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MATERIAL DE APOIO
O envelhecimento no Brasil: apectos sociais, políticos e
demográficos em análise
Governança, intersetorialidade e participação social na
política pública: o Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa Idosa
"Fundo Nacional do Idoso" e as Políticas de Gestão do
Envelhecimento da População Brasileira
Article
ARTIGO
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.258
O envelhecimento no Brasil:
aspectos sociais, políticos e demográficos
em análise
Aging in Brazil: social, political and
demographic aspects under analysis
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 142, p. 427-446, set./dez. 2021 427
Escorsim, S.M.
Introdução
O
debate sobre o envelhecimento populacional segue duas grandes
vertentes: a primeira considera os avanços científicos e tecnoló-
gicos que ampliam a longevidade dentro de um processo natural
do ciclo de vida; e uma segunda que o situa nos marcos dos contextos
sócio-históricos, políticos e econômicos das sociedades analisadas e,
desse modo, desnaturaliza-se a ideia de que o envelhecimento ocorre
de modo linear e homogêneo. Este artigo pauta a análise desse fenô-
meno social a partir da segunda vertente. Ainda mais, considera que o
processo de envelhecimento polariza-se nas relações de classe, ou seja,
o envelhecimento da classe trabalhadora é profundamente desigual ao
da classe burguesa, em se tratando de uma sociedade capitalista, como
é o caso brasileiro.
Admitindo-se que a propriedade privada dos meios de produção
constitui o marco divisor entre os membros da sociedade em dois gru-
pos fundamentais, ou seja, proprietários e não proprietários dos meios
de produção, esta condição é estruturante das classes sociais, cujos
interesses passam a ser imediatamente antagônicos. Considerando-se
que as relações de produção/reprodução são constitutivas da sociedade,
necessárias para a manutenção da vida, também, faz-se necessária a
existência de um conjunto de instituições sociais, de ideias e sociabili-
dades que lhes deem significado e sustentação ideopolítica na estrutura
social capitalista, a qual resulta dessas relações.
Em sua obra, Marx e Engels (2010) identificaram nas sociedades in-
dustriais capitalistas o surgimento de uma classe burguesa1 proprietária
dos meios de produção. O capital investido por ela é valorizado mediante
a extração de um sobretrabalho não pago aos trabalhadores, os quais
são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver, visto ser
Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de pro-
1
dução social que empregam o trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos assalariados
modernos que, não tendo os meios próprios de produção, são obrigados a vender sua força de
trabalho para sobreviver (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888) (Marx; Engels, 2010, p. 40).
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Haja vista os discursos sobre o envelhecimento ativo com vista à preservação das capacidades,
2
como endosso para a longevidade com suposta saúde e qualidade de vida (Assis; Avanci, 2010).
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dos idosos deflagra nas economias locais, ainda que persistam os pre-
conceitos e as discriminações sobre o fenômeno da velhice.
A pesquisa por domicílios também identificou que os idosos brasi-
leiros vivem densamente nas regiões urbanas em detrimento das áreas
rurais, numa proporção de 21 milhões contra 3,8 milhões (IBGE, 2012).
Também houve uma diminuição nas taxas de extrema pobreza desse
segmento populacional, 6% do total (IBGE, 2012), o que foi influenciado
pelo acesso à aposentadoria rural e pelo Benefício de Prestação Conti-
nuada da Política de Assistência Social.
As pesquisas recentes do IBGE (2019) apontaram que o desemprego
aumentou e atingiu a marca de 12,7 milhões de pessoas no Brasil. A taxa
de desocupação voltou a subir no trimestre entre novembro de 2018 a
janeiro de 2019. Assim, no cômpito de dez anos (de 2005 a 2015), o nível
de ocupação dos idosos caiu de 30,2% para 26,3%, o que indica o cresci-
mento da vulnerabilidade desse grupo etário para o mercado de trabalho,
resultante da baixa média de anos de estudo, o que corresponde a 65,5%
dos idosos com apenas o ensino fundamental incompleto inseridos no
mercado de trabalho.
A desigualdade social incide significativamente sobre os idosos
moradores das áreas rurais, pois a maioria continua trabalhando, mes-
mo recebendo benefícios de aposentadorias ou pensões, numa taxa de
84,9% dos 3,8 milhões declarados. Mais de 50% dessa população não
teve acesso à escolaridade ou completou apenas o primeiro ano do ensino
fundamental. O censo do IBGE (2010) identificou 32,2% de idosos nessa
situação, o que reitera a prevalência da ocupação em trabalhos braçais
e pouco remunerados.
É necessário destacar que a implementação das políticas protetivas
no âmbito da seguridade social, firmadas pela Carta Constitucional de
1988 e regulamentadas por legislações infraconstitucionais, bem como
as legislações específicas para a população idosa, possibilitou o reconhe-
cimento da cidadania e firmou o compromisso do Estado na garantia de
acesso a benefícios, auxílios e serviços no âmbito das políticas públicas.
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O tempo de contribuição mínimo de 15 anos será mantido para os homens, desde que já estejam
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Considerações finais
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Referências
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do Idoso e dá outras providências. Brasília, 2003a. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 19 mar. 2019.
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envelhecimento, 2002. Tradução: Arlene Santos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, 2003b.
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O envelhecimento no Brasil
DEPUTADOS congelam verba da saúde e educação por 20 anos. Carta Capital, 10 out.
2016. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/deputados-congelam-
verba-da- saude-e-educacaopor-20-anos. Acesso em: 27 mar. 2018.
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Sobre a autora
Silvana Maria Escorsim – Doutora em Serviço Social. Professora adjunta.
Câmara do Curso de Serviço Social, UFPR — Setor Litoral.
E-mail: mariaescorsim@ufpr.br
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
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DOI: 10.1590/1413-812320182310.14112018 3189
ARTIGO ARTICLE
pública: o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa
Gerontologia - ANG e a Pastoral da Pessoa Idosa A ANG, fundada em 1985, tem por finalidade
foram as que mais estiverem presentes ao longo contribuir para a melhoria das condições de vida
dos doze anos. As duas primeiras organizações da população idosa por meio da defesa de polí-
têm sido protagonistas do movimento pró direi- ticas para esse grupo, promoção de espaços de
tos dos idosos no Brasil17,18. trocas entre especialistas e produção de conheci-
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mento sobre o envelhecimento. Essa Associação térios que mais participaram foram os de: Saú-
fomentou uma mobilização nacional no final de; Desenvolvimento Social e Combate à Fome
da década de 90 que culminou na elaboração do (MDS); Previdência Social (MPS) e Educação
documento “Políticas para a 3ª idade nos anos (MEC). A assiduidade desses órgãos expressou os
90”, inspiração para o texto da PNI e criação do eixos prioritários da PNI e do Estatuto do Idoso.
CNDI. Desde 2009, a Secretaria do CNDI é vincula-
A COBAP, criada em 1985, ganhou visibi- da à SEDH, que é responsável por grande parte
lidade durante a Assembleia Nacional Consti- das iniciativas e políticas específicas para a pessoa
tuinte ao reivindicar a melhoria dos benefícios idosa. Isso explica a sua frequente participação
previdenciários e propiciar maior visibilidade às nas reuniões do Conselho.
demandas dos idosos. O Ministério da Saúde é um dos órgãos fun-
O tempo de atuação e a organicidade de tra- damentais no desenvolvimento de políticas para
jetória dessas organizações ajudam a compreen- o bem-estar da população idosa. A PNI destaca
der a sua assiduidade ao longo das reuniões do como competências da área da saúde: garantia de
CNDI, bem como seu papel decisivo na imple- assistência integral à saúde; prevenção, promo-
mentação da PNI17. ção e recuperação da saúde; aplicação de normas
A Pastoral da Pessoa Idosa, vinculada à para funcionamento de instituições geriátricas,
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi com fiscalização pelos gestores do Sistema Úni-
a segunda mais assídua nas reuniões do CNDI. co de Saúde; criação de serviços alternativos de
Criada em 2004, a Pastoral tem como objetivo saúde para o idoso; entre outros. No Estatuto do
melhorar a qualidade de vida dos longevos me- Idoso, o capítulo IV também se dedica ao direito
diante ações junto às redes comunitárias e socio- à saúde.
familiares19. O Ministério do Desenvolvimento Social e
Destaque-se também a presença frequen- Combate à Fome (MDS) é responsável por po-
te de organizações de defesa de direitoscomo a líticas essenciais na promoção do bem-estar dos
Associação Nacional dos Defensores Públicos, a idosos, como as de Assistência Social. Em seu
Associação Nacional de Membros do Ministério âmbito, se inserem ações de proteção social bási-
Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pes- ca e especial que priorizam os idosos. O Benefício
soas com Deficiência e a Ordem dos Advogados de Prestação Continuada (BPC), um mecanismo
do Brasil (OAB). A assiduidade dessas entidades é fundamental de garantia de renda básica à pessoa
fundamental para monitorar as políticas a partir idosa, integra a proteção social básica, no âmbito
dos preceitos legais. do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
As entidades civis têm sido decisivas na defe- A PNI ressalta a importância da área da As-
sa da temática do idoso na agenda de prioridades sistência que deve: prestar serviços e desenvolver
do Estado. A Sociedade Brasileira de Geriatria e ações para o atendimento das necessidades bási-
Gerontologia (SBGG) também teve papel rele- cas do idoso, mediante a participação das famí-
vante e pioneiro na luta pela ampliação dos di- lias, da sociedade e de entidades governamentais
reitos dos idosos, assim como o SESC e a OAB. e não-governamentais; estimular alternativas de
Em relação ao governo, além da Secretaria atendimento ao idoso; promover a capacitação
Especial de Direitos Humanos – SEDH, os minis- de recursos para atendimento ao idoso; entre ou-
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Ministério da Saúde
Secretaria de Direitos Humanos- SDH
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome- MDS
Ministério da Educação- MEC
Ministério da Previdência Social- MPS
Ministério das Cidades
Ministério da Justiça
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão- MPOG
Ministério do Trabalho e Emprego
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação- MCTI
Ministério dos Esportes
Ministério da Cultura-Minc
Ministério das Relações Exteriores- MRE
Instituto de Pesquisa Aplicada- IPEA
Ministério do Turismo
Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas- COBAP
Associação Nacional de Gerontologia- ANG
Pastoral da Pessoa Idosa
Associação Nacional dos Defensores Públicos- ANADEP
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência- AMPID
Ordem dos Advogados do Brasil- OAB
SESC Departamento Nacional
Concelho Federal de Serviço Social- CEFESS
Associação Brasileira de ALsheimer e Doenças Similares- ABRAz
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia- SBGG
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura- CONTAG
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase- MOHRAN
Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento- CIAPE
Associação Brasileira dos Clubes Da Melhor Idade- ABCMI
Confederação Nacional do Comércio- CNC
Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi/CUT)
Federação Nacional das Apaes- FENAPAEs
Associação Médica Brasileira- AMB
Associação de Mantenedores-Beneficiários da Petros- AMBEP
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior- ANDIFES
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte- CBCE
Conferência Nacional Dos Bispos do Brasil- CNBB
Conselho Federal de Psicologia- CFP
Confederação Nacional das Instituições Financeiras- CNF
Fórum Nacional Permanente da Sociedade Civil
Fórum Metropolitano da Pessoa Idosa
Concelho Distrital de Segurança Pública- CONDISP
Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio: CNTC
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins- CNTA
Confederação Nacional do Transporte- CNT
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Número de reuniões
Figura 1. Participação dos órgãos governamentais e organizações não governamentais nas reuniões do CNDI, 2002 a maio de 2016.
Nota: Das 54 atas analisadas, somente 42 tinham relação completa dos participantes.
3195
plementação da política do idoso. Porque se não bre a necessidade de capacitação continuada aos
houver pressão, organização ou articulação, pouco trabalhadores do SUS e de outros ministérios no
vamos avançar (Entrevistada 1) que se refere ao cuidado dos idosos, não houve
A frequência dos órgãos governamentais ações concretas.
nas reuniões ordinárias do CNDI nem sempre No que diz respeito à aplicação de normas de
se traduziu em efetividade de participação. Por funcionamento e fiscalização de instituições geri-
outro lado, destacou-se a atuação do Ministério átricas e similares no âmbito do SUS, foram feitas
da Saúde nas comissões permanentes do CNDI, visitas de inspeção. Contudo, algumas ações fo-
bem como a importância desse espaço para a sua ram realizadas pelo Conselho Federal de Psicolo-
interação com outros órgãos e entidades da so- gia junto aos Conselhos Regionais e em parceria
ciedade civil: com a OAB, sem a participação direta de órgãos
Sou conselheira titular, de 2012 até 2016. Esse governamentais.
ano nós vamos fazer nova indicação. Também Quanto à criação de incentivos e alternativas
coordenava a comissão de políticas, como repre- de atendimento ao idoso, houve tentativas de re-
sentante de governo. Então é muito importante a gulamentar os serviços e programas de atenção
participação, a qualificação das participações do que integrariam a Rede Nacional de Proteção e
conselho, porque a gente está ali sentada na mesma Defesa da Pessoa Idosa (RENADI). Porém, esta
mesa com a sociedade civil e com representantes de não foi concretizada.
outros ministérios, que muitas vezes a gente nem No que concerne à inserção nos currículos de
tem tanta proximidade. Então, acho que ainda conteúdos voltados para o processo de envelhe-
tem muito o que avançar, não tenho dúvida disso. cimento, abordou-se o incentivo à capacitação e
A gente fez esse ano a 4ª Conferência Nacional de reciclagem dos recursos humanos; o estímulo à
Direitos da Pessoa Idosa numa parceria muito boa. capacitação em instituições de ensino públicas e
Isso aproxima as políticas, você pensa em estraté- privadas e a busca pela inclusão da temática do
gias que englobam outros setores. A gente trabalha envelhecimento nas disciplinas do ensino funda-
muito, eu particularmente acho que o trabalho mental.
intersetorial é fundamental. A Saúde sozinha não Sobre o Estatuto do Idoso, as discussões gi-
vai resolver as questões, em especial da pessoa idosa raram em torno da readequação de alguns arti-
(Entrevistado 2) gos, como os relativos ao direito à gratuidade no
transporte público e a regulamentação e fiscaliza-
Agenda política ção das Instituições de Longa Permanência.
ii. Fortalecimento dos conselhos locais de idosos
Os temas mais debatidos nas reuniões do Os conselhos locais de idosos constituem-se
CNDI estavam presentes na PNI, o que reforça como lócus de elaboração e controle de políti-
o caráter desta na definição da agenda. Estes fo- cas, podendo ser representativos do grau de ma-
ram agregados em quatro eixos: (i) Legislação, turidade do movimento social que representa a
adequação e efetivação da Política Nacional do população idosa. Mesmo antes do CNDI, alguns
Idoso e Estatuto do Idoso; (ii) Fortalecimento do conselhos locais já existiam, como o do Estado de
controle social; (iii) Orçamento público federal São Paulo18. Contudo, ainda é expressivo o nú-
voltado aos idosos; (iv) Redes de promoção, pro- mero de Estados e municípios que têm dificulda-
teção e defesa de direitos dos idosos. des na implementação desses conselhos.
i. Legislação, adequação e efetivação da Política A PNI estimulou a criação de conselhos esta-
Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso duais e municipais ao delegar a essas instâncias
O CNDI tem o papel de acompanhar, super- responsabilidades na promoção dos direitos dos
visionar, fiscalizar e avaliar a PNI, bem como as idosos. Quase 60% dos conselhos locais surgiram
ações dela decorrentes em consonância com o a partir da PNI18.
Estatuto do Idoso. A análise das atas permitiu Os debates no CNDI se centraram na neces-
identificar temas da PNI frequentemente deba- sidade de fortalecer os conselhos do idoso, en-
tidos, bem como as medidas e encaminhamen- volvendo as seguintes iniciativas: levantamento
tos relativos a cada um, conforme resumido no dos conselhos Estaduais e Municipais do Idoso;
Quadro 4. sugestão da criação de um sistema de informa-
Para alguns temas, houve dificuldades de ção para cadastrar os conselhos; identificação de
encaminhar propostas. Um exemplo concerne problemas para o planejamento; e elaboração de
à formação de recursos humanos nas áreas de uma cartilha de sensibilização para criação dos
geriatria e gerontologia. Apesar dos debates so- conselhos. Como avanço, a partir do Fundo Na-
3197
cional do Idoso, o CNDI apoiou a estruturação e Tributação. Nas reuniões do CNDI enfatizou-se a
equipagem dos conselhos que apresentavam es- necessidade de acelerar o processo junto ao Con-
truturas físicas precárias. gresso, diante da compreensão de que um fundo
iii. Orçamento Público Federal voltado aos idosos orçamentário exclusivo favoreceria o avanço das
O CNDI tem como atribuição “acompanhar ações preconizadas no Estatuto do Idoso.
a elaboração e a execução da proposta orçamen- Em 2010 foi instituído o Fundo Nacional do
tária da União, indicando modificações necessá- Idoso (FNI) e autorizada a criação de fundos
rias à consecução da política formulada para a congêneres nas esferas estaduais e municipais23.
promoção dos direitos do idoso”16, o que sugere a O FNI resultou de sucessivas discussões no âm-
necessidade de previsão orçamentária para ações bito do CNDI diante da “inexistência de incen-
voltadas à população idosa. tivos fiscais, como a dedução de impostos, para
Em algumas reuniões do CNDI deliberou-se doações em dinheiro feitas às instituições presta-
que fossem levantadas as ações dos ministérios doras de serviços voltados à população idosa”24.
direcionadas para os idosos. Porém, a Secretaria O objetivo é financiar programas e ações a fim
de Orçamento Federal informou ao Conselho a de assegurar os direitos dos idosos e criar con-
inexistência de ação orçamentária específica des- dições para promover sua autonomia, integração
tinada aos idosos. As ações para esse grupo estão e participação efetiva na sociedade. No entanto,
incorporadas dentro de programas gerais nos sua finalidade é complementar, sendo vedada sua
orçamentos setoriais, o que dificulta seu moni- utilização para o financiamento de políticas de
toramento. caráter continuado23,25.
Um projeto de criação de um fundo para a O FNI tem como receitas: recursos públi-
população idosa, apresentado em 2005, perma- cos consignados no Orçamento da União, dos
neceu durante anos na Comissão de Finanças e estados, dos municípios e do Distrito Federal;
3198
Souza MS, Machado CV
contribuições de governos e organismos interna- cia Nacional do Idoso em 2006, a Rede ainda não
cionais; e doações de pessoas físicas e jurídicas, havia se concretizado até 2011 e a maior parte das
dedutíveis do Imposto de Renda. iniciativas permanecia em discussão.
A administração do Fundo é do Poder Exe- Em suma, a agenda do Conselho no período
cutivo, sendo “competência do Conselho Nacio- foi influenciada por: (i) diretrizes da PNI e do Es-
nal dos Direitos da Pessoa Idosa gerir o Fundo tatuto do Idoso; (ii) normas que norteiam o fun-
Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua cionamento do CNDI; e (iii) demandas trazidas
utilização”23: pelas representações da sociedade civil e pelos
O CNDI fiscaliza, acompanha, propõe, delibera conselhos estaduais e municipais do idoso. Esses
onde vai ser usado, mas não movimenta. O Fundo três elementos repercutiram na priorização dos
é um complemento, as políticas do idoso estão nos temas e condução das ações.
municípios, nos estados, através do SUS, da Previ-
dência Social, da Assistência Social, do CRAS, CRE-
AS, dos Centros de Convivência. (Entrevistado 3) Considerações finais
A instituição do Fundo significou um ganho
dos movimentos sociais, que colocaram na agen- O Brasil apresentou avanços institucionais nas
da do Estado a urgência de gerar recursos finan- últimas décadas nas políticas para os idosos, tan-
ceiros para viabilizar ações para o bem-estar os to do ponto de vista constitucional, ao propor
idosos. A escolha de alocação e investimento dos uma Seguridade Social abrangente, quanto por
recursos em determinados benefícios e progra- meio de estratégias especificas, como o Estatuto
mas pode ajudar a compreender as prioridades do Idoso. O CNDI representa uma estrutura ino-
estatais nesse âmbito. vadora de governança, que procura promover a
Contudo, diante da introdução de novos pro- articulação intersetorial entre órgãos públicos e
cessos administrativos relacionados à gerência do ampliar a participação da sociedade civil nas po-
FNI, houve dificuldades iniciais quanto às dire- líticas para os idosos.
trizes e normas para utilização do fundo. Por isso, Debert e Oliveira27 atestam a importância
constituiu-se um grupo de trabalho para subsi- de conselhos participativos, que favorecem a
diar o Conselho no desenvolvimento de estraté- influência e controle da sociedade civil institu-
gias para captação e utilização de recursos. cionalizada sobre o Estado na elaboração e im-
A partir de 2013, os debates nas reuniões plementação de políticas públicas. Cabe destacar
sugerem o funcionamento do Fundo, incluindo a estrutura horizontal que caracteriza a tomada
formas de angariar doações e o estabelecimen- de decisões, com presença de agentes estatais de
to de editais visando a seleção de entidades que diferentes órgãos; a existência de comissões para
tivessem projetos compatíveis com os critérios viabilizar as ações; a densidade organizacional da
de utilização regulamentados por resolução da sociedade civil; e a tentativa de articulação entre
SEDH de 201226. agendas do Estado e da sociedade civil.
iii. Redes de promoção, proteção e defesa de di- Programas sociais voltados para a população
reitos dos idosos idosa vêm sendo expandidos em diversos países,
Identificou-se a busca de construção de ações sobretudo os desenvolvidos, influenciados pelo
abrangentes para os idosos a partir de redes in- modelo de proteção social em cada contexto28.
tersetoriais de defesa e promoção de direitos, Contudo, não foi possível identificar na literatura
conforme previu a PNI. Buscou-se estabelecer internacional o funcionamento de espaços institu-
a RENADI, caracterizada como um pacto entre cionais baseados na articulação intersetorial e na
os gestores de políticas públicas com o objetivo participação do Estado e sociedade civil voltados
de promover a intersetorialidade na proteção aos para esse grupo em moldes similares ao CNDI, o
idosos, visando evitar situações de vulnerabilida- que sugere o caráter inovador dessa instância.
de social desse grupo. No que se refere à agenda política, destaque-se
Para operacionalização da RENADI, propôs- o papel do CNDI na defesa da implementação da
se o Plano Técnico de Articulação de Rede de legislação de proteção dos idosos a partir de estra-
Promoção dos Direitos da Pessoa Idosa- PLAN- tégias junto as diferentes esferas e Poderes (Exe-
TAR, que teria como objetivo integrar políticas cutivo, Judiciário e Legislativo). Como exemplos,
para a construção de uma agenda comum de houve a tentativa de construção da RENADI, o
trabalho entre governos, sociedade civil e orga- desenvolvimento do Plano e Manual de Enfrenta-
nismos internacionais. Contudo, apesar de a pro- mento à Violência contra a Pessoa Idosa, a criação
posta do RENADI ter sido tema da 1ª Conferên- do Fundo Nacional do Idoso e o fortalecimento
3199
Referências
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CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons
FUNDO NACIONAL DO IDOSO E AS POLÍTICAS DE GESTÃO DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
Resumo
Os censos demográficos das últimas décadas do século XX
começaram a revelar uma tendência da população brasileira: o
crescimento da proporção dos mais velhos. Desde então, os
governos tiveram que mobilizar esforços para gerir as
conseqüências diversas de tal fenômeno, sendo a mais recente
iniciativa a criação, mediante lei, dos Fundos Municipal,
Estadual e Nacional do Idoso. Tal lei autoriza o repasse de
★ Mestre e doutor em Psicologia
imposto devido por pessoas físicas e jurídicas aos Fundos. O
pela Universidade Estadual Paulista
presente artigo se dedica ao exame crítico dessa iniciativa de Júlio de Mesquita Filho, Brasil.
governo na gestão do envelhecimento, levando em consideração Atualmente é professor assistente
o contexto no qual a Lei vem sendo implementada. Com a da Universidade Federal de Mato
Grosso, Rondonópolis, MT, Brasil.
criação do fundo haverá a ampliação e melhoria dos serviços
★★ Mestre
destinados aos idosos, porém, a referida lei não prevê uma em Psicologia
Educacional e doutor em
participação ativa dos próprios idosos na gestão deste fundo e Psicologia Social pela Pontifícia
políticas que dele decorram. Universidade Católica de São
Paulo, Brasil, professor e Livre
Docente pela Universidade
Palavras-chave Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Assis, SP, Brasil.
Envelhecimento, População, Legislação, Fundo do Idoso,
Gestão.
Rozendo, Adriano, & Justo,
José Sterza. (2012). Fundo
Abstract Nacional do Idoso e as
Demographic census from the last decades of the twentieth políticas de gestão do
century began to reveal a tendency concerning the increasing envelhecimento da população
average age of the population. The Brazilian government began brasileira. Psicologia Política,
12(24), 283-296.
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 283
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO
introducing ways to manage the effects and consequences of this trend, the most recent being
the creation of the “Fundos do Idoso” (Funds for seniors) in the Federal, state and municipal
spheres. That law allows transferring federal taxes from common citizens and companies to
the funds. This article is specifically written as a critical examination of this governmental
initiative towards the problem of an ageing population from the point of view as to how the
law has been implemented. With the creation of the funds there will be the enlargement and
improvement of services destined for seniors. However, the law mentioned above does not
predict an active participation of the seniors in the management of this funds and policies that
will come as result.
Keywords
Ageing, Population, Legislation, Funds for seniors, Management.
Resumen
La investigación demográfica de las décadas pasadas del siglo XX había comenzado a
divulgar una tendencia de la población brasileña: el crecimiento del cociente de los más
viejos. Desde entonces, los gobiernos habían tenido eso para movilizar esfuerzos de manejar
las consecuencias diversas de tal fenómeno, siendo la iniciativa más reciente la creación, “os
Fundos do Idoso” (Fondos de mayores). Tal ley autoriza la transferencia de impuestos de la
gente y de compañías a los Fondos. El actual artículo si dedica a la examinación crítica de
esta iniciativa del gobierno en la gerencia del envejecimento, conduciendo en la
consideración el contexto en el cual la ley será puesta en ejecución. Es posible prever, como
efecto posible, la mejora de los servicios destinados a los envejecidos, sin embargo, la ley
mencionada no predice que una participación activa de los mayores en la dirección de este
financia y políticas que vendrán como resultado.
Palabras clave
Envejecimiento, Población, Legislación, “Fundo do Idoso”, Dirección.
Introdução
Por muito tempo, ela [a velhice] foi considerada como objeto da esfera privada e familiar.
Cabia aos parentes e familiares ou à iniciativa de associações filantrópicas cuidarem de
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 285
ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO
No Brasil, um país habituado a se ver e a agir como jovem (Calligaris, 1992), sofre um
impacto profundo da inevitável revisão dessa imagem, com o crescimento demográfico da
população idosa. Tal visão juvenil, seguida de uma representação do país do futuro, da
vitalidade, do dinamismo, da criatividade e assim por diante, terá agora que assimilar outras
características trazidas pelo espectro do seu envelhecimento. Terá que integrar a velhice como
parte do seu quadro social, como parte do delineamento de suas feições e como partícipe da
construção de seu destino.
A representação de si como país e nação jovens esteve fortemente encravada nas raízes da
brasilidade, desde as primeiras imagens da América, criadas pelos europeus, representada
como o “novo mundo”. Os colonizadores e os imigrantes, posteriormente, contribuíram
significativamente para a continuidade desse imaginário que colocava o continente americano
e o Brasil como ao berço da renovação e revitalização de um mundo europeu visto como
envelhecido e esgotado (Calligaris, 1992).
O aumento da proporção dos idosos na demografia e a assimilação do envelhecimento da
população brasileira fez com que ao lado das imagens de jovialidade se instalassem também
imagens da velhice. Tal composição de imagens da jovialidade com as do envelhecimento
levou Veras (1994), em uma de suas obras, a se referir ao Brasil como um “país jovem com
cabelos brancos”.
A assimilação dos mais velhos também se processa mediante o reconhecimento dos
longevos como atores no cenário dos acontecimentos políticos, sociais e culturais do país, em
grande parte sustentado por um conjunto de leis que lhes confere personalidade jurídica no
universo do direito (Ceneviva, 2004). As leis de reconhecimento de direitos especiais foram
impulsionadas pela Constituição Federal de 1988 e se consolidariam com o a promulgação do
Estatuto do Idoso em 2003. Assim, foi criada uma seara jurídica específica denominada
‘legislação do idoso’, que, definitivamente, transformaria os longevos em sujeito de direitos:
como um grupo específico de direitos humanos.
Legislação do Idoso
A legislação do idoso, dentre outras diretrizes, regula direitos, políticas, práticas, formas
de tratamentos, serviços, instituições, espaços e outras especificidades relacionadas às idades
avançadas da vida. De acordo com as pesquisas de Haddad (1986), Groisman (1999), Neri
(2005) e Correa (2008), podemos afirmar que do Brasil oitocentista até a atualidade foi
elaborado um vasto conjunto de leis, decretos, portarias e políticas que tomaram os idosos
como público alvo.
Neste bojo damos destaque a Constituição Federal de 1988, considerada um marco
histórico da legislação e dos direitos da pessoa idosa. A Constituição também pode ser
compreendida como uma baliza na catalogação e diferenciação da população idosa, dos
demais estratos etários populacionais, ao lhe atribuir direitos específicos baseados em critérios
exclusivamente cronológicos. Com isso, os cidadãos idosos passaram a ser encarados pela
sociedade como portadores de direitos civis e políticos especiais. A partir de 1988 não restou
mais dúvida de que a velhice passou a ser tratada como assunto de importância nacional e
objeto de gestão pública planejada, orientada científica e politicamente.
Nos direitos Constitucionais assegurados à velhice, é possível observar que foi dada maior
atenção às questões relacionadas à seguridade social (Justo & Rozendo, 2010). Foram
destacados os direitos à saúde, à aposentadoria, à previdência, à assistência social e às
medidas de proteção (artigos: 40; 93; 201; 202; 203; 229 e 230), serviços estes que compõem
o chamado “tripé” da seguridade social (Brasil, 1988).
Além dos direitos especiais, a Constituição Federal abriu espaço para a elaboração de uma
ampla seara legislativa específica, voltada para a figura do idoso, que atualmente ocupa um
espaço significativo na esfera jurídica. Dentre a referida legislação destacamos: a Lei nº 8.842
de 1994, denominada “Política Nacional do Idoso” que buscava implantar políticas
específicas e coordenadas em todo o país; o Decreto 1948 de 1996 que regulava a Lei n°
8.842 e previa a implantação de políticas de atendimento na modalidade não asilar, como os
centros de convivência, as residências assistidas e os centros de cuidado diurno; a Portaria 73
de 2001 que estipulava diretrizes para o funcionamento dos programas e instituições voltados
à atenção ao idoso e o Estatuto do Idoso de 2003 que prevê uma série de direitos especiais à
pessoa idosa (Rozendo, 2009). O foco principal do presente trabalho é a Lei 12.213,
promulgada em janeiro de 2010, que institui os fundos Nacional, Estadual e Municipal do
Idoso
Para os olhares mais desatentos, a promulgação de leis, sob a égide de direitos especiais, é
focalizada exclusivamente em “corredores ideológico-semânticos meliorativos” (Blikstein,
1983:32) e exaltada como um avanço na proteção de determinado grupo etário ou identitário,
tais como crianças, velhos e deficientes. No entanto, mediante um exame crítico, conduzido
por conexões associativas capazes de percorrer possibilidades de nexos relacionais, é possível
compreender tais leis e até mesmo as políticas públicas dirigidas aos referidos grupos como
uma estratégia de Estado no controle de populações. Neste sentido vale resgatar o conceito de
biopolítica1 criado por Foucault (2005).
Partindo da compreensão de biopoder, podemos entender as leis específicas, sejam elas
dirigidas aos idosos, às crianças, aos negros, às mulheres e a tantas outras arregimentações
populacionais e ‘grupos de direitos humanos’, como estratégias biopolíticas de controle de
populações. De acordo com Foucault (2008), o próprio termo ‘população’ designa o sujeito-
objeto coletivo ou agrupamento de pessoas arregimentadas e geridas de acordo com os
interesses políticos e econômicos, capitaneados pelo Estado moderno.
Vale então aqui ressaltar que os sentidos de proteção e amparo não esgotam toda a
polissemia e funcionalidade do Estatuto (Justo & Rozendo, 2010). Ele também se presta como
instrumento de legitimação e orientação de ações do Estado para resolver problemas,
1
Biopolítica: a produção de um saber sobre o corpo que regulamenta diferentes domínios da atividade
humana – a vida, o trabalho, a linguagem – em uma política geral de verdade que se efetiva em um con-
junto de práticas, cuja função é neutralizar perigos, intensificar a utilidade dos indivíduos e fixar popula-
ções (França, 2004:10). – Biopoder: governo da vida da população, sustentando por saberes sobre os cor-
pos dos indivíduos, distribuídos por identidades biológicas ou “bioidentidades” (Foucault, 2005).
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ADRIANO ROZENDO – JOSÉ STERZA JUSTO
Os discursos [...] políticos não podem ser dissociados desta prática de um ritual que
determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis
preestabelecidos [...] Procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de
classificação, de ordenação, de distribuição (2001:21-39).
seus direitos sociais e criar condições para promover sua autonomia, integração e participação
efetiva na sociedade” (Brasil, 2010:1).
A Lei prevê deduções do imposto de renda para pessoas físicas e jurídicas das doações
“devidamente comprovadas feitas aos Fundos Nacional, Estadual ou Municipal do Idoso”
(Brasil, 2010:1). O total das doações não poderá ultrapassar 1% (um por cento) do imposto
devido. Os fundos do idoso contarão, ainda, com recursos governamentais, provenientes da
seguridade social; contribuições de organismos e governos estrangeiros e de outras fontes não
especificadas pela Lei (Brasil, 2010:1).
A Lei 12.213 é o produto de longas e acalentadas contendas que vinham sendo feitas nos
diversos conselhos do idoso2 espalhados por toda federação. O foco das discussões3 era a
inexistência de incentivos fiscais, como a dedução de impostos, para doações em dinheiro
feitas às instituições prestadoras de serviços voltados à população idosa. Em 2009, a proposta
de criação dos fundos do idoso foi apresentada ao Congresso Nacional, pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, sendo aprovada e convertida em Lei federal. O
principal artigo dessa lei estabelece o seguinte:
Art. 3º. A pessoa jurídica poderá deduzir do imposto de renda devido, em cada período de
apuração, o total das doações feitas aos Fundos Nacional, Estaduais ou Municipais do
Idoso devidamente comprovadas, vedada a dedução como despesa operacional.
Parágrafo único. A dedução a que se refere o caput deste artigo, somada à dedução relativa
às doações efetuadas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, a que se refere
o art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com a redação dada pelo art. 10 da Lei
nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, não poderá ultrapassar 1% (um por cento) do imposto
devido (Brasil, 2010:1).
2
Os Conselhos do Idoso nas esferas nacional, estadual e municipal foram criados pela Lei nº 8.842 de 04
de janeiro de 1994. As diretrizes legais instituíam estes conselhos como órgãos permanentes e deliberati-
vos, responsáveis pela formulação, coordenação, supervisão e avaliação das políticas do idoso em suas
respectivas esferas da administração pública.
3
Pudemos acompanhar de perto as referidas discussões em nossa atuação como Presidente do Conselho
Municipal do Idoso de Assis/SP, no período de 2008 a 2010 e como membro titular do Conselho Estadual
do Idoso de São Paulo, no período de 2010 a 2011.
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destinados recursos públicos, o Estado abre mão de parcela do seu poder e a transfere para a
chamada iniciativa privada. Cabe enfatizar que tal transferência de poder, ocorre sem
qualquer ônus financeiro para as empresas ou pessoas físicas porque o montante que
eventualmente podem destinar a projetos de assistência aos idosos seria, de qualquer maneira,
pago ao Estado como imposto devido.
Fica, portanto, uma interrogação. Porque o poder público abre mão de parte suas
prerrogativas e a transfere para o setor privado? Porque, no caso, deixa a critério de
empresários e demais contribuintes decidirem sobre a destinação de recursos públicos? Seria
uma política de redução do poder do público, de implementação de uma filosofia de Estado
mínimo? Uma estratégia avançada de administração pública calcada na prática de
terceirização de serviços? Seria uma simples negociação para repartição de dividendos entre
eternos aliados que comandam a economia, a política e a gestão da vida?
Tais indagações, no entanto, precisam ser inseridas num exame mais minucioso da Lei
aqui focalizada, posto que ela estabelece outras condições para a realização das referidas
doações de parte do imposto devido. O contribuinte não pode simplesmente escolher ao seu
critério o programa ou projeto que será beneficiado. Os recursos podem somente ser
direcionados ao Fundo que julgar mais pertinente (Nacional, Estadual ou Municipal).
Um artigo importante dessa lei estabelece a figura do gestor dos recursos captados:
“Artigo 4º da referida Lei: ‘É competência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa
Idosa – CNDI gerir o Fundo Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua utilização’.”
(Brasil, 2010:1).
Ao estabelecer o Conselho Nacional do Idoso como gestor dos recursos do Fundo, essa lei
introduz outro parceiro na condução das políticas públicas dirigidas para a velhice. Governo,
iniciativa privada e Conselho passam a constituir a gestão tripartite dos problemas e desafios
decorrentes do envelhecimento da população.
O gestor, na verdade, assume uma importância maior na medida em que é ele que decidirá,
em última instância, em quais áreas, projetos e ações serão aplicados os recursos arrecadados.
A propósito, quem é o Conselho?
Vale aqui destacar, que a grande parte destas instituições estão diretamente atreladas ao
Estado, pois recebem recursos públicos estabelecidos por convênios municipais, estaduais e
federal.
A composição do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, disposta pelo Decreto
nº 5.109, retrata bem esta realidade:
Art. 3º. O CNDI tem a seguinte composição, guardada a paridade entre os membros do
Poder Executivo e da sociedade civil organizada:
I – um representante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República e de cada Ministério a seguir indicado:
a) das Relações Exteriores;
b) do Trabalho e Emprego;
c) da Educação;
d) da Saúde;
e) da Cultura;
f) do Esporte;
g) da Justiça;
h) da Previdência Social;
i) da Ciência e Tecnologia;
j) do Turismo;
l) do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
m) do Planejamento, Orçamento e Gestão; e
n) das Cidades;
II – quatorze representantes de entidades da sociedade civil organizada, sem fins
lucrativos, com atuação no campo da promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa, que
tenham filiadas organizadas em, pelo menos, cinco unidades da Federação, distribuídas
em três regiões do País.
§ 1º Os representantes de que trata o inciso I, e seus respectivos suplentes, serão indicados
pelos titulares dos órgãos representados.
§ 2º Os representantes de que trata o inciso II, e seus respectivos suplentes, serão
indicados pelos titulares das entidades representadas [...] (Brasil, 2004:2)
PSICOLOGIA POLÍTICA. VOL. 12. Nº 24. PP. 283-296. MAIO – AGO. 2012 291
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Esta noção de sociedade civil, explanada pelo ator em tela, parece bastante apropriada para se
entender a composição dos Conselhos do Idoso.
Se o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa ocupa uma posição de destaque
como gestor do Fundo, não significa que Estado e Iniciativa Privada fiquem numa posição
mais recuada, porque eles reaparecem no próprio Conselho na figura dos representantes do
poder público e da chamada “sociedade civil” instituída por lei. O que efetivamente resulta
dessa aparente divisão tripartite de poder entre governo, setor privado e Conselho do Idoso é o
enfraquecimento dos próprios idosos como atores sociais e como gestores das políticas que
lhes afetam diretamente, posto que são alijados do suposto canal de participação popular a
eles destinados constitucionalmente.
Resumidamente, é plausível afirmar que o Fundo se alinha aos poderosos instrumentos de
gestão da velhice controlados por forças e interesses diversos radicados no poder do Estado e
por corporações que dominam a organização social, excluindo e até impedindo que outras
forças, sobretudo aquelas emanadas da socialidade comum (Maffesoli, 1987) e dos próprios
idosos, participem de uma composição política para gestão dos destinos da velhice.
A complexidade e instabilidade das relações sociais, políticas e econômicas,
impulsionadas pela fluidez do mundo contemporâneo, foram estabelecendo mudanças
acirradas no Estado e em suas formas de manter o controle e a ordem econômica (Sant’Ana,
1999). Dentre elas destacamos a implantação de estratégias menos perceptíveis de gestão
populacional, na qual se insere a figura dos Conselhos na atualidade. Estes dispositivos são
sorrateiramente embutidos em discursos ideológicos que sustentam e legitimam funções
sociais, direitos e deveres políticos destinados aos cidadãos comuns, dando assim impressão
de vigência plena de um Estado de direito, democrático. De tais discursos ecoam termos como
“protagonista” e “protagonismo social”, nomenclaturas comumente utilizadas no campo da
literatura, empregadas para designar personagens de uma história, responsáveis pelo
desenrolar de um enredo. Traduzidas para a realidade política vivenciada no país, fazem parte
de uma produção discursiva, incrustada nos aparelhos ideológicos do Estado, visando
persuadir a população de que “figurantes” do cenário sócio-político vêm desempenhando o
papel de protagonistas. O aparecimento das figuras dos “movimentos sociais”, das Ongs, do
Terceiro Setor, das Conferências Setoriais no bojo das mudanças que ocorreram na
organização política do Estado ao longo segunda metade do século XX, alterou
significativamente a gestão das políticas públicas, sendo celebradas, por alguns, como
fortalecimento da chamada “sociedade civil” e como surgimento e projeção de novos atores
sociais (Pinto, 2006; Scherer-Warren 2006). Por outro lado, tais medidas podem ser
compreendidas como uma sofisticação dos mecanismos de dominação das elites para
assegurar a hegemonia do capital (Montaño, 2002).
Com a constituição de 1988, a ideia de participação popular na gestão do Estado foi
bastante disseminada, assim como a crença de que a descentralização administrativa, que teve
a municipalização como sua principal estratégia, daria mais eficiência aos serviços prestados,
racionalizaria a aplicação de recursos e diminuiria a corrupção pela maior facilidade que a
população teria para fiscalizar os gestores públicos. Os Conselhos teriam um papel crucial
nesse processo de democratização da sociedade. No entanto, como mostram os Conselhos dos
Idosos, acabaram sendo dominados por corporações de todo tipo que passaram a impor
interesses de partidos políticos, organizações religiosas, Ongs, categorias profissionais,
associações filantrópicas e tantas outras forças que agem efetivamente como protagonistas no
lugar do idoso, transformando-o em mero espectador das cenas e acontecimentos que o afetam
diretamente. Os demais Conselhos, como o da Saúde e da Assistência Social, não são
diferentes e possuem uma influência social ainda maior, porque se articulam a organizações
de serviços afeitos a toda população, como é o caso do SUS, ou serviços nevrálgicos como é o
da assistência à população pobre, tida como potencialmente perigosa e de risco social.
Os diversos conselhos que já vinham se constituindo como instâncias burocráticas4 do
Estado (Andrade, 2007), tenderão a se tornarem, paradoxalmente, ainda mais superficiais e
decorativos, com o novo papel de gestor de recursos financeiros.
Com a implantação do Fundo do Idoso, iniciar-se-á uma disputa entre os setores
interessados em angariar recursos para o segmento da infância e adolescência e aqueles outros
empenhados na atração desse tipo de recursos para o segmento da velhice. Tal situação será
bastante propicia para que os dois segmentos sejam posicionados como adversários na disputa
pelas migalhas que lhe serão destinadas pelas sobras do excedente do lucro ou dos impostos
ao que empresários e governo podem dar-se ao luxo de renunciar. Não bastasse uma possível
luta de cunho fraticida, o que cada segmento conseguir arrecadar acabará nas mãos daqueles
que se colocam como mediadores entre as fontes de recurso e os idosos ou que oferecem
serviços especializados.
Considerações Finais
O Brasil, conhecido como ‘país do futuro’, ‘país do desenvolvimento’, ‘país jovem’, passa
por uma revisão de si, não apenas em âmbito etário-populacional, mas, sobretudo, nas
políticas de gestão de populações do Estado. Espraia-se, no horizonte brasileiro, uma nítida
tendência (mesmo que tímida) de deslocamento do alvo das políticas públicas de atenção às
crianças e adolescentes, para as pessoas de mais idade. A criação dos Fundos Municipal,
Estadual e Nacional do Idoso retratam bem esta realidade, pois se outrora existia apenas o
fundo da criança e do adolescente, passa a se estruturar agora, o Fundo do Idoso.
O exame crítico dessa Lei, situada no contexto em que será implementada e no qual gerará
efeitos na vida dos idosos, permite visualizar um cenário nem tanto positivo para os idosos,
como sugere uma leitura mais ingênua e uma apreciação apressada. Sob as melhorias no plano
dos serviços oferecidos aos idosos, que seguramente advirão da injeção de recursos, virão
também os efeitos dos interesses das partes envolvidas na captação e gestão de tais recursos:
poder público, iniciativa privada e Conselhos dos Idosos. É nesse campo de forças que se
decidirão, em última instância, o futuro da Lei, sua materialização e ressonâncias na vida dos
idosos alcançados por ela.
Como a Lei em questão ainda não foi implantada, poderíamos finalizar nossa análise
alertando sobre algumas práticas que poderiam se acentuar na busca e gestão dos recursos
financeiros advindos do fundo que será criado. Práticas que poderão, paradoxalmente,
enfraquecer ainda mais a figura do idoso como protagonista social e a dos Conselhos como
canais legítimos de participação dos idosos nos seus destinos e no da sociedade como um
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De maneira geral, os conselhos do idoso são compostos por membros do poder público e da sociedade
civil vinculada a instituições prestadoras de serviço que recebem recursos públicos, estando diretamente
vinculadas as governanças. Tal composição acaba atribuindo-lhes um caráter burocrático, transformando-
os, em alguns casos, em verdadeiras extensões do Estado. Estas ocorrências colocam em dúvida os discur-
sos oficiais que vinculam essta instâncias aos avanços da democracia no Brasil.
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todo. No campo de forças que se constituirá em torno da gestão do Fundo do Idoso será
imprescindível, como forma de aprimoramento das relações e gestões democráticas, que o
segmento dos mais velhos, criado por estratégias biopolíticas, possa fazer frente e se
contrapor a outras potências. É preciso ponderar que o mais importante não é oferecer uma
parafernália de serviços para a velhice, como pensam filantropos, profissionais interessados
em ampliar sua presença no mercado de serviços, gestores públicos preocupados em se
promover politicamente, empresários em busca de dividendos e tantos outros que buscam
promover seus interesses pessoais, corporativistas ou setoriais, a expensas dos mais velhos. É
preciso sim que os idosos se fortaleçam, em todos os planos da vida, principalmente, no plano
político, possibilitando a eles o efetivo exercício da cidadania a começar pela autonomia na
defesa de seus direitos, mediante os canais que lhes são assegurados, e gestão dos recursos e
serviços que venham a conquistar.
É, sobretudo, necessário fazer da gestão do Fundo um instrumento de promoção do
protagonismo social dos idosos, de fortalecimento da imagem do idoso como sujeito, de
reconhecimento da velhice como categoria social, enfim, utilizar esses recursos e,
principalmente, a gestão deles, como meio de exercício da cidadania e de empoderamento dos
idosos no cenário social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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• Recebido em 23/12/2010.
• Revisado em 14/08/2011.
• Aceito em 23/02/2012.