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A categoria social juventude, tal como conhecemos hoje, é uma construção

histórica, social e cultural. No livro De Geração a Geração, S.N. Eisenstadt analisa


vários fenômenos sociais conhecidos como “grupos etários e movimentos juvenis”,
observando a possibilidade de especificar as condições sociais que lhes dão origem e
suas ocorrências em várias sociedades diferentes. O objetivo é comparar como cada
uma constrói suas categorias sociais. O autor inicia o livro abordando a relação entre os
grupos etários e a estrutura social, apresentando o contexto geral deste modo:

A idade e as diferenças etárias estão entre os mais básicos e cruciais


aspectos da vida humana e determinantes do destino humano. Durante
sua vida, todo ser humano passa por diferentes fases etárias e, em cada
uma adquire e usa diferentes capacidades biológicas e intelectuais.
Cada fase, nesta progressão, constitui um passo irreversível no
desenrolar de sua vida, desde o começo até o seu final.
(EISENSTADT, 1964, p.1)

Durante o processo de crescimento o individuo vai assumindo papeis diferentes


em fases categorizadas. Este processo ocorre em relação com os outros membros da
sociedade, havendo uma espécie de marco definidor de uma nova etapa da vida que é
diferente da etapa anterior. O autor exemplifica que o filho se torna pai, o aluno se torna
professor e o jovem se torna velho. O autor realizou um estudo comparativo entre
diferentes sociedades, buscou semelhanças e diferenças, e constatou que os processos
biológicos básicos são em sua maioria semelhantes e que todas elas defrontam-se com
os problemas decorrentes do fenômeno idade. O que varia, segundo ele, são as
definições culturais:

É importante observar que, em todas as sociedades humanas, este


processo biológico de transição através das diferentes fases etárias, o
processo de crescimento e envelhecimento, está sujeito a definições
culturais. Ele torna-se uma base para a definição dos seres humanos,
para a formação de atividades e relacionamentos mútuos e para as
diferentes atribuições dos papéis sociais. (EISENSTADT, 1964, p.1)

Eisenstadt responde que a natureza geral das características básicas dos grupos
etários é que um “grupo etário” é definido em termos amplos como um “tipo humano”
geral, e não como qualquer traço ou papel especifico. Por exemplo, os jovens, muitas
vezes, são descritos como vigorosos e guerreiros, enquanto os mais velhos são
considerados “sábios anciões”. Por mais explicitas que essas formulações sejam, sempre
envolvem uma avaliação do significado e da importância de uma idade para o indivíduo
e para a sociedade, dando, assim, uma conotação ideológica à definição. Outro ponto
importante para as sociedades é estabelecer as condições para a perpetuação de sua
própria estrutura, normas e valores. Os indivíduos desempenham determinados papéis
em momentos específicos de suas vidas e devem garantir certo grau de continuidade
social. A transmissão de papéis é importante para a sucessão de gerações.

A temática da juventude como conhecemos hoje consiste em um tema recente


na história. Para compreender seu status atual é necessário buscar antecedentes
históricos, os quais remontam ao século XIX, período em que as revoluções industriais
e burguesas já haviam acontecido, e em que a Europa era movida pelos
desenvolvimentos científicos. O declínio do período medieval trouxe muitas perguntas
ao velho continente, e a iminência de um mundo novo pairava no imaginário social da
época, fazendo com que filósofos, pensadores e cientistas trouxessem respostas que
exigiam a criação de novas instituições. Os franceses buscaram entender seu passado
por meio da História e perceberam a importância de sistematizar e criar disciplinas para
explicar o mundo, a democratização da palavra escrita exigia a criação de métodos de
ensino que traduzissem fonética em grafia. Essa nova sociedade em vigor exigia novos
valores. A escola, tal como conhecemos hoje, e o valor atribuído à educação ganharam
força no século XIX e se consolidaram no século XX, atuando principalmente na
categoria jovem.

Para entender melhor o processo de formação dessa categoria, Philippe Aries


(1981), no livro História Social da Família e da Criança, argumenta que os valores
atribuídos as etapas da vida que conhecemos hoje como infância, adolescência e
juventude, surgiram na modernidade para se adequar às mudanças que estavam
ocorrendo no mundo. A primeira transformação ocorreu na infância. Moralmente, as
crianças eram comparadas aos anjos, puras, celestes e sem pecado, desta maneira
deveriam ser tuteladas e protegidas. A transformação dos meios dos meios de produção
alterou a separação entre adultos e crianças, e a fase de transição para a vida adulta em
si passou a ser cada vez mais categorizada, atribuindo a fase de transição novos valores
que se diferenciavam do mundo infantil relacionado ao lúdico e a inocência e ao mundo
adulto do trabalho e da responsabilidade.

Segundo o autor, a escola e o colégio durante o período da Idade Média eram


reservados a um pequeno número de clérigos e misturavam diferentes idades dentro de
um espírito de liberdade de costumes, se tornaram, no inicio dos tempos modernos, um
meio de isolar cada vez mais as crianças. O progresso da infância na mentalidade
comum pode ser entendido a partir da história da educação. A escola se tornaria o
ambiente formal de aprendizado e a criança, que antes experimentava a vida junto dos
adultos, passa a se desenvolver socialmente e moralmente na família e na escola, estes
movimentos de reorganização ocorreram inicialmente nas classes aristocráticas e
burguesas. Nas sociedades modernas, a separação social por idades se deu no
aprimoramento das escolas e colégios, afastando crianças e jovens do convívio com os
adultos e sujeitando-os a uma relação hierárquica e em condição de inferioridade. O
mundo adulto é separado e criado com leis e disciplinas próprias.

O ensino do mestre foi adaptado ao nível do aluno, e os critérios seguiam


segundo idade e desenvolvimento. O processo de ensino fragmentou o conhecimento
para que se tornasse gradativo e cumulativo, assim, conforme o aluno ia crescendo, o
aprendizado se complexificava proporcionalmente. Os métodos medievais usados eram
simultaneidade e repetição. Com o passar do tempo, foi se conscientizando sobre as
particularidades da infância e da juventude e, por isso, essa nova formação e separação
por idades e disciplinas, exigia a construção de novos métodos.

Ao longo do século XX categoria juventude ganhou novos significados. O


jovem se tornou um importante mercado consumidor e passou a ocupar um papel de
destaque nos importantes acontecimentos daquele século. A expansão do mass mídia foi
um fator preponderante para a juventude e traz importantes questionamentos que
permeiam o mundo de hoje. Porém é importante contextualizar a juventude brasileira
nesse processo e entender suas particularidades.

Juventudes Brasileiras

A juventude brasileira possui complexidades em virtude de seu contexto


histórico, porém muitos valores que são atribuídos a essa fase reverberam no imaginário
social. A discussão sobre a temática ganhou força na década de oitenta e foi pensada
como parte importante do processo de redemocratização. A fase da juventude como
época de experiências e descobertas se restringia as classes abastadas, os jovens pobres
iniciam a vida adulta cedo devido as condições materiais a que estão sujeitos. Deste
modo, durante todo o final do século XX, movimentos sociais saíram em defesa dos
direitos da criança e do adolescente resultando na criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), no ano de 1990. Esse documento reconhecia crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos e provocou uma série de debates, discussões e
programas voltados para estes segmentos, atuando principalmente para os que eram
considerados em vulnerabilidade social.

Regina Novaes, em Os jovens de hoje: Contextos, Diferenças e Trajetórias


(2006), disserta sobre as diferenças e semelhanças entre os jovens brasileiros. As
questões pertinentes a serem consideradas passam pelos campos políticos e econômicos,
além do conflito geracional. Na impossibilidade de uma demarcação fixa de idade, o
fator mais evidente de desigualdade é a classe social, que, segundo Novaes, se explicita
claramente na vivência escola/trabalho. Além disso, gênero e raça são fatores que
devem ser levados em 31 consideração, porque faz toda a diferença nas possibilidades
de viver a juventude se o sujeito for mulher, negra e pobre ou homem, branco e pobre.
O local de moradia e as disparidades regionais também devem ser levadas em
consideração. Ser jovem no campo ou na cidade, ser jovem nas cidades grandes e
pequenas devem ser características consideradas importantes nas análises da condição
juvenil.

Sendo a juventude uma fase de “preparação” para a entrada do mundo adulto, os


fatores abordados acima se tornam relevantes quando o jovem é tomado como símbolo
de futuro. No Brasil, muitos jovens não têm direito a escolher seu futuro. Deste modo, a
escola é apontada como uma instituição confiável para os jovens por ser um importante
espaço de socialização com indivíduos em idade semelhante, porém na realidade das
classes baixas, o trabalho aparece de forma cada vez mais precoce impedindo que estes
se dediquem plenamente ao estudo, considerando que a escola funciona como uma
marca de distinção e exclusão, estes jovens acabam excluídos de diversas oportunidades
que exigem alta qualificação formal, deste modo, acabam afetando as expectativas de
mobilidade social, interferindo em suas possibilidades de projeção de futuro.

Essa problemática se apresenta nas formas de viver a juventude, pois jovens de


classe alta e média vivem essa etapa como fase de descobertas, experimentações e tem o
privilegio de pensar sobre sua própria condição juvenil. Numa sociedade que valoriza
dinheiro e status, o acesso e consumo de bens materiais demarcam identidades juvenis.
Essa questão influencia diretamente práticas culturais e artísticas de jovens por que
condições econômicas influenciam o acesso a bens culturais, equipamentos multimídia,
possibilitando a produção de narrativas e subjetividades.

Outro componente que faz parte da experiência dessa geração é a inserção das
tecnologias digitais. A internet ampliou e diluiu fronteiras, que antes eram limitadas
pelos espaços físicos. Pensar em juventude brasileira implica pensar gênero e violência,
os homicídios são uma das principais causas de morte de jovens entre 15 e 29 anos e
atingem especialmente os jovens negros moradores das periferias. A relação entre
masculinidade e violência vem ganhando cada vez mais destaque nas discussões do
Brasil contemporâneo, a pauta da redução da maioridade penal para 16 anos vem sendo
debatidas, a questão do tráfico e das drogas tornam-se fatores decisivos na realidade de
muitos jovens.

Deste modo, é possível estabelecer relações entre práticas culturais e artísticas e


o direito de ser jovem, que pensa sobre sua própria condição e a partir dela produz
representações sobre si mesmo. Essa situação se torna ainda mais evidente dado que
enquanto a uns é dado o direito de viver essa fase como uma busca para o auto
descobrimento, outros mal conseguem sair da posição de inferioridade devido a sua
posição na estrutura social.

Juventude, Ancestralidade e Pesca: Uma relação entre tradição e geração

A juventude pesqueira ainda é um tema pouco explorado nas ciências sociais.


Considerando que a produção artesanal é caracterizada como pelo trabalho familiar
cujos conhecimentos empíricos são passados de geração em geração, os filhos dos
pescadores são importantes para a continuidade desse importante trabalho. Geraldo
Timóteo, em seu artigo Trabalho e Trajetória Profissional do Censo Pescarte 2016: um
Olhar sobre a Formação do Trabalhador da Pesca Artesanal do Norte Fluminense
disserta sobre a importância de se conhecer as regras que envolvem o mundo da pesca e
que esta atividade é resultante de um longo processo que se inicia no meio familiar.
Segundo Geraldo, além de ser uma atividade econômica que contribuiu para os
rendimentos da família é também o reconhecimento de um meio de vida. Segundo
Timóteo:

Uma forma singular de estar em sociedade é o compartilhamento de


segredos da pesca, informações que só são repassadas para aqueles em
quem se confia. São informações sobre pesqueiros, rotas de
navegação, trilhas na mata, maneiras corretas de se amarrar a isca e
saber qual a isca para cada peixe, o comportamento de uma espécie e
sua diferença com relação às demais, a melhor maneira de fisgar, o
melhor mergulho, a formação da quadra que permite pescar – a quadra
que envolve o vento, a maré, a cor do mar, a correnteza, as nuvens, a
lua -, por fim, o saber ir e o saber voltar e, acima de tudo, aprender
que a “água não tem cabelo para se segurar”. (TIMOTÉO, P.150)

A formação de um aprendiz de pescador, contada em anos, não tem fim. Isso por
que é preciso considerar as mudanças climáticas, ausência de espécies e a busca por
novas o que faz que o processo de aprendizagem seja sempre constante. Entretanto,
apesar de ser uma aprendizagem familiar, o Censo Pescarte apontou para uma
problemática ainda pouco explorada pelo projeto que é o fato de que pais e mães não
querem que seus filhos sejam pescadores. 80% dos entrevistados disseram não querer
que seus filho(a)s sigam o mesmo percurso de vida, os motivos vão da baixa renda não
permitir um futuro promissor e que a aprendizagem da pesca quando embarcado rompe
com o abrigo da casa e aponta os riscos que a vida no mar oferece.

O artigo: Os “Nem Nem” na População de Pescadores Artesanais dos


Municípios Confrontantes à Bacia de Campos, aponta, de acordo com o Censo Pescarte,
que entre os jovens de 15 e 29 anos de idade, há 524 individuos que nem freqüentam a
escola e nem estão no mercado de trabalho, o que representa 23% dos indivíduos nessa
faixa etária. Deste modo é possível fazer importantes questionamentos sobre os
interesses desses jovens, seus anseios para o futuro, seus sonhos e frustrações, por isso o
intuito do projeto é se debruçar sobre o real significado da população jovem nem estar
no mercado formal de trabalho nem estar nas salas de aula.

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