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CURSO DE EXTENSÃO

Envelhecimento e Políticas Públicas:


refletindo estratégia de direitos da
baixada fluminense do RJ

MATERIAL DE APOIO
O envelhecimento no Brasil: apectos sociais, políticos e
demográficos em análise
Governança, intersetorialidade e participação social na
política pública: o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa Idosa
"Fundo Nacional do Idoso" e as Políticas de Gestão do
Envelhecimento da População Brasileira
Article
ARTIGO
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.258

O envelhecimento no Brasil:
aspectos sociais, políticos e demográficos
em análise
Aging in Brazil: social, political and
demographic aspects under analysis

Silvana Maria Escorsima


https://orcid.org/0000-0002-4240-1692

Resumo: O artigo discute o fenômeno do Abstract: The article discusses the


envelhecimento da sociedade brasileira, a phenomenon of the aging of Brazilian
partir das relações antagônicas das classes society, based on the antagonistic relations
sociais no capitalismo. Situa a dependência of social classes in capitalism. It situates
da classe trabalhadora às políticas públicas the dependence of the working class on
e sociais no envelhecimento. A revisão bi- public and social policies in aging. The
bliográfica referencia a legislação de prote- bibliographic review references the social
ção social e analisa os dados sociodemográ- protection legislation and analyzes the
ficos. O acesso a essas políticas possibilitou socio-demographic data. Access to these
a melhoria nas condições de vida dos idosos, policies made it possible to improve the
tendência que se reverteu a partir da con- living conditions of the elderly, a trend that
trarreforma neoliberal do Estado. was reversed from the neoliberal counter-
reform of the State.
Palavras-chave: Idosos. Proteção Social. Da- Keywords: Seniors. Social Protection. Socio-
dos Sociodemográficos. demographic Data.

Universidade Federal do Paraná (UFPR) — Setor Litoral, Matinhos/PR, Brasil.


a

Recebido: 12/4/2021    Aprovado: 15/6/21

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021 427
Escorsim, S.M.

Introdução

O
debate sobre o envelhecimento populacional segue duas grandes
vertentes: a primeira considera os avanços científicos e tecnoló-
gicos que ampliam a longevidade dentro de um processo natural
do ciclo de vida; e uma segunda que o situa nos marcos dos contextos
sócio-históricos, políticos e econômicos das sociedades analisadas e,
desse modo, desnaturaliza-se a ideia de que o envelhecimento ocorre
de modo linear e homogêneo. Este artigo pauta a análise desse fenô-
meno social a partir da segunda vertente. Ainda mais, considera que o
processo de envelhecimento polariza-se nas relações de classe, ou seja,
o envelhecimento da classe trabalhadora é profundamente desigual ao
da classe burguesa, em se tratando de uma sociedade capitalista, como
é o caso brasileiro.
Admitindo-se que a propriedade privada dos meios de produção
constitui o marco divisor entre os membros da sociedade em dois gru-
pos fundamentais, ou seja, proprietários e não proprietários dos meios
de produção, esta condição é estruturante das classes sociais, cujos
interesses passam a ser imediatamente antagônicos. Considerando-se
que as relações de produção/reprodução são constitutivas da sociedade,
necessárias para a manutenção da vida, também, faz-se necessária a
existência de um conjunto de instituições sociais, de ideias e sociabili-
dades que lhes deem significado e sustentação ideopolítica na estrutura
social capitalista, a qual resulta dessas relações.
Em sua obra, Marx e Engels (2010) identificaram nas sociedades in-
dustriais capitalistas o surgimento de uma classe burguesa1 proprietária
dos meios de produção. O capital investido por ela é valorizado mediante
a extração de um sobretrabalho não pago aos trabalhadores, os quais
são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver, visto ser

Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de pro-
1

dução social que empregam o trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos assalariados
modernos que, não tendo os meios próprios de produção, são obrigados a vender sua força de
trabalho para sobreviver (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888) (Marx; Engels, 2010, p. 40).

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O envelhecimento no Brasil

a única riqueza que possuem. Estabeleceu-se, desde então, uma antagô-


nica relação entre as classes. “A história de todas as sociedades até hoje
existentes é a história das lutas de classes” (Marx; Engels, 2010, p. 40).
Na contemporaneidade, Antunes (2001) cunha a expressão classe-
-que-vive-do-trabalho, no sentido de ampliar e enfatizar o atual sentido
da classe trabalhadora como ser social que trabalha. Para o autor, a clas-
se-que-vive-do-trabalho inclui a totalidade daqueles que vendem a sua
força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos
(manuais ou não), visto que deles se extrai diretamente a mais-valia por
sua participação direta no processo de valorização do capital. A expressão
agrega os trabalhadores improdutivos, cujo trabalho é consumido como
valor de uso e não como trabalho que cria valor de troca. Defende que
uma noção contemporânea deve incorporar a totalidade dos trabalhado-
res assalariados, vista a crescente imbricação entre trabalho produtivo
e improdutivo no atual estágio capitalista.

Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno,


part time, o novo proletariado dos McDonald’s, os trabalhadores hifeniza-
dos de que falou Beynon, os trabalhadores terceirizados e precarizados
das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os trabalhadores
assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indi-
retamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados,
expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestrutura-
ção do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase
de expansão do desemprego estrutural (Antunes, 2001, p. 103-104).

É a partir desta tensa e contraditória configuração da vida social


para os trabalhadores que a velhice se situa, como tempo de construir
histórias singulares e histórias universais, cuja situação de classe perpas-
sa a condição de existência, e não permite que seja vislumbrada de modo
uniforme e homogêneo. Existem muitos modos de envelhecer, todavia
enraizados em dois fundamentais, os quais se constituem a partir da
divisão de classe social entre burguesia e proletariado.

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Os levantamentos sociodemográficos sobre o perfil do envelhecimen-


to no Brasil só adquirem inteligibilidade política se explicados a partir
dessas relações de classe, pois é a classe trabalhadora que depende vis-
ceralmente das políticas de trabalho e renda e das políticas de proteção
social, em especial, Saúde, Previdência e Assistência Social. Desse modo,
as condições objetivas e subjetivas (sociabilidades) para envelhecer estão
atreladas ao acesso a que possam ter os trabalhadores frente às políticas
redistributivas, e os resultados das pesquisas demonstram o quanto o
país promove ou não justiça e equidade social no sentido de diminuir as
desigualdades sociais.
O contexto político e econômico incide diretamente no modo como
se vive e como se envelhece. Assim, o presente artigo objetiva analisar
os indicadores do envelhecimento sob o prisma de classe social, funda-
mentalmente, o da classe trabalhadora. Para tanto, o suporte metodo-
lógico bibliográfico utilizou-se dos levantamentos sociodemográficos
das pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
e do arcabouço normativo-jurídico que prescreve a proteção social à
pessoa idosa.

1.  Debates sobre o envelhecimento

Para compreender a velhice é necessário contextualizá-la no marco


das relações sócio-históricas, políticas e econômicas do país, entendendo-
-a como um processo que está envolto em condições objetivas (materiais)
e subjetivas (sociabilidades) para a sua materialização cotidiana.
O processo de envelhecimento extrapola a condição de mero ciclo bio-
lógico condicionado no tempo para ser entendido como fenômeno humano
e social, multifacetado por expressões sociais e múltiplas significações
culturais construídas na sociedade, que só adquirem inteligibilidade
quando pensadas a partir de um determinado modo de produção, neste
caso, o modo de produção capitalista. Nessa direção, é possível entender
o lugar social dos membros de uma sociedade a partir de suas posições

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O envelhecimento no Brasil

diante dos meios de produção fundamentais existentes, calcados na


propriedade privada destes.
Teixeira (2010) problematiza o envelhecimento a partir dos determi-
nantes econômicos, políticos e culturais que forjam a ordem e o tempo
do capital. Desvelar esses determinantes possibilita descortinar que o
envelhecimento do trabalhador tensiona-se numa problemática social,
visto seu pertencimento a uma classe social destituída dos meios de
produção e de renda advinda da riqueza socialmente produzida. A classe
trabalhadora, ao envelhecer, perde o valor de uso para o capital, cuja
lógica de acumulação é estruturalmente geradora das desigualdades
sociais, expressas na pobreza, no desemprego e no aumento da popula-
ção excedente.

Essas desigualdades sociais são reproduzidas e ampliadas no envelhe-


cimento do trabalhador, geralmente, para os trabalhadores pobres, cuja
trajetória foi marcada por piores condições de vida e trabalho, que tiveram
suas necessidades sociais rebaixadas, submetidas a mínimos sociais para
sua sobrevivência e de sua família (Teixeira, 2010 p. 67).

No campo da produção científica sobre o envelhecimento, Bezerra,


Almeida e Therrien (2012) procederam a uma análise sobre as produ-
ções acadêmicas na área da saúde e constaram que os estudos sobre as
consequências do envelhecimento nos países em desenvolvimento eram
escassos e centravam-se nos processos relacionados às condições de
saúde, questões relacionadas às aposentadorias e aos arranjos familiares,
motivados pelo aumento da população acima dos 60 anos.
O estudo das autoras registrou um aumento significativo desta te-
mática nas publicações no período de 2006 a 2009, cujo foco explicativo
centrava-se na transição demográfica registrada nos países em desen-
volvimento, contudo, sem oferecer uma análise sociopolítica e econômica
deste processo. Neste cenário, a aprovação no Brasil do Estatuto do Idoso
(Brasil, 2003a) teria fomentado o interesse nas pesquisas de graduação
e pós-graduação. Os artigos estudados evidenciavam que os serviços de

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saúde seriam pressionados para atender a uma demanda crescente nos


procedimentos diagnósticos e terapêuticos para as doenças crônicas não
transmissíveis e neurodegenerativas. Consequentemente, o atendimento a
essa população exigiria o investimento governamental nos serviços volta-
dos para a reabilitação física e mental (Bezerra; Almeida; Therrien, 2012).
As pesquisas nas áreas da reabilitação dos idosos são necessárias,
contudo, os indicadores epidemiológicos e suas análises, por vezes, são
demonstrados quantitativamente e de modo descontextualizado das
relações sociais estruturais da sociedade que os produziram.
Nos estudos acadêmicos sobre o envelhecimento, não é incomum
que as características evolutivas desse ciclo vital sejam apresentadas
como um processo uniforme que, em tese, explicaria o fenômeno para
toda e qualquer população, sem se considerar as condições objetivas e
subjetivas de existência.2 Estas últimas demarcam as singularidades da
vida social, em particular para a classe trabalhadora, cujo vigor é sub-
traído desde a mais tenra juventude para o provimento da vida, muitas
vezes, de modo precarizado e desprotegido perante as políticas sociais,
haja vista a quantidade de trabalhadores na condição de informalidade
no Brasil. A classe trabalhadora tem sua força de trabalho expropriada
e explorada frente às condições de produção e reprodução social, tendo
como principal substrato o seu tempo de vida.
Nessa direção, a narrativa utilizada em inúmeras propostas de
trabalho social com idosos é o aprendizado para envelhecer com quali-
dade de vida, submetendo-os ao controle de comportamentos adversos
às reais experiências de vida e de subsistência, muitas vezes, relegadas
a mínimos sociais. Estas propostas esvaziam-se de sentido por ocultar
as contradições e os conflitos existentes na ordem do capital, no que se
refere às condições objetivas da classe trabalhadora em ter satisfeitas
as suas necessidades humano-sociais.

Haja vista os discursos sobre o envelhecimento ativo com vista à preservação das capacidades,
2

como endosso para a longevidade com suposta saúde e qualidade de vida (Assis; Avanci, 2010).

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O envelhecimento no Brasil

O significado social sobre o processo de envelhecimento humano


assume diferentes concepções em se tratando de contextos sócio-his-
tóricos e políticos, em sociedades determinadas, como o caso brasileiro.
Nesse sentido, pode-se afirmar que esse processo condiciona-se a partir
de relações sociais que demarcam o valor social que será atribuído a
determinados grupos e segmentos, a partir do lugar ocupado na socie-
dade e do grau de importância no processo produtivo e reprodutivo da
sociedade, tendo em vista o valor de uso para o capital.
Na sociedade capitalista, cujos valores encontram-se amalgamados
nas relações de competitividade, do individualismo, do culto à juven-
tude e à boa forma e, especialmente, na naturalização da desigualdade
social, a velhice simboliza um antagonismo à ideologia dominante.
Esta última advém das concepções burguesas de mundo, acirradas na
contemporaneidade pelas relações econômicas e sociais da sociedade
capitalista madura, que se baseia no efêmero, na transitoriedade de
pessoas e coisas, na intensa acumulação e apropriação privada da ri-
queza socialmente produzida pela classe abastada, num mundo onde
as relações são desumanizadas.
Segundo Haddad (1993), há uma ideologia do envelhecimento para a
qual é atribuído o sentido de “ciclo natural da vida”, porém, descolado do
contexto político, social e econômico vigente, como se as classes sociais
e suas relações antagônicas não interferissem diretamente no processo
de viver e envelhecer. Esta visão naturalizadora da velhice ignora a di-
visão de classes, que implica as condições objetivas de existência destas
e colocam-se como determinantes para as experiências cotidianas e na
construção da história de grupos e coletivos.
Isso se traduz no modo como se vive e se envelhece, pois, depen-
dendo das condições econômico-sociais, pode haver uma intensificação
do processo de penúria das condições objetivas e subjetivas de vida ou
interrupção prematura da existência devido às iniquidades sociais, tais
como a miséria, a pobreza, a fome, as doenças, a negligência familiar e o
abandono social. Falar de envelhecimento pressupõe descortinar que há

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maneiras diferentes de viver e de morrer, que não se envelhece de um único


modo (Haddad, 1993), visto que não há homogeneidade neste processo.
O envelhecimento reflete o modo como se viveu da infância à vida
adulta. Se as condições objetivas e subjetivas de vida possibilitaram su-
prir as necessidades físicas, psíquicas e sociais de indivíduos e grupos,
certamente, estes conseguirão alcançar maior longevidade, a qual pode
ser desfrutada com mais saúde e satisfação pessoal. Contudo, o inverso
é verdadeiro, na insuficiência de atendimento às condições essenciais à
vida, a condição de penúria acentua o sofrimento físico e psíquico, o que
pode resultar na interrupção prematura da existência.

2.  A proteção legal para a pessoa idosa

No Brasil, estima-se que a população idosa tenha alcançado a mar-


ca de 30,2 milhões de pessoas (IBGE, 2017). Isso representa um avanço
social em termos do aumento da expectativa de vida e expressa uma
significativa melhoria nas condições de vida desse segmento social,
ainda que as desigualdades sociais existentes nas diferentes regiões
brasileiras, os preconceitos e as discriminações persistam nas esferas
públicas e privadas. Apesar disso, os idosos conquistaram mais espaços
sociais e políticos, e contribuem com o desenvolvimento econômico e
cultural do país.
Essas conquistas sociais não se deram ao acaso, elas foram frutos
das intensas lutas históricas que os trabalhadores engendraram em seu
percurso de vida e conquistaram a partir de sua vocalização nos espaços
políticos, seja no campo dos direitos humanos, seja nos direitos sociais
e políticos. Em países cuja história das lutas sociais dos trabalhadores
alcançou estágios mais avançados na sua organização, a questão do
envelhecimento conquistou pauta na agenda estatal nos últimos três
decênios do século passado.
Internacionalmente, o debate sobre o envelhecimento ganhou des-
taque na I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento organizada

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O envelhecimento no Brasil

pela Organização das Nações Unidas em 1982 (Brasil,2003b). Nesse


encontro, definiu-se que a velhice teria como marco 65 anos nos países
desenvolvidos e 60 nos países em desenvolvimento. A expectativa de vida
passou a ser considerada um dos indicadores que demonstram índices
de desigualdade entre países.
A II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida em Madri
em 2002 (Brasil, 2003b), constatou o acelerado crescimento no número
de idosos no mundo, em particular nos países em desenvolvimento, e
concluiu pelo necessário protagonismo desse segmento junto às ações
governamentais, decorrentes da responsabilidade estatal frente às polí-
ticas públicas, que resultem no desenvolvimento dos países.
O marco legal para o reconhecimento da cidadania e dos direitos
sociais no Brasil é a Carta Constitucional de 1988 (Brasil, 1988). Na Car-
ta Magna, ratificou-se a garantia dos direitos sociais a esse segmento
populacional no capítulo da Seguridade Social, no que diz respeito à
expansão da rede de proteção, reconhecendo a Assistência Social como
política integrante da proteção social, porém, esta só seria regulamentada
após dois anos.
Foi através das legislações infraconstitucionais que a pessoa idosa
conquistou paulatinamente destaque e obteve o reconhecimento efetivo
de seus direitos sociais. Com a promulgação da Lei Orgânica da Assis-
tência Social (Brasil, 1990), a LOAS em seu artigo 2o previu o Benefício
de Prestação Continuada e, neste, o idoso em situação de pobreza que
comprove a incapacidade para prover a sua subsistência obteve o direito
de receber o benefício assistencial no valor de um salário mínimo.
A Política Nacional do Idoso (Brasil,1994) constitui-se na primeira
legislação específica para esse segmento social no Brasil. Com ela, a
população idosa obteve a prescrição de seus direitos sociais, no sentido
da promoção de sua autonomia e participação social (Brasil, 2014). Após
cinco anos, a Política de Saúde estabeleceu a prevenção e a promoção
da saúde por intermédio de atendimento multidisciplinar às demandas
dessa população a partir do pacto pela vida, com destaque para o idoso,

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a princípio pela Portaria Ministerial n. 1.395/99 (Brasil, 1999) e depois


instituindo a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Brasil, 2006).
Outra conquista de significativa relevância social efetivou-se na
promulgação do Estatuto do Idoso (Brasil, 2003a), o qual ratificou direitos
já firmados por outras políticas públicas. A inovação trazida pelo Estatuto
deu-se na garantia do atendimento prioritário na saúde e na assistência
social, assim como na necessidade de programas educacionais que pu-
dessem promover a autonomia dos seus assegurados. Outro aspecto a
ser destacado diz respeito à questão da violência sofrida pelos idosos, a
qual comparece destacada nos artigos 2o e 3o da Lei, cujo entendimento
a circunscreve no campo da violação dos direitos e, assim, prescreve
sanções aos transgressores (Brasil, 2014).
Todo esse arcabouço jurídico-normativo tem a função de amparar,
proteger e promover o acesso e a garantia da população idosa a serviços
e benefícios das políticas públicas, como também reconhecer suas plenas
capacidades sociopolíticas, ratificando-as como direitos de cidadania.

3. O cenário sociodemográfico do envelhecimento


no Brasil. Repercussões sociais e políticas

A configuração do envelhecimento da população brasileira tem sido


estimada pelas pesquisas demográficas dos institutos governamentais. A
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (IBGE, 2012) apurou
que a população idosa acima dos 60 anos estava assim distribuída no
Brasil: mulheres — 13.840.000; e homens — 11.010.000. O censo do IBGE
(2010) também registrou na época quase 30.000 pessoas centenárias.
Segundo a PNAD (IBGE, 2017), o segmento de idosos teve um incre-
mento de 18% nesse grupo etário. O número de mulheres foi estimado
em 16,9 milhões (56% do total de idosos) e de homens em 13,3 milhões
(44% do grupo). A quantidade cresceu em todas as unidades da federa-
ção, sendo os Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul os que

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O envelhecimento no Brasil

possuem o maior número de idosos. O Amapá apareceu como o Estado


com o menor percentual (7,2%).
Para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(Brasil, 2014), a expectativa de vida do brasileiro aumentou em média
para 74,08 anos; esse dado foi identificado em 2011, reafirmando a ideia
de que esse segmento social é o que mais cresce no Brasil. Após o Censo
de 2010, houve um incremento de 47,8% nas faixas etárias acima dos
80 anos (IBGE, 2012).
Outro fenômeno destacado pela PNAD (IBGE, 2017) foi o aumento
na autodeclaração de pretos e pardos no período entre 2012 e 2017. Os
dois grupos cresceram consideravelmente: os que se declararam pretos
foram de 7,4% para 8,6%; os pardos de 45,3% para 46,8%.
Há uma projeção de que em 2025 o país ocupará o 6o lugar no
­ranking de maior população idosa no planeta. A PNAD (IBGE, 2012)
também identificou uma feminilização do envelhecimento em virtude
de que as mulheres vivem, em média, sete anos a mais que os homens.
Outro aspecto levantado por essa pesquisa foi o aumento de pessoas
idosas vivendo sozinhas no domicílio, representando mais de 6,7 milhões.
Enquanto o idoso dispuser de suas capacidades físicas e emocionais para
sua autonomia, poderá realizar todas as atividades cotidianas da vida
diária. Contudo, o avanço da idade repercute na diminuição progressiva
das capacidades funcionais, o que também indica que haverá cada vez
mais a necessidade de cuidadores, familiares ou não, qualificados para
suprir as demandas nos cuidados com alimentação, higienização, auxílio
na administração medicamentosa, conforto e segurança do idoso.
Esses dados refletem uma mudança no quadro epidemiológico bra-
sileiro. A ampliação do sistema de saneamento básico (ainda que esteja
longe da cobertura integral) e a educação para a saúde contribuíram
para o sucesso na prevenção e na diminuição de riscos e agravos para as
doenças infectocontagiosas. O aumento da longevidade populacional de-
marcou novos desafios para a saúde, pois se houve um declínio dos adoe-
cimentos por doenças infectocontagiosas, identificou-se um incremento

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das taxas para as doenças crônico-degenerativas não transmissíveis que


estão entre as mais prevalentes para a população idosa.
Esse cenário coloca em xeque a capacidade do sistema de saúde em
responder com programas de prevenção à saúde para enfermidades cujo
desenvolvimento é lento e gradativo, sem reversão, exigindo qualificação
técnica de mão de obra nessa área e recursos técnico-financeiros para
ampliar o número de atendimentos nos equipamentos de saúde que
possam garantir a integralidade dos cuidados dispensados em todos os
níveis de complexidade do sistema.
Os dados levantados pela PNAD (IBGE, 2012) apontaram para um
incremento na renda e no consumo das pessoas idosas. Sem dúvida, isso
foi propiciado pelas políticas sociais, em especial, através dos benefícios
previdenciários e da assistência social, sobretudo para os mais pobres.
Como decorrência, esse segmento social assumiu significativa participa-
ção na composição da renda total das famílias, na condição de principais
provedores ou corresponsáveis, o que ocorre em 53% dos domicílios
brasileiros. Nestes, os idosos comparecem com mais da metade da renda
de suas famílias, segundo o levantamento estatístico. Essa renda advém
em sua grande maioria dos benefícios previdenciários, como aposenta-
dorias ou pensões. Idosos com 65 anos ou mais que estão nessa condição
representam 84,4% (IBGE, 2010). Nesse aspecto, o levantamento (IBGE,
2012) mostrou que em 27% dos lares brasileiros, os idosos convivem em
famílias intergeracionais. Esse fenômeno pode ser explicado pela neces-
sidade de uma composição das várias rendas dos membros das famílias
para a garantia da sobrevivência, tendo em vista que o salário mínimo
é a referência nacional de aquisição pecuniária auferida pelo trabalho
de muitos brasileiros.
Assim, pode-se afirmar que a sua presença contribui significati-
vamente para a sobrevivência de suas famílias e suas rendas alteram
positivamente na circulação econômica dos municípios onde residem.
Considerando-se que, em sua maioria, os municípios brasileiros são de
pequeno e médio porte, pode-se estimar o impacto social que a presença

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O envelhecimento no Brasil

dos idosos deflagra nas economias locais, ainda que persistam os pre-
conceitos e as discriminações sobre o fenômeno da velhice.
A pesquisa por domicílios também identificou que os idosos brasi-
leiros vivem densamente nas regiões urbanas em detrimento das áreas
rurais, numa proporção de 21 milhões contra 3,8 milhões (IBGE, 2012).
Também houve uma diminuição nas taxas de extrema pobreza desse
segmento populacional, 6% do total (IBGE, 2012), o que foi influenciado
pelo acesso à aposentadoria rural e pelo Benefício de Prestação Conti-
nuada da Política de Assistência Social.
As pesquisas recentes do IBGE (2019) apontaram que o desemprego
aumentou e atingiu a marca de 12,7 milhões de pessoas no Brasil. A taxa
de desocupação voltou a subir no trimestre entre novembro de 2018 a
janeiro de 2019. Assim, no cômpito de dez anos (de 2005 a 2015), o nível
de ocupação dos idosos caiu de 30,2% para 26,3%, o que indica o cresci-
mento da vulnerabilidade desse grupo etário para o mercado de trabalho,
resultante da baixa média de anos de estudo, o que corresponde a 65,5%
dos idosos com apenas o ensino fundamental incompleto inseridos no
mercado de trabalho.
A desigualdade social incide significativamente sobre os idosos
moradores das áreas rurais, pois a maioria continua trabalhando, mes-
mo recebendo benefícios de aposentadorias ou pensões, numa taxa de
84,9% dos 3,8 milhões declarados. Mais de 50% dessa população não
teve acesso à escolaridade ou completou apenas o primeiro ano do ensino
fundamental. O censo do IBGE (2010) identificou 32,2% de idosos nessa
situação, o que reitera a prevalência da ocupação em trabalhos braçais
e pouco remunerados.
É necessário destacar que a implementação das políticas protetivas
no âmbito da seguridade social, firmadas pela Carta Constitucional de
1988 e regulamentadas por legislações infraconstitucionais, bem como
as legislações específicas para a população idosa, possibilitou o reconhe-
cimento da cidadania e firmou o compromisso do Estado na garantia de
acesso a benefícios, auxílios e serviços no âmbito das políticas públicas.

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Os indicadores sociais e estatísticos demonstraram uma alteração


no quadro sanitário, epidemiológico e econômico-social dos idosos nos
últimos 30 anos, o que repercutiu no aumento da longevidade com me-
lhores condições de saúde e de existência. Isso se deveu à ampliação do
acesso a benefícios, serviços e auxílios das políticas sociais de Saúde
e Assistência Social. Contudo, num país de extremas desigualdades
sociais, ocasionadas pelo modelo econômico e social neoliberal, o enve-
lhecimento ainda se coloca como um desafio para a classe trabalhadora,
principalmente quando agravado por diferenças no interior desta entre
os segmentos urbanos e rurais.
O atual contexto sócio-histórico de regressão dos direitos sociais,
promovido pela ofensiva conservadora e neoliberal, no âmbito governa-
mental, desencadeado a partir de maio de 2016, já demonstra os seus
efeitos. A contrarreforma do Estado vem incidindo na precarização das
relações de trabalho e renda, sobretudo nas progressivas propostas (no
âmbito normativo) para o enxugamento do financiamento das políticas
sociais, tais como a Previdência, a Saúde, a Educação e a Assistên-
cia Social.
Os trabalhadores são aqueles que mais se utilizam das políticas
públicas e, por isso, serão os mais atingidos, o que afetará sensivelmente
as condições objetivas e subjetivas de vida e o envelhecimento digno da
população brasileira. Um exemplo disso ocorreu em dezembro de 2016,
com a aprovação da Emenda Constitucional n. 95 (Brasil, 2016), que previu
o congelamento dos gastos do governo federal por 20 anos, cujo impacto
do arrocho fiscal recaiu principalmente nas áreas da saúde e educação,
além das demais políticas. Isso se deu à revelia de que o gasto público
per capita com a saúde no Brasil já é um dos menores entre os países
que possuem um sistema universal equivalente ao SUS, o que significará
em curto e médio prazo a inviabilização do sistema,3 penalizando ainda
mais a população usuária.

Por precariedade, falta ou obsolescência de sua infraestrutura.


3

440 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021
O envelhecimento no Brasil

No início de 2019, a presidência da república encaminhou à análise


do poder legislativo a Proposta de Emenda Constitucional n. 06/2019
(Brasil, 2019), que versou sobre a reforma da previdência social para os
trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Essa proposta
foi aprovada e passou a vigorar a partir de 13 de novembro de 2019.4As
suas principais mudanças residem no aumento do tempo de contribui-
ção (mínimo) de 15 para as mulheres e 20 anos para os homens,5 como
também na idade mínima para a aposentadoria: homens com 65 anos e
mulheres com 62 anos.
Na regra anterior, os trabalhadores rurais, por exemplo, podiam se
aposentar com 60 e e 55 anos, homens e mulheres, respectivamente, com
15 anos de contribuição básica (Brasil, 2019). A reforma aprovada man-
teve a quinzena como tempo de contribuição mínimo. Os trabalhadores
de economia familiar podem se aposentar sem ter contribuído, porém,
desde que comprovem 15 anos de atividade rural.
A reforma penalizou todos os trabalhadores, contudo, acirrou ainda
mais a desigualdade e a vulnerabilidade dos trabalhadores rurais. As
mulheres idosas que, como foi apontado anteriormente, vivem em média
sete anos a mais que os homens, serão frontalmente dilapidadas com
a reforma, visto que a pensão por morte equivalia a 100% do valor da
aposentadoria. Com as novas regras, a pensão será de 50% da aposen-
tadoria do falecido, somando-se a ela 10% por dependente, o que recairá
para 60% do valor, em média. Por exemplo, a pensão só chegará a ser
integral se houver cinco dependentes (Brasil, 2019).
Outro aspecto que causou polêmica e debates foi a proposição de mu-
dança do sistema previdenciário. O modelo atual, de repartição simples,
prevê a contribuição solidária dos trabalhadores da ativa para manter os
benefícios dos aposentados. A proposta inicial da reforma da previdência

Trata-se da Emenda Constitucional n. 103/2019.


4

O tempo de contribuição mínimo de 15 anos será mantido para os homens, desde que já estejam
5

contribuindo para o Regime Geral da Previdência Social antes da promulgação da EC n 103/2019.

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021 441
Escorsim, S.M.

sinalizava para a adoção do sistema de capitalização (Brasil, 2019), cuja


lógica é a de seguro, em que cada trabalhador contribuiria para sua
própria aposentadoria e, em tese, esse fundo poderia ser aplicado pelo
sistema gestor no mercado financeiro, alçando maior rentabilidade, com
vista a um incremento lucrativo para o sistema financeiro. Essa lógica
perversa de cunho neoliberal não obteve aprovação do legislativo. Con-
tudo, as alíquotas de contribuição foram alteradas prevendo aumento
progressivo sobre as diversas faixas salariais; esse incremento passou a
vigorar no primeiro trimestre de 2020.
Não se teve o propósito de aprofundar esses temas, nem é o objetivo
deste artigo analisar o cenário da contrarreforma do Estado, contudo, há
que se ilustrar as recentes investidas neoliberais na retração dos inves-
timentos do fundo público nas políticas públicas e sociais, com vista à
expansão do mercado nas áreas de interesse social. Essas repercussões
deverão ser objeto de novos estudos, levantamentos sociodemográficos
e de pesquisas que venham a subsidiar o debate de todos os setores
progressistas da sociedade, adensando-o ao do segmento do idoso, e
que possam fortalecer a luta pela manutenção e garantia dos direitos já
firmados, como também ousem avançar na conquista de outros tantos
benefícios e serviços sociais, necessários à classe trabalhadora, que
promovam justiça e equidade social.

Considerações finais

Muitas conquistas sociais foram alcançadas pelo protagonismo dos


movimentos dos trabalhadores que vocalizaram, na tensa arena política
brasileira, suas demandas e necessidades e no interior dos movimentos,
o destaque é para as lutas do segmento dos idosos que, gradativamente,
alçaram o reconhecimento do Estado para sua cidadania, por meio da
Carta Constitucional de 1988 e de outras legislações infraconstitucionais
que ratificaram os seus direitos sociais.

442 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021
O envelhecimento no Brasil

O arcabouço político-jurídico consolidou a luta histórica desse seg-


mento por melhores condições objetivas de vida, contudo, apenas isso não
é suficiente para a garantia do acesso e usufruto de benefícios, auxílios e
serviços demandados pela população idosa junto às políticas públicas e
sociais. Não é incomum no Brasil a violação de direitos dos idosos. Ainda
se faz premente que a legislação seja efetivada no cotidiano da sociedade.
A questão central debatida neste ensaio é a condição da classe
trabalhadora idosa que vive de salário ou renda pecuniária, seja para
aqueles que ainda necessitam vender a sua força de trabalho, seja para a
renda obtida através de benefícios previdenciários e da assistência social.
O estudo demonstrou que as políticas de seguridade social possi-
bilitaram um incremento na renda e no consumo das pessoas idosas, e
que estas participam decisivamente na composição da renda total das
famílias, como também alteram de forma substancial o cenário econô-
mico dos municípios onde vivem, ainda que, em sua maioria, a população
idosa tenha apenas o nível fundamental de escolaridade.
A desigualdade social acentua-se para os idosos que vivem nas áreas
rurais, cujas taxas de extrema pobreza persistem. Assim, as políticas de
trabalho e renda, bem como as políticas de proteção social, são essenciais
para que o processo de envelhecimento seja amparado por condições obje­
tivas que supram as necessidades dos idosos, num momento de declínio
ou perda da capacidade laborativa e, desse modo, do seu próprio sustento
e manutenção, além de incentivar que a sociedade desenvolva sociabi-
lidades mais humanas e fraternas. Contudo, a profunda desigualdade
social brasileira afeta todos os extratos da classe trabalhadora e mais
drasticamente a população idosa, quando não lhe assegura os direitos
prescritos nas diversas legislações e precariza as condições de existên-
cia, como se verifica na atual conjuntura de regressão do financiamento
estatal para as políticas públicas e sociais.
Faz-se necessário que a classe trabalhadora se engaje na resistência
e no combate ao modelo neoliberal/mercantilista de Estado, com vista

Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021 443
Escorsim, S.M.

à ampliação das garantias sociais, políticas e econômicas, para além


daquelas já afiançadas legalmente, fortalecendo a democracia e a cida-
dania, com mais dignidade e saúde em seu processo de envelhecimento.

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Sobre a autora
Silvana Maria Escorsim – Doutora em Serviço Social. Professora adjunta.
Câmara do Curso de Serviço Social, UFPR — Setor Litoral.
E-mail: mariaescorsim@ufpr.br

Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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DOI: 10.1590/1413-812320182310.14112018 3189

Governança, intersetorialidade e participação social na política

ARTIGO ARTICLE
pública: o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa

Governance, intersectoriality and social participation in public


policy: the National Council on the Rights of the Elderly

Michele Souza e Souza 1


Cristiani Vieira Machado 1

Abstract Aging is a complex phenomenon that Resumo O envelhecimento é um fenômeno


requires different types of public policies. In 2002, complexo que requer diferentes tipos de políticas
the National Council for the Rights of the Elderly públicas. Em 2002 foi criado o Conselho Nacio-
(CNDI) was created as a governance structure to nal dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI) como es-
enhance the guarantee of rights through coordi- trutura de governança para fortalecer a garantia
nation between sectors of government and civ- de direitos através da articulação entre setores de
il society. The article seeks to analyze the CNDI governo e sociedade civil. O artigo objetiva ana-
based on the description of the institutional con- lisar o CNDI a partir da descrição da configura-
figuration and characterization of its operation in ção institucional e caracterização da sua atuação
the proposal of strategies for implementing and na proposição de estratégias de implementação e
monitoring the main policies for the elderly. The acompanhamento das principais políticas para
analytical framework of public policy analysis was os idosos. Utilizou-se o referencial de análise de
used, with emphasis on the concept of governance, políticas públicas, com ênfase no conceito de go-
laws and documents, highlighting the minutes of vernança. Analisaram-se leis e documentos, com
Council meetings, as well as semi-structured in- destaque para as atas das reuniões do Conselho,
terviews. As a result, it was possible to detect the além de entrevistas semiestruturadas. Como re-
importance of these spaces that enable the influ- sultado foi possível atestar a importância desses
ence and control of institutionalized civil society espaços que possibilitam a influência e controle
over the State. However, difficulties of referral of da sociedade civil institucionalizada sobre o Es-
the actions, obstacles in the relationship between tado. Porém, observaram-se dificuldades de enca-
the social actors were observed, as well as insuffi- minhamento das ações, entraves na relação entre
cient involvement of some government agencies. os atores sociais e insuficiente envolvimento de
In the context of accelerated demographic chang- alguns órgãos governamentais. Diante das acele-
es, social inequalities and vulnerability of the el- radas mudanças demográficas, de desigualdades
derly population, this governance strategy per se sociais e vulnerabilidade de parte da população
has not been sufficient to ensure the realization of idosa, essa estratégia de governança per se não
1
Escola Nacional de Saúde the rights envisaged. tem sido suficiente para assegurar a efetivação dos
Pública Sergio Arouca,
Fiocruz. R. Leopoldo Key words Governance, Elderly, Public policies, direitos previstos.
Bulhões 1480, Manguinhos. Social rights, Intersectoriality Palavras-chave Governança, Idosos, Políticas
21041-210 Rio de Janeiro públicas, Direitos sociais, Intersetorialidade
RJ Brasil.
michele.ifcs@gmail.com
3190
Souza MS, Machado CV

Introdução plementação e no acompanhamento da Política


Nacional do Idoso (PNI) e do Estatuto do Idoso
O Brasil tem experimentado uma alteração da no país.
estrutura etária caracterizada por aumento da
participação de idosos na população total. Entre
1991 e 2012, a proporção de idosos na população Metodologia
subiu de 9,7 para 13,7%1.
Em consequência, modificou-se o perfil de Utilizou-se o referencial de análise de políticas
mortalidade da população, com aumento da in- públicas, com destaque para o conceito de gover-
cidência de doenças crônico-degenerativas como nança da política, na perspectiva da atuação e das
as cardiovasculares e neoplasias2, que podem exi- relações entre Estado e sociedade civil7. Compre-
gir cuidados prolongados por anos3,4. ende-se governança como o conjunto de estra-
O segmento de idosos é heterogêneo. Parte tégias utilizadas para governar, considerando os
destes apresenta autonomia e capacidade de ge- mecanismos (redes, diálogos) e padrões de articu-
rir sua vida nas dimensões econômica, social e lação entre os atores sociais, que podem ser esta-
cognitiva, desempenhando papéis essenciais em tais e não estatais. Assume-se que a formulação e
suas famílias e meio social. Por outro lado, par- gestão de políticas públicas não deve se limitar ao
te sofre com o aparecimento e/ou agravamento Estado, mas envolver a participação de atores so-
de doenças incapacitantes ou com a escassez de ciais interessados e implicados com determinada
rendimentos. política. Essa perspectiva destaca uma abordagem
Assegurar um contexto propício e favorável relacional em que redes sociais/comunidade se
ao envelhecimento requer políticas amplas que configuram como parte integrante das estruturas
levem em consideração o idoso, a comunidade, a de construção de políticas públicas8-10.
família e seu contexto social. Tais políticas devem O processo de negociação e diálogo entre
envolver o Estado e a sociedade civil, de forma a diversos atores envolvidos é fundamental para
favorecer o acesso dos idosos aos serviços e recur- coordenar as políticas além do escopo setorial.
sos, permitindo que se realizem como cidadãos A intersetorialidade pode ser entendida como o
independentes e sejam tratados com dignidade5. “enfrentamento do desafio da integração e arti-
Considerando-se o envelhecimento como culação de atores, processos e estruturas que fo-
um fenômeno complexo e multifacetado que ram construídos e operam, tradicionalmente, de
exige diferentes tipos de políticas públicas, a in- forma fragmentada”11. Nesse sentido, o CNDI é
tersetorialidade, ou seja, a construção conjunta uma instância que visa favorecer a articulação e
de ações e políticas entre diferentes setores, tais compartilhamento de atribuições entre diferen-
como saúde, assistência social e direitos huma- tes setores, visando à implementação, densidade
nos, se configura como um dos maiores desafios e abrangência das políticas para os idosos.
para a proteção social e promoção da qualidade Foram priorizados dois eixos de análise: (i)
de vida dos idosos4. Além disso, a implementação Configuração político-institucional, que compre-
de políticas para esse grupo requer a participação endeu a estrutura, a organização e a participação
de diferentes atores sociais, incluindo os movi- dos atores estatais e não-estatais no Conselho; e
mentos de representação dos idosos. (ii) Agenda política, que diz respeito aos temas
No Brasil, em 2002, foi criado o do Conselho priorizados nas reuniões do CNDI.
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI) As estratégias metodológicas envolveram
como estrutura de governança para fortalecer análise de leis e documentos referentes ao CNDI,
as políticas públicas para a população idosa por com destaque para as atas das reuniões do Con-
meio da articulação intersetorial e da participa- selho realizadas entre novembro de 2002 e abril
ção social dos atores relevantes para a proteção de 2016, solicitadas através do Sistema Eletrô-
social aos idosos. nico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-
O artigo tem como objetivo analisar a atua- SIC). No período foram realizadas 81 reuniões,
ção do CNDI de 2002 a 2016, como um espaço das quais foram analisadas as 54 atas disponíveis
inovador de governança em uma política públi- (66% do total de reuniões), distribuídas en-
ca, que busca articular setores de governo e so- tre todas as gestões bienais do período. Destas,
ciedade civil na garantia dos direitos desse grupo 42 tinham a relação completa de participantes
populacional6. O estudo buscou descrever a con- (77,7% das atas analisadas).
figuração institucional do CNDI e caracterizar a Em caráter complementar, foram realizadas
sua atuação na proposição de estratégias de im- quatro entrevistas semiestruturadas com in-
3191

Ciência & Saúde Coletiva, 23(10):3189-3200, 2018


formantes-chave que atuaram no CNDI por ao sociedade civil. Além da Secretaria Especial dos
menos dois anos, em diferentes gestões: um ex- Direitos Humanos da Presidência da República
Secretário Executivo do CNDI, representante de (SEDH), integram o Conselho os seguintes mi-
órgão estatal (entrevistado 1); um representante nistérios: Justiça; Relações Exteriores; Trabalho
da área técnica de outro órgão estatal (entrevista- e Emprego; Educação; Saúde; Cultura; Esporte;
do 2); um ex-presidente do CNDI, de órgão esta- Turismo; Cidades; Ciência e Tecnologia; Desen-
tal (entrevistado 3); e um ex-presidente do CNDI volvimento Social e Combate à Fome; Previdên-
vinculado à entidade civil não-governamental cia Social; Planejamento, Orçamento e Gestão.
(entrevistado 4). Já os membros da sociedade civil devem per-
Procedeu-se a análise de conteúdo temática tencer a entidades civis organizadas, com atuação
dos documentos e entrevistas, considerando os na promoção e defesa dos direitos da pessoa ido-
eixos definidos no estudo. sa. De acordo com o Regimento do CNDI, consi-
dera-se organização da sociedade civil a entidade
de direito privado sem fins lucrativos, de interes-
Resultados se e/ou de utilidade pública que tenha atuação no
âmbito nacional, com representação em no mí-
Configuração político-institucional nimo cinco unidades da federação e três regiões.
Os critérios de elegibilidade para os mem-
A partir da Constituição de 1988, observam- bros das entidades não governamentais são des-
se avanços na institucionalização de instâncias de critos no Quadro 1.
controle social nas áreas da Seguridade Social12,13. O Conselho é composto por: Plenário, Co-
A lei que instituiu a Política Nacional do Idoso missões Permanentes e Temporárias e Secretaria
(PNI), em 1994, previu a criação do CNDI, com Executiva. A Presidência do CNDI tem funções
o objetivo de “viabilizar o convívio, a integração específicas, ficando a coordenação dos trabalhos
e a ocupação do idoso na sociedade, mediante das Comissões a cargo da Vice-presidência6.
sua inclusão no processo de formulação de po- As comissões permanentes são: Políticas Pú-
líticas públicas destinadas a seu grupo social”14. blicas; Orçamento e Finanças; Normas; Articula-
No entanto, a criação do Conselho foi adiada, ção com os Conselhos e Comunicação Social. A
ocorrendo somente oito anos depois, ligado ao partir de 2010 também foi criada a Comissão de
Ministério da Justiça15,16. Gestão do Fundo Nacional do Idoso. O Quadro
Em 2004, o CNDI foi regulamentado como 2 abaixo apresenta as principais atribuições das
um órgão colegiado de caráter deliberativo sob comissões.
encargo do Ministério da Previdência e Assis- A escolha dos membros da sociedade civil é
tência Social16. Já em 2009, passou a integrar a realizada por processo eleitoral, a cada dois anos.
estrutura da Secretaria Especial dos Direitos Hu- Já a presidência e a vice-presidência são alterna-
manos (SEDH) da Presidência da República, vin- das a cada biênio entre os segmentos da socie-
culada ao Ministério da Justiça. dade civil e do governo. O Quadro 3 mostra as
De forma geral, o CNDI tem como objetivo organizações que ocuparam a presidência do
acompanhar a aplicação do Estatuto do Idoso, da Conselho entre 2002 e 2016.
PNI e dos demais atos normativos relacionados Entre as entidades da sociedade civil, se des-
ao atendimento do idoso. Entre suas competên- tacaram na presidência aquelas com trajetória
cias destaque-se: a) estimular a ampliação dos expressiva na luta pelos direitos dos idosos. Em
mecanismos de participação e controle social; b) relação aos órgãos governamentais, ao longo das
apoiar os Conselhos Estaduais, do Distrito Fede- gestões, o Ministério da Saúde ocupou a presi-
ral e Municipais dos Direitos do Idoso, os órgãos dência apenas uma vez. Nas demais gestões sob
estaduais, municipais e entidades não-governa- comando de órgãos governamentais, a presidên-
mentais; c) acompanhar a elaboração e a execu- cia foi assumida por membros da SEDH.
ção da proposta orçamentária da União; d) pro- As reuniões do CNDI têm periodicidade bi-
mover a cooperação entre os governos da União, mestral. A Figura 1 mostra a frequência de par-
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ticipação dos representantes dos órgãos gover-
e a sociedade civil organizada na formulação e namentais e entidades não governamentais nas
execução da política nacional de atendimento reuniões no período.
dos direitos do idoso; entre outras. Quanto às entidades civis não governamen-
O CNDI tem caráter paritário, sendo compos- tais, a Confederação Brasileira de Aposentados e
to por 14 membros do Poder Executivo e 14 da Pensionistas – COBAP, a Associação Nacional de
3192
Souza MS, Machado CV

Quadro 1. Critérios para a admissão de membros de entidades civis não governamentais.


Definição Caráter das organizações elegíveis
Um representante e respectivo suplente de cada um dos a) Organizações de trabalhadores urbanos
seguintes segmentos da sociedade civil atuantes no campo e rurais; b) Organizações de Empregadores
da defesa ou da promoção dos direitos da pessoa idosa urbanos e rurais; c) Órgãos Fiscalizadores do
Exercício Profissional; d) Organizações de
Educação, ou Lazer, ou Cultura, ou Esporte, ou
Turismo.
Dois representantes e respectivos suplentes de cada um dos a) Organizações da Comunidade Cientifica;
seguintes segmentos da sociedade civil atuantes no campo b) Organizações de Aposentados e Pensionistas.
da defesa ou da promoção dos direitos da pessoa idosa
Três representantes e respectivos suplentes de cada um dos a) Organizações de Defesa de Direitos;
seguintes segmentos da sociedade civil atuantes no campo b) Organizações de Atendimento à Pessoa Idosa.
da defesa ou da promoção dos direitos da pessoa idosa
Fonte: Elaboração própria a partir do regimento interno do CNDI.

Quadro 2. Principais atribuições das comissões permanentes do CNDI.


Comissões
Principais atribuições
Permanentes
Comissão I- Acompanhar e avaliar a Política Nacional do Idoso; II- assessorar, acompanhar e avaliar
de Políticas o plano estratégico nacional de implementação das deliberações da Conferência Nacional
Públicas dos Direitos da Pessoa Idosa; III- criar mecanismos e estratégias para assessorar e monitorar
a formulação e operacionalização dos planos estratégicos Estaduais, Distrital e Municipais,
decorrentes das respectivas conferências; entre outras.
Comissão de I- Apreciar e acompanhar as diretrizes, propostas e execução orçamentárias pertinentes ao
Orçamento e segmento idoso elaboradas pelos Ministérios; II- Assessorar na formulação da proposta
Finanças orçamentária dos Planos Estratégicos das unidades federativas e a execução financeira; III -
identificar as necessidades da Presidência e das demais Comissões no que diz respeito à gestão
administrativa e financeira do CNDI; IV- solicitar que a Secretaria de Direitos Humanos
informe os recursos previstos para a gestão e funcionamento do CNDI, entre outras.
Comissão de I- Acompanhar, analisar, propor sobre a constitucionalidade das matérias que lhe forem
Normas submetidas; II- propor alteração no regimento interno do CNDI; III- propor a realização de
estudos, debates e pesquisas sobre a aplicação e os resultados estratégicos alcançados pelos
programas e projetos de atendimento ao idoso.
Comissão de I- organizar coletânea de instrumentos legais que versem sobre a PNI; II - organizar
Articulação Resoluções do CNDI, resgatando a memória histórica; III – divulgar as atividades do CNDI e
com Conselhos da PNI; IV - colaborar na divulgação das ações realizadas pelas entidades civis representativas
e Comunicação da pessoa idosa em âmbito nacional; V - recomendar às Comissões Permanentes que seja
Social dada ênfase especial ao trabalho integrado governo e sociedade, etc.
Comissão I- Elaborar anualmente os planos de trabalho e de aplicação dos recursos do Fundo; II -
de Gestão definir os procedimentos e critérios a serem contemplados nos Editais para a aprovação de
do Fundo projetos a serem financiados com recursos do Fundo ; III - demandar aos responsáveis as
Nacional do informações necessárias ao acompanhamento e avaliação das atividades apoiadas pelo Fundo;
Idoso IV - desenvolver atividades relacionadas à ampliação da captação de recursos para o Fundo;
V- avaliar e aprovar os pedidos de registro das instituições e inscrição dos programas junto ao
CNDI, entre outras.
Fonte: Elaboração própria feita a partir do Regimento Interno do CNDI.

Gerontologia - ANG e a Pastoral da Pessoa Idosa A ANG, fundada em 1985, tem por finalidade
foram as que mais estiverem presentes ao longo contribuir para a melhoria das condições de vida
dos doze anos. As duas primeiras organizações da população idosa por meio da defesa de polí-
têm sido protagonistas do movimento pró direi- ticas para esse grupo, promoção de espaços de
tos dos idosos no Brasil17,18. trocas entre especialistas e produção de conheci-
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Quadro 3. Quadro resumo dos órgãos governamentais e entidades da sociedade civil que ocuparam a presidência
do CNDI – 2002 a 2016.
Gestão Entidades que ocuparam a presidência
2002 – 2004 Associação Nacional de Gerontologia - ANG
2004 – 2005 Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos
2006 – 2008 Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e
Pessoas com Deficiência-AMPID
2008 – 2010 Ministério da Saúde
2010 - 2012 Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – SBGG
2012 – 2014 Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH)
2014 – 2016 Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas-COBAP
Fonte: Elaboração própria a partir das atas de reunião do CNDI.

mento sobre o envelhecimento. Essa Associação térios que mais participaram foram os de: Saú-
fomentou uma mobilização nacional no final de; Desenvolvimento Social e Combate à Fome
da década de 90 que culminou na elaboração do (MDS); Previdência Social (MPS) e Educação
documento “Políticas para a 3ª idade nos anos (MEC). A assiduidade desses órgãos expressou os
90”, inspiração para o texto da PNI e criação do eixos prioritários da PNI e do Estatuto do Idoso.
CNDI. Desde 2009, a Secretaria do CNDI é vincula-
A COBAP, criada em 1985, ganhou visibi- da à SEDH, que é responsável por grande parte
lidade durante a Assembleia Nacional Consti- das iniciativas e políticas específicas para a pessoa
tuinte ao reivindicar a melhoria dos benefícios idosa. Isso explica a sua frequente participação
previdenciários e propiciar maior visibilidade às nas reuniões do Conselho.
demandas dos idosos. O Ministério da Saúde é um dos órgãos fun-
O tempo de atuação e a organicidade de tra- damentais no desenvolvimento de políticas para
jetória dessas organizações ajudam a compreen- o bem-estar da população idosa. A PNI destaca
der a sua assiduidade ao longo das reuniões do como competências da área da saúde: garantia de
CNDI, bem como seu papel decisivo na imple- assistência integral à saúde; prevenção, promo-
mentação da PNI17. ção e recuperação da saúde; aplicação de normas
A Pastoral da Pessoa Idosa, vinculada à para funcionamento de instituições geriátricas,
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi com fiscalização pelos gestores do Sistema Úni-
a segunda mais assídua nas reuniões do CNDI. co de Saúde; criação de serviços alternativos de
Criada em 2004, a Pastoral tem como objetivo saúde para o idoso; entre outros. No Estatuto do
melhorar a qualidade de vida dos longevos me- Idoso, o capítulo IV também se dedica ao direito
diante ações junto às redes comunitárias e socio- à saúde.
familiares19. O Ministério do Desenvolvimento Social e
Destaque-se também a presença frequen- Combate à Fome (MDS) é responsável por po-
te de organizações de defesa de direitos­­­como a líticas essenciais na promoção do bem-estar dos
Associação Nacional dos Defensores Públicos, a idosos, como as de Assistência Social. Em seu
Associação Nacional de Membros do Ministério âmbito, se inserem ações de proteção social bási-
Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pes- ca e especial que priorizam os idosos. O Benefício
soas com Deficiência e a Ordem dos Advogados de Prestação Continuada (BPC), um mecanismo
do Brasil (OAB). A assiduidade dessas entidades é fundamental de garantia de renda básica à pessoa
fundamental para monitorar as políticas a partir idosa, integra a proteção social básica, no âmbito
dos preceitos legais. do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
As entidades civis têm sido decisivas na defe- A PNI ressalta a importância da área da As-
sa da temática do idoso na agenda de prioridades sistência que deve: prestar serviços e desenvolver
do Estado. A Sociedade Brasileira de Geriatria e ações para o atendimento das necessidades bási-
Gerontologia (SBGG) também teve papel rele- cas do idoso, mediante a participação das famí-
vante e pioneiro na luta pela ampliação dos di- lias, da sociedade e de entidades governamentais
reitos dos idosos, assim como o SESC e a OAB. e não-governamentais; estimular alternativas de
Em relação ao governo, além da Secretaria atendimento ao idoso; promover a capacitação
Especial de Direitos Humanos – SEDH, os minis- de recursos para atendimento ao idoso; entre ou-
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3194

Ministério da Saúde
Secretaria de Direitos Humanos- SDH
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome- MDS
Ministério da Educação- MEC
Ministério da Previdência Social- MPS
Ministério das Cidades
Ministério da Justiça
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão- MPOG
Ministério do Trabalho e Emprego
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação- MCTI
Ministério dos Esportes
Ministério da Cultura-Minc
Ministério das Relações Exteriores- MRE
Instituto de Pesquisa Aplicada- IPEA
Ministério do Turismo
Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas- COBAP
Associação Nacional de Gerontologia- ANG
Pastoral da Pessoa Idosa
Associação Nacional dos Defensores Públicos- ANADEP
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência- AMPID
Ordem dos Advogados do Brasil- OAB
SESC Departamento Nacional
Concelho Federal de Serviço Social- CEFESS
Associação Brasileira de ALsheimer e Doenças Similares- ABRAz
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia- SBGG
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura- CONTAG
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase- MOHRAN
Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento- CIAPE
Associação Brasileira dos Clubes Da Melhor Idade- ABCMI
Confederação Nacional do Comércio- CNC
Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi/CUT)
Federação Nacional das Apaes- FENAPAEs
Associação Médica Brasileira- AMB
Associação de Mantenedores-Beneficiários da Petros- AMBEP
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior- ANDIFES
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte- CBCE
Conferência Nacional Dos Bispos do Brasil- CNBB
Conselho Federal de Psicologia- CFP
Confederação Nacional das Instituições Financeiras- CNF
Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil
Fórum Metropolitano da Pessoa Idosa
Concelho Distrital de Segurança Pública- CONDISP
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio: CNTC
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins- CNTA
Confederação Nacional do Transporte- CNT
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Número de reuniões

Figura 1. Participação dos órgãos governamentais e organizações não governamentais nas reuniões do CNDI, 2002 a maio de 2016.

Nota: Das 54 atas analisadas, somente 42 tinham relação completa dos participantes.
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tros. O Estatuto do Idoso também compreende construção de ações que podem afetar de forma
um capítulo sobre as atribuições da área na assis- positiva a pessoa idosa: atenção à saúde; pro-
tência aos idosos. visão de condições materiais que possibilitem
Outro Ministério assíduo das reuniões do condições mínimas de bem-estar em situações
CNDI é o da Previdência Social (MPS), cuja fi- de vulnerabilidade; acessibilidade e moradia ade-
nalidade é diretamente atrelada à proteção aos quadas; sensibilização e ampliação dos conheci-
idosos. O benefício contributivo da previdência mentos sobre o envelhecimento e inclusão dos
se configura como a principal fonte de renda idosos. No entanto, a frequência dos ministérios
para esse grupo. A solicitação do BPC também per se não assegura que as ações das áreas sejam
se dá nas agências do Instituto Nacional de Se- integradas.
guro Social (INSS), vinculado ao MPS, embora a Identificaram-se dificuldades na participação
coordenação do benefício seja feita pelo MDS. A de alguns órgãos governamentais nas reuniões e
política da previdência, por meio das aposenta- atividades do CNDI. Por exemplo, na criação do
dorias e pensões, favorece no espaço familiar uma grupo de trabalho para elaboração de critérios de
revalorização das pessoas idosas que “obtêm uma utilização do Fundo Nacional do Idoso, a com-
espécie de salvaguarda de subsistência familiar, posição do grupo foi feita exclusivamente por re-
invertendo o papel social de assistidos para assis- presentantes não governamentais, o que deman-
tentes, no contexto da estratégia de sobrevivência dou uma nova rodada de convites à participação
das famílias pobres”20. dos órgãos de governo.
A PNI tratou da previdência no que concer- A insuficiente participação de membros go-
ne à priorização do atendimento do idoso nos vernamentais nas reuniões ou deliberações foi
requerimentos dos benefícios previdenciários. destacada por uma conselheira representante da
Também salienta a necessidade de estímulo a sociedade civil durante uma reunião:
programas de preparação para a aposentadoria A sociedade civil tem cumprido a sua obriga-
nos setores público e privado com antecedência ção, o seu papel, mas o que nós observamos desde
mínima de dois anos ao afastamento. O Estatuto [...] o primeiro mandato foi que o Governo não
do Idoso dedicou o Capítulo VII à área. cumpriu com as suas promessas e compromissos
A participação do MEC pode ser compre- assumidos, principalmente da participação das
endida a partir das orientações preconizadas na reuniões deste colegiado. Ainda ontem mesmo es-
PNI, reforçadas pelo Estatuto do Idoso, como: a távamos com dificuldade para composição de co-
necessidade de adequar material didático a pro- missões. Então o que eu quero salientar é que ainda
gramas educacionais destinados ao idoso; inserir continuamos nessa expectativa de que o Governo
nos currículos mínimos conteúdos voltados para venha para cá e cumpra aquilo que é prometido,
o processo de envelhecimento; incluir a Geronto- que não fique na dependência só da sociedade civil
logia e a Geriatria como disciplinas curriculares porque isto é um colegiado, há uma paridade de
nos cursos superiores; e desenvolver programas membros e os conselheiros, principalmente os que
educativos nos meios de comunicação, a fim de vierem para reunião, devem permanecer pelo me-
informar a população sobre o processo de enve- nos durante os períodos das reuniões. (Ata da 50ª
lhecimento21. Reunião Ordinária do CNDI de 2011)
O Ministério das Cidades participa do CNDI, Uma das entrevistadas também apontou a
seguindo as orientações da PNI e do Estatuto do presença incipiente dos órgãos governamentais,
Idoso quanto ao direito do idoso a habitações sobretudo no que se refere à deliberação das pro-
compatíveis com suas necessidades. O Programa postas do Conselho:
Minha Casa, Minha Vida, criado em 2009, que [...] o Conselho tem 14 representantes do go-
visa incentivar a aquisição de novas unidades ha- verno, 14 da sociedade civil. Agora, como os de-
bitacionais ou requalificação de imóveis urbanos mais Conselhos, representantes de governo faltam
para famílias com baixa renda, prevê a disponibi- muito às reuniões de comissões, não têm aquela
lidade de unidades adaptáveis ao uso por pessoas garra, aquele envolvimento com a questão do enve-
idosas22. O Estatuto do Idoso afirma que pelo me- lhecimento. Os 14 da sociedade civil são sempre as
nos 3% das unidades devem ser reservadas para mesmas instituições, mudam os atores, mas não as
as pessoas idosas. Investimentos em acessibilidade instituições, porque são poucas as de âmbito nacio-
voltados a pessoas com restrição de mobilidade nal na área do idoso. Isso que precisa. O Conselho
nas cidades também são relevantes para os idosos. tem que fazer o seu papel de controle democrático,
A assiduidade de alguns ministérios nas reu- de acompanhar nas três esferas de governo como
niões do CNDI, portanto, expressa o esforço de está sendo acompanhado, pressionado, para a im-
3196
Souza MS, Machado CV

plementação da política do idoso. Porque se não bre a necessidade de capacitação continuada aos
houver pressão, organização ou articulação, pouco trabalhadores do SUS e de outros ministérios no
vamos avançar (Entrevistada 1) que se refere ao cuidado dos idosos, não houve
A frequência dos órgãos governamentais ações concretas.
nas reuniões ordinárias do CNDI nem sempre No que diz respeito à aplicação de normas de
se traduziu em efetividade de participação. Por funcionamento e fiscalização de instituições geri-
outro lado, destacou-se a atuação do Ministério átricas e similares no âmbito do SUS, foram feitas
da Saúde nas comissões permanentes do CNDI, visitas de inspeção. Contudo, algumas ações fo-
bem como a importância desse espaço para a sua ram realizadas pelo Conselho Federal de Psicolo-
interação com outros órgãos e entidades da so- gia junto aos Conselhos Regionais e em parceria
ciedade civil: com a OAB, sem a participação direta de órgãos
Sou conselheira titular, de 2012 até 2016. Esse governamentais.
ano nós vamos fazer nova indicação. Também Quanto à criação de incentivos e alternativas
coordenava a comissão de políticas, como repre- de atendimento ao idoso, houve tentativas de re-
sentante de governo. Então é muito importante a gulamentar os serviços e programas de atenção
participação, a qualificação das participações do que integrariam a Rede Nacional de Proteção e
conselho, porque a gente está ali sentada na mesma Defesa da Pessoa Idosa (RENADI). Porém, esta
mesa com a sociedade civil e com representantes de não foi concretizada.
outros ministérios, que muitas vezes a gente nem No que concerne à inserção nos currículos de
tem tanta proximidade. Então, acho que ainda conteúdos voltados para o processo de envelhe-
tem muito o que avançar, não tenho dúvida disso. cimento, abordou-se o incentivo à capacitação e
A gente fez esse ano a 4ª Conferência Nacional de reciclagem dos recursos humanos; o estímulo à
Direitos da Pessoa Idosa numa parceria muito boa. capacitação em instituições de ensino públicas e
Isso aproxima as políticas, você pensa em estraté- privadas e a busca pela inclusão da temática do
gias que englobam outros setores. A gente trabalha envelhecimento nas disciplinas do ensino funda-
muito, eu particularmente acho que o trabalho mental.
intersetorial é fundamental. A Saúde sozinha não Sobre o Estatuto do Idoso, as discussões gi-
vai resolver as questões, em especial da pessoa idosa raram em torno da readequação de alguns arti-
(Entrevistado 2) gos, como os relativos ao direito à gratuidade no
transporte público e a regulamentação e fiscaliza-
Agenda política ção das Instituições de Longa Permanência.
ii. Fortalecimento dos conselhos locais de idosos
Os temas mais debatidos nas reuniões do Os conselhos locais de idosos constituem-se
CNDI estavam presentes na PNI, o que reforça como lócus de elaboração e controle de políti-
o caráter desta na definição da agenda. Estes fo- cas, podendo ser representativos do grau de ma-
ram agregados em quatro eixos: (i) Legislação, turidade do movimento social que representa a
adequação e efetivação da Política Nacional do população idosa. Mesmo antes do CNDI, alguns
Idoso e Estatuto do Idoso; (ii) Fortalecimento do conselhos locais já existiam, como o do Estado de
controle social; (iii) Orçamento público federal São Paulo18. Contudo, ainda é expressivo o nú-
voltado aos idosos; (iv) Redes de promoção, pro- mero de Estados e municípios que têm dificulda-
teção e defesa de direitos dos idosos. des na implementação desses conselhos.
i. Legislação, adequação e efetivação da Política A PNI estimulou a criação de conselhos esta-
Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso duais e municipais ao delegar a essas instâncias
O CNDI tem o papel de acompanhar, super- responsabilidades na promoção dos direitos dos
visionar, fiscalizar e avaliar a PNI, bem como as idosos. Quase 60% dos conselhos locais surgiram
ações dela decorrentes em consonância com o a partir da PNI18.
Estatuto do Idoso. A análise das atas permitiu Os debates no CNDI se centraram na neces-
identificar temas da PNI frequentemente deba- sidade de fortalecer os conselhos do idoso, en-
tidos, bem como as medidas e encaminhamen- volvendo as seguintes iniciativas: levantamento
tos relativos a cada um, conforme resumido no dos conselhos Estaduais e Municipais do Idoso;
Quadro 4. sugestão da criação de um sistema de informa-
Para alguns temas, houve dificuldades de ção para cadastrar os conselhos; identificação de
encaminhar propostas. Um exemplo concerne problemas para o planejamento; e elaboração de
à formação de recursos humanos nas áreas de uma cartilha de sensibilização para criação dos
geriatria e gerontologia. Apesar dos debates so- conselhos. Como avanço, a partir do Fundo Na-
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Quadro 4. Temas do PNI mais debatidos nas reuniões do CNDI e encaminhamentos.
Temas da PNI debatidos Encaminhamentos
a) Capacitação e reciclagem dos recursos humanos Não houve encaminhamentos concretos.
nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de
serviços;
b) Implementação de sistema de informações que A tentativa de publicização de ações referentes a políticas
permita a divulgação da política em cada nível de e ações ficaram a cargo do GT de comunicação.
governo;
c) promover as articulações intraministeriais e As tentativas de articulação ficaram restritas a iniciativas
interministeriais necessárias à PNI; conjuntas do Ministério da Saúde e MDS
d) estimular a criação de incentivos e de alternativas Realização de um levantamento censitário em todas as
de atendimento ao idoso, como centros de convivência, Instituições de Longa Permanência cadastradas e que
casas-lares, atendimentos domiciliares e outros; fizeram parte do censo SUAS.
e) adotar e aplicar normas de funcionamento às As inspeções ocorreram, mas não por parte dos gestores
instituições geriátricas e similares, com fiscalização pelos do SUS.
gestores do Sistema Único de Saúde (SUS);
f) inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do Não houve encaminhamentos concretos.
ensino formal, conteúdos voltados para o processo de
envelhecimento
g) diminuir barreiras arquitetônicas e urbanas e; Esforço em diminuir barreiras para os idosos através de
melhorias no espaço público a partir de ações e reuniões
com o Ministério das Cidades
h) zelar pela aplicação das normas sobre o idoso O plano e o manual de enfrentamento à violência
determinando ações para evitar abusos e lesões a seus contra a pessoa idosa foram instrumentos que buscaram
direitos. conscientizar e informar sobre os abusos sofridos pelos
idosos e como enfrenta-los; Inclusão das denúncias
referentes à violência aos idosos no disque 100 Direitos
Humanos e posterior capacitação dos atendentes.
Fonte: Elaboração própria.

cional do Idoso, o CNDI apoiou a estruturação e Tributação. Nas reuniões do CNDI enfatizou-se a
equipagem dos conselhos que apresentavam es- necessidade de acelerar o processo junto ao Con-
truturas físicas precárias. gresso, diante da compreensão de que um fundo
iii. Orçamento Público Federal voltado aos idosos orçamentário exclusivo favoreceria o avanço das
O CNDI tem como atribuição “acompanhar ações preconizadas no Estatuto do Idoso.
a elaboração e a execução da proposta orçamen- Em 2010 foi instituído o Fundo Nacional do
tária da União, indicando modificações necessá- Idoso (FNI) e autorizada a criação de fundos
rias à consecução da política formulada para a congêneres nas esferas estaduais e municipais23.
promoção dos direitos do idoso”16, o que sugere a O FNI resultou de sucessivas discussões no âm-
necessidade de previsão orçamentária para ações bito do CNDI diante da “inexistência de incen-
voltadas à população idosa. tivos fiscais, como a dedução de impostos, para
Em algumas reuniões do CNDI deliberou-se doações em dinheiro feitas às instituições presta-
que fossem levantadas as ações dos ministérios doras de serviços voltados à população idosa”24.
direcionadas para os idosos. Porém, a Secretaria O objetivo é financiar programas e ações a fim
de Orçamento Federal informou ao Conselho a de assegurar os direitos dos idosos e criar con-
inexistência de ação orçamentária específica des- dições para promover sua autonomia, integração
tinada aos idosos. As ações para esse grupo estão e participação efetiva na sociedade. No entanto,
incorporadas dentro de programas gerais nos sua finalidade é complementar, sendo vedada sua
orçamentos setoriais, o que dificulta seu moni- utilização para o financiamento de políticas de
toramento. caráter continuado23,25.
Um projeto de criação de um fundo para a O FNI tem como receitas: recursos públi-
população idosa, apresentado em 2005, perma- cos consignados no Orçamento da União, dos
neceu durante anos na Comissão de Finanças e estados, dos municípios e do Distrito Federal;
3198
Souza MS, Machado CV

contribuições de governos e organismos interna- cia Nacional do Idoso em 2006, a Rede ainda não
cionais; e doações de pessoas físicas e jurídicas, havia se concretizado até 2011 e a maior parte das
dedutíveis do Imposto de Renda. iniciativas permanecia em discussão.
A administração do Fundo é do Poder Exe- Em suma, a agenda do Conselho no período
cutivo, sendo “competência do Conselho Nacio- foi influenciada por: (i) diretrizes da PNI e do Es-
nal dos Direitos da Pessoa Idosa gerir o Fundo tatuto do Idoso; (ii) normas que norteiam o fun-
Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua cionamento do CNDI; e (iii) demandas trazidas
utilização”23: pelas representações da sociedade civil e pelos
O CNDI fiscaliza, acompanha, propõe, delibera conselhos estaduais e municipais do idoso. Esses
onde vai ser usado, mas não movimenta. O Fundo três elementos repercutiram na priorização dos
é um complemento, as políticas do idoso estão nos temas e condução das ações.
municípios, nos estados, através do SUS, da Previ-
dência Social, da Assistência Social, do CRAS, CRE-
AS, dos Centros de Convivência. (Entrevistado 3) Considerações finais
A instituição do Fundo significou um ganho
dos movimentos sociais, que colocaram na agen- O Brasil apresentou avanços institucionais nas
da do Estado a urgência de gerar recursos finan- últimas décadas nas políticas para os idosos, tan-
ceiros para viabilizar ações para o bem-estar os to do ponto de vista constitucional, ao propor
idosos. A escolha de alocação e investimento dos uma Seguridade Social abrangente, quanto por
recursos em determinados benefícios e progra- meio de estratégias especificas, como o Estatuto
mas pode ajudar a compreender as prioridades do Idoso. O CNDI representa uma estrutura ino-
estatais nesse âmbito. vadora de governança, que procura promover a
Contudo, diante da introdução de novos pro- articulação intersetorial entre órgãos públicos e
cessos administrativos relacionados à gerência do ampliar a participação da sociedade civil nas po-
FNI, houve dificuldades iniciais quanto às dire- líticas para os idosos.
trizes e normas para utilização do fundo. Por isso, Debert e Oliveira27 atestam a importância
constituiu-se um grupo de trabalho para subsi- de conselhos participativos, que favorecem a
diar o Conselho no desenvolvimento de estraté- influência e controle da sociedade civil institu-
gias para captação e utilização de recursos. cionalizada sobre o Estado na elaboração e im-
A partir de 2013, os debates nas reuniões plementação de políticas públicas. Cabe destacar
sugerem o funcionamento do Fundo, incluindo a estrutura horizontal que caracteriza a tomada
formas de angariar doações e o estabelecimen- de decisões, com presença de agentes estatais de
to de editais visando a seleção de entidades que diferentes órgãos; a existência de comissões para
tivessem projetos compatíveis com os critérios viabilizar as ações; a densidade organizacional da
de utilização regulamentados por resolução da sociedade civil; e a tentativa de articulação entre
SEDH de 201226. agendas do Estado e da sociedade civil.
iii. Redes de promoção, proteção e defesa de di- Programas sociais voltados para a população
reitos dos idosos idosa vêm sendo expandidos em diversos países,
Identificou-se a busca de construção de ações sobretudo os desenvolvidos, influenciados pelo
abrangentes para os idosos a partir de redes in- modelo de proteção social em cada contexto28.
tersetoriais de defesa e promoção de direitos, Contudo, não foi possível identificar na literatura
conforme previu a PNI. Buscou-se estabelecer internacional o funcionamento de espaços institu-
a RENADI, caracterizada como um pacto entre cionais baseados na articulação intersetorial e na
os gestores de políticas públicas com o objetivo participação do Estado e sociedade civil voltados
de promover a intersetorialidade na proteção aos para esse grupo em moldes similares ao CNDI, o
idosos, visando evitar situações de vulnerabilida- que sugere o caráter inovador dessa instância.
de social desse grupo. No que se refere à agenda política, destaque-se
Para operacionalização da RENADI, propôs- o papel do CNDI na defesa da implementação da
se o Plano Técnico de Articulação de Rede de legislação de proteção dos idosos a partir de estra-
Promoção dos Direitos da Pessoa Idosa- PLAN- tégias junto as diferentes esferas e Poderes (Exe-
TAR, que teria como objetivo integrar políticas cutivo, Judiciário e Legislativo). Como exemplos,
para a construção de uma agenda comum de houve a tentativa de construção da RENADI, o
trabalho entre governos, sociedade civil e orga- desenvolvimento do Plano e Manual de Enfrenta-
nismos internacionais. Contudo, apesar de a pro- mento à Violência contra a Pessoa Idosa, a criação
posta do RENADI ter sido tema da 1ª Conferên- do Fundo Nacional do Idoso e o fortalecimento
3199

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dos conselhos locais dos idosos. A institucionali- alguns órgãos governamentais, que dificultam a
zação de um espaço que conjugou participação da efetivação dos direitos legais.
sociedade civil e governo propiciou mecanismos A partir da Constituição de 1988, os mecanis-
para que demandas fossem debatidas, encami- mos de participação social ampliaram a possibili-
nhadas e eventualmente atendidas. dade de influência de atores não governamentais
O CNDI se caracteriza pela diversidade de sobre a ação do Estado. O CNDI, ao propiciar a
temas tratados, na tentativa de abarcar as ne- participação de entidades da sociedade civil e a
cessidades da população idosa. As diretrizes e interação entre órgãos de governo, tem sido fun-
orientações da PNI e do Estatuto têm norteado damental para a densidade, a institucionalidade e
os debates, mas nem todos os dispositivos legais a relativa estabilidade da política para os idosos.
têm sido cumpridos. A pesquisa mostrou limites A atuação do Conselho favorece o fortalecimento
na capacidade de atuação do Conselho de en- de redes de atores sociais envolvidos com o tema
caminhar deliberações para que as propostas se e avanços graduais no que concerne aos direitos
traduzissem em ações concretas. Algumas difi- dos idosos.
culdades foram: escassez e dispersão dos recur- Porém, diante das aceleradas mudanças de-
sos que financiam as políticas para os idosos por mográficas e da situação de vulnerabilidade da
diferentes órgãos; entraves na relação entre enti- maior parte da população idosa no país, essa
dades da sociedade civil e governo; e insuficiente estratégia de governança per se não tem sido su-
envolvimento de alguns órgãos governamentais ficiente para assegurar a efetivação de todos os
na proposição e avaliação das ações para os ido- direitos previstos no marco constitucional-le-
sos. Por outro lado, o Ministério da Saúde foi um gal. Persistem muitos desafios para a ampliação
dos órgãos com participação mais intensa. da proteção social aos idosos no Brasil, que re-
A análise da participação e articulação entre querem políticas públicas orientadas para o en-
atores na formulação e acompanhamento das frentamento das desigualdades e a expansão dos
políticas no CNDI foi importante para a com- mecanismos de solidariedade entre gerações e
preensão dos avanços e limites da capacidade de grupos sociais.
atuação dessa instância para a concretização das
ações para os idosos. Observou-se que, apesar da
interação entre o Estado e sociedade civil na pro-
posição de diretrizes e ações para os idosos, há
constrangimentos institucionais e políticos que
prejudicam a efetividade dessa instância no en-
caminhamento das propostas. A análise das atas
sugere que o poder instituinte da política não se
encerra na fase da institucionalização, sendo pre- Colaboradores
ciso manter condições de cidadania ativa (práxis
como pressão política permanente). O Conselho MS Souza foi responsável pela concepção do ar-
seria uma arena vocacionada para esse propósi- tigo, processamento e análise de dados, redação
to. Todavia, muitos são os desafios para que esse e revisão do texto, enquanto CV Machado parti-
espaço se consolide como instância de operacio- cipou da concepção do artigo, redação e revisão
nalização e garantia de efetividade das políticas. final do texto.
A intersetorialidade é fundamental para o
avanço das políticas para os idosos. Durante as
reuniões, enfatizou-se a necessidade de constru-
ção de ações em várias dimensões da vida social: Agradecimentos
as relacionadas às Instituições de Longa Perma-
nência e redes de serviço socioassistenciais; ha- MS Souza foi bolsista da Coordenação de Aper-
bitação; mobilidade; ensino para os idosos, entre feiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Capes
outras. O CNDI se notabilizou pela tentativa de durante o Doutorado (Código de Financiamen-
articulação entre as diferentes áreas relevan- to 001). O trabalho de campo contou com apoio
tes para a construção de uma rede integrada de dos recursos do Proex-Capes do Programa de
proteção aos idosos. Porém, o fortalecimento da Pós-Graduação em Saúde Pública da Ensp/Fio-
capacidade de atuação do Conselho esbarra em cruz. CVM é bolsista de produtividade em pes-
dificuldades de articulação entre setores e na não quisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
priorização da temática do envelhecimento por Científico e Tecnológico -CNPq.
3200
Souza MS, Machado CV

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CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons
FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

“Fundo Nacional do Idoso” e as Políticas de Gestão


do Envelhecimento da População Brasileira

“Fundo Nacional do Idodo” and the Management Policies


of the Aging of Brazilian Population

“Fundo Nacional do Idoso” y las Políticas de Dirección


de la Población Brasileña Envejecida
Adriano Rozendo ★
rozendoadriano@aol.com
José Sterza Justo ★★
justojusto@assis.unesp.br

Resumo
Os censos demográficos das últimas décadas do século XX
começaram a revelar uma tendência da população brasileira: o
crescimento da proporção dos mais velhos. Desde então, os
governos tiveram que mobilizar esforços para gerir as
conseqüências diversas de tal fenômeno, sendo a mais recente
iniciativa a criação, mediante lei, dos Fundos Municipal,
Estadual e Nacional do Idoso. Tal lei autoriza o repasse de
★ Mestre e doutor em Psicologia
imposto devido por pessoas físicas e jurídicas aos Fundos. O
pela Universidade Estadual Paulista
presente artigo se dedica ao exame crítico dessa iniciativa de Júlio de Mesquita Filho, Brasil.
governo na gestão do envelhecimento, levando em consideração Atualmente é professor assistente
o contexto no qual a Lei vem sendo implementada. Com a da Universidade Federal de Mato
Grosso, Rondonópolis, MT, Brasil.
criação do fundo haverá a ampliação e melhoria dos serviços
★★ Mestre
destinados aos idosos, porém, a referida lei não prevê uma em Psicologia
Educacional e doutor em
participação ativa dos próprios idosos na gestão deste fundo e Psicologia Social pela Pontifícia
políticas que dele decorram. Universidade Católica de São
Paulo, Brasil, professor e Livre
Docente pela Universidade
Palavras-chave Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Assis, SP, Brasil.
Envelhecimento, População, Legislação, Fundo do Idoso,
Gestão.
Rozendo, Adriano, & Justo,
José Sterza. (2012). Fundo
Abstract Nacional do Idoso e as
Demographic census from the last decades of the twentieth políticas de gestão do
century began to reveal a tendency concerning the increasing envelhecimento da população
average age of the population. The Brazilian government began brasileira. Psicologia Política,
12(24), 283-296.

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 283
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

introducing ways to manage the effects and consequences of this trend, the most recent being
the creation of the “Fundos do Idoso” (Funds for seniors) in the Federal, state and municipal
spheres. That law allows transferring federal taxes from common citizens and companies to
the funds. This article is specifically written as a critical examination of this governmental
initiative towards the problem of an ageing population from the point of view as to how the
law has been implemented. With the creation of the funds there will be the enlargement and
improvement of services destined for seniors. However, the law mentioned above does not
predict an active participation of the seniors in the management of this funds and policies that
will come as result.

Keywords
Ageing, Population, Legislation, Funds for seniors, Management.

Resumen
La investigación demográfica de las décadas pasadas del siglo XX había comenzado a
divulgar una tendencia de la población brasileña: el crecimiento del cociente de los más
viejos. Desde entonces, los gobiernos habían tenido eso para movilizar esfuerzos de manejar
las consecuencias diversas de tal fenómeno, siendo la iniciativa más reciente la creación, “os
Fundos do Idoso” (Fondos de mayores). Tal ley autoriza la transferencia de impuestos de la
gente y de compañías a los Fondos. El actual artículo si dedica a la examinación crítica de
esta iniciativa del gobierno en la gerencia del envejecimento, conduciendo en la
consideración el contexto en el cual la ley será puesta en ejecución. Es posible prever, como
efecto posible, la mejora de los servicios destinados a los envejecidos, sin embargo, la ley
mencionada no predice que una participación activa de los mayores en la dirección de este
financia y políticas que vendrán como resultado.

Palabras clave
Envejecimiento, Población, Legislación, “Fundo do Idoso”, Dirección.

284 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Introdução

O Brasil vivencia uma transição demográfica decorrente, por um lado, da ampliação da


expectativa de vida, estimada em 73,1 anos para o homem e 75,6 anos para a mulher e, por
outro, da diminuição da taxa de natalidade. Com o avanço da longevidade e o recuo da
natalidade ocorre o estreitamento da base da pirâmide populacional, formada pela população
mais jovem, concomitantemente ao alargamento do seu vértice, formado pelo segmento dos
mais velhos (Brasil, 2007).
O aumento da expectativa de vida do brasileiro decorre da melhoria das condições gerais
de saúde da população idosa, associadas ao progresso da tecnologia médica, às mudanças
comportamentais, ao desenvolvimento de programas específicos para idosos e à elevação do
poder aquisitivo e de consumo (Parahyba & Veras, 2008). Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE (Brasil, 2007), o Brasil tinha, em 2005, 18.500.000
(dezoito milhões e quinhentos mil) idosos, que representavam 10,5% da população brasileira.
Se o aumento da proporção dos idosos na população, à primeira vista ou num olhar
ingênuo, pode ser comemorado como uma importante conquista de melhorias nas condições
de vida, uma análise mais cuidadosa e menos simplista permite captar os problemas e desafios
que se colocam diante desse fato. O envelhecimento passa a representar um problema pelo
alto custo que acarreta socialmente num mundo em que predomina a lógica do produtivismo,
do consumismo, da eficiência econômica entendida como maximização da lucratividade e da
acumulação financeira, entre tantos outros dispositivos de aceleração econômica e
concentração do capital. Não foi por acaso que tão logo foram detectados, nos
recenseamentos, as tendências de aumento da proporção idosos na população brasileira se
passou a alardear o impacto que isso geraria nos sistema de pensão e aposentarias e se
iniciaram as reformas da previdência social (Haddad, 1993).
Além dos impactos no sistema previdenciário, o aumento da população idosa exige
modificações no planejamento das políticas públicas setoriais, pressionando a implantação de
benefícios, serviços, programas e projetos relacionados à promoção dos direitos humanos
específicos para essa faixa da população. Enfim, se abre um leque de políticas públicas
relacionadas à promoção e atendimento dos direitos dos idosos.
Conforme assinala Debert (1999:12), a preocupação da sociedade com o processo de
envelhecimento “deve-se, sem dúvida, ao fato de os idosos corresponderem a uma parcela da
população cada vez mais representativa do ponto de vista numérico”. Na mesma linha de
raciocínio, Haddad (1986:17) afirma que: “Crescendo numericamente, os velhos se tornam
objeto de estudo. As propostas aparecem pela boca da Ciência, do Estado, dos meios de
comunicação”.
As políticas e ações dirigidas especificamente para os mais velhos, incluindo a expansão
da gerontologia, demonstram que o fenômeno do envelhecimento da população brasileira veio
à tona e passou a gerar demandas, preocupações e desafios que não têm como serem
ignorados.
Se tempos atrás, na civilização ocidental, a velhice era silenciada ou mesmo ignorada pela
sociedade (Beauvoir, 1990), atualmente ela passa a atrair olhares de diferentes setores tais
como o mercado, a ciência e o Estado. De acordo com Correa (2008:33):

Por muito tempo, ela [a velhice] foi considerada como objeto da esfera privada e familiar.
Cabia aos parentes e familiares ou à iniciativa de associações filantrópicas cuidarem de
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 285
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

seus idosos. Com a constituição de um saber específico, por meio da gerontologia e da


geriatria, e com o advento da aposentadoria sob responsabilidade do Estado, a velhice
passa a ocupar o lugar de objeto de gestão pública.

No Brasil, um país habituado a se ver e a agir como jovem (Calligaris, 1992), sofre um
impacto profundo da inevitável revisão dessa imagem, com o crescimento demográfico da
população idosa. Tal visão juvenil, seguida de uma representação do país do futuro, da
vitalidade, do dinamismo, da criatividade e assim por diante, terá agora que assimilar outras
características trazidas pelo espectro do seu envelhecimento. Terá que integrar a velhice como
parte do seu quadro social, como parte do delineamento de suas feições e como partícipe da
construção de seu destino.
A representação de si como país e nação jovens esteve fortemente encravada nas raízes da
brasilidade, desde as primeiras imagens da América, criadas pelos europeus, representada
como o “novo mundo”. Os colonizadores e os imigrantes, posteriormente, contribuíram
significativamente para a continuidade desse imaginário que colocava o continente americano
e o Brasil como ao berço da renovação e revitalização de um mundo europeu visto como
envelhecido e esgotado (Calligaris, 1992).
O aumento da proporção dos idosos na demografia e a assimilação do envelhecimento da
população brasileira fez com que ao lado das imagens de jovialidade se instalassem também
imagens da velhice. Tal composição de imagens da jovialidade com as do envelhecimento
levou Veras (1994), em uma de suas obras, a se referir ao Brasil como um “país jovem com
cabelos brancos”.
A assimilação dos mais velhos também se processa mediante o reconhecimento dos
longevos como atores no cenário dos acontecimentos políticos, sociais e culturais do país, em
grande parte sustentado por um conjunto de leis que lhes confere personalidade jurídica no
universo do direito (Ceneviva, 2004). As leis de reconhecimento de direitos especiais foram
impulsionadas pela Constituição Federal de 1988 e se consolidariam com o a promulgação do
Estatuto do Idoso em 2003. Assim, foi criada uma seara jurídica específica denominada
‘legislação do idoso’, que, definitivamente, transformaria os longevos em sujeito de direitos:
como um grupo específico de direitos humanos.

Legislação do Idoso

A legislação do idoso, dentre outras diretrizes, regula direitos, políticas, práticas, formas
de tratamentos, serviços, instituições, espaços e outras especificidades relacionadas às idades
avançadas da vida. De acordo com as pesquisas de Haddad (1986), Groisman (1999), Neri
(2005) e Correa (2008), podemos afirmar que do Brasil oitocentista até a atualidade foi
elaborado um vasto conjunto de leis, decretos, portarias e políticas que tomaram os idosos
como público alvo.
Neste bojo damos destaque a Constituição Federal de 1988, considerada um marco
histórico da legislação e dos direitos da pessoa idosa. A Constituição também pode ser
compreendida como uma baliza na catalogação e diferenciação da população idosa, dos
demais estratos etários populacionais, ao lhe atribuir direitos específicos baseados em critérios
exclusivamente cronológicos. Com isso, os cidadãos idosos passaram a ser encarados pela
sociedade como portadores de direitos civis e políticos especiais. A partir de 1988 não restou

286 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

mais dúvida de que a velhice passou a ser tratada como assunto de importância nacional e
objeto de gestão pública planejada, orientada científica e politicamente.
Nos direitos Constitucionais assegurados à velhice, é possível observar que foi dada maior
atenção às questões relacionadas à seguridade social (Justo & Rozendo, 2010). Foram
destacados os direitos à saúde, à aposentadoria, à previdência, à assistência social e às
medidas de proteção (artigos: 40; 93; 201; 202; 203; 229 e 230), serviços estes que compõem
o chamado “tripé” da seguridade social (Brasil, 1988).
Além dos direitos especiais, a Constituição Federal abriu espaço para a elaboração de uma
ampla seara legislativa específica, voltada para a figura do idoso, que atualmente ocupa um
espaço significativo na esfera jurídica. Dentre a referida legislação destacamos: a Lei nº 8.842
de 1994, denominada “Política Nacional do Idoso” que buscava implantar políticas
específicas e coordenadas em todo o país; o Decreto 1948 de 1996 que regulava a Lei n°
8.842 e previa a implantação de políticas de atendimento na modalidade não asilar, como os
centros de convivência, as residências assistidas e os centros de cuidado diurno; a Portaria 73
de 2001 que estipulava diretrizes para o funcionamento dos programas e instituições voltados
à atenção ao idoso e o Estatuto do Idoso de 2003 que prevê uma série de direitos especiais à
pessoa idosa (Rozendo, 2009). O foco principal do presente trabalho é a Lei 12.213,
promulgada em janeiro de 2010, que institui os fundos Nacional, Estadual e Municipal do
Idoso

Legislação e Controle Populacional

Para os olhares mais desatentos, a promulgação de leis, sob a égide de direitos especiais, é
focalizada exclusivamente em “corredores ideológico-semânticos meliorativos” (Blikstein,
1983:32) e exaltada como um avanço na proteção de determinado grupo etário ou identitário,
tais como crianças, velhos e deficientes. No entanto, mediante um exame crítico, conduzido
por conexões associativas capazes de percorrer possibilidades de nexos relacionais, é possível
compreender tais leis e até mesmo as políticas públicas dirigidas aos referidos grupos como
uma estratégia de Estado no controle de populações. Neste sentido vale resgatar o conceito de
biopolítica1 criado por Foucault (2005).
Partindo da compreensão de biopoder, podemos entender as leis específicas, sejam elas
dirigidas aos idosos, às crianças, aos negros, às mulheres e a tantas outras arregimentações
populacionais e ‘grupos de direitos humanos’, como estratégias biopolíticas de controle de
populações. De acordo com Foucault (2008), o próprio termo ‘população’ designa o sujeito-
objeto coletivo ou agrupamento de pessoas arregimentadas e geridas de acordo com os
interesses políticos e econômicos, capitaneados pelo Estado moderno.
Vale então aqui ressaltar que os sentidos de proteção e amparo não esgotam toda a
polissemia e funcionalidade do Estatuto (Justo & Rozendo, 2010). Ele também se presta como
instrumento de legitimação e orientação de ações do Estado para resolver problemas,

1
Biopolítica: a produção de um saber sobre o corpo que regulamenta diferentes domínios da atividade
humana – a vida, o trabalho, a linguagem – em uma política geral de verdade que se efetiva em um con-
junto de práticas, cuja função é neutralizar perigos, intensificar a utilidade dos indivíduos e fixar popula-
ções (França, 2004:10). – Biopoder: governo da vida da população, sustentando por saberes sobre os cor-
pos dos indivíduos, distribuídos por identidades biológicas ou “bioidentidades” (Foucault, 2005).
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 287
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

gerenciar e controlar populações, administrar subjetividades e manter a integridade do corpo


social. Conforme assinala Foucault:

Os discursos [...] políticos não podem ser dissociados desta prática de um ritual que
determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis
preestabelecidos [...] Procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de
classificação, de ordenação, de distribuição (2001:21-39).

As estatísticas demográficas são exemplos lapidares de procedimentos que classificam e


ordenam, delineando e tipificando populações, tornando possíveis ações massivas e
padronizadas do Estado de gestão e controle de corpos e de subjetividade. Foucault (2008)
denomina ‘tecnologia de poder’, de uma ‘arte de governar’ ou do exercício de mando do
Estado, a estratificação e contagem de populações, como acontece no caso da velhice. Para o
autor tal técnica é uma característica fundamental do Estado Moderno, interessado em
arregimentar, deslocar, fixar, enfim, controlar a população em prol dos interesses da
economia-política, tendo como subsídio os levantamentos estatísticos. Assim, a própria noção
de população e a de categorias sociais confundem-se com as estratégias de controle e
gerenciamento social erigidas pelo Estado.
Os discursos políticos vários, emanados da ciência especializada ou de outras fontes
discursivas mais diretamente vinculadas aos aparelhos ideológicos do Estado, reforçam
substancialmente os procedimentos classificatórios e de gestão de populações (Haddad, 1986).
O Estatuto, aliado às estatísticas demográficas (no caso do Brasil, capitaneadas pelo IBGE),
constrói noções de “população idosa” e de orientação e fomento de políticas públicas de
gestão social desse segmento. Assume o papel de catalisador de um problema social ao qual
procura dar uma forma, inteligibilidade e respostas capazes de neutralizá-lo como força de
contestação e de absorvê-lo na lógica do funcionamento da organização social e dos poderes
instituídos.
É nesse quadro de referência que pretendemos aqui fazer uma análise crítica de fundos de
recursos financeiros do Estado criado recentemente para auxiliar o desenvolvimento de
programas de assistência ao idoso. Trata-se dos Fundos Nacional, Estadual e Municipal,
instituídos em janeiro de 2010. Por ser uma Lei muito recente e estar ainda em fase de
implantação, é relativamente desconhecida e ainda não gerou impactos visíveis, mas,
seguramente, terá desdobramentos bastante significativos nas práticas de gestão da velhice. A
discussão sobre o Fundo do Idoso é recente e, infelizmente, não encontramos outros trabalhos
para compartilharmos nossas reflexões com mais autores sobre o tema em foco.

Lei nº 12.213: os Fundos Nacional, Estadual e Municipal do Idoso

Promulgada pela presidência da república no Diário Oficial da União, do dia 20 de janeiro


de 2010, a Lei nº 12.213 institui a criação do Fundo Nacional do Idoso e autoriza a criação de
congêneres nas esferas estaduais e municipais. De acordo com o discurso oficial, os referidos
fundos se destinam a financiar os programas e as ações relativas ao idoso, tal como está
disposto no artigo primeiro da lei em foco: “Fica instituído o Fundo Nacional do Idoso,
destinado a financiar os programas e as ações relativas ao idoso com vistas em assegurar os

288 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

seus direitos sociais e criar condições para promover sua autonomia, integração e participação
efetiva na sociedade” (Brasil, 2010:1).
A Lei prevê deduções do imposto de renda para pessoas físicas e jurídicas das doações
“devidamente comprovadas feitas aos Fundos Nacional, Estadual ou Municipal do Idoso”
(Brasil, 2010:1). O total das doações não poderá ultrapassar 1% (um por cento) do imposto
devido. Os fundos do idoso contarão, ainda, com recursos governamentais, provenientes da
seguridade social; contribuições de organismos e governos estrangeiros e de outras fontes não
especificadas pela Lei (Brasil, 2010:1).
A Lei 12.213 é o produto de longas e acalentadas contendas que vinham sendo feitas nos
diversos conselhos do idoso2 espalhados por toda federação. O foco das discussões3 era a
inexistência de incentivos fiscais, como a dedução de impostos, para doações em dinheiro
feitas às instituições prestadoras de serviços voltados à população idosa. Em 2009, a proposta
de criação dos fundos do idoso foi apresentada ao Congresso Nacional, pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, sendo aprovada e convertida em Lei federal. O
principal artigo dessa lei estabelece o seguinte:

Art. 3º. A pessoa jurídica poderá deduzir do imposto de renda devido, em cada período de
apuração, o total das doações feitas aos Fundos Nacional, Estaduais ou Municipais do
Idoso devidamente comprovadas, vedada a dedução como despesa operacional.

Parágrafo único. A dedução a que se refere o caput deste artigo, somada à dedução relativa
às doações efetuadas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, a que se refere
o art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com a redação dada pelo art. 10 da Lei
nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, não poderá ultrapassar 1% (um por cento) do imposto
devido (Brasil, 2010:1).

Uma primeira observação, de ordem geral, refere-se à preocupação do Estado em gerar


recursos financeiros para assegurar ações e serviços destinados à população idosa. O
financiamento de projetos, serviços e instituições é um instrumento decisivo para o
direcionamento de políticas direcionadas para segmentos específicos da população. Pela via
da formação e alocação de recursos financeiros se decide no que investir e, com isso, que
rumos dar à vida daqueles que compõem o público alvo de programas, serviços, benefícios e
outras garantias e proteções asseguradas juridicamente e implementadas pelo Estado. Nesse
sentido, o Fundo do Idoso pode ser entendido como instrumento adicional ao Estatuto capaz
de viabilizar as modelações sociais da velhice.
Outra observação refere-se à disposição do Estado em abrir mão de um poderoso
instrumento de gestão de populações – a arrecadação fiscal que garante os investimentos em
políticas públicas – para compartilhar com a iniciativa privada a elaboração de estratégias, a
tomada de decisões e direcionamentos das políticas de assistência e de administração da
velhice. Ao deixar o contribuinte – pessoa física ou jurídica – escolher para onde serão

2
Os Conselhos do Idoso nas esferas nacional, estadual e municipal foram criados pela Lei nº 8.842 de 04
de janeiro de 1994. As diretrizes legais instituíam estes conselhos como órgãos permanentes e deliberati-
vos, responsáveis pela formulação, coordenação, supervisão e avaliação das políticas do idoso em suas
respectivas esferas da administração pública.
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Pudemos acompanhar de perto as referidas discussões em nossa atuação como Presidente do Conselho
Municipal do Idoso de Assis/SP, no período de 2008 a 2010 e como membro titular do Conselho Estadual
do Idoso de São Paulo, no período de 2010 a 2011.
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 289
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

destinados recursos públicos, o Estado abre mão de parcela do seu poder e a transfere para a
chamada iniciativa privada. Cabe enfatizar que tal transferência de poder, ocorre sem
qualquer ônus financeiro para as empresas ou pessoas físicas porque o montante que
eventualmente podem destinar a projetos de assistência aos idosos seria, de qualquer maneira,
pago ao Estado como imposto devido.
Fica, portanto, uma interrogação. Porque o poder público abre mão de parte suas
prerrogativas e a transfere para o setor privado? Porque, no caso, deixa a critério de
empresários e demais contribuintes decidirem sobre a destinação de recursos públicos? Seria
uma política de redução do poder do público, de implementação de uma filosofia de Estado
mínimo? Uma estratégia avançada de administração pública calcada na prática de
terceirização de serviços? Seria uma simples negociação para repartição de dividendos entre
eternos aliados que comandam a economia, a política e a gestão da vida?
Tais indagações, no entanto, precisam ser inseridas num exame mais minucioso da Lei
aqui focalizada, posto que ela estabelece outras condições para a realização das referidas
doações de parte do imposto devido. O contribuinte não pode simplesmente escolher ao seu
critério o programa ou projeto que será beneficiado. Os recursos podem somente ser
direcionados ao Fundo que julgar mais pertinente (Nacional, Estadual ou Municipal).
Um artigo importante dessa lei estabelece a figura do gestor dos recursos captados:
“Artigo 4º da referida Lei: ‘É competência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
Idosa – CNDI gerir o Fundo Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua utilização’.”
(Brasil, 2010:1).
Ao estabelecer o Conselho Nacional do Idoso como gestor dos recursos do Fundo, essa lei
introduz outro parceiro na condução das políticas públicas dirigidas para a velhice. Governo,
iniciativa privada e Conselho passam a constituir a gestão tripartite dos problemas e desafios
decorrentes do envelhecimento da população.
O gestor, na verdade, assume uma importância maior na medida em que é ele que decidirá,
em última instância, em quais áreas, projetos e ações serão aplicados os recursos arrecadados.
A propósito, quem é o Conselho?

Os Conselhos do Idoso e a Gestão dos Fundos

Os Conselhos do Idoso são órgãos deliberativos, consultivos, fiscalizadores e propositores


de políticas e serviços voltados à população idosa. A implantação dos conselhos do segmento
idoso, assim como de outras áreas (Saúde, Assistência Social, Criança e Adolescente e outros)
atende a uma antiga demanda social, manifesta pelos movimentos populares das décadas de
1970 e 1980 (Brandt, 1983; Sader, 1988). A Constituição Federal, promulgada sob o espírito
da redemocratização do país, pode ser considerada como marco fundamental destas
organizações, prevendo a participação de diferentes segmentos da sociedade na gestão do
Estado.
Desta forma, os Conselhos do Idoso foram sendo implantados em todos os níveis da
federação. Via de regra, sua composição conta com representantes do poder público,
nomeados pelas chefias das pastas executivas e por membros da sociedade civil organizada. O
conceito de sociedade civil é um ponto chave de discussão. De acordo com leis que criam e
regulam os conselhos, o termo sociedade civil designa, na maioria dos casos, profissionais e
representantes de instituições prestadoras de serviços ao segmento idoso.
290 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA
FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Vale aqui destacar, que a grande parte destas instituições estão diretamente atreladas ao
Estado, pois recebem recursos públicos estabelecidos por convênios municipais, estaduais e
federal.
A composição do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, disposta pelo Decreto
nº 5.109, retrata bem esta realidade:

Art. 3º. O CNDI tem a seguinte composição, guardada a paridade entre os membros do
Poder Executivo e da sociedade civil organizada:
I – um representante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República e de cada Ministério a seguir indicado:
a) das Relações Exteriores;
b) do Trabalho e Emprego;
c) da Educação;
d) da Saúde;
e) da Cultura;
f) do Esporte;
g) da Justiça;
h) da Previdência Social;
i) da Ciência e Tecnologia;
j) do Turismo;
l) do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
m) do Planejamento, Orçamento e Gestão; e
n) das Cidades;
II – quatorze representantes de entidades da sociedade civil organizada, sem fins
lucrativos, com atuação no campo da promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa, que
tenham filiadas organizadas em, pelo menos, cinco unidades da Federação, distribuídas
em três regiões do País.
§ 1º Os representantes de que trata o inciso I, e seus respectivos suplentes, serão indicados
pelos titulares dos órgãos representados.
§ 2º Os representantes de que trata o inciso II, e seus respectivos suplentes, serão
indicados pelos titulares das entidades representadas [...] (Brasil, 2004:2)

Como se pode observar no inciso II do artigo 3º do Decreto 5.109, o conceito de sociedade


civil compreende um determinado estrato da sociedade: representantes de entidades
prestadoras de serviços, determinadas categorias profissionais e ONGs. Paradoxalmente, os
próprios idosos acabam alijados destes Conselhos, excluídos da gestão das políticas que lhes
interessam. O lugar que, pelo espírito da Constituição Federal em seu tom de promoção da
cidadania, deveria ser majoritariamente ocupado pelos idosos, acaba sendo tomado deles por
aqueles que se interpõem como seus representantes e porta-vozes.
Bobbio (1987:34), valendo-se do pensamento marxista adotado por Gramsci, esclarece
que o termo ‘sociedade civil’ designa os grupos dominantes que exercem o comando e
domínio direto em toda a sociedade, influenciando o Estado, as políticas e a lei. De acordo
com o referido autor, a sociedade civil é representada por grupos hegemônicos que se
empenham em estruturar uma ordem político-econômica atrelada aos seus próprios interesses.

PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 291
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

Esta noção de sociedade civil, explanada pelo ator em tela, parece bastante apropriada para se
entender a composição dos Conselhos do Idoso.
Se o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa ocupa uma posição de destaque
como gestor do Fundo, não significa que Estado e Iniciativa Privada fiquem numa posição
mais recuada, porque eles reaparecem no próprio Conselho na figura dos representantes do
poder público e da chamada “sociedade civil” instituída por lei. O que efetivamente resulta
dessa aparente divisão tripartite de poder entre governo, setor privado e Conselho do Idoso é o
enfraquecimento dos próprios idosos como atores sociais e como gestores das políticas que
lhes afetam diretamente, posto que são alijados do suposto canal de participação popular a
eles destinados constitucionalmente.
Resumidamente, é plausível afirmar que o Fundo se alinha aos poderosos instrumentos de
gestão da velhice controlados por forças e interesses diversos radicados no poder do Estado e
por corporações que dominam a organização social, excluindo e até impedindo que outras
forças, sobretudo aquelas emanadas da socialidade comum (Maffesoli, 1987) e dos próprios
idosos, participem de uma composição política para gestão dos destinos da velhice.
A complexidade e instabilidade das relações sociais, políticas e econômicas,
impulsionadas pela fluidez do mundo contemporâneo, foram estabelecendo mudanças
acirradas no Estado e em suas formas de manter o controle e a ordem econômica (Sant’Ana,
1999). Dentre elas destacamos a implantação de estratégias menos perceptíveis de gestão
populacional, na qual se insere a figura dos Conselhos na atualidade. Estes dispositivos são
sorrateiramente embutidos em discursos ideológicos que sustentam e legitimam funções
sociais, direitos e deveres políticos destinados aos cidadãos comuns, dando assim impressão
de vigência plena de um Estado de direito, democrático. De tais discursos ecoam termos como
“protagonista” e “protagonismo social”, nomenclaturas comumente utilizadas no campo da
literatura, empregadas para designar personagens de uma história, responsáveis pelo
desenrolar de um enredo. Traduzidas para a realidade política vivenciada no país, fazem parte
de uma produção discursiva, incrustada nos aparelhos ideológicos do Estado, visando
persuadir a população de que “figurantes” do cenário sócio-político vêm desempenhando o
papel de protagonistas. O aparecimento das figuras dos “movimentos sociais”, das Ongs, do
Terceiro Setor, das Conferências Setoriais no bojo das mudanças que ocorreram na
organização política do Estado ao longo segunda metade do século XX, alterou
significativamente a gestão das políticas públicas, sendo celebradas, por alguns, como
fortalecimento da chamada “sociedade civil” e como surgimento e projeção de novos atores
sociais (Pinto, 2006; Scherer-Warren 2006). Por outro lado, tais medidas podem ser
compreendidas como uma sofisticação dos mecanismos de dominação das elites para
assegurar a hegemonia do capital (Montaño, 2002).
Com a constituição de 1988, a ideia de participação popular na gestão do Estado foi
bastante disseminada, assim como a crença de que a descentralização administrativa, que teve
a municipalização como sua principal estratégia, daria mais eficiência aos serviços prestados,
racionalizaria a aplicação de recursos e diminuiria a corrupção pela maior facilidade que a
população teria para fiscalizar os gestores públicos. Os Conselhos teriam um papel crucial
nesse processo de democratização da sociedade. No entanto, como mostram os Conselhos dos
Idosos, acabaram sendo dominados por corporações de todo tipo que passaram a impor
interesses de partidos políticos, organizações religiosas, Ongs, categorias profissionais,
associações filantrópicas e tantas outras forças que agem efetivamente como protagonistas no

292 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

lugar do idoso, transformando-o em mero espectador das cenas e acontecimentos que o afetam
diretamente. Os demais Conselhos, como o da Saúde e da Assistência Social, não são
diferentes e possuem uma influência social ainda maior, porque se articulam a organizações
de serviços afeitos a toda população, como é o caso do SUS, ou serviços nevrálgicos como é o
da assistência à população pobre, tida como potencialmente perigosa e de risco social.
Os diversos conselhos que já vinham se constituindo como instâncias burocráticas4 do
Estado (Andrade, 2007), tenderão a se tornarem, paradoxalmente, ainda mais superficiais e
decorativos, com o novo papel de gestor de recursos financeiros.
Com a implantação do Fundo do Idoso, iniciar-se-á uma disputa entre os setores
interessados em angariar recursos para o segmento da infância e adolescência e aqueles outros
empenhados na atração desse tipo de recursos para o segmento da velhice. Tal situação será
bastante propicia para que os dois segmentos sejam posicionados como adversários na disputa
pelas migalhas que lhe serão destinadas pelas sobras do excedente do lucro ou dos impostos
ao que empresários e governo podem dar-se ao luxo de renunciar. Não bastasse uma possível
luta de cunho fraticida, o que cada segmento conseguir arrecadar acabará nas mãos daqueles
que se colocam como mediadores entre as fontes de recurso e os idosos ou que oferecem
serviços especializados.

Considerações Finais

O Brasil, conhecido como ‘país do futuro’, ‘país do desenvolvimento’, ‘país jovem’, passa
por uma revisão de si, não apenas em âmbito etário-populacional, mas, sobretudo, nas
políticas de gestão de populações do Estado. Espraia-se, no horizonte brasileiro, uma nítida
tendência (mesmo que tímida) de deslocamento do alvo das políticas públicas de atenção às
crianças e adolescentes, para as pessoas de mais idade. A criação dos Fundos Municipal,
Estadual e Nacional do Idoso retratam bem esta realidade, pois se outrora existia apenas o
fundo da criança e do adolescente, passa a se estruturar agora, o Fundo do Idoso.
O exame crítico dessa Lei, situada no contexto em que será implementada e no qual gerará
efeitos na vida dos idosos, permite visualizar um cenário nem tanto positivo para os idosos,
como sugere uma leitura mais ingênua e uma apreciação apressada. Sob as melhorias no plano
dos serviços oferecidos aos idosos, que seguramente advirão da injeção de recursos, virão
também os efeitos dos interesses das partes envolvidas na captação e gestão de tais recursos:
poder público, iniciativa privada e Conselhos dos Idosos. É nesse campo de forças que se
decidirão, em última instância, o futuro da Lei, sua materialização e ressonâncias na vida dos
idosos alcançados por ela.
Como a Lei em questão ainda não foi implantada, poderíamos finalizar nossa análise
alertando sobre algumas práticas que poderiam se acentuar na busca e gestão dos recursos
financeiros advindos do fundo que será criado. Práticas que poderão, paradoxalmente,
enfraquecer ainda mais a figura do idoso como protagonista social e a dos Conselhos como
canais legítimos de participação dos idosos nos seus destinos e no da sociedade como um

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De maneira geral, os conselhos do idoso são compostos por membros do poder público e da sociedade
civil vinculada a instituições prestadoras de serviço que recebem recursos públicos, estando diretamente
vinculadas as governanças. Tal composição acaba atribuindo-lhes um caráter burocrático, transformando-
os, em alguns casos, em verdadeiras extensões do Estado. Estas ocorrências colocam em dúvida os discur-
sos oficiais que vinculam essta instâncias aos avanços da democracia no Brasil.
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 293
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO

todo. No campo de forças que se constituirá em torno da gestão do Fundo do Idoso será
imprescindível, como forma de aprimoramento das relações e gestões democráticas, que o
segmento dos mais velhos, criado por estratégias biopolíticas, possa fazer frente e se
contrapor a outras potências. É preciso ponderar que o mais importante não é oferecer uma
parafernália de serviços para a velhice, como pensam filantropos, profissionais interessados
em ampliar sua presença no mercado de serviços, gestores públicos preocupados em se
promover politicamente, empresários em busca de dividendos e tantos outros que buscam
promover seus interesses pessoais, corporativistas ou setoriais, a expensas dos mais velhos. É
preciso sim que os idosos se fortaleçam, em todos os planos da vida, principalmente, no plano
político, possibilitando a eles o efetivo exercício da cidadania a começar pela autonomia na
defesa de seus direitos, mediante os canais que lhes são assegurados, e gestão dos recursos e
serviços que venham a conquistar.
É, sobretudo, necessário fazer da gestão do Fundo um instrumento de promoção do
protagonismo social dos idosos, de fortalecimento da imagem do idoso como sujeito, de
reconhecimento da velhice como categoria social, enfim, utilizar esses recursos e,
principalmente, a gestão deles, como meio de exercício da cidadania e de empoderamento dos
idosos no cenário social.

294 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA POLÍTICA


FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

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• Recebido em 23/12/2010.
• Revisado em 14/08/2011.
• Aceito em 23/02/2012.

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