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WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 5 ed.

São Paulo:
Pioneira, 1987.

Luana Teixeira Barros

Introdução do autor

“Mas a busca racional, sistemática e especializada da ciência por parte de pessoal treinado e
especializado existiu somente no Ocidente, num sentido que se aproxima de seu papel
dominante na nossa cultura atual. Isso é verdadeiro, acima de tudo, no tocante ao
funcionário público treinado, pilar tanto do Estado moderno quanto da vida econômica do
Ocidente.” (p. 4).
“E o mesmo é verdade também para a mais decisiva força da nossa vida moderna: o
capitalismo. O impulso para o ganho, a persecução do lucro, do dinheiro, da maior
quantidade possível de dinheiro, não tem, em si mesma, nada que ver com o capitalismo.
Tal impulso existe e sempre existiu entre garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas,
funcionários desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores, mendigos etc... Pode se
dizer que tem sido comum à toda sorte e condição humanas em todos os tempos e em todos
os países da Terra, sempre que se tenha apresentado a possibilidade objetiva para tanto [...]
A ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo, e menos
ainda com seu “espírito”. O capitalismo, pode eventualmente se identificar com a restrição,
ou pelo menos com uma moderação racional desse impulso irracional. O capitalismo,
porém identifica se com a busca do lucro, do lucro sempre renovado por meio da empresa
permanente, capitalista e racional. Pois assim deve ser: numa ordem completamente
capitalista da sociedade, uma empresa individual que não tirasse vantagem das
oportunidades de obter lucros estaria condenada à extinção.” (p. 5).

“Definiremos como ação econômica capitalista aquela que repousa na expectativa de lucros
pela utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades (formalmente)
pacíficas de lucro [...] O fato importante é que o cálculo do capital é sempre feito em
dinheiro, quer pelos modernos métodos de contabilidade, quer por qualquer outro método,
por mais primitivo e grosseiro que seja. Tudo é feito em termos de balanços: um balanço
inicial no começo da empresa; outro antes de qualquer decisão individual, como cálculo de
sua provável lucratividade e um balanço final para apurar o lucro obtido.” (p. 6).

“O que havia não eram meramente empreendimentos isolados, mas empresas econômicas
inteiramente dependentes da contínua renovação dos empreendimentos capitalistas e até de
operações contínuas. Contudo, o comércio em especial não teve, por longo tempo, a
continuidade dos nossos empreendimentos atuais, mas consistiu essencialmente numa série
de empreendimentos individuais. Foi só gradualmente que tais atividades, mesmo as dos
grandes comerciantes, adquiriram uma coerência interna (com a urbanização de
ramificações etc.) Em todos os casos, a empresa capitalista e o empresário capitalista, não
só como ocasionais, mas como empreendimentos estáveis, são muito antigos e difundidos
pelo mundo.” (p. 7).

“Contudo, o Ocidente desenvolveu o capitalismo tanto em sua dimensão quantitativa, sem


abrir mão daquele desenvolvimento, como em tipos, formas e direções que nunca existiram
antes em parte alguma.” (p. 7).

“Modernamente, porém, o Ocidente desenvolveu, além desse, uma forma muito diferente
de capitalismo, que nunca havia aparecido antes: a organização capitalista racional do
trabalho livre (pelo menos formalmente).” (p. 8).

“A moderna organização racional das empresas capitalistas não teria sido possível sem dois
outros fatores importantes em seu desenvolvimento: a separação dos negócios da moradia
da família, fato que domina completamente a vida econômica e, estritamente ligada a isso,
uma contabilidade racional.” (p. 8).

“Contudo, todas essas peculiaridades do capitalismo ocidental derivaram seu significado,


em última análise, apenas de sua associação com a organização capitalista do trabalho.
Mesmo o que é geralmente chamado de comercialização – o desenvolvimento de títulos
negociáveis e a racionalização da especulação, das trocas etc., estão a ela ligadas. De fato,
sem a organização capitalista do trabalho, tudo isso, até onde fosse possível, não teria o
mesmo significado, quanto à estrutura social e todos, os problemas específicos ocidentais
da atualidade que daquela derivam. O cálculo exato, base para as demais coisas, só é
possível se baseado no trabalho livre.” (p. 9).

“O mundo conheceu também experiências socialistas e comunistas de vários tipos: familiar,


religioso, militar, o socialismo de Estado (no Egito), cartéis monopolistas, e organizações
de consumidores. Mas embora tenha havido em toda parte privilégios de mercado urbano,
companhias, corporações e toda sorte de diferenças legais entre a cidade e o campo, o
conceito de cidadão e o de burguesia não existiram fora do moderno Ocidente. Do mesmo
modo, o proletariado como classe não poderia ter existido, pois não existia uma
organização racional do trabalho livre sob disciplina metodizada. As lutas de classe entre as
parcelas credoras e devedoras; proprietários rurais e sem terra, servos ou meeiros;
interesses comerciais e consumidores ou senhores de terras existiram em toda parte nas
mais diversas combinações.” (p. 9).

“Ou, em termos de história da cultura, o problema é o da origem da classe burguesa


ocidental e suas peculiaridades, um problema que está com certeza estritamente ligado ao
da origem da organização capitalista do trabalho, embora não se trata da mesma coisa. Pois
os burgueses como classe existiam antes dó desenvolvimento das modernas formas
peculiares do capitalismo, embora de fato, apenas no hemisfério ocidental.” (p. 9).

“Nem podemos dizer que as origens da matemática e da mecânica tenham sido


determinadas pelos interesses capitalistas. Mas a utilização técnica do conhecimento
científico, tão importante para as condições de vida da massa do povo, foi certamente
incentivada pelas considerações econômicas, que lhe eram extremamente favoráveis no
mundo ocidental.” (p. 10).

“Entre os fatores de importância incontestável estão as estruturas racionais das leis e da


administração, pois que o moderno capitalismo racional não necessita apenas dos meios
técnicos de produção, mas também de um sistema legal calculável e de uma administração
baseada em termos de regras formais.” (p. 10).

“Racionalizações dos mais variados tipos têm existido em vários setores da vida, em todas
as áreas da cultura. Para caracterizar suas diferenças de um ponto de vista da história da
cultura é necessário saber quais setores foram racionalizados e em que direção. Por isso,
nossa primeira preocupação é desvendar e explicar a gênese e a peculiaridade do
racionalismo ocidental e, por esse enfoque, sua forma moderna.” (p. 11).

“Cada tentativa de explicação deve, reconhecendo a importância fundamental do fator


econômico, tomar em consideração, acima de tudo as condições econômicas. Mas ao
mesmo tempo, não se deve deixar de considerar a correlação oposta. E isso porque o
desenvolvimento do racionalismo econômico é parcialmente dependente da técnica e do
direito racionais, mas é ao mesmo tempo determinado pela habilidade e disposição do
homem em adotar certos tipos de conduta racional prática.” (p. 11).

“Dois ensaios anteriores foram colocados no início, como tentativa de abordar um ponto
importante do problema que é geralmente mais difícil de ser apanhado: a influência de
certas idéias religiosas no desenvolvimento de um espírito econômico, ou o ethos de um
sistema econômico. Nesse caso estamos lidando com a conexão do espírito da moderna
vida econômica com a ética racional da ascese protestante.” (p. 12).
Filiação religiosa e estratificação social

“[...] o fato que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores
mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas
empresas é predominantemente protestante.” (p. 14).

“Este fato não se verifica apenas onde a diferença de religião coincide com uma
nacionalidade, e, portanto, com seu desenvolvimento cultural [...].” (p. 14).

“É bem verdade que a maior participação relativa dos Protestantes na propriedade do


capital, na direção e nas esferas mais altas das modernas empresas comerciais e industriais
pode em parte ser explicada pelas circunstâncias históricas oriundas de um passado
distante, nas quais a filiação religiosa não poderia ser apontada como causa de condição
econômica, mas até certo ponto parece ser resultado daquela.” (p. 15).

“A participação nas funções econômicas envolve geralmente alguma posse de capital e uma
dispendiosa educação e, muitas vezes, de ambas. Hoje tais coisas são largamente
dependentes da posse de riqueza herdada, ou, no mínimo, de certo bem estar material.
Certo número dos domínios do velho império, que eram mais economicamente
desenvolvidos, mais favorecidos pela situação e recursos naturais, particularmente a
maioria das cidades mais ricas, aderiram ao Protestantismo no século XVI.” (p. 15).

“Os resultados de tais circunstâncias favorecem os protestantes, até hoje, na sua labuta pela
existência econômica. Surge assim a indagação histórica: porque os lugares de maior
desenvolvimento econômico foram, ao mesmo tempo, particularmente propícios a uma
revolução dentro da Igreja? A resposta não é tão simples como se poderia pensar.” (p. 15).

“Devemos, porém, notar, fato muitas vezes esquecido, que a Reforma não implicou na
eliminação do controle da Igreja sobre a vida quotidiana, mas na substituição por uma nova
forma de controle. Significou de fato o repúdio de um controle que era muito frouxo e, na
época praticamente imperceptível, pouco mais que formal, em favor de uma
regulamentação da conduta como um todo, que penetrando em todos os setores da vida
pública e privada, era infinitamente mais opressiva e severamente imposta.” (p. 15).

“E a queixa dos reformadores, nestas regiões de grande desenvolvimento econômico, não


era o excesso de controle da vida por parte da Igreja, mas a sua falta.” (p. 16).

“Além disso há algo especialmente importante: pode ser, como já foi aventado, que a maior
participação dos protestantes nas posições de proprietário e de dirigente na moderna vida
econômica seja entendida hoje, pelo menos em parte, simplesmente como resultado da
maior riqueza material herdada por eles. Contudo, há certos fenômenos que não podem ser
explicados por esse caminho.” (p. 16).

“Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece preponderar uma forte tendência a
permanecer em suas oficinas, e tornar com freqüência mestres artesãos, enquanto os
protestantes são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos
superiores de mão de obra especializada e posições administrativas.” (p. 17).
“As minorias nacionais ou religiosas, em posição de subordinação em relação a um grupo
de governantes, pela sua exclusão voluntária ou involuntária das posições de influência
política, são aparentemente engajadas com especial vigor nas atividades econômicas. Seus
membros mais aptos buscam o reconhecimento de suas habilidades nesse campo, uma vez
que não há oportunidades a serviço do Estado.” (p. 17).
“Resta, por outro lado, observar o fato de os protestantes (especialmente certos ramos do
movimento, que serão amplamente discutidos adiante), quer como classe dirigente, quer
como subordinada, tanto em maioria como em minoria, terem mostrado uma especial
tendência para desenvolver o racionalismo econômico, fato que não pode ser observado
entre os católicos em qualquer das situações citadas.` A explicação principal de tais
diferenças deve pois ser procurada no caráter intrínseco permanente de sua crenças
religiosas, e não apenas em suas situações temporárias externas, históricas e políticas.” (p.
17).
“Do lado protestante, é usada como base das críticas de tais ideais ascéticos (reais ou
imaginários) do modo de viver católico, enquanto os católicos respondem com a acusação
de que o materialismo resulta da secularização de todos os ideais pelo protestantismo.” (p.
18).
“Um escritor contemporânea tentou definir a diferença de atitudes diante da vida
econômica da seguinte maneira: “O católico é mais quieto, tem menor impulso aquisitivo;
prefere uma vida a mais segura possível, mesmo tendo menores rendimentos, a uma vida
mais excitante e cheia de riscos, mesmo que esta possa lhe propiciar a oportunidade de
ganhar honrarias e riquezas. Diz o provérbio, jocosamente: “Coma ou durma bem”. Neste
caso, o protestante prefere comer bem, e o católico, dormir sossegado”.” (p. 18).
“Dificilmente alguma coisa poderá mostrar tão claramente como essa comparação que, tais
vagas idéias, como o suposto desapego do Catolicismo e da suposta alegria materialista do
Protestantismo, e outras semelhantes, de nada servem para o nosso propósito. Tais termos
gerais de diferenciação não refletem os fatos de hoje, e certamente nem mesmo os
passados.” (p. 19).
“Se contudo alguém quiser delas se utilizar, deverá associar lhe diversas outras observações
que sugiram que o aparente conflito entre o desapego, o ascetismo e a devoção eclesiástica
de um lado, e a participação na aquisição de bens materiais do outro, possam de fato vir a
apresentar um íntimo relacionamento.” (p. 19).
“Mas nem todas as ramificações protestantes parecem ter tido a mesma poderosa influência
nesse sentido. A do Calvinismo, mesmo na Alemanha, parece ter sido das mais fortes, e a
fé reformada” parece ter promovido o desenvolvimento do espírito do capitalismo no
Wupperthal como em outro lugares [...] Ainda mais notável, e que deve ser só mencionada,
é a ligação entre um modo de vida religioso e o mais intenso desenvolvimento da acuidade
comercial entre aquelas seitas cujo desapego do mundo é tão proverbial quanto sua riqueza,
especialmente os Quaker e menonitas.” (p. 20).
“[...] que o espírito de intenso trabalho, de progresso, ou como se queira chamá-lo e cujo
despertar se esteja propenso a atribuir ao Protestantismo, não deve ser entendido, como é a
tendência, como uma alegria de viver ou por qualquer outro sentido ligado ao Iluminismo.
O velho Protestantismo de Lutero, Calvino, Knox e Voet tinha bem pouco a ver com o que
é hoje chamado de progresso.” (p. 20-21).
“Se quisermos encontrar uma relação interna entre certas expressões do velho espírito
protestante e a cultura capitalista moderna, deveremos tentar encontrá-la, bem ou mal, não
na alegria de viver mais ou menos materialista, ou ao menos anti-ascética, mas nas suas
características puramente religiosas.” (p. 21).

O espírito do capitalismo

“Se puder ser encontrado algo a que se possa aplicar esse termo, com algum significado
compreensível, só poderá ser uma individualidade histórica, isto é, um complexo de
elementos associados na realidade histórica que nós aglutinamos em um todo conceitual, do
ponto de vista de seu significado cultural.” (p. 22).

“Como resultado disso, não é necessário compreender como espírito do capitalismo


somente aquilo que viria a significar para nós, para os propósitos da nossa análise.” (p. 22).

“Esse é um resultado necessário da natureza dos conceitos históricos que tentam, para suas
finalidades metodológicas, apanhar a realidade histórica não em uma forma abstrata e
geral, mas em concretos conjuntos genéticos de relações, inevitavelmente de caráter
individual, e especificamente únicos.” (p. 22).
“É Benjamin Franklin que nos admoesta com tais sentenças, as mesmas que Ferdinand
Kürnberger satiriza em seu inteligente e malicioso Picture of American Culture, como
uma suposta confissão de fé do yankee. Não há o que duvidar de que é o espírito do
capitalismo que aqui se expressa de modo característico, conquanto estejamos longe de
afirmar que tudo o que possamos entender como pertencente a ele esteja contido nisso.” (p.
24).

“A peculiaridade dessa filosofia de avareza parece ser o ideal dos homens honestos, de
crédito reconhecido, e acima de tudo a idéia de dever que o indivíduo tem no sentido de
aumentar o próprio capital, assumido como um fim a si mesmo. De fato, o que nos é aqui
pregado não é apenas um meio de fazer a própria vida, mas uma ética peculiar. A infração
de suas regras não é tratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever. Essa é
a essência do exposto. Não se trata de mera astúcia de negócios, o que seria algo comum,
mas de um ethos. E essa é a qualidade que nos interessa.” (p. 24-25).

“[...] que “ele (Fugger) pensava diferente e procurava ganhar dinheiro enquanto pudesse”; o
espírito dessa colocação é evidentemente bem diferente das de Franklin. Aquilo que no
caso de Franklin foi uma expressão de audácia comercial e uma inclinação pessoal
moralmente neutra assume nesse outro o caráter ético de uma regra de conduta de vida. O
conceito de espírito do capitalismo é usado aqui no sentido específico de espírito do
capitalismo moderno.” (p. 25).

“Pelo modo como estamos colocando o problema, é obvio que estamos nos referindo ao
capitalismo da Europa Ocidental e da América do Norte. O capitalismo existiu na China, na
índia, na Babilônia no mundo clássico e na Idade Média. Mas em todos esses casos, como
veremos, o ethos particular faltou. Ora, todas as atitudes de Franklin são coloridas de
utilitarismo [...] De acordo com Franklin, tais virtudes, assim com ás demais, só são
virtudes a medida em que são úteis ao indivíduo, é a substituição pela mera aparência é
sempre suficiente desde que atinja o fim desejado. E esta é a conclusão inevitável do
utilitarismo estrito.” (p. 25).

“O homem é dominado pela geração de dinheiro, pela aquisição como propósito final da
vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como um meio para a
satisfação de suas necessidades materiais. Essa inversão daquilo que chamamos de relação
natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio guia do
capitalismo, tanto quanto soa estranha para todas as pessoas que não estão sob a influência
capitalista. Ela expressa ao mesmo tempo um tipo de sentimento que está intimamente
ligado com certas idéias religiosas [...] ). O ganho de dinheiro na moderna ordem
econômica é, desde que feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da
eficiência em certo caminho; e essas eficiência e virtude são, como agora se tornou fácil de
ver, o alfa e o ômega da verdadeira ética de Franklin [...].” (p. 26).

“É uma obrigação que se supõe que o indivíduo sinta, e desato sente, em relação ao
conteúdo de sua atividade profissional, não importa qual seja, particularmente se ela se
manifesta como uma utilização de suas capacidades pessoais ou apenas de suas posses
materiais (capital).” (p. 26).

“Naturalmente, essa concepção não se manifestou apenas sob as condições capitalistas [...]
A economia capitalista moderna é um imenso cosmos no qual o indivíduo nasce, e que se
lhe afigura, ao menos como indivíduo, como uma ordem de coisas inalterável, na qual ele
tem de viver. Ela força o indivíduo, a medida que esse esteja envolvido no sistema de
relações de mercado, a se conformar às regras de comportamento capitalistas. O fabricante
que se opuser por longo tempo a essas normas será inevitavelmente eliminado do cenário
econômico, tanto quanto um trabalhador que não possa ou não queira se adaptar às regras,
que será jogado na rua, sem emprego.” (p. 26- 27).

“Assim pois, o capitalismo atual, que veio para dominar a vida econômica, educa e
seleciona os sujeitos de quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do
mais apto.” (p. 27).

“O espírito do capitalismo, no sentido em que usamos o termo, teve de lutar por sua
supremacia contra um mundo inteiro de forças hostis.” (p. 27).

“O predomínio universal da absoluta falta de escrúpulos na ocupação de interesses egoístas


na obtenção do dinheiro tem sido uma característica daqueles países cujo desenvolvimento
burguês capitalista, medido pelos padrões ocidentais, permaneceu atrasado.” (p. 28).

“Como todo empregador sabe, à falta de consciência dos trabalhadores desses países por
exemplo da Itália se comparada com a Alemanha, foi e ainda é em certa medida o principal
obstáculo ao seu desenvolvimento capitalista. O capitalismo não pode se utilizar do
trabalho daqueles que praticam a doutrina da liberum arbitrium indisciplinado [...].” (p.
28).

“Em todos os períodos históricos, sempre que foi possível houve a aquisição cruel,
desligada de qualquer norma ética. Como a guerra e a pirataria, o comércio tem sido,
muitas vezes, irrestrito em suas relações com estrangeiros e com os externos ao grupo. A
dupla ética permitiu o que era proibido negociar entre irmãos.” (p. 28-29).

“A aquisição capitalista aventureira tem sido familiar em todos os tipos de sociedade


econômica que conheceram o comércio com o uso do dinheiro e que ofereciam
oportunidades mediante comenda, exploração de impostos, empréstimos de Estado,
financiamento de guerras, cortes ducais e cargos públicos. Do mesmo modo, a atitude
interior do aventureiro, que zomba de qualquer limitação ética, tem sido universal. A
implacabilidade absoluta e voluntária na aquisição tem muitas vezes estado estritamente
ligada à mais rígida conformidade com a tradição [...] . Isto não tem sido apenas a atitude
normal de todos os ensinamentos éticos mas, o que é mais importante, expresso também na
ação prática do homem médio dos tempos pré-capitalistas, pré capitalistas no sentido de
que a utilização racional do capital em empresas estáveis e a organização racional
capitalista do trabalho não há viam ainda se tornado as forças dominantes na determinação
da atividade econômica. Ora foi justa mente essa atitude que constituiu um dos mais fortes
obstáculos internos encontrados por toda parte pela adaptação do homem às condições de
uma economia burguesa capitalista ordenada.” (p. 29).

“O mais importante oponente contra o qual o espírito do capitalismo, entendido como um


padrão de vida definido e que clama por sanções éticas, teve de lutar, foi esse tipo de
atitude e reação contra as novas situações, que poderemos designar como tradicionalismo.
Também nesse caso, qualquer tentativa de definição final deve ser mantida em suspenso.”
(p. 29).

“A oportunidade de ganhar mais foi menos atraente do que trabalhar menos. Ele não se
perguntava: quanto poderia ganhar em um dia se eu fizesse o maior trabalho possível? Em
vez disso, perguntava se: quanto devo trabalhar para ganhar o salário,de 2,5 marcos que eu
ganhava antes e que bastava para as minhas necessidades tradicionais?.” (p. 30).

“Este é um exemplo do que queremos significar aqui por tradicionalismo. O homem não
deseja “naturalmente” ganhar mais e mais dinheiro, mas viver simplesmente como foi
acostumado a viver e ganhar o necessário para isso. Onde quer que o capitalismo moderno
tenha começado sua ação de aumentar a produtividade do trabalho humano aumentando
sua intensidade, tem encontrado a teimosíssima resistência desse traço orientador do
trabalho pré-capitalista. E ainda hoje a encontra, e por mais atrasadas que sejam as forças
de trabalho (do ponto de vista capitalista) com que tenha de lidar.” (p. 30).
“Obviamente, um excesso de mão de obra que possa ser empregada a baixo preço no
mercado de trabalho é uma necessidade para o desenvolvimento do capitalismo. Mas,
embora tão grande exército de reserva possa em certos casos favorecer a expansão
quantitativa, ele desafia seu desenvolvimento qualitativo, especialmente para as empresas
que fazem uso mais intensivo do trabalho. Baixos salários não são sinônimo de trabalho
barato. De um ponto de vista puramente quantitativo, a eficiência do trabalho diminui com
um salário que seja fisiologicamente insuficiente, que, a longo prazo, signifique a
sobrevivência da inépcia.” (p. 31).

“O capitalismo de hoje, por estar em posição de comando, pode recrutar suas forças de
trabalho com certa facilidade. No passado, sempre foi um problema extremamente difícil. E
mesmo hoje provavelmente não o conseguiria, não fosse o apoio de um poderoso aliado
que, como veremos, já estava a seu lado no tempo de seu desenvolvimento.” (p. 31).

“Isto fornece o fundamento mais favorável para a concepção do trabalho como um fim em
si mesmo, como uma vocação necessária ao capitalismo: as oportunidades de superar o
tradicionalismo são maiores por conta da formação religiosa. Essa observação do
capitalismo atual sugere por si mesma a validade da indagação de como essa conexão entre
adaptabilidade ao capitalismo e fatores religiosos possa ter surgido nos momentos iniciais
de seu desenvolvimento.” (p. 32).

“Certamente, a forma capitalista de uma empresa e o espírito pelo qual ela se guia estão
geralmente em uma relação de adequação, sem ser necessariamente interdependentes.
Apesar disso, usamos provisoriamente a expressão do espírito do capitalismo (moderno)
para designar a atitude que busca o lucro racional e sistematicamente, da maneira que
ilustramos com o exemplo de Benjamin Franklin. Isso, contudo, se justifica pelo fato
histórico de que aquela atitude mental tenha, de um lado, encontrado sua mais apropriada
expressão na empresa capitalista e, por outro lado, essa tenha derivado do espírito do
capitalismo sua força motivadora mais adequada.” (p. 33).

“Mas se considerarmos o espírito que animava o empresário, tratava se de um negócio


tradicionalista: tradicional o modo de vida, tradicional a margem de lucro, tradicional a
quantidade de trabalho, tradicional o modo de regular as relações com o trabalho e o
essencialmente tradicional círculo de clientes e modo de atrair novos. Tudo isso dominava
a conduta do negócio e, diríamos, estava na base do ethos desse grupo de homens de
negócio.” (p. 35).
“A questão das forças que motivaram a expansão do moderno capitalismo não é, em
primeira instância, uma questão sobre a origem dos montantes de capital disponibilizado
para os usos capitalísticos mas, bem acima disso, a origem do espírito do capitalismo. O
ponto em que ele se manifesta é capaz de trabalhar para si mesmo, produzir seu próprio
capital e suprimento monetário para os próprios fins, mas o inverso não é verdade .z Sua
entrada em cena, em geral não é pacífica. Uma maré de desconfiança, por vezes de ódio, e
sobretudo de indignação moral geralmente se opõe ao primeiro inovador.” (p. 35-36).

“. A capacidade de se livrar da tradição comum, um tipo de Iluminismo liberal, parece ser a


base mais adequada para o sucesso de tal homem de negócios. E nos dias atuais, costuma
ser exatamente esse o caso. Qualquer relação entre crenças religiosas e a conduta é em
geral ausente e, quando existe pelo menos na Alemanha, ela tende a ser negativa. As
pessoas imbuídas do espírito do capitalismo tendem, hoje, a ser indiferentes, se não hostis,
à Igreja. A idéia de beata monotonia do paraíso exerce pouca atração sobre sua natureza
ativa; a religião se lhes apresenta como um meio para afastar as pessoas do trabalho neste
mundo.” (p. 36).

“No presente, sob as nossas instituições econômicas, legais e de política individualista, com
as normas de organização e estrutura geral peculiares à nossa ordem econômica, o espírito
do capitalismo tornou se compreensível, com já s disse, puramente como resultado da
adaptação. O sistema capitalista precisa tanto dessa devoção à vocação para fazer dinheiro,
dessa atitude voltada para os bens materiais tão bem adaptada ao sistema e tão intimamente
ligada às condições de sobrevivência na luta econômica pela existência, que hoje não mais
podemos questionar a necessidade de conexão do modo de vida aquisitivo com qualquer
Weltanschauung isolada. De fato, não é mais necessário o suporte de qualquer força
religiosa, e percebe se que as tentativas da religião de influenciar a vida econômica, o tanto
que ainda pode ser sentida, é uma interferência injustificada, tanto quanto uma
regulamentação por parte do Estado. Sob tais circunstâncias, o interesse social e comercial
dos homens tende a determinar suas opiniões e atitudes.” (p. 38).

“Qual seria pois o arcabouço ideológico que poderíamos apontar para o tipo de atividade
aparentemente direcionadas para o lucro em si, como uma vocação para com a qual o
indivíduo sinta uma obrigação ética ? Pois que foi este tipo de idéias que determinou o
modo de vida dos novos empreendedores, seus fundamentos éticos e justificativas.” (p. 40).

“Foram feitas tentativas, particularmente por Sombart, onde encontramos freqüentemente


observações efetivas e judiciosas para descrever o racionalismo econômico como o aspecto
mais notável da vida econômica atual como um todo [...] Atualmente, esse processo de
racionalização no campo da organização econômica e técnica, sem dúvida determina uma
boa parte dos ideais de vida da sociedade burguesa moderna. Trabalhar a serviço de uma
organização racional para suprir a humanidade de bens materiais certamente sempre
representou para o espírito capitalista um dos mais importantes propósitos da vida
profissional.” (p. 40).

“Porém já nos convencemos de este não é absolutamente o solo em que a relação do


homem com sua vocação como obrigação, que é necessária ao capitalismo, tenha
preeminentemente se desenvolvido. De fato, podemos – e esta simples proposição muitas
vezes esquecida poderia ser posta no início de qualquer estudo que tente lidar com o
racionalismo – racionalizar a vida a partir de pontos de vista fundamentalmente diferentes e
em direções muito diferentes. O racionalismo é um conceito histórico que envolve todo um
mundo de coisas diferentes.” (p. 41).

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