P.; STREIFF-FENART, J.


(org.) Teorias da etnicidade. São Paulo: Unesp, 1998.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada Tradução da CNBB: Antigo e Novo Testamentos.


Tradução de Conferência Nacional do Bispos do Brasil. Johan Konings. São Paulo:
Loyola, 2002.

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de filosofia. Tradução: Desidério Murcho et al. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BOAS, F. U. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

BRAATEN, C E. Dogmática cristã, v. 1. São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1990.

CARMO, A. Antropologia das religiões Lisboa: Universidade Aberta, 2001. Disponível


em: https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/8495. Acesso em: 18 maio 2021.

CARMO FILHO, A. Da Páscoa judaica à eucaristia cristã. 2003. 54 f. Dissertação


(Mestrado em Teologia) – Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia, São
Leopoldo, 2003.

CHWARTS, S. Família e clã nas narrativas patriarcais e na literatura profética: um breve


comentário. Cadernos de língua e literatura hebraica, São Paulo, n. 14, p. 126-140,
2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cllh/article/view/125036. Acesso em:
18 maio 2021.

CRISTAUDO, A. Da filosofia helenística à teologia cristã: formação do dogma como


processo criativo. IHU-UNISINOS, São Leopoldo, 14 mar. 2018. Disponível em: http://
www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576921-da-filosofia-helenistica-a-teologia-crista-
formacao-do-dogma-como-processo-criativo. Acesso em: 18 maio 2021.

CROATTO, J. S. Símbolos culturais e hermenêutica bíblica. São Paulo: Paulinas, 2013.

CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à


fenomenologia da religião. Tradução: Carlos Maria Vasquez Gutiérrez. São Paulo:
Paulinas, 2001.

141
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução: Viviane Ribeiro.
Bauru: EDUSC, 2002. p. 9-12.

DETIENNE, M. A invenção da mitologia. Tradução de André Telles; Gilza Martins


Saldanha da Gama. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia. Tradução: João Bentes. 3. ed. rev.
São Paulo: Vida Nova, 2006.

DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na


Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989.

ELIADE, M. Tratado das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ELIADE, M. Aspectos do mito. Lisboa: Edições 70, 1989.

FARAH, P. D. Cidades-símbolo estão em xeque. Folha de São Paulo – Mundo, São


Paulo, domingo, 30 de março de 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
fsp/mundo/ft3003200327.htm. Acesso em: 18 maio 2021.

FERREIRA, S. [Teocracia] In: BOBBIO, N. Dicionário de política. V. 1, trad. Carmen C,


Varriale et al. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

FORTE, S. Paulo, mestre e modelo de vida cristã: influência de Paulo no Adversus


Haereses de Ireneu de Lião. 2015, 119 f. Dissertação (Mestrado Integrado em Teologia –
1º Grau Canónico) – Faculdade De Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,
2015.

GARIN, N. C. A família no Antigo Testamento. Revista Caminhando, São Bernardo


do Campo, v. 5, n. 2, 2. ed. on-line, 2010. Disponível em: https://www.metodista.br/
revistas/revistas-metodista/index.php/Caminhando/article/view/2253. Acesso em: 18
maio 2021.

GONDIM, L. C. L.; GONDIM, L. M. O casamento judeu: rituais, crenças e significados.


Revista Hermenêutica, Cachoeira, v. 12, n. 2, p. 71-84. 2012. Disponível em: https://
seer-adventista.com.br/ojs3/index.php/hermeneutica/article/view/272. Acesso em: 18
maio 2021.

GUARDINI, R. O fim da idade moderna. Lisboa: Edições 70, 2000.

HERÓDOTO. História. 2. ed. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998.

142
JONES, A. [Imagem]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.
Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 611. Disponível em:
https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

KEESING, R. Antropologia cultural: uma perspectiva contemporânea. Trad. Vera


Jocelyne. Petrópolis: Vozes, 2014.

KESSLER, Rainer. História social do Antigo Israel. Tradução: Aroldo Reimer. São
Paulo: Paulinas, 2009.

KITCHEN, K. A. [Alimento]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 35. Disponível em:
https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

KONINGS, J. A Bíblia e suas origens. Petrópolis: Vozes, 1998.

KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos. Tradução: Mirtes Frange de Oliveira


Pinheiro. Bauru: EDUSC, 2002.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares de parentesco. Petrópolis: Vozes,


1982.

LÉVI-STRAUSS, C. A família. In: SHAPIRO, H. L. (Org.). Homem, cultura e sociedade.


Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1972.

MARQUES, J. J. Literaturas do próximo oriente antigo na bíblia – origens,


aliança sabedoria. Dissertação (Mestrado em História e Cultura das Religiões) –
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015.

MAZOYER, M. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise


contemporânea. Tradução: Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira. São Paulo: UNESP;
Brasília, DF: NEAD, 2010.

MERRILL, E. H. História de Israel no antigo testamento. Tradução: Romell S.


Carneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

MOTYER, J. [Idolatria]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 603. Disponível
em: https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

143
MOUNCE, R. H. Bíblia. In: ERWLL, W. (Editor). Enciclopédia histórico-teológica da
igreja cristã. Tradução: Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2009.

POUPARD, P (coord.). Dictionnaire des religions. Paris: Presses universitaires de


France, 1984.

RIBEIRO, L. M. P. A mulher na Bíblia. Moriah Internacional Center. São Paulo, 15 out.


2020. Disponível em: https://moriacenter.com/a-mulher-na-biblia/?lang=pt-br. Acesso
em: 23 18 maio 2021.

ROCHA, I. E. Imagem no judaísmo: aspectos do "aniconismo" identitário. História,


Franca, v. 26, n. 1, p. 119-124, 2007. Disponível em: https://bit.ly/2RW2EeZ. Acesso em:
18 maio 2021.

SANTOS, A. R. Um lugar de encontro entre o homem e os deuses. Revista


portuguesa de ciência das religiões, Lisboa, n. 3/4, p. 189-196, 2003. Disponível
em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/view/4605/3117.
Acesso em: 18 maio 2021.

SILVA, R. Especial Egito: o faraó do êxodo. [S. l.: s. n.], 2019, 1 vídeo (28 min).
Publicado pelo canal Evidência NT. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ccWsLlzjCD8. Acesso em: 18 maio 2021.

SORJ, B. Geopolítica e cultura: a trajetória de Israel. História, Franca, v. 33, n. 2,


p. 57-71, dez. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0101-90742014000200057&lng=pt&nrm=iso. acessos em: 18 maio 2021.

STRADING, D. G. [Música]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 902. Disponível
em: https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

STEWART, R. A. [Páscoa]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 1000. Disponível
em: https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

SZKLARZ, E. Jerusalém, o centro do mundo. Super Interessante, São Paulo, 31 jan.


2008. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/jerusalem-o-centro-do-
mundo/. Acesso em: 18 maio 2021.

144
TAYLOR, J. B. [Ancião]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.
Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 52. Disponível em:
https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

THOMPSON. J. A. [Parentela]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 999. Disponível
em: https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

CODEX of Ur-Nammu. In: Encyclopædia Britannica. 14 jan. 2018. Disponível em:


https://www.britannica.com/topic/Codex-of-Ur-Nammu. Acesso: 18 maio 2021.

WISEMAN, D. J. [Arte]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 108. Disponível
em: https://seer- https://prandrelda.files.wordpress.com/2013/01/j-d-douglas-novo-
dicionc3a1rio-da-bc3adblia.pdf. Acesso em: 18 maio 2021.

145
146
UNIDADE 3 —

O MUNDO E A CULTURA DO
NOVO TESTAMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar as principais características do judaísmo do período Intertestamentário;


• identificar as principais características da cosmovisão judaica e cristã;
• entender os principais aspectos políticos da Palestina do primeiro século;
• entender os aspectos do Novo Testamento;
• entender os aspectos religiosos do modo de vida judaico e cristão;
• conhecer fatores da transição do mundo judaico para o cristianismo;
• distinguir os modos de vida distintos por trás do texto bíblico;
• compreender de que forma o ethos judaico influenciou o texto bíblico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A VIDA CULTURAL NO NOVO TESTAMENTO

TÓPICO 2 – A VIDA RELIGIOSA NO NOVO TESTAMENTO

TÓPICO 3 – A VIDA POLÍTICA NO NOVO TESTAMENTO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

147
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

148
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A VIDA CULTURAL NO NOVO TESTAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Bendito aquele que diz a verdade com um coração puro,
e não calunia com sua língua.
Benditos os que se apegam às suas leis,
e não se apegam a caminhos perversos.
Benditos os que se regozijam nela,
e não investigam em caminhos loucos.
Benditos os que a buscam com mãos puras.
e não solicitam com coração traidor.
Bendito o homem que alcança a Sabedoria,
e caminha na lei do Altíssimo,
e aplica seu coração a seus caminhos,
e se obriga à sua disciplina,
e em suas correções se compraz sempre;
e não a abandona na aflição de seus males,
e no tempo da angústia não a despreza,
e não a esquece nos dias de espanto,
e na aflição de sua alma não a aborrece.
Pois sempre pensa nela,
e em seu mal ele medita a lei,
e durante toda a sua existência pensa nela,
e a põe ante seus olhos
para não caminhar por caminhos de maldade.

(4QBem-aventuranças (4Q525 [4QBéat]) Frag. 2. 2:1-7)


Escrito essênio

Acadêmico, entendemos ser de suma importância a compreensão das principais


características do período de transição entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento.
Por isso, apresentaremos uma síntese dos 400 anos do período Intertestamentário,
o chamado “período do silêncio”, para um melhor entendimento do modo de vida dos
judeus e dos cristãos do primeiro século.

Para melhor compreensão do mundo do Novo Testamento é necessário um


pequeno excurso no pós-exílio para compreender melhor o cenário, os personagens, os
ofícios, os grupos, os partidos e as disputas de poder forjados nesse período que antecede
o Novo Testamento. O período do Intertestamento é negligenciado por estudiosos, por
clérigos, por leigos e por segmentos cristãos. É um período de fundamental importância
do ponto de vista histórico, teológico, político e cultural.

149
O judaísmo que aparece nos escritos do Novo Testamento não possui
uma conexão direta com o pós-exílio imediato, assim como também não pode ser
compreendido sem as informações do Intertestamento.

A influência da cultura grega e a dominação romana, que são os substratos
dos acontecimentos do Novo Testamento ocorrem no período intertestamentário.
A adesão ou a rejeição dos segmentos judaicos aos dominadores são pontos importantes
para o estabelecimento das posições desses grupos nas disputas pelo poder. Fariseus,
saduceus, essênios, zelotas e herodianos são os personagens importantes de um
capítulo determinante para a formação do cristianismo e para o destino de Israel na
Palestina e fora dela.

2 O PERÍODO DO INTERTESTAMENTO
Antes dos achados dos manuscritos de Qumran na década de 1940 havia certa
dificuldade em relação às fontes históricas do período Intertestamentário. As fontes
internas – os escritos bíblicos – não são aceitas por todos os segmentos religiosos, há
os escritos deuterocanônicos, aceitos pelos católicos e não são aceitos pela maioria dos
protestantes, e há os escritos considerados apócrifos ou pseudepigrafos por católicos
e protestantes, porém, são aceitos pelas Igrejas Ortodoxas.

Em relação às fontes externas, temos os achados arqueológicos, em que estão


incluídos os manuscritos de Qumran, e os historiadores do primeiro século, Flávio
Josefo, um judeu-romano, e o grego Fílon de Alexandria. Grande parte dos manuscritos
de Qumran são de escritos apócrifos e pseudepigrafos.

A pseudepigrafia é o ato de usar o nome de um autor ou profeta para que os


escritos fossem aceitos pela comunidade judaica. Era uma prática comum dentro do
judaísmo, usada pelos fariseus, saduceus e provavelmente pelos essênios. Em muitos
casos, não se trata apenas da questão de se utilizar o autógrafo de outro autor para
ser aceito, mas, de escritos que eram de discípulos desses autores ou de determinada
tradição, que se consideram herdeiros e continuadores do espírito de tal autor ou tradição.

Os escritos apócrifos, do grego apokryphos (“oculto”), diferentemente dos


pseudepigrafos, são escritos que não possuem autoria conhecida e nem atribuída.
Estes escritos são de natureza doutrinária duvidosa. O que não é o caso de muitos
escritos pseudepigrafos, como por exemplo, o livro de Enoque e o livro Assunção de
Moisés, citados no Novo Testamento, na carta de Judas. Veja, no Quadro 1, a lista dos
escritos apócrifos, pseudepigrafos e de Qumran.

150
QUADRO 1 – ESCRITOS APÓCRIFOS, PSEUDEPIGRAFOS E DE QUMRAN

Escritos
Escritos Apócrifos Escritos de Qumran
Pseudepigrafos
Antigo Testamento Apocalipse de Moisés A Nova Jerusalém (5Q15)
Primeiro Livro de Adão
Apocalipse de Sidrac A Sedutora (4Q184)
e Eva
Caverna dos Tesouros Assunção de Moisés Antologia Messiânica (4Q175)
Epístola de Aristéas Ascensão de Isaías Bênção de Jacó (4QPBl)
Oráculos Sibilinos Livro dos Jubileus Bênçãos (1QSb)
Primeiro Livro
Prece de Manassés Cânticos do Sábio (4Q510-4Q511)
de Enoque
Quarto Livro Cânticos para o Holocausto do Sábado
Salmo 151
dos Macabeus (4Q400-4Q407/11Q5-11Q6)
Comentários sobre a Lei
Samuel Apócrifo Apocalipse de Esdras
(4Q159/4Q513-4Q514)
Segundo Livro de
Salmos de Salomão Comentários sobre Habacuc (1QpHab)
Adão e Eva
Segundo Tratado do Comentários sobre Isaías
Terceiro Livro de Enoque
Grande Sete (4Q161-4Q164)
Terceiro Livro
Novo Testamento Comentários sobre Miqueias (1Q14)
dos Macabeus
Do Novo Testamento
existe mais de
150 escritos entre
evangelhos, atos de
apóstolos, diálogos, Testamento de Abraão Comentários sobre Naum (4Q169)
ditos de Jesus, rituais,
epistolas, apocalipses,
fragmentos e obras
perdidas.

151
Testamento dos
Comentários sobre Oseias (4Q166-4Q167)
Doze Patriarcas
Testamento de Jó Comentários sobre Salmos (4Q171/4Q173)
Segundo Livro
Consolações (4Q176)
de Enoque
Martírio de Isaías Eras da Criação (4Q180)
Escritos do Pseudo-Daniel
(4QpsDan/4Q246)
Exortação para Busca da Sabedoria (4Q185)
Gênesis Apócrifo (1QapGen)
Hinos de Ação de Graças (1QH)
Horóscopos (4Q186/4QMessAr)
Maldições de Satanás e seus Partidários
(4Q286-4Q287/4Q280-4Q282)
Melquisedec, o Príncipe Celeste (11QMelq)
O Triunfo da Retidão (1Q27)
Oração Litúrgica (1Q34/1Q34bis)
Orações Diárias (4Q503)
Orações para as Festividades
(4Q507-4Q509)
Os Iníqüos e os Santos (4Q181)
Os Últimos Dias (4Q174)
Palavras das Luzes Celestes (4Q504)
Palavras de Moisés (1Q22)
Pergaminho de Cobre (3Q15)
Pergaminho do Templo (11QT)
Prece de Nabonidus (4QprNab)
Preceito da Guerra (1QM/4QM)
Preceito de Damasco (CD)
Preceito do Messianismo (1QSa)
Regra da Comunidade (1QS)
Rito de Purificação (4Q512)
Salmos Apócrifos (11QPsa)
Samuel Apócrifo (4Q160)
Testamento de Amran (4QAm)

FONTE: Adaptada de <https://servo.jimdofree.com/livros-ap%C3%B3crifos/lista-de-livros-


ap%C3%B3crifos/>. Acesso em: 31 jan. 2021.

152
O Intertestamento é o período que marca o fim do judaísmo antigo e início do
Novo Testamento, de acordo com a terminologia cristã. Em termos cronológicos, abarca
o período do ano 424 a.C. ao ano 5 da era cristã. E em termos escriturísticos, é o período
entre o livro de Malaquias e o livro de Mateus, também conforme o cânon cristão. O
Intertestamento é considerado um dos períodos mais conturbados vividos por Israel.
Após o cativeiro babilônico, o povo de Israel está sem profetas, sem orientação precisa,
ou seja, vivendo como ovelhas sem pastor (KONINGS, 1998; DA SILVA, 2012). Veja o
Quadro 2 seguir com a cronologia no período Intertestamentário:

QUADRO 2 – CRONOLOGIA DO PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO

Período Dominação Cronologia


1º Período Dominação persa 536 – 331 a.C.
2º Período Dominação grega 331 – 167 a.C.
2º Período Dominação grega-Alexandre Magno 331 – 323 a.C.
2º Período Dominação grego-egípcia (os Ptolomeus) 323 – 198 a.C.
2º Período Dominação grego-sírio (os Selêucidas) 198 – 167 a.C.
3º Período Dominação dos Macabeus (Hasmoneus) 167 – 63 a.C.
4º Período Dominação romana 63 – 5 d.C.

FONTE: Da Silva (2012, p. 18).

2.1 O ESCRIBA E O SÁBIO


No contexto do Intertestamento, não se trata mais da nação de Israel, mas
apenas do seu remanescente – os judeus. Segue-se ao cativeiro babilônico, a dominação
persa, a dominação grega e a dominação romana, respectivamente.

É nesse período de intenso sofrimento e ausência de paz que os judeus se


seguram na única forma de orientação disponível – os escritos sagrados – conjuntamente
com a esperança messiânica. Como não ocorre a concretização do triunfo projetado
sobre os inimigos, a esperança, então, é projetada para outra vida. E desse contexto se
desenvolvem as correntes apocalipsistas com esperança na ressureição dos mortos.

É importante ressaltar, que as principais mudanças que regem o período do


Intertestamento foram gestadas dentro do cativeiro babilônico, que teve importância
significativa no surgimento de novas crenças e novas interpretações a respeito da lei
e da tradição patriarcal. E a partir dessa nova perspectiva religiosa e cultural tem-se o
início da redação dos escritos sagrados. E também o surgimento da sinagoga, da seita
dos fariseus e da ascensão dos escribas.

153
O ofício de escriba, do hebraico sofer e do grego gramateu, durante o período da
monarquia se restringia às funções de escrivão real, do povo, do exército, de conselheiro
e de secretário, pois, no antigo Israel, ler e escrever era um privilégio de pouquíssimas
pessoas (WISEMAN, 2006).

No contexto do pós-exílio os escribas assumem prioritariamente a função de
copistas, guardiões e intérpretes da Lei. Veja o exemplo de Esdras: “Este Esdras vinha
da Babilônia. Era um escriba versado na Lei de Moisés dada pelo Senhor, Deus de Israel.
Como a mão do Senhor seu Deus repousasse sobre ele, o rei concedeu-lhe tudo o
que pediu” (Esdras 7, 6). Esdras é tido como o principal representante deste ofício que
assume grande importância no Intertestamento e no Novo Testamento (ELLISON, 2006).

FIGURA 1 – ILUSTRAÇÃO DE UM ESCRIBA JUDEU

FONTE: <https://www.esbocandoideias.com/wp-content/uploads/2010/12/significado-de-escriba.jpg>.
Acesso em: 19 mar. 2021.

A função que passa a ser ocupada pelo escriba, de doutor da lei, de mestre da
lei era a princípio uma ocupação do sacerdote, mas com a descentralização da vida
religiosa ligada ao templo no exílio e no pós-exílio, a função sacerdotal perde certa
relevância. O próprio Esdras cumulou as funções de sacerdote-escriba:

Depois Neemias, o governador, Esdras, sacerdote e escriba, e os


levitas que instruíam o povo, disseram a toda a multidão: este é
um dia de festa consagrado ao Senhor, nosso Deus; não haja nem
aflição, nem lágrimas. Porque todos choravam ao ouvir as palavras
da lei (Neemias 8, 9).

Posteriormente, mesmo com o fato de a função de sacerdote nunca ter


entrado em extinção e a maioria dos escribas do século II a.C. serem sacerdotes, tem-
se o surgimento da função exclusiva de escribas, sendo representada por famílias de
escribas, associações e partidos de escribas, segundo Feinberg (2006). Assim como os
fariseus pertenciam à classe média e os saduceus à classe alta, os escribas pertenciam à
classe baixa. Feinberg (2006) afirma que havia alguns escribas que eram membros do
sinédrio, o que segundo outros autores é uma afirmação controversa.

154
Os escribas foram os precursores do culto na sinagoga. Este era um lugar
preferencial onde ensinavam seus alunos. E o escriba era tão importante para eles quanto
os próprios pais. Pelo ensino, não deveriam cobrar, porém, na prática, há evidências que
indicam que os escribas viviam do que recebiam dos alunos.

É importante frisar que alguns escribas eram fariseus, mas não todos. Por isso,
eles também são acusados de formalismo. Davam mais importância à lei oral (tradição)
do que à lei escrita (torá). Há uma forte indicação de que os escribas tiveram sua função
alterada no Novo Testamento, o que não ocorre com o sábio, o hakham (FEINBERG, 2006).

A figura do sábio, o hakham, já estava presente em Israel desde os tempos
patriarcais. Contudo, a tradição costuma utilizar Salomão como sendo o arquétipo de
sábio. Desse modo, a figura do hakham está ligada à tradição sapiencial.

Entretanto, irão alcançar maior proeminência durante o período pós-exílico e


intertestamentário. Além de toda a tradição dos escritos sapienciais, os sábios tiveram
grande influência nos escritos históricos, nos escritos proféticos e no estilo de ensino
apresentado nos ditos de Jesus Cristo e também na carta de Tiago. Mais do que um
escriba, o sábio seria equivalente ao que chamamos atualmente de erudito. No Novo
Testamento ele é a figura mais proeminente, seguido pelo sofer e pelo hazam, em grau
de importância (SOARES, 2009; HUBBARD, 2006).

2.2 O ECLETISMO DO INTERTESTAMENTO


É preciso ter em mente que se trata de um dos períodos mais fecundos para
a história do pensamento humano, como também um dos mais complexos, dada a
confluência de crenças, costumes, culturas e religiões. É provável que em nenhum outro
momento da história, civilizações tenham se encontrado e trocado mútuas influências
tão intensamente como no período do Intertestamento. Primeiro apresentaremos
conjuntamente o complexo persa-babilônico, em seguida, os gregos.

O cativeiro babilônico marcou significativamente a história dos judeus. Esse


período marca o início do chamado período do segundo templo, que vai do século VI ao
nascimento de Cristo. O cativeiro babilônico é responsável por desencadear uma grande
crise político-religiosa, o que possibilitou a abertura para a influência persa e de um
processo de mudanças agravado com a chegada dos gregos e do helenismo, porém, o
que justifica o complexo persa-babilônico é que, além do fato dos judeus terem acabado
de sair do cativeiro babilônico e passarem para o domínio persa, o zoroastrismo persa já
havia sido influenciado anteriormente pelos babilônicos (SOARES, 2009).

Segundo Soares (2009), o mais correto seria pensar numa influência persa-
babilônica nos escritos do apocalipsismo desse período. O apocalipsismo, apesar das
diferenças, possui uma ligação estrutural com o profetismo. Enquanto no profetismo

155
a tônica era uma interpretação histórica, voltada para o presente, convocando o povo
a uma transformação, no apocalipsismo como substituição dos oráculos dos profetas,
sua tônica está no despertar da esperança messiânica, com o olhar fito na trans-
história. A concepção sobre a ressureição corporal aparece na fonte extra canônica
de Enoque e na fonte canônica de Daniel, considerados do gênero apocalíptico tardio
(RIBEIRO, 2009).

A influência persa entre os judeus foi tão relevante que o episódio da libertação
e a política de pacificação de Ciro, assim como o próprio Ciro foram interpretados
como sendo cumprimento de oráculos proféticos. Ciro recebe o título de “ungido
de Yahweh”, ou “messias de Yahweh”. Um título de atribuição exclusiva dos reis em
Israel. Posteriormente, este título se tornaria o título do messias apocalíptico do Novo
Testamento (SOARES, 2009).

A influência grega na cultura judaica trouxe novas perspectivas, percebidas na


filosofia, na arte e na arquitetura. Os gregos se impunham aos povos dominados com
certo vigor. Diferentemente do que ocorreu no período persa, os gregos almejavam a
assimilação dos povos conquistados. E obtiveram grande êxito nessa assimilação em
toda bacia do Mediterrâneo. Nesse período se desenvolve entre os judeus o interesse
por práticas esportivas e pelo culto ao corpo, ambas influências gregas. Há registros de
que os chamados judeus helenistas chegavam a dissimular o sinal da circuncisão para
participarem nus de práticas esportivas nos ginásios e nos jogos olímpicos (DA SILVA,
2012). Veja o que diz Macabeus (1, 15): "Edificaram em Jerusalém um ginásio, como os
gentios. Dissimularam os sinais da circuncisão e afastaram-se da aliança com Deus
para se unirem aos gentios. E se venderam para praticar o mal."

FIGURA 2 – LUTA GREGA REPRESENTADA EM MÁRMORE

FONTE: <https://viajento.files.wordpress.com/2018/04/olimpia-grecia-jogos-olimpicos-luta.jpg?w=840>.
Acesso em: 19 mar. 2021.

156
É necessário que se faça uma distinção entre o que se conhece como cultura
clássica grega e o helenismo, que é, de fato, o responsável pelas grandes transformações
no Oriente Próximo desse período. De modo geral, o helenismo foi a concretização de um
ideal de Alexandre Magno, o de difundir a cultura grega aos territórios que conquistava.
Foi nesse período que as ciências tiveram seu primeiro e grande desenvolvimento. O
helenismo preparou, sedimentou e marcou um período de transição para o domínio e
apogeu do império romano.

No que tange à questão da filosofia, o helenismo é marcado pelo ecletismo. No


ecletismo não há o predomínio de uma única forma de pensar, ou de uma única escola
de pensamento. Há várias interpretações e junções de diferentes escolas, pensadores
e teorias. Se houve algo em comum no ecletismo helênico, foi a preocupação central
com o tema ético, “a arte de viver”. As principais escolas filosóficas desse período são:
estoicismo, epicurismo, ceticismo, cinismo, gnosticismo e neoplatonismo. Todas estas
filosofias, em maior ou em menor grau, influenciaram o judaísmo, mas principalmente,
o cristianismo.

NOTA
O gnosticismo é uma filosofia partilhada por várias seitas que
ganhou destaque por volta do século II, na qual se combinam
elementos cristãos e pagãos. Atribui-se uma importância central
à gnose, um conhecimento revelado, mas secreto, sobre Deus e
sua natureza, que permite que aqueles que o possuem atinjam a
salvação. No início do cristianismo houve muita influência gnóstica
combatida pelos “pais apostólicos”. Posteriormente, ficou claro
que o cristianismo é uma religião da fé, enquanto o gnosticismo
provou ser uma religião do conhecimento.

A cultura grega, em especial, o helenismo, é patente em todo o Novo Testamento.


Teve um papel fundamental, principalmente, no que se refere à língua grega que permitiu
que o cristianismo tivesse um alcance em toda e extensão do império romano. Além da
língua, outros aspectos, como por exemplo, o cosmopolitismo grego e a busca filosófica
de Deus por meio do intelecto, também são fatores condicionantes dessa expansão.
Veja o exemplo de um judeu de nome grego e influente no livro de Atos: “E chegou
a Éfeso um certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloquente e
poderoso nas Escrituras” (Atos 18, 24).

Se fosse para usar um aforismo que explicasse a transformação produzida
durante esse período, podemos dizer que Israel vai como povo hebreu para o cativeiro
e retorna do cativeiro como povo judeu. Se durante o período do Antigo Testamento
se fala do “povo da lei”, representado pela tradição e os costumes dos antigos, no

157
Intertestamento e no Novo Testamento fala-se do “povo do livro”, representado pelo
judaísmo rabínico-farisaico. Contudo, longe de ser o ethos definidor do judaísmo
do Intertestamento, o farisaísmo é apenas mais um dos retalhos da imensa “cocha”
fragmentada que se torna o judaísmo do Intertestamento.

2.3 AS SEITAS, OS GRUPOS E OS PARTIDOS JUDAICOS


O esgarçamento do tecido social, fruto de sucessivos cativeiros, deportações
e domínios, atinge seu ápice com a fragmentação da sociedade judaica em diversas
ordens religiosas, seitas, grupos e partidos no período Intertestamentário. Entre a
adesão das classes privilegiadas que controlam o templo e a resistência das classes
baixas ligadas à sinagoga, estes segmentos passam a definir os rumos da vida dos
judeus tanto na Palestina quanto na diáspora.

2.3.1 Os Fariseus
Do ponto de vista farisaico, esses 400 anos foram marcados pelo esforço da
obediência rigorosa à lei, visto que os cativeiros foram interpretados como sendo o
resultado da desobediência de Israel. Por causa disso, se desenvolve um grande zelo
à lei mosaica, mais especificamente à tradição dos rabinos, ao ponto de se chegar ao
fanatismo. Uma característica típica do comportamento farisaico. Uma intransigência e
uma certa impecabilidade no que se refere ao cumprimento da lei.

Segundo alguns especialistas, Ellison (2006) e Feinberg (2006), o farisaísmo


pode ter sua origem com o movimento reformatório no tempo de Esdras e Neemias. O
que coloca os fariseus em estreita relação com o rabinismo. Por isso se convencionou
chamar esse movimento, essa escola de pensamento que inaugura uma nova
interpretação dos escritos sagrados, como rabinismo-farisaico.

Diferentemente dos rabinos, os fariseus são um movimento de leigos. Por isso,
são responsáveis pela popularização do zelo rigoroso no cumprimento da lei e do ideal de
santificação entre todos os judeus, pois, tal devoção, anteriormente estava presente apenas
entre as elites. Os fariseus iniciam sendo conhecidos como os hasidim, “os piedosos”. Após
o seu envolvimento em conflitos políticos e religiosos, se radicalizam ao ponto de serem
conhecidos como os perushim, “os separados”, ou fariseus. Outra parte dos “piedosos”
hasidim deram origem aos essênios (SOARES, 2009). Ellison (2006), traz outro possível
significado para os hasidim, “os leais”, termo traduzido para o português, “santos”.

Do ponto de vista da estratificação política e social, os fariseus eram em sua
maioria membros da classe média. E estavam entre aqueles grupos denominados de
nacionalistas, os que se colocaram contra a dominação grega e romana. A maioria dos
estudiosos afirma que o partido dos fariseus era o mais próximo dos pobres.

158
Por outro lado, de acordo com Ellison (2006), os fariseus não contavam com a
simpatia do povo comum, dado a rigorosa interpretação e observância da lei. Outrossim,
os fariseus achavam que os pobres não tinham condições de seguir a lei e que também
não eram úteis na luta pela libertação dos opressores de Israel (DA SILVA, 2012).

As principais crenças dos fariseus são: a importância da observância da lei, mais
especificamente, a lei oral, chamada de tradição dos antigos; a crença na imortalidade;
a crença na ressurreição do corpo; no julgamento final; no castigo e na recompensa
eterna; acreditam em anjos, espíritos bons e espíritos maus; acreditam no livre arbítrio
humano e que o ser humano é moralmente responsável por seus atos.

2.3.2 Os Saduceus
De acordo com Gelston (2006), as fontes são hostis e, portanto, inadequadas
para um quadro exato quanto à origem dos saduceus. Não está claro se era um partido
político ou religioso. Quanto ao perfil sociológico dos saduceus, trata-se de membros
da elite financeira, burocrática e religiosa. A maioria dos especialistas e comentadores
acreditam que a origem do termo saduceus descende do nome de Zadoque, um sumo
sacerdote da época de Salomão. O que liga os saduceus a uma linhagem de sacerdotes.
Gelston (2006), apresenta mais duas possibilidades etimológicas. O termo syndikoi,
“controladores fiscais” e o termo tsadiq, de “retos”.

Seguindo as análises de Da Silva (2012), os saduceus teriam uma origem mais


recente, surgindo durante o período grego, de quem foram aliados para manterem seus
privilégios e adquirirem vantagens políticas e econômicas.

Os saduceus ocupavam cargos públicos e muitos eram sacerdotes. Rivalizavam-


se com os fariseus por motivos políticos e religiosos, não eram sociáveis e detinham
o controle do sinédrio e do templo. Antigamente o sinédrio era exclusivo das classes
sacerdotais e dos saduceus. Posteriormente, no tempo de Herodes I, os fariseus e os
escribas foram incluídos no sinédrio.

Quanto à religiosidade, os saduceus eram conservadores. Negavam a validade


de qualquer escrito sagrado além do pentateuco. Entretanto, foram os que mais se
contaminaram com a influência da cultura helênica. Nas guerras fratricidas ocorridas no
período do Intertestamento os saduceus faziam parte dos chamados judeus helenistas.
Assim como os fariseus, os saduceus também tinham preconceitos em relação aos
pobres, por isso, não gozavam de influência popular (DA SILVA, 2012).

Em relação às principais crenças, os saduceus são materialistas; não acreditam


no pós-morte, no castigo eterno e nem na recompensa eterna; acreditam que Deus é
incapaz de fazer o mal; negam a existência de anjos e espíritos; acreditam na liberdade
humana; rejeitam a torá oral.

159
2.3.3 Os Zelotas
O termo zelota significa quem tem o “zelo”, ou seja, “aquele tem paixão pela
causa religiosa e/ou política”. De acordo com os especialistas do tema, não está claro se
os zelotas eram um grupo de natureza política ou religiosa. À luz de toda a caracterização
feita de Israel até esse momento, fica evidente que, no caso de Israel, essas esferas não
se separam, mas se perpassam e se misturam. Talvez, no caso dos zelotas se possa
dizer que se trata de um grupo que teve uma atuação mais relevante do ponto de vista
da oposição política aos dominadores.

De acordo com Josefo (1961), os zelotas foram fundamentais na revolta dos
judeus contra a tributação do império romano na Judeia, que teve como seu líder
e fundador, Judas, o galileu. Tal tributação foi vista como sendo uma traição contra
Yahweh, pois, era destinada a um imperador pagão. Josefo (1961), considera os zelotas
um segmento importante dentro do contexto judaico palestino do primeiro século.
Classifica os zelotas como sendo a quarta “filosofia” judaica, juntamente com os fariseus,
saduceus e essênios.

Os zelotas são sempre descritos como um grupo de revolucionários, radicais
nacionalistas e agitadores do povo. Contudo, assim como os demais grupos judaicos,
tinham uma composição heterogênea, de modo que muitos de seus membros eram de
judeus legalistas e formalistas quanto à observância da lei e também messiânicos. Da
Silva (2012), descreve os zelotas como fervoroso movimento religioso com compromisso
de transformação social, que defendiam a libertação de Israel por meio da luta armada.

Diferentemente dos demais grupos judaicos, os zelotas não são nomeados no


Novo Testamento. Apenas um dos 12 apóstolos, Simão, era apelidado de zelota, mas não
se sabe se por causa do zelo, do temperamento, da função no grupo de discípulos ou
por ser membro do partido político: “Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado
Zelota” (Lucas 6, 5). O apóstolo Paulo utilizou o termo zelota, fazendo referência a si
mesmo, quanto ao zelo que tinha da lei antes do encontro epifânico com Jesus Cristo:
“avantajava-me no judaísmo a muitos dos meus companheiros de idade e nação,
extremamente zeloso das tradições de meus pais” (Gálatas 1,14).

Por causa da luta contra a dominação do império romano e da proposta de
transformação social que beneficiaria os desesperados, os zelotas atraiam a atenção
e simpatia dos mais pobres, que eram os mais oprimidos pela dominação romana
(ELLISON, 2006).

160
2.3.4 Os Herodianos
Ao que tudo indica, os herodianos seria mais um dos partidos judaicos, sendo
formado pela elite palaciana ligada à dinastia dos Herodes. Não era um grupo de
natureza religiosa. Faziam parte daqueles que aguardavam a redenção de caráter político
nacional, que nesse caso, seria conquistada pela dinastia herodiana. Os herodianos são
citados em trechos do Novo Testamento em que aparecem como adversários de Jesus:

Resolveram mandar alguns dos seus homens juntamente com os


herodianos para lhes fazer esta pergunta: Senhor, sabemos que
és sincero e ensinas a verdade sem te preocupares com o que
possa acontecer, sem teres medo, sem aceitares favores. Ora diz-
nos: estará certo pagarmos impostos ao governo romano ou não?
Mas Jesus percebeu a sua intenção e exclamou: Fingidos! Porque
é que querem experimentar-me? Ora mostrem-me uma moeda. E
eles entregram-lhe uma moeda pequena. De quem é a figura nela
cunhada? E de quem é este nome por baixo? De César, responderam.
Ora bem, dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
Esta resposta apanhou-os de surpresa, e, admirados, foram-se
embora (Mateus 22,16-22).

2.3.5 Os Essênios
Os essênios são determinados como sendo uma seita ou uma comunidade
religiosa judaica que floresceu no segundo século antes da era cristã. De acordo com o
historiador Flávio Josefo, os essênios são a terceira seita ou filosofia judaica em grau de
importância nos séculos II a.C. e I d.C. (JOSEFO, 1961). Há uma série de teorias sobre a
possível origem e significado do termo essênio. Meiklejohn (2006), acredita que o termo
grego essenoi deriva do aramaico ‘asen, que significa “curador”, por isso que o historiador
Fílon de Alexandria utiliza o termo therapeutai para se referir os essênios.

As fontes históricas mais antigas sobre os essênios são dos historiadores Flávio
Josefo e Fílon de Alexandria. Na década de 1940 foram achados escritos essênios no
deserto da Judéia, no vale de Khirbet Qumran, dando início a uma série de pesquisas
nas últimas décadas. Em relação ao estilo de vida, os essênios são descritos tanto
pelos historiadores antigos, quanto pelos pesquisadores modernos, como uma seita
ou comunidade de ascetas sectários que viviam à margem do estilo de vida religioso e
cultural dos demais judeus do seu contexto (JOSEFO, 1961; MEIKLEJOHN, 2006).

Os essênios mantinham um estilo de vida campesino. Morando em pequenas


vilas e sobrevivendo do trabalho árduo do campo. O estilo de vida era comunal, em que
posses e propriedades pertenciam a todos.

A parte do tempo que não era gasta com trabalhos braçais era gasta com
uma rotina de muito estudo, em meio a rigorosas prescrições morais e religiosas.
Praticavam a meditação, a abstinência e o celibato. Dedicavam-se à interpretação dos

161
escritos sagrados, não sacrificavam animais e possuíam rigorosos ritos de purificação
(MEIKLEJOHN, 2006). Assim como os zelotas, os essênios também não são mencionados
no Novo Testamento.

Segundo alguns pesquisadores, era possível encontrar essênios em quase


todas as cidades da Judeia, incluindo Jerusalém. Nessas cidades, eles praticavam a
hospitalidade, recebendo um essênio que viesse de qualquer lugar e o tratavam como
um irmão. O mais provável era que o modo de vida comunal era exclusivo para os
plenamente iniciados. Dado que o processo de aceitação na comunidade demandava
um longo processo, os iniciados na vida essênia continuavam a viver em suas cidades
(JOSEFO, 1961).

FIGURA 3 – COMPLEXO DE CAVERNAS DE KHIRBET QUMRAN, LOCALIZADO NA CISJORDÂNIA, A UMA


MILHA DA MARGEM NOROESTE DO MAR MORTO, ONDE FORAM ACHADOS OS MANUSCRITOS

FONTE: <https://bit.ly/3yglMVF>. Acesso em: 19 mar. 2021.

Os essênios não se envolviam em atividades comerciais, militares e nem


aceitavam mulheres em seus grupos. O sectarismo e a negação da vida citadina era uma
marca característica essênia, de modo que o termo passou a ser usado para identificar
de forma irrestrita uma gama de grupos sectários. Entre os essênios o comércio era
proibido. Segundo Pontes (2018), havia um aforismo que representava bem o modo de
vida essênio: “viver em paz, do fruto do seu trabalho” (PONTES, 2018, p. 18).

Alguns autores (MEIKLEJOHN, 2006; JOSEFO, 1961) identificam nos essênios


certo legalismo. Outros, como por exemplo, Fílon de Alexandria, afirmam que os essênios
provavelmente são fariseus radicalizados que romperam com o judaísmo oficial,
por entenderem que este havia se degenerado. E que, por causa disso, os essênios
desenvolveram uma espiritualidade apocalíptica e interpretavam-se como sendo o
remanescente do “verdadeiro Israel”.

162
Podemos dizer que os essênios são a junção do movimento apocalíptico com
o ideal de vida monástica. Nesse sentido, a vida desértica, monástica e campesina dos
essênios remonta o ideal de vida preconizado pelo movimento profético, no que tange à
exortação ao abandono da promiscuidade e luxúria da vida citadina e o retorno ao modo
de vida tribal simples.

Há teóricos que afirmam que João Batista, Tiago irmão de Jesus, e que o próprio
Jesus Cristo teriam sido essênios. Há uma série de práticas e terminologias que sempre
foram consideradas exclusivas dos cristãos e que já estavam presentes entre esses
grupos de ascetas. “Os essênios tinham a prática do batismo, e compartilhavam um
repasto litúrgico de pão e vinho presidido por um sacerdote” (ESSÊNIOS, 2010).

O que se pode afirmar com certa convicção, é que os relatos históricos dos
essênios, assim como as novas pesquisas sobre os escritos essênios e de outras
comunidades de Qumran foram de fundamental importância para suprimir uma falta
documental tanto do Novo Testamento quanto do Intertestamento. E que de fato, há
sim, muitos aspectos semelhantes entre os textos de Qumram; teologia, hinologia,
eclesiologia e o Novo Testamento. Há uma similaridade dos escritos essênios com todo
o Novo Testamento, sendo maior a similaridade com os escritos joaninos.

De acordo com Vieira (2008), não é possível dizer se tal similaridade é fruto de
um contato direto dos personagens ou escritores do Novo Testamento, ou se trata de
uma religiosidade comum relativa a um contexto mais amplo do primeiro século. Talvez
num futuro próximo se consigam respostas para tais questionamentos, à medida que
novos resultados das pesquisas dos escritos de Qumran vierem a público.

FIGURA 4 – MANUSCRITO DE QUMRAN

FONTE: <https://ciberia.com.br/wp-content/uploads/2017/11/94797b09e21d863a50ee573c10a25266-
783x450.jpg>. Acesso em: 19 mar. 2021.

163
3 MODO DE VIDA NO NOVO TESTAMENTO
O modo de vida no Novo Testamento, em muitos aspectos é o resultado do
esfacelamento do tecido social e religioso desde o tempo da monarquia e agravado com
as sucessivas dominações e consequente fragmentação da sociedade judaica numa
série de partidos, seitas, grupos e classes sociais. Tal fragmentação acabou por gerar
certa animosidade entre os próprios judeus, o que agravou ainda mais a situação de
subjugação que o povo vivia. Os pilares que mantinham a identidade judaica (lei, aliança,
identidade religiosa e identidade cultural) foram tão atacados e abalados ao longo de
séculos que o resultado é o cenário exibido no Novo Testamento, que em certo aspecto,
os judeus se tornaram algozes dos próprios judeus.

Como já descrevemos o modo de vida judaico nas unidades anteriores,


ressaltaremos aqui nesta unidade apenas fatores de agravamento, recrudescimento e
retrocesso nesse modo de vida. Como por exemplo, as diferenças e a opressão das
classes baixas pela classe alta terem aumentado ainda mais no contexto do Novo
Testamento. Ao ponto de Josefo (1961), afirmar que a morte por fome era uma realidade
muito presente entre os judeus do primeiro século.

Com relação às classes sociais, a classe alta era formada pela nobreza sacerdotal
e por altos funcionários, latifundiários e grandes comerciantes. Na classe média estavam
incluídos os pequenos proprietários rurais, artesãos e comerciantes. E na classe baixa
estavam os pobres da cidade, os pobres do campo, pequenos camponeses, camponeses
sem-terra e os indigentes sem classe que eram os escravos que trabalhavam nas terras
de seus donos. É difícil dizer se a situação da classe baixa rural era pior do que a classe
baixa urbana. De acordo com Rocha (2004), a classe baixa rural sofria tanto com a
opressão romana, que além de exigir altos impostos, suas dívidas eram cobradas com o
uso da violência física, o que em alguns casos causavam mortes.

O fato é que a situação da parcela mais pobre da população judaico-palestinense,


seja rural ou urbana era de muita pressão e sofrimento, ao que Josefo (1961) complementa;
tamanha era a exploração sofrida pelo povo, que a região ao redor do templo, e toda a
Palestina sofria com a fome e a pobreza. Esse era o motivo do descontentamento que
fomentava os conflitos e as tentativas de motins contra o império romano, que resultava
na destruição de muitas famílias. Era comum os judeus endividados entregarem suas
filhas para a prostituição. O mesmo ocorria com os trabalhos forçados que vitimavam
até mesmo as crianças.

As cidades palestinas do primeiro século tornaram-se ambientes degradantes e


deletérios para as famílias. Enquanto a vida no clã e na tribo possuem como sustentação
a ligação de sangue, a ancestralidade, a cidade nasce do acordo entre homens sem
nenhuma ligação de sangue. A cidade é por natureza o lugar dos interesses e não do
afeto. O cidadão está mais ligado ao Estado do que à família. Nesse sentido, acaba se
desenvolvendo um estilo de vida menos gregário e mais isolado, baseado no medo e na
suspeição em relação ao outro.

164
Esse contexto citadino é bastante esclarecedor como pano de fundo para
entender o caráter da atividade itinerante de Jesus Cristo e sua atenção especial pelos
mais necessitados, por aqueles que não tinham ninguém por eles. Aí está a explicação
da necessidade de tantas curas e multiplicações de alimentos. Havia uma miríade de
miseráveis e famintos. A presença de tantos órfãos e viúvas é elucidativa tanto do
messianismo do qual Jesus está inserido, quanto do banditismo característicos do
primeiro século. Ambos decorrentes da fome, da miséria e da concentração fundiária
por parte das elites judaicas e romanas.

O banditismo presente no contexto do Novo Testamento não é um fenômeno
meramente sociológico como também pré-revolucionário. É um fenômeno que surge
em função da grande vulnerabilidade econômica e social que acomete principalmente a
população rural, que é obrigada a migrar para a cidade ou aderir à marginalização. Parte
dessa população é duplamente explorada, pois além de ser obrigada a pagar impostos
a Roma também tinha que pagar impostos ao templo. Como forma de revolta, a prática do
banditismo tinha como vítimas preferenciais pessoas da elite e da aristocracia romana.
De certo modo, a atuação de bandidos era vista pelos judeus como um ato de rebelião
contra o estado romano (SCOTT JR., 2017).

INTERESSANTE
Os ricos viviam em mansões ou estruturas palacianas. Podemos presumir que o lar das
classes médias era menor e menos luxuoso do que o dos ricos. A habitação típica na
terra de Israel era, sem dúvida, a das classes baixas. Era feita de pedras, barro ou tijolos
de barro com chão duro de terra batida. Um pátio aberto servia, em
muitos casos, a várias famílias diferentes. O pátio era cercado por uma
série de casas e aposentos individuais. Ainda na mesma área, haviam
galpões de armazenamento para mercadorias diversas, abrigos para
animais, cisternas, depósitos de lixo e instalações sanitárias (quando
disponíveis). Uma casa de família podia consistir em apenas um
cômodo, mas a maioria consistia em mais. Os cômodos, divididos
por cortinas ou tapetes, eram bem pequenos, por isso as pessoas
normalmente passavam o máximo de tempo possível na rua.

3.1 A FAMÍLIA NO NOVO TESTAMENTO


Não há no Novo Testamento uma discussão direta sobre o conceito de família.
As narrativas dos escritos do Novo Testamento focam a vida e a missão de Jesus e
seus discípulos. Não há muitas informações a respeito do contexto familiar de Jesus.
Do mesmo modo, os escritos não retratam a vida conjugal e familiar dos discípulos
de Jesus. A estrutura patriarcal que dava sustentação à família permanece como nos
tempos do Israel antigo, porém, sofre algumas modificações na sua estrutura e no seu
sentido (PEREIRA, 2015).

165
O modelo de família extensa, típico do período tribal do Antigo Testamento
vigorou durante toda a Antiguidade. Aos poucos esse modelo foi sendo substituído
pelo modelo de família nuclear. Segundo as formulações de Pereira (2015), não se
sabe exatamente quando ocorreu a mudança de um modelo para o outro, porém,
segundo informações contidas nos escritos do Novo Testamento, o mais provável é que
a diminuição de membros e agregados pode ser percebida, como por exemplo, nos
textos paulinos:

As mulheres sejam submissas a seus maridos, como ao Senhor, pois


o marido é o chefe da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja, seu
corpo, da qual ele é o Salvador. Ora, assim como a Igreja é submissa a
Cristo, assim também o sejam em tudo as mulheres a seus maridos.
Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e
se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do
batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa,
sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante,
mas santa e irrepreensível. Assim os maridos devem amar as suas
mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-
se a si mesmo. Certamente, ninguém jamais aborreceu a sua própria
carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a trata, como Cristo faz à
sua Igreja – porque somos membros de seu corpo. Por isso, o homem
deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão
uma só carne {Gn 2,24}. Este mistério é grande, quero dizer, com
referência a Cristo e à Igreja. Em resumo, o que importa é que cada
um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite
o seu marido. Filhos, obedecei a vossos pais segundo o Senhor;
porque isto é justo. O primeiro mandamento acompanhado de uma
promessa é: Honra teu pai e tua mãe, para que sejas feliz e tenhas
longa vida sobre a terra {Dt 5,16}. Pais, não exaspereis vossos filhos.
Pelo contrário, criai-os na educação e doutrina do Senhor. Servos,
obedecei aos vossos senhores temporais, com temor e solicitude,
de coração sincero, como a Cristo, não por mera ostentação, só para
agradar aos homens, mas como servos de Cristo, que fazem de bom
grado a vontade de Deus. Servi com dedicação, como servos do
Senhor e não dos homens. E estai certos de que cada um receberá
do Senhor a recompensa do bem que tiver feito, quer seja escravo
quer livre. Senhores, procedei também assim com os servos. Deixai
as ameaças. E tende em conta que o Senhor está no céu, Senhor
tanto deles como vosso, que não faz distinção de pessoas (Efésios
5, 22 – 6, 1-9).

Paulo ao mencionar uma estrutura familiar, o faz citando apenas os cônjuges, os


pais, os filhos e os escravos. Não se reporta ao modelo de família extensa, típico do período
patriarcal – uma unidade composta por duas ou mais famílias nucleares, ligadas por laços
consanguíneos. Entretanto, o termo “casa”, “família” do grego oikos continuou a ser usado
no Novo Testamento para se referir à parentela, ou aparentados (LAZIER, 2010).

De acordo com Lazier (2010), o esgarçamento do tecido social e o


enfraquecimento dos laços familiares em períodos anteriores acabaram produzindo
um modelo de família individualizada na Palestina do primeiro século. Fato que levou
a Palestina ser um dos principais fornecedores de escravos do mundo da época.
Esse fenômeno está relacionado ao desarraigamento familiar. O crescente aumento

166
dos impostos obrigava os pais a venderem seus filhos e filhas como escravos. O não
pagamento das dívidas gerou o desagregamento de muitas famílias, que começaram a
perambular de um lado para o outro a procura de emprego e comida, deixando parte dos
membros pelo caminho (LAZIER, 2010).

Nota-se que progressivamente foi crescendo certa consciência de interesses


pessoais, cada vez mais particularizados, e o grupo familiar precisou se adaptar a essas
mudanças. Por mais que o patriarca detivesse o total domínio sobre a vida dos membros
de sua família, inclusive para vendê-los, a concepção de família individualizada acaba
impondo certa limitação ao poder do patriarca (VAUX, 2003).

FIGURA 5 – CASA PALESTINA DO PRIMEIRO SÉCULO

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1f/Meryemana_Marienhaus.
jpg/300px-Meryemana_Marienhaus.jpg>. Acesso em: 19 mar. 2021.

De acordo com Vaux (2003), a ideia de indivíduo e de interesse pessoal vinha se


desenvolvendo no contexto judaico antes mesmo do cativeiro babilônico. O surgimento
de leis que visavam a proteção do indivíduo, assim como os constantes apelos proféticos
para que se cuidasse das necessidades dos órfãos e das viúvas sinalizam para o
surgimento da ideia de indivíduo. De igual modo, o helenismo também influenciou do
desenvolvimento dessa ideia de indivíduo.

O advento do helenismo, entre várias transformações provocadas na cultura


grega clássica, também significou o fim da influência política da pólis na formação do
homem grego, evidenciando que a realização humana não está mais na participação
da vida política, mas de forma individual e interna, representado pelo conceito de
eudaimonia (ELWELL, 2009; VAUX, 2003).

Além da crescente presença de órfãos e viúvas, as mulheres também eram


tratadas de maneira inferiorizada em relação aos homens. Apesar da insistência de
alguns autores em atribuírem tal inferiorização exclusivamente à cultura patriarcal

167
judaica, essa mudança entre os gêneros está mais relacionada ao patriarcalismo
romano e não ao judaico, em conjunto com os processos internos de transformação
social, cultural, econômica e religiosa.

Diferentemente do que prescrevia a lei mosaica e a tradição patriarcal,


entre os romanos, a mulher era socialmente subordinada, politicamente nula e
economicamente relativa (RIBEIRO, 2020). O que não encontra correspondência com o
papel desempenhado pela mulher no Antigo Testamento.

Por isso, a atitude de Jesus em relação às mulheres causou desconforto em


seus contemporâneos. Ele ignorou as barreiras culturais judaicas e romanas e exerceu
sua atividade de pregação itinerante junto às mulheres. Jesus não tratou as mulheres
com desprezo ou indiferença, ele as valorizou:

Depois disso, Jesus andava pelas cidades e aldeias anunciando a boa


nova do Reino de Deus. Os Doze estavam com ele, como também algumas
mulheres que tinham sido livradas de espíritos malignos e curadas de
enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete
demônios; Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes; Susana e
muitas outras, que o assistiram com as suas posses (Lucas 8,1-3).
Um fariseu convidou Jesus a ir comer com ele. Jesus entrou na casa
dele e pôs-se à mesa. Uma mulher pecadora da cidade, quando
soube que estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de
alabastro cheio de perfume; e, estando a seus pés, por detrás dele,
começou a chorar. Pouco depois suas lágrimas banhavam os pés
do Senhor e ela os enxugava com os cabelos, beijava-os e os ungia
com o perfume. Ao presenciar isto, o fariseu, que o tinha convidado,
dizia consigo mesmo: Se este homem fosse profeta, bem saberia
quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora. Então Jesus lhe
disse: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. Fala, Mestre, disse ele. Um
credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários e o
outro, cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos
a sua dívida. Qual deles o amará mais? Simão respondeu: A meu ver,
aquele a quem ele mais perdoou. Jesus replicou-lhe: Julgaste bem.
E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei
em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas esta, com as
suas lágrimas, regou-me os pés e enxugou-os com os seus cabelos.
Não me deste o ósculo; mas esta, desde que entrou, não cessou de
beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta, com
perfume, ungiu-me os pés. Por isso te digo: seus numerosos pecados
lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor.
Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama. E disse a ela: Perdoados
te são os pecados. Os que estavam com ele à mesa começaram a
dizer, então: Quem é este homem que até perdoa pecados? Mas
Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: Tua fé te salvou; vai em paz
(Lucas 7, 36-50).

A mesma atitude em relação às mulheres estava presente no apóstolo Paulo,


quando apresenta um novo princípio que deveria orientar a relação entre o marido e
a mulher. Esse, é o princípio do afeto, do sacrifício e submissão mútua em termos de

168
inocência moral. Ao estabelecer que a relação marido e mulher obedeça a mesma lógica
da relação de ambos com Cristo, Paulo afasta e ideia de uma relação de subserviência
como a de um patrão e um empregado que lhe deve submissão irrestrita.

Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres sejam


submissas a seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o chefe
da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele
é o Salvador. Ora, assim como a Igreja é submissa a Cristo, assim
também o sejam em tudo as mulheres a seus maridos. Maridos, amai
as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela
(Efésios 5, 21-25).

Além da novidade do tratamento dispensado por Jesus e Paulo às mulheres,


diferentemente de seus contemporâneos, há ainda a introdução de um novo sentido à
concepção de família mais amplo no Novo Testamento. Esse novo sentido é introduzido
por Jesus Cristo ao ampliar o sentido de família para incluir os laços de afeto baseados
na conduta moral e não apenas no fator consanguinidade:

Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e
esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém:
Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te. Jesus
respondeu-lhe: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E,
apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: Eis aqui
minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe
(Mateus 12, 46-50).

Podemos dizer, que esse novo sentido de família introduzido por Jesus Cristo
tem uma correspondência análoga ao novo sentido de israelita introduzido pelo
judaísmo no pós-exílio, apresentado por Kessler (2009). Este se deu pela abertura e
inserção de outros povos entre os judeus, a partir do critério dos não judeus aceitarem
fazer parte da comunidade religiosa de livre pertencimento, baseada no credo religioso,
na circuncisão, na observância do sábado, nas leis alimentares e não mais de forma
exclusiva pela descendência abraâmica.

Entre os espaços públicos que Jesus transitou durante sua atividade


itinerante, a sinagoga, o templo, e o portão da cidade, a casa é o lugar privilegiado dos
acontecimentos que marcaram sua pregação itinerante.

O espaço da casa também foi de fundamental importância para o surgimento da


igreja, que não podia contar com a estrutura religiosa judaica do templo e da sinagoga,
por isso reuniam-se nas casas. No início, os cristãos que abraçavam a fé abriam suas
casas. Essas casas tornaram-se pequenas igrejas. Paulo exorta a todos os cristãos que
se reúnem nessas casas que vivam como famílias (LAZIER, 2010).

169
3.2 O MODO DE PRODUÇÃO DO NOVO TESTAMENTO
Sob o domínio romano, a Palestina permanece no sistema de servidão coletiva.
Os servos tinham que produzir para sua própria subsistência, entregar parte de sua
produção para o Estado e trabalhar compulsoriamente nas obras públicas, o que era
chamado de corveia. A diferença significativa no caso dos judeus em que a economia era
baseada anteriormente na pequena propriedade rural, com a crescente demanda por
alimentos para alimentar as hordas de soldados romanas, houve o emprego crescente
de latifúndios na época – a agricultura era, de certo modo, extensa.

FIGURA 6 – DRACMA GREGA

FONTE: <https://jafetnumismatica.com.br/wp-content/uploads/2018/08/moeda-hermes-300x159.jpg>.
Acesso 19 mar. 2021.

Desse modo, o grande latifúndio expulsava cada vez mais famílias do campo e as
obrigava a perambular e a depender da vida na cidade. Por sua vez, a criação de animais
de pequeno porte era a opção que o povo palestino tinha. “A pecuária é certamente o
setor mais deficitário da Palestina. Josefo nos fala do leite muito abundante da Judéia-
Samaria, o que supõe animais, mas de fato a estepe não produz senão pouca forragem”
(SAULNIER, 1983, p. 24). Um fator importante é a necessidade que pesava sobre os
criadores para sustentar a demanda do templo que é o principal consumidor de carne,
bem como as camadas abastadas da população. E assim, como nos primórdios da
vida tribal, a parcela mais pobre não contava com carne em sua dieta. Prática que só
acontecia durante a Páscoa ou por ocasião dos sacrifícios de comunhão.

Outro atributo econômico importante são as características hidrológicas da


Palestina. O rio Jordão, com suas várias nascentes na região do monte Hermom, percorre
toda a extensão. São cerca de 15 quilômetros ao sul de Dã, que fica ao norte, as águas
do Jordão são coletadas no lago Hulé ou Semeconites e, então, avançam para o mar
(ou lago) da Galileia ou Quinerete. Esse corpo de água doce semelhante à forma de um
losango chega a quase 21 quilômetros de comprimento e 11 quilômetros no ponto mais
largo. Na época do Novo Testamento, o rio Jordão sustentava um mercado próspero de
pesca, do qual alguns dos discípulos faziam parte (SCOTT JR., 2017).

170
Gb rosso modo, a economia da Palestina permaneceu baseada na agricultura,
cujos principais produtos são os cereais e os legumes, aos quais se devem somar a
vinha e a oliveira nas regiões mediterrâneas; a pecuária é orientada para o corte (ou
a conserva, de carnes salgadas), mas os animais servem também para os transportes
(animais de tração ou de carga) e para a agricultura. Além dos produtos de primeira
necessidade, as bases do artesanato são a tecelagem, a metalurgia, a cerâmica, bem
como os trabalhos de arquitetura. As permutas locais não são muito conhecidas, pelo
fato de dependerem das iniciativas individuais; ao contrário, o comércio em grande
escala transparece mais claramente (SAULNIER, 1983).

IMPORTANTE
Na época do Novo Testamento havia, pelo menos, três tipos
diferentes de dinheiro em circulação na terra de Israel: judaico,
grego e romano. As moedas gentílicas não eram aceitas para o
pagamento dos encargos religiosos; por isso a necessidade dos
cambistas nos pátios do templo. As moedas judaicas incluíam o
siclo, o meio siclo, o quarto de siclo e o lépton. O último é a moeda
de cobre. A dracma grega era o salário de um dia do trabalhador. A
libra ou mina equivalia a cem dracmas. A didracma correspondia ao
valor de duas dracmas, enquanto o estáter valia quatro dracmas. O
talento não era, de fato, uma moeda, mas uma unidade de medida
de trabalho. Na moeda romana, o denário representava um dia
de salário e era, assim, equivalente em valor à dracma grega. Cem
denários eram o equivalente a uma mina grega.

3.3 A DIETA NO NOVO TESTAMENTO


Com relação à dieta, não há significativa diferença dos tempos antigos em
relação ao primeiro século. O pão é o elemento básico da refeição diária. Comer pão
tinha o mesmo significado de fazer uma refeição. “O pão devia ser então tratado com
respeito: era proibido colocar carne crua sobre um pedaço de pão, ou um jarro de água
ou um prato quente, sendo também proibido jogar fora as migalhas [...] E o pão não devia
ser cortado, mas partido” (DANIEL-ROPS, 1983, p. 131). Às mulheres cabia a incumbência
de moer, amassar e servir os pães. O leite de cabras e o mel também eram apreciados,
especialmente o leite talhado, já o mel era muito mais utilizado, inclusive sendo até
exportado para outras regiões (DANIEL-ROPS, 1983).

Os vegetais e grãos eram utilizados, como o feijão, a lentilha, o pepino e as


cebolas. As verduras, como a alface, a chicória, a alcachofra. A carne era pouco
consumida, sendo considerada uma iguaria de luxo consumida pelos ricos. Seu consumo
era visto como uma exibição do status de quem a consumia. Dificilmente os mais pobres

171
matavam um animal para comê-lo. A proteína mais comum consumida pela população
era o peixe. Somado ao consumo do pão, o peixe estava em todas as mesas e alimentava
muita gente. A atividade de pesca era a principal atividade econômica das cidades
litorâneas. As bebidas mais comuns eram a água pura das fontes, o vinho caseiro, sucos
de romã ou de tâmaras meio fermentado, a shecha, um tipo de cerveja leve, de cevada
e painço (DANIEL-ROPS, 1983). Quanto ao local das refeições, não se pode dizer que
havia um refeitório ou lugar específico. As refeições eram realizadas no pátio da casa.
O horário das refeições era variado de acordo com a fome e a oportunidade, não sendo
rigorosamente pré-estabelecido. Em geral, era feita uma refeição cedo, antes de sair
para o trabalho e outra à noite, depois de chegar. Ao meio-dia comia-se pouco, com
exceção dos sábados, quando o almoço era mais farto. Comia-se sentado no chão, ou
assentado numa cadeira. O costume era respeitar a preeminência do lugar do chefe da
casa ou do hóspede à mesa. Geralmente os hóspedes eram servidos primeiro pelo dono
da casa ou pelo anfitrião (DANIEL-ROPS, 1983).

172
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As principais características do Intertestamento, sua periodização, o desenvolvimento


do judaísmo e a importância das culturas helênica e romana na preparação do Novo
Testamento.

• Os movimentos do apocalipsismo, as seitas judaicas; essênios, fariseus, saduceus,


zelotas, escribas e demais grupos e partidos dos Novo Testamento.

• O modo de vida do Novo Testamento, suas influências culturais, religiosas e sociais.

• A família no Novo Testamento, sua concepção de família reduzida local, as modificações


no papel do chefe de família e o problema da desagregação familiar.

• O modo de produção do Novo Testamento, a precarização do modo de vida dos


judeus, o julgo romano e a formação de uma massa de miseráveis.

• A dieta no Novo Testamento e a centralidade do pão na dieta judaica.

173
AUTOATIVIDADE
1 A historiografia bíblica tradicional costuma se ater aos registros bíblicos canônicos,
tendo como referência o livro de Malaquias como o último livro do Antigo Testamento
e o livro de Mateus como o primeiro livro do Novo Testamento. Pouca ou quase
nenhuma importância é dada ao Intertestamento. Disserte sobre a importância do
Intertestamento para a compreensão da história, cultura e religião judaica.

2 Uma das dificuldades de se estudar o Intertestamento é a escassez de materiais


internos, ou seja, textos bíblicos canônicos. Fale sobre a importância dos materiais
externos no estudo do período Intertestamentário.

3 O cativeiro babilônico é considerado um dos períodos de maior profusão e fertilidade


cultural vivido por Israel. É nesse período que são desenvolvidas novas funções e
ofícios entre os judeus. Associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Sofer.
II- Hakham.
III- Hazam.

( ) O ofício que, durante o período da monarquia, se restringia às funções de escrivão


real, do povo, do exército, de conselheiro e de secretário. Já no Novo Testamento, é
o intérprete da lei e o mestre da lei.
( ) Figura do sábio que estava presente em Israel desde os tempos patriarcais. Figura
do conhecedor ligado à tradição sapiencial.
( ) Um dos títulos de mestre de menor importância o Novo Testamento.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II.
b) ( ) III – I – II.
c) ( ) I – II – III.
d) ( ) II – III – I.

4 Durante o cativeiro e no pós-cativeiro, dois movimentos tiveram uma importância


fundamental na formação da cosmovisão judaica. Trata-se da profetismo e do
apocalipsismo, que apesar das diferenças, possui uma ligação estrutural com o
profetismo. Analise as proposições a seguir:

174
I- No movimento do profetismo, a tônica era uma interpretação histórica voltada para
o presente, convocando o povo a uma transformação.

ENQUANTO

II- No movimento do apocalipsismo como substituição dos oráculos dos profetas, tem
sua tônica no despertar da esperança messiânica, com o olhar fito na trans história.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas proposições são verdadeiras, e a segunda proposição está em oposição
à primeira.
b) ( ) As duas proposições são falsas, e a segunda proposição está em oposição à
primeira.
c) ( ) A primeira proposição é verdadeira, e a segunda é proposição é falsa.
d) ( ) A primeira proposição é falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

5 O Novo Testamento é o ambiente social, político cultural resultado de fortes


influências dos povos que dominaram Israel nos últimos quatrocentos anos. Analise
os enunciados a seguir.

I- Ciro, o persa, por causa da libertação de Israel recebe o título de “ungido de Yahweh”,
ou “messias de Yahweh”. Título que posteriormente foi a atribuído a Jesus Cristo no
Novo Testamento.
II- Os romanos se impunham aos povos dominados com certo vigor. Diferentemente
do que ocorreu no período persa, os romanos almejavam a assimilação dos povos
conquistados.
III- A filosofia romana, que teve como seu principal representante Marco Aurélio, foi
marcada pelo ecletismo. No ecletismo romano não há o predomínio de uma única
forma de pensar, ou de uma única escola de pensamento. Há várias interpretações
e junções de diferentes escolas, pensadores e teorias.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado I está correto.

175
176
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
A VIDA POLÍTICA NO NOVO TESTAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Os idumeus, por seu lado, foram-lhes talvez inferiores em toda
sorte de crimes? Esses malvados, depois de terem massacrado os
sacerdotes, não se contentaram de abolir todos os sinais de piedade,
que podiam ainda restar; destruíram também tudo o que tinha alguma
aparência de justiça humana e de política e puseram a injustiça sobre
o trono. Mostraram que eram verdadeiramente zelotes, não pelo amor
das coisas justas e santas, as quais os haviam feito tomar esse nome,
que eles se atribuíam tão falsamente e com que entusiasmavam
os ignorantes, mas por um zelo verdadeiro e pela ardente paixão
que tinham de sobrepujar, em toda espécie de crimes, os maiores
criminosos, que jamais existiram sobre a face da terra.
(Flavio Josefo)

O período romano dentro da historiografia judaica e posteriormente cristã foi


do ano 70 a.C. ao 330 da era cristã e teve o seu apogeu no período de 27 a.C. a 180 a.C.
Esse momento de apogeu, que coincide com o nascimento de Jesus e o surgimento e
expansão do cristianismo foi denominado de Pax romana, esse empreendimento romano
permitiu dois séculos de muita prosperidade e segurança para os habitantes do império.

Foi durante o governo de Otávio, proclamado César Augusto que se inicia a


Pax romana. Após um período de guerra civil, Otávio conseguiu o apoio dos generais
legionários que lhe garantiram o estabelecimento como único soberano sobrepondo-se
à república.

Na Palestina do Novo Testamento, a Pax romana significou a possibilidade


de desfrutar de uma gama variada de serviços públicos e relativa liberdade política
e religiosa. A estrutura da Pax romana contava com estradas e vias de acesso
pavimentadas, sistema de capitação e distribuição de água e a presença militar que
coibia o banditismo.

Para que isso foi possível, Otávio profissionalizou o exército fazendo com que a
atividade não fosse mais exercida compulsoriamente ou por patriotismo e a transformou
numa ocupação bem remunerada. O exército romano contava com centenas e talvez
milhares de legiões de soldados, cada legião possuía de cinco a seis mil soldados.

Em termos geopolíticos, a Pax romana significava a paz, a unificação a estabilidade


e a segurança na região do mar Mediterrâneo, o que foi chamado de mare nostrum.
Assim como as estradas do império eram livres de bandidos, o mar Mediterrâneo estava
livre de piratas. O que proporcionou grande prosperidade, pois aumentou a possibilidade
de comércio com segurança nas rotas terrestres e no Mediterrâneo. Roma se tornou o

177
centro da riqueza e do comércio. Daí o adágio: “todos os caminhos levam à Roma”. A
Judeia tornou-se grande exportadora de óleo de oliva. E os produtos gregos, tais como,
vinhos, maçãs, linho e algodão tornaram-se artigos comuns no dia a dia dos moradores
da Palestina.

Em termos culturais, a Pax romana foi o período de florescimento greco-romano
nas artes, na literatura, na arquitetura e na filosofia. O império atraia talentos de todas
as áreas dos três continentes. Esse período praticamente significou a romanização do
mundo civilizado da época. Diante de tamanha pujança, prosperidade, luxo e ostentação,
a mensagem do reino pregada por Jesus não poderia ter outra recepção, se não o
descrédito tanto por parte dos romanos quanto dos judeus.

2 O IMPÉRIO ROMANO
Após séculos existindo como uma república, governada por um conjunto de
senadores, Roma torna-se um império. Através de sucessivas guerras e conquistas, a
república romana se expande e em meio a disputas internas, Caio Otávio é proclamado
César Augusto, o primeiro imperador romano. O império romano foi uma das mais fortes
potências bélicas, econômicas e políticas do seu tempo e o maior império da antiguidade
clássica, possuindo possessões territoriais em torno da região do mar Mediterrâneo na
Europa, na Ásia e na África.

FIGURA 7 – MAPA DO IMPÉRIO ROMANO

FONTE: <https://www.deviantart.com/zalezsky/art/HAoE-Greatest-Extent-of-the-Roman-
Empire-745150716>. Acesso em: 11 mar. 2021.

178
César Augusto dividiu o império em 32 províncias. As mais antigas e estáveis
foram designadas províncias senatoriais. Eram governadas pelo procônsul, que
prestava contas ao senado e não contava com autoridade militar. As províncias imperiais
normalmente eram mais difíceis de governar e muitas vezes continham elementos
revolucionários. Seus governantes detinham autoridade civil e militar e prestavam
contas de forma direta ao imperador. Os legados eram responsáveis pelas províncias
imperiais maiores e os prefeitos, pelas menores. Os procuradores (governadores) eram
funcionários públicos que administravam áreas específicas sob a supervisão de um
procônsul ou legado. Havia também um número de reinos em parte independentes e
presididos por governantes nativos chamados reis; eles desempenhavam o cargo como
aprazia a Roma. Outros príncipes subalternos eram chamados tetrarcas ou etnarcas
(título um pouco mais elevado). Outros tipos de funcionários do governo e títulos eram
encontrados em locais específicos (SCOTT JR., 2017).

Os interesses de cada província eram regulados de modo estrito pela lei romana.
No entanto, as cláusulas da lei romana muitas vezes eram interpretadas de forma muito
diferente pelos governantes locais. Qualquer indivíduo que tivesse a posição de cidadão
romano, fosse de nascença, por uma permissão particular ou por compra, desfrutava de
direitos e privilégios especiais que os outros indivíduos não tinham. À cidadania romana
eram conferidos inúmeros privilégios. Os cidadãos romanos tinham direito de ocupar
posições privilegiadas do exército; direito de serem tributados com baixas taxas e em
alguns casos, isenções; não podiam ser presos, espancados, torturados e tinham o
direito de recorrer à corte imperial (SCOTT JR., 2017).

Um cidadão romano também não podia ser executado com crucificação, exceto
no caso de deserção militar. O estigma e a desonra de uma crucificação estendiam-
se à família e aos amigos do crucificado, como uma marca de extrema vergonha. Por
causa da grande extensão do império e a multiplicidade de povos, culturas, costumes
e religiões sob seu domínio, o sistema jurídico romano era composto por dois códigos:
o Jus civille, o direito cível e o Jus gentium, o direito das gentes ou o direito dos povos,
este tendo como fundamentado a razão natural (naturalis ratio) e aplicava-se a todos
os não romanos.

Os nascidos em Roma eram originalmente os únicos cidadãos, mas a cidadania


foi estendida para incluir os que prestavam serviços relevantes ao império, e eles podiam
transmitir esses privilégios aos filhos. No decorrer do tempo, quando o império precisava
de dinheiro, a cidadania passou a ser vendida para aqueles que estavam dispostos a
pagar o preço. Esta era a provável origem da cidadania do apóstolo Paulo, uma cidadania
adquirida por meio de serviços relevantes (GOWER, 2002).

Quando Paulo fora preso, houve uma tentativa de açoitá-lo e os oficiais temeram
ao saberem que se tratava de um cidadão romano, porque era contrário à lei dispensar
tal tratamento a um cidadão romano. O tribuno que estava no comando da unidade em
Jerusalém, havia aparentemente comprado seu direito de cidadania numa ocasião em

179
que tal concessão estava à venda. Se Paulo nascera livre e teria vindo da Cilícia, seu pai
provavelmente prestou algum serviço para a república, anterior ao império, pelo qual a
cidadania fora conferida a ele e à sua família (GOWER, 2017). De acordo com Jerônimo,
há uma tradição que afirma serem os antepassados de Paulo da Galileia. E que por
motivos comerciais teriam migrado para Tarso (DOUGLAS, 2006).

Além de concessões aos indivíduos não romanos, a administração romana


também permitia que algumas cidades de grande importância, como a cidade de Atenas,
tivessem permissão para estabelecer seu próprio governo e ficar isentas de impostos,
desde que mantivessem a paz. Como parte da organização da cidade, em Atenas havia
o Areópago, um concílio responsável por questões relacionadas à moral e à religião. O
apóstolo Paulo teve que explicar seus ensinamentos para esse concílio:

E tomando-o, o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós


saber que nova doutrina é essa de que falas? Pois coisas estranhas
nos trazes aos ouvidos; queremos, pois, saber o que vem a ser isto
(Pois todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma
outra coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma novidade).
E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses,
em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; Porque, passando eu e
vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava
escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o
conhecendo, é o que eu vos anuncio (Atos 17,19-23).

FIGURA 8 – ESTRUTURA SOCIETAL ROMANA

FONTE: <https://bit.ly/3eUgEPt>. Acesso em: 15 mar. 2021.

180
Toda estrutura política e jurídica operava para privilegiar cidadãos romanos e
estava sujeita a abusos e injustiças, como por exemplo, a cobrança de taxas mais baixas
dos cidadãos romanos e a permissão tácita de sobretaxação praticada pelos publicanos
(GOWER, 2017). Por isso havia uma desconfiança popular com relação aos publicanos. E
eram vistos como exemplos de comportamentos que deveriam ser evitados:

Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos
maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que
está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os
que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também
o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de
mais? Não fazem os publicanos também assim? (Mateus 5, 44-47).

Alguns publicanos subdividiam seu território, dando autoridade a outros


publicanos que trabalhavam em posições inferiores a eles. Nesse caso, o chefe publicano
era obrigado a levantar uma quantia específica para Roma. É provável que este era o
caso de Zaqueu narrado nos evangelhos. E cada publicano subalterno deveria levantar
sua parcela. Cada cobrador de impostos no processo coletava quantidades extras, que
eram o seu lucro. Tudo indica, que o império romano não tinha regulamentos rígidos
para os publicanos, exceto que cumprissem a cota prescrita com Roma.

Obviamente, esse sistema estava sujeito a muita desconfiança e abuso. Uma


vez que os publicanos consistiam em cidadãos locais (não romanos), não raro eram
considerados traidores; isso se aplicava de forma especial à terra de Israel (SCOTT JR.,
2017). Como estratégia administrativa do império, ficou estabelecido que César Augusto
deveria governar aquelas áreas onde havia inquietação entre o povo local ou uma
ameaça de invasão externa. Esse plano foi elaborado porque o imperador tinha controle
absoluto do exército.

Em termos práticos, significava dizer com efeito que ele governava mediante os
comandantes do exército, ou legados, que mantinham seus cargos durante períodos
de cinco anos. Quirino era um legado. “Naqueles tempos apareceu um decreto de César
Augusto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este recenseamento foi feito
antes do governo de Quirino, na Síria” (Lucas 2, 1-2).

No caso de áreas menores serem envolvidas, eram nomeados procuradores que


prestavam contas aos legados. A Síria (que incluía a Judeia) estava sob o controle do
imperador por inquietação entre o povo e porque os partos eram uma ameaça contínua
na fronteira oriental do império. Nas províncias onde não havia esse risco, o Senado
nomeava um procônsul (anteriormente um cônsul) a cada ano como governador
(GOWER, 2002).

181
NOTA
O legado (em latim: legatus) era um general do exército romano, equivalente ao moderno
oficial general. De categoria senatorial, o legado sobrepunha-se a todos os tribunos
militares e estava sujeito ao duque (dux). Para habilitar-se a comandar um exército
independentemente do duque ou do governador da província, o legado precisava ser
de categoria pretoriana ou mais alta. Os homens que ocupavam
o posto de legado eram de origem da classe senatorial
romana. Havia dois cargos principais: o legado legionário
(legatus legionis), que era um ex-pretor, a quem se atribuía
o comando de uma das legiões de elite, e o legado propretor
(legatus propraetor), um ex-cônsul, o qual recebia o governo de
uma província romana com os poderes magistráticos de pretor,
o que, em certos casos, incluía o comando de quatro ou mais
legiões. Numa província com apenas uma legião, o legado
também era o governador provincial, mas em províncias com
várias legiões, cada uma era comandada por um legado e todas
estavam sujeitas ao governador.

Os reis-vassalos tinham permissão para governar em algumas regiões do


império, caso defendessem os interesses e fossem leais à política romana. Herodes, o
Grande, governou de 40 a.C. até 4 d.C. como rei-vassalo judeu.

Quando do nascimento de Jesus em Belém da Judéia, essa região estava sob o


domínio do rei Herodes: “Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei
Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém” (Mateus 2, 1).

A configuração do ambiente social, político e cultural estava estabelecida


através de fortes influências dos povos que dominaram Israel nos últimos quatrocentos
anos. Esse ambiente cultural, juntamente com a pax romana foi determinante para os
novos rumos que o judaísmo tomaria, como também para o surgimento e expansão da
igreja cristã no mundo da época (GOWER, 2002).

3 A SITUAÇÃO POLÍTICA DA PALESTINA


No início do primeiro século, a Palestina era um reino governado por Herodes, o
Grande. Após sua morte ocorreu a divisão do reino em partes. No início, algumas dessas
partes foram governadas por seus descendentes. Posteriormente, prevaleceu uma
divisão em que parte do território continuou sob o domínio da dinastia dos Herodes e
algumas localidades ficaram sob o domínio dos governadores romanos.

A Galileia e a Pereia passaram a ser governadas por Herodes Antipas; Herodes


Filipe recebeu a Itureia e a Traconítide; e Arquelau governou Samaria, Judéia e Idumeia
(Edom) (GOWER, 2002; SCOTT, 2017).

182
QUADRO 3 – GOVERNO DA PALESTINA

Herodes, o Grande (40-4 a.C.)


Idumeia/Judéia/Samaria Galileia/Pereia Idumeia/Traconítide
Arquelau (4 a.C.-6 d.C.) Herodes Antipas Herodes Filipe (4 a.C.-34 d.C.)
(4 a.C.-39 d.C.)

Procuradores
Copônio (6-9)
Anfíbuio (9-12)
Anio Rufo (12-15)
Valério Grato (15-26) Procurador
Pôncio Pilatos (26-36)
Marcelo (36-38)
Marilo (38-44)

Herodes Agripa I
Rei da Judéia (37-44)

Procuradores
Cúspio Fado (44-46)
Tibério Alexandre (46-48) Herodes Agripa II
Ventídio Cumano (48-52 Tetrarca de Cálcis
Antônio Félix (52-59) e território do norte (48-70)
Pórcio Festo (59-61)

FONTE: Adaptado de Gower (2002)

De todo o território palestino somente três domínios da região foram povoados


principalmente por judeus. Entre elas estavam a Judeia (e Idumeia) ao sul, Pereia, ao
leste do Jordão, e a Galileia, ao norte. Embora Samaria fosse parte da Judeia, do ponto
de vista político, seus habitantes não eram judeus, e havia grande hostilidade entre os
samaritanos e os judeus (SCOTT JR., 2017).

A Judeia é a designação grega e romana da região anteriormente conhecida


como Judá. O termo Judeia é usado no sentido lato, denotando toda a Palestina, incluindo
a Galileia e a Samaria, como também no sentido stricto, que exclui as duas regiões.

183
O reino da Judeia de Herodes, o Grande, incluía toda a Palestina e alguns distritos
a leste do rio Jordão. O deserto da Judeia que aparece associada à João Batista nos
escritos do Novo Testamento, e provavelmente o mesmo deserto de Judá, a oeste do
mar Morto, mencionado no livro de Juízes. A grande importância da Judeia para os
judeus era por ser a região em que estava a capital Jerusalém (DOUGLAS, 2006).

A Idumeia é uma área no oeste da Palestina. O termo Idumeia é a forma grega


(idoumaia) do termo hebraico ‘edom. O território da Idumeia não diz respeito exatamente
à terra do reino de Edom, mas à região limítrofe a este e Judá. A qual desde a antiguidade
era disputada por judeus e edomitas. No período do Intertestamento os edomitas foram
subjugados pelos Macabeus e posteriormente obrigados a se circuncidarem. No Novo
Testamento a região é mencionada entre as regiões de onde as multidões afluíam para
ouvir Jesus.

A Galileia, do hebraico galil, “anel” ou “círculo” era uma região ou distrito da parte
norte da Palestina. Foi o cenário da infância e início do ministério de Jesus. Por ser a
região das tribos do norte na divisão dos reinos de Israel e Judá, a Galileia ficou cercada
por povos não israelitas. No período dos Macabeus esses povos pressionaram os judeus
e os empurraram para o sul, onde permaneceram por pelo menos meio século. Desse
modo, a Galileia teve praticamente que ser colonizada novamente pelos judeus. Fato
que, juntamente com a diversidade populacional contribuía para que a região fosse
vista com desprezo pelos judeus do sul (DOUGLAS, 2006).

Samaria era a capital do reino do norte e sua circunvizinhança. O nome teria


surgido na antiguidade quando Onri comprou terras ao norte e lhes deu o nome Semer ou
Samir, sinalizando de quem havia comprado. O termo em hebraico é shomron, que significa
“posto de vigia” é provavelmente uma menção à larga colina de 100 metros de altura.

O rei Onri, pai de Acabe, permitiu que os sírios de Damasco se estabelecessem


em Samaria para atividades de comercialização. A partir de então, a história de Samaria
foi marcada por construções de templos, santuários e cultos idólatras, que a levou
a ser considerada pelos judeus o centro da idolatria em Israel. Após uma série de
sucessivas invasões e deportações, alguns israelitas, chamados de samaritanos, que
permaneceram em Samaria continuavam a adorar em Jerusalém.

Durante o período intertestamentário foi construído um templo em Samaria,


o que fora considerado uma afronta aos judeus dos demais territórios palestinos
(DOUGLAS, 2006). Sobre os samaritanos, veremos no próximo tópico.

A demarcação exata da região da Galileia é imprecisa, exceto conforme os


termos das fronteiras provinciais do império romano. O nome tradicionalmente era
aplicado às terras da fronteira do norte de Israel, cuja localização variava de acordo
com a passagem do tempo. Entretanto, no período do Novo Testamento a província da
Galileia formava um território retangular com cerca de 64 km de norte a sul, e com cerca

184
de 40 km de leste a oeste, tendo ao leste a fronteira natural do rio Jordao e do mar da
Galileia, e cortado a região próxima do Mediterrâneo pela faixa de terra da Síria-Fenícia
que se estendia para o sul ao longo da costa (DOUGLAS, 2006).

Ao mesmo tempo em que tal configuração social, política e cultural tenha


produzido um contexto bastante complexo, num certo sentido, tal complexidade foi
importante para o surgimento do cristianismo. Por mais que Jesus tenha se esforçado
para deixar claro o caráter não político de sua atividade itinerante de pregação e de sua
missão, a questão política, e principalmente, o conflito com os poderes instituídos foram
uma constante em toda sua vida e atividade de pregador. Desde o seu nascimento,
com a fuga por causa da ameaça ao poder de Herodes, até sua condenação, que fora
interpretada por muitos historiadores como uma forma de acalmar os ânimos políticos
dos grupos nacionalistas judaicos.

Na transição que ocorre entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento, o leitor


que porventura, ignora a literatura do Intertestamento é confrontado com um mundo
radicalmente diferente. A língua franca já não é o hebraico ou aramaico, mas o grego. O
domínio político persa cedeu ao domínio romano.

O termo judeu encontrado amplamente em alguns livros do fim da era do Antigo


Testamento, como por exemplo, Jeremias, Esdras, Neemias e Ester, mas raramente em
outras passagens, é um nome comum para os descendentes de Abraão. A palavra rei já
não designa o monarca absoluto, como ocorria nos tempos antigos e os novos títulos
administrativos, como etnarca, tetrarca, governador, cônsul, procônsul e procurador
aparecem pela primeira vez ou assumem outro significado (SCOTT JR., 2017).

A função de sacerdote entre os judeus é mais proeminente e seu papel é


ampliado para incluir a administração de questões civis e também cerimoniais. A
Palestina foi inteiramente dividida em números de estados republicanos, as chamadas
províncias, como por exemplo, Cesareia e as dez cidades gregas de Decápolis. Essa
divisão administrativa era a estratégia utilizada pelos romanos para manter o processo
de domínio e helenização das populações, e com isso conter a nacionalismo judaico.
As áreas em que o império tinha menos controle, como na Galileia foram confiadas
aos príncipes herodianos, enquanto Jerusalém e sua circunvizinhança ficavam sob o
controle da aristocracia religiosa do sinédrio (DOUGLAS, 2006; SCOTT JR., 2017).

185
FIGURA 9 – MAPA DA PALESTINA

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/33/50/27/33502724356d546a0594eea53598b224.jpg>.
Acesso em: 17 mar. 2021.

A estrutura política de domínio dos Césares era facilitada por meio das diferentes
estâncias do poder, que contava com os reis vassalos herodianos, estes contavam com
o auxílio de um deputado, no caso, o procurador. Como o povo não podia contar com a
elite religiosa responsável pelo templo e pelo sinédrio, restava-lhe o nacionalismo judaico
expresso e institucionalizado nas seitas, grupos e partidos judaicos (Vide Subtópico 2.2,
AS SEITAS, OS GRUPOS E OS PARTIDOS JUDAICOS).

Após o fim da monarquia e longos períodos de cativeiro a autoridade política


judaica ficou a cargo do sinédrio e do sumo sacerdote. No período do Novo Testamento, os
romanos reconheceram a autoridade do sinédrio. O sinédrio era composto por sacerdotes,
escribas, doutores da lei, anciãos, o partido dos fariseus e o partido dos saduceus, sendo
presidido pelo sumo sacerdote. O sinédrio possuía até uma polícia própria. Em comparação
com outros dominadores, chama atenção a relativa liberdade que os romanos davam aos
povos subjugados, permitindo que continuassem sob o regime que estavam habituados.
Não obstante, eram frequentes as complicações jurisdicionais que essa sobreposição de
poderes e domínios causava (DANIEL-ROPS, 1986).

186
Contudo os judeus, devido às características peculiares de sua cultura religiosa
e o ordenamento sacral da sua sociedade, gozavam ainda de mais privilégios do que
outros povos sob o domínio romano. Tais privilégios eram:

a isenção do culto do imperador, a exoneração do serviço militar, a


remoção dos estandartes militares romanos do território judaico, a
isenção do foro judicial no dia de sábado, a autorização para matar
qualquer pagão que ousasse entrar no interior do templo, o salvo-
conduto para arrecadar na diáspora o tributo para o Templo e levá-lo
a Jerusalém (SEEANNER, 2015, p. 6).

Tanto para os gregos quanto para os romanos o Estado representava o princípio


governante. A religião e a devoção religiosa eram consideradas um dever cívico que era
controlado pelo César. Tal concepção era um problema para os judeus que não poderiam
aceitar que as prerrogativas de Yahweh fossem atribuídas à César.

No caso dos cristãos, a concepção sobre o governo e o senhorio tem


características ainda mais antagônicas à concepção romana. Para os cristãos toda
autoridade deriva-se de Cristo e é exercida em nome do Espírito, sendo a humildade
de Cristo o modelo padrão de serviço que deve ser exercido de modo cooperativo e não
hierárquico (DANIEL-ROPS, 1986; DOUGLAS, 2006).

3.1 CIDADES, VILAS E ALDEIAS


No Novo Testamento é difícil a distinção entre uma aldeia ou vila e uma cidade.
Tamanho e importância eram as marcas da cidade; acredita-se com frequência que a
cidade era delimitada por muralhas.

As aldeias localizavam-se ao redor das cidades e, em tempos de perigo, os


habitantes das aldeias fugiam para as cidades em busca de proteção atrás de suas
muralhas. As cidades também forneciam ampla gama de serviços, como abastecimento
central de água, proteção policial, instalações sanitárias públicas e estações de
tratamento de águas (SCOTT JR., 2017).

Os antigos assentamentos hebraicos cresciam de forma desordenada. O portão


era o centro do governo e do comércio. As cidades helenistas, em contrapartida, eram
caracterizadas pelo planejamento cuidadoso: o centro físico e ponto focal de atividade
era a ágora (mercado).

As construções públicas, ginásios e teatros ficavam de modo geral nas


proximidades da ágora. Em cidades menores, tais confortos eram limitados ou
inexistentes. As cidades romanas se pareciam, com algumas alterações, com as dos
gregos, embora suas muralhas, em geral, fossem mais regularmente retangulares.

187
O fato de existirem poucas cidades na Palestina do primeiro século é um fator
relevante do ponto de vista social. Os acontecimentos que precederam o primeiro
século e as características judaicas desempenharam um papel no sentido de dar o clima
essencialmente rural e agrícola em Israel do Novo Testamento (SCOTT JR., 2017).

FIGURA 10 – CIDADE DE CAFARNAUM

FONTE: <https://bit.ly/3omcz9K>. Acesso em 19 mar. 2021.

Com o enfraquecimento do sistema de pequenas propriedades rurais, a ameaça


de perder a terra era uma realidade constante, e muitos foram, de fato, desalojados.
Como consequência, a maioria das pessoas comuns na Palestina do Novo Testamento
vivia em assentamentos fora das cidades. Muitas aldeias e vilas, entretanto, eram
independentes, ou seja, não estavam associadas a nenhuma cidade. Mesmo na melhor
das hipóteses, a vida nas vilas, aldeias e cidades era, em comparação com os padrões
atuais, austera e difícil para todos, com exceção dos ricos. A maioria dos assentamentos
era abarrotada, barulhenta e perigosa. Não havia luz nas ruas, por isso quando a noite
caia, todos se recolhiam e se trancavam-se em suas casas (SCOTT JR., 2017).

Outra importante estratégia administrativa adotada pelos romanos eram as


cidades ou regiões autônomas. Um bom exemplo dessa estratégia é a liga de dez
cidades gregas chamada Decápolis. Essas cidades foram fundadas pelos generais de
Alexandre Magno, os ptolomeus e os selêucidas. Elas tinham importante papel político
na administração romana. também eram lugares de grande intolerância aos judeus.
Posteriormente foram palco de vários conflitos envolvendo os cristãos, como o apóstolo
Paulo (DANIEL-ROPS, 1986).

188
De modo geral, o cenário político da Palestina do primeiro século é o resultado
do legado de Herodes, “O grande”. Herodes (40-4 a.C.), da dinastia idumeia é considerado
um dos maiores construtores, um líder de visão e um grande administrador. Foi o último
grande governante de Israel. Seu sucesso se deve ao fato de ter servido como poucos
aos interesses dos conquistadores, em detrimento dos interesses de seu povo. deixou
um legado monumental de obras públicas, palácios, teatros, ginásios, estádios, todos às
custas de pesadas taxações sobre o povo. tudo com a anuência e participação da elite
religiosa. A imprudência e a ousadia dos sumos sacerdotes eram tão extremas, que eles
mandavam seus homens às granjas, retirar os dízimos que pertenciam aos sacerdotes.
Em alguns casos, os aldeões eram tão pobres que morriam de fome.

189
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O mundo romano é o legado de um dos maiores e mais poderosos impérios antigos.


A infraestrutura deixada pelos romanos e os resquícios da cultura grega que
influenciaram na expansão do cristianismo.

• A Pax romana e o Mare Nostrum, o apogeu do império e o período de maior florescimento


cultural greco-romano.

• O império romano, Otávio, o primeiro César, seu legado e a estrutura hierárquica do


império, o direito romano; jus civille e jus gentium, estrutura societal romana e suas
classes sociais.

• As principais características da vida política do Novo Testamento, a vida de Jesus no


contexto palestinense romano, as regiões da Palestina, a questão entre os judeus e os
samaritanos e a estrutura política e econômica judaica dentro do império romano.

• As cidades, vilas e aldeias, a Judeia, a Galileia, a Pereia, Samaria, Decápolis e a Idumeia


e suas características.

190
AUTOATIVIDADE
1 O contexto político da Palestina do primeiro século era extremamente complexo,
dado às múltiplas estâncias da administração romana que se sobrepunham e se
justapunham à administração judaica. Disserte sobre a atuação política de Jesus na
Palestina.

2 Uma das estratégias romanas de administração do seu império era a divisão de


seus territórios em províncias administradas por vassalos representantes dos povos
dominados. No caso da Palestina, disserte sobre as diferenças e peculiaridades
administrativas das principais províncias.

3 Com relação à administração política, havia na Palestina do primeiro século uma


distribuição espacial entre províncias, cidades, vilas e aldeias. Associe os itens,
utilizando o código a seguir:

I- Galileia.
II- Decapólis.
III- Judeia.

( ) Liga de cidades helênicas.


( ) Província ao sul da Palestina onde ficava Jerusalém.
( ) Região marginalizada socialmente onde moravam muitos soldados e comerciantes.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) II - III - I.
b) ( ) III - I - II.
c) ( ) I - II - III.
d) ( ) II - I - III.

4 Sobre a questão do modo de produção, tanto no período da monarquia em Israel


quanto no período do domínio romano, prevaleceu o modo de produção asiático.
Analise as proposições a seguir:

I- O sinédrio era composto por sacerdotes, escribas, doutores da lei, anciãos e possuía
sua polícia própria,

PORQUE

II- O sinédrio era a única instituição de poder bélico e de coerção.

191
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As duas proposições são verdadeiras, e a segunda proposição é uma explicação
da primeira.
b) ( ) As duas proposições são falsas, e a segunda proposição está em oposição à
primeira.
c) ( ) A primeira proposição é verdadeira, e a segunda proposição é falsa.
d) ( ) A primeira proposição é falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

5 Na palestina do primeiro século, a partir da junção de gregos, romanos, judeus e


cristãos, ocorreu uma profusão de culturas, religiões, visões de mundo, filosofias da
história e modos distintos de se pensar o Estado, o poder e o governo.

I- Cristãos e judeus compartilhavam a mesma perspectiva sobre o governo que


deveria ser desenvolvido pelo modelo teocrático.
II- Tanto para os gregos como para os romanos, o Estado deve ser laico, não devendo
misturar-se com a religião.
III- Os judeus, devido às características peculiares de sua cultura religiosa e o
ordenamento sacral da sua sociedade, gozavam ainda de mais privilégios do que
outros povos sob o domínio romano.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado I está correto.

192
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
A VIDA RELIGIOSA NO NOVO TESTAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Além de centro de oração e de vida religiosa e civil, a sinagoga se torna
também lugar de instrução. A instrução que ali se professava era
religiosa, voltada tanto para a "palavra" quanto para os "costumes".
Os conteúdos da instrução eram "trechos escolhidos da Torá", a partir
daqueles usados nos ofícios religiosos cotidianos [...] Nos séculos
sucessivos, os hebreus da diáspora fixaram-se, em geral, sobre este
modelo de formação (instrução religiosa), atribuindo também a esta
o papel de salvar sua identidade cultural e sua tradição histórica.
(Franco Cambi)

Além da grande influência cultural, diferentemente dos grupos judaicos que


provocavam sentimentos ambivalentes na população, na vida religiosa a lei e os profetas
continuavam a ocupar o lugar central, porém, sendo interpretados e observados com
novas ênfases. A Escritura parece compartilhar a autoridade com os costumes ou a
tradição, referência à tradição dos líderes religiosos ou “tradição dos homens”, como é
chamada no evangelho de Marcos 7, 5-8. A preocupação com a separação entre judeus
e outros povos aumenta, uma vez que a determinação é proteger o lugar especial dos
hebreus diante de Yahweh.

Nos últimos séculos que antecedem o Novo Testamento, a sinagoga, do hebraico


knéset e do grego synagoge, acaba substituindo em partes as funções do templo na
vida dos judeus. A sinagoga é o lugar onde nasce o judaísmo. Tornou-se uma grande
referência na manutenção da religião, da cultura e das tradições judaicas. A sinagoga foi
responsável por manter o elo entre o Israel antigo e as novas gerações de judeus.

A princípio, cabia aos pais a tarefa de ensinar tudo o que diz respeito à tradição
e conhecimento acerca das leis divinas. Era na família que se aprendia um trabalho, os
modos de relacionar-se, como meio de manter vivas as tradições do povo. Quanto aos
métodos pode-se dizer que a leitura, a repetição e a memorização da lei formavam o
conjunto básico para o ensino. “A fim de treinar a memória os alunos eram obrigados
a decorar passagens enormes, que precisavam repetir sem qualquer omissão, sem
acréscimo ou modificação de uma só palavra” (DANIEL-ROPS, 1983, p. 176).

193
2 A IMPORTÂNCIA DO TEMPLO E DA SINAGOGA NO
NOVO TESTAMENTO
Depois da família, a sinagoga era uma das principais referências na vida e na
formação dos jovens judeus. Era aos pés de um rabino que se aprendia tudo o que
fosse necessário para se tornar um verdadeiro israelita. Grande parte desse ensino
era de memorização das escrituras e interpretações rabínicas. Essa memorização de
textos, além de servir de instrução, acabava por favorecer um bom arcabouço teórico
acerca dos escritos, criando imagens e saberes de situações e personagens na mente
do jovem aprendiz. Utilizando-se do hebraico e do aramaico, escritos em rolos de papiro
ou pergaminhos, o fiel lia as Escrituras e na sinagoga apreendia acerca dos valores da
fé judaica. Lembrando que a musicalização e o ritmo na leitura era elemento comum e,
por vezes, necessário à recitação dos textos sagrados. Não havia entre os judeus uma
única cerimônia ou rito em que a música não tomasse parte.

O contexto religioso do Novo Testamento é fortemente presidido pelos


sacerdotes, que eram divididos, como no tempo de Davi, em 24 classes, cada uma das
classes dirigida por um chefe, revezando-se periodicamente nos serviços do templo,
conforme ocorria no Antigo Testamento e como continuou a ocorrer no Novo Testamento:

Existiu, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacerdote chamado


Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mulher era das filhas de Arão; e
o seu nome era Isabel. E eram ambos justos perante Deus, andando
sem repreensão em todos os mandamentos e preceitos do Senhor. E
não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e ambos eram avançados
em idade. E aconteceu que, exercendo ele o sacerdócio diante de
Deus, na ordem da sua turma. E sucedeu que, terminados os dias de
seu ministério, voltou para sua casa (Lucas 1, 5-8, 23).

A tarefa dos sacerdotes, recebida pela lei, era formar o povo para o conhecimento
das escrituras. Entre os sacerdotes havia também os levitas que os ajudavam nos serviços
do templo. O mais alto grau do sacerdócio era o sumo sacerdote, que desempenhava
a função de coordenar os sacerdotes e levitas, e também desempenhava o serviço de
chefiar a nação, concentrando em si o poder religioso e o poder civil. Era ele o curador
do culto e da lei. Era o sacerdote que, no tempo de Jesus, coordenava a assembleia
judaica, o sinédrio (JOSEFO, 1961).

Na Palestina do primeiro século era muito difícil ter uma cidade sem uma
sinagoga; praticamente todas as cidades possuíam esse espaço. A sinagoga tem sua
origem ainda no período do exílio, quando o povo se reunia em pequenos grupos nas
casas para as orações e ouvir a Lei. Era obrigatório ir à sinagoga nos dias festivos e aos
sábados, e também em outros dias, conforme a devoção. Toda a família participava da
oração, inclusive as mulheres e crianças. Conforme Seeanner (2015, p. 425), o culto
sinagogal compreendia essa ordem:

194
oração que consistia na recitação do “ouve ó Israel” e do “dezoito
bênçãos” ; leitura de um trecho da Lei e dos Profetas” , seguida da
tradução em aramaico, acessível ao povo que já não compreendia
o hebraico; sermão, feito habitualmente por um escriba ou então
por algum dos presentes convidado pelo arquissinagogo (cf. Lc 4,15;
6,6; Jo 6,59); seguia uma breve oração, depois da qual era dada (se
estava presente um sacerdote) ou invocada (mudando o “vós” em
nós) a bênção de Nm 6, 24-26.

Num certo aspecto, a sinagoga estava muito identificada com o partido dos
escribas e dos fariseus. Era um lugar de estudo da torá, que consistia em outra forma de
mediar o acesso à Yahweh, que se rivalizava com o templo e a classe sacerdotal. Além
de ser um lugar de estudo, a sinagoga também era lugar de adoração, culto e pregação.
Há relatos que havia cerca de 300 sinagogas em Jerusalém (JOSEFO, 1961).

Juntamente com o hábito de frequentar a sinagoga, também eram bastante


comuns as oblações, as taxas e os dízimos entregues ao Templo. Por exemplo, como
estava prescrito na lei, todo o primogênito oferecido ao templo, tanto o homem como
os animais; também a oferta dos primeiros frutos da terra; os animais; e até mesmo o
dízimo das pequenas coisas da terra, como da hortelã, da erva-doce, do cominho, o
que foi peremptoriamente condenado por Jesus Cristo: “Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais
importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não
omitir aquelas” (Mateus 23, 23).

A lei e os profetas estavam na boca e no coração dos fiéis, através da recitação


do shemá: “Ouve, Israel! Yahweh é nosso Deus, Yahweh é um só!” As crianças, desde
cedo, eram educadas para a lei, conforme indica Josefo (1961, p. 589): “As primeiras
lições eram fornecidas pelos pais; ensinavam-lhes as proezas dos antepassados, a lei [...];
parece que antes da destruição de Jerusalém cada cidade tinha seus mestres e os pais
tinham a obrigação de levar até eles os seus filhos de 6 a 7 anos”.

Toda a vida religiosa das famílias desse tempo se dava ao redor do templo
renovado por Herodes, centro do judaísmo. Antes de ingressar no templo, havia os ritos
de purificação. Alguns sacrifícios comuns eram feitos duas vezes por dia, em nome de
todo o povo, como o holocausto do cordeiro, em expiação dos pecados, acompanhado
de outras ofertas. Outros sacrifícios eram feitos em dia de sábado, na lua nova, ou em
outros momentos especiais (SEEANNER, 2015).

Algumas festas religiosas, as de maior importância para as famílias judaicas


eram celebradas em Jerusalém: a festa da Páscoa, celebrando a libertação do Egito; o
Pentecostes, em agradecimento pelas boas colheitas; e a festa dos Tabernáculos, para
recordar a estadia em tendas no deserto, e agradecer a Deus pelos frutos da terra.

195
Conforme vimos anteriormente, as crianças tinham seus mestres que lhes
iniciavam no conhecimento da lei e dos profetas. A partir dos 13 anos elas eram obrigadas
a cumprir toda a lei. Por isso, Maria e José levam Jesus para comparecer no templo,
para que se acostumasse com a tradição. O sábado e a circuncisão eram preceitos
muito bem observados. A circuncisão era praticada entre o oitavo e décimo dia depois
de nascido. Esse ato era tido como um sinal da aliança com Yahweh.

A oração era algo muito presente na vida das famílias que, duas vezes ao dia
faziam suas orações. Orava-se ao amanhecer e ao entardecer, quando se fechavam
as portas do templo, antes e depois das refeições. O jejum também fazia parte da vida
religiosa. A esmola e a caridade revelavam o comprometimento moral da religião com
toda a sociedade.

IMPORTANTE
Após o parto, mãe e bebê passavam pelos rituais prescritos de
pureza e dedicação. A circuncisão do menino aos oito dias era
realizada por um profissional com conhecimentos medicinais.
Era um momento de celebração, mas por causa do aumento
das despesas com os sacrifícios exigidos, mesmo das pombas
que o livro de Levítico prescrevia apenas para os pobres, foram
tomadas medidas durante o período rabínico para manter baixos
os custos. A passagem da infância para a adolescência era física,
social, legal e religiosa. Pela tradição, estava associada ao décimo
segundo aniversário da menina e ao décimo terceiro do menino,
mas isso era apenas um número aproximado. Mesmo pessoas
fisicamente imaturas eram consideradas maduras aos 18 anos,
de acordo com a lei, para alguns rabinos, para outros rabinos a
maturidade era aos 20 anos.

3 O JUDAÍSMO DO NOVO TESTAMENTO


De acordo com a literatura judaica, a doutrina sobre o messias possuía
pouco relevo entre os rabinos contemporâneos de Jesus Cristo, se comparada com a
expectativa da restauração da monarquia davídica, visto que o cetro de Israel estava
nas mãos da dinastia idumeia ilegítima dos Herodes. O judaísmo rabínico estava mais
preocupado com a restauração da nação do que com a pessoa do messias. Em tese
reconhecia-se que todas as profecias se referiam aos dias do messias, mas na prática
davam mais ênfase à observância meticulosa da lei do que importância à figura do
messias (SEEANNER, 2015).

A complexa situação político-social e religioso-cultural do Intertestamento fez brotar
em solo judaico não apenas um apocalipsismo, mas uma pluralidade de visões apocalípticas
com matizes, nuances e perspectivas diferentes acerca da teologia da história.

196
De acordo com a literatura especializada, as concepções sobre o juízo final,
fim da história, novo mundo, esperança messiânica, esperança escatológica e luta do
bem contra o mal podem ter tido como nascedouro o próprio profetismo, as influências
babilônicas ou persas. No que diz respeito à questão do fim da história, o eschaton, os
grupos e as seitas judaicas estavam confusos e divididos se a figura do messias iria
inaugurar uma nova fase em que Israel triunfaria sobre todos os seus inimigos neste
mundo, ou se a intervenção de Yahweh seria apenas para encerrar a história e conduzir
Israel ao novo mundo.

Com relação à identificação de Jesus com a figura do messias, Konings (1998),


afirma que não eram apenas os rabinos que nutriam uma expectativa dissonante
em relação à atuação de Jesus. É perceptível entre os seus contemporâneos que os
conceitos de messias e reinado de Deus que ecoavam em suas mentes não foram
satisfeitos com a mensagem trazido por Jesus. A mensagem do reino que Jesus trouxe
não cabia nas concepções de seus contemporâneos, ela transbordava o recipiente. Por
isso a tônica da missão dos seguidores de Jesus não foi o anúncio do reinado de Deus
que ele havia anunciado, mas anunciaram o próprio Jesus.

O cotidiano dos contemporâneos de Jesus era dominado por temas como a


vida após a morte, a ressurreição, a imortalidade da alma, temas que apareceram como
pequenos lampejos no profetismo do Antigo Testamento. Outros termos e ideias que
não estavam presentes no imaginário dos judeus do Antigo Testamento, tais como,
o reino de Deus, messias, filho do homem — tornaram-se importantes; as esferas do
pensamento com as quais eles estão associados são de extrema importância nesse
momento para muitos dentre a população geral. Diante do contexto histórico político
e social vivido pelos judeus, era esperado que houvesse um clima de frustração,
inquietação, anseio, esperança e expectativa entre muitos judeus que viviam nos
tempos do Novo Testamento (SCOTT JR., 2017).

FIGURA 11 – TEOLOGIA DA HISTÓRIA JUDAICA

FONTE: Adaptado de Scott Jr. (2017, p. 297)

197
O grande embate entre concepções de mundo diferentes no Novo Testamento
se dá entre os judeus e os gregos. Os judeus possuíam um modo de vida baseado numa
economia e ambiente que eram, em essência, rurais e agrícolas, enquanto os gregos
eram urbanos. A cosmovisão religiosa dos hebreus era monoteísta, com profundo apelo
ético e ritualístico; a dos helenos era politeísta ou panteísta, metafísica e especulativa.
A religião judaica enfatizava o culto a Yahweh e a relação humana com ele; a religião
helênica era pagã e centrada na ideia do ser e no corpo humano. A visão semítica era
propensa à noção de particularismo e de exclusivismo; a visão helênica era universal
e sincretista. A visão semítica dava ênfase à comunidade; a helenística, ao indivíduo
(SCOTT JR., 2017).

Sobre as diferenças entre a religião judaica e o paganismo helênico, é preciso


esclarecer que não se trata apenas de uma designação etnocêntrica, como no caso
da utilização do termo bárbaro entre os gregos e os romanos para designar todos os
não gregos e não romanos. Mais do que salientar que se trata de outra etnia ou de um
culto estranho, o termo pagão refere-se a uma série de rituais e práticas tidas como
abomináveis para os judeus. Entre elas estão: sacrifício humano, prostituição ritual,
politeísmo, panteísmo, consumo de animais impuros, fornicação, homossexualismo,
incesto entre outras práticas abomináveis aos judeus.

O binômio sagrado/profano estava presente nas culturas antigas do Médio


Oriente na versão puro/impuro. Entre os judeus do Novo Testamento ainda estavam
presentes os rituais de purificação como resquícios das leis cerimoniais, e outros frutos
de crenças e superstições relacionadas à ideia de santidade. Para os judeus, é através
da limpeza, da higiene e da purificação que se estabelece a distinção entre o puro e
o impuro. Pessoas, animais e objetos tinham que ser purificados ou serem separados
daqueles que estavam puros (DOUGLAS, 2006).

O fato é que era muito fácil uma pessoa se tornar impura. Isso poderia ocorrer
por meio do contato com cadáver humano ou animal, com sangue da menstruação,
com sêmen, com pessoas doentes ou com deformidades e mais uma infinidade de
prescrições e tabus que foram sendo incluídos pela tradição. Para os judeus o problema
não era ficar impuro, o que poderia ocorrer facilmente, mas o fato de não buscar um
meio, ou seja, um ritual de purificação para se purificar. Alguns religiosos levavam muito
a sério essas questões ritualísticas. Fato percebido numa contenda entre os discípulos
de Jesus e os fariseus: “Alguns fariseus e escribas de Jerusalém vieram um dia ter com
Jesus e lhe disseram: ‘Por que transgridem teus discípulos a tradição dos antigos? Nem
mesmo lavam as mãos antes de comer’. Jesus respondeu-lhes: E vós, por que violais os
preceitos de Deus, por causa de vossa tradição?” (Mateus 15,1-3).

Juntamente com o ritualismo, outra característica do judaísmo no Novo


Testamento é o legalismo. Como já fora demonstrado, o monoteísmo, a aliança e a lei
são os elementos essenciais que sempre estiveram presentes na religião hebraica, entre

198
todos os elementos constitutivos. No judaísmo do primeiro século esses três elementos
estão presentes, porém, sofreram reinterpretações à luz das reações e adaptações que
Israel teve que passar. Tais reinterpretações e mudanças ocorreram principalmente no
período Intertestamentário. Nesse sentido, a característica distintiva mais marcante do
judaísmo neotestamentário é o ethos legalista, ou seja, uma relação de conformidade
literal com a lei e as tradições, como única forma de alcançar o favor divino, a salvação,
uma posição favorável diante de Deus (SCOTT JR., 2017).

3.1 CRENÇAS E CRENDICES


Os judeus no Novo Testamento mantinham algumas crendices ou crenças
populares, como por exemplo, a crença que a descendência étnica de Abraão trazia
favores divinos. Crença que fora refutada tanto por Jesus: “E não presumais, de vós
mesmos, dizendo: Temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que, mesmo dessas
pedras, Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus 3, 9), quanto pelo apóstolo Paulo:
“Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada
a tua descendência” (Romanos 9, 7).

Com exceção dos saduceus, que eram materialistas, os demais judeus também
acreditavam na existência e atividade de um mundo dos espíritos, composto por anjos
e demônios. A demonologia judaica é extremamente complexa, tendo suas derivações
de diversos povos da antiguidade, em especial, a demonologia babilônica. Os anjos,
do grego angelos e do hebraico mal’akh, são considerados pelos judeus como sendo
mensageiros divinos, seres superiores aos seres humanos e espíritos não corrompidos.
A crença que esses seres seriam guardiões pessoais surge posteriormente na literatura
rabínica (DOUGLAS, 2006; SEEANNER, 2015).

De modo geral, deve-se notar que tal crença nesses seres não se traduziu em
práticas de adoração ou veneração, como era o caso para os espíritos e divindades
inferiores na Síria, na Babilônia ou na Pérsia. Se no Antigo Testamento o termo daimonion
podia ter a conotação de deus ou poder divino, já no Novo Testamento o termo refere-se a
seres espirituais hostis à Deus e aos seres humanos (SEEANNER, 2015).

Para os judeus mais esclarecidos, os anjos e os demônios devem sua existência


a um mesmo criador, exercem suas atividades sob dependência dele e não podiam ser
objeto de um culto de adoração. Eles constituem dois mundos opostos, em luta um
contra o outro, sendo esse dualismo de ordem moral: não tem raízes metafísicas.

Os anjos constituem a corte de Yahweh sendo seus mensageiros em número


infinito. A maior parte das informações sobre a demonologia e a angeologia judaica está
na literatura midrásica, apócrifa, deuterocanônica e rabínica (SEEANNER, 2015).

199
Temos na Figura 12 Balaam, Identificado como um demônio de três cabeças,
cavalgando um urso e carregando um falcão em suas mãos. No Antigo Testamento,
aparece o nome de Balaão, profeta, vidente e adivinho originário da cidade mesopotâmica
de Petor.

FIGURA 12 – BALAAM

FONTE: <https://pbs.twimg.com/media/DiRqNvTXcAEGPe6?format=jpg&name=900x900> 15 mar. 2021.

A crença em adivinhação, astrologia e artes mágicas, especialmente para fins


de cura eram bem populares entre os judeus comuns do Novo Testamento. Esses
judeus acreditavam que a sabedoria de Yahweh concedida à Salomão incluía poderes
mágicos especiais, encantamentos usados contra demônios e para o bem e a cura dos
homens. Entre tais encantamentos estão formas de exorcismos, as quais são narradas
nos escritos do Novo Testamento:

E alguns dos exorcistas judeus ambulantes tentavam invocar o


nome do Senhor Jesus sobre os que tinham espíritos malignos,
dizendo: Esconjuro-os por Jesus a quem Paulo prega. E os que
faziam isto eram sete filhos de Ceva, judeu, principal dos sacerdotes.
Respondendo, porém, o espírito maligno, disse: Conheço a Jesus,
e bem sei quem é Paulo; mas vós quem sois? E, saltando neles o
homem que tinha o espírito maligno, e assenhoreando-se de todos,
pôde mais do que eles; de tal maneira que, nus e feridos, fugiram
daquela casa. E foi isto notório a todos os que habitavam em Éfeso,
tanto judeus como gregos; e caiu temor sobre todos eles, e o nome
do Senhor Jesus era engrandecido. E muitos dos que tinham
crido vinham, confessando e publicando os seus feitos. Também
muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros, e
os queimaram na presença de todos e, feita a conta do seu preço,
acharam que montava a cinquenta mil peças de prata (Atos 19,13-19).

200
Há relatos dessas curas encantamento na literatura intertestamentária de 1
Enoque, Sabedoria de Salomão e num escrito posterior em língua grega, o Testamento
de Salomão. Entre os essênios também há relatos de que esses conhecimentos e
práticas estavam presentes de forma especial por suas artes de cura (SCOTT JR., 2017).

Além da literatura apócrifa o misticismo judaico está intimamente relacionado a


escritos esotéricos como o merkavah. O misticismo merkavah começou a florescer na
Palestina durante o primeiro século da era cristã, mas anteriormente, o seu centro do
século VII ao século XI foi na Babilônia.

Na literatura mística merkavah, a ascensão da alma do místico é descrita como


uma jornada perigosa através de sete esferas, ou “moradas celestiais”, administrada
por anjos hostis. O objetivo do místico era o de contemplar o trono divino. O misticismo
merkavah foi fortemente influenciado pelas crenças gnósticas. Nos séculos posteriores,
a magia tomou seu lugar nos movimentos místicos como a cabala (MERKAVAH, c2021;
SCOTT JR., 2017).

4 OS SAMARITANOS
Não temos informações suficientes no Novo Testamento para uma descrição
do modo de vida samaritano. Por outro lado, não há motivos e evidências para supor
que os samaritanos viviam de modo diverso do que viviam os demais povos que
habitavam a Palestina do primeiro século. Tudo indica que a diferença entre os judeus e
os samaritanos era mais de natureza religiosa do que qualquer outra diferença.

A tensão entre os judeus e os samaritanos retratada nos escritos do Novo


Testamento era um resquício da divisão entre os dois reinos, Judá e Israel, com posterior
agravamento provocando o cisma samaritano por causa da construção do templo no
monte Gerizim.

O fato é que os samaritanos são o resultado de um sincretismo étnico e religioso


mais acentuado que acometeu as tribos do norte. De modo que se desenvolveu uma
religião em paralelo com o judaísmo. A profunda mistura com outras etnias, culturas e
religiões é o motivo da hostilidade entre judeus e samaritanos. Ao contrário de muitos
estudiosos que afirmam ser o samaritanismo uma versão do judaísmo, para os judeus
trata-se na verdade de outra religião, uma religião rival que arroga para si o status de
legitimidade (SCOTT JR., 2017).

201
Veja, segundo Scott Jr. (2017, p. 212), quais as peculiaridades religiosas dos
samaritanos:

1) O monoteísmo rígido, incluindo a aliança de Deus com seu povo;


2) A posição para Moisés além da que ela tem no judaísmo — ele é o
mediador da lei e o último profeta; 3) A Lei (de acordo com sua edição);
4) A santidade do monte Gerizim como casa de Deus, fato que se torna
claro por causa do décimo mandamento acrescentado ao Pentateuco
Samaritano) A escatologia incluindo recompensas e punições.
O calendário e os festivais samaritanos diferem dos utilizados pelos
judeus. Outra diferença importante é a visão singular dos samaritanos
sobre a história da salvação. Rejeitando a visão judaica, eles dividem
a história da salvação em uma era de desaprovação anterior a
Moisés e uma era de graça depois de Moisés que durou 260 anos.
A escatologia samaritana procura repetir das eras de desaprovação
e graça no final da história. A primeira será iniciada pelo perverso
sacerdote Eli; a segunda, pelo Taheb (Restaurador = Messias), o
Profeta como Moisés. Há também evidências de que se espera que
um sacerdote acompanhe o Restaurador.

5 JESUS E A CULTURA DO NOVO TESTAMENTO


Jesus Cristo, do hebraico Yeshua e do grego Khristós foi um homem do povo,
assim como a grande maioria da população não pertencia a um grupo ou partido
específico, como transparece nas narrativas que enfocam a relevância da minoria que
possuía sofisticação intelectual, como os fariseus, escribas, rabino, levitas e sacerdotes.
Fazia, naturalmente, parte da massa da qual os outros se distinguiam. O termo ‘am ha-
eretz (o povo da terra) muitas vezes é usado como referência às pessoas comuns do
primeiro século na Palestina (KONINGS, 1998; SCOTT JR., 2017).

É dessa massa amorfa de pessoas religiosas e pobres que saíram os discípulos


de Jesus. Pessoas que eram consideradas pelos líderes judaicos como uma ralé maldita
que não entendia a profundidade da lei mosaica. Veja o trecho do livro João 7, 47-49:
“Replicaram os fariseus: Porventura também vós fostes seduzidos? Há, acaso, alguém
dentre as autoridades ou fariseus que acreditou nele? Este poviléu que não conhece
a lei é amaldiçoado!...” (Grifo nosso).

Apesar de ter nascido na Judeia, Jesus passou a maior parte de sua vida e de
sua atividade itinerante na Galileia, que era uma região economicamente próspera por ser
uma importante rota comercial em que residiam muitos soldados e comerciantes, mas
que apesar disso possuía uma multidão de famintos e abandonados pela elite judaica
e pelo império romano. Por ser da Galileia, Jesus falava o aramaico ocidental, que tinha
significativa diferença com o aramaico da região sul da Palestina, a Judeia. Por esse e
outros fatores a Galileia era considerada um lugar de pessoas ignorantes, rudes, caipiras
(KONINGS, 1998). Foi por essa diferença idiomática que Pedro foi reconhecido pelo seu
sotaque como sendo do grupo de galileus seguidores de Jesus:

202
Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele
uma criada, disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu, mas
ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. E, saindo
para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este
também estava com Jesus, o Nazareno. E ele negou outra vez com
juramento: Não conheço tal homem. E, daí a pouco, aproximando-se
os que ali estavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente também tu
és deles, pois a tua fala te denuncia (Mateus 26, 69-73).

Jesus não apenas era da Galileia, como também era de Nazaré, uma pequena
aldeia em que moravam cerca de 20 famílias. Por isso havia grande menosprezo por
Jesus, dado a sua origem: “Filipe encontra Natanael e diz-lhe: Achamos aquele de quem
Moisés escreveu na lei e que os profetas anunciaram: é Jesus de Nazaré, filho de José.
Respondeu-lhe Natanael: Pode, porventura, vir coisa boa de Nazaré? Filipe retrucou:
Vem e vê” (João 1, 45,46). Outro fator que levou as autoridades a serem hostis à atividade
itinerante religiosa de Jesus foi o fato da Galileia ser um dos pontos de revolucionários
nacionalistas. Foi lá que teve início a guerra judaica contra o império romano em 73 d.C.
(KONINGS, 1998).

Como homem do seu tempo Jesus se comunicou com seus contemporâneos,


literalmente, no caso dos idiomas aramaico, hebraico e grego, como também
metaforicamente, no caso da utilização do imaginário, das representações simbólicas
e das tradições judaicas. Contudo, o modo como ele se dirigia à tradição religiosa e
cultural judaica, como a reinterpretou, ressignificou e atualizou foi registrado por seus
contemporâneos como sendo única e revolucionária:

Outros diziam: Este é o Cristo, mas outros protestavam: é acaso da


Galileia que há de vir o Cristo? Não diz a Escritura: o Cristo há de vir da
família de Davi, e da aldeia de Belém, onde vivia Davi? Houve por isso
divisão entre o povo por causa dele. Alguns deles queriam prendê-lo,
mas ninguém lhe lançou as mãos. Voltaram os guardas para junto
dos príncipes dos sacerdotes e fariseus, que lhes perguntaram: Por
que não o trouxestes? Os guardas responderam: Jamais homem
algum falou como este homem!... (João 7, 41-46, grifo nosso).

A partir das análises de Konings (1998) e Scott Jr. (2017), fica evidente que do
ponto de vista cultural não há nada de significativo em Jesus Cristo que o diferencie
dos demais judeus comuns do primeiro século. Jesus foi um legítimo representante do
seu tempo, de sua cultura e religião; a não ser pelo modo como reinterpretou a religião
judaica e como cuidou dos mais necessitados e discriminados, como se aproximou dos
não judeus, e como defendeu um modo de vida simples, frugal, sem apego às posses e
vivido na perspectiva do serviço abnegado que se presta ao outro.

203
NOTA
Imaginário é um conjunto de representações simbólicas que existe
em função de um traço característico que define o ser humano: a
imaginação simbólica. A imaginação simbólica é a faculdade que
extrapola a esfera da percepção sensível. No entanto, ela é induzida
pelo meio social que tem como instituintes os mitos, os símbolos e os
arquétipos. Nesse sentido, o imaginário, esse conjunto de imagens
possíveis produzidas pelo ser humano como animal simbólico, é
o museu de todas as imagens passadas possíveis, produzidas e a
produzir, não é uma abstração, mas uma construção cultural.

204
LEITURA
COMPLEMENTAR
EPÍLOGO

Julius Scott Jr.

Mesmo após anos de viagem e pregação no mundo gentílico, incluindo cortes


romanas, Paulo se sentia mais à vontade discutindo o cristianismo no cenário “dos
costumes e das controvérsias dos judeus”. Buscamos não apenas identificar alguns
desses costumes e controvérsias mais influentes, mas também observar as forças
que os trouxeram à existência. Fizemos isso a fim de melhor equipar-nos para sermos
o tipo de leitor do NT que “vai e volta”, como Charles H. Dodd nos ensinou a ser: “O
intérprete ideal é o que entrou no estranho mundo do século I, sentiu toda a estranheza
dele, peregrinou por ele até ter vivido nele, pensando e sentindo como um daqueles a
quem o evangelho veio primeiro, e que então volta para nosso mundo e dá à verdade
que discerniu um corpo fora das coisas do nosso pensamento”. Para isso, é preciso
praticar a arte do historiador e a da ciência. Portanto, buscamos observar os fatos
disponíveis e, por meio deles, captar parte da atmosfera e dos sentimentos da época. O
historiador deve se esforçar para apresentar os dados de forma objetiva e clara, e, assim,
transmitir ao leitor moderno parte do poder que se encontra nos próprios fatos sobre
outro tempo e lugar.

Nosso estudo sobre o judaísmo intertestamentário consistiu em examinar


o quadro histórico, observando alguns de seus elementos importantes — eventos,
instituições, mudanças, pensamentos e atitudes, costumes e controvérsias. Vimos sua
afinidade com o que o antecedeu, mas também, sua singularidade na história hebraica.
Ele foi, como sugerimos, profundamente influenciado por crises e múltiplas reações a
elas. Enfatizamos a diversidade do mundo judaico. Ponderamos a natureza da religião
judaica intertestamentária, incluindo o nacionalismo e particularismo, a perspectiva
legalista e nomista, e o caráter primário dessa religião da ortopraxia. Consideramos a
diversidade e incerteza das crenças judaicas sobre a era final, que, no entanto, consistia
no elemento mais proeminente de esperança na sociedade judaica. A era final consistia
no foco das especulações e expectativas messiânicas do judaísmo intertestamentário.
Tentamos compreender parte do impacto das crenças intertestamentárias a convicção
dos primeiros cristãos sobre o despontamento da era final.

O mundo judaico intertestamentário foi o lar de Jesus na encarnação. Sua


geografia, seu povo, seus costumes e suas controvérsias formavam o ambiente em que
ele nasceu, cresceu, realizou seu ministério e morreu. Ele conhecia intimamente esse
mundo. Jesus, com os escribas, fariseus e judeus comuns de seus dias, aceitaram sem
questionamento o monoteísmo, a aliança, a lei e a autoridade das Escrituras hebraicas.

205
Jesus questionou ou rejeitou alguns adendos feitos às tradições, interpretações
e costumes dos quais os próprios judeus mantinham controvérsias. Ainda assim, ele não
necessariamente se opôs mais a esses adendos que à negligência em relação ao que ele
considerava o verdadeiro cerne da religião hebraica: “Os preceitos mais importantes da lei: a
justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas
[ou seja, algumas das minúcias sobre as quais a controvérsia era travada]” (Mt 23, 23).

Para Jesus, assuntos internos, espirituais e relacionais eram centrais. O maior


de todos os mandamentos é o amor — que tem objetos concretos, específicos: Deus
e o próximo, mas o amor é primeiro o amor a Deus, amor que leva a sério a ruptura do
nosso relacionamento com ele e deseja remover a presença e os efeitos do pecado. Da
perspectiva humana, o amor aceita e responde ao prévio amor divino, atentando para o
chamado de Jesus: “Venha a mim [...] siga[m]-me”.

A pedra de tropeço para os judeus intertestamentários não foi o fato de Jesus


aceitar alguns costumes e rejeitar outros, ou de ele tomar um lado e não outro na
controvérsia. Eles estavam acostumados à diversidade de opiniões nesses assuntos.
A pedra de tropeço era sua própria pessoa e suas reivindicações — que Deus estava
trabalhando e se fez conhecido em Jesus, que a aliança se fez nova, que tanto a Lei
quanto os Profetas se cumpriram. Ele veio como Messias e também como portador do
Reino de Deus, mas não se encaixou em nenhum dos modelos contemporâneos dessas
figuras. E assim ele “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1.11).

A multidão de zombadores aos pés da cruz de Jesus incluía representantes


de todos os segmentos do judaísmo intertestamentário. Contudo, representantes dos
gentios estavam presentes também. A culpa da morte de Jesus não recai apenas sobre
um grupo, mas sobre todos. Ele morreu para que todos, judeus e gentios, pudessem
encontrar perdão e aceitação diante de Deus e para que todos os povos, nações e
línguas fossem um só sob seu governo como soberano Rei divino.

O mundo de Jesus era o mundo do judaísmo intertestamentário, mas eventos


ocorridos na metade do milênio anterior tornaram esse mundo parte do mundo todo. Na
cruz, Jesus foi erguido sobre o mundo para poder chamar todas as pessoas para Deus.
Em sua ressurreição e ascensão, tendo cumprido no tempo e no espaço a vontade e as
exigências de Deus, ele subiu às alturas para reinar como o Filho messiânico do homem,
Servo sofredor, Filho de Davi, Salvador, Rei diante de quem todos os joelhos se dobrarão
e toda a língua confessará.

Após o advento de Cristo, o cristianismo primitivo precisou esclarecer suas


crenças, práticas e princípios morais com a consciência de que deveria fazê-lo sob
a direção do Espírito Santo (cf., p. ex., At 15,28), mas também no contexto do que
havia passado antes e da dinâmica das sociedades e das culturas em que os cristãos
se encontravam. O meio social do judaísmo intertestamentário permaneceu, mas a
igreja primitiva não podia permitir que os costumes e a cultura intertestamentários
determinassem sua natureza e resposta ao mundo.

206
Daí em diante, o cristianismo precisou se definir em relação aos costumes e às
controvérsias do judaísmo intertestamentário. De fato, a tarefa de se adaptar a cenários
socioculturais singulares e de se definir nesse contexto, sem comprometer sua natureza
essencial, acompanhou a igreja em cada geração subsequente. Seus sucessos e
fracassos eram amplamente determinados pelo nível com que cada geração entendia
a natureza das lutas da igreja primitiva e os princípios morais e espirituais básicos
aplicados pelos cristãos judeus do mundo do século I nos contextos e nas situações
divergentes. As implicações teológicas e éticas deveriam ser óbvias, mas deixe-me
mencionar uma área menos evidente: os missiólogos modernos enfatizam o desafio do
ministério em contextos pouco conhecidos. O problema não é novo.

A deportação dos hebreus no século VI a.C. e a presença do helenismo a partir


do século IV a.C. forçaram os judeus intertestamentários a lidar com os mesmos tipos
de questões. Enquanto mudavam do mundo judaico para o gentílico, os primeiros
cristãos provavelmente estavam cientes do fato, e se beneficiaram dele, pois o
judaísmo intertestamentário antes deles já havia lutado com o desafio intercultural.
Sua rejeição às respostas mais particularistas e isolacionistas, dadas por alguns judeus
intertestamentários, indica que os primeiros cristãos haviam aprendido bem.

O judaísmo intertestamentário continua ensinando. O leitor responsável e sério


do NT deve estar preparado para ouvir e aprender. Ao compreendermos mais plenamente
o contexto do judaísmo intertestamentário, nós nos tornamos mais bem preparados
para compreender a mensagem do NT e lidar com situações atuais semelhantes às
enfrentadas pela igreja primitiva.

Uma, duas, talvez quatro vezes ao ano, eu ia de carro para o leste de Decatur,
na Geórgia, e atravessava a Ponce de Leon Avenue em direção a Stone Mountain. A
cerca de um quilômetro e meio dos limites da cidade, eu virava à esquerda em uma
estrada estreita e passava por um bosque. Então eu podia ver a casa branca de dois
andares com a grande varanda. Ela ficava no alto de uma colina e mostrava sua idade.
No começo, eu a visitava com duas pessoas idosas que viveram lá. Eu dava a volta
pelo quintal e pelo pasto, e subia até o celeiro. Passava pelos bosques que cercavam a
fazenda dos três lados. Depois de visitar a formação rochosa que, para um garotinho,
parecia corcovas de camelo, eu ia para um velho pinheiro retorcido e para uma pequena
clareira familiar cercada de espinheiros, vinhas e árvores que cresciam bem juntas.

Em alguns anos, os velhinhos se foram. Então eu apenas andava pelos quartos


da casa desocupada e visitava as construções anexas, os bosques e os campos. Logo,
não demorava muito, era hora de ir, de atravessar novamente o caminho conhecido. De
volta à estrada principal eu me dava conta mais uma vez de que não morava mais ali.

Hoje, até mesmo a possibilidade de fazer essa jornada sentimental se foi. Uma
barreira bloqueia o percurso, o tempo e o clima venceram a guerra contra o celeiro, a
casa foi vítima de uma escavadeira. Mesmo assim, eu ainda volto, volto por meio da

207
memória e de imagens mentais. Às vezes eu vou, fisicamente, a dois túmulos sob uma
mesma pedra. Essas viagens são importantes. Embora não possa voltar à casa, preciso
me lembrar das raives das quais brotei. Elas me fazem lembrar de quem eu sou. Elas me
dão maior entendimento do quanto o menino da fazenda que antes existiu e o professor
universitário que agora existe são parecidos e diferentes. Sou grato pelo que passou,
mas não posso mais voltar a casa.

E o mesmo acontece com o judaísmo intertestamentário. Os cristãos o visitam


para compreenderem mais plenamente as raízes espirituais a partir das quais brotamos,
mas também a diferença radical do que foi construído sobre o fundamento de Jesus, o
Messias. Entendemos mais, cremos com mais firmeza e funcionamos melhor à medida
que, conscientemente, compreendemos a natureza das raízes do cristianismo nos
costumes e nas controvérsias do judaísmo intertestamentário e os apreciamos.

FONTE: Adaptada de SCOTT JR., J. J. Origens judaicas do novo testamento: um estudo do judaísmo
intertestamentário. Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes. São Paulo: Shedd Publicações, 2017, p.
384-387.

208
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As principais características da vida religiosa do Novo Testamento.

• A importância do Templo no Novo Testamento. O templo continua mantendo sua


importância, porém, tal importância se relativiza a partir da introdução do espaço da
sinagoga no intertestamento. O templo como espaço da cúpula da elite econômica e
religiosa.

• A importância da sinagoga no Novo Testamento, que surge como centro periférico e


espaço privilegiado dos escribas e fariseus, na manutenção da vida religiosa social e
política dos judeus menos abastados.

• O judaísmo do Novo Testamento e a recepção das doutrinas acerca do messias. A


introdução dos temas, vida, morte e ressurreição.

• Crença de crendices.

• Os samaritanos, sua origem, estirpe religiosa e seu conflito com os judeus.

• Jesus e a cultura do Novo Testamento, sua identificação com as figuras apocalípticas,


sua crítica à religião judaica. Jesus Cristo e seu ministério entre os mais simples
e necessitados. A influência do paganismo greco-romano e outras culturas nas
crendices e superstições judaicas.

209
AUTOATIVIDADE
1 Se há uma característica que define bem a natureza da cultura judaica é a religiosidade.
Não está claro para os estudiosos da religião, quais os limites, as diferenças e a
natureza da relação entre a cosmovisão dos judeus e sua religião. No entanto, a ideia
de que a religião é parte constitutiva da vida cultural deste povo é amplamente aceita.
Disserte sobre a importância do templo e da sinagoga na vida dos judeus.

2 Mesmo estando sob o domínio romano, os judeus da Palestina foram liderados


durante muitas décadas pela dinastia de monarcas judeus da Idumeia. Disserte sobre
o legado deixado por esses monarcas.

3 Entre os locais públicos que Jesus e seus discípulos frequentaram está o templo, a
sinagoga e a porta da cidade. Associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Templo.
II- Sinagoga.
III- Igreja.

( ) Lugar de adoração, oração, leitura das escrituras, culto e pregação.


( ) Local onde eram celebradas as principais festas de Israel.
( ) Casas usadas pelos primeiros cristãos que abraçaram a fé.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I - III - II.
b) ( ) III - I - II.
c) ( ) I - II - III.
d) ( ) II - I - III.

4 Sobre a questão do modo de produção, tanto no período da monarquia em Israel


quanto no período do domínio romano, prevaleceu o modo de produção asiático.
Analise as proposições a seguir:

I- Durante o período do Israel antigo, a economia era baseada na agricultura extensa


e no grande latifúndio.

ENQUANTO

II- Que no Novo Testamento, prevaleceu a economia baseada na agricultura do pequeno


latifúndio.

210
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As duas proposições são verdadeiras, e a segunda proposição está em oposição
à primeira.
b) ( ) As duas proposições são falsas, e a segunda proposição está em oposição à
primeira.
c) ( ) A primeira proposição é verdadeira, e a segunda proposição é falsa.
d) ( ) A primeira proposição é falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

5 A instrução na lei e na tradição era o principal legado dado aos filhos pelas famílias
judaicas. Analise os enunciados a seguir.

I- A primeira instrução era passada às crianças através da sinagoga e, posteriormente,


a instrução era completada pela família.
II- Era obrigatório ir à sinagoga nos dias festivos e aos sábados, e também em outros
dias, conforme a devoção. Toda a família participava da oração, inclusive as mulheres
e crianças.
III- Antes de ingressar na sinagoga, havia os ritos de purificação. Alguns sacrifícios
comuns eram feitos duas vezes por dia, em nome de todo o povo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) ( ) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) ( ) Apenas o enunciado II está correto.

211
212
REFERÊNCIAS
BARBOSA, M. T. Do antigo oriente próximo a Roma: uma abordagem da antiguidade.
Guarapuava: Editora Unicentro, 2009.

BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P.; STREIFF-FENART, J.


Teorias da etnicidade. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada Tradução da CNBB: Antigo e Novo Testamentos.


Tradução de Conferência Nacional do Bispos do Brasil. Johan Konings. São Paulo:
Edições Loyola, 2002.

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de filosofia. Tradução: Desidério Murcho et al. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BOAS, F U. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

BRAATEN, C. E. Dogmática cristã, v. 1, São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1990.

CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP (FEU), 1999.

CARMO FILHO, A. Da Páscoa judaica à eucaristia cristã. 2003, 54 f. Dissertação


(Mestrado em Teologia) – Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia. Área de
Concentração: Liturgia. Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, 2003.

CARMO, A. Antropologia das religiões. Lisboa: Universidade Aberta, 2001. Disponível


em: https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/8495. Acesso em: 5 out. 2020.

CHWARTS, S. Família e clã nas narrativas patriarcais e na literatura profética: um breve


comentário. Cadernos de Língua e Literatura Hebraica, São Paulo, n. 14, p. 126-
140, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cllh/article/view/125036. Acesso
em: 19 nov. 2020.

CRISTAUDO, A. Da filosofia helenística à teologia cristã: formação do dogma como


processo criativo. IHU-UNISINOS, São Leopoldo, 14 mar. 2018. Disponível em: http://
www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576921-da-filosofia-helenistica-a-teologia-crista-
formacao-do-dogma-como-processo-criativo. Acesso em: 18 maio 2021.

CODEX of Ur-Nammu. In: Encyclopædia Britannica. 14 jan. 2018. Disponível em:


https://www.britannica.com/topic/Codex-of-Ur-Nammu. Acesso: 18 maio 2021.

CROATTO, J. S. Símbolos culturais e hermenêutica bíblica. São Paulo: Paulinas, 2013.

213
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à
fenomenologia da religião. Tradução: Carlos Maria Vasquez Gutiérrez. São Paulo:
Paulinas, 2001.

CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução: Viviane Ribeiro.


Bauru: EDUSC, 2002, p. 9-12.

DA SILVA. E. C. A Bíblia entre os dois testamentos. Lisboa: Bubok, 2012.

DANIEL-ROPS, H. A Vida quotidiana na palestina no tempo de Jesus. Tradução:


Neyd Siqueira. São Paulo: Edições Vida Nova, 1986.

DANIEL-ROPS, H. A Vida quotidiana na palestina no tempo de Jesus. Lisboa:


Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. 1983.

DETIENNE, M. A invenção da mitologia. Tradução de André Telles; Gilza Martins


Saldanha da Gama. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

DOUGLAS, J. D. O Novo dicionário da Bíblia. Tradução: João Bentes. 3 ed. Rev. São
Paulo: Vida Nova, 2006.

DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na


Austrália. São Paulo: Edições Paulinas, 1989.

ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ELIADE, M. Aspectos do mito. Lisboa: Edições 70, 1989.

ELIADE, M. Tratado das religiões. Tradução: Fernando Tomaz; Natália Nunes. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.

ELLISON, H. L. [Fariseus] In: DOUGLAS, J. D. (Org.). O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 495

FARAH, P. D. Cidades-símbolo estão em xeque. Folha de São Paulo – Mundo, São


Paulo, domingo, 30 de março de 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
fsp/mundo/ft3003200327.htm. Acesso em: 15 nov. 2020.

FEINBERG, C. L. [Escriba] In: DOUGLAS, J. D. (Org). O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3 ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. P. 432.

FORTE, S. Paulo, mestre e modelo de vida cristã: influência de Paulo no Adversus


Haereses de Ireneu de Lião. 2015, 119 f. Dissertação (Mestrado Integrado em Teologia –
1º Grau Canónico) – Faculdade De Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa,
2015.

214
GARIN, N. C. A família no Antigo Testamento. Revista Caminhando, São Bernardo
do Campo, v. 5, n. 1, p. 8-16, 1994. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/
revistas-metodista/index.php/Caminhando/article/view/2253. Acesso em: 18 maio
2021.

GELSTON, A. [Saduceu] In: DOUGLAS, J. D. (Org). O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3 ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 1203.

GONDIM, L. C. L.; GONDIM, L. M. O casamento judeu: rituais, crenças e significados.


Revista Hermenêutica, Cachoeira-Ba, v. 12, n. 2, p. 71-84, 2012. Disponível em:
https://seer-adventista.com.br/ojs3/index.php/hermeneutica/article/view/272. Acesso
em: 18 maio 2020.

GOWER, R. Novo Manual dos usos e costumes dos tempos bíblicos. Rio de Janeiro:
CPAD – Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2002.

GUARDINI, R. O Fim da idade moderna. Tradução M. S. Lourenço. Lisboa: Edições 70,


2000.

HAMMURABI. In: Encyclopædia Britannica. 6 dez. 2018. Disponível em: https://www.


britannica.com/topic/Code-of-Hammurabi. Acesso em: 7 de jan. 2021.

HERÓDOTO. História. 2. ed. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1998.

HUBBARD, D. A. [Literatura de sabedoria] In: DOUGLAS, J. D. (Org). O Novo dicionário


da Bíblia. Tradução: João Bentes. 3. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 787.

JONES, A. [Imagem]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia. Tradução:


João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 611.

JOSEFO, F. Antiguidades judias. In: OBRAS completas de Flávio Josefo. Buenos Aires:
Acervo Cultural Editores, 1961.

KEESING, R. Antropologia cultural: uma perspectiva contemporânea. Trad. Vera


Jocelyne. Petrópolis: Vozes, 2014.

KESSLER, Rainer. História social do Antigo Israel. Tradução: Aroldo Reimer. São
Paulo: Paulinas, 2009.

KITCHEN, K. A. [Alimento]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 35.

KONINGS, J. A Bíblia e suas origens. Petrópolis: Vozes, 1998.

215
KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos. Tradução: Mirtes Frange de Oliveira
Pinheiro. Bauru: EDUSC, 2002.

LAZIER, J. A. A família no Novo Testamento. Revista Caminhando, [S.l.], v.


5, n. 2 [n. 7], p. 28-33, 2010 [2. ed. on-line; 1. ed. 1994]. Disponível em: https://
webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:NmRwG4UcIkIJ:https://
www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/Caminhando/article/
download/2255/2189+&cd=2&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 20 dez. 2020.

LEI CUNEIFORME. In: Encyclopædia Britannica. 21 jan. 2011. Disponível em: https://


www.britannica.com/topic/cuneiform-law. Acesso em: 18 maio 2021.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares de parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.

LÉVI-STRAUSS, C. A família. In: SHAPIRO, H. L. (Org.). Homem, cultura e sociedade.


Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1972.

LIPIT-ISHTAR. In: Encyclopædia Britannica. 14 jan. 2018. https://www.britannica.


com/topic/cuneiform-law. Acesso: 7 de jan. 2021.

MARQUES, J.J. Literaturas do próximo oriente antigo na bíblia – origens, aliança


sabedoria. 2015, 117 f. Dissertação (Mestrado em História e Cultura das Religiões) –
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015.

MAZOYER, M. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise


contemporânea. Tradução: Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira. São Paulo: UNESP;
Brasília, DF: NEAD, 2010.

MEIKLEJOHN, J. W. [Essênio]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 457.

MERRILL, E. H. História de Israel no antigo testamento. Tradução: Romell S.


Carneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

MITZVAH. In: Encyclopædia Britannica. 14 jan. 2018. Disponível em: https://www.


britannica.com/topic/mitzvah-Judaism. Acesso em: 27 dez. 2020.

MOTYER, J. [Idolatria]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia. Tradução:


João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 603.

MOUNCE, R. H. [Bíblia]. In: ELWELL, Walter (Editor). Enciclopédia histórico-teológica


da igreja cristã. Tradução: Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2009.

216
PEREIRA, R. C. A família e seus desafios nos tempos bíblicos e nos dias atuais,
2015. Dissertação (Mestrado em Teologia) – Faculdades EST. Programa de Pós-
Graduação. São Leopoldo: 2015, p. 70.

POUPARD, P. Dictionnaire des religions. (coord.). Paris: Presses universitaires de


France, 1984.

RIBEIRO, A. L. V. Jesus e os movimentos messiânicos. Revista de Cultura Teológica,


São Paulo, v. 17, n. 66, p. 27-54, jan./mar. 2009. Disponível em: https://revistas.pucsp.
br/index.php/culturateo/article/view/15490. Acesso em: 24 jan. 2021.

RIBEIRO, L. M. P. A Mulher na Bíblia. Moriah Internacional Center. São Paulo, 15 out.


2020. Disponível em: https://moriacenter.com/a-mulher-na-biblia/?lang=pt-br. Acesso
em: 23 18 maio 2021.

ROCHA, I. E. Imagem no judaísmo: aspectos do "aniconismo" identitário. História,


Franca, v. 26, n. 1, p. 119-124, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742007000100009&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 6 dez. 2020.

ROCHA, I. E. Dominadores e dominados na Palestina do I século. História, Franca, v.


23, n. 1-2, p. 239-258, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/his/v23n1-2/
a12v2312.pdf. Acesso em: 3 ago. 2021.

SEEANNER, P. Jesus em seu contexto. Revista de Magistro de Filosofia, Anápolis,


a. 8, n. 16, p. 1-20, jul./dez. 2015. Disponível em: http://catolicadeanapolis.edu.br/
revmagistro/wp-content/uploads/2015/08/Jesus-em-seu-contexto.pdf. Acesso em:
18 maio 2021.

SANTOS, A. R. Um lugar de encontro entre o homem e os deuses. Revista


Portuguesa de Ciência das Religiões, Lisboa, a. 2, 2003, n. 3-4, p. 189-196.
Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciareligioes/article/
view/4605/3117. Acesso em: 15 nov. 2020.

SAULNIER, C. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1983.

SCOTT JR., J. Origens judaicas do novo testamento: um estudo do judaísmo


intertestamentário. Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes. São Paulo: Shedd
Publicações, 2017.

SILVA, R. Especial Egito: o faraó do êxodo. [S. l.: s. n.], 2019, 1 vídeo (28 min).
Publicado pelo canal Evidência NT. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ccWsLlzjCD8. Acesso em: 9 out. 2020.

217
SOARES, D. O. As influências persas no chamado judaísmo pós-exílico. Revista Theos,
Campinas, 6. ed., v. 5, n. 2, p. 1-24, dez. 2009. Disponível em: https://pt.calameo.com/
books/0003861691968c70ebef7. Acesso em: 23 jan. 2021.

SORJ, B. Geopolítica e cultura: a trajetória de Israel. História, Franca, v. 33, n. 2,


p. 57-71, dez. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0101-90742014000200057&lng=pt&nrm=iso. acessos em: 18 maio 2021.

STRADING, D. G. [Música]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 902.

STEWART, R. A. [Páscoa]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 1000.

SZKLARZ, E. Jerusalém, o centro do mundo. Super Interessante, São Paulo, 31 jan.


2008. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/jerusalem-o-centro-do-
mundo/. Acesso em: 18 maio 2021.

TAYLOR, J. B. [Ancião]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 52.

THOMPSON. J. A. [Parentela]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia.


Tradução: João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 999.

VAUX, R. Instituições de Israel no antigo testamento. São Paulo: Editora Teológica,


2003.

VIEIRA, F. M. Os Manuscritos do Mar Morto e a gênese do cristianismo. 2008,


Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
Universidade Estadual Paulista, Assis, 2008.

WISEMAN, D. J. [Arte]. In: DOUGLAS, J. D. et al. O Novo dicionário da Bíblia. Tradução:


João Bentes. 3. ed. Rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 108.

218

Você também pode gostar