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Dados do IBGE (2002) mostram que o peso relativo da população idosa brasileira, na
década de 1990, era de 7,3%, ao passo que, em 2000, era de 8,6%. Isso é equivalente, de
acordo com o último censo, a aproximadamente 15 milhões de pessoas com 60 anos ou mais,
contrapondo-se aos 10 milhões do Censo de 19911.
O que, sem dúvida alguma, foi um grande avanço para a humanidade: viver mais, é
visto pelos governos e pelos técnicos de finanças públicas brasileiros como um terrível
problema que ameaça assolar a governabilidade, as finanças públicas e todo o conjunto de
medidas essenciais à implementação e à manutenção de políticas públicas para todo o
conjunto da sociedade.
1
ARAÚJO, Ludgleydson F. de, CARVALHO, Virgínia Ângela M. de L.Velhices: estudos comparativos das
representações sociais entre idosos de grupos de convivência. Textos Envelhecimento, v.7, n.1. UERJ. Rio de
Janeiro, 2004.
1
Partindo das discussões propostas acima, este trabalho buscará refletir acerca da
relação estabelecida entre as formas de atuação políticas, a mídia e o idoso no capitalismo
contemporâneo brasileiro. Estabelecendo nexos entre conceitos oriundos da antropologia, da
gerontologia, da ciência política, as formas de sociabilidade dos idosos e seus processos
identitários sob o capitalismo contemporâneo - ou pós-modernidade -, e o papel dos meios de
comunicação de massa como mediadores, criadores de imagens e difusores culturais e
ideológicos fundamentais dessa relação.
2
1 Cronologização da Vida
A compreensão dos modos pelos quais a vida é periodizada nos diversos contextos
sociais é dimensão privilegiada para o investigação das formas de sociabilidade, dos tipos de
organização social, das formas de controle e gestão sociopolíticos e das representações sociais
e culturais daquela sociedade. Sobre esta questão, diz-nos DEBERT (2004, p.40) que “(...) as
categorias e os grupos de idade são elementos privilegiados para dar conta da plasticidade
cultural e das transformações históricas”.
2
2
É imperativo afirmar que estas formas nem são totalmente estanques entre si, nem são sistemas fechados.
3
as formas como as sociedades organizam e representam essas etapas são de fundamental
importância para a atribuição dos papéis sociais de cada indivíduo ou de cada grupo e, em
conseqüência, na forma dos arranjos políticos e na definição de direitos e deveres ora
constituídos.
Na maior parte das sociedades ocidentais de hoje 3, o modelo cronológico, como forma
de periodização da vida, é estabelecido por sistemas de datação - aparatos culturais
independentes de bases biológicas ou do estágio de maturidade -, e impostas como
mecanismos legais que determinam os deveres e direitos do cidadão; constituem
“mecanismos básicos de atribuição de status (maioridade legal), de definição de papéis
ocupacionais (entrada no mercado de trabalho), de formulação de demandas sociais (direito
à aposentadoria), etc.” (DEBERT, 2003: p. 56).
3
“Nas sociedades pré-modernas, a tradição e a continuidade estavam estreitamente vinculadas com as
gerações.” (DEBERT, 2004. p. 53)
4
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.
4
miniatura: onde a capacidade física para a realização de tarefas determinava a possibilidade
ou não de uma criança cumpri-la. Em conformidade com o ideário moderno de infância,
definiu-se, por imperiosa, a “construção do adulto como um ser independente, dotado de
maturidade psicológica, direitos e deveres de cidadania” (DEBERT, 2003: p. 52).
5
2 Identidade, Individualidade e Institucionalização da vida
HALL (1998, p. 28) evidencia que, dentre o conjunto de valores e idéias que
caracterizava o projeto da modernidade, as ciências sociais deram papel de destaque para o
individualismo. Se, para as sociedades tradicionais, o grupo (o clã, a linhagem, a aldeia, a
tribo etc.) era prevalente em relação ao indivíduo, nas sociedades modernas, a ideologia
individualista era dominante:
“A emergência de noções de individualidade, no
sentido moderno, pode ser relacionada ao colapso da
ordem social, econômica e religiosa medieval. No
movimento geral contra o feudalismo houve uma
nova ênfase na existência pessoal do homem, acima e
além de seu lugar e sua função numa rígida
sociedade hierárquica. Houve uma ênfase similar, no
Protestantismo, na relação direta e individual do
homem com Deus, em oposição a esta relação
mediada pela igreja. Mas foi só ao final do século
XVII e no século XVIII que um novo modo de análise,
na Lógica e na Matemática, postulou o indivíduo
como a entidade maior (cf. as ‘mônadas’ de Leibniz),
a partir da qual outras categorias (especialmente
categorias coletivas) eram derivadas. O pensamento
6
político do Iluminismo seguiu principalmente este
modelo. O argumento começava com os indivíduos,
que tinham uma existência primária e inicial. As leis
e as formas de sociedade eram dele derivadas: por
submissão, como em Hobbes; por contrato ou
consentimento, ou pela nova versão da lei natural, no
pensamento liberal. Na economia clássica, o
comércio era descrito através de um modelo que
supunha indivíduos separados que [possuíam
propriedade e] decidiam, em algum ponto de partida,
entrar em relações econômicas ou comerciais. Na
ética utilitária, indivíduos separados calculavam as
conseqüências desta ou daquela ação que eles
poderiam empreender.” (WILLIANS apud HALL,
1998, p. 29)
E, com o foco ideológico no indivíduo, a percepção de sua singularidade ensejava a
construção da idéia de trajetória e de projeto de vida.
7
dezenovista, que até então serviu à formação de mão-de-obra, transferência de herança
patrimonial e de base educativa, passa a ser a instituição responsável pela ideologização do
sujeito segundo os parâmetros individualistas do Estado Moderno.
Este modelo sociológico dito interativo, produto da primeira metade dos séc. XX,
pressupunha um equilíbrio de reciprocidade estável entre “interior” e “exterior”, no entanto,
neste mesmo período, associado aos movimentos estéticos e intelectuais do Modernismo,
encontra-se “a figura do indivíduo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano-de-
fundo da multidão da metrópole anônima e impessoal”. (HALL, 1998, p. 32)
8
É em sentido inverso à dicotomia que DEBERT (2004) pondera que a
institucionalização do curso da vida é uma das bases para o processo de individualização do
sujeito moderno, ou seja, as condições objetivas concorrendo para a forja das representações
do sujeito. Estágios pré-definidos, delimitados pela idade cronológica, passam a atuar como
dimensão fundamental na organização social, na medida em que contribui para a
especificação, a nuclearização do sujeito: idade da escolarização, idade de produção no
mercado de trabalho, idade da aposentadoria, x produto é adequado para tal faixa etária, x
outro comportamento é adequado para tal outra faixa etária etc.
Ainda DEBERT (2004, p. 56), nesta mesma linha de raciocínio, nos diz que o controle
e a gestão dos corpos e das massas na modernidade e, sobretudo, sob o capitalismo são
“reflexo da lógica fordista, ancorada na primazia da produtividade econômica e na
subordinação do indivíduo aos requisitos racionalizadores da ordem social. Tem como
corolário uma burocratização dos ciclos da vida”.
Sob a perspectiva de HALL (1998, p.32), esta figura do “indivíduo, isolado, exilado e
alienado” descrita pelos Modernistas5 teria um cunho profético, no entanto, na base da inter-
relação dicotômica constituída entre a representação do ente “indivíduo da modernidade” e as
manifestações de poder da institucionalidade, segundo as próprias pistas deste autor, formam
uma articulação produtiva para o que ele chamará de descentramento do sujeito. Afinal, o
“eu” indivisível, singular, ator primário da inter-relação com a estrutura social, é gerido pelas
instituições como massa homogênea, passível de compartimentalização, anônima - ainda que
o controle e o poder se exerçam muitas das vezes especificamente sobre o corpo individual.
9
incitam e dirigem as atividades do indivíduo (uma oposição frontal ao conceito de sujeito
cognoscente e racional, provido de uma identidade fixa e unificada);
3) A Lingüística Saussuriana – segundo a qual a língua é um sistema social e não uma
expressão individual, as palavras contraem sentidos e significados através das relações de
similaridades e diferenças entre elas no interior da língua, o falante individual não pode fixar,
nunca, o significado de uma forma final;
4) Os trabalhos de Foucault – o esquadrinhamento do poder disciplinar (oficinas, quartéis,
escolas, prisões, hospitais, clínicas etc.), que chega ao seu desenvolvimento máximo no início
do séc. XX, de cuja utilização tem por finalidade regular populações inteiras, os indivíduos e
seus corpos;
5) O Feminismo – o impacto do feminismo, tanto como crítica teórica quanto como
movimento social, pondo à baila a discussão de que o que é pessoal é político: família,
sexualidade, cuidado com crianças etc., além de, no esteio de outros movimentos sociais,
estabelecerem uma identidade para cada movimento: feminista, negro, pacifista etc.
É importante ressaltar nessa digressão que o caminho até aqui seguido não tem a
pretensão de mesclar ou confundir os conceitos de identidade (cultural, nacional etc.) com a
forma com a qual as sociedades plasmam conteúdos culturais em torno da passagem do tempo
na vida dos indivíduos. Entretanto, a correlação entre os aspectos formadores da
individualidade (ou individualismo) e de projeto de vida, tão visibilizados pelas ciências
sociais como características forjadas na modernidade, nos dão o indício do papel ocupado
pelo idoso neste percurso histórico: o indivíduo que saiu da (útil) idade para o mercado de
trabalho.
3 História e Contexto
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No início dos séc. XX, por ocasião da I Grande Guerra, muda-se o papel do Estado em
relação à economia nacional. As necessidades impostas pela guerra levaram à intervenção e
controle da economia: intensificação e modernização da produção bélica, utilização de grande
contingente de mão-de-obra e regulamentação destes empregos, controle sobre a produção e o
consumo etc. Esta economia de guerra pôs em xeque as concepções doutrinárias do
Liberalismo Clássico: a supressão da liberdade econômica, da liberdade de mercado era
possível.
É neste ínterim que se vai forjando, no ocidente, uma nova forma de organização do
Estado reativa as proposições do Liberalismo: o crescimento dos movimentos de
trabalhadores, a organização e fortalecimento dos sindicatos, as pressões das esquerdas
socialistas e dos movimentos anarquistas, o aparecimento do pensamento Keynesiano 6 etc.,
articulados às pesadas onerosidades decorrentes das duas grandes guerras vão produzindo, ao
longo do tempo, um Estado mais ocupado com o social até o estabelecimento das várias
nuances de Estado de Bem-Estar Social.
De forma bem sucinta, pode-se afirmar que esta nova configuração do Estado se
caracteriza por intervir nas movimentações dos mercados interno e externo, agindo como
regulador e gestor dos fatores identificados como possíveis causadores de desequilíbrios
econômicos, evitando, por um lado, crises ou recessões, e, por outro lado, gerando equilíbrio e
desenvolvimento. Este modelo, durante as décadas de 1950 e 1960, viveu uma fase de auge
sem precedentes, os níveis de crescimento mais rápidos da história (AQUINO et alli, 1980, pp
243-7). O crescimento econômico do capitalismo de Estado gerou, entre outras coisas, mais
ofertas de emprego, aumentos de salários e ampliação da aposentadoria. Fatores dos mais
importantes para a configuração identitária das classes trabalhadoras.
6
Segundo o qual os Estados devem ajustar os vários níveis de equilíbrio: equilíbrio na riqueza, na mediaria, na
pobreza etc., com vistas a subir a equilíbrios cada vez mais altos, com maior distribuição de riqueza para o povo
e, ainda assim, crescer as economias estatais. GALVES, Carlos. Manual de Economia Política Atual. Rio de
Janeiro, Forense-universitária, 1983.
11
contexto pode simbolizar a perda de um papel social fundamental, passando a se configurar
como um sintoma da deterioração da pessoa, mesclando o conceito de velho com o de inútil.
Além, é claro, de se configurar como mais uma onerosidade para o Estado, mais uma dívida
social a ser resolvida pelo erário público.
4 Neoliberalismo
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O neoliberalismo é uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de
bem-estar7. Caracteriza-se pela defesa da eliminação de qualquer forma de mecanismo
limitador e interventivo por parte do Estado na economia, considerando-a uma ameaça à
liberdade não só econômica, mas também política. Seu estatuto postula que o “igualitarismo”
– muito relativo, por sinal – deste período, “promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a
liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de
todos.” (ANDERSON, 1996, p. 10) O argumento é que a desigualdade é um valor positivo,
imprescindível, na verdade, para a competitividade e o conseqüente aquecimento da
economia.
A partir de 1973, as vozes dos neoliberais passaram a encontrar eco nas suas
explicações da crise estabelecida: as raízes da crise, segundo eles, estavam no poder dos
sindicatos e do movimento operário “que havia corroído as bases de acumulação capitalista
com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o
Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”. (ANDERSON, 1996, p. 10)
7
O texto de origem do chamado neoliberalismo é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, de 1944.
13
As formas de contornar a crise, segundo o discurso neoliberal, era manter como maior
meta a estabilidade monetária; a contenção de gastos sociais; diminuição drástica das
intervenções na economia; disciplinamento orçamentário; incentivos fiscais às empresas;
redução tributária das rendas mais altas; e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou
melhor, a criação de um exército de reserva de trabalhadores para quebrar os sindicatos.
Estabelecer-se-ia, desta forma, uma “saudável desigualdade” que dinamizaria as economias
avançadas rumo ao crescimento.
Dois aspectos são dignos de nota para o escopo deste trabalho: a derrocada do regime
soviético que, segundo SEGRILLO8, se deveu à “interligação entre diversos fatores, macro e
microeconômicos, nacionais (internos da URSS) e internacionais, etc.”, ou seja, a um
sufocamento econômico por inadaptação a um sistema há muito globalizado (e a
intensificação deste processo pela escalada neoliberal nos países capitalistas e pela
onerosidade da corrida bélica); e a hegemonia ideológica sem precedentes alcançada pelo
neoliberalismo: desacreditando e deslegitimando qualquer forma de pensamento socialista ou
8
O declínio da União Soviética. Segrillo, Ângelo de Oliveira. Niterói, s/d. Baseado em sua tese de
doutoramento.
14
comunista ou à esquerda, e, de igual forma, tornando inverossímeis as idéias, ainda que
parcimoniosas, de estabilidade ou crescimento econômico com avanços sociais.
5 Pós-modernidade
15
Entende-se por contemporaneidade ou pós-modernidade o resultado das mudanças
ocorridas nas ciências, nas artes, nas culturas e formas de representação em curso desde a
segunda metade do séc. XX. Seu nascimento simbólico se deu no dia 06 de agosto de 1945,
quando os EUA explodiram a bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima, no Japão.
16
simbólicos que a gestão de sua própria vida foi capaz de proporcionar, considerando como
critérios valorativos dessa administração da vida: a eficiência e a responsabilidade por si.
17
Na história das políticas relacionadas ao trabalhador na modernidade, traçando um
curto painel, pode-se afirmar que no fim do século XIX, com vistas à contenção da expansão
dos movimentos socialistas, em pleno processo de expansão da industrialização da Prússia, o
primeiro-ministro Otto Von Bismarck, adotou algumas medidas obrigatórias de proteção
social (1815-1898): o seguro doença (1883); o seguro para acidentes de trabalho (1884); o
seguro invalidez e velhice (1889) e o seguro específico de condições de trabalho (1889-91).
O modelo adotado por Bismarck foi gradualmente sendo adotado por outros paises
industrializados, como a Inglaterra, a Noruega, a Suécia, a Dinamarca, a França e os Estados
Unidos. Tal adoção se deveu, sem dúvida, às pressões exercidas pelo crescimento e
organização dos movimentos reivindicatórios liderados pela classe trabalhadora.
18
acrescentando à aposentadoria outras formas de
assistência ao idoso.”
É neste contexto que surge a designação “terceira idade”, forjada nas sociedades
ocidentais contemporâneas, na década de 197010, a fim de singularizar a etapa compreendida
entre a idade adulta e a velhice. Este conceito revestiu-se de uma série de práticas, instituições
e agentes especializados, visando à identificação e ao atendimento das necessidades desta
parte da população. Portanto, terceira idade é, neste sentido, uma designação opositiva ao
idoso estigmatizado e empobrecido, destinatário das aposentadorias públicas do Estado de
bem-estar. (DEBERT, 2004)
19
comidas saudáveis, medicamentos, bailes e outras
formas de lazer é proposta, desestabilizando
expectativas e imagens tradicionais associadas a
homens e mulheres em estágios mais avançados da
vida. Meia-idade, terceira idade, aposentadoria
ativa não são interlúdios maduros entre a idade
adulta e a velhice; indicam, antes, estágios
propícios para a satisfação pessoal, o prazer, a
realização de sonhos adiados em outras etapas da
vida.” (DEBERT, 1996, p. 05)
Meyrowitz (apud DEBERT, 2004), por sua vez, tece considerações acerca do impacto
da mídia eletrônica no comportamento social. Aventa que a mídia tende a tornar integrados
mundos informacionais que eram, no dever-ser tecido na modernidade, considerados
estanques, impondo comportamentos novos e redefinindo comportamentos considerados
adequados a uma determinada faixa etária.
20
comportamentos intercambiáveis entre as diversas faixas etárias e suas prévias expectativas
comportamentais.
Por outro lado, é preciso lembrar que inevitavelmente o corpo envelhecido apresentará
limitações e problemas - não há número relevante de idosos com idades mais avançadas que o
limite referenciado para idoso que não apresente estas naturais transformações - e este fato
biológico, independente de classe social, etnia, gênero e outros, é absolutamente escamoteado
nas veiculações da mídia para o público de terceira idade.
21
7 Reprivatização da Velhice
22
Estabelece-se, em tese, um apascentamento gradual na idéia de desobrigação do
Estado na construção de políticas públicas sérias e efetivas voltadas para este grupo, pois é
evidenciado que não há - ou são muito difíceis - alternativas para o fato de que um
contingente maior de pessoas fora da (útil) idade de trabalhar impossibilita ou diminui a
capacidade financeira de construção política de alternativas para outros agrupamentos ou
minorias. O Estado terá de fazer, por exemplo, opções entre o conjunto de medidas médicas
visando ao combate da diarréia, do sarampo, da dengue, da desnutrição, tão comuns à
realidade do sistema de saúde brasileiro; e ao diabetes, alzheimer, AVCs, osteoporose e outras
doenças comuns ao envelhecimento.
O aparato midiático torna público o enorme sucesso das iniciativas voltadas para o
atendimento do público de terceira idade: como a rotina de exercícios físicos é positiva e
produtiva, como o revigoramento e a remodelação da estética corporal refundam padrões de
comportamento, como os processos de socialização destes programas são geradores de alegria
e bem estar, como o novo modelo de como se deve viver a velhice é mais positivo,
interessante e saudável; no entanto, não há menção aos mecanismos capazes de lidar com os
problemas reais e inevitáveis que decorrem da velhice mais avançada.
23
populações mais velhas etc. No entanto, não se pode perder de vista o conteúdo relativamente
oculto destas construções sociais. Afinal, é a partir do reconhecimento dos seus elementos
formadores e da sua forma de desenvolvimento que se pode traçar alternativas para a lide com
tais edificações.
8 O Brasil
11
É possível encontrar na mídia formas de publicização do prestígio de idosos, no entanto, este prestígio está
irremediavelmente ligado à riqueza e esta vinculada à segurança, conservadorismo, tradição e outros valores
constituintes do ideário anterior, mas ainda presentes nas construções ideais.
24
Segundo RIBEIRO (1995, p. 447), nunca houve no Brasil um conceito de povo,
englobando todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos: “Nem mesmo o direito
elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar.” A primazia do lucro sobre a
necessidade é um imperativo das classes dominantes brasileiras desde a época em que o país
era regido como uma feitoria escravista composta, para o trabalho, de índios cativos
culturalmente – às vezes não só - estuprados e negros bestializados e coisificados importados
de África.
Essas várias etnias iniciais e essa nova massa de mulatos e caboclos lusofonizados –
melhor dizendo, falando língua-geral: mistura das línguas locais com o português – foram
forjando a brasilidade enquanto configuração étnica e, portanto, promovendo a integração
destes grupos na forma de um Estado-Nação.
25
O início, passível de verificação, das relações de produção no Brasil se dá com a
instalação do Governo-Geral, em 1548, quando começa a expandir-se rapidamente a cultura
açucareira. Esta se apóia no latifúndio e na mão-de-obra escrava e, simultaneamente,
configura, factual e ideologicamente, a sociedade patriarcal, representada pelo senhor-de-
engenho e pelo escravo, a casa-grande e a senzala. Essa configuração, em termos de ideário,
permanecerá indelével por todos os momentos da cultura brasileira até os dias atuais.
26
para eles, um alto negócio. As missões jesuíticas
solaparam a resistência dos índios, contribuindo
decisivamente para a liquidação, a começar pelos
recolhidos às reduções, afinal entregues inermes a
seus exploradores. As empresas de subsistência
viabilizaram a sobrevivência de todos e
incorporaram os mestiços de europeus com índios
e com negros, plasmando o que viria a ser o grosso
do povo brasileiro.”
Pairava, ainda, sobre estas três empresas, uma quarta: “constituída pelo núcleo
portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação” (RIBEIRO,
1999, p.177). Este era o setor que predominava na economia colonial, o detentor dos maiores
lucros. Suas ocupações básicas eram intermediação comercial com a Europa, as lides com o
câmbio e, principalmente, o tráfico negreiro: a troca de mais da metade do açúcar e do ouro
coloniais por escravos africanos; o mais lucrativo de todos os negócios privados do Brasil de
então.
27
Revolução Industrial inglesa -, e pelas pressões inglesas para a implementação de mão-de-
obra assalariada no país, que, em 1888, promulga-se a Lei Áurea, que com esse irônico nome,
oficializa o fim da escravidão negra no Brasil.
Esta abolição, dando alguma liberdade de ir e vir aos negros, produziu um inchaço
nas cidades do Rio de Janeiro e da Bahia, dentre outras menores, constituindo os núcleos
negros ou cidades negras, que produziram ou antecederam as favelas de hoje. É a cidade
tomando a configuração que subsistirá como o palco por excelência das transformações
sociais, políticas e culturais até hoje: dividida, classista, esquadrinhada, vigiada, retrato de
todas as relações sociais.
Nas décadas finais do séc. XIX, a crise de desemprego que assola a Europa manda 7
milhões de imigrantes para o Brasil; destes, 4,5 milhões se fixaram no Brasil. “Foram eles
que promoveram o primeiro surto de industrialização, que mais tarde se expandiria com a
industrialização substitutiva de importações.” (RIBEIRO, 1995, p. 194)
28
De igual forma, é importante salientar que com os imigrantes europeus não se
importaram apenas os modos produtivos mais eficazes, a melhor qualificação para o trabalho
etc.; mas, também, o anarquismo, o sindicalismo, o socialismo e todos os modelos de
organização política e/ou solidária produzidas na Europa daqueles tempos.
Ao mesmo tempo em que se pode falar em conquistas sociais como resultado das lutas
travadas pelos trabalhadores brasileiros, como resultado do irremediável processo civilizatório
ou quaisquer outras explicações, até então, possíveis; é preciso, sobretudo, falar em
“concessão de direitos”. Subsiste no imaginário popular a idéia de que Vargas era
efetivamente o “pai dos pobres”, e que os direitos trabalhistas eram e são o exercício paterno
de concessão de direitos sociais. É, portanto, evidente a manutenção ideológica do exercício
das prerrogativas do poder patriarcal, tal como se encontrava, num universo menor, efetivado
pelo senhor de engenho.
29
Kubitschek, desencadeia-se a industrialização substitutiva: toda sorte de incentivos, subsídios
e isenções foram oferecidas para a instalação de subsidiárias de empresas internacionais no
Brasil. Se, sob Vargas, os movimentos migratórios do campo para a cidade aumentaram
enormemente com o processo de industrialização; a partir de JK aumenta o número de
empregos fabris, o que produziu uma enorme corrente migratória dos trabalhadores expulsos
do campo, tanto pelo seu atraso, quanto por sua modernização.
30
instituição responsável, desvinculando, em função disso, a aposentadoria do escopo das
discussões e das lutas sindicais.
Todo o mérito do movimento deve ser dado aos aposentados e as suas formas
organizativas, no entanto, é digno de nota que uma maior sensibilidade, gestada na década de
1980, em relação aos idosos e suas questões foi essencial no que diz respeito à visibilidade e
ao acolhimento midiático. Dentre os benefícios, anteriormente mencionados, da construção da
terceira idade, sem dúvida alguma, foi essencial a reconstrução de um modelo de identificação
menos estigmatizado e dependente para os idosos naquele momento. Tal ideário permeia e
13
Vide as greves do ABC paulista, entre outras.
31
facilita a sensação de auto-suficiência do ator idoso, dificulta a normalização da formas de
apropriação do movimento por outros agrupamentos políticos etc.
32
É evidente que o processo de construção de identidades é dinâmico e que as pessoas
não recebem passivamente tudo quanto lhes é imposto; é igualmente óbvio que existem
formas e espaços de resistência, de luta e de interlocução que se pautam pela oposição às
formas do pensamento hegemônico; mas, o que esse trabalho visa é a investigação da lógica
de construção do pensamento atualmente hegemônico e das práticas das classes dirigentes
brasileiras, além de seus possíveis efeitos sobre os aposentados, sobretudo, conforme
salientado, dos mais pobres. Por isso, não há motivação para deter-se nas construções de
partidos políticos cujos assuntos prioritários são trabalho e trabalhador, falar de importantes
sindicatos, grandes movimentos reivindicatórios ou quaisquer outras formas de luta e de
ganhos sociais populares; mas, sim, evidenciar as práticas costumeiras referidas às classes
populares quanto aos seus direitos.
33
9 A Mídia
34
imagens apresentadas e, por reiteração, transformam-na num dever-ser, num modelo a ser
seguido ou alcançado. Por outro lado, estabelece-se também o modelo paradigmático do que é
ruim, feio, desagradável, problemático, não passível de valorização. Ou seja, o que se pode
supor como vontade do público é, na verdade, a própria produção cultural de desejos e uma
construção imaginária sobre seu público consumidor paradigmático - no caso, os homens
brancos heterossexuais, vigorosos e viris, em idade economicamente ativa e abastada.
Na medida em que tudo é produto e deve ser consumido: produtos (de fato), pessoas,
sexo, sentimentos, estilos, lazer, contato artístico, formas de conhecimento, religião, ciências
etc.; estabelece-se uma necessária relação das pessoas com a descartabilidade, com a
35
necessidade da novidade, com a obsolescência, com os valores do aqui-e-agora característicos
da era da informação.
Em grande parte, é nessa ação à distância que reside a força dos chamados mass-
media: a unilateralidade da sua produção, a sua enorme capacidade de repetir e de fixar as
informações e o fato de poder atingir um número quantitativamente relevante e plural de
pessoas, quando não a milhares ou milhões.
36
produtivo no que diz respeito à criação de um novo mercado de consumo, ou seja, a criação e
a apresentação de uma série de produtos e serviços e a produção de um estilo de vida, de um
dever-ser ativo, saudável e compatível com as exigências dessa nova visão sobre este público
consumidor. Note-se: público consumidor, e não parcela da cidadania.
Os meios de comunicação de massa, enfim, têm atuado como o mais eficaz meio de
controle social, formação identitária, universalizador de idéias, formador de mercado
consumidor e, sobretudo, configura-se como o meio por excelência da difusão da ideologia
hegemônica como modelo sem alternativas.
37
Conclusão
38
Da articulação entre os discursos gerontológicos, as estruturas administrativas estatais
e a mídia estabelece-se o que a antropóloga Guita Debert chama de Reprivatização da Velhice:
um conjunto de elaborações simbólicas com o objetivo de reconstituir a velhice sob a
perspectiva da responsabilidade individual, possibilitando a desoneração do Estado com
políticas públicas efetivas para essa parcela da população, e possibilitando, por outro lado, a
criação de um prolífico mercado para os idosos capazes de consumir.
39
Não há, como diz STEPANSKY (2000), nenhuma discussão acerca dos reais motivos
para a fragilização do sistema previdenciário público: má administração, fraudes, anistias
indevidas, desvios de recurso dos pecúlios do trabalhador urbano para assistência e
finalidades políticas – transferência do meio urbano para o meio rural, grandes obras de
engenharia nacional – etc. Nada há na mídia que sequer mencione qualquer um dos
quantitativamente relevantes estudos que apontam as causas encimadas como as primeiras e
principais responsáveis pela gradativa falência da previdência.
40
neopatriarcal varguista, e inculcado através da universalização brasileira das transmissões
radiofônicas14; onde a gestão pública e a política dirigente sempre se fizeram sob a perspectiva
do negócio pessoal e rentável; onde a aposentação universalizada só se deu tardiamente e só
se fez assunto nacional em 1992 – os 147% -; onde a indústria e a produtividade se encontram
alquebradas etc. O que devem esperar das classes dirigentes os idosos pouco escolarizados
e/ou migrados do campo, ou empobrecidos, além das praças públicas, dos asilos e, com sorte
e condições, o auxílio da família? Que imagem da velhice real devem esperar das
representações da mídia?
41
e da gestação de uma velhice utópica, jovem, bela, feliz e inalcançável para a maioria dos
idosos brasileiros.
É, enfim, do ponto de vista das classes dominantes, repetir o que sempre foi feito.
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