Você está na página 1de 3

Sandro Félix de Almeida

Não se trata aqui de metodologia como conjunto de regras e procedimentos


preestabelecidos, mas como estratégia flexível de análise crítica.

O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre, no


entanto, ligado a uma ou a configurações de saber que dele nascem mas que igualmente o
condicionam. É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber
e sendo sustentadas por eles. (FOUCAULT, 1984, p.246).

A segunda observação a que o autor se refere é sobre a Repressão e Ideologia, aqui faz
observações sobre o semanário anarquista “Action”, criticando a concepção anarquista,
afirmando que essa substitui a exploração pela repressão ou a exploração pensada como uma
forma de repressão; outra crítica que faz ao semanário e à própria concepção anarquista, é a
substituição da ideologia pela repressão. A observação de Althusser à concepção anarquista
tem como objetivo reafirmar a ideologia como instrumento de persuasão e não como
elemento de repressão e de mostrar os mecanismos que a ideologia utiliza para levar os
indivíduos a agir sozinhos sem a necessidade de agentes de repressão.

EU, Sandro, professor, penso que: organiza-se como conjunto de instâncias de saberes e
poderes mutuamente “solidário” que tem o condão de condicionar subjetividades ...

O que é ser professor de português?

Não sei se consigo responder ao questionamento ou se somente posso


problematizá-lo a partir de como os elementos da questão se me apresentam
socialmente, Nesse sentido, é possível dizer: “é ser o profissional que ministra aulas de
língua portuguesa, geralmente em contexto escolar”. A resposta aparentemente simples
deflagra uma série de questionamentos que podem torná-la interessante reflexão!

Seria interessante iniciar essa reflexão a partir do verbo “ser”, utilizado no início
da resposta, mas isso poderia nos conduzir a um percurso reflexivo que extrapolaria
muito o escopo restrito/delimitado a que me proponho chegar. Resta-me, então,
localizar, no segmento, as expressões cujos conceitos parecem dizer mais sobre a
reflexão a que me propus: profissional, mas um que ministra; aula, geralmente em
contexto escolar; e Língua Portuguesa.

Por profissional, é possível subentender a ideia de competente para determinado


fazer demandado pelo sistema de trabalhos abarcados pela economia de dada
coletividade histórica que, em tese, para estabelecê-lo e fazê-lo atuar, estabelece
critérios e métodos para balizar seus trabalhos e afere a competência (saber fazer) de
quem desempenha tal função. Ora, isso nos leva a circuitos de etiquetamento (atribuição
de valor), prescrição, delimitação social do fazimento etc,; pondo, então, em atuação,
poderes sociais de controle ou, neste caso, de coerção sutil: determinar a forma de
atuação desse profissional com base na média de compreensão (senso comum) do que é
e de como se exerce aquele papel específico. Bem, como professores ministram aulas,
geralmente em contexto escolar, “a sociedade” “sabe” o que é um professor e o que ele
faz, ou seja, ministra aulas. Cabe, então, refletir sobre o que seja “aula” no contexto da
escola pública para pobres, além de salientar que esse fazimento - gênero
tradicionalmente tido como fixo ou pouco mutável - é contextualizado no espaço
“escola”.

Nesse contexto, a “aula” – embora não se desconsidere as falas de Barthes,


Deleuze, Geraldi e tantos outros -, tantas vezes definida, redefinida, consagrada,
esquadrinhada, reproposta e discutida, mesmo no correr dos dias, normaliza-se a partir
da compreensão e do referendar do senso comum: um gênero dialógico caracterizado
pela assimetria docente-discente que intenta dar a entender determinado conteúdo
através de explicações, exemplificações e questionamentos. É diálogo porque, nestes
tempos, espera-se que o discente interaja com o docente, que pergunte, que fale etc.,
mas também é assimétrico porque é o docente que detém, quantitativa e
qualitativamente, a palavra, pois, em tese, o objetivo de fazer dar a conhecer certo
conteúdo tem como agente o docente. Então, ele tem a palavra, o logos, o saber, o
poder... Será!? Vejamos!

Nas circunstâncias descritas, seria lícito pensar que o docente mobiliza “legião”,
no dizer de Barthes (Aula), ou poder-saber, invertendo os termos utilizados por Foucault
na implicação que produz entre esses termos (em As palavras e as coisas), mas, na
contingência da escola, sobretudo a pública para pobres, na periferia do capitalismo, os
poderes e, portanto, os saberes-poderes encontram escoadouros singulares, a saber:
sabe-se que os “conteúdos” escolares pouco servem à vida prática; sabe-se que a escola
quase nunca é fundamento para a promoção da melhoria da condição social e
econômica de seus discentes; sabe-se que também quase não há papel relevante da
escola no que diz respeito às alterações epistêmicas dos sujeitos locais, exceto em
relação à alfabetização; sabe-se que docentes ganham mal; sabe-se que quem ganha mal
está fora dos circuitos de consagração social e, portanto, quem está fora pode ser
considerado desimportante (Zé-Ninguém); sabe-se, ainda que latentemente, que a escola
é também um espaço de disputa e de exercício de poderes; sabe-se que a ideia-espaço
escola tem algum nível de relevância social, mesmo que entendida como degrau
necessário a algo indefinido; sabe-se que o tempo de convivência entre todos os atores
sociais relacionados à escola estabelece, necessariamente, relações de afeto, afecções de
variados tipos, conflitos, perplexidades entre pessoas e entre pessoas e instâncias
(Estado, poder local, religião...); sabe-se ou se intui muito mais coisas, mas, sobretudo,
sabe-se que o principal fazimento para o qual toda a estrutura material e composição
humana escolar são mobilizados, em última instância, é em função do que chamamos de
“aula”.

Aula, então, é uma relação social “atravessada” por muitas nuances econômicas,
sociais e psíquicas que a redefinem singularmente a cada acontecimento. Àquele que,
por dever de ofício, deve instaurá-la, parece caber lembrar de muitas dessas nuances e,
também, de que as regularidades desse “evento” são as interações – protocolares “e”
não – e as intenções, institucionais e/ou pessoais dos envolvidos. Então, pondero, talvez,
aula seja o conjunto de conceitos, valores, circunstâncias, afecções e afetos; e que esse
conjunto possivelmente determine, em cada local onde ela ocorra, o que é aula, aquela
aula.

Parece-me necessário considerar também que o “evento-aula” – ainda que


corriqueiro, um evento! – ocorre, entre nós, em língua pátria, num registro mesclado
entre o real e o prescrito, abordando, geralmente, assuntos que concorrem para
consagrar modelos de discurso, literários ou não, comprometidos, em grande medida,
com a prescrição de um registro dezenovista, relativamente deslocado do uso e
fortemente consagrador de valores sociais de grupos político-econômicos que,
colonialmente, impuseram-se aos demais. Ora, será que um país de múltiplas origens,
com tantos falares diferentes em seu interior, com tantas diferenças em relação aos
falares e à escrita lusitana pode realmente falar “Língua Portuguesa”? Considerando
haver “tradutores” do português lusitano empregados nas editoras brasileiras, pergunto:
será que o que falamos e escrevemos é realmente português? A língua é nossa pátria?
Bem, não é nossa “mátria” nem nossa frátria”, isso é certo! Estendendo isso a outro
contexto, também é possível questionar se o que muitas vezes os professores fazemos é
ou não a tradução de todo e qualquer saber produzido em língua prescrita para a língua
realmente em atividade para a maioria da população. E mais, quais as implicações da
alternância assistemática entre os registros rurais, urbanos, rurbanos, mesclados (norma
dezenovista com urbana, como a proposição da NURC etc.) no contexto da sala de aula?

Como a pergunta sobre ser professor não é sobre o que acho que deve ser – coisa
para a qual eu também não tenho resposta definitiva! -, mas o que, de fato, é, na vida
comum, cabe pensar nesses tantos fios soltos que deixei neste texto e, talvez, então,
como ponto de partida, sem restringir a ideia do que seja ou possa ser um professor,
possamos contar com a ideia de, no Brasil, utilizarmo-nos do idioma pátrio como
ferramenta analítica, a formular, e meta-analítica, com ferramental já formalizado, para
lidar com toda forma de comunicação social ao alcance do grupo em interação,
formulando, com aquele coletivo, estratégias de leitura do mundo social, político,
econômico, científico e outros mais: construir a leitura do mundo com os discentes e
com todos mais que estejam próximos. Então, mobilizar saberes para conversar.

Texto escrito sem revisão e de um único fôlego, feito assim coma finalidade de
não lhe alterar as feições, as pulsões e o sangue pela via de uma revisão!

Você também pode gostar