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HISTÓRIA PÚBLICA

EM MOVIMENTO
HISTÓRIA PÚBLICA
EM MOVIMENTO
Juniele Rabêlo de Almeida e Rogério Rosa Rodrigues [org.]

letraevoz
Copyright © 2021 Os autores
Copyright © 2021 Letra e Voz

PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS Roberta Gouveia


DIAGRAMAÇÃO Estúdio Xlack
CAPA Luiz Felipe Nascimento

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

H673
História pública em movimento / Organizadores
Juniele Rabêlo de Almeida, Rogério Rosa Rodrigues. –
São Paulo, SP: Letra e Voz, 2021.
224 p. : 16 x 23 cm
ISBN 978-65-86903-17-1
1. História pública. 2. Historiografia. 3. Patrimônio
cultural – Brasil. I. Almeida, Juniele Rabêlo de. II.
Rodrigues, Rogério Rosa.
CDD 907.2

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

CONSELHO EDITORIAL

Daphne Patai (UMass Amherst), Fernando Luiz Cássio (UFABC),


Frederico Augusto Garcia Fernandes (UEL), Gerardo Necoechea Gracia (INAH),
Márcia Ramos de Oliveira (Udesc), Marilda Aparecida de Menezes (UFCG),
Mônica Rebecca Ferrari Nunes (ESPM), Ricardo Santhiago (Unifesp),
Richard Cándida Smith (UC Berkeley)

Todos os direitos desta edição reservados à

LETRA E VOZ
Rua Dr. João Ferraz, 67
03059-040 — São Paulo ­— SP
www.letraevoz.com.br
fb.com/letraevoz
SUMÁRIO
Apresentação 7
Juniele Rabêlo de Almeida e Rogério Rosa Rodrigues

Existe um mercado de trabalho para o historiador? 17


Bruno Flávio Lontra Fagundes, Daniel Saraiva,
Juliana Muylaert, Lara de Castro e Miriam Hermeto

Quais os desafios da responsabilidade


profissional na pesquisa participativa? 27
Frederico Duarte Bartz, Jean Baptista, Juliane Serres, Letícia Brandt Bauer,
Lívia Monteiro, Maria Fernanda Rollo e Viviane Trindade Borges

A história pública brasileira tem sido eficaz


no combate aos negacionismos? 47
Ana Carolina Barbosa Pereira, Edmilson Alves Maia Junior,
Natália Guerellus, Nashla Dahás, Samuel Silva Rodrigues de Oliveira,
Sônia Meneses e Sonia Wanderley

Quais os limites da história digital em um país marcado


pela exclusão e pela desigualdade social? 61
Anita Lucchesi, Fernando Sossai, Giliard Prado, Luiz Otávio Correa,
Marcella Albaine, Pedro Telles da Silveira,
Rodrigo Bragio Bonaldo e Waldomiro da Silva Junior

Como fazer a história local se tornar pública, e para quem? 89


Andréa Telo da Corte, Joana da Silva Barros, Lívia Morais Garcia Lima,
Maria Silvia Duarte Hadler, Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Michel Kobelinski

Quais são as experiências de um núcleo de história


pública em tempos de pandemia na Amazônia? 103
Daniela Paiva Yabeta de Moraes

Como os movimentos LGBT+ e de mulheres vêm


atuando na luta contra as opressões interseccionadas
e as desigualdades sociais em Rondônia? 113
Lauri Miranda Silva
Em tempos de pandemia, como as/os professoras/es
têm lidado com o ensino da história? 125
Everardo Paiva Andrade, Juniele Rabêlo de Almeida,
Larissa Moreira Viana e Rogério Rosa Rodrigues

Como as/os professoras/es da educação básica narram as suas


experiências no ensino de história durante a pandemia? 139
Anne Caroline Peixer, Antônio Maicon Bezerra, Camilla Ferreira Paulino da
Silva, Geraldyne Souza, Isabela Dias, Jorge Diacópulos e Sued Carvalho

Quais os desafios do trabalho com


narrativas de dor no ensino de história? 185
Carina Martins Costa, Fernanda Kelly do Espírito Santo Silva,
Isadora de Melo Costa, Natália da Silva Oliveira, Paulo César de
Sales Coelho Dias Coelho e Raphael Garcia Pinto de Barros

Posfácio: Quantas perguntas mais? 199


Ricardo Santhiago

Laboratórios, núcleos e projetos de pesquisa envolvidos 203

Autores/as 217
APRESENTAÇÃO
Juniele Rabêlo de Almeida e Rogério Rosa Rodrigues

A obra História pública em movimento é um espaço para celebra-


ção dos dez anos das ações e debates promovidos por pesquisadores/
as, profissionais e professores/as (do ensino superior e básico, em sua
maioria público, de diferentes regiões do país) participantes da Rede
Brasileira de História Pública. O livro comemora o aniversário do 1º Cur-
so de introdução à história pública, ocorrido na Universidade de São
Paulo em fevereiro de 2011, bem como o lançamento, no mesmo ano,
da primeira obra sobre história pública editada na América Latina, In-
trodução à história pública, da editora Letra e Voz.

O livro foi construído a partir de respostas coletivas para dez per-


guntas catalisadoras – questões referentes às discussões, experiências
e experimentações sobre os usos do passado e sobre as dimensões pú-
blicas da história socialmente viva.

Diferentes públicos são convidados a participar desse movimen-


to pela “história pública que queremos”, assumindo a diversidade das
abordagens. O surgimento da história pública remonta a década de
1970 – a partir de demandas por mercado de trabalho para historiado-
res nos Estados Unidos –, mas ela foi consolidada internacionalmen-
te para além da suposta instrumentalização da história, por meio do
compromisso com a produção, circulação e difusão do conhecimento
histórico. No Brasil, pesquisadores de diferentes instituições se uniram
na Universidade de São Paulo para realização do Curso de Introdução
à História Pública, em 2011, e para o 1º Simpósio Internacional de His-

7 • História pública em movimento


tória Pública, em 2012, preocupados com a agenda pública e espaços
de compartilhamento do como fazer, pensar e sentir a história. A força
desses eventos gerou, nesse mesmo ano de 2012, a criação da Rede
Brasileira de História Pública (RBHP) em Belo Horizonte. As atividades
e Simpósios Internacionais da RBHP (bianuais) já percorreram o Brasil:
Universidade de São Paulo, Universidade Federal Fluminense, Univer-
sidade Regional do Cariri, Universidade Federal de Minas Gerais, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de São
Paulo. Reverberaram na criação do Mestrado em História Pública da
Universidade Estadual do Paraná e do Bacharelado em História Públi-
ca na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – para além de linhas
de pesquisa em diversos programas de pós-graduação e inúmeros nú-
cleos, laboratórios, grupos e projetos de história pública por todo Brasil.

As obras coletivas expressam a intensidade e a variedade das pro-


duções de história pública no país nos últimos dez anos. Destacamos
aqui as coletâneas publicadas pela editora Letra e Voz – incentivadora
das produções da RBHP: Introdução à história pública (2011); História
pública no Brasil: sentidos e itinerários; (2016); História pública em de-
bate: patrimônio, educação e mediações do passado (2018); Que histó-
ria pública queremos? (2018); História pública e divulgação de história
(2019); História pública e ensino de história (2021); e História pública e
história do tempo presente (2021). Bem como as demais obras coleti-
vas, atentas às discussões sobre história pública, publicadas por diver-
sas editoras: Tempo presente e usos do passado (FGV, 2012); História:
que ensino é esse? (Papirus, 2013); Ensino de história: usos do passado,
memória e mídia (FGV, 2014); Intelectuais mediadores: práticas cultu-
rais e ação política (Civilização Brasileira, 2016); A história (in)disciplina-
da (Milfontes, 2019); e Fazendo história pública (Milfontes, 2021).

Os dossiês sobre “história pública” em revistas acadêmicas, vin-


culadas a várias universidades brasileiras, também marcaram o movi-
mento dos debates sobre as dimensões pública da história no Brasil:
Resgate (n. 28, 2014); História Hoje (n. 15, 2019); Tempo e Argumento (n.
18, 2016); Transversos: Revista de História (n. 7, 2016); Observatório (n.
2, 2017); Revista NUPEM (n. 23, 2019); Canoa do Tempo (n. 12, 2020); e
Estudos Ibero-Americanos (n. 48. 2021).

A partir do movimento de ideias e práticas expressos nessas publi-


cações e, fundamentalmente, considerando as comemorações dos dez

8 • Apresentação
anos do primeiro “Curso de história pública” – os debates aqui apresen-
tados ocorreram em formato online, entre os dias 22 e 26 de fevereiro
de 2021, nos grupos de trabalhos do 2º Curso de Introdução à História
Pública (marcado por diversas atividades simultâneas: aulas, oficinas,
mesas, grupos de discussão e lançamentos de livros). Tais discussões
proporcionaram o início da escrita coletiva/colaborativa das respostas
que se seguem. Os encontros online, em função do isolamento imposto
pela crise sanitária atual (pandemia de Covid-19), foi o formato possível
para reunião de interessados de todo o país. A diversidade teórico-me-
todológica e temática, que caracteriza a história pública no Brasil, se faz
presente na pluralidade das respostas em uma interlocução horizontal.

As dez perguntas catalisaram reflexões sobre os sentidos públicos


para uma história inclusiva comprometida com os debates sobre: de-
sigualdades sociais; negacionismos e preconceitos; desafios profissio-
nais do historiador; história local; história digital; situação da Amazônia
na pandemia; movimento LGBTQIA+; interseccionalidade; narrativas
de dor; ensino básico de história em tempos de Covid-19 e desgoverno.

O primeiro capítulo, intitulado “Existe um mercado de trabalho


para o historiador?”, foi redigido por Bruno Flávio Lontra Fagundes,
Daniel Lopes Saraiva, Juliana Muylaert Mager, Lara de Castro e Miriam
Hermeto. Os autores/as consideram as diversas possibilidades de atua-
ção do historiador previstas na Lei n. 14.038/2020 que regulamenta a
profissão de historiador e, fundamentalmente, afirmam a história pú-
blica enquanto uma plataforma para pensar a História em diferentes
espaços de atuação, trazendo a dimensão ética para o centro do de-
bate. Destacam o caráter público e compartilhado do conhecimento
histórico, desempenhando um papel relevante de provocar historiado-
res e historiadoras a refletirem sobre a sua prática e as implicações do
seu ofício na sociedade. O texto provoca discussões sobre que tipo de
atuação profissional assumimos como projeto, deixando em aberto:
que historiadores (públicos) desejamos? E que mercados almejamos?

Em seguida, a pergunta “Quais os desafios da responsabilidade


profissional na pesquisa participativa?” é respondida por Frederico
Duarte Bartz, Jean Baptista, Juliane Serres, Letícia Brandt Bauer, Lívia
Monteiro, Maria Fernanda Rollo e Viviane Trindade Borges. O mote dos/
as autores/as é a noção de shared authority, “autoridade compartilha-
da” de Michel Frisch, uma referência usada há mais de 30 anos para

9 • História pública em movimento


discutir o processo de produção do conhecimento histórico no qual o
historiador e as pessoas sem formação em história, atuariam em con-
junto – em uma construção participativa, e não um gesto benevolente
do historiador. As dinâmicas e desafios dessa construção coletiva en-
volvem uma série de imprevistos, mas também podem enriquecer os
projetos. Nesse sentido o capítulo aborda alguns desafios: diálogo e
escuta sensível para repensar metodologias; ampliação do espaço de
participação dos sujeitos envolvidos (de forma mais espontânea – des-
de a criação do projeto de pesquisa até o seu desenrolar); percepção da
pesquisa não apenas enquanto uma opção acadêmica, mas também
uma opção comunitária; participação cidadã na pesquisa para atender
as comunidades e sujeitos integrantes do processo participativo.

No terceiro capítulo, os/as autores/as Ana Carolina Barbosa Pereira,


Edmilson Alves Maia Junior, Natália Guerellus, Nashla Dahás, Samuel
Silva Rodrigues de Oliveira, Sônia Meneses e Sonia Wanderley dialo-
gam a partir da seguinte questão: “A história pública brasileira tem sido
eficaz no combate aos negacionismos?”. Buscam apresentar alguns
projetos na interface da história pública e combate aos negacionismos,
destacando suas potencialidades e limites. O texto aposta na educação
crítica a longo prazo, a partir dos incansáveis trabalhos de história públi-
ca, para uma maior eficiência nos combates aos negacionismos – com
todo cuidado para não transformar o discurso da história pública em
um discurso autoritário; para não assumir a ideia de que apenas uma
verdade existe, e que só o historiador tem acesso a ela. Para os autores
o diálogo é uma categoria importante, pois as violências são antidialó-
gicas, fundamentadas na negação das diferenças. Os debates nortea-
dores do texto perpassam: a profusão de negacionismos e fake news; a
manutenção e a emergência de antigos e novos negacionismos e a sua
interface com o nosso repertório de resistência em redes sociais online;
a disseminação de negacionismos amparados por políticas de gover-
no anticientíficas; a instrumentalização política do passado e a repro-
dução acelerada de canais, sites, perfis e outras mídias que evocam
um passado idealizado, falseado e manipulado – desafios para o ensino
básico em escolas públicas, tendo em vista a ampla desigualdade so-
cial e exclusão digital; os negacionismos que colocam em suspenso a
prática historiográfica, o ofício e as evidências da história; a produção e
a escrita da história formulada em espaços diferentes e apartados das
oficinas de historiadoras e historiadores; a instrumentalização do pas-

10 • Apresentação
sado e a disseminação de versões distorcidas e manipuladas; a relação
entre história pública e profissionalização, principalmente no cenário
de regulamentação da profissão.

“Quais os limites da história digital em um país marcado pela ex-


clusão e pela desigualdade social?” é a pergunta geradora do quarto
capítulo, que traz respostas variadas dos/as pesquisadores/as: Anita
Lucchesi, Fernando Sossai, Giliard Prado, Luiz Otávio Correa, Marcella
Albaine, Pedro Telles da Silveira, Rodrigo Bragio Bonaldo e Waldomiro
da Silva Junior. Os textos autorais problematizam a atuação da história
digital, pautada por uma linguagem democrática, que vincula o aces-
so à informação com a universalização do conhecimento e a formação
do senso crítico sobre o passado, discutindo: acesso e exclusividade;
história digital e o engodo do “elogio heroico da precariedade”; falta de
investimento em infraestrutura de acesso à internet; reivindicação de
centros comunitários com investimento em educação; “regulamenta-
ção da imprensa e criação de um arcabouço legal para a atuação das
redes sociais”. Os textos assumem a necessidade de políticas públicas
de acesso à internet, afirmando a inclusão digital para além do acesso
à internet: destacando a importância do letramento digital e da apro-
priação crítica das tecnologias. Perversidades neoliberais minam, mui-
tas vezes, as potencialidades de uma web participativa, com interação
e colaboração dos usuários na produção de conteúdo. São enfatizados
os dilemas dos discursos negacionistas e as manipulações da verdade
histórica nas redes sociais; bem como a necessidade de formação para
o uso das tecnologias digitais não apenas no ensino formal, mas tam-
bém para um público mais amplo.

Na sequência, o capítulo “Como fazer a história local se tornar pú-


blica, e para quem?” traz as reflexões de Andréa Telo da Corte, Joana
da Silva Barros, Lívia Morais Garcia Lima, Maria Silvia Duarte Hadler,
Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Michel Kobelinski. O texto percorre
exemplos trazidos de pesquisas com comunidades locais, problemati-
zando a possibilidade de uma história pública, não como uma dimen-
são reduzida a uma circunscrição geográfica específica, homogênea
ou essencialista. É considerada, principalmente, a mediação com os
movimentos e grupos locais a partir das diversidades, dos conflitos e
das ausências. A dimensão pública das memórias locais (em diálogo
com os aspectos nacionais e globais) se realiza não apenas na publici-

11 • História pública em movimento


zação de acervos museais, nos arquivos, nos livros ou no conjunto de
narrativas orais, mas também na sua própria construção por um públi-
co plural, ativo e participativo com quem se compartilha a autoridade
e, muitas vezes, a autoria. Para transformar a história local em história
pública, os/as autores/as destacam: as demandas de públicos diversos
(levando em conta que os públicos são plurais e ativos); as característi-
cas próprias da comunidade com a qual trabalhamos juntos, uma vez
que ela também seleciona seus saberes no processo de produção de
um conhecimento negociado e mediado por disputas; as disputas e
hierarquizações nas comunidades locais impactam em nosso trabalho;
a nossa mediação com as comunidades locais não se resume à divul-
gação de suas histórias a um público mais amplo, mas passa por escu-
tas sensíveis e pela responsabilização por suas histórias e os impactos
públicos de nossas escolhas.

No sexto capítulo, Daniela Paiva Yabeta de Moraes a partir de inú-


meras parcerias busca discutir a seguinte questão: “Quais são as expe-
riências de um núcleo de história pública em tempos de pandemia na
Amazônia?”. Tendo como eixo de reflexão a apresentação do Núcleo
de História Pública da Amazônia (Nuhpam, UNIR – Porto Velho/RO)
são discutidos os projetos que perpassam as linhas: cultura, memória
e identidade; sujeitos, saberes e linguagens. O texto problematiza os
desafios e as perspectivas da história pública no estado de Rondônia
– em meio a pandemia de Covid-19 e ao conservadorismo político. Sua
interlocução com Cátia Sanfelice de Paula permitiu iniciar um circui-
to de atividades que permitiu a institucionalização do projeto de ex-
tensão “Amazônia em Quarentena”, bem como o aprofundamento do
projeto “Atlas Quilombola” idealizado antes da pandemia. Este projeto
tem como objetivo atualizar a lista das comunidades remanescentes
de quilombo certificadas pela Fundação Cultural Palmares e disponibi-
lizar verbetes sobre elas através do Atlas do Observatório Quilombola.
Em seguida, Lauri Miranda Silva responde à pergunta: “Como os movi-
mentos LGBT+ e de mulheres vêm atuando na luta contra as opressões
interseccionadas e as desigualdades sociais em Rondônia?”. A autora
contribui para o debate historiográfico em torno das relações de gê-
nero e diversidade sexual na história, ampliando o debate a partir dos
estudos sobre os movimentos de mulheres e/ou feministas e os movi-
mentos LGBT+, por perceber que eles têm um inimigo em comum e
que se apoiam mutuamente contra o sistema de dominação que dis-

12 • Apresentação
crimina, exclui e oprime, através de diversas formas de violências que
corroboram para as desigualdades sociais no estado. O objetivo é fazer
um documentário como forma de divulgar e salvaguardar o trabalho
e a história de vida das/dos militantes, pensando em uma história oral
e história pública construtiva, que viabilizem um retorno social para
ambos os movimentos sociais.

Os últimos capítulos apresentam a interface história pública e


educação a partir das experiências de professores da rede básica de
ensino. O capítulo 8, intitulado “Em tempos de pandemia, como as/
os professoras/es têm lidado com o ensino da história?”, foi redigido
coletivamente por Everardo Paiva Andrade, Juniele Rabêlo de Almei-
da, Larissa Moreira Viana e Rogério Rosa Rodrigues a partir das nar-
rativas dos professores do ensino básico (presentes no capítulo que
se segue). As principais questões discutidas atravessam os seguintes
desafios do isolamento social da Covid-19 para o ensino de história: o
acesso remoto não é universal, tampouco democrático; alguns jovens
estudantes tiveram que preencher o tempo regular de estudo com
busca de trabalho remunerado, formal ou informal, para auxiliar na
renda básica familiar; a exclusão agravada pelas atividades remotas
não deve ser vista como própria da pandemia, ela advém de uma po-
lítica de precarização da educação pública e de qualidade no Brasil e
possui um viés de classe, de raça e de gênero; as atividades remotas
sobrecarregaram os professores e professoras; professores e profes-
soras têm sofrido cotidianamente com uma campanha desqualifi-
cadora que insiste em insinuar, ou mesmo dizer abertamente, que
estão sem trabalhar; os corpos dos professores e professoras não são
imunes ao vírus. É preciso unir forças para garantir que o retorno às
atividades presenciais ocorra apenas após a vacinação dos profissio-
nais da educação; a percepção de que o que hoje se apresenta como
paliativo – o ensino remoto – seja uma espécie de laboratório para a
virtualização definitiva da educação básica no país.

O penúltimo capítulo “Como as/os professoras/es da educação


básica narram as suas experiências no ensino de história durante a pan-
demia?”, apresenta os textos autorais de Anne Caroline Peixer; Antônio
Maicon Bezerra; Camilla Ferreira Paulino da Silva; Geraldyne Souza; Isa-
bela Dias, Jorge Diacópulos e Sued Carvalho. As reflexões apresentadas
representam o diálogo aberto, em um encontro virtual que trouxe as

13 • História pública em movimento


preocupações das/os professoras/es das redes públicas de ensino loca-
lizadas em diversas regiões do país. A partir de itinerários variados, as
experiências trazem diferentes trajetórias docentes – a situação socioe-
conômica e o desejo de educar construíram/influenciaram o “tornar-se
professor/a”. As falas apresentaram múltiplas formas de lidar com os
desafios e as perspectivas da realidade escolar pandêmica, afirmando
a importância de redes de apoio para resistir e (re)existir – em coletivos,
sindicatos, grupos de discussão entre outros. São educadoras/es que
valorizam a educação pública e são comprometidos com a formação
de cidadãos. Em decorrência, para além dos dilemas e penúrias atuais,
as narrativas expressaram o desejo da melhoria da qualidade da edu-
cação básica pública.

Finalmente, o décimo capítulo, “Quais os desafios do trabalho


com narrativas de dor no ensino de história?”, traz os debates construí-
dos por Carina Martins Costa, Fernanda Kelly do Espírito Santo Silva,
Isadora de Melo Costa, Natália da Silva Oliveira, Paulo César de Sales
Coelho Dias Coelho e Raphael Garcia Pinto de Barros. O texto coletivo
propôs um percurso político e visual que contemplasse a memória
da personagem histórica Marielle Francisco da Silva levando em con-
sideração suas ações políticas e pautas durante o curto mandato na
Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Tudo isso articulado com a
experiência de formação em história a partir do Estágio Supervisiona-
do realizado na UERJ. Além de escrever e produzir material pedagó-
gico em suportes diversos para embasar o roteiro construído, foram
criados livretos, cartilhas, redes sociais, jogos e fichas didáticas que
contemplaram aspectos da formação sociopolítica de Marielle, mas
que também dessem incluísse o luto e a luta dos que sobrevivem aos
ataques constantes aos corpos negros e de periferia da cidade do Rio
de Janeiro. São olhares individuais que se cruzaram e formaram uma
tessitura que produziu o roteiro pedagógico a partir de memórias de
dor, experiências e saberes diversos.

Todas as reflexões presentes neste livro foram construídas a partir


da articulação das experiências dos autores e autoras com alguma di-
mensão da história pública realizada por si e/ou pelo coletivo ao qual
fazem parte. Elas denunciam a incorporação desse viés histórico nas
atividades realizadas por historiadores e historiadoras nos últimos anos
e compõem um conjunto de experiências que demonstram seu en-

14 • Apresentação
raizamento em diversas regiões do país. Ao observarmos as atividades
realizadas por laboratórios, núcleos e projetos mobilizados nas ativida-
des aqui citadas (ver listagem apresentada ao final do livro), nos damos
conta da potência da história pública no Brasil e como ela têm abriga-
do projetos de grande apelo social e político e fomentado a criação de
tantos outros. O que tem sido feito sempre em busca de articulações
teóricas e metodológicas que dão suporte ao saber executado.

Se há dez anos pouco se falava em história pública no Brasil, hoje


encontramos a comunidade de historiadores e historiadoras identifi-
cados com a proposta e, mais que isso, alargando e complexificando
as possibilidades de trabalho não apenas dentro do campo da história,
como no interior mesmo da história pública. Nesse percurso a preo-
cupação com uma história mais democrática, inclusiva e participativa
tem sido a tônica e o diferencial dos trabalhos realizados. É o que se
constata nas atividades e reflexões apresentadas nos capítulos que se-
guem. Desejamos boa leitura!

REFERÊNCIAS
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cação e mediações do passado. São Paulo: Letra e Voz, 2018.
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Letra e Voz, 2012.
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e difusão do conhecimento histórico. Vitória: Milfontes, 2019.
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Letra e Voz, 2021.
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ria. São Paulo: Letra & Voz, 2019.
Ferreira, R. A.; Hermeto, M. (org.). História pública e ensino de história. São
Paulo: Letra e Voz, 2021.
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política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
Magalhães, M. S.; Rocha, H. A. B.; Ribeiro, J. F.; Ciambarella, A. (org.). Ensino de
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2014.
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tidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
Santhiago, R.; Mauad, A. M.; Borges, V. T. (org.). Que história pública queremos?
São Paulo: Letra e Voz, 2018.

15 • História pública em movimento


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2021.
Silva, M. (org.). História: que ensino é esse? Campinas, SP: Papirus, 2013.
Varella, F.; Mollo, H. M.; Pereira, M. H. F.; Mata, S. (org.). Tempo presente e usos
do passado. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
Dossiês de História Pública
Almeida, J. R. A.; Costa, A. V.; Rocca, L. “História pública na América Latina:
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-Americanos, Porto Alegre, v. 47, n. 2, 2021.
Biazo, G. C. F.; Rovai, M. G. O. “História oral e pública: escutas sensíveis em tem-
pos desafiadores”. Canoa do Tempo, Manaus, v. 12, n. 1, 2020.
Borges, V. T.; Rojas, C. M. “História Pública”. Tempo e Argumento, Florianópolis,
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Ferreira, R. A.; Hermeto, M. “Ensino de História e História Pública”. História Hoje,
São Paulo, v. 8, n. 15, 2019.
Kobelinski, M.; Mello, R. M. “História Pública”. Revista NUPEM, Campo Mourão/
PR, v. 11, n. 23, 2019.
Rovai, M. G. O.; Soares, F. “Por uma história pública: comunicação e ensino”. Ob-
servatório, Palmas, v. 3, n. 2, 2017.
Santhiago, R. “História Pública”. Resgate, Campinas/SP, v. XXII, n. 28, 2014.
Wanderley, S.; Affonso, C. “História pública: escritas contemporâneas de histó-
ria”. Transversos: Revista de História, Rio de Janeiro, v. 7, n. 7, 2016.

16 • Apresentação
EXISTE UM MERCADO
DE TRABALHO PARA
O HISTORIADOR?
Bruno Flávio Lontra Fagundes, Daniel Saraiva,
Juliana Muylaert, Lara de Castro e Miriam Hermeto

No dia 18 de agosto de 2020, foi publicada, no Diário Oficial da


União, a Lei n. 14.038/2020, que “dispõe sobre a regulamentação da pro-
fissão de Historiador e dá outras providências”. As práticas previstas na
lei que caracterizam a “profissão”, entretanto, são pré-existentes, não
foram inauguradas por essa legislação. A aprovação da legislação, cabe
ressaltar, consistiu em vitória alcançada após longo percurso, datado
desde os anos 1960, que envolveu diferentes coletivos, como Federação
do Movimento Estudantil de História (Femeh), União Nacional dos Es-
tudantes (UNE) e Associação Nacional de História (Anpuh).

Arquivado por intervenção do regime militar, o primeiro projeto


de lei que propunha a regulamentação da profissão foi submetido por
articulação da Federação Brasileira de Centros de Estudos Históricos
(FBCEH), ligada à UNE, em 1968. Somente nos anos 1980 a discussão foi
retomada no Parlamento brasileiro, por iniciativa da Femeh. Entre essa
década e o ano de 2009, quando o último projeto começou a tramitar
no Congresso Nacional, foram oito as iniciativas organizadas em forma
de proposição legislativa.

17 • História pública em movimento


O último projeto foi de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), con-
tando com intensas e constantes mobilizações de várias diretorias da
Anpuh junto a diferentes legislaturas do Legislativo Federal, bem como
da categoria profissional, em debates e campanhas. A aprovação da
Lei n. 14.038/2020, uma conquista para a nossa categoria profissional,
ocorreu quando uma luta de décadas parecia ter sido inútil, visto que o
atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, aplicou veto to-
tal ao Projeto de Lei em 2019. Após intensa articulação de historiadores
e historiadoras, diretoria da Anpuh, deputados e senadores, ocorreu a
derrubada do veto presidencial. Foi um alento em um cenário de fortes
ataques às humanidades, sucateamento da educação pública e cer-
ceamento da liberdade de ensinar sobre o passado.

O Estado reconhece-nos agora como profissionais de fato e direito,


na condição de especialistas que lidam com a produção do conheci-
mento histórico. Além disto, a lei pode gerar uma ampliação do mer-
cado de trabalho para historiadores e historiadoras, algo que deve ser
destacado no contexto atual, de amplo ataque aos direitos de trabalha-
doras e trabalhadores – precarização que também alcança os profissio-
nais da História, seja do magistério ou de outras áreas.

Segundo o texto aprovado:

Poderá ser historiador quem tem diploma de curso superior,


mestrado ou doutorado em história; diploma de mestrado ou
doutorado obtido em programa de pós-graduação reconheci-
do pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) com linha de pesquisa dedicada à história; e
profissionais diplomados em outras áreas que comprovarem ter
exercido a profissão por mais de cinco anos.

Se, por um lado, a Lei n. 14.038/2020 amplia nossos “horizontes de


expectativa”, por outro, reacende polêmicas internas do campo – que
permearam todo o processo de tramitação – e um debate sobre as áreas
de atuação dos profissionais da História. Uma das principais questões
deste debate é a que foi apresentada para este Grupo de Discussão te-
mático, durante o 2º Curso de Introdução à História Pública: Existe um
mercado de trabalho para o historiador? Podemos ensaiar respostas
apontando dois caminhos possíveis, partindo de posições inicialmente
opostas, mas que nos permitirão avançar no debate.

18 • Mercado de trabalho
A primeira resposta seria “sim, existe um mercado de trabalho para
o historiador”. Em texto publicado no livro “Que história pública quere-
mos?”, Benito Schmidt lembra que “historiadores e historiadoras en-
contraram nichos para construir suas carreiras, embora o destino da
maioria dos egressos dos cursos de História tenha sido o magistério ou,
no mínimo, o ensino combinado com a pesquisa, no caso das universi-
dades” (2018, p. 18).

A educação, portanto, pode ser pensada como parte fundamental


do mercado da História, não apenas no que se refere ao exercício da
docência, mas às várias outras práticas e produtos que lhe dão suporte:
concepção e confecção de produtos de suporte pedagógico; projetos
de formação continuada de professores; ações de turismo pedagógico
e cultural; assessoria técnica para propostas curriculares de História nas
redes pública e privada de ensino; entre outras.

Para além do magistério e de seu entorno, é grande o número de


profissionais que atuam em arquivos, museus, instituições culturais,
empresas, entre outros espaços, e, de forma cada vez mais crescente,
nas mídias sociais – como se pode notar pela criação de blogs, canais
do YouTube, podcasts, entre outros. Se as gerações formadas nos anos
1980 e 90 tiveram na história cultural uma inspiração para empregar-
-se em História fora da universidade, no século XXI, a presença cada vez
maior das mídias digitais no cotidiano tem promovido novas mudan-
ças nas formas de atuação de historiadoras e historiadores.

Mas essa presença de historiadores em espaços não acadêmicos


não é nova, nem se restringe a mídias digitais e novas tecnologias, como
atesta a trajetória de vários profissionais em diferentes áreas como a di-
vulgação histórica, envolvendo produção e edição de textos históricos
em diferentes suportes e linguagens; a atuação na área de patrimônio
cultural, em pesquisas e produção de dossiês junto às comunidades e
ao poder público; em organização e manutenção de arquivos e institui-
ções de memória e patrimônio (públicos e privados); e os diversos usos
da pesquisa documental para realização de obras audiovisuais (para
rádio e TV, antes mesmo do advento da internet), exposições e eventos
culturais diversos.

Ou seja: enquanto práticas de participação de historiadores em es-


paços além da academia, a história pública é bem antiga e compõe

19 • História pública em movimento


uma dimensão importante do que se pode considerar, hoje, um mer-
cado de trabalho já existente para historiadores e historiadoras.

Mas, se não é de hoje que historiadores se enveredam por traba-


lhos que atravessam os muros das instituições de ensino, como boa
parte destes projetos não são empregos estáveis, tratando-se em mui-
tos casos de atuação por projetos sem vínculo empregatício, os pro-
fissionais da área muitas vezes acabam optando por alternativas mais
seguras. Além disto, fora dos grandes centros (urbanos ou de produção
de conhecimento), o trabalho do historiador encontra muitos limites
em relação às possibilidades de mercado.

Nesse sentido, podemos tomar um outro trajeto para responder


nossa pergunta inicial, defendendo que “não, não existe um mercado
de trabalho para o historiador”. Ao menos no sentido de que não existe
um mercado de trabalho pronto a esperar nossa entrada, a partir da
regulamentação da profissão.

É preciso considerar, nesse caso, as condições de fragilidade de


muitos dos empregos ocupados por historiadores nas instituições de
memória e patrimônio, anteriormente mencionadas, ou mesmo a crise
desses espaços de guarda de acervos e promoção de atividades culturais
ao longo da história do país, particularmente nos últimos anos, valendo
citar o incêndio do Museu Nacional e a crise da Cinemateca Brasileira.

Também não podemos deixar de mencionar as dificuldades de


atuação empreendedora/autônoma via mídias sociais e suas platafor-
mas, em um mercado altamente flexibilizado e desregulamentado.
Esta parece-nos uma situação bastante delicada, que tange à reflexão
sobre a natureza do emprego num mundo neoliberal. Pedro Telles con-
tribui para esta análise, ao indagar: qual a “validade de uma concepção
de história pública definida a partir ‘de dentro’ [da academia], a partir
dos limites da historiografia disciplinar e dos profissionais já estabele-
cidos, para alunos e alunas que, [em tese] cada vez mais, atuarão ‘para
fora’ da academia?” (Telles, 2020, p. 23). O autor, de maneira acertada,
acusa certo conteúdo trágico no problema do emprego de historiado-
res “fora da academia”, visto que essa dicotomia – dentro e fora – per-
tence a um mundo que ‘já não é mais’.

Ademais, importa refletirmos um pouco mais detidamente sobre


uma outra oposição que, como já apontamos, parece não fazer sentido:

20 • Mercado de trabalho
as relações entre docência e pesquisa, licenciatura e bacharelado nos
cursos de formação e na atuação profissional de seus egressos. Pensar
em mercado profissional para historiadores implica operar com divi-
sões clássicas como licenciatura/bacharelado, professor versus pesqui-
sador? O mercado de trabalho exclui as competências e/ou produtos
próprios da docência? De fato, não existem possibilidades de amplia-
ção do mercado de trabalho para o historiador, se prevalecer a concep-
ção da História circunscrita a um saber cuja validação é a de formar
para a docência e o ensino.

Experiências profissionais contemporâneas apontam, contudo,


para uma resposta negativa a estas questões. No mercado editorial, no
segmento da produção didática, por exemplo, egressos dos cursos de
graduação e pós-graduação em História têm atuado não apenas como
autores de materiais didáticos e paradidáticos (em diferentes lingua-
gens), mas também como pesquisadores: pesquisa documental em
acervos; seleção de iconografia (destaca-se esse tipo documental, por
ser dos mais comuns no campo); leitura crítica; elaboração de ativida-
des pedagógicas; cursos de formação docente; elaboração de matrizes
de conteúdo a partir de currículos oficiais; entre outros. Exercem tam-
bém outras atividades profissionais fora das instituições escolares, mas
voltadas para este público, tais como elaboração e execução de roteiros
de turismo pedagógico e de programas de educação patrimonial (em
instituições de memória e patrimônio ou em grupos da sociedade civil).

Além disto, cabe destacar que nos últimos anos os programas de


pós-graduação na área se expandiram e se descentralizaram do eixo
Sul/Sudeste, o que possibilitou maior variedade de pesquisa e o acesso
de estudantes de outras regiões que, de outra forma, não poderiam
trilhar o caminho da pós-graduação. Se, por um lado, esse aumento
traz uma riqueza de pesquisas para a área e possibilita uma variedade
maior de trabalhos com temáticas distintas que versam, muitas vezes,
sobre grupos e regiões anteriormente pouco pesquisados, por outro
lado, temos cada vez mais pesquisadores desempregados. As univer-
sidades que tradicionalmente absorviam esses pesquisadores enfren-
tam escassez de concursos, situação bem diferente do momento da
expansão universitária pouco mais de uma década atrás. Pedro Telles
destaca: “Que fazer se a obtenção da formação universitária não ga-
rante nem estabilidade financeira nem o prestígio social que antes ela

21 • História pública em movimento


possibilitava? Que farão graduadas e graduados dos cursos de História
que terão conhecimento, mas não emprego?” (2020, p. 21). É a pergun-
ta que a geração atual de historiadores tem feito a si mesma.

Linda Shopes (2016, p. 72), ao narrar o início da história pública nos


Estados Unidos, destaca que “ela está enraizada na crise de empregos
acadêmicos para historiadores nos anos de 1970; no desejo, por par-
te dos historiadores que trabalhavam fora da academia, de uma iden-
tidade profissional de historiador reconhecida” e, ainda, na tentativa
de trazer a consciência histórica para um papel efetivo na sociedade
americana. Shopes (2016, p. 78) ressalta que a história pública investiu
intensamente em temas da história social, e membros dos grupos não
dominantes passaram progressivamente a exigir que suas histórias co-
meçassem a ser abordadas nas narrativas do passado. Outro marco foi
o aumento das audiências, a diversificação dos postos de trabalho do
historiador público e, consequentemente, os debates em torno das vá-
rias maneiras pelas quais as pessoas dão significado ao passado.

Como pode ser observado, um dos motivos para a emergência da


história pública nos Estados Unidos é o desemprego entre os historia-
dores. No Brasil, nesse momento passamos por situação parecida. Nú-
mero significativo de mestres e doutores é colocado em disputa no
mercado de trabalho todos os anos. Isso, sem que haja, de fato, um
mercado de trabalho para esses profissionais. Embora nos grandes
centros haja possibilidades pontuais de conseguir um emprego com a
titulação de historiador, ou de doutor em História, essas possibilidades
são cada vez mais raras, na medida em que rumamos para o interior
do país. Pesquisadores com seus títulos são, por uma questão de so-
brevivência, obrigados a buscar empregos em outras áreas para que
possam continuar realizando pesquisas ou outros trabalhos na área. É
comum que professores da rede básica de ensino exerçam outras ati-
vidades, fora da área, para complementar a renda. É preciso considerar,
ainda, o fato razoavelmente sabido de que no Brasil empregadores, ao
oferecer oportunidades para historiadores, muitas vezes pautam o tra-
balho a ser feito, interferindo na seleção daquilo que precisa ser “lem-
brado” e o que é para ser “esquecido”.

Em texto anterior à aprovação da Lei n. 14.038/2020, Rodrigo Patto Sá


Motta destacava as possíveis vantagens da aprovação do projeto, quando
o debate acalorado entre os historiadores ficava entre ser favorável ou

22 • Mercado de trabalho
contra a profissionalização. Motta destacava que um dos aspectos que
fizeram com que ele fosse apoiador da causa: “Nas tradições do Esta-
do brasileiro, a ausência de lei regulamentadora implica desvantagens
profissionais significativas. Os órgãos públicos como Tribunais, Casas
Legislativas, Arquivos, Bibliotecas, Museus etc. só podem fazer concurso
para historiador se houver a regulamentação” (Motta, 2015). Na ausência
da lei, as vagas deixavam de ser abertas, evidenciando que havia um
mercado em potencial caso houvesse a aprovação.

A regulamentação, assim, não encerra o debate sobre o mercado


de trabalho, oferecendo soluções prontas, mas, por outro lado, abre
novas rotas para a criação de espaços de atuação para historiadores.
Nesse sentido, para terminar esse pequeno exercício de reflexão, pro-
pomos deslocar a pergunta, se “existe um mercado para o historiador”,
para outra direção: que mercado de trabalho precisamos inventar e
disputar, para que a recém aprovada Lei n. 14.038/2020 cumpra seu pa-
pel? Esse esforço exige um exercício de imaginação que desloca o lu-
gar que o texto escrito e o ensino escolar desempenharam na trajetória
da História como disciplina para projetar outros espaços, sem deixar de
envolver de diferentes formas ensino e pesquisa.

Assim, podemos terminar fazendo novas perguntas, como: que


mudanças precisam acontecer na formação dos historiadores, nos cur-
sos de História, para que eles possam se tornar agentes na construção
desse mercado? Não de forma passiva, impondo aos cursos de gradua-
ção e pós-graduação soluções (supostamente) capazes de preparar his-
toriadores para os desafios do mercado, mas efetivamente permitindo
que sejam capazes não apenas de operar as novas mídias digitais, mas
de discutir criticamente o papel do historiador no século XXI. Pensar de
que forma essa aprovação trará uma necessidade de mudanças nos
currículos das graduações, uma vez que a expansão das oportunidades
de trabalho trará também outras necessidades de aprendizagem na
graduação, fundamentalmente no bacharelado.

Assim, é importante, como parte do debate sobre o mercado de


trabalhos para historiadores e historiadoras, repensar algumas dicoto-
mias que separam não só pesquisa e ensino, mas historiador acadêmi-
co e historiador público – divisões que estão na própria constituição da
disciplina História e seu papel na educação das populações para a vida
em democracias liberais, após as revoluções burguesas nacionais do

23 • História pública em movimento


século XVIII. E repensar estas (falsas) oposições em profundidade signi-
ficará reestruturar os cursos de graduação e pós-graduação, em busca
de formar profissionais com competências teóricas, metodológicas e
técnicas que os tornem capazes de transitar mais livremente pelas di-
ferentes possibilidades da seara historiadora.

Mas o problema da empregabilidade na área da História não deve


ser debatido apenas na academia, lugar de formação profissional. Há
possibilidades para historiadores recém-formados? É possível construir
espaços no mercado de trabalho que absorvam os historiadores? A
nova lei possibilita, de fato, maior inserção dos historiadores em postos
de trabalho? Vivemos, certamente, um momento de muito mais dúvi-
das do que respostas.

Sem pretensões de oferecer respostas a essas questões, gostaría-


mos de terminar o texto apontando alguns pontos cruciais para o de-
bate sobre mercado de trabalho para o historiador no Brasil, tangen-
ciando a formação, a regulamentação e o papel da história pública. A
regulamentação oferece caminhos, mas também desafios que envol-
vem o lugar da ética nas pesquisas históricas, bem como o papel das
associações profissionais. Como parte do processo de implementação
da legislação e, também enquanto problema amplo para a atuação
profissional em diferentes áreas, torna-se fundamental discutir a for-
mação dos historiadores e historiadoras, bem como estabelecer diálo-
go com vários setores sociais, entidades de classe e instâncias jurídicas
e dos poderes da democracia representativa liberal para garantir a em-
pregabilidade disposta na Lei n. 14.038/2020.

Um dos grandes problemas que temos para avançar nessa reflexão


é a falta de pesquisas e dados sobre a atuação profissional dos egressos
dos cursos de graduação e pós-graduação em História. Seria importan-
te saber de que lugar partimos, perguntando afinal, quem são e que
atividades desempenham os egressos dos cursos de história. Que ou-
tros lugares poderiam ser explorados e como podemos nos organizar
coletivamente para reivindicá-los? Como assumir diferentes funções
no mercado profissional sem perder de vista a função ética que, como
historiadores, temos na sociedade? Pensamos que realizar um mapea-
mento seria um passo relevante para produção de dados que nos per-
mitam identificar melhor os pontos que merecem nossa atenção ao
repensar a formação dos profissionais.

24 • Mercado de trabalho
Decerto, a Lei n. 14.038/2020 é clara em sua redação ao oportunizar
de forma clara e objetiva a criação de postos de trabalho para
historiadoras e historiadores. No entanto, a categoria de profissionais
de nossa área conseguirá acompanhar e reivindicar o cumprimento
desse aspecto da legislação? Conforme o artigo 6º: “As entidades que
prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou
em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legal-
mente habilitados”. Ou seja, quaisquer entidades públicas ou privadas,
que prestam serviços na área de história, obrigatoriamente, deverão
ocupar em seus postos de trabalho, por meio de concursos públicos ou
em regime de contratos, profissionais regulamentados.

Dito isso, considera-se urgente a realização de debates públicos


no interior de fóruns, reuniões e eventos diversos sobre a profissio-
nalização do/a historiador/a diante dos desafios impostos pela Lei. A
Anpuh, principal entidade representativa de nossa classe, juntamente
com outras associações, conselhos diversos, instâncias jurídicas, es-
feras do poder legislativo e executivo, sindicatos, comissões, Associa-
ção Nacional de Pós-Graduação (ANPEd), União dos Dirigentes Mu-
nicipais de Educação (Undime), Conselho Nacional de Secretários de
Educação – Consed, Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), Federa-
ção Nacional de Estudantes de História (Femeh), Associação Nacional
de Estudantes de Pós-Graduação (ANPG) e outros variados movimen-
tos da sociedade civil precisam discutir a profissionalização por meio,
entre outros, da curricularização e das formas de contratação de pro-
fissionais de história nas diversas áreas de atuação, a fim de evitar o
avanço da precarização do trabalho.

Considerando as diversas possibilidades de atuação do profissional


previstas na Lei, é importante a adequação e reformulação dos currícu-
los de História com a inclusão de disciplinas obrigatórias, num médio
prazo, e, mais imediatamente, a criação de matérias eletivas e optativas
para os cursos de graduação. Outras possibilidades estariam na criação
de projetos de extensão e/ou de cursos livres inspirados nos modelos já
experimentados pela história pública em países anglo-saxões, sem per-
der de vista a relação com a criticidade e a problematização da História.
E como pensar a delicada, e pertinente questão, da convivência de cur-
so de História com cursos de História Pública? Será mesmo necessário
ou os cursos de História como estão não seriam capazes de formar para

25 • História pública em movimento


“este tal suposto desconhecido mercado”? Todos esses trajetos apon-
tam seus próprios dilemas e obstáculos.

Nesse sentido, a história pública oferece uma plataforma para pen-


sar a História em diferentes espaços de atuação, trazendo a dimensão
ética para o centro do debate. A reflexão sobre uma história para/com/
pelos públicos pode, assim, nos ajudar a lembrar do caráter público e
compartilhado do conhecimento histórico, desempenhando um pa-
pel relevante de provocar “historiadores e historiadoras a refletirem a
respeito de seu próprio tempo, sobre a prática historiadora e as impli-
cações do seu métier no mundo social” (Mauad, Santhiago & Borges,
2018, p. 11). Assumindo como tarefa a ampliação dos mercados de tra-
balho para os historiadores no Brasil, fica a provocação para refletirmos
sobre que tipo de atuação profissional para historiadoras e historiado-
res assumimos como projeto, deixando em aberto: que historiadores
(públicos) desejamos? E que mercados almejamos?

REFERÊNCIAS
Mauad, A. M.; Santhiago, R.; Borges, V. T. (org.) Que história pública queremos?
São Paulo: Letra e Voz, 2018.
Motta, R. P. S. “Porque vale a pena regulamentar a profissionalização de his-
toriador”. Associação Nacional de História, 20 jan. 2015. Disponível em: ht-
tps://anpuh.org.br/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-desta-
que/item/454-porque-vale-a-pena-regulamentar-a-profissao-de-historiador.
Acesso em: 14 abr. 2021.
Schmidt, B. B. “Qual a relação entre a história pública e a profissionalização do
historiador?”. In: Mauad, A. M.; Santhiago, R.; Borges, V. T. (org.). Que história
pública queremos? São Paulo: Letra e Voz, 2018. p. 17-22.
Shopes, L. “A evolução do relacionamento entre a história oral e a história pú-
blica”. In: Mauad, A. M.; Almeida, J. R.; Santhiago, R. (org.). História pública no
Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 71-84
Telles, P. S. “O historiador com CNPJ: depressão, mercado de trabalho e história
pública”. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 12, n. 30, e204, 2020.

26 • Mercado de trabalho
QUAIS OS DESAFIOS DA
RESPONSABILIDADE
PROFISSIONAL NA PESQUISA
PARTICIPATIVA?
Frederico Duarte Bartz, Jean Baptista, Juliane Serres,
Letícia Brandt Bauer, Lívia Monteiro,
Maria Fernanda Rollo e Viviane Trindade Borges

Em História pública falar em pesquisa participativa remete a Michel


Frisch (1990), a noção de shared authority, “autoridade compartilhada”,
uma referência usada há mais de 30 anos para se descrever um pro-
cesso de produção do conhecimento histórico no qual o historiador e
as pessoas sem formação em história, atuariam em conjunto. A partir
de suas experiências com História Oral, Frisch indica que os indivíduos
não precisam ser somente consumidores das narrativas historiográficas,
mas podem ser participantes nessa construção. Esse processo tem por
base uma autoridade que já é compartilhada em sua essência, e não a
partir de um gesto benevolente do historiador. O que de fato interfere
nessa construção é o modo como instituições e historiadores se colocam
frente a esta possibilidade, em aceitar suas dinâmicas e desafios.

Alguns temas de pesquisa são muitas vezes avessos à participa-

27 • História pública em movimento


ção cidadã, colocando o pesquisador na difícil posição de ouvir relatos
sobre assuntos que ninguém quer abordar. Acreditamos que um dos
principais desafios é fazer com que o historiador saia de sua zona de
conforto e isso trás uma série de imprevistos, mas também pode enri-
quecer a pesquisa.

OS NÓS DA PESQUISA PARTICIPATIVA


(POR LETÍCIA BAUER)

Em minha avaliação inicial, história feita para o público (ampliação


das audiências) e história e público (reflexividade e autorreflexividade
do campo) são pontos relativamente “pacíficos” no campo da história
(e aqui a definição de campo de Bourdieu já nos ajudaria a pensar, uma
vez que pressupõe a existência de “agentes autorizados”). Já não há
mais espaço para questionamentos acerca da relevância de uma pro-
dução atenta àquilo e àqueles que se situam fora do meio acadêmico.
Porque sim, na minha avaliação os limites ainda são fortemente iden-
tificados, na prática, com o que está dentro e o que está fora da acade-
mia e é exatamente por este motivo que esses dois engajamentos já
são menos desafiadores. No que se refere à história feita pelo público,
que corresponderia às formas não institucionais de história e memória,
parece-me que permanece fortemente invalidada pelos historiadores
“de formação”. Entretanto, não vou me deter nesta última possibilida-
de. Ocorre que, se pudesse transformar essas três perspectivas num
esquema, ele seria algo próximo a um fluxo unidirecional, onde o histo-
riador/historiadora posiciona-se sempre em relação a um objeto “exter-
no”, seja para produzir para o público “consumidor”, seja para analisar o
campo ou validar a produção não institucional de história.

Chegamos, então, a nossa questão para discussão: quais os desa-


fios da responsabilidade profissional na pesquisa participativa? Tomo
como ponto de partida a possibilidade de história feita com o público,
a meu ver a mais difícil das práticas e a que mais desafia o métier do
historiador e da historiadora. Penso que a primeira questão a ser levan-
tada é o quê, de fato, queremos dizer com participação e no que ela
difere, nesse contexto da história pública, do que até então fizemos por
meio da metodologia da História Oral. Porque se entendemos que fa-

28 • Responsabilidade profissional
zer história com o público significa ir além do uso de entrevistas para a
produção de uma narrativa histórica, até onde conseguimos avançar?
Entendo que nossa responsabilidade profissional diz respeito à teoria
e metodologia que levamos anos para aprender e colocar em prática
de maneira adequada. Numa pesquisa participativa parece-me que
o primeiro passo é colocar as cartas na mesa para que todas as pes-
soas envolvidas tenham conhecimento dos meios pelos quais se pro-
duz uma pesquisa histórica. Ademais, o tempo presente é inerente aos
processos colaborativos e, com ele, os embates contemporâneos e os
usos que se faz e se fará de determinado produto, seja ele um livro, um
documentário, uma exposição etc. Nesse caso, como afirmam Hebe
Mattos, Keila Grinberg e Martha Abreu (2018), entendo ser fundamental
que tomemos posição, que assumamos o fato de que o conhecimento
produzido é político e está engajado numa pauta, tal como os possíveis
partícipes da produção. Ademais, creio que seja importante reconhe-
cer que produzir coletivamente implica, necessariamente, conflito, e
acredito que não omitir os embates e suas possíveis soluções no pro-
duto final é relevante. Sou extremamente favorável às narrativas em
tom pessoal e, nesses casos, no uso da primeira pessoa do plural bem
fundamentada, onde o “nós” não seja um recurso estranho, um nós
vazio, mas o correspondente de um trabalho realizado, realmente, por
várias mãos e mentes.

PEÇO LICENÇA AO DONO DA CASA PARA ENTRAR NA


RODA E COMPARTILHAR SUAS HISTÓRIAS
(POR LÍVIA NASCIMENTO MONTEIRO)

Para tentar responder à questão central colocada para nosso gru-


po, gostaria de ensaiar alguns caminhos possíveis partindo do meu
lugar de fala e das pesquisas que realizo no campo da História Oral,
História Pública e o ensino de História antirracista, especialmente com
relação aos aprendizados que obtive pesquisando as festas de Conga-
da e Moçambique da minha cidade natal, Piedade do Rio Grande/MG.

Um dos desafios iniciais de grande responsabilidade para a pes-


quisa participativa está justamente na sua aproximação. A “chegada no
campo” exige necessariamente que os interesses do/a pesquisador/a

29 • História pública em movimento


sejam enunciados e compartilhados. A ilusão de que a pesquisa envol-
vendo a participação da comunidade depende única e exclusivamente
da ação do/a pesquisador/a cria questões sérias sobre essa responsa-
bilização. Aprendi com os congadeiros-moçambiqueiros de Piedade a
“pedir licença” antes de iniciar qualquer ação e isso pode ser pensado
para a pesquisa participativa. Esse pedido extrapola as questões buro-
cráticas que diferentes comitês de pesquisa nos colocam, ou assina-
turas em termos de consentimento de entrevistas e autorizações de
imagens. Pedir licença é o passo inicial para que a pesquisa participa-
tiva seja coerente, ética e responsável. E esse pedido deve vir sempre
acompanhado de um diálogo aberto e sincero, para que a construção
da relação de confiança existente entre pesquisadores/as e sujeitos ati-
vos da pesquisa possa acontecer.

Um outro ponto é pensarmos que o desenvolvimento da pes-


quisa participativa depende também do comprometimento do/a
pesquisador/a em campo e durante a realização da pesquisa. Esse com-
prometimento envolve especialmente que esse/a pesquisador/a abra
mão de questões que lhe são caras: a pesquisa não é apenas sua, mas
do esforço coletivo que emergem os resultados e dados produzidos e
compartilhados. Aprendi com os congadeiros-moçambiqueiros que os
sentidos do círculo e das rodas – passos sincronizados performatizados
por eles nas festas – são importantes para manter o grupo coeso e uni-
do. Para a pesquisa participativa, esse aprendizado ancestral baseado
na coletividade é fulcral.

Um último ponto que gostaria de tratar e que desafia os profissio-


nais na realização da pesquisa participativa é a devolutiva, ou seja, a
entrega e o possível retorno das nossas pesquisas para as comunida-
des. A crítica que recebemos – e com razão – de que não devolvemos
especialmente para as comunidades/sujeitos/grupos pesquisados é
muito contundente e não há razão de afirmar que não exista. Porém,
considero que a História Pública necessariamente parte, além do pe-
dido de licença e do compartilhamento, dessa devolutiva – seja ela
qual for, pois é parte inerente do processo, como Ricardo Santhiago
pontua (Santhiago, 2016).

Histórias contadas, escritas, filmadas, gravadas e o reconhecimen-


to de que na História Pública o desafio da responsabilidade profissional
está posto no processo que descentraliza as ações e proporciona que

30 • Responsabilidade profissional
tantas histórias sejam compartilhadas – e por isso, as autorias também,
como afirma Michel Frisch. Na História Pública a responsabilidade do
profissional deve ser encarada, assumida e declarada como parte epis-
têmica, metodológica e teórica da própria pesquisa.

PROJETO MEMÓRIA LGBT


(POR JEAN BAPTISTA)

Ao longo dos anos atuando com a construção da história e memó-


ria em distintas comunidades, repete-se uma problemática em minhas
atividades de campo: quais os limites que se impõem às pesquisas par-
ticipativas quando as próprias comunidades possuem fobias a temas
que consideramos prioritários para o desenvolvimento de uma história
pública comprometida com as demandas contemporâneas? Particu-
larmente penso isto em relação à história e memória LGBT (uso, aqui, a
sigla vigente no campo das Políticas Públicas, campo onde atuo).

Sabemos que a História Pública é participativa, que os anseios da


comunidade se impõem, que os valores comunitários devem nortear
as pesquisas e que qualquer intromissão de temas pode resultar em
distorções profundas das demandas comunitárias. Esses princípios são
pilares básicos e não podem ser corrompidos em atividades do gênero.

Contudo, como atuar em comunidades brasileiras ignorando de-


terminadas dimensões de violências históricas, tal qual a que ocorre
com populações LGBT? A violência LGBTfóbica, sabe-se, não é um fe-
nômeno apenas das grandes cidades. As bucólicas comunidades de
produtores rurais, as aldeias indígenas, os quilombos, os ciganos, os ri-
beirinhos, os trabalhadores, os antifas, as periferias, as festas, entre ou-
tras dimensões populares e até mesmo progressistas, enfim, podem
ser tão cruéis e violentos quanto qualquer bairro central de uma gran-
de cidade ou um departamento de uma universidade federal no Brasil.
A LGBTfobia é um câncer no país e todas as comunidades LGBT que
temos atuado assim o atestam: ali se encontram pessoas oriundas das
mais variadas origens sociais, pertencentes às comunidades plurais
que caracterizam a diversidade nacional.

Boa parte das vezes, as pesquisas e seus pesquisadores tendem


a abrir mão do debate sobre a LGBTfobia quando em comunidades.

31 • História pública em movimento


Não é à toa, por exemplo, que todos os inventários participativos mu-
seológicos que investiguei até o momento não apresentam qualquer
menção a pessoas LGBT. A mensagem que estes estudos nos enviam
é que a história e a memória das comunidades não possuem dissidên-
cias sexuais, sinalizando um recado cruel para as pessoas LGBT que ali
vivem e legitimando a LGBTfobia interna das comunidades. Ou seja,
na melhor das intenções, todas as vezes que se desenvolve uma ação
comunitária que ignora a existência de pessoas LGBT, colabora-se di-
retamente com os sucessivos crimes que marcam essas comunidades.

Pois sim, isso afeta diretamente a imagem romântica existente so-


bre as comunidades comumente vítimas de opressões. Ou seja, a partir
do olhar romântico da academia, tende-se em estudos de História Pú-
blica jogar para debaixo do tapete determinados problemas que man-
chariam a imagem das comunidades. Mas convenhamos, esconder o
problema é apenas uma forma de alimentá-lo.

Por outro lado, a invisibilização de pessoas LGBT e da LGBTfobia


comunitária também nos faz pensar que não raro as pesquisas foram
construídas a partir de setores ultraconservadores das comunidades.
Ou seja, ao imaginar que se está trabalhando com grupos em busca
da liberdade e da pluralidade, não raro se pode estar potencializando
justamente parcelas daqueles coletivos que são ultraconservadoras do
ponto de vista de pessoas LGBT.

Isto traz um sério problema à autoria compartilhada: é aceitável


produzirmos conhecimento em conjunto com pessoas que oprimem
por diversos meios pessoas LGBT de suas comunidades (quando não,
de fora delas)? Pergunto se é aceitável no sentido dos princípios bási-
cos de uma História Pública, esta devidamente interessada na justiça
social e na superação de danos históricos causados a setores vulnerá-
veis da sociedade.

Não me parece aceitável. Se pessoas pertencentes a grupos vulne-


ráveis seguem sendo LGBTfóbicas, estas também são cúmplices das
opressões. Assim o sendo, o trabalho primeiro é superar a violência de
gênero e sexual antes de assinar qualquer trabalho conjunto com esses
sujeitos, promovendo uma educação libertadora que respeite a liber-
dade individual acima dos paradigmas preconceituosos que marcam

32 • Responsabilidade profissional
as comunidades. Caso contrário, se estará apenas reforçando o horror
da LGBTfobia nacional.

Ao fim, o que percebo até o momento é que não é mais possí-


vel realizar atividades em qualquer comunidade do Brasil ignorando a
violência de gênero e de sexualidade. Ou seja, hoje em todos os meus
trabalhos realizados em comunidades indígenas, quilombolas, negras,
periféricas e, mais recentemente, do Hip-Hop, a questão de gênero e
de sexualidade está presente como eixo estrutural ao lado de todas as
outras temáticas. De modo algum trabalharei com comunidades que
expulsam pessoas LGBT, que espancam e estupram, que praticam to-
dos os meios de opressão que o Projeto Memória LGBT tem demons-
trado que existem em praticamente todas as comunidades do Brasil.

Pois sim, a comunidade é soberana, mas o conceito de comunida-


de precisa ser muito bem entendido: a comunidade LGBT é uma co-
munidade planetária, estamos em todos os lugares, e em boa parte
do mundo passamos e compartilhamos das mesmas memórias trau-
máticas e de solidariedade interna, ambas a desejar a superação das
condições de discriminação que vivemos. Sendo assim, trabalhar com
qualquer comunidade implica em incluir estas demandas da comuni-
dade LGBT. Porque simplesmente estamos em todas as comunidades.

CAMINHOS OPERÁRIOS EM PORTO ALEGRE


(POR FREDERICO DUARTE BARTZ)

Para debater a pesquisa participativa, devo partir de minha expe-


riência como organizador dos Caminhos Operários em Porto Alegre
para desenvolver algumas reflexões. Como se trata de uma atividade
cujo eixo central é o resgate da memória da classe trabalhadora na ci-
dade, o diálogo entre o ministrante da atividade e seu público apre-
senta algumas particularidades, como a necessidade de lembrar que
nas ruas por onde passamos existe uma história que não é contada,
que não é oficial, inclusive que muitas vezes não pode ser vista (já que
muitos prédios e antigas edificações foram derrubados), mas que é ne-
cessário trazer para a atualidade.

O processo de formação da classe trabalhadora, enquanto sujeito

33 • História pública em movimento


político, se deu também através de uma presença geográfica, com lo-
cais de reuniões e manifestações de protesto. A reação dos participan-
tes ao se deparar com um bairro de classe média ou classe média alta
que no passado foi palco das lutas operárias, ajuda a trazer à tona as
consequências do apagamento dessa memória. A surpresa, o interesse
e o estranhamento são parte de um processo que ajuda a recuperar a
visibilidade da classe trabalhadora no espaço da cidade. Outro elemen-
to é a responsabilidade política ao tratar desse tema. Vivemos em um
período histórico em que a classe trabalhadora está sendo atacada em
seus direitos básicos, submetida a níveis cada vez maiores de explora-
ção. Além disso, existe um discurso fortemente articulado sobre o fim
do trabalho e da possibilidade que trabalhadores e trabalhadoras pos-
sam agir politicamente. Mesmo em alguns grupos ditos progressistas
existe a defesa da desconstrução da identidade de classe, vista como
algo pertencente apenas ao passado.

Ao mostrar as formas diversas em que a classe trabalhadora existia


no tempo e no espaço, chamamos atenção também para sua impor-
tância histórica no presente. Ao abordar as ações coletivas e mostrar os
lugares dessas ações, procuramos despertar empatia por essas lutas,
alertando para o fato que as formas de sociabilidade da classe muda-
ram ao longo do tempo, mas o trabalho não deixou de existir e não
deixou de ser um elemento central para a reprodução da vida. Outra
questão importante é mostrar que os lugares de memória da classe
trabalhadora não se restringem somente aos lugares de trabalho. Isso
está diretamente vinculado ao que foi dito logo acima, pois os lugares
fundamentais para que trabalhadores e trabalhadoras se identificas-
sem como classe não foram as fábricas e oficinas, mas os sindicatos e
as ruas da cidade, onde se concretizaram suas ações coletivas e laços
de solidariedade.

Por fim, é necessário dizer algumas palavras sobre como o público


do curso foi formado. As atividades do Caminhos Operários em Porto
Alegre foram inicialmente oferecidas como ações dos Grupos de Traba-
lho da Associação Nacional de Professores de História (Anpuh). Desde
2019 foi possível oferecê-las como um Curso de Extensão, composto de
várias aulas (e caminhadas), através da Faculdade de Arquitetura da
UFRGS. Os participantes da atividade são, de modo geral, estudantes
de graduação, ativistas de movimentos sociais e sindicalistas. Um dos

34 • Responsabilidade profissional
momentos mais significativos desse curso de extensão se deu quando
os alunos e alunas propuseram diferentes trajetos de memória como
seu trabalho final, fazendo com que a busca pela história da classe tra-
balhadora se transformasse em um projeto coletivo.

Dessa forma, tratando da responsabilidade do historiador na pes-


quisa participativa, evoco o papel da extensão universitária, do diálogo
com a comunidade e do comprometimento político como elementos
para socializar e produzir o conhecimento coletivamente, atingindo
um número cada vez maior de pessoas.

ARQUIVOS MARGINAIS
(POR VIVIANE TRINDADE BORGES)

A proposta aqui é partir de experiências e trabalho anteriores, cita-


rei então um exemplo e algumas considerações. Meus projetos de pes-
quisa e extensão (coordeno o Projeto Arquivos Marginais desde 2011)
estão ligados às instituições de confinamento, leprosários, hospitais
psiquiátricos, prisões –– pensando as práticas institucionais e também
a dimensão patrimonial destes lugares – e tudo isso é atravessado pe-
las experiências dos sujeitos diretamente envolvidos.

Ao longo dos anos me deparei com desafios de várias ordens, al-


guns em função da especificidade destes lugares e outros mais gerais,
que certamente fazem parte das “histórias de guerra” dos historiadores
que saem de suas zonas de conforto. Citarei um exemplo que tem me
inquietado – a visibilidade de trajetórias de indivíduos desviantes nas
narrativas históricas.

Em primeiro lugar tornar públicas existências infames implica em


ponderar sobre o que isso acarreta para estes indivíduos e suas famí-
lias. Esta preocupação perpassa o trabalho desenvolvido pelo Projeto
Arquivos Marginais, trazendo constantemente a necessidade de autor-
reflexão a respeito dos rumos tomados. A situação mais marcante nes-
se sentido ocorreu em 2013, quando surgiu a oportunidade de entre-
vistar um ex-detento, Cinderelo, responsável por fugas mirabolantes,
apontado como mentor de um motim seguido de fuga, ocorrido em
1986 na Penitenciária de Florianópolis.

35 • História pública em movimento


Dia e horário agendados, equipe entusiasmada, roteiro preparado.
Encontramos um senhor na casa dos 60 anos, bem-apessoado, muito
simpático e falante. Conversou sobre tudo: os crimes, as fugas, a vida
no cárcere. Ao final foi questionado a respeito da autorização do uso da
entrevista para fins acadêmicos, ao que ele respondeu negativamente,
solicitando que apagássemos a entrevista. Nesse momento, disse que
ele não era mais Cinderelo e a esposa atual não tinha muito conheci-
mento de sua vida pregressa, atravessada pela experiência institucio-
nal, e que ele preferia não trazer isso à tona. A entrevista foi apagada,
mas o episódio ficou gravado nas memórias da equipe do Projeto.

O desejo do anonimato, de não ser vinculado a um lugar e a uma


história carregadas de preconceito, faz ponderar sobre a inclusão des-
sas trajetórias de desviantes nas narrativas históricas que as visibili-
zam. Na maioria dos casos, não há uma demanda por reconhecimen-
to por parte dos próprios indivíduos. Fiquei pensando no debate sobre
o direito ao esquecimento na esfera civil, reacendido recentemente. O
direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não
permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado
momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-
-lhe sofrimento ou transtornos: é possível não esquecer sem nomear
os sujeitos envolvidos?

Penso que devemos estar atentos para a vontade de esquecimen-


to e para a complexidade dos processos de ressignificação. Em alguns
casos a anonimização não torna tais vidas menos singulares em seus
dramas, não as devolve à multidão homogênea e institucionalizada.
Através de fragmentos biográficos, muitas vezes encobertos por pseu-
dônimos e iniciais de nomes desconhecidos, é possível entrever bre-
chas de subjetividade que permitem ressignificar as experiências.

O ato de pesquisar tais indivíduos e trazer à tona suas trajetórias,


ainda que de forma anônima, é também um ato político que permite
contar a história por meio de narrativas até então silenciadas, tornando
presentes na narrativa histórica as experiências de “vidas-relâmpago”.
Narrar histórias é uma forma de perspectivar o outro, de encontrar en-
tradas subjetivas para tratar de questões delicadas. Um trabalho que
não oferece apenas um repertório de existências belas e/ou aterrorizan-
tes, mas uma possibilidade para repensar estigmas.

36 • Responsabilidade profissional
MEMORIAL DA BOATE KISS
(POR JULIANE SERRES)

Todo trabalho traz seus desafios. Quando se trata de pesquisa


participativa, envolvendo os sujeitos em diferentes fases do processo,
os desafios aumentam. Trago para a discussão alguns exemplos e re-
flexões a partir de algumas pesquisas/projetos que contam/contaram
com a participação dos sujeitos implicados. Podemos dizer que há de-
safios não somente acadêmicos, mas éticos, políticos, morais e legais.

Para começar trago um caso no qual o desafio legal e ético, por


vezes, se confronta. Entrevistei moradores e antigos moradores do
Hospital Colônia Itapuã, Leprosário localizado em Viamão, próximo
a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Não foram encontros pontuais,
com alguns interlocutores tive muitos encontros e reencontros, onde
foi possível apresentar e discutir o resultado do trabalho. Li para eles
como ficaram suas palavras na minha escrita. Um entrevistado queria
que tivesse sido utilizado seu verdadeiro nome, não um pseudônimo.
Por tratar-se de pessoas institucionalizadas e diante de questões legais,
essa tinha sido a orientação recebida. Seu Pedro, verdadeiro nome do
pseudônimo Francisco, disse: “alguém tem que assumir, botar a cara,
queria que tivesse usado meu nome”. Até hoje lembro daquele diálogo
e da falta de sentido, para ele, dos meus argumentos. Depois ele escre-
veu suas memórias a próprio punho, à lápis. Seu Pedro teve hanseníase,
estava internado no Hospital por décadas. Por tratar-se de uma doença
estigmatizante, muitos entrevistados preferiam não ser identificados,
ele, ao contrário, queria. Ainda hoje penso que deveria ter usado seu
verdadeiro nome, como ora faço, nesse breve relato.

Um outro tipo de desafio enfrentado na pesquisa participativa


refere-se à idealização do passado pelos envolvidos. O caso que vou
apresentar refere-se ao trabalho desenvolvido no que viria a ser o Mu-
seu de História da Medicina, projeto vinculado ao Sindicato Médico do
Rio Grande do Sul, instituição com o objetivo de preservar a história
da medicina e da saúde no Rio Grande do Sul. Do ponto de vista do
proprietário do Museu, um Sindicato classista de médicos, a história
deveria ser contada a partir de um único ponto de vista, o dos médi-
cos, uma história laudatória bastante conhecida em empreendimen-
tos memoriais de entidades voltadas ao seu próprio passado. Uma

37 • História pública em movimento


pequena equipe, formada entre outros por historiadores, procurou
ampliar esse discurso, inserindo outros atores, como os doentes e ou-
tras práticas de saúde. A responsabilidade ética e, poderíamos dizer
política, era permitir preservar e reconhecer a memória, além dos mé-
dicos, de outros sujeitos naquele espaço.

Para finalizar, gostaria de trazer o caso de um projeto em anda-


mento, o do Memorial da Boate Kiss, onde trabalhamos na constru-
ção da memória da tragédia ocorrida em Santa Maria em 2013. Todas
as memórias são sensíveis, porque envolvem identidades, represen-
tações, imaginários, idealizações, mas existem algumas memórias,
poderíamos dizer, mais sensíveis que outras, quando envolvem tra-
gédias e traumas. O incêndio da Boate Kiss, vitimou fatalmente 242
pessoas e desde 2013, ano da tragédia, foram criados espaços formais
e informais para memorializar o acontecimento. Entre esses espa-
ços foi concebido um Memorial. Nosso envolvimento no projeto veio
como um convite da Associação das Vítimas da Tragédia de Santa
Maria (AVTSM) para que ajudássemos a contar aquela história. Esta-
mos envolvidos nesse projeto há quatro anos e o andamento é lento,
cada passo necessita estar associado ao diálogo com os envolvidos e
seus representantes. Criamos um Memorial Virtual, para anteceder o
Memorial físico e depois compor com ele.

Os avanços são pontuais, há muita dor envolvida e diferentes pon-


tos de vista, desde aqueles que desejam que a tragédia seja lembra-
da, até aqueles que preferem o esquecimento. No site do Memorial tí-
nhamos realizado um mosaico com a imagem das vítimas e pequenas
biografias, já veiculadas na mídia, mas acrescentamos um espaço para
os familiares ajudar a compor a biografia. Fizemos reuniões, apresen-
tamos a proposta, alguns pais e mães eram favoráveis a publicização
das informações de seus entes queridos, outros reticentes. Mesmo que
fossem informações já publicadas em outros meios, retiramos o mo-
saico do site e reabrimos o diálogo. A pesquisa/projeto, quando envolve
sujeitos que são interlocutores do trabalho, deve estar aberta a revi-
sões, porém, como sujeitos da pesquisa, também temos nosso papel
enquanto agentes, nesse caso, lutando pelo não esquecimento e dia-
logando com o maior número de envolvidos para não violar nenhum
pacto, firmado ou implícito.

38 • Responsabilidade profissional
MEMÓRIA PARA TODOS. UM PROGRAMA DE
HISTÓRIA PÚBLICA E COLABORATIVA
(POR MARIA FERNANDA ROLLO)

A dimensão pública associada ao conhecimento histórico, convo-


cando o envolvimento do público na sua produção tem vindo a ocupar
um lugar transversal na prática da historiografia, contribuindo direta-
mente para a valorização de identidades e de comunidades.

A colaboração e a participação do público em dinâmicas patrimo-


niais, de preservação e construção da narrativa histórica, assumem di-
versas formas e respondem a diferentes estratégias de envolvimento
conforme os contextos em que decorrem.

A “História Pública” reporta-se, numa interpretação mais ampla, ao


papel social da história, compreendendo uma multiplicidade de abor-
dagens de promoção da cultura histórica, desde a sensibilização, co-
municação e disseminação a um público alargado, ou dinâmicas cola-
borativas de investigação histórica com a participação e envolvimento
de cidadãos ou ainda através de práticas patrimoniais desenvolvidas
por comunidades específicas. Assim, a História Pública configura, en-
tre outras dimensões, projetos culturais (nomeadamente exposições,
artes plásticas e performativa), projetos de história oral, arqueologia
comunitária, investigação genealógica, passando pelas sociedades his-
tóricas, à construção de coleções, repositórios ou arquivos de comuni-
dade, projetos de investigação, desenvolvimento de conteúdos televisi-
vos, radiofónicos ou de ambientes digitais.

A História pública é ainda entendida na relação com dinâmicas de


patrimonialização, no sentido da sua valorização e significado presen-
te, fatores centrais para o desenvolvimento social, político e económi-
co. Memória para Todos (MpT) é um programa de História Pública e
práticas colaborativas que coordeno em Lisboa/Portugal (enquanto
pesquisadora vinculada ao Departamento de História da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa), tendo-
-o criado há mais de dez anos. Parto dos princípios e metodologias
que o regem e dos resultados alcançados para refletir sobre a História
Pública, convocando a sua perspectiva transdisciplinar, com especial
enfoque nas práticas colaborativas de investigação e construção do co-
nhecimento. O programa compreende diversos projetos e iniciativas,

39 • História pública em movimento


criados por nós ou sugeridos pela sociedade, que envolvem o público
no seu processo de desenvolvimento.

Sob a consigna “Faça História partilhando”, Memória para Todos é


um programa de investigação empenhado na promoção do estudo,
organização e disseminação do património histórico, cultural, tecnoló-
gico e digital, desenvolvido em estreita relação com arquivos e biblio-
tecas, instituições da administração públicas, municípios e autarquias,
entidades privadas, escolas e associações locais.

É, por natureza, um projeto colaborativo, contando com uma vasta


equipe de colaboradores da academia e da sociedade em geral. O pro-
grama registra, preserva e partilha histórias e memórias, incluindo tes-
temunhos orais, documentação e objetos pessoais e familiares, valori-
zando as histórias de vida e das comunidades.

Os conteúdos reunidos (como objetos, fotografias, testemunhos


áudio e vídeo, sons e outros registros) com a participação e envolvi-
mento dos cidadãos e instituições são disponibilizados on-line em
acesso aberto.

As primeiras ações realizadas remontam a 2009-2010 no âmbito


das Comemorações para o Centenário da República (a Comissão para
as Comemorações do Centenário da República foi nomeada pelo Pre-
sidente da República com a seguinte composição: Artur Santos Silva
(Presidente), Maria Fernanda Rollo (Comissária Executiva), Francisco
Sarsfield Cabral, Raquel Henriques da Silva e João Serra (substituído
por Rui Vieira Nery), lançando o desafio à comunidade portuguesa
para a partilha de memórias, testemunhos, objetos que retratassem
a implantação da República em Portugal (05 out. 1910) e a história da
Primeira República (1910-1926) em efetivo ambiente de ciência cidadã.

A partir de então, e especialmente a partir do projeto Portugal 1914,


o programa formalizou-se e desenvolveu-se assumindo como missão
a recolha, partilha e preservação de memórias e testemunhos, a de-
mocratização do acesso às ferramentas da investigação histórica, a
promoção de dinâmicas colaborativas de investigação, a produção e
disseminação de conhecimento e a criação de novas fontes para a in-
vestigação, centrando-se nas dinâmicas sociais da construção da me-
mória, enquanto fator essencial para a definição de identidade. O pro-
grama MpT assume ainda como propósitos, a promoção da educação

40 • Responsabilidade profissional
patrimonial, a literacia e desenvolvimento de competências digitais e
a democratização do acesso às ferramentas da investigação histórica.

O MpT inclui atualmente um amplo conjunto de projetos, cons-


tituindo um programa interdisciplinar e colaborativo, distinguindo-
-se pelos métodos de envolvimento das comunidades, a aplicação de
diagnósticos e soluções de base científica sobre desafios sociais e o
desenvolvimento de produtos em acesso aberto, partilháveis e reutili-
záveis.

Neste sentido, adota metodologias de registro, organização e di-


vulgação de conteúdos específicos, de acordo com a natureza dos ma-
teriais, suportes e informação em causa, nomeadamente testemunhos
orais, histórias de vida, espólios e coleções privadas e familiares, através
da criação de bases de dados e de processos digitais de conservação e
disponibilização de dados. Convoca e aplica várias metodologias, asso-
ciadas às ciências documentais, à história, à museologia, ao património,
às ciências sociais em geral, sendo de salientar as práticas de história
oral, método biográfico, prosopografia, história local, georreferencia-
ção compondo um ambiente evidentemente comum e frequentado
pelas Humanidades Digitais.

No desenvolvimento do Programa, os cidadãos têm sido convida-


dos a partilhar as suas memórias pessoais e familiares relativas a deter-
minados momentos e processos históricos e, em muitos casos, desa-
fiados a envolver-se e a fazer parte ativa do programa; as comunidades
têm sido convidadas e suscitadas no mesmo sentido, compreendendo
e assumindo fazer parte e contribuir para a história da sua própria co-
munidade (ver em particular os projetos Memórias das Avenidas e Me-
mória das Aldeias).

Por tudo isso, o MpT aplica também metodologias específicas de


envolvimento comunitário, dinamização social e produção de conhe-
cimento, tendo em vista o registro, sistematização e mapeamento
de informação e dados provenientes da população em geral. O leque
de metodologias convocadas é ainda mais amplo, correspondendo
às especificidades de cada projeto, incluindo domínios menos afins
às áreas das Humanidades e das Ciências Sociais, nomeadamente no
campo das Ciências da Vida. Depreende-se a sua natureza interdis-
ciplinar e multidisciplinar, tanto ao nível da concepção e desenvolvi-

41 • História pública em movimento


mento do programa em geral quanto do quadro específico de cada
projeto que promove.

A dimensão multidisciplinar do Programa amplia-se quando se


trata de explorar os materiais recolhidos e, noutro plano, se captam,
acompanham e exploram os conteúdos e as relações e o enquadra-
mento social em que se desenvolve. Projetos como Memórias das Ave-
nidas, Memórias de São Domingos, Memórias das Aldeias, entre outros,
convocam as áreas das neurociências e da psicologia, especialmente
a propósito do impacto da participação no programa MpT de pessoas/
comunidades específicas.

Os diversos projetos realizados por iniciativa do Programa ou por de-


safio de entidades têm ampliado o recurso às ferramentas digitais, que
tem contribuído para o desenvolvimento e a sucessiva superação de ob-
jetivos e desafios no âmbito do próprio programa Memória para Todos.

Refira-se a propósito a sua contribuição no sentido da recolha e


preservação do património digital existente ou constituído a partir da
recolha de memórias e testemunhos, através do registro digital oral ou
em vídeo, a sua patrimonialização, registro, organização, edição, com-
pondo um renovado legado cuja salvaguarda e preservação cumpre
garantir. A par desses testemunhos, a extensão, diversidade e riqueza
de objetos associados, cujo registro, organização e reprodução digital
se tem realizado. Tudo quanto se tem recolhido, incluindo a caracteri-
zação dos entrevistados, é registrado, descrito, classificado em bases de
dados relacionais, acrescentando ferramentas de classificação e orga-
nização relacionando os registros em áudio e vídeo. Acrescente-se a ar-
ticulação com a informação de contextualização recolhida, cumprindo
preceitos e procedimentos rigorosos de classificação adotando ontolo-
gias e semânticas normalizadas. O conjunto alargado de investigado-
res associados aos diversos projetos partilha um contexto de formação
científica e técnica adquirida previamente no âmbito do programa em
diversas áreas – bases de dados e edição digital em particular. Em vá-
rios projetos algum grau de formação ou aquisição de competências
digitais envolve intervenientes externos ao programa – incluindo estu-
dantes de escolas secundárias ou pessoas mais velhas e nalguns casos
já reformadas como nos projetos Memórias das Avenidas ou Memórias
de São Domingos. Qualquer um dos projetos pressupõe uma articula-
ção dinâmica ao nível da comunicação via digital.

42 • Responsabilidade profissional
De salientar também, constituindo um desafio permanentemente
renovado e ampliado, as formas de colaboração à distância, via digital.
Para além da submissão de conteúdos, através de formulários especí-
ficos, cada vez mais elaborados, como ocorre nesta fase com um dos
projetos mais recentes dedicado a recolha de testemunhos de emi-
grantes e de trabalhadores portugueses, prosseguimos o desafio de,
na fase mais precoce possível, envolver a comunidade acadêmica, os
investigadores que estudem temas semelhantes a participar num ce-
nário de investigação colaborativa.

Conforme referido, uma das condições essenciais do MpT é a sua


divulgação em acesso aberto e a promoção da máxima acessibilidade,
respeitando rigorosamente o regulamento da proteção de dados e os
princípios da propriedade intelectual, o que significa o esforço perma-
nente de atualização e adaptação às normativas / procedimentos que
proporcionem a sua integração e/ou interoperabilidade com um con-
junto de plataformas – portais das entidades parceiras e infraestruturas
mais ou menos especializadas. Todas as fases de desenvolvimento de
qualquer um dos projetos, e o programa em geral, evoca cenários de
multidisciplinaridade, nas áreas da arquivística e ciências documentais
em geral, informática, ciências da comunicação, design, e o amplo con-
junto de disciplinas diretamente associadas a projetos específicos.

Vários projetos focam conjunturas relevantes da história contem-


porânea de Portugal, alguns, da iniciativa do MpT, têm sido desen-
volvidos, como o Portugal 1914, com o apoio de entidades de âmbito
nacional. Refira-se o projeto dedicado às memórias da Revolução de
Abril e da Descolonização (acompanhado pela empresa pública RTP
– Rádio e Televisão de Portugal – e articulado com um programa edi-
torial de quase duas centenas de episódios televisivos e organizando
Dias da Memória no quartel histórico do Carmo, da Guarda Nacional
Republicana) e o projeto Memórias da Resistência e da Liberdade, em
articulação com o Museu do Aljube, recolhendo memórias e teste-
munhos de presos políticos durante o Estado Novo e, é esse o nosso
propósito mais recente, dos seus familiares. Destaque-se, a propósito,
uma das vertentes do programa, dedicada à promoção da utilização
dos conteúdos recolhidos e organizados por parte da comunidade
acadêmica e da sociedade em geral. Neste caso, para além da contri-
buição para o conteúdo expositivo do Museu do Aljube, a disponibili-

43 • História pública em movimento


zação de informação para trabalhos de investigação, nomeadamente
teses e dissertações académicas, compondo o escopo de ferramentas
digitais à sua disposição.

Uma nota para referir o conjunto de projetos dedicados ao conhe-


cimento e ao registro de memórias associadas ao mundo do trabalho
– Memórias da Fábrica de Sacavém, da Cortadoria Nacional do Pêlo, do
centro fabril de São João da Madeira (envolvendo diversos setores de
atividade), entre outros, e a sua articulação com o novo projeto Europe
at Work a apresentar brevemente pela Europeana.

Alguns projetos têm tido como foco comunidades específicas, de-


vendo destacar-se Memória das Avenidas que conta com um grupo de
colaboradores – os Maiores das Avenidas – muitos dos quais moradores
desse bairro histórico da cidade de Lisboa tal como acontece com o
projeto Memórias de São Domingos. Está em curso um projeto de reco-
lha de Memórias das Aldeias, a propósito do qual cumpre salientar a in-
tenção do projeto no sentido da contribuição, para além da identidade
das comunidades, para a promoção e valorização do desenvolvimento
e coesão social e territorial. Neste caso acrescenta-se ainda a disponi-
bilidade de reutilização de conteúdos para enriquecer a promoção tu-
rística. Qualquer um destes projetos tem tido impacto social noutros
domínios, incluindo nas áreas da saúde, contribuindo para o combate
às doenças da memória e ao isolamento ou o acompanhamento do
envelhecimento ativo.

Por fim, cumprindo a missão definida e prosseguindo os objetivos


apontados, os projetos que constituem o programa MpT decorrem da
estratégia, do percurso de investigação e do compromisso social e cien-
tífico prosseguidos. Assim, parte dos projetos mais recentes prossegue
como propósito a contribuição para a Agenda 2030 e para a superação
de um dos desafios societais mais complexos que hoje se colocam à
Humanidade, associado às alterações climáticas. É nesse contexto que
se enquadram projetos como o dedicado à Lagoa de Óbidos, ao Parque
da Gorongosa em Moçambique, às reservas da biosfera, ou o projeto
Living Rivers, procurando a partir da recolha de memórias de tempos
passados e das percepções que persistem, contribuir para o conheci-
mento e a consciencialização das alterações em curso.

O Programa Memória para Todos, baseando-se na prática cien-

44 • Responsabilidade profissional
tífica, busca envolver as pessoas e as comunidades no contexto que
habitam, procurando uma dinâmica colaborativa que promova a pre-
servação e valorização da memória, a criatividade e a criação de novo
conhecimento, garantindo a sua partilha e promovendo a sua acessibi-
lidade, constituindo, portanto, uma interface e uma intermediação en-
tre a academia e a sociedade. Memória para Todos é assim um espaço
em que a História Pública acontece, em sinergia e convergência entre
os profissionais da história e a sociedade.

APONTAMENTOS FINAIS
Diante das experiências, questionamentos, desafios e possibilida-
des apresentadas acima, consideramos que:

• Os interesses de pesquisa muitas vezes são exteriores aos indi-


víduos e comunidades, por isso é importante o diálogo, com a
escuta sensível. Cabe ao/à pesquisador/a buscar os meios para
que isso ocorra, ou seja, encontrar os caminhos para as trocas
e, por isso, é necessário repensar metodologias – rodas de con-
versa, conversas informais, anotações, registros por meio de
desenhos, entre outros.

• A necessidade de ampliar o espaço de participação dos sujei-


tos envolvidos, de forma menos programada e institucionali-
zada, mas sim mais espontânea, de maneira a acompanhar o
processo completo, desde a criação do projeto de pesquisa até
o seu desenrolar.

• Tornar a pesquisa não apenas uma opção acadêmica, mas


também uma opção comunitária – ou seja, a partir de uma
vontade que certamente atende a interesses de pesquisa sob
os quais nos voltamos ao longo de nossas carreiras, incitar a
participação dos envolvidos.

• A participação cidadã na pesquisa não deve servir apenas para


legitimar o trabalho, mas deve atender as comunidades e su-
jeitos integrantes do processo participativo.

45 • História pública em movimento


REFERÊNCIAS
Frisch, M. A Shared Authority: Essays on the Craft and Meaning of Oral His-
tory and History. New York: SUNY Press, 1990.
Mattos, H.; Grinberg, K.; Abreu. M. “Que diferença faz a perspectiva da história
pública nos estudos sobre escravidão?”. In: Mauad, A. M.; Santhiago, R.; Bor-
ges, V. T. (org.). Que história pública queremos? São Paulo: Letra e Voz, 2018.
p. 229-37.
Santhiago, R. “Duas palavras, muitos significados: alguns comentários sobre a
história pública no Brasil”. In: Mauad, A. M; Almeida, J. R.; Santhiago, R. (org.).
História pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
p. 23-37.

46 • Responsabilidade profissional
A HISTÓRIA PÚBLICA
BRASILEIRA TEM SIDO
EFICAZ NO COMBATE AOS
NEGACIONISMOS?1
Ana Carolina Barbosa Pereira, Edmilson Alves Maia Junior,
Natália Guerellus, Nashla Dahás, Samuel Silva Rodrigues de Oliveira,
Sônia Meneses e Sonia Wanderley

Para responder à questão de modo objetivo, apresentaremos al-


guns projetos em história pública, destacando suas potencialidades e
limites. Antes, porém, consideramos importante notar a diferença en-
tre eficácia (como “aquilo que produz o efeito esperado; que dá resul-
tado”) e eficiência (que é a “capacidade de realizar tarefas ou trabalhos
com o mínimo de desperdício; produtividade”).

Apesar dos variados projetos terem sido extremamente eficientes, a

1. O presente texto foi elaborado a partir do Grupo de Discussão que deu nome a este capí-
tulo. A dinâmica consistiu na apresentação dos sete coordenadores e a posterior abertura
à discussão com o público, constituído de 70 inscritos, além da criação durante a apresen-
tação, de um Google Docs onde todos e todas foram convidados a colaborar em formato
de texto escrito. Muitos participaram da discussão e das conclusões contidas neste texto e
a eles e a elas agradecemos a participação.

47 • História pública em movimento


eficácia naquilo que gostaríamos de ter como resultado: diversidade de
público, grande alcance, educação histórica, adaptação às linguagens e
técnicas digitais, resultados pedagógicos, subjetivos e políticos, em ge-
ral, demandam muito mais tempo, formação, reflexão coletiva, e talvez
nunca seja alcançada tal como gostaríamos. Isto porque, para além de
todo esforço humano envolvido, sabemos que a nossa cultura digital e,
especialmente, desde 2016, com a eleição de Trump, o Brexit e a elei-
ção de Bolsonaro em 2018, efeitos políticos e de grande alcance, eficazes
no combate ao negacionismo, dependeriam da iniciativa do Estado (na
regulamentação das mídias), do monitoramento de empresas que tra-
balham com dados de pessoas e instituições, de uma educação digital
crítica, além da aprendizagem das novas formas narrativas, envolvendo
igualmente uma aprendizagem técnica para seu desenvolvimento.

Como se tem notado, a acelerada produção possibilitada pelo desen-


volvimento da internet nessas duas décadas do século XXI aprofundou o
fetiche pela verdade em uma perspectiva monolítica, como um dado a
ser revelado e diretamente acessível. No contexto dessa busca por uma
“verdade verdadeira” que multiplica disputas narrativas em produtos
midiáticos, a exemplo da profusão das chamadas mídias sociais na di-
mensão ordinária do cotidiano, emergiu no Brasil um acelerado proces-
so de negação, disseminando, não somente sobre os acontecimentos
históricos, mas como uma postura contemporânea de relacionamento
com os fatos, as informações que se sustentam em determinados regi-
mes de verdade e mentira projetadas no espaço público. Todos estes
elementos estão interligados e ajudam a entender por que nos últimos
anos a negação parece ter se tornado um aspecto cultural do tempo
presente. Convém, assim, definir o que entendemos por negacionismos.

O fenômeno negacionista a que assistimos é bastante distinto da-


quele com o qual nos deparamos até os anos de 1990. Embora a matriz
do conceito tenha por base o princípio da negação, poderíamos falar
em uma nova manifestação da negação que inclui a corrosão de certo
regime de verdade, difundido através dos mais variados produtos de
comunicação e fundamental para a legitimação das informações. Nes-
se sentido, talvez possamos dizer que nesse cenário da negação têm se
organizado vontades de verdade para as quais é necessário o investi-
mento maciço na desconfiança, na desqualificação de pressupostos já
estabelecidos, no ataque a outros sujeitos autorizados a controlar esse

48 • Combate aos negacionismos


dizer verdadeiro, a exemplo do jornalismo e da própria historiografia.
Essas novas disputas entre o verdadeiro e o falso ganham profundos
enredamentos políticos e, se num primeiro momento, a negação não
surge como um projeto pensado ou como estratégia na disposição
desses lugares de enunciação, a experiência dos últimos anos tem de-
monstrado as potencialidades corrosivas da negação.

No caso específico dos negacionismos históricos, observa-se no


Brasil a combinação entre a negação da legitimidade da autoria histo-
riográfica e a afirmação vexatória dos crimes da ditadura, configuran-
do-se a desqualificação dos espaços de fala e de direito de construção
de memória sobre os crimes cometidos, assim como das pessoas afe-
tadas direta ou indiretamente.

As memórias da violência provocada por agentes do Estado con-


tinuam enfrentando dificuldades de inscrição, visibilidade e circula-
ção. Nesse passo, vem se configurando a negação dos direitos hu-
manos como um todo, impedindo canais de reivindicação de grupos
historicamente oprimidos, formação de cultura para a cidadania e
medidas democratizantes e humanitárias. Pode-se dizer que se trata
de tentativas de legitimar a violência enquanto um controle social em
favor de grupos privilegiados. O núcleo duro do negacionismo histó-
rico se faz no elogio da profunda violência do passado (traumático),
que desestabiliza a política no presente ou a integridade identitária
de determinados grupos. A violência é utilizada a partir de sua potên-
cia desumanizadora.

Assim, identificamos como situações de negacionismo as estraté-


gias e táticas discursivas no espaço público para interditar o debate
historiográfico, para politizar uma consciência histórica falseando a fac-
ticidade de processos e eventos do passado, e para construir uma nar-
rativa histórica marcada pela homogeneização e instauração de tabus
e silêncios aos grupos subalternizados ou perdedores na narrativa his-
tórica hegemônica. Por fim, sendo o negacionismo não só a negação
de um acontecimento, mas um conjunto de construções retóricas e de
ações visando o convencimento e a persuasão pelo falseamento, ele
é também uma estratégia que muda ao longo do tempo, e que, hoje,
participa da chamada era digital.

49 • História pública em movimento


A seguir apresentamos alguns projetos que atuam na interface da
História Pública e combate aos negacionismos.

LABORATÓRIO ESTUDO DE HISTÓRIA DOS MUNDOS DO TRABALHO


O site do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Tra-
balho (LEHMT-UFRJ) é articulado por uma equipe coordenada pelo
professor Paulo Fontes. Através do laboratório, realizam-se parcerias
institucionais e com pesquisadores que se materializam em eventos
científicos e acadêmicos, na formação de materiais didáticos para a
educação e divulgação científica com foco nas relações de classe, raça
e gênero no Brasil dos séculos XIX e XX. No site, destaca-se os seguin-
tes projetos que divulgam o conhecimento para um público amplo: a
seção Lugares de Memória dos Trabalhadores apresenta uma geogra-
fia social da formação da classe trabalhadora no Brasil, realizando uma
pequena biografia do lugar de memória e o georreferenciamento do
mesmo; o podcast Vale Mais! aborda temas da atualidade relacionan-
do-os com a história social; o canal Labuta, no YouTube, realiza lives e
entrevistas com especialistas dos mundos do trabalho; a seção Chão
de Escola divulga a produção de conteúdos para a educação básica,
abordando temas que afetam a didática da história e a história social.
Num mundo neoliberal, em que se tenta apagar e negar as identida-
des dos trabalhadores na história, o site levanta questões pertinentes
ao debate sobre a história pública e o negacionismo.

DITADURA EM PROSA
O projeto Ditadura em Prosa consiste em um site na rede social
do Instagram para produção de conteúdo educacional feito por estu-
dantes. É uma experiência de pesquisa, extensão e educação no ensi-
no médio do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow
da Fonseca (Cefet-RJ), e articula a relação entre a história pública e o
ensino da história da ditadura. Em 2017, em vista da comemoração da
efeméride de cem anos do Cefet-RJ, foi realizada a pesquisa e publi-
cação do livro A escola que mudou a minha vida (2017), em parceria
com a associação de ex-alunos da instituição. Essa pesquisa realizada
com bolsas de iniciação científica no ensino médio formou um grupo
e serviu de estímulo para refletir sobre a forma como a memória e

50 • Combate aos negacionismos


história do Cefet-RJ na ditadura era negligenciada e tinha uma me-
mória social ambivalente em relação a valoração positiva ou negativa
do regime autoritário. Além disso, observou-se uma grande lacuna na
formação dos estudantes ao refletir sobre a ditadura civil-militar. Em
uma cultura escolar em que os temas da história do tempo presente
são relegados às últimas etapas do ensino médio, várias vezes o en-
sino da ditadura resume-se à enumeração asséptica dos presidentes.
Além disso, é possível encontrar um comportamento difuso entre os
jovens brasileiros que refletem o que Luís Fernando Cerri e Geni Duar-
te caracterizaram como uma neutralidade diante do passado recen-
te: na pesquisa Jovens diante da História, aferindo à cultura política
e à consciência histórica de professores e jovens da América Latina,
o Brasil se destacou por esse comportamento de ambivalência em
relação à ditadura em contraposição ao cenário mais crítico e ima-
gem negativa na Argentina e Uruguai (Duarte & Cerri, 2012). O projeto
combate o negacionismo refletindo sobre a memória escolar da insti-
tuição e propondo uma formação de uma rede social que tenha como
foco o tema da história da ditadura civil-militar.

HISTÓRIA EM QUARENTENA (HQ)


O HQ foi lançado no Facebook em 23 de março de 2020, motivado
pelo início da crise sanitária e por iniciativa de dois historiadores, um
brasileiro (Paulo César Gomes) e um espanhol (Carlos Benítez Trinidad),
mas logo foi completado com mais quatro historiadores e historiadoras
de diferentes nacionalidades (Mélanie Toulhoat, Lucas Pedretti, Maria-
na Meneses e Natália Guerellus). Contou com a participação de mais de
200 convidados/as, entre pesquisadores e pesquisadoras das ciências
humanas e sociais, mas também atores e atrizes, políticos, cineastas,
escritores e escritoras, ativistas etc. de dez nacionalidades diferentes
e em quatro línguas. Em apenas três semanas, o programa registrou
mais de 15.000 inscritos na página Facebook e o projeto foi ampliado
para o Instagram, Twitter, além do conteúdo em podcast e um site com
financiamento coletivo. As principais características do projeto são: co-
letividade, pragmatismo, autonomia, diversidade (de temas, profissões
e pessoas), e o fato de o seu resultado ser um testemunho deste mo-
mento da história brasileira.

51 • História pública em movimento


Em agosto de 2020, na última semana do programa, foi lançada
uma enquete aos inscritos na página Facebook do HQ, que foi respon-
dida por 256 pessoas. Os dados apontam uma maioria de pessoas com
mais de 40 anos (54%), de todos os estados brasileiros, maioria de ho-
mens (54%), autodeclarados brancos (54%), com ensino superior (82%)
e exercendo diversas atividades profissionais, como biólogos, profes-
sores, jardineiros, arquitetos, artesãos, advogados e um dito “água de
coco”. 77% conheceram o programa através das redes sociais, e esco-
lheram o Facebook como melhor veículo para sua difusão. As temá-
ticas mais votadas como importantes foram “Epidemias e doenças”,
“História indígena” e “Mitos da ditadura”.

Percebe-se, através deste resultado, a permanência do programa


em círculos de classe média e alta brasileiros, homens, brancos, com
graduação e pós-graduação. Estes dados informativos foram funda-
mentais para a reformulação do “História da Ditadura” (veremos a se-
guir), que procura diversificar suas temáticas e o perfil de seus mais de
70 colaboradores e colaboradoras. Dados mais qualitativos da enquete
foram mapeados pela pergunta: “Qual sugestão você daria para o nos-
so projeto”? Muitas das respostas aí contidas servem de estímulo aos
projetos do História da Ditadura (HD).

HISTÓRIA DA DITADURA:
NOVAS PERSPECTIVAS
O site é atualmente editado por oito historiadores/as tendo Paulo
César Gomes como editor chefe e criador do projeto – todos/as sem
vínculo institucional efetivo. O site conta com a participação de 70
pesquisadores/as de várias nacionalidades, que publicam colunas
sobre temas do cotidiano a partir de diversas formas de escrita da
história, registros de época, referências culturais e imagens. Desta-
que para o banco de entrevistas com artistas, ativistas, intelectuais,
testemunhas e agentes do Estado, que narram suas vivências diretas
e indiretas com relação à ditadura militar, a partir de linguagem flui-
da e pessoal. Sem o compromisso com o rigor científico atribuído à
história oral ou à história pública, estritamente enquanto campos de
produção e reflexão histórica, o site incorpora elementos dessas ver-
tentes, em especial, a intersubjetividade e a pluralidade como tecidos

52 • Combate aos negacionismos


da História. O HD enfrenta cotidianamente ataques negacionistas
através de comentários pejorativos, desqualificadores e incitadores
de ódio em publicações divulgadas no próprio portal e, especialmen-
te, em sua página da rede social Facebook.

REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL


A extinta RHBN é exemplo que permite pensar a história públi-
ca em suas formas de expressão anteriores à consolidação do campo,
como um modo de consciência histórica perpassada pela autorrefle-
xão sobre o alcance público da produção em História e sobre o questio-
namento da contribuição acadêmica neste aspecto. Enfrentou, entre
outras dificuldades, um veto editorial à publicação de um dossiê sobre
o golpe de 1964 no ano de 2012. Parte de suas edições foram disponibi-
lizadas no site do projeto.

A MÚSICA DE: HISTÓRIA PÚBLICA DA MÚSICA DO BRASIL


Projeto marcado pela discussão da história pública, criado e ali-
mentado por um coletivo de historiadores com titulação acadêmica,
tendo como criadores e editores Daniel Saraiva e Ricardo Santhiago.
O projeto constitui desafio instaurado no limiar entre academia e es-
paço público. Iniciado em 2019, fomenta, produz, reúne e divulga de-
poimentos e estudos que aproximam história, memória e as vertentes
da música feita no Brasil. Destaca-se na seção dedicada à publicação
de resenhas de LPs, CDs e álbuns digitais, a ambiência e a discussão
cultural e política trazida pela interpretação de obras como Aprender
a nadar (1974), de Jards Macalé; Milton (1970), de Milton Nascimento e
Pássaro emigrante (1979), de Claudya. Trata-se de contribuição singu-
lar para a compreensão e sensibilização do público amplo a respeito
da ditadura. A dificuldade mais evidente que o projeto enfrenta resi-
de na própria produção de conteúdo, demonstrando o trabalho ainda
por fazer no que concerne à história e à memória da arte em tempos
autoritários.

53 • História pública em movimento


AFASTE SEU RACISMO PRA LÁ:
ÉTICA E CIDADANIA NO ESPAÇO ESCOLAR; LITERATURA FAZENDO
HISTÓRIA; ESCRITA LITERÁRIA, SENSIBILIDADE HISTÓRICA E AMBIENTAL
A partir de preocupações historiográficas no campo da pesquisa e
da prática docente nos anos finais do ensino fundamental, o projeto diz
respeito aos usos políticos do passado, à proposta de uma abordagem
que aproxima história, literatura e direitos humanos, o que aponta para
o estudo de questões sensíveis no ensino de história, visto como espa-
ço privilegiado para a constituição e inscrição de políticas da memória.
O objetivo tem sido pensar, em conjunto, a prática historiográfica e o
ensino de história frente aos intensos e recorrentes ataques e deman-
das negacionistas na contemporaneidade. Desafios éticos e estéticos
que se somam às dificuldades da sociedade brasileira em inscrever,
como memória pública em diferentes espaços sociais, o seu passado
violento. Neste sentido, destaca-se o caráter político, sensível e estético
da literatura e do ensino de história e a importância central da história
pública como possibilidade de contribuir para a constituição de políti-
cas de memória e mobilizar um repertório mais ético e humano numa
cultura marcada por tradições autoritárias.

FONTES HISTÓRICAS DA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA:


DISCUTINDO AUTORITARISMO E DEMOCRACIA NAS
ESCOLAS PÚBLICAS E PLATAFORMAS ONLINE
Com bolsistas de extensão, monitoria, Iniciação Científica, realiza-
mos em Escolas Públicas do Ceará, nos anos de 2018 e 2019, palestras
sobre Fontes Históricas da Ditadura, no incentivo a olhares embasados
não em achismos ou nas chamadas fake news, mas na interpretação
de diferentes versões sobre o período, na problematização da memória
como uma relação entre temporalidades, com silêncios, seleções, inten-
cionalidades. Por conta da pandemia da Covid-2019, decidimos ampliar
o foco dos usos das memórias nas lutas sociais a partir de reflexões so-
bre o mundo capitalista pandêmico em dimensões como: as platafor-
mas eletrônicas monopolistas, o ensino remoto e trabalho precarizado,
e o avanço do autoritarismo/negacionismo no sufocamento do debate
público. Mobilizamos meios digitais com a criação de canais e sessões
(YouTube, Google Meet, Spotify, Facebook, Instagram) na elaboração de

54 • Combate aos negacionismos


narrativas audiovisuais no estudo de fontes históricas. Tivemos debates
de dissertações e teses, com a presença dos autores e autoras; podcasts
e vídeos sobre a ditadura e com docentes acerca das palestras nas esco-
las, suas trajetórias e aulas atuais; participação/organização de eventos
discutindo temas do autoritarismo e direitos humanos.

As atividades de 2018-2020 indicaram que o diálogo com diversas


fontes históricas, (imagens, canções, documentos oficiais, revistas, jor-
nais, vídeos, entrevistas etc.) contribui no entendimento/enfrentamen-
to do negacionismo em uma interação com os estudantes e internautas
para formularem criticamente seus pontos de vista sobre os testemu-
nhos históricos, e como possíveis protagonistas dessa discussão dos
direitos na sociedade. Projeto renovado em 2021, continuaremos inves-
tigações e palestras de forma presencial nas escolas, quando possível, e
já realizamos algumas pelos meios digitais. Publicaremos também, em
abril, na rememoração do “Golpe de 64”, um podcast, “Meningite-1970/
Covid-2019: mídia, autoritarismo e sociedade”, retomaremos os episó-
dios “Escutas da Docência”, e iniciaremos a série “Memórias de Luta”
entrevistando militantes perseguidos pela ditadura.

HISTÓRIA NA RUA:
CULTURA HISTÓRICA E HISTÓRIA PÚBLICA NA TV
O projeto de Extensão “História na Rua: cultura histórica e Histó-
ria Pública na TV UERJ” é um artefato didático cultural que parte do
projeto de pesquisa “Cultura histórica e ensino de história: interseções
com a História Pública”. Sua finalidade é experimentar empiricamente
as reflexões desenvolvidas com a pesquisa por meio da produção de
vídeo-programas que serão editados e exibidos nas redes sociais da TV
UERJ, do Centro de Tecnologia Educacional da UERJ (CTE). O eixo prin-
cipal dos programas relaciona narrativas historiográficas e narrativas
históricas (produzidas sem a metódica racional-histórica) acerca de te-
mas sensíveis e socialmente relevantes na cultura histórica contempo-
rânea. A perspectiva é pensar o “História na Rua”, título da série, como
um exercício de história pública, portanto como prática específica de
em um entrelugar onde o profissional de História faz circular o caráter
metódico da ciência histórica a partir dos objetivos de ampliação da
circulação do conhecimento científico. A proposta está relacionada às

55 • História pública em movimento


discussões acerca da Didática da História, desenvolvidas no Laboratório
de Ensino de História (CAp-UERJ) e no Laboratório de Estudos das Di-
ferenças e Desigualdades (LEDDES-UERJ). O objetivo central, portanto,
é produzir narrativas históricas (o que as diferencia de historiográficas)
que reflitam “como e onde se aprende e se ensina História”, um deba-
te público acerca das representações do passado. Assim, aprende-se
História em experiências sociais distintas, ainda que nem sempre es-
sas narrativas daí resultantes estejam pautadas no conhecimento sis-
tematicamente produzido. A pergunta que se segue imediatamente
passa a ser: qual é o papel do historiador no meio desse enorme caldo
da cultura histórica? Motivadas pela História Pública, que correspon-
de a uma área de produção e atuação do historiador que se engaja e
que participa do debate amplamente com a sociedade e com a cultu-
ra histórica vivida, entendemos que é fundamental transbordar nossas
ações para além dos espaços formais de educação. A ferramenta da
escrita videográfica da história tornou-se fundamental para a ampla e
eficiente divulgação desse exercício em plataformas digitais. O “texto
videográfico”, conforme nos diz Ana Mauad (2011), é pensado, portanto,
como uma possibilidade de produzirmos debates para além de docu-
mentários cinematográficos e de videoaulas de perspectiva geral, di-
vulgando o trabalho historiográfico por meio de um suporte atrativo,
com linguagem atualizada e visando um público ampliado.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE


Quando falamos em combate aos negacionismos, temos três sen-
tidos para a palavra: 1) Contestar por meio de um debate, algo que a
historiografia brasileira já tem como princípio, aliás, princípio das ciên-
cias humanas e sociais; 2) Esforçar-se por dominar, vencer, extinguir,
sendo este um sentido importante para se pensar o combate travado
pelos negacionistas, e o que a historiografia faz. Por princípio, o discur-
so negacionista é anti ou pseudocientífico, falsificando o passado ou o
presente para dominar, vencer e extinguir o que não é o seu discurso.
Acreditamos que a educação crítica e, portanto, a longo prazo, ainda
seja a melhor das soluções e, neste sentido, os trabalhos apresentados
em HP podem participar deste processo com eficiência; 3) Opor-se a:
combater as próprias paixões. Acreditamos também que aqui temos

56 • Combate aos negacionismos


uma lição importante a tirar, para não transformar o nosso discurso
em um discurso autoritário e mesmo negacionista, seja como forma
de proteção de uma classe ou de grupo (os historiadores), seja porque
voltamos, mesmo sem perceber, à ideia de que apenas uma verdade
existe, e que só o historiador tem acesso a ela. Precisamos, portanto,
estar atentos a este tipo de combate.

Partindo de tais conceitos e pressupostos da noção de combate,


assim como as respostas e possibilidades apresentadas à pergunta
que abre este texto coletivo, consideramos a importância de pensar-
mos a formação dos professores que atuarão na educação básica, de
reformular as grades curriculares de formação destes professores,
pensando nas necessidades do nosso tempo, como a educação para
o mundo virtual, para o combate aos negacionismos e à manipulação
política. A história pública, nesse sentido, deve apresentar a crítica da
“verdade” e do regime de verdade que se estabelece atualmente, de-
monstrando o descompasso entre pensamento e realidade exterior,
juntamente com a produção de uma verdade (na modernidade) para
a dominação colonial.

O diálogo é também uma categoria importante para a HP, pois


as violências são antidialógicas, fundamentadas na negação das di-
ferenças. Dialogar com o público é importante para desfazer os ne-
gacionismos históricos e a violência que advém dela. Pelo diálogo,
historiadoras e historiadores públicos precisam criar junto ao público
formas de pensar a História que reconheçam suas feridas e reflitam,
agindo para sua superação.

A escola fechada em muros não pode ser mais concebida e, prin-


cipalmente, não podemos pensar em formar professores apenas
como agentes burocráticos, replicadores e distantes da realidade so-
cial. Como a literatura, a História é também um “lugar de fecundação
do pensamento” – tal como alertava Manoel Luiz Salgado Guimarães
-; e pode ser um dos possíveis lugares de interlocução e acolhimento,
a partir de uma abordagem voltada à ética e aos direitos humanos.
Afinal, contar história(s) é também acolhê-las; é ativar a circulação de
sensibilidades e (in)visibilidades.

Encerramos este texto coletivo, reproduzindo abaixo as pergun-

57 • História pública em movimento


tas que foram colocadas ao longo do debate que ensejaram a escrita
desse texto:

• A profusão de negacionismos e fake news pode ser considera-


da como desdobramento da inscrição social da memória como
fenômeno cultural, moral etc.?

• Se, ao nos lançarmos nas redes sociais online, alimentamos


continuamente o mercado de dados e o capitalismo de vigilân-
cia, não estaríamos contribuindo para a manutenção e emer-
gência de antigos e novos negacionismos, contrariando todos
os nossos interesses, ferindo nossos valores éticos, minando e
exaurindo nosso repertório de resistência?

• Se o momento vivenciado impõe variadas limitações ao ensino,


não somente da história, e à atuação docente, em especial nas
escolas públicas (tendo em vista a ampla desigualdade social
e exclusão digital), como lidar com a disseminação de nega-
cionismos amparados por políticas de governo anticientíficas?
como enfrentar a instrumentalização política do passado e a
reprodução acelerada de canais, sites, perfis e outras mídias
que evocam um passado idealizado, falseado e manipulado?

• Se, em termos epistemológicos, a busca da história não pode


ser pelo estabelecimento de uma verdade unívoca e indiscu-
tível; se é da natureza da história a sua necessidade contínua
de reescrita, o que não indica fragilidade, pois constituída
dentro de critérios metodológicos; se a escrita da história não
pode perder de vista o seu caráter provisório e fragmentário,
o que não implica negar-lhe sua condição de conhecimento
verdadeiro, como lidar com negacionismos que colocam em
suspenso a prática historiográfica, o ofício e as evidências da
história?

• Em meio a esse panorama tenso e sombrio, como lidar com a


produção e a escrita da história formulada em espaços diferen-
tes e apartados das oficinas de historiadoras e historiadores?

• Como lidar com a instrumentalização do passado e a dissemi-


nação de versões distorcidas e manipuladas?

• É preciso refletir sobre a relação entre história pública e

58 • Combate aos negacionismos


profissionalização, conforme colocado, principalmente no
cenário de regulamentação da profissão. Quais os impactos
profissionais desta regulamentação? O que ela muda para a
história pública no Brasil?

REFERÊNCIAS
Avila, A. L. “Qual passado usar? A historiografia diante dos negacionismos”. Café
História, 29 abr. 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/nega-
cionismo-historico-historiografia/. Acesso em: 14 abr. 2021.
Duarte, G. R.; Cerri, L. F. “Politização e consciência histórica em jovens brasileiros,
argentinos e uruguaios”. Diálogos, Maringá/PR, v. 16, supl. esp., p. 229-56, 2012.
Le Goff, J. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990.
Mauad, A. M.; Dumas, F. “Fontes orais e visuais na pesquisa histórica: novos mé-
todos e possibilidades narrativas”. In: Almeida, J. R.; Rovai, M. G. O. (org.). Intro-
dução à história pública. São Paulo: Letra e Voz, 2011. p. 81-95.
Mauad, A. M.; Santhiago, R.; Borges, V. T. (org.). Que história pública queremos?
São Paulo: Letra e Voz, 2018.
Meneses, S. “Negacionismos e histórias públicas reacionárias: os usos abusivos
do passado em tempos de pós-verdade”. OPSIS, Catalão/GO, v. 19, n. 2, p. 1-9,
2019.
Oliveira, S.; Silva R.; Barreto, M. R. N.; Cardoso, T. M.F.L. A escola que mudou mi-
nha vida: uma história de vida, pertencimento, afeto, formação humana e
profissional. Rio de Janeiro: Proiatec, 2018.

59 • História pública em movimento


QUAIS OS LIMITES DA
HISTÓRIA DIGITAL EM UM PAÍS
MARCADO PELA EXCLUSÃO E
PELA DESIGUALDADE SOCIAL?
Anita Lucchesi, Fernando Sossai, Giliard Prado,
Luiz Otávio Correa, Marcella Albaine, Pedro Telles da Silveira,
Rodrigo Bragio Bonaldo e Waldomiro da Silva Junior

SUPERLOTAÇÃO DA OBVIEDADE
(POR PEDRO TELLES DA SILVEIRA)

Um pessimista, um cínico e um cético entram em um bar no fim


da pandemia, assim começa a piada (Terto, 2021, p. 49). Não fui eu quem
começou essa piada, mas Ricardo Terto num livrinho primoroso recém-
-publicado sobre o Brasil, a pandemia e as redes sociais. De certa forma,
a piada, cujo final o autor não entrega, e suas personagens, risíveis e
ridículas, talvez porque se levem a sério demais, representam um mo-
mento que já passou, já voltou e já cansou: ninguém sabe o que restará
do Brasil após a pandemia tampouco quando ou como ela acabará.
Quem sabe é pessimista, cínico ou cético; nos três casos, há uma falha
na atenção ao presente, mas não é a própria possibilidade de colocar as

61 • História pública em movimento


coisas em perspectiva, perceber que a visão de mundo é uma visão de
mundo, e não o mundo, que o Brasil da pandemia parece ter perdido?

O diagnóstico de Terto é que estamos numa crise de obviedade,


a qual torna até o discurso crítico redundante. “O óbvio é o protocolo
de saúde mais importante dessa década, ou talvez até do século” (Ter-
to, 2021, p. 11). Entretanto, no Brasil da pandemia, há uma espécie de
“superlotação da obviedade”: no óbvio, padaria vende pão, e funciona.
Porém, estamos no tempo e no lugar onde é preciso dizer isso todos
os dias. E se eu torcer para chover pão? Não funciona. E se eu pedir à
funerária para trazer pão? Não existe, ainda (Terto, 2021, p. 11).

Algo semelhante parece ter acontecido à história digital no con-


texto da pandemia. Ano passado, Anita Lucchesi, Thiago Nicodemo e
eu assinamos a introdução de um dossiê sobre história digital e his-
tória global que organizamos para a revista Esboços, da Universidade
Federal de Santa Catarina. O dossiê, proposto na segunda metade de
2019, teve sua introdução “atualizada” pelo advento da pandemia. Na-
quela situação, como hoje, todo ensino se tornou remoto. Do mesmo
modo, o que ocorreu com os debates sobre a história digital, sobre a
inquietação a respeito de toda história, quando feita no computador ou
na internet, se tornar história digital? Com as bibliotecas e os arquivos
fechados, hoje parece óbvio que usamos o computador para tudo, mas
nem tudo que fazemos é história digital, embora seja possível dizer que
todas e todos nos tornamos historiadores nas plataformas digitais. Será
que a história digital se tornaria ela mesma óbvia e, como tal, presente
em todos os cantos? Ou ela se tornaria óbvia e, com isso, irrelevante?
Seu enquadramento teórico, desnecessário?

Em parte, acredito que os problemas derivem da indefinição – ou


pluralidade – do que é a história digital. Uma primeira compreensão
é a da história digital como a aplicação de métodos computacionais
na análise histórica, o que a inseriria numa história da especialização
de profissionais crescentemente capacitados para lidar com as lingua-
gens computacionais e metodologias diversas. Nessa visão, os ante-
cessores da história digital seriam as digital humanities e a precursora
desta, as humanities computing, assim como a história serial francesa
e a cliometria norte-americana. Uma segunda compreensão é a da his-
tória digital como a utilização de ferramentas digitais para ampliar a
divulgação e o acesso do público ao conhecimento histórico produzido

62 • História digital
na academia. Com essa segunda vertente, a história digital é uma atua-
lização da história pública através das tecnologias de mídia.

Os caminhos não são excludentes, mas têm divergências signifi-


cativas. No primeiro caso, a expansão e o fortalecimento da história di-
gital dependem da ampliação da infraestrutura de acesso à internet
nos campi universitários; da formação de alianças interdepartamen-
tais e interdisciplinares entre os cursos de história, ciências sociais, jor-
nalismo e computação; da introdução de componentes curriculares
nos cursos de graduação em história que contemplem as habilidades
necessárias para formar boas e bons historiadores digitais. Em suma,
é uma questão interna à disciplina, embora pareça obvio que, no con-
texto atual, os investimentos necessários para alcançar esse grau de
desenvolvimento não serão feitos – da mesma forma, existe uma “ex-
ternalidade” importante, qual seja, a dependência da universidade
no contexto da pandemia com relação às plataformas de reuniões e
trabalho remoto pagas, como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams,
como já destacou Domenico Fiormonte em texto traduzido por Leo-
nardo Nascimento no Brasil (2020).

O segundo caso, porém, é mais complexo, porque na sua intersec-


ção com a história pública, torna-se necessário perguntar quem é o
público da história digital. Necessariamente tal questão não é apenas
interna à disciplina histórica, mas engloba outros atores e fatores.

Quem tem acesso à internet no Brasil? A última pesquisa TIC Do-


micílios, conduzida entre novembro de 2019 e março de 2020, apon-
tou que 71% dos brasileiros têm acesso à internet, uma figura que é
mais ou menos uniforme regionalmente – o Sudeste tem 75% de lares
com acesso à internet, enquanto o Nordeste é a região onde esse índi-
ce é menor, com 65% das residências conectadas; Sul, Norte e Centro-
-Oeste estão nas posições intermediárias com, respectivamente, 73%,
72% e 70% dos lares. Apesar dessa figura relativamente alta – afinal,
75% dos brasileiros têm acesso à internet –, é significativo que apenas
39% dos lares tenham computador. Mesmo que isso reflita uma ten-
dência mais ampla pela qual o laptop e o PC são menos importantes
como ferramentas de trabalho do que aplicativos no celular (como
o WhatsApp), uma tendência que provavelmente se alterou duran-
te a pandemia, é interessante perceber como os dados de acesso à
internet divergem quando analisados segundo os recortes de classe,

63 • História pública em movimento


em primeiro lugar, e segundo o recorte da exclusividade de acesso à
internet pelo celular, em segundo lugar.

Quando analisados por classe, é significativo que enquanto 39%


dos lares brasileiros tenham computador, o aparelho esteja presente
em 95% dos domicílios de classe A; 85% de classe B; 44% de classe C; e
apenas 14% das classes D e E. Para além do desnível abrupto entre as
classes A e B e C, D e E, vale notar que usuários de internet nas últimas
faixas de renda sejam os mesmos usuários que tenham acesso à inter-
net exclusivamente através do celular. O segundo dado, nesse sentido,
é ainda mais relevante.

A pesquisa aponta que usuários menos alfabetizados, nas classes


C, D e E, situados em ambiente rural, além de na sua maioria mulheres
frente a homens, todos esses usuários têm acesso à internet somente
através do celular. Trata-se, em outras palavras, de acesso por 3G, e não
por banda larga.

À sua maneira, os dados mostram um retrato da desigualdade de


infraestrutura do país, caracterizado pela oposição entre meios urbano
e rural, além de centro e periferia. Os dados também importam porque
nos levam a considerar que não basta saber qual a porcentagem da
população brasileira tem acesso à internet ou não, mas como se dá
esse acesso – e se, contra a exclusão e a desigualdade, tal acesso torna
realmente o mundo acessível aos seus usuários.

Nesse sentido, o principal aspecto é que o acesso à internet pelo


celular é um acesso mediado por aplicativos que, apesar de possibili-
tarem o empoderamento do usuário, pouca autonomia lhe concedem,
como já destacou Lori Emerson (2014). É um uso cotidiano, misturado
à sociabilidade diária, relacionada a necessidades de trabalho, contato
afetivo, informações de familiares e amigos e à circulação de notícias
sobre o mundo recebidas diretamente nos aplicativos de mensagem
direta e nas redes sociais, descontextualizadas de sua proveniência
original. Creio ser necessário levar isso em conta ao refletir e estimular
o letramento digital como condição da história digital. O letramento
digital implica romper uma dinâmica de utilização da internet que
é marcada por sua imediaticidade, seja pela comparação entre
fontes de informação diversas, seja pelo aprendizado de linguagens
de programação e o entendimento acerca de como os aplicativos

64 • História digital
funcionam, conhecimentos que já implicariam o contato com PCs
e laptops, usualmente disponíveis apenas em escolas e centros
comunitários – ambos fechados durante a pandemia. De qualquer for-
ma, a suspensão da imediaticidade das redes é contrária a um ritmo
de vida que muitas vezes não pode ser quebrado. Como lembra Terto,
“Ter tempo e ser pobre no Brasil é quase subversivo” (Terto, 2021, p. 27).

Em outro texto, que ainda está para sair, Anita Lucchesi e eu men-
cionamos o caráter experimental e exploratório da história digital. No
exterior, isso tem sido pensado sob a rubrica do thinkering, um neo-
logismo cunhado por Andreas Fickers para reunir os dois aspectos do
pensar e do brincar que caracterizam a prática da história digital. No
Brasil, a esse respeito, o principal insight é de Dilton Maynard, para
quem a escola, sobretudo a pública, é o grande laboratório das huma-
nidades digitais no país.

Em certa medida, tal situação não deixa de ser uma resposta à pre-
cariedade institucional e de infraestrutura brasileira, a qual transforma
as iniciativas de história digital em projetos isolados, descontínuos, in-
dividuais e provisórios. A precariedade é tanto o mote para a inventivi-
dade quanto o sinal da falta de alternativas. Voltando ao livro de Ricar-
do Terto, agora numa passagem mais longa,

a precariedade é capaz de promover uma desenvoltura e resiliên-


cia que é sim ferramenta de sobrevivência e de orgulho, digo isso
com o olhar periférico com o qual ainda observo o mundo ao meu
redor e como admirador da tecnologia gambiarra, que não é só
uma invenção, mas uma declaração. Observe que toda gambiarra
não tem vergonha de deixar bem claro o que é, como quem diz
Eu sou um prego no chinelo sim, eu sou sobrevida e sou eu que
impeço o pé no asfalto quente. E tem mais, eu sou uma caixa de
fósforo e sou um instrumento musical, sou lona, tijolo e altar, caco
de vidro, cola e pipa, sou até o gesto rápido de empurrar a catraca
para trás e deixar o próximo passar, o gesto de segurar a porta
é uma tecnologia de sobrevivência a que nós nos habituamos a
manejar. Mas ela nasce do mesmo lugar em que deixamos o pé
propositalmente para o outro tropeçar. (Terto, 2021, 25)

Então, qual é o significado da nossa precariedade, que parece for-


talecer e condenar a história digital a um aspecto marginal da nossa
prática historiográfica?

65 • História pública em movimento


Uma questão adicional é o lugar que o conhecimento gerado e di-
fundido pela história digital ocupará numa paisagem social e midiática
já caracterizada pela precariedade. “Ter acesso a informações”, nos lem-
bra Terto, “não necessariamente te torna uma pessoa bem-informada”
(2021, p. 28), uma vez que o ambiente digital no Brasil, afirma ele, ape-
nas reproduz as dinâmicas da desigualdade previamente existentes.
Um exemplo é o WhatsApp, “o galho que acessa a fruta e o prego que
restaura o chinelo”, já que o WhatsApp “reforma o acesso à informação”
(2021, p. 29). O WhatsApp não é o único aplicativo que remedia o aces-
so à informação, mas, no contexto brasileiro, é o que faz isso melhor. O
conhecimento adquirido através do WhatsApp está situado na tênue
fronteira entre popularização e exclusividade. Aquela mensagem foi
“Encaminhada com frequência”, alcançou muitas pessoas, mas ela uti-
liza uma retórica do conhecimento secreto que chegou ao usuário para
além dos canais oficiais ou reconhecidos, esses que, na sua abrangên-
cia, só podem ser suspeitos de obedecer a interesses ocultos. Imediati-
cidade, afeto e exclusividade de acesso à informação estão a um passo
de qualquer teoria da conspiração – e ela não vale apenas para usuários
de determinada classe social, basta pensar que certa produtora de “do-
cumentários históricos” também afirma oferecer a verdadeira história
do Brasil, aquela que os historiadores e os professores de história não
contam, muito menos as historiadoras e as professoras de histórias, es-
sas sim, não contariam a verdadeira história do Brasil.

Como pensar, então, a atuação da história digital, pautada por uma


linguagem democrática, que vincula o acesso à informação com a uni-
versalização do conhecimento e a formação do senso crítico sobre o
passado, com um contexto no qual a crítica é a “pílula vermelha” que
lhe coloca no grupo seleto daqueles que sabem? Como tornar a his-
tória digital atraente num contexto em que o acesso e a exclusividade
andam lado a lado?

De certa forma, o thinkering implica no reconhecimento de uma


incompletude estrutural na prática da história digital, à qual restaria
sempre uma margem de indeterminação e novidade. José Messias
(2020), num artigo também recente no qual discute a teoria das mídias
através dos conceitos de “precariedade” e “gambiarra”, afirma que se-
melhante característica seria parte de todo objeto técnico, assim como
do funcionamento de toda mídia. É justamente essa margem que

66 • História digital
permite a invenção e a transformação nas mediações técnicas com as
quais nos situamos no mundo. Dessa maneira, a gambiarra não seria
uma falta num organismo já completo; pelo contrário, ela mostraria
que o aparelho é um constructo passível de novos desenvolvimentos.
Para o autor, a gambiarra seria uma forma de conhecer através da ex-
perimentação, o que sinalizaria a passagem de um contexto pós-colo-
nial marcado pela precariedade para uma epistemologia pós-colonial
que invalida qualquer recorte fixo entre sujeito e objeto, além da essen-
cialidade a esses termos.

Ainda que tentadora, leio sua proposta como uma aposta, pois
acredito que é muito diferente experimentar numa situação dotada de
estruturas que permitam acolher os fracassos e os erros do que ser for-
çado a inventar pela ausência dos requisitos básicos para iniciar qual-
quer atividade digna de merecer este nome. Aplicada ao contexto co-
lonial brasileiro, o pior que poderia acontecer à história digital é que ela
se tornasse o elogio heroico da precariedade. Quanto a isso, para que
a história digital não seja mais marginal tanto à prática historiográfica
quanto à circulação de enunciados sobre o passado, é necessário não
apenas que ela se fortaleça disciplinarmente, mas que ela se torne o
resultado colateral do investimento em infraestrutura de acesso à in-
ternet, recriação de centros comunitários, investimento em educação,
regulamentação da imprensa e criação de um arcabouço legal para
a atuação das redes sociais. Uma boa história digital é o resultado de
boas políticas públicas de acesso à internet.

Perto do fim da pandemia, um historiador, um cientista da compu-


tação e um especialista em políticas públicas entram num bar. Como
termina essa piada?

LIMITES DA HISTÓRIA DIGITAL


(POR GILIARD PRADO)

O mundo contemporâneo vem assistindo nas últimas décadas


ao que se convencionou denominar de “virada digital” ou “revolução
digital”. Trata-se de um processo, em acelerada expansão, caracteriza-
do pelas transformações que as tecnologias digitais têm causado nas
mais diversas atividades e interações humanas, incluindo-se aí desde

67 • História pública em movimento


as mais elementares ações cotidianas até as práticas do conhecimen-
to científico. Nesse sentido, de modo semelhante ao que ocorre com
outras áreas disciplinares, a História se vê diante do desafio de lidar
com os impactos que essas tecnologias digitais têm causado na pes-
quisa, no ensino e nas formas de divulgação do conhecimento histó-
rico, o que pressupõe reflexão e uso problematizador dessas tecnolo-
gias, aspectos que distinguem os praticantes de uma história digital
e, extensivamente, de uma história pública digital daqueles que, pela
simples uso das tecnologias digitais em seu ofício, praticam uma his-
tória na era digital.

Ainda que haja desafios comuns aos praticantes da história digital,


é preciso que se leve em consideração que determinadas realidades
históricas lhes impõem limites e dificuldades adicionais. Isto porque,
embora a revolução digital que está em curso seja um fenômeno de
escala global, existem, consoante o grau de desenvolvimento de um
determinado país, região ou localidade, acentuadas desigualdades nas
condições de acesso à internet e às tecnologias de informação e comu-
nicação que lhe estão associadas. Em um país como o Brasil, marcado
por uma sociedade de caráter excludente, as disparidades socioeconô-
micas provocam correlatas desigualdades digitais e tornam patente o
fato de que diversos aspectos da vida social são afetados pela exclusão
digital. Diante desse cenário, quais são os desafios para se promover
a inclusão digital no Brasil? E como esses desafios se relacionam com
as condições de produção e difusão do conhecimento histórico? Que
limitações eles impõem aos praticantes da história digital?

O cenário de exclusão digital no Brasil – que já era perceptível no


cotidiano e conhecido por meio dos dados de sucessivas pesquisas
sobre o tema – teve seus efeitos potencializados e tornou-se mais evi-
dente no contexto da pandemia de Covid-19, quando, em virtude da
ausência ou das péssimas condições de acesso à internet, inúmeras
pessoas se viram impossibilitadas de trabalhar, de estudar e até mes-
mo de proteger a saúde no contexto da grave crise sanitária mundial
que atravessamos, o que aponta para o fato de que a inclusão digital
é, obviamente, não uma questão de consumo, mas sim de cidadania.

Os dados de pesquisas recentes (PNADC e TIC Educação 2019) so-


bre a inclusão digital no Brasil indicam que o país, apesar do pretexto
utilizado por ocasião da privatização do setor de telecomunicações,

68 • História digital
está muito longe de alcançar a universalização do acesso. O quadro de
desigualdades digitais fica evidenciado no fato de parcelas significa-
tivas da população não possuírem dispositivos digitais nem acesso à
internet. Apenas para ilustrar essa realidade, pode-se mencionar que
35% dos alunos de instituições públicas de ensino com faixas de renda
correspondentes às classes C, D e E não possuem internet em casa. Na
zona rural, a internet está ausente em 49% dos domicílios. No entanto,
mais do que quantitativo, o problema é qualitativo. Entre a população
de baixa renda, 85% acessam a internet unicamente pelo celular, sendo
que há aqueles que possuem planos de dados que permitem acesso
apenas a aplicativos de mensagens instantâneas e a redes sociais.

Essas condições limitadoras do uso das tecnologias digitais e da


conectividade com a internet pela população economicamente mais
vulnerável evidenciam que a inclusão digital vai muito além da ques-
tão do acesso à internet, passando pelo necessário letramento digital
e por uma apropriação crítica das tecnologias. Restritas a aplicativos
como WhatsApp, no qual é frequente o uso de robôs para disparos de
mensagens em massa, e a redes sociais como Facebook, cujos algo-
ritmos de recomendação de conteúdo contribuem para o isolamento
das pessoas em bolhas que funcionam como uma espécie de câmara
de eco ideológica, as classes sociais de baixa renda ficam mais susce-
tíveis às fake news, aos discursos de ódio e ao negacionismo históri-
co, uma vez que são limitadas ou inexistentes suas possibilidades de
checagem dos fatos. Desse modo, esse público fica alheio às poten-
cialidades criativas e comunicacionais de uma web cada vez mais ca-
racterizada pela participação, interação e colaboração dos usuários na
produção de conteúdo. Diante desse cenário, como a comunidade de
historiadores pode combater as fake news, os discursos negacionistas
e as manipulações da verdade histórica nas redes sociais? Que ações
podem ser adotadas para oferecer formação de qualidade para o uso
das tecnologias digitais não apenas no ensino formal, mas também
para um público mais amplo?

69 • História pública em movimento


ENTRE A HISTÓRIA DIGITAL E A HISTÓRIA PÚBLICA:
SABEDORIA DIGITAL EM UM PAÍS MARCADO PELA EXCLUSÃO
(POR FERNANDO CESAR SOSSAI)

Desde o início dos anos 2000, tenho me dedicado à coordenação


de projetos de ensino, pesquisa, extensão e gestão, vinculados a dife-
rentes campos de conhecimento, mas que possuem em comum o foco
na produção, experimentação, apropriação e uso reflexivo do digital.1

No transcurso desses projetos, observei o esforço de alguns inves-


tigadores para desenvolver o argumento de que o digital representa
e encarna sensibilidades e experiências contemporâneas “de e com o
tempo”.2 Com um sofisticado nível de aprofundamento, alguns pensa-
dores defendem que o digital poderia ser considerado uma espécie de
forma-temporal disjuntiva e específica de nosso presente. Em outras
palavras, o digital se impõe ao contemporâneo e marca descontinui-
dades em relação ao passado. Termos como virada digital (digital turn),
tempos digitais e revolução digital não apenas ilustram essa afirmação,
mas também evidenciam uma compreensão do presente como tem-
po de ruptura (Sossai, 2019).

Nesse âmbito, a partir dos anos 1990, sobretudo na Europa e nos


Estados Unidos, a História Digital floresceu. Em um proveitoso diálogo
com as Humanidades Digitais, o campo de conhecimento da História
Digital se expandiu vertiginosamente, passando a abarcar novas e ur-
gentes discussões contemporâneas, entre elas certos debates sobre as
diferentes formas de exclusão de grupos sociais de natureza diversa.

Embora seja notório o crescimento dos estudos em História Digi-


tal, no Brasil, de fato, ainda precisamos avançar muito mais. Tomando
como referência os aportes teórico-metodológicos da História Digital,
ainda nos faltam estudos que enfrentem debates próprios à historici-
dade de um país em que processos de exclusão digital se combinam
com a exclusão socioeconômica de enormes parcelas de sua popula-

1. Deslocando-se pelos campos das Artes Visuais, Design, Fotografia, Educação, História
Digital e Patrimônio Cultural, alguns desses projetos resultaram em variados tipos de pro-
dutos e publicações digitais. Cito, aqui, apenas as mais recentes: Conceição e Sossai (2011);
Sossai e Coelho (2011); Sossai (2011, 2019, 2020); Sossai, Marmo e Fontoura (2013); Medeiros
e Sossai (2021).
2. Por exemplo, os trabalhos de Bresciano (2010); Noiret (2015a, 2015b); Westera (2015).

70 • História digital
ção. Sem dúvida, é preciso ir além de levantamentos e diagnósticos
atinentes à falta de condições de acesso a equipamentos e serviços
digitais de boa qualidade, assim como produzir novas pesquisas apon-
tando os ganhos auferidos em programas, projetos e ações públicas
ou privadas direcionadas à disseminação e/ou compartilhamento de
conhecimento histórico na web (internet, plataformas de streaming,
redes sociais digitais, entre outras).

Desde os nossos trabalhos no Centro Memorial e Laboratório de


História Oral da Univille3, especialmente as experiências que acumu-
lamos durante o assombroso ano de 2020, constatamos que não so-
mente o acesso, mas o uso e a fruição dos bens que integram o con-
junto dos patrimônios digital e audiovisual historicamente produzido
e/ou salvaguardado no LHO/Univille continuam à disposição de grupos
sociais urbanos, escolarizados, providos de serviços de eletricidade e
com boas condições de conectividade em seu ambiente doméstico.4
Em Santa Catarina, a exemplo de outras regiões do Brasil, isso repre-
senta o uso e usufruto de nossos acervos por parte de classes médias
formalmente educadas e, muitas vezes, com acesso ao ensino superior.

Tomando como referência uma trajetória de quatro décadas e as


experiências que, no ano passado, foram construídas sob o signo da (re)
invenção, neste começo de 2021, iniciamos um trabalho colaborativo
no sentido de redefinir a identidade institucional do Centro Memorial
e do Laboratório de História Oral da Univille.5 Ao longo do tempo, esses
espaços têm funcionado como uma espécie de plataforma a partir da
qual impulsionamos a elaboração e desenvolvimento de projetos que,
de maneira mais ou menos explícita, cruzam experiências de ensino,
pesquisa, extensão e gestão em História Pública e História Digital.

A partir do envolvimento de professores, estudantes, bolsistas,


estagiários, voluntários, egressos e pessoas da comunidade externa à

3. Informações sobre esses espaços nos seguintes endereços eletrônicos: www.instagram.


com/lho.univille; www.facebook.com/labhistoriaoral; https://gpccd.org; e https://lhounivil-
le.wixsite.com/inicio. Acesso em: 30 jul. 2021.
4. É importante destacar que, há quase 40 anos, nesses espaços, temos produzido ou
salvaguardado numerosas entrevistas orais, vídeos, programas de rádio, objetos artísticos,
entre outras fontes históricas abrigadas em variados suportes (papel, madeira, vidro, acrí-
lico, fita magnética, CD, DVD, digital etc.).
5. De acordo com os Protocolos e Procedimentos Operacionais do Centro Memorial e La-
boratório de História Oral da Univille, este trabalho deve ser realizado a cada dez anos.

71 • História pública em movimento


universidade, estamos conduzindo esses trabalhos de maneira a avan-
çar tanto em direção ao fortalecimento de práticas de História Digital
quanto em direção à possibilidade de participação de pessoas e gru-
pos que, historicamente, tiveram dificuldades para se constituir como
usufrutuários dos patrimônios digital e audiovisual gerados e/ou cus-
todiados pelas equipes técnicas do Centro Memorial e Laboratório de
História Oral da Univille.

De nossa perspectiva, estamos buscando (re)configurar esses dois


espaços de forma que eles efetivamente catalisem uma História Digital
associada a uma espécie de sabedoria digital. Assim, a partir de nosso
globalizado (micro)contexto universitário, estamos buscando não ape-
nas estimular, mas também garantir o acesso, a interação e o usufruto
de fontes e tecnologias digitais que possibilitem “acessar a informação
(textual, visual, auditiva, histórica...), selecioná-la, analisá-la e interrogá-
-la criticamente”, assim como “valorá-la e convertê-la em conheci-
mento”. Nesse âmbito, talvez seja possível contribuir para que nossos
interlocutores (pessoas da comunidade, pesquisadores, docentes e
estudantes) se empoderem através do conhecimento histórico, am-
pliando suas capacidades de “tomar decisões conscientes e prudentes
sobre o uso das tecnologias digitais”; o que, de fato, “implica entender
a influência que elas têm em nossas vidas” (Gil, Hernandéz-Hernandéz
& Vargas, 2016, p. 32).

Na esteira desse entendimento, os limites – como fronteira (não


como impedimento) – e as limitações – como obstáculos (zonas de
barreira) – entre a História Pública e a História Digital poderiam ser
transmutados em possibilidades de conexão entre pessoas e insti-
tuições, cujas trajetórias ainda continuam sendo marcadas por pro-
cessos de exclusão, mas também por numerosas possibilidades de
constituição de redes e colaborações. Se assim aproximadas, segura-
mente, seria possível tanto à História Pública quanto à História Digital
fortalecerem concepções e práticas contemporâneas do digital, em
especial ultrapassarem certas prescrições técnicas sobre como me-
lhor “aplicar a tecnologia”, de maneira a enfrentar uma questão impe-
rativa ao nosso tempo, qual seja: como poderíamos nos apropriar das
tecnologias digitais para repensar e redefinir o nosso próprio presen-
te excludente? (Gil, 2019, p. 9).

72 • História digital
SOBRE A FRAGILIDADE DA INCLUSÃO DIGITAL E A
IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A INFORMAÇÃO:
NOTAS PARA UM DEBATE SOBRE O ESPAÇO PÚBLICO CONTEMPORÂNEO
(POR RODRIGO BRAGIO BONALDO)

Gostaria de orientar nossa questão geral a respeito dos limites da


história digital em um país marcado pela injustiça social rumo a um
problema convergente e mais específico: qual a natureza da relação
entre desigualdade e educação para a informação? Essa incômoda
questão está localizada nos debates a respeito da qualidade da infor-
mação disponível na rede, por um lado, e das formas com as quais as
pessoas se apropriam das informações, por outro. Se pudermos des-
membrar o problema em duas perguntas, estas seriam: por que acre-
ditamos em fake news? Por que desacreditamos na ciência? Levanto
essas questões sem a pretensão de oferecer respostas, mas apenas,
neste pequeno texto, de compartilhar algumas linhas de raciocínio que
congregam interesses dignos da História Pública e da História Digital:
campos que se tornam cada vez mais próximos em nosso contexto de
isolamento pandêmico.

O problema do ceticismo frente ao excesso de informação não


é completamente novo. É possível encontrarmos precedentes des-
te dilema em alguns momentos da história, em especial durante a
primeira modernidade europeia. Como sabemos, o problema emer-
ge quando a filologia, entendida como o estudo dos textos antigos,
modernos, ocidentais e orientais, começa a se desenvolver. Naquele
contexto, manuscritos de diversas procedências e com informações
conflitantes acirraram debates eruditos. O ceticismo moderno se de-
senvolvia diante da profusão de opiniões e versões. Afinal, se existem
tantos relatos contraditórios, como saber distinguir o falso do verda-
deiro? Melhor seria suspender o juízo! É por essa época, marcada por
falsários e críticos (para lembrar de um importante livro de Anthony
Grafton), que os métodos de crítica documental, a cronologia como a
conhecemos hoje, a historiografia moderna e o enciclopedismo ilus-
trado começam a se desenvolver.

No século XXI, a tópica do excesso de informação é de novo evi-


dente. Passada a euforia pré-inclusão digital dos anos 1990, com suas
promessas de uma “inteligência coletiva” superior, a ironia de Umberto

73 • História pública em movimento


Eco parece ter prevalecido: “A Internet vai libertar os imbecis”. Ironias
à parte, a época pós-digital tornou público o debate clássico sobre a
verdade face ao signo da politização da mentira. As mentiras de on-
tem, lembrava Eco, serviam à ordem: a cabeça do Batista, os fragmen-
tos “verdadeiros” da cruz, as vestes de outro homem santo. Essas obras
alimentavam a fé e existiam para causar harmonia social. As mentiras
de hoje, pelo contrário, buscam apenas a confusão e o descrédito dos
saberes autorizados. Para usar as categorias de Hartmut Rosa, com a
aceleração social do tempo alcançando um “limiar crítico” (no qual, en-
tre outros fenômenos, temos a informação circulando na velocidade
da luz), a mentira é facilmente desmentida. Mas ao ser desmascara-
da, ela já produziu o estrago prometido, e sua versão é rapidamente
atualizada frente a uma nova situação. Depois da Cloroquina, veio a
Ivermectina. Esse é, portanto, um debate urgente diante dos efeitos
necropolíticos das campanhas de desinformação durante a pande-
mia de Covid-19. O pós-digital é uma chave importante, pois ela não
indica uma superação, mas uma imbricação entre o real e o digital (e
vice-versa), como nos ensina Pedro Silveira. Isso significa que a opinião
pública está dispersa pela rede, supostamente livre dos gatekeepers e
regulada ao gosto da Big Tech, um duplo problema que afeta todos os
comunicadores. A História Pública e a História Digital aqui encontram-
-se, bem no meio dessa batalha.

Para fazer coro ao tema de nossa discussão: que relação podemos


estabelecer entre a fragilidade da vida humana e a fragilidade digital?
Entendo a fragilidade digital não como impossibilidade de inclusão,
mas como algo próximo do problema do letramento digital, aponta-
do pela colega Anita Lucchesi. Ela diz respeito às possibilidades, como
educadores, que oferecemos ao público de cultivar virtudes epistêmi-
cas, de desenvolver habilidades e competências necessárias ao exercí-
cio da razão crítica frente ao excesso de informação e desinformação.

Será que a resposta pode ser mecanicamente associada aos indi-


cadores tradicionais de classe e índices de escolaridade? A resposta da
esquerda autoritária, com seus memes maldizendo o “pobre de direita”
ou o “evangélico medieval”, não parece satisfatória nem produtiva. Pelo
contrário, a pandemia tem nos mostrado outra coisa, com médicos e
políticos proferindo absurdos diariamente, enquanto certos cristãos e
certas comunidades carentes, com seus raciocínios subalternizados,

74 • História digital
tornam-se alvo prioritário de mentiras fatais. A estratégia do absurdo
equivale a sua ressonância, pois transforma-se em armadilha ao ter
seu conteúdo igualmente compartilhado por aqueles que visam o de-
nunciar. Os espaços em que mediadores mal-intencionados operam,
espalhando mentiras e versões paralelas da realidade, são, portanto,
também espaços de emoção. O acesso à informação, feito a partir de
telefones móveis entre outros gadgets, não é apenas orientado por al-
goritmos neutros, mas igualmente manipulado por agentes que gasta-
ram muito tempo estudando modos de dominar suas métricas e sinais
de ranqueamento. Alguns operadores de fake news podem ser cíni-
cos, mas parece haver uma parcela convicta, direcionada pelo canto
hipnótico de narrativas que consolam o sujeito recalcado frente a um
cenário muito complexo, encaixando-o em visões de mundo desacre-
ditadas pela ciência e que se imaginavam superadas pelo nosso lento e
descontínuo processo de emancipação social. No entanto, todas essas
visões, ao contrário de superadas, restam disponíveis à agência política,
com consequências literalmente mortais.

Quero terminar sugerindo que os procedimentos clássicos de pro-


va em história podem ser úteis nesse debate público. Conhecer fon-
tes, verificá-las e referenciá-las é certamente um ponto de partida e
de convergência com as preocupações de jornalistas e enciclopedistas
digitais. Mas pode não ser suficiente em um cenário no qual a men-
tira e o negacionismo convencem multidões com seus discursos de
“exclusividade” de acesso às informações e às teorias conspiratórias de
alto poder de ordenar um mundo caótico, nutridas por jogos cruéis de
oposição antropológica primitiva entre “amigo e inimigo”, para lembrar
de Carl Schmitt. Com isso, chegamos, por um lado, ao papel da História
Digital em esclarecer e dominar o vocabulário e os mecanismos técni-
cos que estruturam esse novo espaço público virtual. Por outro lado, te-
mos o papel da História Pública, o de se aproximar dos públicos e, com
a sensibilidade de compartilhar ou negociar autoridades, começar por
convencê-los a respeito da diferença mais basilar: aquela entre ciência
e opinião, informação e propaganda. Iniciativas que promovem a inter-
secção entre História Pública e História Digital estão naturalmente na
linha de frente da educação para a informação.

75 • História pública em movimento


A HISTÓRIA DIGITAL E A PRÁTICA DO ENSINO:
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM MINAS GERAIS
(POR LUIZ OTÁVIO CORREA)

O texto abaixo tem por objetivo pensar a História Digital critica-


mente, tomando como ponto de partida uma experiência de ensino
remoto implementada em Minas Gerais, quando, neste Estado, a edu-
cação (ou mais especificamente, no nosso caso, o ensino de História)
passou a ser vista como um produto a ser consumido pelos estudan-
tes, abrindo a discussão de como os usos das tecnologias no ensino
apresentam-se como um desafio aos docentes e aos historiadores de
maneira geral.

Apresentamos brevemente esta experiência para depois analisar-


mos, de uma maneira ampla, como a digitalização do processo de en-
sino pode significar um uso ideológico sobre este, através da imple-
mentação de um modelo sistemático em que os professores perdem
a sua autonomia e passam para uma condição de coadjuvantes de um
projeto imposto pela tecnocracia estatal.

O governo de Minas Gerais (representado por Romeu Zema do


Partido Novo), impôs um modelo de ensino a distância em Minas Ge-
rais, uma visão liberal do ensino que tem dois objetivos principais: 1.
A desmobilização dos professores e perda dos direitos trabalhistas; 2.
Cortar, como consequência do primeiro, os custos da educação em Mi-
nas, através da diminuição do número de salas e professores e da rees-
truturação da gestão nas escolas.

No que diz respeito ao modelo proposto, há uma proposta de in-


centivo ao ensino individualizado, fora da escola, e de expansão dos sis-
temas privatizados. Representa um modelo tecnocrático que se realiza
através de parcerias com associações privadas como a Fundação de
Desenvolvimento Gerencial (FDG), que desenvolveu uma metodologia
“com foco no alcance de resultados”.6

A greve dos professores tentou resistir a este modelo, um pouco


antes da pandemia, no ano de 2020. Foi uma greve que havia mobi-
lizado os professores, como há muito não havia acontecido. No en-

6. Ver: https://www.fdg.org.br. Acesso em: 30 jul. 2021.

76 • História digital
tanto, a pandemia promoveu a desmobilização e o fim do movimen-
to, quando este estava mais aguerrido. O governo de Minas Gerais
enxergou ali uma possibilidade de efetivação do seu projeto, sem a
resistência dos professores, e implementou o sistema de ensino re-
moto, chamado de “Regime de Estudo não presencial”. Às pressas,
foi desenvolvido um material didático definido assim pelo próprio
governo: “Os Planos de Estudos Tutorados são apostilas para que os
alunos e os professores trabalhem os conteúdos curriculares ao longo
do período de isolamento social”.7

Talvez nem fosse necessário dizer que os professores não fizeram


parte deste processo de desenvolvimento do material, fato que era jus-
tificado pela urgência do retorno às aulas, pelas instâncias implemen-
tadoras do projeto.

A proposta era a de um ensino virtualizado, com o material didá-


tico (as apostilas) disponibilizado pelo site oficial. Não foi apresentado
nenhum projeto pedagógico, nem como os estudantes poderiam se
inserir nesta estrutura, diante das desigualdades e diferenças regionais
no Estado de Minas Gerais, bem como também as que ocorrem em
todo país, como confirmam os dados apresentados pelos participantes
do nosso grupo de discussão.

As tais apostilas eram uma compilação de textos, em sua maio-


ria matérias de jornais, muitas sem a identificação do autor e que, na
maioria das vezes, se referiam a algum ponto pitoresco da História. O
papel do professor, neste processo, foi deslocado para a esfera da cor-
reção do material e para a mobilização dos estudantes e não foi ofere-
cido nenhum tipo de orientação didático-pedagógica (cursos, oficinas
etc.) a nenhum destes agentes, além disso os pais se tornaram em
tutores do processo.

Aulas televisionadas foram oferecidas aos alunos, pela Rede Minas,


e através do canal “Se liga na educação”, no YouTube.8 A palavra “ofere-
cida” é importante neste contexto, pois a educação é vista pelo governo
mineiro como um produto a ser consumido e não um processo a ser

7. Ver: https://estudeemcasa.educacao.mg.gov.br. Acesso em: 30 jul. 2021.


8. Disponível em: https://estudeemcasa.educacao.mg.gov.br/se-liga-na-educacao. Acesso
em: 30 jul. 2021.

77 • História pública em movimento


construído, questão importante nas discussões sobre a História Pública
no Brasil e que, podemos propor, é ponto fulcral.

As aulas eram ministradas de maneira amadora para os padrões


da televisão e não se via nas produções nenhuma preocupação com
a linguagem televisiva. Do ponto de vista da perspectiva do “conteú-
do”, tentava-se dar conta dos temas, sem gerar polêmicas, fazendo
uma “História sem partido”. Propunha, por exemplo, que alunos pu-
dessem escolher entre o que nomeavam como teorias divergentes: o
criacionismo (somente a teoria judaico-cristã) e o evolucionismo, sem
nenhuma crítica à construção dos mitos, representações religiosas ou
eurocêntricas.

E era desta forma é que o conteúdo ia para o YouTube, aulas com


cinco horas de duração, gravados como a eventual exibição de um pro-
grama de apresentação pouco dinâmico, um dos poucos recursos de
interação e usado ali de maneira fethichizada. No YouTube, portanto,
não ocorreu nenhuma preocupação em pensar produções que dialo-
gassem com a maneira que se faz vídeos para aquela plataforma, como
se pudesse transferir o conteúdo de aulas expositivas para aquele es-
paço, dificultando a interação com os estudantes, que se acostumaram
com outra linguagem videográfica.

Para se ter uma ideia desta dificuldade, além das questões provo-
cadas pelas desigualdades no acesso, um dos vídeos que tinha como
título “Os Primeiros Povos da América”, destinado ao quinto ano do en-
sino fundamental e que estava alocado no canal chamado Escola inte-
rativa da Secretaria da Educação, tinha apenas 36 visualizações, até o
momento que escrevemos aqui, em março de 2021.9

Portanto, por outras vias, o projeto inicial de reestruturação admi-


nistrativa que estava em curso, mesmo diante da resistência dos profes-
sores, tomou um rumo diferente. Neste projeto o professor trabalha em
um fluxo constante, não tem hora para começar e nem para parar e é
tratado como um colaborador. Configura-se um processo de precariza-
ção e uberização do trabalho docente, em uma perspectiva liberal, onde
a educação é vista como um serviço prestado pelo Estado e o ensino
como um produto acabado, que os alunos irão incorporar. O processo

9. Disponível em: https://youtu.be/N_zH3VvmKUw. Acesso em: 30 jul. 2021.

78 • História digital
de precarização não é fato novo, mas agora passa a ser promovido por
sistemas controlados por algoritmos digitais, o que é uma realidade em
todo mundo do trabalho, na qual também o ensino é parte.

A partir destas colocações, na discussão sobre a História digital, faz-


-se necessário pensar na maneira como o ensino e a pesquisa são pen-
sados em projetos como este, já que a História tem que lidar com a vir-
tualização dos processos de aprendizagem, que penetram as práticas
dos docentes. Na relação com os estudantes, os docentes têm que lidar
com as dificuldades do letramento, como foi constatado pelo grupo de
discussão. Os professores encontram-se sob o ataque dos algoritmos,
desafiando-os a pensar, junto com os estudantes, o que é o ensino de
História, nestes tempos de negacionismo.

QUAL É A HISTÓRIA DIGITAL POSSÍVEL EM UM PAÍS MARCADO


PELA EXCLUSÃO E DESIGUALDADE SOCIAL?
(POR MARCELLA ALBAINE FARIAS DA COSTA)

23 de fevereiro de 2021, 05:50 da manhã. A minha mente desperta


e vai para domingo, 21 de fevereiro de 2021.

Rio de Janeiro. Acidente na Linha Vermelha. Trânsito parado. O en-


garrafamento traz à tona o retrato de um Brasil perverso e desigual.
Passa por mim um menino de cerca de dez anos de idade. Vai para
lá, vem para cá. De um lado, o isopor pesado com água, cerveja, refri-
gerantes, de outro as sacolas de biscoito. Os ombros pesam, os pesos
deixam suas marcas naquele jovem ombro. Observo, meu olho enche
de água. É uma típica cena dos contos de Conceição Evaristo. É na Lite-
ratura, não à toa no livro intitulado Olhos d’água, que encontro o em-
basamento para minha fala de hoje neste Grupo de Discussão do 2°
Curso de Introdução à História Pública. Desejo falar menos com a lin-
guagem acadêmica formal e mais com a linguagem sensível e poética
do coração, ainda que essa poesia seja para escrachar a perversidade
ora mencionada de um país tão desigual e excludente.

Cenas como essa, sabemos, repetem-se todos os dias, em várias


localidades. Repito: todos os dias. Diante disso, questiono-me: qual é

79 • História pública em movimento


a relevância social das pesquisas que desenvolvemos? De que manei-
ra nossas falas e produções têm alcançado os que estão “à margem”?
Marginalidade, aliás, é uma palavra central para o encontro de hoje. As
periferias mostram força e resistência, provocam novas sociabilidades,
inclusive nas redes. O poetry slam é um exemplo. Para quem nunca
ouviu falar das batalhas de poesia e o alcance delas na rede, pesquise.
Mas pesquise despido de possíveis noções prévias arraigadas que tra-
duzem nosso preconceito construído socialmente.

A pergunta tema do nosso encontro, qual seja, “quais os limites da


História Digital em um país marcado pela exclusão e pela desigualdade
social?”, parece que vem ecoando na minha mente desde que recebi
o convite para aqui estar. Provocativa no sentido de observar minha
própria prática de pesquisadora e tentar redesenhar estratégias criati-
vas para contornar as exclusões que nos assolam. Tenho conseguido. E
isso só é possível porque a carência material está em desvantagem em
relação ao afeto. É no famoso chão da sala de aula, com todos os seus
desafios, que tenho conseguido pensar, de forma colaborativa, em “saí-
das possíveis” e que podemos conversar depois no debate.

Gostaria de pontuar que exclusão e desigualdade são mais do que


temas, são pontos políticos cruciais que aparecem em praticamente
todos os debates de História Digital que já participei. Precisamos discu-
tir sobre políticas públicas, precisamos de ações, de práticas que mobi-
lizem o conhecimento histórico com e a favor do público.

Retomo a produção de Conceição Evaristo para lembrar que é pos-


sível fazer poesia da dor, da ausência, do cotidiano desigual. Mas para
onde queremos canalizar toda essa expressividade? A favor do que? A
favor de quem? História Digital, tenho repetido, é coletividade, é par-
ceria, é exercício de empatia. História Digital é acolher também o não
digital, é pensar em possibilidades a partir do que se tem em mãos, é
usar a lógica maker, do fazer, da mão na massa, para que muitas mãos
se toquem, se encontrem, se unam. E que falta faz esse contato de
mãos e braços em tempos pandêmicos, não é?

Sigamos.

80 • História digital
HISTÓRIA DIGITAL: PRIMEIROS PASSOS DE UM HISTORIADOR
ANALÓGICO E A UNIVERSIDADE PÚBLICA
(POR WALDOMIRO LOURENÇO DA SILVA JÚNIOR)

Sou professor de História da América Colonial da Universidade


Federal de Santa Catarina. A minha especialização como pesquisador
é no campo da escravidão nas Américas. Também tenho colaborado
com o LAPIS, nosso Laboratório de História Pública. Desde 2017, temos
estudado, ministrado disciplinas, realizado eventos e atividades diver-
sas em torno da História Pública, sempre nutridos pelas discussões so-
bre História Digital.

A primeira experiência que tive com o que atualmente se deno-


mina História Digital se deu ainda durante minha graduação na USP,
quando tomei contato com os resultados de dois grandes projetos que
envolveram a digitalização de fontes primárias. Ambos resultaram de
ações em torno do marco do quinto centenário dos “descobrimentos”
(invasão europeia).

Um foi o Projeto Resgate, fruto de um acordo bilateral entre Brasil e


Portugal, que derivou na digitalização de 340 mil documentos manus-
critos do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) relativos a 18 capitanias
da América portuguesa. O outro, com o qual trabalhei mais profunda-
mente, foi o volume disponível na forma de CD-ROM intitulado Nuevas
aportaciones a la Historia Jurídica de Iberoamérica, que compilou es-
tudos monográficos e compilações de textos normativos (transcritos
e digitalizados) sobre o tema da escravidão. O volume faz parte dos
Proyectos Históricos Tavera, que incluem dezenas de outros volumes
sobre História da América e que contou com o aporte de recursos da
Fundação Mapfre.

Originalmente, ambos os projetos eram acessados por meio de


softwares próprios (que tinham a afetiva aparência de um jogo de Ata-
ri) que facilitavam a consulta, oferecendo ferramentas de leitura e de
buscas por tema, data e região, no caso do Projeto Regaste, e por pala-
vras, no caso das Nuevas aportaciones. Era o suprassumo da tecnolo-
gia a serviço da História (aos meus olhos, pelo menos).

Hoje os softwares originais já estão totalmente obsoletos, mas


ainda é possível acessar ambos os projetos na internet. Apesar de não

81 • História pública em movimento


contar com grandes recursos em termos de coleta e sistematização de
dados, os materiais disponíveis nos ditos projetos permitiram a reali-
zação de minhas pesquisas, sem a necessidade de deslocamento aos
arquivos correspondentes, algo que seria impensável tendo em vista a
enorme limitação dos recursos disponíveis no âmbito de uma bolsa de
Iniciação Científica e mesmo de Mestrado.

O terceiro projeto de História Digital do qual tenho me valido como


pesquisador é a plataforma slavevoyages, subsidiada pela Universida-
de de Emory, nos Estados Unidos. Trata-se de um website que contém
o mais completo Banco de Dados sobre Tráfico Transatlântico de afri-
canos escravizados, oferecendo estimativas, gráficos, imagens, mapas
e recursos diversos. O slavevoyages mudou completamente as possi-
bilidades de pesquisa sobre o infame comércio. Trata-se de um projeto
em constante atualização e expansão, que representa, sem dúvida, um
passo à frente em relação aos dois projetos mencionados acima em
termos de História Digital.

Os exemplos que trago podem servir de pretexto para o entusias-


mo em torno de História Digital. Além de trazer novas formas de produ-
zir e difundir conhecimento histórico por meio de recursos de informá-
tica e da internet, a História Digital pode encurtar distâncias e viabilizar
pesquisas que de outra forma dependeriam de grande deslocamento
e investimento. Eu mesmo estudei documentação de arquivos portu-
gueses e espanhóis sem nunca ter colocado meus pés nesses países (o
que lamento, evidentemente).

Mas quais os limites da História Digital em país marcado pela exclu-


são e pela desigualdade social? O meu caso pessoal, de estudante de
classe média, com recursos mínimos garantidos por bolsa de estudos
e suporte da família, claramente não reflete a maioria da população. Se
por um lado, de acordo com IBGE, em 2018, oito em cada dez domicílios
do país contavam com acesso à internet. Por outro, apenas em 41,7%
dos domicílios brasileiros se constatou a existência de computadores.
É o celular o equipamento mais usado para o acesso à internet (99,2%).
Como acessar e produzir História Digital com qualidade via celular?

A pesquisa que fizemos no Centro de Filosofia e Ciências Huma-


nas da UFSC durante a pandemia indicou que, de fato, a maioria dos
estudantes do curso de história usa o celular para acessar os conteú-

82 • História digital
dos das disciplinas. Se isso complica a simples leitura dos textos bási-
cos para as disciplinas, quem dirá no âmbito da pesquisa e produção
de conhecimento.

A Universidade, que acolheu mais gente nos últimos anos, deve-


ria, mas não é o local onde os recursos necessários estão disponíveis.
Por conta da pandemia, colocamos os computadores do LAPIS, anti-
go laboratório de Imagem e Som, à disposição dos estudantes para
empréstimo. Dos cinco computadores, apenas um estava em condi-
ção de empréstimo. Trata-se de um sintoma de um franco processo
de sucateamento.

É com esse tipo de quadro de falta de material, de equipamentos,


de financiamento, de recursos humanos da área de informática que
temos, professores e alunos, que lidar quando nos propomos a trabalhar
e com História Digital.

Enfim, quais os limites da História Digital em um país marcado


pela exclusão e pela desigualdade social? Entre outros fatores, o pró-
prio quadro de exclusão e a desigualdade, de um lado, e a insuficiência
de investimentos e infraestrutura para a ciência e para a universidade
pública, de outro.

NOVAS POSSIBILIDADE E VELHOS PROBLEMAS


(POR ANITA LUCCHESI)

O pontapé que dou para a nossa discussão hoje é mais pela via da
provocação do que da resolução. Quer dizer, um conhecido clichê, que
também poderia vir resumido no título “Novas possibilidade e Velhos
problemas”. Mas falar sobre os desafios da história digital em um país
que ultrapassa a marca de 13,5 milhões de pessoal abaixo da linha da
pobreza (conforme informações do IBGE, dados de 201810), requer que
lembremos também dos velhos problemas, antes de nos voltarmos
para o elemento digital.

10. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-


-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-
-ao-maior-nivel-em-7-anos. Acesso em: 30 jul. 2021.

83 • História pública em movimento


E esses problemas, na sua longa duração, têm a ver com estrutu-
ra. Falamos de classe, raça, cor. Porém hoje, ao gosto da Era Digital, as
várias faces da exclusão e da desigualdade vêm também assumindo
novas roupagens – que não necessariamente substituem, mas se so-
mam e complexificam as desigualdades já existentes. A exclusão hoje
também se manifesta nas condições de posse e acesso das tecnologias
de informação e comunicação. Mas as desigualdades vão bem além da
questão material do acesso. O acesso tardio e limitado à equipamentos
e à Internet vai implicar também formas de utilização e, consequen-
temente, nas reais condições de inserção dessas pessoas nos espaços
privilegiados dessa sociedade da informação.

Não quero chatear com muitos números, mas alguns dados são
interessantes aqui. Em 2018, por exemplo, a Internet era utilizada em
79,1% dos domicílios brasileiros (também segundo o IBGE11). Longe de
querer minimizar o problema do acesso, escolhi direcionar essa breve
intervenção para uma questão que diz mais respeito à qualidade do
que a quantidade do acesso e do uso à Internet. Nesse sentido, chama
atenção que naquele mesmo ano em que oito em cada dez domicílios
acessavam a Internet, em 99,2% dos domicílios o telefone móvel celular
foi o equipamento utilizado para este fim, contra 48,1% de uso dos mi-
crocomputadores. A mesma pesquisa mostrou que dentre os objetivos
do acesso à Internet, destacava-se o envio e recebimento de mensa-
gens de texto, voz ou imagens por aplicativos (95,7%).

Ao ver estes dados, penso na minha avó, que sem saber ler nem
escrever, utiliza o WhatsApp frequentemente para áudios e chamadas
de vídeo, por exemplo. Penso em muitos alunos que tive, pois também
eles só podiam acessar internet pelo celular e, majoritariamente, ape-
nas para mensagens e redes sociais – enquanto o pacote durava. Pen-
so também nos crediários das Casas Bahia e nas dívidas que acompa-
nham muitas famílias que só podem adquirir smartphones através das
parcelas. Penso no fosso que separa a minha família (por longa data
cliente das Casas Bahia) e daquelas que já na virada dos anos 1990 para
os 2000 possuíam um computador em casa. Lembrei, aliás, que duran-
te uns fins de semana no verão de 1996, o filho da patroa da minha mãe

11. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-inter-


net-televisao-e-celular-no-brasil.html. Acesso em: 30 jul. 2021.

84 • História digital
me deu umas aulas de informática (basicamente aprendi a mexer o
mouse no Paint) enquanto minha mãe fazia umas horas extras na casa
deles. Lembro do quão perdida eu me sentia com tudo em inglês e da
vergonha que eu tinha de perguntar sobre coisas que eu não entendia
nem para quê serviam e não sabia nem como ler. (Poderia fazer uma
longa digressão aqui, sobre como ainda me choco em trabalhar com
história digital hoje depois daquelas situações. Mas vou só deixar um
grande “obrigada” à minha mãe. E também um pedido de desculpas
por tudo que ela passou para que eu pudesse estar aqui hoje, numa
posição que considero superprivilegiada)

Mas enfim, fechando este longo parêntese, o que eu gostaria de


chamar atenção é que depois do acesso (em casa, numa escola, no tra-
balho, onde for), o grande dilema que precisamos considerar é também
o da usabilidade e, claro, de uma forma mais profunda, o problema do
letramento digital, que vai muito além dos desafios enfrentados em
sala de aula (aumentados na pandemia). São questões mais básicas, de
saída. Nem todo mundo que tem acesso à internet utiliza e-mails. Nem
todo mundo consegue buscar e analisar informações no Google. É pre-
ciso, claro, considerar o peso das redes sociais que, com os celulares
e interfaces mais amigáveis, se popularizaram e ganharam um gran-
de número de usuários. Mas não podemos esquecer todas as “caixas-
-pretas” (funcionamento “oculto” das interfaces, algoritmos etc.) a que
acompanham esses ambientes e equipamentos e que as habilidades
de cada um são muito variadas para ler e interpretar informações ou
utilizar ferramentas digitais para outros fins (de colheita ou de análise
de dados, por exemplo).

Nesse sentido, para responder à pergunta: quais os limites da his-


tória digital em um país marcado pela exclusão e pela desigualdade
social? eu gostaria de sugerir que a gente pensasse nos limites em que
esbarram os métodos digitais, considerando os variados níveis de in-
serção e de letramento da população nos ambientes digitais. Podemos
alargar a discussão durante o debate, mas a título de exemplo, nomeio
as técnicas de crowdsourcing ou de raspagem da web que implicam a
colheita de dados que podem, pelas questões apresentadas acima, ob-
ter resultados enviesados e/ou condicionados por aspectos relaciona-
dos ao letramento e a inserção e exclusão de grandes parcelas da po-
pulação. Destaco essas técnicas porque também se tornaram comuns

85 • História pública em movimento


em projetos de história pública digital, mas poderíamos falar de outras
ainda. Assim, proponho que discutamos juntos em que medida esses
novos métodos (as “novas possibilidades” do meu título) podem acabar
reproduzindo as exclusões das quais queremos fugir e contra as quais
queremos lutar. E, por fim, gostaria de encaminhar uma sugestão para
o debate: quais seriam, nesse cenário, os benefícios e – que caminho
das pedras seguir – para métodos híbridos que integrassem tanto o
digital quanto o não digital?

REFERÊNCIAS
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87 • História pública em movimento


COMO FAZER A HISTÓRIA
LOCAL SE TORNAR
PÚBLICA, E PARA QUEM?
Andréa Telo da Côrte, Joana da Silva Barros,
Lívia Morais Garcia Lima, Maria Silvia Duarte Hadler,
Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Michel Kobelinski

“Para falar do mundo, fale de sua aldeia.”


Leon Tolstoi

Uma dimensão importante da frase de Leon Tolstoi é o fato de


apresentar uma disjunção, mas apontar uma unidade. Produzir his-
tória local não significa produzir história, memória, narrativas, acervos
localistas ou paroquianos, e muito menos voltados para si mesmos. A
possibilidade de pensarmos a produção da história local sob a perspec-
tiva da história pública nos leva a pensá-la como um trabalho de no-
meação das experiências e da transmissão de um conhecimento pelas
narrativas, o que supõe, conflitivamente, a construção de um mundo
comum, um mundo entre um espaço de pensamento e elaboração
da experiência que não é a contraposição de duas perspectivas, mas a
possibilidade de construção deste espaço “entre”, de compartilhamen-
to, para que se efetive a transmissão.

89 • História pública em movimento


Isto significa compreender que a produção narrativa acontece na
possibilidade de estabelecimento de relações, de olhares cruzados, de
significados e referências que se dão no “entre”, para usar uma expres-
são de Hannah Arendt (2007), mundo como espaço em comum que
as narrativas proporcionam existir e que também a constituem como
“público”. Este mundo em comum não é a redução a uma dimensão
média, coletiva, pasteurizada e portadora de uma verdade, mas aberto
aos diferentes, discordantes e contraditórios pontos de vista e diferen-
ças do viver, que não silencie os conflitos e as disputas em torno da
partilha do sensível (Rancière, 2005).

Ao tomarmos a história local como temática norteadora, e o local


compreendido especialmente como o espaço urbano, consideramos
importante ter como horizonte essa concepção de pluralidade, em que
se movimentam histórias e memórias em diferentes temporalidades.
Um espaço em que a dinâmica das relações de poder predominantes
propicia disputas de memórias, disputas de versões de história, como
também promove práticas socioculturais que implicam em valoriza-
ção/desvalorização de determinados grupos sociais, de seus modos de
viver e estar no espaço urbano. Sob esta perspectiva, o esforço de tor-
nar pública certa visão da história local se desdobra no necessário esta-
belecimento de diálogos, implícitos ou explícitos, com diferentes sujei-
tos, individuais ou institucionais desta localidade, podendo ser aberta
ao debate público.

Um dos desafios que se coloca está em considerar processos de-


mocráticos de produção e compartilhamento das pesquisas que de-
senvolvemos com esse público mais amplo e plural que constitui e é
constituído pelas relações na cidade e que ultrapassa a academia. A
partir dessas considerações, procuramos compartilhar, de forma breve,
nossas experiências como pesquisadores/as em diferentes dimensões,
para mostrar como a história pública não pode ser entendida como um
ajuntamento de fatos, documentos e acervos com fim em si mesmos,
mas atravessada pelo “entre”, pelo diálogo, pelas assimetrias, disputas
e diferentes formas de existir, sendo as narrativas constantemente sub-
metidas ao debate coletivo, promovendo a partilha do sensível.

90 • História local
CENTROS DE MEMÓRIA: UMA HISTÓRIA PÚBLICA LOCAL
Centros de memória constituem lugares institucionais que con-
sideramos significativos para se pensar formas de atuação e de pro-
dução do conhecimento no âmbito da História Pública. Um centro de
memória que abrigue um acervo com vasta documentação referente
a vários momentos da história de uma cidade – como é o caso do Cen-
tro de Memória – Unicamp (CMU), onde atua Maria Silvia Duarte Had-
ler (2007) – pode tornar a história local pública por facilitar o acesso à
documentação. Porém, mais do que promover formas de divulgação,
tanto do acervo quanto de pesquisas realizadas, ele pode ser entendi-
do como resultado de diálogos com sujeitos envolvidos em processos
sociais e culturais presentes na cidade, com suas demandas e conflitos.

O CMU tem desenvolvido nos últimos meses um setor de difusão


cultural que guarda muitas possibilidades de atuação no campo da
história pública: divulgação de itens documentais por meio de redes
sociais, como Facebook e Instagram; conjuntos documentais acompa-
nhados de sugestões pedagógicas, material sobre patrimônio cultural
dirigido aos três níveis da Educação Básica, vídeos curtos e podcasts
sobre pesquisas realizadas. Além disso, realiza exposições e visitas
orientadas, com a participação ativa do público para que se interesse
e dialogue com o que venha a ser divulgado, disponível a participar e
compartilhar de uma reflexão de natureza histórica. Acreditamos que,
no momento histórico em que vivemos – com negacionismos de toda
ordem, posturas de intolerância, discriminatórias e preconceituosas,
interpretações superficiais, simplistas ou equivocadas sobre aconte-
cimentos históricos – essas possibilidades se tornam mais necessárias
e urgentes. Neste sentido, professores/as e estudantes da Educação
Básica constituem um público importante, talvez prioritário, a ser aco-
lhido e envolvido num processo de discussão sobre as diversas facetas
da história local em que o mundo em comum se constitui pelas dife-
rentes narrativas.

De forma semelhante, no Instituto das Cidades, da Universidade


Federal de São Paulo (Unifesp), em que Joana da Silva Barros (2017) vem
desenvolvendo a construção do Centro de Memória Urbana (CMUrb/
Unifesp), a história pública tem sido pensada como processo ativo e
inclusivo. Não se pretende que seja apenas um espaço de recebimento,

91 • História pública em movimento


tratamento, arquivamento e acervo público, sendo ao mesmo tempo
um arquivo, lugar de pesquisa, de formação e de inclusão. A sua cons-
tituição pretende levar em conta diferentes públicos: instituições par-
ceiras e pesquisadores/as que contribuam para pensar a produção de
instrumentos de pesquisas, acervos diversificados que tratem de do-
cumentos escritos, imagens (fotografias e áudio visuais) e articulados
ao registro de narrativas orais de grupos diversos presentes na cidade,
sendo disponibilizados em plataformas diversas.

Entendemos que propiciar o contato de diferentes públicos com


uma diversidade de histórias e memórias relativas aos sujeitos que fi-
zeram e fazem parte da história da cidade, por meio dos centros de
memória, pode oferecer um contraponto significativo a visões mais
restritas e talvez conservadoras que circulam em vários meios de co-
municação; e tem, sobretudo, a possibilidade de contribuir para for-
talecer a formação de certa consciência histórica mais plural, mais
sensível ao reconhecimento da legitimidade da presença de diversos
“outros” no espaço público. Desta forma, fortalecer o desenvolvimento
de uma compreensão mais aberta, sensível, democrática da vida social.

MUSEUS, ARTES E PÚBLICOS: DESAFIOS PARA A HISTÓRIA LOCAL


Ao partirmos do instigante questionamento, “Como fazer a história
local se tornar pública, e para quem?” pensamos aqui na “prática histo-
riadora” e na ampliação da experiência social compartilhada. Acrescen-
tamos a esse processo a preocupação com as experiências sensíveis,
cognitivas e estéticas marcantes. Mas ao trazê-las para esta discussão,
revolvem-se questões de fundo que inquietam historiadores e artistas.
Como lidar com as comunidades e repensar as formas de interagir e
colaborar nos espaços públicos? Precisamos levar em conta os senti-
dos de comunidade e de colaboração, aspectos que envolvem escutas
sensíveis, particularmente aquelas relacionadas à história local.

Quando trabalhamos com as comunidades e sua presença diversa


na cidade, compreendemos as distâncias entre o que se faz na Acade-
mia e o que se leva e se faz fora dela. Ao trabalhar com os moradores
do Bairro Santa Cruz, em Guarapuava, Michel Kobelinski chama a aten-
ção para a importância do olhar para a volatilidade da memória, para

92 • História local
a praticidade da vida e para a percepção da paisagem urbana, mar-
cadas pelo sentimento de amor dos moradores, que tem suas raízes
na cultura. Pensar na história local é procurar compreender os lugares
como categoria geográfica, temporal e perceptiva, pois é inegável o
poder que eles exercem e que vem das comunidades. Desta forma, so-
mos estimulados a pensar em modos de colaboração e construção de
memórias públicas inclusivas, que levem em conta as relações entre
lugar e indivíduos, os sentidos atribuídos, a sua topofilia (Tuan, 2012). As
relações dialógicas e sensíveis entre pesquisadores/as e comunidades
locais podem criar um sentido de autoridade compartilhada, formas de
promover a autoconfiança, maneiras de repensar os poderes políticos e
de considerar a história local como história pública.

As comunidades rurais também nos permitem pensar as diferenças


e a necessidade de diálogos constantes para que a história pública não
trate de uma contraposição de perspectivas, mas um espaço “entre”. Ao
trabalhar em projetos como o de constituição do museu da Companhia
Paranaense de Energia Elétrica (COPEL) e no Museu Regional do Igua-
çu (MRI), na Reserva do Iguaçu/PR, Kobelinski conviveu com popula-
ções ribeirinhas em situação de vulnerabilidade. Percebeu que ali o rit-
mo temporal era mais lento do que o urbano, mas que as inter-relações
socioculturais não eram menos amenas e intensas. Pelo contrário, eram
marcadas pela pluralidade de contatos e conflitos, que estavam presen-
tes justamente pelos não ditos e ausências dos espaços museológicos.
Enquanto a narrativa museológica associava o museu como lugar de
memória e aprendizado, suas exposições e atividades educativas esti-
mulavam a retransmissão de conteúdos pelo público. Porém, tanto a
população rural local, quanto os operários que participaram das cons-
truções da própria Companhia, tiveram suas histórias sub-representa-
das. Elementos culturais e naturais foram transformados em produtos
de consumo, introduzidos nos arquivos “do eu”. Replicados à exaustão
nas redes sociais, mas sem reflexões mais densas e sem criar processos
inclusivos de debate, os vínculos dos museus com a historicidade e os
sentidos dos lugares de seu entorno se perderam, demonstrando que a
história pública não se reduz à divulgação de histórias.

Essas experiências servem para refletirmos que é possível que a


história local se transforme em história pública, mas a partir da refle-
xão, divulgação e compartilhamento de conhecimentos e saberes que

93 • História pública em movimento


se produzam ou se comuniquem de forma colaborativa nos museus e
além deles (Pons, 2020). Consideramos que o desafio seja pensarmos
nas formas como podemos colaborar e interagir com as comunidades
nas quais nos inserimos e com quem estabelecemos mediações para
produzir conhecimento. Para isso, os sentidos de passado devem ser
buscados nas relações de mediação com os públicos diversos locais,
que constituem usos, representações, expressões e mobilizações sobre
o passado, além de nós.

O projeto Histórias, artes e públicos: oportunidades e desafios


(HAP), desenvolvido atualmente por Kobelinski (2020) no Paraná, pro-
cura romper com a visão de um público como mera audiência de sua
própria história. Compartilhamos da ideia de que as artes públicas en-
volvem formas sensíveis e criativas de comunicação e interação com as
audiências, que são também sujeitos do fazer. Para isto, as mediações
de historiadores públicos e de artistas públicos exigem envolvimento
social e incentivo às práticas artísticas e históricas engajadas nos espa-
ços públicos locais, sejam eles museus ou não.

HISTÓRIA ORAL: MEDIAÇÕES COM O CHÃO DA HISTÓRIA


A escuta sensível requer, como diria Alessandro Portelli (2016), um
profundo comprometimento e responsabilidade de mediação entre o
mundo vivido e narrado. Essa mediação não tem o sentido de estar-
mos acima, ou fora das relações e do mundo compartilhado, mas nos
posicionarmos “entre”, contribuindo para a criação de comunidades de
ouvintes e de falantes que sejam capazes de se perceber no mundo
em comum. Estes atos próprios da história pública – de ampliar pos-
sibilidades de encontros temporais, espaciais, coletivos e midialógicos
– exigem repensar as formas decoloniais e descolonizadas de produção
e divulgação de saberes históricos; atenção ao que, muitas vezes, as
comunidades exigem de nós, não no sentido de submissão ou reden-
ção às coletividades e seus interesses, mas de diálogos constantes com
os portadores/narradores de histórias e memórias plurais, muitas ve-
zes negligenciadas na visibilização seletiva de grupos sociais, na escrita
e nos inúmeros modos de difusão histórica que envolvem privilégios
econômicos, tecnológicos e de instrução.

94 • História local
Um dos aspectos da história pública é que, não raro, os temas e
práticas com as quais trabalharemos “nascem” de públicos que não são
mera audiência, mas que se apresentam como sujeitos conscientes da
necessidade dos registros e dos usos da história para que haja reconhe-
cimento da história local, com todos os seus conflitos e disputas. Indi-
víduos e coletividades cobram da universidade o seu caráter universal
e diverso, e da história a sua dimensão democrática e de reparação da
injustiça e do silenciamento histórico. Nesses casos, a divulgação não
pode ser confundida com a história pública, mas é apenas uma de suas
dimensões. Os sujeitos querem mais: desejam participar, selecionar,
debater, criar, refletir e escolher, com a mediação dos historiadores, as
maneiras de se narrar histórias muitas vezes subalternizadas. A histó-
ria oral, nesse sentido, tem sido uma das formas de articular narrativas
orais com formas democráticas de se incluir o público na produção de
conhecimento histórico local (ou glocal).

Andréa T. Côrte e Marta Rovai demonstram, a partir de suas pes-


quisas, como a história oral é reveladora de processos de solidariedade
e resiliências, mas também de disputas por memórias, por hierarquias
e silenciamentos no espaço urbano (e também rural). Côrte pesquisou,
em momentos diferentes, comunidades de imigrantes madeirenses e
judeus em Niterói. Em ambos os casos, as repercussões da grande imi-
gração, a investigação de sucessivas gerações e a contemporaneidade
desses fenômenos, somados ao estudo do passado recente orientaram
parte das pesquisas para a produção de fontes orais que permitissem
vislumbrar as tensões vividas e as estratégias desenvolvidas pelos gru-
pos examinados.

Nesse processo, a dimensão pública de divulgação contribuiu para


promover debates sobre a existência de grupos étnicos até então nor-
malizados pela sociedade local, ou mesmo desconhecidos, e destacar
suas particularidades. Tratava-se de uma história compartilhada, pos-
suindo múltiplas vozes, que apontou para um tipo de história que tinha
e tem implicações maiores do que uma tese acadêmica. No caso dos
judeus, o que era um estudo voltado à academia transformou-se em
livro rapidamente esgotado, suscitando na diversa coletividade judaica
local um clamor de satisfação, mas também, de crítica pelas discordân-
cias entre aquilo que havia sido definido como sendo a história deles e
aquilo que alguns achavam que não era.

95 • História pública em movimento


O entrecruzamento das entrevistas levou à percepção de que a
compreensão do espaço não poderia ser feita apenas de modo hori-
zontal, ou seja, a escrita de um tópico panorâmico sobre a cidade, mas
como cada um dos/as imigrantes – individual e coletivamente – pensa-
va a cidade, como se incluía nela, como de modo relacional e conflituo-
sos pensava o espaço. Ao entrelaçar temas por si próprios complexos, as
narrativas orais e as apropriações sobre os livros publicados revelaram
disputas políticas ao longo da história local e nacional, atravessando,
assim, conjunturas intricadas. Em seu segundo trabalho sobre a cidade
de Niterói, além do estudo histórico sobre a construção e as diversas
modernizações da cidade, Côrte trabalhou com memórias dos mora-
dores que foram convidados pela prefeitura para contar suas vivências
no parque da cidade, demonstrando conflitos quanto aos seus usos.

Tais experiências sublinharam que a história local, assim como a


história pública, são processos que relacionam diversas dimensões – o
entrecruzamento da visão panorâmica, a síntese – com os cortes ver-
ticais, as visões particulares dos grupos sociais sobre a cidade, dividi-
dos por gênero, raça, classe. À medida em que esse processo vai sendo
construído pelas narrativas, um caleidoscópio vai girando e mostrando
a multiplicidade de histórias que coexistem com dinâmicas diferentes
naquilo que aparentemente é uma cidade una. Da mesma forma, tor-
nou possível observar as respostas particulares que a coletividade lo-
cal deu às questões produzidas em âmbitos maiores, como à grande
imigração, às transformações políticas regionais ou, ainda, nacionais. A
diversidade de interação com o público, não apenas entendido como
audiência, pode ser percebido, também, pela curadoria da exposição
Ressonâncias: Rio de Janeiro – 1964, desenvolvida em conjunto com
Paulo Knauss, quando se pretendeu refletir sobre as dimensões políti-
cas, sociais e culturais provocadas pelo golpe civil-militar, sua repercus-
são na história dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (Niterói),
e as marcas deixadas na memória popular.

Em sua pesquisa com a comunidade LGBTQIA+, na cidade de Al-


fenas em Minas Gerais, Rovai (2019) foi convidada pelos membros do
Movimento Gay de Alfenas (MGA) a elaborar formas de escuta, registro
e divulgação de suas histórias e memórias na cidade, silenciadas em
eventos de celebração histórica promovidos por instituições e pelo po-
der público local. A história oral em sua dimensão pública reforça ain-

96 • História local
da mais a responsabilidade no registro e na divulgação de vozes que,
embora sejam expressões locais tornam-se ecos de histórias amplas e
globais. A responsabilidade pela escuta LGBTQIA+ envolve perceber os
consensos e dissensos de memória, as hierarquizações de gênero, raça,
classe e sexualidade em comunidades que não podem ser entendidas
como essências ou consensos na cidade, mas corpos em disputa por
reafirmações identitárias plurais e (des)continuidades.

Ao ampliar os processos de escuta sobre o movimento na cidade,


essa pesquisa permitiu perceber as relações de poder e os silenciamen-
tos quanto ao registro, divulgação e debate no espaço urbano. Embora
Alfenas tenha a segunda maior parada LGBT de Minas Gerais, as narra-
tivas orais dos membros do MGA apontaram para o conservadorismo
e a LGBTfobia presentes na sociedade alfenense, mas também reve-
laram ações de resistências e disputas por memórias e poder dentro
do próprio movimento. Além da mobilização da comunidade, o traba-
lho de escuta permitiu, ainda, perceber as particularidades dos gru-
pos de transexuais e travestis muito mais invisibilizados e vulneráveis,
em busca do reconhecimento público de suas re(x)sistências. Daquele
processo de escuta produziu-se não apenas um livro (2019), com a par-
ticipação ativa dos/as narradores/as, como novos encaminhamentos
quanto ao compartilhamento das histórias em meio à população cis-
-heteronormativa da cidade, seja em discussões na universidade, com
a participação da população LGBTQIA+, assim como com a presença
da pesquisadora em seus eventos, articulando processos de debate em
torno de ações por políticas públicas e a criação coletiva de um acervo
digital com narrativas orais e demais documentos escritos e fílmicos
doados pela própria comunidade à Universidade Federal de Alfenas
(Unifal-MG), levando em conta suas demandas pela memória coletiva
local e por uma história descolonizada.

PANDEMIA E ENVELHECIMENTO: ACERVOS PÚBLICOS DAS NARRATIVAS DE SI


A história oral, em parceria com a história pública, potencializa
o debate público ao promover processos de escuta também em si-
tuações de vulnerabilidade social. Lívia Morais Garcia Lima realiza
pesquisas ligadas ao projeto História Oral na Pandemia, organizado

97 • História pública em movimento


pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem convocado a
população de idosos com vida social ativa a produzir relatos autobio-
gráficos sobre esse momento, escrevendo ativamente a história que
hoje estamos vivendo. São narrativas orais que, uma vez registradas
e publicizadas, buscam contribuir para políticas públicas relativas ao
envelhecimento e à pandemia, temáticas sensíveis da contempora-
neidade. A preocupação com o envelhecimento e com a melhoria da
qualidade de vida na sociedade brasileira muda a sensibilidade inves-
tida na velhice e a reflexão coletiva para o reconhecimento da plurali-
dade de experiências.

Esse acervo de entrevistas públicas está sendo montado e com-


posto por narrativas gravadas e transcritas – que apontam para a ne-
cessidade da valorização das trajetórias e das experiências locais e co-
tidianas dos idosos. O material presta-se também à observação das
estratégias narrativas desses sujeitos, que repensam suas trajetórias
nesses tempos desafiadores e que também traz a reflexão sobre a his-
tória local e a dimensão de envelhecimento, ou seja, o quanto que a
memória de velhos/as traz uma perspectiva muito forte para a história
local se tornar pública, pelo compromisso com a história democrática.

Registrar e tornar conhecidas as narrativas dos/as idosos/as evi-


dencia a necessidade de ações que promovam a ampliação de vozes
em meio ao espaço urbano, em que muitas vezes os/as velhos/as são
negligenciados/as. Ouvir suas histórias e divulgá-las torna-se, nesse
sentido, um posicionamento político: para que e para quem fazemos
história? Consideramos que é preciso democratizar o conhecimento,
conhecer o cotidiano das comunidades, realizando o registro da nar-
rativa de agentes comuns, pois suas histórias pessoais são tão ou mais
importantes do que a chamada grande história. Como afirmou Paul
Thompson (2002), o nível do indivíduo é o mais fundamental da histó-
ria, assim como consideramos que a história local seja o chão da histó-
ria e que estejam todos articulados entre si.

Outro trabalho desenvolvido por Lima e que também demons-


trou a dimensão pública da história oral voltada à comunidade rural de
Campinas e região tratou do patrimônio cultural rural paulista (2019). O
projeto teve como objetivo principal disponibilizar um conjunto de ins-
trumentos e de metodologias de gestão, de conservação e de difusão
para os responsáveis pelo patrimônio cultural rural, tanto os proprietá-

98 • História local
rios quanto as respectivas instâncias públicas pertinentes da área da
cultura, da educação e do turismo. O inventário contou com acervos,
obras, mobiliário, edificações, bens naturais, equipamentos e os luga-
res e espaços de convívio, canções, crenças, celebrações, saberes e mo-
dos de fazer. Foram realizadas entrevistas orais com os proprietários
e funcionários que há mais tempo vivem na propriedade e visitantes
idosos, com o objetivo de reconstruir a memória da vida social passada
e da riqueza patrimonial que ela produziu, a partir das diferenças so-
ciais, culturais e econômicas dos sujeitos entrevistados. O processo de
inventário e de publicização desse material promoveu transformações
nas formas de investigação histórica, com o envolvimento da popula-
ção local, e promoveu o reconhecimento de memórias ordinárias que
ultrapassaram as “grandes narrativas” sobre a produção cafeeira.

DIMENSÃO PÚBLICA DA HISTÓRIA LOCAL


Por meio de alguns exemplos trazidos de nossas pesquisas com
comunidades locais, procuramos problematizar a possibilidade de
uma história pública, não como uma dimensão reduzida a uma cir-
cunscrição geográfica específica e ou paroquial, nem pensando a co-
munidade como uma entidade homogênea e essencialista. Considera-
mos que a mediação com os movimentos e grupos locais representa
a possibilidade de trazer à luz a diferença, a diversidades, os conflitos e
as ausências.

A dimensão pública das histórias e memoriais locais (sempre em


diálogo com os aspectos nacionais e globais) se realiza não apenas na
publicização de acervos museais, nos arquivos, nos livros ou no conjun-
to de narrativas orais, mas sim na sua própria construção por um públi-
co plural, ativo e participativo com quem se compartilha a autoridade
e, muitas vezes, a autoria. Para que isso seja possível, consideramos que
é preciso avançar, elaborar instrumentos capazes de dar conta de pelo
menos duas dimensões públicas: 1) a produção de novos arquivos, no-
vas perspectivas, novas narrativas historiográficas e históricas – a partir
de linhas de investigação, publicização e circulação em vários âmbitos;
e 2) a conexão entre os vários saberes, repositórios, publicações e circu-
lação em espaços de debate acadêmicos e não acadêmicos.

99 • História pública em movimento


Se, por um lado, uma dimensão fundamental da publicização é a
divulgação, procuramos apontar por meio de nossas experiências de
pesquisa que é preciso garantir, também, a produção conjunta, nos
mais variados espaços, entre pesquisadores/as, arquivistas, museólo-
gos/as e aqueles/as que vivem as experiências, individuais ou coletivas,
nas localidades que demandam nossa presença como mediadores/as.
Nessas rápidas considerações sobre nossa atuação na relação com di-
ferentes públicos, queremos chamar a atenção para alguns aspectos
fundamentais voltados à transformação da história local em história
pública. Primeiro, precisamos considerar as demandas de públicos di-
versos, que nem sempre estão no espaço acadêmico; levar em conta
que os públicos são plurais e ativos e não esperam apenas por saberes
que possam “absorver” como audiência; entender que a comunidade
com a qual trabalhamos também nos avalia e seleciona seus saberes
no processo de produção de um conhecimento negociado e mediado
por disputas; compreender que as disputas e hierarquizações nas co-
munidades locais impactam em nosso trabalho. Por fim, atentar para o
fato de que nossa mediação com as comunidades locais não se resume
à divulgação de suas histórias a um público mais amplo, mas passa
por escutas sensíveis e pela responsabilização por suas histórias e os
impactos públicos de nossas escolhas.

REFERÊNCIAS
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Barros, J. S. “Movimentos sociais e subjetivação política: anotações sobre socia-
bilidade política brasileira recente”. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, v. 12, n.
34, p. 91-113, 2014.
Côrte, A. T. Prestamistas, comerciantes e doutores: uma história dos judeus
em Niterói. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
Hadler, M. S. D. “Trabalhando história local: possíveis abordagens”. Cadernos do
CEOM, Chapecó/SC, v. 20, n. 26, p. 295-307, 2007.
Kobelinski, M. Telas, lentes e tramas: registros da identidade teuto-brasileira
no Paraná (séc. XX). Curitiba: CRV, 2020.
Lima, L. M. G. História oral, velhice e o tempo presente: o contexto do patrimônio
cultural rural paulista. RIDPHE_R: Revista Iberoamericana do Patrimônio
Histórico-Educativo, v. 5, e019007, 2019.
Pons, A. “De la historia local a la historia pública: algún defecto y ciertas virtu-
des”. Hispania Nova: Revista de Historia Contemporánea, n. 1, p. 52-80, 2020.
Portelli, A. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016.

100 • História local


Rancière, J. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34,
2005.
Rovai, M. G. O. Que possamos ser o que somos: memórias sobre o Movimento
Gay de Alfenas no processo de luta pelos direitos de cidadania LGBT (2000-
2018). Anos 90, Porto Alegre, v. 26, p. 1-20, 2019.
Thompson, P. R. A voz do passado: história oral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2002.
Tuan, Y. -F. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio
ambiente. Londrina, PR: Eduel, 2012.

101 • História pública em movimento


QUAIS SÃO AS EXPERIÊNCIAS
DE UM NÚCLEO DE HISTÓRIA
PÚBLICA EM TEMPOS DE
PANDEMIA NA AMAZÔNIA?
Daniela Paiva Yabeta de Moraes

Eu iniciei minhas atividades como docente do Departamento de


História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR-Porto Velho) em
agosto de 2019. Na ocasião, tive a oportunidade de acompanhar a orga-
nização da XXIII Semana de História, cuja temática foi “A bolha univer-
sitária: como a academia pode ultrapassar seus muros?”, que ocorreu
entre os dias 19 e 23 de agosto. A proposta da edição era “refletir a con-
dição da educação nacional, considerando principalmente as conjun-
turas universitárias que levam a constituir a educação superior num
patamar distante da população”. As discussões propostas giraram em
torno de dois eixos: “1) o processo formativo não se dá de forma des-
conectada da realidade; 2) a sociedade só conhece a universidade a
partir do profissional formado pela instituição, ela não sabe como se
dá o processo de formação, pois durante este período ocorre um dis-
tanciamento, desconhecimento da sociedade das necessidades exis-
tentes para capacitação do futuro profissional”. Neste sentido, o corpo
acadêmico do curso de Licenciatura em História, “mesmo que ferindo

103 • História pública em movimento


seu próprio orgulho”, colocava-se disposto a repensar a instituição e a
dinâmica estabelecida com a sociedade e mostrava-se aberto ao diálo-
go para “tentar construir propostas e alternativas” que possibilitassem
furar essa tal bolha.

Não é de hoje o debate sobre o distanciamento da universidade,


mas eu sempre a compreendi como parte da sociedade. Um mês antes
da XXIII Semana de História em Porto Velho, Denise Pires de Carvalho –
primeira reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em
entrevista concedida ao jornal O Povo declarou o seguinte: “A acade-
mia não vai se encastelar mais, muito pelo contrário, a gente está de
portas abertas para a sociedade brasileira, de mãos dadas, para que
a gente continue atuando no desenvolvimento do país”. O lugar que
marca meu ingresso na universidade é de alguém que “furou a bolha”
já que sou a primeira pessoa da minha família que concluiu o curso su-
perior numa instituição federal, a primeira a ter mestrado e doutorado.

Sendo assim, ao chegar em Porto Velho, por conta da minha traje-


tória acadêmica ter sido construída sempre em diálogo com movimen-
tos sociais, considerei que trazer as discussões em torno no movimen-
to da história pública poderia ser um bom caminho para ultrapassar
os muros em questão. Foi nesse momento que propus o minicurso:
“Aproximações entre história pública e história oral: possibilidades de
pesquisa na Amazônia” como parte de uma das atividades da XXIII Se-
mana de História.

Pensando no contexto de uma professora que havia acabo de


chegar discutindo uma temática que até então eles desconheciam,
a experiência foi muito boa e fiquei bastante animada em dar conti-
nuidade ao trabalho. No entanto, percebi que alguns recursos que eu
costumava utilizar quando falava sobre história pública no Sudeste,
como por exemplo, o samba-enredo da Mangueira História pra ninar
gente grande (2019), não funcionava tão bem como gatilho para des-
pertar questões sobre história pública aqui no Norte. Entendi que eu
precisava conhecer mais a realidade local, as histórias extramuros. Fui
amadurecendo essa ideia ao longo do segundo semestre de 2019 e no
início de 2020 propus a eletiva “Introdução a História Pública”. Minha
proposta era basicamente ler com os alunos o livro organizado por Ju-
niele Rabêlo e Marta Rovai (2011), pois considero um trabalho essencial
para quem está se aproximando da temática. Diferente do que ocorreu

104 • Pandemia na Amazônia


durante o minicurso, apenas três alunos se interessaram. Com a pan-
demia, apenas dois continuaram no sistema remoto.

Além da disciplina, criei o Núcleo de História Pública da Amazônia


(Nuhpam), um grupo de estudos e pesquisas vinculado ao Departa-
mento de História (UNIR – Porto Velho) em parceria com a professora
Cátia Sanfelice, historiadora vinculada ao Departamento de Ciências
da Educação (UNIR – Ariquemes). A ideia era começar o movimento de
sair “da bolha” partindo de Porto Velho, já que esse distanciamento da
universidade também pode ser percebido na dificuldade de diálogo
entre os diferentes campi espalhados pelo estado de Rondônia. O prin-
cipal objetivo do Nupham é o desenvolvimento de pesquisas que tra-
tam da dimensão pública da história dividida em duas linhas: 1) cultura,
memória e identidade; e 2) sujeitos, saberes e linguagens.

Em fevereiro de 2020, momento em que eu estava animada com


a disciplina eletiva e com a criação do Nuhpam, Rondônia ganhou as
páginas dos jornais de todo país quando o secretário de Educação do
Estado, Suamy Vivecananda Lacerda Abreu, historiador graduado pela
UNIR, distribuiu um memorando e uma lista de 43 livros para serem
recolhidos das escolas por conterem o que ele considerava como “con-
teúdos inadequados” a crianças e adolescentes. Entre os autores das
obras, temos Caio Fernando Abreu, Aurélio Buarque, Carlos Heitor Cony,
Euclides da Cunha, Machado de Assis, Mário de Andrade, Franz Kafka,
Rubem Alves, Rubem Fonseca, entre outros. O mais interessante é que
poucos meses antes, em de 2019, a Secretaria de Estado de Educação
de Rondônia (Seduc-RO), em parceria com o Departamento de Línguas
Vernáculas (UNIR, Porto Velho/RO), promoveu um curso preparatório
para o mestrado acadêmico em Estudos Literários destinado a profes-
sores e analistas educacionais da rede pública estadual. No final das
contas, o memorando do secretário vazou, a lista com a relação dos li-
vros também e a pasta acabou voltou atrás alegando que tudo não pas-
sou de um mal-entendido. A essa altura, já era tarde demais.

A tentativa da censura expôs a força do conservadorismo no estado.


Ao acompanhar toda essa polêmica, estava certa de que essa seria essa
a minha porta de entrada para o debate público envolvendo literatura e
história. Mas aí veio a Covid-19, as aulas foram suspensas e eu não fazia
a menor ideia do que estava por vir. Estava isolada numa cidade sem
família e sem amigos, apenas na companhia de meus cachorros e gatos.

105 • História pública em movimento


No meio desse turbilhão, recebi uma ligação do Gefferson Rodri-
gues, historiador e professor do Departamento de História da Universi-
dade Federal do Oeste do Pará (UFOPA – Santarém). Gefferson, assim
como eu, estava isolado na Amazônia. Foi dele a ideia de gravar lives
com professores da região contanto suas experiências de enfrenta-
mento da pandemia. Inicialmente, pensamos em vídeos curtos e in-
formativos. A morte ainda não havia chegado por essas bandas. Foi as-
sim que gravamos a primeira conversa, eu e ele, no dia 02 de abril de
2020. Logo em seguida, conseguimos depoimentos de Porto Velho e
Ariquemes (RO), Salvador (BA), Juiz de Fora e Alfenas (MG) e partimos
para o circuito internacional: EUA, Espanha, Portugal e Guiné-Bissau.
A essa altura, as conversas de 15 minutos já chegavam a quase uma
hora. O formato dos encontros virtuais também foram mudando. Além
do Gefferson, Cátia Sanfelice de Paula também passou a participar dos
registros. Foi por conta dela, autora do livro Trabalhadores e a transfor-
mação das relações capitalistas em Rolim de Moura/RO (1970-2018)
(2020), fruto de sua experiência de pesquisa sobre Rondônia, que deci-
di fazer um circuito exclusivo sobre o estado, registrando depoimentos
provenientes de diversos municípios. Antes disso, percebi que já era
hora de sair da informalidade e institucionalizar nosso trabalho. Foi as-
sim que nasceu o projeto de extensão Amazônia em Quarentena, a pri-
meira atividade do Núcleo de História Pública da Amazônia (Nuhpam).

Nas redes sociais, abri uma página do Nuhpam no Facebook,


onde divulgo as atividades realizadas, um canal no YouTube, onde
disponibilizo os vídeos gravados para o Amazônia em Quarentena e
uma conta no Instagram. Em princípio a ideia do Instagram era criar
um acervo fotográfico, receber contribuições de todos os lugares, do
Brasil e do exterior, e estava dando certo. Porém, logo nas primeiras
semanas, eu desisti de manter as imagens por conta de uma fotogra-
fia enviada do Rio de Janeiro onde uma jovem usava uma máscara
que dizia: “Fora Bolsonaro”. Após essa postagem eu recebi a mensa-
gem de um colega morador de Rondônia (servidor público do estado)
sugerindo que talvez não estivessem gostando da conta do Nuhpam
no Instagram devido ao estado ser majoritariamente bolsonarista. Na
opinião dele eu deveria postar também imagens de pessoas furando
a quarentena para “se sentirem representadas”, pois eu estava sendo
“muito parcial”. O comentário me pegou de surpresa, no início eu re-
sisti, mas logo em seguida apaguei todos as imagens e recomecei o

106 • Pandemia na Amazônia


Instagram do zero. Hoje, todas as fotografias que constam na página
são minhas. Eu continuo montando o acervo, mas com imagens ex-
clusivas do meu cotidiano.

Ao institucionalizar o projeto de extensão Amazônia em Quarente-


na, eu já havia percebido que poderíamos fazer vários circuitos de en-
trevistas. Privilegiei três: 1) circuito Rondônia; 2) circuito internacional;
e 3) circuito nacional. No circuito Rondônia entrevistamos professores,
alunos, quilombolas e indígenas de dez municípios: Porto Velho, Ari-
quemes, Cacoal, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Rolim de Moura, Pimenta
Bueno, Guajará-Mirim, Colorado do Oeste e Costa Marques. No circui-
to internacional entrevistamos diferentes profissionais que estão en-
frentando a pandemia da Covid-19 em dez países: Portugal, Espanha,
Estados Unidos, Guiné-Bissau, Bolívia, Japão, Rússia, França, Canadá e
Chile. Todos esses já foram concluídos em janeiro de 2021. Atualmente,
seguimos o circuito nacional, que deverá ser finalizado até junho de
2021 quando o projeto de extensão será encerrado. Sobre a participa-
ção de alunos, apenas três graduandos do curso de Licenciatura em
História se interessaram pelas atividades.

Na medida em que o tempo foi passando o formato das entrevistas


foi mudando. Por mais que no momento da proposta do projeto eu
tivesse pensado em uma metodologia específica, a minha experiên-
cia de isolamento e enfrentamento da pandemia acabou alterando o
formato das conversas por diversas vezes. Apesar de todo meu esforço
para manter o rigor acadêmico, foi impossível controlar meu choro, mi-
nha indignação, minha revolta, meu medo, meu cansaço. Isso me cau-
sava mal porque por diversos momentos pensei que eu estivesse me
sobrepondo ao entrevistado e comprometendo a qualidade do traba-
lho. Acredito que essa tensão, impossível de ser prevista quando iniciei
o projeto, tornou-se uma marca desses registros. O impacto que as mi-
nhas emoções terão no trabalho eu ainda não tenho condições de ava-
liar. Nos últimos meses eu tenho tentado me conter ao máximo, mas
é muito difícil ouvir relatos de dor, de morte, de fome, de insegurança
quando eu mesma não sei quando vou poder rever minha família.

Além do projeto de extensão “Amazônia em Quarentena”, uma ou-


tra atividade que eu desenvolvo no Nuhpam é o projeto de pesquisa
intitulado “Territórios Quilombolas”. O projeto conta com a parceria de
KOINONIA: Presença Ecumênica e Serviço e tem como objetivo atuali-

107 • História pública em movimento


zar a lista das comunidades remanescentes de quilombo certificadas
pela Fundação Cultural Palmares e disponibilizar verbetes sobre as
mesmas através do Atlas do Observatório Quilombola.

Idealizado pela bibliotecária Andrea Oliveira e pela historiadora


Ana Gualberto, o Atlas do Observatório Quilombola é um dos resulta-
dos do projeto “Apoio ao fortalecimento e protagonismo das comu-
nidades quilombolas do Rio de Janeiro”, realizado em 2013. O projeto
foi promovido por KOINONIA, com parceria da Associação das Comu-
nidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro
(Acquilerj) e contou com o apoio da antiga Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir). De acordo com Andrea Oli-
veira, em sua dissertação de mestrado Egbé virtuais: taxonomia face-
tada navegacional para o Atlas do Observatório Quilombola, o Atlas
começou mapeando as comunidades do estado do Rio de Janeiro. Os
verbetes foram feitos durante o desenvolvimento do projeto por uma
equipe multidisciplinar que contava com representantes dos seguin-
tes quilombos: 1) Baía Formosa (Armação dos Búzios); 2) Botafogo
(Cabo Frio); 3) Caveira (São Pedro da Aldeia); 4) Maria Joaquina (Cabo
Frio); 5) Maria Romana (Cabo Frio); 6) Preto Forro (Cabo Frio); 7) Rasa
(Armação dos Búzios); 8) Sobara (Araruama); 9) Boa Esperança (Areal);
10) Feital (Magé); 11) Maria Conga (Magé); 12) Tapera (Petrópolis); 13)
Aleluia (Campos dos Goytacazes); 14) Barrinha (Campos dos Goyta-
cazes); 15) Batatal (Campos dos Goytacazes); 16) Cambucá (Campos
dos Goytacazes); 17) Conceição do Imbé (Campos dos Goytacazes); 18)
Cruzeirinho (Natividade); 19) Deserto Feliz (São Francisco de Itabapoa-
na); 20) São Benedito (São Fidelis); 21) Lagoa Fea (Campos dos Goyta-
cazes); 22) Machadinha (Quissamã); 23) Alto da Serra (Rio Claro); 24)
Cabral (Parati); 25) Campinho da Independência (Parati); 26) Ilha da
Marambaia (Mangaratiba); e 27) Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis).
Quando o projeto terminou, apesar de não ter mais recursos, KOINO-
NIA ampliou o trabalho mapeando todas as comunidades remanes-
centes de quilombo do Brasil. Um trabalho coordenado pela Andréa
Oliveira e que contou com a colaboração de voluntários. Os dados fo-
ram atualizados por essa equipe até 2015 (Oliveira, 2017, p. 26-9).

Em julho de 2020 eu retomei o trabalho com o Atlas Quilombo-


la através da parceria entre o Nuhpam e KOINONIA. Meu trabalho é
atualizar o portal com as novas comunidades certificadas entre 2015

108 • Pandemia na Amazônia


e 2021 (a última lista da Fundação Cultural Palmares é de fevereiro de
2021), criar etiquetas para todas elas e alimentar novos verbetes. Dessa
vez, convidei quilombolas e pesquisadores sobre as comunidades para
enviarem os verbetes. Diante da grandiosidade da proposta e por não
contar mais com voluntários ou alunos bolsistas, é um trabalho de for-
miguinha que não tem a menor previsão de quando será concluído.
Até agora estão atualizados os lançamentos nos estados do Rio de Ja-
neiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Amazonas. Os ver-
betes ainda seguimos preenchendo e recebendo. Fica aqui o convite
para quem quiser contribuir.

Em KOINONIA, no portal do Observatório Quilombola (que abriga


o Atlas), entre dezembro de 2019 e agosto de 2020 eu assinei a coluna
“Opinião” ao lado da historiadora Ana Gualberto e da advogada Camila
Chagas. A ideia da coluna surgiu por conta do blog “Caderno de Cam-
po” que eu dividi com a Ana entre os anos de 2016 e 2018, onde rela-
tamos nossas experiências de pesquisa de campo. Eu escrevia sobre
o Rio de Janeiro e Ana sobre a Bahia. Quando cheguei em Rondônia
resolvemos retomar essa prática. No entanto, por conta de situações
como a que eu relatei no episódio da conta do Instagram, eu não me
senti segura em continuar escrevendo. Com o passar do tempo, fui per-
cebendo que não era muito aconselhável, de modo geral, “falar sobre
política” – isso era o que eu mais ouvia por aqui. Essa insegurança fez
com que eu pensasse em vários momentos desistir do próprio projeto
de extensão “Amazônia em Quarentena”. Pois, na medida em que eu
seguia as entrevistas, a situação da pandemia no Brasil, especialmente
em Rondônia, tornava-se cada vez pior e críticas aos governos – fosse
na esfera federal, estadual ou municipal, eram cada vez mais comuns.
Hoje eu já penso em voltar a escrever mensalmente para a Coluna do
Observatório Quilombola, mas ainda preciso amadurecer mais a ideia.
Quanto aos nossos escritos do blog, juntamos todo material e a Fun-
dação Henrich Böll financiou nosso e-book que está disponível para
download grátis no site da editora Karywa: Caderno de Campo – notas
de experiência de pesquisas em territórios negros (2020).

De modo geral, esse foi um relato do primeiro ano de atividades do


Núcleo de História Pública da Amazônia (Nuhpam). Experiências inusi-
tadas que foram desenvolvidas num contexto de pandemia. Na medi-
da em que escrevo, me dou conta de como é muito louco pensar que

109 • História pública em movimento


tudo isso aconteceu comigo isolada dentro de casa. Acho que ainda
seguiremos assim ao longo de 2021.

Para encerrar, voltando ao assunto referente ao recolhimento dos


livros – Memorando-Circular n. 04/2020 assinado pelo secretário de
educação do estado de Rondônia o episódio rendeu. O caso foi parar
no Ministério Público Federal (MPF) e o procurador responsável, Ra-
phael Bevilaqua, solicitou informações sobre: 1) qual contexto se deu
a elaboração do documento; 2) se houve comissão encarregada para
classificar as obras; e 3) por qual motivo os documentos que determi-
navam o recolhimento dos livros passou de público para sigiloso no
sistema de informações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO),
considerou a medida uma “odiosa censura”, um ato que “viola os mais
caros princípios e garantias fundamentais da Constituição Federal,
atenta ao estado democrático de direito, bem como ofende a demo-
cracia e a cultura, que nos dá unidade como nação brasileira”. A Acade-
mia Brasileira de Letras declarou que “trata-se de gesto deplorável, que
desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte
e a liberdade de expressão”. Destacou também que: “A ABL não admite
o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que
embasam a censura”. Por outro lado, a resposta da Seduc-RO ao MPF
foi de que o documento não chegou a ser expedido e tratava-se apenas
de um rascunho.

Enquanto eu sigo com o Amazônia em Quarentena e o Atlas Qui-


lombola, leio com bastante calma todas as obras listadas como ina-
propriadas. Quando olhamos com calma a lista percebemos que não
são “apenas” 43 títulos. Há uma observação, por exemplo, de que todos
os livros do Rubem Alves também deveriam ser tirados das escolas. O
silêncio causado em torno desse episódio dentro da universidade eu
considero algo estarrecedor, principalmente quando lembro dos de-
bates para “sair da bolha”. Mesmo sem verbas, sou muito otimista com
relação as possibilidades de trabalho do Nuhpam não só em Rondônia,
como em toda a Amazônia. Sei que é preciso coragem, disposição para
o enfrentamento, para festejar pequenas vitórias e, principalmente,
aceitar determinados recuos. O importante é seguir. Por isso tudo,
momentos como esse 2º Curso de Introdução à História Pública são
fundamentais para dividir experiências e fazer tudo valer a pena.

110 • Pandemia na Amazônia


REFERÊNCIAS
Almeida, J. R.; Rovai, M. G. O. Introdução à história pública. São Paulo: Letra e
Voz, 2011.
De Paula, C. F. S. Trabalhadores e a transformação das relações capitalistas
em Rolim de Moura/RO (1970-2018). Curitiba: Appris, 2020.
Gualberto, A.; Yabeta, D. Caderno de Campo: notas de experiência de pes-
quisa em territórios negros. São Leopoldo, RS: Karywa, 2020. Disponível em:
https://editorakarywa.files.wordpress.com/2021/02/ebook-daniela-e-ana.pdf.
Acesso em: 26 abr. 2021.
Oliveira, A. C. Egbé virtuais: taxonomia facetada navegacional para o Atlas
Observatório Quilombola. Dissertação (Mestrado Profissional em Biblioteco-
nomia). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2017.

111 • História pública em movimento


COMO OS MOVIMENTOS
LGBT+ E DE MULHERES VÊM
ATUANDO NA LUTA CONTRA AS
OPRESSÕES INTERSECCIONADAS
E AS DESIGUALDADES
SOCIAIS EM RONDÔNIA?
Lauri Miranda Silva

Este trabalho é a continuidade de minha monografia de bachare-


lado onde pesquisei e escrevi sobre o primeiro movimento LGBT+ em
Porto Velho/RO, denominado Camaleão, que surgiu em meados dos
anos 1990, com a explosão da contaminação pelo vírus do HIV/Aids, or-
ganizado por um grupo de amigos/as, sensibilizados/as com a situação
de exclusão social e a perda de muitas pessoas próximas no início da
epidemia. Esse grupo, pioneiro em Rondônia, foi formado por homos-
sexuais na cidade e encerrou suas atividades por falta de apoio e de
voluntários na mesma década.

A pesquisa monográfica foi realizada a partir de análise documen-


tal, através de atas, relatórios, projetos, cartilhas, folders e imagens pes-
quisados na extinta Ong Tucuxi. O objetivo geral do trabalho foi analisar
historicamente a referida instituição e suas ações para a comunidade

113 • História pública em movimento


LGBT+ a partir do ano de 2003 a 2009, averiguando as contribuições dos
projetos sócio-políticos desenvolvidos na luta contra a homotransfobia
e a criação de Políticas Públicas voltadas para esse segmento. Não rea-
lizei entrevistas com os militantes na época, devido ao curto prazo do
bacharelado e pelas especificidades metodológicas do trabalho.

Nesse sentindo, percebi a necessidade em dar continuidade à pes-


quisa numa perspectiva de resistência acadêmica com relação a essas
temáticas e a importância de contribuir para o debate historiográfico
em torno das relações de gênero e diversidade sexual na história, am-
pliando o debate a partir dos estudos sobre os movimentos de mulhe-
res e/ou feministas e os movimentos LGBT+ em Rondônia, por perceber
que eles têm um inimigo em comum e que se apoiam mutuamente
contra o sistema de dominação que discrimina, excluí e oprime, através
de opressões e diversas formas de violências que corroboram para as
desigualdades sociais no estado.

ALGUMAS JUSTIFICATIVAS PARA EXECUÇÃO DE UMA


PESQUISA DE ESCUTA SENSÍVEL E HUMANIZADA
Este trabalho faz-se necessário para apreendermos a história de
luta e de resistência desses/as sujeitos/as, relacionadas às diversas for-
mas de opressões no estado. Analisarei esta pesquisa articulando, a
partir da história oral de vida, as narrativas dos/das militantes por meio
de entrevistas (áudio e vídeo, com questionários para preenchimentos
de alguns dados pessoais e fontes documentais que serão coletadas
nas instituições nas quais estão inseridos/as os/as militantes de ambos
os movimentos, pautadas no engajamento nas ações socioculturais, na
localização social, na vivência e experiência delas/es.

Além disso, estão sendo feitas observações escritas no caderno


de campo, para a problematização das ações culturais, históricas,
políticas, espaciais e simbólicas, envolvidas na constituição da identi-
dade e da memória das/dos militantes que estão participando desta
pesquisa, respeitando o lugar de falar de cada uma/um delas/es, para
pensar as hierarquias, as questões que ocasionam as desigualdades
sociais e as invisibilidades desses sujeitos, tanto no campo da ciência,
quanto na sociedade.

114 • Opressões e desigualdades


O motivo da escolha de militantes desses dois movimentos de re-
sistência em Rondônia está ligado ao fato de eu ter percebido uma co-
nexão entre ambos desde o processo eleitoral de 2018 e pós-eleitoral
no Brasil. Essa união foi e continua sendo contra a crescente onda do
conservadorismo e fundamentalismo, relacionados às diversas formas
de opressões interseccionadas: racismo, LGBTfobia, machismo, misogi-
nia, sexismo e classismo em Rondônia.

Minha pesquisa também pretende visibilizar a luta e as experiências


de vida dessas/es militantes através de suas narrativas, pois “os saberes
produzidos pelos indivíduos de grupos historicamente discriminados,
para além de serem contradiscursos importantes, são lugares de potên-
cia e configuração do mundo por outros olhares” (Ribeiro, 2019, p. 75).

A luta contra o cis-heteropatriarcado é o alvo em comum desses/


as militantes no estado. O processo inicial de articulação entre os mo-
vimentos foi realizado pelo Coletivo Feminino Filhas do Boto Nunca
Mais. A história desse grupo se originou através dos estudos que uma
de suas fundadoras realizou em um seminário ocorrido em uma Uni-
versidade de Rondônia em 2011, quando obteve conhecimento do que
de fato está por trás da lenda do boto, entendendo que o abuso sexual
intrafamiliar, mantido de maneira trans-geracional, ainda é totalmente
presente nas comunidades ribeirinhas e até mesmo na zona urbana de
Rondônia e que as Políticas Públicas relativas ao problema continuam
sendo insuficientes. As vítimas, na maioria das vezes, não têm vozes.
Assim, a fundadora do grupo tomou a iniciativa para fomentar e cobrar
soluções referentes ao assunto.

A meu ver é um dos movimentos de mulheres mais atuante no es-


tado, por isso a importância de pesquisá-lo e analisar a sua relação com
a agenda do movimento LGBT+ na localidade, mesmo sabendo que
elas/eles têm especificidades em suas ações políticas e sociais. Ressalto
também que há outros grupos ou movimentos de mulheres na região,
mas minhas investigações se darão a partir do mencionado Coletivo.

Notei que houve um enfraquecimento do movimento LGBT+ no


estado a partir de 2015, principalmente em Porto Velho. Nesse perío-
do, algumas das principais atividades organizadas e desenvolvidas
anteriormente pelos/as militantes, como a Parada LGBT+ e a Marcha
da Diversidade Sexual, não foram realizadas. Alguns grupos se de-

115 • História pública em movimento


senvolveram e outros continuam a realizar atividades para o público
LGBT+ no estado: o Grupo Gay de Rondônia (GGR), que era responsá-
vel pela Parada LGBT+; o Porto Diversidade, que organizava a Marcha
da Diversidade Sexual na Zona Leste da capital; a Comunidade Cidadã
Livre (Comcil), que ainda está ativa e desenvolvendo atividades vol-
tadas a esse segmento; na cidade de Ji-Paraná, temos o Grupo LGBT
JIPA; e os Coletivos formados por uma nova geração de LGBT+ em
Porto Velho. O grupo Tucuxi e o Projeto Vidas estão inativos e alguns
dos seus militantes continuam na luta em outros grupos. Nesse senti-
do, estou entrevistando alguns/algumas membros/as e ex-membros/
as dessas organizações.

Estudos sobre gênero e diversidade sexual ainda são marginaliza-


dos na historiografia brasileira, principalmente nos estudos a respeito
de Rondônia, mas historiadores têm demonstrado interesses nesses
campos ainda objetos de polêmica no país. A resistência ao debate so-
bre esses assuntos nas universidades ou nas produções escritas acadê-
micas pode ser explicada não só por questões de escolha por parte do
pesquisador ou do intelectual de temas a serem problematizados no
campo científico, mas também em função de preconceitos relativos ao
assunto. Isso vai de acordo com o que Bourdieu (1983) comenta sobre
as questões dos campos de saberes, dentro de sua cientificidade, que
partem de interesses particulares e/ou pessoais, mas também de pres-
sões institucionais. Almeida (2016) analisou a utilização da história oral
nas práticas de história pública, para a autora:

No horizonte dos saberes dos movimentos sociais e da história


oral, as práticas de história pública são evidenciadas nas interpre-
tações dialógicas desse conhecimento histórico – produzido e di-
fundido. Procuramos perceber o trabalho de memória realizado
pelos próprios movimentos e, ao mesmo tempo, o papel dos pes-
quisadores com formação em história oral. (Almeida, 2016, p. 47)

Nesse sentido, esta pesquisa colaborará no debate relacionado à


questão da diversidade sexual e relações de gênero na história, con-
tribuindo para um debate entre história oral e história pública sobre o
movimento de mulheres e LGBT+ em Rondônia, principalmente para
os estudos históricos regionais, e bem como relacionar as experiências
de vida das/dos militantes a partir dos marcadores sociais de raça, clas-
se, gênero, geração, religiosidade e sexualidade.

116 • Opressões e desigualdades


Há vários trabalhos sobre esses dois movimentos em diversos cam-
pos de saber, mas tais pesquisas abordam, sobretudo, o seu surgimento
e as políticas públicas criadas, mas não os atores sociais que deles faziam
e fazem parte, sujeitos possuidores de histórias, que desenvolvem ou de-
senvolveram ações sociais contra a discriminação e exclusão no estado.

Este trabalho busca romper com o discurso dominante e coloniza-


dor, pois compreendo de antemão que os/as militantes têm saberes e
vozes, e podem pensar as próprias condições de opressão no lugar onde
estão inseridas/os, através de uma visão sensível, humanística e solidária
a partir do contato com as/os militantes, no processo das entrevistas e
dos diálogos que estão ocupando no andamento desta pesquisa.

AS PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS PARA UMA


ANÁLISE POÉTICA DA LUTA E (RE)EXISTÊNCIA DOS/DAS
MILITANTES LGBT+ E MULHERES EM RONDÔNIA
Todo o trabalho está sendo analisado a partir das concepções da
teoria queer, do feminismo negro interseccional e dos estudos cul-
turais para as análises sobre sexo, raça, classe, gênero, religiosidade,
sexualidade e geração. Compreendendo aqui essas categorias como
determinações sociais e culturais das identidades das/dos militantes
que estão participando dessa pesquisa. Utilizo da interdisciplinaridade,
para a articulação das/dos teóricas/os da história que estão e serão uti-
lizados/as através das perspectivas de intelectuais de distintos campos
do conhecimento, e aportes teórico-metodológicos da história oral.

As obras de Foucault (1985, 2015) estão me ajudando a entender


como o saber e o poder formaram a base desses estudos, paradoxal-
mente desestabilizadora da construção do sujeito humano. Suas aná-
lises sobre as inter-relações entre saber, poder e sexualidade foram o
catalisador intelectual mais importante da teoria queer, ressaltando-
-se que o autor deu mais atenção à história da sexualidade masculina,
mas que seus conceitos servirão de base para as discussões que ora me
ocupam nesse trabalho.

De acordo com Spargo (2017), o termo “queer” pode ter função


de substantivo, adjetivo ou verbo, mas em todos os casos se define

117 • História pública em movimento


em oposição ao “normal” ou à normalização. A teoria queer não é um
arcabouço conceitual ou metodológico único ou sistemático, e sim
um acervo de engajamentos intelectuais com relações entre sexo,
gênero e desejo sexual, que se originou do feminismo e do movimento
LGBT+, marcado por uma oposição radical à dicotomia homem/mulher
(Miguel & Biroli, 2015).

No texto intitulado “Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e con-


vergências na reprodução das desigualdades”, Biroli e Miguel (2015)
analisam o percurso dos estudos sobre as convergências entre esses
três conceitos (gênero, raça e classe) no debate teórico das últimas dé-
cadas, com foco nas contribuições e debates do feminismo. Para eles,
retomando a tradição intelectual do feminismo negro, as formas de
opressão são diversas e complexas, e não é possível compreendermos
os problemas das desigualdades sociais e econômicas quando analisa-
mos uma variável isoladamente. Por exemplo: pensar a falta de equi-
dade no mercado de trabalho entre homens e mulheres somente a
partir da categoria de gênero a partir das relações de classe pode dei-
xar outside o modo como a vinculação das opressões de gênero e raça
conformam a dominação no sistema capitalista (Biroli & Miguel, 2015).

Logo, a discussão deste trabalho se dará a partir da chamada ter-


ceira onda (1990) do feminismo, que tem por objetivo desafiar e/ou evi-
tar aquilo que suas integrantes enxergam como as acepções essen-
cialistas da feminilidade, compreendendo que as mulheres possuem
diversidades étnicas, religiosas, culturais, entre outras. Fazendo parte
dessa fase, diversas feministas negras, como, por exemplo, Gloria An-
zaldua, bell hooks, Cherrie Moraga, Audre Lorde, Angela Davis, Lélia
Gonzalez e Patricia Hill Collins, entre outras, (que serão utilizadas para
as discussões em torno da interseccionalidade através das narrativas
das/dos militantes dessa pesquisa) buscaram agenciar um espaço den-
tro do campo feminista para a consideração das subjetividades rela-
cionadas ao marcador racial a fim de romper com os estereótipos de
gênero, regalia de classe e cis-heteronormatividades conectadas em
nível global (Akotirene, 2019).

É com o feminismo negro que surge o conceito de


interseccionalidade discutido na teoria crítica de raça, criado por jurista
Kimberlé Crenshaw. Para Carla Akotirene esse conceito, como um sis-
tema de opressão interligado:

118 • Opressões e desigualdades


Visa dar instrumentalidade teórico-metodológico à inseparabili-
dade estrutural do racismo, capitalismo e cis-heteropatriarcado
– produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras
são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição
de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais. (Akotire-
ne, 2019, p. 19)

O feminismo negro discorre simultaneamente sobre as encruzi-


lhadas das diversas formas de opressão. Para Akotirene (2019) seriam
avenidas identitárias do racismo, cis-heteropatriarcado e capitalismo.

Segundo Biroli e Miguel (2015), com o aparecimento do conceito


de interseccionalidade, essas estudiosas mobilizaram formas amplas e
diversificadas de análise, propondo perspectivas teóricas e metodoló-
gicas para o debate dos entrelaçamentos entre classe, raça e gênero a
fim de construir uma melhor explicação das desigualdades sociais pre-
sentes na sociedade contemporânea. Akotirene (2019) confirma que tal
conceito é um instrumento prático e expõe o ativismo intelectual de
mulheres negras.

Sabemos que a história social tem se debruçado sobre os movi-


mentos sociais organizados, entre eles o movimento LGBT+, de mu-
lheres e/ou feministas. Esses últimos, desde o século XIX, vêm lutan-
do contra as diversas formas de opressões e repressão histórica que
continuam se abatendo sobre as mulheres das mais diferentes classes
sociais, raças, religiosidades, sexualidades e etnias.

Para Gohn (1997) os movimentos sociais têm sido considerados, por


vários analistas e consultores de organizações internacionais, como ele-
mentos e fontes de inovações e mudanças sociais. Existe também um
reconhecimento de que eles detêm um saber, decorrente de suas práti-
cas cotidianas, passível de ser apropriado e transformado em força pro-
dutiva. Além disso, os movimentos sociais são essenciais na sociedade
contemporânea, formados por atores que lutam por uma nova ordem
na sociedade. A autora define os movimentos sociais como ações cole-
tivas de cunho sociopolítico, estabelecidas por atores sociais pertencen-
tes a diversas classes e grupos sociais. As ações organizam-se a partir
de temas e problemas em situações de subversão e debate contra as
desigualdades sociais, violências e diversas outras formas de opressão.

Na Amazônia brasileira, especificamente em Rondônia, a situa-

119 • História pública em movimento


ção das mulheres e de LGBT+ seguiu os mesmos rumos de oposição à
opressão e exclusão, como em várias partes do mundo. Mesmo tendo
participado de diversos processos dinâmicos que constituíram a região,
a repressão histórica também se abateu sobre elas/eles. Nessa região,
a situação ainda é desalentadora no que se refere ao reconhecimen-
to das contribuições desses segmentos para a produção e reprodução
da vida social nas comunidades ribeirinhas, indígenas e urbanas. Essa
condição não se restringe ao não reconhecimento da categoria de tra-
balhadoras/es dessas pessoas, mas, também, transparece na escassez
dos estudos e pesquisas acadêmicas acerca das mulheres e LGBT+ na
qualidade de sujeitos da história regional (Fechine, 2007).

Utilizo o procedimento metodológico da história de vida, para con-


tribuir na discussão de assuntos que são poucos estudados e pesquisa-
dos na historiografia brasileira. A primeira justificativa para esse proce-
dimento diz respeito à escassez de fontes escritas relativas aos sujeitos
em estudo. Afinal, como afirma, Engels:

a ausência ou escassez de documentos diretamente produzidos


pelos camponeses, pelos artesãos, pelos operários, pelas mu-
lheres, pelos homossexuais, enfim, pelos setores dominados ou
marginalizados nas diferentes sociedades, coloca-se como um
primeiro obstáculo ao historiador. (Engels, 1997, p. 443)

O recurso a essa metodologia, contudo, é buscado aqui não só pela


escassez de fontes escritas, mas também pela perspectiva mais geral
adotada neste trabalho. Creio que o desenvolvimento da história oral
permitiu, junto a outras transformações teóricas e metodológicas, uma
mudança de enfoque nas pesquisas históricas, quebrando uma visão
rígida da objetividade do fato histórico, abrindo a possibilidade de re-
cuperação de maneiras diversas de viver a história, conforme o gênero,
a idade, a classe, a raça e a sexualidade.

Em seu Manual de História Oral, José Carlos Sebe Bom Meihy co-
menta que a história oral é um recurso moderno usado para a elabora-
ção de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência
social de pessoas e de grupos. Para o autor “ela é sempre uma história
do tempo presente e também reconhecida como história viva” (Meihy,
2005, p. 17).

A importância de um trabalho com um grupo de militantes vai

120 • Opressões e desigualdades


além do simples “resgate do oprimido” ou de uma “história dos excluí-
dos”. Todas as questões levantadas seriam postas a partir de entrevistas
realizadas através de uma metodologia que utiliza uma dada História
Oral, que se voltou à “gente comum” e trabalha na fronteira entre a His-
tória, a Sociologia e a Antropologia. Essa metodologia deixa os nossos
“colaboradores” bem mais perto de nós, revolucionando o papel das/
os entrevistadas/os, colocando-as/os no centro da pesquisa não mais
como simples depoentes, mas como efetivos “colaboradores”, partici-
pantes imprescindíveis, sem os quais o trabalho não seria possível.

Para tanto, estou seguindo os procedimentos a partir da “cápsula


narrativa” e “origem voluntária” desenvolvidos por Caldas (1999). Essa
perspectiva explora as relações entre memórias, histórias, narrativas
e textos, e rompe com os paradigmas estruturalistas, redefinindo as
relações entre passado-presente. Nela, as narrativas são considera-
das construções localizadas dos sujeitos de sua própria identidade e
subjetividade. Por isso, leva-se em consideração não somente as in-
formações contidas nos relatos, mas o próprio modo de narrar. Daí a
importância da utilização dos procedimentos de “cápsula narrativa” e
“origem voluntária”, por permitirem ao colaborador escolher por onde
e como gostaria de narrar. A história oral é, portanto, considerada, des-
de essa perspectiva, um “campo multidisciplinar”, passeando pela his-
tória e relacionando-a com a antropologia, a sociologia, a linguística e a
psicologia para ler e interpretar os “textos”.

De acordo com Caldas (2001), a história oral é enfrentamento do


presente na perspectiva viva dos indivíduos e dos grupos, aliando a isso
um conhecimento e concepção de mundo que conjuga técnicas, pro-
cedimentos e métodos. Nesse sentido, buscarei na história de vida dos/
das militantes LGBT+ e de mulheres as experiências, a construção de
suas memórias, suas identidades, as lutas e as resistências desses indi-
víduos em suas narrativas contra o sistema de dominação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva deste trabalho em construção está se dando através
de uma visão humanística, solidária e uma sensibilidade num cruza-
mento de epistemologias aguçadas, desde o contato com os/as mili-

121 • História pública em movimento


tantes no processo das entrevistas e dos diálogos que estão ocupando
o andamento do projeto. Entretanto, estabelecer uma poética da (re)
existência, da luta, da experiência e da narrativa, uma poética da lei-
tura e de uma hermenêutica do presente, com dimensões políticas e
éticas por tratar diretamente com as singularidades das/dos militantes
que estão fazendo parte desse trabalho, respeitando os lugares de fala
delas/es, afirmando um compromisso ético e político na luta contra as
desigualdades sociais, com a diversidade humana.

Pretendo fazer um documentário como forma de divulgar e sal-


vaguardar o trabalho e a história de vida das/dos militantes, pensando
em uma história oral e história pública construtiva, que viabilizem um
retorno social para ambos os movimentos sociais. É de extrema neces-
sidade pesquisar, escrever e documentar, a partir das narrativas e das
observações que serão feitas, da escuta e compreensão dos ditos e não
ditos, o mundo vivido, a experiência, a luta, a resistência, a conexão en-
tre ambos os movimentos, a subjetividade e a formação da identida-
de desses militantes no lugar e no espaço que ocupam visibilizando e
dando representatividade às lutas dos movimentos de mulheres e de
LGBT+ na história contra as opressões do sistema cis-heteropatriarcal
e homotransfóbico. Como os militantes do movimento LGBT+ e do co-
letivo Filhas do Boto Nunca Mais construíram as suas identidades e
formas de resistência às diversas formas de opressão sofridas em Ron-
dônia desde a década de 1980 até a atualidade?

REFERÊNCIAS
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Almeida, J. R. “Práticas de história pública: o movimento social e o trabalho de
história oral”. In: Mauad, A. M.; Almeida, J. R.; Santhiago, R. (org.). História pú-
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Ática, 1983. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)
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122 • Opressões e desigualdades


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1985.
Gohn, M. G. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contem-
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Meihy, J. C. S. B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 2005.
Ribeiro, D. Lugar de fala. São Paulo: Pólen, 2019.
Spargo, T. Foucault e a teoria queer: Seguido da Ágape e êxtase: Orientações
pós-seculares. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

123 • História pública em movimento


EM TEMPOS DE PANDEMIA,
COMO AS/OS PROFESSORAS/
ES TÊM LIDADO COM O
ENSINO DA HISTÓRIA?
Everardo Paiva Andrade, Juniele Rabêlo de Almeida,
Larissa Moreira Viana e Rogério Rosa Rodrigues

PARA INÍCIO DE CONVERSA


Nosso primeiro desafio aqui é discutir essa aparente contradição
entre o fato de nos opormos à virtualização da educação, em todos os
níveis, bem como ao controle das relações educacionais pelos disposi-
tivos digitais controlados pelos senhores das tecnologias, alojados prin-
cipalmente do lado de fora da própria educação, da escola e da profis-
são, e ao mesmo tempo sermos contrários ao retorno de professores/
as e alunos/as para as aulas sem serem devidamente imunizados pela
vacina, que tarda em chegar. Trata-se, de fato, neste momento, de uma
questão de vida e morte.

Entre práticas e reflexões, nossa estratégia consiste em pensar o


contexto profissional na perspectiva de uma poética da docência, ins-
pirados aqui no poema Traduzir-se, escrito por Ferreira Gullar no final
dos anos 1970. Dizia o poeta: “Uma parte de mim é só vertigem: outra

125 • História pública em movimento


parte, linguagem. E depois, para encerrar o poema: Traduzir uma par-
te na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?”.
Traduzir mutuamente, umas nas outras, as práticas e as reflexões, o
exercício profissional e a pesquisa, eis em suma do que se trata nesta
abordagem das artes de ensinar.

De fato, talvez uma parte da profissão docente seja mesmo a ver-


tigem das práticas e da intuição, a exuberância das inventividades dos
professores em seus contextos cotidianos de trabalho; mas uma outra
parte certamente é a linguagem, o conhecimento e a pesquisa. Tradu-
zir uma parte na outra parte – sem jamais se resignar ao fazer por fazer,
às cegas, mas também renunciando a um falar diletante sobre o fazer,
como se tudo soubesse, mesmo que a uma distância das escolas e das
salas de aula que vai à lua – configura o que estamos caracterizando
aqui como uma poética da formação. Será arte?

Talvez como nunca tenhamos sido tão desafiados a compreen-


der os termos daquele aparente paradoxo, exigindo de nós clareza na
abordagem das artes profissionais de ensinar, estimulando a inventivi-
dade de professores e ao mesmo tempo buscando respaldo e refúgio
no conhecimento. A partir das reflexões construídas em um grupo de
discussão, no encontro organizado pela Rede Brasileira de História Pú-
blica – RBHP, no início de 2021, auge da pandemia, destacamos alguns
pontos colocados em discussão.

Do ponto de vista dos estudantes: 1) O acesso remoto não é univer-


sal, tampouco democrático. As atividades remotas adotadas durante
a pandemia aumentaram a exclusão de certos setores da população
escolar que não têm equipamento, conexão de internet e espaço em
casa que seja propício ao desenvolvimento das atividades básicas para
a aprendizagem; 2) Alguns jovens estudantes tiveram que preencher
o tempo regular de estudo com busca de trabalho remunerado, for-
mal ou informal, para auxiliar na renda básica familiar. Os professores e
professoras têm assumido a responsabilidade de amenizar o impacto
dessas medidas na vida cotidiana dos estudantes; 3) A exclusão agrava-
da pelas atividades remotas não deve ser vista como própria da pande-
mia, ela advém de uma política de precarização da educação pública e
de qualidade no Brasil e possui um viés de classe, de raça e de gênero.

Do ponto de vista docente: 1) As atividades remotas sobrecarrega-

126 • Ensino de História e pandemia


ram os professores e professoras, tanto pela necessidade de dominar
tecnologias e linguagens para os quais não foram preparados, nem
tampouco remunerados, mas também porque tiveram que elaborar ati-
vidades impressas e virtuais, atender discentes com aulas síncronas e
assíncronas, disponibilizar seus telefones pessoais para atendimento de
pais e alunos. Tudo isso em meio à sobrecarga física e psicológica advin-
das do impacto da pandemia em suas vidas privadas (perdas familiares e
afetivas, medo da doença, insegurança sobre seu trabalho, empatia em
relação aos seus alunos, incertezas quanto ao futuro etc.); 2) Professores
e professoras têm sofrido cotidianamente com uma campanha desqua-
lificadora que insiste em insinuar, ou mesmo dizer abertamente, que
estão sem trabalhar. As secretarias de educação, sindicatos, coletivos de
pais e mães, meios de comunicação, precisam ouvir o que esses profis-
sionais têm a dizer quando o assunto é a dinâmica das aulas; 3) Os cor-
pos dos professores e professoras não são imunes ao vírus. É preciso unir
forças para garantir que o retorno às atividades presenciais ocorra ape-
nas após a vacinação dos profissionais da educação. Tal reconhecimento
parece ter começado a ser construído socialmente, conquistando – com
avanços e retrocessos – a inclusão dos profissionais da educação entre
os grupos prioritários para a vacinação; 4) A percepção de que o que
hoje se apresenta como paliativo – o ensino remoto – seja uma espécie
de laboratório para a virtualização definitiva da educação básica no país,
ou seja, uma transição para transformar o ensino presencial em Ensino a
Distância (EaD). Os professores e professoras são unânimes em destacar
a importância do uso de ferramentas digitais como recurso de apoio ao
ensino, mas nunca como substituição do ensino presencial.

Nesse sentido, portanto, reafirmamos o que nos parece ser – mas


só aparentemente – uma contradição: somos contra a virtualização da
educação básica, mas contrários ao retorno de professores/as e alunos/
as para sala de aula sem serem vacinados. Em tempos de necropolítica,
trata-se, efetivamente, de uma questão de vida e morte.

MOVIMENTOS INSURGENTES
Como os professores têm lidado com o ensino de história? Pergunta
direta merece resposta também direta: os professores estão aprenden-
do! Em tempos de pandemia, os professores têm aprendido para saber

127 • História pública em movimento


mais, para mudar mais, para aceitar sempre mais… Tudo parecia orga-
nizado para iniciar ou continuar o ano letivo de 2020 nas escolas e nas
universidades: as turmas estavam formadas, os alunos inscritos e os res-
pectivos professores atribuídos no calendário escolar/acadêmico. Pelas
redes sociais e grande imprensa acompanhávamos as notícias de uma
epidemia que, transformada em pandemia, desembarcou no Brasil logo
depois do carnaval. No começo de março, a notícia de suspensão das
aulas se confirma, no Brasil e no mundo os adiamentos do período letivo
em uma semana, depois por 30 dias, depois suspendendo o calendário
por tempo indeterminado e institucionalizando o trabalho remoto.

Com os calendários sobrepostos, fica difícil saber se estamos insti-


tucionalmente em 2020 ou 2021. E pouco mais se sabe sobre o futuro,
se teremos imunização e em quanto tempo, ou quando voltaremos às
nossas aulas presenciais e como serão as rotinas. Alguns perceberam
desde o início a tragédia anunciada: um colapso sanitário e psíquico,
com alastramento da depressão, crise de pânico e epidemia de suicí-
dios (Berardi, 2020, p. 12).

Partindo de uma reflexão inicial sobre o tema “a quem serve o en-


sino a distância em tempos de pandemia?”, chegamos a muitas outras
perguntas. Afinal, o que pensam os professores em seus cotidianos, no
afastamento físico dos estudantes e dos espaços de trabalho? O que
andam fazendo os estudantes, sobretudo da escola pública, sem o
compromisso de ir à escola e sem o ambiente cognitivo, afetivo e cul-
tural que ela proporciona? Súbito, multiplicam-se relatos chocantes de
professores tentando trocar seus aparelhos celulares por modelos mais
eficientes, da pressão que sofrem para dar conta do trabalho remoto
sem qualquer formação específica, da resistência à superexploração
do trabalho com uma carga horária infinita, da incerteza e do medo
que compartilham no cotidiano de suas famílias e de suas redes de
relações pessoais.

Também a maioria dos estudantes da rede pública não dispõe de


condições adequadas – materiais, sociais, existenciais – para participar
de aulas virtuais. E esse é outro vértice da sobrecarga material e psi-
cológica da labuta do professor. Eles e elas cuidam para saber se os
materiais preparados para forjar certa continuidade no ensino estão
chegando aos estudantes, se eles estão conseguindo se alimentar, se
foram contaminados. Embora com número imenso de discentes por

128 • Ensino de História e pandemia


ano, para os profissionais da educação eles não são números ou dados
que orientam a formulação das políticas educacionais no país. Trata-se
da Juliana que pegava dois ônibus para chegar à escola, do Pedro que
espera a mãe retornar para casa para acessar os trabalhos no único
celular existente, da Joana que ajuda a família a cuidar dos irmãos, da
Gabriela que foi vista trabalhando no supermercado local para ajudar
a complementar a renda básica em casa, do Vinicius que voltou para a
lavoura para ajudar o pai na lida do campo. São vidas precarizadas pelo
capital, mas ligadas aos professores e professoras por um elo afetivo
que faz com que ao serem convidados a falar de si e da sua categoria
de trabalho, primeiro externem a preocupação com os e as estudantes.

Questionamentos são construídos a partir das discussões sobre a


formação inicial e continuada de professores de história: teríamos pen-
sado insuficientemente sobre a profissão para além do corpo a corpo,
como um trabalho interativo presencial? Enquanto isso, os de sempre
espreitam, de olho na consolidação do EaD. Partilhamos pânico exis-
tencial, dúvidas e incertezas com relação ao agora e ao depois do tra-
balho e da profissão.

Experienciamos, na profissão docente, uma espécie de agir na ur-


gência e decidir na incerteza, de aproveitar a ocasião para abandonar
planos e horários e romper com normas e convenções. Professores,
abrindo-se aos acontecimentos e às relações, associam liberdade, es-
pontaneidade e criatividade; mas sugerem que essas não são qualida-
des inatas, mas aprendizagens lentamente construídas, pressupondo
longos anos de formação e prática. Assim como Picasso teve que se
tornar Picasso, depois de anos de formação, prática e educação, sub-
mergindo muitas vezes na tradição e na convenção para outras tantas
livrar-se delas, também um professor deve se tornar professor? Que
fazer para que a tradição, a convenção e a aprendizagem favoreçam
uma abordagem criativa e inventiva da docência, e não, como se diz,
de repetição e de rotina?

Os professores narram suas vivências: estão observando e abrindo


os sentidos para o ambiente ao redor; desprendem-se e dispensam su-
posições, inibições e prejulgamentos, admitindo para si mesmo uma
provável vulnerabilidade; usam tudo e reconhecem a centelha poten-
cial do que está ao redor como uma abundância de oferecimentos,
inclusive eventos negativos como a pandemia. Nas condições rigoro-

129 • História pública em movimento


samente inéditas do contexto pandêmico, do afastamento social e do
trabalho remoto, os professores se predispõem a fortalecer uma atitu-
de pedagógica criativa nas relações com os estudantes.

Com a ajuda de António Nóvoa (2020), vamos percebendo aos pou-


cos como a escola e a universidade estão mudando de endereço, de
um CEP físico, institucional e público para os corpos e a intimidade
privada de cada um de nós. Talvez se possa considerar todo esse drama
existencial como um verdadeiro percurso de formação. Tudo às vezes
parece um pouco caótico, sobretudo quando temos que assumir que
não sabemos muitas coisas. A confusão, porém, parece parte do preço
a ser pago pelo aprendizado, ainda que a conta final não tenha chega-
do. Acompanhamos o argumento de Todorov (2014, p. 198), para quem
o sentimento de existência articula um reconhecimento mediatizado
a uma realização imediata – encontramos professores com energia su-
ficiente para uma retomada, individual e coletiva, da vida profissional.

Para José Saramago, a ocasião pode sempre criar uma necessida-


de, mas se a necessidade é forte, terá de ser ela a fazer a ocasião (2020,
p. 315). A longa e assustadora ocasião da pandemia do novo coronavírus
trouxe a necessidade do afastamento social e consequentemente da
suspensão das aulas em escolas e universidades por todo lado. Mas o
que são educadores e educandos silenciosos e distantes, vivendo suas
angústias e seus medos, sem que entre eles se renovem os vínculos de
conhecimentos e afeto, ditos de educação? A necessidade imperiosa
do encontro, ainda que desafiando certezas e convicções muito fortes,
impôs que se criasse a ocasião do encontro educativo, emergencial e
temporário, talvez inventivo, mas necessariamente remoto, entre edu-
cadores e educandos, pelas escolas e universidades mundo afora.

PROFESSORES NA PANDEMIA: ESCUTA SENSÍVEL


A partir dessas questões, consideramos fundamental o fortaleci-
mento dos coletivos profissionais nesses tempos de pandemia, dentre
eles: 1) O Profcast, canal de escuta de professores/as de História da rede
básica de educação no Brasil – podcast que nasceu de uma iniciativa da
Coordenação Nacional do ProfHistória e do Laboratório de Imagem e
Som da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob a coordenação

130 • Ensino de História e pandemia


do professor Rogério Rosa Rodrigues1; e 2) a Rede Trajetórias Docentes,
um espaço de entrevistas públicas com professores da rede básica de
ensino – construído a partir das políticas de formação de professores,
inicial (Pibid, Residência Pedagógica) e continuada (ProfHistória) – jun-
to aos laboratórios LABHOI e LEH, da Universidade Federal Fluminense,
sob a coordenação dos professores Everardo Andrade, Juniele Rabêlo
de Almeida, Larissa Viana e Marcos Barreto.

Ambos foram apoiados diretamente pelo ProfHistória, um Progra-


ma de Mestrado Profissional em rede nacional, vinculado ao contexto
de atuação dos professores e à reflexão e produção de conhecimento
sobre as práticas docentes no Ensino de História. Em 2020, a rede nacio-
nal reunia 39 universidades filiadas em todas as regiões do país, alcan-
çando 620 pós-graduandos, todos docentes com experiências variadas e
atravessados por essa tragédia compartilhada da pandemia. Nesse con-
texto, atentos aos desafios da história do tempo presente, foram cons-
truídos espaços dialógicos – nos quais as narrativas autobiográficas de
professores permitiram articular angústias, desafios, modos de fazer e
resistências cotidianas desses profissionais do Ensino de História.

De acordo com o Censo Escolar 2020 (Inep), foram registradas 47,3


milhões de matrículas nas 179,5 mil escolas de educação básica no Brasil.
São 2,19 milhões de docentes na educação básica brasileira, a maior par-
te atuando no ensino fundamental, particularmente atravessado por de-
sigualdades no acesso à infraestrutura, à rede de internet e aos recursos
disponíveis para estudantes e docentes. Como recuperar, neste cenário
tão amplo e nacional, alguns dos temas e problemas mais presentes no
cotidiano de professores de História durante a pandemia? A construção
de memoriais de trajetórias docentes, a escuta sensível dos próprios
professores em experiências anteriormente consolidadas, encontraram
férteis caminhos de diálogo com outras escutas e escritas dedicadas a
evidenciar os olhares de professores sobre a educação na pandemia.

Há, talvez, duas maneiras de escutar os professores em suas falas


e seus textos. Em primeiro lugar, escutando aquilo que eles estão efe-
tivamente dizendo, com a tonalidade de suas vozes, com a sintaxe e
a semântica de suas falas, nos próprios termos; mas, também, articu-

1. Disponível em: https://open.spotify.com/show/67QQEgXpTmXrghMV0dHGJ5. Acesso


em: 31 jul. 2021.

131 • História pública em movimento


lando fala e contexto de modo que os contextos que fazem parte dos
conteúdos enunciados sejam também úteis na compreensão daqui-
lo que está sendo dito, e do porquê de estarem dizendo aquilo que,
de fato, dizem. Ou seja, uma dupla demanda atravessa o esforço de
compreensão das narrativas docentes, do contexto e da relação entre
contexto e fala. Esta operação de traduzir uma parte na outra parte, ou
seja, de traduzir as práticas nos contextos de sentido e ao mesmo tem-
po esses mesmos sentidos nas práticas de oralização e escrita, enfim,
essa poética da docência, que compromete professores de história e
pesquisadores do campo do ensino de história, consiste precisamente
naquilo que o historiador Ivor Goodson (2015) trata como a passagem
das estórias para as histórias de vida.

Ao longo do ano de 2020, novas perguntas foram sendo incorpo-


radas ao processo de narrar-se, de abordar a experiência docente em
primeira pessoa. A escuta ampliada tornou-se ainda mais urgente e re-
velou, através de conversas sobre a experiência do ensino remoto, uma
série de questões pessoais, profissionais e coletivas da vida de profes-
soras/es de História: as desigualdades regionais e locais no acesso às
plataformas virtuais e materiais pedagógicos; os impactos na saúde e
cotidiano de docentes e estudantes em meio aos enfrentamentos de
2020; os limites da atuação pública/privada no planejamento e finan-
ciamento das atividades escolares; as dificuldades e desafios na intera-
ção com estudantes durante este período, entre outras.

A história pública, com seu perfil de construção compartilhada (co-


laborativa e participativa), tem fornecido um vocabulário que é apreen-
dido pelas professoras e professores para lidar com algumas das singu-
laridades dos processos de pesquisa em Ensino de História. A troca de
experiências entre docentes, estimulada pelas conversas do Profcast
e da Rede Trajetórias Docentes, é certamente um dos meios privile-
giados para construir este vocabulário compartilhado. Experiências co-
muns e diversas, durante a pandemia, revelam as táticas e recursos co-
tidianos de professores que nos convidam a pensar, também, no futuro
do saber disciplinar de história no Brasil.

Nossa conversa de fevereiro de 2021, no âmbito da Rede Brasileira


de História Pública, propiciou uma vez mais o espaço à escuta sensível
– em um bate papo em sala virtual contamos com a presença das/os
seguintes professoras/es da Rede Pública de Educação Básica: Anne

132 • Ensino de História e pandemia


Caroline Peixer (Santa Catarina); Antônio Maicon Bezerra (Acre); Cami-
lla Ferreira Paulino da Silva (Espírito Santo); Geraldyne Souza (Rio de
Janeiro); Isabela Dias (Paraíba); Jorge Diacópulos (Mato Grosso do Sul);
Sued Carvalho (Paraíba). Encontramos, entre esses colegas de profis-
são, a articulação de experiências e proposições que sintetizam preo-
cupações compartilhadas com a desigualdade no acesso à educação
pública democrática e de qualidade, ainda mais exposta e agravada
pela pandemia. As professoras Geraldyne de Souza, Isabela Dias e Ca-
milla Paulino da Silva destacaram algumas das tensões da introdução
dos meios digitais nas rotinas escolares:

O que queremos é seriedade para com a Educação e seus inte-


grantes. Políticas públicas estatais efetivas e democráticas que
visem a valorização e qualidade do processo de ensino-aprendi-
zagem. (…) Só que não podemos achar que somente os alunos
estão sendo seriamente afetados pelo contexto atual. Nós, pro-
fessores, não estávamos preparados para esta realidade virtual
agravada pelo medo do inimigo desconhecido, a Covid-19. (Geral-
dyne Mendonça de Souza, professora de História da rede pública
de educação do Rio de Janeiro)

A pandemia tornou mais visíveis os problemas relacionados à de-


sigualdade social e à desvalorização da educação pública. Com a
calamidade, muitas pessoas tiveram salários reduzidos ou ficaram
desempregadas, a distribuição de cestas básicas para os estu-
dantes da rede pública foi uma medida tomada na tentativa de
garantir alimento na mesa. Nesse cenário, tivemos pais que não
puderam adquirir um smartphone ou não tiveram condições de
colocar créditos. (…) A experiência de 2020 demonstrou que para a
educação ser de fato acessível a todos é preciso haver políticas de
inclusão que viabilizem os alunos a terem acesso ao ensino remo-
to. Além disso, precisamos que as escolas recebam os investimen-
tos necessários para que os professores possam desenvolver seu
trabalho e os alunos possam estudar com dignidade. (Isabela Dias,
professora de História da rede estadual da Paraíba)

Não teria como falar de como foi o ensino de História neste con-
texto, no caso aqui do Espírito Santo, porque se formos ser ho-
nestos, não houve de fato ensino algum, de qualquer disciplina.
Tapamos buraco totalmente cegos, perdidos, sem auxílio da se-

133 • História pública em movimento


cretaria de educação, que estava mais preocupada em fazer pro-
paganda de um novo modelo de ensino em meio à pandemia,
sem dar condições e sem serem realistas com o fato de que o
modelo à distância, seja ele híbrido, virtual síncrono e assíncrono,
não possibilitam um acesso a uma educação que seja de máxi-
ma qualidade, principalmente quando falamos de estudantes de
escola pública em um país tão desigual como o nosso. (Camilla
Ferreira Paulino da Silva, professora de História da rede básica de
ensino em Aracruz/ES)

Nesses trechos, as professoras assumem as suas inquietações po-


líticas a partir das inseguranças decorrentes das questões sociais em
curso – precarizações e exclusões – catalisadas no trabalho docente
em contexto pandêmico (híbrido, virtual síncrono e assíncrono). Elas
observam criticamente as desigualdades que reverberam no trabalho
remoto alterando as relações entre o corpo docente, alunos, família e
demais variáveis com implicações no processo ensino-aprendizagem.

Do outro lado, em relação à transformação das expectativas e frus-


trações na virada do ano de 2020 para 2021, vale citar a narrativa do pro-
fessor Jorge Diacópulos, que nos põem em um movimento reflexivo
sobre o contexto sociopolítico:

Iniciamos o ano letivo de 2021 com a sensação de que estávamos


preparados para o ensino remoto, habituados com as ferramen-
tas e possibilidades de ensino a distância. Entretanto, o que se
tornou a realidade para muitos dos professores foi a angústia e
medo diante de uma volta às aulas sem vacinação, pois o início
deste ano foi marcado pela morte de vários profissionais da edu-
cação após a volta presencial no início de fevereiro. A percepção
de muitos era de que somente agora a doença se tornou próxi-
ma. (Jorge Diacópulos, professor de História na Rede Básica de
Ensino de Campo Grande/MS)

O caráter profundamente humanista da profissão docente, atra-


vessada pela sensibilidade quanto aos deveres de memória e de re-
flexão sobre o tempo presente, foram dimensões particularmente ex-
pressas por Antônio Maicon Bezerra e Anne Caroline Abreu Neves em
suas falas. Já as expectativas em relação ao futuro da educação pública,
apontadas por Camilla Paulino da Silva, sintetizaram temores e preocu-
pações manifestados ao longo de toda a conversa.

134 • Ensino de História e pandemia


Os empecilhos são incontáveis, sobretudo decorrentes da mu-
dança abrupta na rotina escolar. Vão desde carências sociais e
econômicas dos discentes e docentes, dificuldade de adaptação
por alguns professores às novas tecnologias, quedas constantes
de conexão e, fundamentalmente transtornos psicológicos e a
pouquíssima assiduidade nas aulas. Alguns desses problemas,
isso é verdade, já existiam, mas foram acirrados graças aos “efei-
tos colaterais” do abandono forçado da rotina escolar, com toda
a complexidade de relações afetivas, sociais e simbólicas que lhe
atravessa de forma intrínseca. Em síntese, podemos afirmar, que
quanto maior a barreira entre os componentes da comunidade
escolar, mais haverá dificuldade de efetivação do processo edu-
cacional. (Antônio Maicon Bezerra, professor da rede pública de
educação do Acre)

De que forma a escola atravessa minha vida, e qual dimensão


de potência transformadora que ser educadora possui em uma
sociedade tão desigual como a brasileira? (…) Há quem diga que
como professores/as de escolas públicas ficamos tranquilos/as
em nossas casas sem querer “aparecer” na escola porque conti-
nuamos a receber salários medíocres comparados com diversas
outras profissões e funções, incluindo as de políticos, que nada
ou pouco fazem para encontrar ou serem encontrados pelas fa-
mílias em situações de vulnerabilidade social e emocional. (Anne
Peixer, professora da educação básica na rede pública estadual
de Santa Catarina)

Nos trechos acima, observamos a indignações com os chamados


“efeitos colaterais” do afastamento do chão da escola, da rotina escolar
presencial – a perda dos afetos que atravessam as relações face a face
no cotidiano. Afirmam, assim, a dificuldade em lidar com incompreen-
sões e julgamentos insensíveis que desqualificam o trabalho do profes-
sor nestes tempos desafiadores.

Sob a mesma perspectiva, as narrativas das professoras Camilla Sil-


va e Sued Carvalho sinalizam os oportunismos frente às questões de
saúde pública e denunciam a nova realidade e os abusos dos chama-
dos “laboratórios da EaD”:

Na esfera da educação pública, a pandemia abriu uma janela


de oportunidades para que os tubarões do setor privado em-

135 • História pública em movimento


plaquem mudanças profundas nas redes de ensino, não apenas
durante esse período, mas, especialmente, após ele: trata-se da
adoção de atividades e modalidades de educação a distância nas
escolas públicas. A quarentena se tornou o laboratório da EaD –
ou educação virtual, tecnológica, digital, em rede, não presencial,
remota, entre outras designações – que pretende se estabilizar
como regra no ensino público básico. (Camilla Ferreira Paulino
da Silva, professora da rede básica de ensino em Aracruz/ES)

Além das dificuldades geradas para professores e alunos, o ensi-


no remoto improvisado da pandemia afeta também as famílias
da classe trabalhadora, principalmente as mães que já sofrem
com jornadas duplas e triplas de trabalho. A instituição escolar,
do ensino infantil ao médio, representa para as mães trabalha-
doras a possibilidade de trabalhar mais tranquilamente com os
filhos em casa. Na conjuntura atual, todavia, tornou-se difícil,
para muitas mulheres, manter seus empregos. O ensino remoto
demonstra, então, que qualquer plano de instauração de EaD no
ensino básico é inviável para a esmagadora maioria dos estudan-
tes brasileiros, mães e trabalhadores da educação, beneficiando
apenas os barões da educação sedentos de grandes lucros rápi-
dos. (Sued Carvalho, professora da rede estadual da Paraíba)

Os trechos aqui apresentados representam aspectos do nosso


diálogo aberto, em um encontro virtual que trouxe as preocupações
das/os professoras/es das redes públicas de ensino localizadas em di-
versas regiões do país. A partir de itinerários variados, as experiências
trazem diferentes trajetórias docentes – a situação socioeconômica e o
desejo de educar construíram/influenciaram o “tornar-se professor/a”.
As falas apresentaram múltiplas formas de lidar com os desafios e as
perspectivas da realidade escolar pandêmica, afirmando a importân-
cia de redes de apoio para resistir e (re)existir – em coletivos, sindica-
tos, grupos de discussão entre outros. São educadoras/es que valori-
zam a educação pública e são comprometidos com a formação de
cidadãos. Em decorrência, para além dos dilemas e penúrias atuais,
as narrativas expressaram o desejo da melhoria da qualidade da edu-
cação básica pública.

Talvez tenhamos nas falas docentes transcritas acima três eixos


principais adensando as preocupações dos professores em relação ao

136 • Ensino de História e pandemia


contexto de suas práticas: as tensões inerentes à introdução em larga
escala dos meios digitais nas rotinas escolares, a sensibilidade em re-
lação tanto aos deveres de memória quanto à reflexão sobre o tempo
presente e, enfim, as expectativas sombrias em relação ao futuro da
educação, de uma maneira geral, mas especialmente da educação pú-
blica. Nenhum desses eixos dissocia a compreensão do tempo presen-
te de sua relação com o aparecimento do vírus, de sua disseminação
global resultando na configuração de uma pandemia e do modo como
tudo isso foi tratado no contexto da necropolítica brasileira.

Tal perspectiva parece coerente com as interpretações do filósofo


sul-coreano Byung-Chul Han (2021), cuja tese sugere que o vírus espe-
lha a sociedade e agrava os sintomas de sua crise. Por um lado, esse
agravamento implica no desaparecimento dos rituais que estruturam
o tempo e constituem uma espécie de espiral crescente e contínua de
home office e teletrabalho, dispensando momentos específicos de ali-
mentação, de sono ou de lazer, mantendo os trabalhadores – os pro-
fessores, especialmente – em regime extremo de autoexploração, sozi-
nhos, em roupas domésticas, sem vínculos pessoais além do entorno
de convivência familiar, nessa espécie de “comunicação sem comuni-
dade”. Por outro lado, ele também contribui para reforçar a erosão da
comunidade pelo reforço da autoexploração, uma exploração até certo
ponto voluntária do trabalho que se soma à exploração por outros, vista
como autorrealização em condições de liberdade e de deliberação pró-
pria, fiel ao imperativo de produzir e render sempre mais.

Han (2021) aponta ainda outros elementos potencializados pelo


coronavírus, característicos da sua descrição de uma sociedade neo-
liberal de rendimento, dentre os quais a dismorfobia (uma espécie de
atenção exagerada a possíveis defeitos na aparência corporal”, deriva-
da do excesso de exposição narcísica à distopia digital), a hipertrofia de
alguns efeitos secundários perversos da comunicação digital (como as
notícias falsas e os exércitos de trolls), além da ampliação de seu efeito
descorporificador, tanto na própria linguagem quanto nas relações so-
ciais, e por fim uma espécie de histeria da saúde para a qual qualidade
de vida se transforma numa luta cotidiana pela sobrevivência da qual o
prazer foi drasticamente restringido, senão sacrificado.

Enfim, talvez todos esses elementos presentes nas interpretações


de Byung-Chul Han nos leve, de fato a concordar com ele quanto ao

137 • História pública em movimento


fato de que uma outra, quem sabe verdadeira pandemia silenciosa e
pouco evidente, vai se tornando cada vez mais intensa no presente glo-
bal: a ansiedade, a depressão e a multiplicação das tentativas bem ou
malsucedidas de suicídio.

REFERÊNCIAS
Berardi, F. Extremo: crônicas da psicodeflação. São Paulo: Ubu, 2020.
Goodson, I. F. Narrativas em educação: a vida e a voz dos professores. Porto:
Porto Editora, 2015.
Han, B. -C. “Teletrabalho, zoom e depressão”. El País Brasil, 23 mar. 2021. Dis-
ponível em: https://brasil.elpais.com/cultura/2021-03-23/teletrabalho-zoom-
-e-depressao-o-filosofo-byung-chul-han-diz-que-nos-exploramos-mais-que-
-nunca.html. Acesso em: 31 jul. 2021.
Nóvoa, A. Formação de professores em tempo de pandemia. Webconferên-
cia, 23 jun. 2020. Disponível em: https://youtu.be/ef3YQcbERiM. Acesso em: 31
jul. 2021.
Saramago, J. O evangelho segundo Jesus Cristo. 2ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2020.
Todorov, T. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.

138 • Ensino de História e pandemia


COMO AS/OS PROFESSORAS/ES
DA EDUCAÇÃO BÁSICA NARRAM
AS SUAS EXPERIÊNCIAS
NO ENSINO DE HISTÓRIA
DURANTE A PANDEMIA?
Anne Caroline Peixer, Antônio Maicon Bezerra,
Camilla Ferreira Paulino da Silva, Geraldyne Souza,
Isabela Dias, Jorge Diacópulos e Sued Carvalho
Professoras/es da rede pública de Educação Básica

AULAS DE HISTÓRIA SOBRE O FIO: QUANDO É A TRAVESSIA QUE IMPORTA


(POR ANNE PEIXER)

Afirmar que busquei construir no ano letivo de 2020 aulas de histó-


ria sobre o fio, na perspectiva mobilizada por Georges Didi-Huberman
(2019), significa considerar primordialmente que desejei a travessia.
Percebo que minhas ações, agora sendo refletidas, já consideravam
que não havia ponto de partida ou de chegada, mesmo que essa fosse
a ideia mais anunciada publicamente – o início da pandemia no Brasil e

139 • História pública em movimento


seu fim. Já era possível perceber as tentativas de mobilizar uma preten-
sa história para apresentar exemplos passados como guias do futuro
presente, o que mais uma vez estava fadado ao fracasso. As referências
possibilitadas pelos conhecimentos históricos não deveriam ser trata-
das como modelo a ser apenas adaptado para a nova pandemia, mas
analisadas pela dinâmica das continuidades e rupturas na tentativa de
compreender como viver da melhor forma possível nosso tempo.

Minha caminhada queria ressaltar o movimento da travessia. En-


tendi que não seria viável o controle, apesar das centenas de cobran-
ças e das tentativas de cerceamentos institucionais pouco ou nada pe-
dagógicas, impostas por meio de decretos, normativas, instruções ou
ainda de maneira mais sutil, com inúmeras “webs” que se pretendiam
formativas. Tudo para apresentar, especialmente perante a chamada
opinião pública, uma pseudoeficiência das ações que queriam coman-
dar o inesperado, implementadas pela secretaria de educação no Esta-
do de Santa Catarina.

Movimentar aulas de história sobre o fio foi atuar pelas brechas, ra-
surando a instrumentalização das aulas pelo modelo remoto que indu-
zia à formatação do conhecimento escolarizado. A maioria das aulas que
elaborei foram encaminhadas de forma assíncrona, via postagens na
plataforma Google Classroom. Outras assumiram a forma síncrona na
busca por resistir ao emudecimento das postagens com datas definidas,
ou a inexistência de inter-relação com os vídeos gravados. Essa noção de
resistência precisa ser assumida também pela perspectiva do fio, pois
pode parecer “algo muito simples: apenas uma linha no espaço. Mas é
também algo de muito complexo: um novelo, um emaranhado” (Didi-
-Huberman, 2019, p. 31). Para resistir, simplesmente era necessário gerar
o link de uma aula com horário divulgado para a participação dos/as es-
tudantes por meio de uma tela, geralmente poucos/as ou até nenhum/a,
mas não apenas. A complexidade também existia em decidir pela in-
teração. Isso porque, na realidade em que estava inserida, trabalhando
com estudantes do ensino médio de uma escola em comunidade social-
mente vulnerável e com estudantes de outra escola do período noturno
no município de Blumenau/SC, significava não alcançar todos/as os/as
interessados/as em se fazer presentes mesmo com os limites dessa in-
teração. Foram escolhas pedagógicas, portanto, políticas, na perspectiva
da “politicidade da educação” acionada por Paulo Freire (2019).

140 • Professoras/es da educação básica


Outras escolhas, que mais uma vez evidenciam uma prática educa-
tiva sobre o fio, precisaram ser realizadas. Simplesmente decidir seguir os
conceitos/conteúdos já articulados pelo planejamento anual para o ano
letivo de 2020 ou rearranjar o planejamento para priorizar a dimensão
de vivência na educação e as especificidades dos contextos de cada co-
munidade escolar afetada pelo cotidiano pandêmico. O “conhecimento
histórico privilegiado tem muito do local, das narrativas que permeiam a
vida cotidiana, da história, experiência que se dá a ver e a ler por meio de
representações que reacendem rastros do passado em meio à tempo-
ralidade presente.” (Silva, 2019, p. 53). A escolha por mobilizar outros con-
ceitos/conteúdos que poderiam ser relacionados com as experiências
promovidas, impostas e, principalmente, aprofundadas pela pandemia
do coronavírus foi mais complexa. Demandou em um curto espaço de
tempo traçar um roteiro, mas conseguir manter a flexibilidade, analisar
os impactos da pandemia em cada público escolar, selecionar materiais
de estudo como documentos, bibliografias, construir abordagens que
pudessem se aproximar dos/as estudantes de forma remota tanto nas
reflexões que seriam provocadas quanto nos aspectos tecnológicos com
maiores possibilidades de serem acessados.

Existiram as responsabilidades com os conhecimentos no ensino de


história, mas também meu entendimento freireano de ser educadora
para além dos muros escolares. De que forma a escola atravessa minha
vida, e qual dimensão de potência transformadora que ser educadora
possui em uma sociedade tão desigual como a brasileira? Como ignorar
as fragilidades, as violências, as injustiças que já eram conhecidas antes
da pandemia e sem dúvida se agravaram? Estas inquietações condu-
ziram meu envolvimento em um movimento de aproximação das co-
munidades escolares por meio do trabalho educativo e assistencial com
outras três professoras de rede de ensino pública em Blumenau. Percor-
remos ruas, becos, topos dos morros, escadarias, habitações irregulares
e certamente inseguras para a vida humana e preservação ambiental.
Moradias que existem, resistem em ambientes inóspitos onde estavam
as crianças e os jovens que em muitas situações dividiam o pequeno
espaço com os vários familiares e seu tempo entre os cuidados domés-
ticos e alguns momentos de estudo. Também compartilhavam as preo-
cupações sobre os poucos recursos capazes de alimentar a família: “Já
rodei pela rua professora, mas ninguém tinha nada”. Fomos ao encontro
de pessoas em endereços específicos, mas também fomos encontradas

141 • História pública em movimento


por aquelas que reconheceram a chance de pedir ajuda, contar sobre
seus medos, denunciar negligências do poder público.

Há quem diga que como professores/as de escolas públicas fica-


mos tranquilos/as em nossas casas sem querer “aparecer” na escola
porque continuamos a receber salários medíocres comparados com
diversas outras profissões e funções, incluindo as de políticos, que nada
ou pouco fazem para encontrar ou serem encontrados pelas famílias
em situações de vulnerabilidade social e emocional.

Ser uma professora de história que decidiu atuar sobre o fio é


entender que “não há nada na história humana que nos seja alheio”
(Buck-Morss, 2018, p. 28). Certamente essa minha atuação não impediu
equívocos, imprecisões, desatenção perante aspectos que foram e con-
tinuam a serem relevantes. Foi um movimento de avançar e recuar, por
vezes, estar ausente mesmo presente, para conseguir de alguma forma
lidar com a intensidade dilacerante de ser e estar aqui nesse mundo.

ENSINAR HISTÓRIA EM TEMPOS DE COVID-19 NA REDE ESTADUAL DA PARAÍBA


(POR ISABELA DA SILVA DIAS)

Ensinar é um grande desafio, pois implica conduzir situações de


aprendizagem que preparem o educando para a vida. Decidi enfrentar
esse grande desafio através do ensino de história. Durante a minha for-
mação na educação básica em escolas da rede pública de Pernambu-
co, a disciplina de História era a que mais fazia sentido para mim, pois a
enxergava como a única capaz de formar pessoas críticas com o poder
de mobilizar sujeitos na busca por justiça social e cujos conhecimentos
são necessários para a formação de indivíduos cultos.

Fiz graduação em Licenciatura em História pela Universidade Fe-


deral de Pernambuco, localizada em Recife, onde tive o prazer de co-
nhecer e aprender com grandes mestres e mestras. Comecei a ensinar
história na rede privada de ensino da cidade da Vitória de Santo Antão,
zona da Mata de Pernambuco, e há três anos sou professora de história
efetiva da Rede Estadual de Ensino da Paraíba, onde atuo em duas es-
colas: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Barão do Abiaí,
localizada no município de Alhandra, litoral sul da Paraíba, onde ensino

142 • Professoras/es da educação básica


desde 2018 e Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Tércia
Bonavides Lins, situada em Valentina, bairro da Zona Sul da capital pa-
raibana, onde comecei a ensinar em 2020.

A Escola Barão do Abiaí está localizada no centro de Alhandra, é


uma escola de grande porte com 16 salas de aula, funciona os três turnos
e têm turmas distribuídas entre o ensino fundamental, anos iniciais e
anos finais, os quais funcionam nos períodos da manhã e da tarde, Edu-
cação de Jovens e Adultos, no período da noite e o ensino médio a partir
de 2020, nos períodos da manhã e da tarde. Essa escola, além de receber
alunos/as que vivem no centro e nos bairros próximos, tem uma quanti-
dade significada de estudantes matriculados/as os quais vivem na zona
rural da cidade e que são jovens e adultos trabalhadores/as do campo.

A escola em apreço está em situação de abandono, os/as) docentes


e os/as alunos/as há anos sofrem à espera da reforma. Ao chegar nessa
escola lembrei-me das condições de ensino das escolas as quais estudei
em Pernambuco, foi inevitável perceber as permanências históricas dos
problemas que as escolas públicas brasileiras vivenciam: estrutura pre-
cária, falta de materiais para os professores exercerem suas atividades,
ausência de biblioteca e de livros didáticos, esses chegaram na escola
em 2020, entre outros. Tais condições interferem na qualidade do ensino
e aprendizagem dos/as jovens educandos e provocam a evasão escolar.

A cidade de Alhandra/PB, onde a Escola Barão do Abiaí está si-


tuada é referência do culto a Jurema Sagrada, tal característica levou
a cidade a ficar conhecida como “terra da jurema”. A Jurema Sagrada
é uma religiosidade de matriz afroindígena originária do nordeste do
Brasil, cuja cosmogonia está centrada no culto a planta jurema, con-
siderada pelos/as juremeiros/as como moradia de chefes espirituais,
mestres e mestras, caboclos e índios possuidores do conhecimento da
cura dos males físicos e espirituais. Essa característica da cidade unida
ao desconhecimento de estudantes e docentes da escola em relação
à Jurema Sagrada levaram-me a decidir sobre a temática de estudo
a ser desenvolvida no projeto de mestrado no Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de História (ProfHistória), na UFPB o qual estou
matriculada. Nesse sentido, estou pesquisando sobre a importância
de incluir o culto à Jurema Sagrada no ensino de história nos anos
finais do ensino fundamental.

143 • História pública em movimento


A minha experiência na Escola Professora Tércia Bonavides Lins é
ainda mais recente, pois cheguei nessa escola em fevereiro de 2020,
ano da eclosão da emergência sanitária provocada pela pandemia da
Covid-19 que provocou o fechamento das escolas em março para evitar
a disseminação do vírus. Em um curto espaço de tempo não consegui
conhecer os meus alunos e nem os colegas de profissão, esse pouco
contato se estendeu durante o regime especial de ensino, o qual se res-
tringiu a interações virtuais. Contudo, é possível dizer que essa escola é
de pequeno porte, possui seis salas de aula, cada qual com aproxima-
damente 30 alunos matriculados e funciona em dois turnos, sendo o
período da manhã voltado para o ensino fundamental anos finais e o
período da tarde reservado para o ensino fundamental anos iniciais. Di-
ferente da Escola Barão do Abiaí, a Escola Professora Tércia Bonavides
Lins passou por uma reforma recente, possui Laboratório de Informáti-
ca e uma pequena biblioteca.

Pretendo no decorrer desse texto apresentar alguns encaminha-


mentos do ensino remoto na Rede Estadual de Ensino da Paraíba, onde
atuo como professora de história e arte, fazer algumas reflexões sobre
as condições de trabalho de professores/as e dos desafios de ensinar
durante o ensino remoto. Ademais, pretendo apresentar uma ponte
entre o ensino de história e a “operação historiográfica” discutida por
Michel de Certeau para discorrer sobre o processo de ensino e aprendi-
zagem na modalidade remota.

O ensino remoto na Rede de Ensino do Estado da Paraíba

O cenário imposto pelo coronavírus SARS-CoV-2 levou a suspensão


das aulas presenciais com o objetivo de diminuir a contaminação do co-
ronavírus. Como resposta, o ensino remoto foi adotado imediatamente.
Nesse contexto, os/as professores/as precisaram ressignificar o seu ofício
sendo necessário aprender a linguagem do mundo digital e criar novas
estratégias e metodologias didáticas a partir das ferramentas tecnológi-
cas disponíveis e readequar os planejamentos de curso com o objetivo
de oferecer novas experiências de aprendizagem para garantir a educa-
ção formal durante o período de distanciamento social.

O estado da Paraíba, através do Decreto n. 40.122, de 13 de março


de 2020, estabeleceu a situação de emergência em saúde pública e em
18 de março do mesmo ano anunciou a suspensão das aulas presen-

144 • Professoras/es da educação básica


ciais em todo o estado. O regime especial de ensino foi estabelecido
por meio da Portaria n. 418/2020 e iniciou em 20 de abril de 2020 atra-
vés de curso de formação sobre o uso das tecnologias educacionais
para os professores da rede estadual, assim, as aulas foram retomadas
na modalidade remoto no dia 27 de abril de 2020 e estendeu-se até do
dia 11 de janeiro de 2021 para fechar o ano letivo de 2020.

Por meio da plataforma Paraíba Educa, a Secretaria de Educação


da Ciência e Tecnologia da Paraíba (SEECT) expediu os documentos
norteadores que serviram de guias para as escolas organizarem o Pla-
no Estratégico Escolar e enviarem para as respectivas Gerências de En-
sino. A orientação da Secretaria foi para os/as docentes elaborarem as
atividades a partir do Projeto Político Pedagógico da Escola e Projeto
de Intervenção Pedagógica os quais devem estar de acordo com os
documentos emitidos pela SEECT. Tais documentos estão baseados
em quatro eixos norteadores, cujos temas e conteúdos estão transver-
salizados, devendo ser trabalhados por todos os/as professores/as do
ensino básico a partir de suas escolhas metodológicas, estratégicas e
instrumentais. São quatro eixos: Identidade e Autonomia, Natureza e
Sociedade, Saúde e Economia. Cada nível de ensino teve orientações
específicas para o desenvolvimento desses eixos.

Os documentos orientadores também apresentaram os recursos


tecnológicos da educação os quais deveriam ser usados pelos/as pro-
fessores/as durante o regime especial de ensino para a garantia do pro-
cesso de ensino e aprendizagem dos estudantes da rede estadual que
têm acesso a internet, a saber: Google Sala de Aula, cuja principal orien-
tação foi para trabalhá-lo de forma articulada com aulas online pelo
Meet, Aplicativo Paraíba Educa e videoaulas em canal aberto. Somado
a esses recursos, os meios virtuais como site, e-mail e as redes sociais,
principalmente o WhatsApp foram adotados pelas escolas e professo-
res/as para facilitar o contato com as famílias e disponibilizar os roteiros
de estudo para os/as estudantes.

Para garantir o ensino e a aprendizagem dos/as discentes sem


acesso ao ensino online, a SEECT orientou os/as professores/as a elabo-
rarem roteiros de estudos a serem impressos pelas escolas e entregues
às famílias as quais deveriam ser orientadas para devolverem as ativi-
dades respondidas pelos alunos às escolas para serem corrigidas pelos/
as professores/as. Seguindo os protocolos de segurança sanitária para

145 • História pública em movimento


a Covid-19, cada unidade de ensino ficou responsável por elaborar as
estratégias para a entrega e posterior correção dessas atividades.

A pandemia da Covid-19 escancarou e acentuou problemas his-


tóricos como as desigualdades sociais, o sucateamento das escolas
públicas e desvalorização dos professores. Muitos alunos das escolas
públicas não têm acesso a recursos tecnológicos e a internet como,
por exemplo, os alunos da Escola Barão do Abiaí e da Escola Professora
Tércia Bonavides Lins. O problema do desemprego, acentuado pela cri-
se sanitária e a redução de salários prejudicaram as famílias para con-
seguir aparelhos eletrônicos e instalação de internet para realização
das atividades remotas. Alguns pais ainda relataram as dificuldades de
compartilhamento do único celular com os/as filhos/as e as dificulda-
des com a internet de dados móveis para acessarem os materiais dis-
ponibilizados pelos/as professores/as. Mesmo com a adoção da estra-
tégia das atividades impressas, muitos pais não puderam ir às escolas
buscá-las por não terem dinheiro para a passagem.

O problema da falta de acesso aos meios digitais e a internet é ape-


nas um dos problemas sociais vivenciados pela maioria dos estudantes
das escolas públicas brasileiras. Muitos desses estudantes dependem
da merenda escolar para terem uma alimentação nutricional balan-
ceada. Nesse sentido, o estado da Paraíba sancionou a Lei n. 11.682/2020
que visa garantir segurança alimentar para os alunos da rede pública
estadual “quando for declarado Estado de Calamidade Pública com
suspensão de aulas nas escolas” através da manutenção da oferta da
merenda escolar e distribuição de cestas básicas. Seguindo os protoco-
los de segurança sanitária para a Covid-19, as escolas abriram as portas
para distribuírem merendas e as cestas básicas para as famílias.

Para garantir a alternativa das atividades impressas, o uso do


livro didático continuou sendo um importante apoio para os/as do-
centes e alunos/as, pois em meio as demandas de elaboração de au-
las com recursos digitais e aulas para serem impressas, esse material
foi um importante recurso para otimizar o tempo dos/as professores/
as por apresentar os conteúdos cobrados pelo currículo, ter uma lin-
guagem acessível para os/as estudantes, disponibilizar atividades e
sugestões de sites e vídeos sobre os temas estudados. Mais do que
nunca os/as docentes precisaram pensar em novas estratégias de
uso do livro didático, pois em várias escolas públicas da Paraíba o

146 • Professoras/es da educação básica


livro didático foi o único recurso disponível para ensinar e aprender
nesse cenário de pandemia.

A falta de recursos materiais nas escolas para a garantia das ati-


vidades impressas como a carência de computadores, impressoras,
papel e tinta é um problema que os/as professores/as das escolas pú-
blicas conhecem desde antes da pandemia. Na Escola Estadual Barão
do Abiaí, os/as profissionais da educação e discentes há anos sofrem
com as condições precárias do espaço escolar, a estrutura da escola
oferece riscos a integridade física das pessoas que frequentam o local:
salas alagadas, fiações expostas, tetos ameaçados, salas abafadas, ine-
xistência de sala de professores, falta de materiais básicos como papel
e piloto fazem parte da realidade dessa escola. A carência de recursos
materiais também foi vivenciada na Escola Professora Tércia Bonavides
Lins, cujos docentes precisaram reduzir textos, atividades e avaliações
a uma, no máximo duas folhas de ofício. Dessa maneira, as estratégias
e as atividades deveriam ser pensadas levando em consideração a limi-
tação dos recursos para os roteiros de estudo impressos.

As condições de trabalho dos professores foram demasiadamente


agravadas nesse cenário com a falta de ações por parte do poder público
para garantir as necessidades profissionais dos docentes. As jornadas de
trabalho foram triplicadas sendo assinaladas pelas exigências burocrá-
ticas, pela elaboração das aulas ao vivo pelo Google Meet e através de
videoaulas, preparação dos roteiros de estudos a serem disponibilizados
no Google Sala de Aula, nos meios digitais como e-mail e redes sociais
e de forma impressa, assim como, as avaliações as quais precisaram ser
readaptadas para atender as novas exigências educacionais, atendi-
mento aos alunos e suas famílias, entre outros. Esse processo prejudicou
a saúde física e mental dos/as professores/as, o cansaço e o estresse pas-
saram a fazer parte da rotina desses/as trabalhadores/as de forma mais
enfática em relação ao período anterior a pandemia.

As atividades profissionais precisaram ser conciliadas com as si-


tuações domésticas: cuidar da casa, dos filhos, das pessoas idosas, da-
quelas com enfermidade são algumas das situações vivenciadas pelos/
as docentes. No meu caso, além de conciliar as aulas remotas com as
situações domésticas precisei também conciliar com as aulas no mes-
trado as quais seguiram no formato remoto. Em muitos momentos foi
necessário escolher entre dar conta das demandas da pós-graduação

147 • História pública em movimento


e planejar os roteiros de estudos para os meus alunos. Nesse processo,
a parceria e o diálogo com a coordenação do curso e os professores fo-
ram fundamentais para a não desistência do sonhado mestrado.

É importante frisar que muitos professores não têm espaço


adequado em suas casas para trabalhar em home office. Diante disso,
a maioria dos professores da Escola Barão do Abiaí e da Escola Profes-
sora Tércia Bonavides Lins optaram pelas aulas assíncronas. Esse foi o
meu caso, vivendo até então com a minha família em um espaço do-
miciliar pequeno e sem estrutura para fazer aulas por vídeo chamadas,
ensinar e estudar online foi difícil. Nesse sentido, as aulas de história as
quais preparei seguiram o formato assíncrono, os materiais e as orien-
tações foram disponibilizados na plataforma Google Sala de Aula, nos
grupos de WhatsApp, por meio do Messenger e enviadas para o e-mail
das escolas para serem impressas.

A realidade social de falta de acesso aos meios digitais e a internet


de boa qualidade, assim como, o pouco ou nenhum domínio dos recur-
sos tecnológicos também foi vivenciada por vários/as docentes. Além
disso, os gastos com o ensino remoto recaíram sobre sua responsabi-
lidade: adquirir notebook, microfone, câmera e pagar internet foram
alguns dos custos financeiros. Os/as professores/as, cujos salários foram
reduzidos ou não pagos durante a calamidade de saúde pública não
ficaram isentos/as dessa responsabilidade.

Ensinar História na modalidade remota

A formação do pensamento crítico é uma competência, cuja res-


ponsabilidade é associada ao Ensino de História, isso se deve ao papel
político desempenhado pela disciplina ao questionar e descontruir ver-
dades oficiais, minando, assim, a estrutura de poder vigente. Igualmen-
te importante é o compromisso ético que a História tem com o passa-
do, responsabilidade indispensável para formação de um pensamento
histórico autônomo, cujas subjetividades variadas não sejam postas de
lado, mas sejam inclusas na interpretação do passado.

Michel de Certeau (1982, p. 66) chama o processo de produção do


conhecimento histórico de “operação historiográfica”, essa operação
segundo o autor se caracteriza pela “combinação de um lugar social, de
práticas científicas e de uma escrita”. Isto é, o conhecimento produzido

148 • Professoras/es da educação básica


pelos historiadores é o resultado da combinação entre o lugar social
(academia, classe, gênero, entre outros) ocupado pelo/a historiador/a,
os procedimentos metodológicos usados para a produção desse co-
nhecimento e a escrita do texto. Esse percurso é importante para con-
ferir legitimidade ao trabalho do/a historiador/a, cujo principal público
são os profissionais da área.

O ensino de história segue um trajeto semelhante a “operação


historiográfica”. O/a professor/a de história fala de um lugar social, pois
suas subjetividades e escolhas políticas não estão dissociadas do ofício
de ensinar. É um/a pesquisador/a, pois o exercício de sua profissão está
alicerçado em concepções pedagógicas, teóricas e metodológicas. O/a
docente de história precisa dominar os conteúdos e diversas formas de
apresentá-los para a narrativa que construiu faça sentindo e atinja os
objetivos propostos. Ele/a também tem um público específico, o aluno,
cujo lugar social é importante para o ensino e aprendizagem em Histó-
ria. A aula de história deve ser pautada em uma narrativa que permita
o/a discente relacionar as temporalidades para que tenha condições de
direcionar o seu agir no mundo.

A operação de ensinar história tornou-se mais complexa e desafia-


dora nesse tempo pandêmico. Seja através de aulas síncronas ou assín-
cronas, o/a docente de história precisou ser criativo para ressignificar
as aulas, atividades e avalições da disciplina. A elaboração dos roteiros
de estudo de História, os quais foram disponibilizados na plataforma
Google Sala de Aula, nos grupos de WhatsApp e através do Messenger
foram marcados pela seleção de vídeos no YouTube, os quais precisa-
vam está de acordo com os objetivos propostos, ser curtos, atrativos
e ter linguagem acessível, pela produção de textos e uso de diversos
gêneros textuais disponíveis na internet, os quais foram adaptados e
acompanhados de glossário para auxiliar os/as estudantes na interpre-
tação, uso de músicas seja como ponto de partida para o estudo do
tema proposto ou como fonte histórica a ser analisada, entre outros.

Na tentativa de conquistar o/a aluno/a para a participação nos ro-


teiros de estudo e pensando que o ensino de história pode ser usa-
do para oferecer momentos de diálogo com a família, a maioria das
atividades foram direcionadas para os/as estudantes convidarem os
pais e/ou demais membros da casa para participarem. Para isso foram
usadas algumas estratégias: entrevistar os membros da família, soli-

149 • História pública em movimento


citar que o/a discente convidasse a família para ouvir a leitura do tex-
to, escutassem a música e/ou assistissem os vídeos disponibilizados
juntos e debatessem sobre as temáticas dessas fontes. Para registrar
e avaliar a participação dos/as alunos/as nas aulas, eles/as precisavam
enviar um comentário sobre a atividade proposta em formato de tex-
to, áudio ou vídeo.

Uma das principais preocupações com o ensino de história na mo-


dalidade remota foi pensar atividades curtas que atendessem os obje-
tivos da disciplina e não demandassem tanto esforço e tempo dos/as
discentes, visto que, o cenário da pandemia mudou a rotina de todos/
as. A preocupação não poderia ser apenas em cumprir com o currí-
culo, mas oferecer experiências de aprendizagem pensando que os/as
alunos/as e suas famílias também sofreram com as pressões sociais,
psicológicas e emocionais causadas pela crise sanitária. Oferecer aos/às
estudantes roteiros de estudo de história que os levassem a refletir so-
bre os problemas da realidade presente precisou passar por um olhar
ainda mais direcionado e criterioso na seleção dos conteúdos.

É importante frisar que a maioria dos roteiros não funcionavam da


mesma forma para os/as alunos/as que têm acesso a internet e para
aqueles/as que não têm. Se para os/as que têm acesso aos meios di-
gitais e a internet foi possível elaborar roteiros com vídeos e músicas,
por exemplo. Para os/as que não têm esse acesso e levando em consi-
deração a limitação de papel nas escolas os roteiros foram reduzidos a
textos e na melhor das hipóteses tinham algumas imagens. Ser criativo
em condições de trabalho marcados pela limitação de recurso e, prin-
cipalmente diante da pressão social, psicológica e emocional causada
pela pandemia foi muitas vezes impossível. As ideias estratégicas de
leitura de texto em família e das entrevistas dos membros da casa, por
exemplo, surgiram pensando principalmente nesses alunos que não ti-
nham outros instrumentos para estudar a não ser os roteiros impressos
e o livro didático.

Apesar de todo esforço e dedicação para a elaboração dos roteiros


de estudo, a participação dos/as estudantes foi muito baixa, principal-
mente na Escola Barão do Abiaí. Nessa escola, a maioria dos roteiros
enviados não foram impressos por causa da falta dos recursos mate-
riais necessários. A devolutiva das atividades através dos recursos vir-
tuais foi de baixa a inexistente.

150 • Professoras/es da educação básica


Na Escola Professora Tércia Bonavides Lins, os roteiros de estudo fo-
ram impressos para os alunos, cujas famílias apareciam na escola para
buscá-los. A devolutiva dessas atividades foi baixa, além disso, boa par-
te das atividades voltavam em branco ou feitas pela metade. Contudo,
houve uma melhor participação dos alunos nas atividades impressas do
que nas atividades disponibilizadas na plataforma Google Sala de Aula.

Não é objetivo desse texto apresentar e discutir um levantamen-


to de dados sobre a participação dos alunos no ensino remoto, muito
menos discutir se de fato a aprendizagem ocorreu durante o processo,
entretanto essa discussão é importante e deve ser objeto de estudo de
pesquisas sobre o ensino remoto.

A experiência de ensinar e aprender em 2020, a qual se alonga em


2021 demostrou que para a educação ser de fato acessível a todos/as é
preciso haver políticas de inclusão que viabilizem os/as estudantes e os/
as docentes a terem condições de ensinar e aprender na modalidade
remota. É preciso que as escolas recebam os investimentos necessários
para que os/as professores/as possam desenvolver seu trabalho e alunos/
as possam estudar com dignidade. É necessário que as condições de
trabalho de educadores/as sejam pensadas e que ações sejam tomadas
com a finalidade de garantir a essa classe melhores condições de traba-
lho. Sem a atenção necessária do poder público, a reinvenção do ensino
com as mais diversas e criativas estratégias e metodologias não serão
suficientes para garantir o acesso de todos/as a educação de qualidade.

Os percursos trilhados pelos/as professores/as devem ser registra-


dos e arquivados a fim de construir um acervo sobre as experiências do
ensino remoto que deverá ser consultado pela posteridade. O Profcast,
canal criado pela Coordenação Nacional do ProfHistória para escutar
docentes que atuam no ensino de história em diferentes regiões do
Brasil e níveis da educação básica tem demostrado que as experiências
docentes durante pandemia assemelham-se e ao mesmo tempo apre-
sentam pontualidades, pois cada professor/a que participa desse canal
tem seu lugar social, suas convicções pedagógicas, teóricas e meto-
dológicas e público que marcam o ensino de história vivenciado por
diferentes pessoas e em variados locais e regiões do país.

Espaços destinados ao debate como o grupo de discussão “como


os professores têm lhe dado com o ensino de história durante a pan-

151 • História pública em movimento


demia?”, o qual também contou com a participação de professores/as
de História de diversos lugares do país, são iniciativas importantes para
discutir a prática do ensino de história nesse cenário de emergência
em saúde pública e propor ações para a comunidade acadêmica e
profissional afim de gerar mudanças no cenário atual e demostrar a
posteridade as alternativas encontradas por homens e mulheres que
atuam na educação para transpor o momento de crise e garantir o
ensino e a aprendizagem em história.

PELA DEFESA DA ESCOLA COMO ESPAÇO DE SOCIALIZAÇÃO


(POR SUED CARVALHO)

Me chamo Sued Carvalho, sou professora efetiva da rede Estadual


da Paraíba há três anos, sendo minha escola lotada na região do sertão
pernambucano, o que me faz parte da frente de batalha pela manu-
tenção do ensino básico durante a pandemia da Covid-19. O seguinte
texto é uma reflexão, do ângulo de onde observo, sobre o que passa-
mos, ao mesmo tempo propõe-se um manifesto para aquilo contra o
que devemos nos preparar.

O lobby pelo ensino à distância tem crescido nos últimos anos.


Desde 2009 houve um aumento exponencial na oferta desse tipo de
modalidade, atualmente 53% dos alunos de licenciatura, por exemplo,
cursam o ensino superior nesta modalidade. A reforma do ensino mé-
dio, ilegítima, feita por um governo estabelecido através de um golpe
parlamentar e baixada via medida provisória, abriu uma brecha para
ensino a distância que, em 2018, foi aproveitada pelo interventor Michel
Temer para tentar abrir a possibilidade para que 40% do ensino médio
fosse cursado à distância. O EaD tem advogados poderosos, como foi
possível perceber. Essa tendência está inserida em uma conjuntura de
ataques à educação pública, como veremos mais a frente.

Anteriormente, a aprovação da Emenda Constitucional n. 95, a co-


nhecida Emenda do Teto de Gastos, aprovada em 2016, representou
um ataque generalizado aos serviços e investimentos públicos, inclu-
sos educação e saúde, colocando-os sob um teto de gastos, calcula-
do pela inflação do ano anterior, por 20 anos. Este dispositivo, louvado

152 • Professoras/es da educação básica


como racional, na verdade cria um sistema orgânico de cortes, onde a
educação pública, entre outros serviços essenciais, é desidratada.

No governo Bolsonaro, uma gestão que anda de mãos dadas com


banqueiros e grandes empresários que chamam sua sede de grandes
lucros de “modernização”, a educação enfrentou as mais atrozes amea-
ças desde a promulgação da constituição de 1988, quando o então mi-
nistro da educação Abraham Weintraub contingenciou R$ 2,4 bilhões
em investimentos da educação básica, além dos famosos congelamen-
tos de 30% dos orçamentos das Universidades, extremamente polêmi-
cos à época. Uma contradição no próprio discurso governista, de que
se deve investir mais na educação de base do que no ensino superior,
argumento falacioso, diga-se de passagem, pois professores são licen-
ciados em Universidades, logo retirar delas o investimento tem efeito
colateral nas escolas. Assim sendo, a tese do governo, além de falaciosa,
provou-se demagógica.

Em 2021, com a persistência e agravamento da pandemia do corona-


vírus, a permanência do auxílio emergencial que possibilitasse a quaren-
tena voltou ao centro do debate, o governo viu, então, a oportunidade de
atacar mais uma vez a educação pública. A chamada PEC emergencial,
na verdade uma chantagem, continha a desvinculação de investimen-
tos em educação e saúde, além do congelamento dos salários dos servi-
dores por 15 anos como condições para a aprovação do novo auxílio. Não
fossem os Sindicatos, organizações de base e Partidos que negociaram
para torná-la menos polêmica, a PEC teria sido destruidora.

Portanto, a vontade política de desestruturar a educação pública


cria o cenário perfeito para a discussão acerca da ampliação e ampla
implementação de sistemas de Ensino a Distância em todos os níveis
escolares e universitários.

A ascensão do EaD no Brasil encontrou sua tempestade perfeita na


crise sanitária fruto da pandemia do novo coronavírus em 2020, quan-
do as medidas de isolamento social obrigaram os governos estaduais
e municipais a improvisarem sistemas de ensino remoto, contratando
pacotes de serviços de gigantes da área das informações, garantindo
a essas empresas um ano bastante lucrativo. Os sistemas de educação
brasileiros tornaram-se, então, laboratórios para a expansão do EaD na
educação básica. Empresários como Jorge Paulo Lemann, que está de

153 • História pública em movimento


olho em investimentos no ramo educacional, especulam que o ensi-
no digital se disseminará no Brasil após a pandemia (Martínez-Vargas,
2020). Os defensores do EaD na educação básica avançam, especulam
e se articulam para o chamado “novo normal”.

O que dizem os defensores do Ensino a Distância? Que ele oferece


mais conforto, que os alunos poderão gerir seu próprio tempo, poderão
personalizar seu ensino e estarão mais próximos de suas famílias. O
que a realidade, entretanto, demonstra? Uma desigualdade excluden-
te, onde 58% dos domicílios no Brasil não têm computadores e 33%
não possuem internet, deixando milhares de alunos sem acesso aos
conteúdos, assim como superexploração de professores e demissões
em massa. Para os empresários da educação é um paraíso, menos pro-
fessores para mais turmas digitais lotadas, menos investimento em in-
fraestrutura e lucros cada vez mais livres de gastos, para os alunos e
professores, entretanto, a realidade do EaD prova-se cruel.

A pandemia de coronavírus expandiu uma situação que já se cons-


tituía anteriormente no ensino Superior, a do desemprego estrutural
de docentes, a do ensalamento. O que seria o ensalamento? A junção
de turmas, formando grandes grupos remotos de 150-200 alunos, pos-
sibilitando fechamento de salas e demissão de professores, sobrecarre-
gando os que permanecem na instituição. O fenômeno do ensalamen-
to, um verdadeiro atentado contra a saúde profissional e psicológica
dos professores, já era comum no ensino Superior privado, onde ga-
nhou novo impulso, porém agora se encontra em instituições privadas
de educação básica.

Os problemas e incertezas típicas dos momentos de crise vão de


encontro, na vida dos professores, a uma sobrecarga de trabalho, onde
os docentes são afogados em trabalho burocrático, tem mais alunos
para avaliar e trabalham sete dias por semana em tutorias a alunos.
Como exemplo, vale citar que muitos profissionais do magistério no
Distrito Federal relatam esgotamentos nervosos, depressão e desen-
volvimento de ansiedade devido a nível de trabalho e aumento do risco
de desemprego durante a pandemia (Machado, 2020). Em nossas es-
colas e em nossas vivências podemos perceber e sentir a mesma coisa.
Outro exemplo é o da Paraíba, onde professores temporários tiveram
atrasos em seus pagamentos e muitos foram demitidos repentina-

154 • Professoras/es da educação básica


mente, sem diálogo ou aviso prévio devido a cortes de orçamento ou
reestruturação de turmas (Sintep, 2020).

Além das dificuldades geradas para professores e alunos, o ensino


remoto improvisado da pandemia afeta também as famílias da classe
trabalhadora, principalmente as mães que já sofrem com jornadas du-
plas e triplas de trabalho. A instituição escolar, do ensino infantil ao mé-
dio, representa para as mães trabalhadoras a possibilidade de trabalhar
mais tranquila, com os filhos em casa. Na conjuntura atual, todavia, tor-
nou-se difícil, para muitas mulheres, manter seus empregos. O ensino
remoto demonstra, então, que qualquer plano de instauração do EaD na
educação básica é inviável para a esmagadora maioria dos estudantes
brasileiros, mães e trabalhadores da educação, beneficiando apenas os
barões da educação sedentos de grandes lucros rápidos.

Porém, para além das dificuldades práticas, oriundas da extrema


desigualdade social vivenciada pelos brasileiros, existem os problemas
de caráter pedagógico. O Ensino à distância, também, perde uma im-
portante dimensão do ensino escolar: A socialização. Ao entrar em uma
plataforma digital, assistir a aula em uma tela de computador e fazer
as atividades, o aluno sem dúvida tem acesso ao conteúdo, mas não
a atividades lúdicas, convivência com a diversidade e espaço para de-
bate, tampouco treinamento para o exercício da consciência política
possibilitados pela escola, tais quais grêmios estudantis, eleições para
líderes de turma e eleições para gestores. O EaD parte de uma concep-
ção conteudista, bancária e tecnicista da educação. Uma concepção
que devemos superar.

As outras potencialidades da instituição escolar que já são subes-


timadas, no EaD perdem sua razão de ser ou tornam-se mera forma-
lidade. É comum, por exemplo, nas escolas públicas da Rede Estadual
da Paraíba na região do Sertão paraibano, que as escolas não tenham
Grêmio Estudantil, assim como não é costumeiro, no Estado, a gestão
democrática, sendo as diretoras escolares escolhidas e indicadas pelo
Secretário de Educação, em vez de eleitas pelo quadro de funcionários,
corpo docente e alunos. São espaços essenciais que, se bem aproveita-
dos, preparam os alunos para o entendimento do funcionamento do
sistema eleitoral brasileiro, da importância do debate de ideias e, prin-
cipalmente, auxiliam no desenvolvimento senso crítico acerca destes
debates. Se no ensino presencial, onde os grêmios têm presença coti-

155 • História pública em movimento


diana, esta dimensão da escola já é secundarizada, avalie neste sonho
dos tubarões da educação, o EaD no ensino médio.

A dimensão da convivência com a diversidade também se perde na


concepção tecnicista e bancária do EaD. No espaço escolar o aluno ou
aluna depara-se com diferentes personalidades, diferentes concepções
de mundo, sentir diversos e, até mesmo, outras culturas, através da con-
vivência cotidiana. No EaD, em sua casa, o aluno estaria preso à orbita fa-
miliar na maior parte do seu tempo, comprometendo o desenvolvimen-
to de sua autonomia e capacidade de conviver e aceitar a diversidade.

A escola, mais do que um espaço onde o discente senta-se em uma


cadeira e escuta um professor, é um espaço onde conversa, desenvol-
ve habilidades sociais, talentos, convive com a diferença e discute sobre
suas opiniões e ideias. Todo o espaço escolar – não apenas a sala de aula
– tem caráter didático. A expansão do Ensino à distância ou digital em-
pobrece a educação pública e coloca em xeque conquistas históricas.

Percebemos, então, que os tubarões da educação e seus represen-


tantes no Poder Executivo e Legislativo tem um projeto bem defini-
do, que parece ter como objetivos desidratar o ensino público básico
e superior, criando mercado para seus programas educacionais, assim
como expansão do EaD para potencialização de lucros e diminuição
de custos. Nós, professores e professoras, o que devemos propor para
enfrentar os ataques que estamos sofrendo e sofreremos?

Devemos primeiro, ser intransigentes na defesa da escola como


espaço para o desenvolvimento da autonomia do estudante através da
socialização e de um ensino global, dedicado a alfabetização científica,
política, artística e emocional. É vital que lutemos pela materialização
destes princípios concebendo uma instituição escolar em que não or-
bite em torno da sala de aula, mas que esta seja apenas um dos mo-
mentos do cotidiano escolar, que deve contar com acompanhamento
psicológico, laboratórios bem equipados para todas as áreas de co-
nhecimento, fortalecimento da importância dos grêmios e jornais es-
tudantis como fomentadores de debate e formadores de opinião que
tenham os estudantes como protagonistas; assim como o estabeleci-
mento de grupos de teatro, música, clubes do livro etc.

Em segundo, mas não menos importante, lugar, devemos defen-


der e nos esforçar pela aplicação plena do princípio da Escola como

156 • Professoras/es da educação básica


parte integrante da comunidade, através da abertura da quadra nos
finais de semana para jogos de futebol para as crianças do bairro, se-
jam elas matriculadas ou não como alunos e alunas regulares, abertura
para a comunidade de momentos como campeonatos de debate pú-
blicos, jogos interclasses e espetáculos dos grupos artísticos escolares.
Em zonas rurais devem ser expandidas, reabertas ou inauguradas as
escolas rurais, que sejam partes do espaço social vivido pelos estudan-
tes e integradas à comunidade.

Terceiro, a universalização da gestão democrática, expandir o critério


eleitoral para além das representações estudantis, estendendo-o para
os cargos administrativos, especificamente diretores e vice-diretores. As
chapas para eleição devem ser formadas por professores do quadro fun-
cional da escola, que devem apresentar propostas e um programa de
gestão para estudantes, professores e funcionários de apoio. O processo
de eleição deve ser transparente, participativo e mediado por debates.

A escola entendida enquanto espaço de convivência, de socializa-


ção, de preparação para a convivência em sociedade e fomentadora da
autonomia dos estudantes é um conceito sob ataque. As escolas pú-
blicas são representadas como ineficientes e sem infraestrutura, isso
está longe de ser verdade, pois nos últimos dez anos têm demonstra-
do números otimistas, porém ainda que fosse verdade a ineficácia da
educação pública, a solução seria mais investimento, mais projetos de
apoio e não desidratação e corte.

A narrativa demonizadora, inferiorizadora da escola pública tem


objetivo claro de incitar o senso comum a apoiar seu desmonte, mas
não apenas, afinal demonizar a escola pública é também atacar a res-
peitabilidade de seus professores e funcionários de apoio, assim como
seus alunos em nome do fim da concepção da educação como direito.
Nos tempos nefastos que vivemos, é necessário que sejamos francas e
francos ao afirmar que a educação como mercadoria é uma educação
desumanizadora, assim como o EaD no ensino básico será, necessa-
riamente, precursor de um ensino conteudista, bancário e tecnicista.
A escola pública de qualidade, por sua vez, é uma das bases de uma
sociedade realmente democrática.

Os meios de comunicação nos preparam para um “novo normal”,


são rápidos em dizer que os professores devem se acostumar com o

157 • História pública em movimento


ensino remoto, pois “as coisas não voltarão a ser como eram”, falas es-
tas que já se tornam comuns nas secretarias de escolas estaduais. Não
devemos aceitar este “Novo normal” de cortes, precarização e ensa-
lamento, devemos criar um novo normal que entenda a escola como
centro de construção de indivíduos autônomos, que socialize para o
respeito à diversidade e consciência crítica.

Como, porém, travar esta hercúlea luta? É evidente que, enquan-


to professores e professoras, sentados em nossas cadeiras no birô, de
costas para um quadro branco, não iremos conseguir. É necessário que
se fortaleçamos as organizações de representação de nossa catego-
ria, como os Sindicatos. Os Sindicatos combativos foram, são e serão
as nossas principais ferramentas de organização, é preciso filiar-se a
eles, participar de seus debates, propor ações e construir os movimen-
tos. Aos docentes e trabalhadores das escolas públicas nada nunca foi
dado de bom grado, foi sempre através de protestos, greves e ocupa-
ções, mesmo nos anos de governos progressistas.

Uma escola pública global, que trabalhe a alfabetização e desen-


volvimento científico, político, artístico e emocional é possível, mas ape-
nas através de nossa organização e, com certeza, não podemos contar
com a filantropia dos bilionários para alcançar este intento, o projeto
destes últimos é claro: expansão do EaD, fortalecimento da educação
tecnicista e fortalecimento da educação como mercadoria.

USO E ABUSO DA PANDEMIA COMO LABORATÓRIO PARA A


IMPLEMENTAÇÃO DO EAD NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DO ES
(POR CAMILLA FERREIRA PAULINO DA SILVA)

Para início de conversa, pontuo que sou terminantemente contra


o retorno presencial nesse momento, tenho atuado de várias formas,
inclusive no modelo híbrido, que aumenta a carga horária e funções
do professor, sem ser acompanhado por aumento salarial, formação e
condições materiais, tecnológicas. Tenho lecionado no modelo híbrido
desde outubro de 2020, e em dezembro tive sérias crises de ansiedade
por conta do excesso de trabalho, de cobranças, pelo medo de contrair
o coronavírus e pelas incertezas.

158 • Professoras/es da educação básica


Na esfera da educação pública, a pandemia abriu uma janela de
oportunidades para que os tubarões do setor privado emplaquem mu-
danças profundas nas redes de ensino, não apenas durante esse pe-
ríodo, mas, especialmente, após ele: trata-se da adoção de atividades e
modalidades de educação a distância nas escolas públicas. A quaren-
tena se tornou o laboratório da EaD – ou educação virtual, tecnológi-
ca, digital, em rede, não presencial, remota, entre outras designações
– que pretende se estabilizar como regra no ensino público básico.

Não é sem razão que organismos internacionais a serviço do impe-


rialismo, como é o caso do Banco Mundial, a Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) etc., sendo gran-
des defensores do projeto educacional empresarial balizado na teoria
do capital humano e nas competências, se aproveitaram da quarente-
na para fazer propaganda e vender serviços, propondo aos países que
“sejam revistos os marcos regulatórios do ensino a distância, de forma
que os pacotes de ensino remoto de entidades empresariais sejam re-
conhecidos como uma alternativa à instrução presencial na contagem
dos dias letivos”. Indo além, esses organismos internacionais recomen-
dam listas de serviços fornecidos por institutos, fundações e grandes
corporações, dentre os quais destacamos a Fundação Bill and Melinda
Gates, Fundação Lemann, Fundação Valhalla, Bank of America, Google,
AT&T e Novartis.

No Brasil, o sinal verde para a adoção da modalidade de educação


a distância foi dado por aquele que reúne o conjunto de interesses dos
grandes capitalistas no campo educacional brasileiro: o Conselho Na-
cional de Educação (CNE). É nele que estão colocados estrategicamen-
te os representantes dos grandes bancos, organismos internacionais,
institutos e fundações financiados por grandes conglomerados em-
presariais, que pretendem aumentar seus lucros por meio das políticas
educacionais dos governos e, ao mesmo tempo, controlar o que pode
ser ensinado e aprendido em sala de aula. Nunca é demais lembrar que
o CNE referendou todos os projetos educacionais de cunho empresa-
rial dos últimos anos, como o Novo Ensino Médio (Lei n. 13.415/2017) e a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Fazendo valer os interesses do setor privado, o CNE, que tem atri-


buições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministério da
Educação (MEC), logo no dia 18 de março de 2020 recomendou a reali-

159 • História pública em movimento


zação de atividades a distância em todas as etapas de ensino durante o
período da pandemia. Para promover essa medida, o CNE valeu-se do
Decreto n. 9.057, de 25 maio de 2017, de Michel Temer, que regulamen-
ta o artigo 80 da LDB para incentivar o desenvolvimento e a veiculação
de programas de Ensino a Distância, em todos os níveis e modalidades
de ensino, e de educação continuada.

A partir da recomendação do CNE, por todo o país, a redes públicas


de ensino, em diferentes ritmos, foram adotando, sob a aparente preo-
cupação com a aprendizagem dos alunos, bem como com a manuten-
ção de vínculo deles com as escolas, o modelo de ensino a distância
mediante plataformas digitais em todas as etapas da educação básica.

No Estado do Espírito Santo, a incorporação do modelo de edu-


cação a distância pela rede estadual de ensino foi sinalizada desde o
dia 21 de março de 2020, quando, sob pressão do setor privado, o go-
vernador Renato Casagrande emitiu decreto autorizando a realização
de aulas não presenciais para o ano letivo de 2020. Vale destacar que o
presidente do Conselho Estadual de Educação/ES, Artelírio Bolsanello,
admitiu na época que essa “liberação emergencial” havia se dado por
conta dos “insistentes apelos” da iniciativa educacional privada, cujo
objetivo, por um lado, era atender os interesses daqueles empresários
que temiam qualquer tipo de pressão para que os preços das mensa-
lidades de suas escolas fossem reduzidos, e, por outro, buscava servir
aos grandes conglomerados que ambicionavam vender plataformas
digitais e formações de Educação a Distância.

Desde que essas primeiras movimentações ocorreram, diversas en-


tidades, pais de alunos e docentes auto-organizados começaram a se
posicionar contra a tentativa de incorporação da modalidade de educa-
ção a distância na rede pública, pois o governo estava tomando decisões
sem qualquer diálogo com a comunidade escolar e, aparentemente,
sem se preocupar com a qualidade e o acesso por parte dos alunos.

Porém, desconsiderando todas as manifestações contrárias às de-


cisões tomadas até então, no dia 1º de abril de 2020 o governo publica
portaria instituindo o Programa EscoLAR, dando ênfase ao fato de este
ser um programa de Atividades Pedagógicas Não Presenciais (APNPs),
vinculadas à adoção de videoaulas cedidas até então pelo governo do
Amazonas, bem como de momentos online em tempo real onde os do-

160 • Professoras/es da educação básica


centes estariam disponíveis para esclarecimento de dúvidas e/ou apoio
aos alunos em grupos de WhatsApp e fóruns na plataforma Google
Sala de Aula, iniciativa que está sendo implementada através de uma
parceria com o Google for Education.

Na entrevista coletiva de lançamento do EscoLAR, o Secretário de


Educação admitiu que a Secretaria de Educação (Sedu) abrirá as por-
tas para atividades e modalidades de educação a distância no ensino
básico não apenas no período de pandemia, mas também a médio e
longo prazo, em outras ações. Segundo ele, o programa já estava pron-
to desde o começo de 2020, porém a pandemia apareceu como o mo-
mento oportuno para lançá-lo.

Para o período da pandemia, segundo a Sedu, o objetivo do Es-


coLAR era o de manter o vínculo do aluno com a escola, contudo, não
houve preocupação com o fato de que as ferramentas de ensino a dis-
tância propostas pelo EscoLAR demandam o uso de recursos tecno-
lógicos que não são acessíveis a grande parte dos estudantes da rede
pública e até mesmo aos docentes, aumentando as desigualdades na
oferta da educação escolar para os filhos da classe trabalhadora. Ade-
mais, não há no programa nenhuma medida para recensear as condi-
ções de acesso à tecnologia, bem como para superar as desigualdades
de acesso por parte de educadores e educandos.

A Sedu não levou em consideração a falta de acessibilidade


de cerca de 30% das residências capixabas à rede mundial de
computadores: o estado do Espírito Santo está abaixo da média
nacional de conectividade. Nesse sentido, a adoção aligeirada da
educação a distância feriu a LDB, quando esta afirma que o ensino
nas escolas deverá ser ministrado com base em vários princípios,
como o de “igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola”. Se no ambiente físico da escola esses princípios já vêm
sendo rasgados, por conta das péssimas condições para o ensino
e aprendizagem da rede estadual, como levar adiante a adoção da
modalidade de educação à distância quando o próprio governo não
prevê nenhuma medida para superar as desigualdades de acesso?

No entanto, apesar de toda a propaganda do governo, inclusive com


a participação do Secretário de Educação em debates online para falar do
sucesso do EscoLAR, os primeiros dados oficiais mostram que 30% dos

161 • História pública em movimento


alunos, o que equivale a 60 mil pessoas matriculadas na rede estadual,
sequer acessaram a plataforma digital Google Sala de Aula. Dos 70% de
acessos comemorados pela Sedu, o que corresponde aproximadamente
a 165 mil estudantes, a grande maioria sequer realizou os exercícios. A
realidade é que, segundo os professores, somente um número em torno
de 10% a 30% dos alunos, variando de acordo com a série, conseguiram
realizar as atividades propostas na plataforma digital, em 2020.

Os dados oficiais demonstram que as implicações da EaD para


o ensino básico vão além da discussão sobre o acesso à determina-
das ferramentas tecnológicas. Em que pese a pressão da Sedu sobre
os professores, obrigando-os a entrar em contato com os estudan-
tes, inclusive com seus celulares individuais, sobrecarregando ainda
mais esses profissionais, a baixa realização das tarefas propostas na
plataforma digital mostra a importância do trabalho educativo pre-
sencial, pois é ele que permite a interação entre educador e aluno,
fundamental para a promoção da aprendizagem e o desenvolvimen-
to dos sujeitos. Nesse processo, a escola é o espaço fundamental para
a realização do ensino intencional e sistematizado com vistas à so-
cialização dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos mais
ricos produzidos pela humanidade o longo da história. As diversas
atividades e modalidades de educação a distância não só esvaziam a
escola de sua função precípua como desvalorizam o papel mediador
do professor no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que
estes acabam atuando como tutores, enquanto a maioria dos alunos,
principalmente os de Ensino Fundamental, não têm autonomia para
realizar determinadas tarefas.

Portanto, mais do que qualquer preocupação com a manutenção


de vínculo e da aprendizagem dos alunos, uma vez que a Sedu des-
considerou uma série de elementos expostos nesta fala, reitero que o
EscoLAR vem sendo utilizado como laboratório para a efetivação da
educação a distância na rede estadual, abrindo as portas para os inte-
resses mercadológicos daqueles que ambicionam vender plataformas
digitais para redes de ensino.

Os recursos tecnológicos podem e devem ser utilizados no pro-


cesso de ensino e aprendizagem para contribuir no desenvolvimen-
to dos educandos. Contudo, bem diferente disso, o que estamos
acompanhando, no ES, sob disfarce da manutenção de vínculo do

162 • Professoras/es da educação básica


aluno com a escola, é a normalização da utilização da EaD. Caso essa
medida seja efetivada, ela trará graves consequências para educa-
ção pública do Estado.

Concluo por ora dizendo que é tarefa central para a organização


dos trabalhadores da educação básica rechaçar qualquer possibilidade
de adoção permanente da modalidade de atividade não presencial por
parte da Sedu. No entanto, não é mais possível adotar uma postura
meramente reativa frente aos ataques à educação pública por parte
dos governos. Urge a necessidade da defesa de um novo projeto pe-
dagógico, uma concepção crítica e emancipadora de educação, uma
concepção que seja voltada para a superação do subdesenvolvimento
e da dependência econômica e tecnológica do Brasil ante as potências
imperialistas, para a libertação da cultura nacional do colonialismo im-
posto pelos países metropolitanos e, principalmente, para os interesses
da classe trabalhadora, que faça do trabalho de socialização do conhe-
cimento o eixo central de tudo o que se realiza no interior da escola.
Essa luta requer ações organizadas no plano dos embates políticos, no
plano da formação de quadros qualificados, no plano da produção de
conhecimento sobre a educação e no plano da construção teórica e
prática de uma pedagogia que fortaleça o trabalho de produção dire-
ta e intencional, em cada educando, do domínio dos conhecimentos
artísticos, científicos e filosóficos mais ricos necessários ao seu pleno
desenvolvimento como ser humano.

Considerações finais: Não teria como falar de como foi o ensino de


História neste contexto, no caso aqui do Espírito Santo, porque se for-
mos ser honestos, não houve de fato ensino algum, de qualquer dis-
ciplina. Tapamos buraco totalmente cegos, perdidos, sem auxílio da
secretaria de educação, que estava mais preocupada em fazer propa-
ganda de um novo modelo de ensino em meio à pandemia, sem dar
condições e sem serem realistas com o fato de que o modelo à distân-
cia, seja ele híbrido, virtual síncrono e assíncrono, não possibilitam um
acesso a uma educação que seja de máxima qualidade, principalmen-
te quando falamos de estudantes de escola pública em um país tão de-
sigual como o nosso. Muitos estudantes só têm a escola como espaço
que possibilite o contato com determinados debates, pontos de vistas,
com a ciência de modo geral, com as mais variadas expressões artísti-
cas historicamente elaboradas pelos humanos.

163 • História pública em movimento


Sintomático como nesse processo jamais tivemos qualquer orien-
tação ou debate por parte do governo estadual no que diz respeito à
qualidade de ensino, sobre quais as melhores formas de ofertar aces-
so ao conhecimento nesse momento de exceção, isso nunca foi se-
quer comentado, sempre fica em último plano. Tudo o que tivemos
foi enxurrada de cobranças burocráticas, aumento de carga horária
desacompanhada de remuneração, nenhum auxílio aos estudantes
e docentes no que diz respeito ao acesso à tecnologia, nenhuma co-
municação com a secretaria de educação, que ignora os profissionais
da escola.

Listemos alguns dos impactos provenientes da adoção da EaD


como modalidade de ensino:

• Eliminação da dimensão política e pedagógica da prática edu-


cativa;

• Maior restrição ao acesso, por parte dos alunos, dos conheci-


mentos científicos, artísticos e filosóficos mais ricos produzi-
dos pela humanidade ao longo da história, fundamentais para
o desenvolvimento dos indivíduos;

• Evasão escolar, uma vez que as taxas hoje chegam a 75% nos
cursos técnicos e 40% no ensino superior;

• Demissões generalizadas de professores;

• Aumento da superexploração da força de trabalho levando,


inevitavelmente, os docentes ao acúmulo de empregos, ao
adoecimento e, até mesmo, à morte prematura;

• Mais precarização do trabalho docente, causada pela incipien-


te legislação específica regendo a atividade;

• Mais gastos com energia elétrica e internet por parte dos pais
dos alunos e profissionais da educação;

• Sobrecarga de tarefas;

• Aumento do número de alunos por professor;

• Redução do professor a mero tutor que aplica e corrige conteú-


dos previamente formulados, ou de produtor terceirizado de
conteúdos encomendados, pagos por peça;

164 • Professoras/es da educação básica


• Por conta da ameaça do desemprego, o professor é obrigado
a assinar termos cedendo direitos autorais sobre materiais por
ele produzidos, pois seus conteúdos registrados em videoaulas
ou outras plataformas não são remunerados. Isso já está acon-
tecendo na rede estadual, pois durante o período da pandemia
foi lançado o Programa Ideação, que versa sobre a gravação de
videoaulas pelos professores, que cedem seus direitos autorais
referentes às aulas produzidas para a Sedu, e, para tal, recebem
como pagamento o valor referente a apenas duas horas/aula.
Professores ainda foram convidados a participarem de uma co-
missão para avaliar essas videoaulas, porém sem remuneração
alguma;

• Responsabilização dos professores e demais profissionais da


educação, por um eventual “fracasso escolar”.

Eis o futuro da educação pública do Espírito Santo com a adoção


do EaD a médio e longo prazo na rede estadual.

POR UMA EDUCAÇÃO QUE TRATE PESSOAS COMO SERES ÚNICOS


(POR GERALDYNE MENDONÇA DE SOUZA)

A Educação é universal, garante a nossa atual Constituição, ou,


pelo menos, deveria ser. Em tempos ditos “normais” já sabíamos que
isso era uma falácia. Com o distanciamento social e ensino remoto esta
universalidade nunca foi tão utópica. Não damos conta de todos os
alunos e admitir isso é primordial para não invisibilizarmos de vez os
excluídos do mundo digital.

A diferença socioeconômica não se restringe mais as escolas pú-


blicas e particulares. No atual contexto, vemos as diferenças se acen-
tuarem entre alunos de uma mesma turma por falta de conexão, equi-
pamentos e até moradias precárias. A estrutura familiar, ou falta dela,
vem cobrando caro de nossos discentes. A escola não é capaz de suprir
todas as necessidades, por mais que tente. Esse é um problema estru-
tural… palavra tão na moda atualmente. Na prática o que isso significa?
Que somente reabrir as escolas e retomar as aulas presenciais não solu-
cionará os problemas emocionais, psicológicos, físicos e materiais que

165 • História pública em movimento


os alunos têm enfrentado neste último ano. Mais do que uma defasa-
gem educacional, é uma questão de saúde pública e bem-estar social.

Só que não podemos achar que somente os alunos estão sendo


seriamente afetados pelo contexto atual. Nós, professores, não estáva-
mos preparados para esta realidade virtual agravada pelo medo do ini-
migo desconhecido, a Covid-19.

A Educação não pode mais estar baseada na troca e assimilação de


conteúdos curriculares. O desenvolvimento de aspectos socioemocio-
nais (persistência, assertividade, empatia, autoconfiança e tolerância a
frustração) são estritamente necessários para que se alcance o com-
pleto desenvolvimento do educando.

Um espaço educacional aberto ao diálogo e debate é fundamental


na valorização do professor e do ensino como um todo. Infelizmente, o
que menos vemos neste período pandêmico é a posição e necessida-
des dos professores não sendo consideradas. As políticas educacionais
que regem nosso próprio ofício raramente passam por uma consulta
ampla e democrática.

Educação é afeto. Isso jamais deve ser negligenciado. Como alcan-


çar este afeto através de frias telas?

A Educação e o espaço onde ela se desenvolve têm que garantir,


tratar e resguardar as diversidades, sejam elas de classe, raça, gênero,
intelectual ou física. Caso contrário, só estamos reforçando e perpe-
tuando as desigualdades e privilégios que assolam nossa sociedade.

A evasão escolar vem sendo apresentada como um motivo para o


retorno as aulas presenciais. Mas quem atua no chão da escola, pública,
sabe que este cenário já é antigo e preocupante. Os discentes se afas-
tam do ambiente escolar por não se verem representados, por terem
seus sonhos tolhidos e não enxergarem perspectivas de futuro.

O que queremos é seriedade para com a Educação e seus inte-


grantes. Políticas públicas estatais efetivas e democráticas que visem a
valorização e qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Isso não
se dará através de achismos ou lobby de grandes corporações privadas
de ensino. Somente a ciência, democracia e diálogo podem nos levar a
um futuro melhor. Olhemos para o presente!

166 • Professoras/es da educação básica


O MICRORRELATO DE UM PROFESSOR DE HISTÓRIA, UMA
PANDEMIA E TRÊS REDES DE ENSINO: CAMPO GRANDE/MS
(POR JORGE RIBEIRO DIACÓPULOS)

Este é um relato de um professor de história da educação básica,


afetado como tantos outros docentes em tempos de pandemia. Me
chamo Jorge Ribeiro Diacópulos, sou natural de Campo Grande, capital
do estado de Mato Grosso do Sul. Iniciei minha licenciatura e bachare-
lado em história no ano de 1999, na Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB). Antes mesmo de terminar a graduação, aos 20 anos de idade
eu iniciava a minha trajetória como professor de história.

Desde a primeira experiência como docente, até este momento


atual, lá se foram 20 anos ininterruptos de sala de aula. Foram muitas
experiências e aprendizagens no “chão da escola”. Caminhei em dife-
rentes redes de ensino (pública e particular), múltiplos níveis de ensino,
diversas escolas, muitos projetos políticos-pedagógicos, entre outros.
Mesmo com tanta variedade ao longo dessa temporalidade, uma coisa
sempre foi fundamental na relação ensino-aprendizagem: o contato
humano entre professores e alunos.

Essa realidade inerente ao ensino, ou seja, a mediação humana


para a efetivação da aprendizagem histórica foi seriamente afetada
pela pandemia do novo coronavírus. Em março de 2020 iniciamos um
processo que ainda não teve fim, que provocou rupturas e perdas no
ensino que levarão anos para serem superadas.

Atuo como professor de história nas redes pública e privada de en-


sino, em níveis que variam dos anos finais do ensino fundamental até
o pré-vestibular, no município de Campo Grande/MS. Em todos esses
lugares, a pandemia chegou da mesma forma, ou seja, interrompeu
de forma abrupta as relações de ensino por 15 dias, aproximadamente.
Durante esse período ficamos à deriva, sendo que o verbo ficamos se
refere aos professores, alunos e comunidade escolar. Foi um completo
período de “vamos aguardar pra ver o que vai acontecer”, nestes dias
iniciais a orientação foi ficar em casa.

A partir das duas semanas iniciais de isolamento e fechamento das


escolas, as realidades se tornaram difusas para um professor que atua
em diferentes redes de ensino. No caso da escola particular que lecio-

167 • História pública em movimento


no, a orientação inicial foi para nós mesmos produzirmos nossas aulas
em ambiente doméstico. Esta peculiaridade escancarou variadas de-
sigualdades, pois os professores mais habituados com as ferramentas
tecnológicas de ensino, produziam aulas mais atraentes, sob o ponto
de vista de qualidade audiovisual. Melhores equipamentos resultavam
em aulas mais elogiadas, professores com conhecimento em edição
de imagem impactavam seus alunos em um novo ambiente de ensino.
Por outro lado, os professores sem tantos recursos técnicos e financei-
ros, produziam um material de ensino de qualidade diferente, muitos
se sentiam pressionados diante dessa nova demanda.

Este cenário acelerou um projeto nesta escola em questão: se pre-


parar para a educação a distância. A escola comprou equipamentos,
firmou parceria comercial com uma produtora, construiu uma plata-
forma de ensino própria e escalou os professores para comparecerem
na escola para gravação dos conteúdos previstos no currículo escolar.
Este projeto resultou em aulas padronizadas, seja em material audiovi-
sual, ou em ambiente de ensino. Sendo assim, por meio da plataforma,
os alunos tinham acesso as aulas gravadas, podiam realizar interações
com os professores por meio de mensagens ou encontros síncronos re-
gulares. O início das aulas nesse modelo contou com grande participa-
ção dos estudantes, que tinham a impressão, assim como os docentes,
que este modelo de ensino seria utilizado por pouco tempo.

Mesmo diante de uma rotina regular com gravações, atendimen-


tos na plataforma e aulas síncronas no aplicativo Zoom, houve a redu-
ção salarial nesta escola em questão. A redução salarial variou entre
25% a até 40%, sob a garantia de que teríamos estabilidade no empre-
go na passagem de 2020 para 2021. O sucesso do modelo implantado
na escola não impediu a saída de alunos desta instituição de ensino,
sob a alegação de que a escola não reduziu o valor da mensalidade
durante o ensino remoto. Tal contexto pressionava a direção escolar a
se posicionar a favor da volta às aulas em diferentes momentos do ano
escolar de 2020.

Alegando estarem preparados quanto aos protocolos de biossegu-


rança, em mais de uma ocasião fomos avisados da eminente volta as
aulas, que só se confirmou no final de 2020, por conta de decreto muni-
cipal que autorizava o retorno. Notou-se uma baixa adesão de famílias
e alunos no retorno as aulas presenciais a partir de outubro de 2020.

168 • Professoras/es da educação básica


A pandemia e o ensino remoto se mostraram uma boa oportuni-
dade de negócio para esta escola em específico. Diante de um enorme
banco de dados de conteúdos gravados ao longo do ano, a escola lan-
çou mão da comercialização deste material, como já ocorre com gran-
des portais educacionais pelo país. Este modelo começou a ser implan-
tado no final de 2020, com a venda de pacotes preparatórios para o
Enem, vestibulares locais e programas de avaliação seriada – toda essa
comercialização de material não resultou em qualquer participação
dos professores nos lucros gerados pela utilização da imagem destes.

Outra face revelada pela implantação do ensino remoto durante a


pandemia nesta escola, foi a da avaliação do trabalho do professor com
base no número de visualizações das aulas, comentários e feedbacks
positivos. Em um caso concreto nesta escola, a professora titular de
certa área do conhecimento, com anos de trabalho na escola, foi pre-
terida por outro docente com base nos critérios citados anteriormente.

Em realidade oposta, em organização, cobrança, recursos, estrutu-


ra, público-alvo e finalidade, estão as escolas que leciono na rede pú-
blica de ensino. As redes públicas de ensino, no estado e município,
replicaram a ausência de uma condução séria nas políticas públicas
educacionais por parte do governo federal. Neste cenário, cada escola,
cada gestão escolar, cada comunidade escolar agiam como uma uni-
dade autônoma, selecionando o que ensinar, onde ensinar, como ava-
liar de forma variadas e complexas.

A rede municipal de ensino decidiu por descentralizar a gestão do


ensino durante a pandemia. Cada escola elaborava seu material de estu-
do, optava por uma plataforma de comunicação entre escola, família e
alunos (a maioria optou pelo WhatsApp) e realizava uma avaliação espe-
cífica. Foi possível notar a precarização da educação, com o enxugamen-
to do currículo, falta de internet de professores e alunos, dificuldade de
acesso à escola (fechada inúmeras vezes, na medida que os números da
pandemia pioravam no município) e falta de capacitação aos docentes
(a maioria desconhecia o uso das ferramentas tecnológicas de ensino).

Em meio a esse processo, vários professores investiram dinheiro do


seu próprio bolso para ter melhor acesso à internet e adquirir equipa-
mentos para a gestão das aulas remotas. A execução do trabalho em
casa diluiu a fronteira entre o público e o privado, ou seja, o ensino re-

169 • História pública em movimento


moto tornava o acesso ao professor sem limites. A possibilidade de rea-
lizar reuniões remotas pressionavam os professores a trabalhar fora de
seu horário de trabalho, sob a justificativa de que estamos trabalhando
em casa, de que não temos que se deslocar até o trabalho. Nesse ce-
nário, muitos colegas adoeceram por motivos diversos, mas destaco
como os mais comuns a pressão em ensinar por meio de ferramentas
tecnológicas e o estresse ocasionado por um isolamento conjugado
com a invasão virtual dos limites naturais entre a persona e a pessoa.

O número elevado de profissionais da educação que adoeceram du-


rante essa fase resultou em duas situações adotadas ao longo de 2020.
Uma partiu da secretaria de educação, que decretou em duas oportu-
nidades dois recessos escolares em meio ao calendário, cada recesso foi
de sete dias. A justificativa da secretária de educação foi a preservação
da saúde mental de professores e alunos. A outra situação foi adotada no
âmbito interno da escola municipal que leciono, e consistiu na redução
da carga horária diária de trabalho em frente ao computador.

Importante destacar que o ensino de história na rede municipal


ocorria com carga horária semanal de 1,5 h (anos finais do ensino funda-
mental). Seguindo um horário estabelecido pela escola, cada professor
se apresentava em um determinado grupo de WhatsApp, que contém
os números de telefones de pais e alunos. O professor elaborava um ma-
terial de estudo para cada mês do bimestre, nele continha o conteúdo e
os exercícios previstos no período. Cada professor direcionava suas aulas
de uma maneira, podendo ser por meio de aula síncrona (quase sem-
pre tinha reduzido número de alunos), notas de áudio, vídeos próprios,
vídeos de terceiros (quase sempre retirados do YouTube), atividades em
formulário Google, entre outros. A interação entre professores e alunos
ocorria por meio de mensagem privada no WhatsApp.

Na medida que a pandemia avançava no estado, e as aulas remo-


tas se prolongavam, a rede municipal adiava a decisão sobre atribuir
nota ou não aos alunos. No final do ano letivo de 2020, todos os alunos
foram aprovados (exceção feita aos desistentes) sem qualquer tipo de
nota atribuída ao longo dos quatro bimestres. A perspectiva de aprova-
ção e as dificuldades de acesso as aulas e conteúdos produzidos pelos
professores resultou no esvaziamento das aulas durante o processo.

Foi possível notar a desigualdade social durante esse processo. Fa-

170 • Professoras/es da educação básica


mílias mais bem estruturadas, que conseguiam acompanhar a rotina
escolar, significavam cerca de 20% do total de alunos. Muitos alunos
não acompanhavam as aulas por não ter um aparelho de celular ou
computador pessoal, para atender esses alunos a escola imprimia o ca-
derno de conteúdos e atividades. Nesses casos, os alunos estudavam
sozinhos e realizavam as atividades dentro de grandes dificuldades
(era muito comum os alunos entregarem, parcial ou totalmente, os ca-
dernos de atividades em branco).

A rede estadual de educação firmou uma parceria com o Google,


e instituiu o Google Sala de Aula. Cada aluno recebeu um e-mail insti-
tucional, foi inserido em uma sala de aula virtual, na qual semanalmen-
te os professores postavam conteúdos e atividades avaliativas. Havia a
possibilidade de os estudantes realizarem a mesma atividade em meio
impresso. Além do Google Sala de Aula, os professores tinham horário
fixo para realizarem as aulas síncronas.

Nesta rede de ensino, onde a maioria dos estudantes são do ensino


médio e EJA (Educação de Jovens e Adultos), havia uma maior autono-
mia e familiaridades dos estudantes com as ferramentas disponíveis.
Mesmo assim, foi possível observar maior rigidez nos prazos e métodos
avaliativos para os alunos em tempo integral, enquanto os estudantes/
trabalhadores do período noturno recebiam tratamento mais flexível.
Por isso, foi comum a migração de alunos do matutino para o noturno
(considerado mais “fácil”).

Tanto na rede municipal, quanto na rede estadual, o professor


teve que se tornar um pesquisador e produtor de seu próprio material.
Houve um certo abandono do livro didático no período. Cada área do
conhecimento deveria elaborar um conteúdo (incluindo mídias) espe-
cífico para um período. Coube a secretaria de educação selecionar os
conteúdos essenciais para cada bimestre.

As habilidades de formatação e edição eram cobradas aos professo-


res, sem qualquer tipo de qualificação para este trabalho. A escola virou
um local de entrega e recebimento das atividades impressas, o professor
recebia um volume de atividades a serem corrigidas em espaço curto.

A rede estadual optou por atribuir nota ao aluno e o ano letivo se


mostrou uma pirâmide invertida no que se refere a quantidade de ati-
vidades e conteúdos a serem trabalhados pelo professor. Para se tornar

171 • História pública em movimento


mais claro essa situação, exemplifico o caso do 1º ano do ensino mé-
dio. No primeiro bimestre os alunos estudaram cinco conteúdos, que
foram acompanhados por cinco avaliações, enquanto no 4º bimestre
estudaram apenas um conteúdo e realizaram uma atividade avaliativa.
O final do ano letivo de 2020 resultou em uma aprovação em massa
dos alunos, assim como ocorreu na rede municipal.

Ao final do ano de 2020, diante da momentânea redução de ca-


sos no estado de Mato Grosso do Sul, os profissionais da educação da
rede pública tiveram que comparecer regularmente no ambiente es-
colar, mesmo sem a presença de alunos. Nesse período, as atividades
eram corrigidas em ambiente escolar e reuniões eram feitas regular-
mente. Assim como regularmente eram as mudanças de determina-
ções e direcionamentos, seja por parte da gestão escolar ou a nível de
secretaria de educação. Escancarando a ausência de planejamento
estratégico e a volatilidade diante da pressão da opinião pública sobre
a classe de professores.

Durante os meses de ensino remoto, não houve qualquer atraso


salarial na rede pública, mas o medo de desemprego no ano seguin-
te tornou frágil a resistência e luta dos professores por melhores con-
dições de trabalho. Assim, o ano de 2021 se iniciou com grande parte
dos professores favoráveis a volta as aulas. Neste contexto, vale ressaltar
uma peculiaridade local: a doença demorou para atingir o interior do
Brasil e o pequeno número de infectados e mortos diante da popula-
ção total dava uma falsa sensação de proteção.

Iniciamos o ano letivo de 2021 com a sensação de que estávamos


preparados para o ensino remoto, habituados com as ferramentas e
possibilidades de ensino a distância. Entretanto, o que se tornou a reali-
dade para muitos dos professores foi a angústia e medo diante de uma
volta às aulas sem vacinação, pois início deste ano foi marcado pela
morte de vários profissionais da educação após a volta presencial no
início de fevereiro. A percepção de muitos era de que somente agora a
doença se tornou próxima.

O governo do estado, que havia anunciado a volta às aulas em mo-


delo híbrido, mudou de posição pelo menos três vezes em um inter-
valo de um mês. A rede municipal definiu logo no início do ano aulas
remotas até julho, enquanto a rede particular teve autorização para o

172 • Professoras/es da educação básica


retorno das aulas presenciais, com o comprometimento de redução de
número de alunos por sala e a utilização obrigatória dos equipamentos
de proteção individual (EPI).

Nesse sentido, este professor que escreve este relato iniciou o ano
letivo de 2021 em três realidades distintas: a rede estadual com o ensino
híbrido; a rede municipal com o ensino remoto; e a rede particular com
o ensino presencial. A sensação é que o ano de 2020 ainda não terminou.

APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO REMOTO NO ACRE:


OS LIMITES DA PÓS-MODERNIDADE
(POR ANTONIO MAICON B. BEZERRA)

A crise sanitária, hospitalar e humanitária provocada pela pande-


mia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e suas
variantes, alterou hábitos e vivências, principalmente no mercado de
trabalho, radicalizando tendências pré-existentes, dentre as quais a au-
tomatização da produção e a implementação de funções laborais na
modalidade home office, através das Tecnologias da Informação e Co-
municação (Lima, 2020). A educação está entre os setores mais afeta-
dos, sendo impelida a procurar saídas emergenciais, como aulas online
por videoconferência ou recorrendo a plataformas de auxílio educacio-
nal das mais diversas.

Esse momento conturbado e inédito da vida pública mundial,


abriu espaço para avanços e retrocessos no que tange aos mecanismos
de ensino-aprendizagem, com e por meio das novas linguagens tecno-
lógicas. Além disso, permitiu reflexões mais amplas sobre a educação e
o seu lugar na sociedade atual, dado que a escola e consequentemente
os professores, vêm crescentemente sendo questionados, face à sua
inadequação com as novas realidades sociais. Ambos são postos como
arcaicos e conservadores, ao ponto de alguns professores recebem a
alcunha de professauros, e as escolas de instituições falidas (Albuquer-
que Júnior, 2007; Miranda, 2015).

As críticas são especialmente valorizadas, tendo em vista a nossa si-


tuação contemporânea, nomeada por alguns autores de condição pós-
-moderna, caracterizada fundamentalmente, pela fluidez e capilaridade

173 • História pública em movimento


das informações e a ausência de referenciais. A escola, dentre as institui-
ções em “declínio”, é apontada como aquela que mais perdeu relevância,
descreditando a sua capacidade de produzir memórias e identidades,
em função do caráter relacional e transitório atribuído a tais represen-
tações. Outro sintoma da nossa condição, diz respeito ao abandono das
grandes narrativas ou ideologias-memória, que prometiam objetividade
e totalidade, abraçando ingenuamente crenças racionalistas e teleoló-
gicas. Com a ruptura pós-moderna, não se ambiciona mais a “realida-
de ontológica dos fatos”, prefere-se trabalhar com possíveis formas de
descreve os acontecimentos a partir de um olhar perspectivista, parcial,
transitório e relativo (Albuquerque Júnior, 2007, 2010).

O descompasso dos professores e das instituições escolares no


novo cenário da modernidade líquida, é expresso de forma contunden-
te e provocativa por Albuquerque Júnior (2010), no texto “Por um ensi-
no que deforme: o docente na pós-modernidade”. Na ocasião, o autor
sustenta a inviabilidade da escola e da profissão docente, constatando
a perda da centralidade do professor no processo de ensino-aprendiza-
gem, passando a ocupar um papel auxiliar ou coadjuvante. Esta asser-
ção é sustentada graças à existência de “um sem-número de centrais
de distribuição de saberes” (2010, p. 11), representada por máquinas e
mídias que informariam e garantiriam sociabilidade aos jovens, que
agora, tomariam “a centralidade do seu próprio processo de aprendi-
zagem” (2010, p. 11). Albuquerque Júnior conclui sua alarmante reflexão
prevendo o fim da escolarização institucionalizada.

Contrariamente as afirmações defendidas por Albuquerque Júnior


(2010), as experiências educativas no ensino remoto, durante a pande-
mia, aludem para outra direção, reafirmando a centralidade do profes-
sor para o processo de ensino e aprendizagem, e a indispensável re-
levância da escola enquanto instituição provedora de conhecimentos
e efetivação de sociabilidades, especialmente quando consideramos o
rico e abrangente repertório representacional existente na cultura es-
colar. Com isso, não queremos dizer que negamos nossa condição his-
tórica marcada pelo rompimento de modelos epistêmicos tradicionais,
nem que subvalorizamos as novas formas de sociabilidade, perpassa-
das pela existência de identidades fluidas. Buscamos, isso sim, apontar
limites e barreiras concernente a influência pós-moderna no mundo
educacional. Asseveramos também, que quando falamos em “centra-

174 • Professoras/es da educação básica


lidade do professor”, não o afirmamos enquanto figura autoritária e
detentora do conhecimento, que do alto da sua sapiência, iluminará o
aluno com seu saber, mas como componente mediador indispensável
a intelecção das informações.

Para isso, no decorrer do presente texto, tentaremos trazer mais


concretude as afirmações brevemente explanadas, fazendo um rápido
sobrevoo sobre as medidas emergenciais adotadas, no estado do Acre,
para viabilizar o ensino durante a pandemia. Fazendo isso através da
análise dos pareceres e resoluções do Conselho Estadual de Educação
(CEE/AC), que analisam e definem as estratégias empregadas pela Se-
cretaria de Estado de Educação, Cultura e Esportes do Acre (SEE). Com
base nisso, e sobretudo pelas práticas pessoais no ensino remoto, na
educação básica, extrairemos apontamentos e reflexões, visando tra-
zer um olhar dissonante daquele apresentado por Albuquerque Júnior
(2010), e também traçar alternativas didático-metodológicas para efeti-
vação da aprendizagem no ensino remoto.

A pandemia e seus desdobramentos na educação acreana

As medidas adotadas pela SEE mediadas pelas resoluções e parece-


res do CEE/AC, ocorreram de maneira gradual e inconstante conforme o
agravamento do quadro pandêmico. A primeira ação pretendendo sis-
tematizar o ensino remoto, nas escolas públicas acreanas, foram analisa-
das por meio do Parecer CEE/AC n. 5, de 22 de abril de 2020, que validou
as propostas do Plano de implementação de atividades não presen-
ciais, encaminhado pela SEE, cujos principais objetivos consistiam em:

Evitar a descontinuidade dos conteúdos escolares do ano/série já


iniciados no presente ano letivo de 2020 (…) manter o vínculo do
aluno com a escola, numa relação de pertencimento (…). Assegu-
rar uma rotina de estudo junto ao aluno e a sua família (…) propi-
ciar o envolvimento dos pais e/ou responsáveis no acompanha-
mento das atividades escolares do aluno (…) evitar o abandono e
o aumento da evasão escolar. (Acre, 2020b, p. 4)

As instruções, apesar de enfatizarem certa indefinição sobre os ru-


mos da pandemia, deixam explicitar a perspectiva de voltas as ativi-
dades presenciais dentro pouco tempo. Elas objetivavam tão somente
manter a relação do aluno com a escola, sem pretensões de reconhe-

175 • História pública em movimento


cer o ensino remoto como ferramenta legitima de transmissão de sa-
ber, tanto que não autorizavam processos avaliativos para atribuição de
notas. Esse parecer veio para complementar e emprestar finalidades a
Resolução n. 142, de 17 de março de 2020 (dia exato em que aulas foram
interrompidas), que instituiu a necessidade de “aulas não-presenciais
a partir do 5º ano – atividades de Educação a Distância através de ví-
deos aulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino
aprendizagem” (Acre, 2020a, p. 2).

Com o agravamento da crise e a carência de instituir diretrizes ge-


rais e práticas as escolas estaduais, levando em conta que até o mo-
mento, nem todas estavam desenvolvendo atividades, e aquelas que
sim, não haviam implementado formas de registro e controle de ma-
neira sistemática. Desse modo, a SEE submeteu um novo Plano de im-
plementação de atividades não presenciais nas escolas da rede pú-
blica estadual, onde detalhava as ações a serem implementadas pelo
Plano de atividades pedagógicas não presenciais. As informações en-
fatizadas pela SEE demostram uma multiplicidade de estratégias pra-
ticadas pelas escolas, para dar conta do ensino remoto (Acre, 2020c).

Essa diversidade se desenvolveu espontaneamente por iniciativa


dos gestores, desejando alcançar o maior número de alunos possível,
usando as plataformas do Google, em aulas sincrônicas e/ou assíncro-
nas, enviando roteiros ou fazendo videoconferências. A estratégia mais
usada, porém, consistia no envio de roteiros estruturados (roteiros de es-
tudos com anexação de textos problematizares, atividade, sugestão de
leituras e links para aprofundamentos), escolha que naturalmente dava
mais opções, visto que assim os alunos poderiam receber pelas mídias
sociais ou pegar pessoalmente na escola. Conta também uma particu-
laridade observada, desencadeada por carência financeira e a baixa co-
nectividade dos domicílios acreanos, dos quais apenas 66,8% dispõem
de internet e 78,7% possuem serviço de telefonia móvel para internet
ou telefonia, fazendo com que a maioria dos jovens contratem pacotes
de dados, cujos benefícios incluem internet “grátis” para o WhatsApp
ou Facebook, possibilitando comunicação o mês inteiro, sabendo disso,
grande parte das escolas adotaram o envio dos roteiros pelo WhatsApp.

Foi apenas em 18 de setembro de 2020, quando outros estados (er-


roneamente) já anunciavam o retorno as aulas presencias, que a SEE
apresentou ao CEE/AC, o Plano II para continuidade das atividades pe-

176 • Professoras/es da educação básica


dagógicas e aulas não presenciais, contendo diretrizes para os diversos
níveis e modalidades de ensino. O novo plano incorporava os atos gover-
namentais “em que apresenta as especificações e classificação de ris-
co para oferta de serviço, frente a Pandemia, que ainda não possibilitou
a abertura das escolas para atividades pedagógicas presenciais” (Acre,
2020d, p. 2). Agora, com a plena clareza da impossibilidade de retorno as
atividades presenciais em 2020, o plano previa orientações pedagógicas
para Educação no Campo e Educação Indígena (ambos sofrendo com a
falta de professores), também para a educação de Jovens e Adultos, En-
sino Especial, Ensino Fundamental anos iniciais – até então ignorados – e
finais, por fim, Ensino Médio nas suas diversas modalidades (Acre, 2020d).

O parecer também traz indicações e informações a respeito das


teleaulas, iniciativa desenvolvida efetivamente pela SEE. As chama-
das teleaulas fazem parte do programa Escola em Casa, que consiste
na gravação de videoaulas e áudio-aulas pelos professores da rede
pública (Acre, 2020d). As gravações eram/são transmitidas pela televi-
são, através da Rede AmazonSat e, as áudio-aulas, objetivando espe-
cificamente as populações do campo, são disponibilizadas pela rádio,
duas delas de Rio Branco (Aldeia, Difusora) e uma terceira do Vale
do Juruá (Rádio Verdes Florestas). Tais providências serviam para su-
plementar as práticas já desenvolvidas pelos colégios, buscando ex-
pandir as aulas virtuais, uma vez que apenas 70% dos alunos estavam
participando (Gadelha, 2020).

Por um ensino remoto dialógico, sensível e crítico

As observações desferidas sobre os limites dos desdobramentos da


pós-modernidade sobre a educação e as assertivas a respeito de saí-
das didático-metodológicas para o ensino remoto, não resultam de um
olhar distanciado e, portanto, meramente teórico, externaliza uma prá-
tica reflexiva diária, ao se defrontar com uma infinidade de problemas
escalonados com a implementação do ensino remoto emergencial, na
educação básica no estado do Acre.

Os empecilhos são incontáveis, sobretudo decorrentes da mudança


abrupta na rotina escolar. Vão desde carências sociais e econômicas dos
discentes e docentes, dificuldade de adaptação por alguns professores
às novas tecnologias, quedas constantes de conexão e, fundamental-
mente transtornos psicológicos e a pouquíssima assiduidade nas aulas.

177 • História pública em movimento


Alguns desses problemas, isso é verdade, já existiam, mas foram acirra-
dos graças aos “efeitos colaterais” do abandono forçado da rotina esco-
lar, com toda a complexidade de relações afetivas, sociais e simbólicas
que lhe atravessa de forma intrínseca. Em síntese, podemos afirmar, que
quanto maior a barreira entre os componentes da comunidade escolar,
mais haverá dificuldade de efetivação do processo educacional.

O distanciamento dos meios de propagação/reprodução da cul-


tura escolar, agravou as situações de abandono escolar, distúrbios
psicológicos, sensação de não-pertencimento, carência alimentar,
ausência de feedback entre professor e aluno, perda das relações afe-
tivas e emocionais que auxiliavam no processo de ensino- aprendi-
zagem e garantiam, em grande parte, a mobilização dos estudantes
para a vida escolar-estudantil. Além disso, o “sem-número de centrais
de distribuição de saberes” (Albuquerque Júnior, 2010, p. 11), leia-se,
informações, não se materializaram em conhecimento, visto que,
conforme Ulpiano Bezerra de Meneses nos conta, a “superinformação
sem hierarquização redunda em desinformação (…) leva a tomar-se
frequentemente como informação ou conhecimento o dado bruto”
(2009, p. 453), tornando claro que informação não é educação. Os
alunos, apesar de nativos digitais, como sustenta Marc Prensky, não
dominam processos de filtração de informações (Pescador, 2010), e
como sugere Circe Bittencourt (2011), não devemos ser ingênuos em
relação à nova cultura das mídias, elas não são agentes desinteressa-
dos ou despretensiosos, estão atreladas a relações de poder e concep-
ções políticas. Somando-se a isso, por reflexo da nossa educação de-
ficitária, enfrentam carências educacionais básicas, denotativo disso,
é a alta taxa de analfabetismo funcional, que entre os jovens de 15 a
24 anos, chega a 25%, dificultando a decodificação e apropriações de
sabres de forma autônoma, reflexiva e crítica (Bittencourt, 2011).

Frente esse quadro propor soluções para atenuar os problemas


enfrentados no ensino remoto, com vistas a efetivação de um apren-
dizado significativo, não se configura tarefa fácil, ainda assim, pode-
mos pensar alternativas em dois eixos. A começar por municiar os alu-
nos com habilidades e competências, que lhes garantam autonomia
intelectual para desembaraçar o intrincado mundo digital, com suas
múltiplas fontes de informações. Fazendo isso através de processos de
seleção, problematização, análise e crítica das fontes digitais. Tal pro-

178 • Professoras/es da educação básica


cedimento deve ocorrer tomando cuidado “com o método de leitura
dos meios de comunicação e do uso da informática, de maneira que se
propicie uma análise crítica das informações e do próprio suporte de
comunicação” (Bittencourt, 2011, p. 109).

O processo de depuração dos suportes informativos (componen-


tes da indústria cultural que produzem informações direcionadas a
educação com linguagens e técnicas próprias, buscando públicos es-
tratégicos) e dos documentos (signos visuais ou textuais produzidos
sem intenção didática), passa por transforma-los em materiais didá-
ticos, através da ação ativa do professor, que seguindo critérios siste-
máticos e visando objetivos pedagógicos claros, consegue identificar
vínculos e intencionalidades, convertendo dispositivos da indústria cul-
tural em agente de conhecimento. Esse procedimento está associado
a habilidades e competências indispensáveis a cidadania no mundo
contemporâneo e, portanto, devem ser apropriadas pelos estudantes,
senão corremos o risco de perpetuarmos uma relação de tutela inte-
lectual acrítica e imobilizadora. Para esse sentido, podemos seguir o
repertório do ensino e pesquisa do tempo presente, que de modo pa-
radoxal, possibilita a libertação do sujeito da sua imersão paralisante
do/no tempo presente, propiciando ver os acontecimentos e objetos na
sua historicidade (Theodoro, 2010; Bittencourt, 2011; Cerri, 2011).

O processo metodológico de análise dos documentos é organiza-


do por Bittencourt (2011), em três níveis. O primeiro sobre a existência
do documento em si: onde devemos indagar porque esse documento
existe? Quem o produziu? As circunstâncias de produção, o segundo,
sobre o significado do documento como objeto: nos perguntando para
que produziram o documento? Quais as relações de produção que o
envolve? O que comanda sua existência, sua pertinência? Por fim, o
significado do documento como sujeito: questionando por quem fala
o discurso presente no documento? Qual o sentido de ação e significa-
dos propagam as informações? O que garante sua propagação como
lugar de memória? Em que consiste seu ato de poder? A incorporação
desses procedimentos ajuda a sanar algumas reclamações, vindas dos
alunos, a respeito de dúvidas no momento de buscar informações na
internet, possibilitando uma ação autônoma e crítica, fundamental no
contexto do ensino remoto, onde o professor não pode atuar de manei-
ra mais enfática e personalizada em função dos distanciamentos.

179 • História pública em movimento


Foi refletindo justamente nesses distanciamentos e ausências dia-
lógicas que propomos o segundo eixo de abordagem para o ensino
remoto, dessa vez, assentado sob aspectos afetivos e simbólicos, que
consideramos indispensável para a atuação docente, especialmente
durante a pandemia, momento de isolamento, medo e tristeza. Con-
siste em nutrir as sensibilidades, como nos incita a refletir Décio Gatti
Júnior (2015), ao escrever sobre a Sensibilidade como condição para
o diálogo no Ensino de História. O autor se propõe a pensar como as
sensibilidades poderiam estar relacionadas aos discentes e docentes
no processo de ensino, nesse sentido, sua proposição concebe as sensi-
bilidades como mecanismo fundamental e indispensável para a cons-
tituição da aprendizagem.

Gatti Júnior (2015), estrutura seu pensamento partindo da noção


de compreensão empática de Dilthey, que observa e identifica nas di-
versas épocas e sociedades, um imperativo humano buscando sempre
a expressão e a compreensão, numa relação de comunicação entre os
diferentes, permitindo conceber um “sentido histórico” aberto e ma-
leável, rejeitando igualmente a concepção de um sujeito totalmente
desenraizado e descontextualizado. Nessa trilha que observa certa dia-
logicidade intrínseca ao ser humano, encontramos também Jean-Jac-
ques Rousseau (1712-1778), com seu conceito de perfectibilidade huma-
na que prevê nos sujeitos o ímpeto e a capacidade de aperfeiçoamento
constante, levando-os a ter permanentemente o horizonte aberto ao
diálogo e a mudança.

A ausência de uma comunicação efetiva levaria a situações extre-


mas, como observa Tzvetan Todorov (2003) ao escrever sobre a Conquis-
ta da América e a questão do outro, onde o contato entre identidades e
culturas distintas, com representações cosmológicas e linguísticas tão
afastadas, que impossibilitou um diálogo recíproco culminando na ex-
clusão do outro (Todorov, 2003; Gatti Júnior, 2015).

As ideias do filósofo Martin Buber (1868-1965), também apresen-


tam diálogos profícuos para evidenciar a importância das sensibilida-
des na dinâmica educacional. Esse autor orienta para a importância e
a necessidade de uma conversação autêntica, atitude que levaria ao
rompimento da solidão em um momento do reconhecimento do ou-
tro. Assim, “Para Buber, há duas dimensões importantes em relação
ao sujeito, a do Eu-Tu (relação) e do Eu-Isso (experiência)” (Gatti Júnior,

180 • Professoras/es da educação básica


2015, p. 294). Interessa, desse modo, que os homens se tornem cons-
cientes uns dos outros, não os reconhecendo apenas como objetos,
salienta Gatti Júnior (2015). Nesse ímpeto, Buber caracteriza três neces-
sidades para a existência de uma conversação autêntica:

1) Os sujeitos apresentarem-se sem reservas, sem preocupações


com a imagem que querem apresentar ao interlocutor (…); 2)
“Tornar o outro presente”, sem transformá-lo em objeto (…); 3)
Evitar a tendência à imposição, tendo, em contrapartida, uma
postura de abertura. (Gatti Júnior, 2015, p. 296)

Os requisitos apontados por Buber é um convite a exercermos, em


nosso fazer diário, enquanto docente essa sensibilidade, guiada para
uma conversação aberta e autêntica, sem nos preocuparmos com
olhares atravessados, sem preconcepções, procurando sentir a pre-
sença do outro em sua subjetividade e especificidade, evitando uma
postura arrogante e impositiva. Convida-nos a uma relação recíproca e
dialógica, baseado na proposição de presentificação do Eu-Tu, preser-
vando as alteridade e identidades (Gatti Júnior, 2015).

Em síntese, a possibilidade de ter uma História sempre indefi-


nida, em Rousseau; a compressão empática em Dilthey; as difi-
culdades de comunicação apontadas em Todorov e a busca de
uma conversação autêntica em Buber, de algum modo, tomadas
em seu conjunto, contribuem para a formulação de uma ideia de
sensibilidade que possa ser útil. (Gatti Júnior, 2015, p. 297)

Com o distanciamento provocado pelo ensino remoto, modalida-


de que muitas vezes desumaniza, objetifica e precariza, devemos bus-
car uma sensibilidade que vá além da sua concepção tradicional (sentir
compaixão pelo outro), pratiquemo-la como uma relação dialógica de
conversação autêntica e recíproca, de reconhecimento mútuo. Essa
postura aliada a mecanismos de criticidade frente as informações dis-
seminadas nas redes, são saídas possíveis e parciais para enfrentarmos
as complexidades do ensino remoto.

Ao iniciarmos esses diálogos objetivávamos discutir os limites da


pós-modernidade na educação, partindo dos efeitos da pandemia para
a educação no Acre, trazendo para a reflexão alguns apontamentos
metodológicos para o ensino remoto. Contudo, sempre esteve em nos-

181 • História pública em movimento


so horizonte de contemplação, a plena noção das limitações, parcia-
lidades e transitoriedades que circundam esse empreendimento, em
decorrência do caráter lacunar e localizado dos dados extraídos para
conclusões, por se tratar de eventos ainda em desdobramento e tam-
bém pelas próprias especificidades desse texto.

Apesar disso, podemos notar nas falas trazidas por Albuquerque


Júnior, (2010), ao indicar a possibilidade de as novas mídias substituí-
rem a escola e os professores, tornando-os acessórios substituíveis,
uma concepção fechada sobre a escola, olhando-a como lugar restri-
to aos seus próprios muros, imune a qualquer influência externa, algo
que contrasta da noção de cultura escolar, que lhe atribuí um caráter
transversal, espaço de negociações e disputas, um verdadeiro entron-
camento sintético dos discursos e vivências propagados socialmente
(Monteiro, 2007). Portanto, é perfeitamente concebível uma articula-
ção e integração entre a escola e a nova cultura das mídias, assim como
ocorreu com a televisão, tida durante muito tempo como concorrente
a escola (Bittencourt, 2011). Essa aproximação deve ocorrer tomando
cuidado com as armadilhas decorrentes das facilidades informativas
da atualidade, atentando para a importância das representações, sen-
sibilidades, afetividades e dialogicidade, cautela que devemos observar
seja no ensino presencial ou remoto.

Por outro lado, as experiências no ensino remoto, apontam para as


limitações da sociedade em rede, que muitas vezes personifica um in-
dividualismo extremado, crente na racionalidade individualista do Isso,
subvalorizando os espaços de sociabilidade públicos e outras dimensões
humanas (sensibilidades e afetividades) determinantes em detrimento
da racionalidade técnica. O desempenho abaixo da média e o baixíssimo
engajamento nas aulas, mesmo com acesso garantido, demonstra que
a frieza das mídias não garantiu a sociabilidade tampouco aprendizado
aos alunos, como propagava Albuquerque Júnior (2010).

O trabalho educativo na pandemia enfatizou a importância do


contato, do diálogo, da sensação de sentir o outro presente, das sensi-
bilidades, da dimensão afetiva do ser humano, não por acaso, quanto
maior a distância ocasionada por estratégias de ensino remoto (envio
de roteiros estruturados) mais são reincidentes as reclamações de alu-
nos e professores, que preferem relações diretas e sincrônicas. As rela-
ções dialogais e de alteridade não devem ser silenciadas, pois a vivên-

182 • Professoras/es da educação básica


cia contemporânea favorece contatos e cruzamentos, com formas de
identidade e sociabilidades totalmente distintas, necessitando cons-
tantemente de uma comunicação aberta e recíproca. E, portanto, não
há melhor lugar para favorecer o diálogo e experiência da diferença
que o ambiente escolar não virtual.

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tora Unesp, 2014.

184 • Professoras/es da educação básica


QUAIS OS DESAFIOS
DO TRABALHO COM
NARRATIVAS DE DOR NO
ENSINO DE HISTÓRIA?
Carina Martins Costa, Fernanda Kelly do Espírito Santo Silva,
Isadora de Melo Costa, Natália da Silva Oliveira,
Paulo César de Sales Coelho Dias Coelho e
Raphael Garcia Pinto de Barros
Coletivo Estágio História UERJ

Escrever sobre memórias e narrativas de dor é muito difícil em


um ano em que elas parecem se acumular. Nesse exato momento, o
Brasil possui o maior número de mortes diárias do mundo na pande-
mia da Covid-19. Além disso, o noticiário, diariamente, nos alerta sobre
o desmantelamento de direitos e debates garantidos pela Constitui-
ção de 1988. Nesse contexto, ser professor/a é sofrer ataques de movi-
mentos como Escola sem Partido; estar sem norte por um Ministério
da Educação inoperante; resistir à pressão pelo retorno da educação
básica sem medidas protetivas e vacinação. Um cenário que gera so-
brecarga de trabalho, cansaço ao lidar com o ensino remoto e preca-

185 • História pública em movimento


rização das condições de atuação. Por outro lado, ser professor/a, em
2021, é aprender novas técnicas; abrir a escola para sentidos radicais de
educação; costurar novas formas de exercitar o ofício de forma mais
coletiva e criativa. É estender as mãos para estudantes, abrir as telas
de mundos particulares e, como habitual, criar, inventar, movimentar,
produzir leituras de mundo e esperanças. É escrever e refletir sobre as
experiências e as produções.

O cenário em que se deu a produção de roteiros pedagógicos so-


bre a memória de Marielle Franco parece, ao olharmos pelo retrovisor,
um ponto de virada na política nacional que já prenunciava o fortaleci-
mento das milícias, do autoritarismo, do armamentismo, da defesa da
exclusão do “inimigo” a qualquer preço, do silenciamento e da violên-
cia contra mulheres.

Em 2018, Marielle Franco, vereadora eleita pelo município do Rio


de Janeiro, cientista social, favelada, negra e lésbica, foi brutalmente
exterminada ao lado de seu motorista, Anderson Gomes. Era o início
de um semestre letivo na UERJ e decidimos, coletivamente, trabalhar
com essa memória de dor na tentativa de traçar um diálogo com o
patrimônio e a cidade.

Isso porque um momento crucial da história política brasileira en-


sejou ultrapassar compreensões curriculares tecnicistas (ou dissocia-
dos do tempo presente) em prol de um aceno a outras políticas públi-
cas que, ainda, reverberam pouco na formação docente, tal como as
Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (2012).

Pennycook (2006) lembra que a transgressão e a hibridização


funcionam como resistência e cruzamento dos limites opressores de
gênero, raça e classe. O pensamento crítico seria uma bússola capaz
de navegar por outros pontos do mapa. A formação do/a professor/a
de História, atrelada ao tempo presente, produz profícuos diálogos
com os cenários de aprendizagem, além de salientar uma dimensão
do saber docente que nos parece fundamental: o “agir sobre os ou-
tros” (Dubet, 2002).

Dubet (2002) analisa que os profissionais que atuam sobre os ou-


tros, como, por exemplo, psicólogos, médicos, enfermeiros e professo-
res, participam da socialização dos indivíduos, transformando juízos,
modos de agir, autoimagens e identidades, atuando, assim, na for-

186 • Narrativas de dor


mação de subjetividades, na fixação de consensos e na internalização
das normas sociais.

Analisarmos uma experiência docente traz a complexidade dessas


artes de fazer e das formas de mediação que lhes dão suporte, apesar
de ser um ato criativo, ancorado por um diálogo entre múltiplos sabe-
res (Tardif, 2002). Jorge Larossa Bondía contribui com a nossa reflexão
quando afirma que “a experiência é o que nos passa, o que nos acon-
tece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que
toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos acontece” (2002, p. 17).

Nesse sentido, a experiência de planejamento docente aqui relata-


da e analisada de forma polifônica nos aponta para um processo, um
percurso, que visou internalizar, transmutar e criar a partir de um fato
muito significativo para a comunidade interpretativa de professores/as
em formação em História pela UERJ.

A proposta de explorar a cidade, itinerários e roteiros já vinha sendo


exercitada nos Estágios Supervisionados na Licenciatura de História.
Impressionava-nos as falas de estudantes de que não havia importân-
cia histórica em seu bairro ou território formativo, tendo em vista que
a disciplina era oferecida no último ano do curso e que os conceitos de
memória, História e patrimônio já deveriam ter sido exaustivamente
trabalhados na universidade.

Tim Ingold (2015), em sua provocação sobre caminhar, imaginar e


educar a atenção a partir da cidade, lembra-nos que “se você é educa-
do para saber demais sobre as coisas, há o perigo de ver seu próprio
conhecimento ao invés das coisas em si” (2015, p. 19). Esse foi um dos
desafios da pesquisa-ação proposta. Era fundamental que os/as profes-
sores/as em formação percorressem a cidade com olhos de ver, aten-
tos/as à produção de memórias e esquecimentos sobre Marielle Franco
e as lutas que representava.

O mesmo autor nos sinaliza que “há muitas maneiras de caminhar,


e nem todas nos levam para fora” (Ingold, 2015, p. 24) e constrói, assim,
sua argumentação que diferencia “labirintos” marcados por escolhas,
pela atenção aos pequenos sinais e pela ênfase na trajetória de “déda-
los”, indicados por múltiplas escolhas e ênfase no objetivo da chegada.
De acordo com Ingold,

187 • História pública em movimento


Entre navegar no dédalo e vagar no labirinto está toda a diferen-
ça entre os dois sentidos de educação (…): por um lado, a indu-
ção (trazer para dentro) do aprendiz às regras e a ex-dução (levar
para fora) do aprendiz no próprio mundo, conforme ele se lhe
apresenta atrás da experiência. (Ingold, 2015, p. 28)

Caminhar pela cidade era, portanto, a proposta do planejamento,


que se efetivou no primeiro semestre de 2018. Observar o que aparecia,
o que desaparecia, ver as “flores do asfalto” (Siman, 2013). Andarilhar
como uma forma de produzir presença, estar em vulnerabilidade.

Ocorre que esse exercício envolvia narrativas de um trauma con-


temporâneo em meio à produção dos planejamentos e materiais pe-
dagógicos. Seligmann-Silva (2008) aponta como nos trabalhos de me-
mória com traumas há uma necessidade absoluta de testemunho, que
envolve uma condição mesmo de sobrevivência, com implícita dialogi-
cidade. Era necessário, portanto, escutar os/as professores, muitos de-
les/as próximos a Marielle ou às suas lutas. Uma escuta difícil e dolorosa
cujos relatórios de estágio individuais em formato escrito ou audiovi-
sual ganharam destaque.

Cabe-nos destacar que Marielle Franco não era somente uma figu-
ra pública para a nossa comunidade universitária, mas também com-
panheira de trabalho e de militância, inclusive em defesa da própria
UERJ. A vereadora esteve presente em diferentes atos na universidade,
o que ampliava a identificação pela pauta em comum. Em um dos re-
latórios finais, pudemos observar relações de amizade e trabalho com
Marielle Franco, a exemplo do depoimento de Pablo Ribeiro (2018):

Sou filiado ao PSOL desde 2013, e hoje sou membro do Dire-


tório Estadual do partido. Nesses anos de vida partidária dividi
diversos espaços com Marielle; me lembro da decisão de lançar
Mari à vereança na cidade (…). Estava acompanhando as elei-
ções municipais na Baixada, em Nilópolis, e fui de trem para
o comitê do partido onde tradicionalmente acompanhamos a
apuração. Do meu celular, ao ver a parcial, meu sorriso saltou
e enviei mensagem para Mari: “Vamos conseguir!”. E consegui-
mos. (Ribeiro, 2018, p. 11)

A proximidade com a vereadora também é explícita no relatório de


Roberta Moreira:

188 • Narrativas de dor


foi uma época muito doída, somada a dor da perda vinha a dor
das mentiras. Quem conhecia Marielle e sua luta morria um pou-
co a cada palavra de ódio cuspida em redes sociais, em conversas
de corredor, em filas de mercados… Se para nós, que conhecía-
mos Marielle da militância, estas ações eram terríveis, não consi-
go imaginar como foi para a família dela. (Moreira, 2018, p. 4)

Dessa forma, o planejamento foi cuidadoso e permitiu que os gru-


pos explorassem diferentes caminhos para a produção de roteiros e
materiais pedagógicos a partir do luto que se abateu em toda a turma.
Em outra oportunidade, construímos uma reflexão sobre o processo a
partir da avaliação das percepções e análises dos/as professores/as em
formação. Para pensar a questão do trauma e a articulação com pro-
postas educativas, selecionamos, dentre os cinco roteiros produzidos,
este trabalho que também atuou como mediador de traumas na es-
cola, em cujo muro foi pichado “LUTO”. De dor em dor, de luta em luta,
procuramos pensar potencialidades e constrangimentos para o ensino
de História na direção das questões vivas ou sensíveis.

MARIELLE, PRESENTE!
O trabalho escolhido para ser apresentado aqui teve como intui-
to inicial propor um roteiro que contemplasse a memória da perso-
nagem histórica Marielle Francisco da Silva levando em consideração
suas ações políticas e pautas durante o curto mandato na Câmara dos
Vereadores do Rio de Janeiro. Além de escrever e produzir material pe-
dagógico em suportes diversos para embasar o roteiro, foram criados
livretos, cartilhas, redes sociais, jogos e fichas didáticas.

Marielle Franco ganhou dimensão nacional e internacional, sendo


elencada como símbolo de resistência para muitos, enquanto, para ou-
tros, somente mais uma vítima da violência urbana. Seu nome foi com-
partilhado, mas nem sempre sua força valorizada, sendo ressoante, no
entanto, nos movimentos políticos e sociais. Seu nome foi levado ainda
pela mídia, pelo luto, pela luta e pelas manifestações, a distintos locais.
Inclusive a locais que, embora distantes de seus principais pontos de
atuação, presenciam uma das primeiras identidades políticas de Ma-
rielle: a de favelada. Essa é a condição da maior parte dos alunos matri-

189 • História pública em movimento


culados na Escola Municipal Brigadeiro Faria Lima, público-alvo ao qual
se destinou este roteiro pedagógico.

Torna-se necessário compreender, de modo breve, a própria locali-


zação da escola em questão, pois, segundo Paulo Freire, há uma gran-
de importância nos locais informais de ensino e aprendizagem. Nas
“ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios
dos recreios”, há variados gestos que “se cruzam cheios de significa-
ção”, ocorrendo uma “natureza testemunhal nos espaços tão lamenta-
velmente relegado das escolas” (Freire, 2002, p. 49-50).

A EM Brigadeiro Faria Lima foi inaugurada em abril de 1974. Atual-


mente, atende cerca de 500 alunos do ensino fundamental. Localiza-se
na Rua Violeta, sem número, no bairro de Água Santa, subúrbio da ci-
dade do Rio de Janeiro. A unidade escolar divide o quarteirão com um
presídio de segurança máxima. O presídio Ary Franco foi inaugurado
em setembro de 1974, ou seja, concomitante à construção da Escola.
Tem capacidade para 958 detentos, todavia abriga quase dois mil pre-
sos. A população prisional é atualmente masculina.

O direito à vida, tão cara e primária na luta por direitos humanos,


intervém na fachada da escola e ressignifica não somente os desenhos
oficial e artisticamente pensados para representar a Escola, mas os
seus próprios alunos e a relação que esses apresentam com seu en-
torno. Em seu muro, lemos a palavra “LUTO”. Embora não se refira a
uma situação específica, permite-nos perceber como essa dimensão
da vida humana também movimenta esses estudantes, proporcionan-
do intenções na arte e nas identidades coletivas, como na memória
de Marielle Franco que, muitas vezes, torna-se parte do cotidiano e do
local de passagem, sem questionamento e intervenções, transforman-
do-se, infelizmente, em apagamentos, uma vez que, nas relações entre
memória e esquecimentos existem relações de poder. Ou, como coloca
Mário Chagas, “o poder é semeador e promotor de memórias e esque-
cimentos” (Chagas, 1997, p. 36), o que torna ainda mais importante pen-
sar o público-alvo dessa escola.

Portanto, visamos elaborar um roteiro pedagógico destinado a estu-


dantes do 9º ano da EM Brigadeiro Faria Lima, em sua maioria, morado-
res de favela ou arredores, que sofrem com as inúmeras operações poli-
ciais que não somente suspendem períodos de aula, mas, muitas vezes,

190 • Narrativas de dor


vidas, de modo autoritário e brutal com as inúmeras marcas de violência
militar. Em especial, nas trocas de tiros relacionadas ao combate ao trá-
fico de drogas nos arredores da Escola e nas comunidades de entorno.

Chamamos especial atenção para essa localidade, ainda, por se


situar a uma quadra de distância do local da brutal execução da estu-
dante de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Matheu-
sa, colocando em voga não só a temática da violência “tradicional” ca-
rioca, mas também àquelas relacionadas à comunidade LGBT, pauta
cara à Marielle.

Diante disso, o roteiro pedagógico elaborado teve como objetivo


apresentar aos estudantes do 9º ano o centro do Rio de Janeiro, mais
precisamente, a Cinelândia, como local de resistência, palco de lutas
por justiça e democracia, além de sediar a Câmara de Vereadores. Im-
portante destacar que tal lugar de disputa política não pertence à rea-
lidade da maioria desses alunos, seja devido à razoável distância física,
seja à descrença de um futuro melhor, na escala de suas subjetivida-
des. Como nos lembra Freire, “há uma pedagogicidade indiscutível
na materialidade do espaço” (Freire, 2002, p. 50) que, ao nosso ver, de
modo algum deve ser silenciada a esse público tão peculiar.

Uma “educação em direitos humanos”, como defende Marco Mon-


daini, é tão importante para os alunos que lidam com esse tema em
sala de aula, como também imprescindível para a formação destes
como sujeitos de direitos. Especificamente para sua afirmação como
cidadão, pois sem o reconhecimento de seus direitos e da consciência
crítica que estimulem a continuidade da luta, “o estudante dificilmen-
te poderá ultrapassar as barreiras existentes à sua inclusão numa co-
munidade política” (Mondaini, 2009, p. 57).

Ao elaborar o roteiro pedagógico nos pautamos, dessa maneira, na


necessidade de ampliar o conceito de patrimônio e cidade, compreen-
dendo as ruas e suas memórias e cicatrizes como museus a céu aberto.
Tal perspectiva auxilia o entendimento, ainda, dos apagamentos em
torno da memória já que, ao percorrermos as ruas do Rio de Janeiro,
percebemos diferentes formas de preservação e de silenciamento de
Marielle Franco. Ela, assim como tantas outras vítimas, foi refém do sis-
tema que, como dizia a mesma, prioriza um “Estado Penal que, pelo
discurso da ‘insegurança social’, aplica uma política voltada para a re-

191 • História pública em movimento


pressão e controle dos pobres” (Franco, 2014, p. 13). Essa leitura da reali-
dade mostra-se crítica e motivo de múltiplas tensões.

Sua análise da realidade foi não somente vista e estudada em sua


dissertação de Mestrado (Franco, 2014) e experienciada em sua própria
vivência pessoal, mas encontra-se presente na realidade de muitos es-
tudantes, como é o caso dos que estudam e/ou moram em Água San-
ta. Assim, partindo de inquietudes da turma – “Quem foi Marielle?”; “O
que são direitos humanos?” e “O que conhecemos sobre nossa própria
realidade e meios de exercermos nossa cidadania?” – adentramos ao
centro da cidade, local de disputa, tensão política e história.

Em um primeiro momento, como atividade de pesquisa, fomos às


ruas e documentamos pichações, grafites e cartazes colados na parede
da Praça Marechal Floriano Peixoto. Na saída do metrô, apreendemos
intervenções como “Marielle, filha da luta”; “Marielle presente”; “Quem
matou Marielle?”; “O Estado mata” e “Eu sou, porque nós somos”, co-
muns nas falas e em atos políticos na defesa das minorias.

No Teatro Municipal, é interessante notar que as intervenções fo-


ram feitas não na sua fachada, mas sim nas placas de orientação de
ruas e trânsito. Nelas, pudemos ler, por exemplo, uma intervenção bas-
tante distinta: “Marielle vive”.

Por último, aos arredores da Câmara, o material documental cap-


turado torna-se ainda mais peculiar. As marcas do silenciamento dei-
xam clara a tentativa de apagamento daquilo que não se mostrava
compatível com o discurso de determinado local ou instituição. Dentre
letras apagadas e turvas, palavras de ordem tornam-se ainda mais en-
fáticas: “Marielle é semente!”; “Marielle e Anderson presentes agora!” e
“Quantas pessoas precisarão morrer para que essa guerra aos pobres
acabe?”. Frases que explicitam a vontade de justiça e críticas em rela-
ção à ação do governo.

No Tribunal da Justiça, a leitura quanto aos direitos humanos mos-


tra-se distinta: nenhum silenciamento, nem intervenções não-insti-
tucionais. Nesse local, encontramos uma exposição que apresentava
uma crítica à política como violência, que se torna latente, ainda que
não fosse utilizada diretamente em relação à memória da Marielle.

No entanto, é necessário salientar que o apagamento de pichações

192 • Narrativas de dor


e de cartazes outrora presentes em prédios públicos não representou
as únicas marcas de silenciamento encontradas na pesquisa. Embora
menos recorrentes, as placas desses estabelecimentos demonstram
que o reavivamento de memórias pode ser eloquente também. Esse é
o caso da intervenção que muda, pelo menos simbólica e fisicamente,
o nome da própria Praça Marechal Floriano Peixoto para Praça Marielle
Franco, por meio da placa sobreposta.

A TESSITURA DO PLANEJAMENTO:
DA ANDARILHAGEM À PRODUÇÃO COCRIADA
Partindo dessas inquietudes, visamos explorar no material ela-
borado para uma turma do Ensino Fundamental, seja pela visita, seja
pela produção de material didático, a identidade local e o caso Marielle
como forma de resistência, criação de lugares de memória e do conflito
entre os diferentes discursos oficiais e não-oficiais acerca da realidade
carioca que atravessa, outrora denominada, Praça Marechal Floriano
Peixoto, na Cinelândia.

Os eixos de exploração desse trabalho pautam-se, assim, no ques-


tionamento em relação à existência ou não da garantia aos direitos hu-
manos no tocante a tensão de um Estado que, em muitas vias, “é au-
sente no que diz respeito aos direitos sociais e humanos, mas presente
pela repressão” (Franco, 2014, p. 10-3).

A metodologia do roteiro baseia-se no que os autores decoloniais


chamam de perspectiva não-hegemônica. Assim, buscamos chamar
atenção dos estudantes do Ensino Fundamental para locais que, em-
bora silenciados, falam muito de uma memória e história, que tanto
nos auxiliam na compreensão das próprias identidades locais dos estu-
dantes, quanto nos possibilitam alcançar novos horizontes de esperan-
ça e luta pela justiça e pela cidadania.

A primeira etapa do roteiro foi pensada a partir do quarteirão da


EM Brigadeiro Faria Lima. Nesse local, o objetivo foi indagar e refletir
junto com os estudantes sobre a história do bairro, a ideia de fonte
histórica e os distintos discursos de uma dada realidade. Os escritos
no próprio muro do presídio – “Reeducar para um futuro conquistar”

193 • História pública em movimento


– e na escola – “LUTO” – serviram de ponto de partida para os questio-
namentos nesse primeiro momento. Afinal, como apontam Andréia
Bernardi e Júnia Pereira:

O emblema da educação na cidade e, mais do que isso, da edu-


cabilidade das cidades, convida-nos à análise dos limites e ex-
pansões verificadas no favorecimento da apropriação cultural
pelos processos educativos – na escola e fora dela. (Bernardi &
Pereira, 2013, p. 284)

Assim, que local é esse e que futuro os estudantes podem almejar


em um local em que o “LUTO” está registrado na própria fachada da
escola? A ideia de futuro para alguns é negada? Essa inquietude, como
outras, transformada em problematização, pode se ampliar ao nos di-
rigirmos a um local marcado historicamente como palco de manifes-
tações políticas e populares a respeito dos direitos humanos. Aqui, as
reflexões ganham outra nuance: “Como buscar meus direitos e mudar
quadros de opressão?”; “Eu sou um sujeito histórico e cidadão ativo na
minha sociedade?”. Criam-se novas cartografias a partir das experiên-
cias dos estudantes.

Durante o percurso de deslocamento, pretendemos inquietar ain-


da mais os alunos. Sugerimos uma espécie de caça ao tesouro. Am-
bientalizamos a Praça Marechal Floriano e seus principais prédios. A
primeira visita guiada foi planejada dentro da Câmara Municipal. Lá,
perguntaremos aos alunos o que eles compreendem como “Direitos
Humanos” e pediremos para que cada um procure na Câmara Munici-
pal quadros, locais, salas e outros que nos possibilitem a compreensão
desse viés. O nosso objetivo é que os alunos não somente se inquietem
com a ausência desse direito de modo explícito (ou de modo simbóli-
co), como também possam reconhecer o que é privilegiado no discur-
so temático da própria Câmara. Nesse contexto, a ideia é utilizar ima-
gens que nos permitirão auxiliar na própria reconstrução do local como
meio de manifestação popular em busca de direitos.

Feito isso, ouviremos a opinião dos alunos, os deslumbramentos


e as inquietudes dessa visita guiada ao interior da Câmara permea-
da com discursos próprios da instituição. Regressaremos, novamente,
para o prédio da Câmara Municipal e, diante da fachada, faremos no-
vamente a pergunta, ou seja, o que eles compreendem como Direitos

194 • Narrativas de dor


Humanos. Dessa vez, esperamos sensibilidade e um viés crítico desses
alunos como verdadeiros detetives do passado. Perguntas serão feitas
tais como: “Qual a diferença do discurso oficial da instituição e as inter-
venções feitas pela população?”; “Que população seria essa?”; “Ela está
dentro do discurso priorizado pela visita guiada ao interior da Câmara?”.

Enfim, nesse momento, procuraremos rememorar as pinturas, lo-


cais e quadros – sobretudo aqueles de militares – da Câmara Municipal
e suas distinções ao discurso das ruas. A compreensão identitária tam-
bém se mostra de suma importância, afinal, em que discursos esses
estudantes se encaixariam?

Nesse momento, uma nova caça ao tesouro poderá ser acionada.


Porém, dessa vez, a ideia é a busca de um item síntese desses dois dis-
cursos que enfatize a relação de poder da rua com a Câmara. Uma caça
às manifestações e discursos externos da Câmara e, de certa medida, da
Praça. Caberá, nesse momento, refletir, também, sobre o valioso lugar
das praças, lugares “de passagem, de encontro, de difusão” (Bernardi &
Pereira, 2013, p. 295). Trata-se justamente de indagar os alunos sobre os
sentidos das intervenções colocadas e, sobretudo, promover a leitura
dos patrimônios e das fontes: “Por que algumas intervenções são reti-
radas e outras não?”; “Que Cinelândia se quer mostrar? E para quem?”.
Assim, por meio de perguntas, pretende-se enfatizar a placa de orienta-
ção espacial trocada para o próprio nome da vereadora Marielle Franco.

O último ponto do roteiro traçado foi a exposição temporária do


Tribunal de Justiça: “Convergências: a poesia visual de Tchello de Bar-
ros”, uma coletânea de poemas visuais, além de alguns poemínimos,
alfabetos criptográficos, ideogramas ocidentais e escritas assêmicas,
tendo como curadora responsável Sady Bianchin. Nela, política e polí-
cia mostram-se em um diálogo que não auxilia o combate da violência,
mas fomenta novas opressões.

Nesse viés, buscamos enfatizar a ideia plural do local da Cinelândia


e ratificar a ideia de que nesse local há uma nova leitura da realidade
que se distancia do da Câmara Municipal e que só não foi apagada,
ou retirada, por ser uma leitura institucional. Porém, cabe-nos pensar:
“Quais as tensões entre os três discursos?”; “Que leitura da realidade ele
nos aponta?”; “Essas leituras sugerem manifestações ou, como dizem

195 • História pública em movimento


alguns, sugere um clima de harmonia entre os diferentes segmentos
sociais e políticos?”.

Ao construir o roteiro pedagógico, tivemos algumas dificuldades


a serem enfrentadas. Em primeiro plano, destacamos a definição de
um público-alvo específico, uma vez que as questões abordadas são
de grande importância e podem ser debatidas em diversos níveis. Ao
surgir a ideia de falar para turmas de uma determinada escola, procu-
ramos relacionar a realidade desses alunos ao tema do roteiro, fazendo
com que eles pudessem refletir criticamente sobre o espaço no qual
aprendem e como se relacionam com outros locais próximos.

A discussão sobre qual eixo abordar também trouxe obstáculos e


aprendizados para o grupo. Como Marielle Franco representava diver-
sas pautas e reivindicações, escolhemos o eixo dos Direitos Humanos
relacionando-o ao direito à cidade justamente por ser uma pauta que,
em alguma medida, pode englobar diferentes demandas e vozes. O
grupo aprendeu bastante no cenário do roteiro pedagógico, um espa-
ço de diversas manifestações e de prédios importantes nos quais Ma-
rielle esteve presente. A escolha dos locais não foi difícil, ainda que os
tenhamos restringido por questão de tempo.

Sem dúvida, a maior dificuldade e também o maior aprendizado


se deu na documentação de intervenções artísticas na cidade. Dadas
às circunstâncias e à proximidade do assassinato de Marielle, diversas
pinturas, cartazes e grafites se espalharam pela cidade pouco tempo
depois do ocorrido. Entretanto, três meses depois, esses registros fo-
ram vistos com menos frequência, e a tendência é que as intervenções
diminuam, uma vez que o apagamento – intencional ou não – convive
também com a lembrança. Ainda assim, foi possível o registro de uma
boa quantidade de imagens nas visitas aos locais de roteiro; imagens
essas que poderão ser utilizadas no diálogo com os alunos do Ensino
Fundamental. Por conta disso, o próprio roteiro sempre terá que ser
atualizado, tendo em vista essa dinâmica do esquecimento e apaga-
mento, colocando sempre novos desafios para quem for usá-lo.

Por fim, podemos concluir que, apesar das dificuldades, um dos


muitos aprendizados que tivemos foi sobre a importância de se discutir
a cidade que queremos para o futuro. Como a própria Marielle Franco
ponderou em sua dissertação, a disputa entre uma cidade-mercadoria

196 • Narrativas de dor


voltada para o lucro e uma cidade de direitos se fez presente nos últi-
mos anos. O centro da cidade é, portanto, um local excelente para se
colocar em pauta tais debates, tendo sempre em vista a realidade dos
alunos para os quais esse roteiro se destina.

CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES DE REFLEXÃO


Percorremos como andarilhos um território ao mesmo tempo co-
nhecido e desconhecido. Transitamos por nossos espaços de formação
– UERJ e EM Brigadeiro Faria Lima. Transitamos por nossas residências
e centro da cidade. Fomos a pé, de metrô, de trem, de carro. Nesses
percursos, olhares individuais se cruzaram e formaram uma tessitura
que produziu o roteiro pedagógico a partir de memórias de dor, expe-
riências e saberes diversos.

Zygmunt Bauman, em seu diálogo sobre educação e juventude,


aponta que “o ensino de qualidade precisa provocar e propagar a aber-
tura, não a oclusão mental” (Bauman, 2013, p. 25) em um cenário mo-
vente em que os atos de escolher são dolorosos e as certezas ficaram
para trás. A execução de Marielle Franco dói por vários motivos, mas
um deles é interromper uma trajetória na qual as escolhas de fortale-
cimento do estudo, de exercício da cidadania e de intervenção perma-
nente na realidade pareciam indicar um caminho promissor. Ao evocar
essa biografia, lembramos uma vez mais das palavras de Bauman so-
bre “carvalhos e bolotas minúsculas”, texto no qual reforça que

Se é verdade (e é) que cada conjunto de circunstâncias contém


algumas oportunidades e seus perigos, também é verdade que
cada qual está repleto tanto de rebelião quanto de conformismo.
Não nos esqueçamos de que toda maioria começou com uma
pequenina, invisível e imperceptível minoria. E que mesmo car-
valhos centenários desenvolveram-se a partir de bolotas ridicula-
mente minúsculas. (Bauman, 2013, p. 28)

O trabalho apresentado, fruto de muitas mãos e corações, envolve


também reverenciar a ideia de semente de Marielle Franco. Que nossas
ações em cursos de formação e em salas de aula possam ser bolotas
em prol de uma floresta diversa e multiperspectivada de carvalhos, ou

197 • História pública em movimento


lembrando Rubem Alves (1980), jequitibás em contraponto à produção
de eucaliptos enfileirados que as políticas públicas atuais, ancoradas
em uma frágil e anacrônica concepção de Base Nacional Comum Cur-
ricular, querem incentivar. Como sementes, enraizaremos nas memó-
rias de luta para, no futuro, brotarmos com vigor e propiciar sombra e
alento para os que vierem.

REFERÊNCIAS
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1980.
Barros, R. G. P.; Coelho, P. C. S. D.; Costa, I. M.; Oliveira, N. S.; Silva, F. K. E S. Marielle
presente! Educar para a memória, resistência e cidadania. Trabalho Final
apresentado na disciplina de Estágio Supervisionado II (Graduação em Histó-
ria). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2018.
Bauman, Z. Sobre educação e juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
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Tardif, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,
2002.

198 • Narrativas de dor


POSFÁCIO:
QUANTAS PERGUNTAS MAIS?
Ricardo Santhiago

“E hoje olha os mano.”


(Caetano Veloso)

Quantas forem necessárias – e, talvez, esta seja a única resposta


categórica que os leitores e as leitoras deste livro terão encontrado até
aqui. As muitas perguntas de História pública em movimento, subor-
dinadas às dez questões motivadoras alinhadas em seu sumário, afinal,
relembram: a história pública é menos um terreno de certezas do que
de indagações, redescobertas, reconfigurações feitas à luz do inespera-
do, do dialogado, do negociado.

Perguntas nos mobilizam há (muito mais que) dez anos, desde


(muito antes d) o primeiro Curso de Introdução à História Pública, mar-
co inicial do nosso movimento, que este livro, sem reverenciar, celebra,
assumindo-o como momento inicial de encontro de anseios diversos.
Depois daquele encontro memorável – que, nota pessoal, presenteou a
mim e a muitos de nós com uma rede que não é apenas de interlocu-
ção acadêmica ou de parceria profissional, mas de amizade e de com-
partilhamento de utopias –, tivemos companhia nos nossos palpites e
no florescimento de mais indagações.

A começar da pergunta inicial, e não por isso menos instigante, “o

199 • História pública em movimento


que, afinal de contas, é história pública?”, outras questões conceituais,
teóricas, técnicas, e assim por diante, se sucederam. Dos “o quês?” pas-
samos aos “comos” e aos “porquês”, motivados pela meta de incorpo-
ração da história pública enquanto perspectiva integrante de toda a
prática historiográfica, e não pela sua afirmação enquanto campo ou
profissão em separado. Encorajaram-nos não apenas as perguntas de
ordem formal (também elas legítimas e estimulantes), mas sobretudo
aquelas derivadas dos desafios de nosso tempo. Dentre as mais recen-
tes, sem dúvida, esta salta aos ouvidos: qual será o papel da história
pública no mundo pós-pandêmico? Como ela poderá colocar o pensa-
mento histórico a serviço da recuperação de uma sociedade dividida e
isolada, lidando de maneira produtiva com os impactos sociais e cultu-
rais conhecidos e desconhecidos da pandemia?

Ao longo desses meses (dezessete, até a data em que escrevo este


texto) de isolamento físico e mobilização virtual, escutei essa pergunta
um sem-número de vezes. Ao ouvi-la pela primeira vez, a considerei – e
continuo considerando – admiravelmente otimista: afinal, ela pressu-
põe não apenas que haverá um mundo pós-pandemia, mas que have-
rá um lugar para a história pública dentro dele. Pergunto-me se essa é
uma realidade cuja existência podemos dar por certa.

No contexto do pós-golpe de 2016, a história pública tornou-se


enormemente popular – quando não como prática, ao menos como
discurso. Já se assistia, antes, a repentes mais graduais de adesão, so-
bretudo por parte das novas gerações de historiadores, graduados a
partir dos anos 1990 e 2000 ou em formação. Isso em função das suas
qualidades intrínsecas, sintetizadas no impulso de admitir e explicitar
as dimensões da comunicação e da participação não apenas na pes-
quisa histórica, mas na atividade do historiador em seus diferentes en-
gajamentos e lugares. Nesses lugares, instauraram-se plataformas de
diálogo e de mediação nas quais profissionais da história vieram a se
encontrar com outros sujeitos sociais e suas atitudes historiadoras.

Em um primeiro momento, praticantes de história oral, entusias-


tas da história local, escritores, museólogos, arquivistas, comunicólo-
gos, educadores, produtores audiovisuais, especialistas em estudos e
práticas patrimoniais, investigadores da história do tempo presente,
estiveram entre aqueles que fortaleceram – em diálogos fecundos e
salpicados, como deve ser, por dissensos – a aproximação entre o co-

200 • Posfácio
nhecimento histórico e o mundo social ao qual esse conhecimento ine-
xoravelmente remete. Passo a passo, a perspectiva da história pública
veio a angariar maior interesse e reconhecimento, em parte graças ao
seu potencial catalisador.

O contexto do pós-golpe – com os ataques concretos e simbólicos


aos direitos sociais, à diversidade e à racionalidade por um governo
ilegítimo e por outro inumano – e, depois, a eclosão da pandemia da
Covid-19 aceleraram o processo, já em curso, de enlaçamento entre
historiadores de formação e de ofício e a história pública. No pande-
mônio e na pandemia, ela foi abraçada como arma, escudo, vacina,
remédio: proteção e salvação em momentos de desespero, repletos
de carência de racionalidade, de reconhecimento, de comunidade, de
solidariedade.

De fato, a história pública tem sido manejada de maneira saudável


e potente como um instrumento contra o negacionismo histórico: por
meio da elaboração de bons argumentos, da composição de analogias
instigantes e provocativas, do desenvolvimento de processos educa-
tivos, da elaboração de produtos culturais que mobilizam fórmulas
inéditas no repertório do historiador, inclusive em diálogo com a cul-
tura pop e a cultura digital. Da mesma forma, a história pública tem
descortinado, no contexto da pandemia e do isolamento físico, novas
possibilidades de documentação, interpretação e difusão da história e
de suas histórias, oferecendo leituras feitas a partir de paradigmas que
não o médico ou o econômico, que tendem a dominar o discurso mi-
diático e a informar os processos decisórios dos gestores públicos. A
história pública tem se tornado um espaço privilegiado de aglutinação
de compromissos com a memória de/em/sobre um evento histórico
que nos põe diante de desigualdades, injustiças e uma enorme afasia
social. Cientes de que o agora é um momento na curva do tempo, bus-
camos na história pública – sem ilusão ou grandiloquência, frise-se –
uma possibilidade de transfigurá-lo, como os movimentos encarnados
neste livro – despretensiosos, porém certeiros – atestam. No entanto,
deve haver um lugar para a história pública, também, que não esteja
apenas no agora.

Se ela poderá contribuir no mundo pós-pandemia? Só se não a be-


suntarmos de um limo formalista e corporativista e se não a descar-
tarmos diante de uma próxima moda intelectual, como se ela própria

201 • História pública em movimento


tivesse sido um modismo antiquado que passou. Quando a história
pública é enxergada como um acessório a ser mobilizado quando – e
apenas quando – nos encontramos em momentos de crise, quando – e
apenas quando – precisamos empunhá-la na defesa da humanidade
e das humanidades, perdemos a chance de aprender epistemologica-
mente com ela, de reconhecer e de revisar nossas práticas e nossos
modos de nos situarmos como profissionais e como sujeitos sociais no
mundo. Quando a história pública é elaborada e defendida somente
como um dispositivo útil ativado diante do risco, ela não apenas está
mais sujeita a ser substituída no próximo quadriênio, como também
encaminha, por ironia, à fragilização de nosso compromisso com a
construção de uma cultura histórica mais participativa e democrática.

A história pública não é (apenas) útil. Mais do que apregoá-la como


uma evidência da utilidade da história, deveríamos abraçá-la como
esse movimento de construção e reconstrução contínua que este livro
– sintomaticamente constituído a partir de diálogos, muitos deles ines-
perados – mimetiza: como essa plataforma de ação na qual diferentes
sujeitos e diferentes saberes se encontram, se somam, se estranham,
se conflitam, permitindo que uma história complexa, potente e diversa
emerja, apenas para ser novamente colocada em questão, tantas vezes
quanto necessário. É essa a história pública que estamos construindo?

202 • Posfácio
LABORATÓRIOS, NÚCLEOS
E PROJETOS DE PESQUISA
ENVOLVIDOS

A MÚSICA DE – HISTÓRIA PÚBLICA DA MÚSICA DO BRASIL


É um portal de história pública que visa produzir e difundir conhecimento
em rede sobre a história e a memória da música popular feita no Brasil, tanto
para estudiosos quanto para o público mais amplo. Entrevistas de história oral
inéditas e resenhas sobre obras musicais e sua fortuna crítica são o esteio do
projeto, somadas a eventos públicos e produções editoriais que conformam
uma plataforma criativa de informação, historicamente informada.
COORDENAÇÃO: Ricardo Santhiago e Daniel Saraiva
CIDADE: São Paulo/SP
DATA DE CRIAÇÃO: 18 nov. 2018
SITE: http://amusicade.com
FACEBOOK: www.facebook.com/amusicade
INSTAGRAM: @amusicade
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UCynGMAqw5C4WJvF1D6iXuBg

BATE PAPO SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA


Tem como proposta realizar “bate-papos” ao vivo em torno da temática “en-
sino de história”, com convidados que tenham pesquisas e/ou atuação nes-
sa área, com periodicidade semanal. O projeto está sendo desenvolvido no
âmbito do Curso de Licenciatura em História através do seu Laboratório de
Práticas de Ensino em História (LAPEHIS), da Universidade Federal dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). As conversas são transmitidas pelo ca-
nal do LAPEHIS-UFVJM no YouTube, no qual ficarão disponíveis e arquivadas
para futuras consultas. As transmissões acontecem às terças, no horário de
18:30 (horário de Brasília).

203 • História pública em movimento


COORDENAÇÃO: Marcella Albaine Farias da Costa e Vitória Azevedo Fonseca
CIDADE: Diamantina/MG
DATA DE CRIAÇÃO: 23 abr. 2020
SITE: https://lapehis.com/bate-papo-eh
INSTAGRAM: @batepapoensinodehistoria
YOUTUBE: https://bit.ly/31QB7hf

CAMINHOS OPERÁRIOS EM PORTO ALEGRE (CURSO DE EXTENSÃO)


O “Caminhos Operários em Porto Alegre” teve seu início como um trajeto
de memória singular, realizado periodicamente, até que a partir de março
de 2019 essa iniciativa foi apresentada como curso de extensão pela Biblio-
teca da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, desdobrando-se em diversas
trajetórias pela cidade; também desde 2019 a página de Facebook publica
periodicamente textos sobre lugares de memória e mapas temáticos sobre a
história da classe trabalhadora em Porto Alegre.
COORDENAÇÃO: Frederico Duarte Bartz
CIDADE: Porto Alegre/RS
DATA DE CRIAÇÃO: 28 mar. 2019
FACEBOOK: www.facebook.com/CaminhosOperarios

CENTRO DE HUMANIDADES DIGITAIS/UNICAMP


O Centro de Humanidades Digitais foi criado no final de 2020 para abrigar
os trabalhos desenvolvidos na Graduação e Pós-Graduação em História que
avançam temáticas relacionadas à História e às Humanidades Digitais. O ob-
jetivo é construir uma abordagem interdisciplinar marcada pelo privilégio da
reflexão teórica que permita inserir historiadoras e historiadores no âmbito
dos avanços metodológicos proporcionados pelas novas tecnologias, assim
como refletir sobre sua inserção profissional a partir das tecnologias digitais.
O principal projeto conduzido pelo CHD/Unicamp é a criação de um arquivo
das mensagens de redes sociais que tratam da pandemia do novo coronaví-
rus.
COORDENAÇÃO: Thiago Lima Nicodemo
CIDADE: Campinas/SP
DATA DE CRIAÇÃO: 28 nov. 2020
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UCCrnSTs8NxV6_GcLGD1YEig

CENTRO DE MEMÓRIA – UNICAMP (CMU)


O Centro de Memória – Unicamp é um centro de documentação e pesquisa
que abriga conjuntos documentais de gêneros diversos – textuais, iconográ-
ficos, audiovisuais e tridimensionais –, do final do século XVIII à atualidade,
relacionados em especial à cidade de Campinas e região. Responsável pela

204 • Laboratórios, núcleos e projetos


produção de pesquisas, de eventos científicos, pela publicação de livros e pe-
riódicos da caráter interdisciplinar, com atenção preferencial para as articula-
ções entre história e memória.
DIREÇÃO: André Luiz Paulilo
CIDADE: Campinas/SP
DATA DE CRIAÇÃO: 01 jul. 1985
SITE: www.cmu.unicamp.br

CENTRO DE MEMÓRIA URBANA (CMURB)


O Centro de Memória Urbana, sediado na Universidade Federal de São Pau-
lo (Unifesp), é tributário de coletivos e movimentos culturais da região leste
de São Paulo. Inserido no campo da história pública, desenvolve uma meto-
dologia participativa para a captação, o tratamento e a disponibilização de
acervos documentais, bem como produção de acervos de história oral; cons-
tituindo acervos compartilhados, a partir de metodologia comum de descri-
ção de documentos com instituições parceiras. O CMUrb insere-se no projeto
político-pedagógico do Instituto das Cidades da Unifesp, sendo também es-
paço de ensino e pesquisa.
COORDENAÇÃO: Ricardo Santhiago e Joana Barros
CIDADE: São Paulo/SP
DATA DE CRIAÇÃO: 01 mar. 2019
SITE: https://cmurb.unifesp.br
FACEBOOK: www.facebook.com/cmurb

CLOSE – CENTRO DE REFERÊNCIA DA HISTÓRIA LGBTQI+ DO RIO GRANDE DO SUL


Segundo “a dicionária Aurélia” de terminologia LGBTQI+, “dar close” significa
“dar uma olhada” ou “dar pinta” (mostrar afetação). Essa expressão sintetiza
muito do que o projeto CLOSE – Centro de Referência da História LGBTQI+ do
Rio Grande do Sul pretende: queremos “dar uma olhada” no passado de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers e intersexuais
do estado do Rio Grande do Sul, fomentando e socializando pesquisas, expe-
riências didáticas e práticas de história pública.
Coordenador: Benito Schmidt
CIDADE: Porto Alegre/RS
DATA DE CRIAÇÃO: 13 abr. 2019
SITE: www.ufrgs.br/close
FACEBOOK: www.facebook.com/close.historia
INSTAGRAM: @close.historia
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UC_yAJOksbQUb2tJz6oR0qZQ

205 • História pública em movimento


COLETIVO PASSADOS DIFÍCEIS
Passados Difíceis é um coletivo que se dedica à história pública, por meio da
produção coletiva de formas de divulgação científica acerca de temas iden-
tificados como “passados difíceis”. Aborda-se as complexas relações entre
eventos históricos controversos, em geral marcados por políticas de manu-
tenção de desigualdades e contenção (ou eliminação) de sujeitos indesejá-
veis; a constituição de memórias sociais sobre tais eventos e sua historicidade
em diferentes contextos de poder, que implicam muitas vezes silenciamen-
tos, apagamentos e negacionismos; e a ativação patrimonial sobre os even-
tos e as memórias dolorosas sobre eles, por agentes da sociedade civil ou do
Estado. A atuação prevista para o momento atual é a manutenção de um
perfil de Instagram (ativo).
COORDENAÇÃO: Miriam Hermeto
CIDADE: Belo Horizonte/MG
DATA DE CRIAÇÃO: 01 nov. 2020
INSTAGRAM: @passadosdificeis

COLETIVO DEBATES PÚBLICOS NA HISTÓRIA


O coletivo Debates Públicos na História é vinculado ao Laboratório de Histó-
ria Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF) com graduan-
dos do Departamento de História da UFF. Busca-se, no entrecruzamento de
questões socialmente vivas e temas da História do Brasil Contemporâneo,
produzir conteúdo – de maneira coletiva e dialógica – para a rede social (cir-
cularidade/divulgação do conhecimento histórico) em um projeto de História
Pública. O coletivo instiga reflexões sobre temas que mobilizam a opinião pú-
blica na história do tempo presente: desigualdade social; racismo, machismo,
misoginia, xenofobia, feminicídio – as múltiplas formas dos autoritarismos
e das exclusões sociais. E, ainda, debates públicos referentes às tradições e
resistências socioculturais no espaço urbano (intervenções e festejos), bem
como movimentos sociais (manifestações e diversos repertórios da ação co-
letiva).
COORDENAÇÃO: Juniele Rabêlo de Almeida
CIDADE: Niterói/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: mai. 2021
INSTAGRAM: @debatespublicosnahistoria

DITADURA EM PROSA
O projeto Ditadura em Prosa é uma experiência de pesquisa, extensão e edu-
cação no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(Cefet-RJ), e articula a relação entre a história pública e o ensino da história da
ditadura civil-militar. Teve início com a pesquisa sobre a história da instituição
do ensino técnico no Cefet-RJ, e resultou no livro A escola que mudou a mi-

206 • Laboratórios, núcleos e projetos


nha vida (2019), numa parceria com a associação de ex-alunos, e no debate
sobre negacionismo da ditadura na comunidade escolar.
COORDENAÇÃO: Samuel Silva Rodrigues de Oliveira
CIDADE: Rio de Janeiro/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 01 out. 2017
INSTAGRAM: @ditaduraemprosa

EXPORVISÕES: MIRADAS AFETIVAS SOBRE MUSEUS, PATRIMÔNIOS E AFINS


O blog Exporvisões atualmente é um projeto de extensão na UERJ com o ob-
jetivo de divulgar pesquisas, ações educativas e fomentar cursos de formação
na área de patrimônio e museus. Conversar sobre memória, história, arte, cul-
tura e identidade para além do mundo acadêmico, para fora dos muros dos
museus e das universidades. É por isso que convidamos nossos/as leitores/as
para conhecer um pouco sobre nossas miradas afetivas por onde atuamos
profissionalmente. Os textos são semanais, às sextas-feiras. O podcast Na
cadência da História, coordenado por Rommey Lima e Gilberto Vieira, tem
frequência quinzenal, sobre o patrimônio musical brasileiro.
COORDENAÇÃO: Carina Martins Costa
CIDADE: Rio de Janeiro/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 26 mai. 2019
SITE: www.exporvisoes.com
FACEBOOK: www.facebook.com
INSTAGRAM: @exporvisoes

FONTES HISTÓRICAS DA DITADURA (PROJETO DE EXTENSÃO)


Com bolsistas de extensão, monitoria e Iniciação Científica, realizamos ativi-
dades sobre Fontes Históricas da Ditadura, no incentivo a olhares embasados
não em achismos ou nas chamadas fake news, mas na interpretação de dife-
rentes versões sobre o período, na problematização da memória como uma
relação entre temporalidades, com silêncios, seleções, intencionalidades. Por
conta da pandemia da Covid-19, decidimos ampliar o foco dos usos das me-
mórias no mundo capitalista pandêmico em dimensões como: as platafor-
mas eletrônicas monopolistas, o ensino remoto e trabalho precarizado, e o
avanço do autoritarismo/negacionismo no sufocamento do debate público.
COORDENAÇÃO: Edmilson Alves Maia Junior
CIDADE: Quixadá/CE
DATA DE CRIAÇÃO: 01 mar. 2018
FACEBOOK: www.facebook.com/fonteshistoricasdaditadura
INSTAGRAM: @fonteshistoricasdaditadura
Spotify: https://open.spotify.com/show/1G1jtaXqY2ipfX4kO4bBQ2
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UCPFvuRNF5KjA735ZsCPZxrg

207 • História pública em movimento


GRUPO DE PESQUISA MUSEOLOGIA E SEXUALIDADES (MUSEX)
O MuSex é um GP destinado a produzir conhecimento científico no campo
da Museologia sobre Memória, Museus e Sexualidade.
COORDENAÇÃO: Jean Baptista
CIDADE: Goiânia/GO
DATA DE CRIAÇÃO: 01 mar. 2021
CONTATO: jeantb@hotmail.com

HISTÓRIAS, ARTES E PÚBLICOS


Histórias, Artes e Públicos procura romper com a visão de um público como
mera audiência de sua própria história. Compartilhamos da ideia de que as
artes públicas envolvem formas sensíveis e criativas de comunicação e inte-
ração com as audiências, que são também sujeitos do fazer. Para isto, as me-
diações de historiadores públicos e de artistas públicos exigem envolvimento
social e incentivo às práticas artísticas e históricas engajadas nos espaços pú-
blicos locais, sejam eles museus ou não.
COORDENAÇÃO: Michel Kobelinski
CIDADE: União da Vitória/PR
DATA DE CRIAÇÃO: 15 jan. 2021
SITE: https://historia.life/hap
FACEBOOK: https://www.facebook.com/Histórias-Artes-e-Públi-
cos-100389768817903

HISTÓRIA DA DITADURA: NOVAS PERSPECTIVAS


O site é editado por oito historiadores/as sem vínculo institucional efetivo.
Conta com a participação de 50 pesquisadores/as de várias nacionalidades,
que publicam colunas sobre temas do cotidiano a partir de diversas formas
de escrita da história, registros de época, referências culturais e imagens.
Destaque para o banco de entrevistas com artistas, ativistas, intelectuais, tes-
temunhas e agentes do Estado, que narram suas vivências diretas e indiretas
com relação à ditadura militar.
COORDENAÇÃO: Paulo César Gomes
CIDADE: Rio de Janeiro/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 03 mar. 2016
SITE: www.historiadaditadura.com.br
FACEBOOK: www.facebook.com/historiadaditadurabr

HISTÓRIA NA RUA – LEDDES/LEH-CAP/CTE-UERJ


O projeto História na Rua faz parte das atividades propostas pela linha de
pesquisa Narrativas contemporâneas de História do LEDDES/UERJ e do LEH/

208 • Laboratórios, núcleos e projetos


CAp. Tem como objetivo refletir e produzir artefatos didáticos que utilizem
narrativas variadas com a finalidade de ampliar o público para as discussões
sobre a importância da História na vida prática, no cotidiano.
COORDENAÇÃO: Sonia Wanderley
CIDADE: Rio de Janeiro/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 01 mar. 2020
INSTAGRAM: @projetohistorianarua

HISTÓRIA ORAL NA PANDEMIA – MULHERES E ENVELHECIMENTO


Acervo (entrevistas – história oral de vida) acolhido pelo Laboratório de Histó-
ria Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense e Rede Covid-19 Hu-
manidades (MCTI). Composto por narrativas transcritas – que apontam para a
necessidade da valorização das trajetórias e das experiências cotidianas. Pro-
dução de um e-book gratuito (amplo acesso) que reúne 38 entrevistas com
mulheres idosas que se encontram em situação de isolamento social frente
aos desafios da Covid-19. As entrevistas contribuem para os debates públicos
sobre a temática da pandemia – implicações científicas, sociais, políticas, his-
tóricas e culturais – ao considerar as mudanças ocorridas no curso da vida que
caracterizam a experiência contemporânea dessas mulheres no contexto de
dois anos de pandemia. A obra se apoia no intercâmbio acadêmico de diver-
sos pesquisadores para fomentar o retorno aos seus projetos de/com/a par-
tir da “história oral com mulheres” para um novo diálogo – entrevistador(a)/
entrevistada – no eixo temático “envelhecimento e cotidiano na pandemia”.
A preocupação com a melhoria da qualidade de vida na sociedade brasileira
muda a sensibilidade investida na velhice e a reflexão para o reconhecimento
da pluralidade de experiências.
COORDENAÇÃO: Juniele Rabêlo de Almeida (UFF), Denise Nacif Pimenta (Fio-
cruz/Minas) e Livia Lima (Unisal)
Local: LABHOI/UFF, Niterói/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 01 abr. 2020
SITE: www.labhoi.uff.br
CONTATO: historiaoralnapandemia@gmail.com

HISTÓRIA PÚBLICA
O objetivo do canal é o intercâmbio de experiências que vinculem pesquisa
e produção audiovisual voltadas às comunidades, ao patrimônio e à Históri-
ca Pública. A ideia é aprofundar temáticas de interesse público e promover
o compartilhamento de experiências. Entre os temas figuram cidades, mu-
seus, monumentos, comunidades e “lugares de memórias”.
COORDENAÇÃO: Michel Kobelinski
CIDADE: União da Vitória/PR
DATA DE CRIAÇÃO: 31 mai. 2021
YOUTUBE: www.youtube.com/c/HistóriaPública/about

209 • História pública em movimento


HISTÓRIAS PÚBLICAS: CONTROVÉRSIAS E DEBATES
IMPERTINENTES, MAS NECESSÁRIOS
A proposta do projeto de pesquisa é buscar – por meio de pesquisa bibliográ-
fica em portais de periódicos e catálogos de editoras – localizar conceitos e
definições de História Pública, assim como identificar suas práticas no am-
biente acadêmico brasileiro e de alguns outros países do mundo – principal-
mente do mundo anglo-saxão. Como discussão e controvérsias são comuns
ao universo de debate da História Pública, o presente projeto procurará apu-
rar como se desenvolvem aquela discussão e controvérsia, coletando argu-
mentos – e práticas – favoráveis e/ou desfavoráveis à História Pública. Tendo
sido já feita, em uma primeira pesquisa, a procura dos principais temas e ter-
mos que disparam os debates, a questão agora é a de procurar as discussões
sobre História Pública que possam promover oportunidades de experimen-
tar argumentos no debate acadêmico mais amplo, como promover acesso
ao conhecimento de temas, discussão e polêmicas.
COORDENAÇÃO: Bruno Flávio Lontra Fagundes
CIDADE: Campo Mourão/PR, campus da Unespar
DATA DE CRIAÇÃO: 03 abr. 2021

LABORATÓRIO DE ENSINO DE HISTÓRIA – LEH/UFF


O Laboratório de Ensino de História foi criado, na década de 1990, na Uni-
versidade Federal Fluminense. Desde 2010, vem se redefinindo como centro
de referência para a formação e qualificação de professores de História. A
linha-eixo Educação em História: da formação docente a circularidade do
conhecimento histórico, contempla quatro linhas de pesquisa: a) Educação
Democrática; b) História Pública e Educação; c) Formação e profissão do-
cente; d) Redes de conhecimento e significações de direitos humanos; que
contemplam os projetos e ações desenvolvidos pelo LEH. Inscrito nesse dire-
tório, os resultados do LEH têm sido apresentados à comunidade acadêmica
e sociedade geral por meio de seminários e eventos públicos, como o LEH
Convida: História Pública e Educação, Jornada do LEH, bem como procurado
amplificar os debates que se estabelecem no âmbito legislativo a favor do li-
vre exercício docente e por uma educação democrática. Projeto citado – Edu-
cação antirracista: representações de negros e indígenas em livros didáticos
e fontes audiovisuais “As ações deste projeto de Pesquisa e Extensão se dire-
cionam para a construção de espaços de trocas de saberes entre professores
e estudantes da Educação Básica e da Universidade. Por meio de oficinas
de ensino de História, realizadas em escolas públicas, pretende-se construir,
colaborativamente, práticas educativas antirracistas, com possibilidade de
criação de materiais, recursos e estratégias de ensino-aprendizagem. Obje-
tivam-se, também, encontros com especialistas na interface da educação e
temáticas da história indígena, africana e afro-brasileira”.
PROFESSORES: Everardo Paiva, Fernando Penna, Nívea Andrade, Patrícia Teixei-
ra e Rodrigo de Almeida
CIDADE: Niterói/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 25 nov. 2017
SITE: www.lehuff.com

210 • Laboratórios, núcleos e projetos


LABORATÓRIO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
Perseguindo as especificidades e dirigindo nossa atenção para o espaço
amazônico do século XVII ao XXI, o Laboratório de Estudos da História Social
do Trabalho na Amazônia (Lehstam) pretende evidenciar e analisar a diver-
sidade de experiências de trabalhadores e trabalhadoras nos contextos que
compõem os mundos do trabalho. Nesses séculos, a existência de especifici-
dades naturais e sociais na Amazônia reclamara posicionamentos e respos-
tas diferentes dos centros decisórios e dos subalternizados. Nossa pesquisa
será um estudo de várias frentes, pois analisaremos, a partir de um conjun-
to muito variado de fontes (processos judiciais, entrevistas, artigos de jornal,
censos, fotografias etc.), a constituição de um quadro de insegurança estru-
tural regional, diante do qual os trabalhadores e trabalhadoras criaram múlti-
plas táticas de sobrevivência. Focalizaremos também as lutas destes sujeitos
históricos contra os agentes da expropriação dos meios de subsistência e das
diversas formas de exploração da sua força de trabalho.
COORDENAÇÃO: Sidney Lobato, Lara de Castro e Adalberto Paz
CIDADE: Macapá/AP
DATA DE CRIAÇÃO: 08 set. 2016

LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DIGITAL (LAHISD)


O Laboratório de História Digital constitui-se em um grupo de pesquisa (DGP/
CNPq) sobre as transformações históricas relacionadas às múltiplas práticas
e interações – sociais, econômicas, políticas e culturais – que ocorrem no
mundo digital, investigando variados aspectos relativos aos modos como se
inter-relacionam as diversas tecnologias, linguagens e mídias digitais, bem
como os seus impactos na produção, no ensino e na divulgação do conheci-
mento histórico na contemporaneidade.
COORDENAÇÃO: Giliard da Silva Prado
CIDADE: Ituiutaba/MG
DATA DE CRIAÇÃO: 11 out. 2018
SITE: www.ich.ufu.br/lahisd
FACEBOOK: www.facebook.com/Lahisd.ufu
INSTAGRAM: @lahisd.ufu
TWITTER: @Lahisd_UFU
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UCjfz4jx5UGc9dc3qbGUoC-Q

LABORATÓRIO DE HISTÓRIA PÚBLICA – UNIFAL-MG


O Laboratório de História Pública produz o REMADIH, que é um acervo de
propostas didáticas para professores; desenvolve os projetos Diários da Pan-
demia e Dimensões Africanas. Iniciam-se, também, três pesquisas e projetos
de extensão para a elaboração de um acervo sobre o movimento LGBTQIA+
no sul de Minas Gerais e dois trabalhos sobre patrimônio e ensino sobre os
cemitérios da cidade de Alfenas e o museu em Poço Fundo.

211 • História pública em movimento


COORDENAÇÃO: Walter Francisco Figueiredo Lowande
CIDADE: Alfenas/MG
DATA DE CRIAÇÃO: 10 mar. 2020
SITE: www.unifal-mg.edu.br/lhp
FACEBOOK: www.facebook.com/LHPunifalmg
TWITTER: @lhpunifal

LABORATÓRIO DE HISTÓRIA ORAL DA UNIVILLE


O LHO/Univille se define como um espaço de experimentação voltado à pro-
moção e difusão da metodologia da história oral em Joinville e outras regiões
de atuação da Univille. Suas linhas de pesquisa estão articuladas as do Progra-
ma de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille, bem
como as que integram o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
História dessa mesma universidade O acervo do LHO/Univille é composto pela
doação de entrevistas orais resultantes de projetos de ensino, pesquisa e/ou
extensão desenvolvidos por professores, alunos e pesquisadores vinculados à
Univille ou outras instituições. O acervo também recebe e custodia entrevistas
orais produzidas por pessoas externas à Universidade, tais como professores
da Educação Básica, profissionais de espaços de memória, entre outras. Além
disso, a equipe técnica do LHO/Univille ainda disponibiliza na internet um
banco de dados virtuais contendo informações acerca de entrevistas, trans-
crições, biografia de entrevistados e demais documentos a elas relacionados.
COORDENAÇÃO: Fernando Cesar Sossai e Ilanil Coelho
CIDADE: Joinville/SC
DATA DE CRIAÇÃO: 06 mar. 1982
SITE: https://lhouniville.wixsite.com/inicio
FACEBOOK: www.facebook.com/univille.lho
INSTAGRAM: @lho.univille
YOUTUBE: www.youtube.com/user/lhouniville

LABORATÓRIO DE HISTÓRIA ORAL E IMAGEM (LABHOI-UFF)


Criado em 1982, o Laboratório de História Oral e Imagem compõe o progra-
ma de atividades acadêmicas do Instituto de História da Universidade Fe-
deral Fluminense. Em 2018, o LABHOI se redefine como rede de pesquisa.
O LABHOI Em Rede está formalmente instalado como grupo de pesquisa
também na Universidade Federal de Juiz de Fora e desenvolve projetos em
três linhas de trabalho: Memória, Áfricas, Escravidão; Fotografia, Arte, Mídias;
Américas, Política, Comunidade.
COORDENAÇÃO: Ana Mauad, Hebe Mattos, Juniele Rabêlo e Samantha Quadrat.
CIDADE: Niterói/RJ
DATA DE CRIAÇÃO: 01 jan. 1982
SITE: www.labhoi.uff.br
FACEBOOK: www.facebook.com/labhoi

212 • Laboratórios, núcleos e projetos


LABORATÓRIO DE IMAGEM E SOM (LIS/UDESC)
O Laboratório de Imagem e Som – LIS – constitui-se em um espaço destina-
do ao desenvolvimento da pesquisa e da prática didática, a partir dos recur-
sos tecnológicos relacionados às linguagens audiovisuais e uso da edição de
imagem e som na área de História. Destina-se a aproximar e instrumentalizar
alunos, professores e pesquisadores que fazem uso das fontes imagéticas e/
ou sonoras no desenvolvimento de suas investigações, na organização do
material consultado e catalogado, na produção e divulgação de seus resul-
tados, na formação de diferentes bancos de dados e artefatos, além de um
acervo próprio enquanto núcleo informatizado de documentação.
COORDENAÇÃO: Rogério Rosa Rodrigues
CIDADE: Florianópolis/SC
DATA DA CRIAÇÃO: 2007
SITE: www.lis.faed.udesc.br

MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PÓS VERDADE E NEGACIONISMOS HISTÓRICOS:


EMERGÊNCIAS CONSERVADORAS NA AMÉRICA LATINA, 1990-2018
O projeto de pesquisa analisa os processos de mudança política na América
Latina, nas últimas três décadas, à luz dos usos da história na cena pública.
Investiga como, no Brasil e na Argentina, as transformações no cenário políti-
co resvalaram em conflitos sobre leituras e apropriação dos acontecimentos
históricos, usos do passado e da própria história através dos meios de comu-
nicação. Coloca-se como desafio compreender o aprofundamento de um
processo conservador, investigando os elementos constitutivos de uma onda
negacionista na qual confundem-se ideias dispares sobre de verdade, sua
negação, notícias falsas, usos de mídias sociais e a grande imprensa nesses
países. Pretende-se construir uma série histórica, objetivando compreender,
em que medida, as transformações políticas e o papel dos meios de comuni-
cação em massa e, em rede, têm tido um papel fundamental nas apropria-
ções da história na cena pública de ambos os países.
COORDENAÇÃO: Sônia Meneses
CIDADE: Crato/CE
DATA DE CRIAÇÃO: 30 mar. 2020

MEMÓRIA PARA TODOS (MPT)


Memória para Todos é um programa de formação e investigação colabora-
tiva e de ciência cidadã que promove o estudo, organização e disseminação
do património histórico, cultural e tecnológico de Portugal, desenvolvido em
estreita relação com arquivos, instituições, municípios e autarquias, escolas
e associações locais. Os conteúdos reunidos (como objetos, fotografias, tes-
temunhos áudio e vídeo, sons e outros registos) com a participação e envol-
vimento dos cidadãos e instituições são disponibilizados on-line em acesso
aberto. Objetivos: Mapear, conhecer, registar, organizar e preservar o patri-

213 • História pública em movimento


mónio material e imaterial; convocar todos os cidadãos a partilhar as suas
memórias pessoais e familiares; sensibilização para o contributo da memória
e do património no desenvolvimento e coesão social e territorial; produção
e disseminação de conhecimento e criação de novas fontes para a investi-
gação histórica; promover dinâmicas sociais de construção da memória, en-
quanto fator essencial para a definição de identidade.
COORDENAÇÃO: Maria Fernanda Rollo
CIDADE: Lisboa, Portugal
DATA DE CRIAÇÃO: 01 jan. 2009
SITE: https://memoriaparatodos.pt
FACEBOOK: www.facebook.com/memoriaparatodos
INSTAGRAM: @memoriaparatodos

NÚCLEO DE HISTÓRIA PÚBLICA DA AMAZÔNIA (NUHPAM)


Grupo de estudos e pesquisa sobre História Pública vinculado ao Departa-
mento de História da Universidade Federal de Rondônia – Porto Velho.
COORDENAÇÃO: Daniela Yabeta
CIDADE: Porto Velho/RO
FACEBOOK: www.facebook.com/nuhpamhistoriaunir

PORTAL HISTÓRIA PÚBLICA DO LABORATÓRIO DE


HISTÓRIA PÚBLICA (LAPIS) DA UFSC
O Portal História Pública é dedicado à multiplicação do conhecimento histó-
rico para diferentes públicos. O Portal visa contribuir para o amadurecimen-
to da História Pública. Ao mesmo tempo, imbuídos do espírito mais amplo
de difusão e compartilhamento, procuramos facilitar o acesso a informações
e recursos necessários para a construção do conhecimento histórico, para
além da divulgação científica. Pensando o ensino de história como uma face
essencial desse movimento, disponibilizamos planos de aulas e atividades de
ensino produzidas no âmbito do nosso curso ou enviados por usuários. Ofere-
cemos links para sites de arquivos e outras plataformas que contêm acervos
digitalizados de documentos históricos, dispostos por região, em Lugares do
Mundo, e por temas recorrentes da historiografia, em Temáticas da História.
Também inserimos destaques de notícias, lançamentos de livros e eventos
relacionadas à História Pública.
COORDENAÇÃO: Rodrigo Bragio Bonaldo
CIDADE: Florianópolis/SC
DATA DE CRIAÇÃO: 10 set. 2018
SITE: https://historiapublica.sites.ufsc.br
FACEBOOK: www.facebook.com/lapis_ufsc-111779247192674
INSTAGRAM: @lapis_ufsc
YOUTUBE: www.youtube.com/user/LapisUfsc

214 • Laboratórios, núcleos e projetos


PROFCAST: O PODCAST DO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA
O Profcast foi criado como um canal de escuta de professores e professoras
da rede básica de ensino de História no Brasil e as especificidades da atuação
docente durante a pandemia. Trata-se de uma iniciativa da coordenação na-
cional do Mestrado Profissional em Ensino de História com o Laboratório de
Imagem e Som da Udesc Faed.
COORDENAÇÃO: Rogério Rosa Rodrigues
DATA DE CRIAÇÃO: out. 2020
SITE: www.udesc.br/podcasts/profcast
DISPONÍVEL EM: YouTube, Spotify, Castbox, Anchor e outras plataformas.

PROJETO ARQUIVOS MARGINAIS


O Projeto Arquivos Marginais atua através de ações ligadas a salvaguarda e
a difusão de acervos ligados a instituições de internamento. O projeto, ini-
ciado em 2011, assume uma perspectiva ligada a história pública, propondo
atividades colaborativas, exposições, criação de conteúdo digital, podcasts,
eventos e cursos, voltados à comunidade acadêmica e ao público em geral. O
projeto vem incentivando a integração entre a universidade, a comunidade
em geral e as instituições e seus sujeitos, contribuindo para a desestigmati-
zação. Temas como loucura, hanseníase, prisões são trazidos para o debate
dentro universidade, incentivando uma formação profissional que reconheça
e respeite a diversidade e que combata a discriminação, possibilitando rein-
tegração social de grupos discriminados através do conhecimento histórico e
de ações de difusão cultural. O projeto possibilitou a doação dos prontuários
de detentos da Penitenciária de Florianópolis ao Instituto de Documentação
e Investigação em Ciências Humanas – IDCH (1930-1970) e tem atuado em
atividades ligadas a salvaguarda, manutenção e difusão do acervo.
COORDENAÇÃO: Viviane Trindade Borges
DATA DE CRIAÇÃO: 01 jan. 2011
INSTAGRAM: @arquivosmarginais

REDE TRAJETÓRIAS DOCENTES E HISTÓRIA PÚBLICA


A proposta é reunir, catalogar e analisar as narrativas autobiográficas (pú-
blicas) de professores de História em diferentes momentos de sua vida e de
sua formação (inicial, continuada) na história do tempo presente brasileira. O
acervo foi acolhido pelo Laboratório de História Oral e Imagem – LABHOI/UFF
como estratégia de compreensão da profissão docente na história do Brasil
contemporâneo, na interface entre História Pública e Educação, e se propõe
a receber e disponibilizar narrativas escritas autobiográficas – redigidas por
professores para compor memoriais, textos de formação docente e relatos de
experiências formativas -, mas também narrativas orais (gravação e transcri-
ção), nos termos da atenção e dos cuidados metodológicos recomendados
pela História Oral.

215 • História pública em movimento


COORDENAÇÃO: Everardo Paiva de Andrade (UFF), Juniele Rabêlo de Almeida
(UFF), Larissa Viana (UFF), Marcos Barreto (UFF); Discentes: Juliana Reis e Da-
niela Costa
LOCAL: Niterói/RJ, LABHOI/UFF
DATA DE CRIAÇÃO: 01 abr. 2018
SITE: www.labhoi.uff.br
YOUTUBE: www.youtube.com/channel/UCuMib85fptWUchES3Xzg9SA/videos

TEORIA DA HISTÓRIA NA WIKIPÉDIA – NEPEMI


O projeto Teoria da História na Wikipédia dedica-se a criar e reformular ver-
betes da Wikipédia lusófona na área de Teoria da História. Em sua atual fase,
a coordenação dedica-se a analisar dados coletados da Wikipédia, problema-
tizando aspectos relacionados à escrita da história na enciclopédia digital.
COORDENAÇÃO: Flávia Varella e Rodrigo Bonaldo
CIDADE: Florianópolis/SC
DATA DE CRIAÇÃO: 03 jan. 2018
SITE: http://nepemi.sites.ufsc.br

216 • Laboratórios, núcleos e projetos


AUTORAS E AUTORES

ANA CAROLINA BARBOSA PEREIRA é professora de Teoria e Metodologia da História


na Universidade Federal da Bahia e doutora em História pela Universidade
de Brasília.
ANDRÉA TELO DA CÔRTE é professora da Secretaria de Educação do Rio de
Janeiro e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Foi
coordenadora do Centro de Estudos de História Fluminense do Museu do
Ingá.
ANITA LUCCHESI tem
doutorado em História pela Universidade de Luxemburgo e
pesquisadora no Centro de História Contemporânea (ZZF) na Alemanha.
ANNE CAROLINE PEIXER ABREU NEVESé professora da rede pública estadual de
Santa Catarina e doutoranda em História pela Universidade do Estado de
Santa Catarina.
ANTÔNIO MAICON BEZERRA é professor da rede pública de educação do Acre
mestrando do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória)
da Universidade Federal do Acre.
BRUNO FLÁVIO LONTRA FAGUNDES é professor de História na Universidade
Estadual do Paraná, campus de Campo Mourão. Doutor em História pela
Universidade Federal de Minas Gerais.
CAMILLA FERREIRA PAULINO DA SILVAé professora de História na rede estadual de
ensino do Espírito Santo, doutora em História pela Universidade Federal do
Espírito Santo.
CARINA MARTINS COSTA é professora associada do Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em
História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getulio Vargas (RJ).
DANIEL LOPES SARAIVA é doutor em História pela Universidade do Estado de
Santa Catarina e um dos editores de A música de – História pública da
música do Brasil.
DANIELA PAIVA YABETA DE MORAES é professora adjunta do Departamento de
História da Fundação Universidade Federal de Rondônia e doutora em
História pela Universidade Federal Fluminense.
EDMILSON ALVES MAIA Júnior é professor de História na Faculdade de Educação,
Ciências e Letras do Sertão Central da Universidade Estadual do Ceará, na

217 • História pública em movimento


cidade de Quixadá/CE e doutor em História pela Universidade Federal de
Minas Gerais.
EVERARDO PAIVA ANDRADE é professor da Faculdade de Educação, do Programa
de Pós-graduação em Educação e do ProfHistória – Universidade Federal
Fluminense. É doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense.
FERNANDA KELLY DO ESPíRITO SANTO SILVAé mestranda pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. Licenciada e bacharel em História pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
FERNANDO CESAR SOSSAI é professor da Universidade da Região de Joinville
(Univille). Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Santa
Catarina. Coordenador do Centro Memorial e Laboratório de História Oral
da Univille.
FREDERICO DUARTE BARTZ é técnico em Assuntos Educacionais na Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde coordena
o Curso de Extensão “A História da Classe Trabalhadora e os Caminhos
Operários em Porto Alegre”.
GILIARD PRADO é professor na Universidade Federal de Uberlândia e doutor em
História pela Universidade de Brasília.
GERALDYNE MENDONÇA DE SOUZA é professora da rede pública de ensino do
Estado do Rio de Janeiro e da prefeitura de Saquarema. Mestra em Ensino
de História pela Universidade Federal Fluminense.
ISABELA DIASé professora de História na rede estadual da Paraíba e mestranda
no Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) da
Universidade Federal da Paraíba.
ISADORA DE MELO COSTA foi aluna e é professora da Escola Municipal Brigadeiro
Faria Lima. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
JEAN BAPTISTA édocente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social e do Bacharelado em Museologia da Universidade Federal de Goiás.
Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, com pós-doutorado em Gênero, Sexualidade e Feminismo na McGill
University.
JOANA DA SILVA BARROSé professora do Instituto das Cidades da Universidade
Federal de São Paulo, onde coordena o Centro de Memória Urbana da Zona
Leste (CMUrb). Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo.
JORGE RIBEIRO DIACÓPULOS é professor de História na rede pública e privada em
Campo Grande/MS, mestrando pelo Mestrado Profissional em Ensino de
História (ProfHistória) na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
JULIANA MUYLAERT é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense
e atua na rede privada de ensino do Rio de Janeiro. Pesquisadora associada
do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF e membro da Red de
Investigación sobre Documentales.
JULIANE C. PRIMON SERRES é
professora associada do Departamento de
Museologia, Conservação e Restauro e coordenadora do Programa de

218 • História pública em movimento


Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, na Universidade
Federal de Pelotas.
JUNIELE RABÊLO DE ALMEIDAé professora do Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense. Professora visitante na University of California (UC
Berkeley) em 2020. Doutora em História pela Universidade de São Paulo.
Equipe de coordenação do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF.
é professora de História na Universidade Federal do Amapá e
LARA DE CASTRO
doutora em História pela Universidade Federal da Bahia.
LARISSA MOREIRA VIANA é
professora do Departamento de História da
Universidade Federal Fluminense e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa
e Estudos em História Cultural. Doutora em História pela Universidade
Federal Fluminense.
é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História
LAURI MIRANDA SILVA
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com bolsa da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
LETICIA BRANDT BAUER é diretora do Memorial do Rio Grande do Sul, do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul e do Museu Antropológico do Rio Grande
do Sul (Sedac-RS).
é professora do Programa de Mestrado em Educação
LÍVIA MORAIS GARCIA LIMA
do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Doutora em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas e pós-doutoranda na Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.
LÍVIA NASCIMENTO MONTEIROé professora da Universidade Federal de Alfenas.
Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense.
é professor da rede de educação pública de Minas Gerais e
LUIZ OTÁVIO CORREA
doutor em História pela Universidade Federal Fluminense.
MARCELLA ALBAINE FARIAS DA COSTAé doutora em História pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro e pós-doutoranda em História na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
MARIA FERNANDA ROLLO é professora do Departamento de História da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
é cientista social, doutora em Educação pela
MARIA SILVIA DUARTE HADLER
Unicamp e pesquisadora do Centro de Memória – Unicamp.
MARTA GOUVEIA DE OLIVEIRA ROVAIé professora da Universidade Federal de
Alfenas e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo.
MICHEL KOBELINSKI é professor associado da Universidade Estadual do Paraná
e membro da Federação Internacional de História Pública e da equipe
editorial da Public History Weekly.
MIRIAM HERMETO é professora adjunta do Departamento de História e docente
do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Minas Gerais. Co-coordenadora do Laboratório de História do Tempo
Presente (Fafich/UFMG) e membra-fundadora da Rede Brasileira de
História Pública.
NASHLA DAHÁS é doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio

219 • História pública em movimento


de Janeiro. Coeditora do site História da Ditadura, colaboradora do projeto
A música de – História pública da música do Brasil e revisora de material
didático.
NATÁLIA DA SILVA OLIVEIRA é
professora de História, licenciada e bacharel em
História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
NATÁLIA GUERELLUSé pesquisadora Capes/Print JTEE pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul e doutora em História Social pela Universidade
Federal Fluminense. É coeditora dos sites História da Ditadura e História
em Quarentena.
PAULO CÉSAR DE SALES COELHO DIAS COELHO élicenciado e bacharel em História
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
é doutor em História pela Universidade Federal do Rio
PEDRO TELLES DA SILVEIRA
Grande do Sul e pós-doutorando da Universidade Estadual de Campinas,
com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(2019/15223-1).
RAPHAEL GARCIA PINTO DE BARROS é mestrando pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Bacharel e licenciado pela UERJ.
RODRIGO BRAGIO BONALDO é professor de História da Universidade Federal de
Santa Catarina e doutor em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
ROGÉRIO ROSA RODRIGUES é professor de História na Universidade do Estado de
Santa Catarina e doutor em História pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
SAMUEL SILVA RODRIGUES DE OLIVEIRAé professor e pesquisador do Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Coordena
o projeto “Ditadura em Prosa” e colabora em projetos no Laboratório
de História dos Mundos do Trabalho da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
SÔNIA MENESES éprofessora associada da Universidade Regional do Cariri e
docente da rede ProfHistória. É bolsista de produtividade do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e compõe a
HuManas: Pesquisadoras em Rede.
SONIA WANDERLEY é professora titular de Ensino de História do Colégio de
Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora
do PPGHS/FFP e do ProfHistória/UERJ. Atualmente é diretora do Centro de
Tecnologia Educacional da UERJ.
SUED CARVALHO é professora da rede estadual da Paraíba. Mestranda pelo
Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória) na Universidade
Regional do Cariri.
VIVIANE TRINDADE BORGES é professora associada da Universidade do Estado de
Santa Catarina. Coordenadora do Projeto Arquivos Marginais.
WALDOMIRO LOURENÇO DA SILVA JUNIOR é professor de História na Universidade
Federal de Santa Catarina e doutor em História pela Universidade de São
Paulo.

220 • História pública em movimento


Este livro foi composto no tipo Montserrat e impresso pela
Renovagraf para a Letra e Voz no ano de 2021, dez anos
depois da publicação de Introdução à História Pública.
Foram utilizados papel Pólen Soft 80 g/m2 para o miolo e
papel Cartão 250 g/m2 para a capa.

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