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Ética, Política e

Sociedade

2013
Copyright © UNIASSELVI 2013

Elaboração:
UNIDADE I
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Sandro Luiz Bazzanella
André Bazzanella
Vera Lúcia Hoffmann Pieritz

UNIDADE II
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Sandro Luiz Bazzanella
André Bazzanella

UNIDADE III
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Vera Lúcia Hoffmann Pieritz
Isabella Maria Nunes Ferreirinha.

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

172
T231e Tavares, Fábio Roberto
Ética, política e sociedade / Fábio Roberto Tavares (Org.).
Indaial : Uniasselvi, 2013.
233 p. : il

ISBN 978-85-7830-727-1

1. Ética política.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Impresso por:
Apresentação
A vida vem nos apresentando situações em que as condutas morais vêm se
transformando constantemente. Mas em meio às transformações das condu-
tas morais, dos costumes que a sociedade vem sofrendo, os valores vão se
transformando em outros e em outros mais.

A ética e a moral são os condutores para a sustentabilidade de uma sociedade


mais humana, mais justa, mais igualitária. É o bem comum que subsidia as
condições para as condutas morais, para a manutenção de valores que coadu-
nam com o interesse coletivo. Estas temáticas estarão presentes na Unidade 1
do nosso Caderno de Estudos, além de conceitos que nos farão compreender
melhor a ética, a moral, o sujeito e a sociedade.

Na Unidade 2, você irá perceber que a nossa vida é norteada por política,
porque ela faz parte dela até a morte. Somos sujeitos sociais e vivemos em
conjunto, em uma organização social. Nós nascemos, vivemos e morremos
em uma organização. Essas organizações são geridas por uma política. Quan-
do nascemos dependemos de um hospital e, portanto, uma política de saúde
pública; se vamos para uma creche ou escola de educação infantil, depende-
mos de uma política educacional.

Você vai acompanhar o movimento do pensamento que construiu as teorias


filosóficas a partir das concepções dos filósofos. De forma linear e gradativa,
começamos com a ideia de política na Grécia antiga, até o modelo adotado
pelo Estado brasileiro. Em alguns momentos vamos apresentar dicas de lei-
turas e filmes para que você possa se utilizar de outros instrumentos que lhe
servirão de aprendizado.

Quando o assunto é política podemos nos calar e apenas ouvir, ou nos infla-
mar com discussões que orbitam entre o senso comum e a paixão cega por
um candidato ou partido político. Essas posturas, no entanto, não traduzem
o verdadeiro sentido de discussão ou pensamento político, mas de discussão
partidária e individualista. É o que veremos na segunda unidade deste nosso
caderno.

Passamos a maior parte de nossa vida trabalhando e pagando contas dos mais
diferentes tipos. Por isso, o modelo político de nossos pais é muito da nossa
conta, da nossa responsabilidade. É assim que vivemos em sociedade.

E sociedade é o tema central da nossa terceira unidade. Como a sociedade


se apresenta a nós, como ela vai se transformando, evoluindo. A sociedade é
global. Vivemos em um mundo global. Para isso, devemos entender o proces-
so histórico da globalização e seus impactos econômicos, políticos, culturais e
III
sociais. Vamos falar dos processos de mudança em nossa sociedade, discutir
que cidadão se desenvolve nessa realidade, que homem, com que direitos e
com que deveres acontece essa evolução da sociedade com esse cidadão em
seu seio. Vamos também estudar nessa unidade o que grandes pensadores
contribuem neste pensar uma sociedade com suas principais características.

É pouco? Acredito que não. Tudo isso foi desenvolvido para que você possa,
no exercício da leitura, do estudo, do aprofundamento, compreender e fixar
o aprendizado de forma autônoma, que é a intenção desse modelo de ensino
– EaD.

Portanto, vamos à leitura, ao estudo e à reflexão deste caderno.

Bons estudos!

Prof. Fábio Roberto Tavares

UNI

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades
em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o


material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato
mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – A ÉTICA E A MORAL .................................................................................................. 1

TÓPICO 1 – ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL ....................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3
2 A ÉTICA .................................................................................................................................................. 3
2.1 CONCEITO ....................................................................................................................................... 3
2.2 O CAMPO DA ÉTICA . ................................................................................................................... 6
2.3 O VALOR DA ÉTICA ...................................................................................................................... 7
2.4 ÉTICA E JUSTIÇA ........................................................................................................................... 9
2.5 ÉTICA E FILOSOFIA . .................................................................................................................... 10
3 A MORAL ............................................................................................................................................... 11
3.1 CONCEITO DE MORAL ................................................................................................................ 12
3.2 CAMPO DA MORAL . .................................................................................................................... 14
3.3 MORAL, AMORAL E IMORAL .................................................................................................... 16
4 CONCEPÇÕES DOUTRINAIS DA GRÉCIA ANTIGA À CONTEMPORANEIDADE ........ 17
4.1 IDADE ANTIGA .............................................................................................................................. 17
4.2 IDADE MÉDIA . ............................................................................................................................... 20
4.3 IDADE MODERNA . ....................................................................................................................... 21
4.4 IDADE CONTEMPORÂNEA ........................................................................................................ 26
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 27
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 34
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 35

TÓPICO 2 – A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS .......................................................... 37


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 37
2 EXISTEM DIFERENÇAS? ................................................................................................................... 37
3 PROBLEMAS MORAIS E ÉTICOS ................................................................................................... 41
4 CONDUTA MORAL: O BEM E O MAL, O CERTO E O ERRADO ........................................... 43
5 O SUJEITO ÉTICO-MORAL .............................................................................................................. 44
6 A GÊNESE DA CONSCIÊNCIA MORAL: A NECESSIDADE DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO .................................................................................................. 46
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 48
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 54
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 55

TÓPICO 3 – A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE .................................................................... 57


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 57
2 VALORES ............................................................................................................................................... 57
3 ÉTICA E LIBERDADE: LIBERDADE COMO CAPACIDADE HUMANA ............................... 64
4 A ESSÊNCIA DA MORAL COM EMBASAMENTOS ÉTICOS PARA A
VIDA COTIDIANA .............................................................................................................................. 67
5 RELAÇÕES HUMANAS SOCIAIS ................................................................................................... 68
6 DIFERENTES TIPOS DE INTERESSES ........................................................................................... 72
6.1 O BEM COMUM .............................................................................................................................. 72

VII
6.2 O INTERESSE INDIVIDUAL ......................................................................................................... 73
6.3 O INTERESSE COLETIVO ............................................................................................................. 73
6.4 O INTERESSE PÚBLICO ................................................................................................................ 74
6.5 O INTERESSE PROFISSIONAL . ................................................................................................... 74
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 75
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 78
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 79

UNIDADE 2 – A POLÍTICA .................................................................................................................. 81

TÓPICO 1 – A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL ................................................................... 83


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 83
2 O PENSAMENTO POLÍTICO NA IDADE MÉDIA ...................................................................... 83
3 ÉTICA CRISTÃ ..................................................................................................................................... 85
3.1 AGOSTINHO DE HIPONA ........................................................................................................... 90
3.2 TOMÁS DE AQUINO ..................................................................................................................... 93
4 A POLÍTICA NA MODERNIDADE ................................................................................................. 95
5 A CONTEMPORANEIDADE - NOVOS DESAFIOS E QUESTIONAMENTOS .................... 99
6 A SOLIDARIEDADE TEM VEZ? ...................................................................................................... 103
7 ALGUMAS QUESTÕES POLÊMICAS DA ATUALIDADE ........................................................ 105
7.1 FAMÍLIA ........................................................................................................................................... 106
7.2 SOCIEDADE CIVIL ......................................................................................................................... 107
7.3 ESTADO ............................................................................................................................................ 111
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 112
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 115
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 116

TÓPICO 2 – A FILOSOFIA POLÍTICA ............................................................................................... 117


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 117
2 POLÍTICA PARA TODOS .................................................................................................................. 117
3 ASPECTOS FILOSÓFICOS DA POLÍTICA .................................................................................... 121
4 POLÍTICA E ÉTICA ............................................................................................................................. 124
4.1 DILEMAS ÉTICOS . ......................................................................................................................... 128
4.2 ASPECTOS DA CONSCIÊNCIA ÉTICA E DA LEI .................................................................... 129
4.3 ÉTICA COMO INSTRUMENTO POLÍTICO DE GESTÃO E LIDERANÇA .......................... 130
5 A PRÁTICA MORAL EM NOSSA SOCIEDADE .......................................................................... 132
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 136
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 138
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 139

TÓPICO 3 – A POLÍTICA E O BRASIL ............................................................................................... 141


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 141
2 FAMÍLIA REAL NO BRASIL ............................................................................................................. 141
3 A DEMOCRACIA ................................................................................................................................. 143
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 146
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 148
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 149

UNIDADE 3 – A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO ............................................... 151

TÓPICO 1 – VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO ....................................................................... 153


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 153
2 A GLOBALIZAÇÃO ............................................................................................................................. 153

VIII
3 A SOCIEDADE CAPITALISTA ......................................................................................................... 160
3.1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................................................ 160
3.2 CARACTERÍSTICAS ....................................................................................................................... 165
4 A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO, SER SOCIAL E ÉTICA ........................................................ 167
4.1 O QUE É TRABALHO? . ................................................................................................................. 168
4.2 A ÉTICA DO TRABALHO ............................................................................................................. 169
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 171
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 174
AUTOATIVDADE ................................................................................................................................... 175

TÓPICO 2 – PENSANDO A SOCIEDADE ......................................................................................... 177


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 177
2 GRANDES PENSADORES.................................................................................................................. 177
2.1 AUGUSTE COMTE ......................................................................................................................... 177
2.2 ÉMILE DURKHEIM ........................................................................................................................ 178
2.3 DURKHEIM E A EDUCAÇÃO . .................................................................................................... 181
2.4 MARX E ENGELS ............................................................................................................................ 182
2.5 MARX E A EDUCAÇÃO ................................................................................................................ 186
2.6 MAX WEBER .................................................................................................................................... 188
2.7 WEBER E A EDUCAÇÃO .............................................................................................................. 193
2.8 ZYGMUNT BAUMAN ................................................................................................................... 194
2.9 JÜRGEN HABERMAS .................................................................................................................... 196
2.10 HANS JONAS . ............................................................................................................................... 198
3 SOCIEDADE DO CONTROLE .......................................................................................................... 201
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 205
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 206

TÓPICO 3 – SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO ...................................................................... 207


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 207
2 NOVOS CIDADÃOS ........................................................................................................................... 207
2.1 CONCEITO DE CIDADANIA ....................................................................................................... 208
3 UM NOVO HOMEM ........................................................................................................................... 213
3.1 HOMEM OPERACIONAL ............................................................................................................. 213
3.2 HOMEM REATIVO ......................................................................................................................... 214
3.3 HOMEM PARENTÉTICO . ............................................................................................................. 214
4 UMA NOVA SOCIEDADE COM RESPONSABILIDADE .......................................................... 215
4.1 A RESPONSABILIDADE SOCIAL ................................................................................................ 215
4.2 DIREITOS COM JUSTIÇA SOCIAL . ............................................................................................ 219
4.3 RESPEITO À DIVERSIDADE E AO PLURALISMO .................................................................. 221
5 A SOCIEDADE EM CONSTRUÇÃO ............................................................................................... 223
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 226
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 227
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 228

IX
X
UNIDADE 1

A ÉTICA E A MORAL
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Sandro Luiz Bazzanella
André Bazzanella
Vera Lúcia Hoffmann Pieritz

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• compreender o conceito de ética e o conceito de moral;

• verificar a evolução da conduta moral ao longo dos anos;

• identificar a importância da ética e da moral para o desenvolvimento da


sociedade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles, você
encontrará um resumo e atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 – ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

TÓPICO 2 – A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

TÓPICO 3 – A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

Assista ao vídeo
desta unidade.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

1 INTRODUÇÃO
Vamos iniciar este tópico buscando a compreensão dos conceitos de ética
e moral, assim como sua contribuição para a valorização das relações humanas.

Não podemos falar de ética sem vislumbrar a filosofia como fundamento


da própria ética e da moral. A filosofia foi campo fértil, ao longo da história da
humanidade, para o desenvolvimento da moral e da ética como parte integrante
de uma sociedade que queremos sempre melhor. Enquanto a filosofia nos lança
nos questionamentos acerca do que é certo e do que é errado, a ética nos conduz
no caminho daquilo que acreditamos ser o melhor para nós mesmos e para os
outros. Com esta unidade você terá oportunidade de aprender a construção
histórica e social da moral, bem como os conceitos de valor e da ética. Também
terá oportunidade de perceber que a moral está fundamentada (como a fundação
de uma construção) a um ethos que foi constituído durante a modernidade pelo
modelo epistemológico inaugurado naquele período. Você poderá analisar e
refletir sobre os valores que norteiam o nosso agir nos dias atuais e como esse agir
foi se modificando na história da cultura ocidental.

2 A ÉTICA

Ao longo da história da humanidade, várias têm sido as áreas que fomentam


reflexões acerca da ética, até porque a humanidade necessita de acordos para que
a sua interação e convivência se tornem sustentáveis. Por isso vamos também
estudar as concepções doutrinais da Grécia até a contemporaneidade.

É nessa perspectiva, da convivência, do entendimento, que queremos


trabalhar os conceitos a seguir.

2.1 CONCEITO

Quando falamos de ética, não podemos limitar a uma realidade somente


conceitual, em que as práticas encontram-se distanciadas do nosso dia a dia, mas,
na verdade, ao estudarmos a ética poderemos observar que a mesma se encontra
implícita nas ações humanas.

3
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

No nosso dia a dia, a ética tem presença garantida, porque ela faz parte do
ser humano em todas as suas atividades, funções, espaço, ou seja, na família, no
trabalho, no lazer, enfim, onde o ser humano interage com outro, a ética aí se faz
presente.

Uma boa percepção de ética vem de Solomon (2006, p. 12), segundo o


qual “estudar ética não é escolher entre o bem e o mal, mas é se sentir confortável
diante da complexidade moral”. Nesse sentido, estudar, refletir e entender ética, a
sua mais-valia, se faz ao pensarmos no contexto da nossa sociedade, nas atitudes
humanas.

FIGURA 1 – ÉTICA

FONTE: Disponível em: <http://filosofiapibidufba.blogspot.com.br/2011/04/o-termo-


etica-deriva-do-grego-ethos.html>. Acesso em: 8 maio 2012.

ATENCAO

Caro(a) acadêmico(a)! Você sabe a diferença entre ética e moral?

Diversas questões éticas e morais são facilmente confundidas, como coloca


Valls (1994, p. 7): “A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas
que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta”.

Vejamos então algumas definições sobre ética dentre as referências


bibliográficas pesquisadas, para nos auxiliar na formação do conceito de ética:

4
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

Tradicionalmente, ela é entendida como um estudo ou uma reflexão,


científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes
ou sobre as ações humanas. Mas também chamamos de ética a própria
vida, quando conforme aos costumes, e pode ser a própria realização de
um tipo de comportamento. (VALLS, 1994, p. 7).

“A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em


sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano.”
(VÁZQUEZ, 2003, p. 23).

Ética é a ciência da conduta humana, segundo o bem e o mal, com vistas


à felicidade. É a ciência que estuda a vida do ser humano, sob o ponto
de vista da qualidade da sua conduta. Disto precisamente trata a Ética,
da boa e da má conduta e da correlação entre boa conduta e felicidade,
na interioridade do ser humano. A Ética não é uma ciência teórica ou
especulativa, mas uma ciência prática, no sentido de que se preocupa
com a ação, com o ato humano. (ALONSO; LÓPEZ; CASTRUCCI, 2006,
p. 3).

Etimologicamente falando, ética é derivada do grego ethos, que significa


costume, hábitos e valores de determinada coletividade. A palavra moral deriva
do latim mos – ou mores no plural – que também significa costume ou as normas
adquiridas como hábito. Segundo o Houaiss (2009, p. 324), ética é: “1) Estudo dos
juízos de apreciação que se referem à conduta humana, do ponto de vista do bem
e do mal; 2) Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser
humano”.

A Ética é um saber científico que se enquadra no campo das Ciências


Sociais. É uma disciplina teórica, um sistema conceitual, um corpo de
conhecimentos que se torna inteligível aos fatos morais. Mas o que
são fatos morais? São os fatos sociais que dizem respeito ao bem e ao
mal, juízos sobre as condutas dos agentes, convenções históricas sobre
o que é certo e errado, justo e injusto, o que é certo ou errado? Toda
coletividade formula e adota os padrões morais que mais lhe convém.
(SROUR, 2003, p. 7-8).

Portanto, do ponto de vista etimológico, ética e moral significam a mesma


coisa, contudo há o limiar tênue entre uma e outra. E isso você poderá observar
à medida que vamos nos aprofundando no assunto. Veja então, resumidamente:
“A ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou
forma de comportamento dos homens, ou da moral, considerado, porém, na sua
totalidade, diversidade e variedade”. (VÁZQUEZ, 2003, p. 21). A moral é o estudo
dos costumes de uma determinada sociedade numa determinada época e lugar.

O que Srour (2003) quer observar é que a ética será sempre o estudo dos
valores morais, e esses se relativizam conforme a história da humanidade.

Vários exemplos de práticas da coletividade mundial poderiam se perfilar


aqui. E chegaríamos à conclusão de que as condutas morais, independente de
serem aceitáveis ou não do nosso ponto de vista, são práticas de uma sociedade.
Vamos citar alguns exemplos que você poderá aprofundar:

5
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Infanticídio significa assassínio de recém-nascido ou de criança; o ato


de matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante
o parto ou logo depois. O infanticídio feminino é prática que ainda
acontece na China, em função da política do único filho. (FERREIRA,
2001, p. 417).

Outro exemplo de prática é a excisão feminina ou circuncisão feminina. É


a mutilação genital feminina, prática realizada em meninas adolescentes para que
não tenham prazer no ato sexual.

UNI

• Excisão feminina ou circuncisão feminina: WARIS, Dirie;


MILLER, Cathleen. Flor no deserto. São Paulo: Editora Hedra, 2001.
Esse livro é um relato de Waris Dirie, modelo internacional e
embaixadora das Organizações das Nações Unidas – ONU, em que
luta pela erradicação da mutilação genital feminina. Nascida no
deserto da Somália, Waris Dirie foi mutilada igualmente a muitas outras
meninas. Ela foge de seu país e chega a Londres, onde desenvolveu
trabalhos domésticos até se projetar mundialmente como modelo e
porta-voz da luta contra a circuncisão feminina. Você pode encontrar
com o mesmo título em DVD.

2.2 O CAMPO DA ÉTICA


Embora a ética seja um assunto basicamente filosófico, seu campo de
atuação e reflexão pode ser estendido por todas as áreas. A ética também se divide
em vários campos do saber: teologia, filosofia, psicologia, direito, economia e
outros.

A ética como disciplina teórica busca explicar e indicar o melhor comportamento


do ponto de vista moral, mas como toda teoria não se distancia da prática, porque é a
prática do comportamento humano que a sustenta e tem como função fundamental
“explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos
correspondentes”. (VÁZQUEZ, 2003. p. 20).

Os problemas teóricos da ética podem ser divididos em dois campos:

1) os problemas gerais e fundamentais: liberdade, consciência, bem, valor, lei e


outros;
2) os problemas específicos: aplicação concreta, ou seja, ética profissional, ética
política, entre outros.
FONTE: Adaptado de: Valls (1994, p. 8)

6
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

Srour (2011) aborda as acepções e confusões que a ética provoca. Ele


considera que existem três tipos de acepções que podem causar confusões, porque
ampliam demais as concepções da ética:

1 - A ética é descritiva – que corresponde a juízo de valor, ou seja, quem tem boa
conduta pode ser considerado como uma pessoa ética, ou seja, uma pessoa
virtuosa e íntegra. Enquanto quem não condiz com as expectativas sociais pode
ser considerado ‘sem ética’. Nesse sentido, Srour (2011) considera que a ética
assume uma ideia simplista reduzida a um valor social, ou apenas um adjetivo.

2 - A ética é prescritiva – a ética como “sistema de normas morais ou a um código de


deveres” (SOUR, 2011, p. 19), ou seja, os padrões morais que deveriam conduzir
categorias sociais ou organizações passam a se chamar de código de ética; nesse
sentido de prescrição a ética e moral tornam-se sinônimo indistinguível.

3 - A ética é reflexiva – que corresponde à teoria de um estudo sistemático


como objeto de investigação que, ao transitar por diferentes áreas, pode ser
considerada como:

• Ética filosófica – que reflete sobre a melhor maneira de viver (ideais morais).
• Ética científica – que estuda, observa, descreve e explica os fatos morais (a
moralidade como fenômeno).

ATENCAO

A ética filosófica quer refletir sobre a maneira de viver.


A ética científica quer observar e descrever a maneira de viver.

Visto tudo isso, você pode pensar: então estudar ética é muito complicado?
Claro que não, a ética dá a oportunidade para refletir a maneira de viver e entender
os costumes do nosso tempo.

2.3 O VALOR DA ÉTICA

Qual seria mesmo o valor da ética para a sociedade? A ética é o discernimento


de que, embora existam práticas que poderiam ser consideradas ‘morais’, por se
tratarem de recorrentes na sociedade, ainda assim são práticas que não se suportam
do ponto de vista ético. A corrupção, por exemplo, tem sido ato recorrente no
cenário político nacional e nem por isso tornou-se moral e eticamente aceitável.

Então podemos dizer que tudo que é legal é moral? Ou se é moral é legal?
Todos nós conhecemos algumas práticas que com o passar do tempo tornaram-se

7
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

costumes e hábitos. Mas não quer dizer que práticas como a corrupção passarão a
ser aceitas, pela sua recorrência ou porque a sociedade já se acostumou.

Práticas que prejudicam a maioria, que não preservam o bem comum, que
não beneficiam a sociedade, que não preservam a felicidade apontam ao valor
da ética, porque é através da ética que é possível fundamentar a moralidade e a
legalidade.

Então é por isso que a ética tem enorme valor para a sociedade como um
todo, porque seu papel é fazer reflexões acerca do comportamento humano e a
preservação do bem comum e da felicidade da ‘cidade’.

ATENCAO

Nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal.

As questões de legalidade, ilegalidade, moralidade e imoralidade,


apresentadas por Srour (2003), são muito importantes para que se possa observar
na prática o que há de legal e moral nas ações do nosso cotidiano.

Nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal. Vejamos
algumas situações apresentadas por Srour (2003, p. 59), de acordo com o quadro
que segue:

QUADRO 1 – LEGALIDADE E MORALIDADE

Quanto à legalidade? Quanto à moral? Exemplo:


Treinamento de funcionários
LEGAL MORAL
patrocinado por uma empresa.
Falta de correção da tabela do
Imposto de Renda por longos anos,
LEGAL IMORAL sob a alegação de que fazê-lo seria
introduzir o instituto de correção
monetária.
Desrespeito aos sinais vermelhos
ILEGAL MORAL de madrugada nas grandes cidades
pelo receio de assaltos.
ILEGAL IMORAL As fraudes em licitações públicas.
FONTE: Adaptado de: Srour (2003, p. 59)

8
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

Estudar ética, falar de ética, refletir sobre a ética é, portanto, entender toda
a dimensão da sociedade, da humanidade. A ética, por si só, não vai elaborar um
manual de condutas, nem tampouco elencar um rol de atitudes certas e erradas.

2.4 ÉTICA E JUSTIÇA


O trabalho em sociedade implica tomar decisões. A todo tempo se decide
sobre questões gerais e específicas, internas e externas de uma organização.

De acordo com Alonso, Lopes e Castrucci (2010, p. 110), existem três tipos
de características na tomada de decisões:

1) decisão pessoal – é o ato humano, livre e de inteira responsabilidade


de quem toma a decisão;
2) decisão ética – é o ato do homem, em que a moralidade norteia;
3) decisão que afeta outrem – é a decisão que considera princípios éticos
e toma conhecimento dos direitos e limita-se a tais aspectos.

O que os autores querem esclarecer é que as decisões envolvem essas três


características: o aspecto pessoal da decisão, a moralidade e a ética do quanto a
decisão pode interferir no outro.

A ética influencia o processo de tomada de decisão para determinar quais


são os principais valores. A tomada de decisão envolve momentos de escolha entre
o bem e o mal e entre o bem e o bem. É nesse momento que a alteridade e a justiça
tomam parte.

A tomada de decisão envolve a alteridade, que é o senso de justiça, porque


diz respeito aos outros. Dessa forma, existem tipos de justiça a conhecer que não se
esgotam por si só, mas organizam a sociedade e dão as prioridades.

● Justiça social – a justiça social apresenta duas vertentes: a) justiça legal – que
são as obrigações dos cidadãos para com o Estado; b) justiça distributiva – que
são as obrigações do Estado para com seus cidadãos.

● Justiça legal – “compreende as obrigações dos cidadãos para a sociedade


politicamente organizada, tais como pagamento de impostos, prestação de
serviços públicos (serviço militar, serviços emergenciais) etc.” (ALONSO;
LOPES; CASTRUCCI, 2010, p. 111).

● Justiça distributiva – leva em consideração o mérito, ou seja, procura respostas


às desigualdades e regula as relações entre a comunidade, tais como o imposto
de renda: quem ganha mais paga mais e quem ganha menos paga menos ou
não paga.

9
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

● Justiça comutativa – vem do direito positivo, também conhecida como corretiva,


é a justiça que intercede entre as pessoas físicas ou jurídicas, em virtude de
contratos em que são fixadas as obrigações das partes.

● Justiça equitativa – é aquela que parte do pressuposto de que todos são iguais.

A justiça, junto à moral e à ética, conduz o ser humano a práticas mais


eficientes. Nesse caso, não estamos falando da justiça como entidade jurídica, mas
da justiça de realizar ações que sejam de consciência ética e moral e, é claro, legal.

2.5 ÉTICA E FILOSOFIA

A ética tornou-se um campo vasto nas diversas áreas científicas. Na área


médica, por exemplo, existe uma grande preocupação quanto ao que é ético ou
não nas pesquisas de campo, por se tratarem de pesquisas que lidam com o ser
humano. Existe um código de moral, na verdade chamado de código de ética, que
limita e/ou exige que a integridade do ser humano seja respeitada.

Apesar de hoje a ética ser uma disciplina adotada em quase a totalidade


de áreas existentes, seja nas ciências exatas, humanas, biomédicas, sociais, entre
outras, ainda assim, para que se possa entender a complexidade de seu dinamismo
e, por que não, a simplicidade de sua reflexão, não se pode fugir da sua origem
filosófica.

A filosofia é o arcabouço para os desdobramentos da ética, por isso


que existem algumas correntes que argumentam contra o caráter científico e
independente da ética. A respeito disso, Vázquez (2003, p. 25) observa:

Mas, já como assinalamos, isso se aplica a um tipo determinado de


ética – a normativa –, que se atribui a função fundamental de fazer
recomendações e formular uma série de normas e prescrições morais;
mas esta objeção não atinge a teoria ética, que pretende explicar a
natureza, fundamentos e condições da moral, relacionando-a com as
necessidades sociais do homem.

Nesse sentido, a apropriação da ética, seja no sentido filosófico ou científico,


busca na fonte filosófica a doutrina para melhor entender a ética, seja em qual área
for.

Vamos então para o próximo passo. Já vimos alguns conceitos que


aproximam a ética da moral. No próximo ponto vamos então entender a moral,
sem deixar de recorrer à ética, pois você deve ter percebido que não é possível falar
de ética sem falar da moral e vice-versa.

10
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

3 A MORAL

Caro acadêmico! Conversamos no primeiro ponto sobre a ética e você pode


perceber que já apareceram alguns aspectos da moral, ou seja, existe uma interface
entre moral e ética que é indissociável. O importante desse ponto é dar destaque
ao conceito de moral e você compreender o comportamento humano em relação ao
que é moral. Vamos seguir praticamente o caminho do conhecimento dos pontos
desenvolvidos em relação ao estudo da ética.

3.1 CONCEITO DE MORAL

De acordo com Srour (2003), a ética é perene e a moral é mutável. A ideia de


ética é que ela não muda, a ética faz reflexões acerca dos costumes, que é o campo
da moral. Para melhor compreendermos, no Brasil, temos a história da mulher
como um bom exemplo de mudança de costumes e, por conseguinte, mudança de
valores morais.

UNI

• História da mulher no Brasil: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das


mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.
Essa obra conta a trajetória das mulheres, desde o Brasil colonial. O
livro narra a história da mulher, os principais aspectos de seu tempo e
interseções, como: família, trabalho, mídia, literatura, violência, entre outros.

Até a década de 30, a mulher não podia votar e nem ser votada, portanto o
sufrágio feminino foi uma conquista de equiparar a mulher ao homem e torná-la
um membro da sociedade como qualquer um, ou seja, uma pessoa participativa
aos desígnios políticos do país.

No cenário político nacional, a primeira mulher a se tornar deputada


federal foi em 1933, e somente em 1979 foi eleita a primeira senadora. Em 2011 o
país elegeu pela primeira vez uma mulher como Presidente da República. Se você
observar os anos – 1933, 1979 e 2011 –, verá o quanto demora para que os valores se
transformem e, ao mesmo tempo, depois de estabelecida a mudança, esses valores
tornam-se tão familiares que nem mais pensamos nessa trajetória de conquista e
transformação.

11
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

No mundo do trabalho, a mulher conquistou espaço tardiamente, e por


esse motivo, várias são ainda as desigualdades entre a mulher e o homem no
mundo do trabalho. Existem diversas pesquisas que apontam mulheres e homens
com mesmo nível de escolaridade e mesma função e que têm salários diferentes.

FIGURA 2 – A CONQUISTA DA MULHER

FONTE: Disponível em: <http://paduacampos.com.br/2012/2012/07/27/


charge-elas-estao-ocupadas-mesmo/>. Acesso em: 27 maio 2013.

Não se pretende aqui fazer algum tipo de apologia à mulher, muito pelo
contrário, a mulher é só um bom exemplo para que possamos perceber o quanto
ela se transformou perante a sociedade. Antes ela não votava e nem era votada,
antes ela não trabalhava fora de casa, antes a sua vida limitava-se a cuidar de filhos
e marido e da casa. E hoje?

FIGURA 3 – CONQUISTA DA MULHER

FONTE: Disponível em: <http://andorinharosa.blogspot.com.br/2009/03/


um-poema-em-homenagem-ao-dia.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

12
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

E
IMPORTANT

A moral é temporal e é reflexo dos costumes da sociedade.

Portanto, a moral são os costumes, são as práticas do comportamento humano


e as práticas aceitáveis de uma sociedade. Então, como esses costumes, práticas e
culturas mudam? Mudam quando a própria sociedade clama por mudanças ou
quando, a partir de um movimento de um grupo, procura-se conscientizar o resto da
sociedade da importância de pensar e agir diferente. Foi dado o exemplo da mulher,
mas muitos são os outros exemplos que se enquadrariam nesse momento para ilustrar
essa transformação de valor e costume, a exemplo do homossexualismo, doenças
que carregavam preconceitos e hoje não mais, entre outros grandes exemplos.

Então se pode dizer que a moral é mutável, como diziam os romanos – “o


tempora, o mores” – ou seja, os costumes mudam com o tempo.

Srour (2003, p. 56) elenca alguns itens para a compreensão do que vem a
ser moral:

● É um sistema de normas culturais que pauta as condutas dos agentes sociais


de uma determinada coletividade e lhes diz o que é certo ou não fazer.
● Depende da adesão de seus praticantes aos pressupostos e valores que lhe
servem de fundamentos.
● Representa um posicionamento diante das questões polêmicas ou sensíveis
e constitui um discurso que justifica interesses coletivos.
● Organiza expectativas coletivas ao selecionar e definir melhores práticas a
serem observadas.
● Tem natureza simbólica, essência histórica e caráter plural, e seus cânones
variam à medida que espelham as coletividades históricas que o cultivam.

Srour (2003, p. 57) ainda resume a moral comparativamente à ética:

Por isso mesmo, as morais são as nervuras sensíveis das culturas e dos
imaginários sociais, as peças de resistência que armam as identidades
organizacionais, códigos genéticos das condutas sociais requeridas
pelas coletividades. Assim sendo, enquanto as morais correspondem às
representações mentais que dizem aos agentes sociais o que se espera
deles, quais comportamentos são recomendados e quais não o são, a
ética diz respeito à disciplina teórica e ao estudo sistemático dessas
morais e de suas práticas efetivas.

Portanto, o quadro que segue auxilia na formulação de um comparativo

13
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

entre ética e moral, para que essas palavras-chave possam ajudar na diferenciação
de uma e outra.

QUADRO 2 – COMPARATIVO ENTRE ÉTICA E MORAL

ÉTICA MORAL
Perene Temporal
Universal Cultural
Regra Conduta da regra
Teoria Prática
FONTE: A autora

A ética é perene porque as suas reflexões são num curso contínuo e eterno,
sempre haverá reflexões sobre a ética. Já a moral é temporal, porque de acordo com
o tempo, os costumes e valores de uma sociedade se modificam.

A ética é universal porque as suas reflexões independem da cultura,


sociedade ou tempo histórico, as suas reflexões cabem em qualquer lugar e em
qualquer tempo, porque se referem ao comportamento humano. A moral é cultural
porque em cada sociedade, em cada lugar, os costumes e valores serão diferentes.

A ética é regra, porque não existe mutabilidade em suas reflexões, as suas


reflexões é que podem ser realizadas perante as mudanças. A moral é conduta de
regra, porque é preciso relacionar os valores para que a moral possa instituir a sua
conduta.

A ética é teoria porque está situada no campo das reflexões, enquanto a


moral se refere às práticas do comportamento humano, seus costumes, seus hábitos
e seus valores.

Essas as principais diferenças entre ética e moral, que ajudam para auxiliar
na compreensão quanto às suas ramificações e desdobramentos.

3.2 CAMPO DA MORAL

O campo da moral, pela sua mutabilidade, se torna um campo vasto, em


que se possibilita uma multiplicidade de ações. Até porque a moral é oriunda das
ações e interações humanas. A moral, portanto, está em toda parte, nas escolas, nas
igrejas, nos hospitais, nas organizações privadas e públicas.

É através da moral que os códigos de convivência são estipulados, para que


as pessoas se comportem adequadamente e também para que haja harmonia na
interação humana e da instituição.

14
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

Do ponto de vista dessas ações humanas existem dois universos que se


constroem perante o fim de suas ações: universal e particular.

Na administração pública, por exemplo, os atos administrativos devem


estar voltados ao universal, porque as suas ações sempre devem preservar o
interesse coletivo, portanto no meio da administração pública não cabem atos
administrativos voltados ao interesse particular.

O campo da moral é vasto, a moral é o alicerce para que a sociedade


possa estipular as suas regras de convivência. Portanto, condutas morais não são
exclusividade da administração pública, as condutas morais estão presentes a todo
tempo e em qualquer lugar.

Se você for um servidor público, legislador, ou quem sabe um responsável


na elaboração de políticas públicas, ou simplesmente um cidadão, deve se
perguntar: Quem são as pessoas que irão se beneficiar com a minha ação? Quais
são as atitudes mais apropriadas para que um maior número de pessoas possam
se beneficiar com as minhas atitudes? A minha ação é de interesse próprio ou de
interesse coletivo?

Essas perguntas e tantas outras ajudam a sinalizar em qual campo da moral


se encaminham as nossas ações.

Segundo Srour (2011), existem dois universos que se podem tomar como o
início para melhor compreensão da prática moral: particularismo e universalismo.

FIGURA 4 – UNIVERSALISMO E PARTICULARISMO

FONTE: Srour (2011, p. 9)

15
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

O universalismo dita as condutas morais positivas, em que existe o


consenso para que o bem comum seja preservado. Nesse sentido, mesmo quando
existem ações voltadas ao interesse de uma minoria ou de um grupo específico,
ainda assim esses interesses não vão se confrontar com o interesse dos demais.
Não há uma rivalidade de interesses, pelo contrário, a satisfação dos interesses se
dá de forma consensual.

No particularismo, os interesses pessoais ou de um grupo se prevalecem


em detrimento do interesse de outros, por isso são práticas negativas. Não
há um consenso de quem precisa mais, para que as práticas nesse universo
sejam realizadas de forma consensual e em preservação do bem comum. Pelo
contrário, existe uma rivalidade de interesses para que a vontade de uns se
realize independente da necessidade de um ou de outro ser maior.

A administração pública, com certeza, está na esfera do universalismo, e


é por isso que ela existe e é dessa forma que ela deve servir aos cidadãos. Mas
o servidor público, que é o condutor da prática do serviço público, poderá se
encontrar na polaridade da escolha entre universalismo e o particularismo, em
pequenas atitudes do seu cotidiano.

3.3 MORAL, AMORAL E IMORAL

No item anterior foi possível diferenciar fatos morais de fatos sociais, e


dissemos ainda que um fato moral pudesse afetar positivamente ou negativamente
outrem. Então fato moral se divide em moral, quando positivo, e imoral quando
negativo. E fato social seria o que alguns autores chamam amoral.

Então, o que é agir conforme a moral? O que é o agir imoralmente? Ou o


que é uma atitude amoral? Como podemos diferenciá-los? De forma bem resumida
pode-se dizer que:

● Moral – é agir conforme os valores da sua organização ou sociedade sem


prejudicar os outros.

● Imoral – é uma atitude que vai contra as normas e valores de uma organização
ou sociedade e que prejudica os outros.

● Amoral – quando uma atitude não influi nem positiva e nem negativamente,
ou seja, é uma ação neutra.

Pode-se concluir que uma atitude moral é uma ação positiva, uma atitude
imoral é uma ação negativa e uma atitude amoral é uma ação neutra. Dessa forma,
o âmbito da moral é decidir como agir, é uma questão da prática, enquanto que o
âmbito da ética é refletir sobre essas ações e suas implicações na felicidade humana.

16
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

4 CONCEPÇÕES DOUTRINAIS DA GRÉCIA ANTIGA À


CONTEMPORANEIDADE

O conceito de ética visto anteriormente, bem como sua relação com a


filosofia, com a moral, nos mostrou a grande contribuição e importância da corrente
filosófica ao mundo da ética e da moral. Neste ponto sobre concepções doutrinais
da Grécia antiga à contemporaneidade, vamos apresentar as principais doutrinas
éticas de acordo com o seu tempo.

4.1 IDADE ANTIGA

A Idade Antiga é representada pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles,


e é nessa época que a ética adquire extremo valor. Esses filósofos se preocupavam
com o ser no mundo físico, voltados aos problemas sociais e morais. Embora não
haja propriamente coesão no pensamento e doutrina dos três, ainda assim suas
ideias tornam-se próximas no sentido da reflexão acerca do homem e da cidade.

O estudo da Ética, se pode dizer, teve início com os filósofos Sócrates,


Platão e Aristóteles. O livro Ética a Nicômaco é uma obra de referência, em que a
ética vai determinar que a finalidade suprema é a felicidade (eudaimonia).

NOTA

Eudaimonia quer dizer felicidade para a filosofia. “Em geral, estado de satisfação de
alguém com sua situação no mundo”.
FONTE: Abbagnano (2007, p. 455-505)

17
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Nessa época, a questão da ética era o bem supremo da vida humana e, de


acordo com Passos (2004, p. 32), “não devia consistir em ter a sorte ou ser rico, por
exemplo, e sim em proceder e ter uma alma boa”.

Para Socrátes, a questão ética era o que bastava o homem saber, ter bondade
para ser bom. O conhecimento, para Sócrates, era uma virtude, porque pensava
que com o conhecimento o homem conseguia ser bom e ter a felicidade. Por esse
motivo é que há um entrelaçamento entre bondade, conhecimento e felicidade.

Para Platão, o conceito de cidade (polis) perfeita estava baseado em valores


éticos e morais. Platão aborda que os conceitos da mente humana não são reais,
mas sim imagens reflexas. Diferente de Socrátes, Platão considerava que a moral
é a arte de preparar o indivíduo para a felicidade que não se encontra na vida
terrena.

Em Aristóteles, a felicidade, finalidade suprema da ética, só pode ser


alcançada se o homem fosse capaz de moderar suas paixões. Aristóteles preocupou-
se com a forma como as pessoas viviam na sociedade e contribuiu muito para o
entendimento da ética e a busca da felicidade individual e coletiva. De acordo com
Passos (2004, p. 34), Aristóteles propunha uma ética finalista:

no sentido de visar um fim, no caso, que o ser humano pudesse alcançar


a felicidade. Entendia a moral como um conjunto de qualidades que
definia a forma de viver e de conviver das pessoas, uma espécie de
segunda natureza que guiaria o homem para a felicidade, considerada
a aspiração da vida humana.

Sócrates foi considerado um marco da filosofia, de modo que todos os


filósofos que antecederam a época dos filósofos citados são conhecidos por pré-
socráticos. Os pré-socráticos também eram conhecidos como naturalistas, ou
filósofos da natureza. Esses filósofos preocupavam-se mais em entender as coisas,
em dar explicação para a natureza e para o mundo.

FIGURA 5 – SER UM FILÓSOFO

FONTE: Disponível em: <http://www.umsabadoqualquer.com/category/socrates/>. Acesso em:


27 maio 2013.

18
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

NOTA

Sócrates (469-399 a. C.) – é responsável pelo método da indagação, o que se


restringe ao homem, sem interesse na natureza. “Identificação entre ciência e virtude, no
sentido de que só é possível ensinar e aprender a virtude, e não é possível praticar o bem sem
conhecê-lo”. (ABBAGNANO, 2007, p. 1085).
Platão (427-347 a. C.) – responsável pela doutrina das ideias, sabedoria e dialética. (ABBAGNANO,
2007, p. 892).
Aristóteles (394-322 a. C.) – responsável pelo conceito da metafísica, da lógica, inspirou várias
outras tendências do mundo medieval e moderno.
FONTE: Abbagnano (2007, p. 90)

A ideia da polis (cidade) é muito importante, porque é referência na


organização social da sociedade em prol do bem comum. É que os homens se
reuniam e decidiam o melhor para todos, assim como aborda Passos (2004, p. 32):

O surgimento da polis fez com que o centro da cidade passasse a ser a


praça pública, a ágora. Nela aconteciam as discussões e era permitida
a participação de todos os cidadãos, quais sejam: os homens adultos,
excetuando-se os escravos e os estrangeiros. Nessa nova forma de
organização social e política, a democracia, o logos, ou seja, a razão, a
palavra e o discurso tornaram-se mais importantes do que a condição
social e econômica do indivíduo. Isso porque se entendia que os
assuntos públicos dependiam do poder de argumentação.

Outro autor importante a que podemos recorrer é Passos (2004), que em


seu livro “Ética nas organizações”, discorre e elucida resumidamente sobre as
principais doutrinas éticas, apresentando como principais filósofos:

● Sócrates (469-399 a. C.):

dedicou-se à busca da verdade, que deveria ser uma forma de juízo


universal, capaz de dirigir a vida das pessoas, no plano pessoal e
político”. Para Sócrates, “as questões morais não são puramente
convenções influenciadas pelas circunstâncias, mas problemas que
devem ser resolvidos à luz da razão”. (PASSOS, 2004, p. 32-33).

● Platão (427-347 a. C.): sua teoria ética relaciona-se com a política e a razão
(prudência), sua maior contribuição foi vislumbrar a cidade perfeita guiada
pelos princípios morais.

● Aristóteles (384-322 a. C): “O bem moral consistia em agir de forma equilibrada


e sob a orientação da razão. O ‘meio-termo’, o ponto justo, levaria à felicidade, a
uma vida ‘boa e bela’, não como privilégio individual e sim coletivo”. (PASSOS,
2004, p. 35).

● Epicuro (341-270 a. C): teve sua filosofia dividida em três partes: canônica, física
e ética; “uma vida feliz é impossível sem a sabedoria, a honestidade e a justiça,

19
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

e estas, por sua vez, são inseparáveis de uma vida feliz”. (CARBISIER apud
PASSOS, 2004, p. 35).

● Zenão (324-263 a. C.): doutrina do estoicismo, que é uma ética, uma forma de
viver em que a natureza consistia na orientação central, que significava viver
conforme a virtude.

Vistos os principais nomes da filosofia da Idade Antiga, é interessante o


seu estudo e sua contribuição à ética, na medida em que o pensamento filosófico,
também como os costumes, se embebe de novas fontes, contudo sem perder o
fio condutor em relação à sua reflexão quanto aos aspectos morais e às virtudes.
Vamos para o próximo período, a Idade Média.

4.2 IDADE MÉDIA

A Idade Média é identificada muito fortemente pelo Renascimento, que


foi considerado um movimento literário, artístico e filosófico que teve duração
entre o fim do século XIV ao fim do século XVI. Suas características principais
foram o humanismo, a renovação religiosa, a renovação das concepções políticas e
o naturalismo (novo interesse pela investigação da natureza).

Nessa época, a situação política e social era mais complexa, por esse motivo
não se podia pretender a mesma harmonia da polis. De acordo com Passos (2004,
p. 37), “também por questões ideológicas houve o predomínio da teoria sobre a
prática”, e o cristianismo tornou-se a religião oficial, o que influenciou as condutas
morais.

As concepções filosóficas destacadas por Passos (2004), ou seja, os principais


filósofos deste período, foram:

● Santo Agostinho (354-430): ‘compreender para crer, crer para compreender’.


Para Agostinho, o dom divino era o único capaz de resgatar o homem de seus
pecados. Nesse sentido, a ética estava ligada aos valores da moral cristã.

● Tomás de Aquino (1225-1274): a ética consiste em agir de acordo com a ordem


natural, o homem tem livre-arbítrio e, orientado pela consciência, tem uma
capacidade de captar, pela intuição, a ordem moral – ‘faz o bem e evita o mal’.

20
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

DICAS

Na Idade Média, a ética tem sua base na moral cristã. Veremos mais detalhadamente
esta questão e os dois grandes expoentes – Agostinho e Tomás de Aquino na próxima unidade.

De acordo com Passos (2004, p. 39), a Idade Média inaugura uma novidade
na questão da moral:

ao deslocar o eixo fim último da vida humana, de um valor bom em


si mesmo para um bem que está em Deus. Se, para as concepções
anteriores, a felicidade era atingida no próprio ser, agora ele se encontra
no plano transcendental, e atingi-la requer apreender o fim último que
se encontra em Deus.

A ética na Idade Média, portanto, foi considerada a fase da era cristã, em que
os desígnios morais do cristianismo tornavam-se os ditames do comportamento
moral. Na Idade Média, portanto, o conceito de felicidade não pode ser atingido
nem pela razão, nem pela filosofia, mas pela fé cristã.

4.3 IDADE MODERNA

Como estudamos a ética, na Idade Antiga, era explicada pela perspectiva


da natureza. Vamos ainda estudar de modo mais demorado no Tópico 1 da
Unidade 2, a perspectiva cristã da ética com Agostinho e Tomás de Aquino, em
que tudo vinha da natureza ou de Deus. Na Idade Moderna essa perspectiva
muda e traz o homem como responsável pelas suas ações.

Nesta perspectiva, nossa primeira dificuldade está na demarcação temporal


daquilo que nomeamos de modernidade. Partindo de uma visão histórica, pautada
numa lógica linear, podemos estabelecer as fronteiras temporais da modernidade do
século XVI ao século XX, mas tendo presente que estas datações têm um significativo
caráter de arbitrariedade em relação aos acontecimentos culturais, políticos,
econômicos. Porém, se buscarmos estabelecer uma demarcação dos primórdios
da modernidade a partir de ideias norteadoras, também encontraremos algumas
dificuldades, na medida em que a modernidade assume prerrogativas medievais
em sua constituição, perpassando o pensamento de filósofos e influenciando nossa
forma de ser e estar no mundo até a contemporaneidade.

Portanto, tendo em vista os limites históricos e conceituais da modernidade,


nosso esforço será o de destacar alguns pressupostos que consideramos
fundamentais para a discussão das propostas éticas que se constituirão no
desenvolvimento do mundo moderno.

21
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Um dos primeiros pressupostos é o clássico conceito de “antropocentrismo”.


O homem assume a centralidade do cosmo, ou seja, através do desenvolvimento
da razão assume a existência em suas próprias mãos (“Cogito, ergo sum” – “Penso,
logo existo”, de René Descartes), e a explicar os fenômenos, dominar a natureza
(Conhecer é poder, de Francis Bacon), a construir seu mundo segundo sua vontade
e representação (Schopenhauer), afastando-se assim da perspectiva teocêntrica
medieval que o submetia a uma perspectiva heterônoma diante de si, dos outros,
do mundo. Portanto, o ser humano moderno passa a ser senhor de si, a afirmar em
alto e bom tom “eu sou”, sou livre e igual aos outros homens por meio da razão, da
capacidade de pensar, de refletir e intervir no mundo e modificá-lo, modificando-
se a si próprio.

Outro pressuposto decorrente dos princípios anteriormente expostos é


a ideia de verdade presente na modernidade. A verdade já não é mais revelada
pelo transcendente ao homem, mas o resultado do esforço racional subjetivo de
representação que o ser humano realiza sobre o mundo, a partir das relações que
estabelece em sociedade. Portanto, algo passa a ser verdadeiro na medida em que
pode ser racionalmente objetivado e universalizado entre os seres humanos.

22
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

NOTA

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

FIGURA 6 – IDADE MODERNA INDUSTRIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/


imagens/idademoderna_industrial1.gif>. Acesso em: 15 dez. 2007.

A Imagem acima marca uma das maiores revoluções que a Modernidade trouxe: A
Revolução Industrial. Aliada à técnica, fábricas se espalham na Europa primeiramente e depois
no restante do mundo. O modelo fabril torna-se dominante. O trabalho assumiu função
central. Produção, distribuição e consumo em larga escala. Ao mesmo tempo, impactos
civilizacionais e ambientais sem precedentes. Ideais de progresso, felicidade e modernização
fundamentam a perspectiva industrializante. O cenário acima denuncia essa irreversível
transformação natural.

Os desenvolvimentos da ciência e da tecnologia marcam de forma


significativa a modernidade. Com o desenvolvimento do método científico o
homem moderno aguça seu olhar investigador, objetiva o mundo, as coisas,
a natureza e a si próprio. A relação sujeito- objeto passa a ser determinante nas
relações científicas do homem. Os avanços da ciência são materializados na
tecnologia, que contribui significativamente para tornar a vida do homem menos
rude e precária frente às forças inóspitas do mundo natural. O trabalho é outro
dos pressupostos fundamentais da modernidade. No mundo antigo o trabalho era
visto pelo cidadão grego como humilhação e, portanto, era atividade própria de
escravos e estrangeiros. O ideal do cidadão era a atividade política nas ágoras
públicas. No mundo medieval, o trabalho era apenas condição da subsistência,
castigo infringido ao homem em função do pecado original. Na modernidade passa

23
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

a ser atividade criadora do mundo e do próprio homem. O trabalho é elevado à


condição definidora da subjetividade, “sou aquilo que faço”. Mas também é pelo
trabalho que o homem modifica a natureza e, ao modificá-la, modifica a si próprio,
assumindo assim uma ação autocriadora.

A política também é um dos pressupostos definidores da modernidade.


A modernidade estabelece a política como um mal necessário. Separa a ética da
política (Maquiavel) na medida em que deixa claro que é inerente à ação política
certo grau de imoralidade, em que está pressuposta a vontade de domínio e poder
sobre os outros. Porém, a política é condição e garantia da vida em sociedade.
Vamos aprofundar este tema da política na próxima unidade.

E, por último, a ideia de história ganha na Modernidade um sentido


totalmente diferente que em outras épocas de nossa civilização. Para os gregos
antigos, não havia a noção de história, uma vez que estavam submetidos ao eterno
retorno do mesmo na dinâmica da physis.

Para o mundo medieval a ideia de história está presa à perspectiva


teleológica de um início, pela obra da criação, e um fim necessário que é Deus.
Para a Modernidade, a história é processo que teve início com o homem, o que lhe
permite avaliar seu progresso, seus avanços ao longo de seu caminhar sobre a face
da mãe-terra.

Assim, a Idade Moderna, que ocorreu entre os séculos XVI e XIX, difere
das anteriores, porque passa a existir uma complexidade ainda maior referente
aos aspectos econômico, político, social e espiritual, principalmente em virtude do
capitalismo, desenvolvimento científico e estados centralizados.

Na Idade Moderna, a ética passa a ter uma perspectiva diferente, rompe


com essa ideia suprema de felicidade e traz para a ação humana a responsabilidade
de suas ações, e não como explicação divina e abstrata, assim como aprofunda
Passos (2004, p. 40):

A ética que surge e vigora nesse período é de tendência antropocêntrica,


em que o ser humano é o seu fim e fundamento, apesar de ainda
consistir na ideia de um ser universal e possuidor de uma natureza
instável. Assim mesmo, ele aparece como o centro de tudo: da ciência,
da política, da arte e da moral.

Na verdade, o período da Idade Moderna é rico em teorias sobre a ética,


mas segundo Passos (2004), o grande pensador a destacar é Kant.

Immanuel Kant foi um dos primeiros pensadores responsáveis por esse


rompimento. De acordo com Guariglia e Vidiella (2011, p. 97), “Kant estabelece de
maneira categórica a concepção do dever como o centro neurológico da moralidade
e imprimindo assim a ética, ou seja, a ética torna-se o fim do ser humano, que é a
felicidade (ideal de perfeição)”.

24
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

NOTA

Immanuel Kant (1724-1804) – nasceu e morreu na Alemanha. Foi o grande


responsável pela escola do criticismo e dentre a filosofia moderna e contemporânea.

Kant nos apresentou dois imperativos em que a ética pode ser


compreendida: o hipotético e o categórico. No imperativo hipotético as condições
são subordinadas. Dessa forma, a ética não se explica, porque as ações humanas
são consequências de um interesse.

Já no imperativo categórico, em Kant, é o axioma básico para o


comportamento moral, em que se pode explicar ética. Para Kant, a moralidade,
o comportamento moral, vem da razão, vem do rigor do raciocínio, é uma lei
inflexível, ou seja, as suas ações não são subordinadas a condições, são desprovidas
de interesse, e, portanto, são de interesses gerais, podem tornar-se leis universais.

NOTA

“Imperativo categórico, em analogia ao termo mandamento, indica a norma da


razão”. (ABBAGNANO, 2007, p. 628).

Na Idade Moderna, então, se pode perceber que a razão ao cumprimento


das leis, da moral, torna-se por efeito o dever do cidadão. Assim como destaca
Passos (2004, p. 41):

Enquanto as doutrinas éticas anteriores tinham por objetivo atingir


uma felicidade ou um bem, esta é uma moral da pura razão e do puro
dever. A prática moral devia basear-se apenas nas orientações da razão,
deixando totalmente de lado o mundo empírico. Assim, ele construiu
uma moral desinteressada, desprovida de qualquer finalidade e de
qualquer motivação, que não fosse o ‘cumprimento do dever pelo dever’,
pois, para ele (Kant), a única coisa verdadeiramente boa seria, como
dissemos, ‘uma boa vontade’, a disposição em seguir a lei moral em
detrimento de vantagens que ela pudesse proporcionar ao indivíduo.
Assim, a lei moral seria incondicional e absoluta.

Então, para Kant, a felicidade só seria possível se o dever se submetesse


à moralidade. Dessa forma, a ética e a moral nesse tempo estão relacionadas ao
cumprimento do dever.

25
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

4.4 IDADE CONTEMPORÂNEA

Chegamos à Idade Contemporânea. Este período é marcado pelo progresso


científico e pela valorização do ser humano concreto. Essa época não busca a
humanidade perfeita, ou seja, a ideia de cidade (polis) perfeita ou da suprema
felicidade, nem tampouco a moral cristã dá conta de responder aos novos anseios.

É a época da igualdade e liberdade, marcada pelos direitos fundamentais,


“não pela imposição ou obrigação, com códigos a serem estabelecidos”. (PASSOS,
2004, p. 42). Destacam-se três grandes concepções: marxismo, pragmatismo e
existencialismo, que brevemente podemos entender.

O marxismo se refere às ideias filosóficas, políticas e sociais elaboradas por


Karl Marx e Friedrich Engels. O marxismo entende o homem como ser social e
histórico e, também, aborda a questão da sociedade produtiva e as lutas de classes.

O pragmatismo é uma doutrina filosófica que adota a utilidade prática. O


pragmatismo está ligado ao senso prático, em que a verdade está relacionada à
utilidade.

O existencialismo tem como ponto de partida o ser humano. O indivíduo,


pelas suas ações, sentimentos, então essa doutrina se preocupa com o ser humano
em relação ao mundo.

Os principais pensadores destacados por Passos (2004) são:

● Karl Marx (1818-1883):

Entendia que o ser humano era ao mesmo tempo social e histórico,


objetivo e subjetivo, capaz de criar e de interferir na realidade e
transformá-la à sua medida. Nesse processo, ele não só contribuía a
seu mundo concreto, como também à sua fundamentação valorativa.
(PASSOS, 2004, p. 42).

● Friedrich Nietzsche (1844-1900): procurou estudar a origem dos valores


e entender o porquê da valorização de uns atos e não de outros, ou seja, a
dicotomia entre o bem e o mal.

● Charles Sanders Peirce (1854-1914): apresentou o pragmatismo como um


método e não como teoria. A moral é algo quando o fim é bom; nesse sentido,
quanto aos valores, são absolutos. “O que é bom ou mau é relativo, variando
de situação para situação. Depende de sua utilidade para a atividade prática”.
(PASSOS, 2004, p. 45).

● Habermas (1929): as argumentações morais servem para que os conflitos sejam


desfeitos pelo consenso. O processo reflexivo, intersubjetivo, argumentativo,
leva os participantes ao comum acordo.

26
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

Alguns desses pensadores voltarão a ser lembrados em nosso caderno.


Fique atento.Até o próximo tópico, quando vamos falar do caminhar próximo
entre ética e moral.

LEITURA COMPLEMENTAR

ÉTICA E MORAL
UMA REFLEXÃO SOBRE A ÉTICA E OS PADRÕES DE MORALIDADE
OCIDENTAL

Israel Alexandria

1 A MORALIDADE ENQUANTO OBJETO DA ÉTICA

Gosto não se discute. Correntemente essa frase é utilizada quando se quer


estabelecer a ideia de que gosto é algo radicalmente subjetivo e imutável. Ora,
a imensa variedade de sujeitos com preferências e opiniões distintas entre si e o
fato de um mesmo sujeito mudar de preferências e opiniões fazem prova de que a
complexa estrutura psíquica humana é capaz de aprender e de modificar o que se
aprendeu. SUBJETIVIDADE não combina com IMUTABILIDADE, logo a frase em
questão é contraditória.

Diz-se também que PERSONALIDADE vem da natureza. Quando


atribuímos à natureza a existência de alguma coisa, estamos simplesmente dizendo
que esta coisa não foi criada pela cultura, nasce-se com ela. Não há necessidade de
aprender o que é natural. O natural é inato. Essa coisa chamada personalidade
é inerente à pessoa. Pessoa e personalidade vêm da mesma palavra: persona.
Ninguém nasce pessoa. Ninguém se refere a um bebê como “aquela pessoa”, pois
se sabe que personalidade tem a ver com um sistema mais ou menos definido de
gostos, preferências que se vai adquirindo com o tempo.

Embora as preferências e as condições que formam a personalidade sejam


tão subjetivas e mutáveis, há uma constante que não podemos desprezar. É o
princípio do prazer. Todo ser dotado de sensibilidade tem a propensão natural
de afastar o que lhe está associado à dor e buscar o que lhe é prazeroso. O gato
morde o homem que lhe pisa a cauda e o vegetal cresce em direção ao sol. Para o
gato é bom que não lhe pisem na cauda. Para a planta, é bom crescer em direção
ao sol. O ser humano não foge a essa regra. O bebê humano é capaz de manifestar
sua percepção de prazer e dor e essa capacidade não se perde com a idade. O que
muda é a forma como se dá essa manifestação e o objeto do prazer ou o da dor que,
por sua vez, dependem das circunstâncias. O que permanece imutável é o fato dos
sujeitos estarem sempre buscando o que lhes parece bom, e afastando o que lhes
parece mal. É sobre esses dois conceitos que trata a ética.

A ética é uma ciência comprometida com a busca aprofundada das relações


entre o homem e os conceitos de bem e de mal. Trata-se de uma ciência da qual

27
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

não podemos nos esquivar, pois o bem e o mal, o certo e o errado impregnam
nossa conduta prática. Embora a maioria não pense no assunto, o comportamento
humano é uma contínua resposta às questões éticas. É nesse ponto que nasce a
distinção entre ética e moral.

O dicionarista e pensador Nicola Abbagnano (1901-1990) afirma que


MORAL é “atinente à conduta” (1982: 652), enquanto a ÉTICA é “a ciência com
vistas a dirigir e disciplinar a mesma conduta” (1982: 360). A moral seriam as regras
práticas, e a ética, o fundamento teórico da moral. Diz-se moral aristotélica, moral
kantiana para enfatizar os respectivos aspectos práticos; ética aristotélica, ética
kantiana estariam mais relacionados aos seus aspectos teóricos. Alguns autores,
entretanto, ressaltam que, embora haja uma infinidade de morais: moral cristã,
moral judaica, moral platônica, moral kantiana etc., a ética seria uma só. É que,
sendo esta uma ciência, trabalha apenas com conceitos universais. Basicamente,
são três os modelos de moralidade: aristocrático, utilitarista e kantiano.

2 A MORAL ARISTOCRÁTICA

A moral aristocrática visa fazer com que o indivíduo se aproxime, cada vez
mais, de um homem ideal e transcendente. Nesse sentido, são morais aristocráticas
a moral judaica, baseada no modelo de homem de fé (Abraão), a moral cristã, no
amor ao próximo (Jesus), a moral platônica, no ascetismo (filósofo-rei), a moral
budista, na eliminação dos desejos (Buda). Mas, na maioria das vezes, esses modelos
ideais são apenas descrições sem referências a nomes de personagens históricos. A
moral aristocrática propõe que cada indivíduo seja dotado das virtudes adequadas
(a palavra virtude vem de virtu, que significa força) para imitar o modelo ou um
ideal de vida proposto. A felicidade plena é obtida quando o indivíduo realiza
o ideal proposto. Quanto mais virtuoso for o indivíduo, maior o seu grau de
felicidade.

Sócrates (470-399 a.C.) inventou o ideal cínico (palavra derivada de canino),


cuja principal virtude é o desprezo às comodidades, às riquezas e às convenções
sociais, enfim a tudo aquilo que afasta o homem da simplicidade natural de que
dão exemplo os animais (no caso o cão). Cínico é aquele que vive o descaramento
da vida canina. Relata-se que Sócrates caminhava nos mercados apenas para saber
do que ele não precisava. Outros curiosos relatos envolvendo Diógenes, tais como
o da “visita do imperador”, “a mão e a cuia”, “a lanterna” etc., indicam que este
teria sido o maior cínico da história.

Platão (428-348 a.C.) propôs o ideal asceta. A prática da ascese consiste


em viver na contemplação do mundo das ideias ao tempo que se afasta de tudo
o que é corpóreo. “É evidente que o trabalho do filósofo consiste em se ocupar
mais particularmente que os demais homens em afastar sua alma do contato com
o corpo” (Platão: Fédon, 65, a). O sábio educa-se para a morte, ou seja, para o dia
em que sua alma se separará definitivamente do corpo, migrando para o outro
mundo.

28
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

FONTE: <http://www.espiritualismo.info/filosofias.html>.

Aristóteles (384-322 a.C.) definia o homem ideal como aquele que consegue
pôr em prática tanto a sua animalidade natural como a sua sociabilidade natural,
pois o homem é um animal social por natureza. "Mesmo quando não precisam
da ajuda dos outros, os homens continuam desejando viver em sociedade."
(Aristóteles. Política: III, 6). Reprimir a animalidade ou a sociabilidade distancia o
homem da felicidade. Para encontrar um termo médio entre essas duas naturezas,
o homem vale-se da razão.

Os estoicos são outro exemplo de moral aristocrática. No séc. IV a.C.


Acredita-se que o nome estoico tenha sido inspirado no local onde Zenão de Cício
(335-263 a.C.) ensinava: os pórticos (stoa, em grego). Costuma-se atribuir a razão
do surgimento dessa doutrina ao fato da cidade de Atenas haver perdido sua
independência para os macedônicos, prolongada depois pelo Império Romano. O
estoicismo foi uma espécie de refúgio espiritual, uma via filosófica para se conseguir
a independência em nível individual. Não obstante, o estoicismo atravessou
séculos, sendo adotado pelos cristãos e até pelo imperador romano Marco Aurélio
(121-180 d.C.). Segundo os estoicos, nenhum evento acontece por acaso (teoria
da necessidade). Até mesmo o trajeto de uma folha que se desprende da árvore
já foi milimetricamente traçado pelo Logos, princípio inteligente do cosmos. O
ideal de sabedoria estoica é a completa apatia: indiferença-acomodação diante dos
acontecimentos da vida, é o que revela Sêneca (4 a.C. 65 d.C.), um dos expoentes
do estoicismo.

Toda a vida é uma escravidão. É preciso, pois, acostumar-se à sua condição,


queixando-se o menos possível e não deixando escapar nenhuma das vantagens que
ela possa oferecer: nenhum destino é tão insuportável que uma alma razoável não
encontre qualquer coisa para consolo. Vê-se frequentemente um terreno diminuto
prestar-se, graças ao talento do arquiteto, às mais diversas e incríveis aplicações, e
um arranjo hábil torna habitável o menor canto. Para vencer os obstáculos, apela
à razão: verás abrandar-se o que resistia, alargar-se o que era apertado e os fardos
tornarem-se mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los. (1973: 216)
29
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Não se interprete indiferença por alienação: um sábio pode engajar-se na


vida política até mesmo porque estava escrito. Nesse ponto, os povos muçulmanos
parecem estar em franco acordo com a doutrina estoica, pois regularmente repetem
a expressão maktub (estava escrito), particípio passado do verbo catab (escrever).
A virtude do sábio é o controle absoluto de suas emoções. Segundo sua parenética
(termo que diz respeito aos aconselhamentos práticos), quando as circunstâncias
tornam impossível o controle das emoções, é aconselhável a prática do suicídio.

Epicuro de Samos (341-270 a.C.) criou o modelo de sábio epicurista: o


homem que pratica plenamente a virtude da ataraxia (despreocupação; ausência
de aborrecimentos, de dores ou medos).

Nem a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a obtenção
de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-
na a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se
mantenha nos limites impostos pela natureza.

FONTE: Disponível em: <http://a-educologia.blogspot.com.br/2012/10/a-


sabedoria-do-epicurismo-1.html>. Acesso em: 15 dez. 2007.

A ausência de perturbação e de dor são prazeres estáveis; por seu turno, o


gozo e a alegria são prazeres de movimento, pela sua vivacidade. Quando dizemos,
então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos prazeres dos intemperantes
ou aos produzidos pela sensualidade, como creem certos ignorantes, que se
encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos
acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma. (Epicuro,1993:
25).

Efetivamente, a ideia de que os epicuristas pregavam a volúpia do corpo


é falsa. Eles praticavam uma espécie de otimismo profilático que se aproxima
muito do famoso "jogo do contente" da personagem Poliana. Eram iconoclastas
em relação aos mitos sobre morte, religião e política. Isolados em jardins afastados
das agitações da vida citadina, cultivavam a amizade (a prática de viver em
seletos círculos de amigos era considerada condição fundamental na vida do sábio

30
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

epicurista). O modus vivendi de Epicuro e seus discípulos foi chamado de aurea


mediocritas (mediocridade dourada) por Horácio.

3 A MORAL UTILITARISTA

A moral utilitarista caracteriza-se pela ausência do transcendente e de


modelos a priori a serem imitados. Todas as ações devem ser medidas pelo bem
maior para o maior número. Ao definir o utilitarismo, o filósofo irlandês Francis
Hutcheson (1694-1746) assim se expressa: "a melhor ação é aquela que produz
a maior felicidade ao maior número de pessoas." O utilitarismo é a moral dos
números.

Nicolau Maquiavel (1469-1527), pensador italiano, tem sobre si a culpa de


haver defendido que os fins justificam os meios, embora, segundo o Dicionário de
Filosofia de Abbagnano (1962: 614), tal máxima tenha origem jesuíta. A injustiça
que recai sobre Maquiavel vem da dificuldade que se tem de separar o mero
descrever e o opinar. Ele tinha horror a governos de ocasiões, golpes sucessivos,
casuísmos, enfim à política do dia a dia que tanto permeava a agitada vida nos
bastidores políticos de Florença. Em O Príncipe ele faz uma descrição em forma
de aconselhamento, com base em seus conhecimentos de história, da conduta do
governante que pretende permanecer no poder por um tempo relativamente longo,
mas chega mesmo a confessar que, para atingir tal permanência, o ideal seria que
as coisas não ocorressem da forma como a história demonstrara. Não obstante, a
tradição nos legou o termo maquiavélico como designativo de um modelo que
se firmou como um dos marcantes exemplos de moral utilitarista: a que visa um
maior número de dias no poder.

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, parte do princípio de que


quanto menor for o número de invasões, mortes violentas e desapossamentos
mútuos, mais feliz será a espécie humana. Esta condição só pode ser arranjada
com a existência de um contrato social e de um Leviatã. Vamos explicar melhor:
Para Hobbes, o homem é, naturalmente, o lobo do homem (homo homini lupus),
ou seja, não é um ser naturalmente cordial e sociável, não está naturalmente
aparelhado para sentir-se incomodado com a dor alheia quando sua sobrevivência
está em jogo. "Se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo em que
é impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos." (Hobbes, 1651:
43). Relegados ao estado de natureza, os homens promovem uma guerra de todos
contra todos (bellum omnium contra omnes), guerra inútil porque põe em risco
a própria conservação humana. Os homens, portanto, perceberam e admitiram
entre si a vantagem em cada um reprimir sua animalidade natural em prol de
uma mútua convivência pacífica, bem mais útil, produtiva, confortável e segura.
A civilização nasce desse contrato social. Essa nova situação, entretanto, só pode
ser mantida com a existência de um Leviatã (monstro amedrontador e forte) que
se expressa preferencialmente na figura de um rei, comandante autoritário e único
que gera em todos o sentimento generalizado de medo da punição, garantindo
assim a continuidade do Estado civil.

31
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

A base da moral utilitária de Hobbes sofreu inúmeras críticas, a principal


partiu de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, que via na animalidade
humana não lobos e sim cordeiros. Tais quais cordeiros livres, os homens, no
estado de natureza, vivem em plena felicidade. Foi a civilização que fez com que
muitos cordeiros se tornassem violentos e pensassem ser lobos. A soberania do
Leviatã não é desejável porque, além de retirar do homem a sua liberdade natural,
impossibilita a construção de uma liberdade civil, que só é possível quando a
vontade geral é soberana. A conquista da liberdade civil estaria na reeducação
por meio de leis "corderiais" que, metaforicamente, fizessem com que os cordeiros
reconhecessem que são cordeiros.

FONTE: Disponível em: <http://informarepropagar.blogspot.com.


br/2013/02/lobo-em-pele-de-cordeiro-prefiro-viver.html>. Acesso em:
15 dez. 2007.

Ainda a respeito da dicotomia lobo/cordeiro há outras observações curiosas.


Para Frederich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, a natureza produz homens-
lobos e homens-cordeiros e não podemos ignorar que lobos estão aparelhados
para devorar cordeiros. Quando só restarem lobos, as forças naturais produzirão
superlobos que devorarão antigos lobos numa progressão infinita de vidas cada vez
mais fortes. A moral nietzschiana é a da exuberância da força e do vitalismo das
potências naturais ou super-humanas. É uma moral que pretende ir além do bem e
do mal (se é que isso é possível). Nietzsche afirma que dicotomia entre bem e mal
não passa de invencionice resultante do ressentimento e da fraqueza dos cordeiros.
"Toda moral é [...] uma espécie de tirania contra a 'natureza' e também contra a
'razão'". (Nietzsche, 1886: 110).

Michel Foucault (1926-1984) diria que lobos e cordeiros habitam cada um


de nós e ambos teriam desenvolvido estratégias de sobrevivência que tornariam
extremamente complexa a luta entre os dois, uma complexidade tal que o cordeiro,
em determinados momentos, poderia estar sob a condição de ataque. Nesse caso
a questão moral só poderia ser definida dentro de um contexto muito específico,
onde se levariam em conta os sujeitos envolvidos, suas estratégias, suas relações
de poder... Foucault é o criador da microética.

32
TÓPICO 1 | ENTENDENDO A ÉTICA E A MORAL

4 A MORAL KANTIANA

A moral kantiana é a concebida por Immanuel Kant (1724-1804), filósofo


prussiano. Sua intuição principal foi que o indivíduo deve estar livre para agir
"não em virtude de qualquer outro motivo prático ou de qualquer vantagem
futura, mas em virtude da ideia de dignidade de um ser racional que não obedece
a outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente se dá" (Kant, 1785: 16).
A ação moral exige a autonomia do agente. Ser autônomo é obedecer a si mesmo
ou ao que vem de dentro. É o inverso do heterônomo (o que obedece a ordem do
outro, obedece ao que vem de fora). Não se pode falar em ética sem autonomia,
pois a ação heterônoma (cuja vontade vem de fora) não é uma ação ética. A moral
aristocrática e a utilitarista não são eticamente válidas porque dependem de algo
exterior: a primeira, de ideais transcendentes e a segunda, de ideais imanentes.

Para realizar a autonomia, a ação moral deve obedecer apenas ao imperativo


categórico: o bom senso interior que todos nós temos de perceber que não somos
instrumentos e sim agentes. Nunca instrumentalizar o homem é a exigência maior
do imperativo categórico. Kant fornece uma regra para saber se uma decisão nossa
obedece ou não ao imperativo categórico: indague a si mesmo se a razão que te
faz agir de determinada maneira pode ser convertida em lei universal, válida para
todos os homens. Se não puder, esta tua ação não é digna de um ser racional,
não é eticamente boa porque te falta a autonomia, estás agindo premido por
circunstâncias exteriores a ti. O bem ético é um bem em si mesmo.

Ao realçar a exigência da autonomia da ação moral, Kant desperta a


questão da liberdade ética. O conceito de liberdade ética parte da distinção
entre ação reflexa e ação deliberada. A ação deliberada é aquela que resulta de
uma decisão, de uma escolha, é o mesmo que ação autônoma. A ação reflexa é
"instintiva", independe da vontade do agente. Apenas as ações deliberadas podem
ser analisadas sob o ponto de vista ético. Voltemos ao exemplo do gato que morde
o homem que lhe pisou a cauda. O gato tentou afastar o que lhe era um mal, mas
não podemos dizer que ele escolheu morder o homem. Logo, não se pode dizer
que o gato agiu de forma imoral ou antiética. A questão da liberdade ética pode
ser assim resumida: Levando-se em conta que somos animais e ocasionalmente
agimos de forma reflexa, em que condições nossa ação pode ser considerada uma
ação deliberada?

Henri Bergson (1859-1941) e Jean-Paul Sartre (1905-1980) respondem a


essa pergunta de forma radical: O livre-arbítrio é a qualidade que melhor define
o homem. A própria condição humana exige que todo ato humano seja um ato de
escolha, seja uma ação deliberada. O homem está condenado à liberdade porque
nunca pode decidir não escolher. Diante da consciência de que nos vemos forçados
a realizar algo por imposição exterior, passamos a ter liberdade de escolher entre
entregar-se à ação ou ir de encontro a ela.

FONTE: ALEXANDRIA, Israel. Ética e moral: uma reflexão sobre a ética e os padrões de
moralidade ocidental. 2001. Disponível em: <http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_
textos/etica_e_moral.htm>. Acesso em: 20 set. 2011.

33
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

• As principais distinções entre ética e moral as aproximam e as caracterizam.

• As esferas da aplicabilidade da moral: universalismo e particularismo.

• Os aspectos de moral, imoral e amoral têm suas características próprias.

• A Idade Antiga foi a época do surgimento da ética.

• A Idade Média determina a ética pelos princípios da moral cristã.

• A Idade Moderna, através de Kant, traz ao homem a responsabilidade de seus


atos.

• A Idade Contemporânea reflete sobre as novas formas de interação humana


dentre a sua complexidade e novas relações, para assim descobrir novas formas
consensuais e conceituais.

34
AUTOATIVIDADE

1 Apresente a distinção entre marxismo, pragmatismo e existencialismo.

2 Como podemos diferenciar moral, imoral e amoral?

Assista ao vídeo de
resolução da questão 1

35
36
UNIDADE 1
TÓPICO 2

A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

1 INTRODUÇÃO
Caro(a) acadêmico(a)! Nesse tópico apresentaremos, em linhas gerais,
quando há a diferença entre ética e moral que, muitas vezes, causa confusão entre
as pessoas. Apresentaremos também a gênese da consciência moral, tão importante
para o desenvolvimento humano.

2 EXISTEM DIFERENÇAS?
Com relação à ética e à moral, podemos afirmar que a ética estuda e
investiga o comportamento moral dos seres humanos. E esta moral é constituída
pelos diferentes modos de viver e agir dos homens em sociedade, que é formada
por suas diretrizes morais da vida cotidiana, transformando-se no decorrer dos
tempos.

Nesta perspectiva, apresentamos as suas principais diferenças, a seguir:

QUADRO 3 – DIFERENÇAS ENTRE ÉTICA E MORAL

ÉTICA MORAL
• É a ciência que estuda a moral. • É o modo de viver e agir de cada
• É a reflexão sistemática sobre o povo, em cada cultura.
comportamento moral. • É o conjunto de normas, prescrições
• É a parte da filosofia que trata da e valores reguladores da ação
reflexão dos princípios universais da cotidiana.
humanidade. • Varia no tempo e no espaço.
• São os valores humanos universais e • São os valores concernentes ao bem e
fundamentais. ao mal, permitindo ou proibindo.
• É a teoria do comportamento moral. • Conjunto de normas e regras
• É a compreensão subjetiva do ato reguladoras da relação entre os
moral. homens de uma determinada
comunidade.
• Nasce da necessidade de ajudar cada
membro aos interesses coletivos do
grupo.
FONTE: Tomelin e Tomelin (2002, p. 89-90)

37
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Hoje em dia, o avanço na compreensão e vivência dos direitos humanos


confirma que as diferenças são essenciais para uma sociedade que prima pela
justiça, pela equidade. Cabe ao ser humano, constantemente, decidir pela verdade
que se lhe impõe no cotidiano da sua existência. Vivemos continuamente tomando
decisões que se nos apresentam justamente porque não vivemos sozinhos. A ética
e a moral estão aí para nos auxiliar nessas decisões.

Vázquez (2003, p. 15), no princípio de seu livro “Ética”, propõe diversas


questões práticas para a decisão do ser humano, tais como: “Devemos sempre dizer
a verdade ou há ocasiões em que devo mentir? Com respeito aos crimes cometidos
na Segunda Guerra Mundial, os soldados que os executaram, cumprindo ordens
militares, podem ser moralmente condenados?”

O que o autor quer alertar é que todos esses problemas são práticos e reais
e se apresentam nas relações afetivas dos seres humanos. As decisões práticas
humanas podem afetar um pequeno ou um grande grupo.

Em várias das situações que se apresentam ao ser humano, o que está em


jogo são os problemas morais que ele deve decidir. Os valores e as normas que
são reconhecidos numa sociedade como os mais corretos, são os juízos que se
formulam diante das ações humanas. Os problemas éticos se diferenciam, como
elucida Vázquez (2003, p. 17):

À diferença dos problemas prático-morais, os éticos são caracterizados


pela sua generalidade. Se na vida real um indivíduo concreto enfrenta
uma determinada situação, deverá resolver por si mesmo, com a ajuda
de uma norma que reconhece e aceita internamente, o problema de
como agir de maneira que a sua ação possa ser boa, isto é, moralmente
valiosa. Será inútil recorrer à ética com a esperança de encontrar nela
uma norma de ação para cada situação concreta.

Daí surgem, então, os problemas morais e éticos a respeito da legalidade


também, porque o ideal é que nossas ações sejam éticas, morais e legais. Mas é
possível agirmos de forma moral, mas ilegal? Por exemplo, se estamos num
grande centro, às 4 horas da manhã, dirigindo um carro, o sinal fica vermelho,
você respeita e para, ou, de forma consciente, verificando se é possível avançar,
você avança o sinal. Você se vê no dilema interessante: ou respeita a lei e para, ou
se previne de um suposto assalto e avança o sinal.

Mesmo que você considere a atitude avançar o sinal moral, porque é


melhor pagar uma multa do que ser assaltado, ainda assim ela não é legal. O
ideal é que seja legal, ético e moral.

O exemplo dado é de referência a uma decisão pessoal e que pode gerar


consequências, uma multa de trânsito, portanto essa ação é bem particular e de
consequência particular.

38
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

FIGURA 7 – MORAL E ÉTICA

FONTE: Adaptado de: Tomelin e Tomelin (2002, p. 89-90)

Assim, podemos expor que a moral vem se constituindo historicamente,


mudando no decorrer da própria evolução do homem em sociedade. Em que
seus hábitos e costumes são constituídos por esta relação social, em que a essência
humana é pautada por estes princípios morais. E estes, por sua vez, constituem o
ser social que somos. E a ética nesta questão chega para simplesmente regular e
analisar estes preceitos morais.

A ética é precursora da TRANSFORMAÇÃO SOCIAL dos diversos


sistemas ou estruturas sociais. Sistemas estes que imprimiam suas mudanças
sociais, tais como:

• Capitalismo.
• Socialismo.

Então, podemos dizer que quando é constituída uma nova estrutura social,
a ética, os vilões e princípios morais são modificados para constituir assim esta
nova concepção de sociedade. Em outros termos, o sistema de valores morais se
transforma no processo de constituição de um novo padrão sócio-histórico.

Mas, nos diversos processos e projetos de transformações sociais devem


permear os valores da solidariedade, igualdade e fraternidade, para assim poder
constituir uma sociedade mais justa e democrática.

Quando nos remetemos a apontar a crise da ética na contemporaneidade, nos


desafiamos a apresentar os fundamentos epistemológicos nos quais se fundamenta
esta perspectiva de análise. Afinal, o caminho seguro seria atribuir as mais diversas
situações a uma genérica e obscura crise da ética, desresponsabilizando-nos de
defini-la e situá-la adequadamente no contexto civilizatório ocidental.

39
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Uma das possibilidades de nos apercebermos que estamos envoltos numa


crise é quando temos dificuldade de definir adequadamente situações existenciais.
Quando nossas referências a partir das quais nos posicionamos diante do mundo,
da vida, das pessoas em nosso entorno não nos fornecem mais explicações
adequadas, ou minimamente satisfatórias.

Esta dificuldade de reconhecer e estabelecer referenciais atinge todas as


dimensões de nossa vida, perpassando necessariamente o discurso (o logos), as
palavras, os conceitos através dos quais expressamos em ideias o mundo construído
por nossas representações.

ATENCAO

Caro(a) acadêmico(a)! É um erro muito comum que normalmente as pessoas


confundam os conceitos de ética e moral e sua especificidade. Ainda que estejam ligadas ao
mesmo campo, como estamos vendo nesse texto, elas têm atribuições diferenciadas. Portanto,
sempre que você for emitir um juízo de valor sobre determinado assunto, tenha em mente a
maneira correta de expressar. Lembre-se: a moral está ligada ao campo das normas e leis; a
ética é a reflexão sobre essas normas e leis, como o texto aponta.

Nesta perspectiva, nos damos conta da crise da ética quando constatamos


que o conceito de ética de que as pessoas fazem uso cotidianamente é caracterizado
pela ambiguidade, pela confusão conceitual em relação à moral. Tornou-se lugar
comum as pessoas se referirem à ética como sinônimo de moral, ou achar que
moral é a mesma coisa que ética, ou seja, duas palavras que podem ser utilizadas
para “avaliar e julgar” comportamentos, formas de agir e ser das pessoas. Neste
caudal indiscernível, a ética pode ser utilizada para tudo, mesmo que se tenha o
sentimento de que não resolve nada, ou muito pouco pode fazer.

FIGURA 8 – ÉTICA, MORAL E CARÁTER

FONTE: Disponível em: <http://padrescasadosceara.blogspot.com.


br/2012/11/blog-post.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

40
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

Esta dificuldade de definir a ética pode ser explicada primariamente


(outras variáveis explicativas são possíveis) através da própria etimologia das
palavras. A origem da palavra ética vem do grego “ethos”, que quer dizer o modo
de ser, caráter, ou abrigo, a morada de animais. Abrigo, morada, tem relação com
a proteção da vida. Portanto, a ética relaciona-se com as manifestações da vida
humana, da forma como os seres humanos se relacionam com o mundo, com a
natureza e consigo mesmos na manutenção da vida. Por sua vez, os romanos
traduziram o “ethos” grego para o latim “mos” (ou no plural “mores”), que quer
dizer costume, de onde vem a palavra moral. Portanto, há uma nítida distinção
entre os dois conceitos. A moral é definida como o conjunto de normas, princípios,
preceitos, costumes, valores que advêm de uma tradição, de uma determinada
cultura e que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social.

A moral caracteriza-se por especificidades culturais e apresenta-se de


forma normativa, ou seja, estabelece normas de conduta que orientam as ações
cotidianas. Desta forma, a moral tem incidência direta no âmbito da vida privada,
ou seja, é norteadora dos comportamentos individuais, da forma como as pessoas
agem cotidianamente diante das mais variadas situações.

A ética é definida como a teoria, o conhecimento, ou a capacidade racional


de discernimento em relação aos comportamentos morais. Busca explicar,
compreender, justificar e criticar a moral, ou as morais de uma sociedade. Nesta
perspectiva, a ética tem incidência no âmbito da vida pública, como reflexão em
torno das questões morais que envolvem a vida em sociedade. Portanto, a ética
assume uma dimensão ontológica imprescindível, na medida em que somos
convidados a pensar a nossa forma de ser e estar no mundo, a qualidade de nossas
relações conosco mesmos e com os outros seres humanos. Pela sua dimensão
ontológica, a ética diz respeito à esfera política do ser humano, na medida em
que nos remete a pensar o bem comum, o bem viver, a vida em sociedade como
condição da felicidade individual e social.

3 PROBLEMAS MORAIS E ÉTICOS

Com relação aos problemas éticos e morais do comportamento humano,


observamos que a ética não é facilmente explicável, ao sermos indagados, mas
todos nós sabemos o que é, pois está diretamente relacionada aos nossos costumes
e às ações em sociedade, ou seja, ao nosso comportamento, ao nosso modo de vida
e de convivência com os outros integrantes da sociedade.

Observa-se que todos nós possuímos princípios e valores que foram e são
constituídos por nossa sociedade. E com relação a estes valores, cada um de nós
possui uma visão do que é certo e errado, do que é o bem e o mal.

Contudo, esta consciência moral é determinada por um consenso coletivo


e social, ou seja, o conjunto da sociedade é que formula e compõe as normas de

41
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

conduta que o regem. Como exemplo, temos a nossa Constituição Federal e outras
regras e normas da sociedade.

E
IMPORTANT

Caro(a) acadêmico(a)! Para aprofundar os seus conteúdos sobre os princípios e


valores, sugerimos a leitura dos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em 1988. Eles estão disponíveis no seguinte site: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>.

Didaticamente, segundo Valls (2003, p. 8),

costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos:


num, os problemas gerais e fundamentais (como liberdade, consciência,
bem, valor, lei e outros); e no segundo os problemas específicos, de
aplicação concreta, como os problemas da ética profissional, de ética
política, de ética sexual, de ética matrimonial, de bioética etc.

FIGURA 9 – O BEM E O MAL

FONTE: Disponível em: <www.dialogosuniverstarios.com.br>.


Acesso em: 25 fev. 2009.

UNI

Contudo, como saber: o que é certo e errado, se estamos fazendo o bem ou o


mal? Olhe atentamente para a imagem acima e reflita o que ela representa para você.

42
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

Finalizando este item, podemos observar que

os problemas éticos se distinguem da moral pela sua característica


genérica, enquanto que a moral se caracteriza pelos problemas da
vida cotidiana. O que há de comum entre elas é fazer o homem pensar
sobre a responsabilidade das consequências de suas ações. A ética faz
pensar sobre as consequências universais, sempre priorizando a vida
presente e futura, local e global. A moral faz pensar as consequências
grupais, adverte para normas culturalmente formuladas ou pode estar
fundamentada num princípio ético. A ética pode, desta forma, pautar o
comportamento moral. (TOMELIN; TOMELIN, 2002, p. 90).

4 CONDUTA MORAL: O BEM E O MAL, O CERTO E O


ERRADO

Com relação ao comportamento moral dos homens, chegamos numa


encruzilhada que é a nossa própria consciência moral, pois como saber o que
devemos fazer? O que é certo ou errado perante a sociedade? O que é o bem e
como evitar o mal?

De acordo com Valls (2003, p. 67-68),

agir eticamente é agir de acordo com o bem. A maneira de como se


definirá o que seja este bem é um segundo problema, mas a opção
entre o bem e o mal, distinção levantada já há alguns milênios, parece
continuar válida. [...] Neste sentido, poderíamos continuar dizendo que
uma pessoa ética é aquela que age sempre a partir da alternativa bem
ou mal, isto é, aquela que resolveu pautar seu comportamento por uma
tal opção, uma tal disjunção. E quem não vive dessa maneira, optando
sempre, não vive eticamente.

Pois bem, para efetuarmos um julgamento concreto sobre alguma situação


da vida em sociedade, devemos nos pautar sobre todos os pressupostos éticos
daquela sociedade em si, ou seja, seus princípios morais e seus costumes. Entretanto,
sem esquecer que o que todo ser humano busca em suas ações cotidianas na
sociedade é fazer sempre e somente o bem, pois é por causa e em nome deste bem
maior que eles realizam tudo.

Todas as nossas ações possuem um propósito, ou seja, um fim. Este fim


somente é alcançado quando os homens realizam uma atividade para alcançá-los,
vão à busca de seus objetivos e metas. Portanto, se realmente existe um motivo que
visa tudo o que fazemos, este fim só poderá ser realizado se nós, seres humanos, o
realizarmos através de ações/atividades. Elas, por sua vez, sempre estão na busca
constante da realização do bem e da verdade e procurando a felicidade e o prazer.

43
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

5 O SUJEITO ÉTICO-MORAL

Todos os homens fazem parte de uma sociedade, de um grupo social,


portanto, podemos dizer que os homens em sociedade convivem em grupo.
Cada grupo social possui diferentes características culturais e morais, como, por
exemplo: os povos indígenas, os orientais, os africanos, os alemães, os franceses,
os italianos, os americanos, os brasileiros, entre muitos outros. Cada sociedade
possui suas normas de conduta comportamental e seus princípios morais, ou seja,
cada grupo social constituiu o que é certo e errado, o que é o bem e o mal para o
seu povo, portanto, nem sempre o que é certo para nós pode ser certo para outro
grupo social e vice-versa.

Podemos pegar como exemplo a cultura do nascimento de crianças.


Existem algumas sociedades indígenas em que a mãe, ao dar à luz, se embrenha
na mata sozinha e se o filho não for perfeito, segundo os seus princípios morais, ela
o abandona à sua própria sorte. À luz de nossos princípios morais, esta ação seria
considerada um crime de abandono.

Como você pode observar na seguinte figura, cada povo possui sua
tradição, hábitos, costumes e cultura, desencadeando valores e princípios morais
diferentes, que conduzem o seu comportamento social e moral.

FIGURA 10 – DIFERENTES CULTURAS

FONTE: Os autores

44
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

UNI

Se você quiser saber mais sobre o comportamento moral destes grupos sociais/
povos, pesquise, na internet, sobre a CULTURA de cada povo. Assim, você poderá observar as
diferenças culturais de cada um e identificar seus princípios morais.

UNI

Afinal, o que é ética?

De acordo com Tomelin e Tomelin (2002, p. 89), “a palavra ética provém


do grego ethos e significa hábitos, costumes e se refere à morada de um povo ou
sociedade. A palavra moral provém do latim moralis e significa costume, conduta”.

A principal função da ética é sugerir qual o melhor comportamento que


cada pessoa ou grupo social tem ou venha a ter. Indicando o que é certo ou errado,
o que é bom ou mau. Porém, este comportamento sempre partirá do ponto de vista
dos princípios morais de cada sociedade, ou seja, seu grupo social. A ética auxilia
no esclarecimento e na explicação da realidade cotidiana de cada povo, procurando
sempre elaborar seus conceitos conforme o comportamento correspondente de
cada grupo social.

E
IMPORTANT

“O ético transforma-se assim numa espécie de legislador do comportamento


moral dos indivíduos ou da comunidade.” (VÁZQUEZ, 2005, p. 20)

Complementando, Vazquez (2005, p. 21) coloca-nos que “a ética é teoria,


investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de
comportamento dos homens [...]”, ou seja, o valor de ética está naquilo que ela
explica – o fato real daquilo que foi ou é –, e não no fato de recomendar uma ação
ou uma atitude moral.

Como todos sabem, existem grandes transformações históricas no decorrer


dos tempos em nossa sociedade. E com estas mudanças, o nosso comportamento
também muda e, consequentemente, os nossos princípios morais também. Está
indeciso? Normal.
45
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

FIGURA 11 – INDECISÃO

FONTE: Disponível em: <www.dificilescolher.blogspot.com>. Acesso em 25


fev. 2009.

Outro fator que não podemos esquecer é a questão de julgar o


comportamento dos outros grupos sociais, pois a realidade cotidiana destes foi
formada por outro conjunto de normas e princípios morais, diferente dos nossos.
Mesmo que em alguns aspectos estes princípios se pareçam com os nossos.

6 A GÊNESE DA CONSCIÊNCIA MORAL: A NECESSIDADE


DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Neste item trabalharemos algumas questões que apresentam as origens ou


bases fundamentais da existência humana, ou seja, a gênese da consciência moral,
aquilo que possibilita os seres humanos a serem considerados homens.

ATENCAO

Lembre-se, o ditado popular cita que “O HOMEM É HOMEM PORQUE É UM


SER RACIONAL!” A questão não é tão simples assim, pois não podemos dizer que a ética só
depende da razão e que a racionalidade é o seu fator constituinte.

Entretanto, antes de tudo, precisamos compreender o significado das ações


ético-morais na vida dos seres humanos, indagando se o simples fato de pensar
e estabelecer normas de conduta da realidade cotidiana pode ser compreendido
como a realização de uma atividade prática em sua vida, ou seria possível que
a vida dos homens fosse estabelecida apenas por sua racionalidade ou pela
composição de regras, normas e valores sociais?
46
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

Partindo desta indagação, podemos afirmar que o homem vive num mundo
real, estabelecendo diversas relações com a natureza, transformando-a segundo as
suas necessidades reais, sobrevivendo, ao longo de sua história, a partir dessas
relações.

DICAS

Como sugestão, inicialmente, leia o seguinte livro:

FURNARI, Eva. Lolo Barnabé. São Paulo: Moderna, 2000.

Os seres humanos estão ligados à natureza e dela dependem para se


constituírem como seres sociais, pois, à medida que utilizam sua consciência sobre
a natureza, desenvolvem necessidades práticas de sobrevivência, ou seja, não
basta apenas pensar e observar. Faz-se necessário que os homens ajam sobre sua
realidade cotidiana, realizem seus desejos e vontades e transformem a sua vida
conforme suas necessidades e as necessidades de sua sociedade.

Marx e Engels (1987, p. 22) colocam-nos que

[...] o primeiro pressuposto de toda existência humana e, portanto, de


toda história, é que os homens devem estar em condições de viver para
poder fazer história. Mas, para viver, antes de tudo comer, beber, ter
habitação, vestir-se e algumas coisas a mais. O primeiro ato histórico
é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas
necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um
ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprida todos os dias e todas
as horas, simplesmente para manter os homens vivos.

Assim, podemos observar que a realização de nossas necessidades é


compreendida como um fato social e histórico, primordial para compreendermos
a própria existência humana. E estas necessidades, conforme a história do “Lolo
Barnabé” (FURNARI, 2000), são criadas e recriadas constantemente, fazendo parte
da constituição histórica dos seres humanos. Por consequência, determinando o
modo de vida, os princípios, hábitos e valores sociais.

47
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Este desenvolvimento humano, pela busca da realização das suas


necessidades, é feito primordialmente por meio do trabalho, no qual o homem,
além de se adaptar à natureza, começa a agir sobre ela, transformando-a de acordo
com seus propósitos e necessidades.

Então, podemos concluir que é por meio do trabalho que os seres humanos
colocam em prática suas capacidades humanas. Assim, o trabalho é a base
fundamental na formação da consciência moral de todos os seres humanos,
pois, segundo Barroco (2000, p. 45), “[...] o trabalho é uma atividade social, cuja
realização cria valores e costumes, desenvolve habilidades e sentimentos, formas
de comunicação, de intercâmbio e de conhecimento; em outras palavras, cria a
cultura e sua própria história.” É por meio do trabalho que os homens desenvolvem
seus princípios e sua cultura, consequentemente, seus valores sociais e éticos.

LEITURA COMPLEMENTAR

ÉTICA E MORAL

Sandro Dennis

Existe alguma confusão entre o conceito de Moral e o conceito de Ética.


A etimologia destes termos ajuda a distingui-los, sendo que Ética vem do grego
“ethos”, que significa modo de ser, e Moral tem sua origem no latim, que vem de
“mores”, significando costumes.

Esta confusão pode ser resolvida com o estudo em paralelo dos dois temas,
sendo que Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do
homem em sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição
e pelo cotidiano. É a “ciência dos costumes”. A Moral tem caráter normativo e
obrigatório.

Já a ÉTICA é “conjunto de valores que orientam o comportamento do


homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo,
assim, o bem-estar social”, ou seja, ÉTICA É A FORMA COMO O HOMEM
DEVE SE COMPORTAR NO SEU MEIO SOCIAL.

A MORAL sempre existiu, pois todo ser humano possui a consciência


moral que o leva a distinguir o bem do mal no contexto em que vive. Surgindo
realmente quando o homem passou a fazer parte de agrupamentos, isto é, surgiu
nas sociedades primitivas, nas primeiras tribos. A Ética teria surgido com Sócrates,
pois se exige maior grau de cultura. Ela investiga e explica as normas morais, pois
leva o homem a agir não só por tradição, educação ou hábito, mas principalmente
por convicção e inteligência. Ou seja, enquanto a Ética é teórica e reflexiva, a Moral
é eminentemente prática. Uma completa a outra.

48
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

Em nome da amizade, deve-se guardar silêncio diante do ato de um


traidor? Em situações como esta, os indivíduos se deparam com a necessidade de
organizar o seu comportamento por normas que se julgam mais apropriadas ou
mais dignas de ser cumpridas. Tais normas são aceitas como obrigatórias, e desta
forma, as pessoas compreendem que têm o dever de agir desta ou daquela maneira.
Porém, o comportamento é o resultado de normas já estabelecidas, não sendo,
então, uma decisão natural, pois todo comportamento sofrerá um julgamento. E a
diferença prática entre Moral e Ética é que esta é o juiz das morais, assim ÉTICA
É UMA ESPÉCIE DE LEGISLAÇÃO DO COMPORTAMENTO MORAL DAS
PESSOAS.

Ainda podemos dizer que a ética é um conjunto de regras, princípios ou


maneiras de pensar que guiam, ou chamam para si a autoridade de guiar, as ações
de um grupo em particular, ou, também, o estudo da argumentação sobre como
nós devemos agir.

Também a simples existência da moral não significa a presença explícita de


uma ética, entendida como filosofia moral, pois é preciso uma reflexão que discuta,
problematize e interprete o significado dos valores morais.

49
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Podemos dizer, a partir dos textos de PLATÃO e ARISTÓTELES, que no


Ocidente a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates.

Para SÓCRATES, o conceito de ética iria além do senso comum da sua


época, o corpo seria a prisão da alma, que é imutável e eterna. Existiria um “bem
em si” próprio da sabedoria da alma e que pode ser rememorado pelo aprendizado.
Esta bondade absoluta do homem tem relação a uma ética anterior à experiência,
pertencente à alma e que o corpo, para reconhecê-la, terá que ser purificado.

ARISTÓTELES subordina sua ética à política, acreditando que na


monarquia e na aristocracia se encontraria a alta virtude, já que esta é um privilégio
de poucos indivíduos. Também diz que, na prática ética, nós somos o que fazemos,
ou seja, o Homem é moldado na medida em que faz escolhas éticas e sofre as
influências dessas escolhas.

O Mundo Essencialista é o mundo da contemplação, ideia compartilhada


pelo filósofo grego antigo Aristóteles. No pensamento filosófico dos antigos, os
seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela
conduta virtuosa. Para a ética essencialista o homem era visto como um ser livre,
sempre em busca da perfeição. Esta, por sua vez, seria equivalente aos valores
morais que estariam inscritos na essência do homem. Dessa forma – para ser ético
–, o homem deveria entrar em contato com a própria essência, a fim de alcançar a
perfeição.

Costuma-se resumir a ética dos antigos, ou ética essencialista, em três


aspectos: 1) o agir em conformidade com a razão; 2) o agir em conformidade com
a natureza e com o caráter natural de cada indivíduo; 3) a união permanente entre
ética (a conduta do indivíduo) e política (valores da sociedade). A ética era uma
maneira de educar o sujeito moral (seu caráter) no intuito de propiciar a harmonia
entre o mesmo e os valores coletivos, sendo ambos virtuosos.

Com o cristianismo romano, através de S.


TOMÁS DE AQUINO e SANTO AGOSTINHO,
incorpora-se a ideia de que a virtude se define a
partir da relação com Deus e não com a cidade ou
com os outros. Deus, nesse momento, é considerado
o único mediador entre os indivíduos. As duas
principais virtudes são a fé e a caridade.

Através deste cristianismo, se afirma na ética


o livre-arbítrio, sendo que o primeiro impulso da
liberdade dirige-se para o mal (pecado). O homem
passa a ser fraco, pecador, dividido entre o bem e o
mal. O auxílio para a melhor conduta é a lei divina.
A ideia do dever surge nesse momento. Com isso, a
ética passa a estabelecer três tipos de conduta; a moral
ou ética (baseada no dever), a imoral ou antiética e a
Descartes indiferente à moral.
50
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

As profundas transformações que o mundo sofre partir do século XVII


com as revoluções religiosas, por meio de LUTERO; científica, com COPÉRNICO,
e filosófica, com DESCARTES, oprimem um novo pensamento na era Moderna,
caracterizada pelo Racionalismo Cartesiano – agora a razão é o caminho para a
verdade, e para chegar a ela é preciso um discernimento, um método.

Em oposição à fé surge agora o poder exclusivo da razão de discernir,


distinguir e comparar. Este é um marco na história da humanidade, que a partir
daí acolhe um novo caminho para se chegar ao saber: o saber científico, que se
baseia num método, e o saber sem método é mítico ou empírico.

A ética moderna traz à tona o conceito de


que os seres humanos devem ser tratados sempre
como fim da ação e nunca como meio para alcançar
seus interesses. Essa ideia foi contundentemente
defendida por Emmanuel Kant. Ele afirmava que:
“Não existe bondade natural. Por natureza somos
egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis,
ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos
quais matamos, mentimos, roubamos”.

De acordo com esse pensamento, para


nos tornarmos seres morais era necessário nos
submetermos ao dever. Essa ideia é herdada da
Idade Média, na qual os cristãos difundiram a
ideologia de que o homem era incapaz de realizar
o bem por si próprio. Por isso, ele deve obedecer
aos princípios divinos, cristalizando assim a ideia Kant
de dever. Kant afirma que se nos deixarmos levar por
nossos impulsos, apetites, desejos e paixões, não teremos autonomia ética, pois
a Natureza nos conduz pelos interesses de tal modo que usamos as pessoas e as
coisas como instrumentos para o que desejamos. Não podemos ser escravos do
desejo.

No século XIX, FRIEDRICH HEGEL traz uma nova perspectiva


complementar e não abordada pelos filósofos da Modernidade. Ele apresenta a
perspectiva Homem – Cultura e História, sendo que a ética deve ser determinada
pelas relações sociais. Como sujeitos históricos culturais, nossa vontade subjetiva
deve ser submetida à vontade social, das instituições da sociedade. Desta forma, a
vida ética deve ser “determinada pela harmonia entre vontade subjetiva individual
e a vontade objetiva cultural”.

Através desse exercício, interiorizamos os valores culturais de tal maneira


que passamos a praticá-los instintivamente, ou seja, sem pensar. Se isso não ocorrer
é porque esses valores devem estar incompatíveis com a nossa realidade e por
isso devem ser modificados. Nesta situação podem ocorrer crises internas entre os
valores vigentes e a transgressão deles.

51
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Já na atualidade o conceito de ética se fundiu nestas duas correntes de


pensamento:

A ÉTICA PRAXISTA, em cuja visão o homem tem a capacidade de


julgar, ele não é totalmente determinado pelas leis da natureza, nem possui uma
consciência totalmente livre. O homem tem uma corresponsabilidade frente às
suas ações.

A ÉTICA PRAGMÁTICA, com raízes na apropriação de coisas e espaços,


na propriedade, tem como desafio a alteridade (misericórdia, responsabilização,
solidariedade), para transformar o Ter, o Saber e o Poder em recursos éticos para
a solidariedade, contribuindo para a igualdade entre os homens: “distribuição
equitativa dos bens materiais, culturais e espirituais”.

O homem é visto como sujeito histórico-


social e, como tal, sua ação não pode mais ser
analisada fora da coletividade. Por isso, a ética ganha
novamente um dimensionamento político: uma
ação eticamente boa é politicamente boa, e contribui
para o aumento da justiça, distribuição igualitária
do poder entre os homens. Na ética pragmática o
homem é politicamente ético, – “todos os aspectos
da condição humana têm alguma relação com a
política” – há uma corresponsabilidade em prol de
uma finalidade social: a igualdade e a justiça entre
os homens.

Na Contemporaneidade, NIETZSCHE
atribui a origem dos valores éticos não à razão, mas
à emoção. Para ele, o homem forte é aquele que
Hegel não reprime seus impulsos e desejos, que não se
submete à moral demagógica e repressora. E para coroar essa mudança radical
de conceitos, surge FREUD com a descoberta do inconsciente, instância psíquica
que controla o homem, burlando sua consciência para trazer à tona a sexualidade
represada e que o neurotiza. Porém, FREUD, em momento algum afirma dever o
homem viver de acordo com suas paixões, apenas buscar equilibrar e conciliar o
id com o superego, ou seja, o ser humano deve tentar equilibrar a paixão e a razão.

Hoje, em uma era em que cada vez mais se fala de globalização, da qual
somos todos funcionários e insumos de produção, o conhecimento de nossa cultura
passa inevitavelmente pelo conhecimento de outras culturas. Entretanto, essa
tarefa antropológica não é suficiente para o homem comum superar a crise da ética
atual conhecendo o outro e suas necessidades para se chegar à sua convivência
harmônica. Ao contrário, ser feliz hoje é dominar progresso técnico e científico, ser
feliz é ter. Não há mais espaço para uma ética voltada para uma comunidade. Hoje
se aposta no individualismo, no consumo, na rapidez de produção.

No momento histórico em que vivemos existe um problema ético-político


52
TÓPICO 2 | A ÉTICA E A MORAL CAMINHAM JUNTAS

grave. Forças de dominação têm se consolidado nas estruturas sociais e econômicas,


mas através da crítica e no esclarecimento da sociedade seria possível desvelar
a dissimulação ideológica que existe nos vários discursos da cultura humana;
sabendo disso, essas mesmas forças têm procurado controlar a mídia.

Em lugar da felicidade pura e simples há a obrigação do dever e a ética


fundamenta-se em seguir normas. Trata-se da “Ética da Obediência”. Que impede
o Homem de pensar e descobrir uma nova maneira de se ver, e assim encontrar
uma saída em relação ao conformismo de massa que está na origem da banalidade
do mal, do mecanismo infernal em que estão ausentes o pensamento e a liberdade
do agir.

Pois assim determina Vasquez (1998) ao


citar Moral como um “sistema de normas, princípios
e valores, segundo os quais são regulamentadas
as relações mútuas entre os indivíduos ou entre
estes e a comunidade, de tal maneira que estas
normas, dotadas de um caráter histórico e social,
sejam acatadas livre e conscientemente, por uma
convicção íntima, e não de uma maneira mecânica,
externa ou impessoal”.

Enfim, Ética e Moral são os maiores valores


do homem livre. O homem, com seu livre-arbítrio,
vai formando seu meio ambiente ou o destruindo,
ou ele apoia a natureza e suas criaturas, ou ele
subjuga tudo o que pode dominar, e assim ele
mesmo se forma no bem ou no mal neste planeta. Freud

FONTE: DENIS, Sandro. ÉTICA E MORAL. CÍRCULO CÚBICO. Disponível em: <http://
circulocubico.wordpress.com/2008/04/04/tica-e-moral/>. Acesso em: 9 set. 2011.

53
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

• Existem diferenças entre ética e moral e também que elas se complementam.

• O ser humano, assim como a sociedade, necessita da ética e da moral para


distinguir o que é o melhor para todos.

• Ética e moral podem ser considerados valores intrínsecos ao ser humano.

54
AUTOATIVIDADE

1 Apresente pelo menos três características para ética e moral.

2 Qual é a principal função da ética?

Assista ao vídeo de Assista ao vídeo de


resolução da questão 1 resolução da questão 2

55
56
UNIDADE 1
TÓPICO 3

A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

1 INTRODUÇÃO
O terceiro e último tópico da Unidade 1 vem apresentar as relações humanas,
no sentido de dar conta da visão multidimensional do ser humano em relação às suas
possibilidades de se relacionar. Vamos identificar a importância dos valores necessários
para a boa convivência social, do nosso cotidiano, a importância da compreensão do
bem comum com algumas variantes a destacar.

2 VALORES
O que entendemos por valores? Os valores são imutáveis? Como escolher
valores? Vamos aprender e refletir neste ponto sobre os valores que estão no centro
de nossas escolhas e também como esses valores se constituem. Queremos aqui
refletir da urgência desse tema que está presente em nosso cotidiano e é fundamental
para nossa convivência social: os valores. Vamos aprender o que são esses valores,
como são constituídos, mantidos ou abandonados e – importante – porque com isso
saberemos como e por que lemos o mundo da forma que o fazemos e como os outros
nos interpretam. Trata-se, portanto, de buscar os fundamentos de nossa identidade.

FIGURA 12 – IDENTIDADE

FONTE: Disponível em: <http://cotidianonaperiferia.files.wordpress.com/2011/08/


banner-post-lid.jpg>. Acesso em: 25 fev. 2012.

57
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

E
IMPORTANT

A palavra VALOR tem sua raiz no latim, valere, e significa coragem, bravura, o
caráter do homem; daí por extensão significa aquilo que dá a algo um caráter.
1. A noção filosófica de valor está relacionada por um lado àquilo que é bom, útil, positivo; e,
por outro lado, à prescrição, ou seja, a algo que deve ser realizado.
2. Do ponto de vista ético, os valores são os fundamentos da moral, das normas e regras que
prescrevem a conduta correta (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 268).

O valor é a relação que se estabelece entre o sujeito que valora e o objeto


valorado. Não existe um objeto com determinado valor. Os objetos têm o valor que
o sujeito lhes atribui, ou seja, não há valor em si, mas o valor para alguém. A ação
de valorar está restrita à esfera humana e está no centro de nossa vida. Quando
fazemos nossas escolhas, escolhemos o nosso trajeto diário para o trabalho, a
roupa que vestimos, o alimento que comemos, estamos colocando em escala de
valor essas escolhas. Aranha e Martins (2005, p. 198) ensinam:

O objetivo de qualquer valoração é, sem dúvida, orientar ação prática.


Se o ar é um valor para o ser vivo, é preciso evitar a poluição, que
comprometa a qualidade desse bem indispensável. Se a credibilidade é
um valor, não podemos mentir o tempo todo; caso contrário, as relações
humanas se corrompem. Portanto, diante daquilo que é, a valoração nos
orienta para o que deve ser.

O que a citação está nos ensinando é que valoramos a todo o momento e


que eles se constituem na ordem da afetividade, isto é, nunca ficamos indiferentes
às coisas: de uma forma ou de outra, elas nos afetam. Se gostamos da árvore, de sua
sombra e de suas flores, significa que ela nos afetou de forma positiva. A mesma
árvore pode afetar de forma negativa se nos incomodam as folhas e flores que dela
caem na calçada limpa.

Primeiramente, faz-se necessário compreender o significado de valor,


pois, ao refletir sobre ética, também falamos sobre os nossos valores e virtudes
e, consequentemente, no comportamento dos homens. Portanto, conclui-se que
a ética é formada pelo estudo e investigação do comportamento e dos juízos de
valores, estabelecendo ponderações de valor para o que está de acordo ou não
com as normas e regras de convivência dos homens em sociedade, pontuando o
que é certo e errado em cada postura social, observando sempre as normas de
convivência social de cada sociedade ou povo.

E
IMPORTANT

O que são os valores sociais?

58
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

Diariamente, analisamos e fazemos julgamentos de valores tanto de


coisas como dos seres humanos. Por exemplo, “Aquela flor tem muitos espinhos,
pode me machucar”. “Este sabonete é ruim para mim, pois me dá alergia”. “Este
chocolate é ruim, pois derrete fácil”. “Gosto muito daquele chocolate, porque é
muito gostoso”. “Acho que a Samanta agiu bem ao ajudar você no trabalho de
aula”. “Aquele profissional é competente”. Essas afirmações se referem ao juízo
de valor da realidade em que estamos inseridos, pois quando partimos do fato
de que a flor, o sabonete, o chocolate, a moça e o profissional existem realmente,
atribuímos algumas qualidades a eles, que podem nos atrair ou repelir.

Empregamos diversos tipos de valores, tais como: utilidade, estético,


afetividade, do bem e mal, religiosos, aspectos econômicos, sociais e políticos.

Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. Ao


nascermos, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecido, de tal
modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante
de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias;
como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual
o padrão de beleza; que direito e deveres temos. Conforme atendemos ou
transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados como bons ou
maus.

A partir da valoração, as pessoas podem achar bonito ou feio o desenho


que acabamos de fazer, ou criticar-nos por não termos cedido lugar à pessoa
mais velha no metrô; ou acham bom o preço que pagamos pela bicicleta; ou
nos elogiam por termos mantido a palavra dada; ou nos criticam por termos
faltado com a verdade.

Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos de nossas ações


ou até sentimos remorsos dependendo do que praticamos. Isso quer dizer
que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à
reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades: a
crítica de um amigo, “aquele” olhar da mãe, a indignação ou até a coerção
física (isto é, a repressão pelo uso da força, por exemplo, quando alguém é
preso por assassinato).

FONTE: Aranha e Martins (2005, p. 300-301)

Alguns exemplos dos valores e virtudes humanas:

QUADRO 4 – ALGUNS VALORES E VIRTUDES HUMANAS

AMIZADE JUSTIÇA OBEDIÊNCIA RESPEITO SIMPLICIDADE


LEALDADE COMPREENSÃO SINCERIDADE PUDOR GENEROSIDADE
PACIÊNCIA ORDEM HUMILDADE AUTOESTIMA LIBERDADE
FONTE: Os autores

59
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Os valores que residem no centro de nossas vidas e de nosso cotidiano são


muitas vezes herdados de uma cultura ou de um costume. Assim, essa experiência
valorativa pode passar (e passa) por mudanças conforme a época, a cultura e o
lugar. É muito importante saber que as regras são modificadas e nunca são extintas,
porque o sujeito tem necessidade de regras formalizadas, modelos para seguir em
todos os setores.

[...] a coragem é melhor que a covardia e a amizade é um valor desejável


para os membros de um grupo. No entanto, a coragem e a amizade
têm apenas um valor formal cujo conteúdo pode variar. A coragem
do guerreiro da tribo é diferente da coragem do executivo dos centros
urbanos. [...] a amizade é um valor universal, mas a sua expressão varia
conforme os costumes. (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 199).

Aqui no Brasil somos muito afetivos e expansivos. Demonstramos nossa


afeição a todo o momento com abraços e beijos. No Oriente não é bem assim.
As pessoas são um pouco mais reservadas. No Brasil, quando dizemos que uma
determinada mulher é “guerreira”, estamos afirmando que ela é uma lutadora
pela manutenção da vida, do lar, de seus filhos e de si mesma. Em uma sociedade
tribal, uma mulher “guerreira” significa que vai à guerra em seu sentido literal.

Os valores são transmitidos pela cultura e, nesse ponto, a educação tem


papel fundamental. É ela uma das responsáveis por ensinar os valores de nossa
cultura, mas não é a única. A família também assume esse papel assim que a
criança nasce. No entanto, esses valores são modificados com o tempo, porque faz
parte da capacidade humana criticar novos e modificados valores e ansiar por eles.

Quando se trata de uma sociedade mais rígida e com pouca flexibilidade,


esses valores são mantidos por mais tempo. É comum conhecermos — pessoalmente
e através de programas de televisão — famílias que ainda mantêm costumes já
superados, como educar mulheres para o casamento e para a maternidade. Na
atualidade, as mulheres têm suas carreiras profissionais, casam e descasam, têm
filhos ou não. São escolhas totalmente aceitas socialmente. Mas ainda existem
famílias que mantêm os costumes antigos. São os valores tradicionais mantidos
por um grupo.

As mudanças de costumes (como é o caso da mulher ocidental) não


são substituídas de uma hora para outra. Existe um processo de crise em que a
sociedade promove alguns movimentos, em princípio de forma isolada e, depois,
vai se expandindo e tomando corpo e lugares. O século passado foi palco de
grandes crises e mudanças em muitos segmentos sociais: família, arte, política e
educação. A família diminuiu, a mulher saiu de casa para trabalhar e sustentar a
família, a televisão mudou os hábitos familiares e agora todos se reúnem em torno
do aparelho de TV.

A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou a mudança conceitual de


gênero das artes e modificou o gosto. Mas será que o gosto pode ser modificado?
Pode. O que é feio ou bonito irá depender do movimento artístico predominante e,
principalmente, pela indústria cultural que determina as expressões e manifestações

60
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

de arte. Da mesma forma acontece com os valores morais, já que não nascemos
morais e sim, nos tornamos sujeitos morais. Aprendemos a ser morais.

A construção de nossa personalidade moral supõe uma descentração


– em que superamos nosso egoísmo, em direção ao reconhecimento
do outro como o outro eu. Por isso, o processo de educação moral não
deveria ser de inculcação das normas, mas também o de estimulação da
passagem da heteronomia para a autonomia. (ARANHA; MARTINS,
2005, p. 200).

Se o sujeito aprende de forma automática e sem reflexão, terá dificuldades


de promover a sua autonomia e terá suas escolhas sempre determinadas por outras
pessoas. A reflexão e discussão sobre os valores nos ajudam a buscar as razões de
nossas escolhas. Escolhemos e sabemos por que o escolhemos.

Outra questão importante do núcleo dos valores é a condição da cidadania.


Primeiro é preciso aprender: CIDADANIA É O DIREITO DE TODOS TEREM
DIREITOS! No entanto, não nascemos cidadãos. A cidadania é conquistada
pela educação, que promove o comportamento cidadão no sujeito para o efetivo
exercício democrático. “Não é fácil desenvolver a política da igualdade – que
estimula a solidariedade, o pluralismo e o respeito pelos direitos humanos”
(ARANHA; MARTINS, 2005, p. 200).

Em nossa mente ainda permanece a ideia de uma sociedade hierarquizada


marcada pelo preconceito racial. Essa forma de pensamento está refletida em nossa
linguagem, nas manifestações artísticas, na organização urbana e na distribuição
de renda.

Você aprendeu, no início desta seção, o significado de valor em latim,


mas existe, também, o significado em grego. Por que muitas palavras aparecem
com significados nos dois idiomas? Porque a nossa cultura ocidental é herdeira
dessas duas culturas. Aliás, pensando bem, são três culturas que fizeram parte de
nossa formação: os gregos, os romanos (por isso o latim, que era a língua oficial
dos romanos) e a judaico-cristã. Essas três culturas se juntaram, se influenciaram
e formaram juntas a cultura ocidental. Não nos esqueçamos de que fomos
“descobertos” pelos portugueses, que já tinham essa formação.

DICAS

Filmes: Forall: o trampolim da vitória (Brasil, 1997). Luiz Carlos Lacerda e Buza
Ferraz. Gaijin: caminhos da liberdade (Brasil, 1980). Tizuka Yamazaki. Sonhos (Estados Unidos/
Japão, 1990). Akira Kurosawa.

61
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Já que estamos neste momento de análise histórica, vamos aprender aqui


a contribuição dos filósofos antigos para esta questão de compreensão dos valores
a partir de diferentes pontos de vista, como, por exemplo, como encontrar valor
no bem, no belo, no verdadeiro, enfim, como se dá sua relação com o ser. Vamos
começar com Platão.

Para Platão, existe o mundo das ideias do bem supremo, do verdadeiramente


belo, do verdadeiramente bom. Aqui, no mundo sensível, não há espaço para
o bem supremo porque no mundo corpóreo (das sensações, dos sentidos) tudo
está em transição e, por isso, não há possibilidade da manutenção do verdadeiro
conhecimento, que é eterno e imutável.

Para Aristóteles, tudo está em processo de atualização e, portanto, o ser


humano precisa, no exercício da atualização (aprendizado), buscar aquilo que está
em sua natureza de forma escondida: a virtude. Essa virtude se encontra no pleno
uso da razão. Somente o ser humano é dotado de razão e é preciso colocá-la a seu
serviço e viver de acordo com ela (não de acordo com as pulsões e paixões).

No período Iluminista (século XVIII), o filósofo Immanuel Kant afirma que


não podemos conhecer o ser profundo das coisas (a essência que define as coisas)
porque a razão não é capaz de te alcançar, de ter acesso pleno à metafísica (às
primeiras coisas que estão fora do mundo físico). Então, é de responsabilidade do
sujeito a atribuição dos valores em suas escolhas. “[...] Kant não se referia a um
sujeito individual, mas ao sujeito transcendental, capaz de autonomia, de julgar
por si próprio ao fazer juízos estéticos e morais” (ARANHA; MARTINS, 2005, p.
203). Kant influenciou o pensamento filosófico subsequente e, até hoje, influencia
os estudiosos da Ética.

FIGURA 13 – ESTUDIOSOS DA ÉTICA

FONTE: Disponível em: <http://rachelsnunes.blogspot.com.br/2011/04/retorno-


da-filosofia.html#!/2011/04/retorno-da-filosofia.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

62
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

Mas foi Nietzsche quem promoveu uma verdadeira revolução no


pensamento sobre os valores morais. Com sua obra “A genealogia da moral”, ele
propõe a “transvaloração da moral”. Ou seja, ele propõe a rediscussão sobre o valor
dos valores. Para ele, os valores são aceitos pelo hábito e não de forma consciente e,
ainda, imposta pela tradição cristã. O sujeito não pensa no que faz e faz por medo
ou por comodismo!
[...] a humildade, a caridade, a resignação, a piedade são valores dos
fracos e vencidos, próprios de uma moral de escravos, intimamente
ligada às necessidades dos que vivem em rebanho. Diferentemente,
a moral dos senhores é positiva, porque baseada no sai à vida, e
se configura sob o signo da plenitude, do acréscimo. (ARANHA;
MARTINS, 2005, p. 203).

Nietzsche contesta os valores da tradição afirmando que foram criados por


humanos para serem exercidos por outros humanos. Daí a necessidade de uma
“demolição” desses valores e uma mudança, uma “transvaloração da moral”. Isto
é, uma superação dos valores vigentes.

Na atualidade vivemos um processo de relativização dos valores. Tudo é


relativo, inclusive o gosto. O que é belo? O que é feio? É uma questão de gosto.
Aliás, você já deve ter ouvido a expressão: gosto não se discute. Será que é assim
mesmo? Bem, se estamos nos referindo ao gosto gustativo, se gostamos de
chocolate ou não, aí sim podemos discutir. Mas quando estamos falando de arte,
não podemos deixar que esses valores sejam especulados e deixados ao bel-prazer
de forma arbitrária. O que Leonardo da Vinci pretendia com a sua Monalisa era
demonstrar que o belo está nas proporções das formas definidas e distribuídas na
pessoa e, nesse caso, o retrato (imaginário ou não) contemplava essa ideia. A ideia
de gosto estético pode e deve ser aprimorada a partir de uma educação de nossa
sensibilidade.

NOTA

Nietzsche foi um filósofo que marcou o pensamento ocidental de forma


contundente porque fez crítica à tradição filosófica que, até então, ninguém ousou fazer.
Mas ele o fez! Por isso, marcou seu nome na história. Você concorda com esse filósofo que
devemos “demolir” nossos valores e crenças para a reconstrução de outros valores? Justifique.

Outras questões do nosso cotidiano estão nas esferas religiosas, políticas


e de postura de comportamento. Somos estimulados pelo senso comum a não
discutir e sempre respeitar a opinião dos outros. Mas será que precisamos ficar
calados diante de tudo? Lembremo-nos de que questões como a legitimidade da
escravidão, das torturas, da separação étnica em muitos países (como o apartheid
na África) e da negação do direito ao voto feminino ainda eram defendidas em
pleno século XX.

63
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

E
IMPORTANT

As mulheres conquistaram o direito de voto em 1883, na Nova Zelândia; em 1906,


na Finlândia; em 1913, na Noruega; em 1917, na então União Soviética; em 1918, no Canadá
(sendo que na cidade de Quebec apenas em 1940); em 1920, nos Estados Unidos; em 1928,
no Reino Unido e na Alemanha; em 1932, no Brasil; em 1971, na Suíça, e em 1976, em Portugal
(ARANHA; MARTINS, 2005, p. 205).

O exercício reflexivo e dialógico nos leva ao esclarecimento dos nossos juízos


de valor. Escolher e saber o porquê de nossas escolhas nos liberta dos limites de uma
razão tutelada. Aí aparece a opção da liberdade. O nosso próximo tema de estudo.

3 ÉTICA E LIBERDADE: LIBERDADE COMO CAPACIDADE


HUMANA

De acordo com Alonso, López e Castrucci (2010, p. 29), “a ética é a arte de


administrar a própria liberdade, de administrar os chamados atos humanos”. Por
essa concepção pode-se dizer que exista uma discricionariedade ou livre-arbítrio
no uso da liberdade. Parece que não. A liberdade é restrita se a analisarmos ao pé
da letra, a liberdade de administrar cabe aqui como deferência à felicidade coletiva.

Na verdade, o que os autores querem dizer é que por trás de toda liberdade
existe uma condição moral e um fim no bem comum, como afirmam: “Uma primeira
afirmação da ética consiste em que a liberdade não está para fazer qualquer coisa,
ou a serviço do agir sem rumo ou irresponsável, mas deve estar a serviço do bem”.
(ALONSO; LÓPEZ; CASTRUCCI, 2010, p. 29).

De acordo com Chiavenato (2004, p. 82), que trata da natureza humana


diante das teorias das organizações, “o homem diante do seu contexto histórico
sofre mudanças que explicam e justificam o seu comportamento humano”. O autor
perpassa pelas diversas concepções ao longo da história da administração que
sustentam o comportamento e/ou demanda comportamental que em cada época
se exige ou se configura.

De que maneira podemos entender que a liberdade possa ser compreendida


como uma capacidade humana nos diferentes grupos sociais existentes nos dias atuais?

Devemos sempre partir do princípio de que a ética denota regras, normas e


responsabilidades, mas também não podemos esquecer que a ética é um espaço de
reflexão sobre a nossa vida cotidiana. Esta vida que está pautada nos alicerces da
moral humana em sociedade deve, também, supor que todos os homens sejam livres.

64
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

A partir disso tudo, o que é liberdade?

Quantas vezes tivemos o sentimento de estarmos presos, ou seja, não tendo


liberdade para fazer aquilo que realmente desejamos; ou simplesmente poder
escolher entre uma ou mais opções; ou ainda sentir-se livre para querer realizar as
nossas mais subjetivas necessidades, tais como: escolher uma boa comida, comprar
aquela roupa desejada, fazer aquele curso desejado e não imposto pela família ou
sociedade, andar de bicicleta, fazer um esporte etc?

Sabemos que todos os homens necessitam de liberdade. Os animais também


precisam dela. A liberdade pode ser entendida como um processo de poder fazer
escolhas. Estas escolhas devem ser sempre pautadas sobre os nossos princípios
morais e éticos, para que, assim, não possamos prejudicar os outros.

De acordo com Barroco (2000, p. 54),

A liberdade como capacidade humana é, portanto, o fundamento de


ética. Assim, agir eticamente, em seu sentido mais profundo, é agir
com liberdade, é poder escolher conscientemente entre alternativas,
é ter condições objetivas para criar alternativas e escolhas. Por sua
importância na vida humana, a liberdade é também um valor, algo
que valoramos positivamente, de acordo com as possibilidades de cada
momento histórico. Por tudo isso, podemos perceber que a liberdade
é também uma questão ética das mais importantes, pois nem todos
os indivíduos sociais têm condições de escolher e de criar novas
alternativas de escolha.

O formato da vida em que estamos inseridos demonstra a situação de que os


homens estão sempre tomando decisões sobre onde, como, para onde, o que estão
fazendo ou vão realizar. A nossa própria existência pode ser considerada instável
e incerta, porque mudamos de opinião o tempo todo. O mundo está em constante
transformação e, por consequência, os nossos hábitos e costumes também, devido
ao fato de que os seres humanos estão o tempo todo em movimento.

Não sabemos se choverá amanhã ou se fará sol, não sabemos realmente o que
pode acontecer no dia seguinte e nem o caminho que vamos tomar daqui para frente.
De acordo com Tomelin e Tomelin (2002, p. 128), “nosso existir se constitui a cada
dia, pois o homem não é algo pronto e acabado, é um ser em movimento e que tem
possibilidades de escolha. O nosso existir revela uma escolha. Uma escolha de nossos
pais, ao terem um filho, e uma escolha nossa, de optarmos todos os dias pela vida”.

Então, podemos compreender que somos livres, temos o poder de escolha


entre as inúmeras possibilidades que o universo nos proporciona. Só que não
podemos esquecer que toda escolha denota uma responsabilidade, não vivemos
isolados, mas numa sociedade e, perante ela, podemos, de certa maneira, influenciar
os outros conforme as nossas próprias escolhas.

Lembre-se de que toda escolha que fazemos determinará a nossa própria


existência.

65
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

A liberdade é constituída no relacionamento direto entre os homens em


sociedade, por meio de suas atividades humanas. Podemos considerar que o ser
humano é um ser livre e tem o poder de escolha, desde que seja sempre consciente.
Portanto, por meio do trabalho, o ser humano se constitui um homem consciente
e livre.

FIGURA 14 – LIBERDADE ENTRE HOMEM E SOCIEDADE

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-SY5LjKN5RN0/TbnyzSy2ItI/


AAAAAAAAAPM/-dUboZCakJk/s1600/cameras755.jpg>. Acesso em: 25 fev. 2012.

E
IMPORTANT

“LIBERDADE, essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém
que explique, e ninguém que a entenda.” (Cecília Meireles)

Contudo, o que é liberdade? No que tange à questão de liberdade, vejamos


o que predizem Tomelin e Tomelin (2002, p. 127), quando tratam desta questão em
seu livro “Do mito para a razão: uma dialética do saber”.

Você, por muitas vezes, deve ter se sentido preso, sem liberdade para
sair de casa ou fazer o que quer. Ou que, muitas vezes, ao ser livre para querer,
acaba querendo o que os outros querem que se queira. [...] A liberdade sempre
foi uma questão fundamental na história da humanidade. Todos nós queremos
ser livres. Através da história, percebemos que muitas pessoas tiveram que
pagar um preço alto pela sua liberdade. Muitos queimados em fogueiras,
outros presos, perseguidos e torturados. Todos necessitam de liberdade. Até
os animais. Você já reparou como o cachorro fica feliz quando o soltamos para
66
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

correr? Podemos assim compreender que a liberdade é um poder de escolhas.


Nesta perspectiva, observamos que a existência do ser humano, nas suas
relações cotidianas, acaba revelando escolhas, ou seja, todos os dias escolhemos
entre inúmeras possibilidades postas pela sociedade, o que é bom ou mal para
nós e para os outros. Assim, podemos considerar que todo homem é livre para
escolher, por si só, uma determinada possibilidade e renunciar outras.

Não podemos esquecer que vivemos em sociedade, portanto, todas as


nossas escolhas, direta ou indiretamente, influenciarão os demais membros da
comunidade em que estamos inseridos. As nossas decisões refletem também
diretamente sobre nós, ou seja, se porventura eu decidir não mais estudar e
trabalhar, isso influenciará diretamente a minha vida e a da minha família e
dos amigos.

Nesta perspectiva, Tomelin e Tomelin (2002, p. 128) expõem que “[...]


quando escolho, torno-me humano, e escolho não apenas a mim, mas a toda
humanidade. Nossas escolhas é que determinarão o nosso existir”.

4 A ESSÊNCIA DA MORAL COM EMBASAMENTOS ÉTICOS


PARA A VIDA COTIDIANA

Partimos do entendimento de que todo homem pode ser considerado


um ser ético e que nossas raízes éticas advêm da nossa própria história por meio
do trabalho. Podemos questionar a sua forma de ser, ou seja, qual a natureza da
moral? Por que a moral é necessária? E como ela é?

Pois sabemos que “a (re)produção da vida social coloca necessidades de


interação entre os homens, modos de ser constitutivos da cultura, produtos do
trabalho, tais como a linguagem, os costumes, os hábitos, as atividades simbólicas,
religiosas, artísticas e políticas.” (BARROCO, 2000, p. 25).

A partir disso, podemos destacar alguns exemplos:

● Na questão da linguagem, hábitos e costumes: pode-se observar que toda


região do Brasil forma grupos ligados por seus costumes sociais, tais como:
o nosso tipo de comida, o estilo de vida, as atitudes, determinando o nosso
convívio social.

● Na questão das atividades simbólicas: a aplicação de histórias de contos de


fadas serve para o desenvolvimento emocional de crianças.

● Na questão artística: a dança, a pintura, o teatro possibilitam a liberação da


imaginação e criatividade dos homens, além de ser utilizada no tratamento

67
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

de algumas questões de recuperação social e moral, como no tratamento de


dependentes químicos e terapias ocupacionais.

Também devemos compreender que o homem, quando desenvolve e cria


seus valores sociais e individuais, os classifica em certos ou errados, bons ou maus,
de acordo com o conjunto de necessidades e possibilidades de cada grupo social.

Contudo, quais são as formas de ser da moral?

Como nos mostra Barroco (2000, p. 25-26),

o campo da moral é um espaço de criação e realização de normas e


deveres, de atitudes, desejos e sentimentos de valor. Na vida cotidiana,
julgamos as ações práticas como corretas ou incorretas; fazemos juízo
de valor sobre nosso comportamento e dos outros; nos deparamos com
situações em que ficamos em dúvida sobre a melhor escolha; projetamos
nossa vida a partir de valores que julgamos positivos e negamos as
ações que se orientam por valores que consideramos negativos.

Podemos observar, no nosso dia a dia, a existência de pessoas que não


respeitam as normas de conduta da sociedade em que vivem, por isso elas possuem
um comportamento imoral ou antiético, ou seja, negam as normas e diretrizes
morais constituídas e legitimadas pela própria sociedade.

5 RELAÇÕES HUMANAS SOCIAIS


Ninguém vive sozinho, o sentido de interdependência já se adquire
desde o nascimento. Somos afetados todo tempo por relações humanas, seja no
nosso condomínio, na universidade, igreja, ou em quaisquer dos lugares que
frequentamos ou que intercedemos. Então, relações humanas é toda e qualquer
interação humana.

FIGURA 15 – GENTILEZA

FONTE: Disponível em: <http://oimpressionista.files.wordpress.


com/2006/04/gentileza.JPG?w=395&h=294>. Acesso em: 15 jan. 2012.

68
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

NOTA

O profeta Gentileza foi uma pessoa que viveu nas ruas da cidade do Rio de
Janeiro, em que escrevia mensagens de paz, amor e gentileza. Ele passou a viver na rua após
ter perdido toda a família no incêndio em Niterói-RJ.

Gentileza é um modo de agir, um jeito de ser, uma maneira de enxergar


o mundo. Ser gentil, portanto, é um atributo muito mais sofisticado e
profundo que ser educado ou meramente cumprir regras de etiqueta,
porque, embora possamos (e devamos) ser educados, a gentileza é
uma característica diretamente relacionada com caráter, valores e ética;
sobretudo, tem a ver com o desejo de contribuir para um mundo mais
humano e eficiente para todos. Ou seja, para se tornar uma pessoa
mais gentil, é preciso que cada um reflita sobre o modo como tem se
relacionado consigo mesmo, com as pessoas e com o mundo. (BRAGA,
2011).

Rosana Braga (2011) dá dicas práticas para que a gentileza seja exercitada
no dia a dia das pessoas. É uma relação de atitudes básicas para que as pessoas
possam se harmonizar. Vejamos as dez ações de gentileza:

1 Tente se colocar no lugar do outro – isso o ajuda a entender melhor as


pessoas, seu modo de pensar e agir.
2 Aprenda a escutar – ouvir é muito importante para solucionar qualquer
desavença ou problema.
3 Pratique a arte da paciência – evite julgamentos e ações precipitadas.
4 Peça desculpas – isso pode prevenir a violência e salvar relacionamentos.
5 Pense positivo – procure valorizar o que a situação e o outro têm de bom e
perceba que este hábito pode promover verdadeiros milagres.
6 Respeite as pessoas – quando elas pensarem e agirem de modo diferente de
você. As diferenças são uma verdadeira riqueza para todos.
7 Seja solidário e companheiro – demonstre interesse pelo outro, por seus
sentimentos e por sua realidade de vida.
8 Analise a situação. Alcançar soluções pacíficas depende de se descobrir a
raiz do problema.
9 Faça justiça. Esforce-se para compreender as diferenças e não para ganhar,
como se as eventuais desavenças fossem jogos ou guerras.
10 Mude a sua maneira de ver os conflitos. A gentileza nos mostra que o conflito
pode ter resultados positivos e ainda tornar a convivência mais íntima e
confiável.

Toda sociedade é composta por pessoas, toda organização é movida e


depende de pessoas, que se chamam recursos humanos. Por esse motivo é muito
69
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

importante que as organizações estejam atentas e se preparem para gerir seus


recursos humanos. O campo de estudo de recursos humanos é muito vasto, desde
o recrutamento e seleção até os mecanismos motivacionais e de permanência na
organização.

As pessoas por si só carregam em si uma diversidade e pluralidade que


podem ajudar a organização, e ao mesmo tempo a unidade da organização exige
que o comportamento humano seja voltado aos princípios dessa organização. A
pessoa, portanto, passa a desenvolver dois papéis fundamentais quando inserida
na organização: o papel de pessoa e o papel de recurso, como se observa na figura
a seguir:

FIGURA 16 – PESSOAS COMO PESSOAS E COMO RECURSOS

FONTE: Chiavenato (2004, p. 59)

O ser cidadão é compreendido como um fenômeno multidimensional,


porque se relaciona com a família, em grupos religiosos, no trabalho, na escola
ou universidade, em clubes etc. As relações sociais nada mais são que todas essas
relações isoladas e ao mesmo tempo em intersecção.

Cada pessoa possui uma personalidade própria e diferenciada e influi


no comportamento e nas atitudes das outras com quem mantém
contatos e é, por outro lado, igualmente influenciada pelas outras.
As pessoas procuram ajustar-se às demais pessoas e grupos: querem

70
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

ser compreendidas, aceitas e participar, no intuito de atender a seus


interesses e aspirações pessoais. (CHIAVENATO, 2003, p. 107).

A pessoa, portanto, diante dessas múltiplas relações humanas e sociais, se


apresenta a uma organização como pessoa com suas demandas pessoais e como
recurso também, com suas habilidades e competências:

O comportamento humano é influenciado pelas atitudes normais


e informais existentes nos grupos dos quais participa. É dentro da
organização que surgem novas oportunidades de relações humanas,
devido ao grande número de grupos e interações resultantes.
(CHIAVENATO, 2003, p. 107).

O diagrama que segue permite visualizar e compreender melhor essa dupla


via da pessoa inserida numa organização diante das variáveis intervenientes,
com seus anseios enquanto pessoas (objetivos pessoais) e como servidora de uma
organização (objetivos coletivos).

FIGURA 17 – VARIÁVEIS INTERVENIENTES

FONTE: Chiavenato (2004, p. 61)

As relações sociais são importantes, porque favorecem a diversidade de


vidas que, aliadas, podem favorecer em recursos criativos e dinâmicos para a
organização; em contrapartida, podem apresentar conflitos de valores e pessoais.

Mas, dentro de uma organização as relações sociais devem ser entendidas


no limite da política da organização, respeitando o seu código de moral. É por
esse motivo que o campo de estudo dos Recursos Humanos é enorme, porque
além de ter que dar conta da complexidade do ser humano, ainda se encarrega de
motivar e se adequar às transformações da sociedade, no que diz respeito às leis, à
moralidade, aos valores e aos costumes.

De acordo com Chiavenato (2004, p. 123-124), os recursos humanos devem


seguir uma política que irá beneficiá-los, mas em contrapartida os exigirá na
otimização de seus deveres e trabalho para que a organização se desempenhe
melhor, como o autor coloca:

71
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

Em função da racionalidade organizacional, da filosofia e da cultura


organizacional, surgem políticas. Políticas são regras estabelecidas para
governar funções e assegurar que elas sejam desempenhadas de acordo
com os objetivos desejados. Constituem uma orientação administrativa
para impedir que as pessoas desempenhem funções indesejáveis ou
ponham em risco o sucesso de suas funções específicas. Assim, políticas
são guias para a ação. Servem para prover respostas às questões ou aos
problemas que podem ocorrer com frequência [...].

6 DIFERENTES TIPOS DE INTERESSES

Entre pessoas que se relacionam, seja na família, em grupos sociais, em


organizações, cada pessoa tem um interesse diferente. Esse hibridismo de interesses
forma a sociedade em uma imensidão sectária. É o que queremos identificar, os
diferentes tipos de interesses, começando pelo bem comum, o interesse individual,
o coletivo, o público e o profissional.

6.1 O BEM COMUM

De acordo com Alonso, López e Castrucci (2010, p. 90), o bem comum “é o


conjunto de condições sociais que permite e favorece aos membros da sociedade o
seu desenvolvimento pessoal e integral”.

O bem comum, de forma bem simples, é a felicidade de todos. Pelo ponto


de vista da administração pública, é buscar ações que favoreçam que a sociedade
seja cada vez melhor, visto que os princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37 da Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988)) sejam elementos fundamentais.

Alonso, López e Castrucci (2010, p. 92) abordam três aspectos essenciais do


bem comum:

1 O bem comum tem composição análoga à do bem da pessoa.


2 É próprio da sociedade.
3 Deve ser compatível com o bem comum das outras sociedades.

Esses aspectos essenciais apontam para que o bem comum só seja possível
se houver o bem-estar das pessoas com elas mesmas (individual e coletivo), e
também em qualquer espaço, seja a sua própria comunidade ou com a sociedade
em geral.

72
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

FIGURA 18 – INDIVIDUAL E COLETIVO

FONTE: Disponível em: <http://pitacovirtual.blogspot.com.br/2010/11/proclamacao-


da-republica-garantia-de.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

6.2 O INTERESSE INDIVIDUAL

De acordo com Abbagnano (2007, p. 665), interesse é a “participação


pessoal numa situação qualquer e a dependência que dela resulta para a pessoa
interessada”. Interesse individual é quando a pessoa deseja algo para si mesma.

O interesse individual, quando a pessoa é investida de servidor público,


deve ficar aquém do interesse público. Mas há algum mal na pessoa desejar fazer
carreira pública? Claro que não! Seja como representante do povo pelos cargos de
voto direto (prefeito, vereador, deputado, senador, entre outros), seja também pela
investidura de algum cargo público pelo processo seletivo legal, qualquer cidadão
pode almejar fazer uma carreira profissional na esfera pública.

O que não pode são as pessoas, ao se investirem em algum cargo público,


visarem única e exclusivamente o seu interesse individual e particular.

6.3 O INTERESSE COLETIVO


O interesse coletivo é o bem de todos e para todos. Na verdade, tanto as
organizações públicas quanto as privadas, entre outras organizações, visam ao
interesse coletivo. O interesse coletivo é, portanto, a reunião da vontade de pessoas.

73
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90,


interesses coletivos são um tipo de interesse transindividual ou metaindividual,
isto é, pertencem a um grupo, classe ou categoria de pessoas determinadas,
que são reunidas entre si pela mesma relação jurídica básica.
FONTE: Adaptado de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Interesses_coletivos>. Acesso em: 30 mar.
2012.

Os interesses coletivos são de natureza indivisível, são compartilhados


em igual medida por todos os integrantes do grupo, por esse motivo devem
representar a vontade e interesse de um todo.

6.4 O INTERESSE PÚBLICO

O interesse público também é conhecido como princípio da supremacia do


interesse público ou da finalidade pública. Segundo Meirelles (2006, p. 103):

O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade.


A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e
domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do
interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as
atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares.

Nesse sentido, mesmo que o Estado repasse a terceiros a incumbência


de serviços, ainda assim haverá supremacia do interesse público, ou seja, essa
organização que prestará serviço deverá colocar o interesse público acima do seu
interesse particular.

6.5 O INTERESSE PROFISSIONAL

As pessoas, no geral, ao ocuparem um cargo e função, seja numa


organização pública ou privada, levam consigo seus interesses individuais,
pessoais e profissionais. Essa motivação faz com que as pessoas vislumbrem uma
carreira bem-sucedida. Entretanto, a respeito da ética profissional, Camargo (1999,
p. 31-32) apresenta: “A ética profissional e a aplicação da ética geram no campo
das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbuída de certos princípios
e valores próprios do ser humano para vivê-los nas suas atividades de trabalho”.

Os valores e desejos que as pessoas carregam devem estar numa escala


menor aos interesses públicos ou coletivos, e quanto mais valor humano a pessoa
levar para a organização, melhor para a organização e ao bem comum.

Encerramos a primeira unidade. Este tópico iniciou com o tema valor, e


terminamos também com este tema. Na próxima unidade vamos tratar de política.
74
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

A verdadeira, sem deixar, é claro, de identificar outras realidades que caminham


juntas. Até lá.

UNI

A leitura complementar é muito importante, porque além de dar maiores referências


sobre os temas discutidos, permite um aprofundamento do tema principal e suas ramificações.
Nesse sentido, a proposta da leitura complementar é indicar um estudo que proporcionará o
enriquecimento do conteúdo e também o descobrimento de novos conhecimentos.
Esse texto é resultado de uma entrevista realizada pela professora Maria Lúcia Toralles-Pereira
(Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista/UNESP), com colaboração de
Adriana Ribeiro (assistente editorial da Revista Interface, Fundação Uni) ao Doutor Roberto Romano.

NOTA

Roberto Romano é filósofo, com doutorado na École des Hautes Études en


Sciences Sociales, Paris, professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas – Unicamp, onde exerce o cargo de vice-diretor. Com inúmeras publicações na
área de Ciências Sociais, é figura incontestável no cenário intelectual brasileiro, por expressar
posicionamentos críticos sobre temas extremamente complexos e de grande relevância atual.
FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1414-32832002000100012>. Acesso em: 28 mar. 2012.

LEITURA COMPLEMENTAR

SOBRE ÉTICA E MORAL

Roberto Romano

Procuro sempre, no interior da vida intelectual brasileira, discutir


criticamente o conceito imperante de ética, porque vejo nele um grande perigo.
No Brasil de hoje, quando se fala no assunto, o termo recebe quase imediatamente
a conotação de algo positivo, desejável e bom. A ética definiria as regras de ação
recomendáveis para o coletivo e os indivíduos. Semelhante identificação do ético
com o bom é problemática. O conceito de ética é mais abrangente do que as noções
de bem e de mal, pois significa o conjunto de hábitos introduzidos e reiterados num
determinado tempo e sociedade, tornando-se quase automáticos nas consciências
humanas, como se fossem uma segunda natureza. Qualquer ato nosso, reflexivo
ou ativo, pode ter conotação boa ou má. Muitos hábitos coletivos, introduzidos no

75
UNIDADE 1 | A ÉTICA E A MORAL

transcurso da história, sobretudo no Ocidente, na Europa e Américas, são nocivos


à vida espiritual. Há o campo enorme de representações coletivas que a Filosofia
do século XVII ou XVIII definia como “preconceitos”. Que um valor seja aceito por
sociedades nacionais ou transnacionais como inquestionável é um ponto. Que ele
seja inquestionável é algo muito diferente.

Por exemplo, temos o antissemitismo. Trata-se de uma forma de


comportamento presa ao conjunto de valores surgidos na Idade Média, a partir
de equívocos doutrinários, históricos e religiosos. Ao longo da Idade Média e no
início do Estado Moderno, ele foi ampliado por problemas de ordem econômica
e política, sendo reiterado por juízos equivocados, emitidos por grandes homens
e líderes religiosos, como é o caso de Lutero. Na História Moderna ele foi
repetido pelos seguidores de Lutero e também do catolicismo. No século XIX o
antissemitismo uniu-se às doutrinas supostamente científicas, de cunho racista.
Tais doutrinas foram espalhadas por meio da imprensa, das cátedras universitárias,
dos livros, e tornaram-se uma forma “espontânea” de pensar entre largas camadas
da população. Na Alemanha, quando surgiu o nazismo, ele já encontrou um solo
fértil de atitudes diante do judeu, do árabe etc. O nazismo vem coroar um costume
plenamente ético, mas hediondo e imoral, já que sapa a consciência moral que
exige a unidade do ser humano: judeus, árabes ou negros, todos integram o ser
humano. O ético, assim entendido, tem um atrativo muito grande, porque nele se
descreve o “concreto”, a vida do povo.

O moral é mais abstrato, porque apela para a consciência invisível. Mas


o moral é importante para verificarmos a veracidade, a bondade do ético. Este
último é necessariamente coletivo: não existe ética individual. Já o moral apresenta-
se coletivamente, mas tem sua vigência na individualidade. O juízo moral exige
que se suspenda temporariamente o juízo ético, pois ele é mais exigente que o
ético. Quem defende uma linha puramente ética da cultura, critica o chamado
“moralismo” - o moralismo abstrato - porque ele seria uma afirmação de valores
que não se corporifica imediatamente, enquanto o contrário ocorre com o ético.

O ético, pois, é muito mais atraente. A “opinião pública” quase sempre é


ética (o que não quer dizer que é exata!). Há casos horrendos de costumes éticos,
como, por exemplo, no caso brasileiro, a falta de respeito pelas leis de trânsito. Esta
atitude coletiva entre nós pode ser vista, pelos estudiosos do fato ético, como um
costume sancionado. Mas trata-se de algo plenamente imoral, porque nele tem-se
em mente a prioridade do material sobre o espiritual. Se alguém possui condições
econômicas para adquirir um veículo importado da marca Audi, consegue o
direito de matar. Na consciência dos atores sociais existe esse direito, o que é
profundamente imoral e antiético, no sentido correto da palavra. Não há dono de
carro Audi (a não ser que ele seja um sujeito moral extremamente elevado), que
não acredite: sua posse de um Audi goza do privilégio de andar a 170 quilômetros
por hora numa estrada pública. A própria propaganda da Audi incentiva isso:
“quando você enxergar esse logotipo, passe para a direita”. Atribui-se aos donos
de veículos o estatuto de semideuses, acima do bem e do mal.

76
TÓPICO 3 | A ÉTICA E A MORAL NA SOCIEDADE

Por tudo isso eu me preocupo muito com a veiculação sem prudência da


“ética” como se ela fosse um corretivo para a sociedade brasileira. Acho que a nossa
vida social, inclusive a universidade e a pesquisa brasileiras, estão profundamente
marcadas por traços éticos indesejáveis.

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_


arttext&pid=S1414-32832002000100012>. Acesso em: 28 mar. 2012.

UNI

Existem algumas referências técnicas que poderão


ajudá-lo(a) no aprofundamento do conceito de ética e
moral, como também existem obras literárias e filmes que ajudarão
você a ampliar o seu conhecimento, principalmente no que se
refere às condutas morais. Vejamos:

• Ética: BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. 2.


ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

• Ética profissional: SÁ, Antônio L. de. Ética profissional. São Paulo.


Atlas, 1996.

• Política: ARISTÓTELES. Política. Tradução Mário da Gama Kury,


Brasília: UnB, 1989.

• Infanticídio: XINRAN, Sue. Mensagem de uma mãe chinesa


desconhecida. Tradução Caroline Chang. São Paulo. Companhia
das Letras, 2011.

Xinran é jornalista e nesse livro conta as histórias verídicas de mulheres chinesas em relação
à cultura machista do único filho homem. São dez histórias que contam a interrupção da
relação mãe e filha.

• Poligamia: CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.

Esse livro é um romance que aborda a questão da poligamia. Rami, a personagem do


livro, é casada com Tony por 20 anos, até que ela descobre que o marido possui várias
outras mulheres e filhos. Esse livro retrata a cultura de Moçambique em relação à prática e
costume da poligamia.
Na Idade Média, a ética tem sua base na moral cristã. Veremos mais detalhadamente esta
questão e os dois grandes expoentes – Agostinho e Tomás de Aquino na próxima unidade.

77
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• A moralidade dos homens é um reflexo direto do modo de ser e conviver em


sociedade, que foi ou está sendo perpetuada num espaço de tempo.

• Todo ser humano pode ser considerado um ser ético.

• As nossas raízes éticas advêm da nossa própria história, por meio do trabalho.

• Em cada sociedade existem diferentes modos constitutivos da cultura, tais como:


a linguagem, os costumes, os hábitos, as atividades simbólicas, as religiosas, as
artísticas e as políticas.

• Também devemos compreender que o homem, quando desenvolve e cria seus


valores sociais e individuais, os classifica como certos ou errados, bons ou maus,
de acordo com o conjunto de necessidades e possibilidades de cada grupo social.

• No nosso dia a dia existem pessoas que não respeitam as normas de conduta da
sociedade em que vivem, estas pessoas possuem um comportamento imoral ou
antiético.

• A moral sugere, constantemente, a valorização de nossas ações e de nossos


comportamentos em sociedade.

• A construção da moral, seus hábitos, princípios e costumes é baseada e construída


no dia a dia das relações sociais.

• Empregamos diversos tipos de valores, tais como: utilidade, estético, afetividade,


do bem e mal, religiosos, aspectos econômicos, sociais e políticos.

• A liberdade pode ser entendida como um processo de poder fazer escolhas.

• Temos a liberdade de escolha, pois, muitas vezes, nos indagamos se realmente


devemos obedecer ou não a estas regras, pois cabe a cada um de nós decidir o
que é certo ou errado, o que é fazer o bem ou o mal.

78
AUTOATIVIDADE

1 Identifique três aspectos essenciais do bem comum, segundo Alonso, López


e Castrucci.

2 Como podemos identificar pessoas como pessoas e pessoas como recursos?

79
80
UNIDADE 2

A POLÍTICA
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Sandro Luiz Bazzanella
André Bazzanella

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• estabelecer uma relação da política com a ética e a moral;

• conhecer os princípios filosóficos da política;

• promover o pensamento crítico para as coisas públicas, das quais e pelas


quais nós nascemos, vivemos e morremos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles, você
encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 – A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

TÓPICO 2 – A FILOSOFIA POLÍTICA

TÓPICO 3 – A POLÍTICA E O BRASIL

Assista ao vídeo
desta unidade.

81
82
UNIDADE 2
TÓPICO 1

A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

1 INTRODUÇÃO
Depois de aprender um pouco sobre ética e sobre a moral, queremos
conversar com você sobre política. Você não acha que esse assunto está bem
(ou mal) relacionado com a ética e a moral? Por isso, nesta unidade você irá
conhecer os princípios filosóficos e éticos da política. Pretendemos estimular a sua
curiosidade e promover o seu pensamento crítico também e – por que não? – para
as coisas públicas, das quais e pelas quais nós nascemos, vivemos e morremos.
Vamos então estudar o pensamento político na Idade Média, a importância da
ética cristã com seus dois grandes expoentes e finalizar este tópico com a política
que se desenvolve na Modernidade e alguns desafios e questionamentos presentes
na Contemporaneidade.

2 O PENSAMENTO POLÍTICO NA IDADE MÉDIA

Neste ponto vamos aprender um pouco da ideia de política para os cristãos.


Logo, daremos um salto da Antiguidade para a Idade Média e aqui apelaremos
para o conhecimento dos historiadores que buscaram nas fontes a origem da nossa
cultura ocidental. Em breves linhas, nossa cultura é resultado de uma junção entre
a cultura judaico-cristã e a grega. Portanto, a ideia de política para os medievais
tem inspiração dos dois lados – grego e judaico (hebreus) e mais o cristianismo.

Para os hebreus, todo e qualquer governo, seja ele qual for, precisaria ter
a característica de teocrático, porque para eles o governo pertence a Deus. Além
disso, os hebreus são conhecidos como o povo para quem Deus se revelou e deixou
a Torá: o livro das leis (ditadas pelo próprio Deus a Moises, quando este passou 40
dias em Sua presença no monte Sião, recebendo todas as orientações sob a forma
de lei que os homens deveriam obedecer). Os hebreus eram, assim, legalistas, ou
seja, o povo conduzido pela lei divina.

83
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 19 – TEOCRACIA X DEMOCRACIA

FONTE: Disponível em: <http://artigosdehistoria.blogspot.com.br/2011/02/teocracia-x-


democracia.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Quando o cristianismo se constituiu como religião (antes era apenas


um movimento, cujo líder foi Jesus Cristo, e só muito depois de sua morte esse
movimento de transformou em religião), buscava seus fundamentos na Antiga Lei
e na Nova Lei (Antigo e Novo Testamentos).

No primeiro, Deus faz uma aliança com Noé, Abraão e Moisés. No segundo,
Deus renova a aliança de forma messiânica, através do messias Jesus. Do lado
romano, que conquistou a Grécia – portanto, a Grécia foi “romana” por muito
tempo, no período em que o cristianismo se expandiu*e depois se torna a religião
oficial do Império Romano:

[...] o príncipe já se encontra investido de novos poderes. Sendo Roma


senhora do Universo, o imperador romano tenderá a ser visto como
senhor do Universo, ocupando o topo da hierarquia do mundo, em cujo
centro está Roma, a Cidade Eterna. [...] ao imperador – ao César – cabe
manter a harmonia e a concórdia no mundo, a pax romana, garantida
pela força das armas. (CHAUI, 2002, p. 387).

O formato político-cristão recebe influência desses dois modelos de


organização política. Para isso, os filósofos cristãos buscam a fundamentação da
teoria política na Bíblia latina (romanos), nos códigos dos imperadores romanos
(Direito Romano) e em algumas obras de Platão e Aristóteles.

De Platão, se apropriaram da ideia de uma comunidade organizada de


forma hierárquica (lembre-se da ideia de corpo) e governada por sábios, pelos
filósofos. De Aristóteles, absorveram a ideia de que a finalidade do poder era a
justiça. As teorias de poder teológico-político, com muitas reformulações durante
a Idade Média, tinham princípios comuns: o poder e de Deus (teocrático), e um
favor divino; o rei traz a lei em seu peito e o que agrada ao rei é lei; o príncipe
cristão deve ter as virtudes cristãs – fé, esperança e caridade; a comunidade e o rei
formam o corpo político (aqui temos o pensamento platônico), conforme explica
Chauí:

84
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

[...] a cabeça e a coroa ou o rei, o peito e a legislação do rei, os membros


superiores são os senhores ou barões que formam os exércitos do rei e
a ele estão ligados por juramento de fidelidade ou de vassalagem, e os
membros inferiores são o povo que trabalha para o sustento do corpo
político. A Polis platônica é assim interpretada pelo cristianismo: corpo
político do rei. (CHAUÍ, 2002, p. 390).

Tem mais: essa hierarquia se justificava pela ideia de vontade divina,


ordenada por Deus e, portanto, natural. É a ideia do Direito Natural. Esse universo
constituído de forma hierárquica é justificado na ideia de uma ordem fixa de
lugares e funções de cada um (olha o Platão aqui outra vez). No universo, cada
um ocupa seu lugar a que foi destinado naturalmente (por Deus): cada animal,
vegetal, mineral, homens etc. Esses seres ocupam um lugar que foi distribuído
(por Deus) em grau de inferioridade e superioridade.

Essa concepção de mundo dissemina a ideia de que cada qual deve ficar
em seu devido lugar a que foi destinado ao nascer e com isso as teorias políticas
conseguem o seguinte: mantêm o poder imperial e eclesiástico. No topo dessa
hierarquia encontram-se o papa e o imperador.

Esse modelo de teoria política perdurou por toda a Idade Média, ora dando
mais poder ao imperador, ora mais ao papa. Essa polarização de poder gerou
conflitos, guerras e corrupção por parte de um e de outro. Para entender melhor
isso, vamos, no próximo ponto, estudar sobre a ética cristã.

3 ÉTICA CRISTÃ

Não se pode imaginar a política sem a influência da Igreja e de seu


pensamento e até de sua influência na história, principalmente para o Ocidente.
A partir da ética cristã e do pensamento de Agostinho e de Tomás de Aquino,
veremos que a ética cristã contribui para a evolução do pensamento político.

O cristianismo introduz o conceito de dever. Isto acontece porque,


diferentemente dos antigos, que concebem a vontade como a capacidade de guiar
os impulsos e os desejos pela razão, o cristianismo considera a vontade pervertida
pelo pecado e prega que precisamos do auxílio de Deus para nos tornar morais.
A vida ética cristã é definida pela sua relação espiritual e individual com Deus.
De acordo com Chauí (2002, p. 441), o cristianismo introduz duas diferenças com
relação à concepção da ética antiga:

A ideia de virtude se define por nossa relação com Deus;


A afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre-arbítrio –
e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para
o pecado. Somos fracos e pecadores, divididos entre o bem (obediência
a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca).

85
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Para o cristianismo a lei divina revelada é que norteia as ações do indivíduo


para a vida ética. O indivíduo, por si mesmo, é incapaz de realizar o bem e, por
isso, precisa de auxílio divino. Daí surge a ideia de dever.

É oportuno apresentar ao leitor as críticas que o filósofo do final da


modernidade – Nietzsche – faz ao modelo ético inaugurado por Sócrates e
consolidado pelo cristianismo. Para Nietzsche, Sócrates criou a ideia de bem e de
mal e o cristianismo consolidou essa ideia.

FIGURA 20 – NIETZSCHE – CRÍTICAS DO FILÓSOFO DO FINAL DA MODERNIDADE

FONTE: Disponível em: <http://friedrichnietzsche1.wordpress.com/>. Acesso em: 27 maio 2013.

O bom cristão obedece às leis de Deus e submete sua vontade à vontade


divina. Como o homem nasce do pecado e tem introjetada em si, pela vontade,
a condição do mal – porque o homem nasce com o pecado original, o pecado
adâmico*–, é preciso que ele se submeta e cumpra a vontade de Deus para alcançar
o perdão divino e a salvação post-mortem. Obedecer às leis de Deus por atos do
dever é a única condição para que o homem seja agraciado pelo perdão.

NOTA

Você sabia que pecado original ou adâmico se refere à transgressão de Adão no


paraíso? Como somos “filhos” de Adão, já nascemos na condição de pecadores.

A filosofia moral cristã passou a distinguir três tipos fundamentais de


conduta:

• Conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras


impostas pelo dever.

86
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

• A conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras


fixadas pelo dever.

• A conduta indiferente à moral, em situações nas quais não se impõem as


normas e as regras do dever.

Além do dever, o cristianismo introduziu a ideia de intenção que habita


no sujeito de forma imperceptível. A intenção é invisível, mas para que o sujeito
alcance uma conduta virtuosa é preciso que ele a demonstre em ações e atitudes.
Para o cristianismo, a vontade e a lei divina estão inscritas no coração dos seres
humanos.

“A primeira relação ética, portanto, se estabelece entre o coração do


indivíduo e Deus, entre a alma invisível e a divindade”. (CHAUÍ, 2002, p. 344).
O dever, portanto, não fica restrito à condição visível, mas às intenções e ações
invisíveis, porque Deus o vigia e julga todas as ações.

A ideia de dever, introduzida pelo cristianismo, tem a finalidade de oferecer


um caminho seguro à vontade, que, sendo fraca e incapaz, se divide entre o bem
e o mal, deve ter princípios a obedecer que o conduza ao alcance da virtude, que,
posteriormente, promoverá a salvação da alma.

Essa configuração da ética cristã nos parece impositiva e até coercitiva,


porque é determinada pelo dever. O homem é bom e age bem pelo dever, por uma
norma invisível exterior. Deus o conhece, o vigia e o julga. Nesse caso, o homem
não é autônomo – como na ética dos antigos –, mas heterônomo, porque a vontade
e a consciência estão condicionadas à obediência por um poder externo e estranho
ao homem.

De acordo com Chauí (2002), no século XVIII o filósofo Rousseau tentou


resolver esse problema afirmando que o homem nasce bom, ou seja, a consciência
moral e o sentimento do dever são inatos no homem, é “o dedo de Deus” em
nossos corações.

Já nascemos puros e dotados de generosidade e benevolência para com os


outros. Mas o homem é “estragado”, corrompido pela sociedade quando criou a
propriedade, a privação e a servidão humana. Por isso, o cumprimento ao dever
nos força a recordar nossa natureza originária, e assim, a imposição externa e
aparente.

Contrário ao pensamento de Rousseau, Kant formula sua crítica dizendo


que não existe a bondade natural e, por natureza, o homem é egoísta, ambicioso,
destrutivo, agressivo, orgulhoso, cruel, ávido por prazeres, pelos quais nos
matamos, mentimos e roubamos.

87
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 21 – ORGULHO

FONTE: Disponível em: <http://aderivaldo23.files.wordpress.com/2013/0


4/555069_458903654180225_1526752612_n.jpg>. Acesso em: 27 maio
2013.

Para Kant, o homem é tudo de ruim! Por isso é preciso instituir o dever
para controlar e dar à vida um ordenamento social.

O cristianismo também definiu as virtudes que devem ser alcançadas, em


modelo similar ao de Aristóteles.

No quadro a seguir estão definidas as virtudes cristãs:

QUADRO 5 – VIRTUDES CRISTÃS

VIRTUDES TEOLOGAIS PECADOS CAPITAIS VIRTUDES MORAIS


CORAGEM GULA SOBRIEDADE
JUSTIÇA AVAREZA PRODIGALIDADE
TEMPERANÇA PREGUIÇA TRABALHO
PRUDÊNCIA LUXÚRIA CASTIDADE
FÉ CÓLERA MANSIDÃO
ESPERANÇA INVEJA GENEROSIDADE
CARIDADE ORGULHO MODÉSTIA
FONTE: Chauí (2002, p. 349)

Com relação ao quadro aristotélico, as virtudes teologais são acrescidas


na ética cristã por conta da relação entre o homem e Deus, a justiça se constitui de
forma individual, a amizade para o cristão é a caridade, os vícios são os pecados.

88
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

A modéstia em Aristóteles é um vício, e no cristianismo é uma virtude


moral. Além disso, o filósofo da Antiguidade não falou sobre humildade, castidade
e mansidão. Não iremos afirmar, mas podemos pensar que essas condições são
resultados da prudência.

Queremos chamar a atenção para um atributo importante para o


cristianismo: o trabalho. Para o homem grego e romano, o trabalho não fazia parte
dos valores do homem livre. “O ócio, considerado pela sociedade greco-romana
como condição para o exercício da política, torna-se, agora, vício da preguiça.
Lutero dirá: ‘Mente desocupada, oficina do diabo’” (CHAUÍ, 2002, p. 348-349, grifo
do autor).

NOTA

A palavra “trabalho” tem sua origem no vocábulo latino tripalium – denominação


de um instrumento de tortura formado por três (tri) paus (palus). Desse modo, originalmente,
“trabalhar” significa ser torturado no tripaliu. Quem eram os torturados? Os escravos e os pobres
que não podiam pagar os impostos. Assim, quem “trabalhava”, naquele tempo, eram as pessoas
destituídas de posses.

Aqui vale uma provocação. O pensamento apresentado sobre a ética cristã


nesse parágrafo, pela filósofa Marilena Chauí, está reduzido por uma questão
de espaço (é o que acreditamos, sinceramente). Acompanhe nosso pensamento.
Lutero promoveu a Reforma protestante no ano de 1517, início da Idade Moderna.

O cristianismo, de tradição judaica com muita influência da tradição


greco-romana (Jesus era judeu, não esqueçamos), já existia há quase 16 séculos, e
dessa forma foi se configurando. Na tradição judaico-cristã, o trabalho tem uma
conotação de castigo. No livro de Gênesis (3:19) está registrada a ira de Deus sobre
o primeiro homem, Adão, que, desobedecendo a Deus, pecou comendo do fruto
da árvore que representava o bem e o mal.

Fazendo isso, ele liberou a sua consciência, a sua vontade, que para o
cristianismo é fonte de vícios e pecados. Por essa desobediência, o homem, por
castigo de Deus, deveria retirar o seu alimento “com o suor de seu rosto”. Ou seja,
com o trabalho o homem deveria buscar o seu sustento fora do paraíso, porque de
lá foi expulso.

Com o passar do tempo e a história se modificando, o conceito de trabalho


também foi mudando. Quando Lutero afirma que “a mente desocupada é oficina
do diabo”, a sociedade está passando por profundas modificações, a burguesia
está começando o projeto de implantação do capitalismo e o ideal burguês começa
a ser disseminado em todos os segmentos, e a Reforma protestante começa a ser
influenciada por essa ideologia.

89
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 22 – AFIRMAÇÕES

FONTE: Disponível em: <http://jackelian-jack.blogspot.com.br/2010/08/mente-


vazia.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Com a ascensão dos burgueses (ainda sem o poder político, que só


aconteceria com a Revolução Francesa em 1789), o conceito de trabalho também
começou a mudar, chegando até os dias atuais com o sentido disseminado pelo
cristianismo como uma virtude moral. Podemos pensar que, nesse sentido, a Igreja
já estava assumindo o ideal burguês, que compreende a formação da riqueza pelo
trabalho. Resumindo: sem trabalho não há riqueza e, assim, o ócio (bem visto pelos
gregos) tornou-se um vício ou pecado.

3.1 AGOSTINHO DE HIPONA

Com a desintegração do mundo antigo, cujo marco histórico é a queda


do Império Romano do Ocidente, tem-se a ascensão do mundo medieval,
que se caracteriza de forma mais contundente em torno do debate que nos
propomos a desenvolver, pela ascensão do cristianismo institucionalizado na
Igreja Católica Apostólica Romana, a partir da qual podemos falar de uma ética
cristã que se estabelece no contexto civilizatório medieval.

Numa perspectiva didática, adotaremos a divisão do mundo medieval


em Alta Idade Média, séculos V ao X, e Baixa Idade Média, séculos XI ao XV,
estabelecendo possíveis diferenças na abordagem da ética cristã nos respectivos
períodos.

90
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

Neste primeiro momento do mundo medieval, considerado como Alta


Idade Média, surge o movimento filosófico cristão denominado “Patrística”,
que se caracteriza pelo pensamento dos Santos Padres da Igreja Católica (entre
eles podemos citar Santo Ambrósio, São Jerônimo, São Gregório de Nissa, Santo
Agostinho), cujos pressupostos filosóficos procuram fundamentar a doutrina
das verdades da fé do cristianismo, como contraponto às perspectivas pagãs
e de interpretação herética que se distanciavam da interpretação oficial que a
Igreja propunha como verdadeira.

A “Patrística” vai buscar na filosofia grega, mais especificamente em


Platão (428/27 - 347 a.C.), suas bases conceituais, ou seja, o estabelecimento da
verdade cristã apoia-se nos pressupostos da filosofia platônica como condição
do alcance da verdade. É importante que se esclareça que a filosofia cristã
medieval (que se caracteriza pelo estabelecimento das verdades da fé) parte do
princípio de que a finalidade da filosofia é colocar-se a serviço da fé, ou seja, a
verdade filosófica somente tem sentido na medida em que justifica as verdades
reveladas da fé cristã.

NOTA

SANTO AGOSTINHO FIGURA 23 – SANTO AGOSTINHO


Aurelius Augustinus, que passaria para a história como
Santo Agostinho, nasceu em 354, em Tagaste (hoje Souk
Ahras, Argélia, norte da África), sob o domínio romano.
Embora sua mãe, Mônica (que seria canonizada), fosse
cristã, Agostinho não se interessou, quando jovem, por
religião. Sentia-se atraído pela filosofia romana. Antes
dos 20 anos já tinha um filho, nascido de uma relação
não formalizada. Pouco tempo depois, abriu uma escola
na sua cidade natal. Tornou-se professor de retórica,
lecionando depois em Cartago, Roma e Milão. Nesta
cidade tomou contato com o neoplatonismo e, aos 32
anos, converteu-se ao cristianismo. De volta a Tagaste,
decidido a observar a castidade e a austeridade, vendeu
as propriedades que herdara dos pais e fundou uma
comunidade monástica, onde pretendia se isolar. Mas,
sem que planejasse, foi nomeado sacerdote da igreja de
Hipona (hoje Annaba, Argélia), início da carreira religiosa
que durou até sua morte, na mesma cidade, em 430. FONTE: Disponível em: <http: //
Suas obras principais são: Confissões, Cidade de Deus www.consciencia.org>. Acesso
e Da Trindade. em: 8 jan. 2008.

91
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Entre os principais representantes da Patrística encontra-se Santo


Agostinho. Aurélio Agostinho nasceu em 13 de novembro de 354 d.C., em
Tagaste, pequena cidade da atual Argélia, país que se localiza no norte da
África. Morreu a 28 de agosto de 430 d.C. aos 76 anos de idade. Teve uma
sólida formação filosófica, além de uma vida intensa antes de entrar para a
Igreja. Por volta de 396 d.C., torna-se bispo de Hipona, cidade provavelmente
fundada pelos fenícios no norte da África e importante centro comercial na
época. Em função deste fato também é conhecido como Agostinho de Hipona,
ou o Santo Pastor de Hipona, entre outras referências.

Agostinho propõe uma ética cristã fundada no “Amor a Deus”. A


exigência primeira e fundamental do Amor a Deus é que ele seja autêntico,
verdadeiro e fiel. Partindo destes pressupostos, o autêntico amor ao Criador é
demonstrado pela criatura no amor a si mesmo e ao próximo, na vivência da
máxima sabedoria deixada por Jesus Cristo: “Não fazer aos outros o que não
queremos que seja feito a nós mesmos” (Mt 7:12 e Lc 6:31). Nesta perspectiva,
os princípios que fundamentam a ética cristã agostiniana desdobram-se
num sentido antropológico e político. Pode-se perceber o esforço do bispo
de Hipona em refletir, questionar seu tempo e as condições de possibilidade
da vida humana na “Cidade dos Homens”, de alcançar o bem e a paz, como
ensaio terrestre da verdadeira felicidade na “Cidade de Deus”.

NOTA

Verifique as obras de Agostinho para poder compreender melhor seu pensamento.

Agostinho reconhece o valor da pessoa humana, obra do Criador. Criatura


criada à imagem e semelhança de Deus, o que lhe torna merecedora de admiração
e dignidade incomparável em relação às outras criaturas. O homem, para o bispo
de Hipona, participa do plano da criação como um ser transcendente, destinado
à vida eterna junto ao Criador.

Nesta direção, o plano político assume importância significativa para


Santo Agostinho, na medida em que a política é uma prerrogativa da “Cidade dos
Homens” e deve ser exercida pelos homens públicos tendo como escopo de suas
ações os interesses da coletividade, a promover a dignidade humana, a salvaguardar
valores inerentes à preservação da vida humana como obra por excelência do plano
da criação. Desta forma, a política realiza sua verdadeira função na medida em que
o homem público se deixa conduzir pela bondade divina.

92
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

Portanto, a ética agostiniana funda-se numa hierarquia do amor, num


primeiro momento amar a si mesmo e, num segundo, no amor ao próximo,
desdobrando-se na forma como se conduz a vida em sociedade, na “Cidade dos
Homens”. Nesta economia do amor como fundamento da ética, as ações humanas
devem ser realizadas com vista ao alcance da eternidade, a “Cidade de Deus”,
onde se encontra a verdadeira felicidade, finalidade última da vida humana no
plano individual, ou social.

Porém, aqui é necessário levar em consideração o fato de que a ética


agostiniana está assentada em última instância no livre-arbítrio humano, ou seja,
não é pela sua “natureza” divina que o homem alcança “naturalmente” a “Cidade
de Deus”, ou que o homem estaria propenso a fazer o bem em função de sua
participação no plano da criação, mas é a partir das escolhas que o homem faz,
diante da possibilidade de fazer o bem ou o mal, que se estabelece sua liberdade
de opção e, consequentemente, a responsabilidade de suas ações na “Cidade dos
Homens”.
FONTE: BAZZANELLA, S. L.; BAZZANELLA, A. Ética VI. Disponível em: <http://migre.me/eLT9R>.
Acesso em: 28 maio 2013.

3.2 TOMÁS DE AQUINO


A cosmovisão medieval foi profundamente marcada pela influência
cultural e política da Igreja Católica, que se articulou nos fundamentos da
teologia cristã e da filosofia grega. Desta forma, na Alta Idade Média (século
II d.C. até século IX, aproximadamente), Platão foi amplamente utilizado para
fundamentar as verdades reveladas da fé cristã. Santo Agostinho (354-430 d.C.),
partindo de uma perspectiva platônica, divide o mundo entre cidade de Deus e
cidade dos homens, como vimos no ponto anterior.

Na Baixa Idade Média (séculos XI a XV) ocorre no Ocidente, por inúmeros


fatores econômicos, políticos, sociais e filosóficos, uma espécie de “renascimento”
cultural, na medida em que se foi tomando conhecimento, pelo movimento
de traduções do árabe, de obras de filosofia, entre elas as de Aristóteles, de
matemática, medicina, entre outras. É necessário levar em consideração que
determinadas obras ocidentais tornaram-se desconhecidas da primeira Idade
Média e um autor da importância de Aristóteles somente “volta” ao Ocidente
por meio de traduções do árabe nesse último período.

Desta forma, a obra de Aristóteles vai ter uma influência extraordinária


na Baixa Idade Média, na medida em que filósofos árabes como Avicena (Abu
Ali al-Hussayn ibn Abd-Allah Ibn Sina – 980 a 1037) e Averróes (Abul Walid
Muhammad Ibn Achmed – 1125 a 1198) constroem seus sistemas filosóficos sobre
as bases aristotélicas, apresentando-as ao Ocidente.

Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, discorda da dualidade de


mundos de seu mestre e funda sua filosofia que se pode denominar como realismo

93
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

filosófico. Muitos o consideram o precursor da ciência, na medida em que busca,


por meio da razão e da experiência, explicar através de categorias as causas
materiais e formais dos fenômenos. Através da concepção de “ato e potência”,
procura explicar a dinâmica do devir, daquilo que definimos como realidade.
Aristóteles escreveu uma vasta obra sobre diversas áreas do conhecimento: política,
lógica, moral, ética, teologia, pedagogia, metafísica, didática, poética, retórica,
física, antropologia, psicologia e biologia. É neste contexto de “renascimento”,
marcado por significativas transformações sociais, políticas e culturais, entre elas
o nascimento das primeiras universidades no Ocidente, que surge a “Escolástica”
como movimento filosófico cristão. Este período do pensamento cristão caracteriza-
se pela filosofia ensinada nas escolas pelos mestres, chamados, por isso, escolásticos.
As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas
artes liberais, divididas em trívio – gramática, retórica, dialética – e quadrívio –
aritmética, geometria, astronomia, música.

NOTA

SÃO TOMÁS DE AQUINO FIGURA 24 – SÃO TOMÁS DE AQUINO


Tomás de Aquino nasceu em 1224 ou 1225 no
castelo de Roccaseca, perto da cidade de Aquino,
no reino da Sicília (hoje parte da Itália). Diante
dele, contemplamos um dos maiores pensadores
que o mundo medieval viu. E também um dos
maiores pensadores da história da filosofia. A
Suma Teológica, sua obra principal, é um denso
e rico compêndio da cultura cristã, da influência
aristotélica sobre seu pensamento e da história da
filosofia. Foi doutor que leu, escreveu e polemizou
com outros pensadores medievais, mas sempre
levando adiante sua densa obra de influência
aristotélica. Tomás de Aquino morreu em 1274, na
abadia de Fossanova (hoje centro da Itália). FONTE: Disponível em: <http://www.
consciencia.org>. Acesso em: 11 jan. 2008

Tomás de Aquino (1225-1274) surge neste contexto. Reconhecidamente


foi um dos maiores teólogos da Igreja Católica. Seu mérito está no fato de
articular a síntese do cristianismo com a visão aristotélica do mundo, de forma
a obter uma sólida base filosófica para a teologia e retificando o materialismo
de Aristóteles. Em suas duas “Summa”, sistematizou o conhecimento teológico
e filosófico de sua época: são elas a “Summa Theologiae”, e a “Summa Contra
Gentiles”.

A partir dele a Igreja passou a ter uma teologia fundada na revelação


e uma filosofia baseada no exercício da razão humana, que se fundem numa

94
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

síntese definitiva: fé e razão, unidas em sua orientação comum rumo a Deus.


Sustentou que a filosofia não pode ser substituída pela teologia e que ambas não
se opõem. Em seu pensamento, filosofia e teologia se complementam e não cabe
à filosofia o papel de serva da teologia, como nos congêneres séculos filosóficos.
Afirmou que não pode haver contradição entre fé e razão. Portanto, fé e razão
são complementares e não contraditórias.

A partir destes pressupostos, a ética proposta por Tomás de Aquino


consiste no homem agir de acordo com sua natureza racional. Dotado de livre-
arbítrio, todo homem tem capacidade de discernimento entre o bem e o mal,
enfim de captar, abstrair ou apreender a ordem moral; e o primeiro postulado
da ordem moral é: “Faze o bem e evita o mal”. Neste contexto, para Tomás
de Aquino, há uma lei divina revelada por Deus aos homens e que consiste
nos Dez Mandamentos, mas há também uma lei eterna que se apresenta no
plano racional de Deus e que ordena todo o universo como obra de sua criação.
Mais ainda, uma lei natural que é articulada por meio da lei eterna no homem,
criatura racional que, desta forma, é convocado a participar do plano da criação.
A participação no plano da criação exige do homem a elaboração da lei positiva,
que é o que lhe permite a vida em sociedade.

Porém, esta se subordina à lei natural e não pode contrariá-la, sob pena
de se tornar lei injusta e, sendo assim, não há a obrigação de obedecer à lei
injusta. Assim se estabelece o fundamento objetivo e racional da verdadeira
consciência.

Desta forma, a ética aquiniana confere ao homem a responsabilidade


e a capacidade de discernimento diante das decisões a serem tomadas. Na
perspectiva aristotélica que funda o pensamento de Tomás, o critério supremo
da vida ética é o justo meio-termo, preconizado por Aristóteles: nada de
excessivo, ou seja, o alcance da felicidade, finalidade última da existência
humana teologicamente concebida na contemplação da realidade na perfeita
bondade, na visão de Deus. Portanto, uma ética fundamentada na fé cristã e
fundamentada na consciência racional do homem que reconhece o pressuposto
da fé.
FONTE: BAZZANELLA, S. L.; BAZZANELLA, A. Ética VII. Disponível em: <http://migre.me/eLThr>.
Acesso em: 28 maio 2013.

4 A POLÍTICA NA MODERNIDADE

Você pode perceber que até a Idade Média, ética e política estavam juntas.
Na Antiguidade, o governante tinha que ser justo e para isso teria que ter suas
ações baseadas no exercício ético sediado pela razão. Para os medievais é a ética
cristã que irá nortear o exercício político.

95
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

O que acontece na modernidade? Um pouco antes, temos uma figura


muito conhecida: trata-se do filósofo Maquiavel. Seu nome é bem conhecido; de
sua obra, o livro mais conhecido é O príncipe. Foi escrito às pressas com a intenção
de recuperar o emprego perdido do autor (de secretário de Estado na Itália) e,
principalmente, de fazê-lo deixar o exílio. Mas O príncipe não retrata exatamente
o pensamento de Maquiavel; interpretá-lo somente a partir dessa obra é o mesmo
que querer entender um livro somente pela capa ou por suas orelhas.

NOTA

As orelhas de um livro são aquelas páginas viradas para dentro dele, apresentando
de forma resumida o seu conteúdo).

O que Maquiavel fez foi desvincular o poder político do poder da Igreja.


Enquanto os teólogos partiam da Bíblia e do Direito Romano para legislar, ele
parte da experiência real, do que está acontecendo no tempo presente e precisa de
soluções imediatas, mas que mantenham uma organização duradoura. Sua leitura
política dos clássicos o fez ter uma noção de humanidade, ou seja, para ele o ser
humano conserva algumas características imutáveis: “[...] são ingratos, volúveis,
simuladores, covardes ante os perigos e ávidos por lucro”. (MAQUIAVEL,1982, p.
19). Por isso, não adianta buscar um governante virtuoso, porque não existe. Mas
o governante poderá, se for esperto, desenvolver a virtude e alcançar a fortuna que
é a manutenção do poder.

Maquiavel foi secretário e conselheiro dos governantes de Florença. Nesse


período (século XV), a Itália estava totalmente dividida como uma colcha de
retalhos e o caos instalado. A França invadia seus territórios sistematicamente e o
governo papal estava totalmente sem prestígio, resultado da corrupção instalada
nos bastidores da Igreja Romana. Por isso, Maquiavel ofereceu um pensamento
novo para substituir as práticas políticas fundamentadas em teorias que não mais
atendiam às necessidades de um novo tempo. Seus contemporâneos tentavam
resolver as questões políticas buscando orientações nos antigos, e deixavam
escapar os acontecimentos do momento.

Maquiavel rompeu com o modelo passado da seguinte forma: Não


admitindo um fundamento político divino. A cidade está dividida por dois
desejos: daqueles que querem oprimir e o desejo do povo de não ser oprimido.
Se a sociedade está polarizada entre dois desejos antagônicos, não pode ser vista
como uma comunidade e, portanto, a finalidade da política não é o bem comum e
a justiça. A lógica política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica
da força transformada em lógica do poder e da lei. O príncipe precisa ter virtude
para tomar e manter o poder, nem que seja pela força, mentira, astúcia e violência.

96
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

Quando o regime político esmaga o povo, é ilegítimo. A legitimidade e


a ilegitimidade são delimitadas pela liberdade. O que Maquiavel faz é virar de
cabeça para baixo e romper com todas as concepções de política, ética e justiça
construídas desde a Antiguidade. Para ele, no lugar de virtudes que devem fazer
parte do governante para bem governar, deve ser a virtude a característica principal
do bom governante. A virtude não tem o mesmo conceito de virtude dos antigos e
dos cristãos, mas uma capacidade para gerir com eficiência os negócios públicos.
A virtude é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando
com elas para agarrar e dominar a fortuna (o poder). Em outras palavras, um
príncipe que agir sempre da mesma forma e de acordo com os mesmos princípios
em todas as circunstâncias, fracassará.

Aprendendo agora sobre isso, você pode ler O Príncipe, de Maquiavel, com
outros olhos e aplicar alguns ensinamentos para a sua vida profissional. É claro
que você não irá sair por aí pisando em todas as pessoas, batendo e coagindo para
manter uma situação de poder, ou até mesmo, de manutenção do seu emprego.

O que Maquiavel nos ensina é que devemos saber ler e interpretar o


momento. É preciso ser flexível e atualizado para se manter “em pé”. Se você é um
professor, precisa compreender a linguagem dos alunos para proporcionar um
ensino que os alcance. Se você é uma secretária, precisa estar sempre atualizada
e aprender que na atualidade é preciso trabalhar em equipe e não ser “muro”,
mas “ponte”. Assim como um bom administrador de empresas precisa ouvir e
interpretar o contexto da sociedade, a linguagem da equipe é conectar tudo
(sociedade, equipe, fornecedores e clientes) com a empresa e a diretoria. Para isso,
é preciso ter virtude.

Mas se você escolheu uma profissão que esteja diretamente ligada às


questões sociais ou ambientais, como engenharia ambiental, serviço social e
outros, é preciso ter muita virtude e entender o mundo, o sujeito contemporâneo
e as políticas sociais, ambientais, da saúde, que são geridas pelo Estado. No atual
contexto fala-se muito em flexibilidade atrelada à tendência pós-moderna. Mas
essa ideia já existia com Maquiavel, antes da Modernidade.

Para ele, a lógica política deve estar totalmente separada da vida privada
do governante. Uma coisa são as virtudes éticas construídas e cultivadas pelo
sujeito em sua vida privada, particular. Outra coisa é a lógica da virtude na ação
política. Os valores políticos devem ser medidos pela eficácia social. Ele separa o
ethos político do ethos moral. O falso moralismo que impera na política não confere
eficácia ao governante, mas sim, o fracasso.

Maquiavel separa a política da religião e por isso foi criticado tanto por
católicos como por protestantes. Sua obra foi considerada satânica e permaneceu
no índex por vários séculos. Depois disso, Maquiavel foi perdoado e sua obra
é traduzida e muito lida até hoje. Alguém deve ter lido (escondido) sua obra e
percebeu que os tempos mudaram e era preciso ter virtude para se manter no
poder!

97
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 25 – POR NICCOLÓ MACHIAVELLI

FONTE: Disponível em: <http://euvivonomundodalu.blogspot.com.br/2011/05/maquiavel.html>.


Acesso em: 27 maio 2013.

Vale lembrar que, mesmo sendo um Estado laico, no Brasil a Igreja ainda
interfere em algumas importantes questões de ordem social, que precisam de
urgente regularização. Você é capaz de identificar essas questões?

A Idade Moderna apresenta muitas características que promoveram a


mudança de pensamento político, assim como nas questões epistemológicas.
Vamos ver agora de outra forma. Na passagem do século XIV para o século XV, o
feudalismo estava decadente e a nova classe que vivia nos burgos (os burgueses)
começou uma trajetória meteórica. Por que isso estava acontecendo? As cruzadas
– guerra contra os árabes – consumiram muitas fortunas de famílias aristocráticas
e muitas terras ficaram ao abandono. Uma grande peste (negra) matou muitas
pessoas e as terras não tinham braços suficientes para plantar e colher. A vida
urbana crescia muito com as atividades artesanais e o comércio com o Oriente
virou rotina, originando uma nova fonte de riqueza: o lucro da exploração do
trabalho dos pobres, e na exploração do trabalho escravo de índios e negros na
América.

Desses fatos emergem: o burguês e o trabalhador e o conflito entre os


indivíduos pela posse da riqueza, já que não existia mais o direito de sangue,
de família. Agora, a riqueza tem que ser conquistada... pelo trabalho? Ou pela
exploração dos mais fortes sobre os fracos? Sobre essa questão os teóricos se
debruçaram e nós precisamos compreender essa ideia. Porque é nesse ideal que
estamos vivendo. Ou seja, é o modelo liberal (revisitado) que norteia as políticas
econômicas, sociais e legais.

98
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

5 A CONTEMPORANEIDADE – NOVOS DESAFIOS E


QUESTIONAMENTOS

É diante destes paradoxos, destas contradições que alcançamos a


contemporaneidade, os dias que correm e nos quais somos desafiados a colocar em
jogo perspectivas éticas como condição de dar um sentido, uma forma à existência,
à vida.

Estabelecer “princípios éticos” que nos deem condições de nos situarmos


no mundo, de fazer nossas apostas na realização de uma vida, de milhares de
vidas, enfim, de ter um sentido, uma finalidade, por mais humana e imanente que
possa ser, é nossa condição existencial contemporânea, imersa num conjunto de
prerrogativas nas quais somos convocados a nos posicionar.

Afirmar que necessitamos estabelecer perspectivas éticas contemporâneas


significa, acima de tudo, reconhecer que estamos num contexto civilizatório que se
caracteriza pelo questionamento da forma de ser e estar do ser humano no mundo,
como resultado do processo civilizatório ocidental que chegou até o presente
momento.

Estes questionamentos característicos de nossos tempos podem assim ser


apresentados:

a) Crítica à razão: a razão, que teve destaque com os gregos, alcançou na


modernidade o auge de sua condição, na matematização das leis universais que
regem o cosmo, na quantificação, mensuração e classificação do mundo natural,
numa relação objetiva com o mundo, com as coisas, entre seres humanos. A
racionalização do mundo, potencializada na modernidade, transformou a razão
em razão instrumental, hábil executora dos ambiciosos projetos de planificação,
estruturação e higienização de toda ambivalência, própria do mundo natural
e humano. Os custos da otimização da razão instrumental foram pagos com a
dura moeda do sofrimento humano nos campos de concentração na 2ª Guerra
Mundial, com as bombas de Hiroshima e Nagasaki, com a guerra do Vietnã,
com a morte de milhões de mulheres e crianças vitimadas pela fome na África,
com as alterações no equilíbrio da biosfera em função do aquecimento global.
Enfim, por violências e crimes de toda espécie, que tornariam este relato
excessivamente extenso, e de forma alguma é nossa intenção violentar mais
uma vez a condição humana, fazendo inventário, contabilidade ou estatística
de corpos humanos devorados nos bárbaros acontecimentos dos séculos XX e
XXI.

b) O fim da História: outra característica da contemporaneidade é a descrença,


a frustração em relação às promessas modernas em torno de projetos
societários que garantissem aos seres humanos a felicidade, a segurança,
o progresso e o bem-estar. Ao cabo de séculos de experiências socialistas,
capitalistas, anarquistas e outras, nos damos conta de que a terra prometida,
o reino da felicidade e da fartura e das benesses humanas não existe e que
99
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

cabe aos seres humanos continuarem caminhando pelo deserto das paixões e
desejos humanos, desprovidos de suas ilusões. Desta forma, esvaziam-se as
grandes tarefas históricas impostas pela modernidade aos sujeitos históricos,
condenados a entregar suas vidas em torno de causas, na sua maioria, inócuas,
vazias e/ou esvaziadas no decorrer do tempo histórico.

c) O fim da política: para os gregos antigos, a política era condição da existência


humana, da zoe, da garantia da felicidade, da materialização da cidade como
espaço público, do bem viver. A participação na polis, no confronto entre
pluralidades no espaço público, era a condição de ser cidadão. Porém, a
modernidade eleva à condição primeira da existência humana a vida em
sua dimensão meramente biológica. O que está em jogo na modernidade
é o cuidado e o controle dos corpos, da vida e da morte dos indivíduos. A
política é reduzida como o meio de se garantir as satisfações biológicas dos
corpos que compõem o povo, a nação. A contemporaneidade potencializa este
reducionismo político, condensando-o em torno de estratégias de biopoder na
administração dos corpos de indivíduos atomizados pela lógica do consumo. O
consumo foi elevado à condição da existência humana. Consumo, logo existo.
Consome-se a tudo e a todos, ao mesmo tempo em que, inerente à lógica do
consumo, tudo tem que ser necessariamente descartável.

d) Efemeridade e liquidez: se Kant havia definido as categorias de tempo e espaço


como o lócus da realização da existência humana, por excelência, é preciso
reconhecer que, na contemporaneidade, tempo e espaço foram comprimidos,
diminuídos como condição vital pelas novas tecnologias que fazem parte
de nosso cotidiano. Estamos submetidos constantemente a avalanches de
informações que não conseguimos acompanhar, analisar, nos posicionar
adequadamente. Tudo transcorre num fluxo contínuo e ininterrupto, efêmero
e líquido, que escapa às possibilidades da experiência humana com o mundo,
com as coisas, entre seres humanos. A compreensão das categorias de tempo
e espaço a que estamos submetidos subtrai aos seres humanos a experiência
vital de sentir, apreciar, saborear a vida nas pequenas coisas, nos gestos mais
singelos, de reconhecer o outro como um ser em si mesmo e não reduzido à
condição de meio para a festa do consumo, da descartabilidade.

e) A supremacia da técnica: se na modernidade tivemos a potencialização da razão


em razão instrumental, na contemporaneidade convivemos com a hegemonia
da racionalidade técnica. Segundo o filósofo italiano Umberto Galimberti
(1999), “[...] a técnica se tornou o ambiente que nos envolve segundo as regras
de racionalidade apoiadas em critérios de funcionalidade e eficiência”. Nosso
tempo assume como verdadeira a máxima: “Se tecnicamente algo é factível,
não há necessidade de justificativas éticas”. Portanto, “deve-se fazer tudo o que
se puder fazer”, mesmo que isto implique diretamente a manipulação da vida,
ou das formas de vida assumidas pelos seres humanos contemporaneamente.
A relação do homem com a técnica remonta a nossos ancestrais mais primevos
em sua aventura existencial sobre a face da mãe-terra, porém, o fato novo
inaugurado pela modernidade/contemporaneidade é ter transformado a técnica
num fim em si mesma. É o fato de ter esquecido de que a técnica, como todo e
100
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

qualquer fazer humano, não tem sentido em si mesma, mas sua finalidade deve
estar a serviço da centralidade da condição humana.

f) A morte do homem: se a modernidade mata Deus, ou seja, procura livrar-se


do peso da perspectiva teocêntrica na interpretação do mundo, da existência, a
contemporaneidade mata o homem. Damo-nos conta de que o homem, como
fundamento da consciência, como sujeito histórico, é o resultado de categorias
discursivamente constituídas numa sociedade estruturada e permeada por
instituições sociais que disciplinam corpos e controlam mentes, impondo
ao homem o desempenho de papéis sociais, o que levou Lacan a lapidar a
expressão: “Penso o que não sou e sou o que não penso”. Decretar a morte do
homem significa reposicionar a tensão entre indivíduo e sociedade, retirando
o peso excessivo da sociedade na determinação da forma de ser e estar dos
indivíduos, ao mesmo tempo em que deposita maior responsabilidade nos
ombros dos indivíduos diante das exigências existenciais contemporâneas.

g) A sobrevivência planetária: a contemporaneidade é chamada a responder a um


desafio imediato e que tem relação direta com as condições de possibilidade de
continuidade da vida no planeta Terra. O planeta começa a dar sinais de que
algo não está bem, de que séculos de uma postura agressiva em relação ao
meio ambiente, de uma relação que transformou o conjunto da vida que se
manifesta em algo objetivo, passível de domínio, necessita ser urgentemente
revisto e alterado. Desta forma, o desafio contemporâneo, para além de pensar
a continuidade da vida para os que fazem parte do planeta neste momento,
envolve responsabilidades com as gerações futuras e, portanto, em última
instância, com a continuidade da espécie humana e sua aventura no cosmo.

FIGURA 26 – CERTO-ERRADO

FONTE: Disponível em: <http://esquerdopata.blogspot.com.br/2012/03/certo-e-


errado.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Apontamos alguns desafios próprios do mundo em que estamos inseridos,


sonhando, planejando e vivendo nossas vidas. Tais desafios, além de abrirem um
universo de possibilidades, nos exigem o constante exercício do pensamento, da
reflexão, do questionamento sobre as condições de possibilidade de que dispomos

101
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

para responder aos desafios apresentados. De nos perguntarmos se ainda há


condições de estabelecer um princípio ético universal que funcione como parâmetro
à existência humana. E, se isto fosse possível, qual seu fundamento, que princípio
poderia garantir sua efetividade na orientação das ações humanas? Por outro lado,
se não há mais condição de falarmos de princípios éticos universais, estaríamos à
mercê de um relativismo ético? É possível pensarmos as ações humanas para além
de um princípio ético universal? Estamos preparados para assumir formas de vida
desprovidas de sentido e finalidade predeterminados? Estamos sendo pessimistas
ou alarmistas?

Você, acadêmico(a), olhe à sua volta, procure entender a dinâmica do mundo


que você vive – família, trabalho, lazer, amigos – e faça uma análise da civilidade,
da compreensão, da cidadania, ou não, neste seu pequeno universo. Para fechar esse
ponto sem muita aspereza na seriedade do conteúdo, vamos refletir um pouco sobre
a urbanidade, o espaço em que a maioria de nós vivemos hoje, também vamos refletir
sobre a solidariedade na atualidade e alguns temas polêmicos.

Uma grande parte da humanidade vive hoje no meio urbano. Alguns países
asiáticos defendem os aglomerados urbanos, justamente pela proximidade de tudo
a todos: serviço, lazer, trabalho, moradia. Compreender a sociedade hoje passa
pela compreensão da urbanidade, que automaticamente vai nos conduzir para a
civilidade, para a solidariedade, partindo do pressuposto de que acreditamos no
ser humano de bem.

O que a palavra urbanidade significa para você? Com certeza logo


associamos a urbano, ou seja, à cidade; e esquecemos ou desconhecemos o outro
significado, que é cortesia. Em algumas das leis que discorrem pelos deveres dos
servidores, é comum encontrarmos: “tratar com urbanidade”.

De acordo com o Dicionário Ferreira (2001, p. 736), “urbanidade é qualidade


de urbano; cortesia; civilidade, e ainda aponta urbanidade: antônimo de grosseria”.

E
IMPORTANT

Urbanidade é cortesia.

Um dos sinônimos, portanto, de urbanidade, dado pelo dicionário, é


civilidade. Então, urbanidade e civilidade são a mesma coisa? Vejamos novamente
o que o dicionário diz sobre civilidade: “Conjunto de formalidades observadas
pelos cidadãos entre si, em sinal de respeito mútuo”. (FERREIRA, 2001, p. 166).

102
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

FIGURA 27 – CIVILIDADE

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-FcrAfQWH0ZM/


T081HpjhVlI/AAAAAAAALLU/ngy-ALo51do/s640/Civilidade-transito.jpg>.
Acesso em: 15 jan. 2012.

Civilidade é o respeito das normas de convívio da sociedade. É a civilidade


que permite que as pessoas convivam dentro das organizações e façam interações,
mas tendo os valores morais como norteadores. No fim, é isso que nos interessa.

6 A SOLIDARIEDADE TEM VEZ?

Depois de tantas interpretações que vimos no decorrer deste tópico sobre


eticidade, moral, efemeridade, vamos tratar de um tema não menos importante,
mas com suas peculiaridades e que por isso merece ser destacado, porque é através
dela que o ser humano pode dispor de seu objetivo pessoal em prol do objetivo
coletivo.

FIGURA 28 – SOLIDARIEDADE

FONTE: Disponível em: <http://www.perguntascretinas.com.br/wp-content/


uploads/2008/01/mafalda.jpg>. Acesso em: 15 jan. 2012.

103
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

De acordo com Srour (2011, p. 45), existem dois tipos de interesses


pessoais: egoísta, “quando beneficia exclusivamente o indivíduo à custa dos
outros e, portanto, assume feições abusivas e particularistas; e autointeresse,
“quando beneficia o indivíduo sem prejudicar outrem, e, portanto, assume feições
consensuais e universalistas, pois salvaguarda a individualidade e interessa a
todos”. Tal como pode ser observado no esquema que segue:

FIGURA 29 – O AUTOINTERESSE E O EGOÍSMO

FONTE: Srour (2011, p. 45)

Nesse pensamento, Srour (2011) aborda a questão do altruísmo, que de acordo


com o senso comum o tem colocado no sentido de abnegação, filantropia, amor ao
próximo, entre outros. De acordo com o dicionário, altruísmo é um sentimento de
quem põe o interesse alheio acima do seu próprio. É exatamente sobre esse aspecto
que o autor quer considerar, longe do senso comum, de que altruísmo é sacrificar-se,
mas sim valorizar o outro, valorizar os interesses dos outros.

Srour (2011) classifica estágios de altruísmo, o interesse é continuar a tese


de que a solidariedade está ao lado do altruísmo e, portanto, é prática da esfera do
universalismo, enquanto que pensar somente em seus interesses é uma prática do
universo do particularismo.

O interessante nas questões sobre altruísmo é que não é uma atitude


apenas de instituições de caridade ou similares, pode ser uma ação prática do dia
a dia. É um sentimento como dita o dicionário, um sentimento a ser interiorizado
e praticado, como observa:

Agir de forma altruísta, por conseguinte, não exige necessariamente


uma atitude de franco desprendimento, pois basta adotar uma postura
cooperativa e solidária, ou basta exercitar o senso de interdependência.
Equivale a levar em conta os interesses dos outros para não prejudicá-
los; procurar beneficiá-los; procurar beneficiá-los na medida do possível;
cuidar de si e dos demais para induzi-los à reciprocidade. (SROUR,
2011, p. 29).

104
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

A solidariedade, o altruísmo, é a máxima do cristianismo, é fazer ao próximo


o que gostaria que fizesse com você. E todas essas virtudes da solidariedade estão
imbuídas do bem comum que é o fim em si mesmo.

7 ALGUMAS QUESTÕES POLÊMICAS DA ATUALIDADE

A Idade Contemporânea marca então uma nova forma de comunicação


entre a sociedade, com base na premissa de que o homem é um ser concreto, real e
histórico. E é pelo diálogo, num processo de argumentação mútuo, que pode haver
o consenso entre os homens e, assim, as definições morais de conduta. Mas mesmo
assim surgem questionamentos, polêmicas, perguntas que exigem respostas, e a
ética não pode se eximir.

De acordo com Valls (2003, p. 70),

[...] a ética foi reduzida a algo de privado. [...] Ora, nos tempos da
grande filosofia, a justiça e todas as demais virtudes éticas referiam-
se ao universal (no caso, ao povo ou à polis), eram virtudes políticas,
sociais. Numa formulação de grande filosofia, poderíamos dizer que o
lema máximo de ética é o bem comum. E se hoje a ética ficou reduzida
ao particular, ao privado, isto é um mal sinal.

Porém, não se pode esquecer que os valores, os hábitos e os princípios


formam a consciência moral dos seres humanos, e esta consciência moral torna-
se um fator preocupante nos dias de hoje, pois os indivíduos possuem suas
responsabilidades individuais e coletivas perante a sociedade em que vivem;
contudo, muitas vezes o dever ético respalda muito mais no indivíduo do que na
coletividade, mesmo que os valores éticos sejam constituídos pela sociedade como
um todo.

Entretanto, o que é ter uma vida ética?

FIGURA 30 – QUESTÕES ATUAIS

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-OuKtfYuOCl4/ToCaJ0vPfzI/


AAAAAAAABq0/_uT5giyhJgI/s1600/AUTO_ivan.jpg>. Acesso em: 27 maio 2013.

105
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Nesta esfera, segundo Valls (2003, p. 71) “a liberdade se realiza eticamente


dentro das instituições históricas e sociais, tais como a família, a sociedade civil e o
Estado”. Vejamos mais detalhadamente estas três instituições.

7.1 FAMÍLIA

Dez entre dez pessoas consideram a família um porto seguro, o lugar ideal
e real para se sentir acolhido, de acolher, de estar bem e de fazer o bem, de viver
autenticamente o amor.

Segundo Valls (2003, p. 71),

Em relação à família, hoje se colocam de maneira muito aguda as


questões das exigências éticas do amor. O amor não tem de ser livre?
O que dizer então da noção tradicional do amor livre? Ele é realmente
livre? E como definir, hoje, o que seja a verdadeira fidelidade, sem
identificá-la como formas criticáveis de possessividade masculina ou
feminina? Como fundamentar, a partir dos progressos das ciências
humanas, os compromissos do amor, como se expressam na resolução
(no sim) matrimonial? E como desenvolver uma nova ética para as novas
formas de relacionamento heterossexual? E como fundamentar hoje as
preferências por formas de vida celibatária, casta ou homossexual?

Pois bem, verificamos que estamos em constantes transformações sociais e


estas mudanças refletem diretamente na relação entre pais e filhos.

Podemos observar estas transformações, quando Valls (2003, p. 72) expõe


que:

As transformações histórico-sociais exigem hoje igualmente


reformulações nas doutrinas tradicionais éticas sobre o relacionamento dos
pais com os filhos. Novos problemas surgiram com a presença maior da escola
e dos meios de comunicação na vida diária dos filhos. As figuras tradicionais,
paterna e materna, não exigem hoje uma nova reflexão sobre os direitos e os
deveres dos pais e dos filhos?

Em especial, a reflexão sobre a dominação das chamadas minorias sociais


chamou a atenção para a necessidade de novas formas de relacionamento
dentro do próprio casal. O feminismo, ou a luta pela libertação da mulher, traz
em si exigências éticas, que até agora não encontraram talvez as formulações
adequadas, justas e fortes. A libertação da mulher, a libertação de todos os
grupos oprimidos, é uma exigência ética, das mais atuais. E, como lembraria
Paulo Freire, em seu Pedagogia do Oprimido, a libertação não se dá pela simples
troca de papéis: a libertação da mulher liberta igualmente o homem.

106
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

FIGURA 31 – LIBERTAÇÃO DA MULHER COM IGUALDADE AO HOMEM

FONTE: Disponível em: <http://cienciaycomunicacion.blogspot.com.br/2011/03/


poder-femenino-y-patriarcado-en-espana.html>. Acesso em: 26 maio 2013.

Entendida a instituição ‘família’, vamos para o segundo grupo, a sociedade


civil.

7.2 SOCIEDADE CIVIL

No que tange às questões da sociedade civil, podemos verificar que,


atualmente, os principais problemas enfrentados estão correlacionados ao mundo
do trabalho e à propriedade, pois, de acordo com Valls (2003, p. 72),

Como falar de ética num país onde a propriedade é um privilégio


tão exclusivo de poucos? E não é um problema ético a própria falta
de trabalho, o desemprego, para não falar das formas escravizadoras
de trabalho, com salários de fome, nem da dificuldade de uma
autorrealização no trabalho, quando a maioria não recebe as condições
mínimas de preparação para ele, e depois não encontram, no sistema
capitalista, as mínimas oportunidades para um trabalho criativo e
gratificante? Num país de analfabetos, falar de ética é sempre pensar
em revolucionar toda a situação vigente.

Nesta perspectiva, observamos que se fazem necessárias algumas reformas


políticas e éticas, no que tange às regras de conduta referente ao modo de aquisição
da propriedade e do trabalho. Esta reforma deve partir da reformulação dos nossos
princípios morais e éticos e através da vontade política de nossos governantes.

Valls (2003, p. 73) expõe ainda que

A crítica atual insiste muito mais, agora, sobre a injustiça que reside no
fato de só alguns possuírem os meios da riqueza, e a crítica à propriedade
se reduz sempre mais apenas aos meios de produção. [...] A propriedade
particular aparece agora, nas doutrinas éticas, principalmente como
uma forma de extensão da personalidade humana, como extensão do
seu corpo, como forma de aumentar sua segurança pessoal, e de afirmar
a sua autodeterminação sobre as coisas do mundo.

107
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Podemos aqui recorrer a três grandes pensadores que, entre tantas


contribuições, eles vão nos ajudar a entender como o ser humano deve se organizar
dentro de uma sociedade civil com todas suas nuances. São eles: Thomas Hobbes,
John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

UNI

Quando Hobbes disse: “[...] que todo homem é opaco diante do outro”, ele estava
dizendo que não olhamos com nitidez o outro e nós também não somos vistos com nitidez
diante do outro. Sempre um se considera melhor que o outro. Você concorda com essa
afirmação? Pense sobre a afirmação hobbesiana e justifique sua resposta.

Estes três filósofos pensaram muito sobre as razões da existência de uma


sociedade civil organizada, ou seja, as razões que levaram o homem a se organizar
politicamente. (Os mesmos problemas dos filósofos antigos). A filosofia é assim
mesmo: para um objeto (no caso a política) temos vários olhares, ou várias
interpretações.

Vamos começar com Hobbes. Você deve conhecer uma frase célebre dele:
“O homem é o lobo do homem”. Por que será que ele disse e escreveu isso? Vamos
aprender! A frase clássica de Hobbes nos remete à ideia de que ele investiga, em
primeiro lugar, o homem em estado natural, antes de existir uma sociedade civil
organizada.

A organização advém de um contrato e, por isso, ele figura entre os filósofos


contratualistas. O pensamento desses contratualistas nos remete ao período entre
os séculos XVI e XVIII.

Da mesma forma que Maquiavel pensava sobre a natureza humana, também


Hobbes pensava. Ou seja, o homem não muda em algumas particularidades da
natureza. Todos esses filósofos do período moderno foram buscar inspiração nos
filósofos clássicos e Hobbes também concluiu que a natureza humana não foi capaz
de “melhorar” com o passar dos séculos. Hobbes afirma que os homens são iguais:

[...] A natureza dos homens os fez tão iguais, quanto às faculdades do


corpo quanto a do espírito [...] não há diferença entre eles [...] quanto
à força corporal, o mais fraco tem força suficiente para matar o mais
fraco, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se
encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.
[...] quanto às faculdades do espírito [...] o que talvez possa tornar
inaceitável essa igualdade é simplesmente a concepção vaidosa da
própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em
maior ou menor grau. Em maior grau do que o outro. (HOBBES, 2008,
p. 74).

108
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

Segundo o filósofo Renato Janine, o que Hobbes ensina é que “[...] todo
homem é opaco aos olhos do outro” (RIBEIRO, 2009, p. 59). Como não se sabe o
que o outro pretende, o melhor para a defesa é o ataque antecipado. A ideia do
“homem lobo do homem” não é uma ação animalesca, mas racional e pensada.
Dessa forma, instala-se uma guerra generalizada. Por isso, é necessário um Estado
forte para controlá-los. Mas por que existe essa disputa eterna? Para Hobbes, há
três motivações intrínsecas no ser humano: a competição, a desconfiança e a glória
(a vaidade). O estado natural de guerra é porque todos se imaginam poderosos,
perseguidos e traídos.

Como pôr um fim nesse conflito? O pensamento de Hobbes define o que é


a Lei de natureza e para entendermos, iremos recorrer ao filósofo Ribeiro:

Uma lei da natureza consiste em um preceito ou regra geral, estabelecido


pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que
possa para destruir sua vida ou privá-la dos meios necessários para
preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para
preservá-la. Porque embora os que têm tratado desse assunto costumem
confundir justiça e lei, o direito é a lei. O Direito consiste na liberdade de
fazer ou de omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas
duas coisas (HOBBES, apud RIBEIRO, 2009, p. 60).

Na concepção moderna hobbesiana, direito e justiça estão separados.


Por isso é preciso um Estado forte para dar um ordenamento à sociedade. Uma
organização para a manutenção do próprio ser humano. Para que isso aconteça,
Hobbes nos remete à ideia do Leviatã, uma figura marinha da mitologia que
“ampara e cuida” dos mais fracos.

A passagem do Estado de Natureza para a sociedade civil acontece pelo


contrato social. Os homens, por medo, renunciam à liberdade para eleger um
soberano absoluto com poderes ou autoridade política de legislar e executar as
leis. Portanto, Hobbes parte do conceito do Direito natural (Jus naturalismo),
cujo preceito ensina que todo homem tem direito à vida e ao que é necessário
para mantê-la, também (principalmente) à liberdade. Todos são livres, ainda que
uns sejam fracos e outros fortes. Um contrato social, conforme o Direito Romano,
só tem validade se ambas as partes forem livres e iguais e, por vontade própria
consentem ao que está contratado, pactuado.

Outro filósofo marcante dos contratualistas foi Rousseau, também


considerado o filósofo romântico. Para ele, o homem nasce bom – tese do bom
selvagem inocente - e vive feliz em estado de natureza. Mas a propriedade privada
o corrompeu. Para ele, essa divisão do que é meu e do que é seu gera o egoísmo e
a servidão humana.

No entanto, esta visão tem como princípio a mesma visão de Hobbes.


Ambos entendem que há uma luta entre fortes e fracos e, por isso, há necessidade
do Estado para garantir a paz. Se em Hobbes o governante é soberano e absoluto,
para Rousseau a soberania é do povo, que representa a vontade geral.

109
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a


este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados
em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o
representante da soberania popular. (CHAUÍ, 2002, p. 401).

Depois de Hobbes e Rousseau, vamos conhecer um pouco de J. Locke,


considerado o pai do liberalismo clássico. O liberalismo é a teoria política que
legitima o modo de produção capitalista. Funciona mais ou menos assim: imagine
uma casa: o telhado é o modo de produção (em nosso caso é o capitalismo), mas
para segurar esse telhado são necessários dois fortes pilares, uma teoria política
e uma teoria econômica. Sem essas duas teorias, ou pilares, o modo de produção
não se sustenta e fracassa. Mas os pilares precisam de uma boa fundação: é o
projeto epistemológico e o ethos formado pelo projeto epistemológico. O modelo
de conhecimento é que irá direcionar, por meio das ideias (ideologias), o nosso
modo de transitar dentro dessa casa: que é a moral. Os nossos costumes foram,
aos poucos, mudando para assumir o projeto de vida burguês. Caso contrário,
o capitalismo não teria se consolidado. Portanto, a modernidade e o capitalismo
nasceram no mesmo berço (a Europa).

O apogeu no novo modelo acontece no século XVIII, palco da Revolução


Industrial e considerado o século das luzes. Mas antes disso, Locke já estava
pensando e elaborando a teoria que iria dar sustentação ao modelo burguês
de vida, ao modo de produção capitalista. A teoria política e econômica liberal
legitima a propriedade privada.

Locke também parte do direito natural como direito à vida, à liberdade


e aos bens necessários para a manutenção de ambas. Até a Idade Média, cujo
modo de produção foi o feudalismo, a teoria política tinha sua fundamentação no
projeto divino do poder mantido por hereditariedade, uma conotação de castigo
(Deus castigou o homem, por seu pecado original, ao trabalho pesado para a
sua sobrevivência). Mas, agora, a coisa mudou. Como, então, tornar o trabalho o
legítimo meio para garantir a propriedade privada como direito natural? Locke
responde:

Deus é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma


obra: o mundo. Este lhe pertence. É seu domínio e propriedade. Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que
nele reinasse e, ao expulsá‑lo do paraíso, não lhe retirou o domínio do
mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto [...] Deus
instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à
propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. (CHAUÍ, 2002,
p. 401).

110
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

FIGURA 32 – CRIAÇÕES DE DEUS

FONTE: Disponível em: <http://www.umsabadoqualquer.com/>. Acesso em: 27 maio 2013.

Dessa forma, Locke reinterpreta a Bíblia em favor do novo projeto


econômico. Para os medievais, o trabalho era indigno, por ser resultado do pecado
original. Mas, olhando assim, com os olhos de Locke ficou diferente. Assim, a
burguesia em ascensão ficou definitivamente legitimada perante a nobreza. Mais
ainda: o burguês se vê como superior perante a nobreza e perante os pobres.

No ideário burguês, Deus fez todos os homens iguais e com direito, pelo
trabalho, à propriedade privada. Se os pobres não a tem é porque são culpados por
sua condição de pobreza e inferioridade.

Qual será o papel do Estado para esta nova situação? É o que veremos no
próximo ponto.

7.3 ESTADO

O papel do Estado é garantir a propriedade privada. De acordo com a teoria


liberal de Locke, realizada posteriormente pela Independência norte‑americana
(1776), mais tarde pela Revolução Francesa (1789) e, por fim, com Max Weber, a
função do Estado é:

• Garantir a propriedade privada por meio das leis e pelo uso da violência
(exército e polícia).
• O Estado é o árbitro nos conflitos existentes na sociedade civil (por meio da lei
e da força).
111
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

• O Estado tem o dever de garantir a liberdade de consciência e deve exercer


censura no caso das manifestações que coloquem em risco o próprio Estado.

No que tange aos problemas éticos do Estado, os mesmos denotam ser


muito mais complexos, pois os ideais políticos são um tanto mais complicados
de se compreender. Principalmente, quando tratamos da questão liberdade. De
acordo com Valls (2003, p. 74):

A liberdade do indivíduo só se completa como liberdade do cidadão de


um Estado livre e de direito. As leis, a Constituição, as declarações de
direitos, a definição dos poderes, a divisão destes poderes para evitar
abusos, e a própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como
questões éticas fundamentais. Ninguém é livre, numa ditadura [...].

Contudo, qual é a função do Estado?

Complementando, Valls (2003, p. 75) expõe que “os Estados que existem
de fato são as instâncias do interesse comum universal, acima das classes e dos
interesses egoístas privados e de pequenos grupos. [...] Em outras palavras, o
Estado real resolve o problema das classes, ou serve a um dos lados, na luta de
classes?”

LEITURA COMPLEMENTAR

PRINCÍPIOS, VALORES E VIRTUDES

Jerônimo Mendes

Existe uma grande diferença entre princípios, valores e virtudes, embora


sua efetividade seja válida apenas quando os conceitos estão alinhados. No mundo
corporativo em geral, noto que muitos profissionais são equivocados com relação
aos conceitos e, apesar de defenderem o significado de um ou outro, a prática se
revela diferente.

Princípios são preceitos, leis ou pressupostos considerados universais


que definem as regras pela qual uma sociedade civilizada deve se orientar. Em
qualquer lugar do mundo, princípios são incontestáveis, pois, quando adotados
não oferecem resistência alguma. Entende-se que a adoção desses princípios está
em consonância com o pensamento da sociedade e vale tanto para a elaboração da
constituição de um país quanto para acordos políticos entre as nações ou estatutos
de condomínio. Vale no âmbito pessoal e profissional.

Amor, felicidade, liberdade, paz e plenitude são exemplos de princípios


considerados universais. Como cidadãos – pessoas e profissionais –, esses princípios
fazem parte da nossa existência e durante uma vida estaremos lutando para torná-
los inabaláveis. Temos direito a todos eles, contudo, por razões diversas, eles não

112
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO POLÍTICA OCIDENTAL

surgem de graça. A base dos nossos princípios é construída no seio da família e,


em muitos casos, eles se perdem no meio do caminho.

De maneira geral, os princípios regem a nossa existência e são comuns a


todos os povos, culturas, eras e religiões, queiramos ou não. Quem age diferente
ou em desacordo com os princípios universais acaba sendo punido pela sociedade
e sofre todas as consequências. São as escolhas que fazemos com base em valores
equivocados, não em princípios.

Valores são normas ou padrões sociais geralmente aceitos ou mantidos


por determinado indivíduo, classe ou sociedade, portanto, em geral, dependem
basicamente da cultura relacionada com o ambiente onde estamos inseridos. É
comum existir certa confusão entre valores e princípios, todavia, os conceitos e as
aplicações são diferentes.

Diferente dos princípios, os valores são pessoais, subjetivos e, acima de


tudo, contestáveis. O que vale para você não vale necessariamente para os demais
colegas de trabalho. Sua aplicação pode ou não ser ética e depende muito do caráter
ou da personalidade da pessoa que os adota.

Pessoas de origem humilde definem valores de maneira diferente das


pessoas de origem mais abastada. De um lado, a escassez pode gerar a ideia de
que dinheiro não traz felicidade, portanto, mesmo sem dinheiro é possível ser feliz
utilizando-se valores como amizade, por exemplo. Do outro, o apego ao dinheiro e
a convivência harmoniosa com o conforto podem gerar a ideia de que sem dinheiro
não é possível ser feliz, ou seja, o dinheiro traz felicidade, amizade, conforto e, se
houver mais dinheiro do que o necessário, valores como filantropia e voluntariado
podem ser praticados.

Essa comparação não define o certo e o errado. Ela apenas levanta uma
questão interessante sobre o conceito de valores e depende do ponto de vista de
cada cultura ou de cada pessoa, em particular. Na prática, é muito mais simples
ater-se aos valores do que aos princípios, pois este último exige muito de nós. Os
valores completamente equivocados da nossa sociedade – dinheiro, sucesso, luxo
e riqueza – estão na ordem do dia, infelizmente. Todos os dias somos convidados
a negligenciar os princípios e adotar os valores ditados pela sociedade.

Virtudes, segundo o Aurélio, são disposições constantes do espírito, as


quais, por um esforço da vontade, inclinam à prática do bem. Aristóteles afirmava
que há duas espécies de virtude: a intelectual e a moral. A primeira deve, em
grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e
tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida com o resultado do hábito.

Segundo Aristóteles, nenhuma das virtudes morais surge em nós por


natureza, visto que nada que existe por natureza pode ser alterado pela força do
hábito, portanto, virtudes nada mais são do que hábitos profundamente arraigados
que se originam do meio onde somos criados e condicionados através de exemplos
e comportamentos semelhantes.

113
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Uma pessoa pode ter valores e não ter princípios. Hitler, por exemplo,
conhecia os princípios, mas preferiu ignorá-los e adotar valores como a supremacia
da raça ariana, a aniquilação da oposição e a dominação pela força. Significa que
também não dispunha de virtudes, pois as virtudes são decorrentes dos princípios
e o seu legado foi um dos mais nefastos da história. Sua ambição desmedida o
tornou obcecado por valores que contrastam com os princípios universais.

Diferente de Hitler, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce e Mahatma


Gandhi tinham princípios, valores e virtudes integralmente alinhados com a sua
concepção de vida. Todos lutavam por causas nobres e tinham um ponto comum:
a dignidade humana. Enquanto Hitler, Milosevic e Karadzic entraram para o rol
das figuras mais odiadas da humanidade, Madre Teresa, Irmã Dulce da Bahia e
Gandhi são personalidades singulares que inspiram exemplos para a humanidade.

Existem pessoas que nunca seguiram princípio algum e, apesar de tudo,


continuam enriquecendo, fazendo sucesso na televisão, conquistando cargos
importantes nas empresas e assumindo papéis relevantes na sociedade. Entretanto,
riqueza material não é a única medida de sucesso. Avalie, por si mesmo, quais os
exemplos deixados por elas, a sua contribuição para o mundo e o seu triste legado
para os descendentes.

No mundo corporativo não é diferente. Embora a convivência seja, por


vezes, insuportável, deparamo-nos com profissionais que atropelam os princípios,
como se isso fosse algo natural, um meio de sobrevivência, e adotam valores que
nada têm a ver com duas grandes necessidades corporativas: a convivência pacífica
e o espírito de equipe. Nesse caso, virtude é uma palavra que não faz parte do seu
vocabulário e, apesar da falta de escrúpulos, leva tempo para destituí-los do poder.

Valores e virtudes baseados em princípios universais são inegociáveis e,


assim como a ética e a lealdade, ou você tem, ou não tem. Entretanto, conceitos
como liberdade, felicidade ou riqueza não podem ser definidos com exatidão.
Cada pessoa tem recordações, experiências, imagens internas e sentimentos que
dão um sentido especial e particular a esses conceitos.

O importante é que você não perca de vista esses conceitos e tenha em


mente que a sua contribuição, no universo pessoal e profissional, depende da
aplicação mais próxima possível do senso de justiça. E a justiça é uma virtude tão
difícil, e tão negligenciada, que a própria justiça sente dificuldades em aplicá-la,
portanto, lute pelos princípios que os valores e as virtudes fluirão naturalmente.
O que vale em casa vale no trabalho. Não existe paz de espírito nem crescimento
interior sem o triunfo dos princípios. Pense nisso e seja feliz!

FONTE: MENDES, Jerônimo. Princípios, valores e virtudes. Gestão de Carreira, 17 de agosto de


2008. Disponível em: <http://www.gestaodecarreira.com.br/coaching/reflexao/principios-valores-
e-virtudes.html>. Acesso em: 9 set. 2011.

114
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu:

• Os princípios filosóficos e éticos da política desde a Idade Média, passando pela


modernidade, até a contemporaneidade.

• A importância da ética cristã com seus dois grandes expoentes, Agostinho e


Tomás de Aquino.

• As características pertinentes da contemporaneidade, seus desafios e


questionamentos, assim como questões a respeito da família, sociedade civil e
Estado.

• Importância da solidariedade para o indivíduo e para a coletividade.

115
AUTOATIVIDADE

1 Apresente os três tipos fundamentais de cultura apontados pela filosofia


moral cristã.

2 Para Max Weber, qual é a função do Estado?

116
UNIDADE 2 TÓPICO 2

A FILOSOFIA POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO

Estamos estudando, nesta unidade, as principais teorias políticas


construídas na história. Até aqui, o objetivo foi o de estudar ou, pelo menos,
provocar um entendimento para o que nos é tão próximo e, ao mesmo tempo, tão
distante: a política. E próximo porque tudo o que está à nossa volta – as nossas
ações cotidianas – está envolto em um projeto político. Fazemos política mesmo
quando a recusamos. A recusa é uma política pessoal, mas que também envolve
o coletivo. Quando nos calamos, damos voz a outros. Quando nos paralisamos,
damos espaço para outro se movimentar. Quando cruzamos os braços, permitimos
que outros se apropriem do que é nosso por direito.

Queremos, neste tópico, aprender como tudo começou e quem começou


com a ideia de política no sentido de organização social. Vamos também apresentar
a distinção necessária entre Governo e Estado, sobre a prática moral na nossa
sociedade.

2 POLÍTICA PARA TODOS

Diz o ditado popular que não devemos discutir política nem futebol. Talvez
consigamos não falar de política, mas de futebol é impossível para nós brasileiros
fazer “ouvidos moucos”, ou seja, “fingir que não ouvimos”.

Mesmo para aqueles que não têm time, não entendem de futebol e, aliás,
nem gostam do esporte. Mas, como somos sociáveis, sempre partilhamos de uma
conversa, seja dentro do ônibus, no trabalho ou nas filas infindáveis de nossa vida
cotidiana. Também ficamos por “dentro” da vida dos jogadores que se tornaram
ídolos, verdadeiras celebridades em todo o mundo. Agora, sobre política,
conseguimos escapar!

Mas, sabe de uma coisa? Mesmo quando ficamos “ouvindo” uma conversa
acalorada sobre futebol, saiba que ali está implícita uma política. Os governos, não
só o brasileiro, promovem políticas para o esporte. É claro que esta política deve
atingir todas as modalidades de esporte e não só a ‘paixão nacional’, o futebol.

Vamos pensar em uma copa do mundo ou em uma olimpíada. Quanto


dinheiro é investido para sediar esses campeonatos? Será que vale a pena, ou seja,

117
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

penalizar a saúde pública, a educação, as políticas de ação social, para fazer a


megarrecepção ao mundo? Todos falam sobre isso: do cientista político e esportista,
inclusive a dona de casa. Mas, veja bem, estamos falando de qualquer país, porque
os investimentos são os mesmos em qualquer lugar. Os recursos disponibilizados
é que são diferentes, em países ricos e em países pobres.

Mas o nosso assunto é política. Então vamos jogar essa bola e fazer gol
com o nosso tema. Apenas nesses parágrafos que deram início à nossa conversa
você já pode perceber que a política está em nossa vida quase que na mesma
proporção que o ar que respiramos. Da mesma forma que não vemos o ar, também
não percebemos a presença desse fenômeno em nosso cotidiano. Mas ele está lá:
quando pagamos a conta de água, de luz e de telefone, estamos fazendo política,
porque ali na fatura está incluído um imposto. Você já olhou para conferir? Para
onde vai esse dinheiro? Deveria ser revertido para a população em forma de
melhorias, mas isso nem sempre acontece. Por isso, quando nos faltam a água, a
luz, a comunicação, a saúde, aí sim, nos lembramos de que passamos a maior parte
da nossa vida pagando e não recebendo na mesma proporção. Esse tema se refere
à política de distribuição de renda adotada por um governo.

Mas o que é política? O que significa fazer política? Quem faz política? Usamos
a palavra política para designar a gestão de vários segmentos que tanto podem ser
relacionados à nossa vida privada quanto à nossa vida pública. Olha aí, duas instâncias
de nossa vida: a privada e a pública. A privada é aquela que diz respeito apenas à
nossa pessoa, e a pública envolve uma questão coletiva.

FIGURA 33 – POLÍTICA

FONTE: Disponível em: <http://dellafterreading.blogspot.com.br/2011/03/para-politica-o-bem-


comum-e-ordem.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Sabendo disso é preciso fazer outra distinção: Governo e Estado. O governo


se refere aos programas e projetos para atender à sociedade. Esses programas e
projetos são, geralmente, propostos pela sociedade através de seus representantes.
São programas sociais, de saúde, de educação, entre outros. O Estado é formado
por instituições que permitem a ação dos governos: a polícia, o exército (forcas
armadas), os órgãos de arrecadação (Receita Federal), secretarias de Saúde, de
118
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Educação etc. Estes representam a ideia de Estado. Ou seja, são “partes” do Estado
que têm autoridade legitimada para gerir o erário (dinheiro) para atender aos
governos – projetos – em benefício do cidadão, da sociedade.

Nesse sentido, podemos entender que política é a ação dos governantes


para dirigir a coletividade que está organizada em Estado e representada
pelas instituições. Sabendo disso, vamos entender a palavra POLÍTICA em sua
etimologia, ou seja, o que a palavra significa. Política é uma palavra grega: ta
poltika, vinda da polis, que, por sua vez, significa cidade. Logo, política originada
na Grécia Antiga, significa: o que vem da cidade. Polis é a cidade, no sentido de
uma comunidade organizada pelos cidadãos. Ocorre que o sentido de cidadão,
para os gregos antigos, tem uma peculiaridade: eram homens nascidos naquele
espaço geográfico, livres e donos de terras. Não eram todas as pessoas que tinham
o direito de cidadania. Ficavam de fora as mulheres, as crianças, os escravos e os
estrangeiros (mesmo que fossem ricos, donos de terras ou comerciantes). Esses
cidadãos tinham também dois direitos muito importantes: a isonomia e a isegoria.
Isonomia é a igualdade perante a lei, e a isegoria, o direito de falar em público
sobre as questões da administração da cidade.

FIGURA 34 – DEMOCRACIA GREGA

FONTE: Disponível em: <http://cpalexandria.files.wordpress.com/2012/04/democracia-grega.


jpg>. Acesso em: 27 maio 2013.

Para o grego, política se refere aos negócios públicos ou tudo o que se


refere à vida em uma sociedade politicamente organizada: as leis, a distribuição
do erário (dinheiro dos impostos), a defesa do território (exército), os costumes, as
construções públicas.

Os romanos tinham também uma palavra para designar o sentido de


polis. Para eles era Civitas, que é a tradução de polis para o latim. O vocabulário
era diferente, mas o conceito não. Para os romanos, quem poderia governar ou
expor suas opiniões sobre como administrar a cidade eram os populos romanus, os
cidadãos livres e iguais, nascidos em Roma e oriundos da aristocracia.

119
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Mas não foram os gregos e os romanos que “inventaram” a política. A


proeza deles foi “inventar” o poder e a autoridade política. Vamos aprender um
pouco mais com Chauí:

Nas realezas existentes, antes dos gregos, nos territórios que viriam a
formar a Grécia – realezas micênicas e cretenses –, bem como as que
existiam nos territórios que viriam a formar Roma – realezas etruscas
–, assim como nos grandes impérios orientais – Pérsia, Egito, Babilônia,
Índia, China – vigorava o poder despótico ou patriarcal. (CHAUÍ, 2002,
p. 372).

Nesses modelos de sociedade, o poder patriarcal era absoluto. A vontade de


um rei ou de uma família da nobreza era lei inquestionável, absoluta. Os gregos e
romanos romperam com o modelo acima descrito e organizaram um novo modelo
de organização econômica e social e elegeram algumas pessoas para legislar. Mas
não se confunda: essas pessoas faziam parte de um seleto grupo, já registrado nesta
unidade, ou seja, eram os iguais e não todas as pessoas que viviam naquele solo.

Tanto os gregos quanto os romanos se empenharam em construir um


modelo de política que, naquela época, atenderia às necessidades essenciais de
uma cidade, um Estado. Segundo Chauí (2002), foram apenas em três aspectos
comuns entre eles: a propriedade da terra, a urbanização e a divisão territorial.

Como a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas


às famílias independentes, e como as guerras ampliavam o contingente
de escravos, formou-se na Grécia e Roma uma camada pobre de
camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como
artesãos e comerciantes, prosperaram, fizeram das aldeias, cidades,
passaram a disputar o direito ao poder com as grandes famílias agrárias.
(CHAUÍ, 2002, p. 375).

Podemos ver por essa citação que ali já se delineia uma luta de classes que
irá perpassar, de uma forma ou de outra, por toda a história da humanidade. Com
o fenômeno urbano, as relações também vão se alterando de forma significativa e
outros segmentos, que não o agrário, vão surgindo – os artesãos, os comerciantes e
a massa dos despossuídos. Esse povo formava o grupo de pessoas que trabalhavam
para aqueles que detinham o comércio, a fabricação de artefatos (artesão), como
empregados domésticos (homens, mulheres e crianças) que “serviam” para toda
sorte de trabalho considerado indigno para os “ricos”. Portanto, já havia a ideia de
pobre e rico e a luta entre as duas classes.

Essas lutas também eram decorrentes das guerras, que, segundo Chauí
(2002), envolviam todos em guerras para a expansão territorial e, por isso, todos
se sentiam no “direito” de intervir nas decisões da cidade. Por esse motivo, havia
necessidade urgente para colocar ordem naquela confusão.

A alternativa encontrada pelos legisladores da Grécia e de Roma foi dividir


as cidades, estabelecendo limites entre uma e outra e, dessa forma, enfraquecia o
poder das famílias ricas e, também, atenderia às necessidades dos camponeses e
da massa assalariada que vivia nos centros urbanos. Atenas fez mais: a polis foi

120
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

“[...] subdividida em unidades sociopolíticas denominadas demos [...] e em Roma,


essa mesma divisão ganhou o nome de tribus”. (CHAUÍ, 2002, p. 375).

Na Grécia antiga nasceu o modelo democrático (governo do povo), e em


Roma o modelo era oligárquico (oligarquia), governo de um grupo.

Gregos e romanos romperam com o poder despótico das famílias ricas


que mandavam e desmandavam, para criar o poder político. As características de
modelo de poder político se configuram pela separação: autoridade pessoal da
autoridade impessoal (privado e público); autoridade militar da autoridade civil;
autoridade religiosa da autoridade laica (desvinculada da religião).

Uma vez feitas as separações devidas, criaram a ideia do exercício da lei


como expressão da vontade coletiva, as instituições públicas para aplicação das
leis; a administração pública para recolher os impostos e designá-los para os fins
públicos, e criaram o espaço público onde as pessoas pudessem falar.

Na Grécia, esse espaço ficou conhecido como a Ágora (onde se reuniam


formando uma assembleia), e em Roma, o Senado. Em ambos os espaços somente
aqueles que possuíssem direitos iguais poderiam se manifestar, eleger e ser eleitos.

No próximo ponto vamos conhecer os aspectos filosóficos da política. Mas


política é um tema filosófico? Por quê? Porque a política trata da “coisa” pública,
e são pensadas e decididas a partir de uma concepção de sujeito, de sociedade, de
economia.

Vamos a ela.

3 ASPECTOS FILOSÓFICOS DA POLÍTICA

A Filosofia nasceu com as mudanças que ocorriam na Grécia, originadas


pelo apogeu econômico promovido pelas transações comerciais. Era comum, entre
os primeiros filósofos, o exercício político como chefes e legisladores. Os primeiros
filósofos, no entanto, separaram de forma conceitual a ideia de poder despótico e
poder político. O primeiro atenderia àquele ou àqueles que estivessem no exercício
político, e o segundo atenderia a toda a cidade, tornando-a justa.

Muito se pensou e se discutiu sobre política: como iniciou? Para que


serve? Quem deve ocupar a posição de chefe ou legislador? Essas questões foram
pensadas e registradas por Platão e Aristóteles (entre outros), mas, representando
a antiguidade, elegeremos esses dois gigantes da Filosofia. Vamos conhecer como
os gregos respondiam à primeira questão: como foi o início da política? Como
o mito explicava a realidade antes da Filosofia e como ela conviveu por muitos
séculos, para dar a resposta à pergunta. Os gregos recorriam ao mito mais comum:
as Idades do homem. Diz o mito que o homem passou por vários estágios, sendo
o primeiro representado pelo ouro.

121
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Nesse período, os homens viviam junto aos deuses, nasciam diretamente da


terra já adultos, eram felizes e imortais e não necessitavam de leis e, muito menos,
de governo. Mas, também nesse mito, o homem sofre uma queda e é expulso da
presença dos deuses, tornando-se mortal, jogado nas florestas e vivendo de forma
isolada e desprovida de roupas e alimentos e ameaçado pelos animais predadores,
maiores que ele.

Com o tempo, descobriram o fogo e passaram a utilizá-lo para sua proteção


pessoal, aquecimento, afugentar as feras que lhes ameaçavam e a cozinhar seus
alimentos. Fizeram, também, artefatos que eram utilizados nas caçadas. Dessa
forma, o homem foi se transformando, inclusive fisicamente. O alimento cozido
tornou suas feições mais leves, porque os dentes, antes afiados e pontudos, agora
diminuem pela comida cozida e macia. O fogo aqueceu e, aos poucos, os fartos
pelos caíram do corpo e as “armas”, ou ferramentas, utilizadas para a casa, também
os deixou, digamos, com mais poder.

Depois da Idade do Fogo, o último estágio, a do ferro, quando começaram


a fazer guerra entre si. Em situação de guerra permanente, os deuses precisaram
intervir e fizeram nascer um homem para legislar sobre os outros. Um homem
enviado pelos deuses. Um legislador. Essa foi a explicação mitológica contada na
Grécia e, com alguma variação, em Roma.

Platão utilizou desse mito para explicar que a política, embora com
a intervenção dos deuses, nasceu para colocar harmonia entre os homens, ou
melhor, as leis e o legislador garantem essa harmonia.

Vamos entender mais: à pergunta sobre a origem e a razão da existência


política foi oferecida resposta que se constituiu no movimento político de toda a
história.

Uma resposta que nos parece coerente, e de que os homens viviam muito
bem, mas começaram, por alguma razão, uma guerra interminável, transformando
o mundo, que antes gozava de paz e felicidade, em um verdadeiro sofrimento sem
fim. Por isso, houve a necessidade de se criar uma organização para manter a paz.

Para os sofistas, a política é uma convenção, porque quando começam a


viver em comunidade percebem que a vida em comum possui muitos problemas
para os quais eles não conseguem encontrar uma solução. Por isso, apelam aos
deuses, que, solidários aos problemas humanos, criam as leis e organizam a cidade,
ou seja, criam a política.

Para Platão, a política é artificial e negativa, porque surge para dirimir


problemas criados pelos homens. Aristóteles, por sua vez, defende a ideia de que a
política surge de forma natural, já que o homem é, naturalmente, um ser político,
ou, nas palavras dele, “um animal político”, e para encontrar a causa da política é
preciso conhecer a natureza humana.

122
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Portanto, os gregos tinham três concepções ou teorias políticas, como ensina


Chauí (2002): como remédio para a perda da felicidade da comunidade originária;
o resultado de desenvolvimento das técnicas e costumes e, por último, a cidade e
uma constituição natural.

Vamos retomar, mais uma vez, o pensamento desses filósofos para entender
o porquê das divergências sobre as teorias políticas. Comecemos com os sofistas,
que diziam ser a política uma convenção entre os homens. Atenção para a ideia
de CONVENÇÃO. Isso quer dizer que é mais conveniente aos homens viverem
agrupados em comunidade e por isso criam as regras que se transformam em
leis, cuja finalidade é promover a justiça. Pensado assim é ótimo, porque se as leis
surgiram a partir da convenção entre os homens, significa que podem mudar de
acordo com as circunstâncias.

Por esse motivo, os sofistas se apresentavam como professores da


arte da discussão e da persuasão pela palavra (retórica). Mediante
remuneração, ensinavam os jovens a discutir em público, a defender
e combater opiniões, ensinando-lhes argumentos persuasivos para os
prós e os contras em todas as questões. (CHAUÍ, 2002, p. 381).

Agora, podemos entender melhor a rejeição que os sofistas receberam por


parte de Platão e Aristóteles. Os sofistas, afinal, ensinavam a arte de escamotear,
ou seja, pela argumentação modificavam o verdadeiro sentido da verdade. Nesse
caso, a finalidade da política era a justiça alcançada pela disputa de argumentos
contrários levando à vitória aquele que apresentasse um argumento melhor
estruturado e convincente.

Platão pensa totalmente diferente dos sofistas e de Aristóteles. Ele vê o


Estado como um organismo humano, ou um corpo humano. Para ele, tanto os
homens quanto a cidade são dotados de três almas: a alma racional (cabeça); a
alma irascível (o peito) e a alma concupiscente (o ventre). Essas três almas que
se constituem como a essência do homem têm o seguinte significado: a razão se
dedica ao conhecimento; a irascível defende o organismo contra todos os tipos de
agressão; e a última, a alma concupiscente, é a responsável pelos apetites do corpo,
tanto os necessários para a sobrevivência quanto aqueles que causam prazer.

Da mesma forma que o corpo está dividido, a polis também tem uma
estrutura tripartite, formada por três classes: a dos proprietários de terras, dos
comerciantes e dos artesãos – que garantem a sobrevivência material da cidade;
a classe militar, responsável pela defesa da cidade; e, por fim, os magistrados,
os sábios que estão prontos para governar a polis. Portanto, só poderá governar
aquele que desenvolver a razão. Os que desenvolvem as outras almas não estão
qualificados para o governo.

Para Platão, o governo bom é a sofocracia: o governo do homem sábio, o rei


filósofo. Para Aristóteles, em primeiro lugar é preciso conceituar a ideia de justiça.
O que é a justiça? Para ele, antes de tudo, é preciso distinguir dois tipos de bens: os
partilháveis e os participáveis.

123
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser


dividida e distribuída – a riqueza é um bem partilhável quando é uma
quantidade que pode ser dividida e distribuída. Um bem é participável
quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser repartida nem
distribuída, podendo apenas ser participada – o poder público é um
bem participável. (CHAUÍ, 2002, p. 382).

Logo, para o filósofo há dois tipos de justiça: a distributiva e a participativa,


e a cidade justa saberá fazer a distinção e realizar as duas. Como pode ser isso? O
próprio Aristóteles explica dessa forma, mas não com essas palavras: a distributiva
pode ser efetivada, por exemplo, se a cidade passar por uma situação de emergência,
como uma enchente, um terremoto, um desabamento, e que adquire alimentos,
roupas e remédios para ser distribuídos a todos. Para ser justa, a cidade não pode
distribuir essas doações de modo igual para todos. Para ser justa, a cidade deve
doar aos pobres e vendê-las aos ricos para conseguir dinheiro para comprar novos
alimentos, roupas, remédios etc. Se doar ou vender para todos, a cidade será
injusta. Será injusta, também, se doar em quantidades iguais para todos, porque há
famílias mais numerosas que outras. A justiça participativa se define pelo respeito
ao modo pelo qual a cidade definiu a sua participação no poder.

Aristóteles também considera que a ética não se desvincula da política. Aliás,


não só ele, mas todo o pensamento grego antigo vincula ética e política. Vejamos um
trecho da Ética a Nicômaco:

Se, em nossas ações, há algum fim, desejamos por ele mesmo e os outros
são desejados só por causa dele, e se não escolhemos indefinidamente
alguma coisa em vista de uma outra (pois, nesse caso, iríamos ao infinito
e nosso desejo seria fútil e vão), é evidente que tal fim só pode ser o bem,
o Sumo Bem e dizer de qual saber ele provém. [...] o fim da política é o
bem propriamente humano. (ARISTÓTELES, 1985, p. 29).

Portanto, o exercício ético se faz no exercício político, porque o bem do


indivíduo depende do bem supremo da polis.

4 POLÍTICA E ÉTICA

Queremos aqui tratar da coisa pública que, sabemos, deve primar pela
ética. Vamos tratar de situações que vivenciamos, presenciamos no nosso dia a
dia, às vezes muito próximas, às vezes que nos atingem direta ou indiretamente.
Vamos lá.

De acordo com Aristóteles (1989, p. 30), “a política é um desdobramento


natural da ética”. A ética preocupa-se com a felicidade do homem, que é a doutrina
moral individual. Enquanto que a política se preocupa com a felicidade da cidade,
que é a doutrina moral social.

124
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

ATENCAO

A ética se preocupa com a felicidade individual do homem e a doutrina moral


individual.
A política se preocupa com a felicidade coletiva da cidade (polis) e a doutrina moral e social.

Portanto, é a soma dessa felicidade individual e coletiva que nos interessa e


que podemos chamar de bem comum, assim como aponta Aristóteles (1985, p. 12):

Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda


comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de
todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem;
se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais
importante de todas elas, e que inclui todas as outras, tem mais que
todas. Este objetivo visa ao mais importante de todos os bens; ela se
chama cidade e é a comunidade política.

Hoje, quando se fala em política, logo vem à mente a ideia do Estado, dos
políticos, das questões eleitorais, partidos políticos etc. De acordo com o Dicionário
da Língua Portuguesa (FERREIRA, 2001, p. 579), verificam-se cinco explicações
para a palavra política:

1 Conjunto de fenômenos e das práticas relativos ao Estado ou a uma


sociedade.
2 Arte e ciência de bem governar, de cuidar dos negócios públicos.
3 Qualquer modalidade de exercício de política.
4 Habilidade no trato das relações humanas.
5 Modo acertado de conduzir uma negociação, estratégia.

Então, do ponto de vista dos sinônimos apresentados, a política abrange


uma gama enorme de competências, mas se preferirmos o modo simplório
de Aristóteles, que é cuidar de todos, cuidar do bem comum, parece resumir a
verdadeira preocupação das reflexões éticas.

Veja, caro(a) acadêmico(a), que temos também aqueles que, com plena
convicção, afirmam não se envolver com política, porque justamente “a política não
preza pela ética, pela moral.” É preciso diferenciar política de política partidária ou
até mesmo de “politicagem”. Resumindo, não há porque alienar-se, visto que toda
relação humana, seja de qual tipo for, aí está a política. Até no trabalho exercemos
a política, seja por convivência, seja por exigência de direitos, execução de deveres.
Trabalho, ética e política também caminham juntos. Então, por que ou para que
alienar-se?

125
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 35 – ÉTICA

FONTE: Disponível em: <http://uziel-carneiro.


blogspot.com.br/2010/06/politicagem-o-cancer-do-
estado.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Compreendemos que é por meio do trabalho que se forma a consciência


moral dos homens, denotando a sua sobrevivência social. Porém, como esta
atividade laboral pode ser considerada uma alienação de sua própria constituição
moral?

Podemos considerar que a alienação proporciona uma diminuição da


capacidade do agir consciente dos seres humanos, ou seja, os homens, muitas
vezes, não conseguem assimilar o seu próprio comportamento e suas atitudes
perante sua própria produção e reprodução social, no qual acabam bloqueando
sua autonomia de agir.

No que tange à alienação social, podemos citar que muitas vezes os seres
humanos não se dão conta de que são eles que produzem as riquezas de sua
sociedade, por meio de suas atividades laborativas. Diante disto, apresentam duas
posturas, tais como: veem este processo de produção de riquezas como uma ação
natural e espontânea ou rejeitam esta situação, verificando que nós possuímos
muito mais capacidades de julgamento, do que simplesmente acatar tudo o que
vem dos donos do capital (os patrões).

FIGURA 36 – A ALIENAÇÃO DO TRABALHO

FONTE: Disponível em: <http://profwladimir.blogspot.com.br/2012/04/charge-


sobre-alienacao-do-trabalho-e.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

126
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Nos dois casos, de acordo com Brites e Sales (2000, p. 69), “a sociedade é o
outro (alienus), algo externo a nós, separado de nós, diferente de nós e com poder total
ou nenhum poder sobre nós”.

Heller (apud BRITES; SALES, 2000, p. 69) expõe seu pensamento da


seguinte forma:

quanto maior é a importância da moralidade, do compromisso pessoal,


da individualidade e do risco (que vão sempre juntos) na decisão acerca
de uma alternativa dada, tanto mais facilmente essa decisão se eleva
acima da cotidianidade e tanto menos se pode falar de uma decisão
cotidiana.

Então, pode-se observar que não existe um divisor entre o comportamento


cotidiano e do não cotidiano, pois o desenvolvimento da práxis profissional está
interligado com a convivência do dia a dia do grupo social em que estamos inseridos,
ou seja, o trabalho profissional do assistente social se dá sobre as questões sociais
advindas deste convívio em sociedade. Contudo, não podemos confundir que a
prática profissional seja também as atividades cotidianas que realizamos, pois estas
se transformam na práxis profissional só quando nós tomamos consciência deste
fato.

Nesta perspectiva, a questão a que somos chamados individualmente e


socialmente a responder apresenta-se da seguinte forma: quais são as condições
de possibilidade de a ética contribuir na materialização de uma forma de ser e
estar no mundo que nos permita um mínimo de realização e alcance da felicidade
pessoal e social? Ou dito de outra forma: há possibilidade de um universalismo
ético, ou estamos condenados ao relativismo ético?

É ao tentar responder a estas questões que nos damos conta da


multiplicidade de discursos em torno da ética, revelando a extensão da crise que
vivenciamos na atualidade. Ou seja, de que a especificidade de nossa condição
humana contemporânea apresenta-se no fato de termos que reconhecer o caráter
ambivalente, paradoxal de nossos esforços cosmológicos, de conferir ordem e
sentido à existência. De que nossas arquiteturas societárias são transitórias e de
que é muito tênue a linha que separa a civilização da barbárie, a democracia do
totalitarismo, a justa medida dos excessos. A extensão da crise revela-se também
no fato de não termos mais garantias transcendentes – Deus? O Estado? O Partido?
A Família? – que amparem nossas decisões, caso elas não apresentem os resultados
desejados. Desliza na liquidez contemporânea qualquer garantia de durabilidade
e veracidade nas relações que se estabelecem, impedindo-nos de ter certezas, ou
garantias de que a decisão tomada, ou o caminho escolhido, sejam os melhores.

Nesta perspectiva, colocar-se diante da multiplicidade de discursos em


torno da ética é condição necessária para que possamos nos questionar enquanto
indivíduos se nossas estratégias existenciais são realmente definidas por nós:
"se sou aquilo que sou", ou, "sou aquilo que os outros querem que eu seja". E
por extensão, na medida em que nos constituímos na tensão entre indivíduo e
sociedade, questionando as estratégias societárias das quais participamos e sua
127
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

obsessão pelo espetáculo, pelo desejo de ser controlado, pela busca desenfreada
por segurança, mesmo que isto represente um claro limite à liberdade.

Portanto, a ética nos impulsiona ao exercício do pensamento, "à prática


refletida da liberdade", na proposta de Michel Foucault (1979), ou dito de outra
forma, a um resgate de nossa dimensão ontológica e política, num contexto
marcado pela hegemonia da economia e da técnica.

4.1 DILEMAS ÉTICOS


Os dilemas éticos podem ser considerados numa situação, por exemplo,
em que o gestor público só pode privilegiar uma ação dentre várias. No exemplo
dado sobre a vacina contra a Influenza A, pode-se supor que não haveria condições
do governo conceder a toda a população a vacina gratuitamente. Então, qual
segmento escolher?

Não se pretende aprofundar no mérito aqui, mas sim buscar o exemplo


como situação hipotética. Se não havia condições de distribuir a vacina para toda
a população, passa então a existir um dilema ético. Determinar os segmentos que
receberão a dose torna-se, então, uma decisão motivada pelas maiores necessidades,
e o critério final foi distribuir vacina às faixas etárias com maior fragilidade à
doença (crianças e terceira idade), um grupo com acesso direto à iminência da
doença (profissionais da saúde) e também a um grupo com grande risco da doença
provocar complicações de saúde (grávidas e pessoas com doenças crônicas).

A capacidade de destruição do mundo é outro dilema, quando vemos o


avanço tecnológico desvirtuado para o controle de uma nação sobre a outra, de um
povo sobre o outro, de um grupo econômico ou político sobre o outro.

FIGURA 37 – BOMBA ATÔMICA

FONTE: Disponível em: <http://www.aldeaeducativa.com/IMAGES/


BOMBA%20ATOMICA.JPG>. Acesso em: 8 jan. 2012.

128
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

A bomba atômica foi talvez uma das mais assustadoras criações humanas
na contemporaneidade. O século XX foi o século da finitude: quando o homem
moderno e contemporâneo começa a se perguntar sobre os efeitos daquilo que a
ciência e o seu uso fizeram e fazem sobre a realidade. Todo o otimismo na ciência
e a confiança no progresso se tornaram desconfiança na contemporaneidade. A
crise ética e a urgência do debate ético se fazem cada vez mais necessários diante
do complexo cenário em que vivemos nesse início de século.

E
IMPORTANT

Relembre, acadêmico(a), a seca no Nordeste, quando há transposição de rios,


dinheiro público, desviado. As enchentes e ocupações de encostas, com seus deslizamentos
premeditados.

4.2 ASPECTOS DA CONSCIÊNCIA ÉTICA E DA LEI

Já foi abordada a consciência como algo do ser humano individualmente.


De acordo com Camargo (1999, p. 86), “a consciência é a resposta da pessoa
para si mesma”. O autor ainda diferencia consciência da lei, assim completando:
“enquanto a lei é a resposta da sociedade para pessoa”.

Contudo, nem sempre a consciência concorda com a lei. Muitas vezes,


as pessoas gostariam que as leis fossem diferentes, ou porque são licenciadas de
alguma coisa, ou, muitas vezes, porque discorrem por pura crença, haja vista as
manifestações religiosas em muitas das decisões governamentais, entre outros
exemplos.

FIGURA 38 – GREVE

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-zFIgxavfimI/Tx4TkFvByLI/


AAAAAAAADLg/SR6dmKdECxo/s1600/greve-onibus.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2012.

129
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Dessa forma, os conflitos entre consciência e lei podem surgir, como alguns
exemplos apresentados na obra de Camargo (1999):

● Greves: existem duas situações: 1) se a greve for da sua categoria, você se


encontrará no dilema de querer ou não participar, muito embora, nem sempre a
situação lhe dará escolha; 2) se a greve não for da sua categoria, você poderá ser
afetado diretamente e assim ser licenciado de um serviço, mesmo que você não
concorde com a motivação do movimento, como na greve dos trabalhadores de
transporte público.

● Segurança nacional: impedem a liberdade de associação e toda população pode


sentir-se privada do seu direito de ir e vir livremente sem sentir-se vigiada.

● Taxas e impostos: arrecadação proposta para melhoria do bem comum, embora,


por vezes, pode qualquer cidadão colocar em dúvida se essa aplicação é feita
adequadamente.

Esses conflitos apresentados por Camargo (1999) representam situações


que podem levar à desordem da sociedade, uma vez que ela pode perder a
credibilidade no Estado e nas leis.

Entretanto, para cada tomada de decisão, seja em aderir à greve ou licenciar-


se do direito de ir e vir por uma causa maior ou contestar a aplicação dos recursos
financeiros do Estado, toda manifestação e movimentação deve ter a consciência
ética como condutora ou refreadora da ação escolhida.

4.3 ÉTICA COMO INSTRUMENTO POLÍTICO DE GESTÃO E


LIDERANÇA

No livro de Robert Henry Srour (2011, p. 29), capítulo 3, o autor coloca uma
grande questão como epígrafe para início de conversa: “Por que se importar com
a ética”?

Como bem abordado pelo autor, muitos podem pensar que ética não tem
nada a ver! Vejamos o que Srour (2011, p. 29) coloca:

Ética! Nada a ver! Ninguém ‘se comporta direito’ com impostos insanos,
bandalheira na máquina pública, lerdeza da Justiça, desperdício de
recursos, obras superfaturadas, infraestrutura em petição de miséria,
descalabro da educação pública, subsídios obscenos ao grande capital,
esperteza em todas as transações, precariedade dos serviços públicos,
incúria das autoridades, sanhas fiscais que achacam... Quer mais?

Parece bastante! Mas diante de tanta negatividade, deve-se desistir de


todos os preceitos morais e éticos? Parece que não, e é a isso que cada vez mais as
organizações têm demonstrado que ética pode ser um instrumento de gestão.

130
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Muitos têm sido os exemplos em empresas privadas em que seus clientes


perdem a fidelidade quando se deparam com ações antiéticas.

A liderança é a influência exercida para modificar o comportamento dos


indivíduos. A influência que esses indivíduos recebem vai além da concordância
mecânica de instruções rotineiras, ou melhor, é através de uma boa liderança que
bons valores podem ser propagados e o desenvolvimento de uma sociedade mais
justa e equitativa pode ser garantido.

Comunicando visão dos fatos, esclarecendo propósitos, tornando o


comportamento compatível com as crenças e alinhando procedimentos
com princípios, funções e objetivos. As pessoas poderão, então, alcançar
um elevado sentido de compromisso com os objetivos da organização.
(COVEY, 1994, p. 47).

E assim como cita Covey (1994), gestão e liderança podem criar uma nova
fórmula para que as suas ações sejam voltadas ao bem coletivo, e não somente aos
interesses particulares dos indivíduos e/ou de interesse direto e tão somente da
organização.

FIGURA 39 – LIDERANÇA

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_mt1Wcocj5iY/TBgSsAJq2KI/AAAAAAAAAR8/


soWWYCi1G0M/s1600/ChargeLideranca1.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2012.

Chiavenato (2003) apresenta três tipos diferentes de liderança:

QUADRO 6 – MODELOS DE LIDERANÇA

131
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FONTE: Chiavenato (2003, p. 213)

No nosso dia a dia, em várias organizações que frequentamos, podemos


observar os diferentes tipos de liderança.

O quadro anterior apresenta os modelos de liderança em relação ao


trabalho, mas se pararmos para pensar, na escola onde estudamos, numa equipe
desportiva, nas organizações religiosas, podemos observar que já passamos por
diferentes tipos de liderança, cabendo aqui destacar três (CHIAVENATO, 2003):

• Na liderança autocrática, o líder é pessoa dominadora, que determina as tarefas


e não permite o diálogo, é uma pessoa dominadora.

• Na liderança liberal, a sua participação é limitada e os trabalhadores têm grande


liberdade de participação nas tomadas de decisões.

• Na liderança democrática, o grau de participação do grupo em conjunto é bem


maior que nos outros exemplos, o que configura o comprometimento de todos
em relação ao trabalho e às tomadas de decisões.

5 A PRÁTICA MORAL EM NOSSA SOCIEDADE


A variedade de relações do ser humano diante da sociedade é imensa, ou
seja, o ser humano se relaciona com a família, no trabalho, na igreja, no clube, com
seus amigos, e para cada relação existem as práticas morais estabelecidas em cada
um desses grupos sociais. Assim como destaca Vázquez (2003, p. 88):

Todas estas diversas formas de comportamento – tanto com o mundo


exterior quanto entre os próprios homens – supõem um mesmo sujeito:
o homem real, que diversifica assim o seu comportamento de acordo
com o objeto com o qual entra em contato (a natureza, as obras de
arte, Deus, os outros homens etc.) e de acordo também com o tipo
de necessidade humana que procura satisfazer (produzir, conhecer,
expressar-se e comunicar-se, transformar ou manter uma ordem social
determinada etc.).

132
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Vejamos dois exemplos de práticas brasileiras em relação à conduta moral,


apresentadas no livro de Srour (2011, p. 107):

Em junho de 2005, a direção da Schincariol, segunda maior cervejaria


brasileira, foi presa e autuada por sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem
de dinheiro, corrupção de funcionários públicos e formação de quadrilha. Foram
expedidos 77 mandados de prisão.

Os principais indícios encontrados pela Polícia Federal foram: empresas


de fachada que emitiam notas fiscais frias; pagamentos de propinas para fiscais
da Receita Federal; emissão de notas fiscais com ICMS menor do que o real; uso
da mesma nota fiscal mais de uma vez; vendas subfaturadas ou sem emissão da
respectiva nota fiscal; exportações fictícias e importações com declarações falsas
de conteúdo.

O que podemos observar nesse caso? Que tudo o que a empresa fez está
completamente errado e que as suas ações estão no universo do particularismo.
Contudo, Srour (2011, p. 106-107) aprofunda um pouco mais no que ele chama
de “moral da parcialidade”, ou seja, “existem pessoas e organizações que pensam
que existem erros na sociedade, tais como impostos muito caros e que se acham no
direito de transgredir a lei por não concordarem com as normas”.

Sobre a moral da parcialidade, Srour (2011, p. 107) discorre sobre algumas


“práticas justificadas” de atitudes antiéticas e imorais, entre várias se destacam:

● adota normas mistas de condutas ao exigir estrita lealdade dos que fazem parte
da empresa (“os de dentro”), ao mesmo tempo em que advoga a malícia nas
relações com os demais (“os de fora”);

● parte do pressuposto de que um pouco de desonestidade faz as coisas


acontecerem;

● confere à venalidade o estatuto de “lubrificante do mundo dos negócios”, à


semelhança da famosa fórmula populista “rouba, mas faz” que, implicitamente,
absolve o político salafrário enquanto generaliza a falta de caráter das
autoridades.

133
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

FIGURA 40 – CARAMINHOLAS

FONTE: Disponível em: <http://kdimagens.com/imagem/ele-rouba-mas-faz-845>. Acesso em: 27


maio 2013.

O segundo exemplo apresentado por Srour (2011, p. 116), também de uma


empresa privada brasileira, já adota um sistema de parceria com a sociedade, a fim
de ver seu negócio crescer dentro dos parâmetros éticos e morais.

Em 2000, a Natura, fabricante de cosméticos, tinha 60 atendentes em sua


central de atendimento ao cliente e gastava R$ 8 milhões por ano com o serviço.
Recebia uma média mensal de 100 mil ligações.

Em agosto desse mesmo ano, um cliente ligou dizendo que o desodorante


que usara havia manchado a sua camisa. O que fez o atendente? Perguntou
na hora o preço da roupa – uns 70 reais – e se prontificou a enviar um cheque
ao cliente com o valor correspondente. A camisa manchada foi recolhida e
encaminhada imediatamente ao departamento de pesquisa da Natura. Em uma
semana, descobriu-se o componente do desodorante responsável pela mancha. Em
consequência, a fórmula do produto foi alterada!

Srour (2011, p. 116) aponta como moral da história: “O serviço de


atendimento não se restringiu a agradar o consumidor: foi capaz de acionar
mudanças nos produtos e nos processos da empresa, dando corpo a uma relação
de parceria”.

Isso que o autor chama de parceria é o que se espera da sociedade, é a


moral da boa convivência e de práticas éticas. Com certeza, algumas pessoas,
ao saberem dessa história, podem pensar: também vou ligar e dizer que minha
camisa estragou e ganhar dinheiro! Isso é má-fé, são atitudes imorais, isso é um
universo particularista. Além de faltar com a verdade, não contribui em nada para
o crescimento da sociedade.

É assim que se dão as práticas morais, conforme as necessidades humanas.


E essas novas necessidades humanas vão transformando o ser humano, as suas
relações e, também, as práticas morais. Alguns dizem que a ética e a moral são a
encruzilhada entre o bem e o mal. Se você optar pelo bem, trilhará o caminho da
ética e da moral, caso contrário, não existe meia ética e ‘moral da parcialidade’.
134
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

Você pode afirmar que tem necessidades de autorrealização, de segurança de


afetividade, enfim, que elas legitimam um comportamento e que afetam os outros.
Vejamos a hierarquia explanada pela ‘pirâmide’ de Maslow para melhor entender
essa realidade.

FIGURA 41 – HIERARQUIA DE NECESSIDADES EM MASLOW

FONTE: Disponível em: <http://www.conexaorh.com.br/images/piramide.gif>. Acesso em:


25 fev. 2012.

E
IMPORTANT

Fatos sociais – são ações neutras. Fatos morais – são ações positivas ou negativas.

O que o autor chama de fato social é qualquer ação neutra, por exemplo,
cumprir com as minhas obrigações no trabalho. Fato moral já implica uma atitude
positiva ou negativa, ser conivente ou agente de práticas ilícitas no trabalho
(negativa), denunciar práticas negativas no trabalho (positiva). Então:

● Fatos sociais - são aqueles que não afetam os outros, nem para o bem e nem
para o mal, portanto, são eticamente neutros.

● Fatos morais - podem ter efeito positivo, numa visão universalista (causam
benefícios aos outros) ou particularista (não causam benefícios aos outros).

135
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

Nesse sentido, muitas vezes, principalmente na administração pública, não


se pode efetuar somente fatos sociais, muito pelo contrário, é preciso que os fatos
morais universalistas e positivos se tornem recorrentes para que se evitem práticas
irregulares ou ilícitas, do próprio cidadão e, por conseguinte, da sociedade.

LEITURA COMPLEMENTAR

FILOSOFIA POLÍTICA

Filipe Rangel Celeti

Entre as diversas questões que a filosofia visa investigar, pode-se perguntar


sobre como é e como deveria ser o convívio em sociedade. Se for investigada a
palavra política, que vem do grego, será compreendido que política se refere aos
assuntos da cidade (polis). É neste sentido que, em filosofia política, pergunta-se
sobre a natureza das leis, a natureza do governo, a origem da organização social e
sobre qual seria a melhor forma de convívio entre os indivíduos. Todos estes temas
nos levam a pensar sobre o espaço público, que é o espaço da política.

O primeiro filósofo a sistematizar uma ideia política foi Platão (428-427-348-


7 a.C.). Ele escreveu sobre o assunto principalmente em dois livros, A república e
As leis. Nestes livros, apresenta a ideia de que uma sociedade bem ordenada é
aquela onde cada indivíduo desempenha a função na qual é mais habilidoso. Os
hábeis com as mãos deveriam ser artesãos, os fortes devem proteger a cidade e os
sábios devem governá-la. Platão pensa também sobre como deve ser a educação
nesta cidade ideal, para conseguir desenvolver em cada criança o seu potencial a
fim de que possa executar melhor a sua função. Cada indivíduo, para ele, será livre
enquanto estiver cumprindo as leis, criadas com o intuito de melhor conduzir a
cidade.

Ainda no mundo grego, Aristóteles (384-322 a.C.) vai discordar de Platão.


Em Política, Aristóteles pensa que a cidade ideal de Platão, onde há prioridade
daquilo que é público sobre aquilo que é privado, não funcionaria muito bem.
Para ele, as pessoas dão mais valor ao que pertence a si mesmo, do que ao que
pertence a todos. Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade
perfeita e mais em compreender a realidade política de seu tempo, estudando
as leis de diferentes cidades e as formas de governo existentes. A melhor forma
de organização política, defendida por ele, é um sistema misto de democracia e
aristocracia, chamado política, para evitar os conflitos de interesses entre os ricos
e pobres. É dele também a ideia de que o homem é um animal político, isto é, que
faz parte da natureza humana se organizar politicamente.

A ideia de que é natural se organizar politicamente perdurou até o séc.


XVII. Thomas Hobbes (1588-1679), conhecido por ter escrito Leviatã, propôs a ideia
de que a sociedade se organiza a partir de um contrato social. Pensou assim, pois
é possível imaginar uma hipótese sobre o convívio humano antes da formação das

136
TÓPICO 2 | A FILOSOFIA POLÍTICA

sociedades. Hobbes via esse momento como uma guerra de todos contra todos,
onde, em liberdade, cada indivíduo iria apenas pensar em sua conservação. Deste
momento, no qual o homem é o lobo do homem, a racionalidade faz o homem
perceber que a melhor forma de conservar a sua vida é perdendo um pouco de
liberdade. É neste instante que os homens assinam um contrato fictício de convívio
social. A partir desta origem da sociedade, Hobbes pensa no melhor governo para
evitar o retorno para um estado de natureza caótico. Com isto, vê a garantia da
vida como função vital do Estado, que deve defendê-la mesmo que use de seu
poder para coagir a liberdade dos cidadãos.

Pensando na ideia de um contrato social, John Locke (1632-1704), em


seus dois tratados políticos, escreveu que antes da formação das sociedades os
indivíduos não viviam em guerra, pois estavam debaixo de leis naturais. Para
ele, é natural a garantia da vida e os homens racionais respeitariam esta lei. A
formação das sociedades ocorre pela necessidade da garantia da propriedade. O
melhor governo, para Locke, é aquele que garanta os direitos à vida, liberdade,
propriedade e de se revoltar contra governos injustos e leis injustas.

Ainda pensando sobre a noção de contrato, Jean-Jacques Rousseau (1712-


1778) via o homem vivendo antes da formação das sociedades de forma bem
otimista. Para Rousseau, havia terra e alimento para todos e não haveria motivos
para que guerreassem entre si. Via no surgimento da propriedade o surgimento
da desigualdade, de onde resultam diversos males sociais, como os roubos e os
assassinatos. Neste sentido, sendo impossível retornar a um estado de natureza, o
melhor governo é aquele que esteja de acordo com a vontade da maioria.

A forma de pensar dos contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) foi


retomada no século XX por John Rawls (1921-2002). Para ele, a sociedade deve
basear-se em princípios de justiça escolhidos na fundação da sociedade. Em
igualdade, ele pensa, os indivíduos escolheriam dois princípios de justiça, o de
liberdades iguais para todos e o de que as desigualdades devem trazer maior
benefício para os menos favorecidos e serem acessíveis a todos por igualdade de
oportunidade.

FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com.br/filosofia/filosofia-politica.htm>.


Acesso em: 27 maio 2013.

137
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos:

• A importância da política em todos os segmentos da vida, seja na família, na


escola, na sociedade, e ela afeta a todos.

• A filosofia contribui para o entendimento da política e também da ética na


política.

• Os dilemas éticos não devem ser empecilhos para o avanço daqueles aspectos
que tornam melhores o ser humano e a sociedade.

138
AUTOATIVIDADE

1 Comente sobre a liderança autocrática, a liderança liberal e a liderança


democrática.

139
140
UNIDADE 2
TÓPICO 3

A POLÍTICA E O BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Se fizermos um rápido exercício de memória no sentido de identificar
algumas das palavras mais faladas cotidianamente, sem sombra de dúvidas, nós
encontraremos entre elas a “Ética”.

Diariamente, ao conversar com as pessoas, ao ligar a TV, o rádio, ao


participar de uma reunião, no ambiente de trabalho, em casa, na caminhada,
você está sujeito a ouvir alguém falar de ética, ou clamar por ética diante de um
fato, de uma situação. Assim, proliferam os discursos em torno da falta de ética
no trabalho, nas relações entre seres humanos, na política e nas mais variadas
situações de nossa vida. A ética apresenta-se em nosso cotidiano como condição
última de denúncia, ou mesmo como resolução de nossos problemas.

Porém, dificilmente ouvimos alguém se referir à falta de ética na economia.


Talvez isto se deva em função de vivermos num mundo onde a hegemonia da
economia faz com que suspendamos nossa “capacidade ética”. Assim “admiramos”
aqueles que se dão bem financeiramente na vida, toleramos, em alguns casos, até
mesmo os métodos escusos que, às vezes, são utilizados para alcançar tal fim.
Afinal, vale a “Lei de Gérson: Temos que levar vantagem em tudo”.

Esta polifonia de discursos em torno da ética que presenciamos na


sociedade contemporânea revela, acima de tudo, que algo não vai bem, algo nos
desacomoda, nos inquieta, não condiz com aquilo que julgamos ser adequado no
plano de nossas existências.

Entre elas o fato de que necessariamente não é por falar excessivamente de


ética que nos tornamos mais éticos. E ética, política, são temas recorrentes no Brasil,
quando vários temas importantes estão sendo tratados na esfera do Executivo, do
Legislativo e do Judiciário, com respingos em toda a sociedade. Vamos entender
um pouco a política no nosso país, utilizando como ponto de partida principal
a presença da família real no Brasil, até chegar à vigência da democracia como
sistema apto e maduro para reger a nação a partir da vontade popular.

2 FAMÍLIA REAL NO BRASIL

Sabemos que fomos “descobertos” no ano de 1500 (início do século XVI)


por Pedro Álvares Cabral, portanto, somos herdeiros de uma cultura portuguesa,

141
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

de uma mentalidade europeia exploradora. Os portugueses não nos colonizaram,


mas nos exploraram. Essa é a grande diferença entre os modelos de colonizações
implantados, por exemplo, nos Estados Unidos e o nosso e de outros países da
América, em especial os países da América Latina.

Mas, verdade seja dita: Pedro Álvares Cabral atracou na costa brasileira, se
deslumbrou com as belezas naturais e pensou ter chegado ao paraíso registrado
na Bíblia; em seguida, solicitou a Pero Vaz de Caminha que enviasse ao Rei a carta
de confirmação da “descoberta” para “registrar” o território em nome de Portugal.

Vejam só: no início do século XVI está acontecendo uma grande mudança
epistemológica, econômica e social. O mundo ocidental europeu está vivenciando
grandes mudanças, mas aqui no Brasil ainda moram os nativos e alguns poucos
estrangeiros que vieram para ficar e, assim, aquelas mudanças e “luzes” demoraram
muito para chegar até nós. Enquanto as máquinas estavam a todo vapor na Europa
dos séculos XVII e XVIII, por aqui ainda se “caçavam bruxas” pela mentalidade
portuguesa e espanhola ainda tutelada pela religião.

Demorou 308 anos para a família real se mudar para cá. Mas não foi por
gosto nem opção. Eles vieram fugidos na “calada da noite”. De que ou de quem
fugiam? Fugiram de medo de Napoleão Bonaparte, que rumava com seu exército
para depor a família real e subtrair-lhe o trono e o reino. Saíram tão às pressas que
esqueceram uma criada no porto. Quem os ajudou financeiramente na fuga? A
Inglaterra. Portanto, nossa dívida externa já data daquela época.

Muitas coisas aconteceram aqui. D. João VI, que ainda não era o rei, fundou
o Banco do Brasil e começou a implantar uma política econômica e um modelo
social burguês. Conforme nos ensina Olivien:

Em 1808, a família real portuguesa, fugindo do cerco napoleônico,


transferiu-se para o Brasil que, de colônia, tornou-se sede da monarquia
e vice-reino. Os treze anos durante os quais a corte permaneceu no Rio
de Janeiro tiveram grande importância política e econômica e foram
seguidos pela declaração de independência do Brasil, em 1822. A
abertura dos portos brasileiros ao comércio exterior acarretou um fluxo
de comerciantes e viajantes estrangeiros para o país (OLIVEN, 2001, p.
3).

Mas foi a partir da Independência, em 1822, que o Brasil foi adquirindo


corpo político, porém com projeto europeu e sem uma identidade definida. O
Brasil foi constituído, politicamente, a partir de um ecletismo. Não obstante, o
Positivismo influenciou o modelo político assumido pela primeira república e, é
claro, a própria democracia que já vai se vislumbrando.

142
TÓPICO 3 | A POLÍTICA E O BRASIL

3 A DEMOCRACIA

Damos um pulo na história e chegamos aos anos 90, do século XX. Estes
anos se configuraram a partir do modelo político fundamentado no chamado
Estado de Direito Democrático. A instalação desse modelo não teve visibilidade
real para a “massa”, ou seja, ele foi sentido, mas não foi compreendido pelo povo.
O povo ficou de fora da discussão que envolveu o processo de mudança.

E isso não foi nada democrático por parte dos ideólogos, legisladores e
executores do modelo político que hoje norteia todas as ações do Estado e do
cidadão.

O Estado de Direito Democrático instalou-se não apenas no Brasil, mas


na América do Sul, com exceção para o Peru e o Paraguai. Segundo Vieira, esse
modelo se delineia a partir do modelo democrático liberal e os países que o adoram
são pouco ou nada democráticos, no significado real da palavra DEMOCRACIA
(governo do povo).

Além do significado etimológico da palavra democracia, é preciso também


destacar alguns princípios, algumas práticas para poder evidenciar e distinguir o
governo democrático de outras formas de governo.

Vejamos.

Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são


exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes
livremente eleitos.

Democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a


liberdade humana; é a institucionalização da liberdade.

A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria


associados aos direitos individuais e das minorias. Todas as democracias,
embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os
direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias.

As democracias protegem de governos centrais muito poderosos e


fazem a descentralização do governo a nível regional e local, entendendo que
o governo local deve ser tão acessível e receptivo às pessoas quanto possível.

As democracias entendem que uma das suas principais funções é


proteger direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e
de religião; o direito a proteção legal igual; e a oportunidade de organizar e
participar plenamente na vida política, econômica e cultural da sociedade.

143
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas


a todos os cidadãos. As eleições numa democracia não podem ser fachadas
atrás das quais se escondem ditadores ou um partido único, mas verdadeiras
competições pelo apoio do povo.

A democracia sujeita os governos ao Estado de Direito e assegura que


todos os cidadãos recebam a mesma proteção legal e que os seus direitos sejam
protegidos pelo sistema judiciário.

As democracias são diversificadas, refletindo a vida política, social e


cultural de cada país. As democracias baseiam-se em princípios fundamentais
e não em práticas uniformes.

Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de


participar no sistema político que, por seu lado, protege os seus direitos e as
suas liberdades.

As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância,


da cooperação e do compromisso. As democracias reconhecem que chegar a
um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável. Nas
palavras de Mahatma Gandhi, “a intolerância é em si uma forma de violência e
um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático”.

FONTE: Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/what.htm>.


Acesso em: 27 maio 2013.

É preciso compreender o sentido da palavra políticas (social, econômica,


fiscal, tributária, previdenciária, educacional etc.). Segundo Vieira (2001), as
políticas são estratégias do governo para intervir nas relações de produção ou
dos serviços sociais. Mas o mesmo autor ainda nos chama a atenção, de forma
pertinente, para a não distinção entre políticas sociais e políticas econômicas. Uma
sempre está vinculada à outra, porque:

[...] nós podemos dizer que a política social se relaciona com a educação
pública, com a saúde pública, com a habitação pública, com a previdência
social, com a assistência social, com o lazer, com as condições de trabalho,
mas evidentemente as questões relacionadas com financiamento têm
diretamente vínculo com a política social, embora esteja no campo da
política econômica. Elas se colocam em uma totalidade e a destinação
visa apenas esclarecimentos. (VIEIRA, 2001, p. 18).

Nesse caso, é preciso destacar a distinção existente entre governo e Estado.


O governo constitui a direção do Estado e não no Estado no todo. A governabilidade
do Estado depende das estratégias governamentais adotadas pelas políticas, e
estas serão estáveis ou instáveis dependendo do grau de hegemonia garantida pelo
modelo político/econômico. Afirmando que no Brasil não existe política social,
Vieira denuncia: considerar que a democracia nada mais é do que um sistema
de governo, no qual o povo governa para sua própria sociedade. Este sistema de

144
TÓPICO 3 | A POLÍTICA E O BRASIL

governo democrático possui formatos diferentes nas diversas sociedades, pois


em cada uma existem regras e normas diferentes, e isto acontece por causa da
constituição dos princípios ético-morais de cada localidade.

Então, podemos dizer que num governo democrático, o povo determina


suas relações de poder sobre os demais integrantes, mas, mesmo assim, podemos
distinguir a democracia em duas formas distintas:

• Democracia direta: na qual o povo decide diretamente, por meio de referendo/


plebiscito, se aceita ou não determinadas questões políticas e administrativas
de sua localidade, estado ou país.

• Democracia indireta: nesta, o povo participa democraticamente, por meio do


voto, elegendo seu representante político, ou seja, uma pessoa que os represente
nas diversas esferas governamentais, para tomar decisões cabíveis, em nome
do povo que os elegeu.

No Brasil e na América do Sul se têm empregado políticas econômicas


discutíveis, praticamente sem formulações de política social. Às vezes
aparecem programas e diretrizes, relacionados com a política social;
tais programas e diretrizes em si revelam somente pretensões de
uma política social. Quase sempre eles não se concretizam, apenas se
transformam em quimera, em sonho, em programas e diretrizes para
serem exibidos à sociedade, sem intervenção nela, porque não têm
função de intervir. (VIEIRA, 2001, p. 19).

É como se a sociedade estivesse sendo mantida fora e longe do alcance


do Estado de direito democrático. Não há uma intervenção efetiva na sociedade
por parte das políticas ou das estratégias do governo. O interessante é que isso,
muitas vezes, é denunciado por alguns movimentos sociais, mas não têm, de
fato, o alcance que deveria ter. O Estado de Direito Democrático não mobiliza
a sociedade em função dos serviços sociais por não existir, de fato, o exercício
democrático da sociedade. Mas por que isso acontece? Porque não há, de fato, uma
consciência cidadã por parte do todo da sociedade. E o que está impedindo essa
conscientização? Uma reformulação das políticas educacionais. Vamos entender
um pouco o modelo econômico implementado pelo Estado de direito democrático:
o neoliberalismo.

A palavra NEO significa novo e podemos entender que, ao pé da letra,


o Neoliberalismo significa um novo liberalismo. Mas esse modelo tem sua
fundamentação na raiz do Liberalismo inglês, ou seja, um liberalismo radical
formado por um conjunto de ideias formuladas pelo economista austríaco Frederich
von Hayek, para o desenvolvimento da Teoria da Desigualdade Produtiva, “pela
qual, não haveria nada mais improdutivo do que a igualdade”. (VIEIRA, 2001, p.
21). Para ele é a desigualdade que gera riqueza pela competição (onde ganham os
mais fortes).

Mas Vieira nos ensina que o Neoliberalismo em sua forma pura não foi
implantado em nenhum país. Aqui no Brasil, o que temos é um conjunto de

145
UNIDADE 2 | A POLÍTICA

diretrizes elaboradas por organismos internacionais que formularam o que autor


chama de “Neoliberalismo Tardio”.

É nesse quadro que queremos chamar a atenção do leitor. A política social


(que é uma estratégia do governo) atende aos indigentes. Atende àqueles que não
têm condições de gerar a mínima renda, fazendo assistencialismo – distribuindo
sopa, leite, roupa –, mas política social não é isso. Política social é estratégia
governamental de intervenção.

Os serviços sociais vêm se transformando em mercadorias, eles devem


ser vendidos: assim deve ser vendida a saúde, a educação etc. Os serviços
sociais são desmontados e vendidos. Aí precisam ser analisados muitos
processos internos que igualmente justificam essas medidas. (VIEIRA,
2001, p. 24).

Não se pode, entretanto, atribuir responsabilidade pela mercantilização das


políticas sociais apenas ao projeto neoliberal, mas também a vários componentes
que formam o arcabouço econômico do país.

LEITURA COMPLEMENTAR

Responsabilidade do Governo

Responsabilidade do governo significa que as autoridades públicas – eleitas


e não eleitas – têm a obrigação de explicar as suas decisões e ações aos cidadãos.
A responsabilidade do governo é alcançada através do uso de uma variedade de
mecanismos – políticos, legais e administrativos – com o objetivo de impedir a
corrupção e de assegurar que as autoridades públicas continuem responsáveis e
acessíveis às pessoas a quem servem. Na ausência desses mecanismos, a corrupção
pode florescer.

O principal mecanismo de responsabilidade política é eleições livres


e justas. Mandatos por período determinado e eleições obrigam as autoridades
eleitas a responder pelo seu desempenho e a dar oportunidades aos opositores
de oferecerem aos cidadãos escolhas políticas alternativas. Se os eleitores não
estiverem satisfeitos com o desempenho de uma autoridade pública, podem não
votar nela quando o seu mandato chegar ao fim.

O grau em que as autoridades públicas são politicamente responsáveis


depende de ocuparem uma posição para a qual foram eleitas ou para a qual foram
nomeadas, de quantas vezes podem ser reeleitas e de quantos mandatos podem
ter.

Os mecanismos de responsabilidade legal incluem constituições, medidas


legislativas, decretos, regras, códigos e outros instrumentos legais que proíbem os
atos que as autoridades públicas podem ou não realizar e como é que os cidadãos
podem agir contra essas autoridades cuja conduta é considerada insatisfatória.

146
TÓPICO 3 | A POLÍTICA E O BRASIL

Um poder judicial independente é um requisito essencial para o sucesso


da responsabilidade legal, servindo como um fórum onde os cidadãos levam as
queixas contra o governo.

Os mecanismos de responsabilidade legal incluem:

• Estatutos de ética e códigos de conduta para as autoridades públicas,


descrevendo práticas inaceitáveis.
• Leis sobre conflitos de interesses e divulgação financeira, exigindo que as
autoridades públicas revelem as suas fontes de rendimento e os seus bens
para que os cidadãos possam avaliar se as ações dessas autoridades podem ser
erradamente influenciadas por interesses financeiros.
• Leis que dão à imprensa e ao público acesso às atas e reuniões do governo.
• Requisitos de participação dos cidadãos que dizem que certas decisões do
governo devem ter em conta a opinião pública.
• Revisão judicial, dando aos tribunais o poder de rever decisões e ações das
autoridades e agências públicas.
• Os mecanismos de responsabilidade administrativa incluem gabinetes dentro
das agências ou dos ministérios e práticas nos processos administrativos que
têm como objetivo assegurar que as decisões e ações das autoridades públicas
defendem os interesses dos cidadãos.

Os mecanismos de responsabilidade administrativa incluem:

• Agências encarregadas de ouvir e responder às queixas dos cidadãos.


• Auditores independentes que verificam o uso dos fundos públicos para detectar
sinais de uso incorreto.
• Tribunais administrativos, que ouvem as queixas dos cidadãos sobre as decisões
da agência.
• Regras de ética protegendo os chamados informantes – aqueles dentro
do governo que falam de corrupção ou de abuso da autoridade oficial – de
represálias.

FONTE: Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/government.


htm>. Acesso em: 27 maio 2013.

147
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• Os avanços do Brasil como nação reconhecida tiveram grande impulso a partir


da presença da família real no país.

• Não há como desvincular ética de política e essas duas da democracia.

• A democracia, por ser um modo de governo voltado para a maioria, deve ter seus
olhos preferencialmente voltados para os mais necessitados, para aqueles que só
têm o governo a quem recorrer.

148
AUTOATIVIDADE

1 Identifique três características para democracia.

2 Como podemos distinguir democracia indireta da direta?

Assista ao vídeo de Assista ao vídeo de


resolução da questão 1 resolução da questão 2

149
150
UNIDADE 3

A SOCIEDADE EM CONTÍNUA
CONSTRUÇÃO
Márcia Bastos de Almeida
Okçana Battini
Giana Albiazzetti
Vera Lúcia Hoffmann Pieritz
Isabella Maria Nunes Ferreirinha

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Esta unidade tem por objetivos:

• analisar criticamente como o modo de produção capitalista contribui para


a evolução da sociedade;

• estudar a contribuição de grandes pensadores para uma melhor compre-


ensão da sociedade;

• entender a relação entre trabalho, ser social e ética.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e, no final de cada um deles, você
encontrará atividades que reforçarão o seu aprendizado.

TÓPICO 1 – VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

TÓPICO 2 – PENSANDO A SOCIEDADE

TÓPICO 3 – SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

Assista ao vídeo
desta unidade.

151
152
UNIDADE 3
TÓPICO 1

VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

1 INTRODUÇÃO

Pensar nas relações existentes de nossa sociedade, muitas vezes, nos deixa
perplexos, visto que nos deparamos com um emaranhado de fenômenos que nos
coloca em xeque: como é possível existir uma enormidade de padrões em uma
mesma sociedade? Como sujeitos de grupos distintos podem viver de forma
coletiva num mundo cada vez mais globalizado, mas que têm que respeitar as
diferenças? Neste momento, a única certeza que realmente temos é que somos
frutos da sociedade globalizada e por vivermos no Ocidente do mundo, com suas
características e peculiaridades próprias. É o que queremos estudar neste tópico,
entendendo o que é e como se desenvolve a globalização e como é a dinâmica do
modo capitalista do qual fazemos parte.

2 A GLOBALIZAÇÃO

A sociedade é global. Vivemos em um mundo global. Para isso, devemos


entender o processo histórico da globalização e seus impactos econômicos,
políticos, culturais e sociais. Hoje, em nossa sociedade, existem diversas formas de
comunicação, como o rádio, a televisão, os jornais e a internet. Fala-se que vivemos
em uma sociedade digital, ou seja, uma sociedade tecnológica.

Como vimos no início do nosso texto, a sociedade é fruto das ações entre
os homens, sendo que essas ações modificam o social no decorrer da história.
Antigamente, para nos comunicarmos utilizávamos cartas, existiam as conversas
de rodas nas ruas, nem todos tinham telefone e aparelho de televisão em casa. Com
o desenvolvimento da sociedade capitalista, os meios de comunicação passaram a
ser a principal forma de produzir e reproduzir notícias e informações. Agora tudo
acontece em tempo real. Isso só foi possível com o desenvolvimento do capitalismo.

Nas Ciências Sociais, essa generalização dos meios de comunicação de


massa, depois da consolidação do modo de produção capitalista, é designada
por “cultura de massa” ou “indústria cultural”. Segundo Crespo (2000), podemos
trabalhar a concepção de indústria cultural a partir do século XVIII, pela
multiplicação dos jornais na Europa. Calma! Vamos explicar. Até a Idade Média,
a leitura e a escrita eram privilégios do clero e da nobreza, mas isso se transforma
com o capitalismo por causa da urbanização, da industrialização e pela ampliação
do mercado consumidor. Com todas essas questões, as cidades passam a se tornar

153
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

centros de referência nas questões políticas, econômicas e culturais. O processo


de migração para a cidade, o aumento da população urbana, o trabalho fabril,
maior produção, preços mais baixos... enfim, uma cadeia de relações que coloca a
burguesia como classe revolucionária, sendo que esta passa a conquistar não só o
mercado em geral, mas também o mercado cultural.

Existe um aumento pela busca de informações e o jornal passa a ser um meio


importantíssimo de divulgação de todos os tipos de informação: emprego, notícias
das cidades, economia, cultura, crônicas políticas e os folhetins (precursores dos
romances e das novelas de televisão atual). Segundo Crespo (2000, p. 194), “[...] as
estórias que os jornais publicavam no rodapé de suas páginas vinham em capítulos,
obrigando o leitor a comprar o próximo exemplar para saber a continuação da
trama”.

A partir do final do século XIX, o processo de industrialização em


larga escala, oriundo das transformações tecnológicas, coloca como essencial
uma “nova leitura” de cultura. O maior desenvolvimento dessa tecnologia
deve ser entendido, nesse nosso recorte, como maior acesso às informações,
principalmente pelos meios de comunicação de massa (televisão, internet, rádio,
jornal, rádio, revistas...). Essa cultura, segundo Brandão e Duarte (2004), não
está ligada a nenhum grupo social específico, apesar de a burguesia utilizá-la
em seu proveito para obter lucro, com a sua comercialização, sendo transmitida
de maneira industrializada (daqui se pode tirar a ideia massificada) para um
público generalizado, de diferentes camadas socioeconômicas.

Mas por que denominar cultura de massa ou indústria cultural?

O primeiro termo faz com que vejamos a sociedade moderna como


uma sociedade de massa, de multidões padronizadas e homogêneas.
[...] O segundo termo remete às ideias de produção em série, de
comercialização e de lucratividade, características do sistema capitalista.
Podemos imaginar, então, o estabelecimento de uma indústria
produtora e distribuidora de jornais, livros, peças, filmes, em resumo,
de mercadorias culturais. (CRESPO, 2000, p. 205).

O termo “indústria cultural” foi criado por Theodor Adorno e Max


Horkheimer, membros de um grupo de filósofos conhecidos como Escola de
Frankfurt. Esses autores buscaram analisar criticamente o funcionamento dos
meios de comunicação de massa, chegando à conclusão de que eles funcionam
como um instrumento da indústria cultural, que produz produtos culturais,
visando exclusivamente ao consumo.

Para Adorno e Horkheimer (apud CRESPO, 2000), a indústria cultural


produz e vende mercadorias, utilizando ideologicamente os meios de comunicação
de massa para vender imagens do capitalismo, sendo que, muitas vezes, essas
imagens são fetichizadas, buscando reproduzir o status quo vigente. Essa indústria
cultural e a cultura de massa produzem “bens culturais” – música, filmes, novelas,
propagandas, centrados em dois pontos: o lucro e a manutenção da sociedade
capitalista. O modo de produção capitalista produz mercadorias (carros, aparelhos
154
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

domésticos, roupas) e a indústria cultural também estaria mais preocupada com


o lucro de suas “mercadorias”, por exemplo, um programa que tem bastante
audiência vende muito, ao passo que uma novela que não dá ibope logo é tirada
do ar. Dentro desse contexto não está em jogo a qualidade dos programas, e sim,
o lucro que eles viabilizam. Já no que diz respeito à manutenção da sociedade
capitalista, são transmitidas, pelos programas, propagandas, imagens buscando
um estímulo à imutabilidade das condições de sobrevivência das pessoas. Assim,
os produtos culturais devem “produzir” e mostrar (distribuir) aos indivíduos
imagens falsas, irreais, imaginárias, ilusórias da realidade, fazendo com que os
indivíduos permaneçam passivos e obedientes.

Para Adorno (2007), esses produtos culturais ajudam a manter no “devido


lugar” aqueles que têm baixo poder aquisitivo. Isso acontece porque os conteúdos
da formação dos sujeitos passam a ser ajustados pelos mecanismos de mercado e
reprodução dos valores da sociedade capitalista.

Sarlo (apud LIMA, 2008, p. 36) coloca que essa sociedade de consumo
está pautada pela estética do mercado em que a “[...] constância das marcas
internacionais e das mercadorias se soma à uniformidade de um espaço sem
qualidades”. Construímos nossa identidade pautada nos ícones do mercado,
sonhamos com os objetos e imagens que estão expostos nas vitrines. Há um jogo da
sociedade capitalista para transformar em consumidores eternamente insatisfeitos,
em busca de ícones que possam trazer algum tipo de prazer imediato, instituindo
valores que mudam conforme a vontade do capital.

Adorno (apud LIMA, 2008, p. 38) reforça o papel da televisão como


instrumento da indústria cultural, sendo que ela é vista como uma ideologia
que tenta “[...] incutir nas pessoas uma falsa consciência e um ocultamento
da realidade”, impondo um conjunto de valores que atuarão na formação dos
telespectadores, com o objetivo de modificar a consciência das pessoas, pois os
processos de formação se dão mais de fora para dentro do que o inverso. Olhem a
questão da alienação e da ideologia presente novamente em nossa realidade!

Nesse contexto, podemos destacar alguns pontos negativos dos meios


de comunicação de massa e da indústria cultural, dentre eles: a padronização
do gosto do consumidor buscando uma padronização dos indivíduos, tirando o
senso crítico das pessoas, eliminando sua capacidade de julgar e decidir sobre suas
próprias vidas; o incentivo do consumo exagerado, que tem como agente central
a propaganda, que divulga um único padrão de vida para as pessoas, fazendo
com que os indivíduos fiquem submetidos ao consumo, transformando-os em
consumidores potenciais. Um exemplo para ilustrar a ideia de indústria cultural
e cultura de massa que estamos discutindo é o poema “Eu etiqueta”, de Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987).

Em minha calça está grudado um nome


que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
155
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

que jamais pus na boca, nesta vida.


Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar a minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
[...] (ANDRADE, 2009).

NOTA

Para ler o poema na íntegra, vá ao site <www.radarcultura.com.br/ node/12065>.

Apesar de todas as críticas, existem autores que destacam os pontos


positivos dos meios de comunicação de massa, como Marshall McLuhan (1911-
1980). Segundo Tomazi (2000), esse autor levanta que os meios de comunicação de
massa são grandes fontes de informação, pois muitas pessoas têm acesso às mais
variadas notícias por meio da televisão, do rádio e da internet. Nesse sentido, com
os meios de comunicação de massa, haveria uma democratização das informações e
do saber na sociedade capitalista, contribuindo também para a formação intelectual

156
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

dos indivíduos (leitores, telespectadores, internautas), o que seria essencial para a


nossa sociedade, pois atualmente vivemos os acontecimentos em tempo real, ou
seja, nossa sociedade está globalizada.

Crespo (2000) coloca uma abordagem pautada na leitura crítica de Umberto


Eco que acredito ser bem interessante de reproduzir aqui. Segundo a autora, Eco
faz uma distinção polêmica entre os autores dedicados ao estudo da indústria
cultural, dividindo esses autores entre os “apocalípticos” (aqueles que criticam
os meios de comunicação de massa) e os “integrados” (aqueles que elogiam),
elencando alguns motivos de crítica e elogio aos meios de comunicação de massa.

Para a leitura crítica, alguns motivos seriam: a veiculação que eles realizam
de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e padroniza
o público), o desestímulo à sensibilidade, o estímulo publicitário (criando para
o público novas necessidades de consumo), a sua definição como simples lazer
e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o passivo e
conformista; já para a leitura do elogio abordam que os meios de comunicação de
massa, muitas vezes, são a única fonte de informação possível a uma parcela da
população que sempre esteve distante das informações, as informações veiculadas
podem contribuir para a formação intelectual do público e a padronização do gosto
gerada por eles pode funcionar como um elemento unificador das sensibilidades
dos diferentes grupos.

E por falar em globalização, esse fenômeno tem provocado muitas


transformações em nossa sociedade. A globalização teve seu início com a expansão
econômica europeia, mas foi a partir da segunda metade do século XX que tem se
manifestado com mais intensidade, extrapolando os limites da esfera econômica,
resultando em mudanças também na cultura, na política e em todos os outros
aspectos da vida.

Podemos dizer que o termo globalização é uma nova expressão do capital,


que desencadeia um complexo processo de produção e circulação de mercadorias,
que tem início nos anos 1970 e concretiza-se com o final da Guerra Fria, em
1989. Segundo Ianni (1999, p. 48-49), esse processo representa, para além de um
novo ciclo de expansão do capitalismo, um modo de produção e modificação da
civilização em escala mundial, que engloba nações, regimes políticos, culturas e
economias. De acordo com o autor:

Os fatores da produção ou as forças produtivas, tais como o capital,


a tecnologia, a força de trabalho e a divisão do trabalho social, entre
outras, passam a ser organizados e dinamizados em escala bem mais
acentuada que antes, pela sua reprodução em âmbito mundial. Também
o aparelho estatal [...] é levado a reorganizar-se ou “modernizar-se”
segundo as exigências do funcionamento mundial dos mercados,
dos fluxos dos fatores de produção, das alianças estratégicas entre
corporações.

157
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Essas exigências são fundamentadas na liberalização dos mercados e na


desregulamentação financeira mundial. Assim:

É preciso que a sociedade se adapte (esta é a palavra-chave, que hoje vale


como palavra de ordem) às novas exigências e obrigações, e, sobretudo,
que descarte qualquer ideia de procurar orientar, dominar, controlar,
canalizar esse novo processo. A necessária adaptação pressupõe que
a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo, que as
empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os
campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do
capital privado. (CHESNAIS, 1996, p. 25).

NOTA

Globalização é o termo utilizado para o processo de transformações econômicas


e políticas que vêm acontecendo nas últimas décadas. A principal característica é a integração
dos mercados mundiais com a exploração de grandes empresas multinacionais.

Uma questão levantada por Giddens (2001, p. 61) é importante:


“inicialmente a leitura da globalização estava vinculada aos padrões econômicos e
políticos, mas devemos ter claro que esse termo significa muito mais, ou seja, que
estamos vivendo “num único mundo”, em que os indivíduos, os grupos e as nações
tornaram-se mais interdependentes. A globalização é criada pela convergência de
fatores políticos, econômicos, sociais e culturais. Foi colocada como importante,
sobretudo pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação
que intensificaram a velocidade e o alcance da interação entre as pessoas em todo
o mundo”.

Enfim, tudo está globalizado. As particularidades e especificidades dos


países – a cultura, a música, os hábitos e costumes - estão presentes em todos os
cantos do mundo. Parecem estar desenraizadas por diferentes tempos e espaços,
que não são os seus de origem. Isso quer dizer que a estrutura social responsável
pela existência e difusão da cultura em um país vai se enfraquecendo, e, como
consequência, vai sendo substituída por diferentes práticas, diferentes formas de
pensar, agir, de trabalhar, que não são suas originalmente. Sendo assim, a cultura
de um país vai se “desenraizando” e passa a “flutuar” mundo afora, perdida, sem
sentido, sem povo, sem nação, totalmente descontextualizada. Todo esse processo
alterou os padrões tradicionais aceitos de indivíduos, cidadania, de cultura etc.
Ianni (1999) expressa as preocupações em torno das questões ligadas à cidadania
e à liberdade do indivíduo, ou seja, a formação de um “cidadão do mundo” que é
fruto dessa nova configuração de mundo globalizado.

158
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

As referências habituais na constituição do indivíduo, compreendendo


língua, dialeto, religião, seita, história, tradições, heróis, santos,
monumentos, ruínas, hinos, bandeiras e outros elementos culturais,
são completadas, impregnadas ou redescobertas por padrões, valores,
ideais, signos e símbolos em circulação mundial. O inglês como língua
franca, a música pop como elemento da cultura internacional-popular,
o turismo de todos os lados, as mercadorias de muitos países, as
pessoas migrando por diferentes nações e mercados, as ideias flutuando
por todos os ares, são muitos os elementos que entram na formação
da individualidade e cidadania, subalternidade e autoconsciência, de
habitantes de campos e cidades, países e continentes. (IANNI, 1999, p.
113).

Mas devemos ter clara a perspectiva da contradição, como em todos os


itens discutidos em nosso texto, pois a globalização deve ser vista como uma
questão aberta e contraditória. Uma questão interessante a ser discutida é que
esse processo se estabelece de forma desigual e está aumentando a desigualdade
social entre os países, aprofundando o abismo entre os países mais ricos e mais
pobres. A riqueza, a renda, os recursos e o consumo estão concentrados nas
sociedades desenvolvidas, enquanto muitos países em desenvolvimento lutam
contra a pobreza, a desnutrição, a doença... sendo que muitos desses países, que
estão inclusos no processo de globalização, estão excluídos, ou seja, é uma inclusão
excludente (KUENZER, 2009).

Enfim, a globalização produz riscos, desafios, desigualdades, positividades


que atravessam as fronteiras nacionais e escapam ao alcance das estruturas
sociais vigentes. Por isso, torna-se importante discutirmos formas de governo
que busquem pensar de forma global, visto que, segundo Giddens (2001),
existem governos individuais despreparados para controlar essas questões, sendo
necessário enfrentar os problemas globais de uma forma global.

Por outro lado, devemos pensar que todo esse processo abre espaço para
novas possibilidades e perspectivas. É importante considerarmos a globalização
como um processo que promove o contato intenso entre as diferentes culturas e as
trocas culturais abrem sempre possibilidades de crescimento, de amadurecimento,
de ganho para os lados envolvidos.

O processo de globalização é também um processo cultural, civilizatório.


Ao mesmo tempo em que há muitas perdas, há muitos ganhos. É como
se os indivíduos, as coletividades, etnias e minorias, grupos e classes,
se humanizassem também por intermédio dos vastos e intrincados
processos de globalização. Acontece que as culturas são expressões
de modos de vida e trabalho, tradições e esperanças, forma de ser,
sentir, agir, pensar e sonhar. O intercâmbio das culturas [...] é também
necessariamente um intercâmbio de indivíduo, coletividades, povos,
nações, nacionalidades. (IANNI, 1999, p. 159).

159
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

3 A SOCIEDADE CAPITALISTA

Para o entendimento da sociedade, a capitalista, devemos conhecer os


acontecimentos históricos que modificaram as bases da economia e da política do
modo de produção feudal. Vamos também estudar outros grandes acontecimentos,
como a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, a Reforma Protestante e sua
influência e contribuição na conjuntura do capitalismo. Onde queremos chegar? A
partir desse conhecimento, podemos compreender a função do homem no modo
da produção capitalista.

3.1 BREVE HISTÓRICO

Um momento muito interessante de ser analisado dentro da história


da nossa sociedade é o surgimento de que alguns autores chamam de pré-
capitalismo, que vai do século XV – as Grandes Navegações (século XV), o
Renascimento (século XVI) e a Reforma Protestante (século XVI) – até o final
do século XVIII – com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Esses
acontecimentos são fundamentais para entendermos as condições históricas
que permitiram o surgimento da sociologia como ciência. Assim podemos
perceber que a história e a sociologia andam em conjunto no que diz respeito à
interpretação das transformações sociais.

Em um primeiro momento devemos pensar a sociedade estruturada


sobre o modo de produção feudal. A Europa, nesse momento, fundamentava-se
principalmente em torno da terra e da propriedade privada da terra, sendo que
sua organização era ligada ao trabalho rural, sua principal fonte de organização
social.

Nessa sociedade de base agrária, o modo de viver das pessoas era


completamente diferente de hoje, com pouco comércio, cujas cidades não passavam
de pequenas aldeias e o pensamento religioso moldava a vida das pessoas. Segundo
Meksenas (1994, p. 38), “a partir do século XIV esse mundo começará a mudar
rapidamente, passando de um mundo agrário para o mundo urbano industrial.
Mas essa mudança não ocorreu em pouco tempo, sendo necessários muitos
séculos (no mínimo três) para se concretizar efetivamente. No entanto, como foi
uma mudança social radical, muitos chamam de revolução”.

A necessidade de expansão de novas terras e a busca por novas mercadorias


fez com que o povo europeu desbravasse novas terras e, com base na expansão das
fronteiras, em virtude do processo embrionário do capital, que necessita de novos
mercados para atender à chamada acumulação primitiva de capital. Nesse contexto,
as Grandes Navegações (século XV) são as responsáveis pelo “descobrimento do
novo mundo”.

160
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

O Renascimento (século XVI) trouxe uma nova visão de mundo, pautado


na ciência e na razão. A visão teocêntrica (Deus como centro do Universo) que
predominava na sociedade feudal é suplantada pelo antropocentrismo, que
coloca o homem como o responsável pela construção das relações sociais; a partir
desse momento o homem encontra seu lugar de produtor da realidade social. A
ciência passa a ser responsável pela explicação dos acontecimentos em sociedade,
despertando nos indivíduos uma nova leitura sobre sua própria existência. Nesse
período, a realidade social começa a se tornar mais complexa: o homem, agora
racional, torna-se questionador, reflexivo sobre a realidade existente.

Nesse momento, Galileu Galilei, Leonardo da Vinci e Copérnico


desenvolveram novas formas de compreender a realidade social, utilizando-se da
experiência para comprovar os fenômenos da sociedade e da natureza. É o início
do conhecimento científico que, mais tarde, com Francis Bacon e René Descartes,
ficará conhecido como o único responsável pelas explicações dos fenômenos
naturais e sociais.

A Reforma Protestante (século XVI) traz uma nova forma de se relacionar


com o sagrado, colocando o homem como mediador das questões divinas,
redirecionando a questão da hegemonia da Igreja Católica no que diz respeito às
explicações religiosas.

As transformações ocorridas a partir do século XV estão todas vinculadas


entre si e não podem ser entendidas de forma isolada. Desse modo, a
expansão marítima, as reformas protestantes, a formação dos Estados
nacionais, as grandes navegações e o comércio ultramarino, bem como
o desenvolvimento científico e tecnológico, são o pano de fundo para
uma visão melhor desse movimento intelectual de grande envergadura
que irá alterar profundamente as formas de explicar a natureza e a
sociedade daí para frente. (TOMAZI, 2000, p. 1).

Dentro desse processo de mudança da estrutura social, devemos também


compreender a importância da Revolução Industrial e da Revolução Francesa
como pontos culminantes para o surgimento do modo de produção capitalista,
pois essas revoluções concretizaram mudanças no âmbito produtivo e político que
haviam sido iniciadas no século XVII.

161
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

FIGURA 42 – REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

FONTE: Disponível em: <http://ericsiq.blogspot.com.br/2010/03/aula-revolucao-industrial-


efetivacao-do.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra a partir de 1750, consolida


novas formas de produção, onde o trabalho manufatureiro (trabalho manual, com
auxílio de alguns instrumentos rudimentares de produção) passa a ser um trabalho
baseado na maquinofatura (máquinas dentro do processo produtivo), reforçando
o papel da classe burguesa como detentora dos meios de produção (máquinas,
matéria-prima, fábricas) e a classe trabalhadora com sua força de trabalho, que é
vendida nas relações de mercado. Esse contexto possibilitou uma nova visão de
produção: a produção industrial, em alta escala, o crescimento do mercado, entre
outros.

162
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

A compra de matérias-primas e a organização da produção, [...] levavam


ao desenvolvimento de um novo processo produtivo em contraposição
ao das corporações de ofício. Ao se desenvolver a manufatura, os
organizadores da produção passaram a se interessar cada vez mais
pelo aperfeiçoamento das técnicas de produção, visando produzir
mais com menos gente, aumentando significativamente os lucros. Para
tanto, procuravam investir nos “inventos”, isto é, financiar a criação
de máquinas que pudessem ter aplicação no processo produtivo.
(TOMAZI, 2000, p. 3).

Com o poder econômico e produtivo nas mãos, a burguesia alia-se ao


chamado Terceiro Estado (camponeses, trabalhadores e burgueses) para afirmar-
se, também, enquanto classe política dominante. O processo de mobilização
do Terceiro Estado busca acabar com os privilégios da nobreza feudal. Essa
nobreza (uma minoria da população) era sustentada pelo trabalho e impostos dos
camponeses, trabalhadores e burgueses, aumentando a desigualdade social.

A Revolução Francesa é fruto da luta entre o Terceiro Estado e a nobreza,


sendo que em 1789, com a queda da Bastilha, inicia-se o processo de reformulação
política e ideológica, consolidando a figura de um novo Estado que, entre outros
aspectos, defende os interesses da maioria da população, fundado no lema
“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

FIGURA 43 – REVOLUÇÃO FRANCESA

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-8XIeLEtuFw/Th5CeZSPpoI/AAAAAAAADCI/


qgbuWVKGpdE/s1600/french_revolution_portugues-jpg1.jpg>. Acesso em: 27 maio 2013.

163
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Podemos perceber que tanto a Revolução Industrial quanto a Revolução


Francesa estabelecem novos paradigmas para a sociedade, novas formas de
compreender a realidade social.

Esse contexto, no final do século XVIII, faz com que a sociedade passe
por grandes mudanças nos âmbitos econômico, produtivo, cultural e político,
desembocando em novos problemas sociais até então inexistentes para a população
europeia. É a derrocada do feudalismo e o surgimento do modo de produção
capitalista, ou seja, a sociedade capitalista, a nossa sociedade. Vejam que estamos
falando de mudanças que aconteceram no final do século XVIII e que ainda hoje,
em pleno século XXI, estabelecem as estruturas sociais, econômicas, políticas e
ideológicas. Nesse sentido, temos a instituição de novas formas de viver, a troca
de ideias passa a ser maior, desembocando em novas formas de organizar a
vida, sendo necessário o estabelecimento de novas normas, leis que fixam novos
costumes, tradições e maneiras de agir, que passam a ser convenientes aos grupos
sociais. Em síntese, nasce uma nova formação social, juntamente com ‘novos’
problemas sociais, oriundos dessas novas relações de trabalho, do ‘inchamento’
das cidades, desemprego, falta de infraestrutura e saneamento básico, doenças etc.

NOTA

Outro filme interessante que demonstra o processo de mudança social através da


Revolução Industrial é Tempos Modernos (Modern Times, EUA, 1936). Direção: Charles Chaplin.
Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard. 87 min., preto e branco, Continental.

São esses novos problemas sociais que levam alguns pensadores a refletir
sobre a realidade. Nesse contexto, surge a sociologia como ciência, com o objetivo
de buscar compreender essa estrutura social. Assim, a sociologia nasce no século
XIX, juntamente com a consolidação da sociedade capitalista.

Historicamente a sociologia baseia-se em teorias e autores, cada um com


uma leitura específica da sociedade capitalista. Essas teorias são chamadas de
clássicas, visto que são a base do pensamento sociológico, sendo elas a sociologia
positiva (Positivismo de Émile Durkheim), a sociologia crítica (Materialismo
Histórico Dialético de Karl Marx e Friedrich Engels) e a sociologia compreensiva
(Max Weber).

Mas um ponto importante a ser esclarecido é que essas teorias fizeram


uma leitura de um determinado momento da sociedade. Historicamente podemos
compreender como foram constituídas as novas relações sociais, como os homens
construíram novas formas de viver em sociedade, novas formas de trabalho, novas
formas de poder.

164
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

Nesse sentido, as teorias sociológicas e a história não nos apresentam


receitas prontas para o entendimento da sociedade. Elas nos apontam direções
para que nós possamos refletir, criticar ou até transformar a realidade em que
vivemos.

[...] A profundidade das transformações em curso colocava a sociedade


num plano de análise, ou seja, esta passava a se constituir em
“problema”, em “objeto”, que deveria ser investigado. Os pensadores
da época [...] não desejavam produzir um mero conhecimento sobre
as novas condições de vida geradas pela Revolução Industrial, mas
procuravam extrair dele orientações para a ação, tanto para manter,
como para reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu
tempo (MARTINS, 2005, p. 15).

Assim, torna-se essencial estudarmos a sociologia não como uma


disciplina datada na história, com uma visão linear, mas entendê-la como
uma ciência que nos ajuda a compreender a realidade, sendo essa realidade
dialética, ou seja, uma realidade passível de mudanças, e essas mudanças sendo
efetivadas pelo homem, como vimos no início do nosso texto.

Antes de entrarmos propriamente na discussão das correntes sociológicas,


devemos nos ater às principais características da sociedade capitalista, já que é
através da sua implantação que se iniciam as discussões de caráter sociológico da
realidade social.

NOTA

Há um filme interessante chamado Germinal, que aborda as novas relações sociais.


(França, 1993). Direção: Claude Berri. Elenco: Gérard Depardieu, Miou-Miou, Jean Carmet,
Renaud, Jean-Roger Milo. 158 min., drama. Baseado no romance homônimo de Émile Zola.

3.2 CARACTERÍSTICAS

Como vimos, o processo de transformação da sociedade instituiu um


novo modelo produtivo, político e ideológico, que denominamos de modo de
produção capitalista, ou seja, uma forma de organizar a produção, definindo suas
relações (como vão ser produzidas, quanto produzir, quem vai produzir, quem vai
gerenciar, por quanto vender etc.).

165
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

FIGURA 44 – MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

FONTE: Disponível em: <http://www.filosofia.com.br/figuras/


charge/138.jpg>. Acesso em: 27 maio 2013.

Esse modo de produção baseia-se em alguns pontos que podem ser


observados até hoje: propriedade privada dos meios de produção, existência de
duas classes sociais (capitalistas e proletários), trabalho assalariado, a busca pelo
lucro e a transformação de todas as relações em mercadorias.

A propriedade privada dos meios de produção é, talvez, a mais importante


das características do capitalismo, uma vez que é através dela que existe a
separação entre os que possuem os meios de produção (fábricas, matéria-prima...)
e os que são expropriados da propriedade; assim, todo produto produzido está e
será diretamente ligado aos proprietários dos meios de produção.

Essa relação fundamenta-se na diferença entre as duas classes sociais


existentes no capitalismo: os capitalistas que detêm a propriedade privada dos
meios de produção (fábrica, matéria-prima...) e os proletários que vendem a sua
força de trabalho para o capital, em uma relação de compra e venda de produtos.
Essa distinção de classe extrapola o universo da produção, instituindo-se também
dentro das relações de poder em nossa sociedade.

Pensar as relações descritas acima é compreender o objetivo central do


modo de produção capitalista – o lucro – e essa preocupação generalizou-se em
nossa sociedade. Todos objetivam lucrar com algo, seja vendendo algum produto,
seja consumindo algo: todos querem saber o que vão lucrar com suas ações.

Nesse sentido, podemos analisar outra característica do capitalismo: a


transformação de todas as relações sociais em mercadorias. As relações sociais
passam a ser relações de troca de mercadorias. Trocamos trabalho por salário

166
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

(vendemos nossa mercadoria – trabalho – para que outras mercadorias sejam


produzidas), trocamos nosso salário por roupas, comida, casa... reproduzindo
uma relação ideológica em nosso cotidiano.

Imaginem, historicamente, como essas mudanças influenciaram a


sociedade europeia do século XIX. Essas transformações trouxeram inúmeros
impactos sociais, tornando necessária uma ciência que possibilitasse o estudo e a
compreensão do rebatimento/reflexão, sendo esta ciência a sociologia.

Seguindo a linha de pensamento de Meksenas (1994, p. 39), essa revolução


teve três momentos importantes: “uma revolução econômica, uma revolução
política e uma revolução ideológica e científica”.

A Revolução Econômica – em primeira instância, pois o processo de


desenvolvimento da tecnologia, baseado na Revolução Industrial – mudou a
concepção de trabalho/produção e economia, instituindo novas relações sociais,
agora pautadas na divisão de classes sociais (burguesia e proletariado) e na
divisão social do trabalho, na qual cada trabalhador realiza uma função específica
no processo produtivo. Com isso, o aumento do número de máquinas de trabalho
potencializa um mercado consumidor, fundamentado no surgimento de novas
mercadorias em escala produtiva, fundamentando a sociedade na relação
econômica versus produção versus trabalho.

A Revolução Política ocorreu quando a antiga nobreza feudal perdeu o


seu domínio para a classe burguesa, que detém o poder econômico e produtivo
da sociedade. No modo de produção feudal, a política representava o interesse
dos senhores feudais; no capitalismo, teremos o surgimento do Estado Moderno,
que se fundamenta por formas de governo eleitas pelo voto e regidas por uma
constituição. Dessa forma, o poder do Estado passa a ser dividido em três
dimensões: Executivo, Judiciário e Legislativo. Para Meksenas (1994, p. 39), “essas
novas dimensões do Estado burguês, oriundo da Revolução Francesa, instituem
a aparência de que o Estado, acima dos interesses de classes, vem organizar
democraticamente a sociedade”.

E, por último, a Revolução ideológica e científica, pois toda essa estrutura


social estabelece a ideia de que o progresso e o enriquecimento da sociedade estão
atrelados ao trabalho e à economia. Essas revoluções instituíram uma nova visão
de mundo e, como já dissemos no início desta unidade, novos problemas sociais.

4 A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO, SER SOCIAL E ÉTICA

O sistema capitalista, presente em boa parte do mundo ocidental, possibilita


a relação entre o trabalho, a ética e o novo ser social que aí se desenvolve. É o que
queremos estudar neste ponto e você, acadêmico, vai acompanhar, fazendo um
paralelo do que você conhece e vivencia na sua própria realidade.

167
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

O processo de trabalho é atividade dirigida com o fim de criar valores


de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas;
é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a
natureza; é condição natural e eterna da vida humana, sem depender,
portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as
suas formas sociais. (MARX, 2009, p. 24).

Verificamos que a ética e o trabalho podem ser considerados uma extensão


do exercício profissional, que denota uma ação real, concreta, transformadora
da realidade da sociedade em que estamos inseridos. A ética e o trabalho vêm
se transformando historicamente, pois nossos costumes, princípios e hábitos se
transformam no decorrer dos tempos.

Neste contexto, abordaremos vários aspectos das relações entre o trabalho,


a ética e o ser social.

4.1 O QUE É TRABALHO?

Pode-se compreender que é por meio do trabalho dos homens que a


sociedade se forma, se organiza tanto política, econômica e socialmente. É o
trabalho que estrutura as nossas relações sociais. O trabalho se torna fundamental
para o desenvolvimento dos princípios ético-morais de uma sociedade, pois é
ele que medeia todas as nossas relações. Em outras palavras, o trabalho é a mola
propulsora da vida em comunidade.

De acordo com Gonçalves e Wyse (1997, p. 61-62),

O trabalho pode ser visto como lugar de autorrealização do homem,


extensão de sua personalidade, espaço de criatividade, onde ele fala de
si, mostra-se diante do seu grupo social, expressa sua identidade, presta
um serviço social e contribui para o bem comum. Mas também pode
ser encarado como uma maldição, lugar de tortura, suportado pela
necessidade do salário ao final do mês.

Por meio do trabalho desenvolvemos vínculos tanto sociais como


comunitários com as outras pessoas. Estas relações sociais podem ser consideradas
a base fundamental à própria vida dos seres humanos.

Segundo Tomelin e Tomelin (2002, p. 118), “através do trabalho, o homem


se diferenciou dos outros animais, produzindo bens e transformando a natureza.
Pelo trabalho o homem fundamentou a sua vida cultural e a civilização. Para os
outros animais, o trabalho visa satisfação imediata e instintiva, sem acúmulo de
saberes”.

Complementando, Aranha e Martins (2005, p. 24) colocam-nos que

O trabalho humano é uma ação transformadora da realidade, dirigida


por finalidades conscientes. Ao reproduzir técnicas já usadas e ao

168
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de ideias e, portanto,


experiência propriamente dita. Por isso dizemos que o animal não
trabalha – mesmo quando cria resultados materiais com essa atividade
–, pois sua ação não é deliberada, intencional. Dessa forma, o animal
não produz propriamente sua existência, apenas a conserva agindo
instintivamente ou, quando se trata de animal de maior complexidade
orgânica, resolvendo problemas por meio da inteligência concreta. [...]
Esses atos visam à defesa, à procura de alimentos e de abrigo. Assim,
não devemos pensar que o castor, ao construir o dique, e o joão-de-
barro, a sua casinha, estejam “trabalhando”.

Portanto, pode-se observar que quando o homem transforma a natureza


por meio do trabalho, ele próprio está se transformando.

4.2 A ÉTICA DO TRABALHO

Com a evolução humana e, em consequência, com a evolução da própria


sociedade, observamos que, por intermédio do trabalho, começou a surgir uma
nova concepção de classe social, denominada burguesia, que desenvolve novos
hábitos, princípios e valores morais perante a sociedade, mediando, diretamente,
as relações sociais entre todos os seres humanos.

Estes novos interesses, que dependem diretamente do trabalho e do


desenvolvimento de uma produção que garanta a expansão do comércio,
na produção incondicional de novas riquezas, acabaram exigindo, dos seres
humanos, uma dedicação exclusiva ao trabalho, no intuito de angariar
maior produtividade e prosperidade dos detentores do capital. De acordo
com Gonçalves e Wyse (1997, p. 23), “a nova classe em ascensão tem como
característica as virtudes de laboriosidade, honradez, puritanismo, amor à
pátria e à liberdade, em contraposição aos vícios da aristocracia – desprezo ao
trabalho, ociosidade, libertinagem”.

Portanto, o trabalho, hoje em dia, se tornou um fato social que determina a


própria existência do homem em sociedade, legitimando-o como um ser humano.

Segundo Gonçalves e Wyse (1997, p. 23-24),

Antes, o trabalho sempre foi visto de forma negativa. Na sua origem, a


palavra trabalho vem do latim tripalium, que significa um instrumento
de tortura. Mesmo na Bíblia o trabalho é proposto como castigo pela
culpa de Adão e Eva (nos termos bíblicos, o homem é condenado a
trabalhar e a ganhar o pão com o suor do seu rosto, ficando a mulher
condenada ao trabalho de parto). Na Grécia antiga e na Idade Média, [o
trabalho] é desvalorizado por estar reservado aos escravos e aos servos.
A sociedade moderna declara o trabalho uma expressão de liberdade,
uma vez que, por meio dele (seja pela força física, pela ciência, pelas
artes) o homem modifica a natureza, inventa a técnica, cria nova
realidade, enfim, altera o curso das coisas, alterando a si próprio e a
sociedade onde ele vive.

169
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Outro fator relevante nesta discussão é a questão de que, por meio do


trabalho, os homens constituem seus laços sociais, pois começam a pertencer a um
determinado grupo social, acontecendo de acordo com o poder aquisitivo, status
que o trabalhador obtém por meio de seu trabalho, ou seja, conforme o seu salário
e sua formação do capital, este trabalhador estabelece determinados vínculos
sociais, que determinam a que classe social ele pertence.

Por meio do comportamento humano nas relações de trabalho, e seu papel


em sociedade, desenvolve-se a ética do trabalho.

E
IMPORTANT

A ÉTICA DO TRABALHO consiste em entender essa atividade – o trabalho – como


fator fundamental à construção da identidade e da realização pessoal e ao estabelecimento
de uma ordem social, onde prevaleçam relações fundadas na dignidade, na liberdade e na
igualdade entre os homens. (GONÇALVES E WYSE, 1997, p. 24).

Verificamos que o trabalho denota alguns valores morais que são


constituídos pela própria sociedade (capitalista) em que estamos inseridos, tais
como: disciplina, obediência, atenção e segurança pessoal.

Porém, como fica a questão da liberdade, igualdade e autonomia do


trabalhador?

Observamos que, na modernidade, a questão da autonomia, liberdade e


igualdade entre os seres humanos é tida como uma condição da própria natureza
humana. E que este valor é considerado como um fator necessário para o
desenvolvimento da ética do trabalho.

Entretanto, será que, por natureza, os homens são realmente iguais entre
si?

Historicamente, podemos observar que todos os homens apresentam


muitas diferenças, pois cada um possui um modo de vida, uma etnia e visão de
mundo diferente, como: opção sexual, etnia, religião, força física, sonhos, desejos,
objetivos de vida, entre muitas outras diferenças, que são resguardadas como
direito de igualdade em nossa sociedade. É só observar o que prediz a nossa
Constituição Federal.

170
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

NOTA

Caro(a) acadêmico(a)! Para compreender melhor esta questão, sugerimos a releitura


dos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>.

Segundo Gonçalves e Wyse (1997, p. 25-26), “na defesa desses interesses,


o homem moderno lança mão de uma teoria – a teoria liberal – que utiliza os
conceitos de igualdade e de liberdade natural para justificar sua prática social, sua
ordem econômica e, inclusive, a forma de organização do Estado moderno”.

Finalizando, podemos entender que esta teoria liberal, por sua vez, formula
e regula suas próprias leis com relação à economia de uma sociedade, na qual estas
leis e normas preconizam um equilíbrio das relações de mercado, de compra e
venda.

LEITURA COMPLEMENTAR

Ética no trabalho

Segundo o Aurélio, ética é o conjunto de regras e valores ao qual se


submetem os fatos e as ações humanas, para apreciá-los e distingui-los. Em relação
ao trabalho, vamos associá-la, apreciá-la quando for o caso e, principalmente,
distingui-la. Outros dicionários afirmam que a ética é parte da filosofia que estuda
os deveres do homem para com Deus e a sociedade.

Permita-me simplificar esse conceito, à luz da experiência pessoal e


profissional ao longo de mais de quarenta anos. Ética é a ciência aplicada pelos
seres humanos que procuram ser justos e razoáveis com todo mundo, da melhor
forma possível, além de não pensarem exclusivamente em si mesmos.

Por essa razão, ética não é um conceito facilmente aplicável nas grandes
corporações, até mesmo porque o capital não consegue se multiplicar na velocidade
que precisa se adotá-la como bandeira. Se assim o fizesse, a distribuição de renda
seria diferente, as relações desumanas no trabalho teriam outra conotação e os
profissionais de valor seriam mais do que um simples número no quadro de
empregados da organização.

Você conhece algum profissional que consiga “cumprir os deveres com


Deus e a sociedade” em alguma empresa? Se o fizer ao pé da letra, ele simplesmente
é excluído do meio, a empresa vai à falência, e o líder entra em descrédito perante o
acionista ou superior imediato, num mundo repleto de valores equivocados.

171
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Apesar de todas as recomendações dos especialistas com as mais variadas


teorias sobre o assunto, as empresas continuam falhando abruptamente na condução
dos negócios. O capital humano nunca foi páreo para a ambição desmedida do
lucro e quando a ambição ultrapassa os limites do razoável, a ética e o respeito aos
indivíduos são literalmente atropelados pelo poder que não conhece limites.

Muito se fala na necessidade de modificar as relações entre capital e


trabalho com intuito de proporcionar ambientes mais justos e fraternos, porém o
abismo entre o discurso e a prática é imenso.

A sobrecarga de trabalho é um exemplo típico da imposição do poder.


A opção pela redução da força de trabalho e a avidez do capital pelo lucro em
progressão geométrica elevam o custo social, sem pudor.

Antes de prosseguir, lembro que as empresas são feitas de pessoas e as


pessoas erram, porém, numa sociedade extremamente competitiva, o mínimo
erro torna-se imperdoável. Erros fazem parte do crescimento, mas no mundo
corporativo atual, o erro será parte do crescimento numa outra empresa, nunca
onde se comete.

Não existe espaço para a redenção. O erro é a chance que as organizações


esperam para descartar os indivíduos a fim de elevar a produtividade e o lucro por
empregado, importantes na divulgação dos resultados.

As relações entre capital e trabalho são absolutamente frias e, por


consequência, as relações entre chefes e subordinados também. É mais cômodo
exercer a pressão do que a liderança efetiva para se obter resultados.

As incertezas do mundo atual não permitem questionamentos nem espaço


para diversidade, aliás, são poucos os líderes que conseguem conviver com
diferenças, em princípio, salutares para o crescimento das organizações. O mundo
foi construído com base nas diferenças étnicas, religiosas e culturais. Nelson
Rodrigues afirmava que toda unanimidade é burra, mas poucos entendem essa
máxima.

Por questão de sobrevivência, muitos profissionais se sujeitam a trabalhar


em empresas de valores duvidosos, contrários às necessidades pessoais de cada
um, onde o discurso vale apenas para a sociedade e a ética restringe-se aos manuais
da organização.

Infelizmente não existe emprego ideal, mas existe trabalho ideal, caso
contrário, o mundo seria cruel. O que nos move para frente é a certeza de que
existem pessoas de bem, apesar da nossa tendência inequívoca de pensar diferente.

Parafraseando um dos executivos mais sensatos que conheci no mundo


profissional, “a ética é o freio da ambição”. Os seres humanos são capazes de coisas
incríveis por dinheiro e poder e, na maioria das vezes, a ambição será mais forte
que a ética, para desespero dos menos favorecidos politicamente.
172
TÓPICO 1 | VIVER NO MUNDO GLOBALIZADO

Todavia, não se deve perder a esperança, nunca. As relações na vida


pessoal e profissional são difíceis, mas o mundo evolui rapidamente. Existem
líderes e também organizações sensatas que conseguem conciliar os interesses,
pois transcendem a ambição e o lucro em nome daquilo que se convém chamar de
ética, aliada ao respeito aos indivíduos.

Em razão de tudo que penso, escrevo e desejo para os que convivem


comigo, confio sempre na justiça divina, a despeito de toda falta de bom senso
e intolerância na face da Terra. Deitar a cabeça no travesseiro com a sensação do
dever cumprido, desprovido de culpas e mágoas, não é para homens comuns.

Como diria Otto Lara Resende, devemos almejar firmemente a utopia,


afinal, o mundo não precisa seguir permanentemente infeliz. Pense nisso e seja
feliz!

FONTE: Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/cotidiano/etica-no-


trabalho/62871/>. Acesso em: 27 maio 2013.

173
RESUMO DO TÓPICO 1

Vimos neste tópico que:

• A sociedade é global, vivemos em um mundo global.

• O processo histórico da globalização traz impactos econômicos, políticos,


culturais e sociais.

• A sociedade capitalista foi determinante no Ocidente para o desenvolvimento


da democracia, do trabalho, que propiciou o avanço da humanidade em vários
aspectos.

• A relação entre ética e trabalho é fundamental para o desenvolvimento da


sociedade e do indivíduo.

174
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos caracterizar trabalho?

Assista ao vídeo de
resolução desta questão

175
176
UNIDADE 3
TÓPICO 2

PENSANDO A SOCIEDADE

1 INTRODUÇÃO

Pensar nas relações existentes de nossa sociedade, muitas vezes, nos deixa
perplexos, visto que nos deparamos com um emaranhado de fenômenos que nos
coloca em xeque: como é possível existir uma enormidade de padrões em uma
mesma sociedade? Como sujeitos de grupos distintos podem viver de forma
coletiva? Neste momento, a única certeza que realmente temos é que somos frutos
da sociedade. E, para percorrer esse caminho, convidamos vocês a seguirem por
essa estrada fascinante construída pelo homem, que ao transformar a natureza a
seu favor criou elementos sociais que nos auxiliam a viver nos dias de hoje.

2 GRANDES PENSADORES

Augusto Comte e Émile Durkheim são os expoentes do positivismo,


sendo que esses autores realizam uma leitura da sociedade capitalista buscando
estabelecer a necessidade da ordem e do progresso.

Karl Marx e Friedrich Engels, por sua vez, realizam uma leitura do modo
de produção capitalista baseada na crítica ao modelo de produção. Para os autores,
torna-se necessária a transformação da sociedade por parte dos trabalhadores, por
meio da superação da desigualdade social.

A função do indivíduo é essencial para Weber. Essa teoria busca


compreender o papel do indivíduo dentro da sociedade, sendo que o autor estuda a
ação social que o indivíduo realiza em sociedade. Weber também estuda a questão
do Estado moderno e seu processo de burocratização.

2.1 AUGUSTO COMTE

Augusto Comte (1798-1857) definiu a sociologia como “física social”,


considerando que ela deveria localizar e estabelecer as leis imutáveis da vida social,
identificando quais seriam as irregularidades, ou qual deveria ser o funcionamento
normal da sociedade. Para Comte, a sociedade estava em crise, em desordem, e o
conhecimento a ser construído deveria, necessariamente, criar condições para que
a ordem fosse novamente restaurada.

177
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Os positivistas tinham como influência o pensamento conservador, que


afirmava que as transformações sociais ocorridas é que seriam responsáveis pelo
estado de desordem da sociedade. Nesse processo de transição para a sociedade
capitalista, os indivíduos perderam a moral e os costumes, não seguindo mais uma
hierarquia social, sendo que a preocupação central dos positivistas era o resgate da
ordem social para o desenvolvimento do progresso.

No Brasil, tivemos uma forte influência do pensamento positivista, basta


olhar o lema da nossa bandeira: Ordem e Progresso.

2.2 ÉMILE DURKHEIM

O Positivismo deu início à chamada sociologia clássica, que tem como


base os conceitos elaborados por Émile Durkheim, Karl Marx e Friedrich Engels e
Max Weber. O pensamento de cada um desses autores possui características bem
específicas e distintas umas das outras.

Apesar disso, são reconhecidamente importantes, na medida em que


formam a estrutura a partir da qual a Sociologia se desenvolveu e hoje engloba
diferentes perspectivas contemporâneas. Émile Durkheim (1858-1917) sofreu fortes
influências do trabalho de Comte. Durkheim foi responsável pelo caráter científico
da sociologia, sendo ele o responsável pela criação de um rigoroso método para
análise dos problemas sociais, uma vez que para ele a sociologia seria a ciência
responsável pelo resgate da ordem social.

Durkheim, baseado no pensamento de Comte, considerava que todos os


problemas da sociedade capitalista eram de natureza moral, e que os problemas
sociais não estariam ligados ao desenvolvimento da economia, ao desemprego
gerado pela automatização do processo produtivo, e sim à falta de moral desses
indivíduos a se inserirem nas relações sociais.

Durkheim tenta buscar compreender como esses problemas se efetivam em


sociedade, e o que poderia ser feito para que esses problemas fossem amenizados e
a sociedade voltasse a se desenvolver, restabelecendo a ordem social. Era necessário
compreender a sociedade, as instituições que a constituem e suas funções e o papel
do indivíduo dentro da sociedade.

Nesse sentido, ele faz uma analogia da sociedade como uma espécie
de “organismo vivo”. Para Durkheim, a sociedade pode ser comparada a um
organismo humano, uma vez composta por várias partes, onde cada parte teria uma
função específica a desempenhar, sendo que essas funções são obrigatoriamente
interdependentes.

Para ficar mais claro: vamos pensar em nosso corpo, onde todos os órgãos
– coração, rins, pulmão etc. – devem viver em consonância, pois se algum órgão

178
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

estiver com problema ficamos doentes, e que para melhorarmos precisamos tomar
uma medicação para voltarmos ao nosso estado normal, com saúde.

Durkheim faz uma analogia do corpo humano com a sociedade, por isso
ele considera a sociologia uma espécie de biologia social. A sociedade seria um
organismo onde as instituições (Estado, escola, política, família) seriam os órgãos,
e cada uma dessas instituições deveria exercer sua função em consonância para
que a sociedade mantivesse a harmonia e buscasse o progresso. Segundo Meksenas
(1994, p. 70): “Se a sociedade é o corpo, o Estado é o seu cérebro, e por isso tem
a função de organizar essa sociedade, reelaborando aspectos da consciência
coletiva“.

Com o desenvolvimento do capitalismo, essas instituições não conseguem


dar conta das mudanças econômicas, políticas e culturais, não funcionando
adequadamente, o que compromete o andamento da sociedade. Sempre que os
problemas ultrapassam os limites tolerados, a sociedade entra em estado de caos,
o que prejudica a ordem social. Durkheim estabelece que esse estado de “doença
social” é chamado estado de anomia.

Nesse sentido, o cientista social deveria estudar esses problemas sociais


buscando elaborar novas regras sociais. Mas esses problemas, na leitura de
Durkheim, deveriam ser estudados como “coisas”, ou seja, o pesquisador deveria
analisá-los de uma forma neutra, não se posicionando a favor ou contra, sendo
que seu objetivo seria o de buscar compreender o funcionamento “normal” da
sociedade, identificando os “sintomas” que estão levando a sociedade a ficar em
estado de anomia, “indicando” um tratamento para a sociedade.

Para analisar os problemas sociais, além de compreendê-los como coisas,


Durkheim coloca que a sociologia deveria estudar os fatos sociais que acontecem
em nossa sociedade. Contudo, para compreendermos esses fatos sociais,
deveríamos nos ater a três características essenciais: coercitividade, exterioridade
e generalidade.

Durkheim afirma que os fatos sociais, ou seja, o objeto de estudo da


sociologia, são justamente essas regras e normas coletivas que orientam
a vida dos indivíduos em sociedade. Tais fatos sociais são diferentes dos
fatos estudados por outras ciências por terem origem na sociedade, e
não na natureza (como nas ciências naturais) ou no indivíduo (como na
psicologia). (TOMAZI, 2000, p. 17).

A primeira característica que se refere ao fato social é a coercitividade.


Durkheim coloca que todo fato social é coercitivo, ou seja, exerce uma determinada
força sobre o indivíduo, obrigando-o a se adaptar às regras da sociedade em que
vive, deixando os indivíduos em segundo plano. Essa coerção pode ser uma
coerção física (a polícia muitas vezes usa da coerção física para valer uma regra) ou
uma coerção psicológica (sabemos que se não cumprirmos as regras estabelecidas
pela sociedade, poderemos ser punidos). Um ponto interessante dessa questão é
que se começarmos a refletir sobre a nossa sociedade, muitas ações do nosso dia

179
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

a dia, que pensamos ser fruto da nossa vontade, das nossas escolhas enquanto
indivíduo, são socialmente constituídas.

A segunda característica do fato social é a exterioridade. Muitos dos


fenômenos que acontecem em nossa sociedade são colocados como exteriores ao
indivíduo, existem e atuam independente da sua vontade, sendo impostos por
mecanismos sociais. Quando o indivíduo nasce, a sociedade já está estruturada,
com suas leis, seu padrão econômico, político e cultural, cabendo ao indivíduo agir
conforme os padrões instituídos socialmente. “As regras sociais, os costumes, as leis,
já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas impostas por mecanismos
de coerção social, como a educação, por exemplo”. (COSTA, 2002, p. 60).

A última característica do fato social é a generalidade. É social todo o fato


que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles.
Podemos chegar à conclusão de que só é fato social aquilo que se refere a um
grupo de pessoas, aquilo que atinge uma coletividade (COSTA, 2002).

Até aqui vimos que a sociedade é que estabelece regras e normas para que os
indivíduos as sigam, e que os problemas devem ser estudados como fatos sociais.
Apesar de todos os problemas existentes, Durkheim tinha uma visão otimista da
sociedade capitalista emergente, principalmente porque ela, segundo o autor,
desenvolveu novas relações que permitiram maior integração dos indivíduos com
a sociedade, gerando novos laços de solidariedade. Para ele, o capitalismo trazia
em seu interior um processo de crescente especialização do trabalho: as pessoas
eram levadas a especializar-se numa área ou num assunto, não sendo possível
que elas dominassem plenamente todos os assuntos, ou soubessem desempenhar
todas as profissões na sociedade.

Assim, essa especialização do trabalho acabava provocando uma relação de


interdependência entre os indivíduos, que deveriam cada vez mais se relacionar
de forma complementar. Esse tipo de solidariedade Durkheim chamou de
solidariedade orgânica.

[...] aquela típica das sociedades capitalistas, onde, pela acelerada


divisão do trabalho social, os indivíduos se tornam interdependentes
[...] que garante a união social, em lugar dos costumes, das tradições ou
das relações sociais estreitas. Nas sociedades capitalistas, a consciência
coletiva se afrouxa. Assim, ao mesmo tempo em que os indivíduos são
mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e
tende a desenvolver maior autonomia pessoal. (COSTA, 2002, p. 64).

A solidariedade orgânica substitui a solidariedade mecânica, onde existe


pouca divisão do trabalho, onde os indivíduos são mais autônomos, sendo os
laços de solidariedade estabelecidos pela tradição, pelos costumes, pelos hábitos
arraigados.

[...] aquela que predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde os


indivíduos se identificavam por meio da família, da religião, da tradição
e dos costumes, permanecendo em geral independentes e autônomos
em relação à divisão do trabalho social. (COSTA, 2002, p. 64).

180
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

O interessante é perceber que mesmo com o capitalismo avançado, ainda


existem pessoas que se relacionam através da solidariedade mecânica. Basta você
olhar como as pessoas se relacionam em cidades pequenas, sendo a tradição e os
costumes que estabelecem os laços de solidariedade entre os indivíduos.

Como vimos até aqui, na teoria positivista de Durkheim, a sociedade é


que estabelece o modo de ser e de viver dos indivíduos. Para que isso aconteça é
necessário o estabelecimento de uma consciência coletiva, o que garantiria a coesão
social, principalmente através de sanções e punições estabelecidas pela sociedade.
Independentemente da consciência de cada indivíduo, existe a consciência coletiva
(superior a todos) que é responsável pela criação, execução e fiscalização de um
conjunto de normas, valores que seriam defendidos por todos em sociedade.

A consciência coletiva é objetiva, isto é, não vem de uma só pessoa ou


grupo, mas está difusa (espalhada) em toda a sociedade e, por isso, ela é
exterior ao indivíduo, quer dizer, a consciência coletiva não é o que um
indivíduo pensa, mas é o que a sociedade pensa. Por isso a consciência
coletiva age sobre o indivíduo de forma coercitiva, isto é, exerce uma
autoridade sobre o modo de como o indivíduo deve agir no seu meio
social. (MEKSENAS, 1994, p. 65).

Durkheim acredita que a sociedade estabelece os caminhos que cada


indivíduo deve trilhar, no sentido de tentar manter a ordem e buscar o progresso.
Nesse contexto, a educação e a escola têm o papel de socializar os indivíduos para
que eles se desenvolvam (socialmente, profissionalmente...) dentro dos padrões
preestabelecidos a seu grupo social, ou seja: socializar-se é aprender a ser membro
da sociedade, e aprender a ser membro da sociedade é aprender o seu devido
lugar nela. Só assim é possível preservar a sociedade (RODRIGUES, 2000).

2.3 DURKHEIM E A EDUCAÇÃO

Como na concepção durkheiminiana a educação é um forte instrumento de


coesão social, cabe ao Estado ofertá-la e supervisioná-la, instituindo os princípios
básicos para a concretização da moral da sociedade, que através da escola
seriam transmitidos às crianças e aos jovens. Podemos dizer que é na escola que
aprendemos a nos tornar membros da sociedade, e é dentro dela que passamos
grande parte de nossas vidas nos socializando com outros indivíduos. Nesse
sentido, podemos perceber que a visão de Durkheim da sociedade e da função que
a educação exerce sobre ela é formar indivíduos que se adaptem à estrutura social
vigente, instituindo os caminhos e normas que cada um deve seguir, tendo sempre
como horizonte a instituição e manutenção da ordem social.

Durkheim, o positivismo e seus conceitos têm uma leitura de que a


sociedade capitalista está em primeiro plano, e o indivíduo deve a todo o momento
adaptar-se e cumprir as regras estabelecidas, visto que um indivíduo só tem valor
se estiver inserido no contexto social, pois é a sociedade que confere sentido à sua
existência.
181
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

2.4 MARX E ENGELS

Marx e Engels são pensadores importantíssimos para a realidade social,


pois suas abordagens perpassam por questões econômicas, políticas, sociais,
ideológicas e culturais. É importante discutir que toda sua leitura está pautada
na transformação da realidade social, instituindo uma nova sociedade, ou seja, o
socialismo.

Essa nova sociedade é chamada socialista, pois propunha uma sociedade


sem classes sociais e desigualdade social. Socialismo é um regime político e
econômico em que não existe a propriedade privada nem as classes sociais.

Todos os bens seriam de todas as pessoas e não poderia haver diferenças


econômicas entre os indivíduos. Existiria um governo (ditadura do proletariado)
que instituiria determinadas leis sociais para a totalidade dos indivíduos. Hoje,
contamos com a existência do Estado para defender os interesses dos trabalhadores,
pois o pensamento nos padrões do capital ainda se faz presente, sendo necessário
um período de transição e formação do sujeito dentro de novos padrões econômicos,
políticos, ideológicos e culturais.

O socialismo é um processo de transição para o comunismo, no qual todos


os processos de divisão, inclusive do poder na figura do Estado, deixariam de
existir, pois todas as decisões seriam tomadas pela totalidade dos sujeitos. O
processo de transição da sociedade se daria, segundo Marx e Engels, por meio da
classe trabalhadora.

É nesse sentido que eles realizaram a leitura da sociedade capitalista tendo


como pano de fundo a divisão das classes sociais e a permanente luta entre elas,
denominada luta de classes.

E
IMPORTANT

Existem muitas obras de primeira mão (escritas pelo próprio Marx) e de segunda
mão (interpretação do pensamento marxiano) sobre a teoria de Karl Marx. As mais significativas
escritas por Marx são: A ideologia alemã, O capital, Os manuscritos econômicos e filosóficos,
além do Manifesto do Partido Comunista. Antonio Gramsci (Os intelectuais e a organização da
cultura), Vladimir Illitch Ulianov – Lênin (Estado e a revolução) são pensadores contemporâneos
que utilizam as bases marxianas para a interpretação da sociedade capitalista moderna.

Consideravam que o conhecimento poderia ser um instrumento na luta dos


trabalhadores por mudanças na estrutura econômica capitalista, que era injusta
e desigual. Nesse contexto, enfatizaram o papel dos trabalhadores no processo

182
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

de superação do modo de produção capitalista e na implantação de uma nova


sociedade – inicialmente socialista e em seguida comunista.

Torna-se essencial compreendermos alguns dos principais conceitos da


teoria marxista, visto que eles nos ajudam a compreender o pensamento e a leitura
que Marx realizou da sociedade. Vamos abordar aqui somente alguns conceitos (os
básicos), pois a teoria de Marx e Engels é muito vasta. Iremos discutir os conceitos
de classes sociais, luta de classes, trabalho e alienação, fetiche da mercadoria, mais-
valia e Estado.

FIGURA 45 – BURGUESES E OPERÁRIOS

FONTE: Disponível em: <http://filohumanas1ano.blogspot.com.br/2010_04_01_archive.html>.


Acesso em: 27 maio 2013.

Para Marx, a sociedade capitalista já nasce dividida em duas classes sociais:


os burgueses (capitalistas) e os proletários (trabalhadores), e são essas classes que
materializam as relações sociais. Isso quer dizer que, dentro do capitalismo, as
relações sociais são construídas pelo processo de venda da força de trabalho dos
proletários e compra dessa força pelos capitalistas (donos dos meios de produção)
que a exploram dentro da produção. Essa divisão de classes é que sustenta a nossa
sociedade, nascendo dessa relação todas as mercadorias que nós utilizamos em
nosso dia a dia. Olhe ao seu lado. Veja este livro, o seu caderno, a sua roupa. Tudo
isso é fruto de trabalho humano, trabalho assalariado.

Na sociedade capitalista as relações sociais de produção definem dois


grandes grupos dentro da sociedade: de um lado os capitalistas, que
são aquelas pessoas que possuem os meios de produção (máquinas,
ferramentas, capital etc.) necessários para transformar a natureza e
produzir mercadorias; do outro, os trabalhadores, também chamados,
em seu conjunto, de proletários, aqueles que nada possuem, a não ser
o seu corpo e sua disposição para trabalhar. A produção na sociedade
capitalista só se realiza porque capitalistas e trabalhadores entram em
relação. (TOMAZI, 2000, p. 21).

183
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Essa divisão de classes aparentemente é uma divisão natural. Marx


conseguiu desvendar a aparência dessas relações, buscando compreender
a essência dos fenômenos, demonstrando que na sociedade essa divisão se
apresenta de forma ‘oculta’, pois não observamos em nosso cotidiano o constante
conflito entre elas. Esse conflito não é necessariamente armado, e na leitura de
Marx não é passível de solução dentro do modelo capitalista de produção, pois
essa desigualdade entre classes é intrínseca à sociedade. Esse conflito é simbólico
e ideológico, daí a denominação de luta de classes. As duas classes sociais
(proprietários e trabalhadores) vivem em constante embate de caráter ideológico
e político.

Nesse contexto podemos perceber que a desigualdade entre as classes


sociais aumenta dentro do processo produtivo, pois a produção de mercadorias
é realizada de forma coletiva, sendo a apropriação das riquezas geradas pela
produção privada; é desse processo que advém a desigualdade social.

Um ponto essencial na teoria marxista é a questão do trabalho. Na leitura


de Marx, o trabalho é essencial para o homem, visto que é através dele que o
homem transforma a natureza e, ao mesmo tempo, se transforma em ser social. O
trabalho aqui é a mediação entre a natureza e o homem, pois ele é responsável pela
construção da nossa sociedade.

Partimos do pressuposto de que é por meio do trabalho, no sentido


marxiano, que realizamos transformações intencionais, planejadas, que têm como
resultado um produto real e concreto que antes só existia na mente humana. Marx
(1985, p. 149) argumenta que é precisamente o trabalho que diferencia os homens
dos outros animais, quando afirma que:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos
de sua colmeia. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto
da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um
resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e,
portanto, idealmente.

É através do trabalho humano que as realizações objetivam e exteriorizam


os sujeitos que fazem parte do mundo. Esse trabalho é atividade humana que
transforma o mundo ao mesmo tempo em que transforma o sujeito. “Ao atuar,
por meio deste movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”. (MARX, 1985, p. 149). É assim
que o homem se reconhece em seu trabalho e se orgulha daquilo que constrói,
dando-lhe significados.

Na sociedade capitalista, esse trabalho não é visto como trabalho criador, e


sim como trabalho assalariado. No capitalismo, o trabalhador perde a autonomia
do processo produtivo, ficando sujeito às decisões tomadas pelos administradores,
principalmente a partir da introdução de modernas máquinas e mudanças na
esfera produtiva que visa ao aumento da produção e do lucro. Assim, o trabalhador

184
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

controla muito pouco da produção: ele deve submeter-se às normas e deliberações


de outras pessoas. Mais do que isso: quase sempre o trabalhador desconhece todo
o processo produtivo, o que o impossibilita de saber qual é o produto que ajuda
a produzir e para que finalidade é utilizado. A este processo de separação do
trabalhador do fruto de seu trabalho, Marx e Engels chamaram de alienação.

Marx desenvolve o conceito de alienação mostrando que a


industrialização, a propriedade privada e o assalariamento separavam
o trabalhador dos “meios de produção” – ferramentas, matéria-prima,
terra e máquina –, que se tornaram propriedade privada do “capitalista”.
Separava também, ou alienava, o trabalhador do fruto do seu trabalho,
que também é apropriado pelo capitalista. Essa é a base da alienação
econômica do homem sob o capital. (COSTA, 2002, p. 84-85).

Aprofundando essa relação de trabalho alienado, Marx desenvolve o


conceito de fetiche da mercadoria, o que aumenta mais a desigualdade entre os
homens. O fetiche da mercadoria ‘esconde’ a principal característica da mercadoria,
que é ser fruto de trabalho humano, passando uma ideia de que o produto
adquire vida própria. Nesse sentido, percebemos que todas as relações sociais são
transformadas em mercadorias, ocultando o ponto central da sociedade capitalista:
a busca pelo lucro. Faça uma experiência: pare na frente de uma vitrine e escolha
um produto. Será que a gente consegue verificar que ele é fruto de múltiplos tipos
de trabalho? Trabalho essencialmente humano? Não parece que, ao olharmos o
produto, só vemos a marca, a propaganda? Isso é fetiche da mercadoria.

Somos levados a pensar que as mercadorias têm qualidades próprias,


que o dinheiro possui um poder de compra que é mágico. [...] Esse
fetiche faz com que as relações de exploração entre patrão e empregado
fiquem encobertas, favorecendo a própria continuação do capitalismo.
(MEKSENAS, 1994, p. 79).

Dentro da discussão, Marx analisa que no momento em que o capitalista


compra a força de trabalho de seu empregado é que nasce o processo de exploração
capitalista. Como assim? O capitalista, ao pagar o salário aos trabalhadores, nunca
paga o que eles realmente produziram, ou seja, é o trabalho não pago, o trabalho
excedente, pelo qual o trabalhador deixa de ser remunerado e que permite ao
capitalista acumular capital.

O capitalista, ao pagar o salário aos trabalhadores, nunca paga o que eles


realmente produziram. O excedente de valor produzido, que não é devolvido para
o trabalhador, é apropriado pelo capitalista. Isso é o que Marx define como mais-
valia. (MEKSENAS, 1994, p. 79).

Mas como essas classes vivem em estado de luta, Marx coloca como ponto
central a necessidade dos trabalhadores orientar-se, inicialmente, na organização
de todos os trabalhadores em sindicatos. Em seguida, essa organização deveria
provocar a formação de um partido específico para a defesa dos interesses dos
trabalhadores.

185
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Este partido, por sua vez, deveria fazer oposição ao Estado capitalista,
considerado por Marx o “comitê da classe burguesa”, ou seja, mero instrumento
para a defesa dos interesses da burguesia.

Sendo o Estado no capitalismo um organismo da burguesia – que financia a


acumulação privada de capital, favorecendo determinadas empresas, que mantêm
e defendem o capitalismo e que representam diferenciadamente as classes sociais,
privilegiando a classe burguesa – seria imprescindível acabar com este Estado para,
em seu lugar, implantar uma nova sociedade, baseada na igualdade de condições,
e não na desigualdade e divisão de classes.

2.5 MARX E A EDUCAÇÃO

Como estamos em um curso superior e seremos mediadores do


conhecimento, acredito ser interessante analisarmos também a leitura do processo
educativo na vertente marxista, que se distingue bastante do pensamento
durkheiminiano que vimos em pontos anteriores. Marx vai dar ênfase à educação
politécnica, tão premente nos dias atuais. Vejamos.

Na leitura marxista, a educação deve ser vista como um instrumento de


transformação social e não uma educação reprodutora dos valores do capital.
Dentro dessa concepção, ele aborda a necessidade de uma educação politécnica,
estabelecendo três pontos principais:

1. O ensino geral, que compreenderia línguas e literatura materna e


estrangeira, juntamente com o ensino de ciências, pois isso elevaria
o nível cultural da classe trabalhadora e lhe propiciaria uma visão
universalista.
2. A educação física, compreendendo os exercícios físicos que visavam
salvaguardar a condição física dos meninos e futuros adultos.
3. Os estudos tecnológicos, que deveriam incluir os princípios gerais
e científicos de todos os processos de produção, a utilização dos
instrumentos de todos os ramos industriais.
Isso permitiria um saber fazer, que, de um lado, exigia conhecimentos
científicos e, de outro, o aprendizado da manipulação dos instrumentos,
o que possibilitaria aos trabalhadores conhecimento e a apropriação das
condições de produção. (TOMAZI, 2000, p. 7).

Esse sistema educacional caracterizava-se na criação de escolas em tempo


integral, divididas em dois períodos, que possibilitaria combinar, na formação
da criança, educação escolar e trabalho na fábrica. No primeiro período a criança
aprenderia questões pedagógicas (línguas, matemática, ciência, literatura...) e
no outro, se desenvolveria a concepção de produção: como funciona o processo
produtivo, quais os instrumentos utilizados, como planejar e executar.

Podemos perceber que dentro desse “sistema educacional” não existe a


separação entre trabalho manual e intelectual, ou seja, o trabalho explorado, onde
um grupo de pessoas manda e outro obedece, diferenciando os homens. A escola
186
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

politécnica possibilita a formação integral do homem, não repassando conteúdos


fragmentados, mas ensinando, ao mesmo tempo, conteúdos pedagógicos e
produtivos. E como é em nossa sociedade? Quem pensa não executa e quem
executa não pensa.

Essa educação politécnica desenvolveria o que Marx denomina de


ominilateralidade, ou seja, a possibilidade de o indivíduo se desenvolver em
vários sentidos, ser formado plenamente, sem ter um único caminho a seguir,
um único conhecimento, impossibilitando a formação unilinear, onde estão
preestabelecidos e divididos os caminhos que cada indivíduo deve seguir, tendo
uma única formação.

A educação politécnica fundamenta-se na possibilidade de romper com a


alienação imposta pelo trabalho capitalista, e esse novo saber seria a chave para
a emancipação do homem como ser humano, ou seja, a construção do ser social
pleno.

A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar rapidamente


na prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar
sucessivamente de um ramo de produção a outro, segundo as
necessidades da sociedade ou suas próprias inclinações.
Por conseguinte, a educação nos libertará desse caráter unilateral que a
divisão atual do trabalho impõe a cada indivíduo. Assim, a sociedade
[...] dará aos seus membros a possibilidade de empregar em todos os
aspectos suas faculdades desenvolvidas universalmente. (ENGELS
apud RODRIGUES, 2000, p. 57).

Para Marx o ensino deveria ser universal, obrigatório, público e gratuito,


principalmente no Ensino Fundamental. Esse ensino não deveria ser oferecido
pelo Estado, pois ele é a representação da burguesia no poder. Caberia ao Estado
propiciar as condições materiais para a efetivação da escola politécnica, que seria
gerida pelos trabalhadores, no sentido de implementar a educação para os alunos
formando indivíduos sociais plenos.

[...] é somente trabalhando para o bem e a perfeição do mundo que o


cerca que o homem pode atingir sua própria perfeição [...]. Se ele cria
somente para si mesmo ele se tornará talvez um sábio célebre, um
grande sábio, um poeta distinto, mas jamais um homem completo, um
homem verdadeiramente grande [...]. A história chama àqueles que,
agindo no interesse comum, se enobreceram. (MARX; ENGELS, 2001,
p. 11-16).

Podemos perceber que essa escola fundamenta-se na possibilidade


de transformação da sociedade através da ação do homem. Nesse momento,
podemos estar a perguntar: será que essa educação politécnica estabeleceria novas
perspectivas para a educação e para o homem? Hoje em dia, será que estamos
vivendo um período de politecnia, em virtude do avanço tecnológico? Será que foi
o homem ou o capital que revolucionou a educação?

Segundo Rodrigues (2000, p. 57):

187
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Basta olharmos, nos dias que correm, para o perfil do trabalhador


polivalente, exigido pelas indústrias contemporâneas, para
compreendermos que a mudança seria bem mais complicada.
Foi o próprio capital que revolucionou a divisão do trabalho. Hoje, o
desenvolvimento tecnológico possibilitou ao capitalista realizar a mesma
produção do que antes o obrigava a empregar milhares de operários,
agora com apenas algumas dezenas de trabalhadores superqualificados.
Educados, mas nem por isso emancipados! Vivemos hoje os dias da
“sociedade da informação”, da “sociedade do conhecimento”, mas o
fosso social que separa as classes continua a aumentar!

Dentro desse contexto, percebemos que Marx propõe uma sociedade livre
das condições de contradição, das classes sociais e da exploração do trabalho. É
dentro desse sentido que a educação é vista como fator de transformação social
e ponto central para a construção das novas condições de vida humana. Vale
ressaltar que seu pensamento é extremamente importante para uma leitura crítica
da sociedade capitalista dos dias de hoje.

2.6 MAX WEBER

Um pensador importante da sociologia clássica é Max Weber e sua


sociologia compreensiva. Como o próprio nome já diz, ele vai buscar compreender
as ações dos indivíduos em sociedade.

Para começar, Weber acredita que o cientista deve estudar fragmentos da


realidade social para melhor compreendê-la. Nesse sentido, os estudos de Weber
abordam a sociedade capitalista não em sua totalidade, mas em alguns aspectos,
como: política e dominação, a ação social dos indivíduos, a relação capitalismo e
religião, entre outros.

Para Weber, a sociedade não é uma instituição que se impõe aos


indivíduos, como pensava Durkheim. Weber estabelece que a sociedade é fruto
das ações racionais dos indivíduos, que fazem conscientemente suas escolhas a
todo o momento e em todas as instâncias da vida, sendo que são essas ações que
estruturam a sociedade.

Segundo Weber, para compreender a sociedade torna-se necessário


conhecer como os indivíduos racionalmente constroem as relações políticas,
econômicas, culturais e sociais. Vimos que a análise de Weber centra-se nos atores
e em suas ações, o que ele determina como ação social.

Ação social é qualquer ação que o indivíduo pratica orientando-se


pela ação de outros. [...] Só existe ação social quando o indivíduo tenta
estabelecer algum tipo de comunicação, a partir de suas ações, com os
demais. (TOMAZI, 2000, p. 19).

188
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

E
IMPORTANT

Max Weber, sociólogo, historiador e político alemão, nasceu em 1864, em Erfurt,


Turíngia, e morreu em 1920 em Munique. Filho de um grande industrial têxtil na Alemanha
Ocidental, foi professor na Universidade de Berlim. Sofreu sérias perturbações nervosas que
o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de
coeditor do Arquivo de Ciências Sociais (Archivtür Sozialwissenschatt), publicação extremamente
importante no desenvolvimento dos estudos sociológicos na Alemanha. A partir dessa época,
Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferências
nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte.

Analisemos a definição acima, salientando alguns pontos. A ação social


pode ser também uma omissão ou uma permissão, não só um ato propriamente
dito. Além disso, essa ação é dotada de um significado subjetivo, ou seja, de um
significado que tem valor para o executor do ato, não para a coletividade ou para
a sociedade. Outra observação é que o executor orienta sua ação pelas ações dos
outros indivíduos, que podem ser ações passadas, presentes ou futuras. Pode-se
dizer, portanto, que é ação social tudo aquilo que o indivíduo faz orientando-se
pela ação dos outros.

Dentro desse contexto, Weber agrupa as ações sociais em quatro tipos:


ação tradicional, ação afetiva, ação racional com relações afins e ação racional com
relação a valores.

A ação tradicional é determinada pelas tradições, costumes e hábitos


arraigados, por exemplo: almoço de domingo na casa dos avós... sempre foi assim,
é uma ação baseada na tradição passada de geração para geração.

A ação afetiva é determinada pelos sentimentos, emoções e afetividades,


onde o indivíduo age por suas emoções imediatas. A ação afetiva não leva em
consideração os fins que quer atingir nem os meios para isso, pois a racionalidade,
tanto neste tipo de ação quanto na tradicional, fica como que “suspensa”. Um
exemplo: em uma discussão podemos perder a razão e brigarmos com a pessoa
amada, pois ela agiu sem pensar racionalmente nos objetivos e consequências de
sua ação.

Já a ação racional com relações afins é uma ação planejada, ou seja, uma
ação racional em que pensamos quais os objetivos queremos alcançar, e quais os
meios que iremos utilizar para consegui-los. Prestem atenção que aqui existe um
pensamento, é uma ação consciente. Exemplo: tenho como objetivo fazer um curso
superior e, para isso, tenho que agir racionalmente, estudando muito para passar
no vestibular e terminar a universidade.

189
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

A relação racional com relação a valores também é uma ação racional, visto
que é determinada pela crença consciente em um valor que se considera importante.
Exemplo: vou à igreja todos os domingos, pois acredito, conscientemente, nos
valores que são transmitidos por ela, e não porque é uma tradição da minha família.

Baseado nos tipos de ação social, Weber distingue que, para existir a
sociedade, é necessário que o sentido das ações realizadas pelos indivíduos seja o
mesmo, pois um indivíduo sozinho não é capaz de construir a sociedade. Torna-se
necessário que o sentido da ação seja compartilhado por um grupo de indivíduos,
visto que, para Weber, a sociedade é fruto das relações sociais.

[...] para que se estabeleça uma relação social, é preciso que o sentido
seja compartilhado. Por exemplo, um sujeito que pede uma informação
a outro estabelece uma ação social: ele tem um motivo e age em relação
a outro indivíduo, mas tal motivo não é compartilhado. Numa sala de
aula, onde o objetivo da ação dos vários sujeitos é compartilhado, existe
uma relação social. (COSTA, 2002, p. 73).

No entanto, a explicação do cientista social será sempre parcial, já que


Weber concebe a sociedade como composta por diferentes esferas – a econômica,
a religiosa, a política, a jurídica, a social, a cultural, entre outras –, cada uma delas
funcionando de maneira autônoma e totalmente desligada das demais. Assim, é
somente através da análise das ações dos indivíduos que podemos compreender
as relações entre essas diferentes esferas que compõem a sociedade. Portanto,
o conhecimento será sempre limitado, referindo-se somente a uma parcela da
realidade, já que esta não possui lógica e funcionamento próprios, autônomos,
independentemente dos indivíduos, como pensava Durkheim, por exemplo.

Outro fragmento social estudado por Weber foi a relação política e


dominação. Intrigava-o pensar que, nas diversas formações sociais, existiram
sempre os indivíduos que “mandavam” e os que “obedeciam”. Analisando essa
questão, Weber distingue três tipos de dominação: a dominação legal, a dominação
tradicional e a dominação carismática.

A dominação legal é aquela em que a obediência é baseada nas leis, estatutos


e normas estabelecidas em nossa sociedade. Temos como exemplo o nosso Estado
Democrático. A dominação tradicional é aquela em que existe a obediência nas
crenças das santidades e das tradições, dos hábitos e dos costumes, que devem ser
respeitados. Podemos pegar como exemplo o poder que o rei exerce sobre seus
discípulos, sendo que esse poder está vinculado à tradição da monarquia.

Já na dominação carismática, a obediência se dá pelo carisma do líder,


sendo esse carisma definido como uma qualidade, um atributo pessoal de
quem exerce liderança, como a coragem, o heroísmo, a forma de se expressar
verbalmente, entre outros. Podemos citar aqui Hitler, que conseguiu, através do
seu carisma, mobilizar todos os alemães em prol da raça pura, exterminando um
grande número de judeus.

190
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

Analisando os conceitos discutidos até agora, podemos perceber que Weber


não analisa as regras e normas sociais como exteriores ao indivíduo, conforme
afirmava Durkheim. As normas são resultado do conjunto de ações individuais,
sendo que são os próprios indivíduos que escolhem diferentes formas de conduta.

As ideias coletivas, como o Estado, o mercado econômico, as religiões,


só existem porque muitos indivíduos orientam reciprocamente suas
ações num determinado sentido. Estabelecem, dessa forma, relações
sociais que têm de ser mantidas continuamente pelas ações individuais.
(TOMAZI, 2000, p. 20).

Outro ponto discutido por Weber é a análise que ele realiza sobre a
consolidação do modo de produção capitalista. Para ele, o capitalismo teve sua
base inicial nas ações sociais dos indivíduos que seguiam os princípios da religião
calvinista (fruto da Reforma Protestante – que já elencamos no início do nosso texto)
baseados em princípios como a ética e disciplina para o trabalho e a importância do
ato de poupar, pois acreditavam que esses mecanismos que levavam ao trabalho e
sucesso seriam indícios de estarem glorificando a figura divina.

Com o passar do tempo, a ideia de predestinação e salvação vai perdendo


forças, mas o trabalho disciplinado e a busca pelo sucesso – acúmulo de
capital – continuam a existir. Essa prática estimulou e favoreceu a acumulação
capitalista. Esta tese é apresentada e discutida no livro “A ética protestante e o
espírito do capitalismo”, no qual Weber analisa obras de puritanos e de autores
que representavam os valores disseminados pelo calvinismo, relacionando-os às
condições para o estabelecimento do capitalismo (QUINTANEIRO; BARBOSA;
OLIVEIRA, 2001).

Nesse contexto, outro ponto importante no pensamento de Max Weber é


a sua preocupação com a crescente racionalização e burocratização da sociedade
capitalista moderna. Essa racionalização da sociedade estabelece-se como o
desenvolvimento histórico da sociedade, em que certas ações sociais dos indivíduos
se consolidam criando instituições sociais (Igreja, Estado) que estabelecem certas
regras e normas para serem seguidas pelos indivíduos, desembocando em um
consenso geral que concretiza a dominação legal, em detrimento dos outros tipos
de dominação.

Vimos que Weber estabelece que a sociedade é constituída das ações dos
indivíduos e suas interações, visando estabelecer valores a serem compartilhados
em sociedade. Com o desenvolvimento da sociedade moderna, ocorreu uma
maior racionalização dessas ações, necessitando estabelecer um maior número
de regulamentos e normas a ser obedecido, para amenizar o conflito existente
entre os indivíduos. Essas leis partem do pressuposto da dominação legal, de
modo que alguns indivíduos as criam e as impõem sobre outros. Juntamente com
essa sociedade moderna e a aplicação de suas leis, necessita-se de um quadro
administrativo, hierarquizado, burocrático e profissional para implementá-las e
fazer com que seja estabelecido o consenso entre os indivíduos, para que todos
ajam conforme essas determinações sociais existentes em sociedade. Mas Weber
afirma que as relações sociais não são instituídas definitivamente.
191
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Como é o homem que estabelece ações para a concretização da sociedade,


ela pode modificar-se no decorrer da história, pois são essas mesmas ações que
podem desenvolver um processo de transformação social.

Weber também discute a questão da desigualdade social, elaborando as


categorias de castas e estamentos. Segundo Weber, as castas expressam um tipo
de desigualdade pautado em elementos que são peculiares às sociedades que as
tornam possíveis, sendo que essas sociedades agrupam os indivíduos em posições
econômicas e políticas.

A sociedade de castas fundamenta-se em algumas categorias básicas,


por exemplo, a hierarquização rígida, fundada em itens como hereditariedade,
profissão, etnia, religião, que são definidos a partir de um conjunto de valores,
hábitos e costumes oriundos de uma tradição. Esse sistema de castas fundamenta-
se em uma relação de privilégios que alguns indivíduos possuem sobre outros.
Segundo Rezende (1993, p. 97),

[...] esse tipo de organização social parte do pressuposto de que os


direitos são desiguais por natureza, uma vez que os elementos que os
caracterizam são definidos fora dos indivíduos. Pode-se dizer que, nas
sociedades antigas, a organização social baseava-se no sistema de castas,
sendo que as desigualdades política e jurídica expressavam-se através
do lugar que o indivíduo ocupava na estrutura de cargos e profissões,
definidos pela hereditariedade, em primeiro plano.

Outra forma de discutir a questão da desigualdade social, para Weber, é


a questão dos estamentos. Em seu estudo “Economia e Sociedade”, ele analisa
a sociedade feudal como uma sociedade estamental, que desenvolveu sua
organização política fundada na hierarquização dos estamentos (clero, nobreza,
servos), na qual cada grupo realizava suas funções determinadas pela hierarquia
fundada na propriedade de terras, na política e na religião. Podemos dizer que seu
pensamento propicia uma reflexão das diversas formas de agir de cada indivíduo.
Essa interação entre as partes influenciaria a construção da realidade social. Vimos
que para Weber a sociedade é racionalizada, ou seja, ela é fruto do conjunto de
ações individuais, pois o homem é o único que pode definir o seu caminho. Por
isso é extremamente importante reconhecer o papel das ações que esses homens
executam, para a compreensão da totalidade social.

Mas vimos também que o capitalismo moderno estabeleceu novas formas de


ações para os homens, através da instituição de leis e princípios burocráticos, para
a busca do consenso entre os indivíduos, através do processo de racionalização da
sociedade. Sendo assim, “a educação é o modo pelo qual o homem ou determinados
tipos de homens são preparados para exercer as funções que a transformação
causada pela racionalização da vida lhes colocou à disposição”. (RODRIGUES,
2000, p. 75).

192
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

2.7 WEBER E A EDUCAÇÃO

Assim como Durkheim e Marx manifestaram sua compreensão em relação


à educação, cada um à sua maneira e dando ênfase a uma educação com suas
especificidades, Weber também vem contribuir nesta seara.

Podemos dizer que a educação, para Weber, é o modo pelo qual os homens
são preparados para exercer as funções dentro da sociedade. Essa educação é uma
educação racional. A educação e a escola, como instituição do Estado Moderno,
passaram a ser um fator de estratificação social e não mais visam a educar para o
mundo. Nesse sentido, Weber estabelece que o ato de educar é uma ação (olha a
ação social novamente!) socialmente dirigida e segue três tipos, segundo Rodrigues
(2000, p. 79):

Despertar o carisma: não são para todos os indivíduos, mas somente


para aqueles que têm capacidade de revelar capacidades mágicas
ou dons heroicos; Preparar o indivíduo para uma conduta de vida
(pedagogia do cultivo): formar um tipo de homem que seja culto, onde o
ideal de cultura depende da camada social para a qual o indivíduo está
sendo preparado; transmitir conhecimento especializado (pedagogia
do treinamento): preparar um especialista para cumprir determinada
função dentro da estrutura hierarquizada e burocrática da sociedade
capitalista.

Podemos perceber que a educação, para Weber, não está vinculada enquanto
formação integral do homem, mas sim uma educação como treinamento para
habilitar o indivíduo para a realização de determinada tarefa, a fim de obter poder
e dinheiro, dentro dessa sociedade cada vez mais racionalizada, burocratizada e
estratificada.

Essas são algumas concepções weberianas da função da educação.


Percebemos que existe, através dessa racionalização da sociedade, uma formação
específica, única, sem a possibilidade do desenvolvimento criativo do homem,
pois este, através da dominação legal, estabelece sua ação dentro dos princípios
instituídos pela educação capitalista moderna. Mas não podemos perder a
dimensão da individualidade do homem e da possibilidade que ele tem de criar
mecanismos de mudança dentro da sociedade.

O homem e as ações que realiza fazem com que essa teia de relações
preestabelecidas possa ser reconstruída pelos próprios indivíduos, no sentido de
estabelecer novos princípios para a sociedade.

A obra de Weber é bastante vasta e aqui apresentamos apenas alguns


pontos de sua teoria, os mais significativos, para que possamos compreender os
fundamentos teóricos desse autor tão importante da sociologia clássica.

193
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

2.8 ZYGMUNT BAUMAN

FIGURA 46 – ZYGMUNT BAUMAN

FONTE: Disponível em: <http://www.clarin.com/suplementos/


cultura/2006/11/18/thumb/3.jpg>. Acesso em: 16 jan. 2008.

Zygmunt Bauman é um pensador cuja trajetória se constrói a partir das


situações existenciais vivenciadas no século XX. De origem polonesa, viu seu
país, em 1939, ser invadido por tropas alemãs no início da Segunda Guerra
Mundial, levando-o ao longo do conflito a incorporar grupos de compatriotas que
desenvolviam uma luta de resistência às tropas alemãs que haviam ocupado a
Polônia. Após o término do conflito, que marcou a contemporaneidade, iniciou
seus estudos e sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde ocupou a cátedra
de Sociologia Geral. Em 1968 teve artigos e livros censurados e foi afastado da
universidade, por conta do regime comunista de alinhamento soviético que havia
se instalado naquele país ao final da guerra. Assim como tantos outros pensadores,
Bauman viveu a saga dos pensadores sem pátria, emigrando da Polônia para o
Canadá, Estados Unidos e Austrália, reconstruindo neste percurso sua carreira.
Em 1971 tornou-se professor titular de Sociologia na Universidade de Leeds, na
Grã-Bretanha, permanecendo nesta atividade até os dias de hoje.

Zygmunt Bauman caracteriza-se por ser um pensador articulado,


portador de habilidade e sensibilidade como poucos intelectuais contemporâneos
na leitura e interpretação das perspectivas civilizatórias que se constituíram
ao longo da modernidade, bem como seus impactos e suas consequências na
contemporaneidade. Entre outros fatores próprios da condição humana de
Bauman, talvez tais características tenham sido resultado da contribuição e
influência que alguns pensadores exerceram na constituição de seu pensamento,
entre eles: Albert Camus, Gramsci, Ítalo Calvino e Borges.

194
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

Bauman revela-se, na extensão e na profundidade de sua obra, uma


das vozes destoantes neste mar de certezas globais e de crenças inabaláveis nas
possibilidades da racionalidade moderna de nos conduzir a um mundo de paz,
harmonia e perfeição. Talvez, alguém que ainda mantém a ousadia de pensar por
própria conta e risco a existência, diante das verdades e certezas de um mundo
organizado e delimitado pelas fronteiras reduzidas dos especialistas modernos.
Alguém que percebeu o desconforto e a fragmentação da filosofia diante de
sua exaustão, ao dar-se conta de que seus melhores esforços de construção de
sistemas explicativos da vida e do cosmos pouco contribuíram na superação das
contradições presentes em suas origens e que acompanham a civilização, que
perseguem o homem em sua longa aventura na Terra. De perceber que talvez a
filosofia não tenha mais nada de “novo” ou “diferente” que possa ser afirmado,
sustentado e categorizado filosoficamente em sua totalidade.

Bauman nos propõe uma ética alicerçada em um iluminismo sem


ilusões, um pouco mais cética em relação a qualquer proposta que se apresente
minimamente redentora e ordenadora da condição humana. Bauman não
desconhece que a razão é talvez nossa única possibilidade, mas uma razão que
brinca, que joga com a existência. Portanto, uma ética que nos permita reconhecer
a dimensão estética, lúdica, contingente e política de nossas existências, de que
o que importa é participar do jogo da existência, é jogar e correr os riscos das
jogadas que realizamos num determinado contexto social. Afinal, não ter garantias
talvez seja a garantia de que o jogo continua independentemente do resultado final
do jogo, e assim as possibilidades existenciais humanas continuarão abertas a um
conjunto de novas combinações e jogadas.

Uma proposta ética que convida o ser humano contemporâneo a manter-se


atento, vigilante, a questionar tudo aquilo que pretenda impor verdades, certezas
à existência. Uma perspectiva ética vivida na intensidade do cuidado de si e
como gratidão pela existência do outro que nos permite o encontro e o confronto
das pluralidades humanas em praça pública. É uma ética para além da mera
estetização da existência que se esvai nas propostas de consumo e descartabilidade
de coisas, objetos e seres humanos e, portanto, indiferente moralmente frente ao
sofrimento humano e suas mazelas. Como perspectiva marcadamente estética,
a ética baumaniana é um convite ao reencantamento do mundo, devolvendo
dignidades às emoções e legitimidade ao inexplicável. Enfim, de posicionar-se no
mundo com a coragem de nos confrontarmos com um desafio ético sem ilusões
diante da dinâmica ambivalente da existência.

195
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

2.9 JÜRGEN HABERMAS

FIGURA 47 – JÜRGEN HABERMAS

FONTE: Disponível em: <http://systar.hautetfort.com/images/habermas.


jpg>. Acesso em: 21 jan. 2008.

Jürgen Habermas, nascido em 1929, em Düsseldorf, licenciou-se em 1954,


com uma tese sobre Schelling (1775-1854), intitulada O Absoluto e a História. De
1956 a 1959 foi assistente de Theodor Adorno no Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt. Em 1968 transferiu-se para Nova York. A partir de 1971 dirigiu o Instituto
Max Planck, em Starnberg, na Baviera. Em 1983 transferiu-se para a Universidade
Johann Wolfgang von Goethe, de Frankfurt, onde permaneceu até aposentar-se,
em 1994. Em função de sua intensa relação com Theodor Adorno e o Instituto de
Pesquisa Social, é considerado herdeiro das teses interpretativas da modernidade,
cujas raízes encontramos na escola de Frankfurt.

De forma geral, talvez seja possível dizer que seu pensamento se caracteriza
por uma aposta na rearticulação do projeto moderno, assentado nos pressupostos
do iluminismo racional.

Ou seja, Habermas posiciona-se criticamente em relação às propostas


intituladas pós-modernas e seu prognóstico de que o projeto racional moderno
estaria esgotado, condição manifesta na fragmentação das ideologias, das
propostas societárias vigentes e nas dificuldades de se fundamentar um princípio
ético que responda de forma global aos desafios que se apresentam à existência na
contemporaneidade.

A proposta filosófica de Habermas procura estabelecer uma alternativa ao


projeto marxista de transformação social a partir da luta de classes como motor da

196
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

mudança que se manifesta na dinâmica histórica, por um projeto emancipatório do


gênero humano. Portanto, seu esforço se concentra na reformulação do conceito de
“racionalização” do Mundo da Vida, – conceito que já havia sido apresentado por
Max Weber e por Herbert Marcuse nas primeiras décadas do século XX –, como
condição de superação das categorias marxistas na sua reflexão sobre a dinâmica
social.

A partir de uma perspectiva de fundo kantiana, Habermas posiciona


articulações interpretativas da razão em relação à sociedade, ao mundo, à existência
em duas categorias distintas.

A primeira categoria racional diz respeito ao sistema. Sistema refere-se à


denominada ‘reprodução material’, regida pela lógica instrumental (adequação de
meios afins), ou seja, caracteriza-se por ser uma racionalidade tecnocrática que
administra e determina o poder objetivo, o controle e o conhecimento que permite
a ação humana sobre a natureza.

A segunda categoria racional apresenta-se no Mundo da Vida e refere-se à


‘reprodução simbólica’, ou seja, da rede de significados que compõem determinada
visão de mundo, aos fatos objetivos, às normas sociais e aos seus conteúdos
subjetivos, ou seja, uma razão prática sobre a qual se estabelecem as condições de
possibilidades éticas e morais.

Na sociedade ocidental contemporânea, marcada por transformações em


todas as dimensões da existência humana, pela crise de suas instituições sociais e
políticas, pela crise de uma racionalidade excessivamente técnica e instrumental,
torna-se imprescindível uma ação social e jurídica, que fortaleça as estruturas
capazes de promover as condições de liberdade necessárias ao diálogo, ao exercício
argumentativo, como meio de continuidade da ação comunicativa, condição
imprescindível para produzir entendimentos, sem apelar para ações estratégicas
de caráter coercitivo.

Desta forma, a retomada do projeto moderno por Habermas na


contemporaneidade pressupõe uma racionalidade ético-comunicativa na busca do
consenso.

E a busca do consenso pressupõe a autêntica discussão fundada na razão.


A racionalidade comunicativa é a condição do estabelecimento de um padrão que
pode permitir a interpretação e o posicionamento adequado das pessoas diante
dos paradoxos e desafios que a contemporaneidade nos apresenta.

197
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

2.10 HANS JONAS

FIGURA 48 – HANS JONAS

FONTE: Disponível em: <http://www.alcoberro.info/V1/jonas.jpg>. Acesso


em: 15 jan. 2008.

Hans Jonas, filósofo alemão, nasceu em 1903, na Alemanha, vindo a falecer


em 1993, em Nova York. De origem judia, teve o período inicial de sua formação
humanística através da leitura dos profetas hebreus. Jonas nos apresenta três
momentos marcantes de sua formação filosófica. O primeiro a partir de 1921, recém-
formado, frequenta na Universidade de Freiburg as aulas de Martin Heidegger,
naquele momento ainda um filósofo um tanto desconhecido.

Durante muito tempo Heidegger foi seu mestre intelectual. Em 1934, Jonas
é obrigado a abandonar a Alemanha em função da ascensão do nazismo ao poder.

A proposta ética de Hans Jonas apresenta-se na perspectiva de uma ética


para a civilização tecnológica. A modernidade caracteriza-se pela supremacia
da racionalidade científica na interpretação e compreensão do mundo, da vida,
da existência em sua totalidade, que se radicaliza na contemporaneidade pela
disposição da técnica em todas as esferas da vida humana. Nesta perspectiva, a
ética de Hans Jonas procura responder aos desafios tecnológicos de nosso tempo,
ao poder que o homem alcançou sobre a natureza e, consequentemente, sobre si
mesmo, as implicações talvez inimagináveis à condição humana que este poder
prático detém. Ou seja, a iminente possibilidade de destruição, ou de alteração
da vida na dimensão planetária exige que este poder científico-tecnológico seja
acompanhado de um novo princípio, que é o princípio da responsabilidade com a
vida em sua totalidade.

Hans Jonas parte do pressuposto de que todas as éticas apresentadas até o


presente momento compartilhavam as seguintes premissas entre si:

a) A condição humana, resultante da natureza do homem e das coisas, permanece


no fundamental fixo de uma vez para sempre.

198
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

b) A partir destes princípios é possível determinar com precisão o bem humano.


c) O alcance da ação humana e de sua responsabilidade está estreitamente
delimitado.

Tais premissas permitiam interpretações seguras, com significativo grau


de certeza e confiabilidade nas ações humanas. Porém, o desenvolvimento
científico e tecnológico demonstrou que tais premissas tornaram-se insustentáveis,
na medida em que se constata uma mudança no caráter da ação humana, o que
consequentemente exige uma mudança na perspectiva ética. Ou seja, as ações
humanas demonstram a violência do poder humano, sua violadora invasão da
natureza, da ordem, do cosmo, ao mesmo tempo em que demonstram capacidade
do inesgotável engenho humano nos diversos campos de sua atuação.

Porém, é preciso que se reconheça o descompasso, a assimetria entre a


capacidade inimaginável da ação humana e a grandeza das forças cósmicas com
as quais interage. E é neste ponto que as ações humanas se tornam temerárias, na
medida em que intervêm em forças que transcendem em graus de grandeza para
além das possibilidades humanas.

O desencadeamento de tais graus de grandeza, sejam eles na perspectiva


macrocósmica (energia nuclear, aquecimento global, poluição, guerra espacial...),
sejam eles microcósmicos (transgênicos, engenharia genética, clonagem) apresenta-
se com risco iminente à condição humana.

Portanto, para Jonas é preciso que tenhamos a capacidade de rever os


princípios de nossa ética tradicional assentada sobre pressupostos antropocêntricos,
sobre uma racionalidade técnico-científica que se apresenta no auge de sua
instrumentalidade em nossos dias, justificando pela simples capacidade técnica de
fazer algo, intervenções que podem comprometer as condições de possibilidade
da vida humana, ou mesmo da vida em sua totalidade no planeta Terra, o que
demonstra, segundo o autor, a supremacia do Homo faber sobre o Homo sapiens, ou
seja, alcançamos um estágio civilizacional na contemporaneidade que se apresenta
desprovido, ou pelo menos com dificuldade de refletir, questionar, pensar as
consequências das nossas ações, dos avanços científicos e tecnológicos a que estamos
submetidos.

Para Jonas, as novas dimensões da responsabilidade ética pressupõem o


reconhecimento da vulnerabilidade da natureza, submetida à intervenção técnica
dos seres humanos. Fragilidade, vulnerabilidade, que não levou, ou leva em
consideração os danos causados pela ação técnica, seu grau de irreversibilidade
e de potencialização exponencial de problemas. Tal postura e as consequências
advindas em relação ao equilíbrio vital, fundamental à sobrevivência, têm suas
raízes na máxima de Francis Bacon: “extrair da natureza, sob tortura, todos os
seus segredos”... O grau de tecnificação do mundo alcança neste contexto situação
tal que impossibilita o ser humano de fazer a experiência com o mundo, com a
vida, consigo mesmo, o que fazemos são apenas experimentos com as coisas, com
os genes, com os objetos separadamente, desvinculados de uma perspectiva da
totalidade das forças em jogo.

199
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

O princípio da responsabilidade pressupõe o reconhecimento de que a


natureza tem um direito moral próprio, que pensar o bem humano implica também
reconhecer o bem extra-humano, ou seja, de que a natureza tem um fim em si
mesma, para além de ser mero meio à disposição das vontades e necessidades
humanas. Desdobra-se do primeiro princípio ético da responsabilidade, um
segundo princípio que se apresenta na forma de “cuidado universal como forma
de dever-ser do homem no mundo”. Isto implica que se impõem aos seres
humanos na contemporaneidade desafios éticos por excelência que se desdobram
da necessidade de garantir o futuro às novas gerações.

Portanto, estabelece-se a obrigação com a construção de um universo


moral, em que o ser humano reconheça que a existência de tudo aquilo que
está em seu entorno possui um fim em si mesmo, de que uma posição de
respeitabilidade com a vida em seu todo não significa diminuição da condição
humana, mas, pelo contrário, sim, sua elevação, porque é o único ser que sabe
que está no mundo e reconhece as limitações espaço-temporais da existência. Da
construção de um mundo moral, desdobra-se a preservação de um mundo físico,
e isto significa conservar este mundo físico de tal forma que as condições para tal
existência permaneçam invioladas, o que significa preservá-lo em sua fragilidade
e vulnerabilidade, contra as ameaças que possam se lhe apresentar.

FIGURA 49 – PRESERVAÇÃO DO MUNDO FÍSICO

FONTE: Disponível em: <http://www.facebook.com/?ref=tn_tnmn#!/


photo.php?fbid=390908574360998&set=a.246696032115587.54448.
236992903085900&type=1&theater>. Acesso em: 27 maio 2013.

Nossa condição na contemporaneidade é de dar-se conta do paradoxo que


envolve nosso poder de nossa ação técnica, que estabelece a partir de uma assimetria
em relação à fragilidade da condição humana no contexto de um universo de
forças incomensuráveis e das quais, por mais que tenhamos estabelecido leis que
expliquem seu funcionamento, não damos conta do conjunto de probabilidades
que uma ação possa desencadear em seu poder de fúria, ou destruidor. Trata-
se, portanto, de fina percepção moral que decorre da percepção de que o poder
humano é mínimo e insignificante em relação à potência natural, mas que o que
200
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

eleva o homem é sua capacidade moral aplicada ao seu poder de agir, prover e
intervir no mundo.

3 SOCIEDADE DO CONTROLE

Caro (a) acadêmico (a)! Será que nós controlamos a evolução da sociedade,
a construção da sociedade, ou somos controlados por ela e seus mecanismos? Será
que realmente pensamos a sociedade, ou ela se gere independente de nós?

“Sorria, você está sendo filmado(a)”. Sorria? Chore, sei lá. Foucault, grande
pensador já citado neste caderno, mas que merece atenção nos seus estudos
particulares, denuncia as sutis formas de controle que se colocam em nosso tempo.
O império da técnica causa absurdos, como a compulsão excessiva pelo controle e
enquadramento. Então: digitou os números acima? Acesse o texto logo e, se tentar
encomendar uma pizza em 2015, boa sorte!

ENCOMENDA DE PIZZA NUM FUTURO PRÓXIMO


Telefonista: “Pizza Hot, Bom-dia”.
Cliente: “Bom-dia, quero encomendar uma pizza”.
Telefonista: Pode me dar o seu NIDN?
Cliente: “Com certeza, o meu número de identificação nacional, é 6102049998-
45-54610”.
Telefonista: “Muito obrigado, Sr. Paulo. A sua morada é 1742, Jardim Botânico,
e o seu número de telefone é 494-2366, o seu número no escritório da rua XV de
Novembro é o 745-2302 e o seu portátil é 266-2566. De que número o Sr. ligou?”
Cliente: “Eu? Estou em casa. Onde foi buscar essas informações todas?”
Telefonista: “Nós estamos ligados em rede ao Sistema”.
Cliente: (Suspiro) “Ah sim ! Eu queria encomendar duas pizzas com extra
queijo e camarão...”
Telefonista: “É capaz de não ser boa ideia”.
Cliente: “O que você falou???”
Telefonista: “Consta na sua ficha médica que sofre de hipertensão e de um
nível muito alto de colesterol, além disso, o seu seguro de vida desaconselha
vivamente escolhas perigosas para a sua saúde”.
Cliente: “Pois é... tem razão! O que é que me propõe?”
Telefonista: “Por que não experimenta a nossa pizza Light com iogurte de soja,
tenho a certeza que vai adorar”.
Cliente: “Como é que sabe que vou adorar!!!?”
Telefonista: “O Sr. consultou o site “Recette Gourmandes au Soja” na biblioteca
municipal dia 15/01 às 14h32, onde permaneceu ligado à rede durante 36
minutos, daí a minha sugestão”.
Cliente: “Pronto, está bem!. Dê-me duas pizzas familiares, quanto é?”
Telefonista: “É a escolha certa para si, a sua esposa e respectivos quatro filhos,
são $ 49,99”.

201
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Cliente: “Quer o meu número de cartão de crédito?”


Telefonista: “Lamento, mas vai ter que pagar em dinheiro. O limite do seu
cartão de crédito já foi ultrapassado”.
Cliente: “Não faz mal, eu vou ao multibanco levantar dinheiro antes que
chegue a pizza”.
Telefonista: “Duvido que dê. Tem a conta a descoberto”.
Cliente: “Meta-se na sua vida. Mande-me as pizzas que eu arranjo o dinheiro.
Quando é que entregam?”
Telefonista: “Estamos um pouco atrasados. Daqui a 45 minutos serão entregues.
Se estiver com muita pressa pode vir buscá-las, só que transportar duas pizzas
de moto não é aconselhável, além de ser perigoso”.
Cliente: “Mas que raio de história é esta, como é que sabe que tenho uma
moto?”
Telefonista: “Peço desculpa, apenas reparei que não tinha pago as prestações
do carro e que ele foi penhorado”. Mas a sua Harley está paga. Daí pensei que
fosse utilizá-la”.
Cliente: “@#%/$@&?#!“
Telefonista: “Agradeço que não me insulte... não se esqueça que já foi condenado
em julho de 2009 por Insulto a Agente na via pública”.
Cliente: (Silêncio)
Telefonista: “Mais alguma coisa!?”
Cliente: “Não, é tudo... não, espere... não se esqueça dos dois litros de Coca-
Cola que constam na promoção”.
Telefonista: “Peço imensa desculpa, mas o regulamento da nossa promoção
descrito no art.3/12 proíbe-nos de enviar bebidas com açúcar a pessoas
diabéticas”.

Este texto circulou recentemente pela internet. Sua apresentação se faz


aqui com pequenas alterações no nome do personagem denominado cliente e seu
endereço, uma vez que se encontrava em inglês.

Talvez seja possível começar desdizendo, contradizendo o texto. Explico:


o fato que ocorreria em 2015, tenho a impressão de que isto já aconteceu ontem.
Você ainda está descrente? Então faça um exercício rápido de memória realizando
um levantamento de quantas senhas, códigos, cartões de conta-corrente, de
crédito, de bolsa-família, bolsa-escola, número da carteira nacional de habilitação,
número do PIS, do INSS, do plano de saúde, do RG, do CPF, do código de pessoa
física, jurídica etc., de que você dispõe e necessita diariamente para sobreviver na
sociedade contemporânea.

Sociedade de controle em tempo real. Não há como refugiar-se, você


“existe” nos sistemas de informação interligados de norte a sul do país, talvez
até do planeta. Talvez você, ser humano portador de sonhos, anseios, projetos,
pensamentos, não exista efetivamente para o sistema, mas seu código, que é
condição da sua existência estatística nos bancos de dados, é uma realidade.
Parafraseando o filósofo René Descartes (1596-1650): “Tenho senha, logo existo”.
202
TÓPICO 2 | PENSANDO A SOCIEDADE

FIGURA 50 – SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

FONTE: Disponível em: <http://diretodamatrix.blogspot.com.br/2012/10/


doce-sociedade.html>. Acesso em: 27 maio 2013.

Neste momento, você poderá começar a fazer objeções a esta proposta


reflexiva: “sim, mas todas estas senhas, códigos me possibilitam ter acesso a bens
de consumo, a agilizar transações financeiras, afinal, “tempo é dinheiro”. “Este
conjunto de códigos e senhas nos possibilitam maior segurança”; “possibilitam
maior mobilidade do indivíduo, podendo ter acesso a bens e serviços em qualquer
lugar do país ou do mundo”. “Enfim, os códigos, os números, as senhas nos tornam
globais, passamos a existir”.

Durante grande parte da nossa civilização ocidental, o controle sobre as


pessoas se dava sobre seus corpos, imprimindo para tal finalidade a força física,
a punição, o castigo. Instituições foram exaltadas, edificadas, constituídas para
participarem deste esforço levado adiante pelo Estado, entre elas: a família, a
força policial, a escola, o manicômio. Métodos “científicos” foram desenvolvidos
para serem aplicados em tais instituições no sentido de alcançar êxito na árdua
empreitada de controlar corpos e mentes.

Porém, em nossa sociedade contemporânea edificada sobre os pilares da


técnica, onde tudo o que é factível é “automaticamente” eticamente justificável,
alienando o direito ao debate público sobre as consequências à condição humana,
sociedade contemporânea alicerçada no fundamentalismo de mercado, onde o
público é exaurido em suas forças em benefício dos interesses privados, as formas
de controle sobre corpos e mentes assumem outras perspectivas. Os controles
são mais sutis, não demandam grandes estruturas físicas, materiais e humanas
para sua efetivação, mas são concretizados por meio de códigos, senhas, contas e
números.

Talvez o que se torna importante nos darmos conta é que esta “sociedade do
controle” é o resultado do incansável esforço da racionalidade que se instaura ao
longo dos últimos quinhentos anos de nossa civilização ocidental. Racionalidade
pautada na ciência, na tecnologia, na engenharia, na administração do mundo, da

203
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

natureza, da existência. Racionalidade alicerçada na técnica que pensa e executa


os programas de controle das “massas humanas”. Neste sentido, “o mundo é dos
programadores e seus controles”. Mas racionalidade que também se encontra
nos usuários, nas massas que utilizam tais controles como se fosse sinônimo de
progresso, de avanço, necessários e fundamentais à vida moderna.

E, apesar de todo este controle, nos achamos “mais livres”, “mais seguros”,
“mais modernos”, “melhores que outros seres humanos que viveram em outras
épocas”. O paradoxo que nos assola contemporaneamente coloca-se na seguinte
perspectiva: “Quanto maior nossa necessidade de segurança, menor é a nossa
liberdade”. Talvez não tenhamos nos dado conta, mas somos participantes em
tempo real e integral de um grande “Big Brother”, onde alguns existem, pois têm
seus códigos e contas e podem ser controlados, e outros que simplesmente não têm
códigos, senhas, não existem e, portanto, não há necessidade de serem controlados,
não consomem.

A esta altura você já deve ter-se feito outras perguntas e questionamentos,


entre eles: Qual a proposta dos autores? Abolir todos estes controles? Como seria
possível controlar e administrar o mundo, a natureza, a existência de milhões de
pessoas? Nossa proposta não se apresenta de forma simples no sentido de abolir
estes controles, afinal esta tarefa seria praticamente impossível e inviável diante
da complexidade das relações sociais, econômicas em que vivemos. Mas se trata
de nos darmos o direito de questionar o óbvio, perguntar por seus pressupostos
éticos, políticos e estéticos. De querer saber quais os custos exigidos à condição
humana a partir de todo este esforço de controle de corpos e mentes.

204
RESUMO DO TÓPICO 2

Nesta unidade vimos:

• Os autores da sociologia clássica e como eles pensaram nossa sociedade.

• As diferentes correntes sociológicas e seus conceitos para a explicação social, ou


seja, não existe a teoria mais correta.

• As ideias de Marx: um dos pensadores mais influentes e mais polêmicos até os


dias atuais.

• As ideias sobre Foucault, que tanto quanto Nietzsche, é lido, elogiado, criticado e
até mesmo distorcido; contraditório, como todo grande filósofo, seu pensamento
está ligado à multiplicidade da vida.

• As ideias sobre Bauman: sociólogo-filósofo, de espírito criativo, tem como marca


uma intensa análise de seu tempo e da liquidez em que vivemos.

• As ideias sobre Habermas, que é considerado um dos maiores e mais influentes


pensadores contemporâneos.

• As ideias sobre Hans Jonas, sua ética busca apresentar uma perspectiva diante da
civilização tecnológica.

205
AUTOATIVIDADE

1 Como Marx entende o ensino?

2 Comente sobre as premissas éticas compartilhadas por Hans Jonas.

Assista ao vídeo de
resolução da questão 2

206
UNIDADE 3
TÓPICO 3

SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

1 INTRODUÇÃO

Não seria comum, caro acadêmico, se você não se perguntasse que tipo de
sujeito a sociedade precisa para ser justa, humana, cidadã.

Cidadão é aquele que vive na cidade, que vive em sociedade, com tudo
o que isso comporta: direitos e deveres. Se queremos uma nova sociedade, se
queremos construir uma nova sociedade, é porque temos muito a melhorar. Um
novo sujeito é preciso, um novo cidadão é preciso, uma nova sociedade é preciso.

2 NOVOS CIDADÃOS
A cidadania vem da ideia de polis, que quer dizer cidade, onde na Grécia
antiga as pessoas se reuniam e participavam nas decisões do bem comum. Com o
passar do tempo, o conceito de cidadania foi ampliado aos deveres e direitos dos
seres humanos e ao conjunto de valores da sociedade, mas no senso comum está
sempre mais ligado à preservação dos direitos e identidade dos seres humanos e
capacidade de participação.

FIGURA 51 – CIDADANIA

FONTE: Disponível em: <http://www.canalkids.com.br/cidadania/genteboa/index.


htm>. Acesso em: 15 jan. 2012.

207
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

2.1 CONCEITO DE CIDADANIA

A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer


cidade, assim como a polis do grego, dando o sentido da participação de todos nos
processos decisórios, frente aos deveres e direitos. Como define Dallari (1998, p.
14), “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade
de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”. Nesse sentido dado
à cidadania, as pessoas eximidas de seus direitos tornam-se excluídas do processo
de cidadania.

Para efeito da cidadania, parece que o ser humano, pessoa, indivíduo ou


cidadão tenha singularidades; pelo contrário, nos parece mesmo que, qualquer
que seja a etimologia ou simbologia, os seres humanos – pessoas – indivíduos –
cidadãos são iguais em plenos direitos e deveres.

Corrêa (2002) classifica o ser, a fim de mostrar que a cidadania abrange


mais os seres sob o ponto de vista dos direitos e deveres e também do ponto de
vista das atitudes e comportamentos, como podemos observar no quadro a seguir:

QUADRO 7 – A EVOLUÇÃO DO SER

O SER HUMANO O SER INDIVÍDUO O SER PESSOA O SER CIDADÃO


Pertence ao mundo Pertencente a um
Diz respeito Um representante
civilizado, ou à Estado livre, com
à espécie, à entre a espécie.
soma de valores direitos civis e
classificação, Podem-se
morais, éticos, políticos, e também
àqueles que considerar também
jurídicos próprios desempenha os
possuem razão. os animais.
da civilização. deveres.
FONTE: Disponível em: <www.portaldosfilosofos.com.br>. Acesso em: 4 abr. 2012.

As questões filosóficas sempre trouxeram a questão do ser e do devir, e


essa ontologia do ser transformou-se ao longo do seu contexto histórico, da sua
prática, por que não dizer, até de seu espaço geográfico.

Dessa forma, poderíamos observar o Ser cada vez mais abrangente, no


sentido de participação, comprometimento, autonomia e criticidade. A figura a
seguir demonstra essa evolução:

208
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

FIGURA 52 – AS DIMENSÕES DO SER

FONTE: Adaptado de: Corrêa (2002)

Contudo, não se pretende aqui reafirmar a importância da classificação


apresentada por Corrêa (2002), mas sim apresentar que a equação dos seres sofre
evolução naturalmente, da mesma forma que a sociedade transforma suas atitudes,
seus pensamentos e seus comportamentos.

A vida a todo tempo nos dá oportunidade de fazer escolhas, e são essas


escolhas que nos possibilitam sermos. Embora em cada ambiente ou organização
em que estejamos inseridos possamos desempenhar distintos papéis, ainda assim a
essência do ser humano não se distingue porque exercermos uma ou outra função.
Em outras palavras, quando falamos de ética, devemos ser éticos em qualquer que
seja a nossa função em determinada organização, e mais, continuarmos sendo em
nossas atitudes cotidianas, assim como prevê o Decreto no 1.171, de 1994, item VI
do Capítulo I (BRASIL, 1994):

A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto,


se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e
atos verificados na conduta do dia a dia em sua vida privada poderão
acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional.

Vejamos algumas das questões colocadas por Vázquez (2003, p. 15) a esse
respeito:
Devo dizer sempre a verdade ou há ocasiões em que devo mentir? Quem,
numa guerra de invasão, sabe que o seu amigo Z está colaborando com
o inimigo, deve calar, por causa da amizade, ou deve denunciá-lo como

209
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

traidor? Podemos considerar bom o homem que se mostra caridoso com


o mendigo que bate à sua porta e, durante o dia – como patrão – explora
impiedosamente os operários e os empregados da sua empresa?

Diante dessas questões, e com um pouco de observação, podemos tirar no


dia a dia muitas atitudes humanas que ora permitem a coerência do ser humano
com seus princípios éticos e morais, mas ora divergem conforme os interesses
pessoais e momentâneos.

A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe
como um fato dado [...], mas é instaurada pela vida intersubjetiva e social,
precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes.

FONTE: Disponível em: <http://www.seuconcurso.com.br/interpretsss/inter09.htm>. Acesso em:


28 mar. 2012.

A cidadania é, portanto, reflexo das ações do Estado, e o ensino público


torna-se também reflexo de como essa cidadania pode ser absorvida. Demo
(1995) destaca um comparativo entre cidadania e formas de Estado, que pode ser
observado no quadro que segue:

QUADRO 8 – O ESTADO PELO PONTO DE VISTA DA CIDADANIA

ESTADO VISTO PELOS TIPOS DE CIDADANIA


CIDADANIA DEFINIÇÃO FUNÇÃO CONSTITUIÇÃO TAMANHO
Equalização de
Democrático Legítimo e
EMANCIPADA Serviço público oportunidades;
(direito) necessário
redistributivo
Reserva de
Apropriada Força, exceção,
TUTELADA privilégios e Mínimo
privadamente privilégio
vantagens
ASSISTIDA Proteção Distributivo Assistencial Máximo
FONTE: Demo (1995, p. 16)

Na verdade, o título do quadro acima sugere o Estado consequente à


cidadania, quando na verdade a cidadania é eminente ao Estado. De qualquer
forma, o quadro é ilustrativo para que possamos observar, dentro do ensino
público, o tipo de cidadania que está sendo fomentada.

Como se poderá observar posteriormente, no Brasil, o Estado é Democrático


e de Direito, posto pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), mas será
que a nossa cidadania é emancipada? O que se tem nas escolas são políticas
públicas voltadas à cidadania assistida, tais como: bolsa escola, alimentação
escolar, uniforme e materiais gratuitos, livros, leite e pão como reforço para os fins

210
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

de semana. Essa dicotomia entre emancipação e assistência é contribuição que o


Estado impõe à educação, sobrecarregando-a de ações sociais que distorcem a sua
contribuição à efetividade da cidadania emancipada.

Demo (1995, p. 16) conceitua cidadania como a “competência humana de


fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente organizada”. Covre
(1991), em seu livro dedicado ao tema, além de considerar as questões históricas,
filosóficas e sociológicas que permeiam o conceito, de forma simples, resume
cidadania ao direito pleno à vida.

Numa perspectiva diferente sobre cidadania, sob aspectos na mão dupla


entre Estado e cidadão, Demo (1995) desdobra a cidadania em três tipos: cidadania
tutelada, cidadania assistida e cidadania emancipada. Essa ideia coaduna com
os autores Alonso, López e Castrucci (2010) quando das obrigações sociais e
emergenciais do governo.

● Cidadania tutelada: é a cidadania que a elite econômica e política pratica. É


excludente e de privilégios (paternalismo).

● Cidadania assistida: a sociedade começa a ter noção de seus direitos e estes


devem ser garantidos pelo Estado (assistencialismo).

● Cidadania emancipada: é o governo proativo, que faz uso da democracia e tem


o entendimento de que o Estado deve servir e buscar medidas que conduzam
ao bem comum.

QUADRO 9 – ESTADO VISTO PELOS TIPOS DE CIDADANIA

CIDADANIA DEFINIÇÃO FUNÇÃO CONSTITUIÇÃO


Emancipada Serviço público Equidade Democrático
Apropriada Reserva de Força, exceção,
Tutelada
privadamente privilégio privilégio
Assistida Proteção Distributivo Assistencial
FONTE: Demo (1995, p. 17)

O quadro a seguir demonstra que a administração pública vestida de


Estado deve superar os estágios de assistencialismo e tutelar, a fim de propor
a emancipação de servir aos seus cidadãos as diretrizes dos valores morais do
âmbito do universalismo.

211
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

QUADRO 10 – DESENVOLVIMENTO DO HOMEM EM RELAÇÃO AOS FINS

Desenvolvimento humano sustentado


Com respeito aos FINS
Equidade
Democracia
Direitos Humanos
Bem comum
Superar a pobreza política (ignorância)
Promover formação do sujeito histórico coletivamente
competente
Educação de qualidade para todos
Associativismo
FONTE: Demo (1995, p. 18)

O conceito de cidadania emancipada transforma o desenvolvimento


humano sustentado no que diz respeito aos fins, ou seja, às premissas de uma
sociedade democrática e que visam ao bem comum.

Podemos entender que cidadania é um conjunto de direitos e deveres que


denotam e fundamentam as condições do comportamento de cada indivíduo em
relação à sociedade, ou seja, a cidadania designa normas de conduta para o convívio
social, determinando nossas obrigações e direitos perante os outros integrantes da
nossa sociedade.

Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade, para


melhorar suas vidas e a de outras pessoas. Ser cidadão é nunca se
esquecer das pessoas que mais necessitam. A cidadania deve ser
divulgada através de instituições de ensino e meios de comunicação,
para o bem-estar e desenvolvimento da nação.
A cidadania consiste desde o gesto de não jogar papel na rua, não pichar
os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar os mais velhos (assim
como todas as outras pessoas), não destruir telefones públicos, saber
dizer obrigado, desculpe, por favor e bom dia quando necessário [...],
até saber lidar com o abandono e a exclusão das pessoas necessitadas,
o direito das crianças carentes e outros grandes problemas que
enfrentamos em nosso país. “A revolta é o último dos direitos a que
deve um povo livre para garantir os interesses coletivos: mas é também
o mais imperioso dos deveres impostos aos cidadãos." Juarez Távora -
Militar e político brasileiro. (WEB CIÊNCIA, 2009, p. 1).

Podemos observar três dimensões da cidadania:

• Cidadania civil: são aqueles direitos advindos da liberdade de cada indivíduo,


como, por exemplo: o livre-arbítrio para expressar nossos pensamentos; o
direito de propriedade (venda e compra de um imóvel, um bem ou serviço);
entre outros.

212
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

• Cidadania política: podemos considerar que a cidadania política se legitima


quando os homens exercem seu poder político de eleger e ser eleitos para o
exercício do poder político, independentemente da instituição pública ou
privada na qual venham a exercer suas atribuições.

• Cidadania social: compreendida como o conjunto de direitos concernentes ao


conforto de cada cidadão, no que tange à sua vida econômica e social, ou seja,
do seu bem-estar social. Um novo cidadão, aqui no nosso estudo antecede um
novo homem, porque esse novo homem que queremos vai de encontro aos
modelos que se vislumbram no campo da coisa pública, ou seja, especifica esse
homem na dimensão administrativa. Vejamos.

3 UM NOVO HOMEM
Ramos (1984) identificou a existência de três modelos de homem,
influenciado pela realidade histórica administrativa ao longo do século XX.
Os modelos são: homem operacional, homem reativo e homem parentético.
Inicialmente o autor descreveu somente os dois primeiros modelos, mas as
circunstâncias sociais o fizeram acrescentar o último modelo: parentético, que é
considerado hoje o modelo ideal.

O modelo de homem reativo surge na teoria da administração de relações


humanas. A abordagem humanística para a administração foi uma revolução
conceitual de organização, porque transferiu a ênfase de tarefa para a ênfase
nas pessoas. O desenvolvimento das ciências sociais, aliado às abordagens da
psicologia, corroborou para que a administração despendesse maior atenção às
pessoas que trabalhavam na organização. O homem reativo, então, é constituído de
valores e sentimentos e suas atitudes influenciam nos processos e na organização.

O que difere o homem operacional do homem reativo é a valorização do


homem reativo como ser dotado de sentimentos e valores, embora tanto um quanto
o outro sejam instrumentos para a organização atingir seus objetivos e metas.

O homem parentético surge mediante a complexidade das relações


humanas e pelas novas circunstâncias sociais. Nesse modelo de homem é dada a
liberdade para que ele possa intervir com seu pensamento reflexivo e crítico; “apto
a graduar o fluxo da vida diária para examiná-lo e avaliá-lo como um espectador”.
(RAMOS, 1984, p. 8).

3.1 HOMEM OPERACIONAL

O homem operacional é o homem calculista, que trabalha para receber


sua recompensa econômica. Está inserido numa constituição física na lógica de
mercado e da burocracia.
213
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

De acordo com Bondarik e Pilatti (2007, p. 6), o homem operacional


“era apto apenas a conduzir a máquina e por ela ser conduzido, em operações
previamente ordenadas”. Na verdade, o homem operacional lembra o trabalhador
de fábrica em que a execução de tarefa não precisa de reflexão, é somente na
execução automática de tarefas.

O homem operacional não tem preocupações éticas, pois para a organização


é só mais um recurso que levará a resultados de produção. Ele, por si mesmo,
corresponde como um operador aos processos determinados pela organização,
por esse motivo não faz reflexões éticas sobre suas práticas e nem da organização.

3.2 HOMEM REATIVO


O homem reativo é um ser inserido em circunstâncias sociais, por isso seus
sentimentos, a motivação, as suas necessidades são importantes e valorizadas, para
que seu rendimento frente à organização seja reflexo dessa constituição do sujeito.

O homem reativo preocupa-se com o ambiente social externo ou


contextual da organização, sendo esta encarada como um sistema aberto
e passível de mudanças. Não desconsidera a importância dos valores,
dos sentimentos e das suas atitudes sobre a efetivação do processo
produtivo. (BONDARIK; PILATTI, 2007, p. 6).

O homem reativo, diferentemente do operacional, possui uma visão mais


ampla do significado do trabalho, em que somente a recompensa material não é
suficiente. O homem reativo tem como motivação ao trabalho a qualidade de vida
e a recompensa material.

3.3 HOMEM PARENTÉTICO


O homem parentético é um modelo de homem em que as suas capacidades
de crítica, reflexão e autoconhecimento são importantes no desenvolvimento do seu
trabalho na organização. O homem parentético deixa de ser o robô e exclusivamente
operador do homem operacional, e também a sua motivação humana do homem
reativo faz parte de um contexto mais dinâmico social. O homem parentético é
aquele que busca a sua realização pessoal, mas numa dimensão social em que o
bem-estar deve ser compartilhado por toda a sociedade (o bem comum).

O quadro a seguir resume esses modelos de homem e dinamiza as


transformações de atitude e de alocação no tempo e espaço.

214
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

QUADRO 11 – MODELOS DE HOMEM BASEADO EM RAMOS


SER ESPAÇOS DE MODELO MOTIVOS NA
DIMENSÃO CONSTITUIÇÃO
HUMANO EXISTÊNCIA DE HOMEM ORGANIZAÇÃO
RAZÃO REALIZAÇÃO
ESPAÇO Ética da convicção PESSOAL
MULTIDIMENSIONAL
POLÍTICA REFLEXIVO
PESSOAL Ética da (Consciência crítica,
responsabilidade autoestima)
ÚNICO E

RECONHECI-
COMUNIDADE/ CONVIVIALIDADE
SOCIAL REATIVO MENTO DO
SOCIEDADE
GRUPO
DINHEIRO
ECONOMIA
OPERACIO- (Trabalho por
BIOLÓGICA (MERCADO E FÍSICA
NAL recompensa
BUROCRACIA)
material)

FONTE: Salm; Menegasso (2005, p. 48)

Esse quadro apresenta uma dimensão interessante do modelo de homem


em relação à dimensão predominante da sociedade. As questões éticas surgem
somente na medida em que a participação do homem na organização se torna
maior enquanto ser atuante e reflexivo.

4 UMA NOVA SOCIEDADE COM RESPONSABILIDADE

Sabedores de como é importante exercer a cidadania numa sociedade


democrática, vamos então tornar possível uma nova sociedade, a sociedade que
queremos a partir de responsabilidades muito claras, a partir de direitos e deveres
cumpridos, a partir do direito ao próximo, seja ele quem for e como for.

4.1 A RESPONSABILIDADE SOCIAL

A responsabilidade social se desenvolve a partir da sustentabilidade, ou


seja, que os recursos sejam usados e não comprometam as futuras gerações. A
princípio pensa-se em recursos naturais, por isso o crescimento enorme de controlar
a interação do ser humano com o meio ambiente. Porém, a responsabilidade social
chega também nas organizações, sejam políticas, sejam não governamentais,
construindo-se no tripé ambiental, social e econômico.

DICAS

Sustentabilidade – é a capacidade do ser humano de interagir com o meio


ambiente sem comprometer os recursos naturais das gerações futuras.

215
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

Observemos o que Chiavenato (2003, p. 472) escreve sobre a responsabilidade


social:

EXISTE UMA NOVA ORDEM MUNDIAL. A globalização dos negócios


está derrubando fronteiras, queimando bandeiras e ultrapassando diferentes
línguas e costumes e criando um mundo inteiramente novo e diferente: o
mundo globalizado. Além disso, vivemos em um mundo mutável e turbulento,
onde a mudança é a única certeza e o elemento constante. A tecnologia – e
principalmente a tecnologia da informação – está alterando profundamente
o trabalho nas organizações e proporcionando facilidade nas comunicações e
interações, além de impactar profundamente a vida das pessoas. Muito mais
do que em qualquer momento da história da civilização, as organizações
fazem parte integrante e inclusiva da sociedade moderna. Mais do que isso, as
organizações constituem a mais inventiva e sofisticada das invenções humanas.
E elas estão transpondo suas tradicionais fronteiras e envolvendo a sociedade
a seu redor. Estão se tornando cada vez mais visíveis e transparentes. Elas
precisam dar conta do seu trabalho à sociedade e prestar benefícios à sociedade.
De outra maneira, seriam perfeitamente descartáveis. A responsabilidade
social está se tornando um imperativo para o sucesso organizacional.

A forma como se utilizam recursos, a preocupação provinda dos limites


de recursos naturais, o atendimento às necessidades dos recursos humanos, o seu
bem-estar como um todo dentro e fora da organização, a comunidade na qual
a organização está inserida e a sociedade como um todo são temas e objetos da
responsabilidade social.

Sob o ponto de vista da responsabilidade empresarial, Alonso, López e


Castrucci (2010, p. 184) definem: “é uma tomada de consciência da empresa que a
leva a assumir livremente atividades e encargos em prol da sociedade em que está
inserida”.

ATENCAO

A responsabilidade social ajuda todos a viverem melhor.

216
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

FIGURA 53 – A RESPONSABILIDADE É DE TODOS

FONTE: Disponível em: <http://jmcconsult.com.br/wp-content/


uploads/2011/04/responsabilidade-social.jpg>. Acesso em: 15 mar. 2012.

Os autores ainda observam a distinção entre responsabilidade social de


ações sociais e emergenciais. A responsabilidade social é proativa, se antecipa
diante das necessidades de sua comunidade ou sociedade. Diferentemente
de uma ação emergencial, por exemplo, numa calamidade ou num estado de
enchente, as ações que o governo, empresas privadas possam tomar para ajudar
se configuram em ações emergenciais. As ações sociais já se configuram dentre as
medidas contratuais de cunho social, por exemplo, o pagamento de salários, as
contribuições à Previdência Social, o pagamento de impostos e taxas etc.

FIGURA 54 – OITO METAS ESTABELECIDAS PELA ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES


UNIDAS

FONTE: Disponível em: <http://www.artsete.com.br/responsabilidade.htm>. Acesso em:


15 fev. 2012.

217
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

A figura anterior apresenta as oito metas estabelecidas pela ONU –


Organização das Nações Unidas. Essas metas transferem para cada nação a
responsabilidade de contribuir para um mundo melhor no que se refere à fome,
miséria, educação, valorização da mulher, mortalidade infantil, saúde, qualidade
de vida, entre tantos outros temas que contribuam para os direitos humanos e pela
sustentabilidade das nações.

A responsabilidade social não deve ser compromisso somente do Estado, mas


de todos, e aqui vale lembrar o artigo 3º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1988), que assim determina:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II – garantir o desenvolvimento social;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esta dinâmica da responsabilidade social é possível em uma democracia,


com um Estado democrático, onde todos reconhecem seus direitos e deveres.
Assim é que se dá o sentido e o exercício pleno da cidadania.

Os cidadãos democráticos reconhecem que não têm apenas direitos,


têm também deveres. Reconhecem que a democracia requer investimento de
tempo e muito trabalho – um governo do povo exige vigilância constante e
apoio do povo.

Em alguns governos democráticos, a participação cívica significa que


os cidadãos devem ser membros do júri, ou cumprir o serviço militar ou
cívico obrigatório durante certo tempo. Outros deveres aplicam-se a todas as
democracias e são da responsabilidade exclusiva do cidadão – o principal dos
quais é o respeito pela lei. Pagar os seus impostos, aceitar a autoridade do
governo eleito e respeitar os direitos dos que têm pontos de vista diferentes são
também exemplos dos deveres do cidadão.

Os cidadãos democráticos sabem que devem ser responsáveis por sua


sociedade para poderem se beneficiar da proteção dos seus direitos.

Há um ditado nas sociedades livres: cada povo tem o governo que


merece. Para que a democracia seja bem-sucedida os cidadãos têm que ser
ativos, não passivos, porque sabem que o sucesso ou o fracasso do governo é
responsabilidade sua e de mais ninguém. Por seu lado, o governo entende que
todos os cidadãos devem ser tratados de modo igual e que não há lugar para a
corrupção num governo democrático.

Num sistema democrático as pessoas que não estão satisfeitas com


os seus líderes são livres para se organizarem e apoiarem pacificamente a

218
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

mudança – ou tentar votar contra esses líderes em novas eleições no período


próprio.

As democracias precisam de mais do que o voto ocasional dos seus


cidadãos para permanecerem saudáveis. Precisam de atenção contínua, tempo e
dedicação de muitos dos seus cidadãos que, por seu lado, olham para o governo
para proteger os seus direitos e liberdades.

Os cidadãos numa democracia podem aderir a partidos políticos e fazer


campanha pelos candidatos que preferirem. Aceitam o fato de que o seu partido
pode não estar sempre no poder.

São livres para se candidatarem ou servirem como dirigentes públicos


nomeados durante algum tempo.

Utilizam uma imprensa livre para falar com franqueza sobre questões
locais e nacionais.

Aderem a sindicatos, grupos comunitários e associações empresariais.

Fazem parte de organizações voluntárias privadas – que se dedicam


à religião, cultura étnica, estudos, desportos, artes, literatura, melhoramento
do bairro, intercâmbio internacional de estudantes ou centenas de outras
atividades.

Todos estes grupos – independentemente da sua proximidade com o


governo – contribuem para a riqueza e a saúde da democracia.

FONTE: Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/citizen.htm>.


Acesso em: 27 maio 2013.

A implantação e implementação de políticas públicas vêm ao encontro


dos chamados novos direitos, como subterfúgios da sociedade e do Estado em
prover ações voltadas aos direitos humanos. E é nesse sentido que novos arranjos
entre Estado-sociedade, empresa-sociedade, organizações civis-sociedade vêm se
organizando e compondo novas formas de gerir e avaliar o serviço público, as
políticas públicas e a produção do bem comum.

4.2 DIREITOS COM JUSTIÇA SOCIAL

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, no calor do


fim da Segunda Guerra Mundial, os direitos do ser humano tomaram consciência
e força. E com o passar dos anos tornou-se cada vez mais interveniente, uma vez
que a história humana foi marcada por muitas barbáries.

219
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

FIGURA 55 – DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-wtiW0aElgKU/TlI61Z0pS6I/


AAAAAAAAAfE/uJ6NNL6ijiM/s640/declaracao_direitos_humanos_1.jpg>. Acesso em:
15 jan. 2012.

No Brasil contamos com diversas leis que têm como princípio observar
e garantir os direitos humanos, tal como a própria Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988), artigos 5 e 6 do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, conhecida como o Estatuto do Idoso; a
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com alterações dadas pela Lei nº 8.242, de 12 de
outubro de 1991, conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente, e a Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, ou seja, as principais
normas de civilidade e direitos sociais.

“Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure


universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas
sociais, bem como, sua gestão democrática.” (BRASIL, 2009a).

Podemos dizer que a equidade nada mais é do que fazer justiça com
imparcialidade, pois todos os seres humanos possuem direitos e deveres perante
a sociedade em que vivem. Estes direitos, por sua vez, denotam um conjunto
de princípios morais, que acabam igualando todos os homens de uma mesma
sociedade.

E
IMPORTANT

Equidade é a igualdade de direitos entre os iguais.

220
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

Contudo, devemos tomar cuidado, pois muita gente pensa que equidade
é sinônimo de igualdade, mas não é bem assim, pois a equidade é vista por dois
prismas:

• Equidade horizontal: denota que existe um tratamento igualitário para todos


os indivíduos, ou seja, não há distinção, pois o problema a ser resolvido é o
mesmo, independentemente da classe social.

• Equidade vertical: denota que existem tratamentos diferentes para determinados


grupos sociais, ou seja, dependendo da situação social do homem, o mesmo
problema é tratado de forma diferente.

Então, podemos dizer que a prática profissional do assistente social se


processa na garantia da equidade e da justiça social, procurando assegurar a
universalidade de direitos e o acesso aos bens produzidos por meio do trabalho a
todos os indivíduos, sem distinção de cor, raça, etnia e classe social.

4.3 RESPEITO À DIVERSIDADE E AO PLURALISMO

Conforme exposto nesta citação do Código de Ética Profissional do


Assistente Social, podemos observar que outro princípio fundamental de sua
práxis profissional se processa na mediação direta com todos os indivíduos de
uma determinada sociedade, com intuito de eliminar toda e qualquer forma de
preconceito e discriminação, seja ele racial, étnico, cultural, religioso, entre outros,
além de incentivar, constantemente, o respeito às diferenças e diversidades
humanas.

Entretanto, o que é diversidade?

Pois bem, ao tratarmos da questão da diversidade, devemos, primeiramente,


compreender o significado de tolerância, porque a diversidade denota que todos
os homens devem aceitar e compreender as diferenças humanas.

E
IMPORTANT

Nenhum homem na face da Terra é igual a outro homem.

Neste sentido, podemos compreender que o respeito à diversidade


humana não significa apenas tolerar o outro, mas respeitá-lo como ele realmente
é. “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o

221
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à


discussão das diferenças.” (BRASIL, 2009a).

Devemos olhar o outro por meio dos olhos dele, e não por meio dos
nossos olhos, ou seja, devem-se compreender as diferenças do outro, ver como
ele realmente é, quais são seus princípios e valores morais. Nunca devemos ver
o outro a partir de nossa visão de mundo, de nossos valores morais, pois assim o
prejulgamos.

Assim, podemos afirmar que o respeito às diferenças humanas também


pode ser compreendido como o respeito às diversas identidades que compõem
uma sociedade, pois cada ser humano possui sua singularidade, ou seja, suas
características pessoais.

FIGURA 56 – SOBRE O SER HUMANO

FONTE: GUARESCHI, Pedrinho A. et al. Psicologia social contemporânea. 3ª Ed.


São Paulo: Vozes, 1999, p. 98.

Já a importância do pluralismo é reconhecer a existência da diversidade


humana. Diversidade que pode ser cultural, religiosa, política, econômica,
ambiental e social.

E
IMPORTANT

Não existe uma realidade única e absoluta.

222
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

O pluralismo denota que não existe somente uma concepção conceitual,


ou seja, existem várias referências e doutrinas conceituais, pois, como abordamos
anteriormente, todos os seres humanos são diferentes, possuem diversas
subjetividades, que denotam visões de mundo diferenciadas, ou seja, sobre um
mesmo fato, uma mesma realidade poderá suscitar diversas opiniões, diversos
conceitos, porque cada homem analisa um fato conforme sua constituição moral.

5 A SOCIEDADE EM CONSTRUÇÃO

Para concluir esse nosso estudo, nada mais justo que buscar essa relação
natural entre ética, política, sociedade, moral, indivíduo, cidadão, trabalho, enfim,
tornar tudo isso uma só realidade, onde a evolução se torna natural para o bem de
todos.

Assim, queremos aprender como se processa o espaço da ética na relação


indivíduo versus sociedade, no qual perpassaremos por alguns aspectos históricos
da construção ético-moral da sociedade. Assim, segundo Barroco (2008b, p. 19),

é nesse processo histórico que são tecidas as possibilidades de o homem


se comportar como um ser ético: enquanto o animal se relaciona com a
natureza a partir do instinto, o ser social passa a construir mediações –
cada vez mais articuladas –, ampliando seu domínio sobre a natureza
e sobre si mesmo. Desse modo, sem deixar de se relacionar com a
natureza – pois precisa dela para se manter vivo –, vai moldando sua
natureza social.

Demonstrando, ainda, a inter-relação natural do comportamento moral


entre os homens, principalmente na questão da construção subjetiva do homem,
ou seja, o homem como tal, ser individual.

Pelo comportamento humano e, principalmente, por meio de seu modo de


ser, hábitos e costumes é que determinamos e consolidamos nossa moral e, por
conseguinte, a ética. A sua constituição advém historicamente das relações do dia
a dia de cada ser humano que vive em sociedade.

Complementando, Barroco (2008b, p. 20) escreve que:

A história não é uma abstração dotada de uma existência independente


dos homens. Os homens reais – entre suas relações entre si e com a
natureza – são os portadores da objetividade sócio-histórica. E nesse
sentido pode-se dizer que o ser social fundamenta-se em categorias
ontológico-sociais, pois os modos de ser que o caracterizam são
construções sócio-históricas que se interdeterminam de forma complexa
e contraditória, em seu processo de constituição.

Então, podemos compreender que o homem social nasce da natureza e de


sua inter-relação com os outros de sua espécie, em que suas habilidades e aptidões

223
UNIDADE 3 | A SOCIEDADE EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO

são desenvolvidas por ele no decorrer de seu processo de humanização, ou seja, é


o próprio homem o autor e produto da sua construção.

FIGURA 57 – ANTISSOCIAL

ANTISSOCIAL
FONTE: Disponível em: <http://thiagomelods.blog.uol.com.br/>.
Acesso em: 27 maio 2013.

Nesta perspectiva, podemos citar que o homem desenvolve suas


capacidades de forma consciente e livre. E, por meio do trabalho, ele é capaz de
transformar a natureza, em consequência ao seu meio e a si próprio, mantendo
sua própria vida em sociedade. Então, podemos dizer que “[...] o trabalho é, antes
de tudo, em termos genéricos, o ponto de partida da humanização do homem, do
refinamento de suas faculdades, processo do qual não se deve esquecer o domínio
sobre si mesmo”. (LUKÁCS apud BARROCO, 2008b, p. 21).

Portanto, a sociabilidade humana pode ser compreendida como o berço da


constituição do homem social ou ser social, pois é por meio de nossas atividades
humanas que nos constituímos como homens e, assim, nos perpetuamos
historicamente.

De acordo com Barroco (2008b, p. 22), “constituir-se cada vez mais


socialmente quer dizer dominar a natureza, criar novas alternativas, dar respostas
sociais, e daí decorre a transformação de todos os sentidos humanos.” Isto só pode
ser viável se o homem tiver consciência de seus atos e de sua própria transformação
social.

Antes de tudo, precisamos compreender o significado da consciência


humana. Portanto, segundo Cavalcanti (2007, p. 2), para Susan Greenfield,
pesquisadora da Universidade de Oxford,

A consciência não é um lampejo, mas um contínuo de conexões dos


seus neurônios, que vão ocorrendo do momento em que você nasce até
o fim da experiência, seu cérebro faz uma representação mental que é
armazenada da sua vida. A cada nova em sua memória. Ao comer uma

224
TÓPICO 3 | SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

comida diferente, por exemplo, surgiria uma mudança nas conexões do


seu cérebro. Quanto mais o mundo passa a ter significado para você,
mais conexões são feitas em seu cérebro.

Ou seja, é por meio da constituição de consciência que analisamos,


calculamos e aspiramos ideias, realizando um processo de escolha do que pode ou
não ser feito, do que é bom ou não para nós e para os outros. Então, se partirmos
do princípio de que a nossa constituição ética-moral advém do trabalho, podemos
assim dizer que a nossa prática profissional só se processa quando a realizamos de
forma consciente em prol da realização do bem.

Portanto, por meio da transformação consciente da natureza, o homem cria


sempre novas alternativas de valorações em seu processo de escolha e tomada de
decisões, pois as realiza conscientemente, por meio de comparações do certo e
errado, do fazer o bem ou o mal.

Assim, Barroco (2008b, p. 25-26) expõe que,

quando os homens transformam um dado elemento da natureza, por


exemplo, um pedaço de madeira criando fogo ou um instrumento
de trabalho, passam a instituir alternativas antes inexistentes. Os
instrumentos de trabalho não modificam apenas a atividade humana;
transformam toda a vida dos homens, instituindo novas possibilidades.
No caso do fogo, alteram-se todos os sentidos – pois com o alimento
cozido, por exemplo, o paladar, o tato, o olfato etc. são modificados;
atendem-se a necessidades, pois é possível aquecer-se com o fogo;
criam-se hábitos culturais, desencadeando novos sentimentos e
comportamentos; a natureza já não se apresenta como um mistério; o
homem se vê como sujeito de sua transformação.

Acarretando, assim, para o homem, a possibilidade de realizar suas


escolhas de forma livre e consciente. E estas escolhas podem ser consideradas a
constituição da liberdade humana.

Para Lukács (apud BARROCO 2008b, p. 26),

A liberdade, bem como sua possibilidade, não é algo dado por natureza,
não é um dom do “alto” e nem sequer uma parte integrante – de origem
misteriosa – do ser humano. É o produto da própria atividade humana,
que decerto sempre atinge concretamente alguma coisa diferente
daquilo que se propusera, mas que nas suas consequências dilata –
objetivamente e de modo contínuo – o espaço no qual a liberdade se
torna possível.

Finalizando, podemos observar que a liberdade de escolha dos homens


proporciona autonomia. E esta autonomia denota que o ser humano é um ser livre,
tendo plena consciência em suas escolhas. Portanto, por meio do trabalho, o ser
humano se constitui um homem consciente e livre. E sendo livre, constrói uma
sociedade livre. É esse o desejo de todos.

225
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico vimos:

• Como podemos entender o novo cidadão e o conceito de cidadania na construção


de uma sociedade melhor.

• Como caracterizar o homem operacional, reativo e parentético.

• Como uma nova sociedade necessita de justiça social, de respeito à diversidade


e ao pluralismo.

226
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos entender cidadania?

2 Dê o conceito de cidadania de Dallari.

3 Como podemos entender: cidadania tutelada, assistida e emancipada?

Assista ao vídeo de
resolução da questão 1

227
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