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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Curso de Serviço Social

Larissa Rosa de Lima

VELHICE E TERCEIRA IDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Belo Horizonte
2021
Larissa Rosa de Lima

VELHICE E TERCEIRA IDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Trabalho apresentado à Disciplina Política


Social do Idoso do Curso de Serviço Social da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Orientadora: Profª Drª Fernanda Flaviana de
Souza Martins

Belo Horizonte
2021
VELHICE E TERCEIRA IDADE: CONSTRUÇÕES SOCIAIS

A partir da leitura do artigo “ Da velhice à terceira idade: o percurso histórico das


identidades atreladas ao processo de envelhecimento” de Luna Rodrigues Freitas
Silva (2008), pode-se compreender, primeiramente, que as noções de “velho” e de
pessoa da “terceira idade” não são categorias dadas naturalmente e de modo
atemporal na história humana, mas sim construções sociais provenientes de
determinações socio-históricas específicas que fazem emergir esse constructo
simbólico e inclusive ideológico que condiz com as necessidades e o contexto das
práxis sociais vigentes. Sendo assim, entende-se que as categorias demográficas
não foram sempre as mesmas em todos os períodos históricos e em todas as
sociedades, e, portanto, o ser “criança”, o ser “adulto” e o ser “velho”, apesar de
sustentados em distinções biológicas materiais, são carregados de um aspecto
simbólico trazido pelos significados culturais do que é estar em cada um desses
estágios biológicos a depender de cada sociedade. Dentro dessa compreensão, a
autora se propõe a analisar as categorias “velhice” e “terceira idade” enquanto
categorias identitárias atreladas ao processo de envelhecimento.

Voltando-se para a modernidade, a autora demonstra que a divisão


demarcada dos estágios etários humanos é um fenômeno moderno e que o
surgimento das noções de velhice e terceira idade é resultado de um processo
complexo que engloba a totalidade da vida social (economia, política, hábitos...) e
as transformações ocorridas ao longo desse cenário. Mais especificamente,
observa-se que é durante o século XIX que “surgem, gradativamente,
diferenciações entre as idades e especialização de funções, hábitos e espaços
relacionados a cada grupo etário” (SILVA, 2008, p.156), no contexto de formação da
sociedade capitalista industrial e do modelo burguês de família. Assim, a partir do
século XX

[…] pôde-se observar maior uniformidade no interior dos grupos etários,


marcação razoavelmente precisa da transição entre diferentes idades e
institucionalização de ritos de passagem, como o ingresso na escola e na
universidade e a aposentadoria (Hareven, 1995 apud SILVA, 2008, p.157)

Segue-se a tal processo de institucionalização e demarcação dos estágios etários,


um cenário no qual cada vez mais os indivíduos modernos contam com essas
noções para a construção de suas identidades:

De fato, ser criança, adolescente ou adulto constitui grande parte da


identidade dos sujeitos modernos. A crescente institucionalização das
etapas da vida e o processo de identificação dos sujeitos com as categorias
etárias atingiram praticamente todas as esferas da vida social, fazendo-se
presentes no espaço familiar, no domínio do trabalho, nas instituições do
Estado, no mercado de consumo e nas esferas de intimidade. (SILVA,
2008, p.157)

As sociedades modernas capitalistas e industrializadas passam a considerar


a idade cronológica para fins de distinção social, na medida em que a capacidade
laboral/produtiva dos sujeitos está intrinsecamente ligada a um estágio etário
específico, sendo geralmente o estágio adulto, que seria o momento em que os
indivíduos estão mais aptos a produzir mais e melhor (ainda que o trabalho de
crianças também seja historicamente explorado). Nesse contexto, a velhice aparece
como o período da invalidez, da improdutividade.

A autora aponta que dois fatores são fundamentais na construção da noção


de velhice: os saberes médicos da geriatria e o desenvolvimento das políticas de
aposentadoria. Com o nascimento do saber médico voltado para a velhice, este
período começa a ser entendido como algo de patológico e degenerativo. Entram
então em cena as reivindicações populares pela institucionalização da
aposentadoria, enquanto resposta dada às modificações e aos problemas sociais
surgidos ao longo dos séculos XIX e XX.

As campanhas pelos direitos à aposentadoria utilizaram intensamente as


definições depreciativas da velhice oriundas do discurso geriátrico,
tomando-as como estratégia para reivindicar a instalação de políticas de
atenção à velhice. O discurso gerontológico também estava implicado com
o processo de institucionalização das aposentadorias e contribuiu para a
ampliação do debate sobre os direitos dos aposentados com a inclusão de
aspectos sociais, psicológicos e culturais no rol das reivindicações políticas.
(SILVA,2008, p.160)
Mas esse processo foi dotado de uma contradição muito interessante,
porquanto trouxe a emergência de duas situações e percepções inovadoras que se
contrapõem e sem completam: a ideia do idoso enquanto velho, inválido e incapaz
que precisa da proteção social e a identidade da pessoa idosa politizada que luta
por seus direitos utilizando-se do status de “idoso”.

Assim, foi sendo construída uma identidade por meio da qual os sujeitos
idosos expressavam seus anseios e aspirações, o que permitiu o desenvolvimento
da noção de “terceira idade” em contraposição à “velhice”, como o anúncio de toda
uma gama de possibilidades para aqueles que antes eram vistos apenas como
sujeitos passivos e doentes. Nesse sentido,

O surgimento da categoria ‘terceira idade’ é considerado, pela literatura


especializada, uma das maiores transformações por que passou a história
da velhice. De fato, a modificação da sensibilidade investida sobre a velhice
acabou gerando uma profunda inversão dos valores a ela atribuídos: antes
entendida como decadência física e invalidez, momento de descanso e
quietude no qual imperavam a solidão e o isolamento afetivo, passa a
significar o momento do lazer, propício à realização pessoal que ficou
incompleta na juventude, à criação de novos hábitos, hobbies e habilidades
e ao cultivo de laços afetivos e amorosos alternativos à família. (SILVA,
2008, p.161)

A autora aponta, assim, 3 hipóteses para o surgimento da terceira idade: “a


generalização e a reorganização dos sistemas de aposentadoria, a substituição dos
termos de tratamento da velhice, o discurso da gerontologia social e os interesses
da cultura do consumo”. (SILVA, 2008, p.162) No que concerne ao consumo,
podemos observar, por exemplo, caixas de aposentadoria que “passaram a
oferecer, além de vantagens financeiras, serviços diferenciados como clubes, férias
programadas, alojamentos especiais, atividades de lazer e grupos de convivência”
(SILVA, 2008, p.162), o que, por sua vez, levava à requisição do “conhecimento de
especialistas de ciências humanas que pudessem identificar e descrever com mais
precisão as condições de vida e os desejos desses sujeitos.” (SILVA, 2008, p.162)

Com efeito, atravessado por questões relativas ao modo de produção e a


práticas de consumo, o desenho do que é ser velho ou alguém da terceira idade é
efetivamente demarcado por uma questão de classe social:
A relação entre o surgimento da noção de terceira idade e as classes
médias é especificamente analisada por Lenoir (mars-avr. 1979), que
considera haver uma identidade nada casual entre as principais
características desse grupo e as imagens que compõe a identidade da
terceira idade. As classes médias acumulam fatores que aceleram o
envelhecimento de seus membros: estão, mais do que qualquer outro
grupo social, predispostas a recorrer ao conhecimento e à intervenção de
especialistas; e cultivam o individualismo e a intimidade psicológica que
favorecem o investimento dos sujeitos em identidades específicas. Essas
características fazem dela o grupo da população mais ‘interessado’ na
invenção da terceira idade. (SILVA, 2008, p.163)

Observa-se, por conseguinte, a dicotomia “velho x terceira idade” enquanto uma


expressão da dicotomia “rico x pobre”, na medida em que os benefícios materiais e
psíquicos trazidos pelos avanços da medicina, da institucionalização da
aposentadoria e do aumento do poder de consumo estão presentes de forma
assimétrica entre os sujeitos idosos da sociedade, dadas as oportunidades distintas
das quais dispõem idosos ricos e pobres na sociedade capitalista.

Assim, podemos pensar as categorias velhice e terceira idade, enquanto


constructos simbólicos desenvolvidos em meio a processos sociais e históricos
determinados, que delimitam a forma como a sociedade capitalista moderna
enxerga os sujeitos idosos.
REFERÊNCIAS

SILVA, Luna Rodrigues Freitas. (2008). “Da velhice à terceira idade: o percurso
histórico das identidades atreladas ao processo de envelhecimento”. História,
Ciências, Saúde-Manguinhos, 15(1), 155-168. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702008000100009>
Acessado em: 07 de setembro de 2021.

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