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2007
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Ocpós,10 Legal n. 0 318063/10


BETHENCOURT,
Blbllotoca Naclonsl dB Portugs / - CstDlogsçlo na Publlcsç/Jo DIOGO RAMADA CURTO
A expansao marítima portuguesa/ org. Francisco Bethencoun e Diogo Ramada
(DIR.)
Curto. - (lugar da história)
ISBN 978-972--44-1423-2

1. BETHENCOURT, Francisco, 1955


A EXF·A NSÃO MARÍTIMA
11 • CURTO, Diogo Ramada, 1959-

COU 910.4(- 1:469) 1400/1800' 0


PORTUGUESA, 1400-1800
P1gmaçlo.
Pedro Simões

Impressão e acabamento,
PAPel.MUNDE
para
EDIÇÕES 70. LDA.
Outubro de 2010

D1re11os reservados para Ponu3al


o
por Edições 70

EDIÇÕES 70. Lda.


RuJ Luciano Cordmo. 123 - 1• Esq.• - 1069-157 Lisboa I Ponugal
·1e1 213190240- fax · 2 13 190249
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www.cd,cor~70.pt l
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14 .

A Expansão Portuguesa num Contexto Global

FELIPE FERNÁNDEZ-ARMESTO

O império de Portugal no princípio da época moderna foi úni co, mas a


sua singularidade só pode ser apreciada em contraste com a h1stóna de
outros impérios. O contexto tem de ser global e não limitado, como costuma
ser, ao imperialismo europeu. E tem de ':!nglobar impérios terrestres junta
mente com os «impérios marítimo s» que são tradicionalmente escolhido~
para efeitos de comparação. Existem duas razões para tal.
Primeiro, o império de Portugal, apesar de muitas vezes ser correcta-
mente descrito como empreendimento «marítimo» e até «litoral», sofreu
uma transição comum à maioria dos imperialismos europeus da época:
decorrido algum tempo, foi-se empenhando cada vez mais na expansão ter-
restre ( 1). Isto tomou-o típico num sentido lato, pois embora a nossa tradição
histórica se tenha concentrado no estudo de impérios marítimos de ori gem
europeia, a maior parte dos imperialismos do princípio da era moderna
foram do tipo prevalecente na história: territoriais e baseados na expansão
para áreas contíguas às já ocupadas pela potência imperial.

( 1) Anthony D1sney, «The Portuguese Emp1re in lnd1a, e. 1550- 1650: Som.: Sugges1ions
for a Less Seabome, More Landbound Approach 10 h s Soc10-economic His1ory», in John
Correia-Afonso (ed.), /11do-Pcrtu~uese History · So11rceJ and Prohlems (Bomb:um , 1981 ),
pp. 148- 162.

491
l:m segundo lugar, du ran te cerca de metade do período de 1400- 1800, absorvidos pelos Portugueses excederam os por eles infligidos - especial-
c rn 10nas onde a actividade portuguesa foi mais intensa, o imperialismo mente onde foram derrotados ou quando se «natt vizaram ». ou onde se desen-
c uro r t: u desempenhou um papel relativanJente insignificante na moldagem volveram culturas híbridas.
d~s sociedades que encontrou. Durante todo o século XVI e na maior parte do Porém, dito isto, a ênfase geralmente dada pelos historiadores ao impe-
~ cul o ~,·11. o empenhamento imperial português foi maior na Ásia - onde rialismo marítimo europeu é justificada. O imperiali smo marítimo foi
os europeus rastejavam como piolhos na pele do continente - e na rota impe- genuinamente uma das características originais do princípio da era moderna
ri a l que lá conduzia. Ini cialmente, o posto avançado de Portugal no Novo da história mundial. Os impérios marítimos, forjados em tomo de mares.
1\ilu ndo, o Bras il. só suscitou interesse como ramificação da mesma rota, colados às suas orlas e dependentes das comunicações marítimas, eram conhe-
descoberta no decurso de uma excursão no Atlântico em busca dos ventos cidos no Mediterrâneo desde a Antiguidade e a Idade Média. O Império de
qu e cond uziam a o riente (2): e embora os produtos africanos - especialmente Canuto, em tomo do mar do Norte, no século XI, foi colocado nesta catego-
os esc ravo:-, e, quand o disponível, o ou ro - não devam ser subestimados, ria, assim como o seu sucessor, o «Império Normando» trans-Canal da Man-
desem penharam apenas um papel subsidiário na economia imperial de cha (4 ) . Embora as provas sejarr inconclusivas, o Império Chola, do mesmo
Port ugal depo is de aberto o acesso ao oceano Índico. A navegação intra-asiá- período, qualifica-se provavelmente para admissão na mesma categoria (5).
ti ca e o comércio intercontinental de especiarias tomaram-se, para a maioria Redes de comunidades comerciais ou colónias e, até certo ponto, de fideli -
dos tn tervenie ntes, as zonas de maiores oportunidades. Consequentemente, dades políticas, espalharam-se em tomo dos mares das monções, na época
o imperiali smo portug uês opero u principalmente em teatros dominados por que consideramos a Idade Média, a partir de centros no Sul da Arábia, golfo
Estados e im périos indígenas: a interferência foi modesta, a desorganização Pérsico, Índia e China. Durante um momento, no século xv, as movimen-
apenas intermitente e de escala e âmbito limitados. Mesmo no século x vm, tações chinesas ao longo das rotas comerciais dos mares das monções pare-
a «1gualclade das civilizações,> foi pouco comprometida pelas incursões oci- ceram prestes a adquirir um ca,·ácter imperial, com expedições navais em
denta is na Ás ia ('1). Nalguns aspectos e em determinados lugares, os efeitos grande ·escala que chegaram à Arábia e à África Oriental, e intervenções
políticas espasmódicas em lugares tão distantes como Java, Ceilão e Malaca.
(::) Lu" de Albuquerque::. 0.1' Oescohrimentos Portugueses (L isboa, 1983), pp. 149- 174; No mesmo período, para os aventureiros da Europa Ocidental, o Atlântico
D.im1fo Peres. l{i.wína do.l' Descohrimenros ( Pono , 1983). pp. 327-34 9. africano, englobando as ilhas Canárias, os Açores e alguns postos na costa
1 11 Para um a anállst:! dos trabalhos que levaram a es1a conc lusão, ver A . Disney (ed.), africana, tomou-se uma arena de conq1.1:ista e colonização. Todavia, tanto
/ /15101 wgm1,hr o/ f:.'11ropt'ans in A/rica and Asia. 1450- 1800 (Alders hot, 1995), pp. xii-xvi, e quanto sabemos, nunca antes fora tentado e muito menos concretizado um
J R. \\'ilh . «\\las T ht!rc a Vasco da Gama Epoch?», in A. Disney e E. Booth (eds.), Vasco da
imperialismo marítimo à escala do verificado no início da era moderna.
(i o m11 (Ili(/ til/' L111ki11g vf Eurvpe a11d Asia (Nova Deli, 2000), pp. 350-360. A tradição ini-
' 1011 ' <' <'"11 J.,co') C. "ª11 Le ur. ,,On 1hr Eigh1ee nth Centli ry as a C a1egory in lndonesian
Além do mais, embora o impacto europeu tenha variado consideravel-
1I 1.,1u1y» . 111 /11do11c.1·w11 Trade and Society : Essays in Asian Social and Economic History mente e sido quase negligenciável nalgumas áreas, houve dois contextos em
(l·Li1a . 19:\:\), pp. 268-289 - um ensaio publicado durante a Se gunda Guerra Mundial. As que os seus efeitos foram tremendos. O contacto, o conflito e o contág io
ohra, importantes para a relacionar com a história do imperialismo português são Blair B. reconfiguraram partes do Novo Mundo onde a colonização branca penetro u:
K l111g e Michael N. Pcarson (eds.), The Age of Parrnership: Europeans in Asia before Domi· novas doenças mataram milhões de pessoas e refizeram o perfil demográ-
111011 (l lonolu lu, 1979). M . N. Pe:1rson, Coastal Western lndia: S tudies f rom the Port11guese
fico, e novas biotas despojarc:m e revestiram vastos ambientes. Entretanto,
Ncco rd.,· (!\ov a Del i, 198 1): George Winius, «The Shadow Empire o f G oa in the Bay of
com crescente intensidade nos séculos x vn e xvm, partes de África enfrenta-
lk ngal». /1111c1 úrio 7 i 1983). pp. 83- 1O1: M. N. Pearson, «lndia and the lndian Ocean in the
'-; 1x1e.:111h C<" nlury». 111 ,\. Das Gupta e M . N . Pearson (eds ). /11dw11 a11d the /11dian Ocean, ram os desafios decorrentes do tráfico de escravos. A guerra foi encorajada,
/ , ()() / 81)1 1C 1lcu1;í, I 987) . pp. 7 1-93; Sanjay Subrahmanyam. /mpro1úing Emprre : Por- emerg iram Estados rapaces e, nalgumas zonas, as depredações dos negreiros
111_;:11/'.\, / 111,/,· 1111d s,,11il'll11·111 111 rhc Bar o( Be11gal. 1500-1700 (Dell. 1990): K. McPherson,
u('hul,a, .111d Kl mg,: l11d1gcno u, Trade Diasporas and Europe an Penetra11on of the lndian (Cambridge, 1987); e S . S ubrahmanyam e L. F. F. R. Thomaz, «Evolution of Empire: T hc
Occan l.11101,d .. . i11 G 1org10 Bor,,1 (cd .) . 1,·ade a11d Polit1n in r/11' fndt<III Occa11· Hworical Porruguese in the l ndian Ocean during the Sixteenth Ce ntury», 111 James D. Tracy (ed .), Thc
1111d C,1111,•1111,oran· /' crs11cct11·cs (Nova Deli, 1990), pp. 33-46: L. F. F. R. Thomaz, «The Por- Political Economy of Merchant Empires: Srate Power and World Trade. 1350- 1750 (Cam -
1ug uc,e 111 lhe Se:,, o f lhe Arch1pel durmg the S1xtet:!nth Ce111ury». 111 Trade a11d SJ11 pp111g in bridge, 199 1), pp. 298-33 1.
rlt,· So11thc111 Sca.l' · Sc!t•ctNI lfrad111gs from tire Archipel, xviii, 1979 (Paris, 1984). pp. 75-92; ( 4 ) John Le Patourel, The Norn wn Emprre (Ox ford, 1978).

M N P1·;11 ,011 (cd. ). 'J'l,c Po1111g11cs1• 111 lrrdia. The New C ambndge H1 story of lndia, vol. 1 ( 5 ) Kcnneth R. Hall. Trade a11d Statecrafr i11 tlt e Age of the Cholos ( Nova ü c l1 , 1980)

. 492 491
tive ram cfc1tm dcmog râficos perversos (ti). A amplitude destas alterações na monções da Ásia marítima; e terminando com os grandes im périos terrestres
AJric:i e 11 ,1\ •\ 111cn c,1, é muito debatida e não pode ser quantificada de modo da época, ao-s quais o de Portugal se fo i assemelhando cada vez mais. Até
mrn1111 ;111H·11tc c , .,l t\l Contudo. no caso americano. até as estimati vas mais certo ponto, este caminho pelo material também traça uma rota através do
modesta , ,;io lon111d.1ve1s ( · ). tempo, dos inícios locais e I egionais da expansão portuguesa, passando pelas
O impl·n ;d1, 11m ponuguês desempenhou um papel de inquestionável signi- suas fases atlântica e as:ática, até ao seu culminar terrestre, na fase do minada
t 1cado nn 1." tr.,mlrn m.u;õt· \. A transplantação do açúcar para a América, pelo Brasil.
pela qu.d ,,, ,·nlnn," po 11u!!ucse~ do Brasil fo ram em larga medida respon-
,:" e 1,. 1" 1.111< 1\ ., 1111 1u,·11, 1.1111a1:-. abrange nte sobre a ecologia da região entre
.,, t,·11.1, d , " 1.111- iln, d.1 \/11\ . , 1::spanha e o sen ão br:>stleiro no século XVI. O Problema de Portugal: Um Pequeno Ponto de Partida
\lt- 111 d,, 111.11 ,, .1::,·111,· , pt1r1ugut:, es desempenharam um pape l importante
11,1 t1.il 1"' ,k ,·,, 1.1\ 1" , 01111 ol,1ram os c: mpónos cruc i.11s, providenciaram Um dos slogans dos anos de Salazar era «Portugal não é um país pequeno».
111 ,11 , ' " " 1," I'·" .1, , 11.111,pnrt,· do que o s seu s concorrentes de qua lquer outra Mas até o ditador estava disposto a reco nhecer que an tes da expansão impe-
11.11, . , , , , · d , >1111 11.11 .1111 1" l <,n1;1c10, com alguns cios Estados africanos que mais rial Portugal era pequeno. O contras te entre a ampli tude do imperialismo
,·,, 1,1\11, 1,,111,·u ·r.1111 português e as modestas dimensões da metrópole constitui o maior mistéri o
.\lc111 d1 " 1>. 111.1111i:111-,i: o la cto de que a história m und ial tem sido domi- da história portuguesa e um dos mais enigmáticos contrastes da hi stón a do
nada pela, i111c1a11, a:-. d:i Eu ropa Ocidental . e Portu gal esteve na vanguarda. mu ndo. Os progressos da estatística permitem-nos apenas cálculos muito por
i:,pcL·tal mi:ntt' na na, e~açào de longo t:urso, no comércio e na colonização. alto, mas no princípio do séc ulo xv, a população de Portugal era provavel-
11 ;1 l· ,plor;uJ10 111an tima e: rt.!specuva ciência, no intercâmbio cultural avas- men te pouco mais de metade da de Inglaterra e um quarto da de Castela,
tas d l\tf1 11c1as e no mtercâmbio mundial de biotas. que provocou alterações talvez um décimo da de França e muito menos numerosa até do que a dos
no, ,1111h1entn alectados pelas comuni cações a longa distância, inéditas na Países Baixos (8 ). Havia poucos recursos disponívei s par:i compensar a falta
cpol .1. Consequentemente, o relato do contexto global da ex pansão portu- de território e gente. As salinas de Setú bal eram a ú111c.:i fonna de riq ueza
guc,.1 t.lc v..: res pomkr ú grande pergunta da história mode rna: porquê o Oci- natural. A pobreza e a fo me eram males generalizado~ (9 ).
dente'' Porque é que a região e a c ivilização a que Portugal pertence desem-
penharam um papel inédito neste período e levaram a cabo realizações tão 8
( ) O consenso actual mclma-se para cerca de 15 mi lhões de pessoas para a França r m
desproporc ionadas em relação ao seu potencial aparente? fi nais do século xv Ver Christopher Allmand \ed ), The New Cumlmdge ,\J,,tf,nul llwon .
O me lhor percurso pelo contexto da história imperial de Portugal no vol. 7 (Cambridge, 1998), p. 421. No entanto, compare-se com J.- F. Sinndli e Darnt:I Couty
mundo é de dentro para fora, seguindo o caminho dos construtores impe- (eds.), Dic11onnaire de/' hiscoire de France (2 va is, Paris, 1999), \O I. 2. pp 1218- 12'.\9. onde
um número bem fundamentado de 21 mi lhões para 1582 é es11mado como sendo o dobro ou
riais portugueses: começando em Portugal propriamente dito, com «o pro-
o triplo de cem anos antés. Um milhão e meio é uma est1ma11 va razo:lvel para Portug.il cntrc
blema de Portu gal» - como é que um país tão pequeno gerou um império tão o principio e meados do século XV I (Allmand, New Cambridge Medieval ll1stor v, vol 7,
grande; depois, alargando os hori zontes para a Europa Ocidental marítima; p. 627). Pierre Chaunu, l ' Espagne de Charles Qu1111 (2 vols., Pan s. 1973). vol 1, pp 76-98.
de seguida. avançando para os alísios do Atlântico e passando ao sistema das 125-1 32, calcula quase 7 milhões para Castela no princípio do século XV I J A van Houue,
Economische en soda/e geschiedenis van de La11e Lande (Antuérpia, 1964 ). pp 1.l0 11 1.
indit.:a mais de 2 600 1000 para os Países Baixos 110 111íc10 do século xv1, c:mbor.i di:v.t 1cr--c
<") David Bmningham , Trade and Conflicr 111 Angola. The Mbundu and Their Neigh- f
presente que é geralmente atribuído um número in ferior a 2 milhões de habitantes à Rcpúbl1c,1
ho11rs 1111der rhe lrifluence of rhe Porruguese. /483-1790 (Oxford , 1966); Patrick Manning, Holandesa na época da grande expansão do sécul o xv11. A população da Ingl aterra é un1ver
Slavery and Af n w n Li/e · Occ,dental, Oriental and African SIave Trades (Cambndg~, 1990); salmente reconhecida como tendo crescido rapidamente em fin ais do século xv1. mas o
e John K. Thomton. A(rica and the Africans in rhe Makin11 of the Aclantic World . /400-1680
número para o princípio do século, muito debatido, não é acrual mente colocado ac ima de ~
(Cambridge , t 992). milhões (2,8 milhões em 1547, segundo Penry Williams, The Later Tudors· England, / 547-
(7) Ver David Hentge, N umbers from Nowhere : The Amer,çan lndian Contact Popula- /603 , Oxford, 199 1, p. 1).
11011 Dehace (Norman. OK. 1998), uma crítica à bibliografia sobre a demografia do Novo
(9) Virgínia Rau, Escudos .w bre a História do Sal Português (Lisboa. t 984 ), A li
Mundo. e Joseph ln1kori e S1<111ley Engerman (eds.), The Atlant,c Slave Trade . E/fects on Eco-
Oliveira Marques, Introdução à Hisc6na da Agnculrura em Portugal: A Quescão Cerealífera
110 m 11 So('/ery ar1d Peoples 111 Afnca, the Amen cas and Europe (Durham, NC, 1997), uma
durante a Idade Média (Lisboa. 1978); e A. de Castro, A Evolução Econ6m1ca de Porcuf?al
avali ação recente dos efe11os sobre a África tn picai. nos Séculos XII a xv, vol. II (Lisboa, 1980).

dQd
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A base de rec ursos parecia inclusivamente inadequada para a ambição preender. As grandes empresas maritimas ti ver am frequentemente o seu iní-
marítima q ue a posição de Portugal encorajava. Dos seus rivais potenciais na cio numa base doméstica pobre ou de ex ploração lim itada, com poucas opor
busca de um império ultramarino, só a Holanda tinha menos acesso a tunidades em terra. Os povos marginais, nas ou além das orlas dJ s grande ~
madeira e ferro para a construção naval. E até o pouco de que Portugal dis- civilizações, sentiram-se muitas vezes tentados a embarcar em aventu ras
pu nha parecia vulnerável, com uma fronteira terrestre longa e bizarra, desti- coloniais ou comerciais. O locus classicus, em todos os sent idos do tem10,
tu ída de qualquer barreira fácil de defender e patrulhada por um vizinho é o da Grécia antiga - «innã d 1 pobreza», seg undo Hesíodo, uma terra de
ass ustadoramente poderoso. Neste aspecto, estava muito pior do que a esqueletos, na percepção de Platão, onde os ossos da rocha irrompiam da
Holanda, o nde os exércitos e spanhóis tinham de actuar em dupla desvan- fina carne do solo ( 12 ). Os grandes rivais dos Gregos na colonização de lo nga
tagem - longe de casa e restringidos por uma geografia intratável. A única distância, os Fenícios, partiram de uma estreita faixa costeira. A Arábia do
vantagem que os historiadores por vezes atribuem a Portugal - paz interna, Sul, o Guzerate e Fukien albergaram grt1J1des civilizações de pendor oceâ-
depo is da decisão dinástica de 1385, quando grande parte da Europa nico em bases domésticas' numa situação semelhante. Não se pensa habitual-
Ocidental estava a braços com as guerras civis do século xv - foi equívoca mente no Japão como base de t m grande' imperialismo maritimo, mas o país
nos seus efeitos. As guerras civis são frequentemente prelúdios imperiais ocupa uma posição comparável à de Portugal na extremidade oposta da
porq ue dão origem a e lites agressivas que é necessário empregar e desen- Eurásia. Em aspectos fundamentais, o Japão vi veu uma história comparável
cadeiam corridas a recursos que podem levar os povos muito longe. à portuguesa, pois as condições de navegação nas suas águas tornam a escala
Assi m. co mo ponto de partida para a fundação de um grande império, da construção imperial japonesa impressionante, e isto apenas dentro do qu e
Po rtugal evoca a resposta do pacóvio que, quando um automobilista lhe per- nos acostumámos a consi.derar as suas próprias ilhas ( 13). As duas fases de
gu ntou o cami nho. reto rqui u: «Se eu fosse a si, não começava daqui.» Por imperi alismo maritimo japonês mais abrangente são indicativas : em fi nais
veze s. o imperiali smo é o resul tado de um excesso de rec ursos, de uma do século xv1. foi frustrado pela insuficiência da tecnologia di sponível ; no
, upnah un di'mcia <k poder n u de um excedente populacional. O imperialismo sécul o xx, quando os nav ios a vapor conseguiram romper a apertada malha
po rtu!.!u t"·, pert encl' a uma catego ri a menos privilegiada. A sua o pção marí- dos.ven tos, foi derrotad o por desigualdades insuperáveis.
11111 .i as., cmcl ha-sc il do país terceiro-mundista extraindo desesperadamente Também na Europa Ocidental, até à Idade Médi a tardia, as únicas inic ia-
rccu, , o~ ,10 largo na depe ndência inic ial de capital e co nhecimentos técnicos tivas marítimas de longa distância que conhecemos começaram em lugares
cio n tra nge iro - sobretudo dos empresários e técnicos italianos , especial- relativamente pobres e periféricos: as peregrinações marítimas dos eremitas
mente l!ennveses . que de sempenharam um papel de relevo nos empreen -_ da Irlanda e as act ividades dos assaltantes, pi ratas e colonos da Escan-
d iment;lS marítimos dos sécul os XlV e XV (lº). A busca sustentada de um dinávia. Os impérios marítimos do Mediterrâneo medieval fo ram fundados
impcri o por parte ele p, >r,:ugal fo i uma resposta à pobreza e à insegurança, e a partir de estreitas rivieras, nos casos genovês e catalão, e das ilhas pouco
u 111 c :-.cmplo do q ue se poderi a chamar «psicose de pequeno país» : a neces- prom issoras, salgadas e pantanosas da lagoa de Veneza. O império que, no
sidad e de crescer pela conqui sta. Combinadas, estas circunstâncias ajudam a seu auge, imit0_:1, desafiou e derrotou o portug uês foi aquele que tinha uma
cx pl,c 1r o pri meiro problema da históri a do Império Português - com o pôde localização mais parec ida - o da Ho landa, um lugar igualmente marg inal e
sequei concreti za i-se - e , tigerem uma abordagem para a compreensão da naturalmente desfavo recido. O imperi alismo castelhano, não obstante as
sq'.unda faceta m.ii s estranha da hi stó ri:i: a tenacidade que fez do primeiro suas mui tas caractetís~cas específicas, também pertence , em termos gerais.
im pério maríti mo europeu um dos mais duradouros ( 11 ) . a esta categoria. A França e a Inglaterra - lugares melhor equ ipados ou com
,\ carreira imperial de Portugal tem muito de surpreendente, mas quanto recursos mais generosos e aparentemente bem posicionados - fo ram longa-
maior é o âmbito de comparação em que é observada, mais fác il é de com- mente afectados por insucessos. Na «corrida ao espaço» dos im périos m arí-
timos do pri ncípio da era modern a, aj udou pan ir de tnís.
(111, Clrnrlcs Vei1 1nden. «European Part1c1pation in the Ponuguese Discovery Era», m
G cor!!c \V1111us (ed.). Portugal 1J,,, Pathfi11der (Madison, WJ, 1995), pp. 71-80.
r' 11) Devo esclarecer que me refiro à tenacidade de uma forma puramente descritiva e (12) Works a,u/ Days, 392, trad A. W . Ma1r (O xford, 1908) p 11. r ·,,1,.,,. 111H
não prt.!1<:ndo que scp entendida como um meio de explicação dos êxitos imperiais portugue- (13) F Fem:índcz-Armesto, «T h e lnd1a11 ( k l':tll in \\'nrl c\ 111'1 •> 1\ · ,,.•\ l>1 \ll\", ,.
sc, . 11 ,1 ltllh,1 . por ext.:m plo. do uso que Charles R. Boxer fa z da «enra1zação», especialmente E. Booth (eds.). Va.1eo da Gamo and 1hr l,111k111g ui /:',1r<1/><' 1111d ·\ 11, . , ,, .,,., D~lt . 2{){Xll.
"º '<'li Th,• Port11 1;11 c.,.,. ScahomP F..mpire. /415 -1825 (Londres. 1991). p. 120 pp. 11 -29 (pp. 19-2 l l

li.O/;
1 1 1 1 IIIIIIIILIILIIIIIIIII
Estado atlântico que não possuísse um império. As únicas possíveis excep-
Orla: Portugal na Europa Ocidental Marítima
ções são a Noruega, a Irlanda e a Islândia, mas estes Estados só se tomaram
soberanos no século xx, tendo falhado as grandes épocas de construção
A experiência imperial de Portugal só é completamente inteligível no
imperial oceânica. A Islândia é anómala em quase todos os asp<;ctos. O\
contexto das histórias de expansão de outras comunidades ma..-ítimas peque-
Irlandeses, embora não tendo um império, foram participantes e v1t11na s d o
nas e periféricas. Mais concretamente, faz parte de uma história intrinseca-
britânico. Com uma satisfação certamente deliciosa, os Noruegm·st·s tt·de,
mente europeia ocidental e marítima. É habitual falar-se genericamente - e
cobrem agora a culpa do passado quase imperial dos seus ante passado~
cnganact"oramcntc - de imperialismo marítimo «europeu» no princípio
enquanto participantes nas actividades esclavagistas de Dinamarqueses e
e durante todo o período moderno. Todavia, praticamente os únicos impérios
Suecos ( 16). No decurso da história moderna, todos os Estados europeus com
marítimos curnpt.:u, foram fundados mais localmente, a partir da orla atlân-
litoral atlântico se fizeram ao mar com as proas apontadas ao império. Jsto
tica da Europa < k 1drntal. A primeira vista, parece um lugar incoerente (14).
Estt.:nd1.:-sc do :\re11 co :to Mediterrâneo, num contraste de climas, ecozonas, aplica-se a comunidades relativamente diminutas e periféricas, como Portu-
clict:1s. i~·re i:1, . l, 1iclorn. trad ,çtic~ musicais. memórias históricas e formas de gal e a Holanda, e até à Escócia, durante breves momentos, quando ainda era
.q1:111har hl'1,1.·dl'1 r:1, ,\, linµu.1s tomam-se mutuamente ininteligíveis, sem soberana ( 17 ), bem como a outros países, inc luindo a Espanha, a Alemanha
e a S•Jécia, dotadas de costas atlânticas relativamente pequenas e de grandes
r:1i1l's parttllt.,d.,, 1111, 11!111110, quatro mil anos. Os Noruegueses têm um
pra1n 11.1c11111.d 11a111r.li1 1.1dn - t.: hamado hacalau, baseado num protótipo interiores que puxaram os seus interesses noutras direcções.
c~ pa11hol <•11 1101111).!11(· , . , 11p1 n:n·ita. na sua versão superior. exige azeite. Ao receber um doutoramento honorário, Salvador de Madariaga, então
~bs rnt:1111 11p11c·< ,, Vl'\Jl).! ro, de experiências partilhadas. Ao descer-se a na casa dos oitenta anos de idade, d~screveu-se como um caso de invulgar
, t1,1:1. d,· 111,il<' 1 1.11.1 ·-1d. 111d,, p:1rL'l'L' mudar. cxcepto a presença do mar. precocidade; o mesmo se pode dizer da carreira imperial marítima da orla
e l 111.11 .11r 1' 111111 ·"" 1111\·1 h do lado atlântico da Europa um papel singular
atlântica da Europa. Neste sentido, o que o «milagre europeu» tem de mila-
,. 1,·rT1\ d 11.1 111,11111:1 r1 1ur1tl1al l'r a1ic1rncnte todos os grandes impérios marí- groso é o facto de ter demorado tanto tempo a acontecer. Os europeus oci-
11r11u, 111urul1.11, d., 1t,,1,·>11:1 rnudnna foram fundados a panir desta orla. Há a dentais - e poucos europeus serão mais ocidentais do que os Portu gueses -
.1s~i11:1l:1r. 11,1 rn;íx irno. rri:s possíveis excepções. A Itália possuiu um império gostam de se congratular pela forma como moldaram o passado e o presente
hrcve L' rnodesltl, construído intermitentemente, entre í:IS décadas de ( 8'80 do seu continente. Todavia. sob outro prisma. os ocidentais são escória da
e 19 30. na l .íh ,:1. 110 O u,tecaneso e no Como de África, a que era possível história eurasiática e a saliência que habitam é a fossa por onde ela se tem
chegar através do Medi terrâneo e do canal de Suez. sem intromissões no escoado. Um renascimento ou três, a expansão medie val da cri standade
At lüntico. A Rússia teve uma espécie de império no Pacífico, nas ilhas latina, a Revolução Científica, o Iluminismo, a Revolução Francesa e a
Aleutas. com postos avançados na costa ocidental da América do Norte, até industrializaçãó podem ser justamente representados como movimentos for-
il ve nda elo Alast.:a aos Estados Unidos, em 1867. Por último, é necessário mativos iniciados a ocidente e que se difundiram para oriente. Contudo,
referir as breves redes de postos esclavagistas e ilhas produtoras de açúcar numa perspectiva genuinamente de longo prazo, o Ocidente europeu foi o
fu ndadas a partir de portos bálticos, na Curlândia e em Brandemburgo. no destinatário de grandes transmissões de cultura. A difusão da agricultura e
século xv 11 (15). da mineráção, a chegada das línguas indo-europeias, as colonizações dos
Não se tratou apenas de praticamente todos os impPrios marítimos terem Fenír.:ios, judeus e Gregos, a chegada do cristianismo, as migrações de
sirio fundados por Estados atlânticos; não houve efectivamente nenhum
(16 ) Vale também a pena recordar o importante contributo dos omnipresentes marinhei-
( 14 ) Uma defesa recente da coerência deste conceito é Barry Cunliffe, Facing the ros e capitães noruegueses para a navegação europeia em todo o mundo no século xrx. e a
Ocean: The Atla111w and lts Peuples (Oxford, 2001 ). > forma desproporcionada como estiveram representados Irlandeses e Noruegueses no que foi
( 1~) A. V. Berkis. The History of the Duchy of Courland, 1561 -1765 (Towson, MD, certamente o maior fenómeno colonial da época (embora não seja habitualmente classificado
1969), pp. 75-79, 144-157. 191-195. A Suécia não constitui excepção à regra que liga o impe- como tal): a expansão imperial dos Estados Unidos por toda a América e mais além, principal -
rialismo marítimo europeu a uma posição do lado do Atlântico. Gotemburgo, que se abre para mente à cusra do México, do Canadá e das entidades políticas índias. Ver Ingrid Semmingl:n,
o mar do Norte. que é um braço do oceano Atlântico, faz da Suécia uma potência atlântica e, Norway to Ammca: A J/1story of the Migration (Minneapolis, 1980), pp. 121 -131; t! Amald
du rante grande parte do período em que se concentrou a sua própria expansão colonial via Schncr, lreland and tltt Amu,can Migration (Minneapolis, 1958)
Atlântico, controlou ou dispôs de acesso privilegiado aos portos noruegueses e a Bremen. (17 ) O 11 K Spate, Mon opohsts and Freebooters (Londres, 1983). p. 180.
AO O
Germanos, Eslavos e gentes das estepes, e a recepção da cultura, do gosto, ao Atlântico africano, ao arquipélago da Madeira e à:; Canária~. Purtugal e
da tecnolog ia e da ciência, tudo isto proveniente da Ásia, foram influências Castela eram zonas privilegiadas da orla europeia porque fi cavam na rola do
exercidas de oriente para ocidente. Muitos destes movimentos deixaram Mediterrâneo para o Atlântico ( 19).
refu giados no extremo atlântico da Europa, ocupando costas que, durante a
maior parte da história, foram inóspitas e pouco prometedoras. Aí per-
maneceram, durante centenas ou tal vez, nalguns casos, milhares de anos, A Singularidade da ürla Europeia: Porquê o Ocidente?
sem se entregarem a grandes iniciativas marítimas.
À ·1uz da sua história moderna, os povos da Europa atlântica podem ser A cultura integra uma trindade profana - cultura, caos, confusão - que
considerados povos marítimos. O Atlântico deu-lhes vocações de pesca- invade as nossas versões da história, substituindo as teorias tradicionais da
dores, mareantes e comerciantes regionais. Quando a tecnologia náutica o causação. Tem o poder de explicar tudo e nada: a «ascensão do Ocidente»,
permitiu, o mar proporcionou-lhes vias marítimas de migração e construção o «milagre europeu» e a eJevação das sociedades ocidentais à supremacia na
de impérios. Mas o paradoxo inexplicado da história da Europa Ocidental é história moderna do mundo. Graças à deslocação das tradicionais concen-
o apelo do mar não ter s ido ouvido durante tanto tempo. Quando chegaram trações de poder e fontes de iniciativa durante os últimos dois séculos, os
ao mar, quase todos estes povos ficaram presos a ele, como que manietados centros anteriores, corno a China, a Índia e o mundo islâmico, tomaram-se
pe los ventos de oeste prevalecentes que sopram sobre todas as suas costas. periféricos, e as anteriores periferias, na Europa Ocidental e no Novo Mundo.
/\ navegação costeira manteve as comunidades em contacto, os eremitas tornaram-se centrais. O capitalismo, o imperialismo, a ciência moderna,
pelág icos contri buíram para a mística do mar e alguns lugares desenvol- a industrialização, o individualismo e a democracia - todas as grandes ini-
ve ram pescarias de alto mar em datas não registadas. Contudo, excepto na ciativas que moldaram o mundo na hi stória recente - são cons iderados, em
Escand inávia. as conquistas da civilização na Europa Ocidental pouco ou vários aspectos, invenções específicas de sociedades fundadas na ou a partir
nada deveram ao hori zo nte marítimo · até ao período que designamos por da Europa. Isto acontece, em parte, porque as contra-iniciativas oriundas de
Id ade Méd ia tardia. outros locais ainda não receberam a devida atenção. Mas também é parcial-
A Europa Ocidental ocupava a periferia dos mapas- múndi da época. Os mente verdade. Por isso, é tentador atribuir a expansão da Europa Ocidental.
eruditos da Pérsi: ou da China, confiantes na superioridade das suas tradi- com todas as suas consequências, a algo de especial na sua cul tu ra (2º).
ções civilizacionais. consideravam que a cristandade não merecia menção A maioria das características culturais comummente apo ntadas é in útil
nos seus e<;tudos do 'mundo. As tentativas de expansão da cristandade latina, - porque não eram exclusivas da Europa ou porque não estavam especial-
par.i leste e para sul - por terra, par;i a Europa Oriental , e pelo Medi terrâneo, mente concentradas nas reg iões marítimas da Europa Ocidental onde frn pro
pai a .i Ásia c para a 1Ürica - fizeram alguns progressos mas foram geral- jectada a penetração no Atlânt ico, e porque são falsas ou porque não ex isti-
me nt<.: repelidas ou obrigadas à retirada por epidemias e grandes vagas de ram na al tura certa. A cultura po lítica de um sistema de Estados compet itivo
fri o ( I S). Mesmo quando se iniciou a história da exploração do Atlântico, em era partilhada com o Sudeste Asiático. Seja como fo r. o papel d o Estado no
fin :1 1~ do século x1 11. nenhum dos povos do li wral atlântico da Europa início da construção imperial moderna foi ge ralmcntt: pequeno nas primeiras
assumiu L" m papel p_redom inante. A descoberta europeia do Atlântico foi um
(19) F. Fcmández-Armcs10. «Spantsh A1l:11111c \ 'oy,,gc, .ir,d Conqtt<''" i><.'lor<.' Cnlu111
em preendimento do Interior do Mediterrâneo, principalmente de navega-
bus». 111 John B. Hallendorf (cd.). Mon1111"' l/ 1sr111,. ,·oi I Tlt,· ·\ ~,· nf/)1çi111·('1\ <1'.Ltl abar.
dores genoveses e maiorquinos que abriram caminho à força pelo seu mar, FL, 1996) .. º· 138. Sobre a no,·ão - hem ,k,c11, 11h 11!:1 n., hl\tn11p1•r.tl ,., por111~11n.1 1· I'"'
cont ra a corrente, e atravessaram o estreito de Gibraltar. Alguns rumaram a tugal como zona fronte1nça entre o l\kd11cna11,·" <' ,, ,\11,11111, .,, ,n. por <·xc111plu.1J l<1l><·11u
explorar o comércio familiar do Norte, outros viraram para sul, para águas Portugal: O Medirerrâ11/'o e o A1lu11111 ,, !l."1•11.1. l<IX1q
quL' - tanto quanto sabemos - não eram navegadas há séculos, em direcção (20) A bibliografia..: dcmas,acln V,I\IJ p.11., '<'t <1tad., dr '"""·' n.,11,tl\ .,. 11u., ,·1111<· J,
obras sobre a singularidack do 0cidrntr. J , q11<· ,,. 1k-t.1t.1r.1111 "'" 11l111111» ar1<>s lnra111 Ent
L. Joncs. TIi!' E11ropea11 M1rnrf,, (Lo111t1 e,. l "1> \ ,· l l.11 1,! t .,ndn Th,• \\ Í'/1/rh //111/ /'01 ,·11 1
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5()1
1 11111111111111111111 1111
fases. Como religião conducente ao comücio, o cristianismo era igualado ou a si próprios nomes tirados dos livros de histórias e <leram-se ares cava-
suplantado pelo jainismo, por algumas tradições budistas, pelo islão e pelo lheirescos. Colombo, cuja trajectória de vida se assemelha espantosamente
judaísmo, entre outras. Vício ou virtude, o zelo missionário era generalizado ao enredo de um romance de cavalaria passado no mar, acreditava provavel-
e - embora a maioria das nossas histórias ignore o facto - tanto o islão como mente nesse tipo de modelo (25 ). Não obstante a exasperante discrição que
o budismo tiveram uma extraord nária expansão para novos territó- toma Vasco da Gama tão inabordável, podemos ter a certeza de que ele levou
rios e entre novas congregações ao mesmo tempo que o cristianismo, nos a s~rio as suas obrigações como cavaleiro, sucessivamente, das ordens de
períodos que associamos à Idade Média tardia e ao princípio da era Santiago e de Cristo. John Cabot deixou ainda menos fo ntes do que as de
modcrna (:: 1). A tradição de curiosidade científica e método empírico era Vasco da Gama a partir das quais possamos reconstruir o seu mundo mental,
pe lo menos tão fo rte no Islão e na China como no Ocidente. embora seja ver- mas a Bristol de onde ele partiu para a sua viagem conhecia os romances
dade que uma cultura científica distinta se veio a tomar discernível na ingleses de cawilaria marítima então em voga, incluindo a Gesta Arthuri,
E11ropa e em partes das Américas colonizadas a partir da Europa (22). que atribuía ao mítico rei as conquistas da Gronelândia e do Pólo Norte,
O 1111pc1ialisrno e a agressão não foram vícios do branco: os impérios euro- entre outras. O próprio Henrique VII, monarca reflectido e com reputação de
peus cio mundo moderno e os seus continuadores nas áreas colonizadas homem de negócios, não foi indiferente a este romance e chamou ao seu
a partir da Europa foram construídos num mundo em expansão, pleno de herdeiro Artur, inspirando-se no Carlos Magno ou Alexandre da Britânia. rei
cmulo, crn1<.:oncntl·,. de ontem e de amanhã, que regressaria para fazer valer as suas preten-
o c11t,111to. na al tura cm questão, havia efectivamente na Europa Ociden- sões (26). Este toque messiânico liga a tradição da cavalaria aos generaliza-
tal uma ud tura sing ular de ex ploração e aventura. Na cristandade ocidental dos sentimentos mile.iaristas existentes nas cortes que comissionaram
tardo-mcd1 c\',il . n, t·.xploradures eram ensinados a idealizar a aventura. Mui- Colombo e Vasco da Gama. Fernando, o Católico, deixava-se representar
tos pa11ilh.l\ ,11 11 1n1 procuravam corpori zar o grande ethos aristocráti"co de segundo uma forte tradição - existente há gerações na corte aragonesa - que
1111a1~ d., ld.Hlt- \ kd1a . t> ,,ccidi go» da cavalaria que, na Europa Ocidental (23), apresentava o monarca como o «último imperador do mundo», profetizado
ll'!!1:1 tud1," que 1·1.1 rc: 11 0 pc:la, elites - ou pelos que aspiravam a integrá-las. desde o século XII. As fantasias milenaristas poderão ter integrado a herança
<h ,l·,1, 11.1\ 11,, l'l,1111 111011tadas fes ti vamente ajaezadas que cavalgavam as da Reconquista em Portugal. O primeiro rei da Di nastia de Avis era conhe-
onda, l 01111 1 !!,nctt·, < h \l'll~ modelos eram os príncipes descomprometidos cido como «Messias de Portugal» ( 27 ). A tradição milenarista. mantida viva
q11e c 01H1111,ta\'a111 reinm através de audaciosas proezas nos populares nas tradições espirituais franciscanas populares junto do:, tranci:,canu\
rn111amc, d., c.1\ :tl.111:.i -- m romances de cordel da época-, frequentemente observantes, ressurgiu na corte durante o reinado de D. Manuel 1(28). Parte
lm:aliLad(}\ 11u111 cen:írio marítimo: figuras como o Bruto medieval que, per-
dida T101.1. lu11d:1ra um remo em Albion; o príncipe Amadis de Gaula, que
combatera gigantes e conquistara uma ilha encantada; ou ainda o príncipe ( 25 ) F. Femández-Armes1u, «The Contex1s of Columbus: Myth, Reality and Self Per
Turi.111. q11c cncontrara a sua fortuna a bordo de um navio e o seu amor do cept ion», in A. Disney {ed.), Colwnbus a11d the Co11seq11e11ce.1· o/ 1492 (Melboume. I 994) ,
011tro lado do oceano(!~). pp. 7-19(p. 10).
( 26 ) F. Femández-Anneslo, «Jnglalerra y d Allán11co en .I J baJJ cdad media",
o~ «cscudciros» que rodeavam o Infante D. Henrique e que capitanea- 111

A . Béthencourt Massieu et ai. (eds.), Cananas a través de la hisro11a (La~ Palmas. t 995),
ram :1s ,ua, aventuras marítimas incluíam bandidos e piratas, mas atribuíram pp. 11-28.
{27 ) L. de Sousa Rebelo, «Mil lénarismc ct h1storiographil' dans lcs chroniques de Fernão
( ! 1l F.:rnandez-Armes10, Millenium, pp. 283-308. Lopes,,, Arq111vo.1 do Certtro Cultural Port11,.:11ê.1· 26 ( 1989). pp. 97- 120: M . GarceL Ventura,
( !~ J A W Crosby. The Measure o/ Realiry. Quamificat,011 arui Westem So,,ety. 1250-1600 O Messias de lishoa: Um Estudo de MuolOf.iW Política ( /383-1415) {Lisboa. 1992).
(Cambmlge, l 997); F. Fcmández-Armesto, Trwh: A History {Londres. t 997). pp. 120- t 60. {~ 8 ) A. M1lhou, Coló11 \' .m menraltdad me.námca en el ambiente fra nctscanisra espa,io.'

( 2-') Maurice H. Keen. Chivalry (New Haven, CT, 1984), pp. t -43. (Yatladolid, 1983). J. Aubm chamou alenção para a linguagem relig iosa cxallada da cone de
( 2' 1 ) F Femánde1.-Armesto, «The Sea and Chivalry in Lale Medieval Spain», 111 J. B. Dom Manue l 111 « Duarte Galvão», Arquivos do Centro Cultural Porr11g11ês 9 ( 1975). pp 41
Hattendorf (ed.). Mar111me History. vol. / : The Age of D1sco1•ery (Malabar. FL. 1996), 85, reimpresso 111 Le IA1111 et /' as1rolabe Raht•l('/,es sur lt• f',,, li/fiai de la Row,nuru ,· , ,,
pp. 137- 1-18: Fem ández-Armesto, «Ex plorauon and D iscovery», 111 Atlmand, New Cambridge expans1011 e11 As,e et ln relatJOnt 1111u11at1Cm11/n ( Lisboa e l',ins. t 996). pp. t 1--18 ( ver esp<'·
Medtel'(II Hwory, vo l 7, pp. 175-20 1: J. Goodman, C/uvalrv a11d úploranon, /298-1630 c1almente pp. 30-35). S . Subrahmany nm, f'/11• Cureer and Lt-~,·nd o( Vasco da Gama (Cam-
( \\nodhndgc, 1998) bridge. t 997). pp. 54-57. eh.una ,, 1s10 «111ess1.11m mo»

502 ~01
) .

A EXPANSÃO MARíTIMA PORTUGUESA, 1400-1800


-\1; ...~' f
. '' ' '
A EXPANSÃO PORTUGUESA NUM CONTEXTO GLOBAL

( da inspiração de Afonso de Albuquerque para tentar a conquista de Meca foi } compar~ção, a cultura, as ideias, o génio ou o carisma individuais, as forças
, esperança de libertar Jerusalém e precipitar o fim do mundo (29). econón:iic~s e todos os outros motores da história tinham pouco significado.
1 Embora seja maldoso acusar outras culturas de hostilidade ou indife- Na maiona das nossas explicações do que aconteceu na história existe ar
rença em relação ao comércio e à navegação, o culto da cavalaria marítima quente a mais e vento a menos.
teve realmente o efeito de enobrecer, na Europa, actividades que noutros O Atlântico é dominado pelos alísios, ventos prevalecentes de padrão
lugares afectavam negativamente o estatuto social ou dificultavam a mobi- regular que sopram sempre na mesma direcção independentemente da
lidade social. A complacência dos que não iam para o mar induzia o des- estação do ano. Rodeando o canto noroeste de África, durante todo o ano,
prezo pela vida marítima por parte das elites que não liam romances de os alísios encaracolam-se pelo oceano, até poucos graus acima do equador;
ficção marítima. O esforço naval chinês do princípio do século xv foi no Verão, estes ventos chegam ainda mais a norte e podem ser sentidos
minado pela oposição dos mandarins, que reflectia as prioridades de uma _c.'!,~ bas~te constância na cost~ sudoeste ~~ Península Ibérica~
classe «terrestre» (30). Na Malaca do século xv, os comerciantes muçul- ( al1S1os de nordeste, as comumdades maritimas da foz dos rios Tejo e
manos ostentavam títulos de nobreza e os mercadores hindus usavam o título · Guadalquivir, em comparação com outras partes da Europa marítima, tinham
menor de «Nina», derivado do sânscrito; contudo, as posições mais elevadas \ acesso privilegiado a grande parte do mundo. O alcance prodigioso dos
estavam-lhes vedadas (3 1). Os governantes da região tinham as mãos perma- impérios espanhol e português na idade da vela deveu-se parcialmente a esta
1
nentemente sujas do comércio, mas nenhum ousou auto-intitular-se, como o ·afortunada circunstância. Exceptuando certas comunidades magrebinas, sur-
monarca português, «Senhor do Comércio e da Navegação». Contudo, seria preendentemente indiferentes às iniciativas marítimas neste período (33),
um erro supor que a Ásia marítima foi estorvada pelo preconceito ou que os nenhum outro povo atlântico beneficiava de uma posição perto do caminho
seus potenciais comércios de longa distância e impérios foram estropiados e dos alísios de nordeste, nem dispunha da tecnologia e das tradições maríti-
limitados por deficiências culturais. Pelo contrário, muitos Estados asiáticos mas que os europeus ocidentais podiam explorar. Os povos mercantis da
. eram governados por sultões e samorins dotados de tacto empresarial; a ade- região circum-caribenha não desenvolveram meios de navegação marítima
\ quação das sociedades tradicionais da região para serem pátrias de impérios de longo curso; a vocação comercial das cidades e dos reinos da África
\ e rampas de lançamento do capitalismo é demonstrada pelas férteis histórias Ocidental estava orientada para o tráfico fluvial e para a cabotagem (34). No
\ mercantis e imperiais de muitas delas (3 2). / hemisfério sul, o mesmo padrão reflecte-se aproximadamente nos ventos que
ligam as latitudes do Sul de África ao Br_:1s~ o~o os alísios de ~ardeste,
estes ventos tomam-se mais orientados para leste, virando ao aproximarem-
O Atlântico: Portugal no Sistema dos Alísios -se do equador. Entre os dois sistemas, no equador ou imediatamente a norte,
situam-se as latitudes quase destituídas de vento chamadas calmarias equa-
Contudo, na altura em questão, a orla europeia distinguia-se menos pela toriais. Além das latitudes dos alísios, em ambos os hemisférios sopram os
sua cultura do que pela sua situação geográfica e pelos problemas e opor- ventos de oeste, que são notavelmente fortes e constantes no hemisfé~o sul.
tunidades do seu lado atlântico. Para dominar um oceano, é necessário O sistema dos ventos assemelha-se a um código de cifras interligad~s~
conhecer os segredos dos seus ventos e correntes. Durante toda a idade da } Desvendada uma parte, através de um período concentrado de exploraç!o
vela - isto é, durante quase toda a história-, a geografia deteve o poder abso- tenaz, na década de 1490, não tardou a ser descobert~ 0 _reSto da soluçao. \
luto de determinar os limites do que o homem poderia fazer no mar/ Em O esforço preliminar foi longo e exigente porque os pnme~os exploradores, \
do oceano dominadas por ventos
• com a sua visão limitada a pequenas zonas . • .
. interruptos eram como decifradores de códigos aos quais /
( 29) António Baião (ed.), Comentários do Grande Afonso de Albuquerque (2 vols. ,
1
aparentemente lil • . ual trabalharem. Só a longa
Coimbra, 1922-1925), Livro IV, cap. 7. \ fora negada uma amostra suficiente com a q
(3º) Edward L. Dreyer, Early Ming China (Stanford, CA, 1982), p. 120.
(3 1) L. F. F. R. Thomaz, «The Economic Policy of the Sultanate of Malacca (xvth-xvlth en age (Paris, 1997). PP· 3l- 32 ,
centuries), Moyen-orient et Océan lndien 7, pp. 1-12, especialmente p. 8. (33) C. Picard, L' océan ar/antique musulman au moy .
(3 2) K. R. Hall, Mandarin Trade and State Development in Early South-east Asia 393-458. rió Colón (Valladolid, 1979); Szászdy-Nagy,
(Honolulu, 1985); S. Subrahmanyam, The Portuguese Empire in Asia, 1500-1700: A Política/ (34) A. Szászdy-Nagy, Un mundo que ~es;~ Puerto Rico (Valladolid, 1995).
and Economic History (Londres, 1993), pp. 9-20. Los guías de Guanahani Y la /legada de Pmz n

505
acurnu laç:-,o de infom1ação e ex periência possibilitou um avanço decisivo. E O gr-::1de sucesso no Atlântico pode ser associado com preci são .1 n c,
mesmo tkpu1s. 101 necessária uma inspiração súbita e quase visionária para viagens (deixando de lado supostas viagens anteriores para as quais as pro-
penetrar no sistema e iniciar a fase rápida da decifração. Durante as viagens vas são inexistentes ou inadequadas). A travessia do Atlântico por Colombo
de regresso, contra o vento, os navegadores, carecendo de todo e qualquer em 1493, estabeleceu rotas viáveis e exploráveis no Atlântico Central. no~
meio para se manterem a par da latitude, fizeram desvios cada vez maiores dois sentidos - rotas que praticamente não seriam melhoradas até ao fim da
cm busca de ventos de oeste que os conduzissem a casa. Esta arriscada ini- idade da vela (relego a primeira travessia de Colombo, em 1492, para uma
ciati va foi recompensada com a descoberta dos Açores - um arquipélago no posição de importância secundária porque a rota descoberta na ida era insa-
meio do oceano. a mais de 700 milhas de qualquer tena. Na década de 1380, tisfatória e nunca mais foi tentada). A viagem de John Cabot, de Bristol à
sã0 já apenas du as as ilhas do arquipélago que não constam das cartas marí- Terra Nova, em 1496, criou uma rota de aproximação à América do Norte
timas. É uma fase subvalorizada na bibliografia ex istente mas de enonne sig- ut ilizando os ventos de leste disponíveis durante o breve período de vento5
11111cado: passaram a !ler realizadas vi 1gens marítimas a distâncias inéditas variáveis da Primavera. Esta rota teve pouco valor a curto prazo mas VIria a
na cx periência europeia, e a partir da década de 1430, quando os Portugueses revelar-se a entrada para um terreno imperial extremamente influente e para
estabeleceram bases nos Açores, semeadas com trigo ou providas de ovelhas a mais explorável das «novas Europas» criadas por todo o mundo pe los
\ e l\ .1gcns, estas \ 1age11s !Ornaram-se quase rotin-:iras ( 35 ) .. movi mentos colonizadores do princípio da era moderna. Em 1497, a pri-
Durante o século xv foram efectuadas várias tentati vas para explor~ o meira viagem de Vasco da Gama à Índia descobriu uma rota ali a, c~ da w n.i
espaço atlânuco. mas a maioria condenou-se ao fracasso ao partir da cintura de acção dos alísios do Atlântico Sudeste, ao encontro dos ventos de oeste
dos ventos de oeste, provavelmente porque os exploradores queriam garantir do distante Sul. No fim da década, Pedro Álvares Cabral seguiu a rota do
urna rota de regresso. Ainda é possível seguir, em mapas raros e documen- Gama em sentido contrário e chegou ao meridiano da corrente do Brasil. que
tos extraviados, o registo vagaroso dos minúsculos ganhos. Em 1427, uma diminuiu o perigo da navegação junto a uma costa batida pelo vento e pos-
viagem realizada por um piloto português chamado Diogo de Silves que sibilitou um império costeiro português na América do Su l. Na subsequente
ten a sido e5quecida fo i registada num mapa ( 36 ). Silves estabeleceu, pela história do mundo, muito pouco pode ser devidamente compreendido fora
prime1rn vez. a relação aproximada entre as várias ilhas dos Açores. Pouco deste contexto do poder de projecção marítima da Europa Ocidental. es pec1
depois de meados do século, foram alcançadas as ilhas mais ocidentais do fico de uma única década de realizações.
arquipélago. !Jurante as três décadas seguintes, a coroa portuguesa comis- O efeito combinado destas três viagens foi a decifração do código do sis-
\ l0nou com 1'1 cquênc1a viagens de exploração do Atlântico cada vez mais tema de ventos do Atlântico. Em vez de constituir um obstáculo à expansão
long111quas. mas não sc sabe de nenhuma que tenha conseguido progressos dos povos europeus situados no litoral , o oceano converteu-se em meio de
.1d1c 1011a1 \ - 1,dvcL por 1c::rt:rn partido dos Açores, onde os ventos de oeste as acesso a impérios e comércios previamente inimagináveis. O Ocidente euro-
L' mpurrar:1111 de I egresso à base. Só um observador dotado de poderes invul- peu foi empurrado para fora dos seus limites históricos. O contribu to por
gares poJen.1 ter detec tado nestas tentati vas os antecedentes do sucesso da tuguês foi o aproveitamento dos alísios de sudeste, que proporcionaram vias
décaJa de 1·NO . De certo modo, foi como chocar contra uma barreira: não para a América do Sul e para a Ásia, enquanto os ventos de oeste do distantl'
h.t \ 1a 11en::-.:s1tl,1Je de qualquer inova;ão em particular porque o saber e a Sul constituíram realmente uma cintura em redor da Terra, comprimindo e
t·xpen êm:1a pratica do\ marin heiros europeus se fora m simplesmente acu- moldando algumas das rotas comerciais mais lucrativas do mundo até ao fim
111ula11do ptn ILll .i pouco. até que os protagonistas do sucesso no Atlântico da idade da vela. O Atlântico, que fora uma barreira durante toda a história
deram co11:s1go Jo ouu o laJo de um fosso crítico. O sucesso no Atlântico foi registada, tomou-se um elo de ligação .
.111teLcd1do de um lungo período de discreta mudança, durante o qual os
navegadores paulatinamente se foram aventurando cada vez mais longe.
O Oceano Índico: Portugal no Sistema das Monções
("> F l'crnámla- Anncs10. ,,Atlaniic Explorauon before Columbus», 111 Wrmus, Portu-
~,,/ ,1,.- Pe11ltJ111cl,•1, pp
-11 -70. Em 1617, os estudantes de retórica do colégio jesuíta de Goa realizaram
10
, 1 A Concsào ll1s1órw da Cartografia Portu!(uesa (2 vols.. Coimbra. 1969-1970). um espectáculo notável, intitul ado «Tragicomédia da Descoberta e Con-
vo l 2. pp l 'i0-1~2 quista do Oriente». Um dos pontos altos do drama era o aparecimento de um
506
direit o a protagonismo. entrando em diálogo em tupi , uma língua índia do mos imaginar com o terá s ido, ano após ano , se ntirem alternadamente o vrnto
B,a,, 11. co m o acto r que faz ia de rei (3 7 ). Excluindo talvez o célebre quadro no rosto ou nas costas, e com preenderem gradua lmente que um a v iagem de
dos Keis M agos atribuído a Grão Vasco , no qual um índio brasi leiro se j unta ida com vento de feição não o s privava dos meios d e regressar a casa.
aos monar:::as do Oriente. não existe característica mai s notória da virtude A previsibi lid ade de um vento soprando na di recção do po nto de partida fez
s ingul::i r do Im pério Português no seu apogeu. L igava o Oc iden te ao O riente , do oceano Índico o m ais ben igno do m undo para as v iagen s de longo c urso.
o A tl ânti co ao oceano Índico (o mais novo oceano d e inte rcâmbi os a longa É claro que os marinh eiros q ue conheceram este ambie n te nem sempre
d1 s t{111c 1a ao mais ant igo). e o s istema dos 'alísios aos mares das monções. expressaram reconhecimento pela sorte que tinham . Todos os navegantes
Es te a specto du al - dependente das monções e dos ventos de fluxo regular - estão alerta para os p erigos e d ifi c uldades dos seus mares, e as lite raturas
foi uma carac terís tica do s is tema po rtuguês. O Império Espanhol dependia autóctones sobre o oceano estão c heia d e hi stó rias assu s tadoras calculadas
de ve ntos de !l u xo regu lar: c resceu em tomo do s istema de ventos do para inibir a concorrên cia ou inspirar tem o r a Deus. Para os con tadores de
Atlün tico e do Pacífico. integrando uma ligação terres tre através da América histórias, os m~es são ambientes morais irresistíveis, onde as tem pestades
C en tr,11. A n:,vegaç~.o· espanho la raramente teve de se aventurar nos mares são fl echas das alj avas de di v indades metediças; a maioria das c ulturas con-
da s munçõc,-. O s e ixos principais do Império Holandês também foram sis- sidera os ventos ai:iómalos como fenómenos manipulad o s por Deus o u pelos
te ma ,- de ventos de fluxo regular. A partir da segunda década do século xv11, deuses. O,;· navegantes acostumados ao oceano Índ ico na idade da vela par -
a rota holandesa preferida através do oceano Índico fo i com o s «roaring for- tilhavam, juntam ente com estas tradições, uma percepção inten sa dos se u s
lf<'S» e os al ís ios de sudeste, embora o s Holandeses também utilizassem as obstáculos (38) . Havia verdade poética nos ve lhos mapas q ue m ostravam o
monçôes para as viagen s de regresso e em deslocações intra-asiáticas. oceano Índico totalmente cercado de terra (19 ) , pois era difícil sair del e. A s
O siste m a das monções func iona como uma escada rolante reversível. orientações de navegação desaparecidas. mas frcqucntemen te c itadas ,
Nn Inverno, acima cio equador, prevalecem os ven tos de nordeste. Durante a conhec idas por Rah nama. que datam pe lo menos do séc ulo :-:11. al c rt,w am
mai o r pa11e cio resto do ano, os ventos sopram de s ul e oeste. No Verão , em para o «mar circ undant e. de onde tod(l o rL'l,!rCS!-.0 er,1 11llposs íve l" l' 1u n10 ci o
tc rra. o ar qu c nte sobe , e cio mar chegam con entes d e ar frio qu e equi-libram qual Alexandre teria c olocado « u m:1 illl,1).!t· fll lllag1ç;1. c o m ,1 111,1 0 l' f!.!11 1d .1,·fll
a pre!-.são. As correntes aé reas fluem carregadas de chuva, que cai sobre a sinal de aviso: ' Esta é a nec p/11.1 11/rru ,b ll,l\'l'/!"\--'u . edu q ue n1 ~1e nn te
te rra. arrefecendo-a e gerando energia, que aquece ai nda mai s o ar. O vento m ar nenhum homem tem conhc<.: iment,1» (J 11 ) . l:r.i d1t1 ci l sai r dn nt l':1nn
e mp11rra a zona de con vecção ascendente cada vez m a is para o interior do Índico. m as era igualmente d ifíc il l' J1lr.1r < > :1ce , " 1 dl' k,te mal na Pº " l''L'I
co11 1111ente, asp irando m a is ar do oceano. Ca!endarizando as ~uas viagens no Verão, qt:ando os tufõe~ se abatem soh1l' ,ts l ll., t.,, :\te ao sl'cu lü \ \ 1, :i
para :1prove itarem a m onção, os navegadores podiam zarpar confiantes em vasta exte!'l são deserta do Pac íficu p1c: ,c1\1>u u l11d1u 1 l Ulltra ap1ox1m.1i;õt.:s
hom \'entos na ida e no regresso. provenient"es d o outro lado d os 111;.irr , ti :, C h 111:1. t\,11·t·ganclo d c: oc;:s te. o ~
!):'. nora-se m uitas vezes o facto de a h istória d a exploração marítima ter na v ios só conseguiam entrar no Íml 1co faLendo u 111 árdu o de;:sv1u pelo
~,cio l' s magadoramente feita por viajantes que navegavam contra o vento, At lântico Sul, rodeando a Áfri ca. enquant o as p1ovl\ot' ' e a úgu a potavd se;:
pro vave lmente porque era pe lo menos tão importante regressar a casa do que deteri oravam e estragavam. Os acc~~o~ de su l. que c ra obri gatóri o au ave ssar,
a nov o s lugares. As excepções espectaculares. como a travess ia do Atlântico eram protegidos, no Verão, por violenta!-. tempo tadL· , Nenhu m con he L·e dor
po r Colombo o u as prime iras n avegações transpacífi cas espanholas. foram da reputação de stas águas se aventuraria entrl' 1U" e 10" su l ou 60" e 90' l'Ste,
con~ideradas proezas extraordinárias precisamente porque os seus protago- sem um motivo urgente, na estação do~ fura<.:ôcs . Mesmo co m o me lhor
ni stas ti veram a ousadia de navegar com o vento a fa vor. As condições do tempo, as costas batidas pelo vento da ponta de África eram áv idas de

( l7 ) J. Sard 111.i Mimoso, Relac,ón de la Real Trag,comedia com que los Padres de la
( omp111iw de .lc.111.1 en .rn Culegw de Sa11 A111ón de lishoa recihiero11 a la Mag estad Católica (38) Ver K. Chaudhuri , Trade and Civil,sation in the lndia11 Ocean (Cambridge, 1985 ).
d,· F,,l,ec li de f'ort11gal v d e s11 emrada e11 este Rei110 (Lisboa, 1620). Um es1udo importanle p. 15.
que c,rlica o conrcxro ela rransmissão ele conhecimentos de rupi na Ordem Jesuíta é M. C. D. ( 39)Ver, por exemplo, Kenneth Nebenzahl, Atlas o/ Co/11mhus anel the Great /J1.1co-
l\ 1 Barro,. «Thc Officc of /,111g11a : A Portrai1 of rhe Religious Tupi lnterpreler in Brazil in the veries (Ch icago. 1970), pp. 4-5.
Six1ccn1h Ccn1ury.. , /t1111•1m10 25 (2001 ). n.0 2, pp. 110-140. (40) Hadi Hasan, A History o/ Persia11 Navigat,on (Londres. Methuen. 1928), pp. 129- 130.

508 509
L 1111111
naufrágios. De a l-Masudi, no século x, até Duarte Barbosa, no século XVI, os os Russos avançam através de uma famast1ca paisag.ca1 de momanhas e rios.
autores de guias sobre o oceano observaram que o limite prático para a nave- com os Santos Boris e Gleb protegendo a retag uard a: dei xam para trás um a
gação se situava a norte das costas pejadas de ossos do Natal e do Transkei, cidade de infiéis envolta num anel de chamas , e dirigem-se para um san -
onde sob rev iventes de navios portugueses escreveram a História Trágico- tuário da Virgem. O exército terreno é flanqueado por hostes cdest ta i~. por
Marítima (4 '). um a cavalaria fanta smagórica e pelos fund adores-i111peradort;~ Ja 1rnd1ção
Assim, o oceano Índico permaneceu principalmente uma coutada dos ortodoxa russa, Vladimir e Constantino. <<Os má.rtin.:s nasceram 11a terra ».
povos c ujos te rri tó rios o bordejavam ou que se deslocavam por via terrestre lê-se no comentário, «mas conseguiram aceder à di!-!nidadt: do~ ,u110~,, l 12).
- como alguns come rc iantes europeus e annénios - para integrarem o seu Esta arte foi in spirada por dois avanços reais do irn peria li sm·o russo.
mundo. O sucesso que conduziu os navegadores do Atlântico directamente Primeiro, a conquista de Khazan deu aos czares o domínio da totalidade do
a esta zona foi genui name nte um dos grandes momentos formativos da rio Volga - o corredor do comércio na extremidade ocidental da Ásia - e
h istó ria mundia l. i:;ois apesar de o impacto sobre o comé rcio e os Estados da eliminou o ~ande rival da Rússia no controlo do comé rcio de peles da
Ásia 1er sido pequeno, o efeito no mundo atlântico fo i incomen suravelmente Sibéria. As pe lt::s motivaram os Russos para a conq ui sta e a colonização
e nriqueced,)r: uma ai-ena comerc ial que :;6 no início do século xv1 começou como o ouro atraiu os Es panhóis e as e speciarias cativaram os Portugueses.
a sofrer os e fei tos do comérc io tran soceânico foi posta em contacto com a A meta seguinte dos czares foi a conquista da própria S ibéria, garantindo
zona de comé rcio de longa distânc ia ma is rica, ma is antiga e ma is extensa do tam bém o controlo da produção. Em 1555 Ivan IV passou a intitu lar-se
mu ndo. Durante cem a nos , este papel de e lo entre os oceanos foi cumprido «Senhor da S ibéria,>. Três anos mais tarde, fechou negócio com uma grande
qu ase exclusiva men te pe los Port ugue :es. dinastia de negociantes de peles, os Stroganoffs, q ue se mostraram dis postos
a pagar para que a s userania titular da Sibéria se tomasse efectiva. A lingua-
gem do relato de um c ronista reflecte a mentalidade típica dos conquistado-
A Viragem para Terra: Portugal e os Prim eiros res europeus nos novos mundos: a asserção de que os pagãos não têm dire i-
tos; de q ue as s uas terras estão «vazias»; de que são su b-humanos , bestia is
1111 pé rios Terrestres Modern os
ou monstruosos; de que a colonização pode ser promovida a través de bene-
fícios fiscais, e de que a obra dos conq uistadores é sagrada (43) .
Embora o império de Port ugal se tenha inic iado como um empreendi -
A partir da década de 1570, foi proclamada a «protecção» dos exércitos
me nto litoral com praças- fortes , feitori as e colonatos costeiros, d iáspora
russos «contra os combatentes da Sibéria» para os povos que se subme-
me rcant il e «imperiali smo-sombra», e apesar de permanecer, durante toda a
tessem e pagassem tributo em peles ( 44). De forma caractenstica das o pera-
sua história, uma estrutura marítima de comunicações à distância mantida
ções militares europeias em fronteiras remotas, os Russos atribuíram o seu
pelo mar. també m se tomou um império terrestre. No século xv m, a expan-
êxito à tecnologia: armas de fogo mon tadas em barcaças flu viais, a panir das
são terrestre atingiu vastas proporções no Brasil e fo i levada a cabo, numa
quais os conquistadore~ trocavam balas contra flechas com o, defensores
esc:a la menos ambic iosa, no Interior de Goa. O imperialismo terrestre do
postados nas margens. Diz-se que o cã siberiano terá ficado constei nado ao
princípio da e ra moderna foi ple no de problemas e o po rtunidades reconhe-
ouvir que «quando eles disparam os arcos, vê-se um c larão de fogo l· sai 11m
cíveis ao L's tudioso dos impérios mantirnos: a gíria da guerra santa, a con-
grande fumo, e ouve-se um barulho co mo um trovão no céu ... e é impossíve l
l"ia11<;:1 na ll'cnologia da vitó ria e os enigmas de incomensuráveis c ulturas
e :unhirnl L'' L'sl1;1nlrn,. Os dois maiores exemplos do período - os imperia- escudanno-nos deles com qualquer equipamento de guerra » (45).
li,1110 . . 111,,\l r d1 inl's - siio representativos dos restantes.
<) 1mpn1;il 1, 1no 11H 1srm·1ta irrompe do Ícone da,s Hostes do Rei C elestia/,
(42 ) Robin Connack e D. Glaser (eds.), Art of H oly Russia (Londres, 1998), p. 180.
L'\Ccu 1;1d\l 1u1 1,·1n: i10 qu artt.:I do séc ulo X\' 1. Liderados por Salomão e David,
( 43) Terence Annstrong (ed.), Yermak's Campaign in Sihma (Londres, 1975). pp. 38,
41 , 43-44, 49-50. 60, 65, 69.
44
1
11
\ I \!.""'"· /, · /',,11 ,,,. , ,/ " '· ed . B. Mcynard e P. Courteillc (9 vols., Paris, 1861 -
1 ( ) lbid., pp. 40, 138, 290-293; R. H. Fisher, The Russwn Fur Trade. /55 0-1700

I '1I -l >. .,,1 • l\11 · I' ' ' \ I \l.l'thh. Ih,· !Jook u{Duarre /Jarho.rn, ed. M. Longworth Dames (Berkeley, CA, 1943), p. 2 1.
I.' , "" 1 .. 11, l1 n 1,.,, , , "' 1. p ·1. C R. Boxer. The Trag« lf,.rtorv of rhe Sea. 1589-/622 ( 45 ) Annstrong, Yermak's Campaigns, pp. 46, 108; comparar com a p. 50, onde é descrita
1 I u 11d1t · a intimidação dos Ostyaks com recurso às armas ele fogo. que es11lhaçam a sua irvorc sagrada.

510 511
1111111111'

A EXPANSÃO MARÍTIMA PORTUGUESA, 1400-1800 A EXPANSÃO PORTUGUESA NUM CONTEXTO GLOBAL

- Os povos nativos eram sujeitos ao pagamento de tributo e control<!f!.Qlil do século, já estavam instalados 200 000 migrantes. A Manchúria, pátria da
través de jurame~/(Js Ostyaks foram obrigados a jurar sobre uma pele Dinastia Ch ' ing, estava normalmente fechada aos colonos, mas os seus solos ,
de urso na qual foram colocados uma faca, um machado e um pão: quem ricos atraíram centenas de milhares e as autoridades acabaram por ser obri- \
quebrasse O juramento morreria engasgado ou seria despedaçado em com- gadas a reconhecer um facto consumado. Entretanto, os Manchus, apesar dos
bate contra homens ou ursos. Os Iacutos tiveram de passar entre os quartos esforços imperiais para preservarem a sua identidade, foram progressiva-
de um cão desmembrado (46). Contudo, o primeiro objectivo da conquista mente sinizados. Em todas as frentes , a pressão de um novo e intensivo 1
não era vencer os «selvagens» que vagueavam ~efa taiga-e pe[ãtüridra, mas povoamento originou um ciclo de conflitos e soluções ominosamente fami -
sim neutralizar o único Estado capaz de desafiar a Rússia na região, o cªnato liares aos estudiosos do colonialismo europeu: povos tribais deslocados ou
tártaro de Sibir, que dominava os afluente_! orientais do rio rrtrsh. Assim, encerrados em reservas; colónias agrícolas militarizadas cultivando trigo,
a G_onquista foi vendida como uma _~ e representada simbolicamente cevada, ervilhas e milho, e mantendo os nativos submissos; e escolas para
com os raios doEvangellio emanando dos olhos de Cristo sobre as cidades · qivulgar a língua e os valores chineses (49) .
dos colonos. Os Russos atribuíram ao cã Kuchum uma visão profética, em Os impérios marítimos europeus estavam destinados, mai~ çeqo ou majs
Outubro de 1581 : «Os céus abriram-se e surgiram guerreiros terríveis com tard~, _a deslocarem-se para terra, como ditava o imperialismo tradicional,
asas cintilantes .. . Cercaram o exército de Kuchum e gritaram-lhe: ' Parte dado que a diferença entre um império marítimo e um império terrestre é
desta terra, infiel, filho do demónio negro, Maomé, porque agora ela per- mais do que uma mera questão de localização, de caracterização ou classifi-
tence ao Todo-Poderoso.'» (47) cação geográfica. Os impérios marítimos são impérios comerciais que
Em finais do século XVII a expansão russa na Sibéria Oriental chocou procuram sempre canalizar e, por vezes, controlar. Os impérios terrestres, em
contra a da China, onde os Manchus-se ãii.tecípãvãm-nacorrida-às terras ou alternativa ou como complemento, tentam controlar a produção. Colombo
atacavam os seusrivãis russos numa zona de guerra ao longo do rio Amur. concebeu um esquema comercial quando deu com a Hispaniola, imaginando
A estrada que lá conduzia era mantida em melhores condições, segundo uma colónia mercantil europeia sob égide castelhana comerciando algodão,
Ferdinand Verbiest, «do que os católicos da Europa mantêm a estrada pela mastigue e escravos (5º). Na verdade, nenhum destes produtos estava dispo-
qual o Sacramento é levado» (48 ). Em 1689, o Tratado de Nerchinsk formali- nível em grandes quantidades. Pelo contrário, a política económica subja-
zou as pretensões Ch 'ing a vastas terras inexploradas de dúbia extensão, no cente à presença espanhola acabou por ser a descoberta e exploração directa
Nordeste da Ásia, onde alguns cartógrâfos imaginavam umgigantêscop;:-o- das minas de ouro da ilha. A guerra de conquista de Colombo, em 1495-
bóscide apontand o para a América ou mesmo juntando-se-lhe. Uma grande 1496, pode ser apresentada, ainda que em pequena escala, como o primeiro
parte deste território situava-se além de qualquer fronteira prática de colo- passo na criação de um império territorial espanhol. Esta tendência consoli-
/ nização; no entanto( Õ imperialismo Ch 'ing, quando comparado com o dâ dou-se com as conquistas do México e do Peru, através das quais os Espa-
RÕssia, foi geralmente de tipo intensivo. Dedicava-se não só à exploração nhóis se viram obedecidos, com notável docilidade, em gigantescas exten-
económica e ao comércio, mas também à colonização e à aculturação sões do território mais densamente povoado das Américas. Com efeito,
e assimilação dos povos indígenas. Antes de o século terminar, a Mongólia a Espanha adquiriu, em poucos anos e na sua totalidade, dois dos impérios
Exterior fora mais ou menos incorporada no império, e mais de 1,5 milhões de crescimento mais rápido e mais ambientalmente diversos da época.
de colonos tinham sido atraídos para Sichuan com a promessa de isenções Outros impérios europeus nas Américas, sem a vantagem de fontes locais
fiscais. De seguida, foi povoada a fronteira de Sinkiang, mais esparsamente, de mão-de-obra à escala das terras espanholas, tenderam inicialmente
através de um misto de deportação forçada e incentivos aos colonos; no fim , a expandir-se para terra de forma muito modesta, para aumentarem as áreas
de cultivo dos produtos agrícolas que introduziam, como o açúcar nas
(46) lbid. , p. 61; B. Bobrick, East ofthe Sun : The Conquest and Settlement of Siberia Caraíbas o tabaco das Índias Ocidentais na Virgínia, o arroz nas Carolinas
(Londres, 1993), p. 70. '
47
( ) Bobrick, East of the Sun, p. 43; compare-se com a versão de Armstrong, Yermak's
Campaigns, p. 163: «Filho impuro do demónio negro, Bakhunet, abandona esta terra, poisª (49) Joanna Waley-Cohen, Exile in Mid-Qing China (New Haven, CT, 1991); R. H. G.
terra e a sua plenitude são do Senhor». Lee, The Man churian Frontier in Ch'ing History (Cambridge, MA, 1970).
48 (5º) Consuelo Varela (ed.), Cristóbal Colón: Textos y documentos (Madrid, 1984),
( ) P. J. D'Orleans, History of the Tartar Conquerors of China, ed. conde de Ellesmere
(Londres, 1854), p. 132. pp. 142, 145.

512 513
e o trigo em quase todo o lado. De vez em quando, conseguiam-se resulta- sua enorme população de imigrantes e ao e ntusiasmo com que , a partir da
dos espectaculares em pouco espaço: no século xvm, a colóniã francesa de década de 1760, os colonos começaram a desbravar o Interior (~ 5). O impén o
São Domingos ocupava apenas metade da ilha de Hispaniola; não seria um da França na Luisiana pouco mais era do que um contorno no mapa. No
grande império terrestre em tamanho, mas· era uma ilha de Wirtschaft- sécuio xvm, os Franceses, não obstante a densid ade d a sua popul:.içao
swunder (milagres económicos) que foi , durante algum tempo, o maior pro- metropolitana, emigravam com relu tância (56). No entanto, ambos os Est..idos
dutor mund ial de café e açúcar (5 1). O produto brasileiro que primeiro atraiu reclamaram - quando não exerceram efecti vament e - o contro lo de vasta s
as ate nções numa escala relativamente grande foi o pau-brasil. Não tardou a extensões do Interior norte-americano até à retirad a dos Franceses, em 1763
ser substituído pe lo açúcar, mas este era trabalho so de plantar, colher e refi- Em parte, tratou-se de iniciativas preventivas e especulativas, de stinad ,1:, a
nar, e exigia capi tal e muita mão-de-obra especializada( 52). Só se adequava excluir a Espanha de áreas cujo potencial ainda era grandemente des-
aos encla ves coste iros, onde podia ser cultivado com êxito e facilmente conhecido.
embarcado. e nunca teria. por si só, induzido os plantadores a criarem um O interesse original de Portugal pelo Interior do Brasi l foi de carác ter
grande domí111 0 1errito rial no Interior brasileiro. semelhante, provocado pelo interesse de Espanha pe la navegação no Ama-
No dccur:-,o do:-, seus esforços na Ásia, os Portugueses também não ten- zonas, no princípio do século XVII ( 57 ). Todavia, com o avançar do séc ulo
taram ac rescentar o c ontrolo directo da produção aos seus interesses comer- e à medida que o império foi sendo restruturado, as atenções portu gue:,as
c iais ..•\ , un1 c.1~ exce pções significativas a esta regra foram a «Província do centraram-se cada vez mais no Brasil. Esgotado por longas g uerras contra a
Nort e » d.1 Índia portuguesa. entre Chaul e Dam;ão, onde eram cultivadas Holanda e a Espanha, e - mais significativamente - pressionado e int imi-
pal 1m·1 1.1, l' .1110L ,ul> ~upc r visão portuguesa, para fornecer provisões às dado pela ascensão de Estados asiáticos tão assustadoram ente poderosos
g uan11 ~·t'1e:-.. ;1:-. tripulaç õe s . aos trabalhadores e a Ceilão, onde as guarnições como os dos Mogóis, dos xóguns Tokugawa e dos Safávidas do xá Abas,
porlll!,!llnas ..:om eg u 1r;1m impor, durante algum tempo. um monopólio tão Portugal retirou da maior parte das suas posições soberanas no O ri ente '~ 8 )
ape rtadn ,o , re o co n a.:rcio da cane la que lhes deu o controlo efectivo da pro- À fal ta de melhor, o Brasil tornou -se a jóia da c oroa de um império agora
duç,io . No pr111cípio do século XVII, o número total de indígenas que viviam compacto. A maior parte do litoral brasileiro ficava a menos de doi s meses
~oh clo1111 n io po rtuguês na Índia não c hegava a meio milhão (5.l). O salto para de navegação de Lisboa ou dos portos esclavagistas a fri canos . Me sm o
u q ue pode na111os chamar «imperialisrno de produção» foi dado, na década assim, o Estado foi lento a corre r ri scos e a suportar o s c ustos do imperia -
de l 660. pelos co nqui stadores ho lanúeses das ilhas orie ntais produtoras de lismo terrestre. O império do Interior pennaneceu largamente depe ndente
crav 111ho. noz-moscada e macil ( 54 ). Mesmo ass im , o território controlado das inic iativas de negreiros e rancheiros até à década de 1680, quando o s
pelo:-. c uroµe us na Ás ia era modesto e fo i só no século xv111 que gradual- relatos de descobertas de o uro e d iamantes nas pro fundezas do Interior se
mente ganhou forma. e m Java, um im pério terrestre holandês de proporções começaram a acumular. No iníc io da segunda metade do séc ulo, as posições
consid; ráve is. Foi o único império terrestre europeu no Oriente at~ a Com- espanhol~3 já tinham.sido agressivamente empurradas para uma li nha apro-
panhia das Índias Orientais inglesa adquirir o domínio directo sobre Bengala ximadamente semelh~nte à da actual fronteira li nguística. Em bora o império
através de uma aventura oportunista, em finais da década de 1750. terrestre de Espanha no Novo Mundo fosse mui to ma ior em ex tensão.
Nessa altura , a tentação terrestre já seduzira a Grã-Bretanha e a França a o de Portugal era, nalguns aspectos, ma is impressionante: fora talhado e m
tentarem im itar o im pério continental de Espanha no Novo Mundo. O impé- a mbientes hostis, onde existia pou ca mão-de-obra úti l e a que hav ia tinha
rio terrestre americano da Grã-Bretanha tinha um a aparência sólida devido à de ser e scravizada (quando os Portugueses lhe c o nseguiam deitar a mão)
e redi stribuída à força.
(~ 1) M Begouen Dcmeux, Mémorial d'une fa milie du Ha vre: Stanislas Foache, 1737-
./8')6 (Paris, 19:11 ). pp. 18-24; J. P. Poussou, «L'age atlan1ique de l'économie française»,
/,' 11iformat11m h1,1·1um111e, lox (1997), n. 0 1, pi;. 21-33. (55) Bernard Baílyn, Voyagers to the West: Emigrarion from Britain ro Amenca 011 rht•
(~2) F Mau ro. /.e l'on11g"I et l'Atlamique au xvfl" .1,ecle. 1570-1670 (Paris. 1960),
Eve ofrhe Revo/urion (Nova Iorque, 1987), pp. 8-20.
pp. 11 J-257
(56) Sílvia Marzagall i, «The French Atlancic», ltinerario 23 ( 1999). n ° 2. pp 71 J-8.l
r''l 1>1"1cv. "1'11t: 1-'onuguc~c Emp, re m lndia», p. 151 . (p. 73).
<" l .\ l<,·lll. Smtf!t , ·0,1 .-\.,10 111 rhr Age of Commerce (2 vols .. New Haven , CT. 1988- (57) J. Carvajal et ai. , La avenr11ra de Amazonas (Madrid, 1992); Mauro, Le l'ot111xe1/ er
1')'111. ,nl -~ pp 277 -1111 /'Atlanrique. pp. 139-140.

5 14 515
1
Que Diferença Fez? estruturas imperiais associadas à expansão portuguesa eram muito menos
rígidas e localmente sui generis. O imperialismo ocidental imediatamente
Ao contr:1rio dos im périos em industrialização do sécul o XIX. o imperi a- pós-Vasco da Gama é hoje visto como débil, e a «era de Vasco da Gama» na
lismo português do princípio da era moderna não se baseou numa superiori- Ásia não é considerada muito diferente do período que a precedeu . Os Esta-
dade técnica esmagadora. A fanfarronice, os truques de mãos , as tácticas dos indígenas permaneceram em gran de medida intactos , com a soberania
terroristas e a intimidação contribuíram para () seu funcionamento. Nalguns europeia confinada - pelo menos até o século XV II ir já bem avançado - a
lugares, fun cionou através do embuste. Noutros, foi sustentado pelos narcó- locais que não modificaram o panorama global e fo ra dos quais a coloniza-
ti cos ou pelo álcool. À semelhança de todo o grande imperialismo da época, ção foi uma mera presença-sombra ou um improviso da iniciati va pri -
dependeu principalmente de acordos com as elites locais e regionais. Não vada (6 1). Os mercadores europeus que penl.!traram no oceano Índico pelo
obstante todos os problemas que os Portugueses, com a sua intrusão, criaram cabo da Boa Esperança são hoje vis tos como semelhantes, em carácter, aos
às comunidades anfitriãs, ou quando se apresentaram em força, exigindo seus predecessores antigos e medievais, qu e chegavam geralmente via Nilo
enclaves para comerciarem, a sua utilidade sobrepôs-se geralmente aos e mar Vermelho. Encaixaram-se na estru tura comercial existente e serv iram
danos que provocaram . Por exemplo, levaram armas de fogo e missionários os mercados e fornecedores regionais. Só no século xv11 a situação se alterou
para o Congo e para o Japão, e instrumentos astronómicos e ideias sobre radicalmente, porque a Companhia das Índias Orientais holandesa inauguro u
desenho de jardins para a China (59 ) . Gratificaram muitos dos seus anfitriões uma nova rota através do oceano Índico, mai s ráp ida, impôs mo nopólios
afri canos co mprando escravos. Possuíam conhecimentos, sobretudo relacio- sobre produtos cruciais e, em finais do século, passou directamente ao con -
nados com a actividade guerreira, que os tornaram empregáveis em quase trolo selectivo da produção e das rotas comerciais.
todo o lado. Foram valiosos para a Ásia porque ampliaram enormemente o Os Portugueses chegaram ao Oriente como bárbaros empobrecidos,
mercado das especiarias e trou xeram um grande número de novas embar- embasbacados perante as riquezas dos nativos. Um dos primeiros obser-
cações - bastante necessárias - nos comércios «regionais)>. Foram aliados ou vadores na China foi Fernão Mendes Pinto, o Sindbad portug uês, que afir-
mercenários contra os muçulmanos na Etiópia e em Vijayanagar, contra mou ter navegado pelo Oriente como soldado de fortuna, entre 152 1 e 1558,
os Espanhó is cm Ternate e Tidore, contra os Birmaneses em Bengala, con- penetrando em todos o~ recantos do inacessível Orien te e sobrevivendo a
tra os Tai landeses no Camboja. Em Cananor, obtiveram supostamente o mais naufrágios, escravizações, chacinas, tempestades e mudanças no vento
direito de de ferência hereditári a depois de um duelo vencido por um cam- e na sorte do que qualquer leitor poderia razoavelmente acreditar. O seu
peão. embora tenham abd icado do direito de hospitalidade sex ual (60)_ relato é uma obra-prima da literatura picaresca, com muitos apartes deli -
O Império Ponuguês era demasiado grande e com ambientes demasiado ciosos - sentenciosos e satíricos. Embora a sua descrição da China seja tão
di versos ambit.:ntalmente para ser consistente. O monopólio régio do comér- pouco comprovável como o resto do li vro, reflecte consideravelmen te a
cio d:1~ especiarias, bu rocraticamente policiado, faz ia-o assemelhar-se, em imagem que o país tinha junto dos seus contemporâneos. A sua excitação
çeno sentido. ao im p~ ri o «estatista» _medieval de Veneza, mas a maioria das perante o excesso de tudo soa a verdadeira. Por exemplo, o autor passeia
pelos mercados de Peq uim, «como que atordoado» em face das quan tidades
de «sedas, passamanarias. lonas, roupas de algodão e linho, martas e al mís-
(''! Em,t va11 Vt.:t.:n. /Jet ay or Defear ~ An lnqwry 1nro Ih/' Ponuguese Dec/;,1e 111 Asia.
car e arminhos, porcelanas delicadas, baixelas de ouro e prata, aljôfares e
1580 lb-15 (Lt.:1, kn. 2000).
1
( \' ) Jon;1than Spcncc. Thr Si'archfor Modern China (Londres, t 990). p. 100; fotografia
pérolas, ouro em pó e lingotes)>. Quanto aos l!ab1tu a1~ rnetai ~. ped ra ~ pre-
elas rnin,1' do, J,1rcl1ns do Pal:icio de Vcr:io. junto à p. 1:B. in J. Turner (ed.). Th e Dicrionarv ciosas, marfins, especiarias, condimentos e alimentos. afinna : «Toda~ estas
o/ ,-\ 11 (."! vols .. Londrcs, 1996), vol. 3, p. 517 . G. A . Bailey. «'Le stylejésuitt: n ·e~iste pas' : coisas estavam disponíveis em tamanha ahundânet ,1 que eu creio qu e não
1c,u11e Corpo fü· C ult u:,. ,111d the Visual Arts», in J. W. O'Malley er ai. (eds .) , The Jes11i1s: haveri a palavras sufi cientes no d1 c1011áno par.i a~ 11u1m:ar a toda~. ,, 1\ knde ~
C11/u11 e.,. Srn•11, n mui rhc :\us. ! 540-1773 (Toronto, t 999). pp. 38-39. dá ind1caçõe~ bibliográ· Pinto. que nunca consegue dei xa r a 1ro11 1a durante multo tempo. ~l't ll l'-Sl'.
11c,I\ qu.: não tonscgu1 t.:ncontrar: Le Yuanming, jeux d' eau e1 pala is européem du xv1u' siede
a la rn 111· du Ch111e (Paris, 1987); A . Durand e R . Thiriez, The Delighrs of Harmony: The
/',11 0/" ''"' Pai," cs o[ ih,• Y11anmingyua11 and rhe Je.mi/J ai 1he XVl///h-Cen111ry Courr of ((,()) Voyages célebres e1 remarq11uhlr.1 Ja11., ,fr f',,, H ,11,, /11d,·1 o rtl'lllalt•., par /,· .\, ./<'(111
/Jc 1J111g (Worc,·stc r, MA. 1994); e Craig C lunas, Picrures and Visuality in Early Modern -Albert de Mandeis/o, co11s1dérahlemenr uuxmenre: e11 , t'lfe dn ,11ere ed11w11 t'I c/11u,·: ""
Ch111" (Princl'lon, N J , 1997). deu..,· pames.. . (2 vols., Amesterdão, 1727), pp. 265-266

516 ~17
111111
oh, 1!.!;ido :1 d<.:,cu lp.·11· se por catalogar as riquezas da China «pa ra que todos todos os Estados e empresas europeus que neles raniciparam. dos modelos
, t·F1111 co m qul' gL" nerosidade Deus. nos so Senhor. partilhou com esta gente português e espanho l no Brasi l e nas Caraíbas.
1~11orante os frutos da terra que criou» (62 ). Em slé:gundo lugar. PortJgal desempenhou um papel fundamental - ou
Mas a transmissão de cultura acontece geralrnénte sob a superfície do letal, para os negros e nativos brasileiros que se tomaram suas vítimas - na
1mrt;ri o e não tem de ser politicamente inoculada. Os parceiros menores nas criação de redes atlânticas e m tomo da s qua is a moderna c ivilização euro-
relações económicas podem ser fontes de inovaçàó. Os viajantes que chegam peia ganhou forma: revelando o sistema de ventos do Atlântico Sul e li gan-
ele longe são multas vezes guardiães tenazes da sua bagagem cultural. Na cul- do-o ao oceano Índico, e inaugurando transfusões transoceânicas de sangue
tura. o aprendiz de feiticeiro consegue realizar transmutações alquímicas. e cultura. O exemplo português demonstrou o potencial do tráfico de escra-
À seme lhança de tanto s intrusos bárbaros em civilizações avançadas, os Portu- vos transatlântico aos outros europeus qu e nele vieram a participar. Em certo
gueses poss11íam forças e poderes transformadores tremendos. A nostalgia sentido, o Atlântico é um mar português, com comunidades de língua por-
romfmtica tenta o contemplador das ruínas do Oriente português: os redutos de tugue sa dispersas pelas suas costas. Mas os matizes e sabores africanos exis-
pedra lisa de Mombaça; as fortificações decrépitas em Laristào. onde as rotas tentes em grande parte da cultura do Novo Mundo atlântico, especialmente
da~ caravanas c hegavam ~1 costa; os escudos gravados em pedra vermelha no Brasi l. foram transmitido~ no início da era moderna a bordo do s negrei -
,oh, t.: .1~ porta~ dos p:dúctos dos mercadores ele Cambaia; a porta arruinada da ros portugueses.
l'ortalez:1 de /\lal.ica. «A Famosa»; a solitária fachada de São Pá'ulo. em Macau, O imperialismo português provavelmente desempenhou um papel num
onde :1 t·(1 1111111Hbdc c atólica e lusófona ainda não foi submergida; as opulentas dos grandes temas da história económica do princípio do mundo moderno:
1g1ep~. u~ kt 1e1rm e111 portu guês e os ecos arquitectónicos de Goa; algumas a alteração do equilíbrio do comércio e da riqueza entre «O riente » é <<Oc i-
p.il,l\'1.1, til' 011).'.t·111 pon u~ue sa no japonês moderno. e alguns vales japoneses dente», isto é, entre as economias ricas e industrialmente avançadas do Sul
onde o n 1~t 1.1111\1110 ,obrrv1veu em segredo durante dois séculos e um quarto. e do Leste da Ásia, e as economias empobrecidas da Europa, que vinham há
/\l:1~ ~:io m rt·,t1>, de- um passado corroído. A não ser como precursor de impe- muito laborando sob o fardo de uma balança comercial adversa e m face dos
ri:1'1,111P, dc 111:1101 d1mrmão. não foi no oceano Índico que o imperialismo seus parceiros do outro extremo da Eurásia. Esta balança negativa só pendeu
pnrtuguê, t·xert rn o ,cu maior impacto. decisivamente a favor da Europa no princípio do século XIX, no caso da
l '111m·11, >. 1111 lurnuou a orla atlântica europeia a título de exemplo. É duvi- Índia, e apenas na segunda metade do mesmo sécu lo no que diz respeito à
clo~tl q1 1l' .1 cxp:111 , :i() c a , tclha na tivesse arrancado no Atlântico sem o estí- China. A relação, no ínterim, eritre o imperialismo e uropeu e o crescimento
111ul o d.1 L't111co1rt·11C1.1 portuguesa. O empenhamento castelhano na conquista l económico ocidental é obscura, problemática e acen-imamente debatida. No
d a~ ilh:" <·,lll:11 i:,~ 101 ténue até surgir a oportunidade de se anteciparem ao
lnl an te.: 1) . 1kmique (1•3 ). As licenças comerciais castelhanas para a Guiné, na
l
1
entanto, o grande alargamento da actividade e conómica europeia a novos
mercados e zonas de prndução, nos séculos xv t, xv1 1 e x v r11, enriqueceu evi-
década de l-+70. foram emi tidas durante uma guerra com Portugal, e foi dentemente a lgumas panes da Europa, e crê-se geralmen te que contribuiu
assim que os navegadores andaluzes tdquiriram muitos dos seus conheci- l para o rápido crescimento que se iniciou nalgumas economias ocidentai s em
mentos sobre o Atlântico (64 ). A comissão régia castelhana de Colombo finais do século xvm, e conduziu à industrialização no século xrx. Em parti-
resu ltou parcialmente da inveja dos lucros do comércio africano de Portugal; cular, graças às novas empresas mineiras nas fronteiras coloniais, aos lucros
a de Magalhães foi uma resposta à importância dos Portugueses no comér- do comércio com mercados previamente inexplorados e aos emolume nt os
c io das especiarias. Os Holandeses foram atraídos para o oceano Índico em ganhos pelos transportadores europeus nos <<Comércios regionais» da Ásia
emulação do exemplo português. Os métodos e a natureza do comércio marítima e do oceano Índico, a ex pansão gerou quant idades de numerário de
atl ântico de açúcar e escravos, no sécu lo XVII, foram (:Opiados por quase que as economias europe ias, c omparadas com as da Ásia Oriental, tinha m
geralmente carecido até en tão. Por sua vez, estes novos recu rsos alimenta-
(<•1) Winius. «S hadow E mpire»: Subrahmanyam, lmprov1si11g Emp1re. ram a expansão do comércio em redor da Eurásia, ao longo ela can-eira da
tül) Fernão Mendes Pinto. The Pere~rinarion of Femt.o Mendes Pi1110. trad. M. Lowery Índia e de outras rotas inauguradas pelos navegadores europeu s (65 ).
(Londn:,. 1920). pp 156- 157.
( 1'·' ) P. E. Ru,s<!II, O Infame Dom Henrique e as Ilhas Canánas (Lisboa. 1979). p. 19.
(65) Ver H. E. Cross, «South American Bullion l'roduc11on and Expon , 1550- 1750». 111
t<> 1) J W Blako.:, E11mpea11.1· in Wesr Africa (2 vols., Nova Iorque, 1967). J. F. Richards (ed.), Precious Mera ls 111 the Larer Mcd1crn/ a11d Early Mod,,111 V, í,rlds (Du rh:un.

~lk ,10
De te mpos a te mpos. na históri a da expansão de Portugal, a economia do comércio português com o Norte ela Europa, e e spec ialmente com a Ing la-
portug uesa beneficio\.] de acesso priv ilegiado a novas fon tes de liq uidez, terra (69 ), não conhecemos o seu dest ino tina!. Não de ve press upor-se 4ue a
especialmente ouro e ca uri ns (ex tremamente valiosos para a lgumas das prata «afl uiu» à China e o ouro à Índ ia para pagar o eterno défice comerc ial
sociedades forne cedoras de escravos da África Ocidental) (M). A histó ria da Europa. A experiência ho landesa no sécu lo XVII s ugere que a intensi fi-
começou co m uma participação marginal no comércio de ouro do Sara, espe- cação do comércio com a C hin a e a Índia podia se r financiado com o s lucros.
c ialnwnte com base na fe itoria de Arguirn, a parti r da década dt 1440. 1 lucros estes que os Portug ueses também fi ze ram em iibundân c ia como trans -
1
l'ro~,q; uiu a um rit mo acelerado com a fundação da feitoria de São Jorge da 1 portadores no comércio intra-asiático. Depois da redi s tri bu ição na Europa.
i\ 1in :1. e m 1.:!82. e o es tabelec ime nto de relações comercia is com o império !j o valor total do au mento da liquidez na Europa e na América parece ter exce-
cio l\lwcnc Mu tapa.·n ,.1 África Oriental, rico em ouro. Estas foram iniciadas 1 dido o aumento do valor do comércio na Ás ia ( IO). Em 4ualquer d os casos.
.j a obsessão dos historiadores com as questões comerciais e monetárias
incli rectam cntL". em 1501. e re nderam quantidades cons ideráveis de ouro de 1

tc: 111pm a tempo s. a té finais do século XVII. Neste período e no século XVIII, í deveria r:.')vavelmente ser refreada: é um mal de siecle da era econó mi ca
j moderna, capitalis ta e industrializada, com os seus gigantescos vo lumes
o o uro e os di.imantcs do Bras il fora m e lementos significativos no aumento
da li qu idez d urante cem anos. até 1780, e especialmente ho período de e le- de comércio e a sua preocupação com cálc ulos de valor e m n ume rário.
' ada produç;io aurífera brasileira. na prime iia metade do século xvm (67).
Entretanto , o comérc io português no Atlântico tomou-se re lativamente rico
j A história mundial não é primariamente económi ca, ma s sim cultural. Nos
intercâmbios culturais, o com ércio desempenhou apenas um pequeno papel

ii
e m n urn crári D g raças ao prémio gerado pelo tráfico de escra vos e à para- no início da era moderna, quando os vol umes de negóc io aind a eram relati-
sitagem dos meta is p reciosos do Império E spanhol. vamente pequenos e outros vecto res culturais - m igrações, guerras. pere gri-
Exc luindo os pró di gos dourados que fazem a lgumas igrejas pc,rtuguesas nações, explorações e missões religiosa s, c ientífi cas e d iplomáticas - man-
'
tinham uma importância considerável.
do .,écu lo xv111 parecer templos de Mamona, e os «entrançados, ornamentos
e ot11r.is q u in q uilharias » ( 6 X) denunciados pelos morali stas. para onde foi o
l' Por últ imo, no contexto mais plenamente g lobal , a expansão portu -
ouro') E a prata q ue o~ negreiros portug ueses adquiriam dos seus clie ntes guesa ajudou a tran sportar as «sementes de mudança» qu e tran sformaram
especialmente os pertencentes à economi a do Im péri o Espanhol. rica neste tantos ambientes e inverteram o antiquíssimo padrão da evolu ção. Até ao
meta l'' A ún ict respos t:1 prude nte. tendo em conta o ac tu al estado do conhe- século xv1, a evo lução seguiu um rumo di vergente, à me did a q ue a biota dos
c imento. é qu e. em bora uma grande parte tenha sido posta a c ircu lar através continentes, mutuamente ;solados ou quase inacessíve is, se fo i to mando
cada vez ma is di stinta. Desde então , como consequência das n:ivegac;õl' s que
atravessaram oceanos e ligaram contine ntes, a evolução tem estado nu ma
NC. l ')ti:l). pp. J'J7-42:l: t\. Au man, Amcrium Bullio11 111 the E11ropea11 World Tradc, 1600-
fase convergente, em que os mesmos produ tos agrícolas e animais de criação
/800 ((i othcburi:. 1986): ., ,ínlesc de A. Gunder Frank. ReOril'nl: Glohal Economy in the
- e até as mesma s doenças e tipos hum anos - tendem a su rg ir por todo o
·\ """ ·\ ~,· (Bt·r~clcy. C A, 1998). pp. D 1- 164, 278-283 . Apesar de insuficientemente reco-
u,
11hL'cHltJ na iltcra111 ra subseq uente. L. Dermigny, Chi11e f/ /' occide111 : Le commerce à Ca111on
mundo. O estado das fontes não to ma fáci l a atribu ição de re sponsabili dades:
"" 11111• .H fri,· (.'\ veis .. Pans. 1964 ). foi um contribuio de importânc ia fundamen1al. K. na maior parte dos casos, às provas rela ti va~ à crono log ia da transmiss;io de
Pome1 ,111z. T/11· 1;1cat D11·erge11ce : China. Europe a11d thl' Making of ~he Modem World formas de vida particulares não é pos~ível fazer corrc~ pondcr viagens es pe-
/ ·, 111111111r (Pn ncclon. NJ. 2000), assume uma perspectiva felizmente mais abra:1gente, obser- cíficas ou ex periências de aclimatação documentada~. Poré m . é certo que as
,·,11Hln ., d"1rib1111,.io de recun,os ~m geral e sublinhando as consequênci as dinâmicas do impe- experiências po rtuguesas introduziram no Novo Mundo a pimen ta e a~ es pe -
11.il1,1110 nu l\'o,o Mundo. sobre as quai s ver 1ambém Femández-Armeslo, Mi/lenium,
ciarias da Índia e das Molucas , e deram um novo lar ao pime ntão- ck-che iro
PI' '\..J'i - '\6:S.
(''''l V. Ma;:.ilhãcs Godinho, Os Descohrimentos e a Economia Mundial (2 vols., Lisboa,
(69) Mesmo aqui, aconselha-se cautela· emborJ J S n.:me~,.,., de ouro de Ponug,d pJr:i
11)63 - 1%.'i). vol. 1, pp. 160-233, 327-34 7, 379-389. Sobre a produção ' de diamantes, ver
C. R. Buxcr, Th c Ciolde11 Age of Bra:il (Manchester, 1995), pp. 205-225 .
Inglaterra tenham prosseguido durante todo o século>. VIII, d11111nu1ram na segunda 111et.1de do
século e até sofreram uma breve inversão. em 1790-1791 Globa lmente. a balança come rc ial
("" > Allm,1ll. :\111erica11 Bul/ion, pp. 27-29. C. R. Phillips, «Trade in the Iberian Empi-
favoreceu Portugal a partir de 1787. Ver J. Ehrman, The British G01·ern111e111 and Commercwl
'" ·' "· 111 Tracy. R 1.H' of Mcrcha111 Empires · Long-Distance Trade in the Early Modem Wor/d,
/ I ,(). / 750 (Camlmdgc . i 991 ). pp 34- 1O1 (p . 65).
Negotiations with Europe . 1783-1793 (Cambridge, I 962), especialmente pp . 4-16. 205
(''') G iovanni Anto1 110 «A ntoml» Andrcon1 , citado 111 C. R. Boxer. The Go/den Age o/
(7º) W. Barrett, «World Bullion Flows, 1450- 1800», 111 J. D. Tracy (ed.). Th e R1se o/
Mercha111 Empires. pp. 224-254.
lira:il. p. 55.

52 1
1 l
e ao, tr1110, ,ecos e vagens do Brasil. como o caj u e o amendo im. nas cozi-
1 fenómeno, nomeadamente, nos últimos anos, William MacNeill, Tire Rise of the Wé:St
nha ~ de ;tl~uma s zonas do Leste, do Sul e do Sudeste da Ás ia(7 1). (Nova Iorque, 1972), Eris L. fones, Th!! European Miracle: Environmenrs, Economics
and Geopolitics in the History of Europe and Asia (Cambridge, 1981 ), John M.
Em ~eral. no início da e ra moderna, as soc iedades impe riai s podiam
Roberts, The Triumph of the West (Londres, 1985), Geoffrey Barraclough (ed.), The
optar por três tipos de expansão a lo nga distância. Podiam seguir os alísios
Times Atlas of World History, (4.a ed., Londres, 1993) e David Landes, The Wealth
(ou os ., 1~1e111as prevalecentes durante todo o ano), como fizeram os Espa-
and P~verty of Nations (Nova Iorque, 1998). Entretanto, uma tradição de história
nhó is e os Holandeses; podiam aprovei :ar os sistemas das monções , como os global mais recente e radical tem procurado transcender o eurocentrismo e atribuir
que inflaram g randes ambições na Ásia marítima; ou podiam expandir-se em à «ascensão do Ocidente» um lugar menos destacado. Duas das grandes obras monu-
terra, como a Rú ssia na Sibéria ou a China na Ásia Central. Os Portugueses mentais da historiografia moderna ajudaram a lançar as bases para esta empresa
fizeram tud o isto. Considerado como um império em sent ido restrito - uma ,rev isionista ao sugerirem a extensão da dívida cultural e tecnológica do Ociden1e
estrutura de poder q ue garante obediê ncia política através da conquista -. para com as culturas as iáticas: Joseph Needham , ScienCl' and Civili:ation in' China
o resultado foi hes itante e assistemático. Os leitores poderão sentir que este ( 12 vols. publicados, Cambridge, 1956-), e Donald F. Lac h, Asia tn the Makin g of
livro desconstruiu o seu próprio tema: os capítulos anteriores realçaram as Europe (9 vols. publicados, Chicago, I 965-). Joseph R. Lcvenson, E11rof)ean Expan -
in ic iativ as indígenas ao ponto de o «Império Português» não se afigurar sion and the Counter-example of Asia (Englewood Cliffs, NJ , 1967) e Marshall G.
particularmente impe ri a l nem minimamente po rtuguês. Mas a expansão por- S. Hodgson, Tire Venture of / s/am (3 vols .. Chicago, 1974), foram de enorme
tu guesa do princípio da era m oderna surge com o mai s impressionante, para- importância ao inspirarem os esforços que, na década de 1990, geraram várias ten-
doxalme nte, quando o contexto é o mais abrang~nte possível. Se perguntar- tativas para escrever hi stória global em novas linhas, incluindo Felipe Femández-
Annesto, Mil/enium: A History of the Last Tho11sand Ycars (Nova Iorque, 1995:
mos que diferença fez para este ou para aquele lugar, a resposta será, na
edição mais recente: Millenium: A ílistory of Our Last Thousantf l 'ci,n, [Lond1n .
mai or parte dos c asos: fora de Portugal e do Brasil , pouca. Quando pergun-
tamo s qual foi o seu efe ito no m u ndo, a resposta é: e no rme . O mundo de hoje
1
·1
1999]), que inauguraram uma abordagem a partir de múltiplas perspecti vas, e Jac k
l Goody, The East in the West (Cambridge, 1996), um ensaio sobe rbo que, rcco1Tendo
seria irreconh ec íve l se m a expansão pcrtuguesa. l a estudos de caso, identificou vári os mitos eurocêntricos; A. Gunder Frank.
ReOrien:: Global Economy in the Asian Age (Berkeley, CA , 1998), argumenta
muito convincentemente a· favor de;uma reorientação no ;1mbi10 da tra1ectória 1rad1-
cional da história económica. Frank escreveu sob o fervor da sua co nversão de
uma perspec1iva oposta, que também pode ser de1ectada e m Eri c L. Jonc~. G1011·1h
1:NS.-\10 BIBLI OGRÁ FICO
Recurring: Economic Change in Wor/d Hist01y (Ann Harbor, ML 2000). Kenne th
Pomeranz, Th e Great Di1·e1gence: China. Europe and rhc Mak111x ol the Modem
World Economy (Prinreton. NJ , 2000), representa uma tentativa sistemática para
·\ 111<·1111,1 11111ud11,.1<, htcn· ao contexto histórico- gl ohal da <!Xpan~ão europeia
identificar o papel da expansão europeia no ajustament o do equilíbrio g loba l. Um
,. ., f, ,, ,,.,, 1 d. t p<1rt 11gu,·sa - 1H> início da época modana é David R. Ringose, '
\1 quarto tipo de abordagem tem sido feita através de estudos de caso comparativos
l-.'. 1'{>1111.111,11 ,1111/ (;/ohu l /111t•mc1io11. /200-1700 (Nova Iorque, 2001 ). Nos últimos ! recorrendo ao método conhecido por «história mundial comparati va», até agora com
a11u.,. o 1c11 1.1 1c111 ,ido abordado a partir de cinco perspcc1ivas diferentes e, nalguns
resultados Todestos apresentados nas obras mais recen1es, entf'e as quais, por exem-
:ispcc1os. L'(111traclrltirias . Primeiro. a hu sca das origens de uma nova «ordem mun-
plo, Philip D. Curtin, The World and the West: The European Chal/enge and 1he
d ial » pol1 tKa (1t1 (k um «~istema mundial» económico que distingue a «moder-
Overseas Response in lhe Age of Empire (Cambridge, 2000). Por último, a importân -
11idadL'" d;1 L:poca qu e a terá supostamen1e precedido está magnificamente represen-
cia da perspectiva ambiental foi demonstrada por Will iam McNeill , ?/agues and
1;1d,1 11,is obras de Fcrna11d Braudel, Ci1·ilisa1ion matériel/e: économie er capitalisme,
Peoples (Nova Iorque, 1976) e Alfred W Crosby, Ecological lmf)erialism : The
, 1' \11/1' s1ecks ( .\ ,·ois., Pari s, 1979) e [mmanuel Wallerstein. The Modern World-
Biological Expansion of Europe, 900-1900 (Cambridge, 1986), respectivamente
S,.,1,·111 (.1 , ois. j:i publica dos, Nova Iorqu<! , 1974- 1989). Nesta 1radição, a «ascen-
~iio do Oc idente» parece ser o tema dominante e deci siv0 do período, e um grande
sobre as microbiotas e as macrobiotas . Henry Hobhouse, Seeds of Change: Six
Plants that Transformcd Mankind (Londres. 1999) deu um contributo muito impor-
lllí mcro de obras tem-se dedicado a explorar a natureza e as origens deste suposto
tante, tal como o catálogo da exposição coordenado por Herman J. Viola e Garolyn
( 71 ) A. J. R. Russe ll-Wood, A World º" the Move : Tire Portuguese 111 Afnca. Asia and
Margulis, Seeds of Change (Was hington , 1991 ). Felipe Pemández-Annesto, Civili-
Amenrn. 1415-1808 (Manchester, 1992), pp. 153-180; V. Magalhães Godinho, Os Descohrí- zations: Culrure. Amh/1/011 and the Transformation of Nature (Nova Iorque, 200 J ).
1111•11w.,· ,, a Eco110111ia M1111dial (4 vols., lisboa, 1980-1983), vol. 4 . pp. 23-50. lenta class ificar a história global em categorias ambient ais.

523
As hi storias rc1.,cntes do lmpeno Ponugues que aJUdam a cotoca-10 num con-
li 11111 Ili
te xto global incluem Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Nova História da
Exf'ansiio rorr11g11 c.1a· ( 11 vols., Lisboa, 1992-1998), que se concentra na história
social e política. V. Magalhães Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial
(4 vols .. Lisboa. l ')9 1). que é, com efeito, uma nova edição desta imponante obra,
limita-se.: au s assuntos económicos - interpretados de modo algo estreito ao serem
tomadas princ ipa lmen te cm consideração as questões comerc iais e monetárias. A. de
Ol1\'c 1ra ('/ ai. (cds .). N1srána dos Descobnmentos e Expansão por111g11csa (Lisboa.
l'J<J0 J. é um.i obra .1~s umidamentc introdutória que não vai além do sécu lo xv1.

Índice Remissivo

Abissínia, ver Etiópia comércio, 42, 46


abono (Brasil colonial), 347-348 escravos africanos e o. 4-6. 28, 117-
Abreu, Capristano de, l : . 132n, 143, -125
366 escravos índios. 4-6. 28
academias Índia, 103
Bras il , 7 Índias Ocidentais. 35. 4-l. 2.58 -259.
Lisboa. 47 26 1-262 . 511
Acapulco, 102 Madw..i, 25-28, 58
Achém , 107,225,311, 360. 361, W> \ler tam/1h11 agricultura
Açores,25,58, 146, 17 1-172, 192.228 - Acuiia . Pedro de, 217
-229. 493 Adal. su ltanato de. 154
arte, 434-436, 457 Afonso IV. rei de Portugal , ."\7'J
/
capitanias, 182-183, 247-249 Afonso V. re i de Portugal. 79. 117. 187.
colonização, 25, 187-188. 195 242. 373-374, 376
comércio. 37, 246 Afomo. l.uÍ\. 406
l
j
concelhos municipais. 228-229. 254- Afonso. «o Sábio», 371
1 -256 África (afncanos), 64, 75, 77, 129-131.
~ diocese, 269 174, 185-186, 300, 33 1-332, 373
1 emigração dos, 178-179, 184 colónias mercantis , 200

l
imigração para, 186, 199 colonização, 152, 175
Inquisição, 276 controlo ponuguês, 129-1 30, 155-1 65
planeamento urbano, 407-4C,8 e Brasil, 129-130. 253-254
açúcar, economia do, 2 1, 79, 172, 181, contracosta, 129-130
256-257, 518-519 expansão em, 145-166, 178-179
aguardente de cana, ver cachaça mi scigenação, 199 ( ver ramhém rela-
Brasil, 23, 27-28, 41, 46, 69-71, 73- ções sexuais e miscigenação)
-74, 132-139, 185,494 missionários , 280-281, 286-287

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