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Dez teses sobre a decadência do

capitalismo periférico brasileiro


O capitalismo brasileiro não está somente atravessando uma
crise econômica, como tantas outras do passado. O Brasil se
transformou muito nos últimos trinta anos. Mas o capitalismo
brasileiro entrou em decadência.
Há mil modos de morrer e um só de nascer.
Sabedoria popular portuguesa

1. A decadência de uma nação é um processo histórico


grave. São muitos e diferentes os processos que podem
conduzir uma sociedade a mergulhar em declínio. Dentro
da mesma época histórica, diferentes Estados vivem
etapas históricas de regressão ou prosperidade, de
empobrecimento ou de enriquecimento. No mercado
mundial não ocorre somente um processo de competição
entre empresas, mas também, entre Estados. E as
posições relativas entre os Estados no sistema de poder
se desloca, oscila, varia. Para que alguns Estados
possam se fortalecer, outros devem enfraquecer.

A hipótese destas teses é que o capitalismo brasileiro não


está somente atravessando uma crise econômica, como
tantas outras do passado. O Brasil se transformou muito
nos últimos trinta anos. Mas o capitalismo brasileiro
entrou em decadência. Aconteceram, neste intervalo de
uma geração, fases mais intensas de declínio, como a
década perdida dos anos oitenta, e fases de recuperação,
como a partir da segunda metade da primeira década do
século XXI. Mas a tendência histórica não foi interrompida
depois que se encerrou a etapa dinâmica de transição do
mundo agrário para o mundo urbano em 1980, quando o
Brasil foi o primeiro destino do investimento estrangeiro
entre as nações da periferia, e duplicava o seu PIB a cada
década.
A classe dominante já se deu conta da gravidade do
impasse, e essa foi uma das determinações que explicam
o impeachment de 2016. A burguesia abraçou nos últimos
dois anos um novo projeto estratégico: a subversão do
pacto social estabelecido nos últimos trinta anos, desde o
fim da ditadura militar, o intervalo mais longo de regime
democrático-eleitoral da nossa história. Esse pacto
passou pelo reconhecimento de direitos como a
Previdência, o SUS e a universalização do acesso à
educação básica, entre outros. O choque fiscal fixado na
EC-95 do teto dos gastos é uma expressão trágica de um
projeto que tem como objetivo central aproveitar a
oportunidade da mudança do posicionamento dos EUA
diante da China. A burguesia brasileira quer disputar uma
parcela, qualitativamente, superior dos investimentos
disponíveis no mercado mundial para alavancar taxas de
crescimento mais elevadas. Esse projeto está no centro
da disputa das eleições gerais de 2018. O surgimento de
uma extrema direita com peso eleitoral de massas, pela
primeira vez depois do fim da ditadura militar, é a
expressão política mais desconcertante e perigosa da
crise.

2. A desaceleração do crescimento médio anual, desde


1980, de taxas em torno de 7%, para taxas inferiores a
3%, e a estagnação econômica desde 2014 são variáveis
que devem ser consideradas. Os dados oficiais do IBGE
já apontam para mais de 13 milhões de desempregados.
Uma recessão prolongada como a dos últimos quatro
anos não é suficiente para concluir que o capitalismo
brasileiro entrou em decadência. No entanto, se
considerarmos que, desde 1980, a renda per capita
permanece, essencialmente, a mesma, encontramos um
indicador que merece ser levado a sério, porque, ainda
que indiretamente, sugere o nível de produtividade do
país. Além da variação da renda per capita, outros fatores
são necessários para estabelecer um modelo teórico
sólido de avaliação da tendência à decadência. O lugar
de cada país periférico no sistema internacional de
Estados na etapa histórica do pós-guerra, entre
1945/1989 dependeu de, pelo menos, quatro variáveis
complexas:(a) sua inserção histórica nas etapas
anteriores. Ou seja, a posição que ocupou em um sistema
extremamente hierarquizado e rígido: afinal nos últimos
150 anos somente um país, o Japão, foi incorporado ao
centro do sistema, mas somente depois de três guerras
(contra a Rússia, a China e a Segunda Guerra Mundial), e
ainda assim na condição de imperialismo desarmado. E
todos os países coloniais, semicoloniais e dependentes
que ascenderam em sua inserção, como Cuba, só o
fizeram depois de revoluções que permitiram conquistar
maior independência. O Brasil deixou de ser colônia de
Portugal, para ser semicolônia inglesa durante um século
e, desde o fim da última guerra mundial é uma nação
dependente, uma semicolônia dos EUA. A tendência
dominante, na atual conjuntura, é uma acentuação da
dependência em relação a Washington, apesar das
reservas de US$380 bilhões, uma herança transitória da
inversão favorável das relações de troca para economias
exportadoras de commodities entre 2004/14. Nenhuma
fração da classe dominante brasileira está, todavia,
disposta a desafiar esta subordinação. A entrega da
exploração do pré-sal às corporações estrangeiras, e as
privatizações de setores estratégicos são uma
demonstração desta impotência estratégica.

(b) a dimensão de sua economia e das relações sociais.


Ou seja, os estoques de capital acumulado; a capacidade
de ter soberania monetária; os recursos naturais – como o
território, as reservas de terras agriculturáveis, os
recursos minerais, a autossuficiência energética,
alimentar, etc; e humanos – entre estes, sua força
demográfica e o estágio cultural e científico da nação –
assim como a dinâmica de desenvolvimento da indústria;
ou seja, sua posição na divisão internacional do trabalho
e no mercado mundial. O Brasil é um país continental e
tem mais de 200 milhões de habitantes, e um PIB
estimado em US$2 trilhões, porém sofre uma taxa de
desigualdade social que só pode ser comparada a países
da África subsaariana. E permanece um país importador
de capitais: sem a entrada de um IED de mais de US$70
bilhões por ano teria um déficit crônico no balanço de
pagamentos, seu histórico calcanhar de Aquiles. A
dinâmica da industrialização se perdeu desde os anos
oitenta. Afirmou-se uma reprimarização da sua pauta de
exportações. A dimensão do seu mercado interno de
consumidores de bens duráveis, que subiu de 25 milhões
para 40 milhões vem encolhendo. A elevação da
escolaridade média de menos de 4 anos, em 1980, para
menos de 8 anos em 2017 foi, dramaticamente, lenta.
Tão grave quanto, 5% da população economicamente
ativa foi embora do país, uma emigração inusitada em um
país que foi beneficiado pela imigração durante gerações.
Ao mesmo tempo, surgiram organizações criminosas com
a dimensão de grandes empresas, a população carcerária
disparou para 700.000, e a taxa de homicídios superou os
30 para cada 100.000 pessoas.
(c) a capacidade de cada Estado em manter a sua
independência e o controle de suas áreas de influência.
Ou seja, sua força militar de dissuasão, que depende não
só do domínio da técnica militar ou da qualidade das suas
Forças Armadas, mas do maior ou menor grau de coesão
social da sociedade, portanto, da capacidade política do
Estado de convencer a maioria do povo, se for
incontornável, da necessidade da guerra. O Brasil perdeu
posições relativas no mundo e na América do Sul. A
manutenção senil de níveis absurdos de desigualdade
social, muito mais elevados que os vizinhos do Cone Sul,
mas compensados, na etapa anterior de crescimento
acelerado, pela diminuição da pobreza, associada a um
regime democrático eleitoral longevo, pela primeira vez
em sua história, explicam a instabilidade político-social
crônica. A mobilidade social absoluta e relativa decaiu; a
participação dos mais pobres na distribuição pessoal e
funcional da renda regrediu; e os níveis de concentração
de riqueza entre os 1% mais ricos e, em especial, entre
os 0,1% aumentaram.
(d) as alianças de longa duração dos Estados uns com os
outros, que se concretizam em Tratados e Acordos de
colaboração, e a relação de forças que resultam dos
blocos formais e informais de que faz parte, ou seja, sua
rede de coalizão. A burguesia brasileira, sob pressão
norte-americana, não conseguiu sequer transformar o
Mercosul, um Bloco tendo como eixo uma aliança com a
Argentina, em uma União Aduaneira. O pré-sal abria a
possibilidade de uma associação com a Venezuela que
foi, também, sumariamente, descartada.

3. Estes são os quatro critérios para aferir a posição relativa


de cada nação no mundo: história, economia, política e
relações internacionais. Poucos países da América Latina
escaparam a esta tendência à decadência, depois dos
anos 80 do século passado. O Brasil não foi nem a nação
mais atingida, nem a mais protegida. O lugar de cada
Estado no sistema internacional dependeu, antes de tudo,
de sua inserção no mercado mundial, ou seja, de seu
lugar na divisão internacional do trabalho. No, entanto,
embora seja decisiva, a economia não é a única variável
que deve ser considerada. O Peru sangrou com os
70.000 mortos da guerra contra o Sendero Luminoso, e o
deslocamento de três milhões de jovens que fugiram das
serras para Lima. O Uruguai estagnou com a emigração
em massa da juventude. A Argentina viveu o horror da
ditadura militar entre 1976/83, a guerra das Malvinas, a
hiper-inflação, a recolonização nos anos noventa, e uma
situação revolucionária interrompida em 2002. A
Colômbia sofreu as sequelas da guerrilha e do narco-
tráfico durante um quarto de século. O Chile viveu a
tragédia da ditadura de Pinochet e uma transição para o
regime de democracia eleitoral pactuado de cima para
baixo sem ruptura democrática. A Venezuela viu as forças
liberadas pelo triunfo revolucionário de 2002, contra a
tentativa de golpe de Estado, se dispersarem, e a
reorganização da burguesia apoiada na classe média
abriu o caminho para uma contrarrevolução permanente,
que ainda não conseguiu derrubar o governo, mas
produziu uma situação de caos social, como emigração
em grande escala.As mudanças de lugar dos países no
mercado mundial foram, historicamente, muito mais
dinâmicas que a sua localização no sistema de Estados.
A economia, ao contrário da aparência do fenômeno, é
mais plástica e flexível à mudança do que a política,
porque a inércia prevalece com mais força nas relações
de poder. O mais importante é sublinhar, portanto, que o
sistema de Estados demonstrou imensa rigidez histórica.
Isso não impediu que ocorressem alterações quantitativas
no lugar respectivo de alguns Estados. Mas realça que as
qualitativas, entre países que estavam na periferia, como
a ascensão da China, passaram a ser muito raras.
Excepcionais.

4. Nenhum Estado se emancipou da dependência


econômica, e conquistou independência política, nos
últimos 150 anos, sem guerra ou revolução. A elevação
da China à condição de protoimperialismo, após a
restauração capitalista, é a primeira experiência histórica
de um Estado que saiu da condição periférica sem guerra.
Não obstante, a independência política por si só não
emancipa um Estado da condição periférica no mercado
mundial. Os dois processos têm relativa autonomia. A
imensa maioria dos duzentos Estados que estão
presentes na ONU são ex-colônias, e permaneceram
dependentes, mas os graus de sua vulnerabilidade
externa são diferentes, desiguais, variados. Embora todas
as nações dependentes estejam na periferia as diferenças
entre elas não são irrelevantes. Existem variados tipos de
semicolônias. E nem todos os Estados na periferia são
semicolônias. Não há plena correspondência entre a
presença no mercado mundial, e o lugar no sistema de
Estados. Há mediações, graduações, variações. Alguns
países são, economicamente, atrasados e dependentes,
mas não estão, politicamente, subordinados à ordem
imperialista. Essa é a situação do Irã, por exemplo, um
Estado independente. Todas as semicolônias são, na
forma, politicamente, independentes, mas algumas estão
até sob ocupação militar estrangeira e são, portanto,
protetorados de uma potência, como o Iraque e o
Afeganistão, na relação com os EUA. Líbia, Somália e,
em outra perspectiva, Sudão e Líbano, por exemplo, são
países em que o Estado nacional foi, parcialmente,
deslocado, ou seja, não detém plena soberania sobre seu
território. A Síria vive, dramaticamente, a degradação de
uma revolução em guerra civil há cinco anos. Ainda há
enclaves como o Panamá, na América Central, as
Malvinas no Atlântico Sul, Gibraltar na Espanha, ou
Taiwan, na China, ou como foram, até quinze anos atrás,
Hong-Kong e Macau. Entre as semicolônias algumas têm
um estatuto, especialmente, privilegiado, embora
diferenciado entre si, por variadas razões, como o México,
Turquia ou Coréia do Sul.

5. Qual é o lugar do Brasil? A hipótese destas teses é que o


Brasil é um híbrido histórico. Singular porque atípico na
América do Sul, o Brasil deve ser compreendido como
uma semicolônia privilegiada e, ao mesmo tempo, como
submetrópole. A chave de interpretação do conceito deve
ser procurada na ideia de síntese entre semicolônia e
submetrópole. Ou de síntese entre a condição de
dependência econômica, limitada pela necessidade de
importação de capitais, e a posição subimperialista de
potência regional. Um amálgama peculiar que só o
desenvolvimento desigual e combinado poderia elucidar.
É um país dependente, ou uma semicolônia privilegiada
porque, apesar das dimensões de sua economia,
permanece um país atrasado em toda a linha. Sempre
dependeu da importação de capitais e tecnologia, e tem
uma burguesia resignada a um papel subordinado a
Washington no sistema de Estados, entre outros muitos
fatores. Não obstante é um país dependente e periférico
muito especial, privilegiado. Tem um dos maiores
mercados internos de consumo de bens duráveis do
hemisfério sul, tem sido há mais de meio século um dos
cinco maiores destinos de investimentos, e a acumulação
de capitais ganhou escala, de tal forma que se formou
uma burguesia interna.

6. Mas não temos uma burguesia somente compradora.


Essa inserção se expressou ao longo de décadas de
distintas formas. Quando da crise da superinflação
provocada pela inadimplência da dívida externa, por
exemplo, ao contrário de muitos vizinhos, sua economia
nunca foi, plenamente, dolarizada. O Brasil é uma
submetrópole, porque o gigantismo da economia
brasileira ofereceu dimensão e projetou presença de
algumas grandes empresas nos mercados de países
vizinhos da América do Sul transformando-se, também,
em plataforma de exportação de capitais e serviços. Mas
não é um país imperialista, porque sua pujança
econômica não se traduziu em domínio político: o projeto
do Mercosul garantiu superávits comerciais, porém
permaneceu, politicamente, estéril e acéfalo. O hibridismo
não é uma simples sobreposição de estatutos distintos, é
um fenômeno diferente. O tema é discutido no mercado,
na ONU e na academia e foram elaboradas fórmulas e
modelos como, por exemplo, países “de renda média” e
“emergentes”. Outras tradições marxistas conceituaram
esta peculiaridade como subimperialista, ou economia
associada capital-imperialista periférica.

7. O lugar do Brasil no mercado mundial não teve


correspondência direta com seu papel no sistema
internacional de Estados. O Brasil obteve um lugar no
mercado mundial superior à sua presença no sistema de
Estados. No Brasil, a força política da dominação
imperialista teria sido sempre maior do que a
vulnerabilidade econômica. Essa assimetria ainda não
diminuiu. Não nos deve surpreender, portanto, que a crise
continental da dívida externa e a hiperinflação, nos anos
oitenta, tenham sido muito mais acentuadas na Argentina
do que no Brasil. O Brasil era, somente, uma semicolônia
até o final da segunda Guerra Mundial. O processo de
hibridização ficou mais claro a partir dos anos setenta,
quando empresas de origem brasileira começaram a
ganhar a dimensão de multinacionais. Algumas eram,
então, estatais, como a Petrobrás, Vale do Rio Doce,
Banco do Brasil, outras eram privadas, como a Gerdau,
Odebrecht, Andrade-Gutierres, Itaú e Bradesco. Não
podemos diminuir, mais recentemente, o peso de
empresas agropecuárias e fundos de investimentos. Esta
caracterização de híbrido admite que ocorreram
oscilações quantitativas que levaram a
reposicionamentos. Qual foi a dinâmica? Em algumas
fases aumentou a semicolonização, e em outras
diminuíram as vulnerabilidades externas, e acentuou-se o
papel de submetrópole. O desafio da análise é identificar
estas tendências e contratendências e, finalmente,
confirmar se as variações foram somente quantitativas, ou
se aconteceu alguma mudança qualitativa. Defenderemos
que as oscilações foram, até o momento, quantitativas. O
gráfico abaixo ilustra as oscilações, em escala secular, do
peso da participação Brasil na economia mundial:

7. Nos anos noventa do século XX, as tendências


recolonizadoras avançaram e o país esteve seriamente
ameaçado pelo projeto da ALCA. Na primeira década do
século XXI inverteu-se a tendência anterior: aumentou o
peso do Brasil em sua área de influência, e agigantou-se
a acumulação de reservas. Finalmente, o Brasil não foi
nem reduzido a uma reversão neocolonial, nem se
transformou em um país imperialista.
8. O Brasil tem muitas peculiaridades. Ao contrário dos
vizinhos do Cone Sul foi uma sociedade, majoritária e
tardiamente, escravista, com sequelas irreversíveis até o
presente. Agrária até os anos trinta do século XX tinha,
todavia, duas cidades macrocéfalas, entre as maiores e
mais dinâmicas do mundo, São Paulo e Rio de Janeiro,
desproporcionais quando considerado o interior bárbaro e
semidesabitado. Esta inserção como híbrido histórico se
explica por muitos fatores: a elevada rentabilidade dos
investimentos em um país que realizou, tardia, mas muito
rapidamente, a urbanização e industrialização; a
dimensão de seu PIB; a dimensão de seu mercado
interno de consumo de bens duráveis; a dimensão de
seus recursos naturais, como a capacidade de ser o
maior produtor mundial de grãos e de diversos minérios;
etc. A agropecuária tem elevados níveis de produtividade,
entre os mais competitivos do mundo, todavia o que
surpreende é o gigantismo e enorme concentração de seu
proletariado – mais de 60 milhões de pessoas – e acima
de 86% em centros urbanos, em vinte cidades com um
milhão ou mais de pessoas. A PEA (população
economicamente ativa), ou seja, a população com mais
de 14 anos, é estimada em 105 milhões. A população
ocupada, no 1º trimestre de 2016, estimada em 90,6
milhões de pessoas, era composta por 67,9% de
empregados, 4,1% de empregadores, 25,6% de
trabalhadores por conta própria e 2,4% de trabalhadores
familiares auxiliares. Segundo a metodologia da PNAD
Contínua do IBGE, 40% dos brasileiros em idade de
trabalho foram classificados como fora da força de
trabalho, ou seja, não estavam ocupadas nem
desocupadas (não procuravam emprego). Os
desempregados estão estimados, pelos critérios que são
padrão internacional, em 12 milhões, acima de 10% da
PEA, o que exerce uma pressão, entre outros fatores,
como a desvalorização do real e a inflação, sobre o
salário médio que perdeu, abruptamente, em torno de
20% de seu valor real em comparação com 2013.[1] Mais
da metade da população com 15 anos ou mais (52,6%)
não tinha concluído o ensino fundamental, e pouco mais
de um quarto havia concluído pelo menos o ensino médio
(26,1%). Pelo menos um em cada quatro brasileiros ainda
são semiletrados. A escolaridade média é inferior a oito
anos.

9. O ponto de partida de entendimento do que é o


capitalismo periférico no Brasil é o reconhecimento de
que ainda é um país muito atrasado. A pobreza extrema
diminuiu em relação a décadas passadas, mas a
iniquidade social permanece em níveis escandalosos.
Segundo o PNUD, o Brasil possui o maior índice de
desemprego entre a população mais jovem: 30,5%. No
Brasil, na faixa de jovens de até 24 anos, 24,8% destes
não trabalham e não estudam. No Uruguai, esse índice é
de 18,7% e na Argentina, 19,7%. O atraso e a
desigualdade social se mantêm em patamares absurdos,
quando conferidos, em contraste, com os países vizinhos.
A Argentina está em 47º lugar entre 188 nações, com um
IDH de 0,825. O Brasil está na posição 79º com 0,759[2].
O Brasil é um laboratório histórico do desenvolvimento
desigual e combinado. Uma união do obsoleto e do
moderno, um amálgama de formas arcaicas e
contemporâneas. Insere-se no mundo como um híbrido
de semicolônia privilegiada e submetrópole regional. O
Brasil foi e permanece, sobretudo, uma sociedade muito
injusta. A chave de uma interpretação marxista do Brasil é
a resposta ao tema da principal peculiaridade nacional: a
desigualdade social extrema. Todas as nações
capitalistas, no centro ou na periferia do sistema, são
desiguais, e a desigualdade está aumentando desde a
década de oitenta[3]. Mas o capitalismo brasileiro tem um
tipo de desigualdade anacrônica. Os graus de
desigualdade social foram sempre tão,
desproporcionalmente, elevados, quando comparados
com as nações vizinhas, como Argentina, ou Uruguai. Por
quê? A hipótese destas teses é que este padrão de
desigualdade social foi funcional para a acumulação
capitalista no Brasil. A super exploração do trabalho
permitiu a extração de taxas de mais valia,
excepcionalmente, elevadas. Fizeram-no porque podiam.
A redução da pobreza absoluta através de taxas altas de
crescimento econômico manteve graus de coesão social
suficientes para a manutenção da dominação político-
social, mesmo com níveis de desigualdade social
anacrônicos, historicamente. Aqueles na esquerda
brasileira que defendem uma estratégia de reformas
reguladores do capitalismo devem ser confrontados com
este dilema da história. Se a classe dominante não
aceitou uma negociação consistente e duradoura de
reformas, quando o seu capitalismo periférico ainda tinha
intenso dinamismo, por que aceitaria essa pactuação
agora que esse impulso histórico se perdeu, e se abriu
uma etapa de decadência?

10. A obra histórica mais importante do capitalismo foi


impulsionar a formação do mercado mundial liberando a
aceleração de forças produtivas, até então, inimagináveis.
A humanidade estava ainda dividida em civilizações
autárquicas até o século XV. Na Europa, no Oriente
Médio, na Índia, na China, no planalto do México, e na
cordilheira dos Andes, existiam civilizações isoladas e,
essencialmente, fechadas. Os contatos, quando existiam,
eram tênues e irregulares. Algumas nem sabiam da
existência de outras. Ao estimular a crescente integração
de um mercado mundial que foi se estendendo até à
última fronteira, uma das tendências mais poderosas do
desenvolvimento do capitalismo foi fomentar, também, em
processo que consumiu séculos, a constituição de um
sistema internacional de Estados. O nome deste sistema
é ordem mundial imperialista. Esta ordem é um obstáculo
histórico reacionário. Esta ordem mundial quase destruiu
a vida civilizada em duas guerras mundiais. O capitalismo
já demonstrou, portanto, que não pode unificar a
humanidade. Mas esta tendência à unificação da
humanidade é somente uma possibilidade. Possibilidade
é a forma como se manifestam as leis da história. O nome
dessa tendência é a unificação da civilização humana sob
novas relações sociais, em que a crescente anarquia
capitalista seja substituída pelo planejamento da vida
social sob o controle da maioria produtora, portanto, o
socialismo. Existem, contudo, contra-tendências
poderosas. Elas ameaçam a destruição da civilização,
seja através de guerras apocalípticas, seja através de
catástrofes ambientais. A permanência do capitalismo é
um obstáculo intransponível. Ele terá que ser derrotado
para que a vida civilizada possa prevalecer.

[1] Segundo o IBGE, a população desocupada no Brasil


chegou a 11,8 milhões de pessoas em julho. No acumulado
nos 7 primeiros meses de 2016, o país perdeu 623 mil
empregos formais. Com isso, o desemprego no Brasil é o 7º
maior do mundo em termos percentuais, junto com a Itália.
http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/08/desemprego-no-
brasil-e-o-7-maior-do-mundo-em-ranking-com-51-paises.html
Consulta em 13/12/2016
[2] A comparação dos IDH’s (Índice de Desenvolvimento
Humano) publicado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) é uma forma, ainda que parcial, de
aferir esta disparidade. O IDH combina
três indicadores: expectativa de vida ao nascer; anos médios
de estudo e anos esperados de escolaridade; e PIB (PPC) per
capita, considerada a paridade do poder de compra. Os quatro
primeiros são Noruega, Austrália, Suíça e Dinamarca, em
ordem decrescente, com variações de 0,944 a 0,923. O Brasil
está atrás, por exemplo, de: em 73º Sri Lanka, 71º Venezuela,
69º Irã, 67º Líbano empatado com Cuba, 62º Malásia, 59º
Bulgária, 56º Cazaquistão, 52º Uruguai empatado com a
Romênia e em 50º a Bielorrússia. No Brasil, em 2016, a
expectativa de vida ao nascer era de 75,5 anos. A renda per
capita média mensal é um indicador que considera a hipotética
divisão do PIB por toda a população, incluindo os inativos,
portanto, as crianças e jovens e os idosos. Em 2015, à escala
nacional chegou a R$ 1.113, variando entre os R$ 2.252 do
Distrito Federal – o maior valor em todo o país – e os R$ 509
do Maranhão, o de menor peso. Pela ordem, aparece São
Paulo, a segunda maior renda per capita do país (R$ 1.482);
Rio Grande do Sul (R$ 1.435); Santa Catarina (R$ 1.368); Rio
de Janeiro (R$ 1.285); Paraná (R$ 1.241); e Minas Gerais (R$
1.128). Estes dados são os de 2015 e remetem à Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.
Os dados mais atualizados sobre escolaridade média foram
divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2016, e
informam que 44,17% do eleitorado não tinha concluído o
ensino fundamental, os eleitores com ensino superior, completo
ou incompleto, respondem por 10,7% e os que possuem o
ensino médio, completo ou incompleto, são 38%.
http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr15_overview_pt.pdf
http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-02/ibge-
renda-capita-media-do-brasileiro-atinge-r-1113-em-2015
https://eleicoes.uol.com.br/2016/noticias/2016/07/26/aumenta-
escolaridade-do-eleitorado-em-2016-diz-tse.htm
Consulta em 13/01/2017.
[3] PIKKETY, Thomas. O Capital no século XXI. Intrínseca. Rio
de Janeiro. 2014.
http://www.intrinseca.com.br/upload/livros/1oCap-OCapital.pdf
O livro de Piketty, de inspiração econômica neokeynesiana, e
política socialdemocrata, apresenta um extraordinário volume
de dados sobre o papel da herança na perpetuação da riqueza
ao longo dos últimos cem anos à escala mundial. As séries
decenais confirmam, de maneira irrefutável que, a partir dos
anos oitenta do século passado, a tendência de aumento da
desigualdade social se aproxima do padrão anterior à I Guerra
Mundial. Consulta em 12/01/2017.

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