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PEDRO DI AS

P E DRO DIAS
H E R Á L D I C A
PORTUGUESA
NA PORCELANA

NA PORCELANA DA CHINA QING


DA C H I N A Q I N G

HERÁLDICA PORTUGUESA

Centro Científico e Cultural de Macau, I.P.


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
H E R Á L D I C A
PORTUGUESA
NA PORCELANA
DA C H I N A Q I N G
.~
Fabrico da porcelana em fornos de Jingdezheng, gravura chinesa antiga
PE D RO D IAS

H E R Á L D I C A
PORTUGUESA
NA PORCELANA
DA C H I N A Q I N G

Centro Científico e Cultural de Macau, I.P.


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Título

H E R Á L D I C A
PORTUGUESA
NA PORCELANA
DA CHINA QING

Autor

Pedro Dias

Maquete

Pedro António

Publicado por

FUNDAÇÃO MACAU
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Macau
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Tiragem

1000 exemplares

1.ª edição

Julho de 2014

Depósito legal

378833/14

isbn

978-972-8586-38-6
1.  NOTA PRÉVIA

D
urante muitas décadas, a Historiografia Portuguesa passou ao lado
da porcelana chinesa de exportação, como coisa de somenos, como
se não estivesse intimamente à História dos Descobrimentos Maríti-
mos e à nossa Expansão Ultramarina, e não tivesse nenhuma impor-
tância para a avaliação do gosto das classes mais ricas da sociedade lusa, bem
como dos seus comportamentos, quer no Reino quer nas terras de Além-Mar.
Diga-se que a generalidade dos estudos que lhe foram dedicados tiveram
como objectivo a Heráldica, ou restringiram-se à história de algumas famílias
titulares, não ultrapassando normalmente este patamar valioso e interessante,
mas redutor. Na verdade, ostentar o brasão próprio ou o dos antepassados, num
serviço completo, com centenas de unidades, ou apenas em algumas peças deco-
rativas de maior aparato, tinha um significado social e prendeu-se com condicio-
nalismos económicos de personalidades ou de grupos, ou ainda, a questões da
mais estricta esfera da política. Esta louça brasonada pode ser explorada na pers-
pectiva de um melhor entendimento do Passado, concretamente, do gosto e dos
modos de afirmação, e também de tensões que sempre marcaram o quotidiano
dos homens, mas não podemos perder de vista as questões estéticas. Se é verdade
que este estudo parte de obras de arte, a verdade é que ele é, fundamentalmente,
um trabalho que entrelaça a História Social, a História Política e a História Eco-
nómica, pois usamos as peças como documento histórico que, analisado de todos
estes ângulos, permite perceber muito sobre os seus encomendantes e o ou os
seus usuários.
Com esta abordagem, com esta perspectiva, talvez se consiga responder a
algumas perguntas, como: Quais as reais razões para a inclusão de elementos
6 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

heráldicos nos serviços ou em peças isoladas de aparato? Porque razão se usa-


ram, mais frequentemente, a partir de 1690, do que nas décadas imediatamente
anteriores? Porque é que se encontram muitos mais pratos e terrinas brasonados
da nobreza periférica, residente na província e nos Domínios Ultramarinos, do
que da nobreza de Corte? Porque é que a fidalguia recente e de menor relevo foi
melhor cliente dos fornos chineses do que a nobreza antiga?
Talvez não tenhamos respostas concludentes para estas e para outras per-
guntas, mas as interrogações são, por si só, relevantes, para a abertura de um
caminho, para o entendimento de todas as facetas da nossa História.
É do conhecimento geral que a porcelana chinesa foi um dos produtos
orientais mais desejados no Ocidente, mesmo antes da abertura do Caminho
Marítimo para a Índia, em 1498, e do começo dos contactos regulares entre a
Europa e a China, a partir de meados do século xvi. Estava, até aí, restrita a
elites, quer na Ásia-Extrema, quer na Europa e no Médio Oriente, mas o seu
fabrico já dava trabalho a milhares de artífices do Império do Meio.
Portugal foi o primeiro importador sistemático de porcelanas ming, foi
quem abriu o mercado europeu e, depois, o americano, a este e a muitos outros
produtos chineses. E se é verdade que a porcelana da China chegou a toda a
Europa de Seiscentos e de Setecentos, e passou ao Novo Mundo em maior
número pela mão de holandeses, ingleses, franceses e dinamarqueses, é um
facto que isso só foi possível graças à acção anterior dos portugueses, das nossas
navegações e da abertura das rotas comerciais, para a Ásia, a partir da data
mágica de 1498. Sem o projecto do infante D. Henrique e sem a política firme
e esclarecida de D. João II e de D. Manuel I, a porcelana e muitas outras precio-
sidades orientais continuariam, por bastante mais tempo, a não passar de refe-
rências imprecisas, nas páginas dos muito apreciados livros de maravilhas.
É óbvio que, mais tarde ou mais cedo, acabariam por chegar aos mercados euro-
peus, mas tudo se teria passado de forma diferente. É muito sintomático que a
mais importante obra até hoje escrita sobre porcelana chinesa armoriada, o livro
do consagrado David Sanctuary Howard, referência incontornável para todos
os especialistas e simples amantes desta matéria, comece as suas 1034 páginas,
deste modo: “Vasco da Gama…”.
Algumas bibliotecas e os principais arquivos portugueses conservam
milhares de documentos que testemunham o fecundo intercâmbio entre dois
dos países mais importantes na conformação do Mundo Moderno. A China tem
igualmente um acervo gigantesco, onde Portugal se destaca como seu interlo-
cutor ocidental privilegiado, pelo menos, desde a segunda metade do século xvi.
1.  NOTA PRÉVI A 7

P É RS IA
CHI NA

JA PÃ O

ARÁBI A

Í NDI A S I ÃO

CE I L ÃO
ÁFRI CA

Não podemos esquecer que Macau foi, ao longo de séculos xvi, xvii e xviii, o
principal ponto de contacto do Império do Meio com o exterior, sobretudo com
as terras e mares situados mais para Ocidente. Mas, a História não se limita aos
registos escritos, aos caracteres de pergaminhos e papéis, mas também a vestí-
gios materiais, como as obras artísticas e artificinais, e mesmo às tradições orais.
É neste contexto de documentos históricos que inserimos as belas porcelanas
brasonadas fabricadas na China, encomendadas por reis, senhores e instituições
portuguesas. Algumas são bem mais eloquentes do que páginas e páginas de
narrativas.
Este trabalho que agora terminámos não foi isento de dificuldades, e uma
que temos que destacar prende-se com a grafia das palavras chinesas, e com a
sua passagem para o nosso idioma. Nem todos os autores são unânimes na
forma de escrever certos vocábulos, quer os antropónimos quer os topónimos, Mapa da África Oriental e da Ásia.
Principais rotas comerciais e
pelo que optámos por seguir alguns especialistas chineses que conhecem bem o produtos, em meados do século xvi
(segundo A. H. de Oliveira Marques
Português e o Inglês, mas nem para todos os termos tivemos guias seguras. e João Alves Dias)
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Assim, e conscientes das discordâncias que inevitavelmente saltarão aos olhos


dos leitores, adoptámos o critério do uso do itálico, única forma de manifestar
as perplexidades e dúvidas.
Revisitámos as fontes primárias e secundárias e os estudos pontuais e
obras gerais que já percorreramos, anos atrás, para dar forma a este livro, que
pretendemos vá um pouco mais além do que aquilo que já está publicado,
visando a porcelana chinesa de exportação e a Heráldica. Mas, este livro não é
um catálogo, pois não vamos explorar todas as formas, defini-las, mostrar a
variedade de peças que compunham os serviços de encomenda, mas tão só
identificar os encomendantes e tentar responder às perguntas que, páginas atrás,
fizemos. É por isso que apenas apresentamos, normalmente, só uma ou algumas
peças de cada encomendante, excepto no caso das personalidades régias e das
ordens religiosas, ou dos nobres que mandaram fazer mais do que um serviço,
tentando, então, tê-los todos representados.
Nem todos os brasões são fáceis de identificar, e mesmo os especialistas
nesta área nem sempre estão de acordo. Por vezes, aparecem, em publicações ou
em catálogos de vendas, como nossos, brasões que julgamos serem estrangeiros,
embora idênticos aos de alguns de nobres portugueses. Noutros casos, há armas
pessoais que andam tradicionalmente atribuídas a determinados senhores, mas
que alguns autores, mesmo já decadas atrás, provaram estar mal identificadas.
Tentámos resolver estas e outras questões, mas estamos certo de que ainda fica
muito para fazer, para escrutinar, para provar. Felizmente, cada vez mais, apare-
cem especialistas a publicar obras neste campo, dando um importantíssimo
contributo à Heráldica, à História Artística e à História em geral.
Publicámos já um livro dedicado à Heráldica Portuguesa na Porcelana da
China Ming, pelo que este que tem por objecto a produção da Dinastia Quing,
entre aproximadamente 1645 e 1911, é a sua natural continuação. Estudaremos
algumas encomendas com elementos que, não sendo brasões, foram exe-
cutados, para comemorar certos eventos importantes da vida de Portugal.
Depois, seguiremos através das encomendas iniciais, passando para os campos
da Heráldica Real e do Estado Português, da Heráldica Pessoal e, finalmente, da
Heráldica Religiosa.

Desejamos agradecer a todos os que tornaram possível a edição e a prepa-


ração deste livro, e não podemos esquecer também a contribuição, já mais lon-
1.  NOTA PRÉVI A 9

gínqua, de Luiz Ferros, nas notas eruditas que acrescentou à reedição da obra
fundamental de Castro e Solla, e os trabalhos, sobretudo de análise das próprias
cerâmicas, que se devem a Maria Antónia Pinto de Matos e, para as importantes
questões de relação com encomendas feitas por nacionais de outros países, a
Teresa Canepa.
As porcelanas que apresentamos com heráldica portuguesa são, na sua
maioria, pertencentes a colecções portuguesas. No entanto, e como desejámos
fazer um livro tão completo quanto possível, acrescentámos algumas porque as
há únicas e que estão em museus.
Para complementar este trabalho, e sobretudo para o enquadramento geral
e, particularmente, para a evolução da porcelana, desde os primeiros tempos de
fabrico, recorremos aos arquivos fotográficos de casas leiloeiras Sotheby’s de
Londres e New York, Christie’s de Amsterdão, Bonhams de Londres e, muito
particularmente, das portuguesas Palácio do Correio Velho, Cabral Moncada e
Aqueduto, de cujos proprietários somos amigos, há muito, e cuja disponibilidade
para colaborar foi total. Outras imagens de peças ou documentos gráficos per-
tencem à Fundação Medeiros e Almeida, à Fundação Carmona da Costa, à
Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, à Fundação Oriente, bem como ao Bri-
tish Museum, Victoria and Albert Museum, ao Amsterdams Historish Museum,
ao Winterthur Museum, ao Museu Topkapi Saray de Istambul, ao Museu Nacio-
nal de Jakarta, ao Museu Duca di Martina di Napoli, ao Museu del Prado de
Madrid, ao Museo Civico de Bolonha, ao Museu Castro Maya do Rio de Janeiro,
ao Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, à Biblioteca Nacional de Portu-
gal, à Biblioteca Nacional da Ajuda, ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
Biblioteca da Fortaleza de São Julião da Barra, à British Library, à Pierpont Mor-
gan Library de New York, ao Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, ao Museu
Nacional de Arte Antiga, ao Museu Rainha D. Leonor de Beja, ao Museu Nacio-
nal dos Coches, ao Museu Militar de Lisboa, ao Museu de São Roque de Lisboa,
e ao Palácio Nacional de Queluz. Outras fotos pertencem ao arquivo da extinta
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, e
foram-nos cedidas, quando aí trabalhámos, entre 1989 e 1997. A todos os res-
ponsáveis destas instituições agradecemos, pois sem a sua generosidade este
estudo ficaria muito menos esclarecedor e não cumpriria a sua função didática.
2.  ALEGORIAS E FESTIVIDADES
PORTUGUESAS NA PORCELANA
DA DINASTIA QING

N
o ocaso da Dinastia Ming, ocorreu a destruição dos fornos de
Jingdezhen, apenas reactivados, em 1682; em 1699 o porto de Can-
tão foi aberto ao comércio regular com o Ocidente, estabelecendo-
-se aí feitorias de quase todas as potências europeias e, depois,
também dos Estados Unidos da América. Na verdade, aos holandeses, na pro-
cura de porcelanas, sucederam-se os ingleses, com a East India Company, cuja
importação se centrou no século xviii. Só em 1735, dois navios, o Harrington e
o Grafton, desembarcaram, em Londres, 240.000 peças. Neste tempo, as outras
nações europeias navegavam para o Oriente, como antes se disse, fazendo-se
também a exportação, para a Europa do Norte e para o Novo Mundo. Usava-se
uma decoração de raiz ocidental, com uma riquíssima policromia e uma icono-
grafia que já ultrapassava a heráldica e os símbolos das ordens religiosas; é a esta
porcelana que se chama vulgarmente Companhia das Índias. Foi também este o
tempo da diversificação dos modelos, que concorriam com os das grandes
manufacturas de faiança fina da Alemanha e de outros países europeus. Já não
servia apenas um tipo de prato ou uma jarra mais ou menos elaborada.
Três autores tentaram quantificar a importação de porcelanas chinesas,
pelos diferentes países intervenientes na região, desde o início das viagens por-
tuguesas, até ao século xix1. Apesar da prioridade lusa neste comércio, teremos
sido dos mais modestos importadores, com cerca de 10.000.000 de peças, longe
portanto das 35.000.000 a 50.000.000 dos holandeses, e das 30.000.000 a
35.000.000 dos ingleses. Note-se que, no compto holandês, se incluem porcela-
nas de outras origens extremo-orientais, nomeadamente, do Japão, da Pérsia e
da Arábia, mas o seu número, relativamente ao total, foi diminuto. Quantidades
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idênticas estimam-se para os Estados Unidos da América, ficando Portugal


emparceirado com a Dinamarca e com a França. A própria Suécia, só entre
Ilustração do século xviii, mostrando
o fabrico de porcelanas em Cantão. 1776 e 1786, importou 20.000.000 de peças. Relação óbvia tem que se estabe-
Pintura sobre papel.
(British Museum. Londres) lecer com o número de viagens efectuadas aos Mares da China: cerca de 1.200
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portuguesas, contra próximo de 4.000 da Inglaterra, da Holanda e dos Estados


Unidos da América, para onde foram muitas porcelanas comemorativas, até
com o Washington Memorial e a casa do primeiro presidente, em Mont Vernon.
Uma das questões mais interessantes que a porcelana nos põe, sobretudo
em Setecentos e Oitocentos, mas mesmo desde antes, já no início do século xvii,
é saber qual a sua relação com outros materiais. É evidente que a estima e con-
sideração de uma peça destas era completamente diferente, no tempo de
D. Manuel I do de D. João V. Em 1520, era uma raridade; em 1740, era uma
coisa banal; e assim e passava por toda a Europa. É claro que as importações de
serviços eram imensas, alguns nobres ou nobilitados tinham vários, compostos
por centenas ou milhares de peças, e, nas cortes, a porcelana da melhor quali-
dade, agora com formas e motivos decorativos europeizados, estavam sempre
presentes. Se virmos a quantidade de porcelanas que o embaixador Alexandre
Metello de Sousa e Meneses trouxe da China, quando da sua missão realizada,
entre 1725 e 1728, ficamos admirados. São milhares de peças, desde grandes
talhas a pires, passando por bules, às centenas, pratos de todos os tamanhos,
animais, frutos, e até figuras que julgamos serem antigas2. Porém, a relação de
valor que hoje existe entre as baixelas de porcelana e as baixelas de prata não
corresponde ao que se passava há dois ou três séculos atrás.
Poderemos constatar que os principais clientes dos fornos chineses dos
nossos períodos barroco, rococó e neoclássico foram sobretudo, e com raras
excepções, burgueses nobilitados e nobres de segunda linha. Os que possuiam
mais cabedal continuavam a optar pela prata, particularmente, pela prata
dourada e, excepcionalmente, pelo ouro. De facto, inventários de partilhas e
arrestos são claros quanto a esta diferença de valores, tendo de se lembrar tam-
bém que a relação entre a prata e o ouro era muito diferente da que hoje existe.
Nesses tempos a prata valia imensamente mais.
Os objectos preciosos, de aparato e de representação eram fundamentais
durante a Época Moderna, e Portugal não fugiu à regra do resto da Europa.
A estratificação em que assentava o equilíbrio social exigia marcas claras de
poder, quer económico quer simbólico, e daí a importância dos formalismos
conviviais, da etiqueta e do cerimonial, às vezes num excesso que é difícil com-
preender, a quem anda mais afastado destes assuntos. A colocação de elementos
heráldicos em peças avulsas ou em serviços completos de porcelanas de enco-
menda integra-se plenamente neste espírito. Gonçalo Vasconcelos e Sousa escre-
veu recentemente que “os palácios e as casas de campo, as hordas de criados em
número mais ou menos elevado e as suas fardas, as carruagens, entre outros factores,
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constituiam elementos de exteriorização da relevância social da família e das persona-


gens em causa… Mas havia ainda a decoração interior dos palácios, com as tapeça-
rias, os móveis, as peças de prataria e os aparatosos serviços de porcelana chinesa com
ou sem elementos de personalização”3. Porém, os trajes e as jóias, e sobretudo a
chamada prata da casa, frequentemente também armoriada, eram, intra-muros,
os elementos fundamentais desta manifestação de poder e da atitude recorrente
de elevação na escala social da própria nobreza. Mas o ouro, as jóias e a prata
eram igualmente formas de entesouramento, investimentos a que se podia recor-
rer em caso de necessidade, o que já não acontecia com a porcelana chinesa;
empenhar e desempenhar jóias e prataria foi uma prática muito comum. Eram
garantias reais dadas aos financeiros do tempo, para obter cabedais, para empre-
endimentos comerciais ou, simplesmente, para fazer face a despesas que ultra-
passavam as disponibilidades do momento. E este recorrer ao prego não tinha a
marca desfavorável dos nossos dias, antes, era uma atitude corriqueira. É neste
contexto complexo que a porcelana brasonada tem que ser entendida.
Ainda quanto ao valor das porcelanas, podemos socorrer-nos de outro
texto sobre as heranças setecentistas, concretamente no Brasil. O capitão-mor
da Bahía, Gaspar Álvares da Silva, que faleceu em 25 de Janeiro de 1805, deixou
bens avaliados em mais de 75 contos de reis. De tudo, e só para exemplificar,
anotamos um conjunto de viagem, um estojo com frascaria de prata com um
valor de 515$360 reais, dez vezes mais do que as centenas de peças comum-
mente designadas por Companhia das Índias, que incluiam serviços completos
de jantar, de chá, de chocolate, etc. Já as muitas dezenas de peças de D. Águeda
Maria do Sacramento, que morreu também na Bahia, em 1808, senhora que
possuía serviços em pó de pedra e em porcelana inglesa, foram avaliadas em
71$700 reais, enquanto o tal serviço inglês em pó de pedra foi estimado em
201$580 reais4.
É verdade que os monarcas portugueses, a partir de D. João V, tiveram
serviços de porcelana, a maioria feitos de encomenda, com as respectivas armas,
alguns dos quais oferecidos pelos próprios imperadores chineses. No entanto,
das grandes famílias poucas peças restam, porque raramente as mandaram fazer,
ou porque não as mandaram fazer armoriadas. Porém, as grandes baixelas de
prata de aparato ou de uso tinham um valor incomensuravelmente maior.
D. José I, logo após o Terramoto de 1755, em Junho do ano seguinte, concreta-
mente, encomendou nova baixela argentea a François Thomas Germain, mas
apenas um serviço para uso de mesa, apesar da grandiosidade das peças que
subsistem, e que nos parecem tudo menos utilitárias. A obra demoraria a aca-
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bar, e viria apenas a ser usada solenemente, no


banquete de aclamação de D. Maria I, que teve
lugar a 13 de Maio de 1777.
As grandes efemérides ou acontecimen-
tos marcantes na vida das nações foram come-
morados em milhares de porcelanas, em
pequenas ou grandes quantidades, só num tipo
de peças ou em serviços completos. Conhece-
mos exemplares em vários países europeus e,
até na América, onde é possível ver os rostos e
bustos dos monarcas, alegorias a alianças polí-
ticas e militares, e mesmo representações tão
extraordinárias como a do momento da assina-
tura da Declaração de Independência dos
Estados Unidos. Ainda no campo político-
-social, há que fazer alusão a peças decoradas
símbolos maçónicos, mas vamos restringir-nos
a exemplos lusos, pois são os que verdadeira-
mente nos interessam neste estudo.
O conjunto português mais notável é
o serviço encomendado pelo marquês de
Marialva, para os banquetes organizados pelo
Senado de Lisboa e pela Casa dos Vinte e Qua-
tro, quando foi inaugurada a estátua equestre
de D. José I, no Terreiro do Paço de Lisboa, a 6
de Junho de 17755. É de todos conhecida esta
obra notabilíssima de estatuária, pensada por
Sebastião José de Carvalho e Melo, mas, de
facto, mais para sua glória do que da do
monarca, projectada, e executada por Joaquim Machado de Castro. Nos três
dias festivos, estiveram presentes os membros da Família Real, o marquês de
Pombal, na sua qualidade de primeiro-ministro e também de inspector das
Obras Públicas, o seu filho, que era então presidente do Senado da Câmara de
Lisboa, além do Corpo Diplomático, dos dignitários eclesiásticos e da mais alta
nobreza lusa que ainda estava nas boas graças de Pombal.
Estátua equestre de D. José I,
As cerimónias, posto que num ambiente arquitectónico já claramente neo- no Terreiro do Paço de Lisboa,
da autoria de Joaquim Machado
clássico, revestiram-se ainda de um evidente barroquismo, afinal o espelho da de Castro. 1775
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própria sociedade portuguesa. Quando terminaram e a Corte se retirou do


espaço público, se afastou dos olhares do povo, para ir assistir à representação da
Demofonte, da autoria de Jemmolli, no teatro do Paço da Ajuda, foram começadas
a servir iguarias aos lisboetas, em milhares de pratos, taças e travessas desta belís-
sima porcelana do período do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing.
Imagine-se a quantidade de pratos e travessas necessários, pois só os doces atin-
giram as 250 arrobas, gastando-se ainda 4.154 dúzias de ovos, 24.785 bolos, 762
arrobas de gelo, e 13 arrobas da inevitável canela. Muitas peças perderam-se,
mas conservam-se algumas, em museus e colecções particulares.
É evidente que a encomenda deste mega serviço, talvez o maior de sempre
mandado fazer por uma entidade europeia, teve que ser produzida com bastante
antecedência, baseada nos desenhos preparatórios da autoria do grande escultor
conimbricense. Em todas as peças vê-se o monumento, em que avulta a estátua
equestre, a ouro, estampada sobre o fundo branco, sendo as bordaduras decora-
das com grinaldas muito delicadas em verde, rosa e ouro, sendo curiosamente as
flores e os frutos europeus. A pasta é compacta e pesada, e a decoração policroma
é já de gosto rococó. As bordaduras ondeadas foram ornadas com pinturas em
verde muito vivo, entre filetes dourados. As abas moldadas ostentam grinaldas de
folhagem verde com flores policromas. Os fundos, consoante a tipologia das
peças, são contornado por um friso composto por losangos dourados.
Também é muito importante, dentro deste género comemorativo, o ser-
viço que tradicionalmente anda atribuído, desde Castro e Solla e José Campos
e Sousa, ao palácio dos Meninos de Palhavã, e desde Fausto Figueiredo e Nuno
de Castro, ou concomitantemente, consoante os autores, ao Real Colégio dos
Nobres.
Julgamos que o serviço foi mandado fazer para a Real Fábrica da Pólvora
de Barcarena, hipótese que foi inteligentemente levantada pelos eruditos histo-
riadores e heraldistas João Alarcão de Carvalho Branco e Jorge de Brito e Abreu,
no capítulo sobre simbologia heráldica que Mary Espírito Santo incluiu no seu
livro sobre as porcelanas do Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva6.
No entanto, e apesar dos seus bem fundados argumentos, optaram por chamar
apenas a este serviço dos soldados; nós atrevemo-nos a ir um pouco mais longe.
As peças que se conhecem mostram militares prefilados, ao lado de um
grande almofariz, de onde sai o monograma RFP sobrepujado pela Coroa Real,
tendo entre dois círculos na extremidade do covo dos pratos e das travessas a
Livros publicados em Lisboa por legenda 1776 SETE BARRO (?) HE OUTRO UNICORNIO. Parece poder
ocasião da inauguração da estátua
equestre de D. José I afirmar-se que a modelação destas peças teve por base modelos europeus de
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prata, sobretudo se tivermos em conta algumas das terrinas conservadas. É uma


porcelana muito espessa e muito pesada, decorada sob o vidrado em tons de
azul, castanho e a ouro; os bordos dos pratos, das travessas e das terrinas são
ligeiramente recortados. A aba é drapejada com uma sanefa azul contínua,
acompanhando o ondulado dos recortes com borlas pendentes.
O serviço é composto por pratos, travessas e terrinas e data do período do
reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing; foi por certo decorada a partir
de um desenho português.
Voltando às atribuições, lembremos que os chamados Meninos de Palhavã
eram naturais de D. João V, que tiveram tratamento excepcional, mas apartados Terrina com travessa do serviço
comemorativo da inauguração da
da Corte. estátua equestre de D. José I, no
Terreiro do Paço de Lisboa. 1775.
Foram eles D. António, nascido em 1704, filho de uma senhora francesa Dinastia Qing, reinado
do imperador Qianlong
cuja identidade ainda se desconhece; doutorou-se em Teologia, e morreu em (Palácio do Correio Velho. Leilões)
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1800. D. Gaspar era filho de D. Madalena Máxima de Miranda, uma religiosa,


nasceu em 1716, e morreu em 1789, vindo a ascender ao alto cargo de arcebispo
de Braga. D. José nasceu em 1720, filho de outra religiosa, madre Paula Teresa
da Silva, que professara no mosteiro de Odivelas; chegou a exercer o cargo de
inquisidor-mor. Foram todos destinados à vida eclesiástica, tendo feito os seus
Travessa comemorativo
da inauguração da renovada estudos no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Foram afastados da Corte, e o
Fábrica Real da Pólvora de Barcarena.
Dinastia Qing, reinado do imperador pai deu-lhes como morada o palácio do marquês do Louriçal, em Palhavã, então
Qianlong. 1776.
(Colecção particular) arredores de Lisboa, e hoje a Praça de Espanha, exactamente, o edifício onde
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está instalada a representação diplomática do país vizinho. D. João V reconhe-


ceu-os, em 1742, mas o documento só veio a ser divulgado, em 1752. Não se
entende, de facto, o que é que a iconografia tem a ver com príncipes destinados
à vida eclesiástica, e a data que as peças ostentam, 1776, corresponde exacta-
mente ao período em que eles estavam em conflito com o marquês de Pombal
e, a viver desterrados no deserto carmelita da Serra do Buçaco.
Quanto ao Real Colégio dos Nobres, sabemos que foi fundado pelo mar-
quês de Pombal, em 1766. A atribuição a esta instituição baseia-se em vários
critérios, nem sempre muito consistentes, como o facto das eventuais iniciais
PFV e JFV poderem ser alusões a Padroeira Fidelíssima Virgem, ou correspon-
Retrato de Martinho de Melo
derem às iniciais do nome de José Faro e Veiga, director e inspector do Real e Castro, secretário de Estado
da Marinha e Ultramar, que
Colégio, que teria assim sido a pessoa que fez a encomenda. Lembram alguns reconstruiu e reformulou a Real
autores, e bem, que José Faro e Veiga se chamava José Luís de Vasconcellos e Fábrica da Pólvora de Barcarena.
Gravura da época.
Sousa Caminha Faro e Veiga, filho segundo do 4.º conde e 1.º marquês de Cas- Cerca de 1770-1780
(Colecção particular)
telo Melhor, e não deixaria de representar, mesmo em iniciais, a ascendência
Motivo central
Caminha e Vasconcellos e Sousa. Acresce ainda que, por casamento, era 6.º de um prato comemorativo
da inauguração da renovada
conde de Pombeiro e 1.º marquês de Belas. É verdade que 1776 corresponde ao Real Fábrica da Pólvora
de Barcarena.
10.º aniversário da fundação desta escola, destinada aos filhos das famílias (Colecção particular)
20 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

nobres, uma das mais importantes iniciativas


do marquês de Pombal, para criar uma elite
ilustrada, e preparar os futuros governantes do
Reino. Porém, não era uma escola militar, pelo
que, para além dos argumentos já acima enun-
ciados, os soldados e o almofariz coroado não
têm qualquer lógica, nem podem ter qualquer
relação com essa instituição.
No entanto, já em relação a Barcarena,
diga-se que, muito antes desta data, no tempo
de D. João IV, já se fabricava pólvora. Em 1651,
o rei mandou fechar todas as oficinas existen-
tes em Lisboa e noutros locais, deixando ape-
nas em laboração esta. Em 1695, depois de
algum tempo de abandono, as ferrarias de Bar-
carena foram recuperadas por Carlos Sousa de
Azevedo, que também construiu dois moinhos
de pólvora. Mais tarde, já com D. João V, em
1725, António Cremer ganhou um concurso
público, para a arrematação do fabrico da pól-
vora, em todo o Reino e, quatro anos volvidos,
foi inaugurada a então chamada Real Fábrica
da Pólvora de Barcarena. Porém, em 1774,
houve uma grande explosão, que destruiu a unidade fabril e, logo, Martinho de
Melo e Castro, então secretário de Estado da Marinha e Ultramar, tendo por
isso também o comando do Exército, mandou proceder à sua reconstução, com
claras melhorias relativamente ao que existia antes. Finalmente, no ano de 1776,
o que aparece inscrito nas peças do serviço, Bartolomeu da Costa tomou conta
da administração da fábrica, e ainda a aumentou mais. Quanto a nós, terá sido
este o encomendante do serviço, para uso dos responsáveis e para os dias festi-
vos e das visitas ilustres. Integrada no Ministério da Marinha, justifica-se assim
a presença dos dois soldados e, no meio deles, o grande almofariz, o mais impres-
cindível dos utensílios para o fabrico da pólvora. As letras entrelaçadas podem
ser lidas, sem reserva, como RFP. A legenda 1776 SETE BARRO (?) HE
OUTRO UNICORNIO não retira fundamento, antes o acentua, “… se atender-
Retrato de D. Maria I mos a que pode ser uma alusão à reconstrução da Real Fábrica e ao novo poder de fogo
e de D. Pedro III
(Museu Nacional dos Coches. Lisboa) e militar que dela voltava a sair.”7.
2.  A LEGO RIAS E FE STIVIDADE S PO RTUGUE SAS NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 21

Outro evento que passou à porcelana chinesa foi a cerimónia do casa-


mento da princesa da do Brasil, D. Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Ger-
trudes Rita Joana. Foi adiado, sucessivamente, sobretudo por acção do marquês
de Pombal, que se opunha aos pretendentes estrangeiros, como foi o caso do
infante D. Luís, irmão do rei Carlos III de Espanha, e do duque de Cumber-
land, filho de Jorge II de Inglaterra8. Sebastião José de Carvalho e Melo tinha
razão em acautelar a inevitável ingerência na nossa política, que estas alianças,
inevitavelmente, potenciariam. D. Maria Francisca teve que esperar pelos 25
anos, idade já avançada no conceito do tempo, para contrair matrimónio, e a
opção recaiu sobre o infante D. Pedro, quinto filho de D. João V e de D. Maria
Ana de Áustria, portanto, irmão de D. José I, e seu tio paterno, nascido em
1717, futuro D. Pedro III, já que receberia o título de rei consorte. A monarca
D. Maria I nasceu em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1734, filha mais velha de
D. José I e de D. Mariana Vitória, que só geraram mulheres. Viria a falecer no
Rio de Janeiro, em 1816.
O casamento foi amplamente festejado e, por essa ocasião, foi encomen-
dado, pelo menos um serviço de chá e café, e talvez até um de jantar, feitos
certamente nas fábricas de Jingdezheng. Admitimos que se possa tratar de uma
oferta do imperador da China, mas é apenas uma hipótese. A decoração ficou
restrita a um medalhão central, oval e formado por folhas de loureiro, com os
retratos dos príncipes, com dois anjos tenentes sustentando uma filactera que o
coroa, com a inscrição MARIA ET PETRVS. Possui esmaltes polícromos, cinza
prateada, e ouro. A circundar as imagens, há uma banda de sementes de cores
castanha, vermelha e verde, que também foi pintada no rebordo.
Uma outra encomenda, ou um outro modelo da mesma, tem uma decora-
ção ligeiramente diferente, com duas bandas concêntricas formadas por semen-
tes de cor castanha, vermelha e verde, a delimitar a aba. No centro das peças, foi
pintada figura alegórica da Fama, no seu carro de Sol, entre nuvens, susten-
tando na mão esquerda um medalhão, onde foram pintados os bustos dos prín-
cipes. Na parte superior do bordo dos pratos, ou na tampa das travessas, há um
monograma com artificioso entrelaçado de letras iniciais dos nomes de Maria
e Pedro.
Foram recentemente reveladas peças que estão em colecções brasileiras,
que apresentam os príncipes do Brasil, D. João e D. Carlota Joaquina, com os
retratos mostrando-os ainda jovens, pelo que pode muito bem ser que perten-
çam a um serviço mandado fazer, quando do seu casamento, ocorrido em 1785,
portanto, durante o reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing9.
22 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Prato comemorativo
do casamento de D. Maria I
com D. Pedro III. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
Cerca de 1780.
(Colecção particular)
2.  A LEGO RIAS E FE STIVIDADE S PO RTUGUE SAS NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 23

Prato comemorativo
do casamento de D. Maria I
com D. Pedro III. Dinastia Qing,
reinado do imperador
Qianlong. Cerca de 1780.
(Colecção particular)
Taça e pires comemorativos
do casamento de D. Maria I
com D. Pedro III. Dinastia
Qing, reinado do imperador
Qianlong. Cerca de 1780.
(Colecção particular)
2.  A LEGO RIAS E FE STIVIDADE S PO RTUGUE SAS NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 25

As peças são constituídas por porcelana muito branca e fina, decoradas


com esmaltes da chamada família rosa. A decoração é composta por teorias de
grinaldas polícromas que conformam medalhões, onde foram pintados os retra-
tos dos príncipes.
Plenas de significado são as taças comemorativas da expulsão das tropas
francesas de Portugal, em 1811, cujo tema principal é constituido por dois anjos
que sustentam o Escudo Real, e que, simultaneamente, pisam a bandeira da
França. É muito provável que este conjunto tenha ido directamente de Macau
ou da China, para o Brasil, onde a Corte estava instalada desde 1808, e onde há
várias peças destas, em colecções particulares. Apresentamos uma pequena taça,
pertencente também a uma colecção brasileira, feita em porcelana muito branca
e fina, com a decoração polícroma sob o vidrado, certamente de 1812, ou de um
dos anos imediatos, portanto durante o reinado de Jiaqing. Esta taça pertence a
uma colecção particular brasileira10. O fabrico deve ser das fábricas imperiais
Jingdezheng, na província de Jiangxi, no Nordeste do país.

NOTAS

1
R. Picard, J. P. Kerneis & Y. Bruneau, Les Compagnies des Indes. Route de la Porcelaine,
pp. 33-34.
2
BPE. CXVI – 2/6.
3
Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, “Objectos preciosos, aparato e representação de elites da
Corte Portuguesa de Setecentos”, Armas e Troféus, Lisboa, 2002-2003, IX série, p. 229 e segs.
4
Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, “Ouro, prata e outras riquezas setecentistas numa herança
da Bahía (Brasil)”, Revista da Faculdade de Letras – Ciências e Técnicas do Património, Porto,
2004, vol. III, p. 293 e segs.
5
Maria Antónia Pinto de Matos, “Travessa. Porcelana de Encomenda”, (Catálogo da Exposi-
ção) Do Tejo aos Mares da China. Uma Epopeia Portuguesa, p. 190.
6
João Alarcão de Carvalho Branco & Jorge de Brito e Abreu, “Simbologia Heráldica”, Porce-
lanas do Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, edição de Mary Espírito Santo
Silva, Lisboa, 1999, pp. 164-165.
7
João Alarcão de Carvalho Branco & Jorge de Brito e Abreu, “Simbologia Heráldica”, p. 165.
8
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, 2.ª edição, Lisboa, 1990, vol. VI, p. 293 e segs.
9
Nuno de Castro, A porcelana chinesa ao tempo do Império. Portugal-Brasil, 2007, p. 81; Lou-
renço Correia de Matos, “Taça para chá com pires”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos
de comércio, vol. I, p. 164, e pp. 556-557.
10
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 203.
3.  HERÁLDICA REAL PORTUGUESA
NA PORCELANA DA DINASTIA QING

A
parecem documentadas compras maciças para Portugal, nomeada-
mente, para o palácio de Queluz, na segunda metade do século xviii,
quer feitas directamente em Macau, como as que vieram no navio
Bom Jesus d’Além, comandado por José Dias de Sousa, destinadas
aos príncipes D. José e D. Maria Benedita, quer adquiridas a intermediários,
como Jean Lanfranc, em 1756, que também forneceu outros originárias da Palácio Nacional de Queluz.
Fachada principal
Saxónia e de França.
Em 1758, Bento Dias Pereira
Chaves comprou mais uma quanti-
dade formidável de louça chinesa,
para o mesmo palácio, mas nessa
altura, no leilão do conde de Sabu-
gosa, entre as quais muitas talhas,
algumas delas com grandes dimen-
sões. Certamente, também não eram
brasonadas, pois a Corte não usaria
peças com armas da nobreza, e os
nobres não mandavam fazê-las com
as Armas Reais. Há novas compras
registadas, para Queluz, em 1761 e
1782, quer de peças vindas directa-
mente de Macau, quer de outras,
novamente obtidas em hasta pública,
realizada em Lisboa.
28 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Mas, os monarcas portugueses tiveram também serviços de porcelana


fabricados na Europa, isto, naturalmente, depois de se começar a produzir na
Alemanha, na França e na Inglaterra. D. Luís I teve vários armoriados, ou com
o seu monograma. Um deles é muito simples, com as Armas Reais cobertas por
um pavilhão, no centro, e apenas dois filetes no bordo e em torno do covo dos
pratos, serviço produzido pela firma P. H. Pillivuyt & Cie, de Paris.
Já no tempo de D. Carlos I, entre outros, foi encomendado um outro
serviço de porcelana de carácter mais utilitário, apenas com a Coroa Real no
bordo, feito em Limoges, pela Haviland & Cie. Continuou a ser utilizado por
D. Manuel II, mesmo quando este patriota monarca estava no exílio.
Não temos dúvidas de que a criação da Fábrica Real do Rato, por inicia-
tiva do marquês de Pombal, teve como objectivo fornecer às elites portugueses
produtos concorrenciais, quer em relação à produção chinesa, quer à europeia,
sobretudo alemã, inglesa e francesa. No entanto, a verdade é que, no momento
do seu maior esplendor, já nesses países se fabricavam porcelanas, enquanto
entre nós, tal só viria a ter significado, já em pleno século xix, com a fábrica da
Vista Alegre.
Durante todo o século xviii, as cargas declaradas, nomeadamente, no porto
da Bahía1, o mais bem estudado de todo o Espaço Ultramarino Português, mos-
tram esta constância de actividade, que teria que ser, forçosamente, muito ren-
tável. Se muitas peças ficavam no Brasil, a mais dinâmica das parcelas do
Império, outras chegavam à Europa, a começar por Lisboa. Em 1737, a nau
Nossa Senhora do Rosário e Santo André regressava de Goa, mas, incendiou-se,
em frente da fortaleza de Nossa Senhora de Monserrate, em Salvador da Bahía.
Em 1975, arqueólogos resgataram aí quantidades muito significativas de porce-
lana chinesa de exportação, o que nos forneceu indicações preciosas dos tipos e
das quantidades que eram transportadas comummente.
Vista da cidade de Salvador
da Bahía de Todos-os-Santos. Vejamos agora, por ordem cronológica, algumas das peças que ostentam
Litografia de Dufourq. 1782.
(Colecção particular) as Armas Reais dos monarcas portugueses, começando pelo Magnânimo.
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 29

D. JOÃO V

D. João V foi o primeiro dos nossos reis a ter


um serviço completo ostentando o seu brasão, que
era, obviamente, o de Portugal. Na verdade, julga-
mos que teve dois, pelo menos, pois há em várias
colecções pratos com decoração distinta uma da
outra2. Em ambos, no entanto, o Brasão Real foi
colocado axialmente, no alto do bordo, embora
seja de pequenas dimensões. Não temos ideia de
quando foram encomendados, nem conhecemos
documentação que se lhes refira, mas não é de
rejeitar a hipóteses de serem encomendas específi-
cas, para qualquer grande acontecimento, como o
casamento do príncipe real D. José e da infanta
D. Maria Bárbara, o que aconteceu, em simultâ-
neo, em 1729.
No serviço que é mais decorado, a azul e
dourado sob o vidrado, com pratos com um diâ-
metro de 21 cm, o bordo é ondulado e seccionado
em catorze planos. O Brasão Real fica centrado em
relação à composição geral que decora a peça. Está
pintado sobre uma cartela com cabeças de ruyi,
entre painéis de peónias douradas. É de branco,
por prata, com cinco escudetes de azul em forma
de cruz, com bordadura de vermelho com sete tor-
res de ouro, embora devessem ser castelos, se o desenho fosse correcto. A Coroa
Real é fechada, e o Escudo de Portugal de fantasia, inserto numa cartela com
volutas e grinaldas.
Este serviço deve datar de cerca de 1730, do período do reinado do impe-
rador Yongzheng, e feito nos fornos de Jingdezheng, na província de Jiangxi. No
centro do prato, pode admirar-se um jardim chinês, com sebes e com rochedos,
e vários tipos arbóreos, como são as peónias e as bananeiras; é tudo rodeado por
uma faixa fina recortada e uma linha de ouro, situada sob a banda entrelaçada,
que marca o começo da aba. Existem pratos destes no Palácio Nacional de Sin-
Retrato de D. João V.
tra e no Palácio Nacional de Queluz, como o que reproduzimos, bem como Obra de Jean Ranc. Cerca de 1730.
Casa da Livraria da Universidade
nalgumas colecções particulares portuguesas e brasileiras. de Coimbra
30 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Prato de porcelana chinesa


de exportação com as armas Reais
de D. João V dos seus dois serviços
conhecidos. Reinado de Yongzheng
da Dinastia Qing. Cerca de 1730.
(Palácio Nacional de Queluz)
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 31

Do outro serviço há vários pratos que


estão no Palácio Nacional da Ajuda e no
Palácio Nacional de Queluz como o que exi-
bimos, e também em diversas colecções pri-
vadas. Tem que se datar também de cerca de
1730, dentro do período do reinado do impe-
rador Yongzheng, como dissemos em relação
ao anterior, e apontar, igualmente, os fornos
de Jingdezheng, na província de Jiangxi,
como origem. Apresenta as Armas Reais,
típicas do reinado de D. João V: brasão de
branco, devendo ser normalmente de prata,
com cinco escudetes em azul em cruz, cada
um carregado de cinco besantes de prata.
Bordadura de vermelho com sete torres de
ouro, em vez dos castelos, como era correcto.
A Coroa Real é fechada, e o Escudo de fan-
tasia inscrito em cartela. Este prato, com 21
cm de diâmetro, é decorado a ouro, além do
Brasão Real, como já vimos, que é pintado a
esmaltes polícromos. A aba é plana e dotada
de doze motivos rococó, que com os segmen-
tos de círculo intercalares conformam o bordo. A decoração do fundo é essen-
cialmente composta por elementos fitomórficos, com peónias e crisântemos,
aparentando um jardim chinês, onde se vê também uma sebe e rochedos.
Toda esta composição está cercada por um enrolamento contínuo de flores,
na zona que confina com a aba. As conchas da aba estão também decoradas
a ouro.
Margeret Kealing Gristina aventa a hipótese deste serviço ter tido como
modelo peças de prata de uma baixela coeva3, nacional ou francesa, mas temos
que tornar claro que este estilo, do ponto de vista morfológico, que não na deco-
ração, era o que, na primeira parte do reinado de D. João V, era comum, em
todas as artes decorativas. As primeiras aparições de concheado, a que preferi-
mos chamar rococó, com elementos que não são simétricos, só aparecem tardia-
Prato de porcelana chinesa
mente, e só entram plenamente em uso durante o reinado de D. José I. de exportação com as armas Reais
de D. João V dos seus dois serviços
Lamentavelmente, não conhecemos qualquer outra espécie deste serviço, tra- conhecidos. Reinado de Yongzheng da
Dinastia Qing. Cerca de 1730. (Palácio
vessas, terrinas, molheiras, etc., que teve forçosamente de incluir. Nacional de Queluz)
32 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. MARIA ANA DE ÁUSTRIA

Uma das mais delicadas porcelanas chinesas


brasonadas, datáveis da primeira metade do
século xviii, é o conjunto de chícara e pires que
faz parte de um serviço de chá e de café, ornamen-
tado ostensivamente com o brasão da rainha
D. Maria Ana; é a única tipologia que conhecemos
apenas com as armas da monarca. A mulher de
D. João V nasceu em Linz, a 9 de Junho de 1708.
Era filha do imperador da Áustria Leopoldo I e da
imperatriz D. Leonor Madalena, a sua terceira
mulher. Faleceu em Lisboa, em 1754, sendo sepul-
tada no mosteiro de São João Nepomuceno, dos
carmelitas descalços alemães. No período final do
reinado do seu marido, devido à doença deste, teve
um papel activo e relevante na política nacional4 e
internacional.
As Armas de D. Maria Ana de Áustria,
enquanto rainha de Portugal, são as seguintes:
na direita, Portugal (moderno), com cinco escude-
tes de azul colocados em cruz; bordadura de ver-
melho carregada de sete castelos de branco, do
brasão régio do marido. Na esquerda, o próprio de
Áustria, com fundo de vermelho com faixa de
prata.
A chávena e o pires são decorados com riquísimos esmaltes em tons ver-
melho ferrugem, com dourado e azul, do tipo a que se convencionou chamar
família rosa. Têm as Armas da soberana, com Portugal e Áustria em escudetes
ovais, dentro de uma ampla cartela sobrepujada pela Coroa Real fechada.
O resto da decoração, de excepcional desenho e factura, representa uma fénix
com a cria, sobre um rochedo azul, entre peónias e um tronco arbóreo florido.
O bordo é decorado com uma cercadura de enrolamentos florais e fitomórficos
em dourado. É frequente ler-se que este serviço é uma alusão ao matrimónio, o
que não tem qualquer razão, pois apenas apresenta o brasão de D. Maria Ana, a
Retrato da rainha D. Maria Ana
de Áustria. Autor desconhecido. nossa rainha. O casamento com D. João V teve lugar, em 9 de Junho de 1708,
Cerca de 1729.
(Museu Nacional dos Coches. Lisboa) mas o tipo de decoração faz-nos acreditar que esta peça é algo mais tardia,
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 33

embora também nada aponte para que seja apenas do período em que ela esteve
mais envolvida nos negócios do Reino, dada a doença do marido, ou seja, já na
década de quarenta do século xviii. Existem peças deste raro serviço em várias
colecções portuguesas, nomeadamente, na do Museu Nacional de Arte Antiga,
sabendo-se que essa, em particular, pertenceu ao rei D. Fernando II de Saxe-
-Coburgo, segundo marido de D. Maria II, e um dos grandes coleccionadores
de obras de arte, em Portugal, do século xix.

Taça de porcelana chinesa


de exportação com as armas
da rainha D. Maria Ana de Áustria.
Reinado de Yongzheng
da Dinastia Qing. Cerca de 1735.
(Palácio do Correio Velho. Leilões)
34 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. JOSÉ I

É bem conhecida a documentação relativa às


compras efectuadas, directamente ou por comer-
ciantes estrangeiros e europeus, e também das
peças de porcelana chinesa trazidas para Portugal
por embaixadores, como Francisco Xavier de Assis
Pacheco e Sampaio, através de quem o imperador
da China Qianlong mandou diversas ao nosso rei
D. José I5. Tudo está detalhado, numa carta que se
conserva no Palácio Nacional da Ajuda, um rolo
que mede 3,85 m de comprimento por 86 cm de
largura, com as bandas en seda amarela decorada
com dragões, o símbolo imperial, e motivos estili-
zados, além de longos textos em Chinês, em Man-
chu e em Português, este último abreviado.
Sabe-se que foram mandados aquários, jar-
ras, bules, bules para vinho, chávenas, pratos
pequenos e grandes, taças e copos, sendo também
referida a decoração, tal como, fundo amarelo e
cinco cores, flores azuis, cinco cores, flores vermelhas,
morcegos vermelhos, etc. D. José usou serviços chi-
neses de excelente qualidade, como o chamado
serviço dos pavões, que D. João VI levou para o
Brasil, e que foram guarnecer o paço real na cidade
do Rio de Janeiro e o palácio de Santa Cruz.
Existe uma edição, impressa em Lisboa, em 1754, na tipografia dos her-
deiros do famoso António Pedroso Galvão, que relata, pormenorizadamente,
essa acção diplomática, a Relação da Jornada que fez ao Império da China, e Sum-
maria Noticia da Embaixada, que deo na Corte de Pekim, em o primeiro nde Mayo
de 17536.
Dado o interesse da carta do imperador Qialong para D. José I, damos de
seguida parte do seu texto:

Retrato de D. José I. Autor “Carta do Emperador, que por beneficio do Ceo governa o Império da China a
desconhecido. Cerca de 1760.
(Cabral Moncada Leilões. 2009) El Rey de Portugal.Vi a carta e recebi as cousas, que Vossa Magestade do seu Reyno me
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 35

mandou e delias entendi o seu verdadeiro e recto animo para comigo, a fama da virtude
do meu Avo e do meu Pay chegou a todas as partes do mundo, e como os Reys de Por-
tugal mostrarão sempre muito amor e amizade com os meus antepasados por isto estes
derão-lhes sempre muytos louvores e os tratarão com grande affecto, agoraVossa Mages-
tade escolheo e mandou hum Embaixador per tantos mares para corresponder o amor
e benevolência com que os meus antepassados e eu tratamos sempre os seus vassallos,
que existem neste meu império, as palavras da sua carta são summamente cortezas e
muy expressivas, e eu quando as li fiquei muy alegre e satisfeito. O Embaixador che-
gando a esta corte, admiti-o a minha presença, e para mais consolallo e honralo dei-lhe
em minha presença hum combite solemne, e fora disto tratei-o com honras extraordiná-
rias, aos vassalos da Vossa Magestade que estão nesta corte acrescentei também honras
para comprazer a Vossa Magestade que tanto dista destas terras. Agora que o Embai-
xador volta para o seu Reyno mando esta carta junto com alguns mimos de várias
Carta enviada a D. José I pelo
sedas, vasos e outras.Vossa Magestade aceite este mimo, e fique seguro do meu affecto imperador da China Qianglong,
num rolo de 3.85 m de comprimento
para com Vossa Magestade por isto escrevo esta.” (Biblioteca Nacional da Ajuda)
36 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. PEDRO III

Continuando a ver os serviços que os monar-


cas portugueses encomendaram, ornamentados
com as suas Armas, segue-se o que ostenta as de
D. Pedro III, rei consorte, marido de D. Maria I.
O infante D. Pedro Clemente Francisco José Antó-
nio, nascido em Lisboa a 5 de Julho de 1717, che-
gou ao trono, através do casamento com a sua
sobrinha, D. Maria, a primogénita de D. José I.
Teve o título de príncipe do Brasil, e sendo o único
varão, para além do futuro rei D. José, que resistiu
até à idade adulta, veio a acumular títulos e honra-
rias, como a de duque de Beja, senhor da Casa do
Infantado e, por sucessão ao tio, o infante D. Fran-
cisco, o Priorado do Crato. Manteve sempre uma
posição subalterna em relação à esposa, e morreu
quando ela ainda não tinha perdido faculdades,
como posteriormente viria a acontecer, levando à
cabeça dos negócios do Reino o príncipe D. João,
depois regente e, finalmente, rei.
Como rei consorte, naturalmente, adoptou
as Armas do Reino, em chefe, rematadas pela
Coroa Real, mas não deixou a cruz da Ordem de
Malta, de que era grão-pior em Portugal, em que
as diferenciava das da rainha7. São as Armas: Reais,
em cartela, com o escudo também em cartela; cinco escudetes de azul em cruz,
e cada um carregado de cinco besantes, igualmente dispostos em cruz. A borda-
dura de vermelho, carregada de sete castelos. O escudo está sobreposto à cruz
da Ordem de Malta, e sobrepuja-o a Coroa Real fechada.
O prato que aqui apresentamos, como um simples exemplo, pertence ao
serviço de jantar, chá e chocolate que que esteve em uso no Palácio de Queluz,
onde ainda há 132 peças, sendo muito provável que as que estão avulsamente
em colecções tenham sido roubadas por republicanos, após os desacatos de
1910, e vendidas em benefício próprio, como aconteceu com tanto outro patri-
Retrato de D. Pedro III.
Autor desconhecido. mónio da Coroa, do Estado e da Igreja. O serviço foi executado numa porcelana
Cerca de 1770 a-1780.
(Cabral Moncada Leilões. 2009) branca e muito fina, com decoração de esmaltes do tipo chamado família rosa,
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 37

sob o vidrado. Os pratos e as travessas têm as abas recortadas e contornadas a


ouro, com decoração em recticulado a rosa e com flores. O fundo é delimitado
por uma cercadura a vermelho e ouro, chamada de ponta de lança e, no centro,
avultam as Armas Reais de D. Pedro III.
Que já estava no paço real, em 1775, é uma certeza, pois consta de um
pormenorizado aditamento a um inventário, onde é classificado como “Hum
jogo de loiça de Macao fundo branco sercadura de rede encarnada e matizes, filetes de
oiro; em cada pessa duas tarjas de Armas Reais juntas as de Malta”, e se diz que
entrou a 22 de Agosto de 1775, por via de Bento Dias8. A referência a Macau
tem a ver com o porto de expedição e não com o centro de fabrico que foi
Jingdezheng. Travessa e terrina chinesa
de exportação com as armas de
D. Pedro III. Reinado de Yongzheng
da Dinastia Qing. Cerca de 1780.
(Colecção particular)
38 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Prato de porcelana chinesa


de exportação com as armas
de D. Pedro III. Reinado
de Yongzheng da Dinastia
Qing. Cerca de 1780.
(Museu Nacional de Arte Antiga.
Lisboa)
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 39

D. JOÃO VI

Em 1816, D. João VI sucedeu no Trono à rai-


nha D. Maria I, embora fosse já, havia muito, quem
efectivamente detinha as rédeas do Poder. D. João
nasceu em Lisboa, a 13 de Maio de 1767, e veio a
falecer, na mesma cidade, no palácio da Bemposta,
a 10 de Março de 1826. O seu reinado, bem como
já o período de regência, longo, começado em
1792, dada a insanidade de sua mãe, foi certa-
mente dos mais difíceis e atribulados de quantos os
reis portugueses tiveram. D. João, enquanto ainda
príncipe herdeiro, casou com D. Carlota Joaquina,
filha de Carlos IV de Espanha, sendo larga a sua
prole, contando-se entre os filhos os futuros reis
D. Pedro IV e D. Miguel I. Com a chegada das
tropas de Napoleão Bonaparte, num golpe político
de génio, estabeleceu a Corte no Rio de Janeiro,
para manter a soberania e integridade do Império,
acto que contribuiu para o desenvolvimento desse
vasto território, e também para a sua posterior
independência.
São várias as peças de porcelana chinesa
que foram encomendadas, durante o seu reinado,
não apenas de mesa, mas também decorativas,
como são as floreiras e os tamboretes de jardim.
Dado que estas apresentam as Armas Reais, só
podem ter sido encomendadas, depois da subida
ao Trono, em 1816, quando a Corte estava no Rio de Janeiro. Sabemos, através
da documentação conservada e de relatos coevos, que havia muita porcelana
que não tinha as Armas Reais. Enquanto o Governo esteve no Rio de Janeiro,
não pararam as encomendas a Macau. Aliás, as relações com a Cidade do Santo
Nome de Deus na China com o Brasil foram intensas, e podemos dar como
exemplo do intercâmbio artístico a ida de dezenas ou centenas de carpinteiros,
marceneiros e entalhadores chineses, para trabalhar nas obras de adaptação das Retrato de D. João VI da autoria
de Albertus Jacobs Franz Gregoriuz.
instalações de D. João VI e da imensa comitiva real. Igualmente, foram muitos Cerca de 1790-1800.
(Palácio do Correio Velho
os chineses que partiram para o Rio de Janeiro, para construir e cultivar o monu- Leilões. 2006)
40 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

mental Jardim Botânico, uma das muitas fundações joaninas, na capital das
Terras de Santa Cruz.
No entanto, não podemos esquecer outros grandes serviços que eram
compostos por milhares de peças, como o dos pavões, usada no palácio de São
Cristóvão, com uma decoração de excelentes esmaltes, que mistura os motivos
mais típicos da família verde e da família rosa, e que tem como motivo central
um casal de pavões assente sobre uma rocha, e ainda peónias de cor rosa ou
brancas. Outo serviço era o dos galos, também excepcional, até pelas caracterís-
ticas da própria porcelana, delicadíssima, com pratos oitavados da família rosa,
com folhagem e flores sobre os ramos de bambú que desenham a cercadura,
acrescentando-se, no centro das peças, outros elementos vegetais, de muito boa
Vista do palácio imperial
do Rio de Janeiro. pintura, onde se podem ver peónias e cogumelos, ou ainda borboletas, e os galos
Jean Baptiste Debret.
Cerca de 1820-1830. que deram origem à designação comum do conjunto. Nos dias festivos, era
(Museus Castro Maya.
Rio de Janeiro) usado o serviço dos pastores, talvez o com a decoração mais europeizada,
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 41

vendo-se nas várias peças um pastor vestido à maneira ocidental, acompanhado


por dois carneiros. De feição inversa, com pendor bem mais chinês, é o serviço
das corças, com a bordadura verde onde foram pintados oito dragões, que devem
representar os Oito Imortais. A zona central dos pratos ostenta a figuração de
Si Wang Um, num bosque, nas margens do Lago das Gemas, tendo a seu lado
uma corça e um pote, por certo uma alusão ao Budismo. Conservam-se muitas
peças ornamentais, algumas de grandes dimensões, desde potes e ânforas e
taças, jarras, etc.
Há diversos tipos de floreiras com as Armas Reais de D. João VI, o que
significa que foram enviados para a China vários modelos, ou então foi feita
mais do que uma encomenda destas. Analisamos aqui apenas duas. A primeira
é de forma hexagonal, assenta sobre seis pés, e há vários exemplares no palácio Vista da quinta
de Queluz, que vieram da casa-forte do palácio das Necessidades, em 19399. e palácio de Santa Cruz.
Jean Baptiste Debret.
Esta floreira é feita numa pasta pesada e espessa, com uma textura rugosa. Tam- Cerca de 1820-1830.
(Museus Castro Maya.
bém é de anotar a imitação de craquelé, com a inclusão de pequenos miosótis. Rio de Janeiro)

Em duas das reservas laterais, as maiores, foram apostas as Armas de Portugal; Banco em porcelana chinesa
de exportação com as armas de
de branco, por prata, cinco escudetes de azul colocados em cruz; bordadura de D. João V. Reinado de Jiaging ou
Daoguang da Dinastia Qing.
vermelho com sete torres, que correctamente deveriam ser castelos de ouro; Cerca de 1820. (Colecção Particular)
42 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Coroa Real fechada. Como pendente, tem a insígnia da Ordem de Cristo. Curio-
samente, a base não é vidrada. Tem 16,3 cm de altura e 23,7 cm de largura. Foi
executada durante a Dinastia Qing, mais concretamente, no reinado de Jiaqing
ou de Daoguang.
A segunda floreira, redonda e com o prato da base, é de melhor qualidade
do que a anterior, com um desenho mais fino, mais miúdo, e com uma policro-
mia muito viva. Os esmaltes são em tons de vermelho ferrugem, azul, dourado
e da família rosa, e ostentam, de cada lado, as Armas Reais; de branco, por prata,
cinco escudetes de azul colocados em cruz; bordadura de vermelho com sete
torres, que correctamente deveriam ser castelos de ouro; Coroa Real fechada.
Floreira sextavada de porcelana
chinesa de exportação com Tem a insígnia da Ordem de Cristo pendente. O bordo exterior mostra uma
as Armas Reais de D. João VI.
Reinado de Jiaqing ou Daoguang delicada faixa de flores, e o interior é composto com estrelas azuis e reservas
da Dinastia Qing. Cerca de 1820.
(Colecção particular) minúsculas com frutos e outros motivos fitomórfico. Esta floreira tem 14,73 cm
3.  HE RÁL DICA RE AL PO RTUGUE SA NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 43

de altura e um diâmetro de 24 cm. O prato respectivo tem 23,4 cm de diâmetro.


Foi, como a anterior, executada durante a Dinastia Qing, concretamente, nos
reinados de Jiaqing ou de Daoguang.
Ainda com este mesmo escudo de Armas Reais existem os tamboretes ou
bancos de jardim em forma de barril, um dos quais pertence à colecção de Sua
Alteza Imperial D. Pedro de Orleans e Bragança.
Mas, o mais interessante dos serviços foi feito para o palácio imperial do
Rio de Janeiro; tem por base a cor vermelha sangue e filamentos dourados nas
bordaduras, dourado, que também é dominante nas Armas próprias do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, instituídas por Carta de Lei de 8 de Julho Floreira redonda com prato
de porcelana chinesa
de 1817, assinada em Lisboa, na Chancelaria-Mor do Reino, acto que este ser- de exportação com as Armas Reais
de D. João VI. Reinado de Jiaqing
viço deve comemorar. São de branco, por prata, cinco escudetes postos em cruz, ou Daoguang da Dinastia Qing.
Cerca de 1820.
cada um carregado com pequenos pontos. A bordadura é de vermelho com sete (Cabral Moncada Leilões. Lisboa)
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Prato de porcelana chinesa


de exportação com as Armas Reais
de D. João VI, do modelo
do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarve. Reinado de Jiaqing ou
Daoguang da Dinastia Qing.
Cerca de 1820. (Museu Histórico
Nacional. Rio de Janeiro)

Carta de Lei instituindo as novas


Armas Reais de D. João VI,
do modelo do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarve. 1817.
(Arquivo Nacional da Torre
do Tomo. Lisboa)

torres de ouro, que deveriam ser castelos.


A Coroa Real é fechada; o Escudo de
Portugal assenta sobre a Esfera Armilar
de ouro forrada de azul. A referida Carta
de Lei guarda-se na Torre do Tombo, e no
final apresenta o modelo desenhado e
pintado a cores muito rigorosamente, que
a partir de então se deveria seguir em
todas as ocasiões em que o emblema
pátrio tivesse que ser usado.
No fundo dos pratos estão caracte-
res chineses com a seguinte inscrição:
“Na Poesia o grande distingue-se do pequeno.
Nos Clássicos, o antigo distingue-se do
moderno”. Há peças destas em várias
colecções brasileiras, nomeadamente,
na de Sua Alteza Imperial D. Pedro de
Orleans e Bragança.
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D. PEDRO IV DE PORTUGAL
E I DO BRASIL

D. Pedro IV, futuro imperador do Brasil,


com o título de D. Pedro I, que abdicou em
nome de sua filha, D. Maria da Glória, a
futura D. Maria II, parece só ter encomen-
dado porcelanas chinesas armoriadas,
depois de 1822. Apesar da heráldica ser a
do Império do Brasil, julgamos que pode-
mos incluir aqui uma peça que o monarca
teve com o Brasão do Reino, então inde-
pendente, e na parte de trás uma Esfera
Armilar sobre a cruz da Ordem de Cristo
inscrita num círculo. A peça que analisamos é
uma pequena taça, com 4,5 cm de altura e 8,8
cm de diâmetro, em porcelana branca muito fina,
com bom vidrado, certamente, parte de um con-
junto mais vasto, encomendado a seguir ao restabeleci-
mento de relações entre Lisboa e o Rio de Janeiro, portanto,
de entre 1825 e 1830. Data do reinado do imperador Daoguang da
Dinastia Qing.
D. Pedro, filho de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, nasceu no palácio
de Queluz, a 12 de Outubro de 1798, recebendo o nome de Pedro de Alcântara.
Antes dele, o régio casal já tivera outro varão, D. António Pio, nascido em 1795,
que ainda foi designado como príncipe da Beira, mas faleceu apenas com 6 anos
de idade. Como a lei portuguesa afastava as suas irmãs mais velhas, D. Maria
Teresa e D. Maria Isabel, ascendeu ao Trono, em 1826, quando da morte de seu
pai. Viveu largo tempo no Brasil, pois seguiu com a Família Real, em 1808, mas
abdicou do Trono de Portugal em favor de sua filha, D. Maria da Glória, decla-
rando a independência do Brasil, terra que muito amava e onde se sentia muito
melhor do que em Lisboa, tornando-se o seu primeiro imperador. Voltou a
Portugal, em 1831, para defender os direitos da jovem monarca sua filha,
guardando para si o título de duque de Bragança, mas, a morte surpreendeu-o
ainda novo, em 1834. Retrato de D. Pedro IV
e de sua filha D. Maria da Glória,
A Corte Brasileira, mesmo depois do falecimento do seu primeiro monarca, a rainha D. Maria II de Portugal.
Gravura. Cerca de 1831.
continuou a usar porcelana chinesa de exportação, quer peças deixadas por (Colecção particular)
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D. João VI, quer por outros que muitos nobres que estavam a viver na Corte,
entretanto fizeram ir da China, quer finalmente novas encomendas.
No Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo, guarda-se
uma cesta de pão e um prato de mais um serviço que foi encomendado por
Taça de porcelana chinesa
de exportação com as Armas D. João VI, e que continuou, averiguadamente, em uso. Mas, foi a França que
Imperiais de D. Pedro I do Brasil.
Reinado Daoguang da Dinastia Qing. recorreu D. Pedro II, para se fornecer de louça fina de porcelana, tendo até um
Cerca de 1830.
(Colecção particular) serviço que lhe foi oferecido por Napoleão III.
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D. LUÍS I

São várias as peças que pertencem cronolo-


gicamente ao período do reinado de D. Luís. Note-
-se que são diversas as que conhecemos, que
pertenceram aos palácios do Governo, Além-Mar,
o que está dentro do espírito da sua acção, de
reforçar a nossa presença em territórios que, só
muito vagamente, eram efectivamente detidos por
Portugal. A soberania portuguesa estava em causa,
desde, pelo menos, 1815, e os vários executivos de
D. Luís tentaram inverter a situação, com impor-
tantes reformas, em Angola, em Moçambique,
na Índia, em Macau e em Timor. Devemos acres-
centar que este monarca teve serviços europeus,
nomeadamente um armoriado, executado em
Paris, pela maior fábrica do tempo, que empregava
mais de 2.000 operários, a C. H. Pillivuyt & C.
D. Luís era o segundo filho de D. Maria II e
do seu segundo matrimónio com D. Fernando de
Saxe-Coburgo, já que do primeiro, de breve dura-
ção, contraído com D. Augusto de Leuchtenberg,
não houve geração. O primogénito foi D. Pedro,
que viria a subir ao Trono, quando a mãe faleceu,
ainda jovem, a 15 de Novembro de 1853. No
entanto, foram poucos os onze filhos que teve que
resistiram. D. Pedro V, nascido logo em 1837, veio a falecer em 1861. Com esta
fatalidade, abriu-se caminho para o segundo na linha sucessória, D. Luís, que
nascera em 1838, e cujo casamento com D. Maria Pia de Sabóia viria a marcar
fortemente a vida da Corte de Lisboa, e até a política nacional e internacional
do país. Morreu em Lisboa, em 1889.
A primeira peça que apresentamos é um prato com decoração floral polí-
croma e muito densa, mas com amplas reservas, onde se pode ver outro tipo,
chamado mandarim, com personagens chinesas e uma decoração comum nos
serviços de grandes séries para exportação, para a Europa e para o Brasil, enco-
mendados quer em Cantão, quer mesmo em Macau. Tem quatro grandes reser- Retrato de D. Luís I da autoria
de Rodrigues (detalhe). 1869.
vas, que abrangem a aba e parte do fundo, com cenas com personagens chinesas (Palácio Nacional da Ajuda)
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num jardim, e outras duas com motivos florais e pássaros pousados sobre as
ramagens, em posição alternada, ficando, no centro, uma reserva onde está o
Escudo de Portugal, como era conforme no reinado de D. Luís I: Armas: Reais;
escudo do tipo designado por francês, com cinco escudetes postos em cruz, e
cada escudete carregado de cinco besantes. Bordadura com sete castelos. Ver-
gônteas floridas. Há alterações às cores normais do Brasão Real. Tem 25 cm de
diâmetro, e tem que se datar de entre 1880 e 1890, portanto, da Dinastia Qing
e do reinado do imperador Guangxu.
Prato de porcelana chinesa Outra peça importante é um enorme prato com uma paisagem de monta-
de exportação com as Armas
de D. Luís I. Reinado Guangxu nhas e vales verdejantes, de excelente policromia, típica da porcelana de expor-
da Dinastia Qing. Cerca de 1880.
(Palácio Nacional da Ajuda) tação da época, isto é, de cerca de 1880, mas que tem um círculo, onde avulta o
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Escudo Real coroado, e uma reserva na base, onde se inscrevia um nome. Julga-
mos que se trata de um prato para oferta, ou do monarca ou do governador de
Macau, em seu nome, que mandaria colocar o nome do homenageado, no
espaço que estava em branco. Este que apresentamos tem a inscrição J. C. Maga-
lhães. Mede 48 cm de diâmetro e data de cerca de 1880 a 1890, portanto da
Dinastia Qing e do reinado do imperador Guangxu, como os restantes que vimos
anteriormente.
Armas: Reais; escudo do tipo designado por francês, com cinco escudetes
postos em cruz, e cada escudete carregado de cinco besantes. Bordadura com Prato de porcelana chinesa
de exportação com as Armas
sete castelos; vergônteas floridas. Há alterações em relação às cores normais do de D. Luís I. Reinado Guangxu
da Dinastia Qing. Cerca de 1880.
Brasão Real. (Colecção particular)
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Durante o reinado de D. Luís I, foram encomendados vários serviços, para


uso nos palácios dos Governos da Índia, de Macau e de Timor, num momento
em que se reorganizaram esses territórios do Extremo Oriente. Houve novas
construções e, naturalmente, foram renovadas e enobrecidas as instalações dos
respectivos Governos. Um foi feito para Macau, cujo palácio estava situado na
Avenida da Praia Grande, que foi profundamente remodelado, nesta época,
sendo louvado, em 1887, pelo conde de Arnoso, quando o visitou, pelo seu ele-
vado nível e grandiosidade10. As várias peças que conhecemos possuem a inscri-
ção PALÁCIO DO GOVERNO DE MACAU, e devem ter sido encomendados
por Hugo Lacerda Castelo-Branco ou por Augusto César Cardoso de Carvalho,
governadores entre 1878 e 188211. Seleccionámos uma terrina e uma chávena e
Vista da Baía da Praia Grande
e do palácio do Governo o respectivo pires de um serviço de café. A terrina é de tamanho médio, já o
de Macau. Litografia de W. Floyd,
a partir de desenho de W. Purser. pires tem 13 cm de diâmetro e a chávena 6,8 cm de altura, e de largura 9 cm;
Cerca de 1835.
(Colecção particular) são do período da Dinastia Qing, e do reinado do imperador Guangxu.
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As Armas Reais que ostenta mostram o escudo do tipo designado por fran-
cês, com cinco escudetes postos em cruz, e cada escudete carregado de cinco
besantes. Bordadura com sete castelos. Vergônteas floridas.
O Governo de Macau teve outro serviço feito na mesma altura, do qual
faz um prato coberto que pertence hoje ao Museu da Fundação Ricardo
Espírito Santo Silva. Tem a forma oval, com 26,8 cm de comprimento e 9,4 cm
de largura máxima, com a aba recortada e ligeiramente virada para baixo.
A tampa também tem recortes, para permitir o encaixe, embora sejam,
naturalmente, menos pronunciados. A pega tem a forma de uma pinha dou-
rada. A decoração é composta por plantas, flores diversas, pavões e borbo- Terrina de porcelana chinesa
de exportação com armas de D. Luís I
letas, tudo debruado a ouro, sendo o essencial em cor de laranja. De cada e a inscrição do PALÁCIO DO
GOVERNO DE MACAU.
lado da tampa, tem uma reserva circular, em branco, na qual foi inscrito Reinado Guangxu da Dinastia Qing.
Cerca de 1880.
o Escudo de Portugal e a legenda PALÁCIO DO GOVERNO DE MACAU. (Colecção particular)
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Prato e taça de porcelana chinesa


de exportação com as Armas
de D. Luís I e a inscrição
PALÁCIO DO GOVERNO
DE MACAU. Reinado Guangxu
da Dinastia Qing. Cerca de 1880.
(Colecção particular)
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Temos obviamente que datar também esta peça do reinado de Guanxu, impera-
dor da Dinastia Qing, e a sua feitura andará por volta de 188012.
As Armas Reais têm o escudo do tipo francês, com cinco escudetes postos
em cruz, e cada escudete carregado de cinco besantes; bordadura com sete cas-
telos. Vergônteas floridas.
Outra peça, novamente um prato, também com decoração mandarim, com
esmaltes polícromos figurando elementos vegetalistas estilizados e naturalistas,
com uma reserva redonda na frente, onde está o brasão nacional, e a legenda
GOVERNO DE TIMOR. É uma porcelana raríssima, provavelmente mandada
fazer na mesma ocasião das anteriores, com as quais tem bastantes afinidades, e
que, pela sua tipologia garante que foi mandado fazer um serviço completo,
para uso naquela distante província do Oriente. Data de cerca de 1880 a 1890,
portanto, da Dinastia Qing e do reinado do imperador Guangxu. Foi encomen-
dado na mesma ocasião em que foi construído o novo palácio de Governo de Palácio do Governo, em Dili.
Gravura. 1887.
Timor. (Colecção particular)
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As Armas são as Reais; escudo do tipo designado por francês, com cinco
Prato de porcelana chinesa escudetes postos em cruz, e cada escudete carregado de cinco besantes. Borda-
de exportação com as Armas
de D. Luís I e a inscrição PALÁCIO DO dura com sete castelos. Vergônteas floridas.
GOVERNO DE TIMOR.
Reinado Guangxu da Dinastia Qing.
Cerca de 1880.
(Colecção particular)
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D. CARLOS I

O último monarca a encomendar serviços ou


peças de porcelana chinesa armoriada foi D. Car-
los I, já que o seu filho e herdeiro, D. Manuel II,
durante o seu brevíssimo reinado, não teve oportu-
nidade de o fazer, e manter a tradição dos seus
antecessores. D. Carlos foi um dos mais notáveis
reis portugueses, e um dos mais brilhantes e presti-
giados da Europa do tempo, não só pela sua esta-
tura como monarca constitucional, como político
intrinsecamente democrata, mas também pelo seu
trabalho científico, no campo da Oceanografia, e
como pintor de primeiríssimo plano.
Nasceu no palácio da Ajuda, em 28 de
Novembro de 1863, filho de D. Luís I e de D. Maria
Pia. Em 1886, casou com a princesa Maria Amélia
Luísa Helena, a nossa raínha D. Amélia, cujo amor
por Portugal e dos portugueses por ela a tornaram
numa verdadeira lenda. Deste enlace nasceram os
príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel, que lhe suce-
deria no Trono, além de uma princesa, D. Maria
Ana, que faleceu com poucas horas de vida.
D. Carlos e o seu herdeiro foram barbaramente
assassinados, a 1 de Fevereiro de 1908, numa con-
jura abominável da Maçonaria e da Carbonária,
acto que abriu caminho à implantação da República, e ao começo do mais
negro período da vida da Pátria, que infelizmente ainda não terminou.
O mais importante conjunto feito durante o seu reinado é o serviço come-
morativo do 4.º Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a
Índia, em 1498, do qual constam, pelo menos, garrafas e pratos de três tama-
nhos, com 40, 33 e 25 cm, com decoração mandarim, com esmaltes polícromos.
Armas: Reais estão representadas do seguinte modo: Escudo em bico, com cinco
escudetes postos em cruz, e cada escudete carregado de cinco besantes. Borda-
dura com sete castelos, tudo sobre a Esfera Armilar de dourado, e esta ainda
Retrato equestre do rei
sobre a cruz da Ordem de Cristo. Ampla Coroa Real fechada a sobrepujar o D. Carlos I, da autoria
de Carlos Reis.
Brasão. (Museu Militar de Lisboa)
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Um tipo de prato desta série comemorativa, que é


bastante mais raro, foge ao esquema ornamental
geral, embora mantendo o medalhão central de
todas as restantes peças. Sempre dentro do
chamado estilo mandarim, em vez de uma
decoração com motivos vegetalistas e
pequenos animais, aves e borboletas,
ou mesmo figuras humanas, mostra os
Oito Imortais da Mitologia Chinesa.
As comemorações mobilizaram
a Coroa e tiveram grande impacto
popular, tendo sido construída uma
feira temática, em Lisboa, de que há
gravuras elucidativas, e fizeram-se des-
files históricos alegóricos, que atraiam
multidões. Era um tempo em que os revi-
valismos marcavam a arquitectura nacio-
nal, particularmente, o neomanuelino, a que
se juntavam os restauros de alguns dos nossos
monumentos mais importantes. Este grande serviço,
hoje disperso, fez parte integrante das encomendas ofi-
ciais, para comemorar o feito de Vasco da Gama e dos seus com-
panheiros de aventura, em que o monarca esteve pessoalmente muito empenhado.
Decorativamente, todas as peças seguem os formulários típicos encomen-
dados em Macau e Cantão, mas, no centro dos pratos, e no bojo das garrafas,
há uma grande reserva, um círculo conformado por um cinto vermelho, onde
está escrito em letras maiúsculas: QUARTO CENTENÁRIO DO DESCO-
BRIMENTO DA ÍNDIA. Dentro, estão as três naus da esquadra de Vasco da
Gama, em mar chão, a caminho do horizonte, onde se impõe um fortíssimo sol
vermelho. Tudo isto é encimado pelas Armas Reais. Nem todos os pratos são
iguais; não na essência, que são os elementos simbólicos, mas na decoração,
sobretudo das abas, apresentando grandes reservas com cenas chinesas, no
Pratos de porcelana
estilo mandarim. Nestes, o medalhão central é também mais pequeno do que na
chinesa de exportação com as Armas série mais comum. Datam do reinado do imperador Guangxu da Dinastia Qing,
de D. Carlos I e a inscrição
QUARTO CENTENÁRIO seguramente, de um ano muito próximo de 1898.
DO DESCOBRIMENTO
DA ÍNDIA. Reinado Guangxu Terminamos com a referência a um outro prato com as Armas Reais de
da Dinastia Qing. Cerca de 1897.
(Renascimento. Leilões.2013) D. Carlos I, e também com uma legenda alusiva, obra de aparato, certamente só
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Pormenores da decoração
das abas dos pratos de porcelana
chinesa de exportação com as Armas
de D. Carlos I e a inscrição
QUARTO CENTENÁRIO
DO DESCOBRIMENTO
DA ÍNDIA. Reinado Guangxu
da Dinastia Qing. Cerca de 1897.
(Colecção particular)
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para ofertas, e que julgamos ter sido encomendada, nos primeiros anos do
século xx. A decoração é a típica mandarim, da Dinastia Qing, do reinado do
imperador Guangxu, com seis reservas entre o medalhão central e a aba, onde
foram pintadas, alternadamente, cenas com chineses, num jardim, e composi-
ções de flores e pássaros, ficando a axial inferior livre, para a inscrição do nome
Pormenores da decoração
das abas dos pratos de porcelana
do monarca. O Escudo é de formato francês. Tem Portugal de prata com cinco
chinesa de exportação com as Armas escudetes de azul postos em cruz, carregados de cinco besantes de prata, em
de D. Carlos I e a inscrição
QUARTO CENTENÁRIO aspa. A bordadura é de vermelho, carregada com sete castelos de ouro. Manto
DO DESCOBRIMENTO
DA ÍNDIA. Reinado Guangxu real de arminho de vermelho e, sobre ele, a Coroa Real fechada. Termina com a
da Dinastia Qing. Cerca de 1897.
(Colecção particular) insígnia da Ordem da Torre Espada, pendente sob o bico do escudo.
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Garrafa de porcelana chinesa


de exportação com as Armas
de D. Carlos I e a inscrição
QUARTO CENTENÁRIO
DO DESCOBRIMENTO
DA ÍNDIA. Reinado Guangxu da
Dinastia Qing. Cerca de 1897.
(Colecção particular)
NOTAS

1
José Roberto de Amaral Lapa, A Bahía e Carreira da Índia, São Paulo, 1968.
2
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, Porto, 1987, pp. 76-77.
3
Margeret Kealing Gristina, “Prato”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. II, p. 524.
4
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, 2.ª edição, Lisboa, 1982, vol. V, p. 264 e segs.
5
Simonetta da Luz Afonso & Vicente Borges de Sousa, “A Cidade do Nome de Deus de
Macau”, (Catálogo da Exposição) Do Tejo aos Mares da China. Uma Epopeia Portuguesa,
pp. 141-153.
6
François Newielhe, Relação da Jornada que fez ao Império da China, e Summaria Noticia da
Embaixada, que deo na Corte de Pekim, em o primeiro de Mayo de 1753 o Senhor Francisco Xavier
de Assis Pacheco e Sampayo, Lisboa, 1754.
7
Luiz Ferros, nota CIII, in Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, reedição fac-similada de Luiz
Ferros e J. A. Telles da Sylva, Lisboa, 1992, vol. I, pp. XXX-XXXI.
8
Maria Antónia Pinto de Matos, “Serviço de jantar, chá, café e chocolate”, (Catálogo da
Exposição) Do Tejo aos Mares da China. Uma Epopeia Portuguesa, pp. 196-197.
9
Maria Antónia Pinto de Matos, “Floreira. Porcelana de Encomenda”, (Catálogo da Exposi-
ção) Do Tejo aos Mares da China. Uma Epopeia Portuguesa, p. 198.
Prato de porcelana chinesa 10
Pedo Dias, A Urbanização e a Arquitectura dos Portugueses em Macau. 1557-1911, Lisboa,
de exportação com as Armas
de D. Carlos I. Reinado Guangxu 2005, pp. 210-211.
da Dinastia Qing. 11
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 243.
Cerca de 1895-1905
(Colecção particular)
12
Mary Salgado Lobo Antunes, Porcelanas, p. 58.
4.  HERÁLDICA DA NOBREZA 
NA PORCELANA DA DINASTIA QING

A
quantidade de porcelana brasonada que se conserva e que se conhece
bem, nomeadamente, através da sua venda em leilões e do comércio
antiquário, mostra que foram muitas as famílias nobres que enco-
mendaram serviços e, nalguns casos três, quatro ou mesmo mais.
O auge desta moda, em Portugal, ocorreu durante todo o século xviii e as duas
ou três primeiras décadas do século xix, e correspondeu a igual fenómeno nou-
tros países europeus. Cremos que, entre nós, também havia debuxadores espe-
cializados em fazer os projectos, que depois eram enviados para Macau, e daí
para a vizinha cidade de Cantão. Há documentação que comprova este facto e,
para não nos alongarmos, veremos apenas alguns dos exemplos relevantes. Foi
a manutenção desse porto, que nos permitiu continuar a encomendar as porce-
lanas, já que o seu número não reflete o parco comércio geral que então manti-
nhamos com o Oriente.
Não é hoje fácil saber que obras eram específicas para o nosso mercado,
quando apenas ostentam decoração floral ou geométrica, mais ou menos mar-
cada pelo Ocidente, dos tipos a que se convencionou chamar “família verde” e
“família rosa”, a que várias vezes aludimos, nas páginas anteriores. No entanto,
quer uma quer outra, quer a mais antiga família azul ming, ostentaram também
brasões ou escudos de famílias nacionais, ou de outras que, sendo estangeiras,
aqui viveram e exerceram relevantes actividades comerciais ou diplomáticas.
Um núcleo notável que se conserva no seu local de origem é o do palácio
de Santos, ou palácio Abrantes, em Lisboa, da ilustríssima Casa dos Lencastre,
em cujas veias corre sangue real, local onde está agora instalada a Embaixada de
França. O que se pode ver do edifício é fruto de restauros sucessivos, mas con-
62 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

servam-se algumas dependências anteriores ao Terramoto de 1755, nomeada-


mente, o chamado salão das porcelanas. Desta dependência, tal como é descrita
no período barroco, ficou apenas o tecto, de quatro panos, totalmente revestido
com pratos chineses, hoje 261, quase todos da Dinastia Ming. Sabemos, através
de um inventário que, em 1704, havia mais 200 pratos nas paredes, incluídos
numa estrutura de talha, além de jarões e peças de aparato. Foram muitos anos
de coleccionismo de D. Francisco Luís e dos seus descendentes1.
Mas pessoas bem diferentes, com outros percursos e outras vivências,
também adquiriram serviços completos e muitas peças avulsas. Para ilustrar o
que acabamos de escrever, podemos invocar a lista feita, em Abril de 1822, do
espólio do reitor da Universidade de Coimbra, D. Francisco de Lemos Pereira
Coutinho. Tinha quatro jarras de altar, que serviam na sua capela, mas o grande

Brasão dos Costa representado nestes


pratos de porcelana chinesa
de exportação com o brasão de João
e Catarina Mendes da Costa.
Cerca de 1720-1730. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 63

número do inventário era o de peças da copa. No que toca a louça azul e branca,
possuía 66 peças de um serviço de chá, além de chícaras para beber café e cho-
colate; 237 chícaras de formas e decoração variada, a que se acrescentava um
número muito próximo de pires. Quanto à louça de jantar, e ainda em azul e
branco, só terrinas eram 38, além de 140 travessas, pratos covos e chatos, e 72
pratos redondos, 22 mostardeiras, 20 saleiros, 84 pratos pequeninos e 454
outros pratos, desde os que serviam para por os guardanapos, até aos de sopa.
Quanto às peças com decoração polícroma, seguramente da chamada família
rosa, havia duas terrinas, 51 travessas, 12 saladeiras, 129 pratos de diversos
tipos, 20 pires, 10 saleiros e 15 mostardeiras. É muito curiosa a indicação explí-
cita de um bule e uma leiteira “de Macau”, mas que não temos ideia do que seja,
daquilo que a tornava tão individualizável2.
64 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Fixando-nos no tempo da Dinastia Qing, os exemplares que se conhecem


são obviamente mais abundantes do que os dos tempos da Ming. Do longo rei-
nado do imperador Kangxi, entre 1662 e 1722, podemos começar por recordar
os pratos que ostentam o brasão de Manuel Álvares Pinto, um cristão-novo, que
parece ter sido um cripto-judeu, que foi viver para Holanda, acompanhado da
família, nos últimos anos do século xvii; faleceu em 17513. Estes cripto-judeus
mantiveram contactos com Portugal, apesar da sua fixação em terras estrangei-
ras, participando activamente na nossa vida económica, financiando a Corte, e
até as embaixadas que Lisboa enviava à Europa, particularmente, após a subida
ao trono de D. João IV. Uma atitude hoje difícil de entender, mas estavam pre-
sentes na armação dos navios e das armadas do Brasil, e até na exploração do
comércio de longo curso com a Índia, a China e o Japão4. É um facto que man-
tiveram, em geral, usaram a heráldica portuguesa, mesmo que reconhecida pelos
Estados Gerais.
Dos portugueses que emigraram para Inglaterra, também por razões
religiosas, houve alguns membros dos diversos ramos da família dos Mendes
Costa, que colocaram nos serviços de porcelana chinesa de encomenda as
suas armas de origem. Conhecemos diversas peças, travessas e pratos oitavados,
por certo das décadas de quarenta ou de cinquenta do século xviii, da família
rosa, decorados com esmaltes polícromos sob vidrado, com as armas assim
representadas: escudo em cartela, com seis costas de branco, 2, 2 e 2, partidas;
virol, e timbre formado por três plumas. Por baixo, estão as iniciais JCMDC.
O brasão, para ser correcto, deveria ser de vermelho, com seis costas de prata,
postas 2, 2 e 2, firmadas nos flancos. Timbre, duas costas de prata, passadas
em aspa5.
Um dos homens desta família que teve grande protagonismo foi João
Mendes da Costa, que nasceu já em Inglaterra, em 1678, embora filho de mar-
ranos portugueses, onde veio a morrer, em 1756. Foi casado com uma tal
D. Catarina, sendo conhecidos comummente, em Londres, como John e Cathe-
rine. Nalguns pratos, pelo menos de um dos serviços conhecidos, um mono-
grama que está sob as armas tem iniciais entrelaçadas, em ouro, que corresponde
aos nomes de John e Catherine.
A decoração tem grande delicadeza, claramente do melhor que se fazia no
período Qianlong da Dinastia Qing, a partir dos modelos enviados de Londres,
para Cantão. David Howard data este serviço de cerca de 1700, o que nos parece
um ano muito recuado, aludindo a outros dois, um deles que poderá ser já enco-
menda de um filho, concretamente, de Isaac Mendes da Costa6.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 65

À mesma família pertencia ainda John Jacob Mendes da Costa, que man-
dou fazer um serviço com as armas da família, cerca de 1860, no período do
reinado de Daoguang da Dinastia Qing. As armas são as dos Costa, com escudo
de bico, de vermelho, com seis costas soltas de prata; aqui mal representadas
numa cor cinzenta. Elmo de grades, frontal, virol, paquife, e o timbre com
três plumas brancas. O ramo da família a que pertencia tinha emigrado para
Barbados, para os Estados Unidos e para a Venezuela. John Jacob foi médico
no Hospital da Universidade da Pensilvânia, no início da segunda metade do
século xix7.
Manuel Álvares Pinto foi o primeiro português que não esteve no Oriente
a possuir um serviço chinês completo, decorado com as suas armas no período
da Dinastia Quing. Tanto quanto sabemos era marrano, comerciante e com
interesses nos negócios do Brasil e da Índia, e devido à sua origem teve que fugir
de Portugal, no fim do século xvii. Já o primeiro titular chefe de uma casa per- Brasão dos Costa representado
nestes pratos de porcelana
chinesa de exportação.
Cerca de 1720-1730. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)
66 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

tencente à alta nobreza a ter porcelana brasonada, e ainda assim com as armas
muito deficientemente reproduzidas, foi o 5.º conde de Vila Nova de Portimão,
D. Pedro de Lencastre Silveira Valente Castelo-Branco Vasconcelos Barreto e
Meneses, casado com uma Lencastre, dos marqueses de Fontes e condes de
Penaguião; as peças conhecidas devem datar dos anos vinte do século xviii. Veja-
-se quanto tempo tinha passado. Conhecem-se potes com tampa do seu pri-
meiro serviço, com 20,5 cm de altura, algumas, ainda com tampa. A decoração
é inteiramente a azul cobalto sob vidrado, e o brasão está mal desenhado. Só
voltamos a ter outro titular encomendante, na pessoa do 5.º conde da Ericeira e
1.º marquês do Louriçal, D. Luís Carlos Inácio Xavier de Meneses. Depois, é
em meados do século, que aparecem novos serviços da alta nobreza, do 10.º
barão do Alvito, do 1.º marquês de Alorna, e já no fim do século, do 2.º marquês
de Castelo Melhor e do 3.º marquês do Louriçal. Mas, casas da alta nobreza – e
regressando ao século xvi, e vindo daí para diante – como a de Bragança, Aveiro,
Cadaval, Lafões, etc. – parece que nunca encomendaram serviços brasonados,
pois certamente usariam baixelas de prata e prata dourada, nas grandes cerimó-
nias. Mesmo o marquês de Alorna e o conde de São Vicente mandaram-nas
fazer, quando estiveram como vice-reis do Estado Português da Índia, e o pri-
meiro, do qual conhecemos a listagem de tudo quanto trouxe, só mandou pintar
o brasão num deles.
Voltando às personalidades portuguesas, e numa apreciação muito geral,
devemos salientar que os membros das grandes famílias, normalmente só usa-
ram as armas respectivas em serviços de porcelana chinesa de encomenda,
quando estiveram a desempenhar altas funções no Oriente, em Goa ou em
Macau, ou então no Brasil. No entanto, e não nos parece demasiado realçar o
facto de os burgueses nobilitados e a pequena nobreza, sempre que podia, enco-
mendava obras destas, para dar maior lustro aos seus costados, novos novíssi-
mos ou mesmo falsos. E se no Reino estes casos eram difíceis de fazer passar
sem crítica, já o mesmo não acontecia no Brasil.
No manifesto de carga da nau São José, que aportou ao Salvador da Bahía,
em Maio de 1758, a porcelana era muita, e dizia-se explicitamente que “era a
droga que mais facilmente se vendia nesta terra”. Relativamente ao ano seguinte,
detectamos o mesmo na carga da Santo António e Justiça. E muitos outros
exemplos poderiam os dar.
Notamos também uma muito elevada percentagem de religiosos a enco-
mendar serviços brasonados, sobretudo bispos e arcebispos, quer das dioceses
ultramarinas, quer das do Reino. Lembremos que eles eram quase sempre filhos
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 67

segundos da nobreza, e que usaram este meio para enobrecer a sua pessoa, e
para valorizar o seu poder simbólico.
Foram centenas os serviços importados pelos europeus, mas os portugue-
ses foram mais moderados a por-lhe os seus brasões do que outros, como os
britânicos, por exemplo. A documentação coeva é clara, quer relativamente à
capital, quer a outras localidades, como Coimbra, mostrando que, a partir do
século xvi, as classes remediadas comiam em faiança vidrada, branca ou deco-
rada a azul, e a partir do fim da centúria e, sobretudo, do inicio de Seiscentos,
quer a burguesia quer a nobreza, passaram a utilizar, pelo menos em ocasiões
especiais, a porcelana da China. No entanto, a percentagem que teve brasões, e
reiteramos o que acima dissemos, foi diminuta. Vista do porto e das feitorias
europeias e americana
Foi a pequena nobreza, e sobretudo a recente, os cavaleiros-fidalgos, os em Cantão do tipo conhecido
por China Trade. Século xix.
que recebiam mercês novas e os burgueses enriquecidos que mais serviços de (Colecção particular)
68 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

mesa fizeram ostentando brasões. Durante o consulado do conde de Oeiras, e


depois marquês de Pombal, muitos homens de negócios afirmaram-se no pano-
rama político e social português, investindo em companhias magestáticas,
armando navios ou frotas inteiras, arrematando tratos, abrindo fábricas que
romperam os ancestrais monopólios, e mantendo contactos com os territórios
ultramarinos, ao mesmo tempo que negociavam com a Europa, onde tinham
agentes, ou através dos agentes estrangeiros que cá se estabeleceram. Foram
alguns destes que mandaram fazer na China serviços com as suas armas e, em
nenhum caso, tantos como os dos novissimamente nobilitados irmãos Cruz – ou
Cruz Sobral ou Cruz Alagoa – como são mais vulgarmente conhecidos.
Estes industriais e comerciantes, agrupados ou isoladamente, mais fre-
quentemente em redes familiares, são exemplos notáveis do desejo de ascenção
social da burguesia, que teve em Sebastião José de Carvalho e Melo um apoiante,
ele que também nunca deixou de dar aos familiares a oportunidade de partici-
pação em negócios. Eram estes, e não a antiga nobreza, que poderiam mudar o
rumo que Portugal seguia e, em definitivo, modernizá-lo. Como escreveu Rui
Marcos, “o reinado de D. José coroa uma evolução que aceitava a mentalidade do
lucrum gaudium com desassombro. Um lucro que não maculava, vivido com alegria
e sem sentimentos de culpa, era precisamente aquele que as Companhias pombalinas
propunham aos seus sócios”8. É nesta perspectiva, assim tão brilhantemente sinte-
tizada, que temos que enquadrar o comportamento dos melhores aliados do
todo poderoso ministro de D. José I, e dos que mais aproveitaram as oportuni-
dades que as décadas de cinquenta, sessenta e setenta deram aos ambiciosos e
empreendedores, cá, no Brasil, e no Oriente. Conseguiam morgadios, reconhe-
cimento social e até brasão-de-armas, mas ainda não era tempo de ascenderem
aos títulos de nobreza, embora vivessem à sua lei, e fossem imensamente mais
ricos do que a generalidade dos grandes do Reino. Raros conseguiram um título,
mas ainda assim houve quem. A construção de grandes palácios, a insistência
nas armas, a quantidade de serviços armoriados, guarda-portas e reposteiros,
seguramente também as pratas, a numerosa criadagem, o mecenato às Artes,
tudo servia para dar lustro ao capital acumulado.
A próximidade com a fonte exportadora da porcelana, Cantão e Macau, e
a relativa rapidez da execução das encomendas, para quem estava na Índia, em
cargos de nomeação, ou já tinha raízes de uma ou mais gerações, potenciou cer-
tamente a feitura de serviços brasonados. Mas há uma outra realidade que tem
que ser tida em conta, a quantidade de personalidades, sobretudo burgueses,
comerciantes ou senhores de engenho, ou seus descendentes, por vezes inte-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 69

grando já a “quase-nobreza de toga”, juízes, desembargadores, etc., quase todos


com graus obtidos em Coimbra, que obtiveram carta de brasão de armas e que,
de imediato, lhes deram uso, encomendando aos comerciantes da Carreira da
Índia, variadíssimos serviços com elas apostas em esmaltes rutilantes. Mas,
como anotámos noutro local, era a porcelana avulsa que chegava a Salvador da
Bahía, a Pernambuco, ao Rio de Janeiro e outras capitanias, em maiores quanti-
dades, e aí era vendida com bons lucros.
Diga-se que os nobres e nobilitados portugueses, já nos séculos xvi e xvii,
e mesmo já século de Setecentos adiante, mandaram pintar as suas armas em
faiança de Lisboa, como aconteceu até com figuras de relevância na Corte: os
casos do 1.º conde da Ilha do Príncipe, Luís Carneiro de Sousa; do 3.º conde de
Sarzedas, D. Rodrigo da Silveira e Silva; do 6.º conde de Portalegre, D. Manri-
Terreiro da Companhia de Jesus
que da Silva; do 3.º conde de Aveiras, João da Silva Tello de Meneses; do 6.º em Salvador da Bahía
70 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

conde de São Vicente, D. Manuel Carlos da Cunha Silveira. Mesmo pessoas


reais tiveram as suas armas em faiança lisboeta. Se o caso da garrafa datada de
1641 pode muito bem ser uma manifestação expontânea de vitoriar a Restaura-
ção da Casa de Bragança, já parece não haver dúvidas, quanto ao facto do pote
da antiga colecção Castro e Solla, ornamentado com as armas de D. Luisa de
Gusmão, ser uma encomenda desta rainha, ou de outrém, mas expressamente
para ela.
No âmbito das medidas de fomento da Indústria portuguesa encetadas
por Pombal esteve a fundação de uma fábrica moderna de faiança, em Lisboa,
em 1767. A Real Fábrica do Rato foi uma tentativa bem sucedida de produção
cerâmica nacional, sobretudo para as elites, e houve nobres que responderam
afirmativamente, e não deixaram de seguir a moda de encomendar peças braso-
nadas, mas agora feitas bem próximo, na freguesia do Rato. Lembremos, por
exemplo, os Cadaval, o marquês de Marialva, o marquês do Alvito, o marquês
de Penalva, o conde de Vila Nova, a condessa de Galveias, o conde da Cunha, o
conde dos Arcos, o 1.º conde de Rio Maior, o 2.º conde da Bobadela, etc., o
secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça, o próprio Sebastião José
de Carvalho e Melo, e até o rei D. José I. Mas, também estrangeiros aí encomen-
daram serviços de faiança, ou parte deles, e peças ornamentais, para salas de
jantar e para jardins, muitos brasonados, como o representante holandês em
Lisboa, Weinel, que teve um baseado em modelos de Delft, que ostentava o seu
brasão.
O desenvolvimento da faiança portuguesa seguiu a moda que então
também se notou na Europa, ou então quando a sua utilização se tornou neces-
sária, como aconteceu em França. Foi o que aconteceu quando Luís XIV,
em 1689, 1699 e 1709, confiscou as baixelas de prata e ouro dos grandes de
França, para pagar as dívidas que o Estado contraira, em guerras sucessivas.
O próprio Saint-Simon diz que, logo após o último destes confiscos, numa
semana, toda a fidalguia comia já em louça de faiança, sobretudo de Delft e de
Ruão. Foi nesta cidade normanda, que esta indústria mais progrediu, e das duas
manufacturas existentes, em 1703, passaram para dez, em 1720, tendo que ser
proibida a criação de outras unidades, dada a falta de lenha para os fornos.
Mas, por toda a França, outras fábricas foram criadas: em Bordéus, Moustiers,
Nevers, Marselha, Estrasburgo e, naturalmente, Paris. Como dissemos, o
fenómeno estendeu-se a outros países, desde a vizinha Espanha até à Itália, à
Alemanha, e sobretudo à Inglaterra, com a produção de Wedgewood, desde
17709.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 71

Mais tarde, no início do século xix, os nobres portugueses, e até os monar-


cas, começaram a mostrar gosto pela porcelana europeia, sendo vários os servi-
ços de que conhecemos peças, encomendados por grandes famílias. Lembremos,
por exemplo, o serviço francês com o brasão de António de Sousa Araújo e
Meneses; o da fábrica alemã Baucher Weiden, com as armas de José Aquiles
Albuquerque d’Orey; o de Limoges, que foi encomendado por José Francisco
Correia, conde de Agrolongo; o de José Dias Leite Sampaio, armoriado tam-
bém, feito pela Copeland & Garret, na Inglaterra; e o do barão e conde do Tojal,
João Gualberto de Oliveira, com a mesma origem.
Voltando à porcelana chinesa de exportação ostentando brasões portugue-
ses, analisemos, a partir de agora, algumas espécies conservadas, seguindo a
ordem cronológica, tanto quanto possível, já que em meados do século xviii, e
sobretudo durante a segunda metade desta centúria, foram mandados fazer
muitos serviços, ao mesmo tempo, com pequena distância entre eles, o que não
permite, nem com dados históricos, nem com análises formais concluir a sua
correcta cronologia. Começaremos por dar o nome do encomendante ou do
titular das armas apresentadas, as datas de nascimento e morte, sempre que
conhecidas, os cargos mais importantes desempenhados, e a sua linhagem e
títulos nobiliárquicos, seguindo com a descrição das armas próprias, para o
que nos socorremos das obras básicas e mais credíveis sobre esta matéria, de
autores como Castro e Solla, José de Campos e Sousa, António Machado
Faria, Luiz Ferros, Lourenço Correia de Matos, Miguel Metelo de Seixas, etc.
Depois, reproduzimos uma ou algumas das peças que considerámos mais rele-
vantes.
72 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. LUÍS DE LANCASTRE
SILVEIRA VALENTE CASTELO
BRANCO VASCONCELOS
BARRETO E MENESES
(n. 1644, f. 1704)
4.º conde de Vila Nova de Portimão

Armas: Lancastre (muito fantasiadas). Tem escudo e timbre e pelicano.


No escudete faltam os sete castelos que o deviam ladear. No centro, um qua-
drado com quatro campos de branco com cinco pontos a evocar besantes.
O correcto é: de prata com cinco escudetes de azul postos em cruz, com cada
um carregado de cinco besantes de prata postos em sautor. Bordadura de ver-
melho, carregada de sete castelos de ouro, e um filete de negro em contra-
-banda. Por timbre, um pelicano fendendo o peito, alimentando as crias, do
mesmo10.
O brasão que aparece em pelo menos dois frascos de chá, um íntegro e
com a respectiva tampa, e também na jarra que hoje pertence ao Museu do
Oriente, anda comummente atribuído a D. Pedro de Lencastre Silveira Valente
Castelo Branco Vasconcelos Barreto e Meneses, mas como notou Lourenço
Correia de Matos, e com uma datação proposta, deve corresponder antes a uma
encomenda de seu pai, D. Luís de Lencastre, como no sub-titulo enunciámos.
É possível que as pequenas diferenças entre as duas obras correspondam a enco-
mendas diferentes, mas a datação de Varela Santos e de Margaret Kaeling Gris-
tina, de cerca de 1690, parece-nos acertada, embora sempre com as reservas
que estes casos requerem; aceitamo-la apenas como uma hipótese e muito
válida, mas a datação proposta por Maria António Pinto de Matos, para a peça
da colecção do Museu da Fundação do Oriente, de entre 1715 e 1720, tem
também que ser levada em conta. Como dissemos, estamos a trabalhar na base
das hipóteses e não das certezas.
Brasão do 4º conde de Vila Nova A linhagem Lencastre entronca nesta Casa – o 1.º conde de Vila Nova de
de Portimão e brasão dos Lencastre do
frasco de chá da página do lado. Portimão foi D. Martinho de Castelo Branco – através de D. Madalena de Len-
Frasco de chá de porcelana chinesa de
castre, filha do 2.º conde, que casou com o 2.º conde de Figueiró. O 4.º conde
exportação com o brasão de Vila Nova de Portimão, D. Luís (1644-1704), já usou o apelido Lencastre.
do 4º conde de Vila Nova de Portimão,
D. Luís de Lencastre Silveira Valente O título foi-lhe renovado por D. Pedro II, por carta datada de 5 de Setembro de
Castelo-Branco Vasconcelos Barreto
e Meneses. Cerca de 1690. Dinastia 1688, acrescido com o tratamento de “sobrinho d’El-Rei”, transmissível aos pri-
Qing, reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular) mogénitos e titulares da Casa11.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 73

O frasco que apresentamos é uma peça


delicada, com apenas 20 cm de altura, com
decoração a azul, avultando os elementos
heráldicos, no entanto mal representados. A
ave que sobrepuja o escudo é seguramente o
pelicano fendendo o peito e alimentando
com o seu sangue as crias, alusão da Euca-
ristia, usada já pelo Senhor D. Jorge, Mestre
de Santiago, ou apenas “o Mestre”, conhe-
cido mais como D. Jorge de Lencastre, filho
natural de D. João II, origem da Casa de
Aveiro12. Como cabia a um filho de rei,
mesmo que bastardo, o escudo era o real,
mas ostentava um filete a negro, em contra-
banda, no todo. Neste frasco e na jarra do
Museu do Oriente está pintado apenas a azul
e branco, e além da policromia devida faltam
os castelos, além de que as quinas também
são apenas sumariamente indicadas. O artí-
fice que pintou estas peças percebeu muito
mal o modelo que teve que lhe ser fornecido
previamente. O jarro já foi atribuído a um
segundo eventual serviço, embora ainda com
erros evidentes, o brasão está mais conforme
com as leis heráldicas13.
Toda a restante decoração é de caracte-
rísticas bem chinesas, quer os grupos florais
do pé, quer as pétalas lanceoladas que dele
nascem. Em torno do brasão, e na tampa, há
novamente motivos típicos da flora do tempo
do imperador Kangxi, no seu azul cobalto
sob um vidrado fino.
74 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO DE ALBUQUERQUE
COELHO DE CARVALHO
(n. 1655, f. 1725) ou ANTÓNIO
DE ALBUQUERQUE COELHO
(n. 1682, f. 1745).
O primeiro foi capitão-mor do Pará e governador do Maranhão;
o segundo foi fidalgo da Casa-Real

Armas: Coelho. Escudo do tipo dito peninsular, com leão rampante e


a bordadura carregada de sete coelhos. Possui elmo de grades esquemático e
paquife e timbre. Aqui apenas em azul cobalto. O correcto é: de ouro, leão de
púrpura, armado e lampassado de vermelho e carregado de três faixas xadre-
zadas de azul e ouro. Bordadura de azul, carregada de cinco coelhos de prata,
manchados de negro. Por timbre, um leão saínte de púrpura, armado e
lampassado de vermelho, e carregado de duas faixas xadrezadas de azul e de
ouro14.
Os pratos que apresentamos tanto podem ter sido encomendados pelo
pai como pelo filho, pois cronológicamente integram-se no período do impera-
dor Kangxi da Dinastia Qing, devendo datar de entre 1690 e 1700, ou mesmo
de algum dos anos imediatamente seguintes, tendo por base o cruzamento
das biografias dos prováveis encomendantes e as características técnicas e
estéticas das espécies. Têm 28,5 cm de diâmetro e a decoração é apenas azul
cobalto sob vidrado, com o brasão no centro do prato, entre a densa decoração
vegetalista.
O número de coelhos na bordadura dos escudos é de seis e sete, quando o
normal seriam cinco, como se vê no Livro do Armeiro-Mor, cujo brasão aí pin-
tado reproduzimos acima. É aceitável a hipótese de teram variado o número,
por erro dos artífices chineses, e não por qualquer diferença que os filhos, even-
tualmente, tenham introduzido nas respectivas armas. Essa seria uma situação
estranhíssima e que vai contra todas as regras da Heráldica. As diferenças, nos
brasões, são colocadas de outra forma, como se pode constatar em qualquer
manual.
António de Albuquerque Coelho de Carvalho nasceu, em Lisboa, em
1655, e era filho de António de Albuquerque Coelho e de sua mulher Inês
Brasões dos Coelho (chefe) Francisco Coelho, de quem era prima. A família, havia muito que tinha interes-
do Livro do Armeiro-Mor, e do prato
da página seguinte ses no Brasil, onde estavam radicados diversos dos seus membros. António de
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 75

Albuquerque Coelho de Carvalho foi elevado a cavaleiro da Ordem de


Cristo, fidalgo da Casa Real e membro do Conselho Real15. Conhece-se a
Prato porcelana chinesa
genealogia dos Albuquerque Coelho, cujo original se guarda na Torre do de exportação com o brasão
dos Coelho (7 coelhos), António
Tombo16. Foi capitão-mor do Pará e governador do Maranhão, e das capita- de Albuquerque Coelho de Carvalho ou
António de Albuquerque Coelho. Cerca
nias do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. Era um fidalgo que de 1700. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
esteve sempre ligado ao Reino, onde regressou, temporariamente, para par- (Colecção particular)
76 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Prato porcelana chinesa de exportação


com o brasão dos Coelho (6 coelhos),
António de Albuquerque Coelho de
Carvalho ou António de Albuquerque
Coelho. Cerca de 1700. Dinastia Qing,
ticipar nas Guerras da Sucessão de Espanha, e que ficou famoso pela marcha
reinado do imperador Kangxi. forçada que fez de Minas Gerais até ao Rio, em 1711, quando do ataque das
(Colecção particular)
tropas francesas de Dugay-Trouin. Conhecemos o seu processo de habilita-
Genealogia dos Albuquerque Coelho,
donatários de Pernambuco. (Arquivo ção, para familiar do Santo Ofício, com carta passada a 7 de Agosto de 171717.
Nacional da Torre do Tombo), e rosto
da Jornada que António de Ainda teve outra missão ultramarina, a de governar Angola, onde morreu,
Albuquerque Coelho fez…
(Biblioteca Nacional de Portugal. Lisboa) em 172518.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 77

Já António de Albuquerque Coelho era filho natu-


ral de António de Albuquerque Coelho Carvalho. Ser-
viu no Estado Português da Índia, desde 1700, era
cavaleiro da Ordem de Cristo, habilitado a 31 de Março
de 1719. Foi capitão-general e governador de Macau,
entre 1718 e 1719 e, mais tarde, também de Timor e
Solor19. Charles Ralph Boxer escreveu um extenso capí-
tulo sobre a sua vida e nebulosa origem, que merece
leitura atenta, pois este brasileiro representa bem essa
pleiade de homens marcados pela bastardia, mas que se
aventuraram mar e terras adentro, limpando o sangue e
alcançando mesmo a nobilitação. Depois da sua estadia
no Extremo-Oriente, veio mais para Oeste, estabele-
cendo-se em Goa, onde foi provedor da Santa Casa da
Misericórdia, um cargo altamente prestigiante. Ainda
vivia em 1746, inconsolável, ao que parece, recolhido
junto dos frades da Madre de Deus de Daugim20. Em
1732, foi publicada uma obra, em Lisboa, da autoria do
capitão João Tavares de Velez Guerreiro, onde é relatada
a jornada de António de Aluquerque Coelho, de Goa até
Macau, onde foi ocupar o posto que antes referimos.
Isto reflete bem o seu prestígio e também a sua fortuna,
em ambos os sentidos, a material e a Sorte que afinal
quase sempre o acompanhou.
Um dos factos mais curiosos da sua vida deu-se, quando regressou a
Macau, no final de 1725, vindo de Timor e Solor, mandando fazer uma urna
para depositar os restos mortais da sua mulher e da filha do casal, que morrera
muito jovem, e onde fez colocar também o osso do braço que um cirurgião
inglês lhe amputara, em 1709, depois de ter sido alvejado, durante uma luta, em
plena cidade do Santo Nome de Deus.
Nuno de Castro atribuiu a José de Melo Albuquerque Coelho, também
nascido em Cametá, no Brasil, e presuntivamente irmão ou meio-irmão do
anterior, e que teria sido militar em Macau, um outro prato muito idêntico ao
que referimos anteriormente, e que também data de cerca de 1710, vendido no
mercado norte-americano21. Não conseguimos dados que confirmem ou infir-
mem esta atribuição.
78 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. RODRIGO DA COSTA
(1657-1722)
Governador-general do Brasil e vice-rei do Estado Português da Índia

Armas: Normalmente, de vermelho, com seis costas de prata, postas 2, 2, 2,


firmadas nos flancos. Timbre: duas costas de prata, passadas em aspa22. Aqui
apenas em azul cobalto. O Livro do Armeiro-Mor e o livro de António Godinho
dão-nos as armas dos Costa com todo o rigor.
D. Rodrigo da Costa era filho do 1.º conde de Soure, D. João da Costa, e
de sua mulher D. Francisca de Noronha. Nasceu em 1657, e morreu a 16 de
Novembro de 1722. Governou a Madeira, entre 1690 e 1697 e, em 1702, rece-
beu a nomeação para governador e capitão-general do Brasil. A 25 de Fevereiro
de 1707, foi-lhe passada carta, para desempenhar as funções de 37.º vice-rei do
Estado Português da Índia, que governou até à data da sua morte.
É provável que o vice-rei tivesse encomendado várias peças de porcelana
com as armas da sua família, embora não fosse o titular. Era o quarto filho do
conde, pois a Casa de seu pai passou naturalmente para o irmão primogénito,
D. Gil Eanes da Costa. No entanto, apenas conhecemos uma uma bacia de
bordo profundamente recortado, e um prato, já divulgado por Castro e Solla,
em porcelana branca, decorados a azul cobalto sob o vidrado, datáveis por razões
técnicas e estéticas do período do reinado do imperador Kangxi da Dinastia
Qing. Ao aceitarmos a atribuição a D. Rodrigo da Costa, temos que datar a
encomenda de cerca de 1710, entre a ida para a Índia e a sua morte. A belíssima
bacia recortada pertence hoje ao Museu do Oriente de Lisboa.
A bacia tem profundas reentrâncias em cruz, e os espaços intermédios são
também recortados. Está coberta de enrolamentos fitomórficos, separados por
filetes circulares concêntricos, que definem o espaço da aba, do covo entre o
fundo e esta, e do fundo, aqui com dois círculos concêntricos, temdo o central
as armas dos condes de Soure, mas sem a coroa respectiva, pois não se tratava
do chefe da linhagem. A decoração vegetalista está executada com muito cui-
Brasões dos Costa (chefe)
do Livro do Armeiro-Mor dado, com enrolamentos consecutivos e flores de pétalas longas intercaladas.
e da bacia recortada
da página seguinte
O brasão, no entanto, não tem uma posição axial em relação aos recortes, tendo
Bacia recortada porcelana chinesa
uma variante de alguns graus, o que lhe confere um completo desequilíbrio de
de exportação com o brasão composição.
de D. Rodrigo da Costa.
Cerca de 1710. Dinastia Qing, Esta peça deve ter tido por modelo uma peça de prata, e é pouco crível que
reinado do imperador Kangxi.
(Museu do Oriente. Lisboa) fosse destinada a bacia de barbear, mas deve ter sido antes uma bacia de levar
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 79

água às mãos. Conhecem-se espécies de prata com este formato, nomeada-


mente, na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva, de cerca de 1700, com mar-
cas portuguesas, e outras com marcas de Lisboa e do Porto, aproximadamente
da mesma época, uma com o respectivo jarro, que foram vendidas no mercado
internacional, em 1976 e em 200823.
80 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. MIGUEL DE ALMEIDA
(n. depois de 1640, f. 1690)
Governador do Estado Português da Índia

Armas: De vermelho, com uma dobre-cruz cantonada de seis besantes,


tudo de ouro, e bordadura do mesmo. Como timbre, uma águia estendida de
negro, carregada de nove besantes de ouro, três no peito e três em cada asa, ou
de vermelho também carregada de nove besantes de ouro24. Neste brasão, o
escudo é sobrepujado por um coronel de governador, de cujo forro emerge um
paquife de ouro de verde e de vermelho.
D. Miguel de Almeida era filho de D. Luís de Almeida, que foi o 1.º conde
de Avintes, que chegou a ser governador do Rio de Janeiro, e de sua mulher
D. Isabel de Castro. Em 1699, partiu para o Oriente e, em 1670, foi nomeado
governador da praça de Diu, chave da navegação das margens do Gujarate.
Dez anos volvidos, era já conselheiro do Estado Português da Índia, e
estava designado para governar as praças de Damão ou de Baçaim, mas, em
1686 e 1687, foi provido no prestigiado e difícil cargo de governador de Moçam-
bique. Esteve à frente dos destinos da Índia, durante cerca de dois anos, em

Brasões dos Almeida (chefe)


do Livro do Armeiro-Mor
e dos jarrões representados
na página seguinte

Fortaleza de Diu
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 81

1690 e 1691, como seu 58.º governador, mas


não obteve o título de vice-rei, dado que, por
morte do vice-rei anterior, foram abertas as vias
de sucessão, e o Conselho de Governo desig-
nava-o, juntamente com mais dois nobres que
entretanto tinham falecido, pelo que ficou sozi-
nho no cargo. Morreu na Roma do Oriente, em
9 Dezembro de 1691, sendo sepultado na igreja
do colégio de São Tomás.
O par de jarrões que pertencem ao Museu
do Oriente tem 65 cm de altura e uma largura
máxima de 22,3 cm. Podem datar-se do período
do reinado do imperador Kangxi da Dinastia
Qing, e a generalidades dos autores é unânime
em colocá-los, cronologicamente, cerca de
1690, o que do ponto de vista histórico também
é coerente, de acordo com os dados biográficos
de D. Miguel de Almeida, que elencámos acima.
São as únicas peças deste género que conhece-
mos, ao que não deve ser estranho o pouco
tempo que D. Miguel de Almeida este à frente
dos destinos de Goa. A sua raridade está tam-
bém atestada pelo facto de mesmo noutros paí-
ses da Europa só se encontrar um par semelhante
com as armas de Vergèzes d’Aubussarges e de
La Périerre.
Têm uma estrutura tubular, que aumenta significativamente na zona supe-
rior, formando um corpo ovolado, do qual sai um gargalo alto com bordo inver-
tido na forma de trombeta. Tem um pé pequeno, comum às peças do período
Kangxi. A decoração é à base de esmaltes da chamada família verde, e o verde é
a cor que predomina, e também a azul, amarelo, beringela, vermelho, preto e
ouro, decoração que cobre inteiramente o exterior dos jarrões. Conforma rama-
gens enroladas polícromas que desenham espirais, delimitada por cercaduras no
bordo, na zona superior do alargamento ou secção média, e da secção da base.
Par de jarrões porcelana chinesa
Os motivos geométricos polícromos da boca e da base repetem-se, uma estreita de exportação com o brasão
de D. Miguel de Almeida.
faixa verde com cabeças de ruyi, linhas amarelas e verdes e favos de mel, e uma Cerca de 1690. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
cercadura vermelho ferro com triângulos. (Museu do Oriente. Lisboa)
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MANUEL ÁLVARES PINTO


(n. cerca de 1690, f. 1751)
Financeiro português nobilitado na Holanda

Armas: Pinto. Escudo de bico. Cinco crescentes (num os cinco crescentes


estão invertidos); com larga estilização do elmo e do paquife. O correcto é:
de prata com cinco crescentes de vermelho, postos em sautor. Por timbre um
leopardo de prata, armado e lampassado de vermelho, comum crescente do
mesmo na espádua25, como se vê no Livro do Armeiro-Mor.
Lembremos que os Países-Baixos foram terra de acolhimento para inúme-
ros compatriotas nossos de origem judaica, que eram perseguidos pelo seu san-
gue e antiga crença, ou dos seus antepassados, mesmo quando sinceramente
convertidos ao Catolicismo, ou então que continuavam a ser judeizantes, posto
que ocultamente. Muitos eram ricos comerciantes, ou mesmo agiotas, o que
despertava a animosidade de cristãos-velhos, que por inveja ou despeito os
denunciavam. Esta família encontrou terra fértil, para os seus negócios, no
Norte da Europa, mas não pode pertencer à linhagem dos Pinto cantados por
D. João Ribeiro Gaio, e cuja nobreza ascende ao longínquo século xii; este bra-
são foi certamente uma apropriação abusiva.
É provável que estas peças tenham sido encomendadas, quando Manuel
Álvares Pinto estava nos Países-Baixos, até porque um seu filho, Isaac Pinto, foi
accionista e administrador da VOC. Isaac nasceu em 1717, na cidade de Ams-
terdão, e faleceu, em 1787, tendo sido sepultado no cemitério luso-judaico de
Haia, com uma lápide cujo epitáfio foi escrito em Português. Isaac, que escrevia
em Português, foi um notável pensador e político, destacando-se também como
conselheiro de Guilherme IV de Orange. Apesar da quase certeza de que a
encomenda não partiu de Portugal, parece-nos aceitável incluir estas peças no
contexto das encomendas de personalidades portuguesas.
É curioso que foram encontrados pedaços de pratos destes nas obras
que decorreram em Lisboa, no local onde estava o palácio Marialva, no Bairro
Brasões dos Pinto (chefe) Alto. Quanto à datação, apontamos para um ano não muito distante de 1720,
do Livro do Armeiro-Mor
e dos pratos representados
dentro do reinado do imperador Kangxi da Dinastia Qing, ou já do início de
Prato porcelana chinesa
Yongzheng.
de exportação com o brasão
de Manuel Álvares Pinto.
Cerca de 1700-1720. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 83
84 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. PEDRO DE LENCASTRE
SILVEIRA VALENTE CASTELO
BRANCO VASCONCELOS
BARRETO E MENESES
(n. 1699, f. 1752)
5.º Conde de Vila Nova de Portimão

Armas: Lancastre (muito fantasiadas). Tem escudo e timbre e pelicano.


No escudete faltam os sete castelos que o deviam ladear. No centro, um qua-
drado com quatro campos de branco com cinco pontos a evocar besantes.
O correcto é: de prata com cinco escudetes de azul postos em cruz, com cada
um carregado de cinco besantes de prata postos em sautor. Bordadura de ver-
melho, carregada de sete castelos de ouro, e um filete de negro em contra-
-banda. Por timbre, um pelicano fendendo o peito e alimentando as crias, do
mesmo. As armas são as mesmas do 4.º conde.
D. Pedro de Lencastre era filho do 4.º conde e de sua mulher D. Madalena
Teresa de Noronha, filha do 8.º senhor da Casa de Tarouca, e que foi dama da
rainha D. Maria Sofia. Nasceu em 4 de Abril de 1699, e morreu em 29 de Maio
de 1752. Foi comendador-mor de Avis, comendador de Estremoz, Alcanede,
Veiros e Alandroal, e alcaide-mor dos castelos de Avis, Alcanede, Benavila, Alan-
droal, Pernes e Veiros, e foi ainda senhor de vários vínculos que compunham a
Casa de Vila Nova de Portimão e de Sortelha. Foi ainda deputado da Junta dos
Três Estados, e vedor da Fazenda. Casou, em 29 de Outubro de 1711, com
D. Maria Sofia de Lencastre, filha do 3.º marquês de Fontes. Foi-lhe passada
carta por D. Pedro II, em 5 de Fevereiro de 170426.
Este prato da Fundação Carmona da Costa foi datado de cerca de 1710,
pelos autores dos volumes editados por Varela Santos, e de entre 1720 e 1721,
por Nuno de Castro, que o considera de um terceiro serviço, pois as peças ante-
riores consigna-as igualmente a D. Pedro e não a D. Luís, como nós fizemos, e
outros, antes de nós, igualmente o fizeram. Apesar de não ser uma questão
fechada, pela decoração e pelo rigor das armas dos condes de Vila Nova de Por-
timão, acreditamos ser esta uma encomenda mais tardia, e também da respon-
sabilidade do 5.º conde. Pode ter feito parte de algum lote executado para as
festas do seu casamento, que tiveram lugar em 1711, quando apenas tinha 14
Brasões dos Lencastre, e brasão dos anos de idade. Mas, nada impede que seja posterior alguns anos, ou mesmo
Lencastre usado no prato apresentado
na página seguinte uma década.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 85

Tem grandes dimensões, concretamente 35 cm de diâmetro, e é decorado


a azul cobalto sob o vidrado, com uma caldeira bastante baixa, mas com uma
aba larga e recortada, com terminações arredondadas e ponteagudas alternan-
tes. Ao centro, ostenta as armas da orgulhosa família dos Lencastre, com uma
águia por timbre, envolta em flores de lótus e ramos pendentes com frutos que
não identificámos. A aba é de composição radial, formando grandes painéis
pontiagudos que alternam com outros mais pequenos e estreitos. Os grandes
mostram uma versão pouco correcta do brasão do titular, alternando com ramos
volumosos de flores. Deverá assim situar-se dentro do reinado do imperador
Kangxi da Dinastia Qing.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
do 5º conde de Vila Nova de Portimão,
D. Pedro de Lencastre Silveira Valente
Castelo-Branco Vasconcelos Barreto
e Meneses. Cerca de 1720.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Kangxi.
(Fundação Carmona da Costa)
86 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

DIOGO DE MELO DE SAMPAIO


(n. 1665, f. 1716)
E DESCENDENTES
Governador-de-Armas da Província do Norte e duas vezes capitão-general
e governador de Macau

Armas: Sampaio e Melo. Escudo do tipo peninsular. I e IV, de ouro com


águia estendida de púrpura, armada e lampassada de vermelho. II e III, xadre-
zado de ouro e negro de sete peças em faixa e oito em pala; bordadura de ver-
melho, carregada de oito SS de prata. Sobre o todo, um escudete de branco, au
ballon, com as armas dos Melo: de vermelho com dobre-cruz de ouro, com seis
besantes de prata; bordadura também do primeiro metal. Coroa de fantasia ou
coronel de nobreza, de ouro e representado por cinco hastes floridas e quatro
simples, encimadas por pérolas, e como timbre uma águia do escudo. Natural-
mente, nas peças que são só decoradas a azul cobalto sob o vidrado, essa é a
única cor que compõe o brasão.
Os faustosos serviços que vamos estudar nesta ementa foram atribuídos a
Francisco José de Sampaio Melo e Castro, 11.º senhor da Casa de Vila Flor, que
foi o 40.º vice-rei do Estado da Índia, atribuição com a qual não concordamos,
como com ela não concordam vários dos mais conceituados heraldistas. Até o
conde de Castro e Solla, apesar de toda a sua sabedoria, teve dificuldades em
fazer a atribuição do brasão, ficando-se apenas por dá-lo como sendo de uma
personagem que usava Sampaio e Melo, e solicitando, nas páginas da sua obra
fundamental, auxílio de outros investigadores27. O marquês de São Payo negou
que estas peças tenham pertencido ao seu 6.º avô, Francisco José de Sampaio
Melo e Castro, até porque nenhuma consta do seu inventário de bens, que ele
muito bem conhecia, pois conservava-o no seu espólio de família. Além disto, os
São Payo, senhores de Vila Flor, depois de elevados a condes e marqueses, usa-
ram as armas desta família; Francisco José, por exemplo, nunca usou o apelido
Melo, e o selo da família mostra claramente como o brasão que ostentavam era
diferente do destas peças que estamos agora a analisar28. Mais completa explica-
ção é dada por Luiz Ferros, na nota n.º CLXXI, do referido livro de Castro e
Solla, e os seus argumentos, bem escudados em trabalhos anteriores de José
Campos e Sousa e de Luís de Mello Vaz de São Payo, são de peso inegável29.
Brasões dos Sampaio
do Livro do Armeiro-Mor Jorge Forjaz e José Francisco de Noronha, na sua obra monumental
e das peças dos serviços representa-
dos nas páginas seguintes Os luso-descendentes da Índia Portuguesa, dão-nos biografias actualizadas e muito
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 87

completas, sobre os Melo de Sampaio que, em nossa opinião, e também de João


Alarcão e Jorge Brito e Abreu, estão ligados a estas peças de porcelana30. Ambos,
prudentemente, não avançam, para além de membros poderosos dos Melo de
Sampaio de Baçaim, com fortes probabilidades para Luís e Diogo de Melo de
Sampaio, ambos, a seu tempo, capitães-generais e governadores de Macau,
entre muitas outras coisas.
Mas, comecemos pelo início, valendo-nos das páginas escritas por Jorge
Forjaz e por José Francisco de Noronha, na obra já citada. Francisco de Melo
Sampaio, o primeiro desta linhagem luso-indiana, nasceu no Reino, e foi para a
Índia, em 1570, já casado com D. Filipa Pereira; tiveram cinco filhos, um deles
Tristão de Melo, que foi capitão de Chaúl. Ricardo Michael Telles copiou a
lápide funerária de Francisco de Melo de Sampaio, falecido em 8 de Abril de
1580, existente na igreja de São Francisco de Velha Goa, e que tem por brasão Fortaleza de Baçaim.
Aspecto parcelar das muralhas
as armas plenas dos Melo. O seu herdeiro foi Diogo de Melo de Sampaio, de e baluartes
88 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

alcunha o Torto, que nasceu já em Goa, tendo sido


provido, entre outros, nos cargos de capitão de
Damão e de capitão de Malaca, além de ter sido bafe-
jado com uma viagem à China, o que era então garan-
tia de fortuna. Foram estes que deram origem à
poderosa família dos Melo de Sampaio de Baçaim.
Seguiu-se na linhagem João de Melo de Sam-
paio, também nascido em Goa, que foi capitão-gene-
ral do Norte, e capitão-mor de Jafanapatão, no Ceilão,
e de Diu, no Gujarate. Do primeiro casamento, com
D. Ana de Andrade Lobo, teve Diogo de Melo de
Sampaio, que agora nos interessa particularmente,
por julgarmos ter sido ele o primeiro a encomendar
peças brasonadas destas, embora não deva ter sido o
único. Sabemos que nasceu em Baçaim, a riquíssima
capital da Província do Norte, em 1665, e faleceu em
Goa, quando corria o ano de 1716, tendo sido sepul-
tado na igreja de São Lourenço de Agaçaim, em
campa cujas armas estão mal esculpidas.
Assentou praça, em 20 de Abril de 1681, com
16 anos e, em 1683, já era cavaleiro-fidalgo. Em 1689,
foi nomeado capitão-mor da armada de Canará e,
três anos, depois capitão do território de Bardês. Foi
ainda capitão da fortaleza de Diu e, em em 1697, da
fortaleza de Chaúl. Em 1699, foi nomeado capitão-
-general de Macau, onde esteve até 1703, e depois desta comissão ainda foi
governador-de-armas da Província do Norte e membro do Conselho de Estado.
Diogo de Melo de Sampaio teve oportunidade e dinheiro, para adquirir vários
serviços e outras peças de aparato, para o palácio da sua família de Baçaim,
sobretudo enquanto esteve em Macau.
Outros dos familiares que podem ter encomendado estas peças foram os
irmãos António Lobo, João e Caetano de Melo de Sampaio, e sobretudo Luís de
Melo de Sampaio, que morreu sem geração, mas que foi também governador de
Macau.
Temos, assim, um período de duas ou três décadas, em que estes nobres
Fortaleza de Chaúl. de grossos cabedais e de enorme importância no Estado Português da Índia
Aspecto parcelar das muralhas
e baluartes tiveram oportunidade de comprar estes serviços brasonados. Baçaim, onde
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 89

Gomil de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Diogo de Melo de Sampaio
ou de um seu descendente.
Cerca de 1700. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)
90 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

esteve sediada a família em permanência, até à conquista pelos maratas, em


1739, sendo o último titular a habitar aí João de Melo de Sampaio, que viria a
morrer já em Goa, em 7 de Novembro de 1770, no seu faustoso palácio dos
arredores de Pangim, em Santa Inês.
De entre as peças mais antigas, destacamos os imponentes jarrões azul e
branco da Fundação Ricardo Espírito Santo, com 1,34 m de altura. São em
forma de balaústre, com o colo curto. As tampas ainda estão esteticamente pre-
sas à decoração do período de transição da Dinastia Ming para a Dinastia Qing,
mostrando figuras de sereias a toda a volta, pintadas a azul cobalto, sobre fundo
branco, mas a hipótese de serem um reaproveitamento não nos parece coerente,
dada a cercadura que fica na extremidade da aba das ditas tampas, sob a cauda
das sereias, e cuja decoração se liga muito bem ao corpo dos jarrões. Os leões
dourados são efectivamente do século xix, e até estão marcados, tendo sido fei-
tos para substituir os originais, que muito provavelmente se partiram, como
acontecia tantas vezes. Há outros jarrões, de grande aparato, mas com uma
decoração da familia verde.
O Museu da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva possui outras peças
de muito interesse de uma encomenda que deve ter sido muito grande, com
decoração imari chinesa, e que deve datar de cerca de 1700, embora vários auto-
res a considerem um pouco mais tardia. No respectivo catálogo, é apresentado
um período largo, entre 1700 e 1722. Esta nossa fixação na transição dos sécu-
los xvii e xviii é acompanhada por David Howard e por John Ayers, na sua obra
conjunta de 1978, para obras idênticas31. Mas, ainda assim, não é impossível que
sejam do final de Seiscentos, pelo menos as primeiras encomendas, e daí a atri-
buição, em primeiro lugar, a Diogo de Melo de Sampaio. Destacamos, neste
Museu, um caixa de facas, com 30 cm de altura, e um par de polvilhadores de
açucar, com 17,7 cm de alto cada. A decoração é a azul sob vidrado e os esmal-
tes polícromos e ouro. Tem grande delicadeza no desenho, e quer as tarjas de
vermelho-sangue formadas por teorias de pequena folhagem, quer as flores de
crisântemo e de lótos, ligadas por sarmentos de videiras onduladas são soberbas.
Outras peças bem conhecidas são os refrescadores de garrafas – a que
alguns chamam floreiras – como o do Museu Nacional de Arte Antiga, que
sabemos ter pertencido ao convento lisboeta de Santos-o-Novo32. Todos estes
Prato de porcelana chinesa serviços datam do período do reinado do imperador Kangxi da Dinastia Qing, e
de exportação com o brasão
de Diogo de Melo de Sampaio foram feitos, por analogia da decoração com peças bem documentadas, muito
ou de um seu descendente.
Cerca de 1700. Dinastia Qing, provavelmente, entre 1699 e 1703, que coincide com o tempo em que Diogo de
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular) Melo de Sampaio esteve em Macau.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 91
92 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Vamos analisar apenas algumas peças de encomenda deste vice-rei,


do tipo imari chinês, com a delicada decoração que já vimos nas que perten-
cem à Fundação Ricardo Espírito Santo Silva. O encomendante, como facil-
mente já se percebeu, não se limitou a um simples serviço, mas desejou com-
pletá-lo, ou completá-los, com uma infindade de complementos. Começando
pelo gomil, que podemos considerar de um eventual primeiro serviço, e isto
por meros motivos metodológicos, anote-se que tem cerca de 34 cm de alto com
a decoração típica do imari chinês, com esmaltes a azul, vermelho e dourado
sobre um vidrado ligeiramente azulado. Parece que o modelo copia os gomis
de prata que, normalmente, serviam para ir à mesa, juntamante com as bacias
de mão, e que sairam das oficinas dos grandes prateiros setecentistas, sobre-
tudo de Lisboa e do Porto. Peça rara, de grande elegância, destaca-se igual-
mente pelo seu valor cromático e pela delicadeza do desenho das flores e
ramagens.
Ao chamado primeiro serviço, como as peças anteriores, pertence um belo
e também raro frasco de chá, com 13,5 cm de altura. Destaca-se o mesmo gosto
pelo colorido forte, com o vermelho e o verde a sobressair do fundo leitoso, e
uma grande profusão de elementos secundários em dourado. Conhecem-se em
várias colecções peças idênticas, mas curiosamente nenhuma é igual.
Chamamos a atenção para um prato grande, com quase 40 cm de diâme-
tro, que se diferencia das peças anteriores, essencialmente, pela decoração do
bordo, em grisalha e dourado, com um desenho muito fino, avivado pela colo-
ração forte das flores; também de uma colecção privada.
Várias outras peças encontram-se em diversas colecções e museus. Algu-
mas, que devem fazer parte de uma encomenda distinta, nomeadamente, os
pratos, distinguem-se pela aba, com uma decoração mais garrida, com folha-
gens e flores em contínuo, conformando uma leve ondulação. O centro é defi-
nido por dois círculos duplos concêntricos, e aí foi pintado, igualmente de forma
monumental, o brasão pessoal do vice-rei. Um outro serviço tem uma decora-
ção muito diferente da dos anteriores, mais densa e, em certa medida, mais
chinesa. A aba é mais pequena, decorada com um xadrezado azul forte, inter-
rompido por seis reservas, onde há ornamentos florais esquemáticos e estiliza-
dos a dourado, vermelho – sangue e azul.
O centro dos pratos é definido, uma vez mais, por um duplo círculo azul,
e todo o espaço assim conformado ostenta uma decoração feérica de folhagem
polícroma, em que abunda o dourado, o vermelho e o azul, em quatro compo-
sições simétricas, axiais e transversais em relação ao brasão. Este está, numa
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 93

primeira ordem, envolto em enrolamentos fitomórficos estilizados, num apa-


rente horror ao vazio.
Chamamos ainda a atenção para uma bacia recortada, em quatro reen-
trâncias postas em cruz, com os quatro segmentos de bordo, assim formados,
decorados com duas flores cada, em tons de vermelho sangue.
Deixamos para o fim a referência a uns jarrões com o bocal e com a base
decorados com aplicações de bronze dourado ao gosto barroco, e cuja decora-
Macau, território de que Diogo de Melo
ção lembra muito a dos serviços da família italiana Marini, durante muito tempo de Sampaio foi governador. Praia
Grande. Gravura de W. H. Capone.
confundida com as encomendas hipotéticas de D. Luís de Ataíde. (Colecção particular)
94 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. LUÍS CARLOS INÁCIO XAVIER


DE MENESES
(n. 1689, f. 1742)
5.º conde da Ericeira e 1.º marquês do Louriçal e vice-rei do Estado da Índia

Armas: Escudo esquartelado, I e IV, de branco por prata, com cinco escu-
detes de azul postos em cruz; bordadura de vermelho com sete besantes, por
castelos, de ouro; II e III, de vermelho, três flores-de-lis de ouro; sobre-o-todo,
de ouro, com um anel encoberto. Coronel de conde. Por suporte, lateralmente,
um dragão e uma figura humana, que deverá ser uma donzela sainte, segurando
um escudete, e, por baixo a divisa NINGUEM PRIMEIRO33. Apesar de algu-
mas falhas, são as armas dos Meneses, primeiro senhores e condes de Canta-

Brasão de D. Jorge de Meneses,


conde de Cantanhede,
do retábulo da capela de Varziela,
e brasão da jarra da página seguinte

Prato com as armas de D. Luís Carlos


Inácio Xavier de Menezes.
Cerca de 1720. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção privada)

Jarra com as armas de D. Luís Carlos


Inácio Xavier de Meneses.
Cerca de 1720. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção privada)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 95

nhede e, mais tarde, marqueses de Marialva,


condes da Ericeira e marqueses do Louriçal.
D. Luís Carlos Inácio Xavier de Mene-
ses nasceu em Lisboa, a 4 de Novembro de
1689, filho do conde da Ericeira, e foi enca-
minhado pelo, pai para a carreira militar.
Apenas com vinte e sete anos, em 1717, foi
nomeado vice-rei do Estado Português da
Índia, chegando a Goa, ainda em Outubro
desse mesmo ano. Em 1721, regressou a Lis-
boa, não sem antes ter passado por graves
problemas e até prisão, em alto-mar, tendo
sido levado para França, de onde acabou por
chegar a casa, são e salvo e sem molestia de
maior. Em 1740, foi novamente nomeado
para esse cargo, mas morreu, dois anos volvi-
dos, tendo sido enterrado na igreja da Casa
Professa do Bom Jesus, honra dada a poucos.
Foi senhor de Ericeira, Ansião e Louriçal e
de todos os vínculos que herdou de seu pai.
Foi agraciado com o título de marquês do
Louriçal, no momento da última partida
para Goa.
O prato e a jarra que aqui se apresen-
tam, são tanto quanto sabemos, as únicas
peças que existem com as armas deste ilus-
tríssimo titular, e pertencem a duas colecções
particulares; foi a jarra inicialmente divulgada
por José de Campos e Sousa. São decoradas
com esmaltes polícromos e a ouro. A jarra
tem forma ovalada, com ligeira reentrância a
meio, afunilando depois até ao rebordo, pos-
suindo colo estreito e labiado, sobre pé alto e
aberto. O pé tem flores pequeninas como
ornamentação, aliás, pequenas flores coloca-
das em ramos modestos e simétricos, com-
põem o resto da decoração.
96 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. NUNO DA CUNHA DE ATAÍDE


(n. 1644, f. 1750)
Bispo de Targa e cardeal de Santa Anastásia

Armas: Cunha (dos senhores de Tábua, modernas). Escudo oval dentro de


uma cartela: de branco, e nove cunhas em azul. Bordadura de vermelho carre-
gada de cinco escudetes de azul, e cada com cinco besantes de ouro. Chapéu
próprio da dignidade eclesiástica, com três ordens de borlas, a vermelho, já de
arcebispo, portanto. Devia ser: de ouro, com nove cunhas de azul, postas, 3, 3 e
3. Bordadura cosida de prata, carregada de cinco escudetes de azul, com cada
escudete carregado de cinco besantes de prata em sautor34. O brasão é o moderno
dos Cunha de Tábua: de ouro, com nove cunhas de azul, sobrepostas em 3, 3 e
3, com bordadura cosida de prata, carregada de cinco escudetes de azul, e cada
um carregado de cinco besantes de prata em sautor. O timbre é normalmente
um grifo35, mas aqui aparece o chapéu vermelho correspondente à dignidade de
cardeal.

Brasões dos Cunha (chefe)


do Livro do Armeiro-Mor,
e de D. Nuno da Cunha de Ataíde,
das peças do serviço representado,
e de um livro impresso em Roma,
em 1722. (Biblioteca Nacional
de Portugal. Lisboa)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 97

Em estudo recente, no anexo que dedicaram ao catálogo das porcelanas


do Museu da Fundação Ricardo Espirito Santo, Jorge Brito e Abreu e João Alar-
cão de Carvalho Branco atribuiram estas armas ao cardeal D. Nuno da Cunha
de Ataíde36, pois elas correspondem às que foram colocadas na portada de um
livro impresso em Roma, na tipografia de Komarec, em 1722, dedicada exacta-
mente a este prelado, explicitamente referido como inquisidor-geral de Portugal
e das Conquistas, isto é dos territórios do nosso Padroado.
D. Nuno da Cunha de Ataíde nasceu em Lisboa, a 8 de Dezembro de
1664, e veio a faleceu, em 14 de Dezembro de 1750. Era irmão do 1.º conde de
Povolide, filho do senhor da mesma vila. Frequentou o Real Colégio de São
Paulo, obteve o grau de doutor em Cânones, pela Universidade de Coimbra,
vindo posteriormente a ser elevado à categoria de cónego catedralício da dio-
cese coimbrã, e também a deputado da Inquisição, em Coimbra, com nomeação
em 2 de Novembro de 1691, vindo a sê-lo da de Lisboa, dois anos volvidos, a 8
de Abril. Em 1705, foi indigitado para bispo de Elvas, mas não aceitou, sendo
então concedida a mitra de Targa, a 14 de Março de 1704. A sua brilhante car-
reira religiosa levou-o ainda a capelão-mor de D. Pedro II, e a inquisidor-mor,
então já pela mão de D. João V, a cujo Conselho Régio pertenceu. Tudo isto lhe
abriu caminho para o cardinalato, vindo a receber a púrpura das mãos de Cle-
mente XI, a 18 de Março de 1712, com o título de Santa Anastásia, paróquia
situada no Palatino, em Roma, cujo edifício melhorou e enriqueceu, como era
costume em casos semelhantes, e onde ainda hoje se podem ver as suas armas,
no arco-cruzeiro, em paramentos e várias peças de culto37.
D. Nuno da Cunha de Ataíde teve forçosamente de encomendar um con-
junto de peças a partir de Lisboa, o que não constituía qualquer dificuldade.
Conhecemos vários pratos, a belíssima bilheteira do Museu da Fundação
Ricardo Espírito Santo Silva, mas vamos ater-nos apenas duas peças de guarni-
ção, de categoria excepcional e grande variedade.
A primeira é um pote com 31,5 cm de altura, com a respectiva tampa e
com duas asas impositivas, datável de cerca de 1720, em azul forte cobalto
soprado sob o vidrado, com esmaltes vermelho-ferro, castanho e ouro. Tem for-
mato ovalado, ligeiramente cintado, afunilando para o colo, que é mais estreito
e rematado com um rebordo. De ambos os lados, tem asas com enrolamentos a
semelhar pergaminhos. O pote tem por suporte um pé de forma cónica, e na
parte superior uma tampa de cúpula, com uma pega a rematá-la, em forma de
botão de flor. Em ambas as faces, sobre reservas, podem ver-se as armas do car- Arco-cruzeiro da igreja de Santa
Anastásia, em Roma, com as armas
deal, envoltas em florinhas sobre dourado; no pé e no bordo, há também uma do cardeal D. Nuno da Cunha Ataíde.
98 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Pote de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Nuno da Cunha de Ataíde.
Cerca de 1720. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)

Garrafa de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Nuno da Cunha de Ataíde.
Cerca de 1720. Dinastia Qing,
reinado do imperador Kangxi.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 99

delicada decoração em bandas de motivos


geométricos dourados. Esta cor é rara e difí-
cil de executar, e a técnica que a proporcio-
nava ficou restrita a peças de exportação do
reinado do imperador Kangxi da Dinastia
Qing. É provável que ambas as que aqui apre-
sentamos tivessem como modelo exemplares
do mesmo formato de prata, executados do
Reino.
A segunda peça é uma garrafa com
25 cm de altura, também em azul forte
cobalto soprado sob o vidrado, com esmaltes
vermelho-ferro, castanho e ouro. Em ambas
as faces, sobre reservas, estão as armas do
cardeal D. Nuno, entre florinhas sobre dou-
rado. A garrafa tem a base quadrangular, e os
ângulos arredondado na parte superior, de
onde sai um gargalo estreito, com gola e
bordo saliente, coroado pela tampa de forma
cilíndrica, sobrepujada por uma pega que
tem na parte superior um pequeno grupo
escultórico composto por um menino junto
de um cão.
Este conjunto de D. Nuno da Cunha
Ataíde é dos mais bem conseguidos, de quan-
tas encomendas foram feitas pela nobreza
portuguesa, no período da vigência do bar-
roco, e o segredo pode estar no uso como
modelos de exemplares com a mesma morfo-
logia e função, mas de prata, algo que os
grandes senhores nunca prescindiam, pelo
prestigio que davam.
100 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

FRANCISCO DE ASSIS E TÁVORA


(n. 1703, f. 1759)
3.º conde de Alvor, marquês de Távora e vice-rei do Estado da Índia

Armas: De negro, por prata, com cinco faixas ondadas de azul, sendo
a do meio carregada com um golfinho de ouro. Bordadura de vermelho com a
legenda a ouro QUAS CUMQUE FINDIT. Coronel de marquês. Escudo
envolvido por uma cartela de desenho barroco com concheados avolutados.
A representação não é totalmente correcta, dado que o campo, correctamente,
é de prata e, assim, a primeira faixa devia ser deste metal e não de azul. Também
o golfinho devia ser de azul assim como a bordadura, posto que com letras a
negro. As armas que se podem ver neste prato são uma variante das oficiais,
que foram usadas pelos marqueses de Távora38. Apresentamo-las, tal como estão
desenhadas no Livro do Armeiro-Mor de João de Crós.
Francisco de Assis e Távora nasceu a 7 de Outubro de 1703, filho do
2.º conde de Alvor, e também conde de São João da Pesqueira, Bernardo de
Távora, e de sua mulher D. Joana de Lorena. Obteve o título de marquês de
Távora pelo casamento com a sua prima D. Leonor Tomásia de Távora, herdeira
dos títulos de seu pai, o 2.º marquês, António Luís de Távora; a cerimónia teve
lugar, a 21 de Novembro de 1718.
Em 28 de Fevereiro de 1750, foi nomeado vice-rei do Estado Português da
Índia, e regressou ao Reino, em 1754, com o seu prestígio imensamente aumen-
tado. Foi vítima da armadilha urdida por Sebastião José de Carvalho e Melo,
acabando por ser supliciado, com toda a sua família mais próxima, a 13 de
Janeiro de 175939. O tempo, porém, devolveu a D. Francisco de Assis de Távora,
72.º governador e 45.º vice-rei do Estado da Índia o lugar a que tem direito, e,
em 1781, a rainha D. Maria I reabilitou-o.
Não terão sido muitas as peças de uso dos Távora que escaparam à sanha
destruidora, pelo que este exemplar ganha, assim, um redobrado interesse.
No entanto, não podemos colocar de lado a hipótese, aliás consistente, do ser-
viço ter desaparecido por motivo do Terramoto de 1755, que não poupou os
palácios situados na Freguesia dos Mártires.
O prato tem uma decoração da família rosa, com esmaltes polícromos e
ouro sob o vidrado, possuindo uma caldeira baixa e a aba levantada. Ao centro
Brasões dos Távora (chefe) está o brasão de armas de D. Francisco de Assis, integrado numa cartela de
do Livro do Armeiro-Mor
e conforme aparece no prato estilo rococó, que possui uma carranca no topo, posta axialmente e, sobre ela,
uma coroa aberta; na mesma linha, mas na zona inferior, uma outra carranca.
O brasão está envolto por uma tarja ovalada, formada por uma corda de prata e
ouro. A decoração da aba é constituída por elementos florais, peónias, em peque-
nos botões e folhagem a ouro. A execução e os elementos decorativos são típicos
do fim do reinado do imperador Yongzheng da Dinastia Qing, devendo datar-se
este prato de cerca de 1730, não permitindo avançá-lo, para o reinado de
Qianlong, quando D. Francisco de Assis esteve como vice-rei em Goa.
Na relação das peças que foram arroladas, quando do sequestro dos bens,
após o assasinato dos Távora, aparecem referências a “louça da Índia”, o que
Prato de porcelana chinesa
quer dizer, como vimos em muitos outros casos, porcelana chinesa. No entanto, de exportação com o brasão
de D. Francisco de Assis e Távora.
em nenhum caso, os arroladores chegaram ao pormenor de indicar porcelana Cerca de 1730. Dinastia Qing,
reinado do imperador Yongzheng.
brasonada. (Colecção particular)
102 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

COSME DAMIÃO PINTO PEREIRA


(n. 1691, f. depois de 1747)
Capitão-general e governador de Macau, senhor da Casa das Conchas do Lumiar

Armas: Pereira, Guedes, Pinto, e (talvez) Pimentel; armas muito fantasia-


das, com as cores e esmaltes deturpados. Escudo em cartela. Esquartelado. I, de
branco, por prata, cruz florenciada de vermelho, vazia do campo. II, de azul,
com cinco crescentes a ouro. III, de verde com cinco flores-de-lis de ouro. IV, de
vermelho, com cinco vieiras de ouro. Bordadura de verde carregada de sete
vieira de ouro. Coronel de nobreza de cinco florões. A eventualidade de se tratar,
no quarto, de Pimentel deve-se à aposição das vieiras em sautor. Nas duas séries
de peças que apresentámos nesta ementa, os brasões não são rigorosamente
iguais, como se pode comprovar pela imagem anexa.
Cosme Damião Pinto Pereira nasceu em Lisboa, em 1691, filho de Antó-
nio Vaz Pinto e de Madalena Josefa de Ataíde. Foi fidalgo da Casa-Real, senhor
da Casa das Conchas do Lumiar e, depois, capitão-general e governador de
Macau, por duas vezes, entre 1735 e 1738, e entre 1743 e 1747, cujas acções
como gestor público estudamos recentemente40.
Foi certamente durante as suas estadias à frente dos destinos da Cidade do
Santo Nome de Deus na China, que encomendou aos comerciantes locais e aos
intermediários de Cantão alguns serviços, de que se conservam travessas e vasi-
lhas de todas as formas, bem como outro tipo de peças datáveis dos reinados de
Yongzheg e Qianlong da Dinastia Qing. Estas atribuições já não são novas, fê-las
o conde de Castro e Solla, e nunca mereceram grandes contestações, excepto
num ou noutro pormenor de interpretação de um dos costados41.
Destacamos os pratos do designado primeiro serviço, concretamente dois,
com 24,5 cm de diâmetro, apenas com o brasão de armas do capitão-general de
Macau. Toda a decoração é incisa sob o vidrado, e o desenho esculpido tem a
forma de flor central irradiando pétalas de forma aguçada, emolduradas por
folhagem em espiral, e uma faixa exterior de flores de lótus ou outra espécie
muito parecida. A aba tam o mesmo padrão decorativo. Como já foi notado, este
tipo só surge em peças do início do século xviii. Conhecem-se, e estão publica-
das, uma jarra, que pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga, e uma taça
para chá; a datação não pode ser outra que não a dos anos próximos e, muito
Brasões de Cosme Damião Pinto provavelmente, imediatamente posteriores a 1735, do período do reinado de
Pereira conforme aparecem
nas peças que reproduzimos Yongzheng da Dinastia Qing, e anterior a 1747.
Par de pratos de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
de Cosme Damião Pinto Pereira. Cerca
de 1735-1747. Dinastia Qing, reinado
do imperador Yongzheng
ou do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
104 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

A um outro serviço, a uma encomenda


mais rica e com uma decoração mais vibrante,
pertence, entre outras peças, uma travessa de
grandes dimensões, com 45,3 cm de compri-
mento e 36,5 cm de largura. Aqui aparecem
incluídos esmaltes polícromos da família
rosa, que devem ser do período do reinado de
Yongzheng da Dinastia Qing, e a data de enco-
menda tanto pode ser dos anos da primeira
estadia em Macau, entre 1735 e 1737, como
da segunda, que ocorreu já na década seguinte,
entre 1743 e 1747.
As armas estão no centro do bordo da
travessa mas, nos pratos que conhecemos deste
mesmo serviço, estão no centro do covo, sendo
este, na travessa, completamente branco, sem
decoração polícroma. A forma da travessa é
ovalada, como é natural, sem recortes no
bordo, onde se concentra o essencial dos ele-
mentos decorativos, espirais de flores de grande
delicadeza de desenho e excelente conjugação
dos esmaltes, postos em três secções, divididas
pelo brasão, ao alto e na central, e nas curvas
dos rebordos do lado oposto.
Completamente diferente é uma bilha de
porcelana totalmente branca, e de claro recorte
utilitário, que pertence à Fundação Carmona
da Costa de Lisboa, ornamentada apenas com
o brasão de Cosme Damião Pinto Pereira,
colocado no bojo, totalmente pintado a azul
cobalto sob o vidrado. Pode, ou não, tratar-se
de uma encomenda esporádica, ou de um con-
junto de vasilhas utilitárias que tiveram como
Travessa de porcelana chinesa modelos directos protótipos idos do Reino.
de exportação com o brasão
de Cosme Damião Pinto Pereira.
Cerca de 1735-1747. Dinastia Qing,
reinado do imperador Yongzheng
ou do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 105
106 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. JOSÉ MARIA DA FONSECA


FIGUEIREDO E SOUSA
(n. 1690, f. 1752)
Bispo do Porto

Armas: Ribeiro, Figueiredo e Fonseca. Escudo de fantasia barroco em car-


tela partido. I, cortado, 1.º de vermelho, com duas palas de ouro; 2.º de negro,
duas faixas veiradas e contra-veiradas de branco e vermelho; 2.º do cortado,
partido: 1.º de branco, três faixas de vermelho, sendo a 2.ª carregada de azul;
2.º de vermelho, cinco folhas de verdes. II, de ouro, cinco estrelas de vermelho.
Chapéu próprio da dignidade eclesiástica, com cordões e seis borlas por lado,
de verde. Sob o chefe, dois braços cruzados sobre uma cruz. As armas represen-
tadas são Ribeiro, Évora, Figueiredo, Fonseca, e ainda as da Ordem de São
Francisco42.
Devemos anotar que há algumas variantes de representações das armas
deste prelado, na quinta do Bispo em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, no
convento de Aracoeli, em Roma, etc., mas os principais autores são unânimes
quanto ao facto destas, as que podemos ver na peça que apresentamos, serem
efectivamente dele.
D. José Ribeiro da Fonseca Figueiredo e Sousa nasceu em Évora, a 3 de
Dezembro de1690, filho de Manuel Ribeiro da Fonseca Figueiredo, e de sua
mulher D. Ana Maria Barroso da Gama Michão. Frequentou a Universidade
dessa cidade alentejana, onde obteve o grau de Mestre e, posteriormente, a de
Coimbra, onde prestou provas de Doutoramento em Cânones.
Teve uma brilhante carreira pública e, em 1712, partiu para Roma, com o
marquês de Fronteira, cidade onde tomou o hábito de São Francisco de Assis,
no convento de Ara Coeli. Aí, ensinou Filosofia e Teologia, durante vários anos,
sempre com grande brilhantismo. Desempenhou missões diplomáticas, como a
de embaixador extraordinário e ministro de potências estrangeiras católicas,
junto da Cúria Romana, sendo até conselheiro do imperador Carlos VI. Foi
também encarregado de Negócios de Portugal, em Roma, em 1728; ministro,
em 1731; e ministro plenipotenciário de D. João V, em 1733.
Brasão de D. José Maria da Fonseca
Ao ascender ao bispado do Porto, adoptou o nome de D. frei José Maria
Figueiredo e Sousa, como aparece da Fonseca e Évora, que governou, entre 1739 e 1752, ano da sua morte, dado
na travessa, e retrato do bispo
do Porto, gravura do século xviii. importante para a datação do seu serviço. Fez grandes melhoramentos no velho
(Biblioteca Nacional de Portugal.
Lisboa) paço episcopal da cidade43.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 107

Esta travessa pertence a um serviço, cujos modelos das peças imitam a


porcelana alemã mais sofisticada, e com uma grande incorporação de relevos.
Tem policromia de esmaltes sob o vidrado, em que alternam o vermelho-ferro,
o azul, o amarelo e o rosa. O recorte do bordo segue de perto o que se usava
também nos serviços de prata. A decoração da bordadura é feita por uma tarja
contínua de elementos vegetais e geométricos, entrelaçados. No meio, aparece o
brasão do prelado, no centro de uma artificiosa composição de elementos geo-
métricos e fitomórficos, que é uma estilização de uma cartela. Outras peças
publicadas são covilhetes, pratos recortados e terrinas, sendo distinta a decora-
ção, o que leva a pensar na existência de mais do que uma encomenda, o que já
outros autores indicaram. Há peças da fábrica veneziana de Vezzi, ao tempo
liderada por Claude du Pacquier, que ostentam este padrão e estas formas, e Travessa de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
que são, pelo menos, uma década e meia anteriores à encomenda do bispo do de D. José Maria da Fonseca
Figueiredo e Sousa.
Porto; não sabemos qual a relação entre elas. Devemos datar esta travessa de Cerca de 1740-1750. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
cerca de 1740, do período do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing. (Colecção particular)
108 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

GASPAR DE SALDANHA
E ALBUQUERQUE
(n. c. 1719, f. 1771)
Reitor da Universidade de Coimbra

Armas: Albuquerque e Saldanha. Escudo partido. I, esquartelado: 1.º e 4.º


de vermelho, aspa de branco, carregada de cinco pontas de azul; 2.º e 3.º, de
vermelho com flores-de-lis douradas. II, de vermelho, torre de branco com cata-
vento. Coronel aberto. Por timbre tem uma águia. Chapéu próprio da dignidade
eclesiástica, com seis borlas por lado. Armas com alguma simplificação, utiliza-
ção errada de esmaltes, mau desenho da torre, nomeadamente, que deveria ser

Brasão de D. Gaspar de Saldanha


e Albuquerque, como aparece
nas peças do serviço

Palácio Reitoral da Universidade


de Coimbra, onde habitou
Gaspar de Saldanha e Albuquerque
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 109

de prata, e não apresenta nem portas nem frestas. A águia do timbre, que é a dos
Saldanha, deveria ter uma chave de ouro no bico.
D. Gaspar de Saldanha era filho era filho de Aires de Saldanha e Albuquer-
que Coutinho Matos e Noronha, gentil-homem de câmara de D. Pedro II e da
rainha D. Maria Sofia, que foi governador do Rio de Janeiro, e de D. Maria
Leonor de Moscoso, filha do 5.º conde de Santa Cruz. Foi habilitado como
cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, em 17 de Setembro de 1767. Era irmão
do 1.º conde da Ega, e também do reitor seu antecessor, D. Francisco da Anun-
ciação.
Desempenhou inúmeros cargos públicos, além de do reitor da Universi-
dade de Coimbra. Matriculou-se, em 1737, e foi colegial do colégio de São
Pedro. Foi nomeado reitor, em 29 de Dezembro de 1757, sendo reconduzido
duas vezes seguidas, dirigindo a Universidade, até 1767, e sendo ainda vice-
-reitor, no triénio seguinte, isto é, entre 1767 e 177044. Foi prelado da igreja
Patriarcal de Lisboa, e desembargador e presidente do Tribunal da Mesa da
Consciência e Ordens45.
Anote-se que D. Gaspar de Saldanha encomendou um serviço de mesa à
Real Fábrica do Rato, venda registada, em 6 de Setembro de 176746. Usava
assim, indistintamente, a porcelana da China e a boa faiança portuguesa.
Vamos dar atenção a um prato de bordos recortados e que segue os mode-
los da faiança europeia, com uma policromia forte, pouco comum, aliás, sobre
branco leitoso, e podem datar-se de cerca de 1750, portanto, do reinado do
imperador Qianlong da Dinastia Qing.
O prato tem 29 cm de diâmetro, é decorado com esmaltes polícromos,
grisaille e ouro, com a aba recortada e lobulada. No covo, ao centro, está um
medalhão contendo uma perna de porco sobre um fundo de folhas verdes, rode-
ado por botões florais amarelos e grinaldas compostas por flores e frutos atadas
com fitas, e exteriormente, oito grupos de motivos de caça e fitomórficos, com
cercaduras de conchas e com enrolamentos amarelos e púrpura, sob uma linha
cinzenta e dourada. A aba tem no topo, axialmente, as armas dos Saldanha de
Albuquerque, opostas a uma inscrição SALDANHA, inscrita numa filactera.
Formando braços de uma cruz, há duas reservas, onde foram pintadas paisa-
gens de sabor chinês e, nos quatro espaços livres assim conformados, podem
ver-se festões de flores atados também com fitas, com o nome de ALBUQUER-
QUE entrecortado.
Uma peça com uma tipologia bastante mais rara é uma manteigueira, com
a altura de 7,5 cm e o diâmetro de 13 cm. A decoração é em tudo igual à do
110 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

prato que acabámos de descrever, devendo salientar-se apenas a delicadeza das


pegas laterais do contentor, e a pega da tampa, em forma de fruto, dourado.
O brasão dos Saldanha de Albuquerque está na face perpendicular, de cada lado
da manteigueira, tendo por baixo, numa filactera, como a que antes descreve-
mos, o seu nome inscrito em capitais desenhadas a negro.
Outras peças muito interessante que foram já divulgadas, deste mesmo
serviço de encomenda, são um refrescador de garrafas, que pertence a uma
Manteigueira ou açucareira
e prato de porcelana chinesa
colecção particular, uma terrina com tampa e travessa do Metropolitan Museum
de exportação com o brasão
de D. Gaspar de Saldanha e
de New York, uma saladeira, uma molheira, e uma terrina grande com a respec-
Albuquerque. Cerca de 1750. tiva travessa, que foi vendida anos atrás, em Londres.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 111
112 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. PEDRO MIGUEL DE ALMEIDA


PORTUGAL
(n. 1688, f. 1756)
1.º marquês de Alorna

Armas: Almeida, Portugal. Escudo de fantasia, monocromático, posto em


cartela, esquartelado. I e IV, dobre-cruz com seis besantes. II e III, aspa carre-
gada de cinco grupos de cinco pontos. Como suportes uma águia e um dragão.
Pendente tem a cruz da Ordem de Cristo. Manto sobreposto, com coronel com
cinco florões. Devia ser: Esquartelado, com Almeida, no I e IV, e Portugal, no II
e III. Nos I e IV, de vermelho, com uma dobre-cruz acompanhada de seis besan-
tes, tudo de ouro, e bordadura do mesmo. Nos II e III, de prata, em aspa de
vermelho carregada de cinco escudetes com as Armas do Reino, alternados com
quatro cruzes florenciadas e vazias no primeiro esmalte47.
Um dos nobres que mais porcelanas chinesas encomendou e que estão
bem documentadas, embora restem hoje muito poucas, foi este D. Pedro Miguel
de Almeida Portugal, 4.º conde de Assumar, e depois 1.º marquês de Alorna.
Nascido a 22 de Setembro de 1688, começou a sua brilhante carreira militar aos
17 anos, na Guerra de Sucessão de Espanha. A sua acção foi notável, particular-
mente, durante o regresso das tropas remanecentes, pelo que o rei lhe confiou,
em 1717, o cargo de capitão-geral das Minas Gerais, no Brasil. Regressou ao
Reino, em 1735, para de novo comandar exércitos, como general-de-cavalaria
do Alentejo. Em 1744, recebeu o título de marquês de Castelo-Novo, embar-
cando, de seguida, para a Índia, como 71.º governador e 44.º vice-rei. As suas
campanhas foram das mais frutuosas de sempre, nos territórios indianos, o que
lhe valeu o novo título, ressoando ainda hoje o seu nome, na toponímia da notá-
vel fortaleza homónima, a Praça de Alorna.
Retrato de D. Pedro de Almeida Guardam-se da Torre do Tombo os preciosos inventários de tudo o que
Portugal (Palácio Fronteira),
e brasão como aparece adquiriu na Índia. Não nos esqueçamos que os vice-reis tinham que comprar,
nas peças do serviço.
(Colecção particular) do seu bolso, ou do seu vencimento, toda a mobília e equipamento do palácio
Rol de todos os géneros… onde viviam, mesmo para as cerimónias oficiais e representação directa do rei, e
embarcados por D. Pedro de Almeida
Portugal, quando do seu regresso
até o material que usavam em campanha. Assim, é natural que trouxessem o que
ao Reino, em 1751.
(Arquivo Nacional da Torre do Tombo)
tinha sido honradamente pago com o dinheiro que ganharam, ou com a sua
fortuna pessoal48. Nestas longas listagens49, já parcialmente aproveitadas pelo
Livro Relazione della conquista
delle Piazze d’Alorna…, Roma, 1748. erudito Miguel Artur Norton50, constam centenas de porcelanas. D. Pedro de
(Biblioteca Nacional de Portugal.
Lisboa) Almeida Portugal fez embarcar os seus bens, na nau Nossa Senhora das Mercês,
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 113

que partiu da Índia, para Lisboa, em 1751. Destaca-


mos as 17 grandes caixas com uma baixela azul e
branca, com frisos azuis e com as armas do nobre por-
tuguês, a que pertencia a peça que vamos analisar
seguidamente. Datam, forçosamente, de antes de
1751, do período do reinado de Qianlong da Dinastia
Qing.
É uma travessa octogonal, com 52,5 cm de com-
primento e 37 cm de largura, alongada e angulosa,
também apenas decorada a azul cobalto sob o vidrado,
sendo totalmente branca, com excepção do friso que
orna ao bordo da aba, constituído por enrolamentos
fitomórficos em cadeia, de folhagem estilizada.
Vê-se, através dos róis acima referidos, que o
fidalgo tinha vários serviços de aparato: o que tinha as
suas armas e decoração a azul ou dourada, um outro
em que se podiam ver paisagens com coelhos, e muitís-
sima outra porcelana, milhares de peças, no total, desde
jarras, mangas, simples tijelas, covilhetes, terrinas, tra-
vessas, saladeiras, pratos covos, pratos rendilhados,
pratos compridos, mais de uma dúzia de serviços de
café, com as respectivas cafeteiras, figuras em relevo,
isto é estatuetas, talhas, etc.
Os feitos de D. Pedro de Almeida Portugal tive-
ram um enorme eco, no Reino e em outros países da
Europa, levando ao aparecimento de diversas edições,
impressas em Lisboa e em Roma, desde a sua faustosa
chegada à cidade de Goa, até às campanhas contra o
Bonsuló e outros reis vizinhos. Há também diversa ico-
nografia manuscrita coeva, que mostra o movimento
das tropas e as fortificações então levantadas.
114 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING
Travessa e garrafa de porcelana
chinesa de exportação com o brasão
de D. Pedro de Almeida Portugal.
Anterior a 1751. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
116 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ RODRIGUES DE ABREU


Ou o cavaleiro professo da Ordem de Cristo, ou o Desembargador

Armas: Abreu (modernas). Escudo em cartela: de vermelho, com cinco


voos de ouro em sautor. Elmo de grades virado a três quartos para a dextra, com
mantel. Escudo de formato ovalado em cartela rococó.
Na literatura especializada, a começar pelo conde de Castro e Solla51,
este brasão é atribuido a Pedro Álvares de Abreu e Sousa, o que foi contestado
com fortíssimos argumentos por Luiz Ferros, nas notas à reedição em fac-simile
da Cerâmica Brazonada52. Estamos de acordo com as reservas postas à
atribuição tradicional, e aceitamos como boa a afirmação de que, em meados
do século xviii, em Portugal, apenas duas personalidades estavam em condições
de usar as armas dos Abreus, plenas, em chefe, curiosamente, com o mesmo
nome: o Doutor José Rodrigues de Abreu, natural da cidade de Évora, cavaleiro-
-professo da Ordem de Cristo, médico da Real Câmara, e conhecido por diver-
sas obras dadas à estampa; e um desembargador, que morava em Lisboa, numas
casas da Rua do Arco da Graça. Mas, não podemos deixar de afirmar que o
desenho do brasão e a própria decoração geral das peças nos levaram a pensar,
em determinado momento, que estávamos em presença de porcelanas feitas
para outro mercado, que não o nosso, provavelmente, para o inglês ou para o
holandês.
O citado Pedro Álvares de Abreu foi efectivamente capitão de Baçaim. Era
filho de João da Silva e Sousa, que morreu em 1699. Além da questão das datas,
sendo os Álvares Abreu descendentes de Sousa, Silva e Toledo, deveriam ter que
esquartelar as suas armas, o que aqui não acontece. Acrescenta o ilustre heral-
dista que “o uso de armas plenas de uma família, quando não se trata do chefe do
nome e armas, é indicativo de que o utente não tinha outros apelidos onde as fosse
buscar.”
Outra questão levantada é a da data, pois o ano de 1775, que é atribuído
habitualmente a este serviço, é incompatível com a idade do tal Pedro Álvares
Brasões dos Abreu (chefe)
do Livro do Armeiro-Mor de Abreu, que, mesmo nascendo no ano da morte do pai, o que só por si já é
e conforme aparece
nas peças do serviço
difícil de aceitar, teria 75 anos, pelo menos, à data da encomenda ou execução,
Prato de porcelana chinesa
o que, para o século de Setecentos, é improvável. Porém, a datação pode ser
de exportação com o brasão recuada, por comparação com a de outras peças datáveis, para a década de qua-
dos Abreu, um dos José Rodrigues
de Abreu. Cerca de 1750. Dinastia Qing, renta, mas ainda assim a questão heráldica é definitiva, para a negação da atri-
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção Particular) buição que anda nos livros mais comuns e em catálogos recentes.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 117
118 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Percorrendo o livro de David Howard e de John Ayers, China for the West,
um clássico nesta matéria, encontramos vários pratos da colecção Mottahedeh
com a mesma decoração na bordadura. Assinalem-se o n.º 362, datado pelos
autores de cerca de 1750, com a anotação de que esta tipologia se encontra
noutras espécies mais recuadas, o n.º 365, de cerca de 1740, de que há similares
no British Museum e no Victoria & Albert Museum, além de outros vendidos
pela Sotheby’s, em 1970 e 1971; e o n.º 329, com as armas dos van Herzeele,
portanto holandeses, datável de cerca de 1740. Igual a este último há um exem-
plar no Museu Histórico de Roterdão. A termos por boas estas datações, e nada
nos permite contradizer a opinião dos dois especialistas, as peças que apresen-
tamos com as armas dos Abreu podem perfeitamente ter sido encomendadas
por qualquer um dos José Rodrigues de Abreu.
O médico eborense, estudou em Coimbra, entre 1701 e 1706, sendo apro-
vada a sua formatura, a 24 de Julho de 170653. Foi autor de livros como Luz de
Cirurgiões Embarcadiços, de 1711, e Historiologia Médica, de 1732, ainda estava
vivo, em 1752. Quanto ao outro, o desembargador, que vivia na capital do Reino,
morreu antes de 1763, mas não sabemos quantos anos exactamente; suspeita-
mos que não terão sido muitos.
Luiz Ferros anota que ainda viu, cerca de duas décadas antes da edição
referida, um painel de azulejos com as armas dos Abreu, numa sala de uma casa
na Rua do Arco da Graça, o que reforça a probabilidade de estarmos em pre-
sença do encomendante do ou dos serviços em apreço. No entanto, no fim da
sua nota, diz não ser provável que estes tenham pertencido a qualquer os dois,
pois um já não vivia de certeza em 1775, e o outro, seguramente, também já
devia estar morto. No entanto, se recuarmos a datação, aceitando a que é feita
por David Howard e John Ayers, para peças com a mesma decoração, então
qualquer deles poderá ter sido o proprietário e encomendante, com a reserva – e
insistimos nisto, uma vez mais – de que estamos na presença de uma enco-
menda portuguesa e não inglesa ou de outra nacionalidade.
Existem, em Portugal, pelo menos, duas decorações distintas: a desta peça,
que é a de um prato do Museu Nacional de Arte Antiga, e de uma compoteira que
reproduzimos, e a de outro vendido pelo Palácio do Correio Velho, em Maio de
2006, e outra que é a de uma chávena com respectivo pires de uma colecção par-
ticular54. Mantenhamos, apenas por questões metodológicas e de arrumação prá-
tica, a designação de primeiro serviço, para o primeiro grupo, e de segundo serviço,
que pode ser só de chá ou café, para o da última peça. Podem datar-se do tempo
da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong, de cerca de 1750.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 119

Compoteira de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
dos Abreu, um dos José Rodrigues
de Abreu. Cerca de 1750.
Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
120 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA


(n. 1690, f. depois de 1757)
4.º marquês das Minas e 7.º conde do Prado

Armas: Sousa (do Prado). Monocromático. Escudo oval dentro de cartela,


esquartelado. I e IV, cinco pontos postos em cruz, com a bordadura carregada
de cinco peças. II e III, com leão rampante. Tem pendente a cruz da Ordem de
Cristo, tudo sob manto, com o coronel de cinco florões. Devia ser: esquertelado.
I e IV, de prata com cinco escudetes de azul postos em cruz, cada escudete car-
regado de cinco besantes do primeiro esmalte, em sautor. II e III, de prata, com
um leão de púrpura. Por timbre, o leão do escudo.
D. António Caetano de Sousa nasceu a 9 de Julho de 1690, em Lisboa,
tendo morrido, em data incerta, mas, seguramente, depois de 1757. Era filho de
D. João de Sousa e de sua mulher Francisca Madalena de Neufville, filha de
Francisco, marechal de França e duque de Villeroy. Foi senhor das vilas de
Beringel e do Prado, e de todos os títulos e honras que herdou de seu pai. Serviu
na Guerra da Sucessão de Espanha, atingindo, em 1706, o posto de coronel de
Cavalaria. Mais tarde, viria a ser mestre-de-campo-general, e conselheiro de
Guerra, por diploma datado de 10 de Março de 1757. Casou com D. Luisa de
Noronha, filha do 4.º conde dos Arcos, de quem teve geração55.
Este refrigerador de garrafas, com 19,5 cm de altura, pertence a um
serviço muito raro, do qual se conhecem poucas peças. Data do tempo do rei-
nado do imperador Qianlong da Dinastia Qing, de cerca de 1750. A peça é toda
branca, com um vidrado leitoso, e a decoração sob o mesmo, apenas a azul
vinoso.
O brasão do 4.º marquês das Minas e 7.º conde do Prado está colocado
com grande destaque, na face do refrigerador, na caldeira, assente sobre um pé
largo e inclinado para fora, também completamente branco. Como é habitual
em peças para este fim, tem duas pegas laterais, com uma parca decoração do
mesmo tipo da do friso que ocupa a zona superior da caldeira, imediatamente
Brasão dos Sousa do Prado, antes do rebordo, que é recortado. Este friso é composto por folhas de vinha
conforme está representado
nas peças do serviço
colocadas em espiral de desenho rococó. Este tipo de decoração parece ter
Refrescador de garrafas porcelana
começado a fazer-se, na China, por volta de 1730, havendo exemplares armo-
chinesa de exportação com o brasão riados, em vários países, nomeadamente, em Inglaterra56. Em Portugal, no
de D. António Caetano de Sousa.
Cerca de 1750. Dinastia Qing, entanto, não conhecemos qualquer outro. Os que existem têm decoração de
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular) esmaltes polícromos.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 121
122 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

SILVA
Arcebispo não identificado

Armas: Escudo ovalado, em forma de cartela, com decoração envolvente


de carácter vegetalista. De branco, por prata, leão cinzento e em chefe coronel
de cinco florões de ouro; coronel de nobreza com cinco florões. Chapéu eclesi-
ástico com duas séries de dez borlas por cada lado, de verde. Superiormente,
mitra e báculo próprios da dignidade de arcebispo.
As armas estão mal representadas, pois a um campo de prata não pode
corresponder um leão cinzento. Se, efectivamente, o bispo cujas armas aqui se
representam é Silva, o campo devia ser de prata e o leão de púrpura57.
A atribuição a D. frei Manuel Tavares Coutinho da Silva, bispo de Porta-
legre, foi contrariada com argumentos indiscutíveis pelo heraldista Lourenço
Correia de Matos, na obra que já citámos várias vezes, pelo que não entraremos
por esta questão, quanto a nós bem arrumada.
Apresentamos um prato recortado, com 23,3 cm de diâmetro, com esmal-
tes polícromos e a ouro, as armas do arcebispo postas na aba, ao alto, formando
uma linha axial com o magnífico e delicado ramo de flores que orna o covo.
A aba recortada é delimitada por dois círculos de enrolamentos florais, a púr-
pura ligeiramente acastanhada, com clara vinculação aos modelos coevos da
porcelana que já se fabricava na Europa. Podemos datar este prato de cerca de
1750, do período do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing.
É um prato excepcionalmente elegante, de desenho claramente europeu,
feito a partir de modelos enviados, muito provavelmente, da Inglaterra. Apenas
o grande ramo de flores central denota influência da porcelana chinesa da famí-
lia rosa. A existência de um prato permite pensar que o desconhecido prelado
encomendou um serviço, entretanto perdido.
Em época próxima, outro titular do mesmo nome, Francisco da Silva Tello
de Meneses, 6.º conde de Aveiras, mandou fazer um serviço de chá ou de café
com as mesmas armas, podendo tentar procurar-se na mesma família um pre-
Brasões dos Silva (chefe)
do Livro do Armeiro-Mor lado, que até agora ainda não foi possível identificar.
e conforme aparece no prato
reproduzido na página seguinte

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão dos Silva,
um arcebispo não identificado.
Cerca de 1750. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 123
124 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOÃO LUÍS DE MELO


VILA-LOBOS LANÇÓS
DE MAGALHÃES
(n. 1721, f. 1786)
Senhor da Casa do Antepasso em Ponte de Lima

Armas: Pereira, Lançós, Magalhães e Andrade. Escudo esquartelado.


I, cruz trilobada. II, cinco lanças postas em banda. III, três faixas xadrezadas.
Banda abocada por cabeças de serpente nas extremidades, e a legenda AVE
MARIA. Coronel de sete florões. Escudo de fantasia.
As armas estão mal representadas. As dos Pereira estão muito simplifica-
das, e os braços da cruz devem ser todos iguais. As de Lanções ou Lançós
têm efectivamente cinco lanças de prata, em banda, mas aqui estão ao con-
trário, devendo estar viradas para a direita e para o alto. As de Magalhães são
três faixas xadrezadas, de três tiras, de vermelho e de prata, e não apenas esta
simplificação58.
D. João Luís de Melo Vila-Boas Lançós de Magalhães descendia de uma
família minhota tradicional. Nasceu em 1721, e faleceu em 1786, tendo sido
capitão-mor de Ordenanças.
Este é um prato muito raro, havendo outro parecido, na colecção do Museu
Nacional de Arte Antiga, e estando publicada uma travessa também do mesmo
género59. Tem a particularidade de ter a decoração integralmente a verde e dou-
rado. O prato, com 23,5 cm de diâmetro, tem o bordo recortado, mistilíneo,
onde foi desenhada uma grinalda de folhagem e flores, de características próxi-
mas da que era comum na decoração chinesa, de meados do século xviii, apenas
avivada por pontos dourados representando frutos minúsculos. Interiormente,
há outro anel, correspondente ao início da parte côncava, com um filete corrido
e circular, depois envolvido por uma ramagem também contínua, igualmente
dotada de folhagem estilizada, com pequenos frutos arredondados de ouro. No
Brasão de D. João Luís de Melo centro, de bom tamanho, está o brasão de armas, com várias incorrecções.
Vila-Lobos Lançós de Magalhães
conforme está representado Voltando ao brasão, anote-se que, no prato aludido do Museu Nacional de
nas peças do serviço
Arte Antiga, é mais cuidado, mais conforme as leis heráldicas, sendo correcta,
Prato de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
por exemplo, a quartela dos Magalhães. Já na travessa da colecção brasileira,
de D. João Luís de Melo Vila-Lobos volta-se ao mesmo erro, e pior, a cruz dos Pereira é ainda mais simplificada, e
Lançós de Magalhães.
Cerca de 1750. Dinastia Qing, outra vez com Magalhães, como aqui se vê. Na verdade, é mais provável que
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular) estejamos na presença de uma só encomenda, de um só serviço feito muito des-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 125

plicentemente, e por maus artífices, do que na presença de dois. O esquema


decorativo é o mesmo, a execução é que difere, por anomalias, mais do que por
distinção da temática. Tem que se datar de cerca de 1750, do período do reinado
do imperador Qianlong da Dinastia Qing.
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JOSÉ ANTÓNIO FRANCISCO


LOBO DA SILVA QUARESMA
(n. 1698, f. 1773)
10.º barão e 1.º marquês de Alvito, 3.º conde de Oriola

Armas: Escudo de prata, com cinco lobos passantes de negro, lampassados


de vermelho, postos em sautor. Timbre, um dos lobos do escudo60. Neste prato,
os esmaltes estão errados: escudo de bico, de prata oxidada, cinco lobos de
negro passantes, bordadura de azul carregada de oito aspas de ouro. Coronel de
sete florões aparentes.
Os barões de Alvito descendem todos do Dr. João Fernandes da
Silveira, que, depois de receber o título, criado por D. Afonso V, em 27 de
Abril de 1475, se passou a intitular apenas D. João da Silveira, cuja morte
ocorreu em 1484. Teve dos mais altos cargos da Corte de D. Afonso V, sendo
regedor das Justiças do Reino, vedor da Fazenda e escrivão da puridade do
monarca.
D. José António Francisco Lobo da Silva Quaresma nasceu a 3 de Junho
de 1698, e veio a falecer a 1 de Março de 1773. Recentemente, dois autores
corrigiram a atribuição feita pelo conde de Castro e Solla deste prato, e das
peças de um outro serviço, a D. José António Plácido, pois o 12.º barão de Alvito
nasceu em 1769, e morreu já em 1844, não sendo portanto possível que estas
obras sejam feitas no seu tempo61. D. José António Francisco, 10.º barão e 1.º
marquês de Alvito, foi marechal do Exército, conselheiro de Estado, vedor da
Fazenda da Repartição de África, gentil-homem de câmara do rei D. José I, e
presidente do Senado de Lisboa. Teve as comendas de São Salvador de Santa-
rém e da Represa, ambas na Ordem de Santiago, e de São Martinho de Ruivães
e de Santiago de Adeganha na Ordem de Cristo. Casou com D. Teresa de Assis
Mascarenhas, filha do 2.º conde de Óbidos. Foi elevado a marquês, por portaria
de 4 de Junho de 1766, passada por D. José I62.
A este serviço pertence um refrescador de garrafas, com 20,5 cm de
altura mas as cores do brasão estão alteradas, sendo o escudo branco, por prata,
com os cinco lobos de prata ou cinzentos por prata, em sautor.
A bordadura é de azul carregada de oito aspas de ouro. Coronel de
sete florões aparentes. Tem a mesma decoração na borda recortada, uma fita
Brasão dos Lobo (chefe)
do Livro do Armeiro-Mor, ondeante verde, formando nós a espaços, com um ponto vermelho entre
e conforme aparece no serviço
estudado laços.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 127

De um outro serviço foi divulgados um prato recortado, essencialmente,


Refrescador de garrafas
em branco leitoso com vidrado tranlúcido. O brasão é todo em azul e prata, com de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
erros nos esmaltes e no coronel de nobreza. Na aba, há uma fita ondeante verde, de José António Francisco Lobo
da Silva Quaresma.
formando nós a espaços63. Têm ambos os serviços que se datar de cerca de 1745 Cerca de 1745 a 1750. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong.
a 1750, do período do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing. (Colecção particular)
128 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ PIRES CARVALHO


E ALBUQUERQUE
(n. 1701, f. ?)
Fidalgo-cavaleiro da Casa-Real, secretário de Estado do Brasil

Armas: Albuquerque, Carvalho, Deus-Dará e Cavalcanti. Escudo em


cartela esquartelado. I, esquartelado: 1.º e 4.º cinco escudetes em aspa,
com bordadura de vermelho, carregada de oito castelos. 2.º e 3.º de vermelho,
com flores-de-lis a ouro. II, de azul com caderna de meias-luas brancas,
contendo estrelas de oito pontas sobre fundo azul. III, de branco, dois braços
moventes dos cantões superiores; bordadura de verde com a legenda
DEUS DARA a ouro. IV, de vermelho com besantes de oiro; chaveirão de
azul faixado de cinzento. O elmo aberto, e em timbre, uma pomba, onde
deveria ter sido desenhado um cisne. Armas com algumas simplificações
e fantasias.
José Pires de Carvalho e Albuquerque foi mais um filho de brasileiros enri-
quecidos com o comércio e a agro-pecuária que resolveu dar lustro ao nome,
encomendando um serviço na China. Nasceu na cidade de Salvador da Bahía
de Todos-os-Santos, em 1701, e estudou em Coimbra, desde 1729, alcançando
o grau de bacharel em Cânones, em 12 de Junho de 1733, e de licenciado, em
29 de Julho do ano seguinte. Era filho de Salvador Pires de Carvalho e Albu-
querque, que foi alcaide-mor da Bahía, e ele também acabou por ser fidalgo da
Casa-Real, alcaide-mor de Maragogipe, cavaleiro da Ordem de Cristo, secretá-
rio de Estado do Brasil, e censor da Academia Brasílica dos Esquecidos. Distin-
guiu-se também como poeta64.
Apresentamos um belíssimo covilhete recortado, apenas com 16,5 cm de
comprimento e 13 cm de largura, com uma decoração preciosa e delicada, avul-
tando ao centro as armas do fidalgo baiano. É decorado com uma paleta de
esmaltes a verde, azul, vermelho e ouro e ouro acastanhado, sob vidrado fino e
leitoso. No centro, está o brasão, em fundo branco, sendo o covo circundado por
uma grinalda contínua, cujo traçado é definido por uma corda de ouro, mar-
cando o início da aba. Nesta, na parte exterior, há uma linha verde, confor-
Brasão de José Pires Carvalho
de Albuquerque, conforme aparece
mando folhagem, dentro da qual duas linhas ondeantes e que se entrecruzam,
no serviço estudado, e processo alternando a curvatura, formadas por folhas e flores, uma em tons de rosa e
de habilitação do filho, António
Joaquim Pires de Carvalho outra com a polícromia típica da família rosa, com verde, vermelho e amarelo.
e Albuquerque
(Arquivo Nacional da Torre do Tombo) O covilhete, que faz parte de um serviço de que há peças no Museu Nacional de
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 129

Arte Antiga, pode ser datado de cerca de 1745-1750, do tempo do reinado do


imperador Qianlong da Dinastia Qing.
É possível que a encomenda tenha sido feita, quando ocupava o alto cargo
no Governo brasileiro, e tinha assim grandes facilidades nos contactos com
os navios que faziam o trajecto entre Macau e Lisboa, aportando também no
Brasil.
Guarda-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo o processo de habili-
tação do filho, António Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, datado de 4 Covilhete de porcelana chinesa
de Agosto de 1788, com imensas informações sobre este comerciante e toda a de exportação com o brasão de José
Pires Carvalho de Albuquerque.
sua família. Cerca de 1745 a 1750. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
130 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

MANUEL DE SALDANHA
E ALBUQUERQUE
(n. c. 1710 ?, f. 1771)
1.º conde da Ega

Armas: Albuquerque e Saldanha. Escudo em cartela, terçado em pala.


I, cortado das Armas do Reino, sobre cinco flores-de-lis de ouro, em campo
vermelho. II, também cortado, das referidas cinco flores-de-lis sobre as Armas
do Reino, formando estas duas palas o brasão dos Albuquerque. III, uma torre
de prata com catavento no remate, em campo vermelho. Timbre: sobre a coroa
de conde, o dos Saldanha antigo, com águia nascente de negro com uma chave
de ouro no bico65. Luiz Ferros notou que sendo a varonia do 1.º conde da Ega,
Saldanha, deviam ser as armas desta família a ocupar a 1.ª pala do partido, mas
como as armas dos Albuquerque são esquarteladas com outras armas do Reino
têm, de acordo com o regimento de armaria, o privilégio de precedência sobre
quaisquer outras e, deste modo, ocupar efectivamente a 1.ª pala. Para ressalvar
que os Saldanha são a linha principal, é o seu timbre que aparece66.
Manuel de Saldanha e Albuquerque era filho de Aires de Saldanha e
Albuquerque, que foi capitão-general do Rio de Janeiro, e de sua mulher,
D. Leonor Moscoso, dama do Paço, filha de D. João de Mascarenhas, 5.º conde
de Santa Cruz. Nasceu nos primeiros anos do século xviii e faleceu a 16 de
Dezembro de 1771. Teve uma brilhantíssima folha de serviço, até ser despa-
chado para Goa, como vice-rei da Índia. Manuel de Saldanha e Albuquerque foi
coronel e brigadeiro de Infantaria, membro do Conselho del-Rei, alcaide-mor
de Soure e de Guimarães, comendador de Lagares, de Santa Maria de Saba-
cheira, de São Tomé de Alencarce, em Soure, de São Salvador de Elvas e de São
João de Coucieiro, todas na Ordem de Cristo, e ainda morgado da Junqueira,
onde faria o palácio da família.
Em 1754, foi nomeado governador da Madeira, para onde levou a família,
e onde ficou até 1758, sendo a 10 de Março desse ano, enviado como 74.º
governador e 47.º vice-rei do Estado Português da Índia, pelo rei D. José I; nessa
altura foi elevado a conde de Ega.
Ficou lá até 1765, tendo que enfrentar problemas complicadíssimos, desde
a beligerância dos maratas, até à extinção da Companhia de Jesus, prisão e envio
Brasão de Manuel de Saldanha para o Reino dos respectivos religiosos, além do arresto dos seus bens. A paz
e Albuquerque, conforme aparece
no serviço estudado com os maratas foi vantajosa, conseguindo a detruição da fortaleza de Pondá,
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 131

demasiadamente próxima da Ilha de Tiswadi, instalando o palácio em Pangim,


numa zona mais propícia à defesa, caso houvesse novos levantamentos, e devido
ao despovoamento de Velha Goa, com a completa destruturação do que restava
da velha capital, com a bárbara mutilação a que correspondeu o fim dos colégios
de São Paulo-Velho, São Paulo-Novo, Casa Professa do Bom-Jesus, etc.
Foi a passagem para o palácio do Governo, em Pangim, o motivo para a
perseguição que o marquês de Pombal lhe moveu, e que, como a Justiça viria a
provar, tarde de mais já para o 1.º conde da Ega, era apenas uma tramóia,
para aniquilar os grandes do Reino. Na verdade, por razões de defesa e, também
para se situar no novo centro, Saldanha mudou-se para onde ainda hoje é hoje
a sede administrativa do Estado de Goa. A origem deste edifício é o palácio do
Adil-Kahn, conquistado por D. António de Noronha, em 15 de Fevereiro de
1510. Era aqui que os vice-reis que entravam em Goa esperavam que os seus Manteigueira de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
antecessores saissem, dado que o protocolo mandava que não se encontrassem, de Manuel de Saldanha e Albuquerque.
Cerca de 1759
e era sempre necessário preparar as grandes festividades que a ocasião recla- a 1764. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
mava. Teve, depois, funções essencialmente defensivas, sendo apenas, em 1 de (Colecção particular)
132 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Dezembro de 1759, transformado em residência oficial dos vice-reis. Foi então


que Manuel de Saldanha e Albuquerque mandou colocar, sobre a porta nobre
que está virada ao Rio Mandovi, a seguinte inscrição:

REGE FIDELISSIMO JOSEPHO PRIMO PRO


REGE COMITE AB EGA SENATUS
EX INFORMI FORMAVIT 1760.

O edifício recebeu profundas reformas, para o adaptar à dignidade da nova


função, nomeadamente, reconstruindo capela da invocação de Nossa Senhora
da Conceição, onde foi aposto o milésimo de 176067. Foram estas obras que
terão custado demasiado dinheiro, que serviram de motivo à prisão do conde da
Ega, mal chegou ao Tejo, a bordo da nau Nossa Senhora de Brotas, indo ime-
diatamente a ferros, para a fortaleza do Outão, só sendo solto três anos depois,
cego e em precário estado de saúde. Mesmo após a sua morte, em 27 de Dezem-
bro de 1768, a sua viúva, D. Ludovina de Almada, pugnou pela inocência do
Palácio do Governo em Pangim,
onde viveu o vice-rei Manuel marido, que veio a conseguir, por acordão da Relação de Lisboa, a 26 de Janeiro
de Saldanha e Albuquerque,
e retrato seu (Colecção particular) de 1779, ainda em tempo do governo do famigerado marquês de Pombal.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 133

As armas de Manuel de Saldanha e Albuquerque aparecem em várias


peças de um serviço que anda disperso, e que tem sido datado, por questões
formais, de cerca de 1760. Mandaria a lógica dá-lo como feito, durante a pre-
sença do ilustríssimo conde da Ega, em Goa, o que era, aliás, prática comum,
ficando assim, como anos limites, 1759 e 1764. É possível que assim tenha sido,
mas também acreditamos que a família só tenha tido acesso a ele, já depois da
morte do vice-rei e da sua reabilitação, por força da sentença da Relação de
Lisboa. Conhecemos terrinas, pratos, um refrescador de garrafas, mas vamos
fixar a nossa atenção numa raríssima e preciosa manteigueira. A decoração é
muito simples, apenas um friso na parte superior do contentor, junto do bordo,
formado por uma longa fita ondulante verde, que alterna em sentido inverso
com uma segunda, significativamente mais fina, ficando, na zona de encontro de
ambas, pequenos ramos de folhas delicadas, tudo a prata acinzentada. Na face
perpendicular, ao centro do corpo ovalado, está o brasão de Manuel de Salda-
nha e Albuquerque, tal como acima o descrevemos.
Palácio dos condes da Ega,
Relembramos a nossa proposta de datação, 1759 e 1764, do período do em Lisboa, morada da família
de Manuel de Saldanha
imperador Qianlong da Dinastia Qing. e Albuquerque
134 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. FRANCISCO DA SILVA TELLO


DE MENESES
(n. 1723, f. 1808)
6.º conde de Aveiras, 1.º marquês de Vagos

Armas: escudo ovalado, de branco leão rampante sanguinho, acompa-


nhado de dois ramos de silva postos em orla, com os pés passados em aspa.
Coronel de cinco pérolas.
D. Francisco da Silva Tello de Meneses nasceu a 1 de Janeiro de 1723 e
faleceu, no Brasil, a 5 de Janeiro de 1808. Era filho de D. Duarte António da
Câmara, 2.º filho dos condes da Ribeira Grande, e de D. Inês Joaquina da Silva
Tello de Meneses, 5.º condessa de Aveiras. Casou com D. Bárbara Xavier Mécia
da Gama, filha do 4.º marquês de Nisa.
Assentou praça no Regimento de Artilharia 16, em Aveiras, em 1740, e foi
promovido a capitão em 1754, chegando a marechal-de-campo em 1768. Foi do
Conselho de Guerra, mordomo-mor da princesa D. Maria Benedita, tenente-
-general e governador-de-armas da Corte e da província do Alentejo68. Herdou
a Comenda de São Francisco de Ponte de Sôr, além das de Vagos e Aveiras.
O título de marquês de Vagos foi-lhe concedido por carta de 2 de Dezembro
de 1802.
Deve ter encomendado dois serviços, provavelmente apenas de café ou
café e chá, já que só conhecemos cafeteiras, como a que escolhemos, que per-
tence ao acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, datável de cerca de 1760-
-1770, do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing. As diferenças do
ponto de vista do modelo são mínimas, apenas nas asas, mas há variantes assi-
naláveis na decoração. Esta é mais simples, com o escudo de armas dos Silva,
que descrevemos, envolto numa grande oval, e o mesmo tipo de delicada deco-
ração no alto do gargalo e na tampa com a respectiva pega. Quer o bico quer a
asa de ambas são relevadas e, na ligação ao corpo, há também delicados relevos,
nesta com decoração a ouro, igual ao que acontece com o bico. A cafeteira do
serviço que é tido como sendo o segundo, tem a tampa e o gargalo mais decora-
dos, do tipo da família verde, e o escudo é distinto, muito próximo de armas
usadas pelas famílias inglesas.

Brasão de D. Francisco da Silva Tello


de Meneses, conforme aparece
no serviço estudado
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 135

Leiteira de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Francisco da Silva Tello
de Meneses. Cerca de 1760
a 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong (Museu
Nacional de Arte Antiga)
136 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

PEDRO JOSÉ XAVIER


DA SILVA BOTELHO
(n. 1736, f. 1795)
Mestre-de-campo dos Rios de Sena

Armas: Botelho, Lemos e Silva. Escudo em cartela de fantasia, esquarte-


lado. I, de ouro com quatro bandas de vermelho, armadas de prata, postas em
roquete e atadas de ouro. II, de vermelho com cinco cadernas de crescentes de
ouro, postas em sautor. III e IV, de prata, com um leão de púrpura, armado e
lampassado de vermelho ou de azul. O timbre é o dos Botelho. As armas estão
mal desenhadas, e os esmaltes têm também várias incorrecções.
Castro e Solla admite que no II, sejam as armas dos Galhardo69, mas não
vemos razão para não aceitarmos que são igualmente Silva, o que é estranho,
embora o sexto avô de Pedro José Xavier da Silva Botelho seja um Galhardo,
concretamente, João Botelho Galhardo. Neste caso, a posição da fera estaria
incorrecta, e não seria um leão, mas sim um leopardo passante de ouro.
Pedro José Xavier da Silva Botelho era filho natural de Pedro José da Silva
Botelho, conselheiro do Ultramar, e porteiro-de-câmara do rei D. José I, e de
uma mulher do povo, de nome Teresa. A posição do pai, com claro peso nos
negócios ultramarinos, valeu-lhe a nomeação para o posto importante de mes-
tre-de-campo dos Rios de Sena e de alcaide-mor de Tete, as duas mais populo-
sas vilas da Zambézia, onde se realizavam feiras de grande relevo para o
comércio regional, e onde tivemos as mais importantes fortificações de todo o
interior de Moçambique, no século xviii.
Apresentamos aqui um raríssimo frasco de chá, com o brasão a ocupar toda
a face anterior, com pequenos ramos vegetais lateralmente, a ouro acastanhado,
e uma orla em motivos rococó entrelaçados, em torno do pequeno gargalo, na
mesma tonalidade. A tampa, tem o mesmo tipo de decoração, em ouro acasta-
nhado, com motivos vegetalistas. Anote-se a excelência do pé, com relevo de
enrolamentos, um motivo que não é comum nas peças de encomenda europeias.
Luiz Ferros, nas notas à obra de Castro e Solla, diz que a generalidade
destas peças deve ter desaparecido num incêndio, ocorrido em casa do
Dr. Francisco de Assis de Magalhães e Meneses, que era também proprietário
do covilhete reproduzido no livro citado Ceramica Brazonada. Como nos faltam
Brasão de Pedro Xavier da Silva outros elementos, propomos, como data possível da encomenda, um ano pró-
Botelho, conforme aparece
no serviço estudado ximo, mas certamente posterior a 1770, não sendo provável que 1755 seja pos-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 137

sível, quando Pedro José Xavier da Silva Botelho tinha apenas dezanove anos.
Só depois de firmados os seus méritos, em Moçambique, e ter angariado meios
de fortuna, é que terá feito a encomenda das peças com a sua heráldica, sendo
certo que recebeu carta de brasão-de-armas. Temos, assim, mais uma obra do
período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong.

Pote ou frasco de chá de porcelana


chinesa de exportação com o brasão
de Pedro Xavier da Silva Botelho.
Cerca de 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
138 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. JOSÉ MIGUEL JOÃO


DE PORTUGAL E CASTRO
(n. 1706, f. 1775)
3.º marquês de Valença e 9.º conde de Vimioso

Armas: escudo de formato de fantasia em cartela, partido. I, de prata, aspa


de vermelho carregada de cinco escudetes com Armas do Reino, alternados
com quatro cruzes de prata. II, de prata, treze arruelas de azul. Timbre: um
cavalo sainte de prata, bridado a vermelho, ferido de três lanças no pescoço.
Coronel de marquês.
D. José Miguel João de Portugal e Castro nasceu a 23 de Dezembro de
1706 e veio a falecer a 23 de Julho de 1775. Era filho de D. Francisco de Paula
Portugal e Castro, que por sua vez era filho natural, mas legitimado, do 7.º
conde de Vimioso, e de D. Francisca Rosa de Meneses Coutinho. Foi 3.º mar-
quês de Valença e 9.º conde de Vimioso, e ocupou altos cargos palatinos, tendo
sido membro do Conselho do Rei, presidente da Mesa da Consciência e Ordens
e deputado da Junta dos Três Estados.
Foi membro da Real Academia da História e autor de diversos livros. Veio
a desposar D. Luisa de Lorena, filha do 3.º marquês do Alegrete. Esta família
descendia, por linha de varonia, do 1.º duque de Bragança, D. Afonso, filho
natural do rei D. João I. Habitualmente usavam o brasão dos Bragança, mas
usaram também as armas dos Castro, após terem herdado a Casa de Basto, que
possuia um belíssimo palácio em Évora, na geração do 2.º marquês, de sua tia
D. Joana de Castro70.
Apresentamos uma molheira, com 21,6 cm de comprimento, decorada
com esmaltes polícromos e ouro sob o vidrado muito fino, idêntica a outra que
se conserva nas colecções do Museu Nacional de Arte Antiga. Pode datar-se de
cerca de 1770, do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing, e o seu cen-
tro de fabrico deverá ser a Província de Jiangxi.
Esta molheira da família rosa tem formato ovalado, com o rebordo recor-
tado e ponteagudo. A pega é no tradicional formato comummente designado de
orelha, e opostamente há um recorte mais fundo, para dar funcionalidade ao
bico, o pé alarga para a base.
Na face, ostenta o brasão de D. José Miguel João de Portugal e Castro, tal
Retrato de D. José Miguel João
de Portugal e Castro. Gravura. como já o descrevemos, enquadrado numa cercadura castanho-avermelhado e
(Biblioteca Nacional de Portugal.
Lisboa) ouro, com espirais semi-circulares de onde caiem flores e outros elementos, por
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 139

baixo de uma faixa verde que marca todo o bordo. No interior da aba, há uma
cercadura a ouro, com uma linha de entrelaçado de bambú com pequenas flores.
A existência desta molheira prova a encomenda de um serviço de jantar,
embora sejam raríssimas as peças que se conhecem em colecções públicas ou
privadas, ou que tenham sido alvo de venda nas leiloeiras nacionais e estrangei-
ras mais conceituadas, pelo menos que nós conheçamos. No entanto, com o que Molheira de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
aprensentamos, não nos ficam muitas dúvidas. de D. José Miguel João de Portugal e
Castro. Cerca de 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
140 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO JOAQUIM
DA COSTA CORTE-REAL
(n. cerca de 1735, f. 1814)
Desembargador da Relação da Baía

Armas: Corte-Real. Escudo em cartela, em chefe, de vermelho, seis costas


de prata postas em faixa, em duas palas, e uma lança no meio, com uma ban-
deira também de prata. Chefe de prata, carregado de cruz do primeiro esmalte,
solta nos flancos. Elmo aberto guarnecido de ouro. Timbre formado por um
braço armado, de prata guarnecido de ouro, empunhando uma lança e uma
bandeira. Apresenra algumas simplificações e fantasias.
António Joaquim da Costa Corte-Real, filho de Francisco Costa Corte-
-Real, nasceu, entre 1730 e 1737, em Lisboa, na freguesia de São João da Praça,
e veio a falecer, em Fornos de Algodres, a 28 de Março de 1814. Frequentou a
Universidade de Coimbra, onde obteve o grau de bacharel em Cânones, em
1758, e a formatura, em 1759.
Seguiu a carreira jurídica, desempemhando funções de escrivão encartado
da Ouvidoria e Corregedoria-Mor de Linhares, e depois, foi juíz-de-fora, em
Valença, e na cidade da Guarda. Posteriormente ascendeu a cargos mais impor-
tantes, como o de desembargador da Relação da Bahía, em 1782, e ainda desem-
bargador da Relação da Índia e da Relação do Porto, este já em 1794. Em 1804,
ainda foi nomeado para a Casa da Suplicação de Lisboa, cargo que ocupou até
morrer71.
Pensamos que este serviço deve ter sido encomendado, enquanto se encon-
trava, em Goa, dada a facilidade e rapidez de contactos com Macau, portanto, no
final da década de oitenta do século xviii. Mas, esta é apenas uma hipótese, pois
pode também tê-lo sido, em Salvador da Bahía, onde estas encomendas eram
quase uma obrigação, para as pessoas gradas ou endinheiradas da Capitania, e
mesmo, depois do seu regresso ao Reino, dado que viveu tempo mais do que sufi-
ciente para isso. Pelo estilo do serviço, pouco podemos adiantar, já que esta deco-
ração era relativamente comum, e parece-nos que se manteve por várias décadas.
Diga-se também que as suas armas, tal como aparecem neste prato, e nas
outras peças conhecidas do mesmo serviço, têm algumas pequenas incorreções,
como a existência de duas lanças em vez de uma, e a bandeira, que deveria ser
de duas pontas. O facto de aparecerem as armas dos Costa justifica-se pelo facto
Brasão dos Corte-Real do Livro de os Corte-Real o serem por varonia, armas que ficaram definitivamente esta-
do Armeiro-Mor, e conforme
aparece no serviço estudado belecidas, em tempo de D. João III72.
O serviço a que pertence tem um desenho totalmente europeu, fortemente
influenciado pela estética coeva alemã.
Os pratos ostentam as armas de família, a ocupar parte do bordo e parte
do fundo, a cortar um anel formado por uma cadeia de aros policromos. A bor-
dadura é recortada, de desenho alternante de curvas mais abertas e de outras
mais fechadas, com cercadura a ouro. Cinco pequenos mas graciosos ramos de
flores ocupam o resto do bordo, deixado livre pelo brasão, enquanto no meio
dos pratos foram pintados ramos florais de maiores dimensões, com várias espé-
cies botânicas de feição europeia e de diversas cores. Os esmaltes são da família
rosa e ouro, e com uma variada policromia.
Estas peças, bem como as várias do mesmo serviço, que pertencem a
outras colecções e instituições como o Centro Cultural de Macau e o Museu do
Oriente, ambas em Lisboa, podem datar-se de cerca de 1770, do período da
Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong.
Prato de porcelana chinesa
A decoração deste belíssimo serviço é, fundamentalmente, europeia, exis- de exportação com o brasão
de António Joaquim da Costa
tindo noutros países diversos que não se afastam muito deste, no que respeita Corte-Real. Cerca de 1770. Dinastia
Qing, reinado do imperador Qianlong
aos ornamentos e à paleta dos esmaltes. (Colecção particular)
142 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO DE SOUSA FALCÃO


DE SALDANHA COUTINHO
Moço-fidalgo da Casa Real

Armas: Sousa (do Prado), Coutinho, Falcão, Figueiredo e sobre-o-todo


Saldanha. Escudo em bico: de branco, tendo em abismo quadrado de vermelho
com torre cinzenta, iluminada de azul. Acantonados quatro quadrados.
I, esquartelado: 1.º e 4.º de prata, com cinco escudetes de azul em sautor, cada
um carregado de besantes de negro. 2.º e 3.º, de prata, com um leão dourado,
linguado de vermelho e voltado para a sinistra. II, de ouro, cinco estrelas de ver-
melho, de cinco pontas, postas em sautor. III, de azul, três bordões de peregrino
de prata, maçanetados, com nós de vermelho, e aqueles postos em pala e dispos-
tos em faixa. IV, de vermelho, cinco folhas de figueira, nervadas e perfiladas a
ouro. Sobre-o-todo, o brasão dos Saldanha, de vermelho, torre de prata. Coroa
de cinco florões, de fantasia, próxima da coroa ducal. Timbre sobre a coroa, com
o falcão de sua cor, segurando um dos bordões com o bico e a garra dextra.
António de Sousa Falcão de Saldanha Coutinho era filho de João António
de Sousa Falcão Coutinho e Figueiredo, que foi governador da Ilha de Santa
Catarina, no Brasil, em 1760, e de sua mulher, D. Joana de Saldanha. Nasceu
Brasão conforme aparece no serviço em São Domingos de Rana, e teve foro de moço-fidalgo da Casa Real. A sua
estudado.
família ascendia a um dos membros da comitiva da rainha D. Filipa de Lencas-
Fortaleza de Anhatomirim,
em Santa Catarina, no Sul do Brasil,
tre, John Falconet, que ficou radicado em Portugal, alterando o nome para
de que António Joaquim da Costa Falcão, logo na geração seguinte.
Corte-Real foi governador.
As armas que ostentam estas
peças têm algumas irregularidades,
nomeadamente, nas dos Saldanha,
mas também nos Sousa do Prado, e a
cruz vermelha e branca que deve
cobrir a divisão do escudo, uma vez
mais dificuldades de interpretação e
também de fidelidade aos esmaltes.
Esta encomenda de porcelana
chinesa de exportação com decoração
à europeia pode datar-se de cerca de
1770, do período da Dinastia Qing e
do reinado do imperador Qianlong.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 143

Prato recortado de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de brasão de António Joaquim
da Costa Corte-Real.
Cerca de 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
144 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

SEBASTIÃO XAVIER
DA GAMA LOBO
(n. ?, f. 1786)
Senhor da Quinta do Vale do Grou, no Seixal

Armas: Gama e Lobo. Escudo em cartela, partido. I, enxaquetado, de três


peças em faixa, e cinco em pala. II, de prata com cinco lobos passantes de negro,
armados e linguados de vermelho. Coronel de cinco florões. Como timbre, uma
gama de ouro.
Sebastião Xavier da Gama Lobo era filho de Fernando José da Gama
Lobo e de sua mulher D. Antónia Maria de Sousa e Mexia, nasceu em Lisboa,
na freguesia de Santa Justa, vivendo na Rua da Atalaia. Casou em primeiras
núpcias com D. Antónia Luisa de Zuniga Vilhena e Meneses, de Penedono, em
1759; e depois de enviuvar desta senhora, com D. Ana Leonor Salema de Sousa
Meneses e Saldanha, de Alverca. Foi fidalgo-cavaleiro da Casa Real; comenda-
dor de São Pedro de Trancoso, na Ordem de Cristo, e escrivão da Fazenda. Foi
admitido como familiar do Santo Ofício, em 1750; faleceu em 178673.
O serviço a que pertencem estas duas peças é um dos raros que se encon-
tra documentado, e que se pode datar com segurança. Foi encomendado,
expressamente, ao governador de Macau, o seu tio, Diogo Fernandes Salema
Saldanha, que esteve nesse cargo, entre 1767 e 1770 e, depois, novamente, entre
1771 e 1777. O arquivo da família Lobo Salema ainda conservará documenta-
ção que comprovava a sua chegada ao Reino, em 1770, portanto, quando do seu
primeiro regresso74, durante o período da Dinastia Qing e do reinado do impe-
rador Qianlong
Os pratos são oitavados, têm um diâmetro de 22,5 cm, e uma decoração
feita à base de esmaltes em tons de lilás, vermelho ferrugem e prata, do tipo
família rosa, tendo ao centro o brasão de armas, e na aba, um belíssimo friso de
grinaldas com flores vermelhas, lilás e folhagem verde, colando aos vértices por
uma só flor, aí se conformando a decoração essencial do bordo, uma faixa con-
tínua de pérolas e escamas vermelhas sangue.

Brasão de Sebastião Xavier da Gama


Lobo conforme aparece no serviço
estudado. Na página seguinte, conjunto
de peças de porcelana chinesa de
exportação. 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 145
146 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ SEABRA DA SILVA


(n. 1732, f. 1818)
Ministro de D. José I e de D. Maria I

Armas: Seabra e Silva. Escudo oval, partido. I, de vermelho, dois leões


afrontados de ouro, em chefe coroa de ouro, e bordadura de prata, carregada de
uma cadeia de preto. II, de prata, com leão linguado de vermelho. Coronel de
nove pérolas.
José Seabra da Silva nasceu, em Vilela, nos arredores de Coimbra, em
1732, e faleceu em 1813. Era filho do desembargador Lucas Seabra da Silva,
que foi membro do Conselho de D. João V e de D. José I, e de D. Josefa de
Morais Ferraz.
Em 19 de Abril de 1751, apenas com dezanove anos de idade, foi bacharel
em Leis, pela Universidade de Coimbra. Estabeleceu-se no Porto, mas foi cha-
mado pelo marquês de Pombal, que o fez seu adjunto de Estado. Em 1765, foi
nomeado procurador da Coroa.
Foi fidalgo-cavaleiro da Casa Real, fiscal da Companhia do Grão-Pará e
Maranhão, chegando a ministro-adjunto de Sebastião José de Carvalho e Melo.
Em 1760, foi nomeado executor da Real Fazenda da rainha D. Maria Ana Vitó-
ria. Foi o fundador da Biblioteca Pública e da Junta Directora dos Estudos e
desempenhou também as funções de guarda-mor da Torre do Tombo, em 1766.
A 3 de Junho de 1771, foi elevado ao cargo de ministro de Estado-Adjunto do
marquês de Pombal.
Esteve três anos em funções, mas caíu em desgraça, por motivos ainda mal
explicados. D. José I desterrou-o, primeiro, para Vale de Besteiros e, depois,
prendeu-o, no castelo de São João da Foz do Douro, indo daí para o Rio de
Janeiro, onde esteve na Ilha das Cobras. Mas, a sua desdita não terminou aqui.
Foi mandado para Angola, onde chegou, a 1 de Março de 1755, desterrado de
imediato, para o presídio de Pedras Negras
José Seabra da Silva foi reabilitado, sendo protegido pela rainha D. Maria
I, e aclamado quando da sua chegada a Lisboa, voltando a ter uma vida activa
do maior relevo cultural e político, e alcançando o cargo de ministro do Reino.
Foi dos artífices da chegada ao poder do príncipe-regente D. João, em 1792, por
incapacidade manifestada pela rainha D. Maria I, a quem tanto devia. Apesar da
sua carreira cheia de incidentes, foi indiscutivelmente uma das personalidades
Retrato de José Seabra da Silva.
Gravura colorida (colecção particular), mais marcantes de Portugal da segunda metade do século xviii e do início do
e o seu brasão conforme aparece
no serviço estudado. século xix.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 147

Desde logo, devemos anotar algumas incorrecções nas armas, quer nas
cores, quer mesmo no desenho, mas são pequenos erros, devido à usual dificul-
dade dos artífices chineses perceberem os modelos e, menos ainda, as nossas
regras heráldicas. Também o coronel de conde poderá ser mal compreendido,
mas é um facto que José Seabra da Silva tinha direito a usá-lo, pois, desde o
tempo de D. João V, que os ministros-secretários de Estado tinham direito ao
tratamento de Excelência, equivalente às honras de grandeza do Reino e, daí
que podessem por no seu brasão a coroa de conde.
Todas estas peças parecem pertencer a um mesmo serviço, de matriz euro-
peia, como dissemos, de desenho fino e muito delicado, com a aposição do
brasão igualmente discreta, datável de cerca de 1770, do período da Dinastia
Qing e, mais concretamente, do reinado do imperador Qianlong. Refrescador de garrafa
e floreira de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
de brasão de José Seabra da Silva.
Cerca de 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular).
148 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ CORREIA DE MELO


E BRITO DE ALVIM
Fidalgo da Casa-Real

Armas: Correia, Brito, Melo e Alvim (mal representadas). Escudo esquar-


telado. I, de branco, fretado de vermelho de sete peças, realçado a ouro. II, de
vermelho, de nove lisonjas de prata, cada lisonja carregada com leão vermelho.
III, de vermelho, dobre-cruz de prata com seis besantes. IV, de azul com seis
flores-de-lis de ouro.
D. José era irmão do bispo de Portalegre D. frei Pedro de Melo Brito da
Silveira e Alvim, e filho de Lourenço Correia de Brito da Silveira, também
senhor dos morgados de Alpões, de Sinde e da Carreira, e de D. Teresa Clara de
Melo, herdeira da Casa da Carreira, em Viana do Minho. Julgamos que terá
nascido em Coimbra75.
Esta taça e respectivo pires devem pertencer a um serviço de chá ou café
e chocolate. Conhecemos peças de outro tipo e com uma decoração muito
parecida, o que parece indicar que também terá existido um serviço de jantar,
encomendado na mesma altura e desenhado pelo mesmo artista.
O pires tem 14,5 cm de diâmetro, e a taça 5,5 cm de altura e 9,3 cm de
diâmetro. Pode datar-se de cerca de 1770, do período da Dinastia Qing e do
reinado do imperador Qianlong.
A decoração é cuidada, mas muito simples, em que a principal peça orna-
mental e de verdadeiro aparato é o próprio brasão. As bordas são debruadas por
um filete polícromo, com uma espinha contínua entre duas linhas vermelho
ferrugem, tendo o prato, interiormente, uma tarja ondulante que se conjuga
com outro filete redondo, a demarcar o limite da aba, este formado por peque-
nas flores estilizadas, amarelas e violeta.
Esta peça não é muito original, havendo várias parecidas, quer pertencen-
tes a serviços de café ou chá encomendados por portugueses, quer por estran-
geiros, sobretudo ingleses. Parece que nas olarias chinesas desta época, pouco
mais se modificava do que o brasão do encomendante.

Brasão de José Correia de Melo


e Brito e Alvim conforme aparece
no serviço estudado
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 149

Taça e pires porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de brasão de José Correia de Melo
e Brito e Alvim. Cerca de 1770.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Qianlong
(Colecção particular)
150 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. DIOGO JOSÉ VITO


DE MENESES NORONHA
COUTINHO
(n. 1739, f. 1803)
5.º marquês de Marialva e 7.º conde de Cantanhede

Armas: Portugal, Albuquerque (antigas), Noronha (de Gijon) e Coutinho.


Conhecem-se peças brasonadas de encomenda do 5.º marquês de Marialva com
dois brasões distintos, pois, de facto, usou-os. Num caso, esquartelado, só com
Meneses, em I e IV, e Portugal, em II e III.
No caso do serviço em apreço, o desenhador usou a forma mais comum,
com a alusão às outras distintíssimas ascendências. Assim, temos um escudo em
cartela, esquartelado. I, de branco, com cinco escudetes de azul, bordadura de
púrpura carregada de sete castelos de ouro. II, púrpura com três flores-de-lis de
ouro. III, de branco com dois leões de vermelho afrontados; mantel de verme-
lho, carregado de torre; orla escaqueda de ouro e veiros. IV, de amarelo, cinco
estrelas de vermelho. Sobre o todo, um anel de rubi. Coronel de cinco florões, e
timbre com um homem segurando um escudete. Há algumas fantasias e peque-
nas incorrecções, nomeadamente, em II, nos Albuquerque, na forma antiga,
aqui modificada, só com três flores-de-lis em vez de cinco.
D. Diogo José Vito nasceu a 15 de Junho de 1739, e morreu em 13 de
Agosto de 1803. Era filho do primeiro casamento do 4.º marquês, D. Pedro José
de Alcântra António Luís Xavier Melchior de Meneses Noronha Coutinho, e de
D. Maria José de Eça. Foi estribeiro-mor da rainha D. Maria I; marechal-de-
-campo; tenente-general do Conselho de Guerra. Assentou praça como cadete,
a 29 de Dezembro de 1758, no Regimento de Cavalaria de Alcântara, e teve
uma notável carreira militar. Em 1761, foi promovido a capitão do Regimento
do Cais, a tenente-coronel, em 1777, e a coronel nesse mesmo ano, transitando
para o Regimento de Cavalaria de Alcântara, onde chegou a brigadeiro.
Teve como cargos de prestígio, como o de governador da torre de São
Vicente de Belém, general-efectivo de Cavalaria, ajudante-de-general do Exér-
cito, e tenente-general. Foi também membro do Conselho de Guerra. Foi gen-
til-homem de Câmara, e estribeiro-mor da rainha D. Maria I. Recebeu ainda a
grã-cruz da Ordem de Santiago.
Brasão de D. Diogo de Vito D. Diogo José Vito casou com D. Maria Catarina de Lorena, filha dos 4.º
de Meneses Noronha Coutinho
conforme aparece no serviço estudado duques do Cadaval. O título de marquês de Marialva foi-lhe confirmado por
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 151

carta passada, por D. Maria I, em 17 de Dezembro de 178576. O filho e herdeiro


dos títulos teve igualmente uma carreira importante, sobretudo nos meios diplo-
máticos, mas não deixou geração, pelo que a representação desta linhagem pas-
sou para a Casa de Lafões. Será interessante lembrar que este serviço deve ter
estado em uso, em duas ocasiões muito especiais para a família Cantanhede-
-Marialva. Uma, quando da visita da rainha D. Maria I à sua casa de Sintra, a
mesma onde hoje habita SAR D. Duarte de Bragança.
D. Diogo José Vito comprou, depois, o palácio de Seteais, quando do fale-
cimento do seu proprietário e construtor, o consul holandês Daniel Gildemees-
ter, em 1793, entregando o seu aumento e remodelação ao arquitecto Costa e
Silva. Foi aí, um ano antes de morrer, em 1802, que recebeu os príncipes
D. João e D. Carlota Joaquina, com enorme pompa, fazendo então o grande
arco de triunfo neoclássico que comemora a visita77.
É mais do que provável que, além do serviço de prata a que aludimos, que
não sabemos se era total, tenha sido usado também este. Sem dúvida que o 6.º
marquês o herdou, como a generalidade dos bens do pai, passando, seguida-
mente, para a posse dos duques de Lafões que, certamente, não mais o usaram,
devendo ser dessa altura o início da sua dispersão.
O serviço a que pertencem as peças que apresentamos deve ser de uma
encomenda do citado 5.º marquês de Marialva e 7.º conde de Cantanhede. Cas-
tro e Solla é muito claro quando alude a duas formas do seu brasão e, ainda
mais, ao conhecimento que teve de peças de um serviço de prata, ostentando o
mesmo brasão das peças que aqui estudamos, ao tempo, numa casa de penhores
de Lisboa, e que tinham na orla a indicação da posse, exactamente o nome de
D. Diogo de Meneses.
Não esqueçamos que a ascendência Meneses era de facto a mais ilustre
desta família, no ocaso do século xviii. No entanto, o 4.º marquês de Marialva,
cuja figura está bem popularizada, através da gravura do seu retrato equestre,
feita a partir da pintura executada por Manuel Carlos de Andrade, só faleceu
em 22 de Novembro de 1799. Como as armas eram as mesmas, levantam-se-
-nos algumas dúvidas, se este nobre não poderia ser o encomendante, já que
estilisticamente, o serviço pode ter sido executado, dizemos mais, teve que ser
executado, em vida de pai e filho.
Se foi o 4.º marquês, D. Pedro José de Alcântara, o encomendante, pode
datar-se de 1775, como anda escrito e aparece assinalado nas leiloeiras especia-
lizadas. Porém, o filho, a quem anda consignado, só teve o título em 1785, e não
tem qualquer lógica mandar fazer um serviço antes da confirmação régia,
152 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING
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Travessa recortada porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de brasão de D. Diogo de Vito
de Meneses Noronha Coutinho.
Cerca de 1770. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
154 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

daquilo que, diga-se em abono da verdade, era espectável. Uma hipótese é que
tenha também sido motivado pelo seu casamento. Assim, e com tantas dúvidas,
preferimos, por prudência, situar a fabricação num espaço de vinte anos, nas
décadas de setenta e oitenta do século xviii.
A travessa que apresentamos tem 30,5 cm de comprimento e 27 cm de
largura. A sua decoração é em tudo igual à dos pratos. É feita com esmaltes da
família rosa, a caldeira é baixa e a aba larga e levantada. O rebordo também é
recortado e ondulado. No centro, vê-se o mesmo ramo de flores, e sobre ele as
armas do titular, interrompendo a grinalda de flores que se encurva e forma
laços em si mesma.
Analisamos apenas mais uma peça, o cesto com travessa rendilhados.
O cesto tem 8,3 cm de altura, 26 cm de comprimento e 22 cm de largura.
A travessa tem de comprimento 28,8 cm, e de largura 25,7 cm. Note-se a qua-
lidade extraordinária de execução da cesta e da respectiva travessa rendilhadas,
das melhores que conhecemos, quer de serviços feitos para Portugal, quer para
outros países europeus. São de um tipo que, com pequenas variantes decorati-
vas, se manteve em fabricação, quase por meio século.
As armas foram colocadas de forma discreta, baseando-se a decoração em
festões compostos por flores de esmaltes vermelhas e amarelas, e folhagem
verde, quer nas abas quer no centro, sob o vidrado e fundo branco leitoso. Esses
festões enrolam-se em curvas interiores, que penetram na zona central de pratos
e travessas, o que é raro, mas que se encontra, por exemplo, no chamado serviço
das cinco grinaldas da família Cruz Sobral. O ramo central desenvolve-se de
Palácio de Seteais, em Sintra,
profundamente remodelado, onde
maneira a criar um eixo, no seguimento do qual, e já na aba, fica o brasão dos
viveu D. Diogo de Vito de Meneses marqueses de Marialva.
Noronha Coutinho
Este serviço tem que se datar, com reservas, como vimos, de cerca de
Cesta e travessa rendilhadas
de porcelana chinesa de exportação 1770, do período da Dinastia Qing e mais concretamente do reinado do impe-
com o brasão de brasão de D. Diogo
de Vito de Meneses Noronha Coutinho. rador Qianlong. Existem em Portugal e no estrangeiro, sobretudo em Inglaterra,
Cerca de 1770.
Dinastia Qing, reinado serviços com uma decoração muito próxima à deste, o que prova o êxito que o
do imperador Qianlong
(Colecção particular)
modelo teve, entre os grandes da Europa, no fim do século xviii.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 155
156 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

SIMÃO INFANTE LOBO


DE SEQUEIRA CORREIA
DA SILVA CARVALHO
(n. 1721, f. 1787)
Senhor da Torre de Murta, e fidalgo cavaleiro da Casa Real

Armas. Correia de Aguiar, Silva e Sousa (do Prado). Escudo partido.


I, esquartelado, 1.º e 4.º de branco, águia de negro; 2.º e 3.º de vermelho, leão
de ouro. II, esquartelado, 1.º e 2.º de branco, cinco escudetes de azul postos em
sautor, carregados de cinco besantes de branco; 2.º e 3.º de vermelho, leão de
ouro. Coronel de nobreza. Todas as armas estão mal representadas, com erros
nos esmaltes e, nas armas dos Sousa, os escudetes deviam estar postos em cruz,
e os leões púrpura, em campo de prata78.
Não tem sido fácil nem pacífica a atribuição deste brasão. Castro e Solla
atribuiu-o a Pedro de Sousa da Silva, e Nuno de Castro a Tomás de Sousa da
Costa Aguiar. No entanto, Lourenço Correia de Matos, colocou como hipótese,
que nos parece plausível, de tratar-se de Simão Infante Lobo de Sequeira
Correia da Silva de Carvalho, no que o seguimos.
Nasceu em Santarém, em 1721, e faleceu, em 14 de Maio de 1787. Foi
senhor da Torre de Murta, coronel das Milícias, e fidalgo-cavaleiro da Casa
Real. Casou com D. Maria Catarina de Lacerda Garcês Palha, de cuja geração
viriam a descender os barões de Sabroso e os viscondes de Torre de Murta.
Apresentamos um prato em porcelana branca, decorada com elementos
florais, com esmaltes da família rosa. Pode datar-se de cerca de 1770, do
período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong. É uma composi-
ção muito simples, com elementos de origem europeia, como os filetes do
rebordo e o escudo, e outros que são de clara raiz chinesa, como é o caso de
todos os elementos vegetais, flores e ramagens.

Brasão de Simão Infante Lobo


de Sequeira Correia da Silva Carvalho
conforme aparece no serviço estudado

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de brasão de Simão Infante Lobo
de Sequeira Correia da Silva Carvalho.
Cerca de 1770.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 157
158 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ MASCARENHAS PACHECO


PEREIRA COELHO DE MELLO
(n. 1720, f. 1788)
Fidalgo da Casa-Real

Armas: Mascarenhas, Pacheco, Pereira e Coelho. Escudo em cartela,


esquartelado. I, de vermelho com três faixas de ouro. II, de ouro, com duas cal-
deiras igualmente a ouro. III, de vermelho, cruz trilobada de ouro, vazia do
campo. IV, leão rampante, com bordadura carregada de sete coelhos. Elmo de
grades. Por timbre tem um leão vermelho rampante. Armas com alguma simpli-
ficação e fantasias, incorrectamente representadas, nomeadamente, nas de
Pacheco e Coelho, como já notara Castro e Solla.
José de Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Mello era filho de João
Pacheco Pereira de Vasconcelos, e nasceu na Ilha do Faial, em 1720. Foi fidalgo
da Casa Real, cursou a Universidade de Coimbra, onde se doutorou em Câno-
nes e Leis, em 1755. Foi membro da Academia Portuguesa da História e da
Real Academia da História de Madrid. De entre outros cargos importantes,
destacam-se os de desembargador da Casa da Suplicação e de membro do Con-
selho de Sua Majestade.
Já no Brasil, participou activamente em movimentos cívicos e culturais,
sendo o fundador, em 1759, da efémera Academia Brasílica dos Renascidos de
Salvador da Bahía. Apesar do protector desta Academia ser Pombal, tal não
obstou a que o fundador fosse perseguido pelo próprio, que o mandou prender
na Ilha das Cobras, na Baía de Guanabara79.
Apresentamos uma peça de um serviço, que deve datar de cerca de cerca
de 1765, do período da Dinastia Qing do reinado do imperador Qianlong, e que
deve ter sido já encomendado, depois do regresso de José de Mascarenhas ao
Brasil. A decoração é totalmente europeia, com influências dos desenhos ingle-
ses e alemães.
O covilhete rendilhado tem 24,6 cm de diâmetro. A decoração, excepto na
Brasão de José Mascarenhas Pacheco
Pereira Coelho de Melo aba que é perfurada, em renda, é idêntica à dos pratos rasos. O centro é delimi-
conforme aparece no serviço estudado
tado por um círculo formado por uma cadeia e, no meio, há um soberbo ramo
Prato rendilhado de porcelana chinesa
de exportação com o brasão de brasão
floral a roxo, verde e amarelo da família rosa.
de José Mascarenhas Pacheco Pereira É uma decoração de primeiríssima categoria, um desenho feito por um
Coelho de Melo.
Cerca de 1765 a 1775. Dinastia Qing, artista hábil e de muito bom gosto, que os pintores chineses devem ter cum-
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) prido à risca.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 159
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DIOGO INÁCIO
DE PINA MANIQUE
(n. 1733, f. 1805)
Intendente-Geral de Polícia

Armas: Pina (de Évora), Andrade (invertidas), Manique, Nogueira (mal


representadas). Escudo em cartela, esquartelado. I, de vermelho com torre de
prata sobre água. II, de verde, com barra de vermelho saída de duas cabeças de
serpente afrontadas. III, nove peças equipoladas, cinco de vermelho carregadas
de castelos de ouro, e quatro de oito carregadas de leão vermelho. IV, de ouro
com barra xadrezada de azul e branco, a meio coberta de vermelho. Coronel de
cinco pérolas, elmo e timbre. Erros na representação heráldica, como em II,
onde devia ter sido pintada uma banda, e em III e IV, onde os leões foram dese-
nhados retornados.
Diogo Inácio de Pina Manique era filho de Pedro Damião de Pina Mani-
que e de Helena Inácia de Faria. Nasceu a 3 de Outubro de 1733, e faleceu a 30
de Junho de 1805. Casou com D. Inácia de Brito Nogueira e Matos, herdeira da
Casa de seu pai, razão pela qual as suas armas aparecem representadas, neste
serviço. Não esqueçamos que, pela reforma pombalina dos vínculos e morga-
dos, os administradores deviam usar obrigatoriamente os nomes e as armas dos
instituidores, o que explica esta inclusão.
Diogo Inácio foi moço-fidalgo e primeiro senhor de Manique, que se pas-
sou a chamar Manique do Intendente, 4.º senhor do Morgado de São Joaquim
da Vila de Coina, e alcaide-mor de Portalegre. Estudou na Universidade de
Coimbra, onde obteve o grau de bacharel em Leis, seguindo depois a carreira
jurídico-administrativa, desempenhando cargos como os de juíz do Crime no
Bairro do Castelo, em 1762. Em 1763, foi encarregue do recrutamento, para o
Exército, para a guarnição de Lisboa, quando das reformas do conde de Lippe.
O marquês de Pombal tinha-o como um dos homens mais capazes do Reino, e
deu-lhe tarefas importantes e bem remuneradas.
Curiosamente, superou sem probremas a desgraça de Sebastião José de
Carvalho e Melo, quando da morte de D. José I. Foi, assim, superintendente-
-geral de Contrabandos e Descaminhos, desembargador da Relação do Porto,
Brasão de Diogo Inácio de Pina fiscal da Junta de Administração da Companhia de Pernambuco e Paraíba,
Manique, do edifício da Câmara
Municipal de Manique do Intendente, para onde levou, como ajudante, o irmão António Joaquim, numa sucessão
e brasão conforme aparece
nas peças do serviço estudado ininterrupta de cargos, privilégios e rendimentos, e desembargador dos Agravos
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 161

da Casa da Suplicação, em 1780. Após a queda do marquês de Pombal, foi


nomeado intendente-geral da Polícia, o cargo que o tornaria mais célebre.
Homem de confiança da rainha D. Maria I, chegou a chanceler-mor do Reino e
desembargador do Paço. Tentou incrementar a Indústria e o Comércio, bem
como a Agricultura, com a introdução de técnicas novas. Foi com ele que se
iniciou a iluminação pública em Lisboa, e houve um efectivo aumento da segu-
rança nas ruas. Foram também importantes as melhorias das vias de comunica-
ção, sobretudo, no aro de Lisboa. Fundou a Casa Pia de Lisboa, que começou
a funcionar, no castelo de São Jorge, em 1781, numa acção social sem preceden-
tes, continuada com outos estabelecimentoos, nomeadamente, em Coimbra.
A sua carreira acabou com a intervenção de Bonaparte, já que combatia o con-
Retrato de Diogo Inácio
trabando e descaminhos praticados por altas personalidades francesas acredita- de Pina Manique. Gravura
(Biblioteca Nacional de Portugal.
das em Lisboa. Lisboa)
162 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Apresentamos um prato recortado, que pertenceu a um serviço que foi


seguramente encomendado e usado por Pina Manique, e que podemos datar
cerca de 1770 a 1780, com alguma probabilidade de 1775, ou ano muito pró-
ximo, da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong. Tem uma decora-
ção europeia, com o brasão no centro, sobre o branco leitoso e magnífico vidrado,
embora heraldicamente com algumas incorrecções, como acima dissemos, den-
tro de um círculo formado por uma cadeia polícroma, a delimitar a bordadura
levemente recortada com suaves curvaturas. Nesta, há dois elementos funda-
mentais, uma grinalda e um rosário de pequeníssimas pérolas, ondeantes, que
se entrelaçam com as curvas alternadas.
O rebordo possui um pequeno filete de ouro, um trabalho excelente.
Anda comummente escrito que este serviço foi encomendado pelo intendente
Pina Manique, para o filho, Pedro António, que viria a ser o 1.º e único barão e,
depois, 1.º visconde de Manique do Intendente, mas como Luiz Ferros bem
notou, tal é improvável, sobretudo se aceitarmos a data de fabrico pro-
posta, cerca de 177580. Ora, nesse ano, Pedro António tinha acabado de
nascer, e o brasão ostenta já uma coroa de visconde, título que, como vimos, só
teve em 1818. Cremos que há aqui uma contradição insanável, não sendo
crível, sobretudo nesta época, que mesmo um alto funcionário da Admi-
nistração Pública mandasse fazer um serviço para um filho com quatro ou
cinco anos e, muito menos, com as armas representativas de um título que ele
próprio não tinha, e a que o recém-nascido só viria a aceder, mais de vinte anos
depois.
O coronel de visconde que se vê no brasão pode ser explicado pelos
altos cargos desempenhados por Diogo Inácio, pois também os secretários de
Estado, por exemplo, usavam nas suas armas o coronel de conde, por mais baixa
que fosse a sua origem. Não nos esqueçamos que chegou a chanceler-mor do
Reino e desembargador do Paço, e era, indiscutivelmente, o homem mais pode-
roso do país.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Diogo Inácio de Pina Manique.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
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ANTÓNIO JOAQUIM
DE PINA MANIQUE
(n. cerca de 1735, f. ?)
Ajudante da Junta de Administração da Companhia de Pernambuco e Paraíba

Armas: Pina e Manique. Escudo de ponta ogival e chefe de dois convexos,


partido. I, de vermelho, torre de cinzento sobre fundo rosa. II, nove peças equi-
poladas de vermelho e ouro, leão de vermelho. Coronel de cinco pérolas, elmo
tradicional de grades, virol e timbre.
António Joaquim de Pina Manique era filho de Pedro Damião de Pina
Manique e de Helena Inácia de Faria, e irmão do intendente de polícia Diogo
Inácio. Um dos cargos que desempenhou foi o de ajudante da Junta de Admi-
nistração da Companhia de Pernambuco e Paraíba.
Diz-se habitualmente deste serviço, datado de cerca de 1795, que foi man-
dado fazer por António Joaquim de Pina Manique, para o filho, em data em que
ele apenas teria dois ou três anos81, o que não é crível, como Luiz Ferros muito
bem explicou. As armas que este prato recortado ostenta têm apenas, Pina e
Manique, por via do pai e, certamente, por valor do nome do poderosíssimo
irmão82. O coronel que aqui figura deve-se, seguramente, a uma cópia do serviço
do irmão, onde há outros erros idênticos que aqui se copiam, como o facto de
os leões estarem volvidos. No fundo, eliminaram-se apenas os quartéis de
D. Inácia Margarida83.
Este prato recortado tem 23,5 cm de diâmetro, data de entre 1770 a 1780,
do reinado do imperador Qianlong Dinastia Qing, pintado em Jingdezheng, num
tipo que foi muito popular, pelo menos durante cinco anos. O desenho usado
inicialmente foi o de padrão de meia-onda dourada, na caldeira, mas como
Howard e Ayers provaram, a partir de 1785, com uma cadeia de casca de
frutos. Eram modelos estandardizados que tanto chegavam à Europa como às
Américas, via Cantão. Bom desenho do bordo recortado, com a aba com intensa
decoração de motivos vegetalistas a ocupá-la quase inteiramente, havendo, inte-
Brasão de António Joaquim de Pina riormente, a delimitar a zona plana, uma aro contínuo de escamado, também a
Manique conforme aparece
nas peças do serviço estudado
azul cobalto, delimitado interiormente por uma delicadíssima cadeia de flores
Terrina recortada de porcelana chinesa
polícromas. O brasão fica, no centro, envolto numa grinalda de flores e folha-
de exportação com o brasão gem, a verde, vermelho e amarelo, de bom desenho e boa execução.
de António Joaquim de Pina Manique.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
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GASPAR JOSÉ DA COSTA PEREIRA


DE VILHENA COUTINHO
(n. 1736, f. 1795)
Fidalgo da Casa Real

Armas: Costa, Vilhena, Pereira e Coutinho, (esmaltes invertidos). Brasão


esquartelado. I, de vermelho, seis costas de prata. II, de ouro, chaveirão de ver-
melho e três estrelas de negro. III, de ouro, cruz florenciada de vermelho. IV, de
vermelho, com cinco estrelas de prata em sautor. Encima-o uma coroa ducal.
Algumas simplificações e fantasias.
José Gaspar da Costa Pereira de Vilhena Coutinho, natural de Braga, era
filho de Rodrigo António da Costa Pereira, que foi governador de Melgaço, e de
D. Inácia de Vilhena Coutinho. Estudou na Universidade de Coimbra, matri-
culando-se em 18 de Dezembro de 1818, onde obteve o grau de bacharel em
Leis. Foi também fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de Cristo,
e alcaide-mor do Couto e de Castelo de Ervededo, em Chaves. Casou com
D. Casimira Lúcia do Carmo Roby Sottomayor, filha o senhor do Morgado de
Val Flor, possuidora de grande fortuna, o que lhe permitiu viver com largueza.
Não deixou de fazer encomendas na China de porcelana brasonada. Talvez esse
bem estar o tenha levado a usar as armas que, do lado paterno, não lhe perten-
ciam por varonia, mas que lhe vinham pela sua avó, herdeira do Morgado
de Roda
Apresentamos uma pequena chávena com o respectivo pires, com uma
decoração parca, mas muito delicada, de gosto neoclássico. Na taça, destaca-se
o brasão, conforme a descrição feita acima, repetido, no meio do pires. A borda
interior, bem como do pires, há uma filete dourado, e é debruada por peque-
nos elementos florais a toda a volta, em esmaltes polícromos a vermelho e ama-
relo. O pires mede de diâmetro 14,5 cm, e a taça tem 5,3 cm de altura e 9,3 cm
de diâmetro. Propomos como data possível e credível da encomenda um
ano próximo de 1775, no tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador
Qianlong.

Brasão de Gaspar José da Costa


Pereira de Vilhena Coutinho
conforme aparece nas peças
do serviço estudado
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 167

Taça e pires de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Gaspar José da Costa Pereira
de Vilhena Coutinho.
Cerca de 1775. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
168 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ PAMPLONA CARNEIRO


RANGEL BALDAIA DE TOVAR
(n. 1750, f. 1815)
Morgado de Beire

Armas: Pamplona, Carneiro, Rangel, Baldaia e Sousa de Arronches.


Escudo em cartela, esquartelado. I, de vermelho, seis faixas de ouro. II, de ver-
melho, banda de azul coticada de ouro, carregada de três flores-de-lis de ouro,
acompanhada de dois carneiros passantes de prata. III, de azul, flor-de-lis de
prata, bordadura de ouro carregada de sete romãs de verde, abertas de verme-
lho. IV, de prata, flor-de-lis acompanhada de quatro rosas; em contra-chefe um
coelho. Sobre-o-todo, esquartelado. 1.º e 4.º de Portugal moderno. 2.º e 3.º de
vermelho, caderna de crescentes de prata. Encima o escudo uma coroa ducal,
num serviço e, nos outros, uma coroa real fechada84.
Foi moço-fidalgo da Casa Real e um militar distinto, atingindo o posto de
coronel de Infantaria, tendo sido nomeado governador do castelo do Queijo, no
Porto. Além de moço-fidalgo da Casa Real, foi cavaleiro de Justiça da Ordem de
Malta e administrador dos Morgados de Beire e de Vila do Conde85. Era filho de
João Álvares Pamplona Carneiro Rangel, fidalgo da Casa Real, e de D. Maria
Clara Baldaia Tovar e Vasconcelos. Casou com D. Antónia Inácia Correia de
Araújo, e o filho de ambos, Manuel Pamplona, viria a ser agraciado com o título
de 1.º visconde de Beire. Usamos as grafias modernas de Tovar, por Tohar, e de
Baldaia, por Baldaya, as antigas, que também seriam aceitáveis.
As peças que agrupámos num eventual segundo serviço não variam
muito das anteriores. Agora o brasão está na aba, cortando parcialmente o
friso circular, havendo aí mais cinco pequenos ramos de flores, todos desiguais,
de desenho e execução também delicadíssima. O friso externo, no bordo, é
mais compacto, a ouro, com um motivo contínuo recticulado, de tradição já
neoclássica.
No meio dos pratos, foi pintado novo ramo de flores, do tipo Meissen,
de boas dimensões e excelente efeito plástico. Na travessa e nas duas chávenas
com os respectivos pires de um serviço de café ou chá, ou eventualmente cho-
colate, os dois pires, o esquema é exactamente o mesmo. Naturalmente, nas
chávenas há alterações, com a colocação do brasão bem visível, na parte da
Brasão de Gaspar José Pamplona
Carneiro Rangel Baldaia de Tovar frente, tendo, por baixo, um ramo de flores em tudo idêntico ao do centro dos
conforme aparece nas peças
do serviço estudado pratos.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 169

Prato recortado de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Gaspar José Pamplona Carneiro
Rangel Baldaia de Tovar.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
170 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

O último conjunto, o designado terceiro serviço, diferencia-se pelo facto


da coroa que encima as armas ser de duque, uma coroa aberta, e não fechada,
como a das peças que vimos antes. Quanto ao resto, quer a qualidade quer o
gosto manifestado pelo desenhador e, seguramente, pelo encomendante, não
divergem muito: a mesma pasta leitosa e de excelente vidrado, as mesmas flores
Travessa de porcelana chinesa delicadas, a vermelho, verde, amarelo e laranja, e apenas um friso com outra
de exportação com o brasão
de Gaspar José Pamplona Carneiro
estrutura, com pequenas folhas amarelas e verdes em aspa, pequeninas e contí-
Rangel Baldaia de Tovar.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 171

nuas, tudo típico dos esmaltes família rosa. A terrina é de modelo alemão, de
meados do século xviii, com um fruto polícromo a servir de pega à tampa, e dois
brasões, uma nesta e outro na frente do recipiente.
É esta mesma decoração e o mesmo cuidado de execução que está patente
no excepcional e lindíssimo covilhete gomado, com os esmaltes sob o finíssimo
Par de conjunto de taça e pires
vidrado, com o bordo recortado e decorado com a mesma tarja da tampa e do de porcelana chinesa de exportação
vaso da terrina, e em muitas outras peças que conhecemos em diversas colec- com o brasão de Gaspar José
Pamplona Carneiro Rangel Baldaia
ções privadas, e que são de outras tipologias. de Tovar. Cerca de 1770 a 1780.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Qianlong
(Colecção particular)
172 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 173

Temos alguma dificuldade em datar estas peças,


primeiro porque não conhecemos qualquer docu-
mentação relativa que nos possa ajudar e, em segundo
lugar, porque este modelos decorativos, com algumas
variantes, foram comuns, não se sabendo igualmente
qualquer facto da vida do encomendante que possa
sugerir um momento para a encomenda ou encomen-
das. Assim, optámos, por questões estéticas e também
do percurso de vida de José Pamplona Carneiro Ran-
gel Baldaia de Tovar, apontar para a década de setenta
do século xviii.
Reportando-nos à China, enquadramos as peças
no período do reinado do imperador Qianlong, em
plena Dinastia Qing, ou seja, entre os anos de 1770
e 1780.

Terrina de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Gaspar José Pamplona Carneiro
Rangel Baldaia de Tovar.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular),
e brasão conforme aparece
nas peças do serviço estudado
174 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

HENRIQUE JOSÉ CAMACHO


GUERREIRO DE BRITO
Fidalgo de cota de armas

Armas: Camacho, Guerreiro, Brito (de Nicote), e Nobre


(de Tavira). Escudo em bico esquartelado. I, de vermelho, castelo
saindo de um mar azul, acompanhado de dois pinheiros de verde e
duas estrelas de ouro. II, de vermelho, com leão empunhando uma
espada de prata com a garra dextra. III, de vermelho, com nove
lisonjas de branco, carregadas de leão de vermelho. IV, de verme-
lho, com castelo saindo de um mar de azul. Elmo de grades, cor-
reias, virol, paquife e timbre. Pequenas incorrecções de desenho e
má representação dos Brito, a que faltam seis besantes a ladear o
castelo. No IV, dos Nobre, falta a cabeça de mouro sobre as
águas.
Henrique José era filho de João Camacho Guerreiro de Brito
e de D. Violante Perpétua Máxima de Mira e Brito, e morava na
freguesia da Espargosa, freguesia de São Miguel do Espinheiro, no
termo de Mértola. Recebeu carta de brasão-de-armas, em 2 de
Maio de 177186.
O serviço a que pertence esta terrina que deve ter sido enco-
mendado após a concessão da carta de brasão de armas, o que
coincide com o estilo, pelo que teremos de colocar a sua execução
num ano próximo do de 1775. A decoração é constituída essencial-
mente pela policromia de festões, com delicadas flores vermelhas e
amarelas e folhagem verde, e laços da mesma cor, além do próprio
brasão, só por si marcante, pela complexidade do desenho e cate-
goria dos esmaltes.
A terrina tem a pega da tampa em forma de vegetal, de forte
modelação, em laranja avermelhado, a mesma cor das pegas da
Brasão de Henrique José Camacho parte inferior, conformando cabeças de touro. Os brasões estão
Guerreiro de Brito conforme aparece
nas peças do serviço estudado
apostos na parte superior, bem a meio, no campo entre a tarja da
Terrina de porcelana chinesa
grinalda e a pega, e, na parte do recipiente, também centrado, sob
de exportação com o brasão os festões, e já a passar para a base, onde corre uma cadeia em ver-
de Henrique José Camacho Guerreiro
de Brito. Cerca de 1775. Dinastia Qing, melho alaranjado, a toda a volta. Tem de altura 18 cm, 28 cm de
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) comprimento e uma largura de 17,5 cm.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 175
176 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO TELLES MACHADO


(n. 1735, f. 1790)

Armas: Machado e Teles. Escudo de fantasia, partido. I, de vermelho, cinco


machados de negro, encabados de ouro. II, esquartelado, 1.º leão rampante de
negro; 2.º e 3.º de ouro. Por diferença, uma brica de ouro carregada de M de
negro. Elmo de grades de armadura negra, paquife, e por timbre dois machados
passados em aspa e atilhados.
António Telles Machado era filho do capitão Estácio Machado de Utra
Telles, escrivão da Alfândega do Faial e cavaleiro-professo da Ordem de Cristo,
e de sua mulher D. Maria Luisa Bernarda. Estes Utra têm origem flamenga, e
estavam no Faial, desde o século xv.
Não devemos esquecer o excepcional contributo dos flamengos, durante
as primeiras décadas de povoamento dos Açores. É certo que a generalidade
mais não era do que comerciantes e lavradores, mas rapidamente conseguiram
grandes fortunas e, a seguir, a nobilitação. As primeiras famílias estabelecidas
alcançavam quase sempre o estatuto de nobreza ou, pelo menos, foram moços-
-fidalgos ou cavaleiros-fidalgos. A Ilha do Pico foi uma daquelas em que este
fenómeno mais se fez sentir. Os seus nomes foram frequentemente aportugue-
sados, dando origem a novos antropónimos.
A vida de António Telles Machado está envolta nalgum mistério, e as afir-
mações de diversos autores, nomeadamente, quanto ao facto de ter sido verea-
dor da Câmara da Horta, apenas com vinte anos de idade, além de que a carta

Brasão de António Telles Machado


conforme aparece nas peças
do serviço estudado.

Vista da cidade da Horta,


na Ilha do Faial, nos Açores
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 177

de brasão de armas, que teria sido passada pelo Cartório da Nobreza, é falsa,
como bem provou Luiz Ferros87.
Apresentamos uma cafeteira da colecção do Museu Nacional de Arte
Antiga de Lisboa, com as armas do encomendante de cada lado, sobre fundo
branco leitoso, sob vidrado muito fino.
A pega é formada por dois elementos de carácter lenhoso enrolados, com
uma ligação a semelhar raizes de árvores, já no contentor, que tem forma cilín-
drica. Do lado oposto, sai o bico, cilíndico, longo e direito, com uma inclinação
superior de meio ângulo recto.
A decoração restante é parca: uma pequena linha ondulante a vermelho-
-ferro, com pontos alternando nas partes côncavas, na base, e um friso com
flores e ramos com esmaltes da família rosa, junto da boca, antes do pequenino
rebordo. A tampa tem como pega um fruto dourado e policromado.
Pode datar-se esta peça do reinado do imperador Qianlong da Dinastia
Qing, de cerca de 1770 a 1780.

Bule de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de António Telles Machado.
Cerca de 1770 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong (Museu
Nacional de Arte Antiga)
178 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. ALEXANDRE DA SILVA
PEDROSA GUIMARÃES
(n 1727, n f. 1799)
Bispo de Macau

Armas: Meneses, Guimarães e Castelo-Branco. Escudo partido. I, cor-


tado, 1.º, de vermelho, anel de ouro; 2.º de vermelho fretado, peças em banda
e elementos não identificados em contrabanda de ouro, com pala de ouro e
um leão de vermelho brocante sobre-o-todo. II, de azul, leão de ouro; coronel
de nobreza com três florões e pérolas. Chapéu de seis borlas por lado, de
verde. Sob o escudo, cruz de ouro. Tudo em cartele ornamental e decoração
vegetalista88.

Brasão de D. Alexandre da Silva


Pedrosa Guimarães.conforme aparece
nas peças do serviço estudado

Retrato do bispo de Macau


D. Alexandre da Silva Pedrosa
Guimarães

Paço episcopal de Macau


4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 179

D. Alexandre Pedrosa da Silva Guimarães era natural de Salvador da


Bahía, onde nasceu, a 21 de Julho de 1727, tendo vindo a falecer, em Lisboa,
no dia 27 de Fevereiro de 1799. Era de origem modesta, filho de João Dias
Guimarães, um sapateiro desta cidade minhota que, um dia, com a sua mulher,
Maria Ferreira da Silva, como tantos outros conterrâneos, emigrou para o
Brasil, onde já tinham familiares. Este é um dos casos de uma família que se Açucareiro de porcelana chinesa
nobilitou, inventando costados que não tinha, chegando ao ponto de fazer de exportação com o brasão bispo
de Macau D. Alexandre da Silva
entroncar os seus modestíssimos antepassados a uma filha natural de D. Duarte Pedrosa Guimarães.
Cerca de 1773 a 1779. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
180 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

de Meneses. O leão rampante foi adoptado dos Silva, o pobre sapateiro vimara-
nense. É claro que a notável carreira eclesiástica de D. Alexandre foi mais do
que suficiente, para afastar qualquer falatório e, como sendo prelado, tinha
direito a armas, estas impuseram-se por si, sem necessidade de evocar falsas ou
nunca existentes cartas passadas pelo rei aos antepassados89.
Foi um aluno notável, tendo obtido o grau de doutor em Cânones, e foi
apresentado bispo da Diocese de Macau, a 13 de Julho de 1772, sendo apresen-
tado a 19 de Setembro do ano seguinte. Foi também governador-interino do
território, entre 1777 e 1778, regressando ao Reino, em 1779, e pedindo renún-
cia da sede episcopal sinense, em 1782, o que só lhe foi concedido em 8 de Julho
de 1789.
Conhecemos algumas peças de um serviço de chá ou de café, ou de cho-
colate, com as armas do prelado, a que pertence o açucareiro que aqui usamos
como exemplo. Este tem com 11,9 cm de altura e 17,5 cm de largura, incluindo
as asas. Liga-se aos modelos europeus de França e da Alemanha, com decoração
contida, brasão a ocupar a parte central do bojo, com elegantes asas laterais, de
muito boa modelação. Pequenas flores polícromas a ladear as armas episcopais.
Na tampa, só foi decorado o bordo rendilhado, com uma tarja a verde e verme-
lho com elementos vegetalistas estilizados. Na parte superior da tampa, e já
junto à pega, há novamente delicadas flores vermelhas com ramagens verdes
adjacentes. Podemos datar esta peça de cerca de 1773 a 1779, quando esteve em
Macau, como bispo e, em parte, como governador, portanto, e em relação à
China, do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong.

Chávena e pires de porcelana chinesa


de exportação com o brasão bispo
de Macau D. Alexandre da Silva
Pedrosa Guimarães.
Cerca de 1773 a 1779. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 181
182 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

MANUEL BERNARDO
DE MELO E CASTRO
(n. 1716, f. 1792)
1.º visconde da Lourinhã

Armas: Castro (de 6 arruelas, ramos ilegítimos) e Melo. Escudo do tipo


francês partido. I, de prata, com seis arruelas de azul, 2, 2, e 2. II, de vermelho,
dobre-cruz de ouro com seis besantes de prata, com a bordadura do segundo
esmalte. Coronel de sete pérolas.
Manuel Bernardo de Melo e Castro nasceu em
Lisboa, a 16 de Fevereiro de 1716, filho do fidalgo da
Casa-Real, Francisco de Melo e Castro, e de sua
mulher, D. Maria Joaquina Xavier da Silva, que era
irmã do poderoso secretário de Estado Martinho de
Melo e Castro. Casou com D. Domingas Isabel de
Noronha, dama de honor da rainha D. Carlota Joa-
quina. Este titular ocupou o cargo de governador do
Grão-Pará e Maranhão. De entre as tarefas militares
que desempenhou, destacam-se a de capitão-de-
-Infantaria, a de governador-de-armas do Alentejo e
da praça de Elvas. Em 1791, foi elevado ao posto de
general-de-Infantaria. Além disso foi couteiro-mor
da tapada de Vila Viçosa.
Por decreto de D. Maria I, de 30 de Março de
1777, foi-lhe atribuido o título de 1.º e único visconde
da Lourinhã. Era já senhor da Vila da Lourinhã e
alcaide-mor de Sernancelhe. Foi cavaleiro da Ordem
de Cristo, e chegou a familiar do Santo Ofício de Lis-
boa, por carta de 16 de Agosto de 175490. A sua Casa
veio a ingressar na Casa de Galveias. Morreu a 19 de
Brasão de Manuel Bernardo de Melo Agosto de 1792.
e Castro conforme aparece nas peças
do serviço estudado
Apresentamos dois pratos de sopa de claro
Par de pratos de porcelana chinesa
desenho europeu, a seguir os modelos alemães e fran-
de exportação com o brasão ceses. O belo serviço, de que se conhecem algumas
de Manuel Bernardo de Melo e Castro.
Cerca de 1780. Dinastia Qing, peças, é de grande simplicidade, de claro desenho
einado do imperador Qianlong
(Colecção particular) europeu, a seguir os modelos alemães e franceses,
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 183

com um diâmetro de 23,4 cm. Tem o brasão de visconde, no centro, com dimen-
são apreciável, sendo todo o restante branco, opaco e leitoso, delimitado por
uma cercadura policroma em forma de corrente. A bordadura é recortada, à
maneira de Meissen, com filete dourado no extremo, com motivos geométricos
em teoria, debruado por uma série contínua de pérolas. Acrescem seis pequenos
e graciosos ramos de flores e folhas, dispostos simetricamente. Apesar de andar
datado de cerca de 1770, certo é que estas peças não podem ser anteriores à
elevação a visconde, o que ocorreu apenas, em 1777. Assim, propomos como
ano provável o de 1780, ou um dos mais próximos, podendo ter sido esta uma
forma de comemorar tal distinção, integrando-se no tempo do reinado do impe-
rador Qianlong da Dinastia Qing.
184 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. FREI FRANCISCO
DA ASSUNÇÃO E BRITO
(n. 1726, f. 1808)
Bispo eleito de Olinda e arcebispo de Goa

Armas: Brito, Correia, Azevedo (de São João de Rei), um escudete com
um coração sobre todo. Escudo esquartelado. I e IV, de vermelho, nove lisonjas
de prata, cada lisonja carregada de um leão. II, de ouro, fretado de vermelho.
III, contra esquartelado: 1.º e 4.º de ouro, águia estendida de negro, 2.º e 3.º, de
azul com cinco estrelas de prata em sautor, e bordadura de vermelho carregada
de aspas. Sobre-o-todo, um escudete de prata com um livro negro, e, sobre o
livro, um coração vermelho trespassado por duas setas de negro. Sobre o escudo
está uma corôa de nove pérolas, de ouro, e quatro mais pequenas de azul, e uma
cruz de ouro de duas travessas. Encimam a cruz e a coroa o chapéu eclesiástico,
de verde, guarnecido com cordões da mesma cor, com quatro ordens de borlas.
Há pequenas incorrecções na execução do desenho, como o leão dos Brito, por
exemplo, que devia ser de púrpura.
D. frei Francisco de Assunção e Brito nasceu no Brasil, em Minas Gerais,
em Vila Rica, depois chamada Ouro Preto, no ano de 1726, tendo sido orde-
nado em 1750. Depois professou na Ordem dos Eremitas Calçados de Santo
Agostinho, vindo a ser provido no Bispado de Olinda, em 10 de Novembro de
1772, embora não tenha tomado posse dessa sedia episcopal, devido a ter sido
nomeado 23.º arcebispo de Goa e primaz das Índias, em 20 de Dezembro de
1773, sendo entronizado, a 1 de Outubro do ano seguinte. Renunciou, a 1 de
Janeiro de 1783, voltando ao Reino, e estabelecendo-se em Lisboa, numa casa
situada no Bairro Alto, na Rua das Partilhas, onde veio a falecer, em 16 de
Dezembro de 180891. As armas deste ilustre prelado andam normalmente atri-
buídas a ao bispo de Portalegre D. Pedro de Mello e Brito da Silveira e Alvim,
mas essa identificação foi irrefutavelmente contestada por Luiz Ferros.
Dado que as armas do prelado aparecem claramente como de arcebispo,
não parece haver margens para dúvidas, para pensar que o serviço a que o covi-
lhete que apresentamos na página seguinte foi encomendado durante a estadia
em Goa, entre 1774 e 1783, no tempo em que habitou o palácio dos arcebispos,
já longe de Velha Goa, em Santa Inês, junto da capela desta invocação e do palá-
Brasão de D. Frei Francisco cio dos Melo Sampaio. Dado o tempo de demora das viagens e a execução da
da Assunção e Brito conforme aparece
nas peças do serviço estudado encomenda, parece-nos acertado datar o serviço de um ano próximo de 1780.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 185

Foi no seu tempo que caiu uma das torres da sé catedral, a 26 de Julho de
1776, ficando muito afectadas outras partes do imponente edifício. Já antes, o
marquês de Pombal desejara o abandono da catedral e a sua mudança para a
Casa Professa do Bom Jesus, mas, felizmente, nem o vice-rei D. Pedro da
Câmara, nem D. frei Francisco de Assunção e Brito estiveram de acordo com o
ministro de D. José I, e foram esquecendo a ordem, salvando-se assim da ruína
um dos mais notáveis construções que os portugueses levantaram no
Mundo92.
O covilhete tem o bordo ondeado, alternando secções maiores com outras
com cerca de metade do tamanho, com festões polícromos entrelaçados a toda
a volta, com uma bela e delicada policromia família rosa. Tem 18 cm de compri-
mento e 15 cm de largura, e tem que se datar de cerca de 1780, do tempo da
Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong, como dissemos.
O escudo de armas, que já descrevemos antes, ocupa todo o centro da
peça, com forte impacto visual, sobretudo pela predominância do ouro, contras-
tando com o imaculado fundo branco leitoso de excelente vidrado.

Sé Catedral de Goa

Covilhete recortado de porcelana


chinesa de exportação com o brasão
de D. Frei Francisco da Assunção
e Brito. Cerca 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
186 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

TEODORO JOSÉ DE VASCONCELOS


E SÁ FARIA DE SOUSA
(n. 1738, f. 1789)
Fidalgo da Casa Real

Armas. Sousa (do Prado), Faria, Vasconcelos e Sá. Escudo em cartela,


esquartelado. I, contra-esquartelado: 1.º e 4.º, de ouro, leão rampante de azul;
2.º e 3.º, cinco escudetes de azul. II, de ouro, torre de azul acompanhada por
cinco flores-de-lis, três em chefe e duas nos flancos. III, de ouro, três faixas car-
regadas de cinco pontos de azul. IV, enxaquetado de ouro e azul93. Coronel de
nobreza. Há vários erros na representação. As armas dos Sousa do Prado, do 1.º
quartel, têm os quartéis trocados, como nas armas de Portugal Antigo, e os
escudetes estão postos em aspa em vez de estarem em cruz94.
O conde de Castro e Solla identificou o encomendante deste serviço como
sendo José de Vasconcelos e Sá, o 1.º barão de Albufeira, o que justificaria tam-
bém o coronel, que tem sido interpretado como coronel de conde, mas que não
pode ser mais, como dissemos antes, do que um simples coronel de nobreza.
No entanto, a data provável para a feitura, de um ponto de vista estilístico, não
permite sustentar tal atribuição, pelo que aceitamos e concordamos com a que
foi oportunamente feita ao seu pai, nascido em 1738. Se aos trinta anos tivesse
encomendado o serviço a que esta taça e pires pertenceram, encontraríamos a
data plausível de 1768. Mas, temos que alargar a possibilidade e dar uma mar-
gem maior, entre 1765 e 1775, e podemos ir até à datação que anda proposta,
que é a de 1780, pois historicamente ela é possível. De qualquer modo, estamos
sempre dentro do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador
Qianlong.
A peça que apresentamos pertence a uma colecção privada. É em porce-
lana muito fina e leitosa, com esmaltes da paleta da família rosa e ouro, sob um
finíssimo vidrado. A taça tem na face o brasão de Teodoro José de Vasconcelos e
Faria de Sousa, na forma que descrevemos. Não deixa praticamente qualquer
espaço vago, pois estende-se, em altura, desde o bordo até ao pé, que é ligeira-
mente alteado e em forma de colar cilíndrico. O bordo tem um pequeno friso
composto por folhas a ouro e verde escuro, que se repete no pires, para definir
os espaços da aba alteada e arredondada da caldeira, onde também se vê o bra-
Brasão de Teodoro José
de Vasconcelos e Sá Faria são, mas com dimensões mais proporcionadas do que na taça. A aba é quase
de Sousa, conforme está representado
nas peças do serviço toda branca, com uma finíssima tarja a ouro no bordo, formada por imbricados
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 187

contínuos e, logo abaixo, uma linha ondeante de pontos dourados, com a inclu-
são de seis ramos de flores, uns polícromos e outros a ouro, dispostos segundo
o tipo de esmaltes, nos vértices imaginários de tiângulos isósceles.

Taça e pires de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Teodoro José de Vasconcelos
e Sá Faria de Sousa.
Cerca de 1765 a 1780. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
188 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. RODRIGO DE CASTRO
(n. 1713, f. 1774)
Capitão-general dos Rios de Sena e governador de Macau

Armas: Castro (de treze arruelas). Escudo em cartela, de branco,


treze arruelas de ouro, postas em 3, 3, 3, 3, 1. Coronel com cinco florões entre
pérolas. Alguns erros. As arruelas estão de ouro em campo de prata, o que é
incorrecto em Heráldica, pois não se coloca metal sobre metal; deviam ser de
azul em campo de ouro. Quanto à coroa, os florões não deveriam ter pérolas a
separá-los.
D. Rodrigo de Castro nasceu em Baçaim, a 11 de Janeiro de 1713, e fale-
ceu em 1774, à saída de Malaca, quando se dirigia para Macau. Era filho de
D. António de Castro, que foi capitão de Damão e da cidade de Goa, e de sua
mulher D. Maria Luísa de Toledo e Castro. Herdou os senhorios de seu pai e de
sua mãe. Assim, por parte desta, foi senhor do Morgado de Bezelga, em Tomar.
Recebeu os títulos de moço-fidalgo, fidalgo-escudeiro e fidalgo-cavaleiro da
Casa Real, por alvará de 10 de Março de 1746. Em 1745, numa carta publicada
por Jorge Forjaz e por José Francisco de Noronha, o futuro marquês de Alorna
dá uma breve nota biográfica dele, dizendo que servia, então, como tenente-
-general dos Rios de Sena, em Moçanbique, por carta patente do anterior vice-
-rei, e que já servia a Coroa, havia mais de dezanove anos, com cargos de alferes,
capitão-tenente de uma pala do Norte, capitão de mar-e-guerra da Coroa, aju-
dante-de-general do vice-rei e tenente-general da fortaleza de Diu.
Depois, foi capitão-general e governador de Macau, por duas vezes; uma
entre 1752 e 1755, e outra, entre 1770 e 1771, tendo ainda sido nomeado uma
terceira vez, mas morreu, antes de lá chegar, logo após sair de Malaca, como
acima já referimos95. Casou três vezes; a primeira com D. Francisca de Almeida
Telles de Meneses, a segunda com D. Luísa Henruiques Pereira de Lacerda, e a
terceira com D. Maria Rosa de Melo, em 1746, só dela tendo geração.
Apresentamos uma terrina e a respectiva travessa, com as armas acima
Brasão de D. Rodrigo de Castro, descritas, que o conde de Castro e Solla atribuiu a D. Francisco Xavier da Costa,
conforme está representado
nas peças do serviço
mas parece-nos mais acertada a hipótese avançada por Nuno de Castro, que é a
Terrina e travessa de porcelana
que aqui seguimos96. Foi esta linha sucessória que deu, na pessoa de um seu
chinesa de exportação com o brasão neto, o 1.º conde de Nova Goa.
de D. Rodrigo de Castro. Cerca de
1770. Dinastia Qing, A terrina e a respectiva travessa, que vem dos os herdeiros directos de
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) D. Rodrigo de Castro, os próprios titulares, condes de Nova Goa, são de excep-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 189

cional qualidade, em porcelana branca com esmaltes da família rosa e ouro sob
um vidrado muito fino, e pertencem a um faustoso serviço de jantar. A terrina
ovalada tem o brasão dos Castros, no centro, sobre um fundo completamente
branco, só sendo decorada a aba, elevada e ligeiramente abaulada. Tem a defini-
-la um entrelaçado de folhas de videira minúsculas, fazendo o sarmento duas
linhas ondeantes entrecruzadas, em vermelho ferrugem levemente dourado. Na
extremidade da aba, há um cordão de ouro contínuo formado por quadriculas,
com intervalos da mesma forma e dimensão em branco. No meio das duas
linhas delimitativas, está pintada uma série de grinaldas caídas, ou festões flo-
rais, presas ao rebordo externo, com pendentes de folhas verdes a separá-las,
tudo em verde e vermelho. Obviamente que a decoração da terrina assenta nos
mesmos temas e nos mesmos esmaltes. A forma é ovalada, com a tampa em
forma de abóbada abatida, com
uma pega vermelho ferrugem e
branco, em forma de tronco sec-
cionado. As pegas laterais estão
coladas aos extremos do conten-
tor da terrina, são muito levanta-
das, em forma de onda, também
da cor da pega da da tampa.
O brasão dos Castro de treze
arruelas foi aposto, quer na tampa
quer na base, cortando círculos
florais polícromos. Os mesmos
festões que descrevemos na tra-
vessa foram pintados, na parte
exterior da tampa, junto do bordo
e da zona de encaixe, e sob a borda
da terrina propriamente dita.
Aceitamos como plausível a
datação de cerca de 1770, época
em que D. Rodrigo de Castro
cumpria o seu segundo mandato
em Macau, portanto, do período
da Dinastia Qing e do reinado do
imperador Qianlong.
190 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOAQUIM JOSÉ MENDES DA CUNHA


(n. 1736, f. 1795)
Juiz-de-Fora na Índia e em Macau

Armas: Cunha e Mendes (de Tânger) Escudo de bico, partido; I, de ouro


com nove cunhas de azul, postas em 3, 3 e 3. II, cortado; 1.º de azul, muro
ameiado flanqueado por duas torres de prata, 2.º, partido, o 1.º de ouro, com
uma cabeça de mouro cortada; o 2.º com três lanças; uma brica por diferença.
Elmo, paquife e timbre dos Cunha. Os esmaltes estão trocados e há falta de
elementos. As armas dos Cunha, modernas, deviam ser de ouro, com nove
cunhas de azul, bordadura cosida de prata, carregada de cinco escudetes de
azul, cada escudete carregado de cinco besantes de prata postos em sautor.
O brasão destes Mendes é cortado: I, de azul, com um muro ameiado flanque-
ado de duas torres de prata, lavrado e aberto em negro; II, partido: o 1.º de
vermelho, com uma cabeça de mouro cortada de vermelho e fotada de prata e
de azul, o 2.º de vermelho com três lanças de prata, hasteadas de ouro, com os
ferros para cima, postas 2 e 1. Timbre: a cabeça de mouro do timbre97.
Joaquim José Mendes da Cunha nasceu em Lisboa, a 6 de Março de 1743,
como consta da documentação que lhe diz respeito, que se conserva na Torre do
Tombo, filho de Manuel da Cunha, natural da Covilhã, e de Leonor Maria
Bárbara, residente em Ribeira de Fróis, nos arredores de Trancoso. Frequentou
a Universidade de Coimbra, a partir de 1760, obtendo o grau de bacharel, em
1766, seguindo para o Oriente, onde exerceu o cargo de juíz-de-fora, na Provín-
cia de Bardês e em Macau. Recebeu carta de fidalgo de cota-de armas, em 22
de Abril de 1776.
O prato recortado que aqui apresentamos, de uma colecção privada, mas
de que conhecemos outros exemplares iguais, é em tudo semelhante aos do
serviço de António Joaquim de Pina Manique. Outro serviço foi feito para um
nobre inglês, ostentando o brasão dos Gordon, uma encomenda de cerca de
1780. Tem 23,5 cm de diâmetro, data de entre 1776 a 1780, do reinado do
Brasão de José Joaquim Mendes imperador Qianlong da Dinastia Qing; pintados em Jingdezheng, com um tipo
da Cunha, conforme está
representado nas peças do serviço
de decoração que foi muito popular durante cinco anos. O desenho usado foi o
Prato de porcelana chinesa
de padrão de meia-onda dourada, na caldeira, mas a partir de 1785, com uma
de exportação com o brasão de José cadeia de casca de frutos. Eram modelos estandardizados que tanto chegavam à
Joaquim Mendes da Cunha.
Cerca de 1776 a 1780. Dinastia Qing, Europa como à América, via Cantão. Bom desenho do bordo recortado, com a
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) aba com decoração de motivos vegetalistas a ocupá-la inteiramente, tendo, inte-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 191

riormente, a delimitar a zona plana, uma aro contínuo de escamado, igualmente


a azul cobalto, marcado interiormente por uma cadeia de flores polícromas.
O brasão fica no centro, envolvido por uma grinalda de flores e folhagem, nas
cores verde, vermelha e amarela.
192 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ FRANCISCO DA CRUZ ALAGOA


(n. ?, f. 1768), ou
JOAQUIM INÁCIO DA CRUZ SOBRAL
(n. 1725, f. 1781), ou
ANSELMO JOSÉ DA CRUZ SOBRAL
(n. 1728, f. 1802)
Fidalgos da Casa Real e comerciantes

Armas (iguais): Sobral (Mercê Nova) ou Alagoa (Mercê Nova). Cortado:


I, de azul, com cinco estrelas de ouro de seis pontas, em cruz; II, de prata,
aguado de azul; bordadura de todo o escudo, de vermelho carregada da legenda
NOMEN HONORQUE MEIS, em letras de ouro. Escudo encimado por elmo
com grades, de prata, virado à dextra a três quartos, correias de vermelho com
fivelas de ouro; paquife guarnecido de folhagem e flores de esmaltes polícromos.
Sobre o elmo, um virol de vermelho, de prata, de ouro e de azul. Por timbre, um
galgo dourado, coleirado de vermelho, com uma chave na boca. Há variantes
nos diferentes serviços, fruto da incorrecção dos executantes que, certamente,
não perceberam sempre os modelos enviados, o que não é novidade, como
vimos relativamente a várias outras encomendas já analisadas, ou estudadas nas
páginas seguintes.
São conhecidos oito serviços que apresentam este brasão de armas, que
tanto pode ser de Joaquim Inácio da Cruz Sobral, como de seu irmão imediata-
mente mais novo, José Francisco da Cruz Alagoa, como ainda de Anselmo José
da Cruz Sobral, o quarto dos irmãos varões, que foi herdeiro dos bens, Morga-
dio e armas do primeiro, pois esse não teve descendência, e este irmão sobrevi-
veu-lhe vários anos.
Castro e Solla já tratou desta família, que merece uma atenção muito espe-
cial no contexto das mudanças sociais do Portugal Pombalino, e da ascenção ao
Poder da burguesia comercial, no auge do Antigo Regime98. Já nessa altura,
Retrato de Joaquim Inácio da Cruz identificou cinco serviços distintos, aos quais José de Campos e Sousa viria a
Sobral, representado no rosto
da edição do Elogio consagrado acrescentar outros dois, como veremos. No entanto, atribuíu todas as encomen-
á saudosa memória do Senhor
Conselheiro Joaquim Inácio
das a Anselmo José da Cruz Sobral. Vejamos alguns dados acerca desta família,
da Cruz Sobral, 1781. para podermos perceber a razão pela qual não conseguimos discernir entre os
(Colecção do Banco de Portugal)
três, quem encomendou o quê.
Brasão dos Sobral-Alagoa,
conforme está representado nas peças Conhecemos o avô, João Francisco, um simples ensamblador, que vivia no
do jarrão do Museu dos Condes
de Castro Guimarães. Cascais lugar da Igreja Nova, no termo de Sintra, casado com Brízida Francisca, esta
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 193

natural de Agualva. Este casal teve João Francisco da Cruz, que também nasceu
em Agualva, e que subiu na vida, dedicando-se ao comércio e à indústria e, que
casando com uma tal Maria Joana de Sousa, natural de Vila Franca de Xira, teve
seis filhos, quatro homens e duas mulheres. Diga-se que parece ter sido o mais
velho quem abriu as portas para a ascenção do próprio pai e, depois, dos irmãos.
Esse, António José da Cruz, de seu nome, entrou para a Congregação de São
Filipe de Nery, onde se tornou íntimo do padre Domingos de Oliveira, que era
valido de D. José I e homem de grande influência na Corte e, ao que parece,
ambos esforçaram-se para alcandorar Sebastião José de Carvalho e Melo ao
cargo mais alto da governação, atitude que este recompensou generosa-
mente, nas suas pessoas e na de todos os familiares próximos. Desde logo, foi
procurador-geral da Ordem, mas, após o Terramoto de 1755, passou a clérigo
secular e foi nomeado cónego, ficando com o encargo de reedificar a Basílica de
Santa Maria.
Entretanto, o pai, que morava às Portas de Santa Catarina, foi nomeado
deputado da Junta do Grão-Pará e Maranhão, e escrivão do Terreiro Público.
José Francisco da Cruz Alagoa trabalhava, essencialmente, no comércio, e
partiu para o Brasil, para Salvador da Bahía, continuando a enriquecer. Voltou
para Lisboa, por conselho do irmão padre, que lhe conseguiu importantes
nomeações, junto do marquês de Pombal. Foi director da Real Fábrica das
Sedas, director das fábricas de lanifícios da Covilhã e de Pombal, vice-provedor
da Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba e, depois ainda, tesou-
reiro do Real Erário, contratador dos tabacos, conselheiro efectivo da Real
Fazenda, administrador da Alfândega-Grande, e presidente de todas as alfânde-
gas do Reino. Foi um dos accionistas fundadores da Companhia Geral do Grão-
-Pará e Maranhão, entrando com 10.000 cruzados, assinando os estatutos, em
6 de Junho de 1755, sendo um dos onze associados, cujo primeiro da lista era o
próprio Sebastião José de Carvalho e Melo99.
Foi feito fidalgo da Casa Real, por alvará de 17 de Janeiro de 1763, e foi
também membro do Conselho de Sua Magestade. Em 10 de Setembro desse
mesmo ano, instituiu o Morgado de Alagoa, em Carcavelos e, em 25 de Março
de 1765, foi-lhe passada carta de brasão de armas, de mercê nova, como acima
descrevemos. Construiu uma grande morada, fronteira ao palácio Palmela, cujas
traseiras davam para a Rua da Fábrica das Sedas100. Morreu em 1768.
O terceiro filho foi Joaquim Inácio da Cruz Sobral, que também embarcou
para a Bahía, onde casou com D. Ana Joaquina Inácia da Cunha, filha única de
um abastado comerciante, cuja fortuna herdou. Foi também feito fidalgo da
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Casa Real e membro do Conselho Régio. Por morte do irmão Francisco José,
herdou praticamente todos os seus cargos. Arrematou o reguengo de Sobral de
Monte Agraço, e, por carta régia de 18 de Abril de 1771, confirmada por outra
de 19 de Dezembro de 1776, foi autorizada a instituição de um morgadio de
200.000 cruzados. Foi nomeado senhor hereditário da vila, e autorizado a
tomar-lhe o nome, Sobral, que acrescentou a Cruz; foi-lhe concedida carta de
brasão de armas, de mercê-nova, a 28 de Dezembro de 1776101.
Elogio consagrado á saudosa memória
do Senhor Conselheiro Joaquim Inácio Em 1773, comprou uma casa ao Calhariz, onde fez a sua sumptuosa mora-
da Cruz Sobral, Lisboa, 1781
(Colecção do Banco de Portugal) dia, onde hoje está a Caixa Geral de Depósitos, e tinha um solar em Sobral de
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 195

Monte Agraço. Deixou disposições testamentárias que levaram o seu irmão


Anselmo a herdar bens, títulos e o respectivo brasão. Morreu em 1781. A sua
fama levou a que lhe publicassem um elogio fúnebre, como se faria a um prín-
cipe, o Elogio consagrado á saudosa memória do Senhor Conselheiro Joaquim Ignacio
da Cruz Sobral…, escrito por João José Pinto de Vasconcelos, que tinha sido
secretário do Governo e do Estado de Angola, que foi dado à estampa na Ofi-
cina Patriarcal de Francisco Luís Ameno, em Lisboa, em 1781. Temos aqui, no
rosto, o seu retrato, numa coroa, que dois anjos elevam nos ares, certamente em
direcção ao Céu!
Anselmo José da Cruz Sobral, o quarto na ordem de nascimento dos
varões, nasceu em Lisboa, a 21 de Abril de 1728, e morreu em 10 de Março de
1802. Partiu cedo, para Génova, onde trabalhou na casa comercial de Rollan-
delli e Basso, casando, nessa cidade italiana, com Maria Madalena Crocco.
Dado o êxito da família, veio para Portugal e, como dissemos, herdou os bens e
cargos do seu irmão Joaquim Inácio, nomeadamente, o palácio do Calhariz,
onde passou a viver, até à morte. Mas, dedicou-se também à indústria, e foi
proprietário de uma fábrica de papel, na Lousã, tendo para isso formado uma
empresa com o nome de Anselmo José da Cruz e C.ª, com alvará em 1769102.
Em 1788, com Gerardo Braamcamp Castelo-Branco, obteve a concessão por
doze anos e sua conta de uma fábrica de lanifícios, em Portalegre103. Por alvará
de 1779, foi feito cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, desempenhando as
funções de conselheiro da Fazenda Real, administrador dos Tabacos, provedor
da Real Junta de Comércio, e fiscal das Obras Públicas, no tempo em que, entre
outras, se fez a estátua equestre de D. José I, a basílica da Estrela e o teatro de
São Carlos. Foi um dos sócios fundadores da Companhia de Pernambuco e
Paraíba, com escritura constitutiva assinado a 30 de Julho de 1759, com uma
cota de 10.000 cruzados, jogando a família em todos os tabuleiros, já que o
irmão José ficara, como vimos, com uma posição idêntica na outra companhia
que devia explorar o Norte e Nordeste do Brasil104.
Anselmo José da Cruz Sobral foi o 2.º senhor do Morgadio de Sobral de
Monte Agraço, e alcaide-mor de Freixo de Numão. Vivia no maior luxo; a sua
casa era das mais notáveis de Lisboa e o seu recheio impressionava os contem-
porâneos, mesmo os da mais alta nobreza do tempo. Inácio de Sousa e Meneses
publicou uma memória sobre as festas que se realizaram, na capital, em 1793,
por ocasião do nascimento e baptismo da princesa da Beira. Uma foi no palácio
do Calhariz, para a qual a Corte foi convidada. Anselmo não se popou a esfor-
ços, para abrilhantar essa serenata, na qual cantou a nossa Luisa Todi, além de
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Forlivesi, Vilolani, Antonio Puzzi e outras ilustres vozes do panorama lírico por-
tuguês e europeu, tudo peças compostas para o evento, por Caetano Martinelli,
então ao serviço da Corte.
Reformou e redecorou doze salas do palácio, onde além de farta criada-
gem vestida de luxuosas librés, se viam notabilíssimos móveis em pau-santo
entalhado, lustres de cristal, tectos de estuques e pintados no centro, tapeçarias,
paredes revestidas de setim bordado ou pintado da Índia, além de muita prata,
de que se destacava uma miríade de serpentinas e castiçais. Anotamos, na
segunda sala, “…nos ângulos, quatro talhas de Macau, com quatro palmos de altura,
bem pintadas e douradas…”105. Ora, duas destas devem ser as que estão no
Museu dos Condes Castro Guimarães, em Cascais.
Teve por herdeiro Sebastião António da Cruz Sobral, 3.º senhor do
Morgadio, um dos impulsionadores da construção do teatro de São Carlos,
que nasceu, em 1757, e morreu em 1805, portanto, logo três anos a seguir ao
pai. As duas filhas de João Francisco da Cruz e de Maria Joana de Sousa
foram freiras, em Chelas; chamavam-se Agostinha Maria dos Prazeres e Teresa
Perpétua de Jesus.
Como Luiz Ferros muito bem notou, três pessoas podiam usar o brasão
que os serviços ostentam, a partir de 1765, quando as armas Alagoa foram dadas
ao mais velhos dos irmãos que não seguiu a vida religiosa; as armas Sobral, dadas
em 1776, são iguais, como também já se viu. Já agora, também nada impede que
o 3.º morgado, nascido em 1757, tivesse encomendado algum serviço; mas pen-
samos que não, pois viveu pouco tempo, após o falecimento do pai.
Habitualmente, todos os serviços andam datados de cerca de 1775, mas
não é possível confirmar isto, pois alguns deles têm exemplares parecidos com
outra heráldica, até estrangeira, que são seguramente de épocas posteriores,
posto que não muito. Sendo uma data meramente indicativa e lógica, admi-
tindo, por exemplo, uma margem de cinco anos, para antes e para depois, tería-
mos ainda mais dificuldades, com as mortes e sucessões dos irmãos. Pensamos
que todos eles fizeram as suas encomendas, o que é uma hipótese. Luiz Ferros,
com alguma graça, dividiu os sete serviços pelas várias casas citadinas e solares
Brasão dos Sobral-Alagoa,
conforme está representado nas peças
rústicos dos Alagoa-Sobral, num mero exercício expeculativo. Mas, segura-
do chamado serviço dos cravos mente, sucedendo-se uns aos outros nos cargos, e até os bens passaram de Joa-
Conjunto de peças de porcelana quim Inácio para Anselmo, é possível que todos ou a maioria estivessem nas
chinesa de exportação do chamado
serviço dos cravos, com o brasão mãos deste e em uso, já que as armas eram sempre as memas. Maria Antónia
dos Sobral-Alagoa.
Cerca de 1775. Dinastia Qing, Pinto de Matos veio, recentemente, trazer alguma luz sobre este caso intrincado.
reinado do imperador Qianlong.
(Colecção particular) A ilustre museóloga e investigadora esclareceu que o inventário de Joaquim
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 197

Inácio só tinha três serviços armoriados, que passaram efectivamente para o seu
irmão Anselmo José. As indicações no inventário, feito após o passamento do
rico comerciante é muito detalhado; veja-se este trecho: “… jogo de louça da
China número um para mesa com armas do falecido esmaltadas com cercadura larga
de padrão de duas flores aladas a uma rocha e uma cor de fogo e quatro flores soltas em
roda e comprido e redor do composto…”. Era constituído por 681 peças e foi ava-
liado em 400.000 reais. No ajuste com os herdeiros ficou 100.000 reais mais
barato106. Estes dados confirmam o que dissemos acima: é muito difícil fazer a
separação das encomendas, sendo preferível estudá-las em conjunto, e analisar
os encomendantes como uma só entidade, pois a verdade é que funcionavam
como um clã unido e com uma política bem definida que todos seguiam à risca.
Se os serviços ditos dos cravos e o dos imbricados são uma clara emulação
do serviço régio com as armas de D. Pedro III, usado em Queluz, e que chegou
ao palácio em 1775, o do açafate pode muito bem datar-se de 1790, ou mesmo
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de alguns anos depois. Neste caso, e se as peças reais foram logo vistas, já só
poderam ter sido encomendados por Joaquim Inácio ou por Anselmo, datando
assim, do final dessa década, já que necessitamos de, pelo menos, três a quatro
anos, para cumprir novas encomendas com decoração específica.
Pensamos também que será lógico, e por simples questões metodológicas,
manter a designação proposta por José de Campos e Sousa, que baptizou os
vários serviços da seguinte maneira: dos cravos, dos imbricados, dos silvados,
das cinco grinaldas, das oito grinaldas, da faixa brique e do açafate117. São mui-
tas as peças com o brasão Sobral ou Alagoa que integram as colecções que
servem de base a este nosso estudo.
Do serviço dito dos cravos, mostramos uma terrina, com 23 cm de altura,
31 cm de comprimento e 21 cm de largura; um prato grande recortado com
38,5 cm de diâmetro, e um prato raso também recortado com 24 cm de
diâmetro.
Estes modelos e esta decoração não foram feitas em exclusivo para um dos
irmãos, pois conhecemos outros em que as diferenças são mínimas. Ainda recen-
temente, foi vendida, em Lisboa, uma terrina com a respectiva travessa, perten-
cente aos chamados serviços de casamento, com dois escudos com os
monogramas dos nubentes, encimados por uma coroa de marquês, que tem os
mesmos motivos e a mesma distribuição, embora os cravos que aqui aparecem
sejam, no outro, rosas, ou flores parecidas que não conseguimos identificar
bem108. Também os moldes das terrinas parecem ser os mesmos, o recorte geral,
a tampa com a pega em forma de fruto, as pegas laterais com igual desenho, a
colocação dos esmaltes das tarjas, a das flores e ramos avulsos, e também dos
brasões. Estamos convencidos de que apenas terá sido enviado para Macau e,
daqui, para Cantão e Jingdezheng, o brasão Sobral ou Alagoa, aposto num ser-
viço já preparado, dos que eram feitos em série. A decoração é de esmaltes em
tons vermelho ferrugem, lilás, verde e dourado. A aba dos pratos e as bordas
superior e inferior da terrina possuem uma orla recticulada, com contorno
interno mistilíneo, de desenho de feição rococó, acrescida de pequenos ramos
de flores e folhas, tudo de excelente execução, e ainda melhor efeito plástico.
Brasão dos Sobral-Alagoa,
conforme está representado nas peças
A ornamentação que envolve o brasão é prolixa, com grinaldas hipertofiadas,
do chamado serviço dos imbricados mas com excelente resultado, o que valoriza visualmente, e muito, as armas do
Terrina de porcelana chinesa encomendante.
de exportação do chamado serviço
dos imbricados com o brasão Do serviço dito dos imbricados destacamos estas molheiras tem 12,5 cm
dos Sobral-Alagoa. Cerca de 1780
a 1790. Dinastia Qing, de altura, 17 cm de comprimento e 11,3 cm de largura, e as travessas respectivas
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) com 23,5 cm de comprimento e 18,5 cm de largura, têm a forma de terrinas, de
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 199

um modelo que começou a ser produzido na década de setenta, de que o pri-


meiro serviço também estava dotado, e que são do mesmo formato das do ser-
viço de Queluz, que possui as armas de D. Pedro III. A parte inferior destas
peças tem origem num modelo produzido, em Sévres, mas já a cobertura é uma
invenção de Josiha Wedgwood, quem fez as primeiras completas, para o mer-
cado inglês, mas que imediatamente, foram copiadas, na China109. As primeiras
peças produzidas para a Europa devem ser as do serviço para a família Mai-
tland, mas as do nosso rei D. Pedro III não podem ser muito posterior, se não é
mesmo coeva. Há, no entanto, outras exactamente iguais na forma, apenas dife-
rindo levemente na decoração e não ostentando brasões, que vão aparecendo
com regularidade no mercado, e que integram várias colecções privadas e de
museus. Já em 2006, foi vendido um par, em Lisboa110.
A decoração do serviço dos imbricados é uma das mais notáveis de quan-
tas conhecemos, desta segunda metade de Setecentos, o que se acrescenta à
200 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

forte modelação, pelo menos das peças que conhecemos. As asas e pega da
tampa das molheiras têm uma coloração forte, de um laranja avermelhado em
conjugação com lilás, tendo as tampas e as abas das terrinas um imbricado com
motivos fitomórficos e outros de cariz geométrico, de influência das vinhetas e
gravuras ornamentais dos livros, já de sabor rococó. Em relação ao primeiro
serviço, o brasão está aposto com maior descrição, diminuindo-se o seu envol-
Terrina e travessa de porcelana
chinesa de exportação do chamado
vimento, com apenas algumas ramagens e flores a envolverem-no, mas aparece
serviço dos silvados com o brasão
dos Sobral-Alagoa. Cerca de 1780
agora ums conchas espalmadas, tão típicas da fase plena do rococó, mesmo em
a 1790. Dinastia Qing, Portugal, no fim do reinado de D. João V e durante quase todo o reinado de
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular D. José I. Anote-se que é muito parecida, com alguns elementos exactamente
Brasão dos Sobral-Alagoa, conforme iguais, aos da cercadura do serviço que atribuímos a um dos José Rodrigues de
está representado nas peças
do chamado serviço dos silvados Abreu.
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O terceiro serviço possui decoração mais luxuriante, com esmaltes da


família rosa, em vermelho ferrugem, vermelho, verde e azul, com tarjas idênticas
às que já vimos no segundo serviço, e logicamente, no também antes citado que
foi encomenda de um dos José Rodrigues de Abreu, com elementos inspirados
nas gravuras e até com os famosos pavões, estes aqui de cor verde. A terrina é de
uma forma mais tradicional, copiada obviamente de modelo europeu, repetida Travessa recortada de porcelana
chinesa de exportação do chamado
vezes sem conta, anotando-se as pegas laterais em forma de cabeça de animal, serviço das cinco grinaldas com o
brasão dos Sobral-Alagoa.
de muito boa modelação, e a pega da tampa semelhando uma delicadíssima flor. Cerca de 1780 a 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
O escudo de armas mostra uma decoração envolvente claramente rococó, com (Colecção particular
202 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

as conchas espalmadas tão típica, em Portugal, nas artes decorativas do tempo


de D. José I.
Do quarto serviço, o das cinco grinaldas, temos uma travessa com uma
decoração finísiima, com esmaltes polícromos, em que uma grinalda se enrola
formando grandes laçadas, em linhas elípticas com centros diversos, a toda a
volta, conformando curvas mais largas e mais apertadas, que se dobram em
Prato e garrafa de porcelana pendente e se cruzam, descendo assim, do bordo, até quase à base do bojo; no
chinesa de exportação do chamado
serviço das cinco grinaldas com o bordo há um filete a ouro. Este desenho e esquema é muito idêntico ao do ser-
brasão dos Sobral-Alagoa.
Cerca de 1780 a 1790. Dinastia Qing, viço do marquês de Mariava, que estudámos antes. Os esmaltes são de boa
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) qualidade, sob bom vidrado e o fundo é branco leitoso, da família rosa, a verde,
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 203

mas também com amarelo e vermelho, sendo o escudo igual ao dos dois servi-
ços anteriores, com elementos rococó a enquadrá-lo.
No quinto serviço, o das oito grinaldas, a decoração é mais simples do que
a dos anteriores, baseada em grinaldas que caiem da orla, seis nas peças peque-
nas, e oito nas grandes, de folhagem e flores verdes, com a borda avivavada por
um filete dourado, que também aparece associado a uma cadeia ponteaguda
verde, a toda a volta da parte plana de pratos, covilhetes e travessas. No centro
destes foi colocado um belo ramo de flores, com folhagem para o compor, tudo
também em verde. Destacam-se os pratos oitavados, que apesar de não ter uma

Brasão dos Sobral-Alagoa, conforme


está representado nas peças
do chamado serviço da faixa brique

Prato de porcelana chinesa


de exportação do chamado serviço
da faixa brique com o brasão
dos Sobral-Alagoa. Cerca de 1780
a 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
decoração muito densa, acabam por ter de excelente efeito, dado o equlíbrio da
composição e o ligeiríssimo ondulado do rebordo.
Do sexto serviço, ou da faixa brique mostramos uma grande travessa oval,
com um comprimento de 37,5 cm e uma largura de 31 cm, e um par de pratos
de abas recortadas com 22,3 cm de diâmetro. O brasão dos Sobral-Alagoa é dos
mais simples, já claramente rococó, como destaque para as rocalhas laterais.
A decoração é parca e aproxima-se claramente dos padrões do neoclássico euro-
peu, sendo por isso de imaginar que tenha sido um dos últimos a ser encomen-
dado, não nos repugnando apontar já para a década de noventa, ou para uma
data muito próxima.
Conjunto de peças de porcelana Fundamentalmente, resume-se a uma faixa vermelho ferrugem a toda a
chinesa de exportação do chamado
serviço da faixa brique com o brasão volta do bordo da travessa, resumindo-se os pratos a ramos de flores pintados na
dos Sobral-Alagoa. Cerca de 1780
a 1795. Dinastia Qing, aba, ramos que também existem na aba da dita terrina. A zona plana de todos
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) está marcada por um cordão da mesma cor, ficando o brasão, no centro, desta-
cando-se bem de uma superfície lisa bastante ampla, de um branco imaculado,
sob um vidrado de muito boa execução.
Conhecemos um outro serviço que, ultimamente, se começou a designar
como oitavo, ou como sendo dos relevos, pelo facto de ser, efectivamente relevado.
É certamente anterior aos sexto e sétimo serviço, voltando a aparecer a tal
faixa dos pavões verdes que decora o segundo e o terceiro, mas a característica
mais marcante é o conjunto de ramagens em relevo que ornam a aba, três exac-
tamente, colocadas nos vértices de um triângulo equilátero imaginário, em
branco, apenas marcado por pequenos pontos a vermelho, em grupos de cinco,
a conformar flores.
Resumindo o que dissemos acima, acerca da datação de todos estes servi-
ços, temos que os datar de um período relativamente largo, entre 1775 e 1795,
pelo menos vinte anos que, relativamente à China, corresponde ao período da
Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong.
206 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

FRANCISCO DE MELLO
E VASCONCELOS
(n. ?, f. depois de 1795)
Cavaleiro-fidalgo da Casa Real

Armas: Mello e Vasconcelos. Escudo em cartela, partido. I, de vermelho,


com seis besantes de prata entre dobre-cruz e bordadura de ouro. II, de negro
com três faixas veirada de prata e vermelho. Timbre, sobre a coroa de conde,
dos Melo, uma águia aberta. Pequenas incorrecções, como na pala dos Melo,
em que, por diferença, devia ter representada uma brica azul com farpão de
prata111.
Francisco de Mello e Vasconcelos nasceu em Salvador da Bahía, onde
ainda vivia, em 1795. Era filho de Caetano de Mello e Vasconcelos e de sua
mulher D. Leandra Bezerra de Alpoim; foi cavaleiro-fidalgo da Casa Real. Rece-
beu duas cartas de brasão de armas, a primeira, em 1782, por graça da rainha
D. Maria I, com um escudo partido, com Mello e Vasconcelos112; e a segunda,
em 1795, com o escudo esquartelado, com I e IV, com Carvalhais; II, com Vas-
concelos; e III, com Mello; sendo o timbre de Carvalhais113. Apresentamos aqui
a primeira carta de brasão-de-armas que lhe foi outorgada, e que se conserva na
Torre do Tombo. É um manuscrito bem iluminado, com excelente desenho,
peças
O prato que apresentamos tem 23,8 cm de diâmetro. A decoração é muito
fina, mas circunscrevendo-se a festões compostos por pequenas flores polí-
cromas em vermelho e verde, que caiem na aba, seguros por dez aves prateadas
de asas abertas que não cnseguimos identificar. No centro, dentro de um cír-
culo, ocupando quase toda a caldeira, fica o brasão de Francisco de Mello e
Vasconcelos.
Os pratos e as restantes peças deste serviço feito em Jingdezhen têm que
Brasão de Francisco de Mello se datar de um ano posterior a 1782 e anterior a 1795, dentro do tempo de
e Vasconcelos, conforme está
representado nas peças do serviço vigência da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong.
Brasão da carta de brasão-de-armas.
1782
(Arquivo Nacional da Torre do Tombo)

Prato de porcelana
chinesa de exportação com o brasão
de Francisco de Mello e Vasconcelos.
Cerca de 1782 a 1795. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 207
208 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. HENRIQUE DE MENESES
(n. 1727, f. 1787)
3.º marquês de Louriçal e 7.º conde da Ericeira

Armas: Meneses (dos condes da Ericeira). Escudo oval, esquartelado. I e


IV, de branco, por prata, com as armas do Reino, cinco escudetes de azul, bor-
dadura de vermelho carregada de sete torres, por castelos, castelos de ouro. II e
III, de azul, com três flores-de-lis de ouro; sobre-o-todo de ouro, um anel de
ouro, a versão usada pelos marqueses de Marialva e pelos marqueses do Louri-
çal. Coronel de vice-rei ou de governador. Pequenas incorrecções e sobretudo
alteração da coroa de marquês, que foi mal desenhada.
D. Henrique de Meneses era filho de D. Luís Carlos Inácio Xavier de
Meneses, que foi duas vezes vice-rei da Índia, e de D. Ana Xavier de Rohan,
filha dos condes da Ribeira Grande. Nasceu a 5 de Janeiro de 1727 e morreu a
29 de Maio de 1787. Ascendeu à chefia da sua ilustre Casa devido à morte do
seu irmão primogénito, D. Francisco Xavier Rafael de Meneses. Destinado à
carreira eclesiástica, como era habitual suceder aos filhos segundos das grandes
linhagens do Reino, foi cónego da patriarcal, obtendo o título de monsenhor,
tendo renunciado a essas dignidades, após a morte do irmão.
Casou com D. Maria da Glória da Cunha e Meneses, sua sobrinha, filha
de José Félix da Cunha e Meneses, senhor do Morgado de Paio Pires. O título
foi-lhe concedido por D. Maria I, por carta de 17 de Julho de 1781. Sucedeu-lhe
o filho, D. Luís Eusébio Meneses da Silveira.
Herdou todos os títulos e honras de seu pai, tendo sido gentil-homem da
Câmara da rainha D. Maria I, ministro plenipotenciário em Turim e Roma, e
embaixador de Madrid, para negociar o casamento dos infantes de Portugal e de
Espanha, D. João e D. Gabriel. Recebeu a altíssima distinção de cavaleiro do
Tosão de Ouro114. Era também cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, habili-
tado a 11 de Agosto de 1763115. Note-se que este serviço foi atribuido por Castro
e Solla ao 4.º marquês de Louriçal e 8.º conde da Ericeira, o que é impossível,
pois esse nasceu em 1780, o que é incompatível com o estilo da decoração.
No prato que apresentamos a decoração é pintada a esmaltes da família
rosa e ouro, com a cercadura a ouro e azul, com flores douradas e serrilhado a
Retrato de D. Henrique de Meneses toda a volta do bordo dos pratos, na cercadura das respectivas caldeiras, e tam-
Brasão de D. Henrique de Meneses, bém da terrina e na borda da respectiva tampa. Ao centro dos pratos e na face
conforme está representado nas peças
do serviço das terrinas que conhecemos, e no meio da respectiva tampa está o brasão dos
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 209

titulares, tendo a pega a forma de um fruto de cor salmão. As armas dos Mene-
ses estão rodeadas por duas palmas cruzadas, atadas com um laço de fita cor-
-de-rosa, e duas hastes floridas com esmaltes família rosa.
Prato de porcelana chinesa
Podemos datar este serviço, com algumas reservas, de cerca de 1785, do de exportação com o brasão
de D. Henrique de Meneses.
período da Dinastia Qing e do reinado reinado do imperador Qianlong. Cerca de 1785. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
210 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. ANTÓNIO LUÍS
DA VEIGA CABRAL
DA CÂMARA PIMENTEL
(n. 1734, f. 1810)
Bispo de Bragança

Armas: Veiga Cabral e Câmara. Escudo oval partido. I, cruz alta recruzada
nas hastes superioras e laterais de ouro, tendo de cada lado, sob as laterais, duas
águias bicéfalas de cinzento, armadas de ouro e bicadas de vermelho, coroadas,
e em ponta de flores-de-lis de ouro em contra-roquete. II, cortado: 1.º, de ver-
melho, com duas cabras passantes e sobrepostas; 2.º, de negro, com torre de
ouro, sustida por dois lobos afrontados de ouro, sobre terrado de verde. Listel
sobre o escudo com a inscrição AVE MARIA, a negro, e sobre ele um coronel
de cinco florões e quatro pérolas aparentes. Pendente, uma cruz de branco, sus-
pensa de uma conta, um coração e outra conta.
As armas da 1.ª pala são uma deturpação dos Veiga de Nápoles ou de Vila
Viçosa. Também as armas dos Cabral têm as cores trocadas, dado que as cabras
deviam ser de púrpura em campo de prata. A cruz pendente está mal represen-
tada, aparecendo como uma cruz latina.
D. António Luís era filho de Francisco Xavier da Veiga Cabral Câmara,
que foi governador de armas de Trás-os-Montes, e de D. Rosa Joana de Morais
Pimentel. Foi bispo de Bragança. Nasceu em 1758 e faleceu em 1819.
Este serviço tem sido atribuído ao irmão do prelado Francisco António,
mas, desde logo, surge uma dificuldade, já que ele só foi visconde durante duas
semanas. Seria quase impossível, entre a notícia da mercê e a morte, ter enco-
mendado os serviços. No entanto, a coroa que aparece em ambos é uma coroa
de nobreza e não uma coroa específica de visconde116.
Lourenço Correia de Matos, que temos vindo a seguir na sua análise e
atribuição, que contrariam as de Castro e Solla e mesmo de Luiz Ferros, não
Brasão de D. António Luís da Veiga duvida da encomenda, que teria sido feita por D. António Luís, antes de ter sido
Cabral da Câmara Pimentel,
conforme está representado nas peças provido na sédia episcopal brigantina117. Quanto à data da compra, temos que
do serviço
colocá-la, quando o irmão, D. Francisco António da Veiga Pimentel, já estava na
Travessa de porcelana Índia, em 1793, nomeado 80.º governador. Logo no ano seguinte, fez certa-
chinesa de exportação com o brasão
de D. António Luís da Veiga Cabral mente a encomenda aos comerciantes que vendiam, no Estado da Índia, os
da Câmara Pimentel.
Cerca de 1795. Dinastia Qing, produtos chineses; quando aí chegou e, como dissemos, o irmão ainda não era
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) bispo, e daí o brasão não ter o chapéu dessa dignidade.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 211

Apresentamos uma travessa, decorada a azul sob vidrado, com esmaltes


polícromos e ouro. Tem formato rectangular, a caldeira pouco funda, e a aba
dotada de rebordo recortado e com chanfro. Ao centro, as peças deste género do
serviço têm as armas de D. António Luís da Veiga Cabral Câmara envoltas por
ornamentação floral e com frutos e ramagens, e uma banda com padrão geomé-
trico azul. A aba da travessa tem um padrão encanastrado, uma grinalda pendente
de flores esmaltadas e douradas. Este serviço tem que datar de um ano próximo
de 1793, dentro do âmbito cronológico do reinado de Jiaqing da Dinastia Qing.
Existiu uma outra encomenda, de um serviço de café, chá ou chocolate, de
que se conhecem algumas peças, com uma decoração completamente diferente,
menos sobrecarregada, com uma tarja a ouro a toda a volta do corpo, cortada
pelo brasão do bispo de Bragança, e com um delicadíssimo friso no interior da
borda, a verde e ouro. A datação, pelos motivos a que aludimos, relativamente
às peças do outro, tem que ser a mesma.
212 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. JOAQUIM XAVIER
BOTELHO DE LIMA
(n. 1717, f. 1800)
Arcebispo de Évora

Armas: Botelho. Escudo em cartela, de ouro, com quatro bandas de ver-


melho. Chapéu de prelado com borlas, 15 de cada lado (quando deveria ser de
10), e a sua cor, assim como do chapéu, de verde, em vez de vermelho, conforme
compete aos arcebispos. No 2.º serviço estão cinco bandas ou contra-bandas,
por erro dos artífices e, sobre o escudo uma coroa ducal, que não aparece no 1º.
D. Joaquim Xavier Botelho de Lima e Távora era filho do 3.º conde de São
Miguel, Tomás José Botelho de Távora, e de D. Juliana Xavier de Lencastre,
filha do 3.º conde de Unhão. Nasceu em Lisboa, a 21 de Março de 1717. Seguiu
a vida religiosa, ingressando na Ordem de São Bento, e estudou em Coimbra, no
colégio das Ordens Militares. Graduou-se em Cânones e ordenou-se em Julho
de 1762. Foi pároco da igreja de Santa Cruz do Douro e, posteriormente, abade
de São Martinho de Soalhães. Foi elevado à categoria de arcebispo de Évora, em
17 de Dezembro de 1783, sédia que ocupou até à sua morte, sendo sepultado
no convento de Santa Helena do Monte Calvário, na capital alentejana118.
Foi um dos prelados que mais contribuiu para o enriquecimento da sua sé,
conservando-se muitas obras do seu tempo. Foi de sua encomenda o grande
guarda-vento da igreja arquiepiscopal, datado de 1797, bem como as tribunas,
entretanto desaparecidas. Comprou também três grandes lâmpadas de prata de
suspensão, para o altar-mor, já englobado na fantástica capela-mor projectada
por Ludovice, com a admirável tela de Masucci. No Museu de Évora, guardam-
-se cadeiras de estado forradas de tecido rico e outras encoiradas com as suas
armas, bem como uma jarro de mão com respectiva bacia degolada, certamente
para uso próprio, e também cinco salvas, com as iniciais dos prateiros, HH e SD,
que não conseguimos identificar. Comprou ainda três ricos pontificais, que
eram para o bispo titular de Tessalónica, D. frei Inácio Caetano, que falecera em
Brasão de D. Joaquim Xavier Botelho
de Lima, conforme está representado 1782, encomendados pela rainha D. Maria I, em Itália: um de tela de prata bor-
nas peças do serviço
dado a ouro, outro de tela encarnada também bordado a ouro, e o preto. A sua
Terrina de porcelana chinesa livraria privada já ultrapassava os 2.300 exemplares, número muito considerável
de exportação com o brasão
de D. Joaquim Xavier Botelho para a época. Mas, o mecenato de D. Joaquim não ficou por aqui, devendo-se-
de Lima. Cerca de 1784 a 1800.
Dinastia Qing, -lhe também o patrocínio o apoio a outras obras nas igrejas da cidade, como
reinado do imperador Qianlong
(Colecção Félix da Costa) Santo Antão, e paroquiais da sua Arquidiocese, às quais se deslocava frequente-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 213

mente, sempre com grande pompa, para realizar cerimónias próprias de um


prelado do tempo do barroco119.
Os seus dois serviços de porcelana chinesa de exportação que são conhe-
cidos ostentam as armas arcebispais, pelo que só podem ter sido encomenda-
dos, depois de 1784 e antes de 1800, portanto, não podem ser datados de 1770,
como andam habitualmente, tendo em conta o tempo das viagens para o Oriente,
18 meses de ida e volta de Lisboa a Goa, e o que demorava a factura das enco-
mendas. Assim, dificilmente poderão ser anteriores a 1790, devendo colocar-se
entre esta data e algum tempo antes de 1800, portanto dentro do período do
reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing.
Estes serviços, juntamente com o que deveria ter de prata, mostram como
se tratava o arcebispo, num fausto próprio dos grandes do período do barroco e
214 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

do rococó. Aliás, a riqueza decorativa de qualquer deles e, sobretudo, do segundo,


apontam para alguém que cuidava ao pormenor do aparato que a sociedade do
fim do Antigo Regime impunha.
Não seria a presunção e a soberba que o levou a mandar pintar o chapéu
cardinalício nos serviços, em vez do de arcebispo?
Esperaria atingir esse cargo, mudando, eventualmente, para a sédia lisboeta?
Levava muito a sério o seu sangue e o lustro do seu brasão, sendo descen-
dente, por via paterna ou materna, dos condes de Unhão, dos Arcos, de Pana-
guião, tendo por tetravós um governador do Brasil, outro de Tânger e um
comandante da armada de alto bordo da Índia. Ambos os serviços são profusa-
mente decorados com uma riquíssima policromia. A terrina do primeiro é de
modelo europeu, com semelhança em produção de Meissen, de Inglaterra e até
de Lisboa, mas neste caso em faiança, com um fruto como pega da tampa, e
duas pegas laterais abertas na vasilha, com frisos polícromos com festões para-
lelos na sua curvatura a toda a volta, conjugando-se os da tampa com os da base,
unidos por dois cordões contínuos. Do mesmo tipo é o da base da terrina.
Os brasões, como é habitual em casos semelhantes, aparecem nas duas
partes, no mesmo eixo, um no bojo, e o de cima na zona mais plana da tampa.
A travessa tem de comprimento 38,5 cm, 32,5 cm de largura; a terrina: 22,5 cm
de altura, 32,5 cm de comprimento, e 22,5 cm de largura.
Destacamos pela raridade e pela excelência de fabrico um cesto com o
respectivo prato, ambos rendilhados com ampla perfuração, também com o
mesmo tipo de decoração, baseada em pequenas flores, de boa policromia e
desenho, e festões curvos continuados, a toda a volta das peças. O prato tem
21,3 cm de diâmetro, 10,5 cm de altura e 18,5 cm de diâmetro
Os pratos grandes, com 41 cm de diâmetro, e nos três pratos rasos mais
pequenos, bem como nas travessas, o brasão fica ao centro, sobre o vidrado
branco leitoso, havendo apenas uma fino anel a marcar o começo da aba, e entre
esta e outro que marca o extremo do bordo, novamente as grinaldas em festões,
com predominância do verde e do ouro.
No entanto, é o outro serviço que tem uma decoração mais luxuriante,
verdadeiramente invulgar. A parte inferior dos pratos e dos pires é essencial-
mente a chocolate, embora com pequenas variações na tonalidade. Nos pires é o
lado da frente, partindo do princípio que quem bebe é dextro, que tem esta cor.
A oposta, e a superior, nos pratos, tem o fundo branco leitoso. O vidrado é tam-
bém neste de óptima factura. O resto da decoração baseia-se já nos esquemas em
voga nos modelos europeus do neoclássico inicial; aliás, as chávenas são como as
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 215

mais ricas que se faziam, nesta época, na Alemanha, em França e em Itália.


O bordo mistilíneo tem um cordão polícromo em forma de corrente floral, a
verde, vermelho, e fio externo dourado, caíndo os festões até ao fim da aba,
ficando na reserva apenas uma pequenina flor vermelha com pé e duas folhas
verdes, espalhando-se outras do mesmo género, de forma um pouco arbitrária,
por toda a parte superior do centro, enquanto na zona inferior, a de cor chocolate,
apenas se notam umas estrelas douradas, que, no entanto, sobressaiem pouco.
Ambos os serviços de D. Joaquim Xavier Botelho de Lima e Távora devem
ser datados do tempo da Dinastia Qing, concretamente do reinado do impera-
dor Qianlong, de cerca de 1790.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Joaquim Xavier Botelho de Lima.
2º serviço. Cerca de 1784
a 1800. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
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MANUEL CARLOS
DA CUNHA SILVEIRA
(n. 1729, f. 1795)
6.º conde de São Vicente

Armas: Cunha (de Tábua) e Silveira. Escudo oval, partido. I, de branco


com nove cunhas azuis; bordadura de vermelho, carregada de cinco escudetes
de ouro, sobrecarregado cada um de cinco besantes. II, de ouro com três
faixas de azul. Coronel de nove pérolas. Armas com alguma simplificação e
fantasias.
D. Manuel Carlos da Cunha Silveira nasceu a 1 de Janeiro de 1730, e
faleceu em 8 de Dezembro de 1795, conforme atesta D. António Caetano de
Sousa na Memória dos Grandes de Portugal120. Era filho de Miguel Carlos da
Cunha e Távora, o 5.º conde de São Vicente, e de D. Rosa Leonor de Ataíde.
Teve carta de título a 3 de Setembro de 1750, ainda em vida do pai. Foi cava-
leiro-professo da Ordem de Cristo, membro do Conselho de Sua Magestade,
conselheiro de Guerra, vice-almirante, inspector-geral da Marinha, e membro
da Academia de Marinha.
A colecção que estudamos integra um covilhete gomado, com 20 cm
de comprimento e 17,5 cm de largura muito elegante, de bordos recortados e
com o brasão ao centro, tendo à volta contas em elípse, e ostentando, no bordo
superior, uma embarcação de longo curso. Conhecemos apenas mais uma des-
tas peças. O bordo é debruado por uma dupla tarja a dourado, a interna a
enquadrar o navio, vazada, e a exterior a cheio, com uma linha contínua de rede
com traçado geométrico. Como curiosidade, diga-se que o 6.º conde de São
Vicente teve outro género de cerâmica com o seu brasão, concretamente, saídas
da Real Fábrica do Rato, como a garrafa publicada por Castro e Solla121, com
o monograma de Tomaz Brunetto, e que pode datar-se de entre 1767 e 1771.
Retrato de Manuel Carlos A identificação da encomenda foi feita por Luiz Ferros, que negou outras
da Cunha Silveira
que são comuns, nomeadamente, ao 5.º conde de São Vicente, comparando
Brasão de Manuel Carlos da Cunha
Silveira, conforme está representado bilhetes de visita e ex-libris exteriores ou super-libros, nos quais D. Manuel Car-
nas peças do serviço
los colocava o navio, que também aqui se vê, e que igualmente está patente na
Covilhete de porcelana chinesa cafeteira publicada na obra do conde de Castro e Solla. Esta inclusão, para além
de exportação com o brasão
de Manuel Carlos da Cunha Silveira. das armas a que tinha direito, justifica-se plenamente pela carreira que teve,
Cerca de 1780 a 1790.
Dinastia Qing, sempre ligada à Marinha Portuguesa. Já um ex-libris conhecido do 5.º conde, se
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) ornamentado por troféus militares, nenhuma alusão faz à guerra marítima122.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 217

A obra deve datar-se de cerca entre 1780 a 1790, da vigência da Dinastia Qing
e do reinado do imperador Qianlong, e é uma das raras de serviços brasonados
portugueses com representação de barcos.
218 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO XAVIER MACHADO


E CERVEIRA
(n. 1756, f. 1828)
Fidalgo de cota de Armas

Armas: Machado e Cerveira. Escudo em cartela, partido. I, de vermelho,


com cinco machados em sautor, de prata encabados de ouro. II, duas cervas
passantes, de vermelho, e sobrepostas. Por diferença, a brica de branco carre-
gada de A de negro. Elmo de grades, virol, e por timbre dois machados passa-
dos, em aspa. As armas dos Cerveira estão mal representadas.
António Xavier Machado Cerveira nasceu em Tamengos, no actual conce-
lho de Anadia, a 1 de Setembro de 1756, filho do escultor e organeiro conimbri-
cense Manuel Machado Teixeira e de Josefa Luisa Cerveira. Morreu em Caxias,
em 14 de Setembro de 1828.
Foi negociante e construtor de órgãos, e era irmão de Joaquim Machado
de Castro. Recebeu armas a 19 de Dezembro de 1787123. A sua obra prima é o
orgão monumental do mosteiro de Lorvão, mas fez muitos outros, nomeada-
mente, o da igreja dos Mártires de Lisboa, datado de 1785, além dos de São
Roque, do convento de Nossa Senhora da Estrela, de Santa Justa, da igreja do
convento das freiras de Odivelas, o da capela do palácio de Queluz, um para o
real edifício de Mafra, o da igreja do Sacramento de Lisboa, datado de 1817.
Fez outros que foram para o Brasil, além de vários de menores dimensões,
inclusivamente, para povoações dos arredores da capital. O último que fez, já
no ano da sua morte, foi o do Barreiro, o número 103.º da sua longa lista. Foi
nomeado organeiro da Casa Real, com o título Organorum Regaliu Rector, e foi
condecorado com o hábito da Ordem de Cristo.
Mandou fazer um serviço de chá e café, ou de chocolate, certamente
para comemorar o seu enobrecimento, com a carta passada em 1787, o que
permite uma datação entre esse ano e 1790, com as reservas devidas, portanto,
no período da Dinastia Qing e, mais concretamente, do reinado do imperador
Qianlong.
Apresentamos aqui uma taça, com 4,8 cm de altura e 9,8 cm de diâmetro,
com o respectivo pires, com um diâmetro de 14,5 cm. Na orla do pires tem as
letras, AXMC, em maiúsculas, que correspondem ao seu nome e apelido. A taça
Brasão de António Xavier Machado é totalmente branca, com o brasão sob o vidrado muito fino. O brasão está colo-
e Cerveira, conforme está
representado nas peças do serviço cado frontalmente, de forma a ocupar todo o espaço disponível, desde o pé
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 219

redondo em forma de anilha, até ao bordo. No pires ocupa o centro da caldeira,


como na taça, entre dois círculos concêntricos. A borda tem quatro reservas
com as iniciais já referidas, dentro de medalhões a ouro, e entre eles foram pin-
tados ramos de folhas verdes e flores vermelhas, tudo entre dois frisos a ouro,
sendo o exterior mais largo.

Taça e pires de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de António Xavier Machado e Cerveira.
Cerca de 1787
a 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
220 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO JOSÉ DE VASCONCELOS


E SOUSA DA CÂMARA CAMINHA
FARO E VEIGA
(n. 1738, f. 1801)
2.º marquês de Castelo Melhor

Armas. Vasconcelos. Escudo em cartela. De vermelho, três faixas veiradas e


contraveiradas de branco, por prata, e vermelho, perfiladas de ouro. Coroa ducal
de cinco florões, com pérolas a alternar. Leão rampante de ouro por timbre.
António José de Vasconcelos e Sousa da Câmara Faro e Veiga nasceu em
15 de Fevereiro de 1738, e faleceu em 6 de Junho de 1801. Era filho de José de
Caminha Vasconcelos e Sousa Távora Faro e Veiga, que foi o 4.º conde e 1.º
marquês de Castelo Melhor, e de sua mulher D. Maria Rosa de Noronha, filha
do 2.º conde de Vila Verde e 2.º marquês de Angeja. O título alcançado pelo pai
foi obtido graças à troca das capitanias das Ilhas da Madeira, do Porto Santo e
de Santa Maria, nos Açores. Toda a família paterna estava ligada à Madeira,
pois o seu avô foi o 7.º conde da Calheta, também donatário da capitania do
Funchal e da Ilha de Santa Maria. Recuando na sua ascendência, toda ilustre,
encontramos entre seus tetravós o 3.º senhor de Figueiró e Pedrógão Grande,
João Rodrigues de Vasconcelos, um dos heróis de Toro e, mais atrás umas
décadas, Rui Mendes de Vasconcelos, que comandou a Ala dos Namorados, na
Batalha de Aljubarrota.
Com esta ilustre linhagem não foi difícil a António José de Vasconcelos e
Sousa da Câmara Faro e Veiga alcançar altos cargos e benefícios. Além de 2.º
marquês de Castelo Melhor foi também 6.º conde da Calheta, reposteiro-mor
vitalício da Casa Real, mordomo-mor da princesa D. Carlota Joaquina, presi-
dente do Senado da Câmara de Lisboa, membro do Conselho de Estado,
alcaide-mor e capitão-mor do Funchal e da Ilha de Santa Maria, alcaide-mor de
Penamacor, Valhelhas, Almendra, Castelo Melhor, e Salvaterra do Extremo, na
Ordem de Cristo, além de tendo recebido a grã-cruz desta Ordem, e nela e por
isso, o grau e título de comendador de Pombal e Redinha.
Foi um dos nobres de mais alta linhagem a encomendar um serviço de
porcelana chinesa armoriada, a que pertence o prato que aqui apresentamos.
A decoração é simples, dentro do gosto europeu pelo neoclássico que se come-
Brasão de António José
de Vasconcelos e Sousa da Câmara çava a impor. O brasão de António José de Vasconcelos e Sousa da Câmara Faro
Caminha Faro e Veiga, conforme está
representado nas peças do serviço e Veiga ocupa o fundo branco leitoso da caldeira, sob uma fina e delicada camada
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 221

de vidrado. A aba, ligeiramente côncava, está definida internamente por um


calabre ou corda de ouro e desenho a negro. Depois é lisa até ao bordo, onde
aperece nova tarja dupla com decoração a ouro e azul escuro. De fora para den-
tro, temos um traço fino a azul, uma faixa em que alternam círculos a azul com
outros vasados a ouro, nova linha a azul e, em seguida, uma série contínua de
meias circunferências a ouro, com um ponto a azul a ocupar parte do espaço
assim conformado por cada uma. Finalmente, em cada três semi-circunferên-
cias, cai uma lágrima em forma de folha trevada, igualmente a ouro e azul.
A datação de cerca de 1790 proposta comummente é perfeitamente acei- Prato de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
tável, por questões estéticas e históricas, ficando assim o serviço de jantar dentro de António José de Vasconcelos
e Sousa da Câmara Caminha Faro
do período da Dinastia Qing e, mais concretamente, do reinado do imperador e Veiga. Cerca de 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
Qianlong. (Colecção particular)
222 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

FRANCISCO DA CUNHA
E MENESES
(n. 1741, f. 1812)
Governador do Brasil e governador e capitão-general da Índia

Armas: Cunha (de Tábua) e Meneses. Escudo oval partido.


I, de branco, com nove cunhas de azul, postas em 3, 3 e 3, bordadura
de vermelho, carregada de sete castelos de ouro. II, esquartelado;
1.º e 4.º de azul, com três flores-de-lis de ouro; 2.º e 3.º de branco,
com cinco escudetes de azul, e, sobre-o-todo, um escudete de ouro.
Coronel de cinco florões alternando com pérolas.
As armas aqui representadas levantaram algumas dúvidas, e até
o conde de Castro e Solla as atribuiu ao 3.º conde de Lumiares,
D. Manuel da Cunha e Meneses, que foi governador e capitão-gene-
ral de Pernambuco e governador da Bahía124. No entanto, como é
habitual, não passou despercebido a Luiz Ferros o facto do brasão
não ser desse titular, pois alguém que era conde não deixaria de colo-
car indicação expressa dessa dignidade, e não apenas um coronel de
nobreza, como aqui se vê. É esta uma razão mais do que suficiente,
para afastar do 3.º conde de Lumiares a encomenda, e ter que a atri-
buir a outrém. Ora, pelas armas, esse outra personalidade só pode ser
Francisco da Cunha e Meneses, irmão do citado Manuel, que teve o
título condal de Lumiares, por casamento. Há outra razão, é que o
retrato que hoje está no Museu de São Francisco de Velha Goa, e que
estava antes no palácio de Pangim, tem o brasão como aparece neste
serviço, com Meneses na 2.ª pala, os quartéis trocados, e as Armas do
Reino sem bordadura.
Retrato de Francisco da Cunha
e Meneses Francisco da Cunha e Meneses nasceu a 10 de Abril 1741 e
(Instituto Histórico Brasileiro.
Rio de Janeiro) morreu a 12 de Junho de 1812. Era filho de José Felício da Cunha e
Brasão de Francisco da Cunha Meneses, senhor dos Morgados de Paio Pires e de Cachoeiras, mare-
e Meneses, conforme está
representado nas peças do serviço chal-de-campo, vedor da rainha D. Maria Ana de Áustria, entre
Terrina de porcelana chinesa
outros cargos e títulos, e de sua mulher D. Constança Xavier de
de exportação com o brasão Meneses, da família dos condes de Linhares. Era descendente do
de Prato de porcelana chinesa de
exportação com o brasão de Francisco famoso Tristão da Cunha, um dos primeiros heróis do Índico, cin-
da Cunha e Meneses.
Cerca de 1786 a 1794. Dinastia Qing, quistador da Ilha de Socotorá, que esteve ombro a ombro com Albu-
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular) querque e D. Francisco de Almeida, nas primeiras refregas no Golfo
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 223
224 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Pérsico e na Costa do Malabar. Foi este Tristão da Cunha que D. Manuel I


mandou a Roma, para chefiar a impressionante embaixada de 1514, que ficaria
famosa durante séculos, pelo luxo e pelas novidades até então ignotas, que se
mostraram ao Mundo, na capital da Cristandade.
Ao longo da atribulada e prolífera vida, Francisco da Cunha e Meneses foi
governador da Capitania de São Paulo, com nomeação a 16 de Março de 1782.
Depois, em 19 de Dezembro de 1785, foi nomeado governador-geral da Índia,
em substituição de D. Frederico de Sousa Holstein, chegando a Goa, no dia 28
de Outubro de 1786, onde ficou, até 1794. Integrou, na Coroa Portuguesa, o
território o Reino de Sunda, e teve uma acção preponderante na repressão da
chamada Revolta dos Pintos, devolvendo a paz e a total soberania lusa aquele
território.
Regressou ao Brasil, em 1802, como governador da Bahía, voltando final-
mente ao Reino, em 1815, com a patente de tenente-general. Fez parte da
Regência, ficando em Lisboa, quando a Família Real partiu para o Brasil.
Seleccionámos um prato recortado com 24,3 cm de diâmetro. O prato tem
o bordo recortado, com curvas alternantes de maior e menor raio, circundada a
borda por uma faixa estreita com pérolas com ponto central e uma linha com-
posta por um filete duplo. Interiormente, há uma cercadura ondulante de folhas,
flores e ramos a verde e vermelho acastanhado, deixando o resto da aba em
branco, até uma nova faixa igual à que vimos na terrina, designada como favo
de mel. A caldeira é delimitada por novo filete contínuo azul escura e, dentro
desta, nova cercadura ondulante de folhas, flores e ramos a verde e vermelho
acastanhado. No centro, foi pintado, embora com os erros acima assinalados, o
brasão do encomendante.
Não parece muito temerário apontar como data de encomenda deste
serviço o tempo que medeia entre 1786 a 1794, os anos em que esteve em Goa,
e, no que diz respeito à China, corresponde ao tempo da Dinastia Qing e do
reinado do imperador Qianlong.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Francisco da Cunha e Meneses.
Cerca de 1786 a 1794. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 225
226 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

RELIGIOSO NÃO IDENTIFICADO

Armas: Silva, ou Castelo Branco mais provavelmente, ou ainda


outras famílias adiante nomeadas125. Escudo de cartela, de branco, por
prata, e leão rompante de ouro. Escudo em cartela barroca fantasiada
com decoração vegetalista. Chapéu próprio da dignidade eclesiástica,
borlado, de três borlas por lado, tudo de ouro, o que era usado pelos
cónegos126. Como o escudo está a branco, embora deve-se ser prata, o
leão não devia ser de ouro. Se fossem armas dos Castelo-Branco, o
campo seria azul; já se fossem dos Silva, o campo era de prata e o leão
púrpura. A decoração do serviço é azul e ouro.
Este é um dos serviços de que se conservam muitas peças, e já foi
atribuido a D. Luís de Castelo Branco Correia e Cunha, que foi 4.º
conde de Pombeiro, 10.º senhor de Belas, e cónego da sé patriarcal de
Lisboa, que morreu em 1749, portanto, várias décadas antes deste
serviço ser feito. Outros autores entenderam tratar-se das armas de
D. Alberto da Silva, que foi arcebispo de Goa, mas que faleceu em 1688,
para o que vale a razão antes invocada, e aqui ainda com mais peso127.
Luiz Ferros, em nota à reedição da obra de Castro e Solla, refutou com
argumentos muito sólidos, como é seu timbre, as atribuições feitas por
todos os outros autores, concluindo que, sem novos dados, as anteriores
atribuições não tinham sentido, acrescentando que estas armas, além de
pertencerem aos Castelo Branco e aos Silva, também podem ser dos
Aussi, Bethencourt, Achiaiolo, Valente, Benevides, Calaça, Cárcome,
Cerqueira, Colaço, Giraldes e Toscano. Mais ainda, negou peremptoria-
mente que possa pertencer a um cónego da sé patriarcal de Lisboa128.
Apresentamos uma belíssima terrina com 23 cm de altura, 34 cm
de comprimento e 25 cm de largura. Tem a tampa bem como o conten-
tor com decoração a azul e ouro sob o vidrado, formato ovalado, com
as paredes lobuladas e alargando para cima. As asas são em forma de
U invertido, azuis com enrolamentos dourados, colocadas em cada
extremidade; é tudo suportado por um pé elevado e também ovalado.
A tampa é a condizer, abobadada, com a pega em forma de vergôntea
de pêssego, azul e ouro. De ambos os lados, são visíveis os brasões do
Brasão de um religioso
não identificado, conforme encomendante, entre uma banda de vagens, na aba e banda de flores
está representado nas peças
do serviço unidas entre si, sobre a base.
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Terrina de porcelana chinesa


de exportação com o brasão de um
religioso não identificado.
Cerca de 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção Félix da Costa)

Terrina de porcelana chinesa


de exportação com o brasão de um
religioso não identificado.
Cerca de 1790. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
(Colecção particular)
228 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

MANUEL JOSÉ
DA MATERNIDADE DE MATA
DE SOUSA COUTINHO
(n. 1782, f. 1859)
8.º e último correio-mor do Reino, e 1.º conde de Penafiel

Armas: Mata (de Luís de Gomes Elvas), Câmara e Mendonça. Escudo de


bico esquartelado. I, de ouro, com três coroas de ouro. II e III, de ouro, duas
torres de vermelho, ladeadas de lobos rampantes do mesmo. IV, franchado, o 1.º
e o 4.º de ouro, com banda de vermelho perfilada a ouro; o 2.º e o 3.º, de ouro,
com um S de negro. Não possui timbre ou qualquer elemento de indicação de
título, apenas envolto numa grinalda de flores (erros nos esmaltes, e erro na
representação de Mata, onde em vez de três coroas de vermelho deviam estar
três matos de verde). Foi clara a má interpretação do desenhador e dos execu-
tantes chineses. A distribuição das armas justifica-se, por ter em I, Matos, por
varonia, II e III, Câmara, por varonia da mãe, e IV, Mendonça, por varonia da
avó materna129.
Manuel José da Maternidade da Mata Sousa Coutinho nasceu a 5 de Maio
de 1782 e morreu a 5 de Novembro de 1859. Era filho de José António da Mata

Brasão de Manuel José


da Maternidade da Mata de Sousa
Coutinho, conforme está representado
nas peças do serviço

Palácio do Correio-Mor, residência


de Manuel José da Maternidade
da Mata de Sousa Coutinho. Loures
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 229

Sousa Coutinho, que foi o 7.º correio-mor do Reino, e de sua mulher D. Cata-
rina da Câmara. É necessário recuar um pouco mais, para perceber as armas
que aparecem no seu brasão. A mãe, nascida em 1735 e falecida em 1814, era
filha de Luís da Câmara Coutinho, senhor das Ilhas Desertas, no Arquipélago
da Madeira, e de D. Maria Isabel de Mendonça e Moura. O avô paterno era
Luís Vitório da Mata Sousa Coutinho, e de D. Joana Catarina de Meneses. Travessa de porcelana chinesa
O 1.º correio-mor foi Luís Gomes de Elvas, a quem o monarca ibérico de exportação com o brasão
de Manuel José da Maternidade
vendeu o cargo a título hereditário, em 1606. Estes Mata descendem de uma da Mata de Sousa Coutinho.
Cerca de 1790 a 1798. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
230 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

família antiga, já com preponderância no século xvi, e o dito Luís Gomes de


Elvas Coronel, depois Mata, obteve de D. Filipe II a justificação da sua nobreza
e, desejando ter apelido e novo solar, pediu ao rei que lhe desse por solar
a quinta da Mata das Flores, que tinha comprado às freiras do mosteiro de
Odivelas, situada em Loures. Poe carta de 18 de Fevereiro de 1606, o monarca
concedeu-lhe a graça pedida, uma doação de 70.000 cruzados, o cargo de cor-
reio-mor em todos os domínios da Coroa, e fê-lo cavaleiro-fidalgo. Se a família
já era rica, a partir de então os seus cabedais aumentaram desmesuradamente.
As armas concedidas a Luís Gomes de Elvas foram: de ouro, com três
matas verdes, floridas de sua cor. Por timbre, uma mata do escudo130. O apelido
Sousa Coutinho entrou nesta família, pelo casamento de Luís Gomes da Mata
(1641-1674) com uma senhora da Casa de Monsanto.
Manuel José da Maternidade da Mata Sousa Coutinho assentou praça
como soldado, muito novo, em 27 de Março de 1793, foi promovido a tenente,
em 1799, e a capitão, logo nesse mesmo ano. Serviu nas Guerras Penunsulares,
distinguindo-se por actos de bravura, que lhe valeram várias promoções, che-
gando ao posto de brigadeiro, em 1820. Casou, a 2 de Maio de 1824, com
D. Maria José de Castelo Branco, filha dos marqueses de Belas.
Foi o 8.º e último correio-mor do Reino, tendo cedido o cargo à Coroa,
num negócio milionário, tendo em recompensa o título de conde de Penafiel, de
juro e herdade em três vidas, a conservação das honras de criado de Sua Mages-
tade, uma renda de 40.000 cruzados, pensões vitalícias de 400$000 reais a várias
pessoas, e um ou dois postos no Exército. O título de 1.º conde de Penafiel foi-
-lhe concedido, por decreto do príncipe D. João I, em nome da rainha sua mãe,
em 17 de Dezembro de 1798131.
Como um dos homens mais ricos do Reino, recuperou e aumentou, enri-
quecendo-o ao mesmo tempo, o seu palácio de campo, em Loures, conhecido
por palácio do Correio-Mor, continuando as obras encetadas por seu pai, ainda
antes de 1790, quando faleceu. Teve também moradia no centro de Lisboa, à
Madalena, perto da sé catedral, muito afectada pelo Terramoto de 1755, mas
que foi reconstruída por ele, não acabando as obras, antes de 1830. A decoração
interna de ambos os palácios era magnífica, e foi neles que esteve em uso o ser-
viço a que pertencem as peças que integram a colecção que estudamos. Apesar
de teram um modelo e uma decoração já usadas antes, as armas são claras, e
como não têm coronel de conde, título que teve em 1798, como vimos, e tendo
falecido o seu pai, nove anos antes, devemos colocar a sua encomenda entre
estas datas extremas.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 231

Apresentamos como melhor exemplo desta excepcional serviço, uma tra-


vessa recortada, com 37 cm de comprimento e 28,3 cm de largura. A decoração
da peça é muito simples. O brasão fica no centro da caldeira, com esmaltes polí-
cromos e ouro, sob uma camada de fino vidrado. Tem em sua volta quatro ramos
de flores e folhagem, a vermelho e verde, e há um cordão que delimita a aba
recortada. Nesta, foi pintado um festão contínuo, caindo suavemente em curva
desde a borda, onde é preso por uma florzinha também polícroma, tudo isto
com os mesmos esmaltes verdes, vermelho e também amarelos, que se notam
no bordo recortado, como um aro contínuo, que enriquece o conjunto sem o
sobrecarregar e sem que perca a simplicidade; acompanha totalmente as linhas
do recorte. Logo abaixo, interiormente, há uma minúscula cadeia a delimitar o
início do covo. Devemos datar estas porcelanas do período da Dinastia Qing, do
reinado de Qianlong ou de Jiaqing, de entre 1790 e 1798.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de Manuel José da Maternidade
da Mata de Sousa Coutinho.
Cerca de 1790 a 1798. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
232 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ DIONÍSIO CARNEIRO


DE SOUSA E FARO
(n. 1771, f. 1840)
Moço-fidalgo da Casa Real e Senhor do Morgado de Santa Cruz de Calapor

Armas: Carneiro. De vermelho, com banda de azul, coticada a ouro, car-


regada de três flores-de-lis do mesmo, postas no sentido de banda, e acompa-
nhada de dois carneiros passantes de prata, armados de ouro. Por timbre, sobre
a coroa de conde, um dos carneiros do escudo.
José Dionísio Carneiro de Sousa e Faro nasceu em Ribandar, a 13 de
Fevereiro de 1771, e faleceu na mesma vila, a 12 de Janeiro de 1840. Era filho
de Caetano Francisco Xavier Nepomuceno Carneiro de Sousa e Faro Corte-
-Real de Sampaio. Foi moço-fidalgo da Casa Real, por alvará de 17 de Fevereiro
de 1781, com carta passada por D. Maria I, conservada na Torre do Tombo,
guarda-marinha da Armada Real da Índia, habilitado a 10 de Novembro de
1781, general das Milícias das Ilhas de Goa, por carta-patente de 15 de Maio de
1801, sendo ainda vereador da Câmara de Goa, entre 1801 e 1810.
Sabemos, pois há prova documental, que, por volta de 1795, encomendou
um serviço de porcelana chinesa brasonado com o escudo pleno dos Carneiro,
coronel de sete pérolas e cruz da Ordem de Cristo pendente132.

Brasão de José Dionísio Carneiro


de Sousa e Faro, conforme está
representado nas peças do serviço
estudado e na urna decorativa.

Vista de Ribandar.
Desenho de Lopes Mendes.
Fim do século XIX.

Urna decorativa de porcelana chinesa


de exportação com o brasão de José
Dionísio Carneiro de Sousa e Faro.
Cerca de 1795. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 233

Herdou de seu pai o Morgado de


Santa Cruz de Calapor, que o seu
bisavô obtivera por casamento. Esse,
também de nome Bernardo Carneiro
de Sousa e Faro, era natural do Reino, e
estabeleceu-se em Goa, em 1707, aí
ficando a sua geração. Descendia do
ilustríssimo secretário de Estado de
D. Manuel I e D. João III, António
Carneiro, e de Pedro de Alcáçova Car-
neiro. Na sua linhagem nasceram os
condes da Ilha do Príncipe, de que o
avô paterno foi o segundo titular, além
de capitão de Mazagão, correndo-lhe
ainda nas veias o sangue dos marqueses
de Minas, por parte do seu avô. Não é
também difícil entender que optassem
pelas armas plenas dos Carneiro133.
O par de pratos que mostramos
com 25,5 cm de diâmetro, tem uma
decoração muito simples e pertence ao
serviço documentado. O brasão da
família está no centro, envolto numa
grinalda de folhagem e flores polícro-
mas, a rodear um círculo em ver-
melho.
Mais rara é uma talha, com 65 cm
de altura, de que existem exemplares
do mesmo gosto, de Sévres e Vincen-
nes, de Stockeldorf, no Schleswig-
-Holstein, entre outras, com decoração
de completa inspiração europeia, que
deve pertencer a um serviço de que foi
publicada uma travessa134.
Em Novembro de 2004, foi ven-
dida uma urna muito parecida com
esta, num leilão do Palácio do Correio
234 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Velho, mas a que faltava a tampa. A decoração era o que mais se diferen-
ciava, quase toda a azul, sem o vermelho ferrugem desta, e sem nenhum
brasão, sendo o lugar ocupado por este dotado de uma flor relevada. Na nota
da leiloeira evoca-se o conhecido texto de Elnor Gordon, que diz ser uma obra
feita para o mercado sueco, o que é confirmado por David Howard e John
Ayers, que afirmam que estas peças derivam directamente de um modelo
feito em Marieberg, na Suécia, em 1773135. Além da peça da Mottahedeh
Collection, neoclássica, com decoração predominantemente a ouro e laranja e
com vinhetas a grisalha, sem ser brasonada, de cerca
de 1785, há urnas deste tipo também no Metropoli-
tan Museum de New York, na Helena Woolworth
McCann Collection, e uma que ostenta as armas do
“Clube do Rei”, em Copenhaga, de cerca de 1790.
É de estilo neoclássico, sem qualquer vestígio
do gosto chinês, o que prova que os artistas se ative-
ram muito cuidadosamente aos desenhos enviados
de Portugal. Fundamentalmente, está dividida em
três corpos: o superior, da tampa, tronco-cónico
invertido; o médio, de feição tradicional, com o bojo
a alargar apenas ligeiramente na secção superior, e
um pé a abrir para uma base suficientemente ampla,
para garantir estabilidade.
Do ponto de vista decorativo, ressaltam as imi-
tações de tecidos, a cair a toda a volta da parte supe-
rior do bojo, com nós em quatro pontos dispostos
simetricamente, como a figurar pontos de fixação,
num azul forte com veios dourados. Este mesmo tom
de azul marca a parte inferior, alternando com palhe-
tas a vermelho, e vê-se também nos frisos da tampa e
nas folhas que envolvem o fruto que serve de pega.
A zona mais ampla, de maior superfície, é de um
belíssimo e explosivo branco leitoso, onde foram
desenhados delicados ramos de pequeninas flores e,
Par de pratos de porcelana chinesa em lugar de destaque, as armas do encomendante,
de exportação com o brasão de José
Dionísio Carneiro de Sousa e Faro. envoltas numa composição oval, também a imitar
Cerca de 1795. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong tecido rico e pesado.
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 235

É uma das mais belas obras do género que conhecemos, que teve que ser
desenhada por um grande artista, e que teve a felicidade de encontrar, nos for-
nos chineses de Jingdezhen, artífices à altura de interpretar correctamente a
encomenda. É natural que a maioria das peças remanescentes deste serviço
tenham ficado em Pangim e nalgumas das povoações vizinhas, como Santa Cruz
de Calapor e Ribandar, mas, nas muitas casas que visitámos, é certo que nunca
vimos nenhuma. A data do conjunto, como está provado documentalmente, é
de 1795, do período do reinado do imperador Qianlong da Dinastia Qing.
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D. VASCO MANUEL FIGUEIREDO


CABRAL DA CÂMARA
(n. 1767, f. 1830)
1.º conde de Belmonte

Armas: Lencastre, Figueiredo Câmara e Cabral. Escudo de bico, esquar-


telado. I, de azul, cinco escudetes de ouro postos em cruz; bordadura carregada
de branco, carregada de sete torres de castanho; deveria ser de prata com
cada escudetes de azul postos em cruz, cada um carregando cinco besantes no
mesmo metal, em sautor, com bordadura carregada de sete castelos de ouro e
um filete negro em contra-banda, atravessante sobre tudo, excepto o escudete
do centro. II, de branco, cinco folhas de figueira, de castanho, bordadura de
branco carregada da legenda PUGNAT PRO DEO ET PRO PATRIA; devia ser
de vermelho e não de branco. III, de branco, torre coberta e cruzada sustida por
dois lobos; devia ser de verde, torre coberta de prata e cruzada de ouro, mas
tudo está de castanho. IV, de branco, duas cabras passantes; as cabras deviam
ser púrpura ou vermelho. Coroa ducal de cinco florões alternados com
pérolas136.
D. Vasco Figueiredo Cabral da Câmara era filho de D. Pedro da Câmara
Figueiredo Cabral, que foi vedor da rainha D. Maria I, membro do Conselho
Régio, e de D. Mariana D. Mariana de Meneses. Nasceu a 29 de Março de 1767
e faleceu a 10 de Novembro de 1830.
Foi o 1.º conde de Belmonte, título concedido por decreto e portaria de 18
de Maio de 1805, assinado pelo príncipe-regente D. João, e par do Reino, em 30
de Abril de 1826. Casou, em 17 de Janeiro de 1795, com D. Jerónima Marga-
rida de Noronha. Era fidalgo da Casa Real e detinha os morgadios da Ota, de
Belmonte e de Santo André. Foi tenente-general de Cavalaria, deputado da
junta dos Três Estados, gentil-homem da Casa do rei D. João VI, e ainda presi-
dente da Junta do Tabaco. Acompanhou a Família Real, quando a Corte se
deslocou para o Rio de Janeiro137.
Existem peças deste serviço na casa dos actuais condes de Belmonte, das
quais publicamos uma belíssima chávena, aliás, já dada à estampa anterior-
mente138. A taça é em porcelana branca muito fina com os esmaltes sob o vidrado.
Pertenceu seguramente a um serviço de café ou chá. A decoração resume-se ao
Brasão de D. Vasco Manuel Figueiredo bordo, com uma fina tarja entre dois filetes azuis com um traço a ouro no meio,
Cabral da Câmara,
conforme está representado na taça cada um, entre os quais há uma faixa de folhas e florinhas a amarelo, verde e
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 237

castanho, muito estilizadas. O brasão dos condes de Belmonte está a ocupar


quase toda a face anterior, tendo superiormente uma grinalda contínua for-
mada por festões de azul vinoso, com folhas e flores quase imperceptíveis.
No interior do rebordo há outro pequeno e delicado friso floral polícromo.
Embora seja difícil datar com exactidão estas peças, estamos com os auto-
res que apontam para cerca de 1795, para o tempo do reinado do imperador
Qianlong da Dinastia Qing139.
O serviço a que esta peça pertenceu teve forçosamente de ser executado
nos melhores fornos da China Qing, seguramente em Jingdezhen, posto que a
encomenda fosse feita a intermediários de Macau ou Cantão. Chávena de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
de D. Vasco Manuel Figueiredo Cabral
da Câmara. Cerca de 1795.
Dinastia Qing, reinado do imperador
Qianlong ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
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LUÍS PINTO DE SOUSA COUTINHO


(n. 1735, f. 1804)
1.º visconde de Balsemão, secretário de Estado do Reino

Armas: Pinto. Escudo de bico e chefe de dois convexos: de azul, cinco


crescentes de branco em aspa. Timbre sobre coroa de duque, com um leopardo
de sua cor, linguado de vermelho. Há erros no brasão: o campo devia ser de
prata e os crescentes de vermelho. A coroa devia ser a de marquês, a que tinha
direito por ocupar o cargo de membro do Conselho de Estado, e o leopardo
devia ser de prata e não representado na sua cor, além de que devia ser armado
e linguado de vermelho140.
Luís Pinto de Sousa Coutinho nasceu em Leomil, a 27 de Novembro de
1735, e morreu em Lisboa, a 14 de Abril de 1804. Era filho de Alexandre Pinto
Sousa Coutinho, morgado de Balsemão e fidalgo-cavaleiro da Casa Real, e de
D. Josefa Mariana Madalena Pereira Coutinho de Vilhena. Foi senhor donatário
de Ferreiros e Tendais, e 20.º senhor do Morgado de Balsemão, e também dos
Morgados e Casas de Sá, Toens e Leomil, e alcaide-mor da vila de Cano, além
de ter instituído uma capela na sé catedral de Lamego.
Muito jovem, viajou por França, Itália e Alemanha, acompanhando cara-
vanas, como cavaleiro que era da Ordem de Malta, entrando depois para o
Exército, onde fez carreira. Em 1762, foi promovido a capitão do Regimento de
Cavalaria de Almeida e, em 1765, passou para a Arma de Artilharia, como sar-
gento-mor do Regimento Novo de Valença; chegou ao posto de tenente-coronel,
em 1765. Foi ainda membro do Conselho de Estado, cavaleiro do Tosão de
Ouro e grã-cruz da Ordem de Avis.
Em 1767, foi nomeado governador e capitão-general de Cuiabá e do Mato
Grosso, tomando posse do cargo, dois anos depois, no qual se destacou enorme-
mente. Durante esse tempo, mudou o nome da fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição para Bragança, onde introduziu muitas benfeitorias, abriu uma
estrada entre este importante dispositivo e a capital, Vila Bela da Santíssima
Trindade, com mais de 185 léguas, e não deixou de enviar continuamente exem-
Retrato de Luís Pinto
plares da flora local, patra Lisboa, para a Ajuda, para Domenico Vandelli, o
de Sousa Coutinho. Gravura. naturalista que, logo a seguir, iria meter mãos à edificação do Jardim Botânico
(Biblioteca Nacional de Portugal.
Lisboa) da Universidade de Coimbra.
Brasão de Luís Pinto de Sousa Devido ao facto de ter adoecido, regressou ao Reino, em 1772, mas logo
Coutinho, conforme está representado
nas peças do chamado 1º serviço em 1774, foi nomeado nosso ministro em Londres, onde esteve até 1788, altura
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 239

em que voltou a Portugal, sendo então nomeado secretário de Estado de


D. Maria I, o equivalente a primeiro-ministro, tendo ficado também com as
pastas do Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros. Esteve intimamente
imbuído nas manobras políticas entre a França e a Inglaterra, durante o período

Refrescador de garrafas
de porcelana chinesa de exportação
do chamado 1º serviço, visto por cima
e lateralmente, com o brasão de Luís
Pinto de Sousa Coutinho.
Cerca de 1788 a 1809. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
240 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

anterior às Invasões Francesas, nem sempre com acerto. No total, chefiou o


Governo de D. Maria I, entre 1788 e 1809.
Casou, em 1772, com D. Catarina de Sousa César Lencastre, casamento
feito por procuração, já que se encontrava no Brasil; no entanto, a mulher já o
acompanhou para Londres141. O título de visconde de Balsemão, com as honras
de grande do Reino, foi-lhe concedido, a 14 de Agosto de 1801, pelo príncipe-
-regente D. João.
O serviço de porcelana chinesa de encomenda que ostenta as suas armas
deve datar do período em que esteve em Portugal, após 1788, e não se pode
considerar, para a eventual datação a questão do uso da coroa de visconde, que
aqui se não vê, pois, pelo contrário, usa uma coroa ducal, que não lhe corres-
pondia, por mero erro do desenhador, embora pudesse e devesse usar a de mar-
quês, dado que era membro do Conselho de Estado.
Conhecemos dois serviços de grande qualidade, dignas de um primeiro-
-ministro e de alguém que, para além do seu honroso posto, servia havia déca-
das, de forma exemplar a sua Pátria.
A diferença fundamental entre os dois reside, essencialmente, no brasão
que as peças ostentam. No serviço mais vistoso, o brasão tem paquife, e em
torno do escudo e do timbre, o desenhador colocou umas belíssimas ramagens
de videira e de outras plantas, em castanho dourado, que envolvem toda a parte
lateral superior, deixando cair, a partir daí, ramos de flores polícromas, em
esmaltes rosa, azuis, verdes, vermelhos e amarelos, numa composição artificiosa,
mas muito cuidada e de melhor efeito.
Todas as peças são dominadas por um branco leitoso sob uma fina camada
de vidrado. No refrescador, apenas o bordo recortado, que o é, seguindo o ritmo
dos gomos do corpo quase semi-esférico, que arranca de um pé muito elegante,
também canelado, com curvaturas largas, e só com um fiozinho dourado na
base do redondo com que começa. Os recortes do bordo têm dois filetes a ouro,
paralelos no seu movimento corvo, muito mais largo no interior, onde foi pin-
tado uma espécie de escamado. No fundo, quando a caldeira se torna quase
plana, pelo encontro com o pé, há um largo fio, em circunfênrência, também
áureo, no meio de qual está o brasão do 1.º visconde de Balsemão, na sua forma
mais decorada. Nos pratos a diferença está apenas na aba, com uma larga tarja
dourada, contínua, e, a delimitá-la da caldeira, uma linha igualmente a ouro.
No meio está o mesmo brasão.
Brasão de Luís Pinto de Sousa Já as outras peças, as que possuem as armas sem qualquer decoração
Coutinho, conforme está representado
nas peças do chamado 2º serviço externa, apenas encontramos um delicado círculo ouro a marcar o início da aba
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 241

e, na extrema desta, uma lindíssima tarja também dourada, formada por elemen-
tos de carácter geométrico justapostos, em que é a tonalidade do ouro, mais ou
menos acastanhado, que realça o desenho, de grande finura, diga-se. No prato
coberto, a tampa tem uma pega em forma de fruto dourado, de excepcional
modelação, mas o brasão do titular apenas está visível nessa mesma tampa.
Pelas razões históricas que acima vimos, e pela análise comparativa destas
peças com outras que foram feitas para o mercado europeu, que não apenas
para o português, atrevemo-nos a propor como datação os anos entre 1790 a
1800, no período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong ou já do
imperador Jiaqing.

Prato de porcelana chinesa


de exportação do chamado
2º serviço com o brasão de Luís Pinto
de Sousa Coutinho. Cerca de 1788
a 1809. Dinastia Qing,
reinado do imperador Qianlong
ou do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
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JOSÉ CAETANO DE SOUSA


TAVARES GODINHO E HORTA
(n. ?, f. depois de 1801)
Fidalgo da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo

Armas: Godinho e Figueiredo. Escudo partido. I, cinco aguietas de negro


estendidas e postas em sautor. II, de vermelho, cinco folhas de figueira verde
postas em sautor. Tem por timbre o dos Figueiredo: dois braços de leão, reuni-
dos na ponta, cada com uma folha de figueira nas garras.
José Caetano era filho de José Luís Godinho de Sousa Tavares e de
Maria Inácia de Horta Figueiredo de Barros Pereira Borges. O pai foi fidalgo da
Casa Real e coudel-mor da Comarca de Setúbal. Casou a 27 de Abril de 1801,
em Setúbal, com D. Joaquina Maria de Alcântara Lencastre, governador
militar dessa cidade. Lembremos que descendia de uma das mais ilustres
famílias da região, os Mendes Godinho, embora nessa altura já não usasse o
primeiro dos apelidos, que o seu trisavô, Diogo Mendes Godinho Tavares foi o
último da descendência de João Mendes Godinho a usar142. Não teve uma vida
de grande relevância, mas não restam dúvidas que também ele não resistiu ao
fascínio das porcelanas chinesas brasonadas, e de dar assim lustro aos seus
costados, com um serviço, pelo menos.
A taça e o pires que aqui apresentamos é da colecção do Museu Nacional
de Arte Antiga, tendo o pires o diâmetro de 14,5 cm, devendo fazer parte de um
serviço de chá ou café, ou de ambas as coisas. A decoração é muito simples:
o brasão aparece no fundo do pires e, na parte frontal da taça, sobre fundo
branco leitoso. No pires está envolto em volutas simplificadas, constituídas
por ramagens vermelho ferro e verde. Dois círculos concêntricos a azul e ouro,
formando um cordão, marcam a pequena aba, repetindo-se o motivo exterior na
borda da taça, com breves pendentes a ouro, como se fosse um minúsculo friso
de sanefa.
Brasão de José Caetano de Sousa O conde de Castro e Solla dá-nos a preciosa informação de que um anti-
Tavares Godinho e Horta conforme
está representado nas peças quário chamado Vilas, estabelecido em Setúbal, vendeu muitas destas peças, e
do serviço
estamos a reportar factos que são anteriores a 1928, o que comprova a origem
Taça e pires de porcelana chinesa do referido serviço e a identificação que o estudioso então fez.
de exportação com o brasão
de José Caetano de Sousa Tavares Este serviço deve ter sido feito por ocasião do seu matrimónio, e por isso
Godinho e Horta.
Cerca de 1800. Dinastia Qing, tem que se datar de cerca de 1800, do reinado do imperador Jiaqing da Dinastia
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) Qing, e ser dado aos fornos de Jingdezhen.
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PERSONAGEM NÃO IDENTIFICADA

Armas: Ferreira e Mendonça. Escudo de fantasia, partido. I, de vermelho,


com quatro faixas de ouro. II, franchado; 1.º e 4.º de verde, com banda de ver-
melho perfilda de ouro. 2.º e 3.º de ouro com a legenda AVE MARIA. Elmo de
grades, virol e timbre formado por uma ave.
A família dos Ferreira provém de Vila Verde de Airiz, sendo já notável, no
início da Nacionalidade. As armas destes pratos estão correctas: De vermelho
com quatro faixas de ouro, mas o Armorial Lusitano mostra-as tendo por timbre
uma avestruz. No entanto, não têm qualquer ligação com as da ilustríssima
família dos marqueses de Ferreira e condes de Tentúgal.
As armas dos Mendonça não são exactamente como as que estão repre-
sentadas nestes pratos. De facto, os Mendonça Furtado ou Furtado de Men-
donça usam franchado: o 1.º e o 4.º de verde, com banda de vermelho perfilada
de ouro, mas com um S de negro, no 2.º e 3.º, que são de ouro. Ora, aqui, em
lugar do S de negro aparece a legenda AVE MARIA. Não conseguimos identifi-
car a família ou a personagem, além de que este brasão também não tem coro-
nel de nobreza.
O prato que apresentamos tem 24,5 cm de diâmetro, uma decoração
muito simples. O brasão, tal como o descrevemos acima, está colocado no cen-
tro, totalmente branco leitoso, sob uma fina camada de vidrado. No limite da
caldeira foi pintado um anel de ovais minísculas, vermelho escuro. Na aba, a
meio, há outra linha circular, agora forrada por campãnulas florais, verde esba-
tido, que se interpenetram, formando outro cordão contínuo. Finalmente, junto
do bordo, há uma circunferência no mesmo tom de vermelho da mais interior,
mas esta completamente lisa.
Embora sempre com reservas, datamos o serviço de um ano próximo a
1800, dentro do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.
Não duvidamos, pelo tipo de brasão e pelas características das peças do
Brasão de uma personagem não
identificada, com as armas serviço, que se trata de uma encomenda portuguesa.
de Ferreira e Mendonça,
conforme está representado
nas peças do serviço estudado

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
uma personagem não identificada,
Ferreira e Mendonça.
Cerca de 1800. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
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CRISTÓVÃO PEREIRA E CASTRO


(n. 1735, f. 1805)
Governador de Macau

Armas: Castro (de 6 arruelas) e Pereira. Escudo de bico, partido. I, de


branco, com seis estrelas de azul. II, de vermelho, cruz de ouro da Ordem de
Cristo. Coronel de cinco florões. Erros: as estrelas deveriam ser arruelas, pois os
Castro que usam as seis, por bastardia, têm o brasão de prata, com seis arruelas
de azul, 2, 2, e 2. As dos Pereira têm a cruz de prata florenciada e vazia.
Cristóvão Pereira de Castro nasceu em 1733, e morreu a 28 de Agosto de
1805. Era filho de António Pereira de Castro, que foi cavaleiro-fidalgo da Casa
Real, e de sua mulher D. Ana Francisca Brites de Meneses.
Casou três vezes. A primeira com D. Antónia Pereira Pinto, em data que
desconhecemos. Depois, em 1788, desposou D. Rosa Eugénia Henriques. Final-
mente, em 1792, casou com D. Maria Quinteiros Araújo. Parece que não teve
descendência. Quer o pai, quer o avô, quer o bisavô eram também cavaleiros-
-fidalgos, o que indica que a sua família pertencia à pequena nobreza, mas não
lhe conhecemos qualquer título.
Sabemos, no entanto, que foi moço-fidalgo e, depois, cavaleiro-fidalgo da
Casa Real, sendo nomeado, em 8 de Agosto de 1797, como capitão-general e
38.º governador de Macau, cargo que exerceu, até 1800.
É difícil garantir a atribuição, em absoluto, a este governador de Macau,
dadas as alterações que as armas têm, mas o tipo corresponde à data em que
desempenhou essas funções.
Apresentamos um prato com o brasão que julgamos ser de Cristóvão
Pereira de Castro no centro, uma porcelana muito branca, sob uma fina camada
de vidrado, sendo a parca decoração restrita ao limite ovalado do covo, uma
série contínua de pequenas flores azuis arroxeadas, havendo no bordo, e seguindo
os recortes, um filete ou tarja tripla, dourada em forma de cordão mais dentro,
seguindo-se uma linha de azul muito escuro e, finalmente, um novo traço largo
Brasão de Cristóvão Pereira e Castro em vermelho ferrugem.
conforme está representado
nas peças do serviço estudado
Temos que datar este serviço, ou serviços, dado que devia haver, pelo
Prato de porcelana chinesa
menos, um de jantar e outro de chá ou café, ou ambas as coisas, de cerca de
de exportação com o brasão 1800, do período da Dinastia Qing e do reinado d o imperador Jiaqing.
de Cristóvão Pereira e Castro.
Cerca de 1800. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Cabral Moncada. Leilões)
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FREI MANUEL DE SÃO GALDINO


(n. 1769, f. 1831)
Arcebispo de Goa e primaz do Oriente

Armas: Emblema ou Armas de Fé. Escudo de ponta, ogival, e chefe de


dois convexos, suspensos por duas fitas enlaçadas, com o monograma DFMSG.
Mitra e báculo, posto em banda, tudo sobreposto a manto carmesim com forros
de arminho e franjas de ouro.
Nasceu em Lisboa, no Bairro de Alfama, em 1769. Foi educado no
colégio de São Lucas da Casa Pia do Castelo de São Jorge. Foi franciscano da
Província da Arrábida, e conventual em Mafra. Foi eleito bispo de Tonquim, em
15 de Outubro de 1801, mas foi logo transferido para bispo de Macau, ainda a
17 de Dezembro do mesmo ano, Diocese onde entrou, em 1803. Em 1804, foi
nomeado coadjutor do arcebispo de Goa, D. Frei Manuel de Santa Catarina.
Viveu o resto dos seus dias nesse território, vindo a falecer no paço episcopal de
Panelim, em 1831. Ainda foi membro do 14.º Conselho do Governo do Estado
da Índia, devido à morte do vice-rei D. Manuel da Câmara, juntamente com
Cândido José Mourão Garcês Palha e António Ribeiro de Carvalho, e até à sua
substituição, em Outubro de 1826143.
Teve uma grande actividade política em Goa, bem como uma séria reforma
da Igreja nesse Estado, devendo-se-lhe também muitas obras de construção de
igrejas, e até de melhoramento do paço episcopal de Panelim.
O serviço a que pertence a este covilhete, com 25 cm de diâmetro, deve ter
sido encomendado, em Cantão, ou mesmo em Macau, durante o breve período
em que aí esteve, e o que se vê no centro das peças não é um brasão, mas sim
um emblema. As letras entrelaçadas do monograma coincidem claramente com
Dom Frei Manuel de São Galdino, mas temos que ter em atenção de que há diver-
sos serviços, em Portugal e noutros países, com um esquema muito semelhante,
desde logo, como assinala Luiz Ferros, um de João Pinheiro de Aragão Sal-
Emblema ou armas de fé de frei zedo144. Para o mercado dos Estados Unidos da América há um serviço de chá,
Manuel de São Galdino conforme
está representado nas peças com as iniciais JH, que David Howard e John Ayers datam de cerca de 1795,
do serviço
assinalando que estes pseudo-brasões devem ter tido início, por volta de 1787,
Prato de porcelana chinesa criando-se rapidamente uma verdadeira moda.
de exportação com o emblema
ou armas de fé O prato que escolhemos como exemplo é decorado com esmaltes polícro-
frei Manuel de São Galdino.
Cerca de 1805. Dinastia Qing, mos e ouro sob vidrado, estando o brasão pintado sobre o fundo branco leitoso,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) ao centro da caldeira. Esta é circundado por um círculo formado por vagens
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 249

justapostas. A aba é decorada com mais bandas, variando aqui os motivos de


vagens, tudo sob um filete dourado.
Datamos as peças que fazem parte deste serviço de 1805, da Dinastia Qing
e do reinado do imperador Jiaqing, com origem nos melhores fornos chineses do
tempo.
250 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

IZIDORO JAIME DE ALMEIDA


SOUSA SÁ E LANCASTRE
(n. c. 1750, f. 1820)
Senhor da Casa da Cavalaria de Vouzela

Armas: Lencastre, Sousa (de Arronches, irregulares e incom-


pletas), Almeida e Sá. Escudo em ponta, chefe de dois convexos.
I e II, de branco, com cinco escudetes de azul em cruz, bordadura
de vermelho, carregada de sete castelos. III, de vermelho, dobre-
-cruz de ouro com seis besantes de prata, e bordadura de ouro.
IV, enxaquetado de vermelho e branco. Coronel de cinco florões.
Por timbre uma águia bicéfala.
Izidoro Jaime de Almeida e Sousa Sá e Lencastre era filho
de Gonçalo de Almeida e Sá, senhor da Casa da Cavalaria de
Vouzela, e de D. Ana Joaquina Lencastre e Moscoso. Casou com
D. Ana Efigénia de Almeida, em primeiras núpcias e, depois de
enviuvar, com D. Eugénia de Carvalo e Meneses. Terá nascido por
volta de 1750, e morreu em 1820. Foi cavaleiro-fidalgo da Casa
Real; membro do Conselho Régio, durante os reinados de
D. Maria I e de D. João VI; e desempenhou o cargo de governador
e capitão-general de Moçambique, entre 1801 e 1805.
As armas que aparecem no serviço de encomenda que temos
para analisar não são muito perceptíveis.
A leitura de Lencastre e Sousa, dos de Arronches, em I e IV,
não nos parece lógica, já que o que se pode ver, em ambos, é
um escudo de branco, com cinco escudetes de azul em cruz, bor-
dadura de vermelho, carregada de sete castelos, que nada tem a
ver com Sousa, nem pode dar-se a desculpa de estar incompleto,
pois esse brasão é esquartelado, com I e IV de prata, com cinco
Brasão de Izidoro Jaime de Almeida escudetes de azul postos em cruz, cada escudete carregado de
Sousa Sá e Lencastre conforme está
representado nas peças do serviço cinco besantes do primeiro esmalte, postos em sautor, com borda-
Travessa e saladeira
dura de vermelho carregada de oito castelos de ouro, tendo um
de porcelana chinesa filete de negro, posto em barra. O II e o III, são de vermelho,
de exportação com o brasão de Izidoro
Jaime de Almeida Sousa Sá com uma caderna de crescentes de prata145. Não é pois possível a
e Lencastre. Cerca de 1801 a 1805.
Dinastia Qing, reinado leitura que anda tradicionalmente feita. Quanto a Lencastre,
do imperador Jiaqing
(Palácio do Correio Velho. Leilões) com algumas deficiências, já é possível aceitar a interpretação;
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252 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

o brasão é de prata, com cinco escudetes de azul postos em cruz, cada um deles
carregado de cinco besantes de prata em sautor, e a bordadura de vermelho
carregada de sete castelos de ouro. Deve ter ainda um filete de negro em contra-
-banda. Apesar das faltas e dos erros nos esmaltes, aceitamos a interpretação de
Lencastre.
Izidoro Jaime de Almeida e Sousa Sá e Lencastre era descendente da
velha linhagem dos Almeida, da Casa da Cavalaria, com capela privativa na
igreja matriz da vila, refeita em 1513, pelo empreiteiro e escultor coimbrão
Diogo Pires-o-Velho, a mando de Fernão Lopes de Almeida, a mais nobre da
região, pelo que esse quartel se justifica146. No entanto, optou ou herdou de seu
pai outro quartel, o dos Sá, e daí o xadrezado, no IV. Provavelmente, foi a autên-
tica ou hipotética ascendência da mãe, Lencastre, que o levou a optar por esta
estranha forma, pois sabemos que os Lencastre descendem de D. João II, mas a
verdade é que chegar até lá não é fácil e, sabemos bem, que houve quem usasse
o nome e as armas sem qualquer ligação de sangue ao ramo bastardo da Dinas-
tia de Avis.
Apresentamos uma travessa e uma saladeira do mesmo serviço. A decora-
ção é muito simples, baseada numa paleta praticamente bicromática, azul vinoso
e ouro, excepto o brasão que tem outros esmaltes, tudo sobre uma porcelana
fina e densa e sob uma fina camada de vidrado incolor. No centro das peças, as
armas do titular estão assentes sobre uma mesa, num material que parece ser
madeira, algo reríssimo ou mesmo único. Todo o resto é branco, havendo uma
primeira orla de filactera enrolada, a ouro, sobre vinoso, deixando novo espaço
em branco para a aba, onde, na extremidade, vamos encontrar uma tarja com-
posta por secções concêntricas. De dentro para fora: uma teoria de flores e
folhas pendentes a ouro e azul, presas a um cordão ondeante a azul forte com
pontos dourados, precedendo uma faixa mais larga de ouro avermelhado cons-
tituído, de facto, por micropontos numa teia densa e, finalmente, nova compo-
sição de folhagem virada para o interior, a ouro, com os interstícios no mesmo
azul vinoso, o que conforma um duplo desenho.
A encomenda do serviço deve ter ocorrido, quando da sua estadia em
Moçambique, isto é, entre 1801 e 1805, dadas as fáceis relações com Goa, e daí
com a cidade do Santo Nome de Deus da China, no tempo da Dinastia Qing e
Prato de porcelana chinesa do reinado de Qianlong. Aliás, justificava-se perfeitamente o desejo de Izidoro
de exportação com o brasão de Izidoro
Jaime de Almeida Sousa Sá Jaime de Almeida e Sousa Sá e Lencastre, um fidalgo obscuro da Província, dar
e Lencastre. Cerca de 1801 a 1805.
Dinastia Qing, reinado lustro ao nome através do cargo, um dos mais importantes do Estado Português
do imperador Jiaqing
(Colecção particular) da Índia e de todos os Domínios Ultramarinos.
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FRANCISCO DE PAULA
DO AMARAL CARDOSO
(n. ?, f. 1807)
Capitão-general de Moçambique

Armas: Albuquerque, Amaral e Cardoso. Escudo mantelado, mal repre-


sentado pois devia estar dividido em duas partes iguais e por uma recta a meio
de um dos flancos para o outro flanco; o I, partido: o 1.º esquartelado com as
Armas do Reino, que deveriam ter levado um filete negro em barra, de prata,
com cinco escudetes, que deviam ser em cruz, mas que estão em sautor, e bor-
dadura de vermelho com sete castelos de ouro, e cinco flores-de-lis de ouro em
sautor, embora o campo devesse ser de azul e está de vermelho. O 2.º de ouro,
seis minguantes de azul postos em 2, 2 e 2. O II, de vermelho, cardo, que deviam
ser dois, de verde, florido de ouro, em vez de prata, arrancado de ouro entre
leões assaltantes. Timbre, sobre coroa de conde, correspondente aos Amaral,
leão sainte, segurando uma alabarda de ouro, que devia ser de azul147. Como se
vê, há muitas anomalias, e seguimos aqui as notas eruditas à descrição das armas
feita pelo conde de Castro e Solla.
Não nos vamos alongar quanto a outras atribuições à encomenda deste
serviço, seguindo as da obra fundamental citada e as notas judiciosas que Luiz

Brasão de Francisco de Paula


de Amaral Cardoso conforme
está representado nas peças
do serviço

Vista da Ilha de Moçambique,


no século xix. Gravura
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 255

Ferros fez à mesma. Para nós, o serviço em apreço foi mesmo encomendado por
Francisco de Paula de Albuquerque do Amaral Cardoso.
Nasceu em Viseu, filho de António José de Albuquerque, fidalgo da Casa
Real, senhor dos Morgados do Couto e do Pindo, e de sua mulher D. Maria
Vitória Loureiro de Vasconcelos. Teve alvará de fidalgo da Casa Real, em 1778.
Foi nomeado capitão-general de Moçambique por carta-patente de 26 de
Janeiro de 1805, mas faleceu pouco depois, em 28 de Dezembro de 1807,
vivendo um ano palácio do governo que, então, estava na Ilha de Moçambique,
que ainda era a capital do território. Travessa rendilhada de porcelana
chinesa de exportação com o brasão
Grande parte do serviço a que pertence esta travessa rendilhada, inicial- de Francisco de Paula de Amaral
Cardoso. Cerca de 1805 a 1806.
mente com mais de 600 peças, ainda estava recentemente na posse da família, Dinastia Qing, reinado
do imperador Jiaqing
como assevera Luiz Ferros148, enquanto outras pertenciam a familiares, sendo (Colecção particular)
256 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

raras as que estão em mãos que não sejam da


família. É tradição na mesma que a enco-
menda se deveu a Francisco de Paula, o capi-
tão-general de Moçambique, informação
passada ao conde de Castro e Solla e que
também consta de uma memória escrita por
uma descendente. No entanto, como acima
dissemos, é comum a atribuição a António
José Albuquerque do Amaral Cardoso, e até
ao seu filho, facto que o erudito heraldista
contestou com fortes argumentos. A datação
de cerca de 1825149 obsta, naturalmente, à
atribuição que Castro e Solla propõe e que é
tradição na família, mas a análise de espécies
feitas para o mercado português e também
para o mercado inglês, por exemplo, mostram
que não é impossível que este serviço tenha
sido encomendado, quando da chegada de
Francisco de Paula de Albuquerque do Ama-
ral Cardoso a Moçambique, o que justificaria
o coronel de conde que ostenta, pois nessa
data passava a ter direito a ele, por gozar das
honras de grande do Reino, como governador
e capitão-general que era. Sendo assim, é pro-
vável que tenha morrido antes de o receber,
via Macau ou Cantão, ou então pouco o terá
usado, vindo da Costa da África para a morada
dos seus descendentes. Datará, deste modo,
de 1805 ou 1806, do tempo da Dinastia Qing
e do reinado do imperador Jiaqing.
Apresentamos uma belíssima travessa.
A decoração é muito contida, dentro do gosto
europeu neoclássico. Tem a aba rendilhada, com a habitual perfuração assimé-
trica na formação da grelha, ocupando toda a aba, excepto a borda, onde há
um filete azul arroxeado liso, a toda a volta, e, logo após uma tarja branca,
um outro filete de ouro, que marca o limite da aba. Interiormente, entre esta e
a caldeira, há uma tarja de desenho pouco comum, com elementos dispares:
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 257

grinaldas, enrolamentos fitomórficos e losangos enquadrados por tufos vege-


tais verdes escuros, numa paleta de esmaltes sóbria, e até pouco vibrante. No Par de pratos de porcelana chinesa
de exportação com o brasão
centro, e a envolver o brasão que acima descrevemos, foi pintada sob o vidrado, de Francisco de Paula de Amaral
Cardoso. Cerca de 1805 a 1806.
a ouro, uma série de grinaldas tombadas, formando uma cercadura elegante Dinastia Qing, reinado
do imperador Jiaqing
e ritmada. (Colecção particular)
258 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. FREI ANTÓNIO DE SÃO JOSÉ


E CASTRO
(n. 1746, f. 1814)
Bispo do Porto

Armas: Castro. Em chefe, as armas de São Bruno150. Escudo em cartela:


De ouro, com treze arruelas de azul. Em chefe, de azul postas em 3, 3, 3, 1.
Chefe de azul, carregado de sete estrelas com seis raios de ouro. Chapéu eclesi-
ástico de seis borlas por lado, de verde. Por baixo do escudo, báculo, bastão e
bandeirolas. Coronel de cinco florões alternando com pérolas. Chapéu de verde,
borlado, próprio da dignidade. O coronel justifica-se pelo facto de bispos,
arcebispos e priores-mores das ordens militares terem as mesmas honras dos
pares-do-Reino151.
D. frei António de São José de Castro era filho ilegítimo de D. José Luís de
Castro, 2.º conde de Resende, que além de militar de grande prestígio, foi
vice-rei do Brasil. Nasceu, em Lisboa, dias antes de 30 de Abril de 1745, quando
foi baptizado, e morreu a 12 de Abril de 1814, na mesma cidade. Era irmão
do 3.º conde, D. Luís Inocêncio Benedito de Castro, e de D. Francisco Rafael
de Castro, que foi reitor da Universidade de Coimbra. Entrando para a vida
religiosa, o que era comum suceder aos filhos ilegítimos dos grandes senhores
do Reino, foi religioso da Ordem de São Bruno, no convento de Laveiras,
mas, dadas as suas qualidades intelectuais e cívicas, alcançou importantes
posições152.
Tendo pedido à população para não hostilizar as tropas invasoras, quando
da chegada dos exércitos franco-espanhóis de Junot, foi um dos primeiro a con-
geminar a revolta, integrando um levantamento e fazendo a aclamação do prín-
cipe D. João, sendo o primeiro presidente da Junta Provosória do Governo
Supremo e governador da cidade do Porto. D. João nomeou-o membro da
Regência, juntamente com os marqueses de Minas e de Castro Marim, e
de outros patriotas que tinham resistido e ficado, no Reino. Resistiria à invasão
Brasão de D. frei António São José de Soult, comandando os seus fiéis seguidores, a partir do mosteiro da Serra do
e Castro conforme está representado
nas peças do serviço
Pilar; no entanto, viria a ser derrotado153.
Terrina de porcelana chinesa
Apesar de ter seguido a carreira religiosa, o bispo do Porto mostrou-se um
de exportação com o brasão estratega de elevado coturno e um verdadeiro patriota, arriscando a vida em
de D. frei António São José e Castro.
Cerca de 1803 a 1809. Dinastia Qing, acções políticas e em acções militares. Apesar da bastardia, corria-lhe nas veias
reinado do imperador Jiaqing
(Cabral Moncada Leilões. Lisboa) o sangue do avô e dos seus antecessores, pelo menos, por quatro gerações, almi-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 259
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4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 261

Taça com duas pegas de porcelana


chinesa de exportação com o brasão
de D. frei António São José e Castro.
Cerca de 1803 a 1809. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Cabral Moncada Leilões. Lisboa)
262 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

rantes de Portugal, todos com provas dadas, nos campos de batalha. Noutra
vertente, a sua cultura levou-o a ser admitido na Academia Real das Ciências de
Lisboa.
Apresentamos as fotos de mão algumas peças deste faustoso serviço que
teve que ser feito, forçosamente, numa das melhores olarias de Jingdezhen, dada
a sua excepcional qualidade. Reproduzem-se as fotografias de uma terrina com
28,5 cm de alto, de uma taça com duas pegas e tampa com 10,5 cm de altura, e
de uma molheira com 18,5 cm de comprimento, todas com a mesma decoração.
Foi eleito bispo do Porto, a 13 de Junho de 1798 e, posteriormente,
patriarca de Lisboa, cargo que nunca chegou a ocupar154. Quando da sua morte,
o serviço de porcelana chinesa que mandou fazer com as suas armas episcopais
ficou na posse da Mitra, sendo posteriormente disperso, por vendas ocasionais,
ofertas ou descaminhos.
D. frei António de São José de Castro mandou fazer este magnífico ser-
viço, de que apresentamos uma travessa que é um dos serviços mais vistosos de
quantos foram encomendados pelos nobres portugueses no século xix.
Molheira porcelana chinesa
de exportação com o brasão A travessa tem 44,3 cm de comprimento e 37,5 cm de largura. As peças do
de D. frei António São José e Castro.
Cerca de 1803 a 1809. Dinastia Qing, serviço a que pertence são decoradas com esmaltes policromos e ouro sob o
reinado do imperador Jiaqing
(Cabral Moncada Leilões. Lisboa) vidrado fino e de muita qualidade. Ao centro de todas as peças está o brasão do
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 263

prelado, inserto num medalhão circular lobulado, formado por botões de flores
verdes, envolto por uma banda de ramos dourados, traçados ao centro para o
bordo, dispostos alternadamente com flores em tons de rosa sobre o fundo
verde. Na aba está repetido este mesmo motivo, entre bandas de flores e enrola-
mentos de elementos geométricos. Sobrepostos, há quatro cartouches a imitar
trevos de quatro folhas, decorados com cenas chinesas.
São bastantes os exemplares deste serviço que se conservam, nomeada-
mente, em grandes museus, como o Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa,
o Museu Nacional de Soares dos Reis, o Metropolitan Museum de New York e
o Britush Museum de Londres.
O serviço encomendado D. frei António de São José de Castro por deve
datar do período que medeia entre a sua entrada na cidade do Porto, para tomar
Travessa de porcelana chinesa
posse da sédia episcopal, e a sua ida para Lisboa, para ocupar o cargo de patriarca, de exportação com o brasão
de D. frei António São José e Castro.
o que nunca chegou a acontecer, portanto, entre 1803 a 1809, no período da Cerca de 1803 a 1809. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing. (Leiria e Nascimento. Leilões)
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VITAL DE BETENCOURT
VASCONCELOS E LEMOS
(n. 1751, f. 1847)

Armas: Betencourt, Lemos, Ornelas e Vascon-


celos. Esquartelado. I, de prata, leão armado e lin-
guado de vermelho. II, de vermelho, cinco cadernas
de crescentes de ouro. III, de azul, banda de ouro
carregada de três flores-de-lis de vermelho, postas
no sentido da banda, acompanhada de duas sereias
de sua cor. IV, de negro, três faxas veiradas de prata
e vermelho155.
Há alguns erros; o leão devia ser de negro e
está de prata ou de branco; cada sereia devia ter na
mão dextra seu espelho e na sinistra o pente. Tim-
bre: coroa ducal, o leão e a flor-de-lis que usavam os
Betencourt do solar da Madre de Deus de Angra.
Note-se que o brasão que hoje se vê no portal
do solar da família, em Angra do Heroísmo, tem
Betencourt, Fonseca, Ornelas e Vasconcelos.
Vital de Betencourt de Vasconcelos e Lemos,
nasceu em Angra, na Ilha Terceira dos Açores, a 3 de
Julho de 1751. Foi fidalgo-cavaleiro da Casa Real,
cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, cavaleiro da
Ordem de São Bento de Avis, sargento-mor das
Ordenanças de Angra, em 27 de Dezembro de 1789,
e brigadeiro do Exército. Em 1805, conforme consta
da documentação da Torre do Tombo, foi nomeado
Brasão de Vital de Betencourt
Vasconcelos e Lemos conforme está governador da fortaleza de Angra, da invocação de
representado nas peças do serviço
São João Baptista, antes conhecida como fortaleza
Brasão de Vital de Betencourt
Vasconcelos e Lemos que está sobre a de São Filipe, e que inclui todo o Monte Brasil.
porta principal do palácio da Madre de
Deus em Angra, nos Açores
Casou com D. Maria Madalena Vitória de
Travessa de porcelana
Castel-Blanco, de remota origem espanhola. Foi
chinesa de exportação com o brasão um dos signatários dos autos de aclamação do rei
de Vital de Betencourt Vasconcelos e
Lemos. Cerca de 1810. Dinastia Qing, D. Miguel I e também da rainha D. Maria II, ade-
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) rindo aos dois partidos em confronto, por respeito
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 265
266 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

aos poderes vigentes, e também por ter dois filhos divididos entre as duas forças
em confronto. Faleceu em 28 de Junho de 1847.
A sua ilustre família, com origem em Francisco de Bettencourt, um fran-
cês vindo da Normandia, tinha familiares já estabelecidos noutras ilhas, nome-
adamente, nas Canárias156. Vital de Betencourt de Vasconcelos e Lemos viveu no
magnífico palácio da Madre de Deus, hoje na posse do Estado, construído por
iniciativa de João de Bettencourt e Vasconcelos, entre 1725 e 1750, aproximada-
mente. Foi também o pai do nosso biografado quem renovou, ou reconstruiu,
desde os fundamentos, a capela privativa, em 1727. Foi neste solar da Madre de
Deus que este serviço de porcelana chinesa brasonado esteve em uso, durante o
século xix e parte do século xx.
Mostramos uma grande travessa oval, com 41 cm de comprimento e
34 cm de largura. A decoração desta peça é muito simples. Boa porcelana branca
leitosa, coberta por vidrado, sobre o qual foram aplicados os esmaltes e o ouro.
Vê-se o brasão de Vital de Betencourt de Vasconcelos e Lemos aparece no meio
Palácio da Madre de Deus, em Angra, dos covos, sem qualquer ornamento em redor, excepto nas abas. Na taça e pires,
nos Açores, onde viveu Vital
de Betencourt Vasconcelos e Lemos as armas do fidalgo apresentam-se de frente, interrompendo, com o terço supe-
Taça e pires de porcelana chinesa rior, a tarja decorativa que envolve toda a peça, e que é igual à das abas do pires,
de exportação com o brasão de Vital
de Betencourt Vasconcelos e Lemos. dos pratos e da travessa.
Cerca de 1810. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 267

A aba dos pratos, do pires e


da travessa, e a tarja da taça, é
fundamentalmente decorada a
ouro, com a representação de
estrelas de cinco pontas e flores
avermelhadas delimitadas por
um traço azul, por outras flores
que parecem rosas, da sua cor
própria, folhas azuis, cor que
aparece em conjuntos de pontos
que parecem cachos de uvas,
mas que certamente não os pre-
tendem representar. Outro tipo
de folhagem, umas largas e afila-
das, outras lanceoladas presas a
caules, são de ouro, entrela-
çando-se todas com os restantes
elementos, formando uma deco-
ração muito densa, mas também
bastante monótona. No bordo
da aba, foi pintado um filete a
ouro, que se encontra também
na pequena taça. Aliás, é nesta
peça que a decoração resulta
melhor.
Podemos datar este ser-
viço, embora com reservas, de
cerca de 1810, com uma mar-
gem de cerca de vinte anos, que
não conseguimos superar sem
dados documentais credíveis,
já que a tipologia abrange um
tempo largo, dentro da Dinastia
Qing e do reinado do imperador
Jiaqing.
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D. DUARTE MANUEL
DE NORONHA E MENESES
(n. 1775, f. 1833)
4.º marquês de Tancos; 9.º conde de Atalaia

Armas: Manuel e Meneses (dos marqueses de Marialva). Escudo em car-


tela, partido. I, esquartelado: 1.º e 4.º, de vermelho, com asa aberta de ouro,
terminada por uma mão, empunhando uma espada de ouro; 2.º e 3.º, de prata,
com um leão rampante, armado e lampassado de azul. II, esquartelado; 1.º e 4.º
de branco, com cinco escudetes de azul, postos em cruz, cada escudete carre-
gado de cinco besantes, em sautor, e bordadura de vermelho, carregada de sete
castelos de ouro. 2.º e 3.º, de azul, com três flores-de-lis de ouro. Tem sobre-
posto um escudete com um anel encoberto. Algumas incorrecções, sobretudo
nos esmaltes. Coroa de marquês (mal representada).
D. Duarte Manuel de Noronha e Meneses descendia de algumas das mais
ilustres famílias portuguesas. Nasceu a 8 de Setembro de 1775 e morreu em
Coimbra, vítima de peste, a 18 de Agosto de 1833. Era filho de D. António Luís
de Meneses, conde de Atalaia e marquês de Tancos, pelo casamento com
D. Domingas Manuel de Noronha, condessa do Vimioso, pelo seu primeiro
casamento, que sucedeu em todos os senhorios, vínculos, alcaidarias-mores,
comendas e padroados a sua mãe, e foi igualmente camareira da rainha
D. Maria I. D. Domingas tinha casado em primeiras núpcias com o conde do
Vimioso, mas enviuvou ainda sem descendência. D. Manuel de Meneses e
Noronha é, assim, filho do seu segundo casamento, e herdeiro dos títulos. Estes
factos justificam as armas que usou: as dos Manuel, da Casa de Atalaia, e as dos
Meneses, da Casa de Marialva. O título de conde de Atalaia foi-lhe renovado,
por carta de D. Maria I, de 26 de Abril de 1790, e o de marquês de Tancos, já
por D. João, mas ainda em nome da mãe, em 4 de Abril de 1795.
O 4.º marquês de Tancos e 9.º conde de Atalaia casou, a 2 de Agosto de
1806, com D. Leonor Maria da Silva, filha dos 2.º marqueses de Vagos. Foi
comendador da Ordem de Cristo e da Torre Espada, inspector de Saúde Pública
do Reino, e sócio-honorário da Academia das Ciências de Lisboa. Partidário de
D. Miguel, foi por este monarca nomeado general e ministro de Estado157.
Apresentamos um prato que pertence a um serviço de jantar, com 24,5 cm
Brasão de D. Duarte Manuel de diâmetro, com uma decoração fina mas muito parca. É em porcelana de boa
de Noronha e Meneses conforme está
representado nas peças do serviço qualidade, fina, branca leitosa, com um bom vidrado, sob o qual foi pintado o
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 269

brasão do 4.º marquês de Tancos, e o resto da decoração. As armas de D. Duarte


Manuel de Noronha e Meneses ocupam o centro, não tendo mais decoração do
que um filete formado por pequenas flores estilizadas, em azul acinzentado, no
início da aba, marcando o seu começo, e delimitando a caldeira. Depois, só há
mais decoração na extremidade da aba; uma tarja contínua da mesma cor azul
acinzentado, seguindo-se colado um friso a ouro com duas linhas contínuas, no
meio das quais foram pintadas pequenas e delicadas flores estilizadas.
Teve, pelo menos, dois serviços brasonados em porcelana chinesa, embora
com algumas semelhanças, ambos bebendo do gosto europeu neoclássico.
A datação do serviço a que pertence este prato deve colocar-se por volta de
1810, do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Duarte Manuel de Noronha e
Meneses. Cerca de 1810. Dinastia
Qing, reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
270 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. RODRIGO DOMINGOS
ANTÓNIO DE SOUSA COUTINHO
(n. 1745, f. 1812)
1.º conde de Linhares

Armas. Sousa Chichoro ou de Arronches e Coutinho, na ordenação adop-


tada pelos condes de Linhares e pelos condes e marqueses do Funchal. Escudo
de formato ovalado, em cartela, esquartelado: I e IV, de ouro, seis pontos de
vermelho; bordadura de branco, carregada de sete torres, por castelos, de ouro.
II e III, de branco, cinco pontas de cinco estrelas de ouro. Coronel de cinco
florões. Como a decoração do serviço é integralmente a ouro, não se distinguem
os esmaltes no brasão. Dos vários erros destaca-se o de usar Portugal moderno,
em vez de Portugal antigo, uma vez que descende dos Sousa do Prado, que sem-
pre usaram um esquartelado de Portugal Antigo e Leão. Anote-se que este título
foi renovado por D. Maria I, extinto o ramo inicial dos Noronha.
D. Rodrigo Domingos António de Sousa Coutinho nasceu a 3 de Agosto
de 1755, em Chaves, e faleceu em 25 de Janeiro de 1812, quando estava com a
Corte no Rio de Janeiro. Era filho de D. Francisco Inocêncio de Sousa Couti-
nho, membro do Conselho Régio, e que foi embaixador em Madrid e governa-
dor de Angola, e de sua mulher D. Ana Luisa Joaquina Teixeira. Teve a mercê de
conde por decreto de 17 de Dezembro de 1808. Na mesma data, foi também
agraciado o seu irmão, D. Domingos António de Sousa Coutinho, com o título
de conde e de marquês do Funchal.
Foi um dos primeiros alunos do Real Colégio dos Nobres e frequentou
também a Universidade de Coimbra, logo após a sua reabertura, depois da
grande reforma levada a cabo pelo marquês de Pombal e pelo reformador-reitor
D. Francisco de Lemos.
Retrato de D. Rodrigo Domingos Ocupou cargos de grande importância, como o de ministro plenipoten-
António de Sousa Coutinho. Gravura
(Biblioteca Nacional de Portugal) ciário na Corte de Turim, onde esteve até 1795, presidente do Real Erário
Brasão de D. Rodrigo Domingos Público e também secretário de estado da Marinha, substituindo Martinho de
António de Sousa Coutinho conforme
está representado nas peças Melo e Castro, e ministro dos Estrangeiros e da Guerra, depois da partida de
do serviço
D. Maria I e de D. João para o Brasil, tendo sido um dos políticos de maior con-
Prato de porcelana chinesa fiança da rainha e do príncipe-regente. Foi senhor de Paialvo e recebeu a grã-
de exportação com o brasão
de D. Rodrigo Domingos António -cruz da Ordem de Avis e a da Ordem da Torre e Espada. Deveu-se-lhe uma
de Sousa Coutinho.
Cerca de 1808. Dinastia Qing, importante política de fomento no Ribatejo e no Alentejo, e também o desenvol-
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) vimento da ocupação territorial dos domínios africanos e na América Portu-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 271

guesa, além das ligações regulares entre o Reino, o Brasil e as possessões em


África. Quando esteve na Corte de Turim, casou com D. Gabriela Inácia Asinari
de San Marzano, filha do marquês de San Marzano158.
Apresentamos um prato da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga,
redondo, com as armas do encomendante no centro da caldeira, pequenas,
sobre fundo branco leitoso, sob vidrado, com um círculo a ouro conformando
uma corrente perlada, a dar início à aba arredondada. Esta tem junto do bordo
um entrelançado de ramagens que seguem um filete contínuo também a ouro e,
no limite da borda, um denticulado minúsculo.
É provável que este serviço tenha sido encomendado, após a elevação a
conde de Linhares, o que ocorreu, como vimos, em 1808, não percebendo nós a
razão da datação que é comum atribuir-se-lhe, cerca de 1785, o que não tem razão
nem estética nem por qualquer motivo de ordem pessoal, como, por exemplo, o
seu casamento. Será assim do reinado do imperador Jiaqing da Dinastia Qing.
272 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. BERNARDO JOSÉ MARIA


DE LORENA E SILVEIRA
(n. 1756, f. 1818)
5.º conde das Sarzedas

Armas: Silveira e Távora. No 1.º serviço: escudo oval, partido em pala.


I, de ouro, com três faixas de vermelho. II, de prata, com faixas de ouro, e bor-
dadura de branco com a legenda QUASQUNQUAE FINDIT, no exterior, car-
regando a bordadura de prata. Timbre, sobre a coroa de conde, um urso de sua
cor, nascente, embora pudesse ser de prata, armado e linguado de vermelho, por
ser o das armas dos Silveira.
No 2.º serviço: o escudo oval, partido em pala. Em I, de prata, com três
faixas de vermelho, que deveriam ser cinco. Em II, em campo de prata, faxas de
azul, que deviam ser ondadas, bordadura de ouro, que devia ser do campo, sus-
tentada por um filete de negro na orla. Legenda QUASQUNQUAE FINDIT,
no exterior. Timbre, sobre a coroa de conde, um urso de sua cor, nascente,
embora pudesse ser de prata, armado e linguado de vermelho, por ser o das
armas dos Silveira.

Brasão de D. Bernardo José Maria


de Lorena e Silveira conforme está
representado nas peças do chamado
1º serviço

Palácio do Governo de São Paulo,


onde viveu D. Bernardo José Maria
de Lorena e Silveira.
Pintura de Jean Baptiste Debret.
Cerca de 1820
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 273

No 3.º serviço: na pala I, campo está de branco ou de prata e as faixas são


púrpura; na pala as faixas estão de ouro, a do meio carregada de um golfinho de
Prato de porcelana chinesa
prata, e bordadura de ouro com a mesma legenda dos serviços anteriores. de exportação do chamado
1º serviço, com o brasão
Legenda QUASQUNQUAE FINDIT, no exterior. Coronel de sete pérolas, de de D. Bernardo José Maria
de Lorena e Silveira.
conde. Timbre, sobre a coroa de conde, um urso de sua cor, nascente, embora Cerca de 1805 a 1810. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
pudesse ser de prata, armado e linguado de vermelho, por ser o das armas dos (Colecção particular)
274 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Terrina de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Bernardo José Maria de Lorena
e Silveira do chamado 1º serviço.
Cerca de 1805 a 1810. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 275

Silveira. Em todos, lateralmente, tem troféus. Notam-se, como já anotámos


algumas, imprecisões de desenho e alguns erros nos esmaltes, além de letras
trocadas na legenda nalgumas peças conhecidas dos serviços159.
D. Bernardo José Maria da Silveira e Lorena era filho de Nuno Gaspar de
Lorena, que antes se chamara Távora, e que era irmão do 3.º marquês, e de sua
segunda mulher D. Maria Inácia da Silveira. O título de 5.º conde advém-lhe do
parentesco que tinha com a linha terminada com o 4.º conde, D. Luís Bernardo
da Silveira da Silva Telles, por via da comum descendência de D. Fernão da
Silveira, irmão do 1.º conde. O título foi-lhe concedido por D. João, ainda prín-
cipe-regente, a 8 de Junho de 1805.
Foi capitão de Cavalaria, agregado à 1.ª Plana da Corte, e foi governador-
-general e capitão de São Paulo, com nomeação a 25 de Julho de 1787; e das
Minas Gerais, nove anos depois, onde substituiu o conde de Barbacena. Foi

Brasão de D. Bernardo José Maria


de Lorena e Silveira conforme
está representado nas peças
do chamado 2º serviço

Travessa de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Bernardo José Maria de Lorena
e Silveira do chamado 2º serviço.
Cerca de 1805 a 1810. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
276 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ainda membro do Conselho Ultramarino e, 1807, foi elevado ao


cargo de vice-rei da Índia, onde esteve, entre 1808 a 1816. Morreu
no Rio de Janeiro, em 1818, deixando dois filhos ilegítimos, mas legi-
timados por despacho do Desembargo do Paço.
A divisa QUASQUNQUAE FINDIT foi usada pelos Távora,
desde o princípio do século xvii. Já o seu bisavô, D. Francisco de
Távora, havia sido vice-rei do Estado Português da Índia. Luiz
Ferros chama a atenção para o facto de as armas dos Silveira, que
eram as da linha materna, estarem na 1.ª pala, enquanto as dos
Távora, as da sua varonia, estarem na 2.ª pala, mas não se trata de
um erro, pois na tradição Heráldica Portuguesa, sempre se deu a
precedência às armas da Casa que se representava, em detrimento
das da varonia160.
Os três serviços que encomendou devem ser posteriores a 1805,
ano em que foi elevado a conde de Sarzedas, como vimos acima,
datando assim do período da Dinastia Qing e do reinado do impera-
dor Jiaqing.
Do chamado primeiro serviço apresentamos um prato raso,
com 26 cm de diâmetro, e uma terrina pequena, com 15,5 cm de
altura, 20 cm de comprimento e 12,5 cm de largura. A decoração é
preciosa, já anunciadora do gosto neoclássico, na Europa, onde os
encomendantes reclamavam já aos artistas que projectavam as suas
louças, desenhos a condizer com a estética vigente.
Os pratos estão revestidos por um vidrado ligeiramente acin-
zentado, são redondos e têm a aba ligeiramente côncava. A decora-
ção é feita com esmaltes polícromos e a ouro, sendo este dominante,
até porque ocupa toda a aba, numa composição de xadrezado muito
miúdo, excepto as pequenas reservas brancas ovais, quer postas na
horizontal, quer na vertical, onde foram pintados ramos florais a ver-
melho, azul, verde e amarelo, numa paleta extremamente rica. Além
Brasão de D. Bernardo José Maria
de Lorena e Silveira conforme das flores e folhagem há também frutos, como morangos, o que não
está representado nas peças
do chamado 3º serviço
é comum. O fundo dos pratos é todo branco, tendo sido aí pintado o
Terrina de porcelana chinesa
brasão de D. Bernardo José Maria da Silveira e Lorena, num meda-
de exportação com o brasão lhão com uma bordadura vermelho-ferro, com folhas de ouro, fran-
de D. Bernardo José Maria de Lorena
e Silveira do chamado 3º serviço. jado, e suspenso de laçadas com fitas ondulantes.
Cerca de 1805 a 1810.
Dinastia Qing, A excepcional terrina tem, naturalmente, uma decoração idên-
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) tica, posto que adaptada a uma forma completamente distinta da dos
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 277
278 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

pratos. Pode dividir-se em duas zonas, quanto aos elementos decorativos: a zona
inferior da terrina propriamente dita, a partir da sua zona mais larga, toda a
branco, onde apenas foi colocado o brasão do 6.º conde de Sarzedas, tal como
acabámos de o descrever. É aí que se colam as duas pegas laterais, formadas por
cordões torcidos e entrelaçados, a ouro. A tarja que nos aparece na aba dos pra-
tos é mesma que se vê aqui, na parte superior da caldeira, até ao rebordo, onde
encaixa a tampa. Apenas as reservas são um pouco maiores. A tampa copia os
modelos já em voga na Europa, em Meissen, e até nalgumas peças da nossa
Fábrica do Rato. Tem uma banda contínua, vermelho-dourada, com as mesmas
reservas decoradas que vimos antes, seguindo-se um espaço em branco leitoso
e, depois, uma flor espalmada, com pétalas e folhas relevadas que se unem no pé
cilíndrico da peça, em forma de flor da mesma cor. O brasão de D. Bernardo
José Maria da Silveira e Lorena foi posto na face da terrina, sobre branco, e na
mesma direcção, na zona da aba da tampa.
O designado segundo serviço de de D. Bernardo José Maria da Silveira e
Lorena é mais comedido na decoração, mas nem por isso menos belo.
Fixando-nos na terrina, vemos que predomina o branco leitoso, sendo a
decoração, essencialmente a azul e dourado, aplicada a esmaltes sob o vidrado,
muito fino e delicado. O contentor é quase todo branco, tendo apenas um
filete no pé, ovalado como a terrina, e ligeiramente inclinado para fora, formado
por uma estreita faixa azul arroxeado com florzinhas ou estrelas a ouro, a espa-
ços, tendo no interior uma teoria perlada. Este esquema repete-se na parte
superior, junto do bordo, embora com dimensões ligeiramente maiores. Como
se disse, a terrina é ovalada, e tem as pegas coladas ao vaso, formando um
entrançado de ramos lenhosos, com decoração a azul e ouro. A tampa é de
abóbada abatida, com duas ordens de tarjas, iguais às do corpo inferior, termi-
nando por uma aparatosa composição azul e ouro, formada por folhas largas
que caiem da base da pega, esta com colo cilíndrico e terminação floral,
com pétalas azuis e centro dourado. O brasão aparece quer no meio da terrina
propriamente dita, quer na tampa, aqui a cortar a tarja que a cirdunda comple-
tamente. A divisa do 6.º conde de Sarzedas encontra-se fora do medalhão, a
negro, estando a palavra QUASCUMQUE envolta por duas hastes de roseira
cruzadas.
As travessas rendilhadas têm, como seria de esperar, uma decoração idên-
tica, também a azul e ouro. No bordo, apresentam a mesma tarja azul com
estrelas douradas e internamente um perlado contínuo, seguindo-se a bela aba
perfurada, e no início da caldeira repete-se o motivo do bordo. No centro, total-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 279

mente branco, está o brasão do titular, com a legenda externa ao mesmo, com
ramos de flores polícromas na base e com fitas de ouro a coroarem as armas,
sobre as palavras FINDIT QUASCUMQUE.
Por razões históricas e estéticas, devemos datar estes três serviços de entre
Travessa rendilhada de porcelana
1805 e 1810, do tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing. chinesa de exportação
com o brasão de D. Bernardo José
Maria de Lorena e Silveira
do chamado 3º serviço.
Cerca de 1805 a 1810.
Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
280 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ANTÓNIO DE ARAÚJO
E AZEVEDO
(n. 1754, f. 1817)
1.º conde da Barca

Armas: Araújo, Pereira, Pinto e Azevedo. Escudo inglês, moderno, esquar-


telado. I, de branco, por prata, aspa de azul carregada de cinco besantes de ouro;
II, de vermelho, cruz de branco, por prata, que devia ser florenciada; III, cinco
crescentes postos em sautor que deveriam ser de vermelho em campo de prata;
IV, de ouro, águia estendida que devia ser de de negro, mas que está de casta-
nho. Coroa ducal sustentada por dois anjos-tenentes. Pendente tem a cruz da
Ordem de Cristo. Tudo sobreposto a uma nuvem, com listel azul e a legenda
ADARAUJO, a ouro161.
António de Araújo e Azevedo foi o 1.º e único conde da Barca. Nasceu em
Ponte de Lima, em 14 de Maio de 1754, e morreu no Rio de Janeiro, em 21 de
Junho de 1817. Era filho de António Pinto Pereira de Araújo, senhor do
Morgado de Sá e da Casa da Laje, e de sua mulher, D. Maria Francisca de
Araújo e Azevedo.
Estudou Filosofia na Universidade de Coimbra, mas desistiu antes de
obter qualquer grau. Entretanto, em 1779, organizou uma sociedade com pro-
pósitos económicos e desenvolvimentistas na terra de sua naturalidade, e travou
amizade com grandes vultos intelectuais, como o abade Correia da Serra e o
duque de Lafões. Este último viria a ser fundamental, para o lançar na via diplo-
mática.
Foi ministro e embaixador junto da Corte de Haia, em 1787, representou
Portugal em São Petersburgo, durante três anos, e da República Francesa, em
1795, 1797 e 1801. Foi um dos mentores da ida da Corte para o Brasil, quando
Retrato de António de Araújo Azevedo. das Invasões Francesas. Lá continuou a desempenhar as mais altas funções polí-
Gravura feita a partir
de um desenho de Domenico Pellegrini ticas, a par de outras de carácter científico e literário. Enquanto este no Brasil,
(Biblioteca Nacional de Portugal)
foi ministro de Estado, dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e da Marinha, em
Brasão de António de Araújo Azevedo
conforme está representado nas peças 1814, e chegou a primeiro-ministro, em 1817. Foi fundador da Academia de
do serviço.
Belas-Artes.
Pires e prato de porcelana O título de conde da Barca foi-lhe concedido, em 27 de Dezembro de
chinesa de exportação com
o brasão de António de Araújo 1815, pelo príncipe-regente D. João162.
Azevedo Cerca de 1815.
Dinastia Qing, Teve a grã-cruz da Ordem de Cristo e a Torre Espada, além de muitas
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) condecorações estrangeiras, como a Legião de Honra, de França, e a grã-cruz
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 281
282 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

de Isabel-a-Católica, de Espanha. O título de conde da Barca foi-lhe


concedido pelo príncipe regente D. João, a 27 de Dezembro de 1815.
É provável que a encomenda do serviço seja o resultado desta
distinção
O serviço a que pertencem as peças que apresentamos é um
dos mais finos e de características mais europeias de quantos foram
executados, por encomenda portuguesa, nas primeiras décadas do
século xix, havendo vários autores que atribuem o facto à possibili-
dade de ter sido desenhado por Domingos António de Sequeira, que
era grande amigo do conde da Barca. No entanto, também manteve
contactos com outros artistas de primeira plana, como Domenico
Pellegrini, que executou o desenho que depois foi gravado por
Queiroz, ainda em Lisboa, em 1804, e que aqui reproduzimos.
No centro do prato, sobre a porcelana branca e sob o vidrado
muito fino, foi pintadoa esmaltes polícromos o brasão do conde da
Barca, tal como o descrevemos no início desta ementa. A caldeira é
circundada por uma tarja de imbricados de quadrifólios, mas inter-
rompidos a dois terços, os dos extremos, de cor vermelho ferrugem,
com uma linha azul envolvente, a separá-los. A aba é marcada por
um traço em circunferência, azul vinoso, e nela há reservas de dois
tamanhos, lembrando nuvens, marcadas por traço idêntico ao refe-
rido antes, tendo dentro paisagens a ouro tipicamente chinesas. Novo
filete azul vinoso marca a borda da aba. A taça tem exactamente a
mesma decoração, mas resulta melhor na taça, pois fica mais con-
densada.
Como dissemos, pensamos que este serviço pode ter tido ori-
gem na elevação de António de Araújo e Azevedo a conde da Barca
e, portanto, datar dos anos imediatamente posteriores a 1815, ao
tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.

Travessa de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de António de Araújo Azevedo.
Cerca de 1815. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 283
284 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOÃO PINHEIRO DE ARAGÃO SALZEDO


(n. 1770, f. depois de 1840)
Fidalgo da Casa Real

Armas: Pinheiro, Salzedo, Aragão e Amaral. Escudo de tipo francês,


esquartelado. I, de branco, cinco pinheiros de verde em sautor. II, de branco,
árvore de verde. III, de ouro, com quatro faixas soltas de vermelho. IV, de ouro,
com seis crescentes invertidos de azul. Coronel de cinco florões e vergônteas
cruzadas, de verde, tudo sobreposto a um manto azul com forros de arminho,
contido em escudo de fantasia suspenso por laço azul. Há alguns erros. Em I,
devia ser de prata e não de branco, próprio dos Pinheiro de Andrade. A árvore
dos Salzedo ou Salcedo é um salgueiro, e deve ser de prata e não de branco.
As armas próprias de Aragão, são de ouro, com quatro palas de vermelho, e aqui
temos bandas.
João Pinheiro de Aragão Salzedo nasceu em 1770, e ainda vivia em 1849.
Casou com a sua prima D. Maria Patrocínia Paes do Amaral, da Casa de Man-
gualde, cerca de 1814. Foi fidalgo da Casa Real, coronel de Milícias da Comarca
de Lamego, senhor da Casa do Campo, em Lamego.
Apresentamos como exemplo um prato redondo que faz parte de um ser-
viço de que há peças em colecções importantes, como a do Museu do Oriente,
em Lisboa.
A porcelana é muito fina, branca e o vidrado quase incolor. A decoração é
pintada com uma cercadura na aba, formada por parras, sarmentos e cachos de
uvas a ouro sobre um azul forte e vibrante. O brasão manteado de João Pinheiro
de Aragão Salzedo está no meio do pires, com uma composição que foi muito
comum em vários países da Europa e nos Estados Unidos da América, na
primeira e na segunda décadas do século xix. É praticamente igual o serviço
encomendado por Patrick Hayes da cidade de Philadelphia, datado pelos espe-
cialistas de cerca de 1795. Há outro conjunto similar, apenas de taças, com as
iniciais REG. Têm já uma data que não é completamente legível mas que, indis-
Brasão de João Pinheiro de Aragão
cutivelmente, começa por 18..; na verdade, estes escudos manteados tiveram
Salzedo conforme está representado grande sucesso, e mantiveram-se na moda durante bastante tempo.
nas peças do serviço
Aceitamos como plausível a data de 1815 que anda atribuída a este
Prato de porcelana chinesa
de exportação com o brasão serviço, quer por razões estéticas quer por razões históricas, nomeadamente, o
de João Pinheiro de Aragão Salzedo.
Cerca de 1815. Dinastia Qing, seu casamento em 1814, portanto, dentro do período do reinado do imperador
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) Jiaqing da Dinastia Qing.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 285
286 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

BARTOLOMEU BARRETO
(n. 1784, f. 1845)
Comerciante de Macau

Armas: Barreto. Escudo de ponta ogival, com chefe de dois convexos. De


branco, semeado de pontos e botões cordiformes. Por timbre, cabeça e tronco de
uma donzela. Festões de ramagens e flores. O correcto seria: de arminho pleno.
Timbre, busto de donzela vestida de arminho, com cabelos de ouro e longos.
Bartolomeu Barreto era filho de John Barreto e de Catarina Rodrigues.
Nasceu em Bombaim, a 21 de Julho de 1784, vindo a falecer, em Macau, a 25
de Fevereiro de 1845. Foi educado em Calcutá e, depois, foi viver para a Cidade
do Santo Nome de Deus de Macau, onde desenvolveu a profissão de classifica-
dor da chá, sendo também director da casa de seguro, de cujo capital participou.
Em 1825, foi eleito almotacé da Câmara.
A família vinha de trás, da Índia, e um António Lourenço Barreto vivia, em
Mumbai, no início do século xviii. O seu filho mais velho, Luís Barreto, nasceu
nessa cidade, em 1715, e foi um banqueiro importante da Índia Britânica, esta-
belecido em Calcutá. John Barreto, o pai de Bartolomeu Barreto, nascera tam-
bém em Mumbai, e, entre muitas coisas que fez, fundou a Charity School, em
Calvet Street, destinada especialmente a ensinar a Língua Portuguesa. Era
comerciante de arroz e de ópio e fez uma grande fortuna.
Bartolomeu Barreto casou pela primeira vez, em 1816, com D. Maria
Francisca Gonçalves Pereira; e pela segunda, em 1821, com a sua cunhada,
Angélica Rosa Gonçalves Pereira. Teve filhos do segundo casamento, e também
filhos naturais, de uma relação com D. Antónia Rita da Cruz, tendo a generali-
dade dos seus descendentes varões continuado actividades comerciais, não só
em Macau, mas também noutras praças asiáticas, como Hong-Kong, Singa-
pura, Filipinas, etc.
Por volta de 1820, mandou fazer este serviço de jantar, com as armas ple-
nas dos Barreto. A generalidade das peças foram levadas para Hong-Kong, para
casa de um dos seus descendentes que vivia em Kowloon, sendo o serviço reti-
rado daí, à pressa, em 1942, quando dos distúrbios motivados pela invasão japo-
nesa. Ainda hoje há várias peças deste serviço na posse de descendentes de
Bartolomeu Barreto163.
Brasão de Bartolomeu Barreto O serviço foi atribuído apenas a uma família Barreto por Castro e Solla, o
conforme está representado
nas peças do serviço que causou as maiores reservas a Luiz Ferros, inclusivamente que aquelas armas
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 287

fossem mesmo dos Barreto. Mais ainda, este autor recusou frontalmente a atri-
buição muito vulgarizada de pertencer ao 1.º visconde de Geraz do Lima, Luís
do Rego Barreto, pois este usou um brasão esquartelado com Barreto, Rocha,
Rego e Velho164.
Nada autoriza a pensar que estes Barretos da Índia portuguesa tivessem
relação com antiga família homónima da Ribeira Lima, e que remontava ao
século xii, e que, de facto, podia de direito usar este brasão.
Os pratos do serviço que estamos a estudar, com 24,8 cm de diâmetro,
têm uma decoração elegante, mas simples. O brasão de Bartolomeu Barreto
ocupa o centro, tendo à sua volta, dispostos um pouco arbitrariamente, um con-
junto de oito ramos de folhas ouflores estilisadas polícromas. A aba é delimitada
por um cordão azul vinoso, formado por ramos ondeantes, muito pequenos,
justapostos, parcendo uma linha única. Na aba foi pintada uma grinalda contí-
nua de folhas verdes e longas, entrecortadas por fores azuis, vermelho ferrugem
e um azul muito esbatido.
Par de pratos de porcelana chinesa
É de aceitar a data do casamento de Bartolomeu Barreto, para a enco- de exportação com o brasão
de Bartolomeu Barreto.
menda do serviço, portanto, cerca de 1814, no tempo da Dinastia Qing e do Cerca de 1814. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
reinado do imperador Jiaqing. (Colecção particular)
288 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

MANUEL PAIS DE SANDE E CASTRO


(n. c. 1780, f. depois de 1830)
2.º donatário da Vila do Souto e morgado da Casa do Cabo de São João da Pesqueira

Armas: Sande, Pais e Castro. Escudo em cartela, cortado. I, partido; 1.º de


vermelho com leão de ouro acompanhado de quatro flores-de-lis do mesmo,
uma em chefe, outra em ponta, e mais uma em cada flanco; o 2.º de azul, com
nove lisonjas veiradas, postas 3, 3 e 3, e cada lisonja carregada de aspa de ver-
melho. II, de branco, seis arruelas de azul, 2, 2 e 2. Encima o escudo a coroa de
conde. Vergônteas e cruz da Ordem de Cristo. Apresenta pequenos erros, como
em II, que devia ser de prata e não de branco.
Manuel Pais de Sande e Castro era filho de João Manuel Pais de Sande e
Castro e de D. Maria da Piedade de Barbosa e Bourbon. Casou com D. Leonor
Correa de Sá e Benavides Velasco da Câmara, filha do 5.º visconde da Asseca, a
25 de Janeiro de 1823.
Foi fidalgo da Casa Real, 2.º donatário da Vila do Souto, senhor da Casa e
Morgado do Cabo de São João da Pesqueira, e da Casa de Penedono, que her-
dou de seu pai. Chegou a ser nomeado governador e capitão-general de São
Paulo, mas parece que nunca tomou posse deste cargo. Viveu na Corte do Rio
de Janeiro, e daí o seu casamento com a filha do então titular da alcaidaria-mor
da capital brasileira, o visconde da Asseca. Uma filha sua, D. Maria da Piedade,
fez um casamento importante, com Eduardo Pinto Soveral, com grande vali-
mento na Corte, que chegou a ser ministro plenipotenciàrio de Portugal, em
Constantinopla, e outra, D. Ana Felícia, casou com José Maria de Almeida,
que também teve porcelanas chinesas brasonadas e foi desembargador e moço-
-fidalgo com exercício na Casa Real.
Todas as peças deste serviço são em porcelana muito fina, branca leitosa,
com os esmaltes sob uma camada de vidrado fino. Existem algumas peças deste
serviço em colecções importantes, como a do Museu Nacional de Arte Antiga e
a do Museu do Oriente, ambas as instituições em Lisboa.
A cesta e a travessa que apresentamos rendilhadas têm a mesma decora-
ção, devendo salientar-se a perfuração, a comum da época, de perfil rectangular,
Retrato de Manuel Pais com uns de dimensão maior do que a dos outros, jogando alternadamente.
de Sande e Castro
O brasão está no centro branco de ambas as peças, no interior de cada uma, e
Brasão de Manuel Pais
de Sande e Castro conforme também nas duas faces da cesta, em medalhões que cortam a perfuração, como
está representado nas peças
do serviço se fossem chapas165. Na travessa, no alinhamento deste dispositivo, onde estão as
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 289

armas do titular, há uma reserva, interrompendo também o rendilhado, com um


rectângulo de cantos encurvados com uma belíssimo ramo de flores e folhas
douradas, no interior. Pelo estilo e pelos condicionalismos históricos a que alu- Cesta e travessa rendilhadas
de porcelana chinesa de exportação
dimos, estas peças devem datar de cerca de 1815, portanto, do tempo da Dinas- com o brasão de Manuel Pais
de Sande e Castro.
tia Qing e do reinado do imperador Jiaqing. Cerca de 1815. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
290 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. FRANCISCO DE ALMEIDA
MELO E CASTRO
(n, 1758, f. 1819)
6.º conde de Galveias

Armas: Melo, Portugal e Castro. Escudo de bico esquartelado. I e IV, de


vermelho, dobre-cruz de negro acompanhadas de seis besantes do mesmo;
II, de branco, aspa do mesmo, perfilada de negro, carregada de cinco peças
quuadradas ao meio e triângulos nos cantões, cada uma carregada de besante de
negro, circundado de nove pontos de ouro, e as peças acompanhadas por quatro
ctuzes de ouro; III, de branco, seis arruelas de ouro. Coronel de cinco florões e
vergônteas floridas e atilhadas.
As armas aqui representadas são as que foram usadas pelos condes de
Galveias, a partir do 5.º conde. Desde o 1.º até ao 4.º conde, usaram o brasão
partido de Castro e Melo, mas como o título se extinguiu, em 1753, por falta de
descendência legítima do último conde, foi renovado, em 2 de Dezembro de
1808, em D. João de Almeida de Melo e Castro, descendente do 1.º conde por
via materna. Este foi o 5.º conde, sucedendo-lhe o seu irmão, Francisco de
Almeida, que usou um esquartelado de Almeida, Portugal, Castro e Melo, por
descender por varonia dos Almeida Portugal e, por sua mãe, dos Melo e Castro.
Herdou também de um seu tio materno o título de visconde da Lourinhã.
D. Francisco de Almeida de Melo e Castro nasceu em 6 de Abril de 1758, e
faleceu no Brasil, quando estava na Corte de D. João VI, em 9 de Março de 1819.
Casou, em 1 de Outubro de 1794, com D. Maria Monserrate Lobo de Saldanha.
Lembremos que o 7.º conde alterou as armas, acrescentado Lobo, no 3.º
quartel, pelo que esta peça que apresentamos só pode ter sido encomendada
pelo 5.º ou pelo 6.º conde de Galveias166.
D. Francisco estudou na Universidade de Coimbra, foi oficial-mor da
Casa Real, 1.º senhor de Azurara, e alcaide-mor de Borba, comendador de
Monsarás e de São Lourenço de Parada, na Ordem de Cristo. Desempenhou
ainda os cargos de deputado da Mesa da Consciência e Ordens.
Apresentamos uma floreira oitavada, que pertence ao acervo do Museu
Nacional de Arte Antiga de Lisboa, com a boca mais larga do que a base e
dobrada para fora, com o respectivo prato, também oitavado. A porcelana é
Brasão de D. Francisco de Melo
e Castro conforme está representado branca, fina, com esmaltes sob o vidrado. A peleta é ainda a da família rosa, mas
na floreira
com abundância de ouro.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 291

O brasão, com erros nos esmaltes, apresenta-se entre dois ramos de folha-
gem e flores atilhados na base. As faces alternam com ramos de flores e folhas
em verde, vermelho, amarelo e azul. No bordo superior, há uma composição de
sanefa dourada, caindo em pendentes e conformando reservas onde foram pin-
tadas flores e folhagem, a rosa e verde. No topo dos bordos, da floreira e do
prato, há um imbricado de ouro e folhagem polícroma. Nas faces da floreira
foram pintados conjuntos florais de cariz claramente chinês, com uma paleta
mais suave, em que abunda o verde e o violeta claro.
Inclinamo-nos, como outros autores já fizeram, pelo tipo de decoração e
pelo facto desta floreira imitar uma série de floreiras encomendadas por
D. João VI, para a datar da segunda década do século xix e, portanto, do tempo
do 6.º conde. Mais concretamente, julgamos que não é improvável que tenha
sido feita cerca de 1815, portanto, do tempo da Dinastia Qing e do reinado do
imperador Jiaqing.

Floreira de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
de D. Francisco de Melo e Castro.
Cerca de 1815. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Museu Nacional de Arte Antiga)
292 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

LUÍS PEREIRA VELHO DE MOSCOSO


(n. 1767, f. depois de 1834)
Fidalgo da Casa Real

Armas: não identificado, Brito, Palhares e Lobato. Escudo oval esquarte-


lado. I, esquartelado. 1.º de branco e cruz de Avis de verde, devendo ser de ver-
melho com uma cruz de prata florenciada e vazia; 2.º, não identificado;
3.º, Moscoso, de ouro, com cabeça de lobo, devendo ser de prata com três cabe-
ças de lobo de sua cor, cortadas de vermelho, postas uma sobre a outra. 4.º, não
identificado. II, de vermelho com nove lisonjas de prata, apontadas e firmadas
nos bordos do escudo, postas em 3, 3 e 3, cada lisonja carregada com um leão de
púrpura. III, de ouro, devendo ser de vermelho, com um braço esquerdo armado
de prata, empunhando espada guarnecida de ouro, posta ao alto, acompanhada
de seis besantes do mesmo, três a cada flanco, alinhados em pala. IV, de azul, por
vermelho, castelo de ouro, em vez de três castelos de prata, com oito lobos pas-
santes de ouro, devendo ser de negro. Como se vê, há neste brasão uma enorme
quantidade de erros, mas que não impedem a atribuição a Luís Pereira Velho
Moscoso. O brasão é coroado com brasão de nobreza, com dois leões rompantes,
um de cada lado, segurando o escudo, com ramagens e flores atilhadas na base e

Brasão de Luís Pereira Velho


de Moscoso conforme está
representado na floreira, Brasão que
se pode ver no palácio da Brejoeira

Palácio da Brejoeira, mandado


construir por Luís Pereira Velho
de Moscoso
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 293

grinaldas caindo do interior da coroa. No primeiro quartel, o esquartelado deve


querer representar: Pereira, Pé de Feno, Moscovo e outra família.
Este fidalgo era filho de Marcos Velho Pereira Pé de Ferro e de D. Teresa
de Jesus Soares. Casou, em 1770, com D. Maria Cleofas Pereira Caldas. Foi
nomeado sargento-mor das Ordenanças de Monção, em 1791, e foi promovido
a tenente-coronel do Regimento das Milícias da Barca, em 1804. Foi feito
fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo.
Construiu o actual palácio da Brejoeira, em São Cipriano dos Pinheiros,
nos arredores de Monção, a partir de uma construção antiga e de menores
dimensões, que ficou sendo um dos maiores do país pertencentes a um parti-
cular, tendo as obras começado em 1806, e terminado apenas em 1834.
Luís Pereira Velho Moscoso gastou nesta obra a astronómica quantia de mais de
400 contos, dinheiro que ganhou com os negócios que tinha no Brasil.
O serviço a que pertencem as peças que vamos analisar só foram reveladas
ao público muito recentemente, tendo passado para os condes e marqueses de
Mendia, representantes da Casa da Família dos Moscoso da Brejoeira, por
herança de D. Catarina Rita Pereira Caldas, como consta do Anuário da Nobreza
de Portugal, concretamente, da edição de 2006.
Os pratos rasos medem 25 cm de diâmetro. A decoração é de grande qua-
lidade, com uma riquíssima paleta de esmaltes da família rosa, vermelho ferru-
gem e ouro. Nos pratos e pires o brasão, tal como o descrevemos, ocupa a parte
central da caldeira, sendo envolto, no limite da aba, por um círculo a ouro for-
mado por estrelas justapostas, entre linhas azul vinoso, e lágrimas interiores
também a ouro, em forma de minúsculas cruzes. A aba é branca leitosa, com
vidrado praticamente incolor, tendo uma grinalda de flores que cai em festões,
com regularidade, acompanhando um bordo exterior de desenho rococó,
formado por laços que delimitam espaços de definição mistilínea, ou de quadri-
culado vermelho e vermelho ferrugem, ou apenas de entrançado de ouro.
A paleta de esmaltes dos festões é ainda a da família rosa, com azul, verde, ver-
melho, mas sem amarelo. Junto ao bordo, há uma linha azul escura, com peque-
nas estrelas de seis pontas de ouro, colocadas regularmente.
As chícaras possuem no interior, junto do bordo, uma tarja a ouro, com-
posta por estrelas de oito pontos justapostas, idêntica à primeira que aparece
nos pratos e pires, a delimitar o covo da aba.
Apesar da dificuldade, admitimos que Luís Pereira Velho de Moscovo tenha
encomendado este serviço, para uso do seu novo palácio, encomendando-o em
1806, quando as obras começaram, ou em ano próximo, portanto, do tempo da
Dinastia Qing e do reinado do imperador Qianlong ou do imperador Jiaqing.
294 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Pratos de porcelana chinesa


de exportação com o brasão de Luís
Pereira Velho de Moscoso.
Cerca 1806. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Palácio do Correio Velho. Leilões))
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 295
296 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

PERSONAGEM NÃO IDENTIFICADA

Armas: Coutinho. De ouro com cinco estrelas de cinco raios postas em


sautor. Correctamente deveriam ser cinco estrelas de cinco raios de vermelho.
Timbre um leão armado e lampassado de ouro, quando o correcto seria um
leopardo de vermelho, armado e lampassado de ouro, carregado de uma estrela
de cinco raios do mesmo na espádua, tendo uma capela de flores na garra
direita.
O serviço que parece ter pertencido à família ou a um membro da família
dos condes de Aurora não pode, por razões históricas, ter sido o seu encomen-
dante. Primeiro porque o serviço é evidentemente anterior ao ano da criação do
título de visconde, em 1878 e, depois, de conde de Aurora, 1887. Por outro lado,
o brasão que se vê na casa destes titulares, nada tem a ver com este. Diga-se que
as peças têm um monograma, numa reserva, que pode ser lido como PJA ou
PIA, o que também não sabemos o que significa.
A decoração é já a que se usava nos meior eruditos que, na Europa, haviam
adoptado o estilo neoclássico para as obras de arte e para as mansões e palácios
que encomendavam.
Conhecemos várias peças deste serviço: uma terrina com a respectiva tra-
vessa, uma terrina peixeira com a sua grelha, pratos rasos e taças. A decoração
da aba baseia-se em enrolamentos de sarmentos de ouro com parras a azul, quer
no interior e no exterior das taças e saladeiras, por exemplo, quer na aba dospra-
tos e das terrinas.
O brasão, próximo do brasão dos Coutinho, mas completamente dourado,
ocupa o centro, definido-se o espaço da aba por um primeiro rosário contínuo
de contas azul vinoso, sobrepondo-se-lhe uma linha ondeante dourada forrada
por folhagem fina e pouco larga. Segue-se um espaço em branco e, depois, vem
a tarja principal, na forma já descrita.
Finalmente, junto da borda, há outra tarja a azul de dois tons, com ele-
mentos geométricos e fitomórficos estilizados e, finalmente, um filete a toda a
volta também em azul vinoso. Lateralmente, ao nível do brasão e, à direita do
observador, numa reserva ovalada, está um belo ramo de flores azuis, e oposta-
mente, o referido monograma envolto por uma oval delineada a ouro. Nas ter-
rinas, o brasão está colocado no contentor e na tampa, sendo a pega hipertrofiada,
Brasão de uma personagem
desconhecida (Coutinho ?) com uma flor a coroá-la, e a conformar o elemento ergonómico para o levanta-
conforme está representado
no serviço mento, caindo, depois, largas folhas azuis sobre a tampa em forma de abóbada
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 297

abatida. As tarjas com os elementos dourados dos sarmentos e as parras azuis


têm aqui um maior impacto visual.
Parece unânime, entre os autores que estudaram esta matéria da porcelana
armoriada, a opinião de que, pela tipologia, se trata de uma encomenda execu-
tada para o mercado português, e que se pode datar de entre 1810 e 1820, por-
Prato de porcelana chinesa
tanto, do período do reinado do imperador Jiaqing da Dinastia Qing, no que à de exportação com o brasão de uma
personagem desconhecida
China diz respeito. (Coutinho ?). Cerca de 1810
a 1820. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
298 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. JOSÉ MARIA GONÇALVES


ZARCO DA CÂMARA
(n. 1784, f. 1820)
7.º conde da Ribeira Grande

Armas: Câmara. Escudo de fantasia. De vermelho, torre coberta e rema-


tada por uma cruzeta de ouro, sobre terrado de azul, suportada por dois lobos
rampantes de sua cor e afrontados. Coronel de sete pérolas, e timbre. Os esmal-
tes estão mal representados; o correcto seria: de verde, com uma torre coberta
de prata. Falta a divisa que usaram: PELA FÉ, PELO PRÍNCIPE PELA
PÁTRIA167.
José Maria Gonçalves Zarco da Câmara foi o 7.º conde da Ribeira Grande,
na Ilha da Madeira, sucedendo no título ao seu pai, D. Luís António José Maria
da Câmara. Nasceu do segundo casamento, com D. Maria Rita de Almeida,
filha dos marqueses de Alorna, a 2 de Dezembro de 1784; faleceu no Rio de
Janeiro, em 13 de Fevereiro de 1820.

Brasão de D. José Maria Gonçalves


Zarco da Câmara conforme
está representado no serviço

Palácio da Junqueira, onde viveu


D. José Maria Gonçalves
Zarco da Câmara

Saladeira e terrina de porcelana


chinesa de exportação com o brasão
D. José Maria Gonçalves Zarco da
Câmara. Cerca de 1815.
Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
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300 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Entrou para o Exército, assentando praça no Regimento de Cavala-


ria 12, sendo promovido a capitão, em 1802, e a major, em 1804, che-
gando a tenente-coronel, em 1813. Serviu nas Guerras Peninsulares, mas
devido ao seu débil estado de saúde, foi transferido para o Brasil, onde
esteve integrado no Estado Maior. Foi na capital brasileira que, como
vimos, acabou por falecer. Foi ainda alcaide-mor do castelo de São Brás,
na Ilha da Madeira, e vedor da princesa D. Maria Benedita, depois desta
ter enviuvado. Recebeu a grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Con-
ceição de Vila Viçosa.
José Maria Gonçalves Zarco da Câmara casou duas vezes; a primeira
com D. Maria do Santíssimo Sacramento de Vasconcelos e Sousa, filha dos
marqueses de Castelo Melhor, e a segunda, com D. Mariana de Almeida
Portugal, filha dos marqueses do Lavradio168. O seu prestígio e riqueza
deviam ser imensos, para conseguir casamentos nestas duas famílias.
O serviço deve ter sido encomendado durante a estadia no Brasil e
trazido, depois, para a Madeira, pelo seu filho e sucessor, até porque o
brasão era o mesmo. Além deste, mandou fazer outro, mais simples, segu-
ramente também durante a sua estadia no Brasil, pois encontram-se aí
vários exemplares dele.
Temos para estudar uma saladeira com tampa, com 7 cm de altura,
28 cm de comprimento e 23 cm de largura; e uma terrina de forma rectan-
gular. Pertencem aquele que é comummente chamado o primeiro serviço.
A porcelana é de boa qualidade, muito branca, com uma ligeira
camada de vidrado, sob o qual foram pintados os motivos decorativos e os
elementos heráldicos, com uma paleta rica e abundância de ouro. Quer a
saladeira quer a terrina são mais espectaculares do que as restantes peças,
já que os elementos decorativos ocupam proporcionalmente mais espaço e
são mais densos. As tampas de ambas as peças são em forma de abóbada
abatida, e têm como pega um fruto decorado a ouro. O brasão de José
Maria Gonçalves Zarco da Câmara está colocado em reservas de forma
circular ligeiramente alongada, e as bordas das abas das tampas têm uma
larga tarja decorada com folhas douradas com ramagens da mesma cor, e
outras a azul escuro ou a vermelho ferrugem. Na parte dos contentoras só
Travessa de porcelana chinesa aparecem dois ramos do mesmo género, um de cada lado.
de exportação com o brasão
D. José Maria Gonçalves Zarco Os pratos têm ao centro o brasão, dentro de uma circunferência de
da Câmara. Cerca de 1815.
Dinastia Qing, ouro, e toda a aba está coberta pela decoração igual à que acabámos de
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção Félix da Costa) descrever e que povoa as abas da terrina e da saladeira. É um serviço rico,
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 301

de excelente desenho, baseado em modelos europeus, mas de uma tipologia


rara. Aceitamos a proposta de datação que é comum, isto é, cerca de 1815, no
período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.
302 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

D. LUÍS DA COSTA DE SOUSA


MACEDO E ALBUQUERQUE
(n. 1780, f. 1853)
3.º visconde e 1.º conde de Mesquitela

Armas: Costa, Sousa. Escudo em cartela, partido. I, seis costas alinhadas


em faixa. II, esquartelado: 1.º e 4.º, seis castelos postos 3, 2 e 1 em contrachefe;
2.º e 3.º, um leão rampante. Coronel de cinco florões alternados com pérolas.
Como o brasão é totalmente dourado, não fazemos referência aos esmaltes que
uma representação correcta impunha.
D. Luís da Costa de Sousa Macedo e Albuquerque era filho do 2.º vis-
conde de Mesquitela, D. José Francisco da Costa e Sousa, e de sua mulher,
D. Maria José de Sousa Macedo, filha primogénita dos 1.º viscondes. D. Luís
nasceu a 25 de Março de 1780, e veio a falecer a 27 de Novembro de 1853. Foi
senhor dos vínculos e bens da Casa de seus progenitores, foi elevado a par do

Brasão de D. Luís da Costa de Sousa


Macedo e Albuquerque conforme
está representado no serviço

Prato de aquecimento
de porcelana chinesa de exportação
com o brasão D. Luís da Costa
de Sousa Macedo e Albuquerque.
Cerca de 1818. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 303

Reino, em 1826, armeiro-mor e armador-mor, e comendador da Ordem de


Avis. A 13 de Setembro de 1807, casou com D. Maria Inácia de Saldanha Oli-
veira e Daun. Teve verificação do título de visconde, a 29 de Agosto de 1793, e
foi elevado à Grandeza, como conde, por carta de D. João VI, de 28 de Fevereiro
de 1818169. A decoração é integralmente a ouro. Apenas a aba tem uma cerca-
dura junto do bordo, a ocupar cerca de um terço da sua largura, formada por
dois termidos com estrelas também a ouro, no meio. Em geral, nas peças que
conhecemos, esta decoração está muito gasta. A caldeira é debruada por um
cordão de contas ovaladas, havendo outro cordão logo junto do brasão.
Apesar do serviço a que pertence esta peça andar atribuído ao 2.º vis-
conde, D. José Francisco da Costa e Sousa, Luiz Ferros esclareceu a questão,
dando-o ao seu filho170. Deve ter sido encomendado depois da morte do 2.º
visconde, em 1802, e antes da elevação de D. Luís da Costa e Sousa a conde,
pois não deixaria de representar a respectiva coroa, entre esse ano e 1818, no
tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.

Prato de porcelana chinesa


de exportação com o brasão
D. Luís da Costa de Sousa Macedo
e Albuquerque. Cerca de 1818.
Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
304 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ÁLVARO JOSÉ XAVIER BOTELHO


DE PORTUGAL CORONEL SOUSA
E MENESES DE NORONHA
CORREIA DE LACERDA
(n. 1771, f. 1850)
6.º conde de São Miguel

Armas: Noronha e Botelho. Escudo partido. I, cortado: 1.º de prata,


cinco escudetes de azul em cruz, cada carregando cinco besantes do campo,
bordadura de vermelho, carregada de sete castelos de ouro; no 2.º, de vermelho,
castelo de ouro, o campo manteado de prata, com dois leões batalhantes de
púrpura, com bordadura. II, de ouro, quatro diagonais de vermelho. Encima o
escudo a coroa de conde, e tem pendente a cruz da Ordem de Cristo171.
Há algumas imprecisões a bordadura; no 2.º, devia ser de escaques de ouro e
veiros, e no II, as quatro diagonais de ouro deveriam ser quatro bandas dispostas
diagonalmente firmadas no ângulo direito do chefe e no ângulo esquerdo da
ponta.
Álvaro José Xavier Botelho de Noronha nasceu em Setúbal, a 16 de
Dezembro de 1771, e morreu a 21 de Agosto de 1850. Era filho de Fernando
Xavier Botelho de Távora e de D. Ana Isabel de Portugal Correia de Lacerda
Coronel de Sá e Meneses, senhora dos Morgados de Tolosa, Gáfete e Cumieira,
no Priorado do Crato. Sucedeu no título e Casa a seu pai e a seu avô, e seguiu a
carreira militar, assentando praça como cadete de Infantaria, a 6 de Maio de
1783. Foi graduado em major, em 1797, com o exercício de ajudante-de-ordens
do duque de Lafões.
Com o posto de tenente-coronel, seguiu com Junot, para França, partici-
pando no exército de Napoleão que combateu na Rússia. Por este motivo foi
privado dos títulos e honras e condenado à morte, mas provando-se que quando
seguiu para França foi por ordem do Governo de Portugal, e que quando teve
possibilidade tentou sempre evadir-se e regressar à Pátria, foi perdoado e plena-
mente reintegrado.
Casou com D. Constança Leonor da Câmara e Meneses, em 1795, e após
a morte desta senhora, com D. Rosália Désirée Bucot.
O título de 6.º conde de São Miguel foi-lhe outorgado por carta de 26 de
Brasão de Álvaro José Xavier Botelho
de Portugal Coronel Sousa e Meneses Março de 1793, pelo príncipe-regente D. João, em nome de sua augusta mãe, a
de Noronha Correia de Lacerda
conforme está representado no serviço rainha D. Maria I172.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 305

Este brasão foi atribuido pelo conde de Castro e Solla a D. José Luís de
Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, 1.º conde de Vila Real, atribuição corri-
gida posteriormente173, e confirmada por Luiz Ferros, nas notas de Solla.
O serviço a que pertence este prato tem uma grande qualidade decorativa.
Estamos perante um prato raso, com aba decorada a ouro e azul, com flores
ovaladas esquemáticas e folhas da mesma cor azul com veios a ouro, sendo as
ramagens totalmente douradas, entrelaçadas e ondeantes, cingidas por dois file-
tes também dourados, um no rebordo na aba e outro no interior, no início da
caldeira. Esta é totalmente branco leitoso, com o brasão do titular sob o vidrado
muito fino, nada mais endo à sua volta.
Quer por questões estéticas quer por questões históricas, pode aceitar-se,
sem reservas, a datação de cerca de 1820, que é a que anda escrita nos textos da
especialidade, do período do reinado de Jiaqing da Dinastia Qing.

Prato de de porcelana chinesa


de exportação com o brasão Álvaro
José Xavier Botelho de Portugal
Coronel Sousa e Meneses
de Noronha Correia de Lacerda.
Cerca de 1820. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular)
306 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

MANUEL INÁCIO MARTINS


PAMPLONA CORTE-REAL
(n. 1760, f. 1832)
1.º conde de Subserra

Armas: Pamplona. De vermelho, com seis faixas de ouro. Normalmente


tem por timbre um leão de ouro, sainte, carregado de duas faixas de vermelho;
aqui apenas se encontra um laço, dentro da tradição da Heráldica Francesa174.
Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real nasceu, a 3 de Junho de
1760, em Angra do Heroísmo, e morreu, em Elvas, em 16 de Outubro de 1832.
Era filho de André Diogo Martins Pamplona Corte-Real, fidalgo da Casa Real
e senhor do Morgado de Salgas, na Ilha Terceira, e de D. Josefa Jacinta Meréns
de Távora. Estudou Matemática, na Universidade de Coimbra, entre 1779 e
1785, obtendo o grau de bacharel. Depois, assentou praça, como cadete, no
Regimento de Cavalaria de Santarém, atingindo o posto de alferes, em 1788.
Serviu como voluntário o Exército Imperial Russo, na guerra contra a Tur-
quia, em 1788, altura em que conheceu Gomes Freire de Andrade. Voltou ao
estrangeiro, novamente como voluntário, alistando-se, em Inglaterra, para com-
bater os exércitos revolucionários franceses. Voltou depois para Portugal, parti-
cipando nas Guerras Napoleónicas, nomeadamente, na Campanha do Rossilhão,
onde esteve já como ajudante-general da Divisão Auxiliar Portuguesa, suce-
dendo ao conde de Assumar.
Depois da I Invasão Francesa, teve postos de comando nos exércitos napo-
leónicos, actuando além-fronteiras, e foi até governador de Coimbra, por nomea-
ção de Massena, o que viria a justificar, não como acto de traição, mas como
forma de poupar a cidade a pilhagens e destruições. Em 1812, voltou à Rússia,
agora acompanhando Napoleão Bonaparte. Em 1820, foi-lhe levantada a inter-
dição de entrar em Portugal, e foi reabilitado politicamente. Quando D. Miguel
tomou o poder, foi preso, acabando por falecer no forte da Graça de Elvas.
Era gentil-homem de Câmara de D. João VI, conselheiro de Estado, e grã-
-cruz da Ordem da Torre-Espada. Casou com D. Isabel Antónia do Carmo de
Roxas e Lemos Carvalho Meneses. O título de conde de Subserra foi-lhe con-
Retrato de Manuel Inácio Martins
cedido por D. João VI, por carta de 18 de Março de 1825. Em França, teve o
Pamplona Corte-Real título de barão de Pamplona, por graça de Luís XVIII175.
Brasão de Manuel Inácio Martins Luiz Ferros, nas suas notas eruditas à edição do conde de Castro e Solla,
Pamplona Corte-Real conforme
está representado no serviço levanta um conjunto muito pertinemte de problemas relacionados com a atri-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 307

buição deste brasão, além de que nota que o tipo


de armas representadas estão mais próximas das
que mandavam fazer os nobres franceses do que
os portugueses, e que todo o conjunto se parece
com as encomendas de franceses às olarias de
Jiangdezhen. É óbvio que não temos méritos para
contrariar tal especialista, até porque a lógica é
uma das suas características, e que acompanha, a
par e passo, o seu muito saber. No entanto,
Luís XVIII elevou Manuel Inácio Martins Pam-
plona Corte Real a barão de Pamplona, o que jus-
tificaria um escudo à francesa e o uso em exclusivo
de Pamplona, sem diferença, embora o seu pai, o
seu tio e os seus irmãos, que tiveram cartas de
brasão de armas, com Pamplona em pleno, em
1792, 1802 e 1770, e estamos a falar dos irmãos
Manuel Inácio e Jerónimo, e do pai António
Bernardo, respectivamente, as pudessem usar. O tio, Plácido José, teve a sua
carta passada, em 1771. Voltando ao título de barão de Pamplona, que para o
nosso biografado teria mais importância do que os costados que possuía, acre-
ditamos que teria usado esta distinção para se elevar, encomendando o serviço
que estamos a analisar. Como Luís XVIII reinou entre 1814 e 1824, é provável
que a encomenda seja desta época, na China, do reinado de Jiaqing ou do rei-
nado de Daoguang, ambos do último século da Dinastia Qing.
A compoteira que estamos a estudar tem 11,5 cm de altura, e 14 cm de
diâmetro, é em porcelana branca, de excelente qualidade, com o corpo cilín-
drico até quatro quintos da altura, abrindo aí para um anel mais largo e de
bordo recortado, onde encaixa a tampa, em forma de cúpula rebaixada, e com
uma elegantíssima pega em forma de fruto recoberto a ouro. Na base do con-
tentor, há um pequeno rosário de folhas minúsculas douradas e, na parte supe-
rior, uma linha ondulada com folhas ouro e castanho avermelhado, entrecortadas
por pequenos ramos de folhagem, e um ramo mais volumoso sobre o brasão do
titular. O bordo recortado, com curvaturas suaves e de raios distintos, são rema-
tadas por uma nova tarja a ouro, como se fosse um colar com engaste de esme-
Compoteira porcelana chinesa
raldas verdes. Castro Solla publicou uma taça e uma chávena do mesmo serviço, de exportação com o brasão Manuel
Inácio Martins Pamplona Corte-Real.
da sua própria colecção, o que nos leva a pensar que estamos em presença de Cerca de 1814 a 1824. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
um serviço de chá, café ou de chocolate. (Colecção particular)
308 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

JOSÉ MARIA DE ALMEIDA


BELTRÃO DE SEABRA
(n. 1785, f. depois de 1825)
Senhor do Morgado de Cassurães

Armas: Beltrão e Seabra. Escudo de bico, partido. I, de ouro, com dois


crescentes de negro, deitados, adossados e unidos. II, de vermelho, com dois
leões de ouro batalhantes, tendo em chefe um S de ouro, e sobre este uma coroa
de ouro de cinco pérolas. Coronel de conde176.
José Maria de Almeida Beltrão de Seabra nasceu em Cassurães, foi senhor
do Morgado de Cassurães e fidalgo da Casa Real. Era filho de Lucas de Seabra
da Silva, conselheiro do Ultramar e moço-fidalgo da Casa Real, e D. Emanuela
de Almeida Beltrão, que era sua sobrinha, um caso não muito comum de con-
sanguinidade, numa época tão avançada.
Casou com D. Felícia de Sande e Bourbon, filha de Manuel Pais de Sande
e Castro. Frequentou a Universidade de Coimbra, inscrevendo-se em Leis, em
1802, e obtendo a licenciatura, em 1807. Foi magistrado, sendo nomeado, em
Março de 1825, juíz da Chancelaria, graduado em Agravos.
Como o seu genro, Manuel Pais de Sande e Castro, também José Maria de
Almeida Beltrão de Seabra encomendou um serviço brasonado em porcelana
chinesa de claro gosto neoclássico, certamente quando a fortuna lhe começou a
sorrir, após a passagem pelos bancos universitários de Coimbra, e a estabiliza-
ção do país, quando as tropas de Napoleão sairam de vez das nossas fronteiras.
Apresentamos uma travessa, cuja decoração é feita com uma paleta sóbria
de esmaltes polícromos e ouro sob uma fina e muito delicada camada de vidrado
translúcido. Entre a aba e a caldeira fica uma tarja com o fundo de cor de tijolo,
perlada a azul pelo interior, e com um filete a ouro a contorná-la por esse lado,
constituída por flores muito delicadas e de excelente desenho, com cores ainda
próximas da família rosa, alternando flores e folhagem, em azul, verde, rosa e
amarelo.
O brasão fica no centro da caldeira, envolto em ramagens estilizadas e gri-
naldas de flores na zona inferior.
Pelo tipo decorativo, e pelas circunstâncias da história pessoal de José
Maria de Almeida Beltrão de Seabra, estamos certamente na presença de uma
Brasão de José Maria de Almeida encomenda datável da segunda década do século xix, de entre 1815 e 1820, do
Beltrão de Seabra conforme
está representado no serviço tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador Jiaqing.
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Travessa de porcelana chinesa


de exportação com o brasão José
Maria de Almeida Beltrão de Seabra.
Cerca de 1815 a 1820. Dinastia Qing,
reinado do imperador Jiaqing
(Cabral Moncada. Leilões)
310 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

FRANCISCO ANTÓNIO DA SILVA


MENDES DA FONSECA
(n. c. 1795, f. 1831)
Fidalgo de cota-de-armas

Armas: Mendes (de Tânger), Silva e Fonseca. Escudo de bico de tipo fran-
cês, esquartelado. I e IV, cortado: em chefe, de azul, com um muro entre duas
torres de prata; contrachefe partido em pala; na 1.ª, de vermelho com uma
cabeça de mouro toucada de prata e, na 2.ª, três lanças de ouro com ferros de
prata. II, de prata, com leão rampante de púrpura armado. III, de ouro, com
cinco estrelas de vermelho em sautor. Por diferença, uma brica de ouro carre-
gada de trifólio de verde. Elmo de grades, correias, virol, paquife e por timbre
uma cabeça de mouro. Apresenta incorrecções e alterações nos esmaltes, além
de simplificações, nomeadamente, nas armas dos Mendes177.
Nasceu em Viseu, filho de João da Silva Mendes, cavaleiro-professo da
Ordem de Cristo e um dos mais ricos comerciantes do Reino, e de sua mulher
D. Eugénia Cândida da Fonseca da Silva Mendes. Fidalgo de cota-de-armas,
foi também cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, por mercê de D. João VI,
concedida, a 3 de Dezembro de 1818178. Era um dos contratadores gerais
dos tabacos do Reino e dos Domínios Ultramarinos, e também das Reais
Saboarias. Emigrou para França, por razões políticas, dado que a família foi fiel
a D. Miguel I, onde veio a falecer, em 1831. Mesmo a sua mãe, a 1.ª e única
baronesa da Silva, apesar da sua grande fortuna e das obras de Caridade a que
se dedicava, e que sua imensa fortuna propiciavam, também foi presa pelos
liberais.
Apresentamos uma travessa com 34 cm de comprimento e 26,5 cm de
largura, pertencentes a um serviço, que só pode ter sido encomendado, após a
graça concedida por D. João VI, cuja carta de brazão de armas e fidalguia o
conde de Castro e Solla transcreveu na íntegra. Assim, pensamos que 1820,
durante o período da Dinastia Qing e do reinado de Jiaqing é uma data plausível.
Brasão de Francisco António Mendes A travessa que mostramos neste estudo tem a caldeira arredondada e as
da Fonseca conforme está
representado no serviço
abas côncavas, tudo em porcelana muito branca com o vidrado ligeiramente
Travessa de porcelana chinesa
acinzentado. Toda a decoração é do tipo a que comummente se chama família
de exportação com o brasão rosa, acrescida a paleta de ouro e de sépia na cercadura. Na aba, tem um padrão
Francisco António Mendes da Fonseca.
Cerca de 1820. Dinastia Qing, rendada, com corolas brancas, e reservas que têm no interior, borboletas e ramos
reinado do imperador Jiaqing
(Colecção particular) de flores e, na caldeira, uma cadeia de ouro com pontos azuis179.
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JOAQUIM PEDRO QUINTELA


DE FARROBO
(n. 1801, f. 1869)
2.º barão de Quintela e 1.º conde de Farrobo

Armas: Pereira e Rebelo. Escudo partido em pala. Na primeira, a dos


Pereira, de vermelho, cruz florida de prata, vazia do campo. Na segunda, dos
Rebelo, de azul, três faixas de ouro e, sobre elas, uma flor-de-lis de vermelho
postas em banda. Timbre: sobre a coroa de barão, que é aqui a dos Pereira, uma
cruz florida de vermelho, entre duas asas de ouro abertas. Brica de prata com
um trifólio verde180.
Joaquim Pedro Quintela nasceu, em Lisboa, a 11 de Dezembro de 1801, e
faleceu a 24 de Setembro de 1869. Era filho de Valério José Duarte Pereira,
cavaleiro-fidalgo da Casa Real e cavaleiro da Ordem de Cristo, e de sua mulher
D. Ana Joaquina Quintela. A 19 de Maio de 1818 casou com D. Mariana Car-
lota Lodi, filha de Francesco Antonio Lodi, que foi o primeiro empresário do
Teatro de São Carlos, o que não agradou à família, nomeadamente, ao cunhado,
o poderoso conde da Cunha. Depois da morte de D. Mariana, em 1867, casou
em segundas núpcias com D. Madeleine Pignaud.
Foi o 2.º senhor da vila do Préstimo, 2.º alcaide-mor da vila de Sortelha,
comendador da Ordem de Cristo e grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da
Conceição de Vila Viçosa. Chegou ao cargo de inspector-geral dos teatros e
espectáculos públicos, em 1848, e foi ainda coronel de Cavalaria. A tudo isto
somou a sua actividade comercial, industrial e de financeiro, alcançando uma
enorme fortuna que, no entanto, no final da vida, tinha esbanjado completa-
mente, em festas e diversões de todo o tipo.
Amante da grandeza, em 1820, mandou edificar, o palácio das Laranjeiras,
onde houve espectáculos, desde 1825, nomeadamente, óperas, para as quais
contratou os nomes mais sonantes da música europeia. Entre 1834 e 1853,
subiram aqui à cena, no Teatro Tália, que ficava nos jardins privativos, dezoito
óperas, e foi também neste teatro que foi estreada a peça Frei Luís de Sousa de
Almeida Garret. O teatro foi reedificado, em 1842, recebendo, nesse ano, ilumi-
Retrato pe Joaquim Pedro Quintela nação a gaz, o que foi um grande acontecimento público.
de Farrobo pintado por Domingos
António de Sequeira Também houve espectáculos excepcionais, e que perduraram na memória
Brasão de Joaquim Pedro Quintela dos lisboetas, na quinta de Vila Franca de Xira. Aumentou e modernizou igual-
de Farrobo conforme está
representado no chamado 1º serviço mente o grande palácio da Rua do Alecrim, que seu tio havia comprado e remo-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 313

delado, já em 1777, passando, nessa altura, a ser esta a sua principal residência,
dado ficar próxima do São Carlos e das outras fontes de diversão lisboetas.
Apoiou artistas, com bolsas para estudar no estrangeiro, como António
Manuel da Fonseca e Joaquim Pedro de Sousa, e enterrou literalmente 40 con-
tos de reais no Teatro de São Carlos, para que este funcionasse como os melho-
res da Europa, e pagou do seu bolso generosamente a grandes maestros, para
que se fixassem em Lisboa, como Pietro Coppola e Angelo Frondoni, e não
contente com tudo isto, empenhou-se no estrangeiro, para cobrir os emprésti-
mos do Erário Régio.
Domingos António de Sequeira pintou um extraordinário retrato seu,
datado e assinado, em 1813, quando ainda só tinha doze anos, obra sublime,
hoje uma das preciosidades do acervo do Museu Nacional de Arte Antiga de Cesta e travessa rendilhadas
de porcelana chinesa de exportação do
Lisboa e que reproduzimos na página anterior. chamado 1º serviço, com o brasão
Joaquim Pedro Quintela de Farrobo.
O título, merecido, de conde de Farrobo, foi-lhe concedido pela rainha Posteriores a 1834. Dinastia Qing,
reinado do imperador Daoguang
D. Maria II, por carta de 1 de Setembro de 1834. Interessa-nos este facto, pois, (Colecção particular)
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até 1833, usou o brasão de seu pai, embora por vezes com algumas alterações
meramente estéticas, e só a partir desta data é que passou a ter por brica, de
ouro, uma banda verde, encimada por uma coroa de conde. Nas peças que esta-
mos a usar como base do nosso trabalho, um prato em que os esmaltes do bra-
são estão errados, em que as armas dos Pereira estão de ouro, cruz florida de
vermelho, vazia do campo.
Escolhemos, como exemplos um cesto e uma travessa rendilhados, tendo
o cesto 10,3 cm de alto, 22,5 cm de comprimento e 12,7 cm de largura, e a tra-
vessa 24 cm de comprimento e 15,5 cm de largura, além do já referido prato
com os esmaltes mal colocados no brasão. A decoração é muito simples, já cla-
ramente associada ao gosto neoclássico, que Quintela perfilhava e que estava,
então, em voga na Europa civilizada.
A cesta e travessa rendilhadas são verdadeiras preciosidades, com uma
furação geométrica de fina execução e melhor desenho. O resto da decoração
não varia, nem nos motivos nem nos esmaltes, sento talvez de salientar aqui o
desenho do friso interior, junto do bordo, com alternância de folhagem a azul
escuro e ouro, algo menos comum.
Palácio Farrodo da Rua do Alecrim,
mandado fazer por Joaquim Pedro
Quintela de Farrobo, onde viveu
parte do tempo
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As peças deste serviço, ou destes serviços, que aqui apresentamos serviram


muitas vezes nas grandes festas nos palácios das Laranjeiras e da Rua do Ale-
crim, e como as armas já possuem a brica de prata com um trifólio verde, têm
que ser posteriores a 1834; aceitamos que tenha feito, de imediato, a enco-
menda, que o enobrecia ainda mais, sendo assim do período do reinado do
imperador Dauguang da Dinastia Qing, executado nas olarias de Jiangdezhen, a
capital chinesa da porcelana.

Brasão de Joaquim Pedro Quintela


de Farrobo conforme está
representado no chamado 2º serviço

Prato de porcelana chinesa


de exportação do chamado
2º serviço, com o brasão Joaquim
Pedro Quintela de Farrobo. Posteriores
a 1834. Dinastia Qing, reinado do
imperador Daoguang
(Colecção particular)
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ANTÓNIO DE SOUSA ARAÚJO


DE MENESES MACIEL DE BARROS
(nasceu e faleceu em datas ignroradas)
Cavaleiro da Casa Real

Armas Sousa (de Arronches), Meneses. Escudo de tipo francês, esquar-


telado. I e IV, de prata, cinco escudetes em cruz; bordadura de vermelho,
carregado de oito torres de ouro. Para ser correcta a representação, os escu-
detes deviam ser de azul, carregado cada um de cinco besantes do campo.
II e III, caderna crescentes de prata, em campo azul, embora devesse ser de ver-
melho; sobre-o-todo, um anel que devia ser de ouro, próprio dos Meneses, com
um rubi encastoado de cinzento. Coronel de cinco florões alternado com
pérolas.
António de Sousa Araújo de Meneses Maciel de Barros nasceu no lugar do
Paço, junto a Arcos de Val-de-Vez, filho de João de Sousa de Meneses Lobo, que
foi cavaleiro da Casa Real e chanceler da Relação de Goa, e de sua mulher
D. Isabel de Araújo Sousa e Meneses, filha herdeira de um rico fidalgo minhoto.
Por por alvará, de 8 de Julho de 1785, foi elevado à distinção e estatuto de
fidalgo da Casa Real. Esta família Sousa Meneses possuía uma casa, na Rua de
São Sebastião de Viana do Castelo, que ostentava o brasão dos Sousas de Arron-
ches. Vários dos seus antecedentes foram militares de carreira, e um tertarvô era
espanhol, um fidalgo que parece ter comandado a fortaleza de Viana do
Lima181.
Estamos perante um prato circular de porcelana decorada com esmal-
tes polícromos e ouro sob vidrado, com um diâmetro de 20,4 cm. Existe um
exemplar deste serviço no Museu do Oriente, em Lisboa. A caldeira é arredon-
dada e a aba côncava. No fundo, tem pintadas uma casa com o seu jardim,
destacando-se bem os elementos da estrutura arqutectónica. Vê-se um casal
sentado a uma mesa, enquanto duas mulheres, de pé, parecem servi-lo. A aba
Brasão de António de Sousa Araújo tem como decoração um conjunto de flores, nomeadamente, peónia, além de
de Meneses Maciel de Barros
conforme está representado borboletas e pássaros. O brasão, de pequenas dimensões, foi pintado no alto do
no serviço
bordo, axialmente em relação à cena que descrevemos. Pelo estilo e também
Prato de porcelana chinesa pelo muito pouco que se conhece do titular, pode datar-se, com cautelas, de
de exportação do serviço,
com o brasão António de Sousa Araújo cerca de 1830 a 1835, do tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador
de Meneses Maciel de Barros.
Cerca de 1835. Dinastia Qing, Daoguang.
reinado do imperador Daoguang
(Colecção particular)
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ADRIÃO ACÁCIO DA SILVEIRA PINTO


(n. ?, f. 1868)
Governador de Macau

Armas. Pacheco, Silveira e Pinto. Escudo de orelhas, esquartelado. I, de


ouro, duas caldeiras de negro postas em pala e carregadas, cada uma com três
faixas de veirado de ouro e vermelho e do mesmo veirado as asas, de cujas rei-
gadas quatro cabeças de serpente, que para estarem correctamente representa-
das deveriam ser de negro. II e III, de prata, três faixas de vermelho. IV, cinco
crescentes postos em sautor, mas aqui o campo devia ser de prata e está
de azul.
Adrião Acácio da Silveira Pinto nasceu no último quartel do século xviii, e
morreu em 23 de Março de 1868. Era filho de José Xavier da Silveira, perten-
cente a uma família beirã, que era médico, e de Maria Perpétua Pereira Silveira,
natural da cidade de Coimbra. Casou com D. Ana Augusta da Silveira.
Participou nas lutas de libertação contra os exércitos franceses, chegando
a integrar os nossos corpos expedicionários que os perseguiram, até ao Norte de
Espanha. Posteriormente, e na sequência das Lutas Liberais, emigrou, passando
à Galiza e a Inglaterra, voltando, depois, a Portugal integrado no exército do
Duque da Terceira. Chegou a governador das praças de Elvas e de Peniche,
governador militar do Alentejo e marechal-de-campo, cargo a que chegou em
1864. Pelos seus relevantes serviços, recebeu a Ordem da Torre e Espada.
Desempenhou ainda as funções de governador de Macau, entre 1837 e 1843 e,
de Angola, em 1848, Acreditamos que foi quando esteve na Cidade do Santo
Nome de Deus que encomendou aos fabricantes de Jingdezhen o serviço que
agora estudamos182.
O prato raso é em porcelana branca e fina, com decoração polícroma e a
ouro sob vidrado muito fino. Diga-se que este ou estes serviços são pratica-
mente idênticos ao que foi encomendado por António de Sousa Araújo de
Meneses Maciel de Barros. A caldeira é arredondada e a aba côncava. No fundo
da pintadas uma casa com o seu jardim, destacando-se bem os elementos da
estrutura arqutectónica. Vê-se um grupo de três mulheres à porta de casa,
enquanto um serviçal serve uma bebida a um visitante que se aproxima. A aba
tem como decoração um conjunto de flores, nomeadamente, peónia, além de
Brasão de Adrião Acácio da Silveira borboletas e pássaros. O brasão, de pequenas dimensões, foi pintado no alto do
Pinto conforme está representado
no serviço bordo, axialmente em relação à cena que descrevemos.
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Pelo estilo, e também pelo que acima dissemos acerca do titular, pode Prato de porcelana chinesa
de exportação, do chamado
datar-se as peças que integraram este serviço esteticamente muito inovador de 1º serviço, com o brasão de Adrião
cerca de 1838, do tempo da Dinastia Qing e do reinado do imperador Daoguang. Acácio da Silveira Pinto.
Posteriores a 1834. Dinastia Qing,
reinado do imperador Daoguang
(Colecção particular)
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JOÃO FERREIRA SARMENTO


(n. 1792, f. 1865)
1.º barão, 1.º visconde e 1.º conde de Sarmento

Armas: Sarmento. Escudo em arco apontado, e chefe de dois convexos. De


vermelho, com treze arruelas de ouro, postas em 3, 3, 3, 3, 1. Coroa de conde.
João Ferreira Sarmento nasceu em Vinhais, em 20 de Junho de 1792, e
faleceu em 10 de Junho de 1865. Assentou praça na Arma de Cavalaria, como
voluntário, em 17 de Janeiro de 1810, quando das Invasões Francesas, sendo
promovido, nos dois anos seguintes, a alferes e a tenente. Em 1820, alcançaria
o posto de capitão. Tomou parte das chamadas Lutas Liberais, acompanhando
Saldanha, na expedição à Ilha Terceira, vindo, mais tarde, a ocupar cargos gover-
nativos, como o de ministro da Guerra e de secretário da Regência. Viria a ser
também ajudante-de-campo do rei D. Fernando II, o que lhe abriu o caminho
para comandante-chefe do Exércio e para os postos de brigadeiro, em 1845;
marechal-de-campo, em 1851; e tenente-general, em 1862.
Foi gentil-homem de Câmara de D. Fernado II, membro do Conselho de
Sua Magestade, e grã-cruz da Ordem de Avis, além de ter recebido inúmeras
outras condecorações de nações aliadas. Em Portugal, foi comendador da
Ordem de Cristo, da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e
da Torre e Espada. Casou duas vezes; a primeira, em 1 de Janeiro de 1835, com
D. Carla Maria Nogueira e, após o falecimento desta senhora, apenas um ano
depois, em segundas núpcias, com D. Maria da Conceição do Vale do Sousa e
Meneses Botelho Mexia.
O título de barão foi-lhe concedido, em 1835, por D. Maria II, o de vis-
conde, em 1855, por D. Pedro V, e elevado à Grandeza, como conde, por decreto
do rei D. Luís I, datado de 30 de Setembro de 1862183.
O conjunto inventariado que nos serve de base de estudo possui dois pra-
tos de um serviço de jantar, com 25 cm de diâmetro, difíceis de datar, mas que
andam comummente atribuídos a cerca de 1825, o que não nos parece muito
lógico, pois esse tempo, em Portugal, era difícil, a sua situação não estava ainda
definida, como ficaria depois, e o primeiro título de nobreza, o de barão, só lhe
foi dado dez anos depois. Nos pratos aparece a coroa condal, título que, como
vimos acima, só alcançou em 1862. É evidente que os cargos que desempenhou
Brasão de João Ferreira Sarmento anteriormente lhe permitiam a utilização deste coronel no seu escudo de armas.
conforme está representado
no serviço Assim, vamos propor como data de encomenda o ano do seu primeiro casa-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 321

mento pois, constituindo família e tendo residência de acordo com o seu esta-
tuto, justifica-se a encomenda de um serviço brasonado de porcelana chinesa,
como os seus pares tinham. Um dos anos entre 1835 e 1845, até por razões
estéticas, parece-nos um período suficientemente seguro para datarmos este
serviço, no período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Daoguang.
A decoração dos pratos é simples, dentro do gosto neoclássico europeu.
O brasão dos Sarmento, com escudo de fantasia, está decorado com grinaldas
de flores e laços polícromos atilhados em baixo, junto do bico, seguros, sob a
coroa, por amplas laçadas de ouro. Só a aba tem decoração, numa paleta monó-
tona, de ouro, rosa azul, arroxeado, amarelo e vermelho. No interior da aba, há
um friso contínuo dourado e, na extremidade, uma tarja composta por discos
justapostos também de ouro, com os interstícios pintados a roxo. No meio,
ficam várias composições de ramos florais, muito variados, e algumas flores sol-
tas, de desenho minucioso e de grande qualidade. Lembramos a terrina com a
respectiva travessa deste serviço que pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga
de Lisboa, em que a riqueza da decoração é muito maior, não só pela composi-
ção da pega, que se estende pela tampa, mas sobretudo pela dimensão das tar- Par de pratos de porcelana chinesa
de exportação, do chamado 1º serviço,
jas, quer da aba da mesma tampa, quer da parte de baixo da terrina. Já a travessa, com o brasão de João Ferreira
redonda, tem uma decoração como a dos pratos que referimos antes. Sarmento. Cerca de 1834.
A 1845. Dinastia Qing,
reinado do imperador Daoguang
(Colecção particular)
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D. JOSÉ MARIA DA SILVA TORRES


(n. 1800, f. 1854)
Arcebispo de Goa

Armas: Silva e Torres184. Escudo de formato oval partido. I, de branco, leão


rompante de púrpura. II, de vermelho, cinco torres de ouro; coronel de nobreza
com sete pérolas; chapéu eclesiástico da sua dignidade, de púrpura, com cor-
dões de dez borlas por cada lado, de uma fita verde, pendente uma insígnia não
identificada.
D. José Maria da Silva Torres nasceu no Porto, a 14 de Outubro de 1800,
e veio a falecer, a 7 de Novembro de 1854, na cidade de Lisboa. Era filho de
Domingos Francisco da Silva e de sua mulher D. Josefa Clara Rosa de Torres.
Entrou para a Ordem de São Bento, tomando hábito a
1 de Setembro de 1817.
Doutorou-se em Teologia na Universidade de
Coimbra, onde chegou a lente e a secretário da insti-
tuição. Entre 1834 e 1839, foi professor do Liceu de
Coimbra e do Colégio das Artes, na mesma cidade
universitária.
Foi eleito arcebispo de Goa, a 27 de Janeiro de
1843, chegando à Índia, no ano seguinte. Teve outros
títulos, como arcebispo de Palmira, in partibus, e coadju-
tor e sucessor da Arquidiocese de Braga, com nomeação
em 1851. Foi par do Reino, cavaleiro da Ordem de
Cristo e grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada185.
Mostramos dois belíssimos pratos de um serviço
completo de jantar com o complementar de café ou chá.
Os pratos rasos, redondos, estão decorados com esmal-
tes polícromos e ouro sob o vidrado muito fino. Ao cen-
tro, num círculo delimitado por linhas a verde e dourado,
Brasão de D. José Maria da Silva
Torres conforme está representado está pintado um ramo de frutos e folhagem, romãs,
no serviço estudado
botões de lótus e outras flores, além de borboletas. Na
Par de pratos de porcelana larga aba, a decoração é idêntica, mas mais densa, tendo
chinesa de exportação, do chamado
1º serviço, com o brasão de D. José posto axialmente o brasão do prelado, e na sua perpen-
Maria da Silva Torres. Cerca de 1834.
Cerca de 1844. Dinastia Qing, dicular, uma reserva branca, onde foram pintadas as ini-
reinado do imperador Daoguang
(Colecção particular) ciais a ouro JAPOFMST.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 323

A chávena é de forma mais evoluída do que o habitual, com o corpo deco-


rado por dentro e por fora com frutos e folhagem, romãs, botões de lótus e
outras flores, além de borboletas, ficando o brasão em grande detaque, dentro
do círculo igual ao que vimos na caldeira dos pratos. Este tipo de decoração, de
excelente qualidade, anote-se, é já característica do que de melhor se fazia no
período do reinado do imperador Daoguang, que sobretudo em Inglaterra é
designada como de Cantão, o que, quanto a nós, é demasiadamente redutor,
quanto à origem. Quanto à datação, parece que não podemos ter grandes dúvi-
das em apontar o ano de 1844, ou um dos anos imediatos, após a tomada de
posse da sédia arquiepiscopal de Goa, do tempo da Dinastia Qing e do impera-
dor Daoguang, como acima já dissemos.
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ANTÓNIO JOSÉ LUÍS


DE SALDANHA OLIVEIRA
JUSARTE FIGUEIRA E SOUSA
(n. 1836, f. 1891)
4.º conde e 1.º marquês de Rio Maior

Armas: Saldanha, Oliveira e Sousa (do Prado). Escudo em cartela, par-


tido. I, de vermelho, torre torreada de rosa, devendo correctamente ser: de prata,
coberta de azul. II, cortado: 1.º, de vermelho, oliveira de verde, que devia ser
frutificada de ouro, sobre terrado do mesmo; 2.º, esquartelado: 1.º e 4.º, de
branco, cinco escudetes de azul postos em cruz; 2.º e 3.º, de rosa, devendo cor-
rectamente ser de prata, leão rampante castanho, que devia ser de púrpura.
Coronel de conde. Por timbre, uma águia estendida de castanho, com chave no
bico. Ostenta ainda a legenda VERITAS OMNIUM VICTRIX. Anotámos
diversos erros, alguns nos esmaltes, como já referimos.
António José Luís de Saldanha Oliveira Jusarte Figueira e Sousa nasceu a
8 de Julho de 1837, e faleceu em 4 de Fevereiro de 1891. Era filho de João de
Saldanha Oliveira Jusarte Figueira e Sousa e de D. Isabel Botelho Mourão e
Vasconcelos, filha do 1.º conde de Vila Real.
Frequentou a Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito,
alcançando grandes títulos e importantes cargos. Foi oficial-mor da Casa Real,
onde exerceu o cargo de mestre-sala, par do Reino, e senhor dos Morgadios e
Casa de seu pai, comendador de Santa Maria em África, na Ordem de Cristo,
título meramente honorário. Foi adido na nossa Legação em Paris. Excerceu o
cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e também o de
presidente da Câmara Municipal da capital do Reino. Casou, em 30 de Setem-
bro de 1861, com D. Maria Isabel de Lemos e Roxas Carvalhal e Meneses de La
Retrato de António José Luís Rue Saint-Léger, filha do conde de Saint-Léger. Foi autor de diversos trabalhos
de Saldanha Oliveira Jusarte
Figueira e Sousa sobre Direito186.
Brasão de António José Luís Apresentamos um prato que, a dado momento, estava na posse dos ilustres
de Saldanha Oliveira Jusarte
Figueira e Sousa, conforme está descendentes de António José Luís de Saldanha Oliveira Jusarte Figueira e
representado no serviço
Sousa187. O brasão do titular, tal como acima foi descrito, ocupa praticamente
Prato de porcelana chinesa toda a caldeira. A decoração de esmaltes polícromos e ouro, sobre vidrado inco-
de exportaçãocom o brasão
de António José Luís de Saldanha lor, ficou reservada para a aba côncava. Junto ao bordo, há uma tarja de fundo
Oliveira Jusarte Figueira e Sousa.
Cerca de 1860. Dinastia Qing, a ouro, formada por uma sequência contínua de pequenas flores vermelhas e
reinado do imperador Xianfeng
(Colecção particular) amarelas e caules e folhas verdes. Sob a linha fina e contínua da divisória, há
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uma anel de triângulos apontando para o centro, alternando dois tamanhos,


caindo de cada vértice um fio com quatro contas redondas. Esta família teve
outro serviço, mais vistoso, divulgado por Castro e Solla, tendo publicado uma
peça da colecção de Affonso Dornelas. O serviço de jantar a que este prato per-
tence pode ser datado de cerca de 1860, do período do reinado do imperador
Xiafeng da Dinastia Qing.
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D. JOÃO CRISÓSTOMO
DE AMORIM PESSOA
(n. 1810, f. 1888)
Arcebispo de Goa e de Braga

Armas: de Fé, Amorim e Pessoa188. Escudo partido. I, de branco, uma cruz


não identificada em banda, acaompanhada de um ramo de flores de vermelho e
de um livro. II, partido, 1.º de vermelho, cinco cabeças de mouros postas em 2,
3; 2.º, de cor indistinta, seis crescentes trambém indistintos, bordadura de
negro carregada de sete estrelas. Coronel de nobreza, chapéu eclesiástico da sua
dignidade, com dez borlas por lado, de verde. Sob o escudo, cruz, mitra e
báculo.
D. João Crisóstomo nasceu em Cantanhede, a 14 de Outubro de 1810,
filho de João Dias Pessoa, e professou em 1827. Entrou para a Universidade de
Coimbra em 1844, e em 1850 doutorou-se em Teologia. Dempenhou funções
docentes no Seminário da cidade universitária, e depois, também na própria
Universidade, como professor substituto.
Em 1860 foi apresentado como arcebispo de Goa, onde entrou em 1863.
Deve-se-lhe a fundação da ainda hoje notável biblioteca do Seminário de Rachol,
a funcionar no edifício do antigo colégio da Companhia de Jesus. Em 1868,
regressou ao Reino e, em 1877 foi provido na cátedra arquiepiscopal de Braga,
à qual resignou em 1882. Faleceria seis anos depois189.
No brasão que o seu serviço ostenta, o chapéu eclesiástico é próprio de
arcebispo, pelo que não é possível estreitar a margem da encomenda, pois teve
a mesma dignidade na Índia e no Reino, mas é mais provável que tivesse feito a
encomenda quando estava em Goa, como o fizeram tantos outros prelados que
para lá foram.
Na colecção estudada temos uma travessa, com 29 cm de comprimento
Retrato de D. João Crisóstomo e 23 cm de largura, e três conjuntos de taça e pires, estas com 6,5 cm de altura
de Amorim Pessoa
e 8,3 cm de diâmetro máximo, e o pires com 14,7 cm de diâmetro.
Brasão de D. João Crisóstomo
de Amorim Pessoa, conforme Dados os condicionalismos históricos que enunciámos antes, devemos
está representado no serviço
que datar a encomenda do período em que foi arcebispo de Goa, portanto, entre
Chávena e pires de porcelana 1863 e 1868, relativamente à China, ao tempo da Dinastia Qing e ao reinado do
chinesa de exportaçãocom o brasão
de D. João Crisóstomo de Amorim imperador Tongzhi.
Pessoa. Cerca de 1863 a 1868.
Dinastia Qing, reinado
do imperador Tongzhi
(Colecção particular)
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LUÍS VENÂNCIO CARNEIRO


DA SILVA VASCONCELOS
(n. 1808, f. 1879)
Fidalgo da Casa Real

Armas: Vasconcelos, Abreu, Rangel e Melo. Escudo francês. Esquartelado.


I, de negro, três faixas veiradas de prata e vermelho, tendo por diferença uma
brica de prata carregada de uma arruela de azul. II, de vermelho, com cinco asas
ou voos de ouro. III, de azul, flor-de-lis de prata, bordadura de ouro carregada
de sete romãs de verde rachadas de vermelho. IV, de vermelho, dobre-cruz de
ouro cantonada de seis besantes de prata e bordadura do segundo esmalte.
Coronel de conde.
Luís Venâncio Carneiro de Vasconcelos nasceu em 1808, e morreu em
1879. Foi elevado a fidalgo de cota-de-armas, em 1848 e, a cavaleiro da Casa
Real, em 1851. Estudou em Coimbra, cursando Direito, tendo obtido o grau de
bacharel, sendo posteriormente administrador do Concelho de Penafiel. Foi
agraciado com o título de comendador da Ordem de Cristo190.
Apresentamos um prato raso, circular, com 24,1 cm de diâmetro, convexo
no centro e com a aba côncava, feito em porcelana branca e fina com esmaltes
polícromos e ouro sob vidrado incolor e acinzentado, consoante as zonas.
A decoração baseia-se em quatro grandes reservas, alternando cenas com per-
sonagens de alto estatuto com grandes conjuntos de flores, folhagem, pássaros e
borboletas. Esta decoração foi muito comum, e existem no núcleo que nos serve
de base ao estudo diversos outros exemplares parecidos, e era produto das ola-
rias de Cantão, sendo aliás designada dessa forma na literatura especializada de
Língua Inglesa e, no mercado da especialidade. No fundo do prato, num painel
rectangular, marcado por faixas ligeiramente curvas cheias com flores e folhas
polícromas, essencialmente a cor de rosa, a verde e amarelo, e que se continuam
na faixa redonda que marca a aba, foi pintado o brasão de Luís Venâncio
Brasão de Luís Venâncio Carneiro Carneiro de Vasconcelos, na forma acima descrita. A datação proposta é a de
da Silva Vasconcelos,
conforme está representado cerca de 1875, dentro do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador
no serviço
Guangxu.
Prato de porcelana chinesa
de exportaçãocom o brasão
de Luís Venâncio Carneiro
da Silva Vasconcelos.
Cerca de 1875. Dinastia Qing,
reinado do imperador Guanxu
(Colecção particular)
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 329
330 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

BERNARDINO DE SENNA FERNANDES


(n. 1815, f. 1893)
1.º barão, 1.º visconde e 1.º conde de Senna Fernandes

Armas: Senna e Fernandes (mercê nova). Escudo de ouro, carregado


com uma águia bifronte de negro estendida, armada de vermelho, e com
um crescente de prata apontado para cima, sobre o peito; orla de vermelho,
carregada com quatro cruzetas de ouro entre quatro crescentes de prata
apontados para cima, estes acantonados e aqueles nos centros do chefe, con-
tra-chefe e laterais. Por timbre, uma águia de negro andante e armada de verme-
lho. Virol de ouro e vermelho, e assim o paquife. Elmo
de prata lisa decorado de ouro lavrado e forro de azul
celeste.
Bernardino de Senna Fernandes nasceu em Macau,
a 20 de Maio de 1815, e faleceu a 2 de Maio de 1893, na
mesma cidade. Era filho de Vicente José Fernandes e de
D. Ricarda Constantina de Senna. Casou com D. Antónia
Maria de Carvalho, em 1840, na igreja de São Domingos
e, tendo enviuvado, consorciou-se com D. Ana Teresa
Vieira Ribeiro, em 1862. Viveu numa casa na Rua da Praia
Grande.
A primeira carta de brasão de armas, de mercê-nova,
foi passada a 5 de Junho de 1871, e a segunda, a 26 de
Agosto de 1890. Foi elevado a barão, em 1889; a visconde,
em 1890, pelo rei D. Luís I; e a conde, já por D. Carlos I,
por mercê datada de 16 de Março de 1893191. Foi ainda
fidalgo-cavaleiro da Casa Real, comendador da Ordem de
Cristo, e teve inúmeras outras distinções nacionais e
estrangeiras, entre as quais a Torre e Espada.
Importante político, industrial e comerciante de
Brasão de Bernardino da Senna Macau, major honorário da Guarnição de Macau, coman-
Fernandes, conforme
está representado no serviço
dante da Guarda da Polícia, e cônsul do Sião e de Itália
Par de pratos de porcelana chinesa
em Macau. Administrou a Santa Casa da Misericórdia e
de exportação com o brasão fundou a Associação Promotora de Instrução.
de Bernardino da Senna Fernandes.
Cerca de 1890. Dinastia Qing, O serviço que mandou fazer, por volta de 1890, pos-
reinado do imperador Guanxu
(Colecção particular) sui a marca de Macau, escrita em em Mandarim, e Yuen
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 331

Hang, com quatro caracteres dentro de um duplo rectângulo. Grande parte das
peças ainda se conserva na posse dos seus descendentes.
Estudamos dois pratos rasos, circulares, com a caldeira arredondada e
com a aba plana, posto que oblíqua. São feitos em porcelana branca com os
esmaltes e o ouro sob vidrado incolor, e têm 23, 5 cm de diâmetro. Possuem
duas cercaduras, uma com fundos recortes e lobulada, perfilada a verde e com
um traço negro, com o fundo de espirais verdes, flores e folhas. A segunda cer-
cadura tem uma padronagem de losangos com uma pequena flor em cada, e foi
pintada a toda a volta do bordo. No centro do prato está o brasão de Senna
Fernandes, tal como o descrevemos acima. A datação é clara, como vimos, cerca
de 1890, do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Guangxu.
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JOÃO JOSÉ DE MAGALHÃES


(nasceu e faleceu em datas desconhecidas)
Visconde de São Clemente de Basto

Armas: Magalhães (de mercê nova). Escudo de bico esquartelado. I e IV,


de vermelho, cruz florenciada de branco, com braços de azul. II e III, de azul,
estrela de ouro de cinco pontas, acompanhadas de quatro besantes também de
ouro. Coronel de visconde.
João José de Magalhães era natural de Celorico de Basto, mas ignoramos
quase tudo sobre a sua origem192, sendo certo que era um rico proprietário, e
que emigrou para o Brasil, estabelecendo-se na cidade do Salvador da Bahía,
onde casou com D. Rosa de Magalhães, natural dessa cidade. Distinguiu-se
como benemérito, o que lhe valeu o título e as armas.
Foi o único visconde de São Clemente de Basto, com título concedido por
D. Luís I, por decreto de 10 de Novembro de 1881, e o brasão, concessão de
mercê nova, por alvará de 2 de Novembro e carta de 10 de Dezembro de 1892193.
Faz parte do conjunto estudado um prato circular de porcelana branca e
fina, decorada com esmaltes polícromos e ouro sob vidrado incolor. A ornamen-
tação está organizada em quatro reservas recortadas, duas delas tendo dentro
cenas em que aparecem personagens chinesas em atitudes comuns do dia-a-dia,
e outras duas ramos de flores polícromas e folhagem verde de espécies variadas,
ramos de árvores com frutos pendentes, pássaros e borboletas, postas alternada-
mente.
Estas reservas são formadas por tarjas mistilíneas, delimitadas por sequên-
cias de curvas abatidas viradas para fora, tendo dentro elementos de carácter
geométrico em tramas apertadas, e estilizações de enrolamentos, ou secções
deles, em verde, com inclusão abundante de fundos em tons de rosa. No centro
assim formado, essencialmente um círculo, fica o brasão de João José de Maga-
lhães, já descrito, no início. Este é um modelo comum, de uma série de fabrico
de Cantão, de que fazem parte também as peças brasonadas de José da Silva
Brasão de João José Magalhães, Loureiro e de João José Magalhães, por exemplo, em que pouco variava da
conforme está representado
no serviço
estrutura decorativa e dos respectivos elementos, excepto as armas dos enco-
Prato de porcelana chinesa
mendantes. O próprio rei D. Luís I teve um serviço destes, ao tempo considera-
de exportação com o brasão dos os mais comuns, e que também eram os mais baratos.
de João José Magalhães.
Cerca de 1890. Dinastia Qing, O serviço a que este prato pertence data de cerca do ano de 1890, dentro
reinado do imperador Guanxu
(Colecção particular) do período do reinado do imperador Guangxu da Dinastia Qing.
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JOSÉ DA SILVA LOUREIRO


(n. 1836, f. 1893)
Diplomata

Armas: Loureiro, Viana, Almeida e Pereira. Escudo do tipo inglês moderno


ou de orelhas, dentro de uma reserva branca, esquartelado. I, de vermelho, com
uma torre de ouro. II, de azul, com uma águia de ouro estendida. III, de verme-
lho, dobre-cruz acompanhada de seis besantes, e bordadura de ouro. IV, de
vermelho, com cruz florenciada de branco, vazia de negro.
Coronel de barão com cinco pérolas, virol de negro, tendo
por timbre uma águia de ouro. Anotam-se várias incorrec-
ções nas representações. Listel azul com a seguinte
legenda: TRABALHA E ALCANÇARÁS.
José da Silva Loureiro nasceu a 27 de Julho de 1836,
em Macau, na freguesia da Sé, e morreu em Hong Kong,
a 1 de Setembro de 1893. Era filho de José Pedro da Silva
Loureiro, um militar açoreano radicado na Cidade do
Santo Nome de Deus na China, e de sua mulher D. Ana
Rosa Inocência do Espírito Santo Pereira de Almeida,
com quem casou, em 1826. Posteriormente, em 1867,
casou em segundas núpcias com D. Mary Wild, uma
ilustre senhora de nacionalidade inglesa, de quem teve
vários filhos que fizeram carreira, em diversas partes do
Oriente.
José da Silva Loureiro foi nomeado consul de Portu-
gal em Nagasáqui, em 1861, passando, mais tarde, para
Hong Kong. Em 1882, foi encarregado do nosso consu-
lado em Bangkok, mas, seis anos volvidos, foi novamente
colocado no Japão. Sabe-se que, por volta de 1890, man-
dou fazer o serviço a que pertencem estes pratos, onde
Brasão de José da Silva Loureiro, colocou um brasão com coroa de barão194.
conforme está representado
no serviço
Apresentamos dois pratos do serviço encomendado
Par de pratos de porcelana chinesa
em Cantão, do tipo que comummente aí se fazia, na época
de exportação com o brasão e que já vimos anteriormente. A decoração organiza-se
de José da Silva Loureiro.
Cerca de 1890. Dinastia Qing, em quatro reservas recortadas, duas das quais têm dentro
reinado do imperador Guanxu
(Colecção particular) cenas com personagens chinesas, em atitudes comuns do
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 335

quotidiano, e duas com ramos de flores polícromas e com folhagem verde de


espécies botânicas variadas, além de ramos de árvores com frutos, aves exóticas
e borboletas, postos alternadamente. As reservas são formadas por tarjas misti-
líneas, delimitadas por sequências de curvas abatidas, viradas para fora, tendo
dentro elementos geométricos com tramas apertadas e estilizações de secções
de enrolamentos de cor verde, com os fundos em tons de rosa. No centro, essen-
cialmente um círculo, fica o brasão já descrito no início. O serviço a que perten-
cem estes pratos pode ser datado de cerca de 1890, do tempo da Dinastia Qing
e do reinado do imperador Guangxu.
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MACÁRIO DE CASTRO
DA FONSECA E SOUSA
(n. 1859, f. 1928)
Fidalgo da Casa Real

Armas: Osório, Meneses (de Cantanhede), Castro, fonseca e Vilhena.


Escudo em cartela, cortado. I, partido: 1.º, de cinzento, por prata, dois lobos
vermelhos; 2.º, esquartelado, 1.º e 4.º de vermelho, cinco besantes de azul em
sautor, com sete torres de ouro; 2.º e 3.º, de azul, cm três flores-de-lis de ouro,
sobre-o-todo, um escudete quadrado de vermelho, anel de ouro. II, terciado em
mantel: 1.º, de ouro, doze arruelas de azul, postas em 3, 3, 3, e 3; 2.º, de verde,
mão alada de branco, empunhando uma espada de ouro; 3.º de ouro, cinco
estrelas de vermelho. Coronel com cinco florões. Há vários erros na representa-
ção, nomeadamente, nos esmaltes.
Macário de Castro da Fonseca pertencia a uma ilustre família de Lamego,
que teve solar na belíssima e imponente casa das Brolhas, onde hoje se pode
admirar o seu brasão, tal como está representado no prato que apresentamos, e
que integra a colecção que estamos a estudar195. Descendia do grão-mestre da
Ordem de Malta, Manuel Pinto da Fonseca, cujo mecenato é ainda um dos
principais motivos de interesse da Ilha do Mediterrâneo. Sabemos que estudou
na Universidade de Coimbra, onde obteve o grau de bacharel em Direito,
seguindo a carreira política, e destacou-se como orador, durante os seus primei-
ros tempos regime constitucional; foi elevado a par do Reino.
Este prato pertence a um dos serviços mais comuns de quantos se fizeram
para ocidentais, portugueses e não só, na China, no final do século xix, e dos
quais há varios quase iguais, alguns deles já tratados anteriormente. O prato de
um serviço de jantar é circular, feito em porcelana fina e pesada, com os esmal-
tes e ouro sob o vidrado incolor.
Brasão de Macário de Castro A organização decorativa assenta, essencialmente, em quatro grandes
da Fonseca e Sousa da fachada
da Casa das Brolhas de Lamego reservas, duas com o brasão de Macário de Castro da Fonseca, e duas com uma
Brasão de Macário de Castro cena do quotidiano, em que se podem ver figuras humanas chinesas num jardim
da Fonseca e Sousa, conforme
está representado no serviço
de uma casa. As reservas são definidas por tarjas que têm dentro séries de ramos
Prato de porcelana chinesa
verdes enrolados, ou secções deles, mas estilizados, e flores cor de rosa. Estas
de exportação com o brasão tarjas unem-se, formando também outras reservas mais pequenas. A parte exte-
de Macário de Castro da Fonseca e
Sousa. Cerca de 1890. Dinastia Qing, rior do bordo tem uma tarja formado por um quadriculado de traço a azul claro,
reinado do imperador Guanxu
(Colecção particular) com círculos minúsculos na intersecção, o interior ainda acrescentado de pon-
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 337

teado vermelho. Esta decoração que, como também já vimos, é conhecida como
mandarim, embora nos países anglo-saxónicos tenha outras designações. Além
dos vários serviços brasonados que estudámos nas páginas anteriores, nas famí-
lias tradicionais portuguesas existem muitos outros, em tudo semelhantes, mas
a que faltam as armas, o que mostra que estamos em presença de um fabrico em
série, com escoamento garantido. Foi um modelo que prolongou por várias
décadas e que teve até um revivalismo recentemente.
O serviço a que pertence este prato pode ser datado com segurança de
cerca de 1890, o que relativamente à China corresponde ao tempo final da
Dinastia Qing e ao reinado do imperador Guangxu.
338 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

NOTAS

1
Anne de Stoop, “Le Palais de Santos, Ambassade de France à Lisbonne”, Mundo da Arte,
Coimbra, 1983, n.º 13, pp. 18-30.
2
Manuel Augusto Rodrigues, Biblioteca e bens de D. Francisco de Lemos e da Mitra de Coimbra,
Coimbra, 1984.
3
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 42.
4
Leonor Freire Costa, Império e grupos mercantis. Entre o Oriente e o Atlântico (século xvii), Lis-
boa, 2002, p. p. 30 e segs.
5
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, Lisboa, 1961, p. 181.
6
David Sanctuary Howard, Chinese Armorial Porcelain, p. 551.
7
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 229.
8
Rui Manuel de Figueiredo Marcos, As Companhias Pombalinas. Contributo para a história das
sociedades por acções em Portugal, Coimbra, 1997, p. 521.
9
Rudolf Schnyder, “A Real Fábrica de Louça do Rato no contexto europeu”, (Catálogo da
Exposição) Real Fábrica de Louça do Rato, coordenação de Paulo Henriques, Lisboa/Porto,
2003, p. 130 e segs.
10
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 304.
11
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, Lisboa, 1960, vol. III, p. 515.
12
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 304.
13
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 52.
14
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 168.
15
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 168.
16
ANTT. Genealogias Manuscritas, 21, f.1.
17
ANTT. Habilitações do Santo Ofício. António, maço 60, processo n.º 1238.
18
Charles Ralph Boxer, Fidalgos no Extremo Oriente, (1968), Macau, 1990, p. 206 e segs.
19
ANTT. Habilitações da Ordem de Cristo, letra A, maço 47, n.º 14.
20
Charles Ralph Boxer, Fidalgos no Extremo Oriente, p. 207 e segs.
21
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa ao tempo do Império. Portugal/Brasil, p. 110.
22
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 181.
23
Margeret Kealing Gristina, “Prato”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. III, pp. 810-811.
24
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 44.
25
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 440.
26
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p.515.
27
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. 17.
28
Lourenço Correia de Matos, “Prato”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. III, p. 827.
29
José de Campos e Sousa, Loiça Brasonada, Porto, 1962; Luís de Mello Vaz de Sampaio,
“Solução de um problema de louça brasonada”, Armas e Troféus, Lisboa, 1982-1983,
V.ª série, tomos III e IV.
30
Jorge Forjaz & José Francisco de Noronha, Os luso-descendentes da Índia Portuguesa, 2.ª edi-
ção, Lisboa, 2003, vol. II, p 651 e segs.
31
David Howard & John Ayers, China for the West…., vol. II, p. 380.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 339

32
Maria Antónia Pinto de Matos, “Porcelanas de encomenda”, Oceanos, Lisboa, n.º 14, p. 53.
33
Lourenço Correia de Matos, “Vaso”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. III, p. 838.
34
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 188.
35
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 188.
36
João Alarcão de Carvalho Branco & Jorge de Brito e Abreu, “Simbologia Heráldica”,
pp. 93-94.
37
António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Lisboa, 1745, vol.
XI, pp. 163-169; Arnaldo Cardoso Pinto, A presença portuguesa em Roma, Lisboa, 2001,
p. 117 e segs.; José Benard Guedes Salgado, “Brasões de Armas de famílias portiguesas em
Roma”, Armas e Troféus, Lisboa, 1969, n.º 1-3, pp. 31-32.
38
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, pp. 517-518; Lourenço Correia de Matos,
“Vaso”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio, vol. III, p. 847.
39
Pedro de Azevedo, O Processo dos Távoras, Lisboa, 1921; José Cassiano Neves, Lisboa e a tra-
gédia dos Távoras, Lisboa, 1957; Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, pp. 424-425.
40
Pedro Dias, A Urbanização e a Arquitectura dos Portugueses em Macau, Lisboa, 2005.
41
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. 137-138.
42
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. 1-3; António Machado de Faria, Armorial
Lusitano, p. 216 e segs.
43
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. II, p. 652.
44
Manuel Augusto Rodrigues, A Universidade de Coimbra e os seus Reitores. Para uma História da
Instituição, Coimbra, 1990, pp. 144-146.
45
ANTT. Habilitações da Ordem de Cristo, Letra G, maço 4, n.º 4.
46
Alexandre Nobre Pais, “Os ciclos de produção da Real Fábrica de Louça”, (Catálogo da
Exposição) Real Fábrica de Louça do Rato, p. 196.
47
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 448.
48
Pedro Dias, “O Palácio dos Vice-Reis, em Goa; Prover de todo o mobiliário e necessidades”,
(Catálogo da Exposição) Goa e o Império Mogol, coordenação de Nuno Vassallo e Silva &
Jorge Flores, Lisboa, 2004, p. 68 e segs.
49
ANTT. Arquivo da Casa Fronteira, n.º de ordem 110; Filipe do Carmo Francisco, O Pri-
meiro Marquês de Alorna, restaurador do Estado Português da Índia (1744-1750), Lisboa, 2010.
50
Manuel Artur Norton, D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, Lisboa, 1967, p. 296 e segs.
51
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. 3-4.
52
Luiz Ferros, nota CVI, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. IV-VI.
53
Arquivo da Universidade de Coimbra, Livros de Matrículas e Autos de Exames.
54
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, pp. 145-146.
55
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 744-745.
56
David Sanctuary Howard, Chinese Armorial Porcelain, p. 108 e p. 361.
57
Lourenço Correia de Matos, “Terrina”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. II, p. 623.
58
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. III, pp. 882-886; Martim de Albuquerque, “A loiça
brasonada portuguesa”, Oceanos, Lisboa, 1993, n.º 14. p. 66.
59
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, pp. 109-110.
60
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 311.
61
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 137.
340 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

62
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, p. 269.
63
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa ao tempo do Império. Portugal/Brasil, p. 117 e p. 126
64
Francisco Morais, “Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil”, Brasília,
Coimbra, 1949, suplemento ao vol. IV, p. 125.
65
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 20.
66
Luiz Ferros, nota VIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. V.
67
Pedro Dias, De Goa a Pangim. Memórias tangíveis da capital do Estado Português da Índia,
Lisboa, 2005, p. 314 e segs.
68
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 142-143.
69
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. 16.
70
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 468; Lourenço Correia de Matos, “Molheira”,
Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio, vol. III, pp. 888-893.
71
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol.I, pp. 124-128.
72
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. XVIII.
73
Habilitações para o Santo Ofício, edição de António de Assis, Graça de Araújo da Rocha &
Luís Soveral Varella, Lisboa, 2003, vol. XXV, p. 74.
74
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 119.
75
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol.I, pp. 40-41.
76
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 723-724.
77
Regina Anacleto, História da Arte em Portugal. Neoclassicismo e Romantismo, Lisboa, (Edições
Alfa), 1987, vol. 10, pp. 38-39.
78
Luiz Ferros, nota LXXXVIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. XXVI; Lourenço
Correia de Matos, “Covilhete”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio, vol. III,
pp. 932-934.
79
Maria Beatriz Nizza da Silva, O Império Luso-Brasileiro. 1750-1822, Lisboa, 1986, p. 455 e segs.
80
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 128.
81
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 175.
82
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, p. 719.
83
Luiz Ferros, nota XVI, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. VIII
84
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 99-101.
85
ANTT. Habilitações da Ordem de Malta, Letra J, maço 6, n.º 1.
86
ANTT. Cartório da Nobreza, Processos de Justificação de Nobreza, maço 7, n.º 1.
87
Luiz Ferros, nota CLXII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. XVI.
88
Lourenço Correia de Matos, “Açucareiro”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comér-
cio, vol. II, pp. 651-652.
89
Maria Adelaide Pereira de Moraes, “Estes são os Dias de Meneses de Guimarães”, Armas e
Troféus, Lisboa, 1982-1983, V série, vol. III-IV.
90
ANTT. Habilitações do Santo Ofício, Manuel, maço 160, n.º 1674.
91
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. XIX-XX.
92
Pedro Dias, De Goa a Pangim. Memórias tangíveis da Capital do Estado Português da Índia,
p. 140.
93
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 154.
94
Luiz Ferros, nota CX, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. VII.
95
Jorge Forjaz & José Francisco de Noronha, Os luso-descendentes da Índia Portuguesa, vol. I,
pp. 421-422.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 341

96
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 114.
97
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 187 e p. 358.
98
Jorge Borges de Macedo, A situação económica no tempo de Pombal. Alguns aspectos, Lisboa,
1951; António Carreira, As Companhias Pombalinas, Lisboa, 1969.
99
António Carreira, As Companhias Pombalinas de Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e Para-
íba, 2.ª edição, Lisboa, 1983, p. 271.
100
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. 105-106; António Machado Faria, Armorial
Lusitano, p. 34.
101
ANTT. Cartório da Nobreza, Livro 2 de Registo de Brasões, fls. 123 v.º a 124 v.º.
102
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Lisboa, 1990, vol. VI, p. 204.
103
Francisco Fortunato Queirós, A Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre em 1781, Portalegre,
1981.
104
António Carreira, As Companhias Pombalinas de Grão- Pará e Maranhão e Pernambuco e Para-
íba, p. 302.
105
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, pp. 108-109.
106
Maria Antónia Pinto de Matos, “169. Prato”, Presença Portuguesa na Ásia. Catálogo do Museu
do Oriente, p. 189.
107
José de Campos e Sousa, Loiça Brazonada, Lisboa, p. 299 e segs.; José de Campos e Sousa,
“Falemos de loiça brasonada”, Colóquio. Revista de Artes e Letras, Lisboa, 1970, n.º 57, p. 39
e segs.
108
Leilão de 27 a 29 de Setembro de 2006, do Palácio do Correio Velho, lote 98.
109
David Howard & John Ayers, China for the West…, vol. II, p. 555.
110
Leilão de 3 a 7 de Maio de 2006, do Palácio do Correio Velho, lote 218.
111
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 179-181
112
ANTT. Cartório da Nobreza, Processo de Justificação de Nobreza, maço 18, n.º 26.
113
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. XXVIII-XXIX.
114
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 701-702.
115
ANTT. Habilitações da Ordem de Cristo, Letra H, maço 2, n.º 6.
116
Gastão de Mello Matos & Luís Stubbs Saldanha Monteiro Bandeira, Heráldica, Lisboa,
1969, p. 158.
117
Lourenço Correia de Matos, “Covilhete”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comér-
cio, vol. II, pp. 630-635.
118
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. II, p. 532.
119
Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, Lisboa, 1966, vol. I.
120
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. IX
121
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 22.
122
Luiz Ferros, nota CLXVI, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. IX.
123
ANTT. Cartório da Nobreza, Livro 4 de Registo de Brasões, fls. 39 a fl. 40.
124
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 17.
125
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 150.
126
Miguel Metelo de Seixas, “Os ornamentos exteriores na Heráldica Eclesiástica como repre-
sentação da hierarquia da Igreja Católica”, Lusíada História, Lisboa, 2006, 2.ª série, n.º 1,
p. 68.
127
David Howard & John Ayers, China for the West…., vol. II, p. 382.
128
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. XXII-XXIII.
342 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

129
Luiz Ferros, nota CIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. IX
130
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 349.
131
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, pp. 110-111.
132
Jorge Forjaz & José Francisco de Noronha, Os luso-descendentes da Índia Portuguesa, vol. I,
pp. 352-353.
133
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 139.
134
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 178.
135
David Howard & John Ayers, China for the West…, vol. II, p. 556.
136
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 58, e nota de Luiz Ferros.
137
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, p. 412.
138
Publicadas pelo conde de Castro e Solla e, mais rcentemente, por Nuno de Castro, nas suas
duas edições.
139
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 171.
140
Luiz Ferros, notas, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 30.
141
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 367-368.
142
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 122-123.
143
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. II, p. 625.
144
Luiz Ferros, nota LXXXIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 153
145
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 511.
146
Pedro Dias, “Uma escultura de Diogo Pires-o-Velho em Vouzela”, Revista Portuguesa de His-
tória, Coimbra, 1978, vol. XVI, p. 343 e segs.
147
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 80.
148
Luiz Ferros, nota XLIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. XIII.
149
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 220
150
Luiz Ferros, nota I, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. III
151
Lourenço Correia de Matos, “Prato e molheira”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de
comércio, vol. II, pp. 660-661.
152
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. II, p. 580.
153
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. VII, pp. 41-42, pp. 59-60, e p. 61 e segs.
154
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 2-4.
155
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 115.
156
Eduardo Campos de Castro & Azevedo Soares, Nobiliário da Ilha Terceira, Angra do Hero-
ísmo, 2.ª edição, 1944, II vol.
157
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 417.
158
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 89-94; Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal,
vol. II, pp. 689-691.
159
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 6-8.
160
Luiz Ferros, nota III, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. III
161
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. 83.
162
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 373-375.
163
Jorge Forjaz, Famílias Macaenses, Macau, 1996, vol. I, p. 409 e segs.
164
Luiz Ferros, nota CCIII, in Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. XXIII.
165
Maria Antónia Pinto de Matos, “Prato”, Presença Portuguesa na Ásia. Catálogo do Museu do
Oriente, p. 207.
166
Luiz Ferros, nota XLIX, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. XV.
4.  HE RÁL DICA DA NO B RE Z A NA PO RCE L ANA DA DI NASTI A QI NG 343

167
António Machado de Faria, Armorial Lusitano, p. 130.
168
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 221.
169
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. II, pp. 739-740.
170
Luiz Ferros, nota XXVIII, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. X-XI.
171
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 48.
172
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 340.
173
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 214.
174
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 418.
175
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, pp. 412-414.
176
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 84-85.
177
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 68-69.
178
ANTT. Cartório da Nobreza, Livro 8 de Registo de Brasões, fls. 20 v.º a 22.
179
Maria Antónia Pinto de Matos, “Pratos”, Presença Portuguesa na Ásia. Catálogo do Museu do
Oriente, p. 208.
180
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. 11.
181
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, pp. 361-362.
182
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 502 e p. 526.
183
Lourenço Correia de Matos, “Prato e covilhete”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de
comércio, vol. II, pp. 668-670.
184
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 53 e p. 433
185
Lourenço Correia de Matos, “Prato”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. II, p. 674.
186
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 124.
187
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. II, p. 149.
188
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, pp. 361-362.
189
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 502 e p. 526.
190
Lourenço Correia de Matos, “Prato e covilhete”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de
comércio, vol. II, pp. 668-670.
191
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 228.
192
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 236.
193
Maria Antónia Pinto de Matos, “Prato”, Presença Portuguesa na Ásia. Catálogo do Museu do
Oriente, p. 212.
194
António Machado Faria, Armorial Lusitano, p. 53 e p. 433
195
Lourenço Correia de Matos, “Prato”, Portugal na Porcelana da China. 500 anos de comércio,
vol. II, p. 674.
196
Maria Antónia Pinto de Matos, “Prato”, Presença Portuguesa na Ásia. Catálogo do Museu do
Oriente, p. 215.
197
ANTT. Cartório da Nobreza, Processos de Justificação de Nobreza, maço 65, n.º 22; Jorge
Forjaz, Famílias Macaenses, vol. III, p. 543 e segs.
198
Afonso Zuquete, Nobreza de Portugal, vol. III, p. 316.
199
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 250.
200
Jorge Forjaz, Famílias Macaenses, vol. II, pp. 414-415.
201
Nuno de Castro, A porcelana Chinesa e os brasões do Império, p. 251.
5.  HERÁLDICA DAS ORDENS
RELIGIOSAS

D
o primeiro período de fabricação de porcelana na vigência das
Dinastia Qing, foram feitas para clientes europeus, e sobretudo para
os portugueses, milhares de peças com simbologia religiosas, a
maioria com cenas que representavam momentos da Vida de Cristo
ou de santos da Igreja de Roma, mas também, para outros mercados, como o
alemão, com personagens da Igreja Reformada.
Porém, o que nos interessa neste estudo são as peças de porcelana que
ostentam as armas das ordens religiosas que estiveram ao serviço de Portugal,
sob o manto protector e impulsionador do Padroado Português, e também
de certas casas, isoladamente, como aconteceu com o convento do Carmo de
Lisboa e com São Vicente de Fora, também na capital do Reino.
Mesmo depois, de instaurado o sistema republicano na China, e antes da
instauração do Comunismo, continuaram a produzir-se jarras e pequenas pias
de água-benta para os cristãos locais, e já não para exportação para a Europa e
para outras partes do Oriente, embora admitamos que, ocasionalmente, isso
pudesse ocorrer; porém, não temos qualquer prova.
Outra questão sobre a qual temos hoje poucas dúvidas é a de que o sím-
bolo, o anagrama da Companhis de Jesus continuou a ser pintado, mesmo
depois desta ordem ter sido banida de Portugal e dos seus domínios de Além-
-Mar, pois as populações interpretavam esssa simbologia como se fosse apenas
do Cristianismo que professavam, sobretudo onde os jesuítas tinham tido maior
peso, o que aconteceu praticamente em todas as cidades, fortalezas e territórios
onde espalharam a sua Fé.
346 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

COMPANHIA DE JESUS

A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola e por outros cole-
gas que com ele compartilharam o seu quarto em Paris, e teve aprovação papal
em 1540, dada pelo pontífice romano Paulo III. Foi o espírito de reforma que
uniu jovens universitários dos colégios parisienses e bordaleses, entre os quais se
contava Francisco Xavier, que os fez entrar nesta grande aventura de evangelizar
o Oriente. Foi ordem religiosa que mais se distinguiu pela sua acção na Índia,
na China e no Japão, muito valendo a presença do já citado São Francisco
Xavier, que atingiu as ilhas nipónicas1. Ricas e numerosas as residências, colé-
gios e igrejas paroquiais que foram vigariadas pelos jesuítas fizeram desde o
século xvi muitas encomendas de vasos de porcelana ostentando as suas armas
e outros símbolos cristãos.
Como temos visto, Goa era um local onde muito facilmente se encomen-
davam coisas da China. A verdade é que a designação de paulistas aplicava-se
genericamente a todos os jesuítas, o que pode induzir em erro, nalguns casos,
mas se virmos quais são efectivamente as invocações das igrejas e dos colégios,
essas hipóteses diminuem significativamente: em Diu era também de São Paulo;
mas em Cochim e Macau era da Madre de Deus; em Damão das Onze Mil Vir-
gens; em Margão do Espírito Santo; etc., e no Reino, de São Roque, de Jesus,

Armas da Companhia de Jesus


do manuscrito Armas das Ordens
Militares e Religiões Regulares
de Portugal da autoria de Francisco
Coelho (Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, Lisboa)

Vinheta com o símbolo da Companhia


de Jesus de um livro impresso
em Coimbra no século xvi.

Casa Professa do Bom Jesus de Goa


5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 347

do Espírito Santo e de São Lourenço, em Lisboa, Coimbra, Évora e Porto


respectivamente.
Houve casos em que os símbolos da Companhia de Jesus foram mal repre-
Moreira em porcelana chinesa de
sentados e até muito simplificados, talvez porque não fossem encomendas direc- exportação com as armas da
Companhia de Jesus.
tas dos responsáveis da Ordem, mas apenas compras de devotos, que associavam Cerca de 1720. Dinastia Qing.
Reinado do imperador Kangxi.
o próprio símbolo dos jesuítas ao da Igreja Católica. (Colecção particular)
348 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Apresentamos agora algumas peças que ostentam o símbolo da Compa-


nhia de Jesus, mas ainda do período anterior à sua extinção e outras da época
posterior. A primeira é uma bela floreira de formato tronco-cónico invertido,
Pia de água-benta em porcelana com decoração polícroma baseada em elementos florais e que pode ser ainda do
chinesa de exportação.
Séc. xviii. Dinastia Qing. fim do reinado de Kangxi. Conhecemos algumas nos nossos museus e em colec-
Reinado do imperador Qianglong.
(Colecção particular) ções particulares.
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 349

A segunda é uma pequena pia de água-benta, certamente do


tempo do imperador Qianglong, só com decoração a azul e branco,
de que há outras, embora raras, com algumas variantes. A caldeira
está coberta por uma tampa com dobradiça. Segue-se um pote com
tampa e decoração polícroma com flores e borboletas, do reinado
de Guangxu.
A peça seguinte é um pequeno covite, também do reinado de
Qianglong e só com decoração a azul sob vidrado, com um filete no
bordo e na base. Ao centro há duas reservas com o IHS entre os
raios de Sol, como é tradicional.
Das peças já oitocentistas, destacamos um par de potes, com
decoração polícroma, em que ainda há vestígios de elementos roco-
cós, obra que já teve que ser encomendada por particulares ou pelo
clero secular, dado que os jesuítas já tinham sido banidos.
Deixemos para o fim um novo par de jarras com esmaltes que
ainda seguem a tradição da chamada “família rosa”, com elementos

Fachada da igreja da Assunção


de Nosssa Senhora do Colégio
da Madre de Deus da Companhia
de Jesus de Macau.

Pote de porcelana chinesa de expor-


tação com o símbolo da Companha de
Jesus. Séc. xix. Dinastia Qing.
Reinado do imperador Guangxu.
(Palácio do Correio Velho. Leilões)
350 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Covilhete em porcelana chinesa


de exportação com as armas da
Companhia de Jesus. vegetais, flores e folhagens. Numa delas o símbolo está invertido, fenómeno
Séc. xix. Dinastia Qing.
Reinado do imperador Guangxu. relativamente frequente.
(Palácio do Correio Velho. Leilões)
As datações de peças azuis e brancas, a azul cobalto sob o vidrado, que
Par de jarras em porcelana chinesa
de exportação com o símbolo ostentam o emblema da Companhia de Jesus, e que são por vezes tidas por
da Companhia de Jesus.
Séc. xix. Dinastia Qing. seiscentistas, parecem-nos complicadas. Pensamos que algumas são já do
Reinado do imperador Guangxu.
(Palácio do Correio Velho. Leilões) século xix, quando não mesmo do início do século xx. Na China, o símbolo dos
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 351
352 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

jesuitas é ainda hoje adoptado indiscrimi-


nadamente pelos cristãos, tomando-o sem
qualquer relutância ou dúvida como sendo
o do Catolicismo.
Fabricaram-se até há pouco tempo
jarras de altar, como as de há cem ou
duzentos anos, se é que não se continuam
ainda a fazer, dado o súbito aparecimento
de muitas dezenas, nos últimos anos da
Administração de Portugal, quer nos anti-
quários desta cidade quer de Hong Kong.
No entanto, não duvidamos de que muitas
são do período final do século xix.
O símbolo da Companhia de Jesus
pode ver-se em numerosas pequenas jarras
de altar, já tardias, da colecção do Insti-
tuto Cultural de Macau, e também em
pias de água-benta de dimensões muito
reduzidas, havendo uma, pelo menos, com
caracteres chineses a envolver o anagrama
de Cristo, desenhado com dificuldade pelo
artífice chinês que foi encarregado dessa
tarefa.
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 353

Pote de porcelana chinesa


de exportação com o símbolo
da Companhia de Jesus
e com uma inscrição em Chinês,
alusiva ao Cristianismo. Séc. xix.
Dinastia Qing e reinado
do imperador Guangxu
(Palácio do Correio Velho. Leilões)
354 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ORDEM DE SÃO DOMINGOS

Outra das ordens religiosas cujos responsáveis mandaram fazer peças de


porcelana com as suas armas foi a de São Domingos.
Este pote é datável, com alguma segurança, do início do século xviii, entre
1700 e 1720, dentro do período do reinado do imperador Kangxi da Dinastia
Qing.
Outra obra desta ordem é uma travessa decorada com motivos florais,
peça muito rara, em obras religiosas, mas que se deviam destinar aos refeitórios
dos conventos e mosteiros. O escudo ou armas de São Domingos o centro da
composição já do século xviii.
Devemos ter em atenção a importância das casas religiosas dos dominica-
nos, quer na Índia, e particularmente em Goa, quer em Macau, onde ocupava
uma posição privilegiada e tinha enorme pretígio.
Não sabemos ainda se estas peças conhecidas eram para os mosteiros do
Reino ou das cidades luso-orientais.

Armas da Ordem de São Domingos


do manuscrito Armas das Ordens
Militares e Religiões Regulares
de Portugal da autoria de
Francisco Coelho
(Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Lisboa).

Igreja do Convento
de São Domingos de Macau.

Pote de porcelana polícroma


com as armas da Ordem de São
Domingos. Cerca de 1700.
Reinado do imperador Kangxi
da Dinastia Qing.
(Colecção particular)
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 355

Pote de porcelana polícroma


com as armas da Ordem de São
Domingos. Cerca de 1700.
Reinado do imperador Kangxi
da Dinastia Qing.
(Colecção particular)
356 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ORDEM DE SÃO FRANCISCO

Os franciscanos, como são vulgarmente designados, vivem segundo a


Regra de Vida que foi estabelecida por São Francisco de Assis. De início, chama-
ram-se frades menores e, nem de perto nem de longe, os seus fundadores ima-
ginariam a expansão que teriam, ao longo dos séculos. Começando uma lenta
expansão, um primeiro grupo passou por Portugal, em 1219, onde se instalaram
e, apesar de todas as vicissitudes, como a extinção das ordens religiosas, em
1834, ainda hoje desenvolvem um relevante papel. A importância que já tinham
no século xv, e o favor régio e de muitas figuras da família real, deu-lhes enorme
prestígio, pelo que estavam em óptima situação, para acompanhar os navegantes
nas expedições oceânicas, para dar apoio, dentro das caravelas e naus, e para se
estabelecerem, nas povoações nascentes, com que polvilhámos as orlas maríti-
mas de três continentes2.
Esta foi a primeira das ordens religiosas a chegar ao Oriente. Chegados a
terra, fundavam pequenas capelas ou igrejas, mas, a sua expansão acabaria por
ser imensa, por todo o espaço do Índico. A sua casa principal foi, naturalmente,
em Goa, mas também tiveram outras importantíssimas, em Baçaim, Chaúl,
Diu, Cochim, Colombo, Malaca, Macau, Ayuthya, etc.

Armas da Ordem de São Francisco


do manuscrito Armas das Ordens
Militares e Religiões Regulares
de Portugal da autoria
de Francisco Coelho
(Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Lisboa)

Igreja do Convento de São Francisco


de Goa

Par de potes de botica de porcelana


azul e branca com as armas
da Ordem de São Francisco e que
pertenceram ao Convento de São
Francisco de Goa. Cerca de 1700.
Reinado do imperador Kangxi da
Dinastia Qing.
(Colecção particular)
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 357
358 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Uma encomenda vultuosa foi feita pelos responsáveis goeses, já no início


do século xviii, no período do reinado imperador Kangxi da Dinastia Qing, e
consistia num vasto número de recipientes para a sua botica, posto que poste-
riormente alguns potes e garrafas tenham sido utilizados como jarras de altar.
Há várias peças destas em Portugal, com averiguada e já distante proveniência
goesa e, encontrámos em Pangim e noutros locais do território de Goa, vários
exemplares de diferentes tipologias. É curioso que, em todos os casos, se apre-
sentam dentro dos rótulos o habitual emblema franciscano, ou seja, os braços
cruzados e a Cruz, uma ave, mas o terceiro está vazio, possivelmente, para aí se
inscrever o produto de botica que deveria conter.
As armas que todas estas peças do conjunto da botica apresentam são as
próprias da Ordem de São Francisco: escudo em cartela, tendo dentro dois bra-
ços cruzados que saiem de nuvens, sobre uma cruz, onde ambas as mãos estão
pregadas. Outra cartela apresenta uma ave, curiosamente a mesma figura que se
pode observar no alto do portal principal da igreja de São Francisco de Assis de
Velha Goa.
Desta mesma série são estes potes de botica, exactamente com a mesma
decoração, apenas com uma forma distinta, bojudos, com a base a alargar signi-
ficativamente para fora, estreitando depois para o gargalo, tronco piramidal, que
termina num bordo saliente, onde assentam as tampas. São os únicos exempla-
res desta encomenda que ainda conservam as tampas originais.
A encomenda deste conjunto imenso para a botica de São Francisco de
Goa datará de um ano em torno a 1700, do período da Dinastia Qing e do rei-
nado do imperador Kangxi.
Uma outra jarra que ostenta as armas franciscana, certamente duas ou
três décadas posterior às que acabamos de analisar, já do período Qianlong,
tem uma forma completamente diferente, com três secções, sendo a central
muito bojuda, mas achatada, e depois é quase simétrica para ambos os lados,
o do gargalo e o da base. A decoração é polícroma, muito fina, do tipo família
rosa, com belíssimas estilizações vegetais a enquadrar o símbolo heráldico,
com os esmaltes sobre fundo branco leitoso cobertos por vidrado incolor.
Temos aqui as armas da Ordem de São Francisco de Assis mostram a Cruz
de Cristo pintada a ouro, assente sobre o Gólgota, o local onde segundo o Novo
Testamento Jesus foi crucificado, a cinzento azulado, com dois braços cru-
zados com mangas azuis e mãos a agarrar a haste da Cruz. A data proposta
Símbolos da Ordem de São Francisco é a de cerca de 1735, do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador
de Assis do portal da igreja
de São Francisco de Goa Yongzheng.
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 359

Jarra de porcelana polícroma


com as armas da Ordem de São
Francisco. Cerca de 1735.
Reinado do imperador Yongzheng
da Dinastia Qing.
(Colecção particular)
360 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

ORDEM DE NOSSA SENHORA DO MONTE DO CARMO

A Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo teve a sua origem em Itá-


lia, durante a segunda metade do século ii, devendo-se a iniciativa a Bertoldo,
que er um eremita que tinha grande fama de santidade, e qu se retirou para um
ermitério, inspirado pelo profeta Elias que, aliás, viria a ser o patrono desta con-
gregação. A aprovação papal, que deu começo à vida regular da instituição, data
de 30 de Janeiro de 1226, por bula do papa Honório III. Os primeiros carmeli-
tas chegaram ao nosso país, em 1251, associados à Ordem de São João de Jeru-
salém, à qual serviam de capelães.

Armas da Ordem de Nossa Senhora


do Monte Carmelo do manuscrito
Armas das Ordens Militares
e Religiões Regulares de Portugal
da autoria de Francisco Coelho
(Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, Lisboa)

Cabeceira da igreja do Convento


de Nossa Senhora do Carmo
de Lisboa

Prato redondo de porcelana polícroma


com as armas do convento de Nossa
Senhora do Carmo de Lisboa.
Cerca de 1740 a 1750.
Reinado do imperador Qianlong
da Dinastia Qing.
(Colecção particular)
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 361

O prato que aqui apresentamos é raro, e foi seguramente encomendado


juntamente com peças de outro tipo, como canudos de altar, para o convento
carmelita de Lisboa, fundado por D. Nuno Álvares Pereira, que fica sobranceiro
ao Rossio, onde o herói de Aljubarrota passou os últimos anos da sua vida.
362 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

Este prato raso e redondo é feito em


porcelana branca e vidrada, com esmaltes
polícromos da família rosa sob vidrado. A aba
é lisa e, no centro da caldeira, estão as armas
da Ordem do Carmo, que consistem num
monte estilizado, com um cruzeiro no topo,
aqui rodeado por uma cartela polícroma, de
gosto europeu e já barroco. O resto da deco-
ração é uma corrente vermelha, a delimitar a
caldeira, e uma aba com cercadura a ouro
com enrolamentos fitomórficos dourados e
flores cor de rosa.
Existem várias peças com as armas dos
carmelitas e, mais especificamente deste con-
vento, mas executadas em faiança lisboeta do
século xvii e mesmo do fim do século xvi.
Mostramos mais um par de jarras de
altar em porcelana branca e fina, com decora-
ção polícroma sob vidrado. Possui elementos
decorativos em relevo, em pasta mole e mode-
lados, como se fazia na porcelana europeia do
tempo, nomeadamente, em Meissen. São
obras de enorme qualidade e extremamente
raras.
Pelo tipo da porcelana e pelos elemen-
tos decorativos, já que não temos qualquer
documentação em que nos apoiemos, pode-
mos adiantar, como hipótese, a data de 1750,
para o seu fabrico, na China, cronologica-
mente dentro do tempo da Dinastia Qing e do
reinado de Qianlong.

Par de jarras, decoração polícroma


e relevada a parte mole com as armas
da ordem do Carmo. Altura 25,5 cm.
Reinado Qianlong.
(Cabral Moncada. Leilões)
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 363
364 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

REAL MOSTEIRO DE SÃO VICENTE DE FORA

A Ordem de Santo Agostinho já tinha, em 1192, em Lisboa, no Monte


de São Gens, uma ermida que veio a ter o nome de Nossa Senhora da Graça,
que deve ter sido o polo de expansão agostiniano no nosso país. Não esque-
çamos que grandes casas religiosas, como Santa Cruz de Coimbra e São
Vicente de Fora de Lisboa, já pertenciam aos cónegos regrantes de Santo
Agostinho3.
Em várias colecções e museus nacionais existem peças de porcelanas, flo-
reiras e canudos, como na colecção que serve de base a este estudo, feitas expres-
samente para uma casa que pertenceram à Ordem dos Cónegos Regrantes de
Santo Agostinho, concretamente para o Real Mosteiro de São Vicente de Fora
de Lisboa4. Estas peças, embora não ostentem a herálldica comum da ordem
agostiniana, mas a especifica da casa vicentina lisboeta, dados os seus privilégios
e prerrogativas, são do fim do século xviii, obras saídas de excelentes oficinas,
com uma decoração aprimorada, e com base em modelos europeus, numa poli-
cromia rica, onde ressaltam as representações vegetalistas, flores e ramagens,
rosetas e sanefas de tecido pesado. Aceitamos a datação que ultimamente tem
sido avançada sem contestação, dentro do período do reinado do imperador
Qianlong da Dinastia Qing.
No entanto, como dissemos, a heráldica não é a agostiniana. O brasão da
Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho tem uma águia bicéfala e,
no meio dela, um escudo com o Coração de Jesus trespassado por uma flecha,
assente num livro, sendo tudo sobrepujado por uma mitra. É óbvio que apare-
cem simplificações, como a ausência da mitra ou do livro em que assenta o
coração, mas não vão muito além disso. O que aqui temos é totalmente dife-
rente. São dois escudos justapostos, o primeiro com armas de Portugal, e o
outro com as de Lisboa, numa ampla cartela de fantasia, sobre uma aspa for-
mada por um báculo e uma cruz, tudo sobrepujado por uma mitra, e sobre esta
um chapéu episcopal com as respectivas borlas.
Também, e ao contrário do que já foi sugerido, estas não são as armas do
Patriarcado de Lisboa, como se pode ver em vários documento e em obras de
arte que se conservam e estão à vista. Como Luiz Ferros anotou, este brasão
aparece num dos carimbos de decumentação existente na Torre do Tombo, e
Armas do Mosteiro de São Vicente
de For a de Lisboa que aparece noutro documento selado dos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa,
no conjunto de peças de porcelana
chinesa de encomenda onde se diz claramente: “Real Mosteiro de São Vicente de Fora sob nosso sinal e sello
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 365

Par de floreiras de porcelana


polícroma com as armas mosteiro
de São Vicente de Fora de Lisboa
de Lisboa. Cerca de 1780.
Reinado do imperador Qianlong
da Dinastia Qing
(Museu Nacional de Arte Antiga.
Lisboa)
366 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

conventual”; a data é de 2 de Junho de 18265.


Parece que esta é a prova definitiva da atribui-
ção que sustentamos.
Algumas casas religiosas usaram armas
diferentes das da congregação a que perten-
ciam, e as que tinham o título de Real, em Por-
tugal, como o Mosteiro de São Vicente de
Fora, podiam usar o escudo régio. Também a
nau pintada nestas peças está de acordo, já que
foi numa que o corpo de São Vicente foi trans-
portado, para Lisboa, segundo a tradição
medieva, que perdurou nos séculos seguintes.
As insígnias episcopais devem-se ao facto do
mosteiro de São Vicente estar fora da alçada
episcopal, e essa autoridade ser do respectivo
prior.
Mostramos um par de floreiras e um par
de canudos de altar, têm 21 cm de altura, e
16,5 cm de largura no alto, e 13 cm na base.
São decoradas com esmaltes polícromos da
chamada família rosa e ouro, sob uma fina
camada de vidrado incolor. Lateralmente, têm
coladas as pegas decoradas a ouro. Na tampa,
há cinco orifícios, para a colocação das flores.
A base alarga, sendo decorada com festões a
imitar sanefas de tecido, e florinhas isoladas,
por baixo. Junto ao bordo fica uma barra polí-
croma com folhagem e flores, em azul, vermelho e amarelo, os mesmos esmaltes
da zona que fica imediatamente abaixo do grande escudo heráldico.
Os canudos têm 26 cm de altura, e as características de fabrico e também
a decoração está muito próxima da das floreiras. Os esmaltes são os típicos da
Mosteiro de São Vicente de Fora
família rosa e ouro, sob vidrado incolor. A sua foma é quase cilíndrica, com as
de Lisboa abas projectadas para o exterior, e a base ligeiramente salienta, em curva suave,
Par de canudos de porcelana para proporcionar maior estabilidade; um formato comum. Há enrolamentos
polícroma com as armas mosteiro
de São Vicente de Fora de Lisboa florais na base e junto ao bordo, sendo mais dsenvolvidos os inferiores. O grande
de Lisboa. Cerca de 1780.
Reinado do imperador Qianlong escudo, representado como acima descrevemos, ocupa grande parte do corpo
da Dinastia Qing
(Colecção Féliix da Costa) do canudo que ficou livre.
5.  HE RÁL DICA DAS O RDENS RELI GI OSAS 367
368 H ER Á LD ICA P ORT U G U ES A N A P OR CE L ANA DA CHINA Q ING

NOTAS

1
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quistado, Lisboa, 1710.
2
Frei Manuel da Esperança & Frei Fernando da Soledade, História Seráfica da Ordem dos
Frades Menores da Ordem de São Francisco da Província de Portugal, Lisboa, 1656-1720.
3
Frei António da Purificação, Chronica dos Eremitas de Santo Agostinho, Lisboa, 1642 e
1656.
4
Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, p. 180.
5
Luiz Ferros, nota CCVI, Castro e Solla, Cerâmica Brazonada, vol. I, pp. XXIV-XXV.
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Rudolf Schnyder, “A Real Fábrica de Louça do Rato no contexto europeu”, (Catálogo
da Exposição) Real Fábrica de Louça do Rato, coordenação de Paulo Henriques,
Lisboa/Porto, 2003.
Rui Manuel de Figueiredo Marcos, As Companhias Pombalinas. Contributo para a Histó-
ria das Sociedades por acções em Portugal, Coimbra, 1997.
Teresa Canepa, Cenas Europeias na Arte Chinesa, coordenação de Jorge Welsh & Luisa
Vinhais, Lisboa-Londres, 2005.
Teresa Canepa, Imagens do Cristianismo na Porcelana da China, coordenação de Jorge
Welsh & Luisa Vinhais, Lisboa-Londres, 2003.
Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, Lisboa, 1966.
Via Orientalis, (Catálogo da Exposição) edição de Maria Helena Mendes Pinto & Ezio
Bassani, Bruxelas, 1991.
Yayoi Kawamura, “La via portuguesa en las colleciones reales españolas (1580-1640)”,
(Catálogo da Exposição) Oriente en Palacio. Tesoros asiáticos en las Colecciones Rea-
les Españolas, Madrid, 2003.

NOTA

Não se indicaram nesta bibliografia geral as ementas de catálogos de exposições ou de obras


com a mesma estrutura, que estão assinaladas em nota, ao longo do texto.
7.  ÍNDICE

1. NOTA PRÉVIA 5

2. ALEGORIAS E FESTIVIDADES PORTUGUESAS NA PORCELANA


DA DINASTIA QING 11

3. HERÁLDICA REAL PORTUGUESA NA PORCELANA


DA DINASTIA QING 27

4. HERÁLDICA DA NOBREZA NA PORCELANA


DA DINASTIA QING 61

5. HERÁLDICA DAS ORDENS RELIGIOSAS 345

6. BIBLIOGRAFIA 369
PEDRO DI AS

P E DRO DIAS
H E R Á L D I C A
PORTUGUESA
NA PORCELANA

NA PORCELANA DA CHINA QING


DA C H I N A Q I N G

HERÁLDICA PORTUGUESA

Centro Científico e Cultural de Macau, I.P.


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

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