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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ELISÂNGELA CONCEIÇÃO DANTAS LEÃO

A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA,
SALVADOR-BAHIA

Salvador
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ELISÂNGELA CONCEIÇÃO DANTAS LEÃO

A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA,
SALVADOR-BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia –
UFBA, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo, área de concentração em
Conservação e Restauro.

Orientadora: Profª. Drª. Odete Dourado Silva.

Salvador
2014
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Faculdade de Arquitetura da UFBA - Biblioteca

L437 Leão, Elisângela Conceição Dantas.


A percepção no tempo: Igreja de Santo Antônio da Mouraria, Salvador-
Bahia. / Elisângela Conceição Dantas Leão. 2014.
293f. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Odete Dourado Silva.


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Arquitetura, 2014.

1. Arquitetura Religiosa; 2. Conservação; e Restauro – Salvador (BA);


3.Tecnologias Digitais. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Arquitetura. II. Silva, Odete Dourado. III

CDU: 726(813.8)
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TERMO DE APROVAÇÃO

ELISÂNGELA CONCEIÇÃO DANTAS LEÃO

A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA, SALVADOR-BAHIA

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura
e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia pela seguinte
banca examinadora:

Odete Dourado Siava – Orientadora ______________________________________________


Doutora em Arquitetura e Urbanismo – Università Degli Studi Di Roma
Professor Permanente
PPGAU/UFBA

Mário Mendonça de Oliveira ___________________________________________________


Doutor Notório Saber – Universidade Federal da Bahia
Professor Permanente
PPGAU/UFBA

Maria Herminia Olivera Hernández ______________________________________________


Doutora em Arquitetura e Urbanismo – Universidade Federal da Bahia
Professor Permanente
PPG EBA/UFBA

Salvador, 26 de novembro de 2014.


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A Davi (in memoriam) sempre


e aos nossos frutos:
Isadora e Davisinho.
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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre presente, no abraço ou na mão dos amigos, nas horas difíceis. Como
já dizia o poeta: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos
de mãos dadas” (Drummond).
A minha orientadora, Profa. Dra. Odete Dourado Silva, pela preocupação não só no âmbito
acadêmico, mas também no pessoal, por compartilhar suas memórias, ensinamentos e a paixão
pelo patrimônio, sem a qual não chegaria a este momento.
Ao Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira, amigo querido, pela gentileza e atendimento em
todas as etapas do trabalho e pelo contributo aos desdobramentos da pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Herminia Olivera Hernández, por aceitar o convite para participar da minha
banca e também por suas contribuições.
Ao Prof. Dr. Arivaldo Leão de Amorim, também pela gratidão a seus ensinamentos, pelo tempo
dedicado, apoio à pesquisa e pelos conselhos e sugestões.
À Prof. Regina Andrade Tirello (UNICAMP), por sua real contribuição para a etapa de
qualificação da pesquisa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa
concedida.
Aos funcionários e ex-funcionários Silvandira, Maria, Telmo, Luís e Ícaro, pelo apoio e suporte
recebidos.
À Sociedade São Vicente de Paulo, em especial a minha poeta Dayse Portugal e a Paulo
Nascimento, por abrirem as portas da Igreja da Mouraria e as portas do coração.
A minha família Hita Engenharia, especialmente à Fátima Hita e Elizabete Andrade.
Às amigas Ana Cristian de Magalhães, Rosana Muñoz e Solange Mendes, grandes conquistas,
que levarei para toda a vida.
Aos colegas e funcionários da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura: Nilson, Adelson e
George, pelo apoio constante. E ao apoio incansável da turma alegre do Setor de Plotagem da
FAU, meu amigo Rico!
Aos Estagiários do VI-VER O PATRIMÔNIO, Jeanderson, Isadora, Carolina, Elizama e Ágata,
na 1ªedição, e Mariana, Betina, Layra, Bruna, Tales, Daniela, Marina, meus pupilos. E Tamires,
Rafael, Thalles, Iuri, Lídia, Nelma, Stephany e Thainá, estagiários da 2ªedição.
Ao arquiteto e grande amigo Drº Erwic Flores Caparó, pela disposição, apoio, conversas e
reflexões, mesmo distante, agora.
Especialmente a meus filhos Isadora e Davisinho, pela compreensão; e a meus pais, José
Messias Dantas e Maria Conceição Dantas, pelo amparo incondicional.
Finalmente, de forma muito especial, ao técnico Davi Levingston Andrade Leão Júnior, esposo
querido, conselheiro e incentivador durante dezenove anos, que descanse em paz.

“...É revolucionário na diluição geral ... o que nunca mais esqueci!”


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LEÃO, Elisângela Conceição Dantas. A percepção no tempo: Igreja de Santo Antônio da


Mouraria, Salvador-Bahia. 2014. 293f. Dissertação (Mestrado em Conservação e Restauro)–
Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

RESUMO

A consciência de que “preservar a história” não se restringe mais à conservação dos


monumentos excepcionais tem significado um profícuo engajamento de campos do
conhecimento, com metodologias diversas, que convergem para constituir o campo disciplinar
da restauração e conservação contemporâneas. Para além dos aspectos técnicos, os desafios
impostos pela complexidade das solicitações sociais e econômicas de um mundo globalizado ao
patrimônio histórico e cultural têm desdobrado seguros preceitos em múltiplas variáveis
analíticas de um mesmo fenômeno que, contudo, se voltam para um objetivo comum: expressar
o tempo transcorrido nos objetos e convalidar socialmente seus valores memoriais. Inserido
nesse contexto, o registro histórico documental sistemático da Igreja de Santo Antônio da
Mouraria, localizada no centro antigo de Salvador, edifício que constitui testemunho da
memória histórica e arquitetônica da cidade do período setecentista, contempla aspectos
multidisciplinares na metodologia prevista para aquisição e processamento dos dados, o que
promoveu o aperfeiçoamento da síntese gráfica para a representação da estratigrafia física do
edifício, com auxílio de recursos computacionais, em congruência às demandas
preservacionistas contemporâneas. Analisar o passado, as relações e a carga simbólica que
transmitiram à Igreja, a imagem na paisagem do século XXI foi o ponto de partida para
questionar o estado atual de usos e significâncias, que o conjunto arquitetônico apresenta, no
intuito de compreender sua evolução através das sobreposições temporais da memória, tanto
quanto as das estruturas arquitetônicas. Também evidencia que descobrir as camadas físicas do
tempo, nas edificações, colabora com maior alcance interpretativo para a significância
simbólica dos artefatos aos quais é tributado valor histórico, visto que as mudanças formais da
arquitetura são estreitamente relacionadas às motivações culturais, sociais e econômicas. Na
paisagem da segunda linha de cumeada, que revela o desenvolvimento histórico e urbano de
Salvador, o monumento é lido a partir de impressões, ecos e imagens, de fora para dentro. Em
direção contrária, a leitura do edifício se faz através de palimpsestos lacunares que instigaram
um olhar mais apurado, considerando não somente a forma efetiva e real que interessa ao
arquiteto em trabalhos de conservação e restauro do patrimônio, mas toda a percepção inerente
à compreensão do edifício metamorfoseado em seu contexto e imerso no tempo.

Palavras-chave: Percepção, Documentação Arquitetônica, Conservação, Restauro,


Tecnologias Digitais.
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Perceptions in Time: Church of St Antony of the Mouraria - Salvador, Bahia.

ABSTRACT

The consciousness that "preserving history" is no longer limited to conservation of exceptional


monuments has meant a profitable engagement fields of knowledge, with different
methodologies, which converge to constitute a the disciplinary field of restoration and
conservation contemporaneous. Apart from the technical aspects, the challenges posed by the
complexity of social and economic demands of a globalized world to the historical and cultural
heritage has unfolded safe precepts in multiple analytical variables of the same phenomenon,
however, turn to a common goal: to express time passed in the objects and socially validate
their memorials values. Inserted in this context, the systematic documentary historical record of
the Church of St. Anthony of the Mouraria, located in the old center of Salvador, building that is
testimony to the historical and architectural memory of the city of eighteenth-century period
contemplates multidisciplinary aspects of the methodology prescribed for the acquisition and
processing data, which promoted the improvement of graphic synthesis for the representation of
physical stratigraphy of the building, with the aid of computational resources, in congruence
with contemporary demands preservationists. Temporal Memory overlaps as far as the
architectural structures are not usually considered in the "official interpretations" about the
document potential material as the old buildings contain. Highlight the physical layers of time
in buildings means collaborate more interpretive scope of the symbolic significance of the
artifacts which are taxable historical value, since the formal architecture changes are closely
related to cultural, social and economic motivations. Analyzing the past, relations and the
symbolic charge that transmitted to the Church, the image in the landscape of the twenty-first
century was the starting point to question the current state of uses and significance, that the
architectural ensemble presents in order to understand its evolution and find a way to safeguard
the well. The urban landscape of the second line of the ridge, which reveals the historical and
urban development Salvador, the monument under study is read from prints, echoes and images,
from outside to inside. In the opposite direction the reading of building was through lacunar
palimpsests that instigated to look more accurate. In this sense, some aspects were essential for
questioning and the investigation of the edified patrimony, metamorphosed into its context,
related to the monument recovery processes, theories and conservation and restoration
techniques applied in the city. Thus, the perception in time on the Church of St. Anthony of the
Mouraria brings these subtle associations in light of discussions on assets, revealing
impressions, echoes and images that extend to qualified heritage education activities.

Keywords: Perception, Architectural Documentation, Conservation, Restoration, Digital


Technologies.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Primeira Capa: Parede lateral esquerda da nave da Igreja da Mouraria em 2014, (com
sobreposição da área de estudo no ano de 2012).
Introdução: Azulejos da parede lateral esquerda da nave da Igreja da Mouraria, 2014........ 14
Fig.1 – Diagrama do processo produtivo, 2013 ...................................................................... 21
Cap.1: Ilustração Panorâmica de Salvador, pintada pelo suíço Friedrich Salathé (1793-
1988) ....................................................................................................................................... 24
Fig.2 – Planta da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, com indicação dos muros
e circunvoluções primitivas da fundação de Tomé de Sousa (1549)...................................... 26
Fig.3 – Baía de Todos-os-Santos, cópia do manuscrito da Biblioteca do Porto do livro: Da
Razão do Estado do Brasil ...................................................................................................... 27
Fig.4 – A expansão urbana de Salvador, na primeira cumeada de 1551 a 1553..................... 29
Fig.5 – A expansão urbana de Salvador em 1580................................................................... 31
Fig.6 – Trecho da gravura de Benedictus Melaius Lusitanus, pelo Padre Bartolomeu
Guerreiro, ilustrando a retomada da Cidade do Salvador em 1625, com destaque atual para
os acampamentos na área da Palma à esquerda e da Piedade à direita................................... 33
Fig.7– Planta da Restituição da Bahia – episódio da reconquista de Salvador, em 1625, pela
armada luso-espanhola. Autor: João Teixeira Albernaz, o Velho........................................... 34
Fig.8 – Representação da Evolução Física de Salvador, em 1650, com os bairros novos
assinalados por círculos escuros ............................................................................................. 36
Fig.9 – Projeto de fortificação da Cidade do Salvador, reproduzido das Cartas
Soteropolitanas de Luís dos Santos Vilhena, do desenho de Massé, 1715. Detalhe com
destaque para a área da Cidadela (14)...................................................................................... 40
Fig.10 – Planta da Cidade do Salvador, em 1714. Ilustração do livro de Amédée François
Frézier, Relation du voyage, em 1716. Detalhe com destaque para a área da Cidadela (14)...41
Fig.11 – Imagem da lápide comemorativa do lançamento da 1ª pedra nos alicerces da ainda
Capela de Santo Antônio da Mouraria .................................................................................. 49
Fig.12 – Simulação digital da planta baixa da Capela Primitiva – 1726................................ 54
Fig.13 – Azulejaria portuguesa que reveste as paredes da nave da Capela............................ 56
Cap.2: Prospecto da Cidade do Salvador, elaborado por Vilhena em 1801.......................... 58
Fig.14 – Planta da Cidade do Salvador, em 1785, desenhada pelo Capitão e Tenente do
Regimento José Gonçalvez Galeão (1785)............................................................................. 63
Fig.15 – Planta da Cidade do Salvador, em 1798, elaborada pelo Engenheiro Militar
Joaquim Vieira da Silva (1798) ............................................................................................ 64
Fig.16 – Planta da Cidade do Salvador, em 1894, produzida por Adolfo Morales de los
Ríos......................................................................................................................................... 75
Fig.17 – Simulação digital da planta baixa da Capela dos Militares – 1872, a partir dos
documentos............................................................................................................................. 78
11

Fig.18 – Simulação digital da planta baixa da Capella dos Militares – 1872, a partir do
levantamento das variáveis condicionantes ............................................................................79
Fig.19 – Lápide do Major Antônio Domingos (1811-1869) na Mouraria............................... 80
Fig.20 – Uma das primeiras turmas do Patronato de São Vicente de Paulo – 1900.................82
Fig.21– Simulação digital da planta baixa da Capela – 1896-1900..........................................85
Fig.22 – Gráfico comparativo das vidas de Lacerda, Victorino e Amélia Rodrigues..............88
Cap.3: Panorama fotográfico da Cidade do Salvador, vista do Forte São Marcelo, pelo
fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923) – em 1875 .......................................................................91
Fig.23 – Gymnasio da Bahia inaugurado em 1900, atual Colégio Estadual da Bahia
(Central)....................................................................................................................................95
Fig.24 – Imagem do interior da Igreja de 1938/39, provavelmente de Cerqueira
Galvão...................................................................................................................................... 99
Fig.25 – Imagem do interior da Igreja em 1974.....................................................................100
Fig.26 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor ................................................101
Fig.27 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor. Trecho localizado acima do
acesso à Sacristia.....................................................................................................................102
Fig.28 – Descolamento do reboco da cercadura da porta, que dá acesso ao púlpito e seção
polida da mostra do revestimento histórico envolvido em paraloide......................................103
Fig. 29 – Observações efetuadas no microscópio petrográfico..............................................104
Fig.30 – Aspectos da camada de emboço e reboco, vista ao microscópio, com ampliação
10X........................................................................................................................................ 104
Fig.31 – Painel com variedade de desenhos em escaiola encontrados na Igreja .................. 105
Fig.32 – Trecho da parede lateral direita da nave, após descolamento da tinta azul............. 106
Fig.33 – Retábulo Lateral esquerdo: altar do Evangelho de São José; e Retábulo Lateral
direito: altar de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia........................................................ 107
Fig.34 – Fotografia dos alunos do curso de música do Patronato, provavelmente em
1905....................................................................................................................................... 108
Fig. 35 – Simulação digital da planta baixa da Igreja – 1901-1905...................................... 109
Fig.36 – Mapa com projeto para via na freguesia de Santana............................................... 112
Fig.37 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (1923-1926)... 115
Fig.38 – Vista em perspectiva da Igreja de Santo Antônio da Mouraria em 1923................ 117
Fig.39 – A pobreza exposta nas praças da Cidade do Salvador em 1926...............................121
Fig.40 – Demolição dos prédios no Campo da Pólvora no ano de 1935 ...............................123
Fig.41 – Desenho da Igreja da Mouraria, provavelmente em 1938/39, ano de seu tombamento,
de autoria de Jimmy Scoot......................................................................................................126
Fig.42 – Igreja em fotografia de 1938/39, provavelmente de Cerqueira Galvão....................127
Fig.43 – Análise da estratigrafia da fachada, revelando a técnica do cimento penteado .......128
12

Fig.44 – Vista do Campo dos Mártires (atual Campo da Pólvora) antes da construção do
Fórum.................................................................................................................................... 130
Fig.45 – Vista do Campo da Pólvora em 2014...................................................................... 131
Fig.46 – Imagem do Projeto para o cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua
Santa Clara e Ladeira da Fonte das Pedras em 1959..............................................................134
Fig.47 – Vista do cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa Clara e
Ladeira da Fonte das Pedras em 2014................................................................................... 135
Fig.48 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, de autoria de Alfredo Gomes,
em 1966................................................................................................................................. 137
Fig.49 – Simulação digital da planta baixa da Capela – 1973............................................... 139
Fig.50 – Vista em perspectiva do conjunto tombado, fotografado em 1973..........................140
Fig.51 – Fachada Principal da Igreja da Mouraria em 1973...................................................140
Fig.52 – Planta de cobertura com localização dos pontos com deficiência no sistema de
escoamento..............................................................................................................................141
Cap.4: Frontispício da Cidade do Salvador fotografada do mar da Baía de Todos os
Santos – Fotografia da autora (2014)......................................................................................143
Fig. 53 – Mapa com a indicação dos pontos iniciais dos transportes coletivos e seu percurso
na parte central da cidade, com a localização da Mouraria na Avenida Joana Angélica........146
Fig.54 – Nucleação de atividades e transporte de massa ...................................................... 148
Fig.55 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria................................................... 153
Fig.56 – (a)Projeto da Residência Nº 34, em 1933................................................................ 154
Fig.56 – (b)Fachada da Residência Nº 34, em 1933 - Digitalizada em AutoCad.................. 155
Fig.57 – Fachada da Residência Nº 34 em 2014 ................................................................... 155
Fig.58– (a)Projeto da Residência Nº 03 em 1926...................................................................156
Fig.58 – (b)Fachada da Residência Nº 03 em 1933 – Digitalizada em AutoCAD ...................156
Fig.59 – Fachada da Residência Nº 03 em 2014.................................................................... 157
Fig.60 – (a)Projeto da Residência Nº 74 em 1927................................................................. 158
Fig.60 – (b)Fachada da Residência Nº 74 em 1927– Digitalizada em AutoCAD.................. 158
Fig.61 – Fachada da Residência Nº 74 em 2014.................................................................... 159
Fig.62– (a) Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935................................................... 159
Fig.62– (b) Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935- Digitalizada em AutoCad........160
Fig.63 – Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 2014........................................................160
Fig.64– (a) Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935................................................... 161
Fig.64– (b) Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935- Digitalizada em AutoCad........161
Fig.65– Fachada da Residência Nº 59 em 2014.................................................................... 162
13

Fig.66– (a) Cortes da Residência Nº 80 em 1939.................................................................. 162


Fig.66– (b) Cortes da Residência Nº 80 em 1939 - Digitalizada em AutoCad...................... 163
Fig.67 – Fachada da Residência Nº 80 em 2014.................................................................... 163
Fig.68 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria em 2006.................................... 164
Fig.69 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, em 2010-2012. ........................ 165
Fig.70 – Vista da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, em 2010-2012............................... 166
Fig.71 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (2011)............... 167
Fig.72 – Fachada principal da Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Arquivo gerado
a partir do PhotoModeler Scanner (2011) e desenhado em AutoCAD (2011)....................... 170
Fig.73 – Modelo geométrico tridimensional da Igreja de Santo Antônio da Mouraria......... 170
Fig.74 – Nuvem de pontos da Igreja de Santo Antônio da Mouraria exportada do software
1,2,3 DCASH......................................................................................................................... 171
Fig.75 – Modelo geométrico tridimensional da Igreja de Santo Antônio da Mouraria no
Revit Architecture 2012......................................................................................................... 172
Fig.76 – Plantas com identificação dos ensaios realizados in situ......................................... 178
Fig. 77 – Planta com indicação dos locais de recolha de amostras para análise.................... 180
Fig. 78 – Descrição dos principais problemas que afetam o monumento, diretamente
relacionados à presença de umidade.......................................................................................179
Fig. 79 – Fachada da Igreja de Santo de Antônio da Mouraria em 2013...............................182
Fig. 80 – Perspectiva da Igreja de Santo de Antônio da Mouraria em2013...........................183
Considerações Finais: Vista aérea da área de estudo no ano de 2014 ............................... 186
Referências: Vista aérea da área de estudo no ano de 2013 .................................................191
Apêndices: Vista aérea da área de estudo no ano de 2012 ....................................................202
Anexos: Vista aérea da área de estudo no ano de 2006 .........................................................285

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Defesa e religiosidade na arquitetura de Salvador ................................................... 46


Quadro 2 – Descrição de projetos de residências localizadas na Mouraria, apresentados
à Secretaria de Saúde Pública (Bahia) ........................................................................................119
Quadro 3 – Distribuição do emprego (terciário) em Salvador – 1990 ......................................149
Quadro 4 – Identificação do levantamento fotográfico das patologias e danos dos
elementos que constituem a Igreja da Mouraria ........................................................................176
Quadro 5 – Ensaios realizados na Igreja de Santo Antônio da Mouraria ..................................177
14

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABI Associação Baiana de Imprensa

ARQDOC Seminário Nacional sobre Documentação do Patrimônio


2012 Arquitetônico com o uso de Tecnologias Digitais

CEAB Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia

CIA Centro Industrial de Aratu

CIAM Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna

COFAM Centro de Orientação Familiar

CREA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura

EPUCS Escritório de Planejamento Urbano da Cidade do Salvador

FAUFBA Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia

IBIT Instituto Brasileiro de Inteligência Tecnológica

IPAC-BA Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LNEC Laboratório Nacional de Engenharia Civil

MFC Movimento Familiar Cristão

MINC Ministério da Cultura

NTPR Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração

OCEPLAN Órgão Central de Planejamento

PLANDURB Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano para a Cidade do Salvador

SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SSVP Sociedade São Vicente de Paulo

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

UFBA Universidade Federal da Bahia

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e


a Cultura
15

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14

1 FIOS NO TEMPO ....................................................................................................... 24

1.1 FIOS DA PRIMEIRA CUMEADA DE SALVADOR ............................................. 25


1.2 A OCUPAÇÃO DA SEGUNDA CUMEADA DE SALVADOR............................. 30
1.3 O CONDE DE SABUGOSA: FIOS ESTRATÉGICOS .......................................... 38
1.4 A MOURARIA: FIOS CORRELATOS .................................................................. 47
1.5 A CAPELA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA: FIOS ENTRELAÇADOS 48
1.6 A CARACTERIZAÇÃO DA CAPELA PRIMITIVA .............................................. 53
1.7 O PANORAMA ......................................................................................................... 57

2 TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS: ECOS NO TEMPO ..................... 58

2.1 ECOS MILITARES ................................................................................................... 59


2.2 IRMANDADE DE SANTO ANTÔNIO DOS MILITARES: ECOS EXTINTOS/
ATIVOS .................................................................................................................... 68
2.3 A SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULO: ECOS PARISIENSES .................. 81
2.4 ECOS BAIANOS ...................................................................................................... 86

3 RECONSTRUÇÃO/TOMBAMENTO: IMAGENS NO TEMPO ......................... 91

3.1 RECONSTRUÇÃO: DE ÁREA MILITARIZADA A ÁREA


INTELECTUALIZADA ............................................................................................ .. 93
3.2 TOMBAMENTO: SÍMBOLO PARA CADA UM E SIGNO PARA A
COLETIVIDADE.......................................................................................................... 124

4 DESUSOS NO TEMPO ............................................................................................... 143

4.1 A EXPANSÃO DO COMÉRCIO: A MOURARIA É O LIMITE ............................. 144


4.2 O COMÉRCIO AGARRA ......................................................................................... 153
4.3 AS INVESTIGAÇÕES E O DIAGNÓSTICO ........................................................... 164
4.3.1 Tecnologia para Registro da Memória: Experimentos Digitais ............................. . 166
4.3.2 Tecnologia para Registro da Memória: Análise, Investigação e Caracterização
dos Materiais ........................................................................................................... 172
4.3.2.1 Fichas Catalográficas da Igreja......................................................................... 172
4.3.2.2 Localização da Coleta de Dados para Análises ................................................ 174
4.4 NAS ENTRELINHAS: ILAÇÕES NO TEMPO .................................................... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 184

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 189

APÊNDICES................................................................................................................ 202

ANEXOS ...................................................................................................................... 285


14

A história não é somente uma questão de fatos; ela exige imaginação que penetre o
motivo da ação, que sinta a emoção já sentida, que viva o orgulho ou a
humilhação já provados. Ser desapaixonado é perder alguma verdade
vital do fato; é impedir-se de reviver a emoção e o pensamento
dos que lutaram, trabalharam e pensaram. Não era a conquista
da Colônia do Sacramento só que interessava:
não era só a coisa, era o espírito da coisa.
(CAPISTRANO DE ABREU, 1954, p.10).
15

INTRODUÇÃO

Diversas civilizações, ao longo da História, demonstraram preocupação e respeito aos


seus monumentos e à sua permanência para a transmissão da cultura e identidade às próximas
gerações. O entendimento de mundo atual, globalizado, conectado com a multiplicidade de
heterogeneidades na comunicação e velocidade de informação transformou o tempo em
instante, modificando a percepção das coisas. Entretanto, este é inerente às atividades
humanas e se reflete diretamente nas obras arquitetônicas, cabendo à multidisciplinaridade
das técnicas de conservação e restauro retardar, diluir sua ação e tornar o monumento presente
de forma digna por mais gerações. Segundo o entendimento apresentado por Bauman em
entrevista sobre Identidade (2005), é possível pôr em foco a conservação do patrimônio:

[...] num mundo em que o desprendimento é praticado como uma estratégia


comum da luta pelo poder e da autoafirmação, há poucos pontos firmes na
vida, [...] cuja permanência se possa prever com segurança [...] Afinal de
contas, a essência da identidade [...] não pode ser constituída senão por
referência aos vínculos que conectam o eu às outras pessoas e ao pressuposto
de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do
tempo. (BAUMAN, 2005, p.74-75).

Bauman tem uma visão semelhante à de Capistrano de Abreu (1954), no livro


Capítulos de História Colonial (1500-1800), onde este sinaliza que os interesses do
pesquisador devem ultrapassar os fatos em busca da essência, “do espírito da coisa”,
contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.
Dentro dessa linha, o estudo da percepção no tempo sobre a Igreja de Santo Antônio
da Mouraria traz consigo impressões, ecos e imagens sobre a compreensão dos estratos
temporais sobrepostos no monumento, enfatizando a carga simbólica que a igreja acarreta no
desvelar de seu espírito, durante os quase trezentos anos de existência. Assim como a maioria
dos monumentos que jazem despercebidos no sítio histórico da Cidade do Salvador, primeira
Capital do Brasil, este monumento constitui verdadeiro testemunho da memória histórica e
arquitetônica do período setecentista e conserva materiais e técnicas ancestrais que
necessitam, com urgência, de pesquisa e preservação.
A apreensão do espírito da matéria relacionada às lembranças da experiência de vida
do espectador, que por sua vez remete à lógica existente na natureza, é o sublime na obra de
16

John Ruskin (1996)1. A percepção do tempo aqui entendida corrobora o pensamento de


Ruskin e sinaliza o bergsonismo2 quando compreende a alma inerente ao tempo e, em
nenhuma circunstância, passível de separação, pois “o tempo é vivo e a matéria é temporal”,
portanto entre o ser e o devir, a matéria nunca se distancia do tempo (BACHELARD, 1988,
p.12). Pensar em tempo, a partir das teorias de Henri Bergson, é refletir sobre a duração
enquanto memória, que se apresenta na elaboração do presente a partir do passado.
A ideia de duração em Bergson traz à luz o processo em que o presente/passado se
entrelaçam em direção à multiplicidade do futuro, evidenciando a importância do instante
para o devir. Neste ponto, o instante funciona como ponte em que o presente evoca o passado,
através da lembrança, e a memória constrói um tempo que, ao articular passado/
presente/futuro, remete a uma dimensão espacial. E, quando esta memória coletiva se
relaciona com construções que se reconhecem na identidade cultural de um povo, revela uma
permanência que se constitui em patrimônio cultural.
Para Bergson (1999), em Matéria e Memória, ensaio sobre a relação do corpo com o
espírito, só permanece aquele que possui condições de se reinventar, se recriar. Essa
percepção permite a reflexão sobre o patrimônio no entendimento dos usos que é dado ao
monumento, a partir de seu reconhecimento:

Reconhecer um objeto usual consiste sobretudo em saber servir-se dele. [...]


Mas saber servir-se dele é já esboçar os movimentos que se adaptam a ele, é
tomar uma certa atitude ou pelo menos tender a isso em função daquilo que
os alemães chamaram "impulsos motores" (Bewegungsantriebe). O hábito de
utilizar o objeto acabou portanto por organizar ao mesmo tempo movimentos
e percepções, e a consciência desses movimentos nascentes, que
acompanhariam a percepção à maneira de um reflexo, estaria, aqui, também,
na base do reconhecimento. (BERGSON, 1999, p.104-105).

O edifício, mesmo em sua senilidade, quando possui função na sociedade, a ele é


oferecida manutenção. Quando isso não ocorre e afasta-se dele a população, acentuam-se os
processos de degradação. O uso relacionado à manutenção para a duração da obra, já era
defendido por Ruskin desde o século XIX, ao relatar:

Tomai atentamente cuidado, com os vossos monumentos, e não tereis


nenhuma necessidade de restaurá-los. Poucas lâminas de chumbo colocadas

1
Na Lâmpada da Memória, livro publicado em 1848, ele defende a importância da passagem do tempo nas
construções humanas, adicionando o tempo como fator intríseco ao monumento, elevando os efeitos de
sublimidade e tornando-o pitoresco.
2
O bergsonismo é uma filosofia do futuro, do tempo, da transformação, segundo Romano Galeffi em seu livro
Presença de Bergson (GALEFFI, 1961). Romano Galeffi foi um filósofo e crítico de arte italiano radicado no
Brasil, fundador da cadeira de Estética na Universidade Federal da Bahia
17

a tempo sobre um teto, poucas folhas secas e gravetos retirados a tempo por
um jato de água, salvariam tanto o forro como os muros da ruína. Vigiai um
velho edifício com atenção cuidadosa; protegei o melhor que puderdes e a
qualquer custo de qualquer sinal de deterioração. Contai aquelas pedras
como contais as gemas de uma coroa; colocai em torno deles vigias como se
se tratasse das portas de uma cidade assediada. Onde a estrutura murária
mostra esgarçamento, fazei-a compacta utilizando o ferro. E onde ela cede,
escorai-a com madeira. Não vos preocupeis com a feiúra desses apoios:
melhor ter uma muleta que ficar sem uma perna. E tudo isso fazei
amorosamente, com reverência e continuidade, e mais de uma geração
poderá ainda nascer e morrer a sombra desse edifício. Ao fim, também ele
deverá viver o seu dia extremo. Mas deixemos que esse dia venha
abertamente e sem enganos, e não permitamos que algum falso e desonroso
substituto o prive dos ofícios fúnebres da memória. (RUSKIN, 1996, p.27).

À vigília ao edifício, descrita acima, podem-se acrescentar as tecnologias, para o


registro documental do patrimônio, entendendo e respeitando a significância do tempo no
âmago de suas entrelinhas climáticas, religiosas, antropológicas, filosóficas, arqueológicas e
subentendidas.
De fato, tudo passa, o tempo, o instante, mas a diversidade temporal dos fenômenos
demonstra que a maneira como passa, faz toda a diferença. Para Zygmunt Bauman (2001), em
seu estudo sobre a Modernidade Líquida, estar situado entre o passado e o futuro é construir
uma ponte entre a durabilidade e a transitoriedade e viver numa sociedade líquida que implica
assumir responsabilidades e perceber o momento, o instantâneo, em seu tempo e espaço
únicos. Assim é também o Patrimônio Histórico, único em seu tempo, com sua bagagem
histórica, tecnológica, mas fadada ao desaparecimento, caso não haja políticas públicas
incisivas de reconhecimento e valorização, como ferramentas de preservação.
Assim, analisar o passado, as relações e a carga simbólica transmitida à Igreja de
Santo Antônio da Mouraria, na paisagem do século XXI, foi a ponte, o ponto de partida para
questionar o estado atual de usos e significâncias que o conjunto arquitetônico apresenta.
Em O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese, de 1903, Alois
Riegl (2006) discorre sobre os valores atribuídos aos monumentos, segundo a carga simbólica
caracterizada pelo valor de rememoração, visto que o usuário do monumento percebe
primeiro o seu valor de antiguidade, assinalado como documento histórico, no qual a
materialidade do objeto narra sua biografia. Para Riegl (2006), mais do que cultuado e
preservado, o monumento deve ser questionado, investigado, pois se constitui em um
elemento revelador da sociedade de um tempo.
Na paisagem urbana da segunda linha de cumeada da Cidade do Salvador, que revela
o desenvolvimento histórico e urbano da cidade, o monumento em estudo é lido a partir de
18

impressões, ecos e imagens, de fora para dentro, em nuances temporais, diante das
transformações descobertas. Em direção contrária, a leitura do edifício dá-se através de
palimpsestos lacunares que instigam o olhar mais apurado. Neste sentido, alguns aspectos
foram fundamentais para o questionamento e a investigação do patrimônio edificado,
metamorfoseado em seu contexto, relacionado não só aos processos de valorização do
monumento, mas também às teorias e técnicas de conservação e restauro aplicadas na cidade.
As primeiras impressões datam de 2007, na ocasião em que a Sociedade São Vicente
de Paulo, na administração do advogado Paulo Nascimento (2008-2012), se articulou com o
Movimento Familiar Cristão – MFC, para trazer as atividades do COFAM3 para funcionar no
edifício vicentino, anexo à Igreja, visto que, em 2008, a Santa Casa de Misericódia da Bahia,
solicitou ao COFAM, que desocupasse suas instalações, pois haveria reformas na Pupileira e,
por isso, necessitavam das salas. Uma das dirigentes do COFAM é a senhora Magda Hita,
matriarca dos irmãos que comandam a Hita Engenharia, empresa em que trabalha a arquiteta
Fátima Hita, coordenadora da equipe de arquitetos, da qual eu participava, desde 1998. Dado
o meu interesse na história da cidade e nas questões de patrimônio4, Fátima Hita me delegou a
missão de adequar os ambientes necessários, para as atividades realizadas pelo COFAM, no
novo endereço a ser ocupado, na Avenida Joana Angélica. Ao nos dirigirmos para o local,
Fátima Hita iniciou os relatos: “O edifício é antigo, pertence a uma irmandade que está se
associando ao COFAM, por possuírem as mesmas ideologias, mas encontra-se muito
degradado”.
Ao chegar ao local de destino para realizar o cadastro, foi apresentada a Igreja de
Santo Antônio da Mouraria, pelo Confrade Paulo Sena, da Ordem Vicentina. As primeiras
impressões me emocionam até hoje: o cheiro da madeira abafada, o jogo de luz e sombra, as
imagens no altar-mor, os voos rasantes de morcegos sobre as cabeças, os azulejos
setecentistas escondidos nas sombras. O caminho percorrido assemelhava-se a um labirinto,
que levou ao saguão do edificio com acesso lateral pela Avenida Joana Angélica, onde foi
avistada, sobre escombros e biombos de ferro, uma bela escada de madeira em “U” com o
degrau convite em mármore. O piso estrelado de ladrilho hidráulico revelava outros tempos.
Uma porta se abriu e uma espécie de quintal surgiu, dando acesso a outras salas e mais
morcegos.

3
Centro de Orientação Familiar da Bahia. Para saber mais, visite o site oficial: < http://www.cofam.org.br >.
4
Kirimurê: uma Aplicação da Modelagem Geométrica na Produção da Forma Arquitetônica – artigo apresentado
ao SIGraDi 2009 SP - Elisângela Conceição Dantas Leão, Faculdade de Arquitetura – UFBA e Arivaldo Leão de
Amorim, LCAD/FAUFBA/UFBA.
19

Chamou a atenção, a quantidade de roupas empilhadas nos cantos das salas com
acesso pelo quintal, indagando-se sobre os motivos, embora não me recorde da resposta,
apenas que era algo relacionado à Despensa dos Pobres. O Sr. Paulo Sena explicava, mas
todas aquelas impressões me deixaram enlevada. Tomei do lápis e da prancheta e dei início ao
cadastro, e, logo depois das pesquisas, veio a confirmação: Monumento tombado pelo
IPHAN.
Estava configurado o desafio. Ao COFAM, só cabia os fundos do edifício, cerca de
cinco salas, que foram tratadas no mesmo patamar de obra de arte, de que todo o conjunto era
merecedor. Após executar o projeto, respeitando suas características históricas e as marcas do
tempo, discutiu-se cada detalhe com o engenheiro que executou a obra, como as ‘joias da
coroa’, citadas por Ruskin (1996). Com determinados ajustes no layout, consertos nas
esquadrias e reparos na cobertura, o COFAM instalou-se em 2008 e lá funciona até hoje.
Essa parceria promoveu a necessidade de requalificação do monumento como um
todo, o que tornou a aproximação mais intensa com os guardiões do monumento. Essas
impressões levantaram dúvidas, que mais tarde vieram a se tornar objeto de estudo para o
projeto de Mestrado em Conservação e Restauro do Patrimônio, em 2010, a partir do
incentivo oferecido pela orientadora deste trabalho, Professora Doutora Odete Dourado, que
na época ministrava as aulas de Teoria e História da Conservação e do Restauro, no Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
Outra contribuição fundamental para as percepções no monumento foram as pesquisas
desenvolvidas durante o processo de produção do diagnóstico das patologias existentes na
Igreja da Mouraria, realizado em 2011, como avaliação da disciplina de Tecnologia da
Conservação e do Restauro I, ministrada pelo Professor Mário Mendonça de Oliveira, no
Programa de Pós-Graduação da FAUFBA. Nelas, foram observadas sobreposições como fruto
do tempo, o que levou ao encontro de fios temporais nos pequenos detalhes percebidos, nas
amplificações sobre o conhecimento dos materiais e nas técnicas tradicionais empregadas na
construção, a partir da Pesquisa Histórica do monumento, do Levantamento Cadastral, do
Registro Fotográfico e da caracterização física e química dos materiais.
Os dados pesquisados sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria e seu entorno
foram registrados e catalogados como elementos de investigação e histórico de cada detalhe
arquitetônico, estabelecendo parâmetros cronológicos para a obtenção de análise que
preenchesse as lacunas percebidas, como fios que acabaram por revelar camadas temporais
que se sobrepunham.
20

A partir desses aspectos, estabeleceu-se o desafio de compreender como esses fios


foram elaborados na roda do tempo para a construção da Igreja e sua metamorfose contínua,
trazendo à luz inúmeras feições da Igreja e da estrutura do edifício, ao longo dos anos. Seja
com adição de adornos, aplicação de materiais, inserção de novos usos ou coloração dos
planos de paredes, o fato é que a cidade se transformou, e isso se refletiu nas entrelinhas do
monumento. Essa percepção direcionou o trabalho para uma abordagem mais ampla,
constituindo uma narrativa de longa duração, no intuito de tornar compreensíveis as mudanças
que se encontram imbrincadas na Igreja e na área da cidade, desde antes de sua fundação.
Assim, percebe-se que as ações naturais do devir e a mão do homem são fatores
constituintes das transformações vivenciadas pelos edificios históricos. Cesare Brandi (2004),
em sua Teoria da Restauração, compreende a matéria como meio físico, no qual o tempo se
manifesta, transformando a imagem dos monumentos. Tudo isso contribuiu para o
embasamento dos estudos da Igreja da Mouraria aqui apresentados e sobre a investigação da
matéria em sua essência, pois, de acordo com Brandi (2004, p. 35):

O primeiro axioma relativo à matéria da obra de arte, como único objeto da


intervenção de restauro, exige um aprofundamento do conceito de matéria
em relação à obra de arte. O fato de os meios físicos, de que a imagem
necessita para se manifestar, representarem um meio e não um fim, não deve
eximir de investigação aquilo em que constitui a matéria com respeito à
imagem, investigação que a Estética idealista quis em geral transcurar, mas
que a análise da obra inexoravelmente representa. (BRANDI, 2004, p. 35)

A arquitetura, sob essa ótica, abrange as áreas da arqueologia das edificações enquanto
materialização de formas de pensar o espaço para atender às necessidades individuais e
coletivas que refletem hábitos, costumes e interesses dos grupos sociais em determinados
tempo e espaço. Esses princípios, aliados às tecnologias de registro do patrimônio,
sinalizaram os rumos da pesquisa.
Compreender a imanência do tempo, diante dos monumentos na paisagem urbana,
proporcionou o desenvolvimento dessa metodologia investigativa para o reconhecimento do
patrimônio, no âmbito arqueológico, a partir da observação dos detalhes e questionamentos
encontrados no cadastramento da edificação. Os ecos trouxeram impressões que demandaram
uma análise peculiar de cada aspecto levantado, resultanto em vasto contéudo de informações,
que contribuíram para a simulação digital da Igreja da Mouraria, associadas a cada
administração de ordem religiosa que ali interveio. Essa metodologia proporcionou a análise
crítica e didática da passagem do tempo sobre a Igreja da Mouraria, identificando a
21

localização da capela primitiva e as transformações ocorridas ao longo do tempo. O diagrama


da Figura 1 apresenta o processo desenvolvido.

Fig. 1 – Diagrama do processo produtivo.


Fonte: Resumo da autora (2013).

A primeira fase constituiu uma pesquisa histórica sumária, abarcando desde a


fundação da Cidade do Salvador até a fundação da Capela, o que delineou a compreensão dos
FIOS NO TEMPO. Cada detalhe observado nas prospecções para o diagnóstico da Igreja da
Mouraria constituiu-se em “fio de Ariadne”, gerando impressões relacionadas com a memória
e a história da cidade, revelando um panorama histórico que remonta a uma época de
descobrimentos e inquietações: da ocupação da segunda cumeada de Salvador à invasão
holandesa; ou da descoberta das minas de Jacobina ao cuidado com o recolhimento das moças
no Convento de Santa Clara do Desterro. Uma sucessão de fatos está diretamente relacionada
à implantação e à construção da Igreja de Santo Antônio, na Mouraria, no ano de 1724, bem
como ao contexto em que a cidade avança para a ocupação do território, estabelecendo novos
limites e trincheiras, que, mais tarde, se tornaram a Avenida Joana Angélica.
Ao percorrer um pouco mais os fios da história, vestígios foram percebidos nos
artefatos da pesquisa. Se, para Heidegger (1992), na obra de arte está o acontecimento da
22

“verdade” e nela se instaura o mundo, que ecos do mundo podem ser percebidos na singela
Igreja da Mouraria? Devido ao fato de a Igreja pertencer a uma Ordem Terceira, ou seja, ser
administrada por diversas irmandades leigas, observou-se que cada irmandade tutora trazia
consigo influências e personagens marcantes da sua época. O Conde de Sabugosa, 4° Vice-
Rei do Brasil, Ignácio Accioli, autor das Memórias Históricas e Políticas da Província da
Bahia, e Antônio de Lacerda, idealizador do Elevador Lacerda, foram alguns exemplos que
deixaram seu legado na imagem do monumento. Essas perspectivas enriquecem a memória da
cidade e se reconhecem no patrimônio edificado. Parafraseando Heidegger: a obra de arte em
sua essência é uma origem (HEIDEGGER, 1992) e tece a segunda fase, com as irmandades
que tutelaram o monumento, transformando-o, mas promovendo sua origem voltada para a
caridade. A análise histórica e a pesquisa empírica trazem as TRANSFORMAÇÕES E
PERMANÊNCIAS: ECOS NO TEMPO.
E, de acordo com as discussões de Produzindo o Passado: estratégias de construção
do patrimônio cultural, coletânea de textos organizada por Arantes (1984), a paisagem
percebida pelo homem é um dado cultural, no sentido de cultura como movimento de criação,
constantemente em evolução no ambiente artificial, construído através de sistemas
simbólicos, de elementos e significados. Com base nessas discussões, foi possível refletir os
diversos valores e questões que vão além do veículo de relações sociais e elaborações
estéticas, o que direcionou a terceira fase apresentada: RECONSTRUÇÃO/TOMBAMENTO:
IMAGENS NO TEMPO
Nesse sentido, após os estudos, registros e análises, indagou-se o valor de uso dos
monumentos, como observa Riegl (2006), cuja teoria expressa, singularmente, o sentimento
compartilhado pelos moradores do entorno da Igreja da Mouraria e frequentadores:

Trata-se de obras que temos o hábito de ver plenamente utilizadas, e que nos
perturbam desde que não preencham mais sua função familiar, dando assim
uma impressão de destruição violenta, insuportável [...]. (RIEGL, 2006,
p.94).

Nos estudos sobre a Igreja, percebeu-se que os contextos não são entidades fixas,
resultando de estados de relacionamentos (homem/espaço/tempo) identificados nos elementos
que formam a totalidade do conjunto arquitetônico na paisagem que se transforma. Assim, de
acordo com a Gestalt, nas obras de arte, os conteúdos resultam de constantes inter-relações
entre partes e totalidades, nas quais cada componente possui determinado significado.
Portanto, o todo nunca é apenas a soma das partes, uma adição, mas a integração de suas
partes, que forma um novo conjunto, à medida que novos elementos são integrados. Cada
23

significado será novo, único e singular na arte, assim como na vida das pessoas
(OSTROWER, 1995). A cada modificação na estrutura do conjunto arquitetônico, tem-se uma
nova Igreja, e novos sentidos são articulados e acrescidos à paisagem da cidade.
Dessa forma, o monumento, que passou por transformações de usos, restaurações e
descaracterizações, constitui a quarta fase deste trabalho: DESUSOS NO TEMPO.
Assim, o desmembramento dos estratos temporais percebidos como impressões, ecos e
imagens culmina com os desusos na Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Este trabalho
procurou analisar o momento histórico, social e econômico em que foi construído o edifício,
demonstrando a relação entre monumento e cidade. O intuito foi compreender as
transformações da cidade e como essas relações foram percebidas e integradas à arquitetura,
ao longo do tempo, além de contribuir para o enriquecimento da compreensão dos
monumentos que guardam, em sua simplicidade, a essência cultural de um povo. Ensejou,
ainda, a colaboração na salvaguarda do patrimônio através de ações estratégicas
desenvolvidas em projeto piloto de educação patrimonial, efetivado em parceria com a
Faculdade de Arquitetura da UFBA, a Sociedade São Vicente de Paulo e o Colégio Estadual
da Bahia, com apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, denominado VI-VER O
PATRIMÔNIO– 1ª edição: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – 286 anos.
Segundo Bergson (1999), para estabelecer elos entre a percepção e a realidade, a
relação da parte com o todo, seria preciso atribuir à percepção sua função verdadeira, que é
preparar ações. Nesse sentido, o VI-VER O PATRIMÔNIO é o resultado dessas percepções e
já se encontra em vias de realizar a segunda edição, prevista para outubro de 2015,
promovendo o reconhecimento e a valorização do patrimônio cultural da Cidade do Salvador,
com jovens estudantes de escola pública, a partir da singela Igreja da Mouraria e sua riqueza
cultural, que pode-se definir como “o espírito da coisa”.
27
25

1 FIOS NO TEMPO

Os efeitos, que afetam os sentidos, atravessando as dimensões ocultas inerentes ao


indivíduo, produzem marcas na memória e, quando estas dizem respeito ao coletivo, se
transformam em percepções no tempo. Para John Ruskin (1996), a noção de primeira
impressão representa o sublime1, que corresponde a uma espécie de captura do espírito da
matéria. Esse aspecto é apreendido pelo espectador, no exato momento em que ele vê o objeto
pela primeira vez, revelando-se portador de associações diversas que brotam da memória,
como uma espécie de intuição.
Dessa forma, a intuição se aproxima dos conceitos apreendidos por Bergson (2006 b),
segundo os quais, a experiência física do espírito é vista como única e inerente ao espectador,
a partir de suas lembranças e vivências.
Ir em busca da origem da obra de arte dá acesso, então, à roda de fiar percepções2 no
tempo, tecendo o panorama dos antecedentes que levaram à construção do objeto de estudo, a
partir da análise das primeiras impressões. Estas revelaram fios para a tecelagem da Capela
que, mais tarde, se tornou a Igreja de Santo Antônio da Mouraria.
No âmbito da História do Brasil, foram encontrados fios geográficos, políticos,
religiosos, econômicos, estratégicos, comedidos ou intrigantes. Todos eles contribuíram para
que a Igreja alcançasse o século XXI, na qualidade de testemunha física do desenvolvimento
da Cidade do Salvador.

1.1 FIOS DA PRIMEIRA CUMEADA DE SALVADOR

Debruçada sobre a Baía de Todos-os-Santos, a primeira Capital da Colônia foi


fundada na linha inicial de cumeadas, da sequência de ondulações montanhosas que constituiu
o sítio escolhido por Tomé de Souza (1549-1553) para a implantação da cidade, dando início
ao Governo Geral no Brasil, após o fracasso das capitanias hereditárias, com o intuito de
consolidar o controle da terra brasilis. Com vocação militar, Salvador nasceu para ser “uma

1
Sublime é a apreensão do espírito da matéria relacionada às lembranças da experiência do espectador, que,
por sua vez, remete à lógica existente na natureza (RUSKIN,1996).
2
Roda de fiar percepções é um modo de entender e explicar a relação entre os fatos correlatos que deram à
Capela as feições arquitetônicas presentes em cada período estudado.
26

fortaleza e povoação grande e forte”, segundo o Regimento trazido por Tomé de Souza3, que
pretendeu torná-la rapidamente o centro administrativo, fazendário e judiciário de toda a
Colônia. No Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, Gabriel Soares de Sousa declara que,
nessa colina, o Governador edificou, em 12 meses, a sua cidadela de casas de taipa de sopapo,
cobertas com palha, cercadas de muros, também de taipa4 (SOUSA, 1587, p. 62).

Fig.2 – Planta da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, com indicação dos muros e
circunvoluções primitivas da fundação de Tomé de Sousa (1549).
Fonte: História da Fundação da Cidade do Salvador (SAMPAIO, 1949). Acervo da Biblioteca FA-
UFBA.
O mapa da Figura 2 consta da História da Fundação da Cidade do Salvador, de
Theodoro Sampaio (1949), que se refere a uma cópia reduzida do original existente no

3
Documento escrito por D. João III, Rei de Portugal, em 1548, com as premissas para a dominação e ocupação
do território descoberto, tornando Tomé de Souza o Governador Geral da colônia portuguesa.
4
Taipa ou Terra sobre estrutura é uma técnica muito simples e econômica, bastante empregada em zonas
tropicais (SANTIAGO, 2001, p.54), mas a taipa a que se refere Gabriel Soares é a taipa de pilão, que consiste em
levantar paredes de terra, comprimida com golpes de pilão entre placas de madeira.
27

manuscrito da “Razão do Estado do Brasil de 1611” pertencente ao arquivo do Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro. Nele é possível observar em negrito as primeiras muralhas
que delinearam a cidade e os principais edificios para funções administrativas da Colônia, as
portas da cidade, armazens, baluartes e igrejas.
Ao tratar sobre o sítio da Cidade do Salvador, Vilhena (1969, v.1, p. 107) declara que
“[...] dez Venezas juntas, não poderiam comparar-se com a cidade que naquele dédalo se
fundasse [...]”, devido à beleza natural que se revela na Baía de Todos-os-Santos5. A
apropriação do sítio para a criação da Cidade do Salvador é um exemplo de adequação à
geomorfologia do lugar, tirando proveito de suas características, para atender aos objetivos da
Coroa diante da necessidade de defesa contra as invasões internas e externas. Por outro lado, à
medida que crescia a população, a cidade transbordava de seus muros.
De acordo com Gabriel Soares de Sousa (1587) e Teodoro Sampaio (1949),
rapidamente se degradaram as construçoes feitas às pressas, na administração de Tomé de
Souza e Luís Dias, o mestre construtor, fato que demandou frequentes reconstruções. Como
se vê na Figura 3, há concentração de construções intramuros, à beira da encosta, às margens
da baía, e, também, a presença de casas muito esparsas nos arredores da área.

Fig.3 – Baía de Todos-os-Santos, cópia do manuscrito da Biblioteca do Porto do livro: Da Razão do


Estado do Brasil.
Fonte: LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil [1938]. Acervo da Biblioteca FA-
UFBA.

5
Referência associada à imagem de capa deste capítulo. Entretanto, para os olhares mais atentos, a autora dispõe
na capa de cada capítulo, a imagem do frontispicio da Cidade do Salvador, apresentando a evolução da ocupação
da área da primeira cumeada.
28

Segundo Milton Santos (1959), em seus estudos sobre O centro da Cidade do


Salvador, fora das muralhas, grandes concessões de terra foram doadas às ordens religiosas,
que acompanharam os colonizadores, de acordo com o Padroado6, no processo de colonização
portuguesa, representados nesta Colônia pela Ordem dos Jesuítas. Corrobora os relatos de
Serafim Leite7 (1938, p.9), em História da Companhia de Jesus no Brasil, em que este afirma
que, ao contrário dos espanhóis, “[...] os portugueses colonizadores, ao aportarem em terras
desconhecidas, desembarcavam primeiro a Cruz, depois a espada [,,,]”, pois a colonização
acontecia a serviço de Deus e para a utilidade da Coroa. Como destaca o Regimento do
Governador e Capitão General Thomé de Sousa, dado em Almerim, Portugal, no ano de 1548:

Eu, o Rei, faço saber a vós, Tomé de Souza, fidalgo de minha casa, que
vendo Eu quanto serviço de Deus, e meu, é conservar e enobrecer as
capitanias e povoações das terras do Brasil, e dar ordem e Fé
[...].(REGIMENTO..., 1998, p.11).

Confirma esse aspecto, a primeira missa descrita por Barros (1934, p.13):

Terminado o sermão, Frei Henrique, por indicação de Nicoláo Coelho,


colocou vários crucifixos nos pescoços de 50 selvagens, prolongando-se a
cerimonia até uma hora da tarde, quando se lavrou o termo de posse
firmando-se solemnemente o domínio portuguez no território descoberto.

No entanto, Charles R. Boxer (1969, p.146), em O Império Colonial Português, afirma


que “[...] a implantação do Catolicismo Romano em suas colônias e os métodos utilizados na
propagação da fé”, para o domínio das terras invadidas, configurava uma vantagem dos
portugueses, diante de outros colonizadores. De certo, esses fatores não impediram o
derramamento de sangue dos ameríndios que se rebelavam contra os colonizadores, como
retratam os números de aldeias dizimadas no período de colonização, segundo Theodoro
Sampaio (1949, p.31): “[...] do gentio, primeiro habitador dessas paragens ja se não
encontram senão restos das tribus dizimadas [...]”. Sem possuírem o monopólio oficial, os
jesuítas, na prática, monopolizavam a educação e a catequese dos nativos, apesar da presença
de outras ordens religiosas na cidade, como os carmelitas e franciscanos.
Com a experiência adquirida em outras colônias, após a expulsão dos indígenas e a
apropriação de suas terras, a cana-de-açúcar começou a ser cultivada no Recôncavo baiano8

6
Padroado era a delegação de poderes concedida pelos papas – através de bulas – aos reis de Portugal, mediante
a qual, o rei passa a ser o patrono e protetor da Igreja, dispondo de obrigações e direitos.
7
O padre Jesuíta Serafim Leite é o autor da História da Companhia de Jesus no Brasil, composta de 6
tomos cuja edição do 1º volume ocorreu no ano de 1930, sendo o seu último tomo editado em 1945.
8
Recônvavo baiano – o entorno de terras férteis que envolve a Baía de Todos-os-Santos.
29

por volta de 1560, em função do solo e clima favoráveis. A mão de obra escrava era de
origem africana, e a cana era cultivada nas margens dos rios navegáveis, através dos quais se
escoava facilmente a produção do açúcar, fumo e outros suprimentos até o porto de Salvador,
onde eram armazenados para serem exportados (SANTOS, 1959).
No fim do século XVI, ecos econômicos, políticos e religiosos avultaram Salvador
como entreposto comercial da Colônia, num sentido e no outro: dos produtos agrícolas, do
açúcar, dos escravos e dos colonos livres, dos instrumentos rudimentares e das tentativas de
inovações, da ordenação jurídica e das tradições culturais. A função portuária crescia, ao lado
das funções e necessidades administrativas, sociais e militares (SANTOS, 1959). Outros
pontos de ocupação foram surgindo na direção leste, fora das portas da cidade. Os mapas,
resultado dos estudos sobre a Evolução Física de Salvador, publicados pela Universidade
Federal da Bahia em convênio com a Fundação Gregório de Mattos (1998), ilustram, na
Figura 4, os períodos e a ocupação da primeira cumeada, apontando os vetores de expansão
urbana da cidade.

Fig.4 – A expansão urbana de Salvador, na primeira cumeada de 1551 a 1553


Fonte: UFBA/Centro de Estudos de Arquitetura na Bahia: Fundação Gregório de Mattos (1998).
30

A divisão administrativa e religiosa da cidade obedecia ao Referencial Eclesiástico,


devido em parte também ao Padroado, que subdividiu Salvador em Freguesias ou Paróquias.
Ou seja, a região administrativa era delimitada pelo conjunto de pessoas ligadas à mesma
igreja, tamanha sua importância para a demarcação dos quarteirões na ocupação da cidade. Ao
tratar das Dez Freguesias da Cidade do Salvador, Ana Amélia Nascimento relata as relações
que aconteciam em torno da matriz9: “Tomavam parte em suas solenidades, ali realizavam
seus batizados, casamentos e eram sepultados [...]” (NASCIMENTO, 1986, p. 29).
Na primeira cumeada, em ordem cronológica, apenas cinco freguesias abarcavam a
cidade: a Sé ou São Salvador, criada, em 1552, por D. Pero Fernandes Sardinha; Nossa
Senhora da Vitória, criada, em 1561, também por D. Pero Fernandes Sardinha; Nossa Senhora
da Conceição da Praia, criada, em 1623, pelo bispo D. Marcos Teixeira; Santo Antônio Além
do Carmo, criada, em 1646, pelo bispo D. Pedro da Silva Sampaio; e São Pedro Velho, criada,
em 1679, pelo arcebispo D. Gaspar Barata de Mendonça (CALDAS, 1951; NASCIMENTO,
1986). Ao tempo em que a população foi crescendo na direção leste da cidade, novas casas,
igrejas, ruas, bairros e freguesias foram surgindo, basicamente nessa ordem.
Nesta caminhada em busca da compreensão dos antecedentes que levaram à
construção da Capela da Mouraria, os fios que surgiram na ocupação do alto da encosta, na
primeira cumeada, direcionam agora os sentidos para o subúrbio da cidade10, vencendo outro
limite natural: o vale do Rio das Tripas.

1.2 FIOS NA OCUPAÇÃO DA SEGUNDA CUMEADA DE SALVADOR

A expansão da cidade alcançou a segunda linha de cumeada por volta de 1560, em


conformidade com a lógica de ocupação portuguesa, partindo de um edificio religioso como
foco de povoamento do lugar. Nesse sentido, os relatos do Dr. Francisco Vicente Vianna, em
a Memória sobre o Estado da Bahia (1893), revelam a Capela11 de Nossa Senhora do
Desterro, às margens do pântano do Rio das Tripas, provavelmente, como primeiro núcleo de
aglomeração da área, e os indícios do nome, pois o lugar viria a se chamar Palma:

9
Matriz, ou Igreja Paroquial, é o templo principal de uma paróquia
10
Nesta época, a área que hoje é conhecida como Avenida Joana Angélica, Piedade e Nazaré é que formava o
subúrbio da cidade.
11
Capela ou pequena igreja que apresenta um único altar.
31

[...] edificaram uns devotos, em 1560, uma capellinha a Nossa Senhora do


Desterro [...] de construcção primitiva, feita de taboas e coberta de palmas,
de que abundava o logar, de que veio o nome do proximo hospício fundado
pelos frades Agostinhos [...]. (VIANNA, 1893, p. 302).

Na paisagem dos sítios da Palma, em 1567, a ermida12 foi reconstruída de pedra e cal,
a mando do então Governador Mém de Sá (1558-1572), que sucedeu a D. Duarte da Costa
(1553-1558). Seguido pelos devotos, Mém de Sá decidiu por construir algumas casas nas
imediaçoes da Capela, para descansar nos dias de missa. Aos poucos, o número de casas foi
crescendo e tomando o lugar das palmas, para ocupar a segunda cumeada.
Nessa época, o Governador já pensava em construir ali um convento para religiosas,
sem obter êxito, deixando: “[...] recomendações à câmara da cidade e ao padre reitor do
collegio da Bahia e a quantia de mil cruzados em depósito [...]”, como relata Vianna (1893, p.
303). Assim, paulatinamente, Salvador se foi espalhando pelas cumeadas, como demonstra o
mapa do CEAB para 1580, Figura 5, na qual foi acrescentada, pela autora desta dissertação, a
Ermida do Desterro.

Fig.5 – A expansão urbana de Salvador em 1580.


Fonte: UFBA/Centro de Estudos de Arquitetura na Bahia: Fundação Gregório de Mattos (1998).

No entanto, ecos econômicos e políticos contribuíram para a aceleração dessa


ocupação, visto que a cidade primitiva começou a desempenhar um papel de centro regional
12
Ermida entende-se por capela edificada em lugar ermo, isolado.
32

após a conquista agrícola do Recôncavo, impulsionando seu desenvolvimento econômico e


atraindo a cobiça externa.
Se, nos idos do século XVI, “a população grande e forte” precisou construir muros
para se defender das flechas, no século seguinte, a preocupação maior estaria na fortificação
da cidade contra os estrangeiros (ingleses, franceses e holandeses). Assim relata Luiz
Monteiro da Costa, autor de Na Bahia Colonial, em que esclarece sobre as diretrizes militares
durante a ocupação da segunda cumeada, no processo de fortificação e defesa da cidade,
irradiando ecos e imagens que fortalecem as percepções sobre o tempo das invasões.
Descreve, deste modo, os rumos do século XVII:

O século vai passar com a cidade armando fortificações num “crescendo”


que espelha a cobiça dos que chegaram atrasados na Revolução Comercial,
invocando, para legitimar a ofensiva e remunerar capitais, a discutida tese do
mare liberum – versão holandesa da maliciosa interpretação do “Rei
Cavalheiro” sobre o testamento de Pai Adão, dividindo o mundo entre
castelhanos e portuguêses [...]. (COSTA, 1958, p.9).

Por sua vez, Boxer (1969) reafirma essa interpretação quando descreve os relatos de
conselheiros da Coroa, quando trata do momento em que o Brasil estava repleto de engenhos
que fabricavam o melhor açúcar da época, fator que contribuiu para o constante ataque
sofrido, durante os anos de 1599 a 1648. Assim, como é relatado na pesquisa da
UFBA/CEAB e Fundação Gregório de Mattos (1998, p.83): “[...] a colônia foi atacada
periodicamante pelos flamengos [...]”, sofrendo inúmeras perdas, seja na Capital ou no
Recôncavo, promovendo um período de intensa preocupação com as defesas da Colônia.
A cidade já dispunha, nessa época, do Forte de Santo Antônio da Barra (1587), do
Forte da São Felipe (1585), do Forte de Santiago de Água de Meninos (1595) e do Forte de
Santo Alberto ou Lagartixa (1595). Mesmo assim, o crescimento da cidade às margens da
baía oferecia inúmeros pontos de fácil acesso para a invasão dos estrangeiros, expondo sua
situação precária de defesa, a qual necessitava de maior atenção e investimentos da Coroa.
Datam, desse período, os primeiros projetos de renovação das fortificações de
Salvador, atribuídos a Leonardo Turriano, Engenheiro-Mor de Portugal, aprovados por
Tiburcio Espanochi, Engenheiro-Mor da Espanha e pelo Rei de Portugal (MORENO, 1968).
Para lidar com esses fatos, a ocupação da segunda cumeada se revelou uma estratégia que, aos
poucos, reverberou os ecos, fazendo surgir as imagens das invasões (Figuras 6 e 7).
34
35

Pari passu, a preocupação com a fortificação da cidade e a construção de edificios


religiosos direcionaram a ocupação da segunda linha de cumeada. Dentro do contexto
português de apropriação das terras, são dessa época as construções de três importantes
edificios religiosos: a Igreja de Nossa Senhora da Palma (1630), a Igreja e Mosteiro das
Religiosas de Santa Clara do Desterro (1677), configurando a Freguesia do Desterro, criada
no governo do arcebispo D. Gaspar Barata de Mendonça, em 20 de julho de 1679, e que
compreendia dois bairros, Palma e Saúde, e a Igreja e Convento de Nossa da Piedade
construída em 1679, que pertencia à Freguesia de São Pedro Velho (PITTA, 1958).
Em 1630, no Monte das Palmas, local em que as tropas portuguesas se reuniram para
cercar a cidade ocupada pelos holandeses, foi iniciada a construção da Igreja de Nossa
Senhora da Palma. Esta foi erguida graças ao voto de devoção feito por Bernardino da Cruz
Arraes, conforme escrito na placa exposta na fachada da Igreja, voltada para o poente, com
visuais para a cidade primitiva, permitindo a leitura do que era subúrbio na época. O culto
inicial data de 1670, ano em que a obra foi finalizada junto com a contrução do hospício 13 da
Ordem de Santo Agostinho.
O alojamento dos soldados, alvo da preocupação do Governador, fora resolvido
parcialmente através da construção do quartel na Rua de Baixo de Nossa Senhora da Ajuda,
pronto em 1632. Não sendo suficiente para abrigar toda a tropa, foi transferida essa
responsabilidade para os próximos governantes.
Ao substituir o sistema de governadores gerais pelo de vice-reis, em 1640, tentando
modificar sua política em relação ao Brasil, Portugal evidenciou que esta era sua colônia mais
importante, que lhe rendia mais e que merecia ser bem cuidada. Ao criar o Vice-Reinado,
também sediado em Salvador, Portugal designa para governar o Brasil administradores
hábeis, políticos, homens de experiência administrativa e não mais capitães, generais, como
no período anterior. Foi uma decisão adequada, tendo em vista o grande desenvolvimento da
indústria açucareira e, mais tarde, o descobrimento das minas. De acordo com a pesquisa
UFBA/CEAB e Fundação Gregório de Mattos (1998), o período que se configurou áureo para
a Salvador colonial, durou de 1651 a 1730.
Cada Vice-Rei demonstrou uma especialidade que contribuiu para o desenvolvimento
da Colônia, transformando Salvador na segunda cidade do Império português, ficando atrás
apenas de Lisboa.

13
Local de hospedagem dos Missionários Agostinianos Descalços.
36

Muito embora tenha sido breve sua atuação, foi na administração do Marquês de
Montalvão (1640-1641) que se realizou a construção de novas fortificações, as quais foram
finalizadas, em 1644, com a construção do quartel no bairro da Palma, extramuros da cidade.
O 2º Conde de Castelo Melhor (1650-1654) promoveu a execução de mais três
quartéis, também no bairro da Palma, para abrigo dos três terços que faziam a guarnição da
cidade, inaugurados em 1662. Rocha Pitta, na História da América Portuguesa (1958, p.98),
denomina a área da Palma como “grande zona militarizada da Cabeça do Brasil”.
Nos idos de 1650, os sítios da Palma, Desterro e Saúde já apresentam aglomerações,
sinalizando os vetores de desenvolvimento populacional, como ilustra o desenho 4 da
evolução física de Salvador (Figura 8), em continuidade aos estudos publicados pela
UFBA/CEAB e Fundação Gregório de Mattos.

Fig.8 – Representação da Evolução Física de Salvador, em 1650, com os bairros novos assinalados
por círculos escuros
Fonte: Evolução Física de Salvador (UFBA/CEAB; Fundação Gregório de Mattos, 1998).

Segundo as Cartas de Vilhena (1969, v.1, p. 84) a presença dos engenhos e das capelas
era fator indispensável ao trato dos civilizados. Por isso, a guerra e a catequese, em toda parte,
precederam a organização da justiça, estendendo-se gradativamente para o interior.
A questão dos conventos também se tornou de grande importância na época colonial,
pois a vaidade de ter filhos religiosos se transformou em modismo. Segundo Vilhena (1969,
v.3, p. 449), há muito tempo a população solicitava a construção de um mosteiro ou convento
37

que abrigasse as senhoras que tivessem vocação para o noviciado ou para recolhimento
daquelas que não possuíssem dotes para casar. Além disso, era costume da época que as
moças finas entrassem para o convento, principalmente para não se misturarem com os
habitantes da terra. Desde a administração de Mem de Sá que já havia a recomendação para a
construção desse recolhimento no Desterro.
No entanto, a Igreja e Mosteiro das Religiosas de Santa Clara do Desterro só recebeu
licença do Rei de Portugal, D. Afonso VI, para sua fundação em 1665. Mais tarde, em 1677, é
que chegaram à cidade as “[...] quatro freiras fundadoras do primeiro convento edificado para
senhoras, no Brasil”, relata Vilhena (1969, v.2, p.449). Oriundas do Convento de Santa Clara
de Évora, as Clarissas, fundadoras do Convento do Desterro, aportaram em Salvador no dia 7
de fevereiro de 1665. Entretanto, só conseguiram desembarcar dez dias depois, devido ao
atraso nas obras de execução do mosteiro. A Igreja e Convento do Desterro abrigou a
Paróquia por quase cem anos, o que promoveu sérios conflitos, a exemplo do surgimento dos
freiráticos14, gerando inquietações junto à Igreja e à sociedade da época, por conta do contato
direto da população com as recolhidas.
A Igreja e Convento de Nossa Senhora da Piedade teve iniciada sua fundação no ano
de 1679 pelos religiosos capuchos italianos. A princípio, edificaram uma pequena casa, na
qual se estabeleceram por algum tempo, mais tarde vindo a construir uma igreja e o convento.
Em 1685, foi apresentado o Plano do Capitão Engenheiro João Coutinho para a
fortificação das defesas de Salvador, com minucioso estudo das fortalezas, orçamento e
viabilidade da proposta, pouco tendo sido executado. Há relatos de que, ao atravessar o
oceano, esses desenhos se perderam, passando de mão em mão, restando deles apenas as
transcrições dos analistas da época. Oliveira (2004), fiel devoto das fortalezas, assevera a
indubitavel perda que isso representa para os estudos desses gigantes na luta contra o tempo e
descreve um resumo das principais proposições do Engenheiro, assim considerado como o
documento mais importante para o conhecimento das fortalezas. Do plano de Coutinho,
algumas fortalezas foram iniciadas, mas não concluídas.
Entretanto, o que chamou a atenção, nos estudos do Engenheiro João Coutinho, foram
os diversos aspectos peculiares de cada construção descrita, os limites das novas trincheiras e

14
Denominação dada aos indivíduos que namoravam freiras ou mantinham com elas relações suspeitas
(VILHENA, 1969, v.2, p. 468).
38

a presença do Adique Grande15, uma espécie de fosso alagado, na retaguarda da segunda


cumeada.
Todas as incursões diante das possibilidades de defesa da cidade ocorreram em
paralelo ao seu crescimento populacional, proporcionando o legado das sentinelas que
guardam a povoação grande e forte, espiando a baía do alto dos montes e cumeadas. Finda o
século XVII com o início das aulas de castramentação16, em 1696, a mando do Governador
Dom João de Lencastro, para a difusão do modus de defesa da cabeça do Brasil, agora ainda
mais assediada, com a descoberta dos primeiros veios de ouro, em 1695, pelos bandeirantes17.

1.3 O CONDE DE SABUGOSA: FIOS ESTRATÉGICOS

No início dos 1700, Salvador ainda se configurava como cidade fortificada, envolvida
por áreas de trincheiras e uma linha costeira de fortificações, que a contornava e se alongava
até o Recôncavo, apoiada pelos fortes. A própria geomorfologia do lugar se constituía num
arcabouço que delimitava a já ampliada cidade-fortaleza. A área da Palma, com vocação
militar, abrigou as tropas acampadas, os terços, os primeiros quartéis, a Casa da Pólvora e
todos os conflitos relacionados a defesa, população, economia e política.
No tilintar do século XVIII, o Mestre de Campo Miguel Pereira Costa descreveu o
panorama crítico e detalhado da situação de defesa da cidade, apontando suas mazelas e
analisando as fortalezas minuciosamente, relacionando o clima com os materiais adequados à
realidade da geomorfologia de implantação, visibilidade e poder de fogo de cada construção.
Esse ensaio crítico respaldou o plano anterior do Capitão Coutinho e serviu de base para o
projeto de fortificação da Cidade do Salvador proposto pelo Brigadeiro João Massé,
reproduzido na Figura 9, de cuja equipe técnica faziam parte Miguel Pereira Costa e o Capitão
Gaspar de Abreu, confirmando a máxima de que Santo de Casa não faz milagre. Ou seja, os
indícios e documentos relatam as mesmas diretrizes descritas nas proposições de Pereira
Costa, no entanto o projeto ficou conhecido, em 1715, como Plano de Massé (OLIVEIRA,

15
Atual Dique do Tororó (OLIVEIRA, 2004, p.70). Não confundir com o Dique dos Holandeses, quando
represaram o Rio das Tripas, canalizado sob a atual Baixa dos Sapateiros.
16
Aula sobre a arte de construir castelos, fortalezas. Deriva do latim castrum, que significa castelo.
17
Denominação dada aos sertanistas do Brasil Colonial, que, a partir do início do século XVI, penetraram nos
sertões brasileiros em busca de riquezas minerais, sobretudo o ouro e a prata, abundantes na América espanhola,
de indígenas para escravização ou para exterminar os quilombos.
39

2004). Esse redesenho, apresentado neste trabalho, foi publicado em 1969, em A Bahia no
Século XVIII, volume 1 da versão das Cartas de Vilhena, publicada em 1801.
Também bastante esclarecedora é a planta de Salvador, executada pelo Engenheiro
militar Amédée François Frézier (Figura 10), elaborada em 1714, a serviço do Rei da França,
publicado em 1716, em Paris, em seu livro Relation du voyage18.
Nesta dissertação, foram comparadas as duas plantas, revelando a cidade, no tempo do
Vice-Reinado do Marquês de Angeja (1714-1718), D. Pedro de Noronha, na qual a área da
segunda linha defensiva é posta em evidência e destacados alguns aspectos para comparação:

1 – Trincheiras

Nas duas imagens, destaca-se em vermelho o delineamento das muralhas (13) da


segunda cumeada, acompanhando a morfologia do terreno e insinuando a localização dos
baluartes de defesa, apontados para o subúrbio da época. Esse caminho de trincheiras passou a
ligar o Convento do Desterro (7) ao Convento dos Capuchinhos, na Piedade (Q), oferecendo o
topônimo a Rua das Trincheiras de onde se avistava o Adique Grande (12). Mas apenas no
projeto de Massé é indicada a localização do cemitério de soldados (V), (destacado em verde),
provavelmente na área da atual Pupileira, pertencente à Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

2 – Cidadela e Casa da Polvora

No projeto de Massé, observa-se o desenho de uma cidadela fortificada (14), à direita


do que seria a Casa da Pólvora (F) (destacada em rosa), localizada em frente ao Convento do
Desterro (7). O que fora confirmado na legenda da planta de Frézier, com a indicação do
Convento do Desterro (7) e da Casa da Pólvora (F) (PITTA, 1958), ao lado de um terreno
vazio (14), que provavelmente Massé identificou como local para a construção da Cidadela
(14), visto que o terreno vazio, ao sul, já pertencia ao convento dos Beneditinos.
Segundo Mário Mendonça de Oliveira (2004), nos seus escritos sobre As fortificações
de Salvador quando cabeça do Brasil, o Plano de Massé não conseguiu sua total execução,
mas algumas fortificações iniciaram um processo de reformas baseadas em suas premissas,
como o Forte de São Pedro, o Forte do Barbalho, as ampliações no Forte do Mar e no Morro
de São Paulo (OLIVEIRA, 2004, p.77). A cidadela na Palma, projetada por Massé, custaria
54.037$000, mas não fora executada.

18
Relation du voyage de la mer du Sud aux cotes du Chili, du Perou, et du Bresil, fait pendant les années 1712,
1713 & 1714 par M. Frézier. Livro completo disponível em:
https://openlibrary.org/books/OL25091548M/Relation_du_voyage_de_la_mer_du_Sud_aux_cotes_du_Chili_du
_Perou_et_du_Bresil_fait_pendant_les_ann%C3%A9es
40

E, de acordo com Costa (1958, p.19), o Depósito de Pólvora (F), à medida que a
cidade se desenvolvia, ia sendo transferido para longe da população. Em 1682, foi parar nas
imediações da Palma, na fortaleza localizada no Campo do Desterro (BARROS, 1934), sem
oferecer riscos à popuklação, por se tratar do subúrbio. Rocha Pitta (1958, p.309) descreve:

Achou o mestre-de-campo general Roque da Costa Barreto que a pólvora da


Bahia se guardava em uma casa mal segura [...] Determinou logo para
recolher a pólvora fazer outra casa, escolhendo sítio em que a erigir, e lhe
pareceu por muitas razões mais conveniente o campo que chamam do
Desterro, dentro das trincheiras, à vista, mas mui apartado do convento das
religiosas e das casas daquela freguesia. Neste lugar mandou fundar uma
sumptuosa casa com muita largueza e de grande máquina, fortificada com
toda a segurança necessária [...]. (PITTA,1958, p.309)

Entretanto, a demolição da Casa no Desterro só foi realizada em 1849, sobrevivendo


na memória coletiva o Campo da Pólvora.
A presença da Casa da Pólvora no Campo do Desterro é também confirmada por
Costa (1958, p. 91): “No Campo do Desterro elevara, em 1682, o governador e mestre-de-
campo, General Roque da Costa Barreto a Casa da Pólvora, fortificada com 4 baluartes e
cortinas entre os flancos [...]”.
A Casa da Pólvora e o Campo do Desterro constituiriam a área em que se ergueria a
Cidadela de Massé, local que foi palco, em duas ocasioes, das revoltas do Terço Velho,
episódios que aterrorizaram a população. A primeira revolta ocorreu em 1688, sob a égide do
arcebispo D. Frei Manuel da Ressurreição e do Governador Matias da Cunha (PITTA, 1958).
A segunda ocorreu em 1728, no Governo de Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735),
futuro Conde de Sabugosa.
No entanto, ainda no Governo do Marquês de Angeja, outro aspecto vem contribuir
para a zona de conflitos: os ciganos desembarcam na Bahia em 1718, segundo Daniel P.
Kidder (1972), em suas Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, compreendendo
notícias históricas e geográficas do Império e das diversas Províncias, em duas oportunidades,
de 1836-1837 e de 1840-184219, publicadas em 1845. Ele relata o episódio em que o Rei de
Portugal, não contente com o comportamento dos ciganos em Lisboa, manda-os degredados
para Salvador, pensando livrar-se do problema e assim dá ordem ao Vice-Rei:

19
Essas reminiscências compreendem notícias históricas e geográficas do Império e diversas Províncias. Obra
reeditada, encontrada na Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
42
43

Os ciganos foram alojados em acampamento, na área da Palma, próximo ao antigo


Quartel do 9º Batalhão, incomodando o sossego da população, no subúrbio da cidade, assim
como a Casa da Pólvora também fora removida para esta área. Eram sempre confundidos com
mouros, devido à invasão islâmica da Península Ibérica, finalizada em 1492, quando houve o
confinamento dos mulçumanos, em determinada área de Lisboa, fato que originou a
denominação de Mouraria, para um dos bairros mais tradicionais da Capital portuguesa.
Os ciganos, sendo aqui também tratados como mouros tornaram a Rua das Palmeiras
conhecida também como Mouraria. Bairros irmãos nasceram do mesmo sentimento de
repulsa, preconceito e intolerância. Muito embora afastados por um oceano, os dois bairros da
Mouraria apresentam características e semelhanças, que criaram raízes e floresceram desde
sua formação.
Mas quem, de fato, labutou com esse “campo de pólvoras diversas” foi o Vice-Rei e
capitão geral de mar e terra do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses – filho de Luís
César de Meneses e sobrinho de D. João de Lencastro, ambos foram governadores e capitães
gerais do Estado (PITTA, 1958, p.466). Era o 39º Governador e 4º Vice-Rei do Estado,
governou de 1720 a 1735, “[...] se tornando memorável na saudade de todos os habitantes da
Bahia”, de acordo com Vilhena (1969, v.3, p.407), devido à sua maneira peculiar de lidar com
as necessidades e conflitos que lhe exigiram atenção. Ora soldados, ora ciganos, padres,
freiras e irmandades, Vasco Fernandes regia a orquestra política e econômica na época em
que a população de Salvador saltou de 10.000 habitantes (1650) para 30.000 habitantes
(1730), tornando-se a segunda cidade do Mundo português em importância, com notável
desenvolvimento urbano e populacional, possuindo cerca de 6.000 fogos, superada apenas por
Lisboa (SIMAS FILHO, 1979).
Em seu governo, foram descobertas as minas de Cuiabá, Goiases, Rio de Contas e
Jacobina. Estabeleceu a Academia para a História Brasílica20 e mandou escrever a História da
América Portuguesa. Vianna (1893, p.624) ainda relata que, em alusão ao descuido do
governo português em animar os talentos no Brasil, ficou conhecida como “Academia
Brazileira dos Esquecidos”.
O Vice-Rei atendia particularmente à maioria dos pedidos da população, como no caso
do Convento do Desterro, quando a população crescente utilizava a Igreja também para os
casamentos e batizados, atormentando os hábitos espirituais das noviças, como os freiráticos

20
Conhecida como “Academia dos esquecidos” da Metrópole, deu origem à atual Academia Baiana de Letras
(ABL) (Cf. ROCHA PITTA, 1958, p.492).
44

mencionados anteriormente. A carta enviada ao Vice-Rei, em 1723, transcrita por Vilhena


(1969, v.3, p. 467-468), assim documenta os fatos:

Faço saber vós Vasco Fernandes César de Meneses que a abadessa e mais
religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro dessa cidade da Bahia me
representaram que há anos a esta parte são perturbadas nas suas eleições
pelos seculares, os quais procurando votos das religiosas para fazer
abadessas a seu arbítrio e não segundo a consciência o pede, de que resultam
inquietações e outros inconvenientes... Me pareceu ordenar-vos ponhais um
eficaz cuidado em proibir que hajam estas dissenções [...].

Atendendo ao pedido da população e evitando maiores escândalos, Vasco Fernandes


César de Meneses decidiu erguer uma capela, na imediações, em homenagem ao Santo de sua
devoção21. E, em 1724, lança a pedra fundamental da Capela de Santo Antônio da Mouraria,
objeto de estudo desta dissertação, e da Capela da Saúde (1723), ambas conectadas com a Rua
das Trincheiras.
Capitão de mar e terra, Vasco Fernandes estendeu seu governo até 11 de maio de
1735, recebendo em 1729 o título de Conde de Sabugosa. Segundo Pitta (1958), o Conde
faleceu em sua casa em Lisboa, em 23 de outubro de 1741. Seu amor pelas terras brasileiras
fez com que o Conde contratasse um pintor setecentista para reproduzir, nas paredes de uma
sala de sua residência, em Portugal, a mata brasileira, espessa, verde, coberta de asas
coloridas, com a beleza selvagem dos panoramas tropicais, no desejo de conservar a ilusão de
continuar no Brasil. Rocha Pitta (1958, p.493) declara a importância do Conde e de seu
governo:

Não deixa o vice-Rei coisa alguma neste Estado por fazer daquelas que em
seu aumento e crédito podem redundar, atendendo ao bem público e
particular, ao amparo das viúvas, das órfãs e dos pobres. Com seu exemplo
cresce o culto dos templos e a devoção dos santuários.

A Capela foi fundada na Mouraria em meio à área militarizada, localização


confirmada por diversos autores, pois ali estavam os edifícios destinados ao Regimento de
defesa da cidade, com seus quartéis, trincheiras, casa da pólvora, quartel do trem das carretas,
etc. Como assevera o engenheiro militar José Antônio Caldas (1725-1782), testemunha da
época, em sua Notícia geral de toda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o
presente ano de 1759, descrevendo a área militar da freguesia do Desterro:

21
Assim como o fez em Jacobina, onde fundou a Capela de Santo Antônio de Jacobina, por ocasião da
descoberta das minas. Atualmente, é a Igreja Matriz Santo Antônio de Jacobina.
45

[...] há oito coxias de quartéis [...] o Trem é um edificio militar no qual se


acham muitos fogos de artifícios, granadas e bombas [...] tudo pronto para
qualquer invasão repentina com outras muitas munições de guerra precisas.
Está edificado junto a Capella de Santo Antônio da Mouraria no bairro de
Nossa Senhora da Palma. (CALDAS, 1951, p.202).

A união entre a cruz e a espada, como expressa Charles Boxer (1969), comentado
anteriormente, é típica da colonização ibérica e aparece, desde cedo, na figura de Santo
Antônio, que é dotada de extraordinária popularidade em Portugal e no Brasil. Ele está
presente na defesa da Cidade desde a fundação da igreja e fortaleza de Santo Antônio da
Barra, provavelmente o local em que ele iniciou sua carreira militar em terras brasílicas,
sendo incorporado a seu regimento como soldado raso, ainda no final do século XVI. Como
relata Luiz Monteiro da Costa (1958), apontando a data e o local em que o Patrono dos
militares assentou praça e acudiu aos soldados com o remédio espiritual:

[...] a pedido do Senado da Câmara da Bahia, o Governador Dom Rodrigo da


Costa expediu ordem em 16 de julho de 1705, ao provedor-mor da Fazenda
Real do Estado, para que assentasse praça de capitão-intertenido da
fortificação, Santo Antônio de Lisboa, cujo soldo seria pago ao síndico do
Convento de São Francisco, o que El Rei aprovou por alvará em 7 de abril
de 1707 [...]. (COSTA, 1958, p.14).

Frei Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico Brasilico, transcreve o Alvará del-Rey em
resposta ao despacho do Provedor da Fazenda, D. Rodrigo da Costa, em julho de 1705,
sinalizando onde e como estes recursos deveriam ser empregados:

Eu El-Rey [...] havendo visto o que me escrevestes e o assento que tomaste


para se dar ao Glorioso Santo Antonio Sito em o convento de São Francisco
desta Cidade o soldo de Capitão Intertenido do Forte de Santo Antonio da
Barra, assentando-se-lhe delle praça, [...] com declaração porém, que a
importancia desses soldos se aplicarao, ou à festa em que se celebra o
mesmo Santo, ou para ornato da sua mesma Capella. (JABOATÃO, 1859,
p. 71-72).

Ali também, Santo Antônio foi promovido a capitão do forte por petição da Câmara de
Salvador, além de soldado raso na Sé, alferes no presídio do Morro de São Paulo e alferes em
sua igreja da Mouraria, onde conviviam ciganos e militares22. Haja vista a área militarizada, a
Capela de Santo Antônio da Mouraria ficou conhecida como a Capela de Santo Antônio dos
Militares ou simplesmente, Capela dos Militares, muito embora, dentro do quartel do Antigo

22
VAINFAS, Ronaldo. Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política. Revista USP, São Paulo,
n.57, p. 28-37, mar./maio 2003. Disponível em: < http://www.usp.br/revistausp/57/02-ronaldo.pdf >. Acesso
em: 15 maio 2013.
46

Regimento (Quartel da Palma) existisse a Capela de Nossa Senhora do Rosário, “construída


em 1696, pelo mestre de campo André Cuca” (BARROS, 1934, p. 134).
A devoção a Santo Antônio, trazida de Portugal para o Brasil, ganhou novos aspectos,
como a patente militar e o recebimento de soldos, como se deu por algum tempo na Bahia,
com Santo Antônio da Barra e Santo Antônio da Mouraria, recompensados pelo Estado, em
razão da ajuda que teriam dado às forças portuguesas na defesa da cidade contra os invasores.
(OLIVEIRA, 2005).
A ligação das questões de defesa e religiosidade está presente e pode ser observada na
arquitetura militar, religiosa e civil de Salvador. Essa análise promoveu a execução do quadro
com os principais exemplos, localização e datas de construção:

Quadro 1 – Defesa e religiosidade na arquitetura de Salvador


Arquiteturas relacionadas à Santo Antônio em Salvador
ARQUITETURA BAIRRO ANO DE CONSTRUÇÃO
Forte de Santo Antônio da Barra Barra 1583-1587
Primitiva capela de Santo Antônio Além do
Carmo Santo Antônio 1594
Capela de Santo Antônio da Barra Barra entre 1595-1600
Matriz de Santo Antônio Além do Carmo Santo Antônio 1648
Centro/ Praça Tomé de
Capela de Santo Antônio Souza 1682
Forte de Santo Antônio Além do Carmo Santo Antônio 1635-1705
Igreja de Santo Antônio da Mouraria Mouraria 1726
Fonte: elaborado pela autora (2014).
Santo Antônio destaca-se de qualquer outro Santo, no Brasil quanto à sua grande
devoção. Em sendo orago de 228 freguesias, no país inteiro e na Bahia, não há praticamente
município que não possua um arraial, povoado, vila ou distrito que não leve seu nome: assim
como Santo Antônio de Jesus, Santo Antônio de Jacobina, mais tarde, apenas Jacobina; Santo
Antônio da Barra (Condeúba), Santo Antônio da Glória (Glória) e Santo Antônio de Jequiriçá
(Ubaíra) (OLIVEIRA, 2005, p. 41).
Para além da arquitetura histórica, foi percebida, nas pesquisas de campo, a imagem
do Patrono dos Militares em pequenos altares nos estabelecimentos comerciais e residências,
a princípio na Rua da Mouraria. Entretanto, tal observação vem-se estendendo e cada vez
mais é possível perceber sua presença nas diversas manifestações culturais, inclusive em
Igrejas que possuem outro orago, mas em que, na terça-feira, dia dedicado a Santo Antônio,
ocorre a distribuição de pães, como é o caso da Igreja de Nossa Senhora da Piedade e tantas
outras da cidade. Isso confirma a influência do Patrono dos Militares nas raízes das
47

manifestações culturais da cidade, mas que é hoje, infelizmente, apenas conhecido como
“santo casamenteiro”.

1.4 A MOURARIA: FIOS CORRELATOS

O início da ocupação da Mouraria foi esboçado durante a Invasão Holandesa, em


1624, junto com a Palma, Desterro e Saúde. No entanto, essa ocupação só veio a acontecer, de
maneira efetiva, a partir do final do século XVII, com a construção dos quartéis e de casas no
entorno dos edifícios religiosos, como o Convento do Desterro (1677), Igreja da Palma
(1630), Igreja da Saúde (1723), Igreja da Mouraria (1724) e Convento da Lapa (1744),
configurando o núcleo primitivo do Bairro de Nazaré, na freguesia do Desterro. Esses
edifícios foram interligados por um caminho de terra batida, conhecido como a Rua das
Trincheiras.
Em 1733, a construção do segundo convento do Brasil fora solicitada por João de
Miranda Ribeiro e Manoel Nunes Lima, para acolher a Regra das Franciscanas Capuchas
Recoletas, com a invocação de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, segundo Vianna (1893),
com a justificativa de que o Convento do Desterro já não conseguia abrigar todas as
franciscanas. Todavia, a licença só foi concedida pelo El Rei, em 1744 e as obras só iniciaram
quase dez anos depois. Por outro lado, explica Mary Del Priore (2008), em História das
Mulheres no Brasil, que as moças eram enclausuradas no Convento da Lapa contra a própria
vontade, muitas delas grávidas e escondidas ali, por imposição das famílias poderosas. Em
1751, durante a preparação do terreno para a construção do Convento, foram encontradas as
trincheiras de defesa da cidade.
As trincheiras descobertas foram demolidas por ordem do sargento-mor Manoel
Cardoso de Saldanha, considerando-as inúteis para a época, em seu parecer. Assim, foi
erguido o convento da Lapa, como ficou conhecido, e a Rua das Trincheiras assumiu o
topônimo de Rua da Lapa, recebendo vários investimentos à medida que a cidade se
desenvolvia nessa direção.
Também por topônimo, os dois bairros nasceram irmãos: a Mouraria de Lisboa e a
Mouraria de Salvador, ou seria só Mouraria dos Mouros? De lá e de cá, os dois bairros
surgem com o objetivo de afastar o indesejável do convívio dos “bons”. E, assim, leiam-se
mouros todos os estrangeiros, os sem-teto, os mendigos, os drogados, os pedintes, aqueles
48

que, de alguma forma, se encontram excluídos, vivendo à margem da sociedade, dos poderes
públicos e dos direitos humanos. Aqueles sem pão e, talvez por isso, a tradição da presença
inóspita23 deles no lugar e, principalmente, nas missas que aconteciam na Mouraria, onde se
distribuía o pão, no ritual sacralizado, que até hoje ocorre às terças-feiras, desde sua fundação,
em homenagem ao exemplo de caridade do Patrono dos Militares – Santo Antônio.

1.5 A CAPELA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA: FIOS ENTRELAÇADOS

De Tomé de Souza a Vasco Fernandes, uma sucessão de fatos e acordes contribuiu


para o dueto entre história e memória a fim de trazer à baila o panorama histórico, que
culminou na construção da Capela de Santo Antônio da Mouraria. Na lápide comemorativa
assentada na fachada da capela até os dias de hoje, encontra-se esculpido o brasão das armas
do Vice-Rei, mas, detrás dessa pedra (Figura 11), revela-se um turbilhão de impressões, ecos
e imagens, na percepção cognitiva do tempo sobre o edifício histórico.
Os primeiros elementos surgiram da devoção particular de D. Vasco Fernandes César
de Meneses a Santo Antônio, um dos santos mais populares do catolicismo português, para a
construção da Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Nessa época, era Rei de Portugal D. João
V, o qual elevou Santo Antônio ao título de alferes da infantaria, recebendo soldo de 30$000,
cobrados pelo procurador, de três em três anos – valores utilizados para os cuidados com a
Capela. Conforme descreve o Dr. Francisco Vicente Vianna, em seus escritos sobre a
Memória do Estado da Bahia (1893, p. 327): “A pedra fundamental da Igreja foi lançada em
29 de outubro de 1724 pelo Vice-Rei, com assistências das principais pessoas da sociedade e
a bênção do cônego Antonio Rodrigues Lima, desembargador da Relação Eclesiástica”.
No entanto, na lápide comemorativa encontrada na fachada da igreja, há a inscrição de
19 de outubro de 1724. José Garcia Pacheco de Aragão Júnior publicou, na Memória
Histórica da Capela de Santo Antônio da Mouraria, em 1926, por ocasião das festas
comemorativas do 2º Centenário da celebração da Primeira Missa, a hipótese de que a pedra
fora encomendada em Portugal, para a data entalhada, como era de costume na época.
Todavia o despacho do Cabido, concedendo a licença, só ocorreu em 24 de outubro, segundo

23
Nas entrevistas com os moradores da Mouraria, de 2010 a 2014, a reclamação era constante ao tratar da
presença dos pedintes e moradores de rua que adormecem e fazem suas necessidades fisiológicas nas calçadas.
49

as memórias de Aragão Jr. (1926, p.4), sendo designado o Cônego Dr. Antônio Rodrigues
Lima para lançar a bênção.

Fig. 11 – Imagem da lápide comemorativa do lançamento da 1ª pedra nos alicerces da ainda Capela de
Santo Antônio da Mouraria.
Fonte: Arquivos da Autora (2014).

A figura do lado esquerdo foi fotografada em 1940 e encontra-se publicada no livro


Relíquias da Bahia (FALCÃO, 1940). Já a figura do lado direito foi registrada em 2014,
apresentando sérios sinais de degradação, mas seu testemunho permanece na paisagem. E nela
já se estabelece o valor de rememoração, reunindo valores artísticos e históricos, que Riegl
(2006) atribui aos monumentos: o brasão do Conde (1724), o revestimento em cimento
penteado (1926), que será detalhado mais adiante, e a pintura amarela que envolve a lápide
comemorativa (2014). Cada detalhe é revelador da história e da memória da cidade e,
supostamente, faz crer que a Capela tenha sido fundada, de fato nos idos de 1724.
Com a conclusão das obras, ocorrida em 12 de junho de 1726, foi realizada no dia
seguinte, consagrado ao taumaturgo Santo Antônio, a Primeira Missa, com grande solenidade.
A partir desta data, ficou a Capela com um Capelão residente, adquirindo ordenado anual de
8$000 e uma pataca por cada missa que dizia aos domingos e dias santos. Além disso, havia
um escravo a serviço da Capela, o qual recebia uma quarta de farinha de dez em dez dias
(VIANNA, 1893, p. 327). Houve também, na mesma época, a criação de uma Irmandade de
Ordem Terceira, para estabelecer os cuidados necessários para a Capela da Mouraria.
50

A relação entre Estado e Igreja se estendia, em Salvador, às ordens religiosas formadas


pelos leigos. Essas associações foram as mais fortes expressões de organizações sociais que
uniram os baianos. As agremiações de fiéis em particular, segundo a legislação canônica, são
as seguintes, por ordem de importância: Ordens Terceiras, Arquiconfrarias, Confrarias, Pias
Uniões Primárias e outras Pias Uniões. Foram criadas para conservar a fé católica e para
assistir seus membros onde o braço do Estado não alcançava. Todas elas tinham como base o
espírito da vida entre irmãos, daí a denominação genérica de Irmandades. A aprovação para a
instituição dessas congregações dependia do Sumo Pontífice e do Ordinário do Lugar,
segundo relatos de Socorro Martinez, em sua dissertação sobre as Ordens Terceiras: sua
ideologia e arquitetura (1969).
Entre as ordens religiosas que cumprem voto, existem três subdivisões: a Ordem
Primeira, composta de frades professos, que vivem em comunidade claustral e fazem votos
perpétuos, como os Capuchinhos, no Convento de Nossa Senhora da Piedade; a Ordem
Segunda, constituída por freiras, com as mesmas características dos frades, como as Clarissas
do Convento de Nossa Senhora do Desterro; e a Ordem Terceira, composta por leigos –
homens e mulheres, solteiros, casados, viúvos – que se congregam sob a mesma devoção.
A Ordem Terceira é composta por associações de irmãos, denominadas Irmandades de
Terceiros. Segundo Vilhena (1969, v.3, p.452), havia na cidade três ordens terceiras com ricos
e asseados templos: a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo – os carmelitas
(1636), a Ordem Terceira de São Francisco – os franciscanos (1635), ambas fundadas junto
aos conventos, e a Ordem Terceira de São Domingos – os dominicanos (1722) –, separada,
por não haver convento desta ordem na Bahia; além de inúmeras irmandades, entre elas sendo
a mais abastada, que Vilhena dá notícia, a Santa Casa de Misericórdia, implantada na Bahia
desde o ano de 1552.
Na missa de inauguração da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, houve a criação da
primeira Irmandade de Terceiros, com moradores dos arredores do bairro da Palma, para
cuidar dos espaços e das atividades assistenciais da igreja recém-construida. Em suas
pesquisas para a publicação da Memória Histórica da Capela, já citada, Aragão Jr. (1926, p.5)
acrescenta novos dados à publicação de Viana (1893), inserindo informações sobre a primeira
Irmandade ao citar Jaboatão (1859):

[...] a 12 de junho de 1726, concluídas as obras [...] benzeu a capella o


Cônego Chantre João Calmon, com as cerimonias do ritual em presença do
alludido Vice-Rei e principais pessoas da cidade [...], o Mestre de campo
João dos Santos Ala e 27 irmãos, organizou-se a irmandade, cujo
51

compromisso teve o termo assinado na Cãmara Ecclesiastica a 18 de janeiro


de 1727, com juramento e sujeição ao Ordinário para tomar, visitar e o mais
por si ou pelos seus visitadores, sendo por outro termo de 18 de fevereiro do
mesmo anno conf irmado o compromisso pelo Arcebispo D. Luiz Alvares de
Figueiredo.

Os indícios encontrados sobre essa Irmandade relacionam-se com a chegada de


Antônio do Sacramento, irmão da Ordem Terceira Dominicana, fundada em 1723 e instalada
no convento dos beneditinos, logo depois transferida para o Convento da Palma, até a
construção da Igreja da Ordem (1732), localizada no Terreiro de Jesus.
Essa Irmandade de Terceiros era basicamente constituída por portugueses, e sua
missão estava em sintonia com os ideais de Santo Antônio: a exaltação da fé, o estímulo da
piedade, mediante o cumprimento dos mandamentos, ou seja, o cuidado com os irmãos. Esses
dados e a proximidade de datas como a fundação da Igreja da Mouraria (1724-1726), sob a
égide do Vice-Rei Vasco Fernandes, levantam hipóteses e reflexões sobre a associação da
primeira Irmandade da Mouraria com a Irmandade dos Dominicanos, haja vista que, de
acordo com Mattoso (1992, p.399), a Irmandade dos Dominicanos “[...] servia de trampolim
aos portugueses recém-chegados, que não podiam ser imediatamente admitidos nas
prestigiosas ordens dos carmelitas e dos franciscanos”. Curiosamente, os vetores de
crescimento da cidade apontavam para a Mouraria, o bairro dos recém-chegados
popularmente conhecidos como “mouros”.
Martinez (1969, p.30) registra o Vice-Rei do Brasil também como irmão da Ordem
dos Dominicanos, sendo este a lançar, em 18 de dezembro de 1731, a pedra fundamental da
Igreja de São Domingos. A primeira missa aconteceu em 24 de novembro de 1732, com
grande procissão saindo do Convento da Palma trazendo a imagem do Patriarca São
Domingos, para a nova Capela.
No entanto, as atas de reuniões da primeira Irmandade da Mouraria se perderam no
tempo. Os documentos encontrados na Mouraria apresentam livros somente a parttir de 1849,
momento em que assumiu a Capela, a Irmandade de Santo Antônio dos Militares. E a maioria
desses documentos se refere à Sociedade São Vicente de Paulo, irmandade que passou a
ocupar e administrar o monumento a partir de 1894. Cada associação de leigos, presente na
Capela de Santo Antônio da Mouraria, promoveu reformas, benfeitorias e transformações no
edifício, que ecoaram, e até hoje repercutem, na paisagem da cidade.
Outro aspecto levantado quanto à irmandade primeira, está na relação do Conde de
Sabugosa com os Provedores da Santa Casa de Misericórdia, ao promover a criação de uma
52

“Roda”24 no Hospital anexo à Santa Casa, em fevereiro de 1726. Nesse local, as crianças
recém-nascidas eram entregues à caridade. Como declara Barros, em À margem da História
da Bahia (1934, p.256-257):

Em seu governo, o Conde de Sabugosa influiu no animo dos mesarios da


Santa Casa para a creação de um Asylo de Expostos, para por cobro ao
criminoso proceder de algumas desnaturadas mães, que expunham em todos
os logares da cidade, ainda os mais immundos, os fructos prohibidos de suas
relações sexuaes.

De acordo com As ações da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, escritas pelo


engenheiro Paulo Segundo da Costa, a Roda dos Expostos ficou instalada na portaria do
Recolhimento da Santa Casa, durante 128 anos. E, muito embora, tenha sido instituida em
1726, só iniciou suas atividades em 1734, “nas precárias instalações do Hospital São
Cristóvão” (COSTA, 2001, p. 60). Damázio (1862, p.59) no livro de Tombamento dos bens
imóveis da Casa da Santa Misericórdia da capital da Bahia descreve as circunstâncias em
que foi criada a primeira Roda do Brasil25:

[...] a pezar da escassez, e da religiosidade do tempo, era considerável o


número de exposições por todos os logares da Cidade, ainda os mais
immundos, e tão bárbaros e lamentáveis que, ora pela inclemência das
noutes, ora pela voracidade dos cães e dos porcos, achavão-se
frequentemente creanças mortas e consumidas, sem se haverem baptizado
[...] Para obstar a fereza das ingratas e desonestas mães, que assim
procediam, e por insinuação do Vice-Rei Conde de Sabugosa, convocou o
Provedor da Santa Casa Capitão Antônio Gonçalves da Rocha a Mesa e
Junta da Irmandade, em 14 de fevereiro de 1726, e de comum acordo
convierão em que se creasse uma Roda, ou no hospital, ou onde a Mesa mais
conveniente entendesse, para serem ahi postos os meninos engeitados.

Esse vínculo estabelecido entre a Santa Casa e a Capela da Mouraria através do Conde
de Sabugosa, no que se refere às necessidades e fragilidades humanas, foi observado em toda
a trajetória dissertativa sobre o objeto de estudo, como fios entrelaçados, que o tempo se
encarregou de tecer e gerar laços em momentos oportunos. O Conde de Sabugosa e a criação
da Roda dos Expostos constituem o primeiro laço de muitos que foram descobertos, ao longo
da pesquisa. Entre a Piedade e o Desterro, a área militar e a Capela da Mouraria criaram
vínculos, talvez expostos “na roda”, da Santa Casa de Misericórdia.

24
A Roda dos Expostos era um aparelho instalado em determinadas entidades assistenciais, a fim de receber,
anonimamente, as crianças enjeitadas pelos pais e criá-las às suas expensas. (COSTA, 2001, p.30).
25
O abandono de crianças tem ocorrido ao longo da história da humanidade, por diversos fatores, mas a primeira
Roda de que se tem notícia apareceu em Roma, no início do século XIII d.C, no Hospital do Santo Espírito, por
ordem do Papa Inocêncio III (1198-1216). (MARCÍLIO, 1998).
53

1.6 A CARACTERIZAÇÃO DA CAPELA PRIMITIVA

A arquitetura sagrada exprime a ideia do divino em forma material, de tal modo que
todos os aspectos de estilo e estrutura tendem a estar intensamente imbuídos de significado
teológico, mas restringidos pelas limitações da tecnologia e dos materiais, utilizados em cada
época (HUMPHREY; VITEBSKY, 1997).
Nesse âmbito, Martinez (1969) relata que a arquitetura produzida pelas Ordens
Terceiras possui características específicas, traços peculiares, de acordo com o sistema de
vida, os costumes e organizações sociais de cada Irmandade instituída na cidade. Observa
ainda que os templos dessas ordens possuem um programa com definições de espaços,
geralmente compostos de:
 Capela ou Casa de Oração: local para celebração dos cultos, composta de nave, capela-
mor, púlpito, tribunas, coro e torres.

 Sacristia: ambiente para o serviço da capela, como a troca de vestes do sacerdote,


guarda de paramentos litúrgicos e objetos sacros.

 Casas dos Santos: para a colocação das Imagens da Ordem

 Casa da Mesa: espaço onde está localizada geralmente uma grande mesa, onde
ocorrem as reuniões da Irmandade.

 Espaços anexos: para serviços relacionados com as atividades da Ordem, como


secretaria, biblioteca, arquivo, entre outros.

 Cemitérios: locais utilizados para sepultamento dos irmãos, posteriormente


transformados em ossuários.

No templo em estudo, três ordens distintas foram identificadas em séculos diferentes:


a Irmandade local, criada no ato da fundação da Capela (XVIII), a Irmandade dos Militares,
instituída no século XIX, e a Sociedade São Vicente de Paulo que assumiu a administração da
Capela em 1894, ao raiar do século XX. As irmandades ocuparam os ambientes e atualizaram
os espaços de acordo com suas necessidades e possibilidades econômicas, mantendo em
comum a devoção ao orago da Igreja, ou seja, a tradição de acolher os pobres e a doação do
pão, além dos festejos durante a trezena de junho26.

26
A trezena de junho se refere aos 13 primeiros dias do mês de junho, nos quais são oferecidas missas e festejos,
em homenagem a Santo Antônio.
54

Através de conceitos relacionados à arqueologia da arquitetura27, foi possível


identificar e caracterizar a Capela Primitiva, fundada por Vasco Fernandes em 1726, e
analisar a evolução física da arquitetura setecentista, ao longo do tempo e de suas
transformações.
A Capela erguida pelo Conde de Sabugosa foi reconhecida, inicialmente, a partir do
cadastro manual do edifício, relacionado aos dados históricos, que levaram à análise da
estratigrafia murária da nave e sacristias e dos exames macro e microanalíticos realizados em
laboratório. Essas observações, aliadas às percepções cognitivas e sistematizadas,
possibilitaram a avaliação das sequências cronológicas do objeto (ver apêndices), que
inicialmente é apresentada na simulação digital gráfica da Capela Primitiva, na Figura 12.

LEGENDA

1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência
do Capelão
9 e 10.Quintal

Fig. 12 – Simulação digital da planta baixa da Capela Primitiva – 1726.


Fonte: Levantamento Cadastral da autora (2012).

27
Estudos realizados na Disciplina Tecnologia do Restauro I e II, no PPG-AU da UFBA, em 2012.
55

Em sequência, os capítulos vindouros tratam da evolução, de acordo com a dinâmica


dos fatos e da cronologia. Importante ressaltar que a construção do desenvolvimento físico
arquitetônico da Capela esteve restrita às informações adquiridas ao longo da pesquisa, por
isso a existência de determinadas lacunas, principalmente em relação à volumetria externa, da
qual só se adquiriram informações a partir do final do século XIX.
Construída em um único pavimento, com pedra argamassada e tijolo, a simulação
digital gráfica da planta baixa da Capela Primitiva de Santo Antônio da Mouraria apresenta a
capela implantada, ligeiramente elevada em relação ao nível da rua, envolvida por uma grande
área. Segundo o inventário realizado por Azevedo (1975, p.57), a Capela apresentava uma
tipologia construtiva arcaica e singela, comum na arquitetura religiosa rural da época, em que
a capela-mor e a nave formavam um único corpo, dividido pelo arco-cruzeiro. Vê-se ainda, na
simulação da planta baixa, uma porta principal de acesso à nave, ladeada por duas janelas
laterais com grades de ferro.
No lado norte, estava a sacristia, com porta voltada para o altar-mor, três janelas para o
quintal e escada externa de acesso ao púlpito e ao coro, com torre sineira. O telhado colonial,
provavelmente, ficava aparente e, no lado sul, havia um corredor lateral superposto pelo
consistório com uma única tribuna.
Outro indício marcante da localização do núcleo primitivo é a rica azulejaria (Figura
13), que reveste as paredes da nave, possuindo características das oficinas de Lisboa do
período setecentista (1730-1740), de acordo com Santos Simões, ao publicar a Azulejaria
Portuguesa no Brasil (1965, p.124). Provavelmente, os painéis de azulejos foram doados pelo
rei de Portugal D. Joao V, devido a sua devoção pelo orago da Capela, assim como fizera para
o claustro do Convento de São Francisco em 1747-1748, como declara Aragão Júnior (1926,
p. 27).
Os painéis de azulejos perfazem a altura de 1,90m, percorrendo todas as paredes da
nave, encerrando no arco-cruzeiro, com fileiras verticais de 13 azulejos, em referência ao 13
de Junho, dia do orago português. Na face interna da fachada principal, um anjo “segura” a
pia de água-benta, esculpida em pedra calcária, fixada na parede. A pintura em branco e azul
cobalto é característica do período das grandes oficinas de Lisboa (1730-1740). A iconografia
aparenta uma espécie de representação da vida dos santos eremitas, e a ligação desses painéis
é feita por cercadura comum. Santos Simões descreve os painéis da Capela após uma visita,
durante a trezena, na Igreja da Mouraria, em 1965:
56

O revestimento está compartimentado em cada lado, com dois painéis cuja


ligação é feita por cercadura comum, esta com ornamentação barroca, de
onde saem anjinhos trombeteiros. A parte central mostra ermitões em meio
de paisagens campestres e, mais uma vez, o grupo do cego com seu moço
atravessando a ponte. A pintura é azul e o desenho de bom artífice da grande
época oficinal. [...]. (SIMÕES, 1965, p.124).

Fig.13 – Azulejaria portuguesa que reveste as paredes da nave da Capela.


Fonte: Montagem de fotos produzida pela autora (2012).

No Anexo A, apresentado no final deste estudo, encontra-se o parecer do técnico do


IPHAN, datado do ano de 1991, após vistoria nos painéis de azulejos, salientando a
importância dos azulejos centenários e apontando os principais danos que os afetavam,
propondo medidas de educação e consciência para sua preservação.
Esse documento, como tantos outros, foram peças-chave para o entendimento e a
confecção do estudo, pois não existem informações precisas sobre a capela primitiva. O que
foi executado baseou-se em garimpo das pesquisas, a partir das impressões percebidas em
pesquisa de campo e do confronto de documentos históricos encontrados na biblioteca
particular da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), nos arquivos do IPHAN, nos cadastros
e em prospecções realizadas no edifício, no período de 2010 a 2012.
57

1.7 O PANORAMA

Desde antes de sua origem, o tempo e suas tramas teceram os fios que proporcionaram
a composição da Capela de Santo Antônio da Mouraria. Passo a passo, cada fio modelou um
traço da arquitetura sagrada, que fora analisado neste trabalho.
O ver e o observar, mesclados à intuição, tornaram-se o ponto de partida para
compreender o tempo como agente da roda de fiar ou como artista intrínseco à obra, pois nela
ele está presente, antes mesmo, de sua origem, por isso a necessidade de uma história de longa
duração.
Nesta primeira fase, os fios encontrados a partir de cada percepção, sejam impressões,
ecos ou imagens, levaram à perspectiva do panorama que direcionou a construção da Capela
primitiva. Em linha de mão dupla, foram sendo costurados o desenvolvimento urbano da
primeira e da segunda cumeadas, para entender a trama, o bordado, o entorno, a vizinhança e
os conflitos que, de alguma forma, depõem a favor da importância dos monumentos singelos
e despercebidos na paisagem urbana do lugar, que nasceu forte e cresceu para lutar e se
defender, sob a guarda de um guerreiro de sábias palavras: Santo Antônio.
59

2 TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS: ECOS NO TEMPO

Se, para Heidegger (1992), na obra de arte está o acontecimento da “verdade” e nela se
instaura o mundo, na Capela fundada pelo Conde de Sabugosa, foram percebidos, em
diferentes tempos, ecos do mundo.
Nas entrelinhas da pesquisa, os acontecimentos se desdobraram em ecos, reverberando
indícios de épocas distintas, onde as irradiações alcançaram a Capela da Mouraria e o lugar, e
daí também partiram, através dos fatos e indivíduos que ali intervieram com suas crenças e
ideias, mosquetes ou baionetas, desde antes até depois de sua construção, testemunhando o
desenvolvimento urbano da Cidade do Salvador.
Assim, foi possível compreender que as transformações na cidade se refletiram nas
mudanças dos edifícios e que, cada monumento, contém, em sua essência, marcas, que
revelam momentos, memórias e pessoas. Algumas delas se tornaram ícones da História,
deixando traços inolvidáveis, que influenciaram gerações, impulsionaram mudanças e
promoveram reações em cadeia, que se expandiram no tempo. Em contraponto, as
permanências consolidaram-se como símbolos de fortaleza na paisagem, diante do inesperado
que assombrava a cidade, na figura dos invasores e corsários. O que se transforma e o que
permanece, atravessando os séculos, constituem o cerne que habita o indivíduo, o monumento
e a cidade.

2.1 ECOS MILITARES

Em meados do século XVIII, após o reinado do Conde de Sabugosa, seguiu-se o


governo do Conde das Galvéas, André de Melo e Castro (1735-1749), período no qual se
registrou “uma prolongada seca na Bahia” (TAVARES, 1963, p.100). O Conde de Atouguia o
sucedeu, realizando em seu vice-reinado (1749-1754) a regimentação dos dois Terços de
Infantaria, que guarneciam a cidade, por ordem do Rei D. João V, no ano de 1750,
(VILHENA, 1969, v.2, p. 408). Por outro lado, acontecia o empobrecimento das minas de Rio
de Contas e Jacobina.
60

Com o falecimento de D. João V, em Portugal, em 1750, D. José I assumiu o trono e


equilibrou as tensões tectônicas – do terremoto de 1755, que arrasou Portugal – e as pressões
políticas advindas das Coroas ligadas à dinastia dos Bourbon (especialmente França e
Espanha), sob a ameaça de uma possível invasão.
Para garantir seus dominios, D. José I buscou apoio britânico, que, oportunamente,
entre outros aspectos, aliou-se ao Marques de Pombal, o representante do Despotismo
Esclarecido e ministro do reino de Portugal. Este realizou a Reforma Pombalina, com o
objetivo de transformar Portugal numa metrópole capitalista. Assim, extinguiu a escravidão
dos índios no Brasil, permitindo a miscigenação, alegando a necessidade do crescimento
populacional para que o Estado contasse com mais força nas fronteiras do interior. Entretanto,
seu maior objetivo era, de fato, centralizar o poder e por isso fora de encontro com a
autoridade dos Jesuitas (SOARES, 1961), os quais foram considerados uma ameaça, após a
“oposição que haviam feito ao tratado de limites de janeiro de 1750, estipulado entre as cortes
portuguesas e espanholas” (BARROS 1934, p.89).
Sob a égide de Pombal, em 1763, houve também a transferência da Capital do Brasil,
de Salvador para o Rio de Janeiro, devido, entre outros aspectos, a sua localização mais
próxima das minas de ouro, contribuindo para este fato as questões relacionadas à dificuldade
de defesa da Baía de Todos-os-Santos. Isso afetou diretamente os planos de melhorias das
fortificações de Salvador, elevando a vulnerabilidade da baía. Segundo Boxer (1969, p.189):
“[...] durante o século XVIII, as moedas de ouro luso-brasileiras [...] tornaram-se duas das
moedas mais correntes e populares em circulação”. Daí a preocupação do Marquês com os
corsários.
Ao receber o comunicado de Pombal, que expulsava os jesuítas do território brasileiro,
“[...] rebeldes e traidores e, como taes, proscritos e desnaturalizados [...]” (VIANNA, 1893, p.
630), o Governador mandou recolher todos à Capital e embarcaram para Lisboa, em 19 de
abril de 1760, com todos os seus bens sequestrados pelo governo.
Nesse ínterim, governava a Colônia o 7º Vice-Rei, D. Marcos de Noronha (1755-
1760), o Conde dos Arcos, o qual estabeleceu um donativo anual de 100 mil cruzados,
durante três anos, para a reconstrução de Portugal (VILHENA, 1969, v.2, p.410). Com a
proscrição dos 670 jesuítas, 17 colégios secundários foram fechados em toda a América
Portuguesa e suas propriedades ficaram em estado de abandono.
Em Salvador, o engenheiro José Antônio Caldas, professor de aula militar, recebeu
ordens de Portugal para promover o levantamento cadastral das propriedades da Companhia
de Jesus, com o intuito de estudar novos usos para a reabilitação dos imóveis. Vilhena (1921),
61

corroborando as notícias escritas por Antônio Caldas, descreve, em suas cartas


soteropolitanas, sobre o estado de arruinamento em que ainda se encontravam as propriedades
dos jesuítas. Muito embora, no início do século XIX, alguns edificios já haviam sido revistos,
a exemplo do Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus, destinado ao Hospital Militar.
Vilhena trata também do aspecto peculiar das ruas da cidade, a copiar as ruas de
Lisboa, antes do terremoto, que a arrasou. Além de relatar as condições sanitárias da cidade
no final do século XVIII, descrevendo o clima inóspito que adoecia mortalmente de bexigas,
os viajantes que chegavam a Salvador, seja por mar ou por terra, observa Vilhena (1969,
p.154):
[...] evaporado das muitas imundicies, que por dentro da cidade se lançam
por diversas paragens, além das que há em quase todos os quintais, em que
percurtindo o sol, faz subir aquelas partículas pútridas, de que impregna a
atmosfera, contaminando o ar; [...].

Contribui, nesse aspecto, a localização do cemitério citado por Vilhena, o qual se


encontra sinalizado na planta da cidade, elaborada por João Massé e destacado nas plantas que
seguem (Figuras 14 e 15), exatamente na segunda cumeada, à frente da Casa da Pólvora, no
Desterro, subúrbio da cidade. Entretanto, Vilhena aponta a presença de “[...] um outro
cemitério de soldados do 2º Regimento desta praça, [...] que por ser pequeno o âmbito de sua
capela de Santo Antônio da Mouraria, os enterram já em o quintal de um clérigo”,
provavelmente seu Capelão. Sugere que a Santa Casa de Misericórdia tome providencias e
leve o cemitério para ares mais longínquos da cidade, visto que crescia o povoamento do
lugar e “a peste se alastrava, também advinda dos navios carregados de negros infeccionados”
(VILHENA, 1969, p.154-155).
Esses cemitérios clandestinos e descuidados, que adoeciam a cidade, estavam
localizados na freguesia do Desterro, que, a esta altura, já possuia a Matriz de Nossa Senhora
de Santana, construída na primeira metade do século XVIII, nas vizinhanças do Convento do
Desterro. E assim como Caldas, Vilhena já tratava da freguesia como a Freguesia da Santa
Ana do Sacramento e assim enumerava suas filiais:

Capelas de Santo Antonio da Mouraria do 2º Regimento de Linha desta


praça; a de N. Senhora do Rosário do 1º Regimento; a de N. Senhora da
Nazaré, e a de N. Senhora da Saúde; bem como o grande convento de
religiosas de Santa Clara do Desterro e o Hospício de N. Senhora da Palma
[...]. (VILHENA, 1969, p.47).
62

A área dos quartéis, centralizada entre os fortes do Barbalho e de São Pedro, é


estratégica e fundamental para os conflitos, ao longo da história. Na alvorada do século XIX,
Salvador apresentava-se guarnecida por dois Regimentos oriundos dos Terços e quatro
Regimentos de Tropas Urbanas. Costa (1958) relata a tipologia dos soldados que compunham
os regimentos. Além dos soldados profissionais, os regimentos eram formados por todo tipo
de gente, sejam comerciantes, escravos, caixeiros ou pais de família, na hora maior, todos
eram convocados a lutar:

Além dos Regimentos pagos, oriundos dos dois Terços, tinha a cidade,
quatro Regimento de Tropas Urbanas [...] o Regimento dos Úteis, composto
de comerciantes e seus caxeiros [...] O Regimento de Infantaria de Tropa
Urbana da Praça, composto de artífices, vendeiros, tarveneiros, e outras
qualidades de homens brancos; O Quarto Regimento Auxiliar de Artilharia
composto de homens pardos ou mulatos livres [...] e finalmente o Regimento
de Tropa Urbana ou Milicianos, composto de pretos forros [...]. Assinala
ainda, de tropas não pagas, uma Companhia de Familiares, dois Corpos de
Capitães de Assalto e os célebres Terços de Ordenanças. (COSTA, 1958,
p.105).

Costa, mesmo interessado apenas nos Regimentos profissionais, acaba por demonstrar
que a população da época, de alguma forma, possuía um vínculo militar. Essa relação se
consolidou com os movimentos de formação da identidade nacional, ampliando-se com os
ecos da Revolução Francesa, que alcançaram Salvador e influenciaram as ideias discutidas
durante a conjuração baiana, conhecida como a Conjuração dos Alfaiates, em 1798.
Segundo Tavares (1963, p.104), eles “Insistiam na liberdade de comércio, aspiração de
todos os núcleos coloniais do Brasil, e garantiam que o porto da Bahia seria franco a todas as
nações estrangeiras”. Esse grupo se reuniu sob o título de Cavaleiros da Luz e, inspirado pelo
Iluminismo, espalhou suas ideias em boletins manuscritos, pesquisados e apresentados por
Kátia Mattoso, ao publicar seus estudos, no Arquivo Público da Bahia, sobre a Presença
Francesa no Movimento Democrático Baiano de 1798. Mattoso (1969, p.144-147) elabora
uma tabela com os pasquins sediciosos encontrados, registrando a Declaração dos Princípios
revolucionários, pedindo ao povo que aderisse à revolução e que o soldado fosse mais bem
remunerado, dentro dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.
Entretanto, o grupo foi duramente reprimido pelo Capitão Geral D. Fernando José de
Portugal e Castro (1788-1801), futuro Conde e Marquês de Aguiar, que mandou executar
quatro dos envolvidos, sobrevivendo alguns, a exemplo do Dr. Cipriano Barata e do tenente
do 2º Regimento de Linha Hermógenes Pantoja. As ideias, porém, germinariam nas lutas pela
Independência do Brasil e da Bahia.
Mesmo perdendo a posição de sede do Governo do Brasil, e diante de todos esses
acontecimentos, Salvador inicia o século XIX como um dos núcleos mais desenvolvidos da
Colônia, com a economia voltada para o mercado exterior, mas ainda baseada no trabalho
escravo.
Em janeiro de 1808, uma tempestade na Baía de Todos-os-Santos mudou o rumo dos
ventos, direcionando parte das 15 naus portuguesas que fugiam de Napoleão para atracam no
Porto de Salvador. No dia 23 de janeiro do mesmo ano, a Família Real desembarca na cidade,
fixando estadia por um mês, tempo suficiente para D. João VI perceber a grave situação
econômica em que se encontrava a futura sede do Império Português, decretando assim o fim
do monopólio comercial, com a abertura dos portos às nações amigas de Portugal.
O ocorrido promoveu uma série de melhoramentos em toda a Colônia, dando início à
reforma urbana de Salvador sob o governo do 6º Conde da Ponte (1805-1809), passando pelo
8º Conde dos Arcos (1810-1818) até o Conde da Palma (1818-1821).
Aos poucos, as ideias iluministas se ramificavam, congregando adeptos contra o
domínio português, culminando em uma palavra, que promoveu ação e reações: Salvador
entrou em ebulição. Em 22 de janeiro de 1822, o Príncipe Regente D. Pedro disse “Fico!”,
recusando a ordem de regresso a Portugal e se tornando “o ponto de apoio para a
Independencia do Brasil” (TAVARES, 1963, p.115).
Os ecos do Fico chegaram a Salvador através do levante de soldados portugueses,
comandados pelo brigadeiro Inácio Madeira de Melo, português que veio para substituir o
brigadeiro brasileiro Freitas Guimarães no Comando das Armas, mas fora, estrategicamente,
impedido pela Câmara.
Entre os dias 18 e 19 de fevereiro de 1822, momentos de terror foram vivenciados na
cidade: Os lusitanos atacaram o Forte de São Pedro e, quase ao mesmo tempo, os quartéis da
Palma e da Mouraria, onde se encontravam oficiais e soldados brasileiros. Nessa investida ao
quartel da Mouraria, um grupo de soldados tentou invadir o Convento da Lapa. Os
portugueses acreditavam que no claustro, vizinho ao quartel, houvesse sediciosos e armas
escondidas (AMARAL, 1957, p.68-69).
Nessa ocasião, assassinaram a abadessa do Convento da Lapa, Madre Joana Angélica
de Jesus, e feriram o padre Daniel Nunes da Silva Lisboa, capelão do convento. Nas páginas
da História Política e Administrativa da Cidade do Salvador, Affonso Ruy (1949, p.388-389)
descreve o dia de horror, comandado por Madeira de Melo:
66

O quartel do 1º Regimento era saqueado, queimados os móveis, arrombado o


cofre, cujos depósitos foram retirados e despedaçadas as bandeiras, excessos
em que levaram a palma o esquadrão de cavalaria e os marinheiros. A
soldadesca em fúria apedrejou as casas particulares, invadiu-as, saqueou-as,
insultando as famílias e, sob pretexto de que o Convento da Lapa homisiava
partidários dos brasileiros que das janelas altas do mesmo molestavam com
tiros as patrulhas lusitanas, assaltou aquele retiro religioso, ferindo
mortalmente a sua abadessa Sóror Joana Angélica, de aproximado
parentesco com João Carneiro da Silva Rêgo e com os Galvões, quando
aquela lhe abria a porta da clausura, que os portugueses que pretendiam
arrombar, também ferindo gravemente, a couces de espingarda o Capelão
Padre Daniel da Silva Lisboa, sacrilégio quando este procurava evitar o
sacrilégio para o qual fora inútil a resistência simbólica da freira, sacrilégio
que se consumou na casa deserta, por terem as suas ocupantes fugido aos
vândalos para o Convento do Desterro, onde se refugiaram.
.

A desordem que se espalhou trouxe horror e comoção, estimulando o êxodo da


população para o interior da província, principalmente para a área do Recôncavo, nas cidades
de Santo Amaro e Cachoeira, as quais se transformaram em verdadeiros quartéis para os
preparativos da luta pela retomada da cidade e pela expulsão dos portugueses. Tavares relata
um dos momentos mais importantes para a soberania brasileira:

Ocupada a cidade de Salvador pelas forças portuguesas, coube ao Senado da


Câmara de Santo Amaro, em 14 de junho, reunir-se com a presença do
desembargador e ouvidor-geral da comarca, José Duarte de Araújo Gondim,
e decidir que o Brasil devia ter um centro único de Poder Executivo,
cabendo ao Príncipe D. Pedro, e ficando os brasileiros com o direito de
possuir exército e marinha. [...] iniciativa que conduziu o Brasil à
independência. (TAVARES, 2001, p.116).

O Príncipe Regente ouviu os baianos e enviou reforço militar, chegando à Bahia em


outubro de 1822, a tropa comandada pelo francês Pedro Labatut, que organizou as milícias
com feição de exército regular e disciplina de guerra. Arbitrariamente destituindo Labatut, o
coronel Lima e Silva, utilizando das mesmas estratégias políticas, organizou as forças
libertadoras em duas divisões e quatro brigadas. E assim sitiaram Salvador, com armadas por
mar e por terra, dificultando o reabastecimento das tropas de Madeira de Melo (SILVA, 1933,
v.4, p. 21-125). As tropas brasileiras marcharam para a retomada da cidade e expulsaram os
últimos portugueses que se opunham à Independência do Brasil, registrando na História o dia
2 de Julho de 1823 como a data da independencia da Bahia 1, que deveria ser, de fato, a data
da Independencia nacional, como Amaral (1957, p. 337) assevera:

1
MORGADO, Sérgio Roberto Dentino. Expulsos a ferro e a fome. Disponível em: < http://www.
uol.com.br/historiaviva/reportagens/expulsos_a_ferro_e_fome.html >. Acesso em: 16 de maio de 2013.
67

E quando as tropas libertadoras entraram na cidade do Salvador, naquele dia


que bem poderia ser o nacional da Independência – 2 de julho de 1823 -, o
batalhão número 1, que era o 1º regimento, não foi se alojar no velho quartel
do Terço, na Palma, e sim no Convento do Carmo. No quartel da Mouraria –
onde é hoje a praça de esportes do Colégio da Bahia – ficou o Batalhão do
Imperador; e, nas velhas casernas da Palma, a tropa pernambucana.

A luta pela independência identificou e reuniu a nação brasileira, suscitando ideais


ufanistas e elevando a Bahia à categoria de Província do Império. Entretanto, a expansão
contínua dos ecos iluminados não foi correspondida, mesmo com a independência das garras
de Portugal. Ao contrário, sucedeu um período de extrema instabilidade e insatisfações, diante
das tendências absolutistas do Imperador, que dissolveu a Assembleia Constituinte, em
novembro do mesmo ano, o que garantia a centralização de seu poder.
Em fevereiro de 1824, o Imperador, preocupado com o prestígio e a estabilidade de
seu reinado, criou o quartel general da Corte, no Rio de Janeiro, antes do Julgamento da
Constituição pelas Câmaras Municipais de todo o país. E, por decreto de 1º de dezembro do
mesmo ano, antes da Assembleia dos Representantes se reunirem, organizou a infantaria em
batalhões, a cavalaria em regimentos e a artilharia em corpos, ordenando e numerando cada
corpo, no País, originando uma unidade militar. A Bahia passou a ter os 13º, 14º e 15º
Batalhões de Caçadores do Imperador de Infantaria e o 7º Batalhão de Artilharia (COSTA,
1958, p.107-108). Era Presidente da Província da Bahia, Francisco Vicente Viana, o 1º Barão
de Rio das Contas (1824-1825).
Os conflitos eclodiram, não só na Província da Bahia, mas em todo o país: a
Cabanagem no Pará (1835-40), a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835-45), a
Balaiada, no Maranhão (1838-41), entre outros. Nesse ínterim, faleceu D. João VI, em
Portugal, e D. Pedro I abdicou do Império, dando início ao período regencial (1831-1840).
Na Bahia, manifestações, levantes e agressões fizeram parte do cotidiano dos baianos,
à medida que iam crescendo o ódio aos portugueses e a decepção generalizada com o aumento
dos impostos no Império. Segundo escreve Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva, em
Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia, todos esses acontecimentos ocorridos
após a independência levaram o governo a executar a Ata do Conselho de 15 de abril de 1831,
na qual ordenava a deportação dos portugueses constantes no documento. Segundo Ignacio
Accioli Silva (1933, v.4, p. 277):
68

[...] os novos acontecimentos que sobrevierão, criando-se um partido na


fortaleza de S. Pedro, e outro nos quartéis da Palma e Santo Antônio da
Mouraria, obrigarão o governo a expedir a seguinte ordem para tal
cumprimento.

Desse modo, ocorreram: o Levante do 3º Batalhão, em 1824, contra a dissolução da


Assembleia; o Mata-Maroto, em 1831, como demonstração do antiabsolutismo e do
antilusitanismo; a Revolução Federalista, em 1832, que proclamou a Federação da Província
da Bahia, instituindo um governo provisório e acreditando que este sistema daria à Província
maior autonomia; o Levante dos Malês, em 1835, que pretendiam abolir a escravidão, ocupar
o governo e instituir um regime monárquico, chegando a atacar quartéis, mas foram
duramente punidos; a Cemiterada, em 1836, manifestação contrária à proibição dos enterros
nas igrejas; e a Sabinada, em 1837, que ensejava um regime republicano para governar o
Brasil e proclamou a República da Bahia. Todavia, a falta de unidade política e partidária e a
violenta repressão aos adeptos das ideias do médico e professor da faculdade de Medicina da
Bahia, o Dr. Sabino Álvares da Rocha Vieira, promoveram sua derrota no Forte de São Pedro,
em 16 de março de 1838. Também, em 1838, a demolição das ruínas da Casa da Pólvora, no
Desterro, deu lugar à Praça da Independência, em homenagem a todos os baianos que lutaram
no episódio.
Assim, os fatos relatados, que foram observados durante a pesquisa, ao envolverem os
quartéis da Mouraria, se relacionam diretamente com a Capela de estudo e seu orago, como
ponto de apoio nos momentos em que foi preciso defender a Cidade do Salvador.
A reverberação de todos esses fatos abre uma lacuna na pesquisa quando se
questionam os motivos pelos quais a Irmandade Primeira se desfez, se é que realmente se
desfez, ou se apenas se reorganizou sob o título de Irmandade de Santo Antônio dos Militares.
As análises revelaram que a Capela sempre esteve ligada ao cotidiano dos militares, mas só a
partir de 1849 é que os registros aparecem com a irmandade que passa a tutelar a Capela sob
essa denominação. Dessa forma, os ecos militares não encerram as questões da Irmandade
Primeira, mas insinuam uma lacuna, que convida à reflexão, mas não permite invenção, só
elucubração.
69

2.2 IRMANDADE DE SANTO ANTÔNIO DOS MILITARES: ECOS EXTINTOS/ATIVOS

A Capela de Santo Antônio da Mouraria caracterizou-se, desde os primórdios, como


Capela dos Militares, por estar inserida nessa atmosfera militar, muito embora, só em meados
do século XIX, a Irmandade assumisse a denominação de Irmandade de Santo Antônio dos
Militares e passasse a administrar a Capela, em 15 de fevereiro de 1849. Segundo Aragão Jr.
(1926, p.7) informa:

Extincta a primitiva irmandade, cuja data e motivos não foi possível apurar,
a capella passou a ser administrada até os anos de 1848 ou 1849, como se
deprehende na acta n. 2 da reunião effectuada, no corpo da capella, em 4 de
março de 1849, da nova irmandade em livro próprio, que foi encontrado em
um dos velhos armários embutidos em uma das paredes da antiga sacristia e
hoje 2º corpo da capella, livro que se acha rubricado pelo juiz de direito da
1ª vara e auditor da gente de guerra, Dr. Francisco Marques de Araujo Góes,
de cuja acta consta a leitura de um officio do Presidente da Província
Conselheiro Francisco Gonçalves Martins, declarando que não só approvava
o acto da instalação da Irmandade de Santo Antônio dos Militares, como
ficava sciente das pessoas que compunham a Mesa e que aos anteriores
intrusos administradores da Capella de Santo Antônio se deveria tomar conta
do tempo em que a administraram.

Os intrusos de que trata Aragão Jr., foram os portugueses da tropa de Madeira de


Melo, na guerra da Independência, em 1823. A Irmandade constatou a ausência de objetos de
ouro e prata, alfaias e dinheiro de Santo Antônio, provavelmente levados pelo Coronel
Francisco de Paula Oliveira, quando regressou a Portugal, junto com as tropas derrotadas.
Enviaram, então, um relatório ao Representante brasileiro em Portugal, solicitando
esclarecimentos sobre os fatos, mas não obtiveram resposta (ARAGÃO Jr., 1926).
A Irmandade dos Militares foi inicialmente presidida pelo brigadeiro Antônio Correa
Seara, Comandante das Armas da então Província da Bahia, e contava com 74 irmãos, dentre
eles, o coronel Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva, autor das Memórias Históricas da
Província da Bahia, em seis volumes, de 1500 a 1832.
Nos documentos da irmandade, localizados no arquivo da Capela, encontra-se o
registro da Ata em que o Coronel Ignácio Accioli participou da segunda reunião da confraria,
na qual apresentou a proposta de aumento do valor do soldo de alferes de Santo Antônio,
elevando sua patente à “1ª Classe de Oficiais do Exército”, sendo aceita a proposta por
unanimidade (ARAGÃO Jr., 1926, p.8). O aumento do soldo recebido pelo orago
proporcionou, junto aos donativos dos confrades associados à irmandade, a execução de obras
70

na Capela, pois a encontraram bastante estragada, em estado de abandono, possivelmente por


conta das lutas da independência. Todavia, Aragão Jr. relata que foram executados conserto
geral no telhado, no adro e substituição do piso da nave da Capela por mármore italiano, mas
não especifica os detalhes dessa manutenção, que possam contribuir com a simulação digital
desta fase.
Apesar da suposta calmaria, diante do período de insatisfações e lutas passadas, em
1850 ocorreu a proibição do tráfico negreiro, promovendo mudanças efetivas no modo de
vida da cidade que funcionava a base da mão de obra escrava, ladeira acima e ladeira abaixo:
transportando pessoas, cargas, água para beber, para servir, águas servidas, cozinha, lavoura,
açúcar, farinha...
Era o prenúncio da Abolição, que caminhou a passos largos, mas sinalizou a
necessidade da introdução de novas tecnologias e de outras formas de relação de trabalho.
Isso possibilitou o ingresso do capital estrangeiro, para as reformas necessárias na
infraestrutura da cidade, principalmente após o inchamento populacional absorvido na Capital
da Província, devido ao êxodo rural ocorrido no extenso período de seca (1857-1861)2. Além
disso, as epidemias de febre amarela e cólera-morbo, que assolaram a Capital e o Recôncavo,
matando milhares de pessoas, afetaram diretamente a Irmandade dos Militares, pois estes
habitavam e exerciam suas funções, em sua maioria, na freguesia de Santana do Sacramento.
Segundo Nascimento (1986, p.43), em 1855, Salvador era constituída por dez
freguesias, e Santana era a terceira freguesia mais povoada, contando com um total de 1.243
habitações, das quais 1.054 eram casas térreas, 167 eram sobrados com um pavimento
superior e 22 com dois pavimentos. Perdia apenas para a freguesia de São Pedro Velho, que
possuía 1.573 habitações, e Santo Antônio Além do Carmo, com 1.188 habitações.
Sobre esse senso, ela ainda apresenta os dados da freguesia de Nossa Senhora da
Penha com 1.043 habitações, São Salvador da Sé com 967, Santíssimo Sacramento do Pilar
com 777, Nossa Senhora da Conceição da Praia com 537, Santíssimo Sacramento da Rua do
Passo com 272. E a mais nova e menos habitada era a freguesia de Nossa Senhora de Brotas,
que contava com apenas 35 habitações.
Assim, as freguesias mais atingidas pela epidemia foram as mais povoadas, que
estavam interligadas pelas margens do Rio das Tripas, o fosso que servia para o recolhimento
dos esgotos públicos que corria a céu aberto, infectando a cidade. O cholera morbus, após se

2
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX: sociedade e política. 2000. Diussertação
(Mestrado em História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2000. Disponivel em: < http://www.ppgh.ufba.br/wp-content/uploads/2013/12/As-Secas-na-Bahia-do-S%C3%
A9culo -XIX.pdf >. Acesso em: 15 set. 2013.
71

instalar na Europa, chegou ao Brasil pelas portas da Província do Pará, depois de atacar
Espanha e Portugal, alcançou Salvador, através da tripulação infectada do vapor paraense
“Imperatriz”, e se espalhou na cidade pelos caminhos do Rio das Tripas. Nascimento (1986,
p.152), relata os primeiros indícios da epidemia:

Subitamente o mal cólerico assaltou a cidade. Dois homens que viviam de


arpoar baleias, moradores na povoação do Rio Vermelho, foram atacados de
cólera fulminante. Era o dia 19 de julho de 1855. Dois dias após, na
freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, em uma casa perto do
Convento das Carmelitas, foram atacados uma mulher e um menino. Desta
vez, houve oportunidade para que alguns médicos fossem observar a
desconhecida moléstia, e pela narração dos sintomas compreenderam que
aqueles doentes haviam sucumbido de cólera. A 23 de julho, na freguesia de
Santana, na Rua do Castanheda, foram vitimadas duas mulheres, habitantes
da casa de um soldado de Polícia, chegando-se à conclusão de que havia sido
novamente o cólera. A Comissão de Higiene manifestou-se, nessa ocasião,
observando que fizera a autópsia em uma das mulheres e acompanhara a
moléstia da outra, devido aos rumores ainda incertos que corriam pela cidade
do Salvador de que a epidemia de cólera se estava nela iniciando.
(NASCIMENTO, 1986, p.152).

Assim, fica evidente o percurso do vibrião da cólera ao chegar à cidade, exterminando


aqueles que estavam às margens dos “esterquilíneos”, ambiente propício para se alastrar com
violência. No entanto, as autoridades públicas já buscavam implementar algumas medidas,
visando o saneamento da cidade, como a construção da via pública denominada Rua da Vala,
iniciada em 1849, através da canalização das águas do Rio das Tripas. Mas essa obra, de
fundamental importância para a salubridade da cidade, durou aproximadamente 16 anos e se
arrastou por vários governos, agravando as reincidentes epidemias de coléra e febre amarela.
Houve também a preocupação com o calçamento de algumas ruas do centro da cidade: Portão
da Piedade (1851), Rua da Lapa (1854), Rua do Tira Chapéu e Ajuda (1855).
Diante desse quadro, as propostas colocadas à Mesa da Irmandade dos Militares, na
Capela da Mouraria, eram tratadas, assinadas, mas na reunião seguinte não seguiam adiante,
pois o proponente ou o provedor da Ordem havia falecido. Assim era necessário, quando
possível, iniciar novamente todos os trâmites para novas votações. Por isso algumas propostas
determinantes perderam-se, a exemplo: da aquisição de um terreno, na Quinta dos Lázaros,
para a construção do cemitério, que seria denominado Campo Santo dos Militares; da
reorganização da Irmandade dos Militares para Irmandade do Exército e Armada em geral,
que ampliaria a irmandade e admitiria os oficiais do Terço das Ordenanças, além do Corpo de
Polícia, que se havia instalado no Quartel da Mouraria, local do extinto 2º Regimento; e da
72

edificação de uma casa de asilo para os militares aposentados ou em situação de risco, como
fizeram outras irmandades.
O histórico da Capelania Católica da Polícia Militar do Estado da Bahia assemelha-se
à história da Corporação do 2º Regimento, sendo criada oficialmente pelo Decreto do
Imperador D. Pedro I, em 17 de fevereiro de 1825, que mandou organizar na Bahia um Corpo
de Polícia. Já estava prevista, na Lei de Organização, a vaga de Capelão3, implantada no
Quartel da Mouraria, vizinho ao Convento da Lapa. No Mosteiro de São Bento, funcionou o
primeiro quartel da Polícia Militar da Bahia, denominado Batalhão de Minas, seu primeiro
comandante foi o Tenente Coronel Manoel Joaquim Pinto Paca, Capitão de 1ª Linha da 2ª
Companhia de Caçadores do Quartel de Água de Meninos.
A reunião que traria o Corpo de Polícia para a irmandade, não foi consolidada a
tempo, assim como outras propostas, mas também não foram encontrados documentos
contrários à presença deste e de outras pessoas da sociedade, como afirma Aragão Jr. (1926,
p.13): “[...] não apenas militares faziam parte da Irmandade, mas também muita gente nobre
da Província”. Essas pessoas ocupavam os cargos Ad honorem4, como a Condessa de Barral, a
Viscondessa de Passé, as Baronesas de Paraguassu, do Rio de Contas, de São Francisco e de
Belém; assim também o Brigadeiro Rodrigo Antônio Falcão Brandão, um dos heróis da luta
da Independência na cidade de Cachoeira, que assistiu à sessão de 10 de junho de 1855,
assinando a Ata, junto com o irmão Frei Nicolau do Bomfim, capelão militar, lastimando a
epidemia, que assolava também o Recôncavo.
Desse modo, a lista dos oficiais que ocuparam o título de provedores e demais cargos
desta Irmandade, nos seus 30 anos de existência, registrados nas atas de reuniões da
congregação, não deixa dúvidas de que a elite militar estava à frente da Confraria, mas que
também a elite da sociedade frequentava regularmente a Capela. Eram provedores: o marechal
de campo José Joaquim Coelho (1850-1855); o brigadeiro Manoel Antônio da Fonseca Costa
(1855-1856); o brigadeiro José Leite Pacheco (1856-1857); o coronel Solidônio José Antônio
Pereira do Lago (1857-1858); o brigadeiro João José da Costa Pimentel (1858-1859); o
marechal de campo Francisco Félix da Fonseca Pereira Pinto (1859-1860); o coronel Joaquim
José Gonçalves Fontes (1860-1862); o brigadeiro Manuel Muniz Tavares (1862-1866); o
brigadeiro Innocencio Eustaquio Ferreira de Araújo (1866), ano em que faleceu; o coronel
Luiz José Monteiro (1867-1870); o coronel Antônio Gomes Leal (1870-1871); o brigadeiro

3
HISTÓRICO da Capelania Católica da Polícia Militar do Estado da Bahia. Disponível em: <
http://www.pm.ba.gov.br/ >. Acesso em: 28 jan. 2013.
4
Expressão em Latim, que significa por honra. Diz-se do que é feito de graça, sem interesse lucrativo.
73

Manoel da Cunha Wanderley Lins (1871-1872); o brigadeiro Herculano Sancho da Silva


Pedra (1872-1875); o general João do Rego Barros Falcão (1875-1877). Este último, também
exerceu o cargo de Comandante das Armas da Província da Bahia. Além disso, havia os
cargos ocupados por compromisso, a exemplo de provedores honorários, como o Arcebispo
Primaz, Secretários de Estado e os Presidentes da Província.
Em 1865, com o início da Guerra do Paraguai, foi ordenada a mobilização geral, e a
Polícia Militar do Estado da Bahia foi uma das primeiras a serem chamadas para prestar
serviço à pátria. Houve uma comoção na área dos quartéis quando foram embarcadas cerca de
410 praças (RUY, 1949).
Os oficiais e praças convocados formaram o 10° Corpo de Voluntários da Pátria,
contando com a participação do Monge Beneditino Dom Francisco da Natividade Carneiro da
Cunha, que se tornou o primeiro Capelão da Corporação. Segundo Tavares (1963, p.131),
“[...] a guerra do Paraguai custou mais à Bahia do que as epidemias de 1850 e 1855 e do que a
estiagem no sertão”.
Essa conjuntura e as pressões internacionais relacionadas ao transporte das
mercadorias impulsionaram, na segunda metade do século XIX, o período das grandes
transformações e do aprimoramento urbano, em Salvador. Isso alterou sua configuração
físico-urbana, no intuito de controlar e promover o desenvolvimento da cidade, oferecendo
condições de higiene e salubridade aos habitantes e atendendo à demanda do porto, que
passou por grande ampliação, através dos aterros ocorridos de 1800 a 18605.
Por conta da proibição do tráfico, Salvador passou a diversificar suas atividades
mercantilistas, desde os setores industriais e manufatureiros, até os serviços urbanos, tais
como transporte e iluminação pública. Mesmo assim, os primeiros veículos públicos só
chegaram à cidade em 1862, pelas mãos do italiano Rafael Ariani, nos bairros da Calçada e
Bomfim. Eram as gôndolas, veículos altos, puxados à tração de quatro animais, guiados por
um cocheiro, mas utilizadas somente por homens e crianças (NASCIMENTO, 1986, p. 49). A
locomoção era difícil na cidade por causa da topografia acidentada, muito embora as
distâncias fossem curtas. Assim, novas gôndolas de particulares foram aparecendo, mas não
eram suficientes para atender à demanda.
Quanto à iluminação pública, a partir de 1836, a Lua, satélite natural da Terra,
revezava os horários com os lampiões de azeite, pois os funcionários da ronda tinham ordem

5
CÂMARA, Marcos Paraguassu Arruda. Conceição e Pilar: freguesias seculares do centro econômico e do
Porto de Salvador até o sec. XIX. 1989. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 1989. p.123.
74

de só acender os lampiões em noites escuras, sem Lua, por motivos econômicos. Em 1862, a
ordem continuou, mas os lampiões passaram a ser abastecidos com gás retirado do carvão de
pedra. As ruas, à noite, eram sombrias, “[...] somente o Quartel, o Palácio, a Câmara
Municipal e os templos eram fartamente iluminados” (NASCIMENTO, 1986, p.48).
Outro aspecto deficitário era o abastecimento de água, contratado em 1852, quando foi
iniciada a implantação de 12 chafarizes para sua distribuição, na cidade, em substituição às
fontes e seus escassos carregadores, porém o fornecimento continuou um serviço precário e
caro.
Aliado a esses aspectos, a população cresceu rapidamente, como apontam os dados
apresentados por Nascimento (1986, p.64), em gráfico relacionando os anos de 1706 a 1872,
onde registra que a população salta de 56.000 habitantes, em 1855, para 108.137, em 1872,
impulsionando a reação em cadeia que transformou o centro, as freguesias e as ruas,
irradiando novas perspectivas de ocupação do território.
Assim, com o fim do sistema escravocrata no Brasil, presenciado nas últimas décadas
do século XIX, com a Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885), até a
esperada Abolição do cativeiro (1888), agrava-se a crise financeira da Província da Bahia,
levando à articulação da economia baiana com o capitalismo internacional e transformando o
modus vivendi em Salvador.
Nesse sentido, em 1870, inicia-se a expansão dos meios de transportes, com as linhas
de bondes e as rodovias. Logo depois, chegam os ascensores: Elevador Lacerda e Taboão,
Planos Inclinados (Gonçalves e Pilar), as estradas: a execução da via na Ladeira da Montanha
(1872), a Rua da Vala, que canalizou o Rio das Tripas.
As medidas para facilitar o tráfego de pessoas e mercadorias se alastraram por toda a
cidade, mas surgiram também os conflitos de ordem social. Com a crise rural e a libertação
dos escravos principalmente, as freguesias centrais ficaram amontoadas, promovendo a
desagregação das habitações e conduzindo as classes mais abastadas para zonas mais
afastadas da cidade, como o Campo Grande, a Barra e a Vitória. A princípio, surgiam as
casas, depois as ruas e, por último, o desenvolvimento urbano e, na contramão, aonde
chegavam os trilhos dos bondes, rapidamente apareciam as casas e as ruas.
Assim como Caldas, na primeira metade do século XVIII, Vilhena deu notícias de
nove freguesias em Salvador, mas, ao longo do século XIX, praticamente foi mantida a
mesma divisão administrativa da cidade, retratada por Nascimento (1986), em seus estudos
sobre as Dez freguesias da Cidade de Salvador, revelando riquíssimas contribuições sobre seu
desenvolvimento, além de observar seus vetores de expansão.
Dessa forma, o que se percebe nesse período em que a Irmandade dos Militares esteve
presente na administração da Capela, são ares de progresso, mas também ecos de horror, de
desequilíbrios, epidemias e mortes. Contudo, são também dessa época as mais belas festas e
manifestações culturais de fé e tributos ao orago da Capela da Mouraria e protetor das tropas
militares da Província. As bandas militares saíam em desfile na procissão, havia fogueiras,
bandeirolas, comidas típicas, muita reza nas ruas, nas casas, várias missas na Capela,
acompanhadas de grandes festividades.
Ainda com a Capela sob a administração da Irmandade dos Militares, ocorreu, em
1872, o nivelamento e calçamento do trecho da cidade entre Santo Antônio da Mouraria e o
Largo de Nazaré (RUY, 1949). Em 1873, abria-se a estrada de ligação da Soledade às
Quintas, promovendo a abertura de novas ruas, recortando o perímetro urbano, para facilitar
as comunicações.
Os melhoramentos ocorridos na Rua da Lapa ocasionaram mudanças no adro da
Capela, deixando-a em posição elevada diante do nível da rua, atribuindo novos ares à
Mouraria. Esse fato fez questionar como foram solucionados os acessos à edificação, pois a
remodelação do adro provavelmente foi executada com esse fim. No entanto, o adro
cadastrado atualmente possui o mesmo tipo de mármore italiano utilizado pelos militares,
quando substituíram o piso da nave da Capela, como foi indicado nos ensaios efetuados sobre
amostras desse material em laboratório, segundo os quais, as peças analisadas, tanto do piso
da nave quanto do piso do adro atualmente cadastrados, possuem o mesmo conteúdo
mineralógico, ou seja, apresentam uma cristalização muito fina, diferente do mármore
nacional, que, em geral, possui uma estrutura granulosa, como o açúcar (sacaróide). Portanto,
é possível concluir que, supostamente, houve a remodelação do adro, no mesmo ano em que
houve o nivelamento das vias da Rua da Lapa.
Essa observação coincide com a data em que foi concluído o processo de alinhamento
de limites do terreno e a irmandade perdeu parte da área do quintal da Capela, no lado leste,
para os vizinhos. Como relata Aragão Jr. (1926, p.17):

[...] terminando a demanda que durou cerca de 11 annos, perdendo a capella


parte apreciável do terreno do fundo e do lado do quintal, como se vê hoje
pelo muro tortuoso que o separa do jardim da casa [...] o que fez a Mesa
requerer [...] à Camara Municipal o alinhamento do terreno baldio ao lado
sul da Capella, a fim de que para o futuro não viesse a mesma sofrer prejuizo
semelhante.
78

Assim, os dados possíveis de acrescentar informações efetivas à evolução


arquitetônica da Capela, dizem respeito à sua implantação e ao terreno que a envolvia,
apresentados na simulação digital da planta baixa da Capela (Figura 17).
É possível, então, notar o terreno do lado leste (10) já recortado, com limites sinuosos
e o terreno ao sul, limitando-se com a Rua da Lapa (9), ainda vazio. Em relação aos usos do
edifício, as pesquisas corroboram sua permanência, desde o início do século XVIII, conforme
descritos na legenda, porém, quanto à nova forma de acesso ao adro (1) e ao desnível da
capela diante da via, não houve dados suficientes para compor essa transformação de maneira
gráfica.

LEGENDA

1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência do
Capelão
9 e 10.Quintal

Fig. 17 – Simulação digital da planta baixa da Capela dos Militares – 1872, a partir dos
documentos.
Fonte: Levantamento Cadastral produzido pela autora (2012).

No entanto, esses fatos levantam algumas variáveis condicionantes quanto à evolução


arquitetônica da Capela:
1) É possível que os revestimentos da nave e do adro tenham sido assentados, no
mesmo ano de 1871, quando houve o nivelamento das vias;
2) A remodelação do adro para o acesso à capela provavelmente promoveu a
necessidade de construir a escadaria principal como a conhecemos hoje;
3) A Capela de Santo Antônio da Mouraria é administrada por Ordem Terceira,
portanto as obras foram executadas ao longo do tempo, através de arrecadações e campanhas
79

dos devotos e da confraria. Isso confirma o fato de que as transformações na Capela foram
acréscimos ocorridos paulatinamente;
4) As arrecadações na Capela possuem um período de maior intensidade a cada
trezena de Santo Antônio, quando os fiéis costumam pagar as promessas ao orago, com
recursos para obra de manutenção no templo.
Desse modo, foi produzida outra simulação da Capela em 1872 (Figura 18), mas, desta
vez, a partir das variáveis condicionantes, que corroboram a lógica das constantes adições e
reformas ocorridas em templos pertencentes à ordens de terceiros.
LEGENDA

1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência
do Capelão
9 e 10.Quintal

Figura 18 – Simulação digital da planta baixa da Capella dos Militares – 1872, a partir do
levantamento das variáveis condicionantes.
Fonte: Levantamento Cadastral produzido pela autora (2012).

A Irmandade dos Militares, nos períodos de epidemia, sofreu grandes baixas e quase
não havia reuniões nessa fase. Isso deflagrou um processo de decadência, escasseando, a cada
dia, o número de confrades que frequentavam as reuniões, principalmente devido às guerras e
aos conflitos para os quais os militares eram convocados, como a Guerra do Paraguai.
Essa sucessão de fatos colaborou, diretamente, com a ausência de ações de mais
visibilidade nesse período da história da Capela, impulsionando sua extinção em junho de
1879, sendo a Capela de Santo Antônio dos Militares entregue aos cuidados dos
administradores da Arquidiocese de São Salvador. Assim entende Aragão Jr. (1926, p.17),
quando declara:
80

A Irmandade ia cahindo pela falta de reuniões, o que já era reclamado em


1856, havendo Mesas que só se reuniam uma e duas vezes e outras que, após
a sessão de posse, só se reuniam no anno seguinte para a nova eleição, tendo
a eleita para 1864-1865 prolongado seu mandato até 10 de junho de 1866,
quando houve eleição para a de 1866-1867; influindo para isso a ausência de
Irmãos, entre os quaes o dedicado escrivão Major Antonio Domingos
Ferreira Bastos, que em defesa da Pátria seguiram para a Campanha do
Paraguai.

O Major Antônio Domingos (1811-1869), como muitos outros confrades, exerceu com
zelo seu cargo de escrivão desde a fundação da Irmandade dos Militares em 1849, até junho
de 1864, quando seguiu para a Guerra do Paraguai. Ao retormar, pediu que, quando falecesse,
seus ossos fossem depositados na Capela de Santo Antônio da Mouraria, onde até hoje é
possível ver sua lápide (Figura 19).

Figura 19 – Lápide do Major Antônio Domingos (1811-1869) na Igreja da Mouraria.


Fonte: Arquivo produzido pela autora (2013).

A lápide do zeloso major (FIGURA 19) foi o local em que, primeiramente, foram
percebidos os ecos extintos de um tempo. Posteriormente, o processo de extinção veio em
cadeia: a independência do Brasil na Bahia, passando pela Mouraria; os grilhões da
escravidão, ocasionando mudanças em todos os setores da vida em Salvador e liberando o
acesso do capital estrangeiro, para execução da infraestrutura urbana; a extinção do Rio das
81

Tripas, para dar lugar a Rua J.J. Seabra (Baixa dos Sapateiros) e, por conseguinte, as
epidemias que surgiam menos violenta a cada ano; a extinção dos vazios urbanos com a
chegada dos bondes; até a extinção da Monarquia, ao findar o século XIX, com a
Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, em 15 de novembro de 1889, no
Rio de Janeiro.
Um ano após a assinatura da Lei Áurea, saiu exilado do País, o imperador D. Pedro II,
avaliando-se, assim, o impacto causado por essa medida no Império. No entanto, ao refletir
sobre a definição de extinção, foram percebidos ecos ativos dos militares que ecoam até hoje,
visto que a lápide presente consolida a presença dos militares no templo.
Na Bahia, era governante o Conselheiro José Luís de Almeida Couto e Comandante
das Armas, o Marechal Hermes da Fonseca, irmão de Deodoro da Fonseca, o chefe militar da
República. Este nomeou o Dr. Manoel Victorino Pereira como o primeiro Governador da
Bahia, um político liberal, de tendência federalista, partidário e amigo de Ruy Barbosa e
Antônio de Lacerda.
A partir dos laços de amizade entre Manoel Victorino e Antônio de Lacerda é que se
estabelecem os ecos parisienses, em Salvador.

2.3 A SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULO: ECOS PARISIENSES

A origem da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) deu-se no início do século XIX,
em Paris, devido à insatisfação de jovens estudantes universitários com a maneira com a qual
era praticada a caridade pela Igreja Católica, a exemplo da simonia6.
A Irmandade de Ordem Terceira foi fundada 23 de abril de 18337, por um grupo de
sete jovens liderados por Antoine Ozanam (1813-1853), estudante de Direito na Universidade
de Sorbonne.
A organização adotou São Vicente de Paulo (1581-1660) como patrono, inspirando-se
no pensamento e na obra daquele santo, conhecido como o Pai da Caridade, por causa de sua
dedicação ao serviço com os pobres e infelizes, seguindo a risca o segundo mandamento do
Cristianismo: Amar ao próximo como a ti mesmo.

6
Comércio ilícito de coisas sagradas, referente à venda de bens espirituais ou tráfico de benefícios religiosos.
7
SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULO. História institucional. Disponível em: < http://www.
ssvpcmbh.org.br >.Acesso em: 20 out. 2012.
82

Dessa forma, São Vicente tornou extraordinária sua atuação pastoral, em Paris,
resultado do número de obras de caridade que mantinha, com muita humildade e disciplina
espiritual. Suas congregações se estenderam por todo o mundo, sendo consagrado pela Igreja
como Herói da Caridade8.
A unidade da SSVP, no mundo, é regida pela Regra da Confederação Internacional da
SSVP, buscando incansavelmente, segundo eles, um trabalho de maior contato e aproximação
com a Igreja, através do Clero, espalhando-se em Conferências pelo mundo a fora,
promovendo a caridade. A SSVP tem por finalidade a santificação de seus membros,
confrades, consócias e os locais socorridos, participando das obras sociais.
Após grande campanha da Irmandade, em todo o mundo, Frédéric Ozanam foi
beatificado em agosto de 1997 pelo Papa João Paulo Segundo, também declarado vicentino,
como são denominados os participantes dessa Ordem.
Atualmente, a Sociedade de São Vicente de Paulo está presente em 146 países, com
mais de 720 mil membros espalhados pelo mundo. O Brasil é o maior país vicentino do
planeta, com 45.440 Conferências, mais de 2 mil Conselhos Particulares, quase 300
Conselhos Centrais e 33 Conselhos Metropolitanos, um Conselho Nacional e milhares de
Obras Unidas e Especiais, subordinadas ao Conselho Geral Internacional. Dentre eles, o
Conselho Metropolitano Bahia-Sergipe administra, desde 1895, a Capela de Santo Antônio da
Mouraria, em Salvador.
A instituição chegou ao Brasil em 1872, com a Conferência São José, no Rio de
Janeiro. Na Bahia, a SSVP chegou pelas mãos de Antônio de Lacerda, idealizador do
Elevador Lacerda e Mordomo do Asilo dos Expostos. Em 27 de dezembro de 1876, realizou-
se a Primeira Conferência, na freguesia da Sé, em Salvador. Na Biblioteca particular da
SSVP, foram encontrados documentos com recortes impressos, nos quais havia o relato da
Ata da 1ª Conferência Vicentina na Bahia e a presença de seus fundadores, a saber: o Dr.
Antônio de Lacerda, eleito Presidente da Irmandade, o Dr. Manoel Victorino Pereira, como 1º
Vice Presidente e o Dr. Guilherme Studart, como 2º Vice Presidente. O Bispo do Pará, D.
Antônio de Macedo Costa, presidiu a instalação da Sessão Solene, realizada no salão da
Associação Católica, como descrito no documento (Anexo B):

[...] reunidos os Snrs. Antonio de Lacerda, Dr Francisco Pereira de Aguiar,


Joseph Mawson, Pedro Baptista de Lima, Benjamin de Macedo Costa, João
Carlos do Sacramento, Conego Dr. João Nepomuceno Rocha, Dr. Guilherme
Studart, Conego Dr. José Basílio Pereira, Dr. Francisco Barbosa de Araújo,
8
Boletim Brasileiro da SSVP, Rio de Janeiro, Conselho Superior do Brasil, n.8, 1958. p. 56 (Acervo da
Biblioteca dos Vicentinos): São Vicente de Paulo – exemplo e mestre.
83

Conego Manoel dos Santos Pereira, Francisco de Macedo Costa, José


Antônio de Macedo Costa e Francisco de Macedo Costa, para fundarem
nesta “Capital uma Conferencia de S. Vicente de Paulo, sob a proteção de S.
José, segundo as formas prescriptas pelo Regulamento dessa pia Associação
[...] Ao findar essa edificante exhortação tratou-se de eleger um Presidente
que inteirinamente dirigisse os nossos trabalhos, e foi unanimente aclamado
o Snr. Antonio de Lacerda [...].(Anexo B).

A Capela de Santo Antônio da Mouraria, após passar por administradores, durante


cerca de 16 anos, foi entregue à SSVP, em julho de 1894, pelo Arcebispo Primaz D.
Jeronymo Thomé da Silva, para que se tornasse sua sede e nela se instalassem as múltiplas
obras de caridade.
A sede da SSVP, a princípio, foi localizada no número 12 da Rua do Cruzeiro de São
Francisco, 2º andar e, posteriormente, foi transferida para a Capela da Mouraria, em
novembro de 1895, quando foram entregues as chaves para os primeiros consertos, pois a
Capela se encontrava bastante degradada (ARAGÃO Jr., 1926).
Dessa forma, as reuniões da Conferência da Irmandade, nas quais os confrades
executam e dão conta de suas funções na comunidade, só foram transferidas para a Capela em
abril do ano seguinte, após alguns consertos nos ambientes da edifícação.
No Livro de Atas das reuniões da Conferência da SSVP, durante os anos de 1895 a
1898, encontrado na biblioteca da sociedade, foi verificado que as reuniões anteriores ao ano
de 1895 eram realizadas no consistório da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de João
Pereira. As reuniões geralmente iniciavam após as missas, sempre com duração de uma hora,
e consistiam da seguinte rotina: os confrades presentes faziam as orações “de costume” em
homenagem a Nossa Senhora, São Vicente e Ozanam; depois executava-se uma leitura
espiritual, para reflexão; Só então, lia-se a ata da reunião anterior, que fora aprovada, dando
conta do que fora executado; em seguida, recolhiam-se as doações, das quais os valores eram
anotados em ata; a seguir, expunham-se as situações das famílias ou indivíduos assistidos;
colocavam-se em discussão as situações e conflitos; para só então serem distribuídos os vales
para os auxílios, encerrando-se a reunião com uma oração.
Após um ritual como o descrito acima, foi registrada, na Ata do dia 26 de março de
1896, sob a presidência do Sr. Taciano Pinto de Mendonça, a seguinte nota: “Resolveu-se
mudar a sede de suas sessões para a egreja de S. Antônio da Mouraria mais nada havendo a
tratasse, fez as orações finais. Assina Henrique Pereira de Araujo, como secretário”. Na
semana seguinte era redigida a primeira Ata de reunião da Conferência Vicentina nas
84

instalações da Capela da Mouraria. A data é o dia 2 de abril de 1896, primeira reunião após a
decisão da Ata de 26 de março citada.
A Capela da Mouraria e suas dependências estavam abandonadas, quando a SSVP
assumiu a administração em 1895, havendo uma sucessão de consertos, principalmente no
telhado. Logo em seguida, foram inaugurados a Despensa dos Pobres, a Rouparia dos Pobres
(1897) e o Patronato de São Vicente (1899). Disso, trata a Figura 20, uma fotografia da época,
na qual é possível observar dados da arquitetura da Capela (portas, janelas e escadaria), além
de demonstrar a atuação da SSVP na realização das aulas no Patronato.

Fig.20 – Uma das primeiras turmas do Patronato de São Vicente de Paulo – 1900.
Fonte: Memória Histórica da Capela de Santo Antônio da Mouraria – Aragão Jr. (1926).

Na imagem, aparecem cerca de 60 crianças sentadas na escadaria no adro, mais a


presença, possivelmente, da direção e dos professores, em 8 de dezembro de 1900, onde se vê
ao fundo a Capela, ainda com uma porta e duas janelas com grades de ferro, como afirma
Aragão Júnior (1926). Esses dados foram confrontados com o cadastro e concluiu-se a
simulação digital da planta baixa da Capela, aproximadamente entre os anos de 1896 e 1901,
associados aos dados recolhidos no levantamento histórico, apresentados na Figura 21.
85

Legenda de usos até 1879 Legenda de usos em 1896-1900


(Irmandade dos Militares) (Sociedade S. Vicente de Paulo)
1. Adro 1. Adro
2. Nave 2. Nave
3. Altar-Mor 3. Altar-Mor
4. Sacristia 4. Sacristia
5. Pátio 5. Pátio
6. Torre sineira 6. Torre sineira
7. Consistório 7. Conselhos da Bahia e de Salvador
8. Residência do Capelão 8. Despensa dos pobres
9 e 10.Quintal 9. Patronato de São Vicente
10.Quintal

Figura 21 – Simulação digital da planta baixa da Capela – 1896-1900


Fonte: Levantamento Cadastral produzido pela autora (2013).

Nas dependências da Capela, a SSVP ocupou antigo consistório com os Conselhos


Central da Bahia e Particular de Salvador; na sala de entrada e sacristia, instalavam-se as
Conferências, que se reuniam uma vez por semana; e, na sala do lado oposto, instalou-se a
Despensa dos Pobres. Muitos desafios enfrentaram os vicentinos, a ponto de não haver
celebração de missas nos dias de chuva, devido às infiltrações da cobertura, tal o número de
goteiras sobre o altar.
86

No alvorecer do século XX, os vicentinos e suas obras abraçaram a Capela Primitiva,


ao construir o Edifício da Sociedade São Vicente de Paulo: eram os ecos parisienses na
Mouraria.

2.4 ECOS BAIANOS

De acordo com Mattoso (1992), quase todos os baianos pertenciam pelo menos a uma
irmandade, até meados do século XIX. No caso de Antônio de Lacerda, ele pertencia a
algumas, entre as quais, foi um dos fundadores e presidente da Conferência de São Vicente de
Paulo, na Bahia; fundou a Conferência de Nossa Senhora das Vitórias, onde construiu o Asilo
dos Expostos, em frente ao Campo da Pólvora, da qual também foi presidente; fazia parte
também da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, como Mordomo do Asilo dos
Expostos9; e foi Presidente do Conselho Particular de Salvador da SSVP, segundo os relatos
de Trinchão (2010), em sua dissertação sobre o Parafuso, mais tarde denominado Elevador
Lacerda.
O visionário baiano Antônio de Lacerda era filho do comerciante Antônio Francisco
de Lacerda. Toda sua formação ocorreu no exterior, como era de costume, na época. Em suas
andanças pelo Europa, esteve em contato com a filosofia vicentina e, por se tratar de uma
postura em que os jovens se rebelavam contra o sistema, à luz da ciência, dentro dos cânones
católicos, logo se identificou com os objetivos da ordem e se interessou pela irmandade.
O jovem Lacerda, aos 22 anos, foi chamado de volta para assumir os negócios do pai,
que se achava já cansado, reencontrando Salvador na época em que fervilhavam as mudanças,
principalmente para os meios de locomoção, e se envolvendo em diversas irmandades,
colaborando para o desenvolvimento da cidade.
Das irmandades mais difundidas, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, chegou
ao Brasil em 1530, sendo fundada por Brás Cubas, em Santos, justamente na Capitania de São
Vicente. Na Bahia, foi fundada em 1550 e administrada pela elite local, desempenhando
importante papel na sociedade, com a missão do tratamento e sustento dos enfermos e
inválidos, além de dar assistência aos “expostos” (MATTOSO, 1992, p. 398).

9
Crianças abandonadas na Roda dos Expostos, situada na Pupileira em Salvador.
87

Outra personalidade baiana, que atual de modo singular na segunda cumeada foi
Amélia Rodrigues (1861-1926), educadora na Capital desde 1891, tornou-se Diretora do
Asilo dos Expostos na Santa Casa de Misericordia. Segundo o artigo10 escrito em sua
homenagem era “Grande educadora, poetisa delicada e primorosa escritora”, provavelmente
também tenha sido membro da Sociedade São Vicente de Paulo, dada sua sintonia com os
objetivos da Irmandade, no contexto da época, em que os círculos de caridade e educação
seguiam a mesma filosofia.
Os ares militares da freguesia de Santana estavam, de fato, se transformando, colégios
e praças ocupavam as áreas dos quartéis. Nesse âmbito, é possível afirmar que Amélia
Rodrigues foi contemporânea dos confrades que tomaram à iniciativa de se mudar para a
Capela da Mouraria em 1895, assim como deve ter testemunhado o período de mudanças na
área, a construção do Ginásio da Bahia e do edifício da SSVP, na Mouraria.
Nascida em terras do Recôncavo baiano, na localidade de Oliveira dos Campinhos,
Santo Amaro, Amélia Rodrigues chegou a Salvador em 1891. Era católica fervorosa, atuante
na cidade, vindo a contribuir com grande número de obras literárias, poemas e artigos para
jornais e revistas. Em Salvador, fundou duas revistas católicas: A Paladina do Lar e A Voz,
ambas pertencentes ao acervo da biblioteca da SSVP, na Mouraria. Diante dos preconceitos
da época, ela escrevia com o pseudônimo de Juca Fidelis para as revistas Mensageiro da Fé,
Leituras Catholicas, Estantarte Cathólico e a Pequena Semente, onde foi encontrada a nota
de seu falecimento.
Aragão Jr. (1926) reafirma o envolvimento dessas irmandades, quando descreve o fato
ocorrido no ano de 1912 em que uma relíquia de São Vicente de Paulo foi doada aos
vicentinos da Bahia pelo Padre Affonso Gavroy, que a mandou buscar em Paris, por
intermédio de uma Irmã de Caridade do Asilo dos Expostos.
Compartilhando dos ideais de Lacerda, o Dr. Manuel Vitorino Pereira (1853-1902)
participou da fundação da SSVP na Bahia, sendo eleito vice-presidente da Irmandade em
1873. Nascido em família humilde, graduou-se médico pela Faculdade de Medicina da Bahia,
especializando-se nos hospitais de Paris, Viena, Berlim e Londres. Catedrático da Faculdade
de Medicina, político federalista, abolicionista e vicentino, ingressou na carreira política
sendo nomeado Governador da Bahia em 1890 (RUY, 1949).

10
Artigo em homenagem a D. Amélia Rodrigues, por ocasião de seu falecimento, publicado na Revista A
Pequenina Semente: Revista Mensal da Congregação Christã da Archidiocese da Bahia, setembro de 1926.
Encontrada na Biblioteca da SSVP em junho de 2011.
92

3 RECONSTRUÇÃO/TOMBAMENTO: IMAGENS NO TEMPO

Quando te vi amei-te já muito antes.


Tornei a achar-te quando te encontrei.
(Fernando Pessoa)

A Arquitetura está nas relações com as diversas atividades humanas e, dentre elas, na
sedução das palavras que envolvem os poetas, refletindo percepções temporais, ora externas,
ora internas. Para o poeta Rubem Alves (2014), por exemplo, meditar sobre este trecho da
obra poética de Fernando Pessoa, citado acima, é interpretar as entrelinhas:

Quando te vi... Eu nunca a havia visto. Não havia antecedentes que tivessem
preparado aquele momento. Nada sabia sobre ela. Dela, naquele momento, a
única coisa que eu tinha era a sua imagem: eu a vi... Como eu nada sabia
sobre ela, ela era destituída de substância. Dela, eu só tinha aquilo que meus
olhos me ofereciam: uma imagem. (PESSOA, apud ALVES, 2014).

Em A Poesia do Encontro, Elisa Lucinda e Rubem Alves se debruçam a divagar sobre


as palavras e os sentidos na poesia, relatando as imagens que surgem do não dito em cada
verso, como um diamante escondido à espera da lapidação. E sobre os versos de Pessoa,
Rubem Alves afirma: “Eu já amava você numa imagem que morava em mim, de modo que
encontrar com você, não foi encontrar com você, mas reencontrar com a coisa que eu já
amava” (LUCINDA; ALVES, 2010, p. 38).
Através das palavras, há a tentativa de se explicar os sentimentos humanos, ou
designar coisas materiais, descrever situações e sensações. Todavia, para traduzir uma
experiência psicológica na sua plenitude, não bastam as palavras, pois, para cada indivíduo, o
alcance dessa percepção ocorrerá de maneira única, tornando-se, assim, como um “[...]
esquema ou como instrumento de sintonização entre dois interlocutores” (GALLEFFI, 1961,
p.26). Dessa forma, considera-se que a imagem da arquitetura na paisagem está para o
indivíduo, assim como as palavras estão para a poesia, transcendendo o seu significado.
Nesse contexto, as imagens são caracterizadas como fragmentos da memória
registrados na matéria, ou vice-versa, representando ferramenta fundamental para o acesso à
memória individual ou coletiva e estimulando recordações repletas de sensações múltiplas.
Para Bergson (1990), matéria e memória, no sentido da percepção, não são intrísecas
ao indivíduo, mas às próprias coisas, à matéria e ao que dela extrapola. Assim, a percepção se
desloca da teoria do conhecimento para o seu sentido vital: perceber se torna mais que um
modo de tocar a matéria com os sentidos, significa possuir com ela um contato genuíno.
93

Esse sentido de compreensão corrobora Brandi (2004, p. 36), ao associar “a matéria


como epifania da imagem”, que, segundo seus corolários, se desdobra em estrutura e aspecto.
Assim, a percepção do edificio/indivíduo como imagem permite a leitura da passagem do
tempo sobre a paisagem dinâmica da cidade. E, de acordo com Arantes (1984), essa paisagem
percebida pelo homem é um dado cultural, no sentido de cultura como movimento de criação,
constantemente em evolução no ambiente artificial, construído através de sistemas
simbólicos, de elementos arquitetônicos e de significados.
Nessa perspectiva, as imagens encontradas, ao longo da pesquisa, estão repletas de
percepções sobre a Reconstrução e o Tombamento do monumento, ocasionando a reflexão
sobre os diversos aspectos entre estrutura e imagem, valores e questionamentos, que vão além
do veículo das relações sociais e das elaborações estéticas, relativas à Capela de Santo
Antônio da Mouraria, às irmandades, à sociedade e à Cidade do Salvador.

3.1 RECONSTRUÇÃO: DE ÁREA MILITARIZADA A ÁREA INTELECTUALIZADA

A reação em cadeia das transformações e permanências alcançou o século XX, com


ares de demolição e reconstrução. A área militarizada, na qual a Capela fora fundada no início
do século XVIII, transformou-se ao longo do século XIX em área intelectualizada, com a
substituição dos antigos quartéis por escolas e residências. No raiar do século XX, Salvador
ainda possuía uma estrutura colonial, portuária e comercial, apresentando ruas estreitas, que
impediam a livre circulação do ar e a penetração da luz, a maioria sem rede de esgotos e sem
utensílios sanitários. Esses fatores foram predominantes para a disseminação das pestes e,
aliados à carência de moradias, provocaram a proliferação de cortiços e outros tipos de
habitações populares insalubres (LEITE, 1996).
Segundo Tavares (1963, p.138), “A Bahia permanecia colonial, basicamente agrária,
produzindo para o mercado externo”, muito embora, a indústria baiana já contasse com cerca
de 123 fábricas, sendo que a maioria estava ligada à produção de tecidos.
A mentalidade comercial e econômica transformava-se em função do crescimento
nacional e internacional, com a criação de instituições ligadas ao comércio como os bancos
estaduais (Caixa Econômica e Banco da Bahia), implantação de bancos estrangeiros,
associações comerciais, beneficentes, literárias, além de instituições para a formação técnica
de operários.
94

Assim, uma análise da freguesia de Santana demonstra a transformação da área, pois,


afora os militares, essa população, nos séculos XVII e XVIII, era de mediana categoria,
composta por pequenos comerciantes, oficiais mecânicos, pedreiros, carpinteiros, escultores e
artístas, pintores e ourives, bem como a presença de algumas famílias tradicionais, de acordo
com Ott (1979).
Em meados do século XIX, a população de Santana já possuía maior diversidade, com
caracteristicas voltadas para as artes e os ofícios. Segundo relata Nascimento (1986, p. 85),
além dos militares que residiam em Santana, “[...] talvez fosse essa a freguesia na qual os
habitantes mais se inclinassem às artes”. Contribuiu, para isso, a presença do tradicional Liceu
de Artes e Ofícios da Bahia, instalado inicialmente no Convento da Palma, em 1872, com a
finalidade de qualificar operários e artífices para o mercado de trabalho. Nascimento (1986)
dá noticia, também, da presença de personalidades ilustres, muitos músicos e professores,
além de médicos, nas residências da redondeza, devido ao Hospital Regimental, que
funcionava na área do Quartel da Palma.
Corrobora o entendimento das transformações da área de estudo a listagem dos prédios
construídos na época, nos quais passaram a funcionar instituições de ensino e pesquisa,
possibilitando, da Piedade ao Desterro, a percepção da transformação da área militarizada em
área intelectualizada ou educacional, a saber: o Asilo dos Expostos (1862), o Gabinete
Português de Leitura (1863), o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872) – o qual foi para o
Paço do Saldanha (na atual Rua Guedes de Brito) em 1874; a Faculdade Livre de Direito da
Bahia (1891), onde hoje funciona a Justiça federal, na Piedade; o Instituto Histórico e
Geográfico da Bahia (1894), a Escola Politécnica da Bahia (1895); o Ginásio da Bahia (1900),
atual Colégio Central; a Academia de Letras da Bahia (1917), o Instituto Normal (1939). A
professora aposentada da UFBA, formada em Letras Neolatinas pela antiga Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras dessa Instituição, Solange Fonsêca, em longas conversas, assim
rememora:
A Escola Politécnica era defronte do Relógio de São Pedro, na Av. Sete, pois
ainda peguei o antigo prédio, hoje um shopping. O Instituto Normal da
Bahia era na antiga Faculdade de Filosofia na Av. Joana Angélica, em
Nazaré, onde concluí o curso em 1963. Isaías Alves instalou ali a Faculdade,
em 1941, pois o Instituto Normal foi para o Barbalho em 1939. Hoje, no
prédio, funciona o Ministério Público do Estado da Bahia.

A essa altura, a área militarizada já tomava outros rumos e, ao ser iniciada a


construção do “Gymnasio da Bahia”1, no local onde funcionava o Quartel das Forças

1
Atualmente, Colégio Estadual da Bahia – Central.
95

Armadas, em Santo Antônio da Mouraria, vizinho ao Convento da Lapa. Nesses idos,


governava a Bahia, Luiz Vianna (1896-1900).
Em 1899, a Rua da Lapa ganhou um Largo, e a Rua das Palmeiras passou a se chamar
Rua Marechal Floriano. Eram as obras do Ginásio e da Praça de Esportes, que foram
coordenadas pelo Engenheiro Civil Justino da Silveira Franco e pelo empreiteiro Eduardo
Coutinho de Vasconcellos. O projeto constou da reformulação das estruturas do quartel e, em
seu entorno, foi criada a Praça do Ginásio. A fachada demonstra as características da
arquitetura militar (Figura 23), guardando os indícios da área militarizada, apresentando a
mesma tipologia arquitetônica, também conservada no Quartel da Palma, até hoje. A
inauguração do Colégio da Bahia, como era conhecido, ocorreu em maio de 1900, conforme
os relatos de Sampaio (1928), abrindo o século XX com a imagem da modernidade através do
embelezamento da cidade.

Fig.23 – Gymnasio da Bahia inaugurado em 1900, atual Colégio Estadual da Bahia (Central).
Fonte: Indicador e Guia Prático da Cidade de Salvador-Bahia – organizado por Lauro Sampaio
(1928). Biblioteca Pública da Bahia.

Enquanto se inaugurava o Ginásio da Bahia, a Sociedade São Vicente de Paulo


promovia e ampliava os cursos no Patronato de São Vicente, instalado em ambientes da
Capela de Santo Antônio da Mouraria, eram eles: aulas de música, alfabetização e cursos
profissionalizantes para meninos pobres, aprendizes e operários, com aulas diurnas e
96

noturnas, aumentando o alcance das obras assistenciais e educacionais, atraindo maior público
e, por conseguinte, demandando mais espaço.
Assim, em 12 de agosto de 1901, a SSVP assumiu definitivamente a administração da
Capela de Santo Antônio da Mouraria. Suas dependências e patrimônio foram confiados à
Irmandade, “[...] com inscrição no livro do Tombo da SSVP, registrada no livro próprio da
Secretaria Eclesiástica” e, mais tarde, no cartório de registro especial de títulos e documentos,
em 6 de junho de 1924 (ARAGÃO Jr., 1926, p. 20). Esse documento efetivou a posse do
imóvel, promovendo a autonomia necessária para que os vicentinos construíssem mais
cômodos e expandissem suas obras de caridade, com pleno direito de serem indenizados pelas
despesas, caso houvesse um retorno da administração da Arquidiocese de Salvador.
Esse fato levou à ocupação de todo o terreno sul e parte do quintal da Capela, para a
construção de edifícios anexos, dando início ao período de sucessivas contruções, demolições
e reconstruções na capela.
Para uma divisão meramente didática, os períodos foram numerados e divididos de
acordo com os anos em que foram evidenciadas maiores transformações no edifício. Isso não
significa que, nos anos não citados, não tenha havido nenhum tipo de manutenção da
edificação, principalmente pelo fato de que os devotos de Santo Antônio possuem o hábito de
pagar suas promessas, efetuando ou promovendo serviços de manutenção no templo.

 1º Período – 1901-1905

De 1901 a 1905, foram executadas diversas obras na Capela, com o intuito de ampliar
as ações filantrópicas da SSVP, entre elas as que mais se destacam são: a inserção de dois
altares laterais na nave, que transformaram a Capela dos Militares em Igreja de Santo Antônio
da Mouraria, muito embora tenham ocorrido a obstrução da visibilidade de parte dos painéis
de azulejos setecentistas; e a abertura do segundo corpo da Igreja, o que amplificou a
quantidade de devotos nas missas.
De maneira cronológica, em 1901, começaram os reparos pela cobertura, com a
substituição de algumas combotas podres do forro tipo caixotão, que compõe uma abóbada
facetada, culminando em pintura central. As peças curvilíneas e retilíneas integram-se à
estrutura arquitetônica da cimalha, formando molduras que fazem o acabamento decorativo na
transição entre as paredes e o forro, o qual recebeu vários consertos e a fixação de grande
número de estrelas de madeira, para simbolizar o céu.
O destaque desse elemento arquitetônico, além da técnica construtiva em madeira, está
na pintura ilusionista barroca apresentada no quadro central do forro, com dimensões
97

1,10x4,00m, no qual a bela imagem de Santo Antônio representa o momento em que ele
recebeu o Deus Menino das mãos da Virgem Santíssima, elaborada nos padrões da Escola
Baiana de Pintura. Segundo o IPHAN (1998), a época provável de sua execução foi o século
XIX.
Nas paredes da nave e do altar-mor, no púlpito e na tribuna, houve o revestimento com
texturas decorativas, que imitavam as características do mármore, além da execução de
barramentos decorativos como remates arquitetônicos das aberturas, como o delineamento no
arco-cruzeiro e nos ornatos em relevo, que emolduram as portas principais.
Era a arte dos “fingidos”, que consiste em um acabamento final, executado com uma
fina pasta, de dois a três milímetros, só de cal, ou de cal e pó de pedra, simulando rochas
ornamentais. Espólio da colonização portuguesa, essa técnica tradicional foi muito utilizada,
no Brasil, até o início do século XX, com ornatos e pinturas muito sofisticados e desenhos
bem elaborados. Além da cal, utilizavam “[...] gesso, óleos e colas, ceras e diversos tipos de
polimentos, com pigmentos de diversa origem, em misturas complexas” (AGUIAR, 2013,
p.92). A técnica dos “fingidos” é representada na literatura de duas formas: Stucco-Lustro, se
a pintura é posterior, em afresco e com pigmentos inorgânicos naturais; e Stucco-Mármore, se
recebe este mesmo pigmento na argamassa, o que exige um acabamento mais complexo.
Segundo as pesquisas de Eduarda Maria da Silva Vieira, em sua dissertação sobre
Técnicas Tradicionais de Fingidos e de Estuques no norte de Portugal, orientada pelo Dr.
José Aguiar, o Stucco-Lustro era a imitação da pedra de mármore, ou de brechas, feita sobre
um reboco liso (de cal e de areia finíssima, ou com pó de mármore). E também podia ser feita
sobre o estuque, imitando-se afresco ou seco. Por fim, a pintura era brunida e polida, podendo
levar ou não um acabamento final a cera ou a verniz.
O Stucco-mármore ou escaiola2, como ficou conhecida a técnica, era feita por
estucadores, trabalhando com argamassas e pastas, em geral, de gesso e cal, com os
pigmentos carregados na própria massa. As diferentes cores e veios das pedras eram
conseguidos misturando diversas massas de diferentes cores, depois cortadas em finas fatias,
de aproximadamente 5 milímetros, cuidadosamente aplicadas sobre a argamassa, nas paredes.
Segundo Aguiar (2013), o mestre estucador, através de uma formação longa e prática,
sabia fazer ornatos em relevo e dominava técnicas decorativas avançadas como os fingidos de
pedra com gesso e pigmentos misturados, cuidadosamente brunidos, polidos e encerados. Os

2
O termo scagliuola, que em português foi traduzido popularmente como escaiola, surgiu originalmente na
Itália, definindo uma cal muito fina, obtida através da calcinação de cristais de gesso. Muito usada para se obter
acabamentos particularmente delicados e em interiores, essa designação passou depois a referir-se a uma
ornamentação similar à dos embutidos em pedra, recorrendo à massa de diversas cores, para executar os ornatos.
98

ofícios possuíam regimentos próprios que fixavam tempos de aprendizagem, que iam “[...] de
servente, ou aprendiz, a pedreiro e estucador, de brochante a pintor-decorador”, mas só alguns
alcançavam a maestria do ofício (AGUIAR, 2013, p. 96).
Até meados do século XX, os saberes e as capacidades disponíveis eram mais
artesanais e por isso demandavam mais tempo e dedicação por parte dos profissionais. Com a
industrialização, o surgimento do cimento e a popularização dos azulejos e das tintas acrílicas,
a escaiola entrou em desuso e, atualmente, poucos profissionais possuem o conhecimento
executivo da técnica, fadado ao desaparecimento.
Curiosamente, durante todo o percurso de conhecimento da graduação e pós-
graduação em Arquitetura, o primeiro contato com a existência da escaiola só veio a acontecer
no período de análise das patologias das paredes da nave. Nelas, o descolamento da camada
de tinta, devido à presença de umidade, chamou a atenção para a qualidade do revestimento
que se revelava por detrás da tinta, com aparência de mármore, inclusive com o desenho das
brechas, mas que, sabidamente, não eram rochas.
Essa curiosidade levantada levou a orientadora deste trabalho a uma visita à Igreja,
onde a proveitosa manhã se transformou em aula particular de estratigrafia arqueológica
prática sobre a estrutura de revestimentos em paredes antigas, redirecionando as pesquisas
para um patamar de descobertas cromáticas nas técnicas construtivas tradicionais.
A imagem do interior da Igreja, no ano de 1938/1939, apresentada na Figura 24,
revelou indícios da localização de barramentos em escaiola, corroborando a citação sobre a
presença da técnica de revestimento tradicional, o que aguçou a curiosidade e as pesquisas
sobre o tema. Infelizmente, a fotografia está em preto e branco.
Desse modo, ao ser observado o desenho acima do arco-cruzeiro, que se prolonga por
detrás do altar lateral, confirma-se o relato histórico de Aragão Jr. (1926, p.26) de que a
aplicação da escaiola tenha ocorrido em ano anterior à implantação dos altares laterais): “[...]
paredes lateraes pintadas a escaioles desde 1901”. Nessa imagem, também é possível analisar
o arco-cruzeiro, construído em madeira, composto de pilastras contornadas com frisos em
relevo. Na base, observa-se a instalação de uma grade, com balaústres de madeira escura
envernizada, para a comunhão, também executada em 1901.
99

Fig.24 – Imagem do interior da Igreja de 1938/39, provavelmente de Cerqueira Galvão.


Fonte: GUIA geográfico de Igrejas da Bahia. Disponível em: < http://www.igrejas-bahia.com/
salvador/santo-antonio-mouraria.htm >

No entanto, a imagem do interior da Igreja, no ano de 1974 (Figura 25), registrada


durante o inventário de proteção do acervo cultural da Bahia (IPAC), já traz as paredes com
100

revestimento em pintura lisa, sobreposta à escaiola e com os desenhos encobertos por tinta
polimérica.

Fig.25 – Imagem do interior da Igreja em 1974.


Fonte: Inventário de proteção do acervo cultural da Bahia (AZEVEDO, 1975).

Estrutura e aspecto, como afirma Brandi (2004), podem se tornar a chave para os
desdobramentos temporais no monumento, que é reforçado pela abordagem de Riegl (2006),
segundo a qual o monumento deve ser mais do que cultuado, observado, ele deve ser
questionado, pois “[...] muitos erros funestos e destrutivos derivaram do próprio fato de não se
ter indagado a matéria da obra de arte” (BRANDI, 2004, p.37). Assim, as imagens analisadas
sob essa ótica direcionaram as pesquisas para a estratigrafia do revestimento das paredes do
interior da Igreja, desvelando “a arte dos fingidos”, com centena de anos de existência, e que
se apresenta, ainda nos dias de hoje, bastante resistente e coesa, inclusive resistindo
firmemente ao ataque das enfermidades promovidas pela presença da umidade, derivada de
problemas na cobertura. Dada sua raridade, a técnica de execução do Stucco-mármore,
constatada na Igreja, constitui um documento valioso, que enriquece a história da tecnologia
da construção, em face de sua durabilidade, estética e saberes tradicionais.
Assim, em 2011, nas prospecções realizadas na Igreja, durante a produção do trabalho
de diagnóstico das patologias existentes, foram encontradas 4 camadas de revestimentos nas
101

paredes da nave e do altar-mor, apresentadas na Figura 26, na qual se observa o histórico de


revestimentos e a constituição definida no uso da escaiola.

1 2 3 4

Fig.26 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor, da Igreja de Santo Antônio da Mouraria.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).

Da esquerda para a direita, a numeração em ordem crescente descreve do revestimento


mais atual ao mais antigo: 1 – pintura lisa com tinta plástica, em tom de azul; 2 – pintura lisa
com tinta plástica, em tom de branco; 3 – marmorização em tom de azul claro; 4 –
marmorização em tom de azul mais escuro, aparentando um tom de anil.
A escaiola apresentada na camada 4, por estar mais próxima ao reboco, provavelmente
deve ser o revestimento mais antigo, contemporâneo da aplicação dos azulejos na nave. A
ocorrência da substituição da camada 4 de escaiola, pela camada 3, também do mesmo
material, ratifica essa hipótese. Além disso, a 4 é a camada que aparenta um estado de maior
degradação da estrutura física de seus materiais.
Desse modo, a análise da presença da tinta plástica, facilmente descolante das camadas
2 e 1, mais atuais, diante da qualidade apresentada pelo Stucco-mármore, promoveu alguns
questionamentos do tipo:
102

 Quais os motivos que levaram ao recobrimento dos fingidos, visto que a


escaiola da camada 3 se encontra em excelente estado de conservação
dos materiais e da aparência (estrutura e aparência)?
 Que motivos levaram à substituição dos barramentos por tinta de tom
amarelo, em detrimento da marmorização azul, modismo?
São questões que realçam a forte presença dos devotos nas ações de manutenção da
Igreja, provavelmente de acordo com o modismo da aversão ao antigo, imperativo na época.
A curiosidade na investigação revelou mais modalidades geometrizadas e tons de
marmorização, apresentados na Figura 27, localizados no ornato em relevo, no trecho acima
do acesso à sacristia.

Fig.27 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor. Trecho localizado acima do acesso à
Sacristia.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).

Por sorte, verificou-se um trecho descolado do reboco da cercadura da porta, que dá


acesso ao púlpito da nave, ainda presente no local, e neste fragmento de revestimento havia
escaiola encoberta por tinta de cor amarela (Figura 28), proporcionando a retirada da amostra
para os ensaios em laboratório.
103

Fig.28 – Descolamento do reboco da cercadura da porta, que dá acesso ao púlpito e seção polida da
mostra do revestimento histórico envolvido em paraloide.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).

Assim, foi realizado o procedimento de análise da amostra do revestimento através do


microscópio petrográfico, graças à representativa amostra, obtida a partir do fragmento, que
se encontrava destacado junto à porta citada. Em laboratório, fez-se um corte paralelo da
amostra (corte estratigráfico) com o objetivo de analisar a estratigrafia das camadas que
compõem o revestimento, passando pelos procedimentos descritos a seguir:
– amostra foi englobada numa resina para consolidação – solução de Paralóide B-72 a
10% em tolueno;
– a resina de poliéster pré-acelerada foi pesada, com 2% do catalisador no mesmo
recipiente, em quantidade suficiente para encher a cavidade do molde, sendo a mistura
efetuada lentamente para evitar a formação de bolhas;
– enchimento do molde com a mistura e colocação deste na estufa, a 75ºC, por 24
horas;
– extração da pastilha do molde e, após fria, lixamento da superfície com lixa d’água e
depois com veludo e pasta de polimento, para retirar os arranhões;
A superfície da amostra impregnada em resina foi observada através do microscópio
petrográfico da marca Olympus (Figura 29), com um sistema de vídeo para aquisição de
imagens e equipado com 2 oculares e 3 objetivas de ampliações 2,5X, 10X, e 40X. A
observação da amostra do revestimento permitiu obter diversas informações acerca da
morfologia dos elementos constituintes, cromatismos presentes, espessura e número de
104

camadas, enfim, o seu aspecto geral e o seu estado de conservação (existência ou não de
material orgânico, fissuras, descolamentos, etc.).
1 Emboço
“creme rosado”

2 Reboco
“de cor clara”

3 Escaiola
“camada branca fina”

4 Camada de pintura
“em tinta amarela”

Figura 29 – Observações efetuadas no microscópio petrográfico.


Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).

Os resultados obtidos com a observação, ao microscópio petrográfico, dessa amostra


foram os seguintes: o revestimento está constituído por 4 camadas. A primeira é composta
pela argamassa de cor creme (emboço), com cerca de 10mm; em seguida, uma camada de
argamassa de cor branca (reboco), com cerca de 10mm; sobreposta a essa camada, observa-se
outra camada bem fina de escaiola, com cerca de 1mm; a última camada corresponde a uma
pintura de cor amarelada. Verificou-se, também, que tanto o emboço como o reboco
apresentam vestígios de pigmentos, possivelmente oriundos de pintura antiga que existiu
nesta zona (Figura 30).

Fig. 30 – Aspectos da camada de emboço e reboco, vista ao microscópio, com ampliação 10X.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
105

Uma variedade da “arte dos fingidos” foi localizada por toda a parte, na Igreja, com
tons, cores e desenhos diversos. Seja na nave ou no altar-mor, a diversidade da técnica está
presente nas vergas, cercaduras e paredes, fingindo o mármore e modelando as aberturas,
apresentadas na coletânea da Figura 31.

Fig. 31– Painel com variedade de desenhos em escaiola, encontrados na Igreja.


Fonte: Arquivos da autora desta dissertação (2011).
106

A boa qualidade da técnica empregada no revestimento da Igreja da Mouraria foi


verificada comparando-se o teor de umidade absorvida pelas paredes com escaiola e pelas que
não possuem tal revestimento, desintegrando por completo os extratos do reboco até alcançar
a alvenaria. O descolamento da tinta azul nas paredes da nave desvelou os quadros em
escaiola, com brechas de dimensões de 50x50cm, fingindo as pedras ornamentais e cercadura
desenhada (Figura 32).

Fig. 32 – Trecho da parede lateral direita da nave após descolamento da tinta azul. Imagem utilizada
como capa deste trabalho.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).

Essa percepção da técnica acabou por reunir um grupo de pesquisa, para um projeto de
extensão, na Faculdade de Arquitetura da UFBA, com o objetivo de reconhecer os tipos e
107

cores dos desenhos da escaiola, na Mouraria, para então reproduzi-los em oficina


experimental, aberta aos alunos da Universidade. O processo de investigação da escaiola foi
utilizado para a construção do modelo digital, da vista interna do objeto de estudo, com a
configuração do ano em que foi tombado. A imagem desse trecho da parede da nave, após a
retirada de toda a tinta azul, acabou por se tornar eleita para a capa deste trabalho.
Quanto aos retábulos laterais (Figura 33), eles foram instalados em 1903, executados
em madeira recortada e entalhada, possuindo estruturas simples com tendências neoclássicas.
No lado esquerdo da nave, está instalado o altar do Evangelho de São José e, do lado direito, o
altar de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia. Ambos foram concebidos na cor branca, com
guarnições e enfeites dourados, acompanhando as mesmas características do altar-mor. Na
época, infelizmente, não foram encontrados os registros sobre a autoria das talhas.
Sabe-se que o altar da capela-mor acompanha a arquitetura desde sua fundação, bem
como a tribuna, o púlpito e o coro, provavelmente de autoria do mesmo entalhador, da época
do Conde de Sabugosa. Porém, diante das sucessivas transformações e da inserção dos
retábulos nas laterais da nave, a decoração interna foi completamente reformulada, para
obtenção de aspecto harmonioso, constituindo um conjunto homogêneo e singelo, de acordo
com as máximas de São Vicente de Paulo.

Fig. 33 – Retábulo Lateral esquerdo: altar do Evangelho de São José; e Retábulo Lateral direito: altar
de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
108

Em 2011, os altares apresentavam-se revestidos em tom de amarelo, com detalhes


coloridos e algumas marcas da passagem do tempo associadas à ausência de manutenção,
como pequenas rachaduras, sinais de umidade e vestígios da presença de insetos xilófagos3.
Segundo o Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados, realizado pelo IPHAN
através do Ministério da Cultura (MINC), os retábulos laterais seguem o padrão estilístico do
final do século XIX: “[...] folhas estilizadas em curva, frontão recortado, embasamento
retangular, com formas de pilares, ornatos, flores e folhas, entre outros” (IPHAN, 1998, p.05).
A transformação em Igreja ofereceu ao edifício novo porte e passou a agregar um
público maior, com a ampliação das obras assistenciais da Irmandade. Para isso, foram
realizadas obras de manutenção geral e a abertura de novos acessos à Igreja, com a
transformação das duas janelas gradeadas existentes, em portas de acesso. As janelas
gradeadas foram percebidas na fotografia da banda de músicos do Patronato em 1900, mas, na
imagem apresentada na Figura 34, desapareceram as janelas, para dar lugar às portas de
acesso à nave.

Fig. 34 – Fotografia dos alunos do curso de música do Patronato, provavelmente, em 1905.


Fonte: Biblioteca Particular da SSVP.

3
Animais que se alimentam da celulose da madeira.
109

Esse período de mudanças encerra-se em 1905, com a inauguração do 2° corpo da


Igreja, quando ocorreu a demolição do trecho da parede do ambiente (7) em que funcionavam
os Conselhos da Bahia e de Salvador, criando uma abertura para o acesso ao altar-mor, em
forma retangular. Para estruturar essa abertura, o trecho da parede, acima do que fora
demolido, foi apoiado estruturalmente com a utilização de trilhos de estrada de ferro,
funcionando como vergas. Atualmente, é possível observar algumas fissuras na área, tendo
em vista a expansão do ferro oxidado, devido ao contato com a presença de umidade,
resultante das infiltrações do telhado.
A síntese da evolução arquitetônica da Igreja está apresentada na simulação digital da
planta baixa (Figura 35), com as transformações ocorridas nesse período.

Legenda de usos em 1896-1900 (Sociedade Legenda de usos em 1901-1905


S. Vicente de Paulo) (Sociedade S. Vicente de Paulo)
1. Adro 1. Adro
2. Nave 2. Nave
3. Altar-Mor 3. Altar-Mor
4. Sacristia 4. Sacristia
5. Pátio 5. Pátio
6. Torre sineira 6. Torre sineira
7. Conselhos da Bahia e de Salvador 7. 2º Corpo da Igreja
8. Despensa dos pobres 8. Despensa dos pobres
9. Patronato de São Vicente 9. Patronato de São Vicente
10. Quintal 10. Quintal

Fig. 35 – Simulação digital da planta baixa da Igreja – 1901-1905.


Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
110

O 2º Corpo da Igreja (7) permitiu que mais devotos assistissem confortavelmente às


missas, atendendo à demanda da população crescente. Os armários embutidos, existentes
nesse ambiente, com portas pintadas de verde, são da época da capela primitiva, quando o
espaço era utilizado como moradia do capelão. Neles foram encontrados documentos da
Irmandade dos militares, assim como a carta de alforria do escravo Manuel, zelador da capela,
segundo os relatos de Dayse Portugal, presidente da SSVP (2000-2004).

 2º Período – 1909-1913

O segundo período de reconstrução da Igreja testemunhou momentos de reconstrução


da cidade, amparados pelo discurso dúbio de modernização-demolição, mais um eco francês,
que alcançou terras cariocas, reverberando em transformações nas ruas e monumentos
soteropolitanos.
Na Igreja de Santo Antônio da Mouraria, de 1909 a 1913, algumas mudanças
ocorreram, mas nenhuma delas alterou, substancialmente, a configuração da planta do
edifício. As obras ocorreram, internamente, com ações de manutenção e decoração como
melhorias na sacristia, com a abertura de dois nichos em suas paredes e a construção de
armário embutido no local onde antes existia a janela para o quintal, no lado leste. Além do
início da criação do 1° andar, no lado sul, do qual só se conhecem informações sobre os
acessos no registro do período seguinte, quando se finaliza a construção do Edíficio dos
Vicentinos. A sacristia foi inaugurada em 17 de abril de 1910.
É desse período, o novo Quartel da Mouraria, que teve sua reconstrução iniciada em
fevereiro de 1909, com direção do Tenente-Coronel Pedro Ferreira Neto, sendo inaugurado no
dia 14 de junho de 1912, o qual manteve o estilo arquitetônico militar.
Nesse período, Salvador atravessava momentos políticos conturbados, culminando
com o bombardeio da cidade em 10 de janeiro de 1912, provavelmente por ordem do
Marechal Hermes da Fonseca4; o Exército se posicionou nos Fortes São Marcelo, São Pedro e
Barbalho, de onde atiraram para o centro da cidade, por cerca de quatro horas seguidas,
atingindo vários prédios históricos, a saber: a Câmara dos Deputados, o Teatro São João, a
Catedral da Sé, a lateral do Palácio dos Governadores, onde funcionava a Biblioteca Pública5,
com grandes perdas para a documentação histórica da cidade (TAVARES, 1963; LEITE,
1996).

4
O marechal Hermes da Fonseca foi o primeiro militar eleito por voto direto na nascente República Brasileira.
Era sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente brasileiro.
5
Esta funcionava na lateral do Palácio quando foi alvejada por disparos de canhão vindos do Forte São Marcelo.
111

Esse evento foi “[...] motivado pelas disputas internas da política baiana, entre
situacionistas e oposicionistas (seabristas) pelo controle dos governos municipal e estadual”
(LEITE, 1996, p. 55.) e apoiado por José Joaquim Seabra (1885-1942) que, naquele mesmo
ano, assumiu o governo do Estado (1912-1916), tomando a postura modernizadora e
higienista que vivenciou em Paris, quando exilado e, também, daquela de que participou
diretamente no Rio de Janeiro, durante as reformas promovidas por Pereira Passos, quando
compunha o Ministério de Hermes da Fonseca.
Deveras mais traumatizantes do que o próprio bombardeio, foram as reformas
promovidas por J.J.Seabra e seu Intendente Municipal Júlio Viveiros Brandão. Sob o pretexto
de reconstruir o que fora bombardeado e modernizar a cidade, com um discurso civilizatório,
foram executadas, a base de demolições/reconstruções, diversas obras de alargamento e
calçamento de ruas (Misericórdia, Chile, Ajuda, Padre Vieira, Taboão e Avenida Sete de
Setembro – da Castro Alves à Vitória), além de se iniciar a construção da Avenida Oceânica.
Para isso, vários monumentos foram total ou parcialmente destruídos, de imediato ou depois
de algum tempo, a saber: a Catedral da Sé (1933-1934, local do monumento à Cruz Caída), a
Igreja de São Pedro, a Igreja do Rosário de João Pereira, na qual a SSVP realizava as
conferências, antes da transferência para a Mouraria, entre outros.
Essas ações promoveram posicionamento crítico e protestos da opinião pública, diante
do urbanismo demolidor de Seabra, muito embora a imprensa, muitas vezes, se mostrasse
deslumbrada, como relata o Jornal Gazeta do Povo, em 20 e 29 jun.1912 (apud FLEXOR, 1997,
p.57):

“Que o alvião demolidor, desrespeitoso e ousado, impenitente, abra no seio


da velha cidade a alegria nova de vias amplas, modernas, por onde possa
circular livre e fecunda a vida feliz de um povo forte ou Custe o que custar
pela remodelação da cidade unamo-nos todos numa mesma aspiração, num
esforço comum ou a Bahia material que guarda ainda todos os característicos
de uma cidade colonial de três séculos atraz, vae desapparecer para ceder
logar a uma cidade moderna construida sob os preceitos rigorosos do
progresso. Ou ainda: Dentro em pouco as viellas serão avenidas, os velhos
pardieiros se transformarão em prédios onde a architectura moderna deixará
seus traços elegantes e a hygiene com seus preceitos salutares, assegurará a
estabilidade de seu estado sanitário”.

Em 1912, o percurso sinuoso configurado, ao longo dos séculos, pelas trincheiras, da


Piedade ao Desterro, sofreu, a princípio, um rasgo imaginário em seu trajeto: era o projeto da
abertura de uma avenida, em linha reta, que ligava a Piedade à Ladeira da Independência, com
a “destruição da malha urbana tradicional”, como afirma Pinheiro (2002, p. 230).
112

A linha vermelha, no Mapa da Figura 36, destaca a intervenção, que foi apresentada
como projeto de melhoramento municipal para o Distrito de Santana, de autoria do
Engenheiro José Celestino dos Santos.

Figura 36 – Mapa com projeto para via na freguesia de Santana.


Fonte: Prefeitura da Cidade do Salvador (apud PINHEIRO, 2002).

Muito embora o projeto não tenha sido executado, já sinalizava que a área estava
sendo planejada e que a segunda cumeada também sofreria modificações. A relevância do
mapa está na identificação dos edifícios que marcam a paisagem, como a Igreja da Palma, o
Quartel General (Quartel da Palma) e a Igreja da Mouraria, além da possibilidade de
observação da configuração da Praça de Esportes do Ginásio da Bahia (Colégio Central), do
Campo dos Mártires (Campo da Pólvora), o delineamento sinuoso da Rua Marechal Floriano.
A febre da remodelação mexia com toda a cidade, como noticiou o Jornal A Tarde:

[...] uma completa revolução, transformando-se os typos avelhantados,


coloniaes das construcções invariavelmente em forma de caixão sobrepostas
por uma cumieira, intitulando-se muitas vezes e pretenciosamente de
palacetes, pelos bellos moldes de residencia que já se notam no bairro
aristocrata, na rua Chile e em magnificos escriptorios da cidade baixa. (A
ARCHITECTURA..., 1914, p.1).

Dessa influência não escaparam nem as estruturas religiosas, alcançando o convento


dos Capuchinhos na Piedade, em 1914, e, na mesma linha, a Igreja da Mouraria, em 1926. De
acordo com a matéria intitulada “A architectura dos claustros: a remodelação transforma
113

garridamente a sua severidade – Nossa Senhora da Lapa e Piedade”, se observa que as


construções pesadas, como masmorra, “adereçaram-se”, recebendo novas aberturas e detalhes
nas fachadas, conforme a composição definida pelo Ecletismo, como estilo arquitetônico e
estético.
Os capuchinhos de Nossa Senhora da Piedade realizaram o remodelamento das
fachadas, após consultarem os devotos frequentadores das missas matinais, por isso não
houve protestos, “enfeitando seu claustro risonhamente” (A ARCHITECTURA...,1914, p.1 ).
Os conventos do Desterro, da Lapa e da Palma não aderiram à febre e se mantiveram
com as mesmas feições tradicionais, diferentes da Igreja da Mouraria, que foi totalmente
reformulada, mantendo em essência a capela primitiva, abraçada pelo edifício da Sociedade S.
Vicente de Paulo.
Da Piedade a Nazaré, as reformas urbanas desencadeadas por Seabra fizeram
desaparecer muito casario, como serão assinalados nos anos seguintes, a fim de alinhar as
ruas, possibilitar a passagem dos trilhos para o melhoramento de vários aspectos do sistema
viário, regularizar os serviços de higiene e modernizar a cidade, promovendo a saúde pública
e ocasionando a reação da elite baiana intelectualizada, no sentido de realizar as primeiras
propostas de proteção do patrimônio.
Nesse intuito, em 1917, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Wanderley
Pinho, segundo Sant’Anna (2004, p.57), já propunha a realização do “inventário do
patrimônio histórico estadual”, preocupado com a sanha demolidora, sugestão que veio a se
realizar atrvés do tombamento, em 1938, e do inventário, em 1970.
Essa efervescência, diante do antinômio modernidade e monumentos históricos, pôde
ser aferida durante o processo que levou à demolição da Igreja da Sé, que se arrastou por
anos, sendo muito discutida e constituindo polêmica. A Tarde, de dezembro de 1926, se
declara a favor da “cabulosa demolição” e noticia a retomada das negociações entre o
Arcebispado e a empresa de bondes Circular. A imprensa fez campanha pela demolição da
Igreja da Sé, justificando a necessidade da obra por representar um notável melhoramento
para a cidade, afirmando que “[...] a conservação do trambolho não tinha fundamento por
nenhuma razão de caráter histórico”(A SÉ..., 1926, p.1). E afirma: “O público, ao começo
apaixonado pelo grande melhoramento, desesperou de vel-o realisado, esquecendo a Sé.
Parecia, assim, ter vencido a idéia superticiosa da intangibilidade do monstrengo”. As
negociações prosseguiram, culminando com a demolição da Igreja em 1933, para a passagem
dos bondes, visando “[...] o bem público, o desafogo urbano e a remodelação de um dos mais
feios logradouros” (PERES, 2009, p.43).
114

 3º Período – 1918-1926

De 1916 a 1920, houve a continuidade das reformas e construções na cidade, durante o


governo de Antônio Muniz Sodré de Aragão, pertencente ao grupo político chefiado por J.J.
Seabra, que reassumiu o governo entre os anos de 1920 e 1924.
Nesse período, para a comemoração do bicentenário da Igreja, em 1926, a Irmandade
se organizou para executar a restauração da capela-mor e finalizar a construção do Edifício da
Sociedade Vicentina, que ampliou, consideravelmente, os espaços para a realização das obras
assistenciais da SSVP.
A simulação digital das plantas baixas (Figura 37) ilustra a composição dos ambientes
no conjunto arquitetônico em que a Igreja está inserida em 1923. Nesta ocasião, novas
atividades foram agregadas às obras de caridade, pois o edifício se espacializou em L e passou
a oferecer mais cômodos, ocupando parte do quintal e construindo um pavimento superior,
ocupando todo o terreno limítrofe da via. No pavimento superior, foi construído um grande
salão de reuniões, o maior da cidade na época, com acesso ao coro e à tribuna, que se dava
através da belíssima escada de madeira construída no saguão do edifício.
O Edifício da SSVP foi construído em dois pavimentos e conecta-se com a Igreja por
acessos no térreo e no primeiro pavimento (figura 37), constituindo um só monumento, mas
com distinção entre as atividades que se desenvolvem em cada um: irmandade e templo,
completando-se nas mesmas finalidades sociais. Outra conexão dos anexos com a Igreja da
Mouraria foi realizada através da construção do pavimento superior no lado norte, que cobriu
parcialmente o pátio entre a sacristia e a torre sineira. Este andar foi iniciado no período
anterior, para ser utilizado como habitação para o zelador da Igreja e Sala para as cantoras.
Os usos definidos para cada ambiente corroboram a estrutura educacional, na qual a
área estava em sintonia, com a implantação da biblioteca da SSVP, arquivo, salas de aulas,
sanitários e sala de reuniões. Ademais, havia os usos recorrentes das ações assistenciais e
administrativas da sociedade vicentina: como o Patronato de São Vicente, a Escola de
Datilografia, Agência de empregos, além de campanhas para o Natal dos pobres e a Despensa
dos Pobres, que consistia na distribuição de alimentos, medicamentos e roupas aos assistidos
irrecuperáveis (com idade avançada ou moléstia cronica), bem como a execução de seções de
recuperação dos assistidos para tornarem-se autossuficientes, evitando a mendicância.
115

Térreo

1º Pavimento
LEGENDA: 11. Salas de aulas
1. Adro 12. Sanitários
2. Nave 13. Quintal
3. Capela-Mor 14. Coro
4. Sacristia 15. Administração
5. Pátio 16. Biblioteca
6. Torre sineira 17. Arquivo
7. 2º Corpo da Igreja 18. Salão de reunião
8. Despensa dos Pobres 19. Sala das cantoras
9. Patronato de São Vicente 20. Habitação do zelador
10. Saguão do Edifício da SSVP
Figura 37 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (1923-1926).
Fonte: Arquivo da autora (2011).

Todo o esforço de serviços e obras foi executado para os festejos de comemoração do


bicentenário da Igreja: como a pintura e o douramento dos frisos dos altares e arco-cruzeiro, a
restauração do forro e douramento das estrelas e da abertura de claraboia na Capela-mor,
realizada em 1919.
O remodelamento da fachada, em 1923, tornou-se um orgulho para os devotos, que a
tudo acompanhavam, como o senhor José Pacheco de Aragão Junior, confrade da SSVP e
morador da Mouraria, desde a infância. Ele observou e vivenciou, por anos a fio, a Capela
primitiva. Quando se tornou Igreja, imponente na paisagem, às vésperas de completar 200
anos, ele a descreveu em detalhes, para efetuar a publicação em homenagem a sua fundação
(ARAGÃO Jr., 1926).
116

Assim, ao olhar entusiasmado e orgulhoso de Aragão Jr., é possível observar a Igreja


através de seus relatos: o púlpito de madeira com sanefa aparece coberto com “pintura
fingindo mármore”, ou seja, a técnica da escaiola, verificada nas estratigrafias; os altares
laterais ambos pintados de branco, com as guarnições e detalhes dourados. Assim como o
altar-mor, que se apresentava elevado sobre o supedâneo6, com acesso por uma escada,
também em pedra, talha de estilo bizantino e pilastras de madeira, que sustentam as quatro
colunas romanas e os pedestais. Entre as colunas, surgem os espaços onde repousam as
imagens. O trono possui cinco degraus, originalmente pintados de branco, com relevos e
ornatos dourados. O altar-mor foi todo restaurado, nesta ocasião, e nele instalada iluminação
elétrica com lâmpadas coloridas.
O forro passou por nova pintura e douramento das estrelas. Esse serviço foi estendido
por toda a cornija, coro, púlpito, tribuna e arco-cruzeiro, oferecendo harmonia ao conjunto. A
pintura para esta comemoração foi executada “pelo competente artista Firmino S. Procópio”,
(ARAGÃO Jr., 1926, p.29).
A Capela Primitiva tornou-se um conjunto arquitetônico com aspecto monumental, em
conformidade com a filosofia da época. Para isso, houve a substituição de todo o reboco
antigo da fachada por novo e revestido com a técnica mais atual da época: o cimento
penteado, com a sobreposição de linhas geométricas em argamassa de cal, simulando a
aparencia do revestimento em pedra. Era a modernidade se apropriando das mentalidades e
das construções, como pode ser visto na imagem publicada por Aragão Jr.(1926), apresentada
na Figura 38.
Nas paredes antigas, foram colocadas longarinas de ferro para garantir o
intertravamento estrutural nas fendas encontradas na fachada, da cimalha até o solo, e
preenchidas com concreto numa profundidade de até 40 centímetros. A fachada também
recebeu ornatos em relevo em todas as aberturas e no delineamento dos frontões. Nos
campanários, os ornatos têm a forma de caramujos, o nicho recebeu moldura, cabeços foram
colocados por cima das três portas e, por toda a extensão da fachada, foi inserida uma faceta
moldada fingindo peitoril (ARAGÃO Jr., 1926).
Os vicentinos consideravam distintos os edifícios que compunham o conjunto
arquitetônico, e, para diferenciar o edifício dos Vicentinos da Igreja da Mouraria, o reboco da
fachada do prédio foi mantido liso, com platibanda e ornatos diferenciados, enquanto a
fachada da igreja recebeu o revestimento em cimento penteado. Seguiam-se os mesmos

6
Piso de pedra elevado no altar das igrejas, local onde o padre celebra a missa.
117

parâmetros construtivos realizados durante da reformulação da fachada da Igreja e Convento


da Piedade, em que se distingue a hierarquia das fachadas através dos revestimentos, embora
o conjunto arquitetônico seja único, como, até hoje, pode-se perceber, diferente da Igreja da
Mouraria.

Fig.38 – Vista em perspectiva da Igreja de Santo Antônio da Mouraria em 1923.


Fonte: Memória Histórica da Capella de Santo Antônio da Mouraria (ARAGÃO Jr., 1926).

A fachada da igreja, com revestimento fingindo a rocha ornamental, e a fachada do


Convento, com pintura lisa, foram características utilizadas nos dois monumentos,
resguardando as devidas proporções. Outro aspecto observado foi a diferenciação clara do
acesso ao público, tendo sido criado o saguão do edifício vicentino bem definido, através da
porta voltada para a Avenida Marechal Floriano. As aberturas do edificio voltadas para o adro
da Igreja foram constituídas apenas por janelas. A conexão com a Igreja se dá internamente,
como um labirinto, acessível apenas à Irmandade. A reconstrução da fachada e a construção
do edifício anexo conferiram ao conjunto o ar monumental e estético pregado pelo discurso de
modernidade da época.
Sob os ecos do governo de Seabra, a modernidade era implantada em Salvador através
da melhoria da estética das praças, das ruas alargadas, dos edifícios monumentais, do
saneamento, como pode ser visto na execução do edifício dos Vicentinos. Este possuía um
118

dos maiores salões para reuniões, além de sanitários instalados, que estampavam a marca de
civilidade.
A preocupação com a estética das fachadas e o caráter higienista espalhou-se, na
cidade, conduzindo as residências, com características coloniais, a passarem por reformas,
para a instalação de sanitários, elevação de pé-direito, abertura de janelas, para iluminação e
ventilação dos ambientes, entre outras.
A Lei n.° 30, de 29 de agosto de 1892, criou a Inspetoria de Higiene da Bahia,
subordinada diretamente ao chefe do poder executivo, com a finalidade de desenvolver
atividades concernentes à epidemiologia, à política sanitária e à fiscalização do exercício
profissional, atendendo às necessidades da época. Pela Lei n.°115, de 16 de agosto de 1895,
esses serviços foram vinculados à Secretaria do Interior e Justiça. Em 29 de julho de 1925, a
Lei n.° 1811 criou a Secretaria de Estado da Educação, Saúde e Assistência Pública,
implementando o Código Sanitário, que somente foi revogado em 15 de fevereiro de 1971,
quando foi promulgado o novo Código de Saúde do Estado da Bahia (ARAÚJO, 1973)7.
A implantação do Código pode ser constatada na Rua da Mouraria, pelos anos
seguintes, a partir das pesquisas no Arquivo Público do Estado da Bahia, onde foram
encontrados, nos documentos da Secretaria de Saúde e Assistência Pública, no setor de
Engenharia Sanitária, pareceres relatando o pedido de autorização de projetos, a fim de
realizar algumas reformas em residências localizadas na Rua de Santo Antônio da Mouraria
ou Monsenhor Theodolindo8. Esses pareceres9 estavam acompanhados dos desenhos dos
projetos, descrição de elementos a construir e/ou a demolir, nome do proprietário, endereço,
etc. Tais informações foram registradas, identificadas na área de estudo e comparadas com a
paisagem da área atualmente. Os desenhos foram vetorizados no AutoCad 2014, para melhor
visualização dos dados e qualidade da publicação deste estudo.
Os projetos encontrados estão localizados na Rua da Mouraria, nas proximidades da
Igreja, e são descritos no Quadro 2, mas os desenhos das fachadas serão apresentados na
próxima fase, que relata a Igreja no século XXI.

7
ARAÚJO, José Duarte de; FERREIRA, Emerson S. M.; NERY, Gabriel Cedraz. Regionalização dos Serviços
de Saúde Pública: a experiência do Estado da Bahia, Brasil . Disponível em: < http://www.scielosp.org >.
Acesso em: 15 mar. 2013.
8
Tentativa da Prefeitura de renomear certas localidades em homenagem a figuras ilustres baianas, mas, para o
costume popular, será sempre a Rua da Mouraria, dos “não-mouros”.
9
Ver as referências das caixas localizadas no Arquivo Público do Estado da Bahia, descritas no Quadro 2.
119

Quadro 2 – Descrição de projetos de residências localizadas na Mouraria, apresentados à Secretária de


Saúde Pública (Bahia)

Residência Ano Descrição



03 1926 Projeto apresentado em 28 de maio de 1926, à Sub-Secretaria de
Saúde e Assistência Pública, através da Diretoria de Engenharia
Sanitária, pelo Engenheiro Isaías de Souza Vieira, para remodelar a
frente da propriedade, assoalhar alguns cômodos, consertar portas,
janelas e pés-direitos. Com resultado do parecer aprovado em 7 de
junho do mesmo ano.

Localizado na Caixa 4093 – Maço132: Doc. 11

74 1927 Projeto apresentado em 05 de setembro de 1927. Projeto apresentado


à Secretaria de Saúde e Assistência Pública, através do Departamento
de Saúde Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária,
pelo Engenheiro Praxedes Antônio de Oliveira, para remodelação de
fachadas e construção de dependências. Com resultado do parecer
aprovado em 20 de setembro do mesmo ano, apresentando a ressalva
de que o pé-direito do quarto deveria ficar com 3 metros.
Localizado na Caixa 4098 – Maço139: Doc. 460

34 1933 Petição nº 3273 de 11 de setembro de 1933. Projeto apresentado à


Secretaria de Educação e Saúde, através do Departamento de Saúde
Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo
Engenheiro Bernardo Luiz da Silveira Santos, para reconstrução do
prédio. Com resultado do parecer aprovado em 16 de setembro do
mesmo ano, com a ressalva de que a área deveria ser ampliada para
2,20m de largura.
Localizado na Caixa 4124 – Maço180: Doc. 2143

59 1935 Petição nº 440 de 1 de fevereiro de 1935. Projeto apresentado à


Secretaria de Educação e Saúde, através do Departamento de Saúde
Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo
Engenheiro Miguel José Vaz, para remodelar as fachadas do prédio.
A proprietária é D. Guilhermina Esmeralda de Almeida Vaz. Com
resultado do parecer aprovado no mesmo ano.
Localizado na Caixa 4131 – Maço197: Doc. 2609

80 1939 Comunicação nº 227 de 8 de abril de 1939. Projeto apresentado à


Secretaria de Educação e Saúde, através do Departamento de Saúde,
na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo Engenheiro e proprietário
Waldomar Guena Mello, para a construção de dependências. Com
resultado do parecer aprovado em 20 de abril do mesmo ano.
Localizado na Caixa 4147 – Maço 240: Doc. 3873

Fonte: Arquivo Público da Bahia: pesquisa realizada em 30 de outubro de 2013.


120

Paulatinamente, cada fachada foi sendo transformada, como resposta à modernização


da cidade, que remodelava não apenas sua traça urbana, mas também o nome de suas ruas.
Assim, em 23 de maio de 1923, foi noticiada, no Jornal Imparcial (A MEMÓRIA..., 1923), a
apresentação do projeto de lei, elaborado pelo edil Vicente Pacheco de Oliveira, à mesa da
Assembleia Legislativa de Salvador, que homenageava mais uma figura baiana, através do
nome da rua.
Dessa vez, para os festejos em homenagem ao centenário da expulsão das tropas
portuguesas, a rua que abriga o convento da Lapa passava a denominar-se Avenida Joana
Angélica, com previsão de inauguração no dia 2 de julho de 1923. Após cem anos, os ânimos
que lutaram pela independência passaram a lutar pela educação e pelo combate à miséria, que
se alastrava pela cidade, como denuncia a matéria publicada no Jornal A Tarde, em outubro
de 1926, um “apelo à caridade particular, na ausência da oficial”:
[...] lastimam que os seus dirigentes os primeiros a deprimil-o, deixando
assim ao abandono, nas ruas e praças, mendigos e doentes, a darem ao
visitante (a este, porque ao da terra já esta vergonha não surprehende) a
convicção de que não há na Bahia asylos nem hospitaes, não há caridade
oficializada e organizada, como nos paízes cultos, muito embora lhe digam
que para os serviços da caridade cobra-se imposto. O espetáculo é realmente,
contristador, em primeiro lugar, porque a presença da miséria e da moléstia
confrange sempre; e, depois, por estar numa cidade onde tanto se depende
em coisas fúteis e inúteis do luxo e da vaidade, e, entretanto, os hospitaes e
asylos são pequenas portas que se não abrem, quando pela natureza divina
dos seus místeres, se não deviam fechar nunca. (A PRAGA invencível...,
1926, p.1).

Curiosamente, a imagem que estampou a primeira página do sábado que antecedeu a


data em que se comemora o Dia das Crianças (Figura 39), em 1926, ainda é uma constante
nas ruas da cidade, principalmente nas praças do centro. A denúncia de A Tarde foi concluída
com o pedido de limpeza das ruas dessa “população mendiga e doente que se entulha nos
pontos de maior movimento” (A PRAGA invencível..., 1926).
Nesse mesmo ano do bicentenário de inauguração da Igreja, a SSVP comemorou o 33º
aniversário de implantação da Despensa dos Pobres em Salvador. As comemorações foram
realizadas no dia 14 de novembro de 1926, no novo edifício dos Vicentinos, recém-
inaugurado, com ampla divulgação nas semanas anteriores no Jornal A Tarde, conforme
noticiado:
[...] efetuar-se-a no domingo próximo, 14 a festa do 33º anniversário da
Despensa dos Pobres, uma das obras de caridade da Benemérita Sociedade
de S. Vivente de Paulo, que mais sympatias tem conquistado e cujos serviços
de assistência à pobreza envergonhada são notórios. (ÚLTIMA HORA...,
1926).
121

Fig.39 – A pobreza exposta nas praças da Cidade do Salvador em 1926.


Fonte: A PRAGA invencível... (A Tarde, 9 out.1926, p.1). Biblioteca Pública da Bahia.

Nessa data, foi realizada, às 7 horas da manhã, uma missa em Ação de Graças na
Igreja da Mouraria, com assistência das famílias socorridas pela SSVP. Houve, nesse evento,
a distribuição do “pão de Santo Antônio” ou “pão dos pobres”, além de atividades realizadas,
durante a tarde, com sorteios de utensílios domésticos, roupas, chocolates, cestas básicas e
vinhos. Esses donativos foram recolhidos durante as intensas campanhas realizadas pela
direção da Despensa dos Pobres, como o oferecimento de cartões aos comerciantes,
empresários, políticos e benfeitores, que colaboraram mensalmente com as obras da SSVP,
bem como o envio de cartas-circulares com pedido de doações (ANEXO D). A comemoração
contou também com a presença dos alunos do Patronato de São Vicente de Paulo, que
“cantaram hinos próprios e receberam merenda” (A PRAGA invencível..., 1926).
Era o periodo do governo de Dr. Francisco Marques de Góes Calmon (1924-1928),
quando também foram ampliadas as instalações do Ginásio da Bahia, com a construção dos
122

pavilhões Carneiro Ribeiro, Ruy Barbosa e Sátyro Dias, em homenagens às figuras baianas
ilustres da história.
Nas datas cívicas, na Praça do Ginásio, eram efetuadas as comemorações patrióticas,
em que se reuniam todos os alunos da redondeza, para os desfiles, apresentações de bandas,
principalmente para os festejos em homenagem ao 2 de Julho e durante as trezenas de Santo
Antônio, das quais participavam os alunos do Patronato de São Vicente.
Além das festas, desfiles e quermesses para as trezenas, sempre se executava uma
manutenção no templo (pintura, douramento, troca de telhas...), como em 1929, quando foi
retocado o douramento do altar-mor, junto com outras intervenções relatadas no Jornal Nova
Era:

A Capella apresentará bela ornamentação, destacando-se o altar-mor, que


passou por completa reforma, com fingimento colorido a pedra lioz e cintra e
douramento em todos os relevos das colunas, abóboda e throno num
conjunto de verdadeira belleza, que tem causado admiração geral, ficando
aberta durante o dia para a visita dos fieis e devotos. Neste dia ocorre o
203°aniversário da celebração da 1ª missa na Capella, que foi no anno de
1726. (CAPELLA da Mouraria, 1929).

Da Piedade ao Desterro, toda a Avenida Joana Angélica e suas transversais, assim


como a Igreja da Mouraria, sofreram transformações ao longo dos séculos, como um
palimpsesto de história e memória, em processo de sedimentação. Muitos atalhos, veredas,
ladeiras, fachadas, nomes e pessoas compõem e articulam essa avenida.
Como ocorreu com o Campo do Desterro, que, no final do século XIX, foi recuperado,
após longos anos utilizado como cemitério de indigentes e escravos. Anos depois, foi
registrado como a Praça dos Mártires, por deliberação municipal, em memória dos
revolucionários pernambucanos, que ali foram fuzilados, em 1817. Tempos depois, o local
esteve batizado como Praça D. Pedro II, quando passou por obras de alargamento, no início
do século XX, momento em que fora utilizado como cenário onde ocorreram as primeiras
partidas de futebol, na Bahia. Mas a lembrança da Pólvora continuava no ar, até que, em
1961, se restabeleu seu batismo histórico de Campo da Pólvora (DÓREA, 2006).
Em 1928, foi apresentado pelos arquitetos, paisagistas e urbanistas Carlos Semmer e
Frederico Semmer um projeto de ajardinamento e arborização do Campo da Pólvora,
oferecendo um panorama da área, na época, logo depois vieram as demolições.
As reformas urbanas promoveram a mobilização coletiva e pressionaram os
governantes a ponto de provocar a criação de uma “Comissão do Plano da Cidade do
Salvador”, objetivando a fiscalização e a participação da população nas decisões de projeto,
123

influenciados pela revolta contra a demolição da Igreja da Sé em 1933, culminando com a


“Semana de Urbanismo” em 1935. O objetivo era promover a conscientização da importância
do urbanismo, para o desenvolvimento da cidade, momento de pensar e discutir Salvador,
para evitar maiores perdas, como mostrado na Figura 40, na demolição dos prédios no Campo
da Pólvora.

Figura 40 – Demolição dos prédios no Campo da Pólvora no ano de 1935


Fonte: Coleção Arquivo Municipal (apud PEREIRA, 1994).

Era a força do devir impulsionando as mudanças, diante da estabilidade dos estratos


históricos formadores da identidade. De acordo com Deleuze (1999, p.86): “Em qualquer
dispositivo é preciso distinguir entre o que somos (o que já não somos mais) e o que estamos
a caminho de nos tornar: a parte história e a parte atual”. Em razão disso, veio o próximo
passo: o tombamento.

3.2 TOMBAMENTO: SÍMBOLO PARA CADA UM E SIGNO PARA A COLETIVIDADE

A preservação dos monumentos históricos, no Brasil, passa a ser sistematicamente


discutida e requerida, logo nas primeiras décadas do século XX, diante das reformas urbanas
que vinham demolindo as cidades, sob o discurso da salubridade-estética, a exemplo de Paris
124

(Haussmann: 1853-1870), Rio de Janeiro (Pereira Passos: 1902-1906) e Salvador (J.J. Seabra:
1912-1916/1920-1924).
O nacionalismo, difundido nos anos 30, introduziu em Salvador novas formas de
pensar e intervir na malha construída, após a “Semana de Urbanismo”. Em pleno Estado
Novo10, com base no conceito de função social da propriedade e na construção da Identidade
Nacional, em que a composição de políticas de Estado institucionalizou a preservação do
patrimônio cultural, cria-se o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN),
em 1937.
Através desse serviço, o Estado brasileiro assumiu a tarefa de proteger o patrimôno
nacional, estabelecendo para tal uma série de normas e dispositivos para a identificação,
seleção, conservação e restauração de bens culturais de natureza material e imaterial ou
integrados à arquitetura, promulgando a primeira lei de proteção ao patrimônio, com
abrangência nacional: o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o qual organizou a
proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o tombamento, que é
constituído de quatro livros, a saber: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagistíco; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas-Artes; e Livro do Tombo
das Artes Aplicadas (BRASIL, 1937).
Em 1938, a Igreja de Santo Antônio da Mouraria foi elevada a patrimônio nacional,
tombada pelo SPHAN11 e inscrita no Livro do Tombo das Belas-Artes, sob o “Processo nº
122-T, inscrição nº 136, folha 24. Data: 17.06.1938”, segundo o Guia de Bens Tombados da
Bahia (CARRAZONI, 1980, p.64; SOUZA,1983, p. 183).
Curiosamente, de 1938 a 1945, cerca de 50 edifícios foram tombados em Salvador,
mas na lista não se encontra a Igreja e Convento da Piedade, testemunho do desenvolvimento
da segunda cumeada de Salvador, assim como o Convento do Desterro, a Igreja da Mouraria,
a Igreja da Palma e o Convento da Lapa, todos tombados em 1938.
Cabe registrar que a seleção e a identificação da Igreja da Mouraria como patrimônio
nacional foram realizadas a partir de critérios atribuídos ao conjunto arquitetônico,
reconhecido e registrado como unidade e com as feições adquiridas no terceiro período de
transformações citado anteriomente. Assim como a Igreja da Piedade, a da Mouraria também
reformolou sua fachada. No entanto, que fatores foram relevantes ou interferiram para que

10
Período da ditadura de Getúlio Vargas no Brasil, decretado com o golpe de Estado em 10 de novembro de
1937 e que durou até 29 de novembro de 1945.
11
Em 1970, o SPHAN se tornou Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), criando as
instâncias estaduais e municipais do poder público, com atribuições similares.
125

não houvesse o tombamento da Igreja da Piedade é um dado passível de reflexão e


investigação.
À Igreja de Santo Antônio da Mouraria foi conferido um novo status, dentro do
processo de patrimonialização nacional. Segundo Sant’Anna (2004), o tombamento possui o
sentido moderno, implantado a partir da noção de patrimônio nacional, que surgiu com a
Revolução Francesa, diferenciando o monumento da massa dos produtos da cultura e,
teoricamente, retirando-o do processo de transformação, destruição ou substituição, que o
tempo infere a tudo e a todos, independente de sua classificação. Desse modo, aos bens
reconhecidos como patrimônio histórico são dadas, assim, a possibilidade de sobreviver ao
tempo e também a função de ser uma espécie de fio que liga o passado ao presente e este ao
futuro.
O sentido de tombamento defendido por Rodrigo Mello Franco de Andrade (IPHAN,
1987)12, fundador e primeiro diretor do SPHAN, consistia no “ato declaratório de um bem ao
patrimônio histórico e artístico nacional”, como declara:

Aquilo que se denomina Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – por ser


espólio dos bens materiais móveis e imóveis aqui produzidos por nossos
antepassados, com valor de obras de arte erudita e popular, ou vinculados a
personagens e fatos memoráveis da história do país – é o documento de
identidade da nação brasileira. A subsistência desse patrimônio é que
comprova, melhor do que qualquer outra coisa nosso direito de propriedade
sobre o território que habitamos. ((IPHAN, 1987, p.21).

Atualmente, para o IPHAN (2014), o tombamento é um ato administrativo, que possui


o objetivo de preservar os bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também
de valor afetivo para a população, impedindo a sua destruição e/ou descaracterização,
mantendo a linha conceitual de seu fundador.
Para a Igreja da Mouraria, todavia, não foi o bastante elevar seu conjunto a signo
nacional, pois, mais que signo, ela é compreendida como símbolo, pela população que a
percebe em seus ritos e na sua presença imponente na paisagem do centro histórico de
Salvador. Essas contradições tornam evidente que é preciso mais do que a inscrição no Livro
do Tombo para que o monumento seja preservado, ao longo do tempo.
O espaço arquitetônico e a paisagem, assim como a sociedade são dinâmicos e não se
compõem de fenômenos estáticos, decretados por lei, por isso, o tombamento em si, não
significou o fim das transformações no edifício.
12
Biografia de Rodrigo Melo Franco de Andrade. 1987. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br >. Acesso
em: 12 fev. 2014.
126

Ao contrário do que se esperava, o ritmo das mudanças se manteve em seu curso


temporal, pari passu com a cidade e suas tradições, como será observado nos anos vindouros.
Os edifícios que não se adaptaram às transformações temporais fadadas à constante
manutenção, entraram em ruínas, ou não mais existem.

.
Figura 41 – Desenho da Igreja da Mouraria, provavelmente, em 1938/39, ano de seu
tombamento, de autoria de Jimmy Scoot.
Fonte: Guia dos bens tombados: Bahia. (SOUZA, 1983).

Em 1938, a imagem tombada da Igreja da Mouraria, provavelmente, trazia a


exterioridade apresentada nas Figuras 41 e 42, onde é possível observar a fachada ainda
com a presença do revestimento elaborado com a técnica em cimento penteado,
sugerindo a imitação da pedra, como demonstrado no terceiro período de
transformações do edifício.
127

Localizado no Guia dos bens tombados: Bahia, publicado por Souza em 1983, o
desenho da Igreja apresentado na Figura 41 tem a autoria atribuída a Jimmy Scoot, mas
não traz informações sobre a data em que foi executado, diferente da fotografia
encontrada no site do Guia geográfico de Igrejas da Bahia (Figura 42), que sinaliza o
ano de 1938-1939, de autoria de Cerqueira Galvão. Entretanto, ao comparar o desenho
com a fotografia, curiosamente, observam-se algumas caracteristicas muito semelhantes,
indicando a mesma época, senão o mesmo ano, ou até mesmo o desenho produzido a
partir da fotografia, pois apresentam: o mesmo angulo de visão do observador, os
detalhes do telhado, a altura da árvore na fachada principal, o afloramento da umidade
na lateral da fachada que avança no conjunto. Além da tipologia arquitetônica da
residência ao lado da Igreja, pois esta, como é apresentada a seguir, passa por algumas
reformas na fachada ao longo do século XX.

Figura 42 – Igreja em fotografia de 1938/39, provavelmente de Cerqueira Galvão.


Fonte: GUIA geográfico de Igrejas da Bahia. Disponível em: < http://www.igrejas-
bahia.com/salvador/santo-antonio-mouraria.htm >. Acesso em: 20 abr.2013.
128

A comprovação dos dados relativos ao material observado nas imagens da fachada da


Igreja foi percebida durante a estratigrafia da fachada principal de acesso ao templo. Ao
realizar a análise do entendimento do processo de degradação do monumento, foram
observados os descolamentos de partes do reboco, revelando placas de cimento escondidas
sob a fugacidade de camadas de tinta plástica amarela e branca, que revestiam a fachada em
2011.
A partir desse descolamento, foi possível levar uma amostra ao laboratório, onde
foram realizados testes que comprovaram a técnica, indicada no histórico da Igreja, em que se
fingia a estereotomia da pedra através da aplicação de uma fina camada de argamassa de
cimento (1) sobre a superfície lisa e, depois, simulavam-se as brechas entre as pedras com
argamassa de cal, como demonstra a Figura 43.

Fig. 43 – Análise da estratigrafia da fachada, revelando a técnica do cimento penteado.


Fonte: Arquivo da autora (2011).
129

A placa destacada confirmou a presença da técnica: após a completa remoção das


camadas de tintas, sendo possível verificar o tipo de revestimento em que o aglomerante
principal é o cimento, possuindo a tonalidade variável e reduzida espessura. Segundo
Salaberry (2007, p. 22), acredita-se que a utilização dessa técnica foi influenciada “ [...] pelo
modismo da Art Déco e pela busca de novos mercados consumidores para o cimento
europeu”, constituindo a novidade da época através de técnica de revestimento de fachadas
em argamassa de cimento; muitas vezes, em sua composição, eram encontrados material
pétreo (granito, mármore, basalto) e mica, sendo bastante utilizado em fachadas de
construções depois das primeiras décadas do século XX.
O olhar atento sobre a fachada, durante as tardes, em que o sol incide diretamente
sobre a superfície branca, absorvendo dela a água das chuvas impregnadas nos materiais,
ainda se revela, mesmo que suavemente, a presença das linhas geométricas de cal, escondidas
sob a lisa tez da superficie pálida da Igreja da Mouraria.
O ver, como experiência fenomenológica, permite perceber, nas imagens, o sentido de
intuição definido por Bergson, em que se deve buscar um método que explique, de algum
modo, a verdade que transpasse o lapso da percepção (GALLEFI, 1961). O observar
transmite, ao experimento científico, a evidência da apreensão da natureza dos materiais,
através de análises mais apuradas, sobre a estrutura e a aparência. No entanto, tudo começa
com um olhar, um mero olhar, para ver “a coisidade da coisa”, como expressa a obra de
Heidegger (1992, p.27): “[...] com a proximidade da obra, estivemos de repente num outro
lugar que não aquele em que habitualmente costumamos a estar”.
As imagens da Igreja no tempo extrapolam o edifício, revelam as ruas, fazem conexão
com a cidade, a história, as técnicas... a partir de olhares aos acessos e excessos construídos.
Assim, a sutileza dos caminhos e fluxos, no conjunto tombado, de certa forma, explica a
permanência da aparência externa do conjunto em detrimento das transformações em processo
contínuo na Igreja, haja vista que, de acordo com os dados históricos do monumento, as ações
de manutenção eram recorrentes.
Isso ocorreu em 1946, quando foram executadas obras no telhado da Igreja e troca do
piso da Sacristia e, em 1948, com ações de limpeza e pintura geral. Todavia, não foram
encontrados detalhes sobre os ambientes ou especificação de cores utilizadas. Em 1949, há
registro de mais obras internas de restaurações, das quais, também, não foram obtidos maiores
detalhes. A suspeita é de que, neste período de eclosão da modernização da cidade e aversão
ao antigo, tenha havido a sobreposição das pinturas decorativas em escaiola pelas camadas de
130

tintas poliméricas encontradas na estratificação das paredes da nave, Capela-mor e 2º Corpo


da Igreja.
Nesse ínterim, observam-se, também, as imagens da transformação, ao longo da
Avenida Joana Angélica, imersas em conceitos, propostas de governos, planos e obras, que,
trecho a trecho, foram comformando uma das artérias mais antigas da cidade.
A princípio, durante a ocupação da segunda linha de cumeadas, havia o caminho
sinuoso de terra batida, utilizado para a manutenção das trincheiras, que passou a ser
conhecido como a Rua das Trincheiras, em meados do século XVII. Mais tarde, quando o
Convento de Nossa Senhora da Lapa foi construído, passou a se chamar Rua da Lapa. Em
frente à Mouraria era a Rua das Palmeiras. Com o advento da República, a Rua das Palmeiras
se tornou a Rua Marechal Floriano e, desde 1923, a Rua da Lapa passa a se chamar Avenida
Joana Angélica, em reverência à mártir da Independência.
Após os rasgos no traçado urbano, para a construção da Avenida Sete de Setembro, os
ares de demolição/modernização, mais uma vez, se voltaram para a Avenida Joana Angélica,
desta vez, demolindo o casario entre a Piedade e o Convento da Lapa, para o alargamento da
via. No Campo da Pólvora (Figuras 44 e 45), alguns imóveis também foram demolidos, mas
para a construção do Palácio da Justiça, que recebeu a pedra fundamental em 7 de julho de
1923, por J.J. Seabra. Em 1947, no governo de Otávio Mangabeira, as obras do Fórum Ruy
Barbosa, nova sede do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, foram retomadas e deveriam
ser concluídas a tempo para a comemoração do centenário de nascimento do jurista baiano.
As obras só ficaram prontas em novembro de 1949 (FLEXOR, 1999; PINHEIRO, 2002).

Figura 44 – Vista do Campo dos Mártires (Campo da Pólvora), antes da construção do Fórum.
Fonte: Coleção Arquivo Municipal (apud PEREIRA, 1994).
131

Figura 45 – Vista do Campo da Pólvora, Salvador, Bahia, 2014.


Fonte: Google Earth (2014).

Pereira (1994), em suas diversas entrevistas para a composição do livro História do


Bairro de Nazaré: uma experiência participativa, conversou com o Sr. Perival Bulcão de
Almeida Couto, que relatou suas lembranças sobre o Campo da Pólvora, antes de ter o Fórum
Rui Barbosa: “Era uma praça própria para montagem de circos e eventos populares; até o
Arco-Iris no Gelo era armado nesta praça. Havia um campo de futebol muito grande, que ia
até a Igreja de Santana” (PEREIRA, 1994, p. 59). Em 1993, a população já reclamava da
apropriação das praças públicas para satisfazer o interesse de determinados grupos, como a
discussão sobre a construção de um estacionamento, no Campo da Pólvora, para os
funcionários do Fórum. Isso pode ser visto na Figura 47 (2014).
Durante a administração do prefeito Durval Neves da Rocha13 (1938-1942), as
demolições dos diversos imóveis na Avenida Joana Angélica promoveram o desaparecimento
de testemunhos que estampavam, na paisagem, a memória da cidade.
Diante das demolições da época, o tombamento surge como um ato de desespero na
tentativa de salvaguardar, pelo menos na memória, os edíficios mais simbólicos, como as
igrejas e os conventos, e algumas residências, por isso o tombamento pontual. E mesmo os
CIAM’s (Congressos Internacionais de Arquitetos) não entendiam a preservação e
conservação de centros, sítios ou conjuntos históricos no sentido de vizinhança ou ambiência
13
Durval Neves da Rocha (1892-1961) nasceu em Salvador, foi engenheiro e político brasileiro. Passou por
vários cargos da administração pública e foi prefeito da Cidade do Salvador de 1938 a 1942, depois senador
entre 1954 e 1959.
132

aos monumentos. Para os ideários progressistas, era o bastante preservar apenas testemunhos
históricos isolados. De acordo com Sant’Anna (2004, p.58), entre os anos de 1938 e 1945,
“[...] cerca de 50 edifícios antigos foram tombados na área central de Salvador”.
Entretanto, fica evidente nas imagens que o monumento não pode ser visto
isoladamente, mas em sua relação com o lugar e o contexto do bairro, o qual, por sua vez, está
inserido na cidade, que, naquele momento, sofria a ebulição do progresso.
Em 1941, o Prefeito Durval Neves da Rocha, visando a elaboração de um moderno
plano urbanístico para a Cidade do Salvador, que na época tinha população em torno de
300.000 habitantes, determinou a contratação de firma competente nessa área. Duas firmas,
Coimbra Bueno e Dane & Conceição, representadas, respectivamente, pelos urbanistas Alfred
Agache e Mário Leal Ferreira, apresentaram propostas.
Em 1943, houve a contratação do engenheiro sanitarista Mário Leal Ferreira (1895-
1947), para a elaboração de um plano de urbanismo moderno para a cidade, trazendo consigo
as teorias do urbanismo da escola de Chicago, apoiando-se nas recomendações da Semana do
Urbanismo (SAMPAIO, 1999).
O Escritório de Planejamento Urbano da Cidade do Salvador, o EPUCS, foi o primeiro
plano interdisciplinar implantado no Brasil, com o desenvolvimento do progresso como maior
objetivo, sob a chancela da monumentalidade, apoiando-se no conceito de cidade evolutiva,
em linhas radiocêntricas. Segundo Sampaio (1999), em termos gerais, as soluções do EPUCS
aproximam-se muito das observações sanitaristas multidisciplinares preconizadas por
Saturnino de Brito, em sua estada em Salvador, no ano de 1925, ao articular o desenho das
vias à drenagem urbana.
O plano elaborado pela equipe multidisciplinar, comandada por Mário Leal, possuía
um trabalho científico abrangente, que contemplava: a diferenciação de zoneamento urbano;
as vias de comunicação; os parques e jardins; a habitação; as instalações de serviços públicos,
o centro cívico e intercomunicações; os centros de abastecimentos e suas instalações; a
restauração e preservação de prédios e monumentos públicos; além de legislação urbanística.
Após o falecimento de Mário Leal, quem assumiu a liderança da equipe foi o arquiteto e
professor de Urbanismo da Escola Politécnica Jayme Cunha da Gama e Abreu, que manteve o
plano com o olhar para o futuro (PINHEIRO, 2002).
Em 1949, era prefeito de Salvador, Wanderley Pinho, que organizou um grande
Seminário de História em homenagem aos 400 anos da cidade, promovendo revisões e
discussões sobre o processo de desenvolvimento da Bahia, um prenúncio da industrialização,
(PEREIRA, 1994). Justifica-se essa iniciativa visto que, em 1953, a construção da Refinaria
133

Landulfo Alves, em Mataripe, deflagrou uma explosão demográfica em Salvador, com a


implantação da Petrobrás na Bahia e o surto de industrialização através da expansão do
capitalismo brasileiro, centralizado na Região Sudeste, como relata Milton Santos (1959,
p.51):

[...] enquanto a indústria de São Paulo representava uma produção de 100


bilhões de cruzeiros, empregando 440.000 operários, as cifras relativas à
Salvador eram de 2 bilhões e 400 milhões de cruzeiros e 15.000 operários.

A cidade precisava industrializar-se no mesmo ritmo, mas não conseguiu por diversos
fatores. Em função disso, o setor agrícola não recebeu os incentivos necessários para o seu
desenvolvimento, o que elevou o nível de pobreza, ocasionando a emigração e, por
consequência, o inchamento do centro de Salvador. Esses fatores se refletiram na organização
do espaço urbano, promovendo a criação de novas estruturas ou desmembramento de outras,
bem como acentuaram a urgência da articulação e do melhoramento dos meios de transporte.
Assim, várias obras pontuais para o melhoramento das comunicações passaram a
ocorrer, nesse intuito, como as obras para facilitar o cruzamento da estreita Garganta do
Caquende, vinculada à Avenida Joana Angélica. Posteriormente, o prefeito Aristóteles Góes,
em fevereiro de 1955, desapropriou um dos lados da rua e a alargou, batizando-a de Rua
Antônio de Calmon, dando continuidade à Avenida Joana Angélica.
A denominação Garganta de Caquende, em portugûes arcaico, significa literalmente
“passagem seca entre alargados”. Isso porque a rua principal do lugar era um caminho muito
estreito entre o Dique do Tororó e o rio das Tripas. Pereira (1994, p. 59) descreve:

O Caquende era uma espécie de gargalo, uma espécie de funil, uma rua
muito estreita, que só dava passagem mesmo a uma carroça – antigamente
havia muito este tipo de transporte; de um lado do e outro havia muito
muitas casas, a rua era tão estreita que parecia um corredor, com casa de um
lado do e outro, o prefeito Aristóteles Góes, vendo que precisava aumentar,
alargar a Joana Angélica, desapropriou todas as casas do Caquende.

Notícia do Jornal A Tarde (DESAPARECEU o perigo...,1956) anuncia a conclusão


das obras na perigosa Garganta da Lapa, o cruzamento entre o Convento da Lapa e o Ginásio
da Bahia, como demonstram as Figuras 52, 53 e 54.
As obras foram executadas pela Secretaria de Viação e Obras da Prefeitura, com o
alargamento da via para a implantação dos trilhos, evitando a perigosa manobra que era
executada na esquina do Conveno da Lapa, o que, segundo a Secretaria: “[...] destacou a
presença deste edifício histórico na paisagem” (DESAPARECEU o perigo...,1956). Além
134

disso, houve o calçamento da Rua Américo Simas, trecho que liga a Rua do Paraíso – antiga
Rua do Mocotó e oficialmente Rua Cipriano Barata – à Avenida Joana Angélica, dotando a
cidade de uma nova via de escoamento.
Em 1959, foi criada a SUDENE, que incentivou o surgimento do Centro Industrial de
Aratu (CIA), implantado pela Lei de 11 de abril de 1966, no governo de Lomanto Júnior
(1963-1967), o que pressionou os responsáveis pelo patrimônio a reverem as questões
levantadas sobre o tombamento pontual e sua vizinhança, estendendo a proteção do
tombamento aos conjuntos arquitetônicos mais preservados nos subdistritos da Sé, do Passo e
da Conceição da Praia, nos bairros da Saúde e da Palma, além do Dique do Tororó
(SANT’ANNA, 2004).
A Secretaria de Viação da Prefeitura de Salvador fez divulgar, através de matéria
(DESAPARECERÁ o cruzamento perigoso) do Jornal A Tarde, no dia 31 de agosto de 1959,
uma imagem do projeto para a construção de passagens ascendente e descendente, no
cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Ladeira da Fonte das Pedras e Santa Clara do
Desterro, conforme apresentado na Figura 46.

Fig.46 –Imagem do Projeto para o cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa
Clara e Ladeira da Fonte das Pedras em 1959.
Fonte: A Tarde (31 ago.1959). Biblioteca Pública da Bahia. Digitalizado pela autora (2014).
135

A proposição era modificar o tráfego para disciplinar uma das mais perigosas
passagens da cidade, numa obra de vulto, orçada em 10 milhões de cruzeiros, com
previsão para a finalização das obras em cerca de quatro meses. O projeto previa o
rebaixamento do muro do Convento do Desterro e o melhoramento dos fluxos, diante
do crescente movimento da população na área, devido à presença de dois colégios e da
praça de esportes.
Do projeto publicado em 1959, pode ser observado, na Figura 47, que houve a
execução das vias que fazem a interligação com a Ladeira da Fonte das Pedras, a
Avenida Joana Angélica e a Rua Santa Clara, e o rebaixamento do muro do Convento.
Porém, as passagens ascendente e descendente previstas foram substituídas por uma
rotatória, com desenho mais simples, provavelmente pelo alto custo da obra.

Fig. 47 – Vista do cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa Clara e Ladeira da Fonte
das Pedras, Salvador, Bahia, 2014.
Fonte: Google Earth (2014).

A partir dos anos 60, os planos de Mário Leal começaram a ser aplicados. O EPUCS
pensou a cidade em sua totalidade e planejou a estrutura de mobilidade urbana, em articulação
com a construção de diversos equipamentos fundamentais para o desenvolvimento de
Salvador, a exemplo da Escola Parque da Caixa d’Água, a Vila Olímpica (Estádio Otávio
Mangabeira), o Hotel da Bahia, o Teatro Castro Alves, a Avenida Contorno e seus arcos, as
136

avenidas de vale, a sede da ABI na Sé, o IBIT, a estação marítima no Porto, os túneis de
ligação entre Cidade Alta e Cidade Baixa, a antiga Estação Rodoviária, entre outros
(SAMPAIO, 1992). O professor Heliodoro Sampaio, nas aulas de Atelier V, na Faculdade de
Arquitetura da UFBA, costumava enfatizar que a principal característica do EPUCS era a
visão intraurbana de cidade futura, moderna e articulada, para o desenvolvimento de todos os
campos do saber humano.
Em 1964, o Golpe Militar põe um freio na modernização da cidade e nomeia Nelson
de Sousa Oliveira como prefeito de Salvador (1964-1967). Em sua gestão, houve a publicação
de um album de desenhos, em 6 de março de 1966, com imagens de fortes, igrejas e
conventos da cidade, de autoria do artista Alfredo Gomes. Nessa ocasião, o prefeito escreveu
“Palavras ao futuro”, onde declara: “Os homens de todas as épocas são parecidos. Os heróis
do passado ergueram esta cidade com amor, da mesma forma que agora queremos fazê-la
mais formosa para as futuras gerações”.
Nesse álbum, encontra-se o desenho da fachada da Igreja de Santo Antônio da
Mouraria, datada de 1966 (Figura 48). No entanto, e curiosamente, ela possui as mesmas
características das imagens apresentadas em 1938, inclusive a árvore com a mesma altura
anterior. Apenas uma informação foi acrescentada: aparece o calçamento da Rua da Mouraria
em paralelepídedos.
O Golpe de 64 culminou na ditadura militar no Brasil, que perdurou de 1968 a 1974,
quando o General Ernesto Geisel iniciou a abertura do sistema político. Entretanto, a ditadura
contou com o apoio de importantes setores da sociedade brasileira: grande parte do
empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica e de vários
governadores de Estados importantes. O surto de crescimento econômico que ocorreu em
seguida ao golpe militar, foi caracterizado pela modernização da indústria e pelas grandes
obras. O País cresceu, sendo elevado à oitava economia do planeta, mas se endividou
exponencialmente.
A consolidação da industrialização na Bahia, com a implantação da Petrobrás em
Simões Filho, do CIA e do Polo Petroquímico em Camaçari, nas décadas de 60/70, atraiu e
concentrou uma grande massa de investimentos na Região Metropolitana de Salvador. Foi um
fator determinante para a alteração dos vetores de desenvolvimento da cidade, que, aliados às
recomendações da UNESCO14, direcionaram medidas preventivas para a proteção dos bens

14
Para assessorar o IPHAN, a UNESCO enviou ao Brasil Michel Parent, o qual, entre outras coisas, recomendou
a criação da Fundação que se tornou o Instituto do Patrimônio Artístico da Bahia – IPAC (SANT’ANNA, 1995).
137

culturais. Uma delas foi a criação de uma fundação pública para gerir e coordenar as
operações de um plano de revitalização e valorização das áreas tombadas.

Fig. 48 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, de autoria de Alfredo Gomes, em 1966.
Fonte: ÁLBUM de desenhos dos monumentos da Cidade do Salvador. Arquivo Histórico nº000276, de
6 de março de 1966 (Arquivo Público Municipal de Salvador. Biblioteca da Fundação Gregório de
Mattos).

Em 1967, a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia foi criada e deu


início ao inventário sistemático de todos os monumentos, na Bahia, sendo eles tombados ou
não. Deu-se, também, a criação de legislação estadual de caráter supletivo e federal, destinada
a proteger os bens de caráter federal (AZEVEDO, 1975).
138

O Inventário de Proteção ao Acervo Cultural da Bahia, publicado pelo IPAC


(AZEVEDO, 1975), tornou-se um dos mais importantes instrumentos administrativos e
técnicos de controle da conservação e uso dos monumentos, na época. Desse trabalho,
participou, entre outros arquitetos, a orientadora deste estudo, a Dra. Arquiteta Odete
Dourado, sob a coordenação do Dr. Paulo Ormindo de Azevedo. Atualmente, esse registro
constitui-se em documento de relevante importância para quaisquer estágios de projetos e
pesquisas relacionados à área de patrimônio.
Em suas páginas, encontra-se inventariada a Igreja de Santo Antônio da Mouraria, no
ano de 1973, com registros do levantamento cadastral, de dados históricos, da relação dos
usos de cada ambiente e referências bibliográficas, que serviram de ponto de partida para as
pesquisas.
Nesse sentido, apresenta-se, na Figura 49, a vetorização executada a partir das plantas
da Igreja, publicadas no Acervo do IPAC (AZEVEDO, 1975, p. 57), com a legenda de usos,
nas quais foram acrescentadas as cores utilizadas na evolução arquitetônica do edifício e
comparados os usos com a legenda do ano em que o edifício foi tombado – 1938.
O registro executado no ano de 1973 completa-se com a imagem do monumento
(Figura 50) fotografado de esquina, de forma que foi possivel observar, na fachada voltada
para a Avenida Joana Angélica, a presença de uma pequena banca de revista, colada na parede
do edifício. A implantação desse pequeno comércio foi autorizada pelos vicentinos, na década
de 70, e lá permanece até a data deste estudo, como será observado nas próximas imagens da
fachada.
Outras imagens do Acervo enriqueceram a pesquisa, como a fachada principal da
igreja e a vista interna da nave e altar-mor, proporcionando a verificação da substituição dos
revestimentos identificados, ao longo do diagnóstico: o cimento penteado, na fachada, foi
encoberto por revestimento, provavelmente, em tinta branca; as escaiolas do arco-cruzeiro, do
púlpito e das cercaduras foram encobertas por tinta amarela; e, nas paredes da nave, toda a
escaiola, pelo menos até onde é possível observar, na imagem apresentada na Figura 51, foi
encoberta por tinta branca.
Em depoimento, a Dra. Odete Dourado afirma que, em suas memórias de moradora da
área, desde 1952, percebe a Igreja de Santo Antônio da Mouraria com as fachadas revestidas
em tom de amarelo, confirmando a hipótese de que a imagem que traz o álbum de desenhos
de 1966 configura-se em cópia da fotografia de 1938, localizada no Guia Geográfico de
Igrejas da Bahia.
139

Térreo 1º Pavimento

Legenda de usos em 1918-38 Legenda de usos em 1973

1. Adro 1. Adro
2. Nave 2. Nave
3. Capela-Mor 3. Capela-Mor
4. Sacristia 4. Sacristia
5. Pátio 5. Circulação
6. Torre sineira 6. Depósito
7. 2º Corpo da Igreja 7. 2º Corpo da Igreja
8. Despensa dos Pobres 8. Posto Médico
9. Patronato de São Vicente 9. Salas de aulas
10. Saguão do edifício da SSVP 10.Saguão do edifício da SSVP
11. Salas de aulas 11. Salas de aulas
12. Sanitários 12. Sanitários
13. Quintal 13. Quintal
14. Coro 14. Coro
15. Administração 15. Administração SSVP
16. Biblioteca 16. Biblioteca
17. Arquivo 17. Arquivo
18. Salão de reunião 18. Salão de reunião
19. Sala das cantoras 19. Sala das cantoras
20. Habitação do zelador 20. Habitação do zelador

Fig. 49 – Simulação digital da planta baixa da Capela – 1973.


Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2013).
140

Fig. 50 – Vista em perspectiva do conjunto tombado, fotografado em 1973.


Fonte: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (AZEVEDO, 1975).

Figura 51 – Fachada Principal da Igreja da Igreja da Mouraria em 1973.


Fonte: Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (AZEVEDO, 1975).
141

Uma tipologia patológica recorrente pode ser vista em determinadas áreas da fachada e
identificadas no diagnóstico, indicando problemas na captação de águas pluviais.
Provavelmente, desde essa época, ou até mesmo antes, a Igreja já sofria desses males, o que
corrobora o resultado dos testes e ensaios efetuados, nos quais foram demonstrados que o
descolamento e, logo em seguida, a queda do reboco da área lateral direita da fachada da torre
sineira foram fatores que se vêm agravando há anos.
A análise criteriosa da localização do sistema de escoamento de águas pluviais (calhas
e tubos de queda), juntamente com os teores de umidade das paredes, respalda a suspeita de
que os danos sofridos pelo monumento estão relacionados, principalmente, com a ocorrência
de problemas na cobertura do edifício. A localização dos pontos em que foram recolhidas as
amostras, sobrepostas ao telhado, está ilustrada na Figura 52.

Figura 52 – Planta de cobertura com localização dos pontos com deficiência no sistema de
escoamento.
Fonte: Arquivo produzido pela autora desta dissertação (2011).
142

Nesse sentido, alguns fatores foram apontados como prováveis causas da patologia: o
mau dimensionamento ou o subdimensionamento dos dutos de canalização das águas
coletadas; os pontos de conexão das tubulações; a deterioração dos materiais utilizados,
intensificada pela falta de manutenção anual do edifício. Isso sinalizou a necessidade de
realizar novo cálculo da área do sistema de captação da cobertura da Igreja, para o
redimensionamento das tubulações e calhas, bem como do sistema de caixas de passagens
para sua interligação à rede pública de águas pluviais da cidade.
As imagens e dados, no decorrer das pesquisas, demonstraram que a Igreja da
Mouraria, por se tratar de um bem concreto, com qualidades físicas extremamente ligadas às
raízes culturais do lugar, permaneceu suscetível às transformações sociais e temporais.
Desse modo, entende-se que o monumento absorveu as mudanças dos ventos políticos,
econômicos, sociais e psicológicos que continuaram a reverberar, na segunda cumeada, pois,
mesmo representando uma referência para a coletividade, a Igreja permanece um símbolo
para a Irmandade que a administra, bem como para cada indíviduo, que é devoto e se permite
planejar modificações no templo a cada trezena de Santo Antônio.
Esse costume ocorre na Mouraria desde os tempos do Conde de Sabugosa, fator que
compreende um verdadeiro desafio para a preservação do monumento, que prescinde de
recorrentes ações de sensibilização para o patrimônio, no sentido de esclarecer os agentes
envolvidos na utilização do bem tombado, evitando descompassos, descaracterizações e
desusos no tempo.
144

4 DESUSOS NO TEMPO

Salvador vai-se desenvolvendo, pari passu, com o crescimento da sua população,


desencadeando diversas transformações, algumas das quais descaracterizaram, em vários
aspectos, os bairros do centro da cidade.
As percepções associadas às pesquisas na Igreja de Santo Antônio da Mouraria e seu
entorno promoveram investigações relacionadas aos desusos no tempo, sob a ótica de diversos
aspectos, entre os quais, o desuso risomático 1, que vem impregnando a área, sem poupar
nem mesmo os monumentos tombados, propenso e “[...] voltado para uma experimentação
ancorada no real”, aberto, desmontável, reversível, sujeito a modificações permanentes,
sempre com múltiplas entradas (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.22).
Assim, ao analisar o panorama de expansão do comércio em Salvador, notou-se que, a
princípio, essa característica era peculiar às margens da Baía de Todos-os-Santos, voltada,
mais especificamente, para a área do porto. Entretanto, paulatinamente, a expansão comercial
alcançou os bairros residenciais, proliferando a ponto de agravar o processo de distanciamento
das elites, que buscaram outros bairros para residir, ampliando o perímetro urbano e
contribuindo, assim, para a construção da paisagem descaracterizada que habita o centro, sem
definição de cadeias de início, meio e fim, avançando no patamar do século XXI.
.

4.1 A EXPANSÃO DO COMÉRCIO: A MOURARIA É O LIMITE

Segundo Milton Santos (1959, p. 138), no final da década de 50, o centro da Cidade
Alta era onde se desenvolviam as atividades principais da Capital baiana, “[...] alojadas em
imóveis novos, reconstruídos ou adaptados a essas funções”, mas, por outro lado, registrava-
se, nas áreas vizinhas, o elevado aumento da população. As demolições, efetuadas para
facilitar a circulação, acabaram por promover a expansão comercial nas ruas favorecidas pelo
tráfego.

1
O rizoma é uma proposta de construção do pensamento onde os conceitos não estão hierarquizados e não
partem de um ponto central, de um centro de poder ou de referência aos quais os outros conceitos devem se
remeter. O rizoma funciona através de encontros e agenciamentos de uma verdadeira cartografia das
multiplicidades.
145

Nessa época, o centro comercial de Salvador compreendia a seguinte área: na Cidade


Baixa, ia do Pilar à Conceição da Praia; na Cidade Alta, do Terreiro de Jesus à Piedade; e, no
plano intermédiário, ia da Barroquinha até o Cinema Jandaia (na Baixa dos Sapateiros), com
uma ligação para o Comércio, pelo Taboão. Com exceção da zona entre a Praça Cairu e a
Praça Conde dos Arcos, tradicionalmente conhecida pelo nome de Comércio, todo o resto do
bairro central de Salvador dividia seu espaço com intensa atividade residencial,
Da Piedade a Nazaré, ainda prevalecia o uso residencial, aliado às atividades
educacionais, muito embora os moradores já começassem a estranhar a crescente
movimentação na área, devido à implantação, cada vez maior, de escolas e cursos.
Nos anos 70, o Centro Antigo, cada vez mais “centro histórico” devido ao
tombamento dos conjuntos, ainda era o principal polo de atividades da cidade, mas já se
encontrava em pleno processo de esvaziamento, principalmente na Cidade Alta, em
decorrência do deslocamento de funções para as novas centralidades, sendo seus habitantes
atraídos pelos novos vetores de expansão da cidade. Isso gerou o espaço necessário para o
comércio varejista.
Ao longo das artérias principais, as residências foram sendo expulsas com o
adensamento da atividade comercial-financeira, mas a área não estava se esvaziando de
moradores. Muitos precisavam residir no Centro e outros dele não se afastavam, por razões
culturais, sentimentais ou por falta de opção. Assim, além de algumas ruas se manterem
praticamente intocáveis, como aquelas nas proximidades do antigo Largo Dois de Julho
(Sodré, Areal de Cima e de Baixo, etc.), foram surgindo novos e grandes edifícios de
apartamentos, com os andares inferiores reservados a atividades comerciais.
Por outro lado, os bairros que outrora se reconheciam afastados do Centro, já estavam
a suas portas, quase incorporados a ele, como o Politeama, os Barris, entre outros. Além
disso, os bairros vizinhos e as ruas próximas de Nazaré, entre o Campo da Pólvora e a
Mouraria, passaram a sofrer influências do tráfego e outras consequências da atividade gerada
pelo crescente fluxo de pessoas e automóveis. Foi o caso do Politeama, com a implantação do
Estacionamento de São Raimundo, ou da Mouraria, com o terminal de ônibus.
Em meio aos investimentos realizados, através do Programa de Cidades Históricas
(PCH), para o desenvolvimento do turismo na área central de Salvador e da crescente
marginalização e esvaziamento do núcleo central, a Mouraria, na década de 70, era
considerada como um dos melhores bairros da cidade (MELHOR BAIRRO..., 1974). Apesar
de se localizar no Centro, preservava características de bairro residencial, mas com excelente
estrutura de serviços e facilidade de transporte, como demonstra o mapa da Figura 53.
146

Fig. 53 – Mapa com a indicação dos pontos iniciais dos transportes coletivos e seu percurso na parte
central da cidade, com a localização da Mouraria na Avenida Joana Angélica.
Fonte: Milton Santos (1959), digitalizado pela autora (2013).

Os antigos caminhos rurais transformaram-se em vias que interligavam o centro aos


arrebaldes da cidade, seguindo as dorsais, o que não permitiu a criação de nódulos comerciais
em todos os bairros, favorecendo a centralidade das atividades comerciais e dos transportes.
Entretanto, logo o Jornal da Bahia (O CENTRO..., 1978) denunciou o adensamento da
atividade comercial nessa área, bem como sua expansão. Assim, no início da década de 80, o
Centro de Salvador já atingia o Campo Grande, para sudoeste, e a Calçada, para o nordeste.
O limite sudeste estava sinalizando, claramente, na Mouraria, os vetores de expansão
em direção ao Dique do Tororó. Esse crescimento não foi apenas horizontal, mas
preponderantemente vertical, com a construção de edifícios comerciais, residências e mistos.
147

Esse período foi também o de implantação e maior desenvolvimento da indústria


automobilística nacional, o que trouxe, principalmente para os centros urbanos, uma carga de
tráfego para a qual o sistema viário não havia sido planejado. Assim, o boom automobilístico
e imobiliário acabou por expulsar do centro muitos dos seus ocupantes tradicionais para
outros bairros (O CENTRO..., 1978).
Assim, a atividade comercial não se desenvolveu lenta e progressivamente, dando
tempo para que uma infraestrutura fosse preparada. Pelo contrário, o mercado consumidor
exigiu novas e muitas lojas a curto prazo: os profissionais liberais recém-formados, pelas
Universidades, uma das quais a Universidade Católica de Salvador, criada nesse período,
necessitavam de novas salas, para consultórios e para as firmas que ajudavam a criar; além
disso, as empresas que vinham de fora, com filiais, sucursais, etc., por sua vez, careciam de
espaço para suas instalações. Isso aconteceu de repente, sem que houvesse imóveis adequados
ao funcionamento dessas firmas e aos serviços a serem prestados por esses profissionais,
salvo os prédios do Comércio, na Cidade Baixa, e uns poucos edifícios na Cidade Alta,
notadamente na Rua Chile, projetados e construídos para fins comerciais. Em sua maioria, as
edificações eram antigas residências, casas térreas ou sobrados, que tiveram de ser adaptados
para a ocupação imediata.
A princípio, as pessoas transferiam-se para os andares superiores dos velhos sobrados,
cedendo o térreo às lojas, bancos, etc., mas, entre os anos 70 e 80, houve a retirada quase total
dos moradores, com os andares superiores sendo ocupados, principalmente, pelos depósitos
das lojas. Paulatinamente, esse processo continuou ao longo da Avenida Sete em direção ao
Campo Grande; da Avenida Joana Angélica em direção ao Desterro; da Rua Dr. Seabra em
direção às Sete Portas; e da Avenida Frederico Pontes em direção à Calçada.
Esses últimos vinte anos, segundo o Jornal da Bahia (1978) foram testemunhos da
descentralização, nessa área, embora seu crescimento horizontal já atingisse, novamente, os
equipamentos descentralizados, conforme aconteceu com o Teatro Castro Alves, com o
Cinema Tupi, com o Estádio da Fonte Nova, com a Biblioteca Central do Estado, etc., todos
eles construídos fora do Centro. Por outro lado, algumas unidades da Universidade Federal da
Bahia, como a Escola Politécnica, a Faculdade de Direito e a Faculdade de Medicina, saíram
do Centro para o campus da Federação e do Canela, mas a Universidade Católica de Salvador
instalou vários de seus cursos no Convento de Nossa Senhora da Lapa e no Convento da
Palma. O Colégio Estadual da Bahia – Central era um colégio de bairro, mas já está no centro,
o mesmo acontecendo com o Instituto Feminino, com as escolas do Salete e das Mercês, com
o colégio Ypiranga, etc.
148

Com a implantação da Estação de Transbordo da Lapa, em 1982, houve um aumento


considerável no fluxo da população na área, promovendo o desenvolvimento de um agitado
comércio de cunho popular, localizado nas ruas em que a descarga de passageiros se interliga
com a Praça da Piedade e a Avenida Joana Angélica. Isso influenciou, diretamente, a tipologia
comercial de varejo fino existente na Avenida Sete.
De acordo com Sant’Anna (2004), a estrutura policêntrica identificada em Salvador
nos anos 90, como demonstra a Figura 54, surgiu como consequência da ocupação industrial
malsucedida e da generalização do uso do automóvel, o que expandiu e reordenou a
configuração da cidade, com o surgimento de novas zonas comerciais, residenciais e
administrativas.

Fig. 54 – Nucleação de atividades e transporte de massa.


Fonte: Sampaio (1999), digitalizado pela autora (2014).
149

Quadro 3 – Distribuição do emprego (terciário) em Salvador – 1990

Núcleo Terciário Emprego (1990) %


Centro Principal 81.611 48.4
Sub-Centros:
- Camurugipe 8.937 5.3
- Pau da Lima (BR324) 8.262 4.9
- Calçada 8.378 2.3
- Liberdade 2.192 1.3
- Barra 2.361 1.4
Outras distribuições (dispersas) 61.377 36.4
TOTAL 168.618 100
Fonte: OCEPLAN. PLANDURB (mft, 1978) (apud SAMPAIO, 1999, p. 260).

A orientação do desenvolvimento urbano, preferindo as dorsais, valorizou os terrenos,


enquanto as vertentes e os vales foram ocupados por uma população pobre, promovendo a
expansão do comércio, que disto se beneficia até hoje, com a valorização dos terrenos por
onde passa o transporte coletivo, o que se acentuaria nos anos 90. Essa característica é
claramente exposta no mapa de nucleação de atividades e transporte de massa apresentado por
Sampaio (1999), nos planos de estrutura urbana do PLANDURB, ligando as principais
nucleações urbanas aos vetores prioritários de expansão, relacionado ao quadro de
distribuição de emprego terciário em 1990, o qual aponta os vetores de expansão urbana
voltados para a BR-324 e a Avenida Luís Viana (Paralela).
Esse aspecto tornou-se tão atrativo nos terrenos entre a Estação da Lapa e a Piedade
que foram construídos dois shoppings seguidamente. Em 1985, o Shopping Piedade e em
1996, o Shopping Lapa. Ademais, numa tentativa de revitalizar o comércio da Baixa dos
Sapateiros, que perdia em clientela para o Piedade, foi construído o Shopping da Baixa dos
Sapateiros, em 1993.
Segundo Sant’Anna (2004), a construção de empreendimentos desse porte na área
central não apenas contrariou a tendência geral de investimentos privados, que estavam
voltados para a zona de expansão da cidade, como também reforçou a centralidade comercial
do núcleo antigo, contribuindo para seu processo de degradação.
O reflexo dessas mudanças estava estampado na paisagem, visto que, ao longo das
vias principais, as residências, por se tratar de uma área bastante procurada pelos
comerciantes, a cada dia eram substituídas por nova loja ou agência bancária, entrando ainda
pelas transversais. O casario que persistia na paisagem sobrevivia mal conservado, geralmente
habitado por herdeiros, inquilinos ou subalternos, que viviam de favor dos patrões que
150

residiam em bairros elitizados ou fora de Salvador. As construções abandonadas entraram em


estado de ruína ou acabaram por ser invadidas e logo ocupadas por diversos grupos que
moravam nas ruas.
A população que outrora habitou o centro de Salvador e resistiu às mudanças com a
introdução do comécio e da intensidade do trafégo e seus agravantes, tentou se adaptar, mas
se tornaram pessoas desconfiadas, sofrendo a perda do sentido de vizinhança, fato que ocorre
em toda parte até hoje, devido, principalmente, à insegurança e aos índices de violência
registradas nestas últimas décadas.
Em outubro de 1986, o Jornal A Tarde (O CENTRO...., 1986) entrevistou alguns
moradores do Centro, como o Sr. Rufino Bispo de Oliveira (71 anos), filho da cidade de
Santo Antônio de Jesus, morador da área há 40 anos e que já havia residido em vários bairros
do centro como o Garcia, Campo Grande, Carlos Gomes. Mas concedeu a entrevista em sua
moradia da época, o apartamento do Edifício Lanar, na entrada da Rua Junqueira Ayres, nos
Barris, ao lado da Igreja da Piedade.
A partir desse olhar, foi possível compreender e se aproximar do panorama de quem
vivenciou essa ocupação comercial risomática, passando a conviver com uma variedade de
conflitos nas últimas décadas do século XX. Nas palavras do Sr. Rufino:

É barulho de manhã cedo, os motoristas abrem as descargas dos automóveis


e descem a ladeira a toda velocidade e não existe respeito nem a propriedade
privada, já que as pessoas estacionam seus automóveis em frente da minha
garagem... Meus vizinhos são os bancos, a igreja e o centro comercial, mas
eles não incomodam muito. (Apud O CENTRO... 1986)2.

Nessa época, foi elaborado pelo município o Programa Especial de Recuperação dos
Sítios Históricos da Cidade do Salvador, com o objetivo de trazer de volta ao centro funções
como moradia, trabalho e lazer (FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE MATTOS, 1987), com
recursos definidos no Decreto Municipal de nº 7.838/87. Era Prefeito de Salvador, o senhor
Mario Kertész, cujo primeiro mandato (1979-1981) fora como prefeito nomeado, mas era,
então, o primeiro prefeito eleito, em 1985, por voto popular (1986-1989), após 23 anos
do regime militar.
O Engenheiro Paulo Segundo da Costa3 era o Secretário do Meio Ambiente da
Prefeitura de Salvador, residente na Rua Boulevard 114, Tororó, e pertencente à Irmandade da

2
Curiosamente, ao visitar o edifício Lanar , em 2014, ele já havia sido transformado em edificio comercial e um
restaurante de comida a quilo funcionava no térreo. Não obtive notícias do Sr. Rufino.
3
Paulo Segundo da Costa, engenheiro civil pela Escola Politécnica da UFBA; ex-Secretário de Urbanismo e
Obras Públicas da Cidade do Salvador; membro fundador da Academia de Letras e Artes do Salvador – ALAS,
titular da Cadeira 18, que tem como patrono o urbanista Mário Leal Ferreira; sócio permanente do Instituto
151

Santa Casa de Misericórdia e frequentador das missas dominicais da Igreja de Santo Antônio
da Mouraria, ao lado de sua esposa Terezinha.
A “bela Terezinha”, de quem ele fala com tanta admiração, era muito católica e devota
de Santo Antônio e, por isso, frequentava a dita Igreja, levando-o a frequentá-la também.
Casado há 61 anos, viúvo há um ano, Paulo Segundo (89 anos) contou, em entrevista
concedida à autora deste estudo, realizada no dia 1º de julho de 2014, que se sensibilizou com
o estado de degradação em que se encontrava a Igreja e que, atendendo ao pedido de sua
amada Terezinha, conversou sobre ela com seu amigo Mario Kertész, em 1986, o qual
prontamente se dispôs a ajudar, pois as políticas e recursos estavam voltados para este fim,
como divulgado durante a campanha para as eleições em 1985.
Com o apoio do amigo, Paulo Segundo da Costa desencadeou uma campanha em
parceria com a comunidade devota do orago da Igreja pela restauração do monumento,
mobilizando a vizinhança, firmas e alguns escritórios de engenharia, que faziam parte da sua
rede de amizades.
Assim, no dia 9 de agosto de 1987, o Jornal A Tarde anunciava: “Igreja da Mouraria
recupera-se”, descrevendo a restauração geral pela qual passou a Igreja de Santo Antônio da
Mouraria. Foram realizados serviços no telhado, forros, paredes, portas, janelas e pisos,
pinturas externas e internas. Os altares foram totalmente recuperados e as imagens
restauradas. A fachada foi recuperada e, nessa ocasião, o forro atrás do altar foi totalmente
reconstruído, pois as peças estavam muito danificadas pela ação dos cupins e não foi possível
sua recuperação. A matéria ressalta que as obras ocorreram graças ao engenheiro Paulo
Segundo da Costa, secretário do Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador, que se tornou o
grande benemérito da Sociedade São Vicente de Paulo, com o apoio do prefeito Mário
Kertesz, “[...] de modo que a Prefeitura bancou todo o serviço de escoramento e doou parte
dos materiais para as obras” (IGREJA..., 1987). O IPAC colaborou na recuperação das
pinturas artísticas, e duas empresas privadas garantiram o restante do custeio das obras, sob a
promessa de que seus nomes não fossem divulgados. Com o apoio da comunidade local e do
ex-prefeito Osvaldo Veloso Gordilho, a obra já ultrapassava o orçamento estipulado de 250
mil cruzados, com probabilidade de alcançar os 400 mil cruzados.
A Igreja foi entregue de volta aos fiéis em 27 de setembro daquele ano, “a data foi
escolhida para marcar a posse do novo arcebispo de Salvador, D. Lucas Moreira Neves”,

Geográfico e Histórico da Bahia; membro permanente do Instituto Genealógico da Bahia. Tem três livros
publicados sobre a história da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e a biografia do ex-Governador da Bahia, sob
o título de Octávio Mangabeira: Democrata Irredutível.
152

como anunciou A Tarde (MOURARIA..., 1987), convocando todos para a missa, que foi
realizada às 8:30h, na Igreja da Mouraria totalmente restaurada, e chamando a atenção para o
exemplo da iniciativa dos fiéis, pois muitas outras igrejas permaneciam em estado de
abandono.
Durante a entrevista, Paulo Segundo relatou detalhes, doações e acontecimentos
ocorridos durante a execução das obras. Quanto à configuração dos ambientes, ele afirmou
que permaneceu a mesma, muito embora não existam plantas nem registros do projeto, o que
impossibitou a construção da evolução arquitetônica do monumento durante esse período.
Consciente, mesmo após ter sofrido o derrame que lhe tirou os movimentos do lado direito do
corpo, o engenheiro contou sua história, falou de suas fragilidades e disse que aguardava
ansioso, envolto em muitos cuidados, o momento de reencontrar a sua “bela Terezinha”, a
qual apontou, carinhosamente, na imagem localizada no quadro acima da cabeceira de sua
cama, na mesma Rua Boulevard 114, Tororó4.
O lado oposto ao Tororó, outra transveral da Avenida Joana Angélica, é ocupado pelo
comércio. Em abril de 1988, o Jornal Tribuna da Bahia denuncia: “Em cada porta, uma casa
de comércio”.
Sobre a Rua do Paraíso, a matéria (EM CADA PORTA..., 1988) sinaliza que “[...]
bem poderia ser chamada de paraíso dos comerciantes”, devido à quantidade de pontos
comerciais existentes na área (bares, clínicas, lojas, restaurantes, motolanche, jogo do bicho,
salão de beleza, casa lotérica, residências, entre outros).
Era um prenúncio do que, cada vez mais, se aproximava da Mouraria, tanto que, em
julho do mesmo ano, a Tribuna da Bahia (HABITAR..., 1988) chama a atenção para a forte
vocação comercial já anunciada, pois havia um público-alvo crescente, com grande número
de colégios na área. Outro fator agravante para a desqualificação do lugar foi a ocupação das
ruas largas para o uso de estacionamento de veículos, contributo para a retirada do sossego da
Mouraria, além do aumento da violência, segundo relatos de A Tarde: “[...] casos de assaltos e
arrombamentos ocorrem contra moradores e casas comerciais, ou simplesmente por quem
circula na área”(VIOLÊNCIA..., 1992). Entre os relatos dos antigos moradores de Nazaré,
está o de D. Olga Pereira Mettig, que descreve as mudanças que presenciou (apud PEREIRA,
1994, p. 44):
O bairro de Nazaré era um bairro muito agradável, muito familiar. Nessas
ruas todas, Rua do Carmo, Rua do Tingui, Rua da Mangueira, Rua da
Mouraria eram familiares, eram casas, não eram espigões. Agora que

4
O Engenheiro Paulo Segundo da Costa realizou seu desejo e partiu ao encontro de sua amada em 12 de maio
de 2015 (Ver Anexo).
153

estamos vendo surgir esses apartamentos, por exemplo: a Rua da Mouraria,


que eu considero bem agradável, não é? Nós temos várias casas ali, casas até
bonitas, mas todas agora transformadas em comércio.

O intenso fluxo de pessoas na área, dada a quantidade de cursos e colégios


concentrados entre a Piedade e Nazaré contribuiu, de maneira incisiva, para a expansão
comercial que se foi alastrando mansamente pela Avenida Joana Angélica, sem poupar nem
os edifícios religiosos, que testemunharam sua fundação.
Em 1998, outro inventário ocorreu na Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Era o
Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados da Bahia, patrocinado pelo Ministério da
Cultura, no qual todas as imagens, pinturas e móveis foram inventariados, cadastrados e
registrados, no intuito de salvaguardar os bens móveis (IPHAN, 1998). Não houve nenhum
tipo de informação que acrescentasse dados à conformação dos ambientes nesse período,
exceto pelo fato de haverem publicado na capa do relatório a imagem da fachada da Igreja
(Figura 55), com indicação do acesso ao Edifício da SSVP.

Fig. 55 – Fachada da Igreja Santo de Antônio da Mouraria.


Fonte: Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados da Bahia (IPHAN, 1998).

4.2 O COMÉRCIO AGARRA

No início do século XXI, as garras do comércio claramente já haviam alcançado a


Mouraria. O estudo dos projetos encontrados no Arquivo Público da Bahia com pedido de
154

remodelação de fachadas, desde o início do século XX, corrobora a percepção da expansão


comercial sobre a Mouraria, sem respeitar nem mesmo a Igreja.
Após a digitalização, o registro e a vetorização dos projetos, foram efetuadas visitas
em campo, para investigar e documentar as características que se mantiveram ou se
transformaram, ao longo do tempo, pari passu com a cidade e a Igreja de Santo Antônio da
Mouraria, como corrobora o jornalista José Augusto Berbert de Castro, em depoimento a
Pereira (1994, p. 43):

Logo depois da guerra, com a chamada Revolução Urbana, a moda dos


edifícios começou. Foram comprando aquelas casas tradicionais,
derrubando, fazendo edifícios no lugar, e começou essa involução urbana
que acabou com Nazaré. Hoje (1994, época do depoimento) já não é um
bairro residencial e sim comercial. Com um trânsito intensíssimo na Avenida
Joana Angélica e se tornou inabitável, só mora lá quem habita em edifício de
apartamentos ou porque não tem para onde ir. [...] casa residencial não
aguenta a concorrência do comércio, acha preço elevado para o aluguel e
tem que ir embora.

A residência nº 34 foi apresentada à Secretaria de Educação e Saúde, através do


Departamento de Saúde Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo
Engenheiro Bernardo Luiz da Silveira Santos, para reconstrução do prédio em 1933. A
residência apresenta-se digitalizada e vetorizada em AutoCad, na Figura 56a e b. Mais
adiante, na Figura 57, a imagem em 2014, revela a descaracterização que avança, na
Mouraria. Agora, a edificação apresenta um pavimento superior, novas aberturas e ocupada
pela clínica Otorrino Salvador.

Fig. 56a – Projeto da Residência Nº 34, em 1933.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa 4124 – Maço180: Doc. 2143.
155

Fig. 56b – Fachada da Residência Nº 34, em 1933 - Digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

Fig. 57 – Fachada da Residência Nº 34, em 2014.


Fonte: Arquivo da autora (2014).
156

A residência nº 3 foi apresentada à Sub-Secretaria de Saúde e Assistência Pública,


através da Diretoria de Engenharia Sanitária, pelo Engenheiro Isaías de Souza Vieira, para
remodelar a fachada da propriedade, assoalhar alguns cômodos, consertar portas, janelas e
pés-direitos, em 1926. Os desenhos digitalizados das Figuras 58a e 58b registram o estado de
conservação do imóvel, que obteve autorização para executar as obras em junho do mesmo
ano. Muito embora, o uso tenha permanecido como residencial, a Figura 59, registrada em
2014, demonstra a inserção de dois novos pavimentos, ocupados por pessoas da mesma
família.

Fig. 58a – Projeto da Residência Nº 03 em 1926.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa 4093 – Maço132: Doc. 11

Fig. 58 b – Fachada da Residência Nº 03, em 1926 – Digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).
157

Fig.59 – Fachada da Residência Nº 03, em 2014.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

A residência nº 74 foi apresentada à Secretaria de Saúde e Assistência Pública, através


do Departamento de Saúde Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo
Engenheiro Praxedes Antônio de Oliveira, para remodelação de fachadas e construção de
dependências, em 1927. Os desenhos digitalizados das Figuras 60a e 60b registram o projeto
apresentado. A Figura 61 retrata a residência, na visita de campo efetuada em 2014, com o
acréscimo de uma sacada, mas o uso ainda se mantém como residencial. Inclusive, nos
deparamos com uma das moradoras entrando na casa, vestida com o hábito de freira e, ao ser
abordada, revelou ser freira do Convento do Desterro e que o imóvel pertencia a esta
instituição e era utilizada como dormitório das clarissas que vem de conventos de outras
cidades.
158

Fig.60a – Projeto da Residência Nº 74, em 1927.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa 4098 – Maço139: Doc. 460.

Fig.60b – Fachada da Residência Nº 74, em 1927 - Digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).
159

Fig.61 – Fachada da Residência Nº 74, em 2014.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

A residência nº 59 foi apresentada à Secretaria de Educação e Saúde, através do


Departamento de Saúde Pública da Bahia, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo
Engenheiro Miguel José Vaz, para remodelar as fachadas do prédio, em 1935. As figuras que
seguem (62a, 62b) relatam os documentos encontrados no Arquivo Público do Estado e logo
em seguida a vetorização dos mesmos, para melhor vizualização.

Fig.62a – Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa 4131– Maço197: Doc. 2609.
160

Fig.62b – Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935, digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

Nesta residência, as fachadas pouco foram modificadas, exceto por uma janela na
fachada frontal, que tornou-se porta, provavelmente para alugar a algum tipo de comécio. No
entanto, encontrou-se a residência fechada, não abandonada, recém pintada, com placa de
“aluga-se”, como pode ser visto nas Figuras 62 a 65.

Fig.63 – Fachada Lateral da Residência Nº 59, em 2014 .


Fonte: Arquivo da autora (2014).
161

Fig.64a – Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa 4131– Maço197: Doc. 2609.

Fig.64b – Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935- Digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).
162

Fig.65 – Fachada da Residência Nº 59 em 2014.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

A residência nº 80 foi apresentada à Secretaria de Educação e Saúde, através do


Departamento de Saúde, na Inspetoria de Engenharia Sanitária, pelo Engenheiro e proprietário
Waldomar Guena Mello, para a construção de dependências, em 1939. Infelizmente, não foi
encontrado o registro da fachada, apenas os cortes que seguem apresentados nas figuras 66 a
67, que por dedução conclui-se que, provavelmente, permanecem os mesmos usos, apenas
com acréscimos de portão para garagem e retirada da sacada.

Fig.66a – Cortes da Residência Nº 80 em 1939.


Fonte: Arquivo Público da Bahia – Caixa4147 – Maço 240: Doc.3873.
163

Fig.66b – Cortes da Residência Nº 80 em 1939 - Digitalizada em AutoCad.


Fonte: Arquivo da autora (2014).

Fig.67 – Fachada da Residência Nº 80 em 2014.


Fonte: Arquivo da autora (2014).
164

A construção do estudo sobre o entorno da Igreja da Mouraria levou à análise da


descaracterização das residências na área, comprovando o avanço do domínio do comércio
relatado nas pesquisas. A culminância deste avanço é a absorção comercial até da Igreja, que,
vinte anos após a restauração executada pelo engenheiro Paulo Segundo da Costa, se
encontrava, novamente, em perigoso estado de degradação.
Por essa razão, a Sociedade São Vicente de Paulo, na administração do advogado
Paulo Nascimento (2008-2012), se articulou com o Movimento Familiar Cristão – MFC, para
trazer as obras do COFAM5 para funcionar no edifício vicentino, anexo à Igreja. Mais uma
vez, seria consolidada a parceria, entre a Igreja da Mouraria e a Santa Casa de Misericórdia.
Esse envolvimento foi constatado, ao longo das pesquisas: desde o século XVIII, entre o
Conde de Sabugosa e a criação do Asilo dos Expostos; no século XIX, com Antônio de
Lacerda, como mordomo do Asilo dos Expostos e Presidente da Sociedade São Vicente de
Paulo; no século XX, com a articulação entre a Sociedade São Vicente de Paulo e Amélia
Rodrigues, Superiora do Asilo dos Expostos; e, no século XXI, com a articulação da
transferência do COFAM para o anexo da Igreja. A Figura 68 assemelha-se à fachada
encontrada em 2008, quando foram iniciados os trabalhos de cadastro e remanejamento do
layout do edifício anexo, para a mudança do COFAM para a Mouraria.

Fig. 68 – Fachada da Igreja Santo Antônio da Mouraria. Salvador, 2006.


Fonte: < http://www.panoramio.com/photo/10073100 >.

5
Centro de Orientação Familiar da Bahia. Para saber mais, visite o site oficial: < http://www.cofam.org.br >.
165

A Igreja, nesse momento, possuía a fachada branca, com adornos em tom de amarelo,
e o o edifício anexo trazia o letreiro, que indicava a presença da Sede do Conselho
Metropolitano Bahia-Sergipe da SSVP, em Salvador. O adro da Igreja era conectado com o
pátio do edifício por um portão na lateral do gradil.
Esse acesso, porém, só ocorria através do portão principal da Igreja, ou pela entrada
lateral do edifício, na Avenida Joana Angélica. Assim, o sóbrio e imponente monumento
descansava na paisagem às margens das garras do comércio.
A associação com o COFAM proporcionou alguns consertos no telhado da Igreja, mas
a Irmandade recebeu a proposta de aluguel das salas do edifício anexo. Sendo assim, em
2010, o anexo da lateral norte foi alugado para a instalaçao de uma loja de roupas populares, e
o andar superior foi transformado em fábrica de roupas para essa loja. A expansão comercial
não poupou, nem mesmo, a Igreja, pois até o adro foi ocupado, como demonstram as Figuras
69 e 70. Na lateral esquerda da fachada da Igreja, pode-se perceber o revestimento em
argamassa de cimento, envolto na torre sineira, aplicado a mando do locatário, que
transformou os ambientes sagrados em loja de roupas, sem nenhum critério discutido ou
avaliado junto aos órgãos responsáveis e, aparentemente, à revelia dos responsáveis da SSVP.

Fig. 69 – Fachada da Igreja de Santo de Antônio da Mouraria em 2010-2012.


Fonte: Arquivo da autora.
166

Fig. 70 – Vista da Igreja de Santo de Antônio da Mouraria em 2010-2012.


Fonte: Arquivo da autora.

Entretanto, o fato é que a ocupação dos ambientes por equipamentos comercias desse
porte descaracterizou por completo o monumento e colocou em risco o patrimônio, impondo
às instalações carga elétrica não prevista, muito menos projetada para tal, tornando-se um
perigo para o quarteirão, em caso de sinistro, pois a instalação deste uso encontra-se
completamente fora das normas de segurança, além de destoar completamente da lógica da
caridade e das obras sociais, proposta pela filosofia vicentina, ao ser convidada a Sociedade
São Vicente de Paulo para ocupar a Capela, em 1894.

4.3 AS INVESTIGAÇÕES E O DIAGNÓSTICO

Em 2010, os vicentinos me convidaram para realizar obras de manutenção em caráter


emergencial na Igreja, cujos ambientes, naquele momento, estavam resumidos a: parte do
adro, nave, Capela-Mor, 2º Corpo da Igreja, Sacristia, torre sineira e pátio. Basicamente, era o
retorno à Capela primitiva, como demonstra a planta de evolução física do monumento na
Figura 71.
167

O Relatório de Estudos Básicos foi enviado aos vicentinos, com as considerações


realizadas pelo Projetista de Instalações Hidrossanitárias, Combate a Incêndio e Pânico, Davi
Levingston Andrade Leão Júnior (CREA: 39.882/AP)6, com o intuito de evitar a ocorrência
de algum sinistro. Para isso, foram recomendadas as seguintes medidas emergenciais:
 Vistoria e reparos no telhado, nas calhas e rufos;
 Escoramento do coro, com apoios verticais;
 Troca das lâmpadas incandescentes por lâmpadas frias;
 Vistoria e reparos em toda a fiação; com a troca de interruptores e tomadas;
 Aquisição de 4 extintores portáteis de pó, com capacidade extintora 2-A:20-
B:C para o combate de fogo das classes A, B, e C, com 4kg de carga;
 Limpeza geral no imóvel;
 Remoção de todo e qualquer cartaz da superfície dos painéis de azulejos.
Em reunião com a SSVP, as recomendações foram discutidas, acatadas e, em parte,
atendidas, de acordo com os recursos disponíveis.
Nas plantas cadastradas, foram assinalados, em cores diferentes, os usos a que estão
submetidos os espaços físicos da Igreja, administrada pela Sociedade São Vicente de Paulo,
no ano de 2010. Na legenda, os números correspondem à identificação de cada ambiente.

6
Este trabalho é dedicado “à vida, inverta” – significa: dedicado a Davi (1973-2012), que se fez presente em
cada momento desta jornada.
168

Fig. 71 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (2011).


Fonte: Arquivo da autora (2011).

Em amarelo, a Irmandade mantém os espaços religiosos, utilizados pela ordem: Adro,


Nave, Capela-Mor, Sacristia, 2º Corpo da Igreja, Pátio, Coro e Torre sineira. Em rosa, o
Centro de Orientação Familiar – COFAM e suas salas de atendimento psicológico e social às
famílias carentes, ligados à Santa Casa de Misericórdia.
O lilás delimita a ocupação da loja de roupas populares no pavimento térreo. No piso
superior, funciona a fábrica de roupas, ambiente que isolou o acesso à Tribuna e ao Coro da
Igreja; ainda no pavimento superior, está a sala de administração dos Vicentinos, com acesso
apenas pela Igreja. E as instalações do COFAM são separadas da fábrica por uma divisória
em madeira comum.
Em 2011, a relação com a Igreja de Santo Antônio da Mouraria estreitou-se, após a
indicação da orientadora deste estudo para tornar a Igreja o objeto de pesquisa do mestrado,
em vista da dedicação aos trabalhos realizados. Isso deu origem à pesquisa histórica, para
compreender suas transformações e como tais relações foram percebidas e integradas ao
monumento, ao longo do tempo.
Assim, foi iniciada a realização do diagnóstico das patologias existentes com a
utilização das tecnologias de registro e investigação do patrimônio. Algumas delas foram
apresentadas no Seminário Nacional sobre Documentação do Patrimônio Arquitetônico com
Uso das Tecnologias Digitais (ARQDOC2012), em Belém do Pará, quando se reafirmou a
importância da interdisciplinaridade no desenvolvimento da pesquisa técnico-científica,
voltada para o patrimônio (LEÃO; MAGALHÃES, 2012).
Com esse intuíto, alguns aspectos foram determinantes para a compreensão da Igreja e
suas transformações: a tecnologia para registro da memória, proporcionando experimentos
digitais; a metodologia e a tecnologia de investigação e caracterização dos materiais,
associadas ao levantamento histórico, para compreensão do desenvolvimento arquitetônico do
169

conjunto, oferecendo subsídios para a execução do diagnóstico das patologias existentes na


Igreja.

4.3.1 Tecnologia para Registro da Memória: Experimentos Digitais

O registro do monumento constitui-se de elementos fundamentais para o completo


conhecimento da edificação, desenvolvendo-se em várias fases. Os principais métodos de
levantamento das formas arquitetônicas, desenvolvidos e utilizados até o momento, são: a
medição direta, os métodos topográficos, o 3D Laser Scannig terrestre, a fotografia e a
fotogrametria terrestre.
Desse modo, as técnicas utilizadas para registrar a Igreja da Mouraria variaram das
mais rudimentares, como o croqui para iniciar o levantamento cadastral7, através da medição
direta, até experimentos com Fotogrametria Digital, associados ao Auto Cad, 1,2,3D Cash,
Revit Architecture e Sketch Shapes, para a construção tridimensional do edifício, ora em vista
interna, reproduzindo técnicas de revestimento, ora externamente, além da produção de vídeo
amador das atividades cotidianas ocorridas no monumento e das principais manifestações
culturais, que o tornam único na paisagem e na memória coletiva.

 Fotogrametria Digital

A fotogrametria é uma técnica que permite extrair das fotografias as formas, as


dimensões e as posições do objeto (GROETELAARS, 2004). Para o cadastramento da
fachada principal da Igreja da Mouraria, foram utilizadas as técnicas aprendidas no curso de
Fotogrametria Digital8, com a utilização do software PhotoModeler Scanner (2011), as quais
geraram informações métricas e representações gráficas, a partir de fotografias realizadas no
local em que está situada a igreja, além da tentativa de criação do modelo geométrico
tridimensional simplificado, com a aplicação de fototexturas, fotos retificadas e ortofotos.
Neste sentido, apresenta-se a fachada da Igreja vetorizada em AutoCAD (2011) na
Figura 72, cujo mosaico de fotos da fachada principal foi utilizado para compor o seu
desenho. Entretanto, os dados extraídos nas ortofotos saíram incompletos para a vetorização,
devido à quantidade de informações distorcidas, em decorrência dos toldos que ocupam o
adro da Igreja, o que foi resolvido com medição direta.

7
O levantamento cadastral inclui a representação gráfica do objeto através de esboços cotados e/ou fotografias.
8
O Curso de Extensão sobre Fotogrametria Digital foi realizado no LCAD, na Faculdade de Arquitetura da
UFBA, em 2011.
170

Fig. 72 – Fachada principal da Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Arquivo gerado a partir do
PhotoModeler Scanner (2011) e desenhado em AutoCAD (2011).
Fonte: Arquivo da autora (2011).

O levantamento fotogramétrico envolveu duas etapas principais: a aquisição e


preparação das imagens e dos dados; e o processamento para obtenção dos produtos. A
tomada de fotografias em campo, principalmente daquelas do telhado da Igreja, retiradas do
prédio localizado em frente ao edifício, revelou a possibilidade da construção do modelo
geométrico tridimensional. Em função da poluição visual que afetou diretamente a visão dos
detalhes da fachada, foi necessária a restituição fotogramétrica a partir de nove fotografias
(Figura 73).

Fig. 73 – Modelo geométrico tridimensional da Igreja de Santo Antônio da Mouraria.


Fonte: Arquivo da autora (2011).
171

Nas nove imagens utilizadas no PhotoModeler, foram referenciados mais de


quinhentos pontos. No entanto, para a execução de um modelo geométrico tridimensional
mais completo, o experimento gerou resultados insatisfatórios, visto que a quantidade de
ruídos atribuídos aos toldos fez o arquivo entrar em processos cíclicos intermináveis, na
tentativa de identificação de pontos, sem haver a conclusão da rotina do sistema. Neste
sentido, foram testados outros softwares, a exemplo do 1,2,3D CASH e Revit.

 1,2,3D CASH e Revit

A partir do envio das fotos da Igreja e seu entorno para o ambiente do software 1,2,3D
CASH, foram observadas outras possibilidades de registrar os monumentos a partir de
processos menos complexo, nos quais o próprio programa encontra, sem o auxílio do usuário,
os pontos de conexões entre as imagens, possibilitando a montagem tridimensional gerada
com o conceito de nuvens de pontos9. A nuvem traz em si referências cruzadas, o que dá a
possibilidade de exportar o arquivo com extensão “.las”, proporcionando o reconhecimento da
nuvem de pontos por programas associados à plataforma BIM10.
Nas Figuras 74 e 75, apresentam-se os primeiros resultados deste experimento com a
nuvem de pontos já inserida e reconhecida no Revit Architecture 2012.

Fig. 74 – Nuvem de pontos da Igreja de Santo Antônio da Mouraria exportada do software 1,2,3D
CASH.
Fonte: Arquivo da autora (2011)

9
Nuvens de pontos (point-clouds) surgem principalmente como dados de saída de scanners 3D.
10
A modelagem de informações da construção (BIM) estabelece a comunicação entre as equipes ampliadas de
projeto.
172

Entretanto, os mesmos ruídos ocorridos no PhotoModeler foram verificados no Revit,


com grande perda da identificação de determinados trechos do modelo, por conta das
interferências causadas pelos toldos que recobrem o adro da Igreja, na conformação da loja de
roupas. Tendo em vista a descaracterização física do monumento, há que se lidar também com
sua descaracterização digital, em face dos resultados dos experimentos, os quais eram os mais
esperados para o modelamento tridimensional.

Fig. 75 – Modelo geométrico tridimensional da Igreja de Santo Antônio da Mouraria no Revit


Architecture 2012.
Fonte: Arquivo da autora (2011)

Muito embora não tendo alcançado os objetivos, ressaltam-se, na produção desses


modelos, as possibilidades do uso e denvolvimento das novas tecnologias voltadas para a
investigação e o registro da memória das técnicas e dos monumentos que compõem o
repertório histórico da cidade, atraindo novos agentes para a defesa do patrimônio.

 Produção de vídeo para registro das manifestações culturais

O levantamento cadastral constatou que a edificação sofreu várias alterações ao longo


do tempo, mas o lugar de oração e devoção a Santo Antônio permaneceu, evidenciado pela
presença dos azulejos da época do Conde de Sabugosa. No interior do templo, outros ares
foram percebidos, como se a porta principal fosse um portal que eleva os sentidos a outra
dimensão. A duração do espaço religioso se revela na relação harmoniosa do jogo de luz e
sombras, associado à disposição dos elementos arquitetônicos na nave e capela-mor,
173

eclodindo, em cada detalhe arquitetônico, os ecos relatados de um tempo, que foram


registrados e editados em vídeo, na tentativa de promover e salvaguardar a manifestação
cultural intrínseca ao monumento.
Mattoso (1992) relata os festejos, que se iniciavam no primeiro dia da trezena de Santo
Antônio e se estendiam até 29 de junho. As rezas aconteciam nos templos, assim como nos
lares, com a imagem de Santo Antônio disposta em altares floridos, cada dia com uma
intenção e um patrocinador para as comidas e bebidas distribuídas como forma de promessas,
para obtenção de milagres e bênçãos, ou de simples agradecimento. Na culminância, realizada
no 13º dia de orações a Santo Antônio, uma procissão era realizada no entorno dos templos
católicos que possuem essa evocação, com a presença de toda a comunidade entoando
cânticos e carregando velas acesas. Nesses dias, havia farta distribuição de pães, que o
imaginário popular revela acrescentar ao pote da farinha, em suas casas, para que o orago lhe
conceda a bênção de que nunca falte o alimento, atualizando-se a cada ano na trezena.
Houve época em que bandas militares, fogueiras, bandeirolas e quermesses faziam
parte das comemorações na Igreja da Mouraria. Atualmente, apenas missas comemoram a
data. A devoção a Santo Antônio sempre promoveu para a Igreja sucessivas obras: pinturas
nas paredes e no madeiramento, douramentos e pinturas nos altares, nas imagens, decoração
com flores, tecidos e fitas, como forma de pagamento de promessas.
O curso sobre Visões Urbanas organizado por Francisco Costa (2009) despertou o
filmar para ver o objeto de estudo de cada aluno no mestrado em 2012. A proposta foi criar
um vídeo cotidiano com o roteiro definido por parâmetros estudados em cada aula. Assim,
surgiu o vídeo experimental para documentação dos aspectos subentendidos do cotidiano do
monumento, sob a ótica da percepão:
1. Tema: O “pão de Santo Antônio da Mouraria”: alimento do corpo e da alma/rito
que preserva o lugar da espiritualidade na diversidade da Mouraria.
2. Argumento: O ritual de doação e distribuição do “pão de Santo Antônio” nas
missas da Igreja da Mouraria toda terça-feira, dia de Santo Antônio, há 286 anos, chamou a
atenção para as transformações e permanências do patrimônio histórico construído, vinculadas
à sociedade, ao rito cristão e às tradições culturais como fator determinante para sua
preservação ao longo do tempo.
Qual a origem dessa tradição, quem participa das missas, quem doa e quem recebe o
pão, quais os significados e como o pão é produzido, são questões que se apresentaram de
maneira sinuosa, mas que tornam a percepção do tempo sobre a Igreja da Mouraria instigante.
174

3. Sinopse: Na Igreja da Mouraria, passado e presente se unem para apontar um futuro


que precisa ser diferente do caminho que se pressente: o caminho da descaracterização, da
perda e da destruição do patrimônio e de tudo que nele permanece.
O objeto central do documentário foi a distribuição dos pães na missa de Santo
Antônio, às terças-feiras, 8 da manhã, e que se espraia pelos cantos da rua, das casas, das
calçadas, na ida e na volta da missa. O antes e o depois fazem parte das filmagens e do desejo
de compreender e documentar os significados do pão distribuído.
O “pão de Santo Antônio” é uma herança cristã baseada no cuidado com o próximo,
na aplacação das diversas necessidades do homem – carnais e espirituais. A sucessão de
eventos e as confrarias, que administraram a Igreja, transformaram seus espaços, modificaram
a fachada, os materiais, os acessos, mas o lugar de oração e o ritual do pão se mantiveram,
tornando o edifício referência de caridade e amor ao próximo dentro do tecido urbano diverso,
conturbado, com todos os conflitos contemporâneos que o centro de Salvador oferece.
Drogas, prostituição, esvaziamento, desvalorização, trânsito e comércio impõem um segundo
plano ao edifício histórico e suas permanências. O que resta do pão e como ele se apresenta na
relação com o patrimônio e com a sociedade é o que se pretendeu flagrar e registrar, como
documento de entendimento do patrimônio.
4. Roteiro técnico: O documentário ocorreu nos arredores, no exterior e no interior da
Igreja de Santo Antônio da Mouraria, em tempos distintos. Foi realizado através de fotos,
filmagens, entrevistas, pausas e acasos.
Nas proximidades, funcionam padarias que doam o pão para a missa. Há uma maneira
diferente de produzi-lo? O que sente quem doa o pão e por que doa?
Quem vem de longe receber o pão?
Quem está perto e não vai à Igreja?
Uma porção de mendigos, drogados, se aproxima da Igreja nos dias de missa, e como
acontece esse convívio com os fiéis?
Quem passa e nem reconhece o edifício como igreja, ou quem passa e faz o sinal da
cruz, ou quem a vigia diariamente das janelas dos prédios em frente?
Como o edifício é percebido e identificado na paisagem, de portas abertas à missa e de
portas fechadas?
O documentário ainda é um enigma, pois foram muitos os questionamentos: como a
vida de Santo Antônio, a origem da distribuição dos pães, seu significado, como tudo isso se
disseminou como costume cristão, como é interpretado no sentido de patrimônio imaterial e
175

como se relacionam, com o patrimônio edificado, o lugar, as pessoas, o rito, o tempo passado,
o presente, os atrasos.
Como já foi dito, o filme já começou faz tempo (quase trezentos anos!), só restando
agora compreendê-lo e registrá-lo11.

4.3.2 Tecnologia para Registro da Memória: Análise, Investigação e Caracterização dos


Materiais

Compreender a imanência do tempo diante dos monumentos na paisagem urbana


proporcionou o desenvolvimento de uma metodologia investigativa para o reconhecimento do
patrimônio também no âmbito arqueológico, a partir da observação dos detalhes e
questionamentos encontrados no registro da edificação. Para realizar a análise, a investigação
e a caracterização dos materiais, foi produzido um modelo de ficha catalográfica que norteou
as fases de investigação, seja in loco ou em laboratório, proporcionando maior domínio sobre
as sobreposiçoes temporais encontradas no edifício e contribuindo para a construção da
evolução arquitetônica do monumento ao longo do tempo.

4.3.2.1 Fichas Catalográficas do estado de conservação da Igreja

As imagens mnemônicas se constituem em importante ferramenta de acesso à


memória, demonstrando, à primeira vista, o valor de antiguidade de uma construção, pelo seu
aspecto não moderno (RIEGL, 2006). A partir desse princípio, o levantamento fotográfico
realizado na Igreja da Mouraria, sob a perspectiva arqueológica, para a compreensão das
sobreposições temporais nos elementos arquitetônicos, resultou em importante instrumento de
carater documental para ir além da atribuição de valor de antiguidade.
O registro preliminar do estado de conservação da Igreja promoveu o reconhecimento
inicial das principais patologias que afetavam o monumento, complementando a produção de
trinta fichas que catalogaram os principais danos da passagem do tempo sobre os artefatos
constituintes da Igreja e, por conseguinte, sobre o conjunto arquitetônico em que está inserida.
Essas fichas são apresentadas como imagens mnemônicas dos detalhes de um tempo nos
apendices deste trabalho.

11
O vídeo experimental encontra-se nos Apendices.
176

A identificação desses dados (Quadro 4) também contribuiu para sinalizar os locais


adequados para a realização dos ensaios in situ e coleta de materiais para os ensaios no
laboratório12, do mesmo modo que ofereceu subsídios para as interpretações posteriores
relacionadas à ocupação do edifício. O Quadro 4 identifica o conteúdo das fichas produzidas.

Quadro 4 – Identificação das fichas do levantamento fotográfico das patologias e danos dos elementos
que constituem a Igreja da Mouraria
Ficha Ambiente Elemento
1 Portão de acesso / Gradis
2 Escadas
ADRO
3 Piso
4 Paredes
5
Paredes
6
7
FACHADA Ornamentos
8
PRINCIPAL
9 Porta externa – 01 (lado esquerdo)
10 Porta principal
11 Porta externa – 02 (lado esquerdo)
12 Telhado/Calhas
COBERTURA
13 Estrutura de madeira
14 PÁTIO Tubulação pluvial/Piso/Paredes
15 Piso
16 Parede lateral direita
17 Parede lateral esquerda
18 Parede tardoz da fachada
19 NAVE Tribuna e púlpito
20 Coro
21 Forro sob o Coro
22 Forro
23 Arco-cruzeiro/Retábulos laterais
24 Piso
ALTAR-MOR
25 Retábulo/Forro
26 2º CORPO DA IGREJA Paredes/Forro
27 Piso/Paredes
SACRISTIA
28 Forro
ADMINISTRAÇÃO
29 Escada de acesso/Instalações
SSVP
30 SÓTÃO Escada de acesso/Sino

Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – Diagnóstico e Análise das Patologias, produzidos em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I – FAUFBA.

12
Esses documentos encontram-se nos Apêndices: Caracterização física e química dos materiais.
177

As fichas apresentam a imagem do elemento arquitetônico, o ambiente em que ele está


situado, a descrição do seu estado de conservação e a avaliação de possíveis causas dos danos
observados. O modelo da ficha foi desenvolvido em conjunto com a engenheira civil Ana
Cristian de Magalhães, mestre em Conservação e Restauro pela UFBA, com a supervisão do
Professor Mário Mendonça de Oliveira, arquiteto e historiador, com especializações em
Conservação e Restauro do Patrimônio nas Universidades de Pisa, Florença e Roma.

4.3.2.2 Localização da Coleta de Dados para Análises

Do ponto de vista histórico, a caracterização dos elementos construtivos antigos é


fundamental, pois fornece subsídios bastante úteis para a avaliação do estado de conservação
desses materiais, além de permitir a elaboração de registros quanto a sua possível constituição
e suas características, antes que desapareçam por completo os vestígios das tecnologias
tradicionais. No entanto, existem ainda algumas dificuldades na avaliação das características
físicas e mecânicas dos materiais, tendo em vista que, muitas vezes, é impossível extrair
amostras em grandes quantidades e dimensão suficiente para a realização de determinados
ensaios.
Na Igreja da Mouraria, os ensaios realizados sobre os materiais construtivos
objetivaram a avaliação mais rigorosa do seu estado de conservação, a partir da elucidação
das fichas descritivas. Esta etapa foi constituída de ensaios de caracterização in situ e de
laboratório, referidos no Quadro 5.

Quadro 5 – Ensaios realizados na Igreja de Santo Antônio da Mouraria


Material
Técnica/Instrumento Objetivo(s)
analisado
Medição simultânea da umidade
Termo-higrômetro
1 Ar ambiente relativa e da temperatura do ar
portátil
ambiente
Medição de umidade Avaliação da distribuição da
2 através do xilo- Madeira umidade na superfície da
higrômetro In situ madeira
Argamassa, Identificação e determinação
Teste de sais com
3 piso, rejunte semiquantitativa da concentração
tiras colorimétricas
de azulejo de determinado íon.
Averiguação do estado de
4 Endoscópio Madeira
conservação do material
5 Teor de umidade Argamassa Determinação do teor de
(método
178

gravimétrico) umidade
Indicação da presença de sais
Testes qualitativos
6 Argamassa solúveis (nitratos, cloretos,
de sais solúveis
sulfatos)
Determinação do traço mais
7 Traço provável Argamassa provável em massa das
argamassas
Detecção da cor aproximada da
8 Cor dos finos Em Argamassa
fração fina da argamassa
laboratório
Determinação da granulometria
Análise
9 Argamassa do agregado das argamassas após
granulométrica
ataque ácido e remoção dos finos
Observação ao
Argamassa,
microscópio Diferenciação e caracterização
10 ladrilho
petrográfico (seção das camadas
hidráulico
polida)
Verificação qualitativa da
Telha
11 Permeabilidade passagem ou não de água através
cerâmica
da espessura da telha
Piso da
escada de Verificação do material de base:
Exame com ácido
12 acesso ao se é de origem calcária ou
clorídrico (HCl)
adro e piso do silicática
adro
Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – Diagnóstico e Análise das Patologias, produzido em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I – FAUBA.

Nas plantas abaixo (Fig.76), estão relacionados os ambientes selecionados para o


recolhimento das amostras e dos ensaios in situ, após uma avaliação preliminar do edifício,
nas fichas de reconhecimento das patologias e danos do monumento. Na Figura 77, está a
localização das amostras retiradas para os ensaios de laboratório.
179

Fig. 76 – Plantas com identifiação dos ensaios realizados in situ.


Fonte: Arquivo da autora (2011).

O estado de conservação dos materiais que constituem a Igreja da Mouraria é


diversificado, podendo considerar-se que um dos problemas mais notórios é a presença
excessiva de água nas paredes devido aos problemas detectados no sistema de drenagem
pluvial, que provoca diversas lesões no edifício, das quais a mais danosa é relacionada à
fragilidade dos materiais, quer seja madeira, argamassa, metal ou pedra. A presença de água
em excesso altera suas propriedades físicas e químicas, conduzindo à degradação. Alguns dos
problemas encontrados nas paredes interiores apontam para a existência também de água no
subsolo, que é transportada pelas paredes por capilaridade ascendente (Fig.78).

Figura 78– Descrição dos principais problemas que afetam o monumento, diretamente relacionados à
presença de umidade.
Fonte: Painel descrito pela autora (2011).
180

Fig. 77 – Planta com indicação dos locais de recolha de amostras para análise em laboratório.
Fonte: Mapa produzido pela autora (2011).
181

Portanto, eventuais problemas de manchas de umidade, destacamento de


revestimentos e eflorescências salinas podem estar diretamente relacionados com o excesso de
umidade, como demonstrado na Figura 78.
Identificar e corrigir as causas da umidade em excesso é, assim, de suma importância
para selecionar as medidas de conservação e restauro mais adequadas. Outros aspectos que
contribuem para a degradação dos materiais da Igreja se referem à senilidade e à falta de
conservação preventiva ou da mínima manutenção no prédio. O prosseguimento do estudo,
com a verificação da estrutura para que informe, com mais segurança, o seu estado de
conservação, fornecerá elementos adicionais para a preparação de recomendações técnicas
mais detalhadas para a intervenção no edifício. As intervenções a realizar na Igreja da
Mouraria deverão ter em conta a preservação dos seus elementos originais, com valor artístico
e histórico apreciável, devendo ser definidas rigorosamente segundo critérios científicos no
que se refere aos materiais e às técnicas de reparação a serem utilizadas. Além disso, o uso
das estruturas em anexo, como loja e fábrica, devem ser repensados, para garantir a segurança
do patrimônio.

4.4 NAS ENTRELINHAS: ILAÇÕES NO TEMPO

Salvador nasce fortaleza, cresce para lutar e se expande comercializando tudo: ruas,
casas e monumentos. Segundo Ulpiano de Menezes (2006), os usos culturais preteridos ao
cotidiano, abandonando os interesses dos habitantes do lugar, demonstram a presença forte do
mercado e dos interesses econômicos. Mas o que dizer quando os usos cotidianos que
permeiam os limites do lugar são comerciais e avançam agredindo os monumentos?
De fato, o uso e a efetividade das funções em benefício da coletividade é o que
legitima a preservação, em detrimento do abandono e desuso. Entretanto, a prática
internacional tem demonstrado que é preciso reconhecer, com maior clareza, a natureza
intrinsecamente social do objeto de proteção. Afinal, o espaço como fato cultural qualifica o
bem tombado, mas o que se percebe na Mouraria é o meio desqualificando o bem tombado.
Na relação vizinhança e patrimônio, a Igreja da Mouraria é um exemplo efetivo das
influências do meio.
Neste caso, o uso cotidiano do lugar, atrelado à descaracterização do monumento,
acarreta mais abandono, causando revolta na população que frequenta as missas. Se os toldos
182

e os tons de amarelo, aliados às propagandas da loja, já incomodavam os moradores desde a


implantação da loja em 2013, a pintura da fachada na cor verde trouxe um impacto ainda
maior, principalmente pelo fato de profissionais ligados ao restauro e à Universidade estarem
presentes nas atividades de conservação da Igreja e, em nenhum momento, serem consultados
a esse respeito. O conjunto arquitetônico vai ao pôr do sol em tom de amarelo e acorda com
banhos de tons esverdeados, como apresentam as Figuras 79 e 80.

Figura 79 – Fachada da Igreja de Santo de Antônio da Mouraria em 2013.


Fonte: Arquivo da Autora (2013).
Presenciar esse fato pôs em cheque a finalização deste trabalho, sem a documentação
da pintura em verde da fachada, aqui apresentada, considerada como uma agressão física, a
ponto de evidenciar o afastamento expressivo da equipe do projeto, na Igreja de Santo
Antônio da Mouraria, às margens da conclusão do trabalho.
No entanto, a experiência de ouvir os mais velhos fez toda a diferença. Assim, o Prof.
Mário Mendonça de Oliveira e a Profa. Odete Dourado relataram suas experiências e
descontentamentos, colocando o tom de verde como apenas mais um dado para a pesquisa,
sugerindo novas cores para o Verão de 2014, como um laranja mamão, por exemplo. Assim,
foi possível retomar a pequisa e enquadrar o verde e o comércio.
183

Figura 80 – Perspectiva da Igreja de Santo de Anônio da Mouraria em 2013.


Fonte: Arquivo da Autora (2013).

Por outro lado, as características iconográficas e ornamentais das imagens dos


Patronos da Igreja sinalizaram tradições ancestrais, a partir do conhecimento de suas histórias
de vida, descritas resumidamente no Inventário de Bens Móveis e Integrados da Bahia pelo
IPHAN, com o patrocínio do Ministério da Cultura, em 1998:

São José: Pai espiritual de Jesus, descendente da casa de Davi, sua profissão
era marceneiro, segundo os Evangelhos Canônicos. Por falta de maiores
detalhes nos textos oficiais foi definido quase sempre como homem de meia
idade, viril, de barba e cabelos longos. Seus atributos são o bastão florido,
que representa sua escolha como esposo da Virgem Maria e o Menino Jesus.
Santo Antônio: Chamado de Santo Taumaturgo Português, nasceu em
Lisboa em 1195, recebeu o nome de Fernando de Bulhões. Aos 15 anos
ingressou na Ordem Agostiniana e seguiu para Coimbra, onde assistiu a
chegada das relíquias dos martíres de Marrocos. Profundamente
impressionado, entrou na Ordem Franciscana e seguiu para o norte de
África. Doente e desviado por uma tempestade, chega à Itália, onde conhece
São Francisco e se destaca como grande pregador da ordem. Usa o hábito
marrom, com o cordão de três nós que representam a pobreza, a humildade e
a castidade. Seu principal atributo é o Menino Jesus sobre o livro no seu
braço esquerdo.
São Vicente: Nascido em 1576, foi pastor. Preso pelos corsários, fugiu para
Paris, depois de ser escravo em Temis. Fundou a Congregação da Missão
(Paulinos) e as Filhas da Caridade. Usa solidéu, a gola branca dobrada sobre
184

a batina, típico hábito de sua ordem religiosa. Traz o crucifixo e a palavra


Caritas que é o seu símbolo principal. (IPHAN, 1998).

Esse entendimento permitiu a compreensão das interligaçoes das irmandades que


cronologicamente se sucederam na ocupação da Igreja, e dos reflexos da tradição da caridade,
com a presença constante de pedintes e esmolas nas vizinhanças do templo.
Entretanto, essa observação fez ver a Igreja como o grande ponto de confluência
durante todos os séculos estudados, remetendo, mais uma vez, à Poesia do Encontro
(LUCINDA; ALVES, 2010). O contato com a beleza da obra e das relações humanas traz a
vida como a grande poesia de conflitos e de encontros. Parafraseando Rubem Alves, o lugar
do encontro, desde o seculo XVII, é a Mouraria.
Da Piedade ao Desterro, o meio do caminho ainda é a Mouraria. Na Igreja, ocorria o
encontro entre os frades, as freiras, os militares, os leigos, os intelectuais, os acadêmicos, indo
de Sabugosa aos grandes mestres da UFBA.
A percepção do tempo sobre a Igreja da Mouraria proporcionou vários encontros
fundamentais para a produção da dissertação. Porém, mais que a atividade acadêmica, esses
encontros, curiosamente, trouxeram à tona fortes vínculos com as atividades, triunfos e
fragilidades desenvolvidos no lugar ao longo do tempo.
A figura ilustre da educadora Amélia Rodrigues, diante das fragilidades humanas, opta
pelo bem. Observação que pode facilmente ser analisada nas petições do Asilo dos Expostos,
em 1915, as quais expõem as fragilidades humanas com as quais Amélia teve contato, os dois
lados da moeda, na roda: o agir e o arrepender, enquanto isso, os expostos eram tratados pela
Irmandade da Santa Casa.
Já o mordomo do Asilo dos Expostos, Antônio de Lacerda, descreveu, em carta ao
provedor da Santa Casa, sua preocupação com as crianças pobres e sem possibilidade de
educação e a falta de escola gratuita para meninas, dispensando a necessidade da Roda dos
Expostos. Esse fato foi vivenciado por Amélia Rodrigues nas petições dos expostos,
documentadas no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia, na Pupileira. Muito emocionam as
cartas expondo as fragilidades humanas, pois nos tornam mais humanos, mais vivos. Todas
essas percepções e análises resultaram no olhar para o próximo, como disse Antônio de
Lacerda (1873): “[...] a caridade é um segredo de Deus, a quem nada é impossível”. Como
expressa Bauman (2003):13

13
.Nessa entrevista especial, ele defende a literatura como forma de compreensão da condição humana e ataca os
“muros da academia” e a alienação dos intelectuais. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.
br/fsp/mais/fs1910200305.htm >. Acesso em: 18 out. 2012.
185

Creio que a experiência humana é mais rica do que qualquer de suas


interpretações, pois nenhuma delas, por mais genial e “compreensiva” que
seja, pode exauri-la. Aqueles que embarcam numa vida de conversação com
a experiência humana deveriam abandonar todos os sonhos de um fim
tranqüilo de viagem. Essa viagem não tem um final feliz, pois toda sua
felicidade se encontra na própria jornada.

Assim, através dessas ilações, pôde ser desenvolvido o Projeto Cultural VI-VER O
PATRIMÔNIO14, uma ação de salvaguarda do patrimônio cultural da Cidade do Salvador,
que atraiu a atenção internacional.
Desenvolvido e executado durante o mestrado, o projeto piloto vislumbra implantar a
educação para o patrimônio, na cidade. Sua essência está baseada em uma composição de
ideias voltadas para estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural da cidade e se tornar
mais receptivo a estabelecer consigo um diálogo em direção ao reconhecimento e à
conservação dos monumentos históricos, daí o Vi e agora: Ver o Patrimônio. O conceito foi
idealizado da seguinte forma: um monumento é posto em evidencia como objeto de estudo
para que cem jovens, selecionados em colégios públicos, desenvolvam sobre ele um olhar
diferenciado, sob a ótica de disciplinas estrategicamente articuladas para o reconhecimento, a
valorização, a conservação e o restauro do patrimônio.
Gestado desde o ano de 2010, a primeira edição do ‘Vi-Ver o Patrimônio’ só foi
realizada em 2013, patrocinada pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de
Cultura da Bahia, com uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia, o Colégio
Estadual da Bahia e a Sociedade São Vicente de Paulo. Esta última é a irmandade responsável
pela Igreja de Santo Antônio da Mouraria, o primeiro objeto de estudo.
Resultado da “poesia do encontro” realizado na Mouraria, esta ação multidisciplinar
abrange os conceitos de preservação do patrimônio a partir do reconhecimento e da
valorizaçao do indivíduo em seu lugar. Do micro ao macro e vice-versa, o Projeto apoia-se na
dinâmica da ‘modernidade líquida’, para atrair os jovens a olhar para ver e para VI-VER a
cidade em que vivem, buscando o entendimento da contribuição de cada indivíduo na
construção da história de um povo e na valorização deste patrimônio, que está além do
material.

14
Ver artigos nos Apendices: PROJETO PILOTO DE EDUCAÇÃO PARA VI-VER O PATRIMÔNIO, EM
SALVADOR-BA, BRASIL (apresentado em La Plata-Argentina); AS FRONTEIRAS PARA ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ – INICIATIVAS DE PRESERVAÇÃO (será apresentado em São Paulo); e “VI-VER O
PATRIMÔNIO” – UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL (resumo aceito, com artigo em
andamento para ser apresentado em seminário no LNEC, Lisboa).
187

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As percepções a cerca da Igreja de Santo Antônio da Mouraria são frutos do labor


inerente à curiosidade do espírito, imbricadas à transformação dinâmica da cidade, mas, por
outro lado, não deixa de ser marcante o fato de que, a partir disso, seja possível captar um
sentido no processo geral da evolução dos acontecimentos. A ideia síntese de que tudo evolui,
aproxima as teorias de restauro da essência do monumento e aflora a intuição em Bergson
(1990) como ferramenta que impulsiona reflexões e, sobretudo, ações que reconheçam, como
parte intrínseca, a realidade multidisciplinar que compõe o patrimônio cultural do lugar,
posição defendida pelos teóricos ligados à “conservação integral1”.
Na singela Igreja da Mouraria, imprime-se a história da cidade, da sociedade, de um
povo e de sua devoção, de um tempo plural que evoca a conjugação do verbo conservar. A
ordem para a sua fundação, a localização do terreno, o bairro, as transformações do território,
as irmandades que a preservaram e a transformaram, os materiais escolhidos para a
construção, para a ornamentação, as cores e texturas são atividades humanas impregnadas nos
espaços do edificio cadastrado, revelando fios que fazem conexão com o tempo.
Neste sentido, a percepção do tempo na Igreja da Mouraria, além de demonstrar os
valores que a consolidaram como monumento histórico, traz à luz as reflexões de Bergson
(1990) sobre a relação matéria e memória, como o rio, que, em movimento, segue seu curso,
ora deixando nas margens os sedimentos que trazem de outras paragens, ora em varredura.
Em similaridade, no sentido de duração, o tempo sedimenta, nas margens da memória, as
sensações percebidas em construção dinâmica, que se atualiza a cada instante. Entretanto,
quando evocadas através dos sentidos, transbordam em lembranças de outros tempos,
rememorando o cerne do indivíduo. A exemplo da preocupação do Conde de Sabugosa com
as crianças abandonadas, que, como ecos, se refletem, até hoje.
A telha, a argamassa, a pedra, os metais, a madeira, o azulejo, todos estes elementos
compõem a gramática arquitetônica do monumento e constituem o patrimônio material,
produzindo as imagens no tempo. Assim, foi possível observar – através da pesquisa histórica,
da inspeção visual e dos ensaios efetuados – que, ao longo destes quase três séculos de

1
A “Conservação integral” é uma postura defendida no discurso de Marco Dezzi Bardeschi, teórico da
atualidade, em aulas na disciplina "ARQA77 - TE - Seminário - Restauração como conservação e projeto do
novo", no PPG-AU entre 15 e 23 de abril de 2014.
188

existência, a Igreja da Mouraria passou por vários ciclos de abandono, reformas e restaurações
relacionados, principalmente, à presença das irmandades, o que lhe conferiu uma sucessão de
intervenções, mas promovendo a conservação de valores, que vão além do patrimônio
construído, referenciado nas manifestações culturais registradas em vídeo – (Ver Apendices).
A preservação do edifício na paisagem, a partir do respeito e da manutenção no que se
refere a sua senilidade, diante de usos compatíveis com o cotidiano da cidade, permite a
leitura da passagem do tempo, através da imagem que assoma à memória e estimula
sensações. Porém, os desusos observados na Mouraria, com o avanço da comercialização do
lugar, agrediram a imagem histórica do monumento, diante da relação de afeto que os
moradores atribuem ao lugar sagrado. As políticas de preservação ou cultura da memória
surgem em contraponto ao processo de globalização das culturas, de individualidade versus
coletividade, em busca de identidade, visto que, se por um lado não conservam os
monumentos, também, por outro, não os fiscalizam, ficando a cargo das irmandades o peso da
degradação e do abandono.
Se a cultura da memória aparenta estar ligada à musealização ou à estagnação dos
processos temporais é porque não se reconhece e não possui ações que identificam
espaço/tempo/indivíduo como agentes dinâmicos do processo de construção da história no
contexto fluido da multiplicidade de informações e eventos entrelaçados pela matéria que
atravessa o tempo.
A memória seduz, mas o urbanismo é demolidor e o processo agressivo, pois
comercializa, paradoxalmente, até a memória, com a transformação dos centros históricos em
shoppings a céu aberto, afastando a população local para espetacularização do turismo. Para
Huyssen (2000, p. 16-17), “[...] a memória se tornou uma obsessão cultural de proporções
monumentais em todos os pontos do planeta”, com o objetivo de assegurar a legitimidade e o
futuro das políticas emergentes, buscando maneiras de comemorar e avaliar os erros do
passado. Entretanto, as práticas de memória surgem como reflexão entre a globalização da
economia e a avaliação do passado local, na formação do carater identitário, à luz do
equilíbrio, fomentando o uso cotidiano como prática de conservação.
Por outro lado, nesta segunda cumeada de Salvador, existem os traumas históricos e as
práticas de memória: Entre conventos e Igrejas, cresceu uma área militar e a implantação do
Asilo dos Expostos, numa sociedade escravocrata, carente de estruturas físicas, viárias e
sanitárias. O que pemanece e o que se transforma, ao longo do tempo, são revelados ao
observar o desenvolvimento do entorno da Igreja, que, ali, vela a paisagem.
189

A construção histórica da formação da via, que vai da Piedade ao Desterro conhecida


como Avenida Joana Angélica, é contributo paralelo à história da cidade. Tratando-se da
principal via de conexão da segunda cumeada, que fora construída, paulatinamente, enquanto
se observava o desenvolvimento arquitetônico do entorno e da Igreja, com os conventos
tornando-se estruturas educacionais, os quartéis demolidos ou reformados, para abrigarem
escolas ou residências, mas as Igrejas mantiveram suas estruturas físicas e funcionais, com
algumas descaracterizações. O Asilo dos Expostos, por exemplo, administrado pela Santa
Casa de Misericórdia, tornou-se creche e continua auxiliando a população carente, dentro de
uma estrutura administrativa educacional aberta, associada a outras entidades educacionais,
como aventou Antônio de Lacerda, em 1873.
Os traumas históricos que remontam à memória da Avenida Joana Angélica foram
observados através da percepção do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria e
testemunhados por Sabugosa, Antônio de Lacerda, Amélia Rodrigues, Manoel Vitorino e
muitos outros. As fragilidades humanas eram tão incidentes, neste “campo de pólvoras”, em
que os estopins eram acesos na Mouraria, com os encontros e afins para, nove meses mais
tarde, explodirem no Asilo dos Expostos, rompendo o silêncio das madrugadas, com o tilintar
da Roda2, sinalizando a presença de mais um fruto enjeitado: o meio do caminho era a
Mouraria, mas o final era a Pupileira.

As atividades humanas – percepção e criação – produzem o bem, e o homem lhes


atribui valores, tornando fundamental a existência de um patrimônio conhecido, de uma
memória preservada, para que se possa construir uma identidade cultural, estratificada.
Assim, o presente trabalho vem afirmar que não é somente a forma efetiva e real que interessa
ao arquiteto em trabalhos de conservação e restauro do patrimônio, mas toda a percepção
inerente à compreensão do edifício em seu contexto imerso no tempo. Para Ostrower (1995),
todo ato de percepção abrange, no presente, uma projeção sobre o futuro. Desse modo,
espera-se que a percepção no tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria desperte
uma projeção de futuro, de preservação do monumento e da memória da Cidade do Salvador.
Nesses estudos, foi possivel refletir sobre o entendimento de que toda e qualquer ação
de recuperar, rever e resignificar a memória do passado, dá-se luz a compreensão do
presente e a prospecção do futuro, conciliada à preservação, levando ao questionamento de
até que ponto o tombamento garante a autenticidade do bem? Afinal, o que é autêntico na

2
Ao abandonarem a criança na Roda dos Expostos, a mãe, o pai ou o responsável pela criança, tocava o sino,
para avisar, anonimamente, sua chegada, o que lhe permitia tempo para ir embora, antes que as irmãs de caridade
chegassem para recolher a criança. (COSTA, 2001).
190

Igreja da Mouraria com a passagem do tempo, ou o que, de fato, considerado patrimônio,


está além da materialidade do edifício? Percebe-se, particularmente, na relação do bem com
o indivíduo que o habita reverenciando Capistrano de Abreu quando descreve que: “[...] o
importante não é a coisa, mas o espírito da coisa” (e acrescento) imerso na percepção do
tempo que o transforma e, por isso mesmo, permanece, como testemunho histórico, na
paisagem, respaldando a importância das análises das contribuições de cada época, como
estratos temporais dinâmicos.
Vale ressaltar a contribuição desta pesquisa para a realização do Projeto Cultural VI-
VER O PATRIMÔNIO que, em sua primeira edição, envolveu a comunidade, o Estado e a
Universidade na formação educacional e capacitação de cem jovens, através do
reconhecimento e da valorização do patrimônio histórico da primeira Capital do Brasil.
Numa perspectiva futura e integrada, existe a meta de executar, pelo menos, 50 edições
deste projeto, visto que a segunda edição já foi aprovada pela Secretaria de Cultura do
Estado da Bahia, e a terceira e quarta edição já foram elaboradas e apresentadas em editais,
na busca de novos parceiros, compreendendo a memória como identidade do indivíduo e,
também, a da coletividade, na construção da cidadania.
192

REFERÊNCIAS

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Biblioteca Pública da Bahia).
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Bahia. Salvador: Secretaria de Educação e Cultura, 1973.
AGUIAR, José. Os mestres da cor, dos fingidos e dos esgrafitos: o que sabemos hoje de sua
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VILHENA, Luís dos Santos. Recompilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas, contidas
em XX cartas ano 1802. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1921. Livro II (Disponível na
FAUFBA).
VIOLÊNCIA tira tranquilidade da Mouraria. A Tarde, Salvador, 12 dez.1992 (Arquivo
Municipal do Salvador. Biblioteca da Fundação Gregório de Mattos).
VISTA do Campo da Pólvora, Salvador, Bahia. 2014. Disponível em: Google Earth. Acesso
em: 10 jun. 2014.
VISTA do cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa Clara e Ladeira da Fonte
das Pedras, Salvador, Bahia, 2014. Disponível em: Google Earth. Acesso em: 10 jun. 2014.
Apêndice A
A VÍDEO-OBSERVAÇÃO [FILMAR PARA VER]
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ARQUITETURA
Programa de Pós-graduação de Arquitetura e
Urbanismo
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo
Área de concentração: Conservação e Restauro
Aluna: Elisângela Conceição Dantas Leão

A VÍDEO-OBSERVAÇÃO [FILMAR PARA VER]

1. Tema

O pão de Santo Antônio da Mouraria: alimento do corpo e da alma /


rito que preserva o lugar da espiritualidade na diversidade da
Mouraria.
Apêndice B
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E QUÍMICA DOS MATERIAIS:
ENSAIOS IN SITU E ENSAIOS EM LABORATÓRIO
1 Ensaios “in situ”

Os ensaios “in situ” foram realizados em dias alternados, como fator comparativo
dos resultados diante da umidade relativa do ar. Os equipamentos de medição
utilizados nesses ensaios foram cedidos pelo NTPR, Núcleo de Tecnologia da
Preservação e da Restauração, primeiro laboratório a se dedicar à pesquisa de
tecnologias voltadas para a durabilidade dos materiais e dos edifícios e, particularmente,
à conservação e restauração de monumentos no Brasil1.
Os métodos de avaliação do estado de conservação “in situ”, principalmente os métodos
não destrutivos, são muito importantes para complementar a informação laboratorial.
Todavia, em relação às argamassas, quando a extração de uma quantidade mínima de
amostras é possível, a utilização direta de métodos padronizados é impraticável devido à
sua reduzida coesão e forma irregular.
Diante dessas dificuldades, ensaios alternativos foram testados, inclusive com o
apoio e incentivo singular do Professor Mário Mendonça de Oliveira, importando tiras
colorimétricas para a avaliação dos sais. Os testes “in situ” foram os seguintes:
determinação da temperatura e do teor de umidade do ar; medição de umidade da
madeira; teste de sais com tiras colorimétricas; e observações com utilização de
endoscópio.

1.1. Determinação da temperatura e do teor de umidade do ar

A determinação da temperatura e o teor de umidade foram efetuados a partir do termo-


higrômetro, um instrumento portátil de leitura digital, no qual foi possível fazer, de
maneira direta, de forma simultânea e, em poucos minutos, a leitura da temperatura e da
umidade relativa do ar. Foram realizadas determinações de temperatura e teor de
umidade do ar em vários ambientes da igreja, no período de junho de 2011, (outono).
Os resultados apresentados no Quadro 01 correspondem às médias das determinações
efetuadas.

1
http://www.ntpr.ufba.br/welcome.html
Quadro 01: Valores médios de temperatura e umidade relativa.
Data da análise: Tempo: ensolarado
Junho/2011 Horários: manhã (10:30h – 11:30h)
LOCAL Temperatura (ºC) Umidade Relativa (%)

Depósito 25,5 69
Interior da
2º Corpo da Igreja 25,8 68
igreja
Parede do fundo 25,6 69

Média 25,6 69

Loja (ambiente vizinho à igreja) 27,6 64


Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria - Diagnóstico e Análise das Patologias, produzido, em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I.

A verificação das condições ambientais no interior da igreja indica temperaturas


próximas de 26ºC e umidade relativa do ar quase próxima a 70%, consideradas como
condições propícias ao desenvolvimento de micro-organismos (PROGRAMA
MONUMENTA, 2006).

1.2. Medição de umidade da madeira

A medição de umidade da madeira “in situ” é possível através de instrumentos


baseados em processos não destrutivos, como o xilo-higrômetro, aparelho provido de
dois eletrodos em forma de agulhas que são colocadas em contato direto com a madeira
a ser analisada (Figura 01). A técnica baseia-se na variação da resistência elétrica em
função do teor de água da madeira, sendo a resistência elétrica de um material variável,
na razão inversa do seu teor de umidade. As determinações efetuadas “in situ” podem
ser comparadas com os valores de umidade de madeiras utilizadas comercialmente,
como indica OLIVEIRA (2006, p. 120), representados no Quadro 02.
Quadro 02 – Denominação de umidade
DENOMINAÇÃO UMIDADE (%)
MADEIRA VERDE >30
SEMI-SECA 23
COMERCIALMENTE SECA 18-23
SECA AO AR 12-18
DESSECADA 0-12
ANIDRA 0
Fonte: Tecnologia da Conservação e da Restauração – Materiais e Estruturas, Mario Mendonça de
Oliveira (2006, p. 120).
Na Igreja, foram efetuadas medições de umidade das peças de madeira com
maiores indicativos de fragilidades, nos locais onde era visível a degradação acentuada
devido ao fenômeno de umidade, visualizado na figura 01.

Fig. 01- Medição da umidade do forro de madeira sob o coro e cimalha do forro da nave.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Os resultados, apresentados no Quadro 03, correspondem às médias das


determinações das medições efetuadas nos locais descritos.
Quadro 03 – Medições efetuadas com o xilo-higrômetro.
Variação da umidade em
Local
%

Viga mestra superior 10 a 15


Forro Sanefa – friso de moldura do
22 a 55
forro
Coro
Barrote 15 a 20

Piso Tábua abaixo do barrote 32 a 45

Viga mestra de sustentação 15 a 20

Sacristia Vigas sob forro 10 a 12


Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria - Diagnóstico e Análise das Patologias, produzido em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I da FAUFBA.

A comparação dos valores obtidos foi feita com base nas madeiras secas ao ar,
com alguns anos, cujos valores de umidade de equilíbrio variam entre 12% e 18%
(OLIVEIRA, 2006, pág. 120). Das peças analisadas, as tábuas e o friso de moldura do
forro são as mais úmidas. As madeiras das vigas-mestras do coro apresentam teores de
água reduzidos em relação às demais. As medições efetuadas na madeira nova do forro
da sacristia indicam valores normais.
A presença de umidade favorece o ataque da madeira por insetos e por fungos de
podridão, xilófagos ou bactérias. De fato, na observação efetuada nas madeiras
constata-se que as tábuas e os frisos de moldura apresentam-se em pior estado de
conservação em relação às vigas mestras, esfarelando-se ao simples toque, e muitas
vezes com pequenos furos, inferindo o ataque de insetos xilófagos. Nas vigas mestras,
em geral, em bom estado de conservação, não foi detectada a presença de xilófagos, até
onde foi possível observar.

1.3. Teste de sais com tiras colorimétricas

Diante da importância histórica e da qualidade e integridade dos painéis de azulejos da


Igreja da Mouraria, Figura 02, as tiras colorimétricas utilizadas no local foram
imprescindíveis, no sentido de que o ensaio foi executado sem nenhum tipo de
mutilação das peças setecentistas, complementando a informação laboratorial.

Fig. 02– Painéis de azulejos da Igreja de Santo Antônio da Mouraria.


Fonte: arquivo do autor, 2011.

A análise consistiu-se na identificação de íons específicos recorrendo-se a tiras


coloridas que, quando imersas numa solução ou em contacto com a superfície a ensaiar
umedecida com água deionizada, sofrem variações de cor e de intensidade da cor,
conforme a concentração de íons presentes na superfície do material. Essas tiras, após o
contato com a superfície umedecida, foram comparadas com a escala de cor definida na
embalagem, conforme as Figuras 03 a 06, onde lê-se: Nitratos e Nitritos (0 a 500 mg/l);
Cloretos (0 a 3000 mg/l) e Sulfatos (<200 a 1600 mg/l).

Fig. 03 - Aplicação da tira colorimétrica na superfície, após umedecimento com água deionizada.
Comparação da tira usada com escala indicativa da quantidade presente de determinado íon.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Fig. 04- Tira indicando a existência de nitratos e ausência de nitritos. Análise simples efetuada na
parede, com informação rápida sobre os sais presentes.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Com este ensaio é, portanto, possível efetuar, de forma simples e rápida, a


determinação semiquantitativa de um determinado íon presente no material, permitindo,
assim, a identificação do tipo de sais e uma avaliação do grau de contaminação, segundo
Borrelli (1999). Em geral, em revestimentos antigos, os sais mais comuns encontrados
são os cloretos, sulfatos e nitratos, portanto, os marcadores mais correntemente usados
são os destes íons específicos. Os íons nitritos são também identificados.
Tratando-se de facilidade e rapidez, essa técnica, de verificação da presença de
sais, pode ser aplicada não só diretamente sobre a superfície do revestimento, mas
também em laboratório, recorrendo a amostras recolhidas “in situ”, como na Figura 05
(a,b, c, d). Por se tratar de um ensaio muito pontual, torna-se necessário realizar várias
determinações numa mesma zona, para maior confiabilidade dos resultados. Algum
cuidado se deve ter na interpretação da variação de cor nos marcadores devido ao
indicativo da concentração dos íons presentes na amostra ou na superfície desta.

Fig. 05: Ensaio de identificação de sais na amostra de ladrilho hidráulico, efetuada em laboratório,
indicando: a) aplicação de água deionozada; b) ausência de sulfatos; c) presença de cloretos; d) presença
de nitritos e nitratos.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

As determinações efetuadas na Igreja, com as tiras colorimétricas, permitiram


constatar que a presença de íons nitratos e cloretos é constante, sendo os nitratos
encontrados em proporções inferiores às de cloretos. Os íons sulfatos estão também
presentes na Igreja, em quantidades bastante variáveis, mas em menor proporção do que
os Nitratos e Cloretos.
Foram ainda detectados sais nitritos, na parede que separa a Nave e o Depósito.
A ocorrência desses íons, que são bastante instáveis, indicia que a fonte de alimentação
de água poderá ainda estar em atividade ou que esteve ativa no interior das paredes dos
edifícios até um período recente (HENRIQUES, 2001).
Nas paredes em que se observaram degradação, foram realizados ensaios
expeditos de sais com as tiras colorimétricas. Esses ensaios permitiram identificar
diferentes tipos de sais, ilustrados na planta abaixo (Fig. 06) e referidos no Quadro 04 .

Fig. 06: Mapa de localização dos ensaios com fitas colorimétricas


Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Quadro 04: Identificação da presença dos sais com tiras colorimétricas


Local ensaiado Principais sais identificados

1- Nave, paramento interno da fachada (tardoz da Nitratos (≈250mg/l)


fachada) - próximo à porta de entrada.

2-Nave - parede interior (lado esquerdo), rejunte do Nitritos (≈1mg/l)


azulejo Sulfatos (entre 200 e 400 mg/l)
Cloretos (≈500mg/l)
3-Depósito – parede interior por detrás da parede Nitritos (≈1mg/l)
azulejada da Nave Nitratos (≈500mg/l)
Cloretos (entre 1000 e 1500 mg/l)
4-Piso da Capela Mor (ladrilho hidráulico) Nitratos (≈500mg/l)
Cloretos (entre 1500 e 2000 mg/l)
5-Sacristia, parede interior Nitratos (entre 250 e 500 mg/l)
Sulfatos (entre 1000 e 1200 mg/l)
Cloretos (≈500mg/l)
6-Cômodo atrás do altar-mor; parede interior, atrás da Nitratos (≈500mg/l)
escada de acesso ao altar-mor. Cloretos (entre 1500 e 2000 mg/l)
7-2º Corpo da Igreja, parede interior (parede comum Nitratos (≈500mg/l)
ao COFAM) Sulfatos (entre 400 e 800 mg/l)
Cloretos (>1000 mg/l)
8-Sótão - parede exterior, zona próxima ao sino2 Sulfatos (entre 200 e 400 mg/l)
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
A presença em simultâneo de nitratos e de nitritos, nos revestimentos, indicia
que a umidade tem como possível fonte o terreno, já que, em geral, a presença destes
sais está associada a fenômenos de decomposição da matéria orgânica (dejetos animais
e humanos) ou ainda da utilização de fertilizante. A existência exclusiva de nitratos, isto
é, sem a presença de nitritos, indica, em geral, que aquela fonte de alimentação já
cessou a sua atividade há algum tempo (HENRIQUES, 2001).
A presença de cloretos e sulfatos, em revestimentos, pode estar relacionada com a
proximidade do mar (aerossol salino) ou com a pequena distância de linhas de água sob
o edifício também cimenta.
No primeiro caso, os sais podem ser transportados pelos ventos marítimos e no
segundo caso, os sais provenientes do terreno podem ser dissolvidos e transportados no
interior da parede pela ação da água de capilaridade.
De todos os sais, os sulfatos são os mais danosos e, frequentemente, encontram-
se nos componentes de materiais usados na construção (cimento, por exemplo). Podem
ser produtos da poluição atmosférica ou podem resultar ainda do processo de
metabolismo do enxofre pelos microorganismos que estão em contato com o material
carbonático.
Em particular, os sulfatos encontrados no sótão têm como possível origem os
componentes da argamassa de cimento (uma adição espúria) que reveste a fachada,
exatamente por detrás da zona ensaiada. Favorecidos pela presença de umidade na
parede, os sais presentes no cimento migram desde a fachada para o interior do edifício
e cristalizam na superfície do revestimento sob a forma de eflorescências, ou “véu”
salino, que é possível de observar na parede do sótão.

2
Neste caso em particular, os ensaios foram realizados sobre manchas brancas de sais ou “véu” salino.
No trecho inferior da parede da sacristia, os efeitos observados sob a forma de
manchas esbranquiçadas, que sobressaem à superfície da camada de tinta polimérica de
cor verde, são confirmados pela presença de elevada quantidade de sulfatos e de
cloretos.

1.4. Observações com utilização de endoscópio

O ensaio de endoscópio é uma técnica não destrutiva que permite a visualização


de espaços vazios, defeitos ou componentes no interior de uma estrutura. Com esse
instrumento é possível, inclusive, a inspeção de vigamentos de piso/forro para a
verificação de problemas ou ataque de organismos xilófagos.
A técnica se baseia na mesma tecnologia de que os médicos lançam mão para
investigar o interior do corpo humano, utilizando numa espécie de periscópio flexível
com cerca de um metro de comprimento e diâmetro de, aproximadamente, um
centímetro, em cujo interior serão incorporados um cabo de fibra ótica e uma fonte
geradora de luz interna, para iluminar o espaço a observar, (Figura 07).
Essa análise foi utilizada neste estudo com o objetivo de inspecionar, com maior
acuidade, o vigamento do piso/forro, intermediário de madeira que sustenta o coro, cujo
aspecto externo apresenta-se bastante comprometido (Figura 07 e .

Fig. 07: Viga de madeira de sustentação do forro sob o coro e no assoalho do coro – uso do endoscópio.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Em alguns casos, o elevado estado de pulverulência da viga de madeira de


sustentação do coro tornou inviável a introdução da haste do instrumento pelo seu
interior, impossibilitando a sua inspeção. No entanto, ainda em alguns casos, foi
possível confirmar, com recurso ao endoscópio, o ataque de organismos xilófagos e
insetos no madeiramento que compõe o piso do coro. Onde a avaliação com o
endoscópio foi possível, efetuou-se a inspeção visual da estrutura de madeira do piso do
coro através da retirada de uma das tábuas do assoalho, que se encontrava praticamente
solta. Foi constatado o comprometimento de algumas peças intermediárias que
compõem o assoalho, provavelmente decorrente do ataque de organismos xilófagos e
fungos. Nas vigas mestras, até onde foi possível observar, não foi detectada a ocorrência
de ataque de fungos, cupins ou outros insetos. Os aspectos referidos podem ser
observados nos detalhes da Figura 08.

Fig. 08: Abertura no assoalho do coro, onde foi possível fazer uma inspeção visual da estrutura de
madeira, com visível comprometimento das peças que compõem a estrutura interna do assoalho.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
2. Ensaios de Laboratório

Os ensaios efetuados em laboratório requerem a coleta de determinadas


quantidades de amostras de materiais para serem efetivados os testes necessarios para a
verificaçao de cada análise específica. Muito embora seja um ensaio de caráter
destrutivo, cada espaço indicado para as extrações dos materiais foi previamente
discutido e avaliado, diante da relação de custo/benefício para salvaguardar a
integridade dos elementos arquitetônicos. Assim, de maneira estratégica, foram retiradas
amostras de determinados ambientes que não interferissem nas atividades da Igreja, nem
comprometessem a integridade fisica de elementos de elevada importância histórica,
como se verifica com os azulejos da nave.
Sendo assim, conforme indicado nas Figuras 09-11, foram retiradas amostras
dos materiais do depósito, da parede atrás do 2º Corpo da Igreja, do cômodo atrás do
altar mor e da loja vizinha à igreja, com o extrator, ferramenta elaborada pelo NTPR.
Além da localização das amostras retidas dos revestimentos de pisos do adro, do alta-
mor e fragmento dos azulejos, todos eles já previamente descolados de suas bases pela
passagem do tempo. Sob essa perspectiva, os seguintes testes foram executados em
Laboratórios: determinação do teor de umidade – Método Gravimétrico; Testes
Qualitativos de Sais Solúveis; determinação do traço provável em massa; determinação
da cor dos finos; análise granulométrica; observação ao microscópio petrográfico (seção
polida); ensaio de permeablidade com a telha cerâmica; e teste com ácido clorídrico.

2.1. Determinação do teor de umidade – Método Gravimétrico

Para a determinação do teor de umidade de um dado material, este é o método


mais confiável, segundo Henriques (2001, p. 71). É possível, ainda, através da
informação obtida, indicar se a origem da umidade está relacionada com a ascensão
capilar.
A técnica consiste na pesagem, das amostras recolhidas no edifício, no seu
estado “natural”, e na respectiva pesagem após secagem em estufa. O teor de umidade
do material é calculado através da diferença de massas das amostras no estado inicial e
após secagem. Os resultados são, portanto, expressos em percentagem, referida à massa
no estado seco: [(Múmida – Mseca) / (Mseca – Mrecipiente)] x 100.
A extração das amostras foi efetuada através de um extrator, Figuras (09 a 11),
sendo possível retirá-las em profundidade até atingir a alvenaria. Foram coletadas
amostras de pontos distintos, sempre que possível organizadas verticalmente em alturas
de: 0,50m, 1,00m e 1,50m, aproximadamente, tendo como referência o nível do chão,
(Fig. 11). Em seguida, o material foi acondicionado hermeticamente em recipientes de
plástico limpos (Fig. 12) e transportado para o NTPR, para a realização das análises
laboratoriais.

Fig. 09: Extrator, desenvolvido pelo NTPR.


Fonte: Arquivo do autor, 2011.

Fig. 10: Recolha de amostra com extrator. Fig. 11: Esquema dos furos efetuados na parede do
Fonte: Arquivo do autor, 2011. depósito.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 12: Recipientes lacrados contendo as amostras de argamassa.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

As determinações efetuadas podem ser comparadas com os valores de umidade


em alvenaria (Quadro 05), estabelecidos em (OLIVEIRA, 2006).

Quadro 05 - Umidade em alvenaria

Tipos de alvenaria Tijolo comum Pedras Outros


Umidade Própria (U.P.) 1% Até 4% Umidade Própria
Higiênico Até 3% Até 6% UP + 2%
Tolerado Até 7% Até 7% UP + 3%
Úmido 8% a 9% 7% a 15% -
Umidíssimo > 9% >15% -
Fonte: (OLIVEIRA, 2006)

Os resultados individuais dos ensaios de teor de umidade através do método


gravimétrico são detalhadamente apresentados, de modo sintetizado, no Quadro 06 e
ilustrados nas figuras de 13 a 17.
Quadro 06: Resultados dos ensaios de teor de umidade.
LOCAL DA RECOLHA DE AMOSTRAS
CÔMODO ATRÁS DO
DEPÓSITO LOJA
Altura em ALTAR-MOR
relação ao Parede em comum com a Nave Parede atrás da
Parede em
solo (m) escada de Parede de
comum com
Valores acesso ao altar- fundo da
Valor a Nave
determinados em mor Igreja
médio (Parede 02)
pontos distintos (Parede 01)
1,5 3,3 5,2 4,2 7,1 2,2 -
1,0 3,7 5,4 4,5 7,6 3,1 4,5*
0,5 4,1 6,4 5,2 5,7 3,0 5,5*
* Medições efetuadas a 0,6m e 1,2m de altura em relação ao solo.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

De modo geral, a maior parte dos valores obtidos são inferiores aos limites
tolerados para alvenaria de pedra, considerados no quadro 1 (Oliveira, 2006).

Fig. 13: Resultados na parede do Depósito(a) Fig. 14: Paramento interior da loja de roupas
Fonte: Arquivo do autor, 2011. (parede divisória com a Nave).(b)
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

A umidade ascendente está presente em algumas paredes, mas é pouco


significativa. A parede do fundo da Igreja apresentou valores bastante reduzidos de
umidade, que podem ser considerados como sendo do próprio material. As duas paredes
laterais da “caixa” da Nave, apresentam valores semelhantes entre si e dentro dos
limites do “higiênico”, conforme o quadro 1.
Os valores de teor de umidade obtidos na parede 01, atrás da escada de acesso
do altar-mor são já elevados, e se encontram dentro do limite considerado “úmido” para
alvenaria de pedra. Nesta parede, os teores de umidade crescem à medida que se afasta
do solo. Há indícios da existência prolongada de umidade originada provavelmente por
infiltração de água através da cobertura, em decorrência de problemas com as telhas
e/ou de deficiência do sistema de escoamento de água pluvial, Figura 15.

Fig. 15: Parede 01 - Paramento voltado para o 2º Corpo da Igreja, com indicação de altura onde a
presença de umidade se destaca.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

A análise sobre o incremento de teor de umidade em períodos chuvosos poderá


confirmar esta hipótese. Nesta parede são visíveis ainda sinais da presença de água
como manchas na superfície do revestimento, Figura 16.
A análise criteriosa da localização do sistema de escoamento de águas pluviais (calhas e
tubos de queda) juntamente com os teores de umidade das paredes, respalda a suspeita
de que os danos sofridos pelo monumento estão relacionados, principalmente, com a
ocorrência de problemas na cobertura do edifício.
Fig. 16: Resultados na parede 01. Paramento atrás da escada do altar-mor.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

A análise criteriosa da localização do sistema de escoamento de águas pluviais


(calhas e tubos de queda) juntamente com os teores de umidade das paredes respalda a
suspeita de que os danos sofridos pelo monumento estão relacionados, principalmente,
com a ocorrência de problemas na cobertura do edifício. A localização dos pontos em
que foram recolhidas as amostras, sobrepostos ao telhado estão ilustrados na planta
abaixo, Figura 17.
Fig. 17: Planta de cobertura com localização dos pontos com deficiência no sistema de escoamento.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.

2.2 Testes qualitativos de sais solúveis

Para este ensaio foram analisadas amostras do depósito, do cômodo atrás do altar
mor, da loja vizinha à igreja, do 2º Corpo da Igreja (emboço e reboco da verga), da
argamassa de azulejo da Nave, da Fachada (reboco de cal e reboco de “cimento
penteado”), conforme indicado na Figura 48. As Figuras 18 a 23 ilustram as etapas da
realização do ensaio.
Fig. 18: 1. Pesagem da amostra Fig. 19: 2. Adição de água deionizada

Fig. 20: 3. Filtragem Fig. 21: 4. Placa de toque. Coloração azul


indicativa de Nitratos.

Fig. 22: 5. Tubos de ensaio com solução filtrada Fig. 23: 6. Precipitado branco indicativo da
presença de cloretos.

Fonte: Arquivos do autor, 2011.


Os resultados dos ensaios de sais em laboratório são ilustrados na planta abaixo, (Figura
24) e referidos no Quadro 07.

Fig. 24: Planta com localização dos resultados dos ensaios.


Fonte: Arquivo do autor, 2011.

As análises efetuadas em laboratório sobre as amostras recolhidas na igreja


mostram os seguintes resultados:
- os íons cloretos estão presentes em todas as amostras analisadas;
- os íons nitratos, presentes também em larga escala, só não aparecem na parede tardoz
da fachada.
- a presença de íons sulfatos constatada na Igreja, mas, em proporção inferior às demais
zonas analisadas.

De maneira geral, o resultado das análises de sais, quer em laboratório, quer “in
situ”, usando as tiras colorimétricas, está em concordância. Outros aspectos
complementares à análise de sais “in situ” foram possíveis de observar e que se referem
a seguir:
- a argamassa do biscoito do azulejo apresentou reduzida quantidade de cloretos, e
ausência de nitratos e sulfatos.
- uma grande quantidade de sais nitratos, cloretos e sulfatos foi encontrada no depósito.
A presença dos nitratos neste local está associada, possivelmente, a dejetos de
morcegos, ratos ou micro-organismos que habitam o local. Em geral, as substâncias
orgânicas secretadas por tais organismos ou micro-organismos se transformam em
amoníaco e se oxidam, sendo em seguida produzido o ácido nitroso e, finalmente, o
ácido nítrico, que transforma as substâncias em nitratos.
- onde se esperava encontrar sulfatos, designadamente, no interior da loja, cujo aspecto
rígido do reboco sugeria uma argamassa de base cimentícia, esta hipótese não foi
confirmada.
- a presença em quantidades relevantes de cloretos e sulfatos na camada de cimento da
fachada está associada ao cloreto salino, à poluição atmosférica ou mesmo à própria
composição da argamassa, que contém cimento.

Quadro 07 – Resultados das análises qualitativas dos sais.


ÍON IDENTIFICADO
LOCAL DE RECOLHA DAS AMOSTRAS
NITRATO CLORETO SULFATO
1-DEPÓSITO +++ +++ +++
2-CÔMODO ATRÁS DO ALTAR MOR ++ +++ ++
3-LOJA +++ +++ −

4-2º CORPO DA A-Emboço da verga + +++ −


IGREJA B-Reboco da verga ++ ++ −
5-NAVE (biscoito do azulejo retirado do
− + −
paramento interno da fachada)
A-Reboco antigo de cal ++ +++ ++
B-Reboco de intervenção + +++ ++
6-FACHADA em cimento (acabamento
que simula a
estereotomia da pedra)
LEGENDA:
(−) ausência; (+) pequena quantidade; (++) média quantidade; (+++) grande
quantidade.
Fonte: Arquivos do autor, 2011.
4.3.2.4.3 Determinação do traço provável em massa

Este ensaio, cujos procedimentos estão descritos detalhadamente no Anexo I,


tem como objetivo a determinação da proporção entre componentes da argamassa de cal
analisada: o ligante (carbonatos), os finos (argila e/ou silte) e os grossos (areia). Em
particular, o conhecimento da composição das argamassas preexistentes é de grande
interesse para a conservação, já que permite tentar reproduzir argamassas antigas com
características semelhantes.

Para o ensaio, foram coletadas amostras do interior e exterior da igreja


conforme ilustrou o mapa da Figura 24. As figuras 25 a 32 ilustram as etapas da
realização deste ensaio.

Fig. 25: 1-Moagem da amostra em um gral de porcelana. Fig. 26 : 2-Pesagem da amostra e


do filtro.

Fig.27 : 3-Umedecimento da amostra com Fig.28 : 4-Adição de ácido clorídrico para


água deionizada. dissolução do ligante.
Fig.29: 5-Partículas finas em suspensão após Fig. 30: 6-Adição de gotas de ácido clorídrico
adição de água deionizada. concentrado.

Fig.31: 7-Despejamento do líquido com o material suspenso Fig.32 : 8-Aspecto do líquido com o material
sobre o papel de filtro suspenso de uma das amostras

Fonte: Arquivos do autor, 2011.

Os resultados individuais da determinação do traço estão apresentados no


Quadro 08.
A argamassa do Depósito apresenta uma proporção entre ligante:agregado de
cerca de 1:6, esta composição é característica de uma argamassas fraca e é bem
diferente das demais amostras analisadas. A pequena quantidade de finos pode estar
relacionada com as impurezas da areia, não implicando necessariamente tratar-se de
uma argamassa “bastarda”.
No 2º Corpo da Igreja, o revestimento, composto por duas camadas distintas, foi
analisado e determinado o traço provável de cada uma das camadas. A primeira camada,
de coloração creme avermelhada, trata-se do emboç,o e a segunda, de coloração clara
(esbranquiçada), constitui o reboco. A amostra de emboço apresenta um acentuado
percentual de finos, indiciando uma argamassa com uma componente argilosa que não
é proveniente da areia e sim do solo, portanto, trata-se de uma argamassa “bastarda”
composta de cal, solo e areia.
Quadro 08: Proporção de ligante e agregado nas argamassas
2º Corpo da Igreja
Composição Depósito Fachada
Emboço Reboco
Grossos 76,14% 44,86% 44,50% 48,75%
Finos (argila e
5,53% 18,98% 4,44% 6,44%
/ou silte)
Ligante 18,34% 36,16 51,06% 44,80%
Traço
aproximado,
em massa 1:0,4:5,6 1:0,7:1,7 1:0,1:1,2 1:0,2:1,5
(Ligante : finos
: Areia)
Fonte: Arquivos do autor, 2011.
A camada de reboco contém uma quantidade muito pequena de finos, que pode
corresponder às impurezas da areia; trata-se de uma argamassa “forte”, com proporção
entre o ligante e o agregado próxima de 1:1. A proporção 1:1 é comumente encontrada
quando se fazem rebocos finos de acabamento com superfície mais dura e em escaiola,
como é o caso do interior desta igreja. A composição do reboco da fachada, assemelha-
se à composição do reboco da verga do 2º Corpo da Igreja.
Em geral, nas construções antigas, as argamassas eram muito bem
confeccionadas, com a seleção cuidadosa de materiais e o domínio de técnica de
execução. Presumivelmente, constituíam argamassas de elevada qualidade. As
diferenças nos traços entre os revestimentos interiores da Igreja da Mouraria devem-se
provavelmente aos requisitos de “qualidade” que se pretendia da argamassa. Nos locais
com interesse em revestir com acabamento decorativo do tipo scaiolla teria sido usado
um traço mais forte para o reboco.
Da mesma forma que na fachada, as argamassas expostas às intempéries e aos
meios de agressividade salina, deveriam ser executadas com traço mais forte. No
Depósito, constata-se que foi aplicada uma argamassa mais fraca. Os resultados obtidos
estão em plena concordância com os aspectos abordados.
.
Fig. 33: Retirada cuidadosa das telhas para análise da permeabilidade.
Fonte: Arquivos do autor, 2011.

Durante o período de realização do ensaio foram observadas eventuais


ocorrências de vazamentos, formação de gotas e manchas de umidade em sua face
inferior. Algumas etapas e aspectos da realização deste ensaio estão ilustrados nas
figuras 33. Embora já antigas e com alguma degradação superficial, as telhas analisadas
se mantêm ainda impermeáveis. Os resultados obtidos no ensaio de permeabilidade das
telhas constam no laudo do NTPR (Anexo II), do Diagnóstico da Igreja da Mouraria.

2.4 Ensaio com ácido clorídrico

O ensaio com ácido clorídrico (HCl) é simples e rápido e tem como objetivo
conhecer a origem do material, se calcária ou silícática. O exame consiste em pingar 2
gotas de HCL no material, verificando em seguida o grau de efervescência. A
efervescência do material indica que o material é de origem calcária e a ausência de
efervescência infere um material silicático. A efervescência forte indicia um calcário
carbonático (tem elevada quantidade de carbonato de cálcio em sua composição), a
efervescência fraca, indica um calcário magnesiano ou dolomitico (com maior
proporção de carbonato de magnésio).
Com o objetivo de caracterizar o material do piso do adro e da escada de acesso
à igreja, foram extraídos fragmentos representativos desses materiais, que se
encontravam já destacados, e levados ao laboratório para a análise (Fig. 34). Em
complemento, conhecendo outras características dos materiais (composição, porosidade,
massa unitária, etc.), é possível avaliar o seu comportamento frente às ações mecânicas
e ao intemperismo – fenômenos bastante frequentes no adro da igreja. Portanto, além do
ensaio de ácido clorídrico, uma caracterização mais completa do material será possível
através das análises de porosidade total, massa unitária (picnômetro de Hubbard) e da
composição mineralógica do material (através da análise petrográfica ao microscópio).

Figura 34: Amostra do piso do Adro em análise.


Fonte: Arquivos do autor, 2011.

O material lítico do piso do adro apresentou efervescência forte e, portanto, é de


origem calcária e é carbonático, ou seja, o carbonato de cálcio tem proporção
predominante em sua composição.

Figura 35; Escada de acesso à Igreja, local de onde foram retirados fragmentos para
análise com ácido clorídrico.
Fonte: Arquivos do autor, 2011.
Embora não tenha sido feita análise petrográfica, a observação direta do
fragmento do piso branco do adro sugeriu que se trata de um material importado, por
apresentar cristalização muito fina, diferentemente do material nacional que, em geral,
mostra estrutura granulosa como o açúcar (sacaróide).
Da mesma forma, os testes efetuados nas amostras do piso da escada de acesso à
igreja demonstraram efervescência forte, sugerindo material de cimentação calcária,
com elevada proporção de carbonato de cálcio em sua composição. Em geral, o material
carbonático é poroso e, portanto, bastante susceptível ao ataque do intemperismo e/ou
de produtos agressivos.
Apêndice C
FICHAS CATALOGRÁFICAS
APRESENTANDO O DIAGNÓSTICO
DA IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA
MOURARIA, EM 2011.
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 01
Elemento: PORTÃO DE ACESSO / GRADIS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de peças oxidadas e quebradas;
- Perda da camada protetiva por pintura;
- Oxidação seguida de expansão dos elementos metálicos e
consequente fissuração e expulsão do reboco;
- Presença de agentes corrosivos (fezes de pombo).

Prováveis causas:
- Presença de umidade;
- Problemas decorrentes, em grande parte, da exposição aos
agentes atmosféricos;
- Falta de manutenção e proteção por pintura adequada das
peças;
- Deformação e fadiga das peças metálicas;
- Ataque biológico;
- Mau uso e vandalismo.

Localização:
DIS
GRA
COFAM
TÃO
IGREJA
POR

Rua da Mouraria
LOJA

Planta Baixa
Pavimento Térreo
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 02
Elemento: ESCADAS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Escada de acesso principal com perdas pontuais de material
(lacunas);
- Desgaste da superfície dos degraus;
- Presença de manchas escuras nos espelhos;
- Fendas e fissuras;
- Presença de vegetação nas lacunas.

Prováveis causas:
- Exposição à ação erosiva de agentes físicos (vento, chuva,
poluição, etc.), mecânicos (atritos, golpes, vibração, etc.) e
do próprio uso.

- Infiltração da água de chuva, cujos componentes provocam


a erosão química do material da escada.

- A poluição, decorrente da presença de trânsito intenso na


região onde está implantada a Igreja, e que contribui para
acelerar os mecanismos de degradação dos materiais.

Localização:

Escadas
COFAM
S
IGREJA

Rua da Mouraria
LOJA

Planta Baixa
Pavimento Térreo
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 03
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Fissuras, esmaecimento da cor, infestação de vegetação,
lacunas e peças quebradas do piso de mármore com tons de
cinza e branco.
- Desgaste, enegrecimento, muitas fissuras e presença de
vegetação no piso lateral, em cimentado;
- Muitas sujidades, quer no piso de mármore, quer no
cimentado.

Prováveis causas:
- Exposição dos materiais à ação erosiva de agentes
químicos (por exemplo: materiais de limpeza), físicos
(intemperismo), mecânicos e/ou biológicos;
- Susceptibilidade do material de origem carbonática ao
ataque por produtos ácidos e alcalinos usados na limpeza
de rotina;
- Porosidade do material, que pode contribuir para o
desencadeamento da degradação.

Localização:

COFAM
IGREJA

LOJA
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 04
Elemento: PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Rachadura no pilar e descolamento do seu revestimento;
- Manchas esverdeadas na parte inferior do muro e dos pilares
(biofilme);
- Manchas escuras nas bases dos pilares e locais protegidos
da lavagem da chuva;
- Crescimento de vegetação nos cantos das paredes e do piso.

Prováveis causas:
- Expulsão do revestimento por oxidação e consequente
expansão da ferragem do gradil;
- Ataque biológico, no caso das manchas esverdeadas;
- As manchas escuras podem estar relacionadas à
microfloresta de algas ou serem decorrentes da associação
de liquens e fungos (biodegradação).

Localização:

COFAM
IGREJA

LOJA
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 05
Elemento: PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- São visíveis fissuras, descolamentos, abaulamentos e
destacamentos do revestimento (lacunas);
- Perda de pintura em zonas pontuais;
- Sujidades, crostas negras e enegrecimento do revestimento
observáveis em diversas zonas, principalmente próximo na
base das paredes, na platibanda e nos adornos da fachada;
- Adição espúria de revestimento incompatível com o
substrato;
- Frisos em argamassa danificados em pontos localizados.
Prováveis causas:
- Presença de umidade. Penetração de água pelas fendas e
fissuras, desencadeando os diversos problemas;
- Escorrimento da água da chuva e consequente acúmulo
de sujidades;
- Entupimento de calhas;
- Ataque biológico (pombos, microorganismos), poluição
atmosférica (fuligem);
- Intervenções inadequadas, sem critérios.

Localização da foto na planta:


IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 06
Elemento: PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Empolamento e lacunas do revestimento em zonas
localizadas;
- Descolamento de revestimento cujo aspecto final simula a
estereotomia da pedra;
- Manchas escuras e sujidades próximo à base.

Prováveis causas:
- A presença de umidade associada à existência de sais
solúveis favoreceu à perda de coesão e de aderência do
revestimento que finge pedra em zonas pontuais;
- Ataque biológico e poluição atmosférica atuando como
agentes de degradação do revestimento.

Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 07
Elemento: ORNAMENTOS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas escuras no frontal;
- Destacamento de adornos;
- Presença de fissuras na união das molduras com a parede da
fachada;
- Perdas de elementos decorativos da fachada;
- Crosta negra sobre os frisos horizontais.

Prováveis causas:
- Presença contínua de umidade associada a outros agentes
de degradação (poluição atmosférica, sais, etc.) favorece a
perda de coesão das argamassas e desencadeia o
destacamento dos elementos decorativos em massa que
compõem a fachada;
- Possíveis falhas na especificação dos materiais de fixação
dos ornamentos;
- Excrementos de animais depositados nos elementos
decorativos da fachada cuja ação corrosiva favorece a
degradação do material.
Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 08
Elemento: ORNAMENTOS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Descolamentos e destacamentos do reboco;
- Perda de pintura em zonas pontuais.
- Erosão dos ornamentos;
- Fissuras observadas na união dos elementos pré-
fabricados;
- Lacunas;
- Enegrecimento da face superior dos adornos;
- Adição de materiais incompatíveis;

Prováveis causas:
- Ação dos agentes atmosféricos;
- Presença de umidade;
- Falhas na cobertura - calhas entupidas;
- Dilatação térmica dos materiais - fachada poente;
- Ataque biológico (pombos, microorganismos), poluição
atmosférica (fuligem)
- Intervenção inadequada, sem critérios.

Localização da foto na planta:


IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 09
Elemento: PORTA EXTERNA - 01 (lado esquerdo) Data: 21/07/2011
Descrição:
- Esmaecimento da cor da porta de madeira;
- Descascamento da pintura à óleo (de cor verde),
principalmente na face voltada para a fachada;
- Perda de material em zonas pontuais;
- Problemas no sistema de fixação à parede que dificultam,
inclusive, o fechamento e a abertura da porta;
- Presença de formigueiro no canto da soleira da porta.

Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta às
intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios ultra-
violeta, etc;
- A presença de umidade constante na base da parede e a
consequente oxidação, seguida da expansão das ferragens da
porta, gerou lesões no reboco interno, desencadeando
problemas no sistema de fixação. A ascensão capilar de
soluções salinas acelera a corrosão das ferragens e a
degradação do reboco;
- Ausência de manutenção periódica.
Localização:

Formigas
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 10
Elemento: PORTA PRINCIPAL Data: 21/07/2011
Descrição:
- Esmaecimento da cor da porta de madeira;
- Descascamento da pintura à óleo (de cor verde),
principalmente nas almofadas e travessas da base da porta;
- Perda de material em zonas pontuais;
- Sujidades;
- Ferragens com oxidação.

Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta
às intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios
ultra-violeta, etc;
- Os problemas encontrados na base das portas sugerem
reações no interior do próprio material e que são agravadas
pela presença de umidade de origem ascensional ou
proveniente dos respingos da água de chuva.
- Ausência de manutenção periódica.

Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 11
Elemento: PORTA EXTERNA - 02 (lado direito) Data: 21/07/2011
Descrição:
- Esmaecimento da cor das portas de madeira;
- Pintura a óleo de cor verde descascada;
- Sujidades;
- Perda de material em zonas pontuais;
- Ferragens com oxidação;
- Afastamento entre o marco e a alvenaria;

Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta às
intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios ultra-
violeta, etc;
- A oxidação, seguida da expansão das ferragens da portas,
desencadeou problemas no sistema de fixação. Por outro
lado, a fadiga do material, devido às ações contínuas de
abertura e fechamento das portas, causou o afastamento entre
o marco a alvenaria.
- Ausência de manutenção periódica.

Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: COBERTURA Ficha: 12
Elemento: TELHADO / ÁGUAS / CALHAS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de manchas escuras na superfície das telhas;
- Eflorescências em algumas telhas;
- Telhas quebradas, corridas ou mal encaixadas, gerando
infiltração de água para o interior do edifício;
- Argamassa de fixação das telhas destacando-se ou
inexistente, contribuindo para a infiltração de água nas
paredes;
- Calhas e condutores entupidos, danificados ou com partes
faltantes. Sistema de coleta de águas pluviais muito mal
arranjado;
- Presença de vegetação em pequenas áreas.

Prováveis causas:
- Umidade associada aos agentes atmosféricos e biológicos;
- Proliferação de pombos em busca de locais para ninhos;
- Possíveis falhas na execução dos sucessivos concertos e
ineficiente funcionamento dos sistemas de coleta de águas
pluviais;
- Ausência de manutenção preventiva.
Localização:

COFAM
IGREJA

Rua da Mouraria
LOJA

Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente: COBERTURA Ficha: 13
Elemento: ESTRUTURA DE MADEIRA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Apodrecimento das peças de madeira de sustentação do
telhado e das tábuas que compõem o caixotão do forro da
nave;
- Manchas de umidade visíveis;
- Presença de insetos xilófagos (cupins) em diversas peças
do madeiramento da cobertura, constatando-se que ainda
cupins estão em atividade.

Prováveis causas:
- Presença de umidade associada aos agentes físicos
(chuva, ventos, poluição, etc.) e biológicos.
- Problemas da cobertura (telhas partidas ou mal
encaixadas) propiciam a infiltração de água resultando em
ambientes propícios à proliferação dos agentes biológicos.
Estes afetam diretamente o madeiramento do telhado e do
forro, o fragilizando;
- Ausência de manutenção preventiva.

Localização:

COFAM
IGREJA

Rua da Mouraria
cupins

LOJA

Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: PÁTEO Ficha: 14
Elemento: TUBULAÇÃO PLUVIAL / PISO / PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Instalações e peças antigas em condições precárias onde se
identificam soluções bisonhas do sistema de recolhimento de
águas pluviais;
- Fixação deficiente da tubulação;
- Pontos de entupimento e vazamentos das tubulações;
- Manchas esverdeadas na base das paredes, sugerindo a
existência de microflora de algas;
- Escurecimento e desgaste superficial generalizado do
ladrilho hidráulico;
Prováveis causas:
- Ausência de critérios na implementação de soluções para o
sistema de coleta de águas pluviais;
- Presença de umidade associada aos agentes climáticos;
- Manutenção inadequada: uso de produtos agressivos na
limpeza do piso que podem ter favorecido a perda da camada
superficial de proteção;
- Proliferação de microorganismos, devido a presença de
umidade.

Localização:

COFAM
IGREJA

Rua da Mouraria
LOJA

Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 15
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas de umidade em algumas pedras do piso de
mármore;
- Manchas amareladas e esmaecimento da cor do piso em
mármore;
- Lápides dos túmulos apresentam rachaduras;
- Piso lateral da Nave, em cimentado, com perdas pontuais;

Prováveis causas:
- Presença de umidade com origem no terreno (capilaridade
ascendente) ou, levanta-se a hipótese de as manchas serem
provenientes da aspersão de água benta sobre os fiéis da
igreja, ato praticado com a frequência de, pelo menos, três
vezes por semana;
- O choque/golpe dos pés dos bancos de madeira provocam a
perda do material cimentado;
- O stress mecânico decorrente da sobrecarga depositada pelo
peso das pessoas no momento da distribuição das hóstias é
uma possível causa da ruptura das lápides.
Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 16
Elemento: PAREDE LATERAL DIREITA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Lacunas pontuais no revestimento de azulejo, obturadas
em intervenções anteriores ;
- Peças com fissuras ou micro-fissuras que se repetem ao
longo de uma extensão, com altura definida;
- Sujidade aderente e manchas amareladas em zonas
pontuais;
- Falhas e/ou perdas no vidrado, principalmente nas bordas e
arestas;
- Peças trocadas numa pequena área;
- Perda de aderência à argamassa de assentamento, sinalizada
pelo som oco que os azulejos apresentam à percussão
Prováveis causas:
- Degradação física do material devido ao choque das
extremidades dos bancos de madeira da nave com a parede;
- Falhas e perdas no vidrado, provavelmente associadas às
tensões entre os azulejos, dada a quase inexistência de
espaçamento entre as juntas, ou a ainda à presença de umidade
por capilaridade ascendente.

Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 17
Elemento: PAREDE LATERAL ESQUERDA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Azulejos com algumas lacunas;
- Peças fissuradas;
- Lacunas colmatadas com massa de coloração branca ou
pigmentada com azul;
- Falhas e perdas no vidrado, principalmente nas bordas e
arestas.
- Sujidades superficiais;

Prováveis causas:
- Degradação física do material devido ao choque das
extremidades dos bancos de madeira da nave coma parede;
- Falhas e perdas no vidrado, provavelmente associadas às
tensões entre os azulejos, dada a quase inexistência de
espaçamento entre as juntas, ou a ainda à presença de umidade
por capilaridade ascendente.

Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 18
Elemento: TARDOZ DA FACHADA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas de escoamento de água proveniente da cobertura
são visíveis na parede do tardoz da fachada;
- Elevado estado de degradação da cornija de madeira, que
remata o forro da nave visível pelo apodrecimento seguido de
desprendimento de grande extensão da cornija;
- Manchas diversas, pulverulência e destacamento do
revestimento.

Prováveis causas:
- Relação intrínseca com os problemas encontrados na
cobertura da Nave de Igreja (infiltrações, calhas entupidas,
mal-dimensionadas) e que se refletem no interior desta,
ocasionando o escoamento das águas pluviais através da
parede.

Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 19
Elemento: TRIBUNA E PÚLPITO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Sujidade generalizada, quer na tribuna, quer no púlpito;
- Perda de elementos decorativos;
- Destacamento do revestimento no umbral do vão da porta e
sinais de degradação devido à presença de umidade no
púlpito;
- Dificuldades na abertura e no fechamento da porta do
púlpito.
Prováveis causas:
- Inexistência de manutenção e limpeza da tribuna
decorrentes da impossibilidade acesso a este espaço já que
atualmente,o mesmo é possível, exclusivamente, por meio de
um estabelecimento comercial contíguo à Igreja;
- Infiltrações na cobertura desencadeiam alguns problemas
observados no púlpito e que são decorrentes da presença de
umidade. Da mesma forma, favorece à degradação, a
influência semi-direta das intempéries, pelo fato de o acesso
ao púlpito se dar através do pátio descoberto;
- Apodrecimento do chapuz dentro da parede pode ser a
origem do destacamento do revestimento.
Púlpito Localização:

Púlpito

Tribuna

Tribuna
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 20
Elemento: CORO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Peças estruturais do assoalho (barrotes e pranchões)
visivelmente comprometidos;
- Presença de excrementos de animais, possivelmente de
ratos; existência de pequenas bolas marrons, sobre as partes
horizontais das peças de madeira
- Ataque de organismos xilófagos em algumas peças;
- Manchas escuras aparentando apodrecimento nas peças de
Vista do interior do tabuado ao retirar uma das tábuas madeira.
Prováveis causas:
- Infiltrações localizadas em determinadas zonas das paredes,
provenientes da cobertura por deficiências no sistema de
recolhimento de água (entupimento de calhas, por exemplo);
- Degradação por ataque de insetos xilófagos, fungos e ratos;
- Ausência de manutenção e de medidas de proteção para o
madeiramento.

Localização:

CORO NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 21
Elemento: FORRO SOB O CORO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Lacunas localizadas;
- Craquelê, fissuras; manchas, sujidades, desprendimento
de camada pictórica;
- Biodegradação: ataque de insetos xilófagos, presença de
fungos.
- Apodrecimento da madeira;

Prováveis causas:

- Danos nas pinturas do forro sob o coro estão diretamente


associados aos problemas do tabuado do coro, que têm
principal origem na infiltração de água de chuva pelo telhado
e calhas;
- Ausência de manutenção e de medidas de proteção.

Localização:

CORO NAVE

face inferior face superior


IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 22
Elemento: FORRO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Apodrecimento da madeira da cornija em alguns trechos;
- Rachaduras e pequenas lacunas nas tábuas do caixotão;
- Manchas de umidade, odor a mofo;
- Pintura central com perdas na camada pictórica;
- Fendilhamentos;
- Sujidade generalizada.

Prováveis causas:
- Presença de umidade pela infiltração oriunda do telhado, que
pela sucessão de ciclos de umedecimento e secagem, favorece
os fenômenos de inchamento e retração da madeira,
resultando nas fendas;
- Biodegradação por ataque de insetos xilófagos, fungos,
depósito de fezes de morcegos e pombos;
- Falta de manutenção e de medidas de proteção.

Localização:

CORO NAVE
cupins
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 23
Elemento: ARCO-CRUZEIRO - RETÁBULOS LATERAIS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Fissuras, arranhões na superfície, lacunas, perda de camada
pictórica, descolamentos da madeira que compõe quer o
arco-cruzeiro, quer os retábulos laterais;
- Oxidação dos vernizes aplicados sobre a madeira;
- Apodrecimento da madeira em algumas zonas.

Prováveis causas:
- Presença de umidade oriunda do telhado;
- Ataque de agentes biológicos: insetos xilófagos, fungos,
bactérias;
- Falta de manutenção e de medidas de proteção.

Vista geral do arco-cruzeiro e dos retábulos laterais.


Ao fundo forro da capela-mor e altar-mor Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ALTAR-MOR Ficha: 24
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Desgaste do piso de ladrilho,
- Perda do brilho, do cromatismo e do desenho;
- Esmaecimento da cor generalizado;
- Visíveis manchas de umidade, rachaduras nas peças e
arranhões na superfície.

Prováveis causas:
- Presença de umidade com origem no terreno (capilaridade
ascendente). Levanta-se ainda a hipótese, de as manchas
estarem relacionadas com a aspersão de água benta sobre os
fiéis da igreja, ato praticado com a frequência de, pelo menos,
três vezes por semana;
- O próprio uso e a idade do material estão relacionados com o
problema de desgaste, mas o uso de produtos ácidos ou
alcalino na limpeza de rotina contribui decisivamente para
acelerar a degradação do piso.

Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ALTAR-MOR Ficha: 25
Elemento: RETÁBULO / FORRO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Visível degradação das tábuas do forro;
- Manchas de escoamento de água de chuva;
- Rachaduras nas tábuas do retábulo, descolamentos;
- Deterioração da instalações elétricas antigas;
- Sujidades, erosão por fezes de morcego;
- Fendilhamento em algumas peças do retábulo;
- Apodrecimento de peças, onde é visível a presença ativa de
xilófagos;
- Comprometimento da estrutura da escada de acesso ao altar-
mor.

Prováveis causas:
- Presença de umidade pela infiltração oriunda do telhado ou
das calhas, que pela sucessão de ciclos de umedecimento e
1 2 secagem, favorece a ocorrência dos fenômenos de
inchamento e retração da madeira, resultando nas fendas;
- Ação ou presença, apenas, de agentes biológicos: insetos
xilófagos, fungos, bactérias e morcegos;

Localização:

2
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: 2º Corpo da Igreja Ficha: 26
Elemento: Paredes / Forro Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas visíveis da presença de umidade até altura de um
metro do piso, aproximadamente; Manchas escuras no forro.
- Descolamento da camada de pintura em diversas zonas da
parede;
- Perda do revestimento por pintura e eflorescências na base
da parede comum com ao COFAM;
- Sinais de fissuras na parede contígua com a parede do
COFAM
- Perda de coesão e destacamento do reboco em algumas
A zonas da parede, com comprometimento da camada pictórica
de algum interesse artístico e que simula florais ou figuras
geométricas;
Prováveis causas:
- Infiltração de água através da cobertura, em decorrência de
problemas com as telhas e/ou de deficiência do sistema de
escoamento pluvial; Umidade de capilaridade;
- Reformas feitas ao longo do tempo, desarticulando o sistema
construtivo original;
- Ataque de insetos xilófagos, fungos, bactérias no forro; Falta de
manutenção periódica e de medidas de proteção.
Localização:
A

A
=1,00m

NAVE
~
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SACRISTIA Ficha: 27
Elemento: PISO / PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença generalizada de Eflorecências na base das paredes
da sacristia, especificamente na zona com acabamento por
pintura polimérica, em cor verde;
- Abaulamento e destacamento do revestimento em zonas
A localizadas das paredes (por debaixo da pia, por exemplo);
- Manchas escuras no piso.
-Sinais de fissuras na parede contígua com a parede do
COFAM
Prováveis causas:
- Presença de água de ascensão capilar proveniente do
subsolo, potenciada pela dificuldade de sua eliminação
devido à pintura impermeável existente, que não permite a
evaporação de água;
- Problemas pontuais nas paredes e pisos podem estar
ligados a roturas ou deficiências de estanqueidade das
instalações hidrossanitárias;
- Reformas feitas ao longo do tempo, com desarticulação do
sistema construtivo original, como a abertura do armário (A)
- Ausência de manutenção e de medidas de proteção.
Localização:

A
B

NAVE

B
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SACRISTIA Ficha: 28
Elemento: FORRO Data: 21/07/2011
Descrição:
- São visíveis manchas esbranquiçadas e também manchas
escurecidas;
- Manchas de umidade;

Prováveis causas:
- Inexistência de medidas de proteção: as peças de madeira
que compõem a estrutura do forro não apresentam nenhum
tipo de tratamento, pintura ou verniz.

Localização:

NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ADMINISTRAÇÃO (SALA DOS VICENTINOS) Ficha: 29
Elemento: ESCADA DE ACESSO / INSTALAÇÕES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Degradação do corrimão de madeira e desgaste do piso
cimentado da escada que dá acesso à administração e ao coro;
- Vazamento pela tubulação de escoamento de águas pluviais
localizada no interior da sala;
- Mau funcionamento do sistema de instalações de esgoto do
sanitário da administração que, inclusive, pode comprometer
a água do reservatório utilizado no abastecimento da Igreja e
do COFAM, já que este se localiza embaixo do sanitário.

Prováveis causas:
- Influência direta das intempéries na escada através do
RESERVATÓRIO EMBAIXO DO SANITÁRIO pátio descoberto;
- Ataque de insetos xilófagos na madeira do corrimão;
- Deficiências no sistema de escoamento das águas pluviais:
entupimento de calhas, condutores danificados, etc.;
- Falta de manutenção e de soluções adequadas para o
sistema hidrossanitário.

Localização:
ADM
ESCADA DE ACESSO

CORO NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SÓTAO Ficha: 30
Elemento: ESCADA DE ACESSO / SINO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de caminhos de cupins em boa parte do
madeiramento do telhado, inclusive, em zonas preferenciais
da parede, com direção à estrutura de madeira da nave;
- Manchas esbranquiçadas e sujidades na madeira da escada
de acesso ao sótão;
- Eflorescências (véu salino) no revestimento do tardoz da
fachada;
- Indícios de corrosão no sino, fissuras e mudança de cor, com
manchas no interior, do tipo colcha de retalhos;
Prováveis causas:
- Presença de umidade proveniente do telhado associada ao ataque
de insetos xilófagos, fungos, bactérias;
- Aerosol marinho, poluição, agentes atmosféricos e biológicos
(excrementos de pombo) podem estar associados à degradação do
sino;
- Revestimento de cimento usado na fachada, na zona próxima ao
sino, é a causa provável para o aparecimento do véu salino que se
observa no revestimento do sótão. Os sais contidos no cimento
migram pela parede e cristalizam na superfície do revestimento.

Localização:

ESTRUTURA
ns
pi

DO TELHADO
cu
Apêndice D
ARTIGOS: VI-VER O PATRIMÔNIO

PROJETO PILOTO DE EDUCAÇÃO PARA VI-VER O PATRIMÔNIO,


EM SALVADOR-BA, BRASIL (apresentado em La Plata-Argentina); AS
FRONTEIRAS PARA ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ – INICIATIVAS DE
PRESERVAÇÃO (será apresentado em São Paulo); e “VI-VER O
PATRIMÔNIO” – UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
(resumo aceito, com artigo em andamento para ser apresentado em
seminário no LNEC, Lisboa).
Formación de Recursos Humanos para la Restauración y
Conservación del Patrimonio Tópico Nº 5

Projeto Piloto de Educação para Vi-Ver o Patrimônio, em Salvador-BA,


Brasil

Elisângela Leão; Erwic Flores Caparó

(1) Mestranda, PPG-FAUFBA


(2) Doutor, PPG-FAUFBA
lisleaoarq@yahoo.com.br/erwicflo@hotmail.com

RESUMO
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ é um projeto piloto que visa implantar a educação para o patrimônio, na
cidade de Salvador-BA. Por um lado, entendendo que é um processo permanente e sistematico
de trabalho educacional centrado no patrimonio cultural [Chuva 2012, p. 293]1, e por outro, como
instrumento de alfabetização cultural. Baseado nestes desafios e com um olhar para a
arquitetura, tem sido procurado uma parceria entre universidade e comunidade para a difusão da
Educação Patrimonial. Cujo pano de fundo é estimular a conscientização para conservação e a
preservação do patrimônio cultural brasileiro, abordando atividades desenvolvidas no centro
histórico da primeira capital do Brasil. O Projeto adotou como objeto de estudo, reconhecimento e
de análise a Igreja da Mouraria. Para tal, desenvolveram-se ações estratégicas, que propiciam a
vivencia dos monumentos e das artes, de maneira muito particular, à jovens do ensino médio com
o objetivo de resgatar uma relação de afeto da comunidade pelo patrimônio e levar os jovens a um
processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural de uma
meneira lúdica e prazerosa, formando agentes multiplicadores para a defesa do patrimônio. O
projeto pretende contribuir, entre outros aspectos, para ir além da formação dos cidadãos e para a
percepção da sua responsabilidade na sociedade.
Palavras-chaves: Educação. Patrimônio. Valorização. Preservação. Restauração

1
1. INTRODUÇÃO
Da construção da idéia à inscrição no edital da Secretaria de Cultura, tres aspectos foram
fundamentais para a formulação do Projeto Vi-Ver o Patrimônio. O primeiro aspecto surgiu durante
o Seminário Internacional de Restauro de Bens Móveis Integrados na Bahia, promovido pelo
Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), em 2010. Este evento objetivou
proporcionar discussões acerca do restauro de bens móveis e integrados, enriquecido pelo
conhecimento de novas técnicas e experiências de capacitação da área, no Brasil e exterior. Este
evento também promoveu o Fórum de Políticas Culturais em Conservação e Restauro de Bens
Móveis Integrados com a temática 'Carências históricas, importância estratégica', evidenciando a
ausência da temática Educação Patrimonial, apesar do extenso programa. Dai em diante, essa
carência despertou um turbilhão de questionamentos, que se tornaria a semente do Vi-Ver o
Patrimônio.
Um segundo aspecto se desprendeu da relação existente entre o objeto de estudo tratado no
mestrado da autora, durante as pesquisas realizadas, na literatura e no campo, no (PPG-AU)
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da (UFBA) Universidade Federal da
Bahia sob o tema: ‘A percepção sensorial do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria,
em Salvador’. Após as primeiras apreciações da pesquisa tem sido compreendido que, o
monumento estudado, como outros tantos, acusa na sua arquitetura a leitura de diferentes
momentos relacionados à vinculos históricos com personalidades que marcaram o
desenvolvimento da cidade, em épocas distintas, porém desconhecidos pela população,
principalmente os jovens que frequentam as escolas secundaristas nos arredores da igreja. Essa
percepção demostrou que é preciso mobilizar a sociedade sobre o reconhecimento e preservação
de seu patrimônio, pois só o conhecimento provoca alterações no mode de ver e perceber as
coisas e o mundo (Surya e Medeiros, p. 300).
O útimo aspecto que fortaleceu a idéia da construção de um projeto que tratasse da educação
para o patrimônio foi o ‘Programa de Capacitação em Projetos Culturais’, do Ministério da Cultura
do Brasil (MinC). Em cuja oficina presencial, realizada em Natal-RN, forneceu mais subsidios
para a estruturação e transformação da ideia em projeto, firmando seus alicerces para concorrer
ao EDITAL SETORIAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL, ARQUITETURA E URBANISMO 10/2012, pela
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, em maio de 2012. Momento oportuno para pôr em
prática o projeto com uma estrutura para levar a frénte a idéia de educação para o patrimonio nas
bases: escolas públicas de Salvador.
Nesse âmbito, nasceu o Projeto Cultural Vi-Ver o Patrimônio - 1ª edição: Igreja de Santo Antônio
da Mouraria – 286 anos. Uma composição de ideias estruturadas de maneira estratégica para
estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural tornando-o mais receptivo a estabelecer
consigo e com a cidade um diálogo em direção ao reconhecimento, à valorização e à conservação
dos monumentos históricos.

2. ESTRATÉGIAS DE RECONHECIMENTO PARA VALORIZAÇÃO


De acordo com Choay, o monumento deve ser mais do que conservado, cultuado, ele
deve ser questionado, pois se constitui em um elemento revelador da sociedade de um
tempo. E assim como a sociedade está em processo nesta relação dinâmica com o
tempo, o espaço e as ideias, os monumentos e a memória também estão, pois “a
essência do monumento está em sua relação com o tempo vivido e com a memória”
[CHOAY 2006, p.56]2.

2
Nessa perspectiva, O Vi-Ver o Patrimônio iniciado em 2013, abordou uma estrutura metodológica
de conteúdos organizados em cinco disciplinas e desenvolvidos em duas etapas: formação e
valorização. Abriu-se um espaço de pesquisa e práticas formado por uma equipe técnica
multidisciplinar, envolvida com conservação e restauro do patrimônio, composta por dois
arquitetos, duas engenheiras, dois artistas plásticos e cinco estagiários, abrangendo alunos do 1º
ao 3º ano do ensino médio, devido à aptidão e ao interesse em lidar com novas tecnologias. Sob a
égide da Educação Patrimonial, foram realizadas ações educacionais que pretendeu promover o
reconhecimento, a preservação, a valorização e a apropriação do patrimônio. Ampliando-se
depois para o reconhecimento do patrimônio nacional e, por fim, as ações de salvaguarda da
UNESCO no patrimônio mundial da humanidade.
Na busca de atrair o interesse do público alvo, a etapa de formação idealizou um curso teórico-
prático de Aprendiz de Técnicas de Documentação e de Conservação do Patrimônio Histórico,
com certificação emitida pela Faculdade de Arquitetura da UFBA. Nesse âmbito foi promovida a
divulgação do curso nas salas de aula das duas escolas estaduais, para inscrição e seleção dos
participantes. A resposta foi imediata, cem vagas foram disponibilizadas e cerca de 150 alunos se
inscreveram para a seleção, gerando uma lista de espera. O processo seletivo contou com o
apoio das estruturas das escolas e foi realizado através de entrevista, preenchimento de
questionário, de termo de compromisso e de termo de autorização dos pais ou responsáveis.
As disciplinas articuladas estrategicamente abordaram conteúdos que despertaram a curiosidade
dos alunos para que naturalmente houvesse o reconhecimento do patrimônio, com atividades
dinâmicas como visitas a monumentos (Fig. 1), associadas a técnicas de cadastro, tecnologias de
documentação, reconhecimento de patologia e história dos monumentos relacionados às
personalidades conhecidas. Foram as seguintes áreas de abordagem:
1. Da Evolução física e histórica do monumento na cidade: pretendeu-se mostrar o valor do
patrimônio através da história dos monumentos, o conhecimento sobre a origem, a época, e como
poder atuar de forma positiva sobre estes.

Figura 1 – Visita ao Convento e Igreja da Piedade, em Salvador-Ba

Acredita-se que o despertar do interesse pela história, materiais e técnicas do monumento, a


preocupação com a preservação seja premente e desenvolvida naturalmente nos jovens, partindo

3
deles essa percepção, não apenas na Mouraria, mas numa visão macro de cidade histórica,
importante para a identidade brasileira. As aulas foram realizadas em salas no Colégio Estadual
da Bahia e na Igreja da Mouraria. Além de aulas a céu aberto no Centro Histórico de Salvador e
visitas monitoradas em museus.
2. Da Leitura e interpretação de plantas: iniciou-se com a teoria do desenho técnico (Fig.2),
manual e a produção de croquis dos ambientes da Igreja da Mouraria e do Prédio Antigo do
Colégio Central, evoluindo para as técnicas de Cadastro e as tecnologias das aulas de Técnicas
de representação, com as quais se realizou a produção do cadastro digitalizado, com recurso do
programa AutoCad.

Figura 2 – Aulas de Desenho Figura 3 – Aulas de AutoCad

3. Das Técnicas de Representação Gráfica: Pretendeu-se através destas aulas (Fig.3), demostrar
aos alunos, como o Patrimônio esta envolvido de maneira direta com os recursos tecnológicos
existentes, especialmente com os programas gráficos de AutoCad, Revit, Fotogrametria, Laser
Scanner, entre outros. O domínio destes recursos representa uma busca constante para a
documentação e preservação dos monumentos, em um esforço que se julga bastante válido,
ainda que o tempo venha a consumir o monumento, já que, digitalmente, o monumento não se
perde, e a cultura e a identidade da cidade poderão ser preservadas. Pretendeu-se ainda com
estas aulas, aproximar os alunos da Universidade, possibilitando a abertura de novos horizontes e
de perspectivas de acesso quer à Academia, quer ao mercado de trabalho. As aulas foram
ministradas na Faculdade de Arquitetura da UFBA, no LABORATÓRIO DE COMPUTAÇÃO
GRÁFICA APLICADA A ARQUITETURA E AO DESENHO (LCAD), local equipado com
computadores, disponibilizado pela Universidade para a realização das aulas de AutoCad para
iniciantes.

4. Dos materiais e patologia da edificação: As aulas discorreram sobre os materiais construtivos


mais comuns em construções antigas (terra, argamassa, madeira, rocha e metais), a sua
importância, a degradação e identificação das patologias construtivas mais frequentes, tornando
viável, junto com o cadastro do edifício, o mapeamento de danos existentes na Igreja de Santo
Antônio da Mouraria, ampliando o olhar e o interesse dos alunos nas visitas externas (Fig. 4). Do
resultado das aulas práticas foi elaborado um documento, que será enviado ao IPHAN - Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para compor as ações de preservação do edifício
tombado.

4
Figura 4 – Visita ao Centro Histórico de Salvador
5. Das oficinas de produção e pintura artesanal de azulejos: Usando técnicas de modelagem e
contato lúdico e técnico com a argila (Fig. 5), os participantes produziram e pintaram azulejos
artesanalmente, focando na historia dos azulejos da Bahia e nas características existentes nos
painéis do século XVIII da Nave da Igreja da Mouraria. Pretendeu-se incentivar o conhecimento e
resgate das técnicas construtivas antigas ainda existentes, mas passíveis de se perder por falta
de conhecimento e valorização. As aulas praticas foram realizadas nas instalações do Museu de
Arte Moderna da Bahia (MAM), com a produção de painéis de azulejos artesanais que foram
expostos na Semana de Exposição, durante a etapa de Valorização.

Figura 5 – Produção de azulejos com técnicas da azulejaria portuguesa.

5
Para isso tem sido estabelecida a parceria entre a UFBA, o Colégio Estadual da Bahia e a
Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) por, todos eles, terem uma participação importante: A
UFBA com suas instalações e equipamento para o ensino das novas tecnologias. A Escola com
salas de aula para a instrução dos módulos de artes, história, materiais e oficinas. E a SSVP com
o monumento (a igreja da Mouraria), que serviu de modelo de trabalho em todas as disciplinas
(Fig.6), pela sua particularidade artística e histórica.

Figura 6 – Aula prática de técnicas de limpeza e conservação dos azulejos da Igreja da Mouraria
Como forma de assegurar o cumprimento dos objetivos do projeto, e garantir a assiduidade e
evitando a evasão ao longo do curso foram executadas algumas ações de incentivo aos jovens.
Como a distribuição de camisas com a marca do projeto, materiais didáticos com kit para as aulas
de desenho técnico, materiais para as oficinas de azulejos, doação de auxílio transporte e auxílio
alimentação. Além disto, ao final do curso, os alunos que mantiveram assiduidade e tiverem
apresentado os seus trabalhos, receberam um certificado de capacitação emitido pela UFBA, pois
esta etapa de formação foi reconhecida e registrada como projeto de extensão da universidade,
pelo Departamento IV – Da Tecnologia Aplicada à Arquitetura.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na medida em que se desenvolveram as atividades foram observadas externalidades, fatos e
ocorrências fora das previsões advertidas no projeto, mas que trouxeram ocorrencias positivas e
efeitos não previstos que influenciaram e exigiram medidas dinâmicas para manter o controle de
qualidade e o objetivo do projeto, tais como:
A amplitude do papel das redes sociais na divulgação do curso e durante as atividades do projeto,
trazendo questionamento de outras escolas para o fato de o projeto não agregar seus alunos, ou
alunos buscando a mudança de instituição para participar do projeto. A interrelação do facebook
nas redes sociais permitiu entre todos, um novo grupo de “amigos”, formados por alunos
secundaristas, universitários, professores, mestres e doutores, na mesma página curtindo as
atividades do Vi-Ver o Patrimônio, comentando, sugerindo. Onde o papel do Governo ainda não
sendo enfático este projeto é visto como uma nova vertente educacional. Prova disto é também a
presença dos pais acompanhando os alunos pela rede, verificando o compromisso, o interesse, a
participação e até divulgando o projeto em outras redes, além de entrarem em contato e
participarem das visitas de campo.
O apoio dos ex-alunos na palestra de abertura e no desenvolvimento das atividades como
facilitadores no acesso aos monumentos visitados e na atenção desprendida aos alunos,
respondendo as mais diversas dúvidas e promovendo o conhecimento de profissões relacionadas
ao patrimônio. Cada visita foi acompanhada por profissionais que corroboraram em todos os
aspectos, no sentido de sensibilizar os participantes para a conservação do patrimônio como
preservação de sua identidade.
6
A importância do papel das instituições de nível superior na difusão da Educação Patrimonial é
premente, pois todo o conhecimento gerado na universidade tem obrigação de retornar à
sociedade como força motrix de desenvolvimento, principalmente, social.
As aulas no LCAD trouxe para a realidade dos alunos de escola pública a presença da
universidade. E a cada sexta-feira eles vivenciaram o campus da UFBA, frequentaram as
bibliotecas, viram exposições, maquetes, tiveram acesso a outras plataformas de conhecimento e
percepções, fato que elevou a autoestima, gerando questionamentos sobre profissões, cursos,
ampliando a perspectiva de futuro.
A movimentação da presença de cem jovens estudando a Igreja da Mouraria (Fig.7), sob diversos
aspectos, chamou a atenção da comunidade para o reconhecimento e a valorização da Igreja
como monumento de elevada importância, contentora de uma riqueza histórica particular, pouco
conhecida e divulgada, agregando inclusive novos adeptos ao Santo protetor da Igreja (Santo
Antônio), nos dias da trezena.

Figura 7 – Chegada da turma 1 para inicio do cadastro na Igreja.


Apesar das estratégias dedicadas para evitar a evasão de participantes foi inevitável, devido a
variados problemas familiares e, principalmente, econômicos. Houve alunos que abandonaram o
curso, por uma vaga de trabalho em lava-jato ou em lojas do comércio como vendedores,
deixando de lado o aspecto educacional. Em previsão do antes mencionado abriu-se uma lista em
igual número de vagas abandonadas. Essa postura provem técnicas aprendidas sobre os
mecanismos de produção de projetos culturais. Tudo isso, gerou a necessidade de incluir aulas
extras no cronograma para o nivelamento dos participantes sem comprometer o andamento e a
qualidade do projeto, para isso contou-se com o comprometimento de cada profissional envolvido.

4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As atividades humanas – percepção e criação – produzem o bem e o homem lhe atribui valores
tornando fundamental a existência de um patrimônio conhecido, de uma memória preservada,
para que se possa construir uma identidade cultural. Quer o investimento, quer a busca por
recursos que garantam a sustentabilidade de um monumento, estes constituem ações que requer
7
da comunidade envolvida, o conhecimento e a valorização do Patrimônio Cultural. No entanto,
pouca valorização se dá ao Patrimônio em Salvador, e isto se deve ao desconhecimento que a
maior parte da população possui sobre o tema, que não é tratado nas escolas. A necessidade de
instigar nos jovens o interesse pelo patrimônio é uma questão essencial e que deve ser
preocupação de todas as esferas da sociedade, afinal, serão estes jovens os futuros responsáveis
pela conservação dos monumentos de hoje. Se não se educa para o patrimônio, para vivê-lo, e
mantê-lo vivo, corremos os sérios riscos de perder nossos monumentos.
Todo este contexto propiciou a idealização do Projeto VI-VER O PATRIMONIO, que tem por
objetivo principal educar jovens para o patrimônio, e que se revela, além de um processo de
aprendizagem, uma promissora iniciativa de inserção sócio-cultural e profissional. Junto às
escolas e à comunidade, fortaleceu a relação das pessoas envolvidas com suas heranças
culturais e estabeleceu um melhor relacionamento destas com os bens patrimoniais. O projeto
contribuiu, entre outros aspectos, para ir mais além da formação dos jovens, dando-lhes outras
formas de conhecer e de pensar a sua cultura. Estes jovens passaram a perceber a sua
responsabilidade pela valorização e preservação do Patrimônio, fortalecendo a vivência em
cidadania, num processo de inserção social.
Como resultado das atividades geradas, houve grande aceitação e valorização patrimonial com a
herança dos antepassados e, consequentemente com o projeto, por parte dos participantes.
Quanto à sociedade vicentina, cerca de 75,6% dos membros apoiaram o projeto, 15,1% ficaram
receosos e 9,3% não concordaram com a ideia. Por outro lado, entre os alunos da escola pública,
82,2% tiveram grande interesse pelo projeto, 14,2% não demonstraram o mesmo interesse, mas
concluiu o programa, e 3,6% desistiram por circunstâncias diversas.
Da experiência realizada, pode-se afirmar que o modelo piloto aplicado nesta cidade fornece
indicações de que é possivel não só promover a preservação do monumento tombado para as
futuras gerações através da sua preservação, mas também da educação patrimonial. O papel do
cidadão tornou-se, desta forma, um aspecto importante para incentivar a valorização e a formação
de novos interessados na área. Pretende-se dar continuidade a este projeto, cujos resultados
foram bastante positivos, corroborando com a identidade do individuo em seu contexto, em seu
lugar. Para Ostrower [1995, p.12]3, todo ato de percepção abrange no presente, uma
projeção sobre o futuro. Nesse sentido, espera-se que as percepções do Vi-Ver o
Patrimônio despertem uma projeção de futuro para os jovens e para a preservação dos
monumentos.
Com base teórica na percepção do Vi-Ver o Patrimônio, o próximo passo é a análise dos
resultados do Projeto para servir de base para reflexões sobre o prosseguimento em futuras
edições. Já se prevê a extensão do público-alvo para as escolas iniciais e dos militares, por
exemplo, a quem está entregue a guarda e manutenção das nossas seculares fortificações,
Patrimônio de interesse Histórico e Cultural Nacional.

4. REFERENCIAS

[1] Chuva, Marcia. Patrimônio Cultural: políticas e perspectivas de preservação no Brasil:


FAPERJ, 2012.

[2] Choay, F. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.

[3] Ostrower, Fayga. Acasos e Criação Artística. Rio de Janeiro: Campus, 1995.

8
XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado
A DIMENSÃO COTIDIANA DO PATRIMÔNIO E DESAFIOS PARA SUA PRESERVAÇÃO
21 a 24 de outubro de 2014
Bauru (SP), Brasil

AS FRONTEIRAS PARA ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ – INICIATIVAS DE PRESERVAÇÃO

LEÃO, Elisângela Conceição Dantas 1, FLORES, Caparó Erwic2

1: Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura, Brasil


e-mail: lisleaoarq@yahoo.com.br

2: Universidad Nacional San Antonio Abad del Cusco - Faculdade de Arquitetura y Urbanismo, Peru
e-mail: erwicflo@hotmail.com

RESUMO
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ é um projeto cultural idealizado e desenvolvido na primeira capital do Brasil,
que visa implantar a educação para o patrimônio, na cidade de Salvador-Bahia. Por um lado, é entendido
como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural e
por outro, como instrumento de alfabetização cultural.
Direcionado aos jovens de escolas de ensino médio da rede pública e com foco na paisagem e
arquitetura do centro antigo de Salvador, o projeto piloto foi realizado em 2013, a partir da iniciativa da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, por meio do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
financiado pelo Governo do Estado. O projeto teve como objeto de estudo, reconhecimento e análise a
Igreja de Santo Antônio da Mouraria, datada do século XVIII, monumento tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Para tal, desenvolveram-se ações estratégicas, que propiciaram a vivência de outros monumentos
culturais e artes locais, visando o resgate da relação de afeto da comunidade pelo patrimônio. Neste
sentido, os jovens que participaram desta ação foram percebendo o significado de Patrimônio Cultural,
num processo ativo de reconhecimento local, de apropriação e valorização de sua herança cultural de
maneira lúdica e prazerosa.
O ineditismo da proposta contribuiu, entre outros aspectos, para ir além da instrução dos cidadãos e da
percepção da sua responsabilidade e papel na sociedade, um modelo a seguir, vislumbrado por países
como Argentina e Peru. Com repercussão internacional, a 2ª edição foi APROVADA pela Secretaria de
Cultura do Estado, a qual foi reformulada com critérios mais amplos absorvendo a experiência executada
em parceria com a Universidade de Cusco, cujos resultados e empolgação dos futuros agentes
multiplicadores foram os mesmos obtidos no Brasil, por se tratar de uma linguagem única: o
reconhecimento da identidade no patrimônio construído.

PALAVRAS CHAVE: Educação; Patrimônio; Valorização; Preservação.

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XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado
A DIMENSÃO COTIDIANA DO PATRIMÔNIO E DESAFIOS PARA SUA PRESERVAÇÃO
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1. ENTRE A TRANSITORIEDADE DA MATÉRIA E A PERMANÊNCIA DAS IDÉIAS: VI-VER O PATRIMÔNIO


A passagem do tempo sobre os monumentos, observada a partir das teorias de Henri Bergson, filósofo
francês, faz refletir sobre a duração enquanto memória, que se apresenta na elaboração do presente, a
partir do passado. A duração em Bergson faz compreender o processo em que o presente/passado se
entrelaçam em direção a multiplicidade do futuro, evidenciando a importância do instante para o devir.
Funcionando como ponte, o presente evoca o passado através da lembrança e a memória constrói um
tempo que, ao articular passado/presente/futuro, remente a uma dimensão espacial. E quando esta
memória coletiva se relaciona com construções que se reconhece na identidade cultural de um povo,
revela uma permanência e se constitui em patrimônio cultural.
De fato, tudo passa, mas a diversidade temporal dos fenômenos demonstra que a maneira como passa,
faz toda a diferença. Para Zygmunt Bauman, em seus relatos sobre a Modernidade Líquida, publicado em
2007, estar situado entre o passado e o futuro é construir uma ponte entre a durabilidade e a
transitoriedade e viver numa sociedade líquida que implica em assumir responsabilidades e perceber o
momento, o instantâneo em seu tempo e espaço únicos. Assim como o Patrimônio, que é único em seu
tempo, com sua bagagem histórica, tecnológica e, por fim, fadado ao desaparecimento, caso não haja
políticas incisivas ou iniciativas de reconhecimento e valorização, como ferramentas de preservação.
Nesse sentido, os interesses do pesquisador devem ultrapassar os fatos em busca de uma essência,
contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Para Bergson, em Matéria e Memória-ensaio sobre
a relação do corpo com o espirito, traduzido e publicado em 1999, só permanece aquele que possui
condições de se reinventar, se recriar. Essa percepção permite a reflexão sobre o patrimônio no
entendimento dos usos que é dado ao monumento, permitindo que o edifício atravesse o tempo com
dignidade.
Essas percepções foram as bases para a construção de uma ideia que fomentasse o entendimento da
importância do patrimônio e sua preservação, a partir de sua valorização, semeando nos futuros
encarregados o reconhecimento de sua identidade nos monumentos construídos da paisagem histórica,
na qual estavam cegamente inseridos. Dai surgiu o trocadilho dos verbos ver e viver, para ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’, um instrumento de alfabetização cultural, a partir do patrimônio local, com público alvo
específico: aos jovens de escolas de ensino médio da rede pública inseridas no centro histórico de
Salvador.
1.2. O Projeto Cultural VI-VER O PATRIMÔNIO – 1ª edição
Da construção da ideia, de educação patrimonial, à inscrição no edital da Secretaria de Cultura do Estado
da Bahia, em 2012, três aspectos foram importantes para a materialização do projeto: o Seminário
Internacional de Restauro de Bens Móveis Integrados na Bahia, promovido pelo Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), em 2010, onde foram questionadas as políticas de preservação
na cidade; ‘A percepção do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria, em Salvador’, tema do
mestrado em Conservação e Restauro da autora no (PPG-AU)-Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Arquitetura da (UFBA)-Universidade Federal da Bahia; e o ‘Programa de Capacitação em Projetos
Culturais’, do Ministério da Cultura do Brasil (MinC), em cuja oficina presencial, realizada em Natal-RN,
forneceu subsídios para a estruturação e transformação das ideias e percepções em projeto.
Portanto, VI-VER O PATRIMÔNIO é um projeto piloto que vislumbrou implantar a educação para o
patrimônio, na cidade de Salvador-BA, fortalecendo a identidade cultural, individual e coletiva, a fim de
sensibilizar os jovens a preservar o patrimônio. Sua essência está baseada em uma composição de ideias

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voltadas para estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural da cidade e se tornar mais receptivo a
estabelecer consigo um diálogo em direção ao reconhecimento e à conservação dos monumentos
históricos, daí o Vi e agora: Ver o Patrimônio, para então vivê-lo, utilizá-lo, dar-lhe a devida importância,
pois sem uso específico, os monumentos entram em processo de degradação lenta que seguidamente os
levam à ruina.
O conceito do projeto foi desenvolvido da seguinte forma: um monumento é posto em evidencia como
objeto de estudo para que cem jovens (4 turmas de 25 alunos), selecionados em colégios públicos,
desenvolvam sobre ele um olhar diferenciado, sob a ótica de disciplinas estrategicamente articuladas
para o reconhecimento, a valorização, a conservação e o restauro do patrimônio. Sendo assim, a partir
dessa perspectiva, observar a cidade tanto desde um conhecimento prévio em aulas, para logo verificar
em campo, com visitas preparadas por parceiros e rede de amigos da Universidade Federal da Bahia, da
Santa Casa de Misericórdia, entre outros colaboradores, ao longo do projeto.
Gestado desde o ano de 2010, a primeira edição do ‘Vi-Ver o Patrimônio’ foi realizada em 2013,
patrocinado pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT-BA) e
Fundo de Cultura. Sob o título Vi-Ver o Patrimônio - 1ª edição: Igreja de Santo Antônio da Mouraria –
286 anos. Foi importante a participação da Universidade Federal da Bahia, do Colégio Estadual da Bahia
(Central) e da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), irmandade responsável pela Igreja, para ser
possível encaminhar as 3 etapas do projeto: conservar, (in) formar e valorizar.
A etapa Conservar antecedeu o projeto porque a Igreja precisava de medidas emergenciais para receber
os alunos, com segurança. Nesse sentido, foram executados reparos gerais no telhado, (troca de duas
mil telhas cerâmicas, limpeza de canais de aguas pluviais, troca de estruturas em madeira, recondução
dos dutos e troca da tubulação de evacuação das aguas pluviais, entre obras menores), dedetização,
descupinização e limpeza semanal do monumento analisado, cadastrado e vivenciado pelos alunos,
como mostra a Figura 01.

Figura 01: Alunos conhecendo e estudando a Igreja da Mouraria para o inicio do cadastro manual.
Para a etapa Formar abriu-se um espaço de pesquisa e práticas, conduzido por uma equipe técnica
multidisciplinar, envolvida com conservação e restauro do patrimônio, composta por arquitetos,
engenheiros, artistas plásticos e estagiários, abrangendo alunos do 1º ao 3º ano do ensino médio.

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Devido à aptidão e ao interesse dos jovens em lidar com novas tecnologias, foram estabelecidas cinco
disciplinas, que em conjunto se completaram para atrai-los aos flancos do patrimônio, o que formou os
Aprendizes das Técnicas de Documentação para o Patrimônio, certificados pela Faculdade de
Arquitetura, reconhecido como curso de extensão da UFBA. Com oito semanas de duração, cada turma
recebeu 80 horas de curso, que se estenderam para mais de 90 horas por conta das visitas surpreendidas
por palestras e exposições, que despertaram a curiosidade e o interesse dos alunos. As disciplinas
ministradas na primeira versão foram as seguintes: História do Patrimônio na cidade; Leitura e
interpretação de plantas – Cadastro; Técnicas de representação gráfica para a documentação, auxiliadas
por computador (CAD); Materiais e patologia da edificação; Oficinas de produção e pintura artesanal de
azulejos, a partir da observação e releitura dos azulejos da Igreja da Mouraria. Estas atividades foram
desenvolvidas durante quatro meses seguidos e estão aqui ilustradas na Figura 02.

Figura 02: Atividades desenvolvidas no Projeto.

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1.2. ESTRATÉGIAS PARA VALORIZAÇÃO


A terceira etapa foi denominada de VALORIZAÇÃO. Após a execução de todas as atividades das
disciplinas ministradas, os alunos passaram uma semana montando e apresentando exposições dos
resultados obtidos (Figura 03), no Colégio Central, no Colégio Teixeira de Freitas e na Faculdade de
Arquitetura da UFBA, neste último, ocorreu também o encerramento do projeto com a entrega dos
certificados.

Figura 03: Semana de Valorização e Encerramento do Projeto – estratégias de preservação e divulgação do


patrimônio.

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Cada momento desta semana de valorização ofereceu uma experiência diferenciada para os aprendizes.
Nas escolas onde eles estudavam, a exposição despertou a curiosidade dos colegas fazendo com que
fossem explicadas as atividades exercidas no projeto e o porquê de cada uma delas, gerando admiração
por parte de todos. Além de exercitar a criatividade na montagem da exposição, houve grande interação
com os colegas e professores promovendo e divulgando os objetivos de reconhecimento e valorização
do patrimônio da cidade e elevando a autoestima do indivíduo.
As exposições realizadas causaram uma ebulição diante da técnica artesanal da produção de azulejos,
assim como faziam os portugueses. Professores, alunos, funcionários, mestrandos, doutorandos e
transeuntes paravam para questionar a exposição, o processo artesanal, o projeto. Entretanto, o fato
que mais chamou a atenção da equipe técnica foi o momento em que os alunos olharam para o painel
de azulejos montados na exposição e chegaram a seguinte conclusão: “os portugueses são melhores que
nós”. Essa frase demonstrou que todas as atividades executadas junto aos aprendizes surtiram efeito
positivo, pois reconheceram o legado que os portugueses com suas técnicas deixaram na arte dos
azulejos e que não seria fácil imitar. Promovendo assim o reconhecimento e a valorização do Patrimônio
cultural em que estão inseridos.
Durante a Semana de Valorização também propiciou-se uma visita de despedida a cada grupo em locais
diferentes. Reunidas as turmas da manhã, visitou-se o Dique do Tororó e com as turmas da tarde visitou-
se o Museu Náutico da Bahia, no farol da Barra. Lá houve uma reflexão sobre o projeto, sobre a cidade, a
escola e os colegas. Sentamos em círculo e cada um fez o exercício de escrever para o colega ao lado,
elogiando e aconselhando para o futuro. Ao final houve um jogral com a música de Lulu Santos: Como
uma onda! Que provocou uma discussão sobre o patrimônio histórico da cidade, seu desenvolvimento,
responsabilidade e como cada um pode cuidar da cidade. Afinal tudo muda, tudo se transforma, assim
como cada aluno se transformou durante o processo de interação com o patrimônio da cidade,
sensibilizando-se com a necessidade de preservação.
A cerimonia de encerramento aconteceu no auditório da Faculdade de Arquitetura e contou com a
presença de pais, professores, amigos e os patronos, colaboradores eficazes desse projeto, como os
especialistas Mário Mendonça de Oliveira e Antônio Carlos Barbosa, ambos professores da UFBA e
ligados à Preservação do Patrimônio, na cidade de Salvador. A exposição realizada na Faculdade de
Arquitetura reuniu todas as atividades exercidas pelos alunos ao longo do curso, para orgulho de seus
familiares e amigos.
Vale ressaltar o grande esforço desprendido pelo Professor Mário Mendonça na exposição para o
alunado sobre as fotos antigas de Salvador e sua importância nos tempos de hoje. Essas imagens, que
muitos desconhecemos, ajudaram a consolidar um dos objetivos do curso que é reconhecer o
patrimônio, valorizar e atrair mais adeptos multiplicadores para as ações de salvaguarda do patrimônio.
Essa união em prol de um objetivo maior tornou possível a realização do projeto no tempo previsto e
validou a importância da educação e sensibilização para o patrimônio conjugado com a identidade
cultural. Afinal, todos que mantiveram um contato com os objetivos do VI-VER O PATRIMÔNIO foram
imbuídos por uma atmosfera de fraternidade. Como foi registrado durante as palestras de abertura e
encerramento do projeto, onde ex-alunos do colégio central, comerciantes da mouraria, vicentinos,
devotos da Igreja, pais de alunos e professores reunidos, cada um contribuiu de alguma maneira. Seja
um arranjo de flores ou uma bandeja de pãezinhos, eles transformaram esses momentos em grande
festa, em prol da elevação da autoestima dos jovens, sob a perspectiva de sua identificação com o
patrimônio da primeira capital do Brasil. Os resultados desse processo já se apresentam na segunda
edição e nos desdobramentos locais e internacionais apresentados a seguir.

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2. O PROJETO CULTURAL VI-VER O PATRIMÔNIO – 2ª EDIÇÃO


Via de mão dupla, o conhecimento que vai, retorna muitas vezes em dobro, por isso na segunda edição
que se apresenta como “Vi-Ver o Patrimônio: 2ª edição – Igreja e Convento de Nossa Senhora da
Piedade”, aprovada pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, com previsão de início em julho de
2014, traz modificações baseadas na experiência anterior, bem como antigos e novos parceiros. A
exemplo do Centro Cultural dos Capuchinhos, que se aproxima do projeto com mais uma disciplina, a
Conservação e Restauro de Documentos, que será ministrada pelo Frei Capuchinho Ulisses Bandeira
Sobrinho, Diretor Geral do Centro Cultural dos Capuchinhos - BA/SE, localizado na Igreja e Convento da
Piedade, em Salvador.
Portanto, na segunda edição será adotado como objeto de estudo, reconhecimento e de análise a Igreja
e Convento de Nossa Senhora da Piedade, administrada pela Ordem dos Capuchinhos, constituindo uma
nova aliança para o projeto. Sendo assim, do mesmo modo que a primeira, a segunda edição também
contará com a parceria da Universidade Federal da Bahia, Colégio Estadual da Bahia e o Museu de Arte
Moderna da Bahia. As disciplinas serão ministradas adotando o mesmo formato anterior, assumidas por
profissionais qualificados, igualmente responsáveis e conscientes das questões relacionadas à
conservação e restauro do patrimônio.
2.2. DESDOBRAMENTOS LOCAIS
O contato com o corpo docente dos colégios estabeleceu vínculos da equipe técnica do projeto com as
atividades culturais desenvolvidas durante o ano letivo das instituições. Considerando o lema do projeto:
“EDUCAR PELO EXEMPLO”, a equipe aceitou o convite em participar do II Fórum de Profissões realizado
no Colégio Estadual Mario Augusto Teixeira de Freitas. Uma atividade direcionada aos estudantes do 3º
ano no ensino médio, alguns deles aprendizes no VI-VER O PATRIMÔNIO.
Os objetivos do Fórum foram informar e esclarecer dúvidas a respeito de algumas profissões, no intuito
de facilitar a escolha tão difícil com a qual os estudantes se deparam ao final do 3º ano. Participaram da
atividade profissionais de diversas áreas, como enfermeiros, advogados, engenheiros, músicos, policiais,
entre outros. A atividade contou ainda com uma apresentação de teatro de um grupo de estudantes de
Simões Filho, cidade vizinha à Salvador. Esse momento foi apropriado para difundirmos as questões
sobre conservação do patrimônio cultural da cidade e a multidisciplinaridade que o envolve no ato de
restaurar, a exemplo da equipe técnica que compõe o ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, as atividades relativas à
preservação e objetivos do projeto.
Entre outros assuntos, tratamos da relação tecnologia e documentação do patrimônio, técnicas
construtivas tradicionais e atuais, cultura e identidade, além do aspecto social do desenvolvimento
humano para a posteridade, aspectos relevantes para a reflexão dos alunos, no momento da escolha da
profissão. Este fato colocou a equipe em condição de parceria, para orientar a reforma que os
professores pretendiam realizar no espaço de convivência do colégio, programada para a SEMANA DO
MEIO AMBIENTE ESCOLAR – PATRIMONIAL.
A programação para as atividades foi agendada para um sábado durante a manhã, fora do cronograma
de aulas estabelecido, portanto uma atividade extra. A proposta era cuidar do jardim interno, pintar os
bancos e o piso, colorir vasos de cerâmica e plantar neles, proporcionando um ambiente mais alegre
para o espaço de convivência na escola. Numa visão mais ampla, a semente do ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’
estava brotando em outros alunos, comprovando a importancia da presença dos agentes multiplicadores
nas escolas. Além disso, ocorreu a fixação do painel de azulejos, produzidos pelos aprendizes, na parede

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que dá acesso à quadra de esportes, autorizado pela direção da instituição. A figura 04 ilustra o sábado
inusitado.

Figura 04: Alunos em atividade voluntária para requalificar sua área de convivência, no colégio Mário
Augusto Teixeira de Freitas, em Salvador.

2.3. DESDOBRAMENTOS INTERNACIONAIS


O ineditismo da abordagem que aproxima os jovens do patrimônio cultural da cidade contribuiu, entre
outros aspectos, para ir além da formação dos cidadãos e para a percepção da sua responsabilidade na
sociedade. Atraindo a atenção de países como a Argentina e o Peru, após a divulgação de artigos
apresentados em congresso, que vislumbraram, no ‘VI-VER O PATRIMONIO’, um modelo a seguir.
Em outubro de 2013, no 3º Congresso Ibero-americano e XI Jornada em Técnicas de Conservação e
Restauro do Patrimônio, realizado em La Plata-Argentina, foi apresentado o artigo sobre a Formação de

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Recursos Humanos para a Restauração e Conservação do Patrimônio, sob o título de “Projeto Piloto de
Educação para VI-VER O PATRIMÔNIO, em Salvador-BA, Brasil”.
Este congresso reuniu doutores e mestres da área de conservação e restauro das Américas e da Europa,
contribuindo para a divulgação das ações de sensibilização para o patrimônio, realizadas junto aos jovens
de Salvador, em caráter experimental, identificando e discutindo aspectos positivos e negativos de uma
proposta inovadora nesta área.
Esse panorama ampliou as fronteiras do ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, estendendo suas ideias até o Peru,
para a aplicação do modelo, na Faculdade de Arquitetura da UNSAAC – Universidade Nacional de San
Antonio Abad del Cusco. O convite partiu do coautor deste artigo, componente da equipe técnica da
primeira edição do projeto e professor da UNSAAC.
Sob esta perspectiva, em fevereiro de 2014, foi realizado em Cusco, cidade patrimônio da Humanidade,
uma versão resumida do ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, tendo como público alvo, duas turmas da Faculdade
de Arquitetura da UNSAAC. Este experimento durou duas semanas e versou sobre a importância do
reconhecimento para a valorização do patrimônio cultural, suas intervenções e multidisciplinaridade,
utilizando as mesmas bases executadas no Brasil, com aulas de campo, visitas e palestras, porém
perspectivando a cultura relacionada ao vale sagrado da civilização incaica e a capital arqueológica da
América Latina: Cusco, (Figura 05).

Figura 05: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ em Cusco, uma experiência de preservação sem fronteiras.

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3. CONCLUSÕES EM PROCESSO
Os jovens, independente da cultura a qual pertençam, não conhecem o lugar onde vivem e por isso não
se reconhecem no patrimônio construído, tão pouco valorizando, o que influencia diretamente no
processo de degradação dos monumentos, a exemplo das pichações.
As ideias desenvolvidas pelo ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, no sentido de atrair os jovens, para ver de fato e
vivenciar a cidade que habitam, ao lidar com as novas tecnologias aplicadas ao patrimônio,
demonstraram que são efetivas ferramentas para sensibilizar futuros agentes multiplicadores para a
preservação do patrimônio.
Incluir o projeto nas redes sociais de comunicação virtual trouxe à baila a discussão do reconhecimento e
da conservação dos monumentos adaptados à linguagem dos jovens. De celulares na mão, o exercício de
casa, em cada aula de campo, era a publicação no facebook de uma ou mais fotos de um detalhe do
monumento ou da paisagem que lhes chamassem a atenção. Desse modo, os deveres de casa se
tornaram observadores e críticos da cidade, com o olhar também para os processos de degradação,
sujeira, descasos. Se tornando bastante divulgados e questionados pelos pais, pelos amigos do face,
familiares, professores. Havia momentos em que mestres, doutores, alunos da academia e aprendizes do
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ conversavam no mesmo espaço virtual sobre determinada foto. Essa interação
se tornou uma grande onda de conhecimento e desenvolvimento pessoal. O endereço do projeto pode
ser acessado através do endereço https://www.facebook.com/viver.patrimonio, onde é possível
acompanhar todas as atividades dos alunos na linha do tempo, além de se tornar mais um agente
multiplicador das ideias do projeto, nos flancos do patrimônio.
Um termômetro utilizado para avaliarmos o projeto foi a utilização de questionários no início e no final
do processo, esses dados ao serem comparados foram reveladores para constatar a carência de
iniciativas que desenvolvam nos jovens à capacidade de se reconhecerem agentes da História,
capacitando-os para uma reflexão crítica sobre sua identidade e suas ações que se refletem,
principalmente, sobre seu futuro. A mudança foi evidente e a maneira como agradeceram a iniciativa
reforçou o potencial para a segunda edição, da mesma forma que as críticas foram avaliadas e corrigidas
para as próximas edições.
A percepção do patrimônio como ferramenta para desenvolver a autoestima e estimular a cidadania
reflete na educação do indivíduo, que retorna como agente multiplicador das ações de preservação dos
monumentos. Corroborando Capistrano de Abreu (1954, p. 10), o importante não é a coisa, mas o
espírito da coisa (...), ou seja, a essência dos monumentos que fascina o pesquisador é também um
dispositivo de sua própria conservação.
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ busca essa essência e dialoga nos moldes dessa sociedade líquida, tecnológica,
sem fronteiras, que precisa tirar os olhos da tela para ver a cidade, a vida, o amigo, viver a vida e por que
não: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’.

4. REFERÊNCIAS
ABREU, C. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Sociedade Capistrano de Abreu, 1954.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro : Zahar, 2007.
BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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“VI-VER O PATRIMÔNIO”: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
EM PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR - SALVADOR-
BA, BRASIL.
LEÃO, Elisângela Conceição Dantas
Arquiteta Urbanista, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura, Salvador,
Brasil,e-mail: lisleaoarq@yahoo.com.br
MAGALHÃES, Ana Cristian
Engenheira Civil, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura, Salvador,
Brasil, e-mail: anacristian@hotmail.com
FLORES, Erwic Caparó
Arquiteto Urbanista, Universidad Nacional San Antonio Abad del Cusco - Faculdade de
Arquitetura y Urbanismo, Cusco, Peru, e-mail: erwicflo@hotmail.com

RESUMO: O “VI-VER O PATRIMÔNIO” é um projeto cultural idealizado e desenvolvido


na primeira capital do Brasil, visando incentivar a educação para o patrimônio em diversos
setores da sociedade. Se por um lado, é entendido como um processo permanente e
sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural, por outro é utilizado
como instrumento de alfabetização cultural, direcionado, inicialmente, aos jovens de
escolas de ensino médio da rede pública de Salvador, adquirindo uma proporção que tem
ultrapassado fronteiras. O projeto piloto foi idealizado a partir dos estudos realizados
sobre a paisagem e a arquitetura do centro antigo de Salvador e concretizado em 2013, a
partir de edital da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT-BA), por meio do
Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC-BA) e contou com financiamento do
Governo do Estado da Bahia.
PALAVRAS CHAVE: Educação; Patrimônio; Multidisciplinar; Valorização; Preservação.

MULTIDISCIPLINARIDADE PARA VI-VER O PATRIMÔNIO:


CONFLUÊNCIAS
De Viollet Le Duc a Cesare Brandi, passando por Hiedegger e pelas tecnologias de registro
e investigação dos monumentos, as linhas de pesquisas desenvolvidas na área de
Conservação e Restauro do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) constituiram-se em ferramentas fundamentais, para
o registro documental e o diagnóstico das manifestações patológicas do monumento. Desta
confluencia de atividades e reflexões surgiu o entendimento para a elaboração do projeto
cultural VI-VER O PATRIMÔNIO.
O projeto teve como objeto de estudo, reconhecimento e análises a Igreja de Santo Antônio
da Mouraria, datada do século XVIII e localizada no centro histórico de Salvador,
monumento tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
desde 1937. Neste âmbito, foi realizada a evolução física arquitetônica da Igreja, desde sua
fundação em 1724 até o ano de 2014, através de técnicas detalhadas a seguir, sob a ótica da
reflexão sobre as circunstâncias da teoria e da prática do restauro arquitetônico.
Assim, Analisar o passado, as relações e a carga simbólica que transmitiram à Igreja de
Santo Antônio da Mouraria à imagem na paisagem do século XXI foi o ponto de partida
para questionar o estado atual de usos e significâncias, que o conjunto arquitetônico
apresenta, no intuito de compreender sua evolução e encontrar um modo de salvaguardar o
bem. Na paisagem urbana da segunda linha de cumeada, que revela o desenvolvimento
histórico e urbano de Savador, o monumento em estudo é lido a partir de impressões, ecos e
imagens, de fora para dentro, em nuances perturbadoras, diante da descaracterização. E em
direção contrária, a leitura do edificio se deu através de palimpsestos lacunares que instigam
ao olhar mais apurado. Neste sentido, alguns aspectos foram fundamentais para o
questionamento e a investigação do patrimônio edificado, metamorfoseado em seu contexto,
relacionado aos processos de valorização do monumento, às teorias e técnicas de
conservação e restauro aplicadas na cidade.

A pesquisa histórica
Os dados pesquisados da Igreja de Santo Antônio da Mouraria e seu entorno foram
registrados e catalogados como elementos de investigação e histórico de cada detalhe
arquitetônico, estabelecendo parâmetros cronológicos para a obtenção de análise que
preenchesse as lacunas percebidas ao longo do trabalho. A pesquisa desses documentos
revelaram também, inúmeras feições da Igreja e da estrutura do edifício, seja com adição de
adornos, aplicação de materiais, inserção de novos usos ou coloração dos planos de paredes,
o fato é que a cidade se transformou e isso se refletiu nas entrelinhas dos documentos e
imagens encontradas. Esses dados foram relacionados com os usos e indicados em plantas,
executadas a partir de cadastro, confrontado com informações encontradas em relatos
históricos e resultados dos ensaios realizados in situ e em laboratório. As imagens
encontradas no levantamento histórico foram consideradas mnemonicas, por se constituirem
ferramentas de acesso à memória, demonstrando a primeira vista, o valor de antiguidade de
uma construção, pelo seu aspecto não moderno, de acordo com Riegl[10] (2006, p. 69). A
partir desse princípio, o estudo realizado na Igreja da Mouraria, sob a perspectiva
arqueológica, para a compreensão das sobreposições temporais nos elementos arquitetônicos
registrados nas imagens, resultou importante caráter documental para ir além da atribuição
de valor de antiguidade.

O Levantamento cadastral
Em paralelo às pesquisas históricas foi realizado o cadastro manual do monumento, efetuado
a princípio com técnicas tradicionais de desenho técnico e medições locais. Partindo em
seguida para os programas gráficosde auxílio à representação gráfica, a exemplo do
AutoCAD (2011), Revit (2012), além de experimentos com a fotogrametria digital através
do PhotoModeler Scanner (2011) e e do 1,2,3D Cash, no intuito de documentar cada detalhe
do monumento e estabelecer vínculos entre o patrimônio e as novas tecnologias. As peças
gráficas desenvolvidas, como plantas baixas, cortes e fachadas foram utilizadas como bases
para a simulação digital [2] de cada momento especificado como relevante, para o
entendimento didático da passagem do tempo sobre o monumento. Elas também foram
utilizadas na produção das fichas catalogadas [6], para a localização das patologias
identificadas, contribuindo para um maior contato e compreensão do edifício [10].
O registro fotográfico
O registro fotográfico do estado de conservação do monumento promoveu o reconhecimento
inicial das principais patologias que afetavam o edifício, complementando a produção de
trinta fichas, que catalogaram os principais danos da passagem do tempo sobre os artefatos
constituintes da igreja e, por conseguinte, sobre o conjunto arquitetônico em que esta
inserida a Igreja. Os modelos de ficha apresentam à imagem do elemento arquitetônico, a
planta baixa do ambiente em que ele está situado, a descrição do seu estado de conservação
e a avaliação de possíveis causas dos danos observados. A identificação desses dados,
também contribuiu para sinalizar os locais adequados para a realização dos ensaios “in situ”
e coleta de materiais para os ensaios no laboratório. Do mesmo modo que ofereceram
subsídios para as intepretações posteriores relacionadas à ocupação do edifício,
proporcionando a simulação da evolução física arquitetônica do monumento.

A caracterização física e química dos materiais


Do ponto de vista histórico, a caracterização dos elementos construtivos antigos é
importante, pois fornece subsídios bastante úteis para a avaliação do estado de conservação
destes materiais, além de permitir a elaboração de registros quanto à sua possível
constituição e características, antes que desapareçam por completo os vestígios das
tecnologias tradicionais [7]. No entanto, existem ainda algumas dificuldades na avaliação
das características físicas e mecânicas dos materiais, tendo em vista que muitas vezes é
impossível extrair amostras em grandes quantidades e com dimensão suficiente para a
realização de determinados ensaios. Na Igreja da Mouraria, os ensaios realizados sobre os
materiais construtivos objetivaram a avaliação mais rigorosa do seu estado de conservação,
a partir da elucidação das fichas descritivas, em anexo. Esta etapa foi constituida de ensaios
de caracterização “in situ” e de laboratório.
Os ensaios in situ foram realizados em dias alternados, como fator comparativo dos
resultados diante da umidade relativa do ar. Os equipamentos de medição utilizados nestes
ensaios foram cedidos pelo NTPR, Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração,
primeiro laboratório a se dedicar à pesquisa de tecnologias voltadas para a durabilidade dos
materiais e dos edifícios e, particularmente, à conservação e restauração de monumentos no
Brasil . Os métodos de avaliação do estado de conservação “in situ”, principalmente os
métodos não destrutivos, são muito importantes para complementar a informação
laboratorial. Todavia, em relação às argamassas, quando a extração de uma quantidade
mínima de amostras é possível, a utilização direta de métodos padronizados é impraticável
devido à sua reduzida coesão e forma irregular.
Diante dessas dificuldades, ensaios alternativos foram testados, inclusive com o apoio e
incentivo do Professor Mário Mendonça, importando tiras colorimétricas para a avaliação
dos sais. Os testes “in situ” foram os seguintes: determinação da temperatura e do teor de
umidade do ar; medição de umidade da madeira; teste de sais com tiras colorimétricas; e
observações com utilização de endoscópio. Os ensaios efetuados em laboratório requerem a
coleta de determinadas quantidades de amostras de materiais para serem efetivados os testes
necessarios para a verificaçao de cada analise específica. Muito embora seja um ensaio de
caráter destrutivo, cada espaço indicado para as extrações dos materiais foram previamente
discutidos e avaliados, diante da relação de custo/benefício para salvaguardar a integridade
dos elementos arquitetônicos.
De maneira estratégica foram retiradas amostras de determinados ambientes que não
interferissem nas atividades da Igreja, nem comprometessem a integridade fisica de
elementos de elevada importância histórica, como se verifica com os azulejos da nave,
Figura 01. A investigação dos materiais constituintes, a partir de ensaios realizados “in situ”
e em laboratório, colaborou para a identificação das etapas construtivas ocorridas no
monumento e permitiu maior credibilidade ao desenvolvimento da simulação digital dessas
etapas, associados aos dados históricos e as imagens de cada época, buscando sua
essência[8].

Figura 01: Planta baixa da Igreja da Mouraria com a localização da retirada das amostras para ensaio
em laboratório e Fachada desenhada a partir das técnicas de fotogrametria digital. Fonte: Arquivo do
Autor, 2012.
A compreensão do monumento em todas as fases de evolução despertaram interesses, que
ultrapassaram os muros da academia em busca de uma essência, contribuindo para o
desenvolvimento da sociedade. Para Bergson[4], só permanece aquele que possui condições
de se reinventar, se recriar, observação que levou a reflexão sobre o patrimônio no
entendimento dos usos que é dado ao monumento, permitindo que o edifício atravesse o
tempo com dignidade e tornaram-se as bases para a construção da ideia que fomentou o
entendimento da importância do patrimônio e sua preservação, a partir de sua valorização,
semeando nos futuros encarregados o reconhecimento de sua identidade nos monumentos
construídos da paisagem histórica, na qual encontram-se, cegamente, inseridos. Dai surgiu o
trocadilho dos verbos ver e viver, para ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, um instrumento de
alfabetização cultural, a partir do patrimônio local, com público alvo específico: aos jovens
de escolas de ensino médio da rede pública, localizados no centro histórico de Salvador.

1ª Edição: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – Projeto piloto.


O projeto piloto vislumbrou implantar a educação para o patrimônio, na cidade de Salvador-
BA, fortalecendo a identidade cultural, individual e coletiva, a fim de sensibilizar os jovens
a preservar o patrimônio. O conceito foi desenvolvido da seguinte forma: um monumento é
posto em evidência como objeto de estudo para que cem jovens (4 turmas de 25 alunos),
selecionados em colégios públicos, desenvolvam sobre ele um olhar diferenciado, sob a
ótica de disciplinas estrategicamente articuladas para o reconhecimento, a valorização, a
conservação e o restauro do patrimônio. Sendo assim, a partir dessa perspectiva, observar a
cidade desde um conhecimento prévio em aulas, para logo verificar em campo, com visitas
preparadas por parceiros e rede de amigos da UFBA, da Santa Casa de Misericórdia, entre
outros. Gestado desde o ano de 2010, a primeira edição foi realizada em 2013, patrocinado
pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT-BA)
e Fundo de Cultura. Assim, foram estabelecidas parcerias entre a UFBA, o Colégio Estadual
da Bahia e a Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), irmandade responsável pela Igreja,
tornando possível encaminhar as 3 etapas do projeto: conservar, (in) formar e valorizar.
Devido à aptidão e ao interesse dos jovens em lidar com novas tecnologias, foram
estabelecidas cinco disciplinas, que em conjunto se completaram para atrai-los aos flancos
do patrimônio, o que formou os Aprendizes das Técnicas de Documentação para o
Patrimônio, certificados pela Faculdade de Arquitetura, reconhecido como curso de
extensão da UFBA. Com oito semanas de duração, cada turma recebeu 80 horas de curso,
com as seguintes disciplinas: História do Patrimônio na cidade; Leitura e interpretação de
plantas – Cadastro; Técnicas de representação gráfica para a documentação, auxiliadas por
computador (CAD); Materiais e patologia da edificação; Oficinas de produção e pintura
artesanal de azulejos, a partir da observação e releitura dos azulejos da Igreja da Mouraria,
um legado advindo das oficinas de Lisboa em 1730, que encontram-se em excelente estado
de conservação (Figura 02).

Figura 02: Alunos do VI-VER O PATRIMÔNIO nas oficinas de produção de azulejos e aulas de
AutoCAD.Fonte: Arquivo do Autor, 2013.
De forma estratégica, os subsídios adquiridos como premissas constituíram ferramentas
úteis à execução das atividades e práticas desenvolvidas durante a formação dos alunos. De
maneira particular, o projeto contemplou ainda a vivência de outros monumentos culturais e
artes locais, a exemplo do MAM (Museu de Arte Moderna), Museu Náutico da Bahia,
Museu de Arqueologia da Bahia, entre outros, visando o resgate da relação de afeto da
comunidade pelo patrimônio.

2ª Edição: Igreja De Nossa Senhora Da Piedade.


Via de mão dupla, o conhecimento que vai, retorna muitas vezes em dobro, por isso na
segunda edição que se apresenta como “Vi-Ver o Patrimônio: 2ª edição – Igreja e Convento
de Nossa Senhora da Piedade”, já aprovada pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia,
com previsão de início em novembro de 2014, traz modificações baseadas na experiência
anterior, bem como antigos e novos parceiros. A exemplo do Centro Cultural dos
Capuchinhos, que se aproximou do projeto com mais uma disciplina, a Conservação e
Restauro de Documentos, que será ministrada pelo Frei Capuchinho Ulisses Bandeira
Sobrinho, Diretor Geral do Centro Cultural dos Capuchinhos - BA/SE, localizado na Igreja e
Convento da Piedade, em Salvador.

Ampliação das atividades e iniciativas de reconhecimento e valorização para


vi-ver o patrimonio.
O conceito estabelecido nas atividades do VI-VER O PATRIMÔNIO foi amplificado pela
divulgação nas redes sociais e congressos da área de Conservação e Restauro do Patrimônio,
alcançando públicos diversos e ultrapassando fronteiras, o que permitiu o desenvolvimento
de outras formatações, derivadas do mesmo núcleo. Esses desdobramentos aconteceram no
âmbito local (nas escolas dos arredores do centro histórico, abrangendo a secretaria de
cultura da Ilha de Vera Cruz). Como ilustrado na Figura 03, a presença da equipe no Fórum
de Profissões, em colégios públicos em 2014.

Figura 03: Alunos do VI-VER O PATRIMÔNIO nas visitas à cidade (2013) e alunos do Teixeira de
Freitas (2014). Fonte: Arquivo do Autor.

3ª Edição: Oficina de Projetos – Patrimônio e técnicas: alunos em campo.


Esta edição pretende reunir estudantes de arquitetura, belas artes e engenharia, de faculdades
públicas e particulares, em oficinas e pesquisas de campo, no intuito de promover a
interação entre a prática projetual e o entendimento da importância do patrimônio cultural,
para as intervenções urbanas e/ou pontuais que estes virão a estabelecer na cidade, durante a
vida profissional. As atividades serão realizadas através de oficinas de reprodução de
técnicas de revestimento tradicionais, a exemplo da escaiola, do cimento penteado e da
produção de azulejos, de modo tradicional. Ainda em trâmite, esta proposta trás de volta o
conhecimento de técnicas construtivas antigas passíveis de se perderem.

4ª Edição: Canteiro de obras do Metrô de Salvador – Reconhecimento da


mobilidade urbana como fator de transformação da cidade e do cidadão.
Essa edição visa a apresentação de palestras e a produção de cartilhas com a história da
evolução urbana de Salvador relacionada aos meios de transporte, desde a “cadeira de
arruar”, conduzida pelos escravos, passando pelas carroças e bondes, Antônio de Lacerda, o
Elevador e os trilhos, até as grandes avenidas e o metrô, no século XXI. De maneira
intuitiva os operários serão direcionados a identificação do trecho em que trabalham, no
contexto histórico em que encontram-se inseridos, e por conseguinte receberão estímulos
que alimentam a auto estima do cidadão, através da valorização do seu trabalho, no qual se
reconhecerá como agente da história da primeira capital do Brasil. Esta versão é resultado
do trabalho de observação nos canteiros de obra para a construção do metrô de Salvador, de
entrevistas e análises, nas quais ficou evidente a ausência de compreensão da importância da
intervenção da cidade.

Experiências internacionais
O ineditismo da abordagem que aproxima os jovens do patrimônio cultural da cidade
contribuiu, entre outros aspectos, para ir além da formação dos cidadãos e para a percepção
da sua responsabilidade na sociedade. Atraindo a atenção de países como a Argentina e o
Peru, após a divulgação de artigos apresentados em congresso, que vislumbraram, no ‘VI-
VER O PATRIMONIO’, um modelo a seguir.
Em outubro de 2013, no 3º Congresso Ibero-americano e XI Jornada em Técnicas de
Conservação e Restauro do Patrimônio, realizado em La Plata-Argentina, foi apresentado o
artigo sobre a Formação de Recursos Humanos para a Restauração e Conservação do
Patrimônio, sob o título de “Projeto Piloto de Educação para VI-VER O PATRIMÔNIO, em
Salvador-BA, Brasil”. Este congresso reuniu agentes da área de conservação e restauro das
Américas e da Europa, contribuindo para a divulgação das ações de sensibilização para o
patrimônio, realizadas junto aos jovens de Salvador, em caráter experimental, identificando
e discutindo aspectos positivos e negativos de uma proposta inovadora nesta área. Esse
panorama ampliou as fronteiras do projeto, estendendo suas ideias até o Peru, para a
aplicação do modelo, na Faculdade de Arquitetura da UNSAAC – Universidade Nacional de
San Antonio Abad del Cusco. Sob esta perspectiva, em fevereiro de 2014, foi realizado em
Cusco, cidade patrimônio da humanidade, uma versão resumida do ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’, tendo como público alvo, duas turmas da Faculdade de Arquitetura. Este
experimento durou duas semanas e versou sobre a importância do reconhecimento para a
valorização do patrimônio cultural, suas intervenções e multidisciplinaridade, utilizando as
mesmas bases executadas no Brasil, com aulas de campo, visitas e palestras, porém
perspectivando a cultura relacionada ao vale sagrado da civilização incaica e a capital
arqueológica da América Latina: Cusco.

Conclusões e aspirações.
As ideias desenvolvidas pelo ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, no sentido de atrair os jovens a
ver de fato e vivenciar a cidade que habitam, ao lidar com as novas tecnologias aplicadas ao
patrimônio, demonstraram que são efetivas ferramentas para sensibilizar os futuros agentes
multiplicadores na preservação do patrimônio, tanto dentro, quanto fora do Brasil. A
inclusão do projeto nas redes sociais promoveu interações inusitadas.
Havia momentos em que mestres, doutores, alunos da academia e aprendizes do ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ conversavam no mesmo espaço virtual. Essa interação se tornou uma
grande onda de conhecimento e desenvolvimento pessoal, ampliando as discussões sobre
preservação. Esses aspectos, dentre outros, validaram a ideia de que os jovens, independente
da cultura a qual pertençam, não conhecem o lugar onde vivem e por isso não se
reconhecem no patrimônio construído, tão pouco valorizando, o que leva ao processo de
degradação dos monumentos.
Portanto, a percepção do patrimônio como ferramenta para desenvolver a autoestima e
estimular a cidadania reflete na educação do indivíduo, que retorna como agente
multiplicador das ações de preservação dos monumentos. É possível acompanhar todas as
atividades dos alunos através do site https://www.facebook.com/viver.patrimonio.
Corroborando Capistrano de Abreu[1] (1954, p. 10), o importante não é a coisa, mas o
espírito da coisa (...), ou seja, a essência dos monumentos que fascina o pesquisador é
também um dispositivo de sua própria conservação. Neste sentido o ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ busca essa essência e dialoga nos moldes dessa sociedade líquida[3],
tecnológica, sem fronteiras, que precisa tirar os olhos da tela para ver a cidade e a vida. E
para isso: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’.

Referências.
[1]ABREU, C - Capítulos de História Colonial (1500-1800). Sociedade Capistrano de
Abreu, 1954.
[2]AMORIM, A. L. De - Documenting Heritage in Bahia: Brasil, Using Digital
Technologies. In XXI International CIPA Symposium, Athens.2007. Disponível em:
http://cipa.icomos.org/fileadmin/papers/Athens2007/FP013.pdf Acesso em: 03 de novembro
de 2011.
[3]BAUMAN, Z - Modernidade Líquida. Zahar, Rio de Janeiro, 2007.
[4]BERGSON, H - Matéria e memória. Martins Fontes, São Paulo, 1999.
[6]LEÃO, E. A Percepção do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria,
Salvador-Ba. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da
Bahia. Salvador, em andamento.
[7]OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da conservação e da restauração: materiais e
estruturas: um roteiro de estudos. Salvador: EDUFBA, 2006.
[8]RIEGL, A. O culto moderno dos monumentos sua essência e sua gênese. Editora da
Universidade Católica de Goiás, Goiânia:, 2006.
[9]RUSKIN, J. A Lâmpada da Memória. Apresentação, Tradução e Notas Odete Dourado.
Publicações Pretextos n.2,1996
[10]VIOLLET-LE-DUC, E. E. Restauro. Apresentação, Tradução e Notas Odete Dourado.
Publicações Pretextos n.3,1996.
Anexo A
Parecer do IPHAN sobre os azulejos da Igreja da Mouraria, em 2003
Anexo B
Ata da 1ª Conferência Vicentina na Bahia e a presença de seus fundadores, a
saber: o Dr. Antônio de Lacerda, eleito Presidente da Irmandade, o Dr. Manoel
Victorino Pereira, como 1º Vice Presidente e o Dr. Guilherme Studart, como 2º Vice
Presidente.
Anexo C
CARTAS-CIRCULARES COM PEDIDO DE DOAÇÕES - SSVP

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