Você está na página 1de 13

ARTIGO

BIBLIOTERAPIA : UMA PRÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO PESSOAL

Danielle Thiago Ferreira

Resumo
Este artigo tem por objetivo relatar investigações acerca da Biblioterapia, visando a
interpretação da elaboração de Programas Biblioterápicos Básicos para o desenvolvimento
pessoal. Assim, delimitou-se os aspectos principais de um Programa Biblioterápico, suas
abordagens metodológicas, dando ênfase no papel dos profissionais envolvidos e suas
interações, dentre eles, destacando a atuação do bibliotecário.

Palavras-chave
Biblioterapia ; Desenvolvimento pessoal ; Profissional da informação ; Programas
Biblioterápicos Básicos

Abstract
This article has for objective tell to inquiries concerning the Bibliotherapy, aiming at the
interpretation of the elaboration of Basic Bibliotherapics Programs for the personal
development. Then, delimited the main aspects of a Bibliotherapic Program, its
metodologicals boardings, giving to emphasis in the paper of the involved professionals
and its interactions, amongst them, detaching the performance of the librarian.

Keywords
Bibliotherapy ; Personal development ; Information professional ; Basic Bibliotherapics
Programs

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 35
ARTIGO

INTRODUÇÃO

O componente que torna a Biblioterapia 1. BIBLIOTERAPIA


uma técnica de aconselhamento é
naturalmente um biblioterapêuta que pode Biblioterapia é um termo derivado das
ser qualquer um dos profissionais que palavras latinas para livros e tratamento.
atuarão conjuntamente neste programa Biblio é a raiz etimológica de palavras
(psicólogo, educador, bibliotecário ou usadas para designar todo tipo de material
assistente social). Este prescreve material bibliográfico ou de leitura, e terapia
específico para dar assistência a uma significa cura ou restabelecimento. A
pessoa na solução de seu problema Biblioterapia é vista como um processo
específico. Assim para agir efetivamente, interativo, resultando em uma integração
o biblioterapêuta deve possuir algumas bem sucedida de valores e ações. O
qualificações importantes, a saber: conceito de leitura empregado neste
processo interativo é amplo. E inclui todo
- Um entendimento profundo de tipo de material, inclusive os não-
natureza psicológica do problema convencionais.
que está sendo enfrentado pelo
adolescente, no caso. O uso da leitura com objetivo terapêutico
- Uma compreensão do caminho é antigo e muitos registros atestam essa
que este problema particular é utilização. No antigo Egito, o Faraó
tratado na seleção do livro Rammsés II mandou no frontispício de
prescrito. sua biblioteca “Remédios para a alma”
- A habilidade em formular (Alves, 1982), e as bibliotecas egípcias
hipóteses, que se refiram ao ficavam localizadas em templos
impacto que este material terá denominados de “casas de vida” como
sobre a solução positiva do locais de conhecimento e espiritualidade
problema ou objetivo que se (Montet, 1989). Entre os romanos,
queira alcançar. Aulus Cornelius Celsus também associou
a leitura com tratamento médico, ao
É importante ainda destacar, a relação de recomendar a leitura e discussão das
valorizarmos a leitura orientada e crítica obras de grandes oradores como recurso
que faz parte deste programa, como um terapêutico no desenvolvimento da
elemento de libertação e de capacidade crítica dos pacientes (Orsini,
engrandecimento humano, de auto- 1982). “Tesouro dos remédios da alma”
realização e aperfeiçoamento, era a inscrição que havia na biblioteca da
destacando-se um alerta de importância Abadia de São Gall, durante a Idade
fundamental. Média (Alves, 1982). Também os gregos
fizeram associação de livros como forma
Com relação a atividade do profissional de tratamento médico e espiritual, ao
de Biblioteconomia e Ciência da conceberem suas bibliotecas como “a
Informação, fazer a seleção do material medicina da alma” (Marcinko, 1989). O
implica em muitos riscos, pois o Hospital Al Mansur, em 1272,
bibliotecário se define enquanto recomendava leitura de trechos
pesquisador e profissional, e ao mesmo escolhidos do Alcorão como parte do
tempo, enquanto cidadão participante de tratamento médico (Marcinko, 1989).
mudanças sociais. Como é possível perceber, muitos

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 36
ARTIGO

indivíduos, em épocas diferentes, já para qualquer pessoa que pretenda


haviam percebido o valor da leitura como trabalhar com Biblioterapia.
um agente de transformação.
Ainda em 1949 surge o primeiro Ph.D.
A dedicação de alguns religiosos em Biblioterapia, com Caroline Shrodes
possibilitou o ressurgimento do uso defendendo sua tese de dissertação
terapêutico da leitura em hospitais para “Biblioterapia: um estudo teórico e
doentes mentais no século XIX. Em 1802, clínico-experimental”, lançando as bases
Benjamin Rusch foi o primeiro da Biblioterapia atual. Em 1951, surgiria
pesquisador norte-americano a o segundo Ph.D., Esther A. Hartman, da
recomendar a leitura para doentes de um Universidade de Stanford, com a tese “A
modo geral, e em 1810 também literatura imaginativa como uma técnica
recomendou a Biblioterapia como forma projetiva: um estudo de Biblioterapia”.
de apoio à psicoterapia para pessoas Em 1975, Mary Jane Ryan afirma, em um
portadoras de conflitos internos, artigo de periódico, que a Biblioterapia
depressão, medos ou fobias, e também era uma arte, e não uma ciência. No Final
para idosos (Alves, 1982). A partir da da década de 50, em um outro artigo,
década de 30, a biblioterapia se firmou Richard Darling coloca a idéia de que a
definitivamente como um campo de Biblioterapia também poderia ser usada
pesquisa, destacando-se as com fins preventivos. Atualmente a
biblioterapeutas Isabel Du Boir e Emma Biblioterapia é um campo de produção
T. Foremam, principalmente esta última, científica e de atuação profissional que
que insistiu para que a Biblioterapia fosse envolve médicos, psicólogos, educadores,
vista e estudadada como uma ciência e bibliotecários, assistentes sociais,
não como arte (ORSINI, 1982). psiquiatras e terapeutas de diversas
correntes.
Em 1942, a pesquisadora Ilse Bry,
formada em Psicologia, Filosofia e A Biblioterapia foi definida pela primeira
Biblioteconomia, publicou seu trabalho vez no Dorland’s Illustrated Medical
“Aspectos Médicos da Literatura: um Dictionary, em edição de 1941, como o
esboço bibliográfico”, abordando quatro emprego de livros, através de literatura
aspectos diferentes: aplicação médica da dirigida, no tratamento de doentes
literatura, a medicina na literatura, mentais (Ratton, 1975). O Webster’s
análises médicas da literatura e estudos Third Internacional Dictionary, em edição
das respostas à literatura (Orsini, 1982), de 1961 apresenta seguinte definição:
Sofie Lazarsfeld publicou em 1949 um “Uso de material de leitura selecionada,
artigo intitulado “O uso da ficção na como adjuvante terapêutico em Medicina
psicoterapia”, em que eram descritas as e Psicologia”, além de “Guia na solução
reações dos pacientes diante do texto e de problemas pessoais através de leitura
entre as linhas dos livros indicados, dirigida” (Ratton, 1975), sendo esta
chegando a muitas conclusões; o ponto ultima definição adotada como oficial
interessante deste trabalho é que ele pela Associação para Bibliotecas de
serviu para que a autora iniciasse um Hospitais e Instituições. Ruth Tews
processo de auto-conhecimento (Orsini, definiu Biblioterapia como um programa
1982), ressaltando dessa forma a de atividades selecionadasque envolve
necessidade de uma profunda auto-analise materiais de leitura planejados, utilizado
de forma conduzida e controlada, para

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 37
ARTIGO

tratamento de problemas emocionais, sob Devido ao fato de ter desenvolvido


orientação médica (ALVES, 1982): principalmente no ambiente dos hospitais
e clínicas de Saúde Mental, a
“Biblioterapia pode ser tanto um Biblioterapia foi aplicada quase de forma
processo de desenvolvimento corretiva, e voltada para aspectos clínicos
pessoal como um processo clínico de cura e restabelecimento de pessoas
de cura, que utiliza literatura com profundos distúrbios emocionais e
selecionada, filmes, e participantes
de comportamento. O seu caráter
que desenvolvem um processo de
preventivo foi descoberto posteriormente,
escrita criativa com discussões
guiadas por um facilitador treinado sendo aplicado junto a crianças,
com o propósito de adolescentes e jovens, em escolas,
promover a integração de bibliotecas e centros comunitários, em
sentimentos e pensamentos a fim de trabalho multidisciplinar.
promover auto-afirmação, auto
conhecimento ou reabilitação A Biblioterapia clínica e destinada às
(MARCINKO, 1989, p.2). pessoas com sérios problemas de
comportamento social, emocional, moral
Esta definição complementa a visão de etc. Sua aplicação tem sido
Arleen McCarty Hynes, de que a predominantemente em instituições de
Biblioterapia é uma técnica para saúde, como hospitais, clínicas,
promover a integração bem sucedida de organizações de saúde mental, embora
valores e ações da pessoa que está se ocorra também em clínicas privadas. É
submetendo ao processo psicoterápico aplicada através de programas muito bem
(nem todas as formas de Biblioterapia estruturados e que envolvem
utilizam técnicas psicoterápicas), psicoterapeutas, médicos e bibliotecários
podendo assim ser utilizadas para o (Marcinko, 1989). Seu objetivo é fazer
desenvolvimento pessoal (Hynes, 1987). com que os pacientes modifiquem suas
Indo mais além pode se conceituar e atitudes e comportamento, com a solução
definir a Biblioterapia como um processo ou melhora do problema de
terapêutico baseado na literatura (a leitura comportamento apresentado.
é vista no seu conceito mais amplo, e não
apenas como literatura de sinais gráficos Em outras palavras, a Biblioterapia
impressos), mas que utiliza materiais institucional é um tipo de auxilio aplicado
diversos e selecionados (materiais em grupo ou individual e personalizado
bibliográficos impressos ou de criação que uma instituição presta, através de
própria, além de outros meios fornecidos uma equipe de profissionais, aos seus
pela mídia eletrônica) com o objetivo de usuários, enfocando aspectos das
provocar o insight e a catarse através de doenças mentais, distúrbios de
discussões e reuniões orientadas de um comportamento, ajustamento e
grupo constituído de forma homogênea. desenvolvimento pessoal, fornecendo
A Biblioterapia se constitui então num literatura sobre o assunto. Este material é
processo interativo de sentimentos, usado nas sessões, devendo ser aplicado
valores e ações, tendo como resultado por um conjunto de profissionais, que
final um processo harmônico e inclua um bibliotecário treinado e
equilibrado de crescimento e acompanhamento de profissionais de
desenvolvimento pessoal. saúde ou educação, dependendo do tipo
de trabalho a ser feito. O seu objetivo é

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 38
ARTIGO

prestar informação ao usuário e esclarecê- 1.1 Leitura Terapêutica Orientada e


lo sobre um problema específico, ajuda-lo Biblioterapia
na tomada de decisão e reorientação de
seu comportamento conforme o objetivo Os programas iniciais de Biblioterapia
definido para o trabalho (MARCINKO, eram aplicados da mesma forma que a
1989). leitura terapêutica orientada. Segundo
Brown citado por Lack (1985) o que
A Biblioterapia para o desenvolvimento distingue a Biblioterapia da Leitura
pessoal é descrita como apoio literário Terapêutica Orientada é a existência de
personalizado para possibilitar um um usuário com um problema específico,
desenvolvimento normal e progressivo da em que o bibliotecário conhece tanto o
pessoa que procurou por ajuda. Pode ser problema como a história da pessoa. Sua
aplicada em caráter preventivo e orientação é dada não de forma
corretivo. Também pode ser usada sob a esporádica, mas dentro de um programa
forma de tratamento grupal. É indicada estruturado que envolve muito mais do
para aplicação em instituições que a simples transferência de
educacionais (Marcinko, 1989) sendo informação. Em vez de uma transferência
aplicada junto a crianças e adolescentes. horizontal da informação, há uma visão
Nas escolas americanas é aplicada para a transacional da leitura, que envolve o
leitura e reflexão sobre o que foi lido, relacionamento bibliotecário/usuário, os
identificando assim futuras fontes de materiais selecionados, e as respostas que
problemas. O programa em geral inclui eles provocam no usuário de acordo com
não apenas a leitura, mas também a seu potencial e características
criação de composições, poemas e específicas, sendo necessário para sua
estórias criativos, que é feita de forma aplicação conhecimentos específicos de
livre. Por professores, alunos e o Psicologia e atuação interdisciplinar.
bibliotecário, se preocupações com notas
ou outro tipo padronizado de avaliação; A Biblioterapia é uma técnica de
as crianças são livres para expressar seus mudança de comportamento através do
sentimentos (Lack, 1985). Entretanto, autoconhecimento e que utiliza as
para efeito de alguma pesquisa ou qualidades racionais (intelecto,
avaliação posterior estes elementos inteligência, compreensão cognitiva) e
podem se transformados depois em dados emotivas dos indivíduos que se submetem
que garantam uma base científica ao a ela, para obter uma modificação do seu
estudo realizado. comportamento. Alguns aspectos da
Biblioterapia guardam semelhança com
Também pode ser usada junto a adultos e os utilizados na psicologia clínica e
a idosos embora este emprego seja mais educacional, podendo a mesma vir a ser
raramente encontrado, possivelmente utilizada em ambos os contextos.
porque a atenção científica a estas fases
da vida seja mais recente (NERI, 1988). O envolvimento do bibliotecário varia em
nível e grau, de acordo com sua
formação. Sendo também psicólogo, com
formação específica poderá coordenar o
processo atuando integralmente como
biblioterapeuta. Caso seja apenas
bibliotecário integrará uma equipe

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 39
ARTIGO

multidisciplinar, atuando em vários Monroe citado por Lack (1985, p. 29)


papéis ou, em caso extremo, selecionando comenta outros aspectos desta
e preparando os textos a serem usados no Biblioterpia:
processo.
“Este modelo de Biblioterapia é
Esta formação especializada inclui: melhor descrito como um sistema de
treinamento prático em liderança e “educação” aberto e contínuo, mas
organização de grupos, aulas teóricas, com aspectos de “terapia”
implícitos: objetivos identificados
leituras sobre o assunto, e workshops para
por um facilitador [que o grupo deve
reciclagem e avaliação. Este treinamento escolher] baseado no conhecimento
é fornecido por associações como a ALA das necessidades típicas de cada
(The American Library Association), que pessoa que está representada no
possui uma organização dedicada grupo [adultos, adolescentes, etc.]e
exclusivamente ao assunto, a Biblioterapy que deve conduzir a discussão
Fórum, que faz parte da Divisão da baseado não no conhecimento dos
Associação e Cooperativa das Bibliotecas problemas individuais do grupo, mas
Associadas (ASCLA), e pela NAPT (The sim nas necessidades gerais de
Nacional Association of Poetry Therapy) desenvolvimento e conhecimento do
ou por entidades psicológicas como as grupo como um todo, com o
Associações Profissionais e as objetivo de solucionar e prevenir de
forma saudável, os problemas e as
Associações Científicas. crises que podem vir a surgir neste
estágio determinado da vida.
Este...[é] um trabalho profissional
1.2 Biblioterapia para desenvolvimento complexo que requer treinamento e
pessoal mais do que leitura orientada, não
podendo ser conduzido como uma
A Biblioterapia para desenvolvimento terapia formal.”
Pessoal ou Biblioterapia de
Desenvolvimento Pessoal é aplicada Como se pode ver, este tipo de
principalmente em escolas, bibliotecas Biblioterapia é utilizada para
públicas e centros comunitários ou complementar a educação formal, através
religiosos. O Bibliotecário desempenha de discussões orientadas e leitura dirigida.
principalmente o papel do educador. O É aplicada como uma terapia por alguém
dicionário de educação (Lack, 1985, p. especificamente treinado para isso, e em
28-29) define desta maneira a caráter preventivo. É aplicada de
Biblioterapia para o Desenvolvimento preferência em grupos homogêneos, com
Pessoal. os mesmos interesses, e principalmente,
na mesma faixa etária. (Lack, 1985)
“O uso de livros para influenciar o sintetizou algumas tarefas ou objetivos de
desenvolvimento total da personalidade, cada faixa etária baseado nas teorias de
é um processo de interação entre o leitor e
Havighurst, Erickson e Super. Segundo
a literatura, que é utilizada para o
enriquecimento da personalidade,
ele, durante a sua infância, o
seu ajustamento e desenvolvimento, desenvolvimento do individuo estaria
com objetivos clínicos de higiene voltado para a detenção de um sentimento
mental e ajustamento social.” de autoconfiança, manifestando-se a
mecessidade de obtenção de um senso de
iniciativa na primeira infância e de um

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 40
ARTIGO

senso de habilidade e engenho durante a predominantemente psicanalítico e


segunda infância. Durante a adolescência procurou detalhar cada fase vivida
surgiria a necessidade de desenvolver um durante esse processo em sua tese.
senso de identidade, que se desdobraria Embora a sua metodologia tenha sido
durante a juventude em uma maior criticada (Hynes, 1987) e ela tenha
necessidade de intimidade e restringido o seu estudo apenas à
individualidade. A vida adulta estaria literatura de ficção, o seu trabalho é
voltada para a produtividade, chegando relevante para identificação dos vários
finalmente a um senso de integridade do processos envolvidos na Biblioterapia.
ego e auto-realização da meia-idade. Segundo ela, a identificação seria a
primeira fase com a expressão das
Dessa forma, seria responsabilidade do impressões sobre o personagem, seguida
bibliotecário estar atento a estes detalhes, de agrado ou desagrado com as opiniões e
e procurando corresponder às o comportamento do personagem. A
necessidades de cada faixa etária durante segunda fase do processo seria a de
o seu trabalho biblioterápico. Seus projeção (consciente e inconsciente) dos
usuários e clientes potenciais devem se seus motivos pessoais ( do indivíduo) na
informados de como o programa trama representada pelos personagens. As
biblioterápico está estruturado e opinar projeções cognitivas ainda fariam parte
sobre ele e o seu desenvolvimento. É dessa fase, e se manifestariam através da
responsabilidade do bibliotecário superposição de um ponto de vista moral
identificar o problema do seu usuário à estória, dedução de valores e explicação
antes de planejar ou organizar qualquer das conseqüências de acordo com uma
programa (Marcinko, 1989). Esta teoria pessoal sobre a vida. A terceira fase
identificação poderá ser feita pelo próprio se caracteriza por evidências de um
bibliotecário (se tiver formação processo emocional de identificação (Ab-
profissional para isso), ou em conjunto reação e catarse) com atitudes como
com outro especialista, que pode integra a culpa, ansiedade, tensão, expressão da
equipe educacional da escola (psicólogo raiva contra a personagem ou autor,
escolar) ou a equipe de saúde (psicólogo finalizando com um processo de
clínico, hospitalar). transferência. A quarta e última fase é a
do insigth, quanto as evidências de auto-
reconhecimento na situações apresentadas
1.3 Leitura da Biblioterapia derivam em incorporação de novos
conceitos e uma integração da maior
A pessoa que se submete a Biblioterapia, personalidade do indivíduo (o que antes
geralmente tem acesso a dois tipos de eram aspectos inconscientes do caráter
literatura: a literatura de ficção (para tornando-se e integrados).
projeção de suas dúvidas nos
personagens) e literatura didática. As Na visão transacional da leitura tanto
técnicas utilizadas nos dois tipos de aquele que conhece como o que é
leitura podem ser idênticas: conhecido se transformam no processo de
universalização, identificação, catarse e conhecimento, a medida que foi lido é
insight. assimilado, passa por elaborações e
reelaborações, estabelecendo-se assim um
Schrodes citado por Oberstein & Thorn, novo conhecimento e uma nova
1986, trabalhou dentro de um enfoque percepção da realidade exterior; a pessoa

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 41
ARTIGO

vai se modificando (valores, atitudes e Dessa maneira, o indivíduo seria capaz de


comportamento). Toda pessoa ao ler entender ou compreender um texto em
constrói um texto paralelo intimamente três níveis diferentes, que poderiam se
relacionado ao texto que está sendo lido. explicitados como ‘ o fazer sentido’ (a
Este texto paralelo está intimamente capacidade de entender as situações
relacionado às suas experiências e vividas pelo personagens, as situações
vivências pessoais, desta forma o mesmo apresentadas), o ‘ entendimento
texto tornando-se um texto diferente para cognitivo’ (a capacidade de relaciona-lo à
cada leitor. O texto criado pelo leitor está situações vividas no seu dia-a-dia e
baseado em interferências, referências e compreender seus problemas a partir
co-referências de esquemas individuais de delas), e a ‘empatia completa’
percepção. E é nesse texto que o leitor irá (identificação total com o personagem,
se basear quando alguém lhe pedir que capacidade de admitir traços do caráter do
explique o que leu. personagem como seus).

O texto paralelo criado por ele é o texto Sendo assim, a qualidade dos textos e do
que ele realmente compreendeu. A material a serem utilizados, é
criação de um novo texto é concomitante fundamental para o sucesso da
ao significado que o texto adquire para o Biblioterapia. Um bom texto literário ou
leitor. Conceitos podem ser transmitidos, qualquer outra obra de qualidade,
mas significados são pessoais e permitem, pela sua profundidade, uma
intransferíveis. compreensão e construção em vários
níveis (GOODMAN, 1991).
“Shank (1984) defrontando-se com a
construção da inteligência artificial, Entretanto, é preciso que a seleção para
observou que freqüentemente tomamos efeito da Biblioterapia, não se restrinja às
a compreensão, o entendimento, pela características literárias e de conteúdo das
inteligência que na verdade inclui obras. É preciso também levar em conta
também a empatia e a identificação,
os aspectos psicoeducacionais dos
quando um interlocutor se põe na
posição do outro ou da dos personagens indivíduos envolvidos. Da interação entre
de um relato, que dizer, entendemos estes dois pólos é que surgirá uma
sempre a partir de nossas memórias, Biblioterapia efetiva.
experiências e inteligência. A
compreensão variaria desde o simples
fazer sentido; passando pelo 1.4 O papel do bibliotecário
entendimento cognitivo até a ‘ empatia
completa’. A empatia completa só Embora possa ser considerada uma
ocorre a partir de experiências especialização da Biblioteconomia, o
semelhantes, enquanto que o
papel do bibliotecário na aplicação da
entendimento cognitivo exige o
biblioterapia é muito discutido e depende
aprendizado ou mudanças com a
experiência, a relação de experiências da sua formação em outro campo
presentes com as passadas, chegando a científico específico; levando-o a ter uma
informações novas e, ainda, que se inclinação e atuação mais educacional,
explique como chegou até a nova psicológica ou médica (Smith, 1989).
informação” (FONTANARI, 1991, p. Alguns autores recomendam que ele
23) apenas deve selecionar o material a ser
utilizado, outros acham que após um

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 42
ARTIGO

treinamento especial ele estará apto a para crianças, é necessário


aplicar a biblioterapia (Alves, 1982). Não estabelecer uma situação de
sendo os únicos a atuarem neste campo, e ajuda entre o bibliotecário e o
podendo vir a atuar em conjunto com os usuário, a partir daí será possível
profissionais das mais diversas formações elaborar um programa
profissionais e tendências (psiquiatras, estruturado;
assistentes sociais e outros), o papel do f) o bibliotecário ou
bibliotecário na biblioterapia é definido biblioterapêuta, deve usar de
em grande parte pela formação preferência materiais com os
profissional específica do bibliotecário e quais esteja familiarizado;
sua interação com estes outros g) deve selecionar materiais que
profissionais. O contexto no qual o contenham situações familiares
programa é planejado e aplicado, os aos participantes do grupo, mas
objetivos que pretende atingir, e os que não precisam
usuários aos quais se destina são outros necessariamente conter situações
fatores determinantes. idênticas às vividas pelas pessoas
envolvidas no processo;
A literatura especializada, no entanto, já h) deve selecionar materiais que
estabelece algumas diretrizes básicas a traduzam de forma precisa os
serem seguidas pelo bibliotecário na sentimentos e os pensamentos
elaboração e conclusão do processo das pessoas envolvidas sobre os
bibliotecário (Rubin citado por Marcinko, assuntos e temas abordados, com
1989), sendo desnecessário dizer que este exceção de materiais que
rol não é exaustivo e sua aplicação deve contenham uma conotação muito
estar adequada à formação profissional do negativa do problema, como
bibliotecário e profissionais responsáveis poesias sobre suicídios, por
pelo programa: exemplo;
i) deve selecionar materiais que
a) ele deve escolher um local estejam de acordo com a idade
adequado para a realização das cronológica e emocional da
reuniões do grupo; pessoa, sua capacidade
b) deve ter tido um treinamento individual de leitura e suas
adequado e estar capacitado para preferências culturais e
conduzir as discussões do grupo; individuais e
c) deve formar grupos homogêneos j) deve selecionar material
para leitura e discussão de temas impresso e não impresso na
previamente escolhidos mesma medida.
d) deve preparar listas de material
bibliográfico adequadas às Além destas regras básicas, é possível
necessidades de cada grupo, e ocorrer também uma maior interação do
escolher outros materiais (filmes, bibliotecário com o processo de análise e
músicas), de acordo com a idade conhecimento que é próprio da
e necessidades a nível cultural e biblioterapia enquanto processo
social dos participantes; terapêutico, seja sob o aspecto cognitivo
e) mesmo que não haja aplicação de ou afetivo. Este processo subjacente
terapia ou psicoterapia, como em também é afetado pela existência ou não
alguns casos de biblioterapia

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 43
ARTIGO

de uma formação profissional específica 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


para atuar neste processo.
De acordo com Caldin (2001), “a
biblioterapia constitui-se em uma
2. O MÉTODO atividade interdisciplinar, podendo ser
BIBLIOTERAPÊUTICO desenvolvida em parceria com a
Biblioteconomia, a Literatura, a
Segundo Caldin (2001), “o método Educação, a Medicina, a Psicologia e a
biblioterapêutico consiste em uma Enfremagem”. Sendo que, essa
dinamização e ativação existencial por interdisciplinaridade, possui como o
meio da dinamização e ativação da objetivo a troca de informações dessas
linguagem”. Assim continua Caldin áreas, visando a aplicação mais eficiente
(2001): da biblioterapia.

“...A linguagem em movimento, o Caldin (2001), afirma que “...a


diálogo, é o fundamento da terapia ocorre pelo próprio texto, sujeito a
biblioterapia. O pluralismo interpretações diferentes por pessoas
interpretativo dos comentários aos diferentes...”.
textos deixa claro que cada um
pode manifestar sua verdade e Ter
A biblioterapia pode ser um meio
uma visão do mundo. Entre os
parceiros do diálogo há o texto, possível e efetivo para a mudança de
que funciona como objeto comportamento, auto-correção e
intermediário. No diálogo formação dos sujeitos na realidade que
biblioterapêutico é o texto que abre será estudada.
espaço para os comentários e
interpretações que propõem uma Portanto, é uma forma de mostrar
escolha de pensamento e de que a leitura pode se tornar um meio rico
comportamento. Assim, as para o encontro consigo próprio e para a
diversas interpretações permitem a obtenção de insights culturais, mesmo
existência da alteridade e a criação que seu domínio esteja restrito a poucos
de novos sentidos. A biblioterapia
não se confunde com a
neste país, e que a leitura de palavras ou
psicoterapia, posto que esta última frases, não implique necessariamente em
é o encontro entre pacientes e ler conceitos e o mundo.
terapeuta e a primeira se configura
como o encontro entre ouvinte e Finalizando com Caldin (2001),
leitor em que o texto desempenha “...vale destacar que não é a designação o
papel de terapeuta. Além da mais importante na atividade de terapia
literatura, os comentários, os da leitura, mas, o resultado obtido...”
gestos, os sorrisos, os encontros
são também terapêuticos à medida
que fornecessem a garantia de que
não estamos sozinhos. O texto une
o grupo...”

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 44
ARTIGO

4. REFERÊNCIAS FONTANARI, Juliano L. Aspectos


BIBLIOGRÁFICAS linguisticos da produção e compreensão
na afasia. Revista brasileira de
ABIR - SABER, Nazira Feres. O Período neurologia. Rio de Janeiro, v.27, n.1,
Preparatório e a aprendizagem de jan./fev. 1991, p.23-29.
Leitura.4. ed. Belo Horizonte: A
Grafiquinha,1968. 98p FRIEIRO, Eduardo. Os Livros Nossos
Amigos. 4 ed. Belo Horizonte: CCMG,
ALVES, Maria helena Hees. A aplicação 1980. 224p.
da biblioterapia no processo de
reintegração social. Revista brasileira de GOODMAN, Kenneth S. Unidade na
Biblioteconomia e Documentação, São literatura: um modelo psicolinguistico
Paulo, v.15, n.1/2, p.54-61, jan./jun. transacional. Letras de hoje, Porto Alegre,
1982. v.26, n.4, dez. 1991, p.8-43.

BAMBERGER, Richard. Como HYNES, Arleen Mc Carty. Biblioterapy:


Incentivar o Hábito de Leitura. São Paulo: the interactive process. Catholic Library
Cultrix, 1997. 118p. World, Há verford, v.58, n.4, jan./fev.
1987, p.167-170.
BOWMAN, Garry. Biblioterapia : uma
técnica para aconselhamento aos KINNERY, Margaret. The Bibliotherapy
deficientes Visuais. In : Seminário program; requerements for training.
Nacional Braille de Bibliotecas, 1995 Library Trends, v.11, p. 129-130, oct.,
João Pessoa. Anais ... João Pessoa: 1962.
Editora Universitária / UFPB 1998,. P.-74 LACK, Clara R. Can bibliotherapy go
– 81 public? Collection Building, v.7, n.1,
Spring 1985, p.27-32.
CALDIN, Clarice F. A leitura como
função terapêutica: biblioterapia. MARCINKO, Stephanie. Bibliotherapy:
Encontros Bibli, Florianópolis, n.12, pratical applications with disabled
dez.2001.Disponível em : < individuals. Current studies in
http://www.ced.ufsc.br/bibliote/encontro/ Librarianship, v.13, n.1/2, Spring/Fall
bibli12/caldin.html. 1989, p.1-5.

CARVALHO, Ana Maria Sá. Bibliotecas MONTET, Pierre. O Egito no tempo de


nas Escolas de 1ª e 2ª graus em Fortaleza. Ramsés (1300 AC. a 1100 AC.). São
1983. 227f. Dissertação (Mestrado em Paulo: Companhia das letras, 1989.
Biblioteconomia) - Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, NASCIMENTO, Eloisa. O Livro Certo
Universidade Federal da Paraíba, João na Idade Certa: O comportamento é fazer
Pessoa. da leitura um hábito, Domingo, revista do
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, V. 7,
EDUCAÇÃO especial: temas atuais. n.310, p. 10-12, 8.03.82.
Organização de Eduardo José Manzini.
Marília: Unesp- Marília publicações, NERI, A Liberalesso. Envelhecer num
2000. pais de jovens: significados de velho e
velhice segundo brasileiros não idosos.

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 45
ARTIGO

Tese de livre docência, UNICAMP, Services in libraries, v.2, n.3, p.214-249,


Campinas, 1988. spring 1989.

ORSINI, Maria Stella. O uso da literatura


para fins terapêuticos: Biblioterapia.
Comunicação e Artes, São Paulo, n.11,
1982, p.139-149.

OBERSTEIN, Karen & HORN, Ron Van.


Books can help heal! Innovation
techniques of bibliotherapy. Journal of
educational media and library science,
v.23, n.2, Winter, 1986, p.154-171.

______. Biblioterapia: proposta de um


programa de um programa de leitura para
portadores de deficiência visual em
bibliotecas públicas. João Pessoa, Editora
Universitária, 1996.105p.

PINTOS, Claudio Garcia. A logoterapia


em contos: o livro como recurso
terapêutico. São paulo: Paulus, 1999.
112p.

QUAKNIM, Marc-Alain. Biblioterapia/


Marc-Alain Quaknim; tradução de
Nicolas Niymi Campanario.- São Paulo:
Loyola, 1996.

RATTON, Angela M.L. Biblioterapia.


Revista da Escola de Biblioteconomia da
UFMG. Belo Horizonte, v.4, n.2, set.
1975, p.198-214.

______. Bibliotherapy: a technique for


counseling blind people.. Journal of
Visual Impaiment & Blindness. Illinois,
v.78, n.5, p.187-199, may 1984.

RUBIN, Rhea Joyce A Guide to Theory


and pratice. London: Onix Press, 1978.
240p.

SMITH Alice G. W. The real


biblioterapist please stand up? Journal of

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 46
ARTIGO

DANIELLE THIAGO FERREIRA


Mestre em Biblioteconomia e Ciência da
Informação pela PUC-Campinas
Bibliotecária da Diretoria de Serviços ao
Público da Biblioteca Central –– UNICAMP
danif@unicamp.br
19-3788-6494

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, SP, v.4, n.2, p 35-47 , jun. 2003 [ISSN: 1517-2539]. 47

Você também pode gostar