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A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA,
SALVADOR-BAHIA
Salvador
2014
3
A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA,
SALVADOR-BAHIA
Salvador
2014
4
CDU: 726(813.8)
5
TERMO DE APROVAÇÃO
A PERCEPÇÃO NO TEMPO:
IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA MOURARIA, SALVADOR-BAHIA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura
e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia pela seguinte
banca examinadora:
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar sempre presente, no abraço ou na mão dos amigos, nas horas difíceis. Como
já dizia o poeta: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos
de mãos dadas” (Drummond).
A minha orientadora, Profa. Dra. Odete Dourado Silva, pela preocupação não só no âmbito
acadêmico, mas também no pessoal, por compartilhar suas memórias, ensinamentos e a paixão
pelo patrimônio, sem a qual não chegaria a este momento.
Ao Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira, amigo querido, pela gentileza e atendimento em
todas as etapas do trabalho e pelo contributo aos desdobramentos da pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Herminia Olivera Hernández, por aceitar o convite para participar da minha
banca e também por suas contribuições.
Ao Prof. Dr. Arivaldo Leão de Amorim, também pela gratidão a seus ensinamentos, pelo tempo
dedicado, apoio à pesquisa e pelos conselhos e sugestões.
À Prof. Regina Andrade Tirello (UNICAMP), por sua real contribuição para a etapa de
qualificação da pesquisa.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa
concedida.
Aos funcionários e ex-funcionários Silvandira, Maria, Telmo, Luís e Ícaro, pelo apoio e suporte
recebidos.
À Sociedade São Vicente de Paulo, em especial a minha poeta Dayse Portugal e a Paulo
Nascimento, por abrirem as portas da Igreja da Mouraria e as portas do coração.
A minha família Hita Engenharia, especialmente à Fátima Hita e Elizabete Andrade.
Às amigas Ana Cristian de Magalhães, Rosana Muñoz e Solange Mendes, grandes conquistas,
que levarei para toda a vida.
Aos colegas e funcionários da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura: Nilson, Adelson e
George, pelo apoio constante. E ao apoio incansável da turma alegre do Setor de Plotagem da
FAU, meu amigo Rico!
Aos Estagiários do VI-VER O PATRIMÔNIO, Jeanderson, Isadora, Carolina, Elizama e Ágata,
na 1ªedição, e Mariana, Betina, Layra, Bruna, Tales, Daniela, Marina, meus pupilos. E Tamires,
Rafael, Thalles, Iuri, Lídia, Nelma, Stephany e Thainá, estagiários da 2ªedição.
Ao arquiteto e grande amigo Drº Erwic Flores Caparó, pela disposição, apoio, conversas e
reflexões, mesmo distante, agora.
Especialmente a meus filhos Isadora e Davisinho, pela compreensão; e a meus pais, José
Messias Dantas e Maria Conceição Dantas, pelo amparo incondicional.
Finalmente, de forma muito especial, ao técnico Davi Levingston Andrade Leão Júnior, esposo
querido, conselheiro e incentivador durante dezenove anos, que descanse em paz.
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Primeira Capa: Parede lateral esquerda da nave da Igreja da Mouraria em 2014, (com
sobreposição da área de estudo no ano de 2012).
Introdução: Azulejos da parede lateral esquerda da nave da Igreja da Mouraria, 2014........ 14
Fig.1 – Diagrama do processo produtivo, 2013 ...................................................................... 21
Cap.1: Ilustração Panorâmica de Salvador, pintada pelo suíço Friedrich Salathé (1793-
1988) ....................................................................................................................................... 24
Fig.2 – Planta da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, com indicação dos muros
e circunvoluções primitivas da fundação de Tomé de Sousa (1549)...................................... 26
Fig.3 – Baía de Todos-os-Santos, cópia do manuscrito da Biblioteca do Porto do livro: Da
Razão do Estado do Brasil ...................................................................................................... 27
Fig.4 – A expansão urbana de Salvador, na primeira cumeada de 1551 a 1553..................... 29
Fig.5 – A expansão urbana de Salvador em 1580................................................................... 31
Fig.6 – Trecho da gravura de Benedictus Melaius Lusitanus, pelo Padre Bartolomeu
Guerreiro, ilustrando a retomada da Cidade do Salvador em 1625, com destaque atual para
os acampamentos na área da Palma à esquerda e da Piedade à direita................................... 33
Fig.7– Planta da Restituição da Bahia – episódio da reconquista de Salvador, em 1625, pela
armada luso-espanhola. Autor: João Teixeira Albernaz, o Velho........................................... 34
Fig.8 – Representação da Evolução Física de Salvador, em 1650, com os bairros novos
assinalados por círculos escuros ............................................................................................. 36
Fig.9 – Projeto de fortificação da Cidade do Salvador, reproduzido das Cartas
Soteropolitanas de Luís dos Santos Vilhena, do desenho de Massé, 1715. Detalhe com
destaque para a área da Cidadela (14)...................................................................................... 40
Fig.10 – Planta da Cidade do Salvador, em 1714. Ilustração do livro de Amédée François
Frézier, Relation du voyage, em 1716. Detalhe com destaque para a área da Cidadela (14)...41
Fig.11 – Imagem da lápide comemorativa do lançamento da 1ª pedra nos alicerces da ainda
Capela de Santo Antônio da Mouraria .................................................................................. 49
Fig.12 – Simulação digital da planta baixa da Capela Primitiva – 1726................................ 54
Fig.13 – Azulejaria portuguesa que reveste as paredes da nave da Capela............................ 56
Cap.2: Prospecto da Cidade do Salvador, elaborado por Vilhena em 1801.......................... 58
Fig.14 – Planta da Cidade do Salvador, em 1785, desenhada pelo Capitão e Tenente do
Regimento José Gonçalvez Galeão (1785)............................................................................. 63
Fig.15 – Planta da Cidade do Salvador, em 1798, elaborada pelo Engenheiro Militar
Joaquim Vieira da Silva (1798) ............................................................................................ 64
Fig.16 – Planta da Cidade do Salvador, em 1894, produzida por Adolfo Morales de los
Ríos......................................................................................................................................... 75
Fig.17 – Simulação digital da planta baixa da Capela dos Militares – 1872, a partir dos
documentos............................................................................................................................. 78
11
Fig.18 – Simulação digital da planta baixa da Capella dos Militares – 1872, a partir do
levantamento das variáveis condicionantes ............................................................................79
Fig.19 – Lápide do Major Antônio Domingos (1811-1869) na Mouraria............................... 80
Fig.20 – Uma das primeiras turmas do Patronato de São Vicente de Paulo – 1900.................82
Fig.21– Simulação digital da planta baixa da Capela – 1896-1900..........................................85
Fig.22 – Gráfico comparativo das vidas de Lacerda, Victorino e Amélia Rodrigues..............88
Cap.3: Panorama fotográfico da Cidade do Salvador, vista do Forte São Marcelo, pelo
fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923) – em 1875 .......................................................................91
Fig.23 – Gymnasio da Bahia inaugurado em 1900, atual Colégio Estadual da Bahia
(Central)....................................................................................................................................95
Fig.24 – Imagem do interior da Igreja de 1938/39, provavelmente de Cerqueira
Galvão...................................................................................................................................... 99
Fig.25 – Imagem do interior da Igreja em 1974.....................................................................100
Fig.26 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor ................................................101
Fig.27 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor. Trecho localizado acima do
acesso à Sacristia.....................................................................................................................102
Fig.28 – Descolamento do reboco da cercadura da porta, que dá acesso ao púlpito e seção
polida da mostra do revestimento histórico envolvido em paraloide......................................103
Fig. 29 – Observações efetuadas no microscópio petrográfico..............................................104
Fig.30 – Aspectos da camada de emboço e reboco, vista ao microscópio, com ampliação
10X........................................................................................................................................ 104
Fig.31 – Painel com variedade de desenhos em escaiola encontrados na Igreja .................. 105
Fig.32 – Trecho da parede lateral direita da nave, após descolamento da tinta azul............. 106
Fig.33 – Retábulo Lateral esquerdo: altar do Evangelho de São José; e Retábulo Lateral
direito: altar de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia........................................................ 107
Fig.34 – Fotografia dos alunos do curso de música do Patronato, provavelmente em
1905....................................................................................................................................... 108
Fig. 35 – Simulação digital da planta baixa da Igreja – 1901-1905...................................... 109
Fig.36 – Mapa com projeto para via na freguesia de Santana............................................... 112
Fig.37 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (1923-1926)... 115
Fig.38 – Vista em perspectiva da Igreja de Santo Antônio da Mouraria em 1923................ 117
Fig.39 – A pobreza exposta nas praças da Cidade do Salvador em 1926...............................121
Fig.40 – Demolição dos prédios no Campo da Pólvora no ano de 1935 ...............................123
Fig.41 – Desenho da Igreja da Mouraria, provavelmente em 1938/39, ano de seu tombamento,
de autoria de Jimmy Scoot......................................................................................................126
Fig.42 – Igreja em fotografia de 1938/39, provavelmente de Cerqueira Galvão....................127
Fig.43 – Análise da estratigrafia da fachada, revelando a técnica do cimento penteado .......128
12
Fig.44 – Vista do Campo dos Mártires (atual Campo da Pólvora) antes da construção do
Fórum.................................................................................................................................... 130
Fig.45 – Vista do Campo da Pólvora em 2014...................................................................... 131
Fig.46 – Imagem do Projeto para o cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua
Santa Clara e Ladeira da Fonte das Pedras em 1959..............................................................134
Fig.47 – Vista do cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa Clara e
Ladeira da Fonte das Pedras em 2014................................................................................... 135
Fig.48 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, de autoria de Alfredo Gomes,
em 1966................................................................................................................................. 137
Fig.49 – Simulação digital da planta baixa da Capela – 1973............................................... 139
Fig.50 – Vista em perspectiva do conjunto tombado, fotografado em 1973..........................140
Fig.51 – Fachada Principal da Igreja da Mouraria em 1973...................................................140
Fig.52 – Planta de cobertura com localização dos pontos com deficiência no sistema de
escoamento..............................................................................................................................141
Cap.4: Frontispício da Cidade do Salvador fotografada do mar da Baía de Todos os
Santos – Fotografia da autora (2014)......................................................................................143
Fig. 53 – Mapa com a indicação dos pontos iniciais dos transportes coletivos e seu percurso
na parte central da cidade, com a localização da Mouraria na Avenida Joana Angélica........146
Fig.54 – Nucleação de atividades e transporte de massa ...................................................... 148
Fig.55 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria................................................... 153
Fig.56 – (a)Projeto da Residência Nº 34, em 1933................................................................ 154
Fig.56 – (b)Fachada da Residência Nº 34, em 1933 - Digitalizada em AutoCad.................. 155
Fig.57 – Fachada da Residência Nº 34 em 2014 ................................................................... 155
Fig.58– (a)Projeto da Residência Nº 03 em 1926...................................................................156
Fig.58 – (b)Fachada da Residência Nº 03 em 1933 – Digitalizada em AutoCAD ...................156
Fig.59 – Fachada da Residência Nº 03 em 2014.................................................................... 157
Fig.60 – (a)Projeto da Residência Nº 74 em 1927................................................................. 158
Fig.60 – (b)Fachada da Residência Nº 74 em 1927– Digitalizada em AutoCAD.................. 158
Fig.61 – Fachada da Residência Nº 74 em 2014.................................................................... 159
Fig.62– (a) Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935................................................... 159
Fig.62– (b) Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 1935- Digitalizada em AutoCad........160
Fig.63 – Fachada Lateral da Residência Nº 59 em 2014........................................................160
Fig.64– (a) Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935................................................... 161
Fig.64– (b) Fachada Frontal da Residência Nº 59 em 1935- Digitalizada em AutoCad........161
Fig.65– Fachada da Residência Nº 59 em 2014.................................................................... 162
13
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
APÊNDICES................................................................................................................ 202
A história não é somente uma questão de fatos; ela exige imaginação que penetre o
motivo da ação, que sinta a emoção já sentida, que viva o orgulho ou a
humilhação já provados. Ser desapaixonado é perder alguma verdade
vital do fato; é impedir-se de reviver a emoção e o pensamento
dos que lutaram, trabalharam e pensaram. Não era a conquista
da Colônia do Sacramento só que interessava:
não era só a coisa, era o espírito da coisa.
(CAPISTRANO DE ABREU, 1954, p.10).
15
INTRODUÇÃO
1
Na Lâmpada da Memória, livro publicado em 1848, ele defende a importância da passagem do tempo nas
construções humanas, adicionando o tempo como fator intríseco ao monumento, elevando os efeitos de
sublimidade e tornando-o pitoresco.
2
O bergsonismo é uma filosofia do futuro, do tempo, da transformação, segundo Romano Galeffi em seu livro
Presença de Bergson (GALEFFI, 1961). Romano Galeffi foi um filósofo e crítico de arte italiano radicado no
Brasil, fundador da cadeira de Estética na Universidade Federal da Bahia
17
a tempo sobre um teto, poucas folhas secas e gravetos retirados a tempo por
um jato de água, salvariam tanto o forro como os muros da ruína. Vigiai um
velho edifício com atenção cuidadosa; protegei o melhor que puderdes e a
qualquer custo de qualquer sinal de deterioração. Contai aquelas pedras
como contais as gemas de uma coroa; colocai em torno deles vigias como se
se tratasse das portas de uma cidade assediada. Onde a estrutura murária
mostra esgarçamento, fazei-a compacta utilizando o ferro. E onde ela cede,
escorai-a com madeira. Não vos preocupeis com a feiúra desses apoios:
melhor ter uma muleta que ficar sem uma perna. E tudo isso fazei
amorosamente, com reverência e continuidade, e mais de uma geração
poderá ainda nascer e morrer a sombra desse edifício. Ao fim, também ele
deverá viver o seu dia extremo. Mas deixemos que esse dia venha
abertamente e sem enganos, e não permitamos que algum falso e desonroso
substituto o prive dos ofícios fúnebres da memória. (RUSKIN, 1996, p.27).
impressões, ecos e imagens, de fora para dentro, em nuances temporais, diante das
transformações descobertas. Em direção contrária, a leitura do edifício dá-se através de
palimpsestos lacunares que instigam o olhar mais apurado. Neste sentido, alguns aspectos
foram fundamentais para o questionamento e a investigação do patrimônio edificado,
metamorfoseado em seu contexto, relacionado não só aos processos de valorização do
monumento, mas também às teorias e técnicas de conservação e restauro aplicadas na cidade.
As primeiras impressões datam de 2007, na ocasião em que a Sociedade São Vicente
de Paulo, na administração do advogado Paulo Nascimento (2008-2012), se articulou com o
Movimento Familiar Cristão – MFC, para trazer as atividades do COFAM3 para funcionar no
edifício vicentino, anexo à Igreja, visto que, em 2008, a Santa Casa de Misericódia da Bahia,
solicitou ao COFAM, que desocupasse suas instalações, pois haveria reformas na Pupileira e,
por isso, necessitavam das salas. Uma das dirigentes do COFAM é a senhora Magda Hita,
matriarca dos irmãos que comandam a Hita Engenharia, empresa em que trabalha a arquiteta
Fátima Hita, coordenadora da equipe de arquitetos, da qual eu participava, desde 1998. Dado
o meu interesse na história da cidade e nas questões de patrimônio4, Fátima Hita me delegou a
missão de adequar os ambientes necessários, para as atividades realizadas pelo COFAM, no
novo endereço a ser ocupado, na Avenida Joana Angélica. Ao nos dirigirmos para o local,
Fátima Hita iniciou os relatos: “O edifício é antigo, pertence a uma irmandade que está se
associando ao COFAM, por possuírem as mesmas ideologias, mas encontra-se muito
degradado”.
Ao chegar ao local de destino para realizar o cadastro, foi apresentada a Igreja de
Santo Antônio da Mouraria, pelo Confrade Paulo Sena, da Ordem Vicentina. As primeiras
impressões me emocionam até hoje: o cheiro da madeira abafada, o jogo de luz e sombra, as
imagens no altar-mor, os voos rasantes de morcegos sobre as cabeças, os azulejos
setecentistas escondidos nas sombras. O caminho percorrido assemelhava-se a um labirinto,
que levou ao saguão do edificio com acesso lateral pela Avenida Joana Angélica, onde foi
avistada, sobre escombros e biombos de ferro, uma bela escada de madeira em “U” com o
degrau convite em mármore. O piso estrelado de ladrilho hidráulico revelava outros tempos.
Uma porta se abriu e uma espécie de quintal surgiu, dando acesso a outras salas e mais
morcegos.
3
Centro de Orientação Familiar da Bahia. Para saber mais, visite o site oficial: < http://www.cofam.org.br >.
4
Kirimurê: uma Aplicação da Modelagem Geométrica na Produção da Forma Arquitetônica – artigo apresentado
ao SIGraDi 2009 SP - Elisângela Conceição Dantas Leão, Faculdade de Arquitetura – UFBA e Arivaldo Leão de
Amorim, LCAD/FAUFBA/UFBA.
19
Chamou a atenção, a quantidade de roupas empilhadas nos cantos das salas com
acesso pelo quintal, indagando-se sobre os motivos, embora não me recorde da resposta,
apenas que era algo relacionado à Despensa dos Pobres. O Sr. Paulo Sena explicava, mas
todas aquelas impressões me deixaram enlevada. Tomei do lápis e da prancheta e dei início ao
cadastro, e, logo depois das pesquisas, veio a confirmação: Monumento tombado pelo
IPHAN.
Estava configurado o desafio. Ao COFAM, só cabia os fundos do edifício, cerca de
cinco salas, que foram tratadas no mesmo patamar de obra de arte, de que todo o conjunto era
merecedor. Após executar o projeto, respeitando suas características históricas e as marcas do
tempo, discutiu-se cada detalhe com o engenheiro que executou a obra, como as ‘joias da
coroa’, citadas por Ruskin (1996). Com determinados ajustes no layout, consertos nas
esquadrias e reparos na cobertura, o COFAM instalou-se em 2008 e lá funciona até hoje.
Essa parceria promoveu a necessidade de requalificação do monumento como um
todo, o que tornou a aproximação mais intensa com os guardiões do monumento. Essas
impressões levantaram dúvidas, que mais tarde vieram a se tornar objeto de estudo para o
projeto de Mestrado em Conservação e Restauro do Patrimônio, em 2010, a partir do
incentivo oferecido pela orientadora deste trabalho, Professora Doutora Odete Dourado, que
na época ministrava as aulas de Teoria e História da Conservação e do Restauro, no Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
Outra contribuição fundamental para as percepções no monumento foram as pesquisas
desenvolvidas durante o processo de produção do diagnóstico das patologias existentes na
Igreja da Mouraria, realizado em 2011, como avaliação da disciplina de Tecnologia da
Conservação e do Restauro I, ministrada pelo Professor Mário Mendonça de Oliveira, no
Programa de Pós-Graduação da FAUFBA. Nelas, foram observadas sobreposições como fruto
do tempo, o que levou ao encontro de fios temporais nos pequenos detalhes percebidos, nas
amplificações sobre o conhecimento dos materiais e nas técnicas tradicionais empregadas na
construção, a partir da Pesquisa Histórica do monumento, do Levantamento Cadastral, do
Registro Fotográfico e da caracterização física e química dos materiais.
Os dados pesquisados sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria e seu entorno
foram registrados e catalogados como elementos de investigação e histórico de cada detalhe
arquitetônico, estabelecendo parâmetros cronológicos para a obtenção de análise que
preenchesse as lacunas percebidas, como fios que acabaram por revelar camadas temporais
que se sobrepunham.
20
A arquitetura, sob essa ótica, abrange as áreas da arqueologia das edificações enquanto
materialização de formas de pensar o espaço para atender às necessidades individuais e
coletivas que refletem hábitos, costumes e interesses dos grupos sociais em determinados
tempo e espaço. Esses princípios, aliados às tecnologias de registro do patrimônio,
sinalizaram os rumos da pesquisa.
Compreender a imanência do tempo, diante dos monumentos na paisagem urbana,
proporcionou o desenvolvimento dessa metodologia investigativa para o reconhecimento do
patrimônio, no âmbito arqueológico, a partir da observação dos detalhes e questionamentos
encontrados no cadastramento da edificação. Os ecos trouxeram impressões que demandaram
uma análise peculiar de cada aspecto levantado, resultanto em vasto contéudo de informações,
que contribuíram para a simulação digital da Igreja da Mouraria, associadas a cada
administração de ordem religiosa que ali interveio. Essa metodologia proporcionou a análise
crítica e didática da passagem do tempo sobre a Igreja da Mouraria, identificando a
21
“verdade” e nela se instaura o mundo, que ecos do mundo podem ser percebidos na singela
Igreja da Mouraria? Devido ao fato de a Igreja pertencer a uma Ordem Terceira, ou seja, ser
administrada por diversas irmandades leigas, observou-se que cada irmandade tutora trazia
consigo influências e personagens marcantes da sua época. O Conde de Sabugosa, 4° Vice-
Rei do Brasil, Ignácio Accioli, autor das Memórias Históricas e Políticas da Província da
Bahia, e Antônio de Lacerda, idealizador do Elevador Lacerda, foram alguns exemplos que
deixaram seu legado na imagem do monumento. Essas perspectivas enriquecem a memória da
cidade e se reconhecem no patrimônio edificado. Parafraseando Heidegger: a obra de arte em
sua essência é uma origem (HEIDEGGER, 1992) e tece a segunda fase, com as irmandades
que tutelaram o monumento, transformando-o, mas promovendo sua origem voltada para a
caridade. A análise histórica e a pesquisa empírica trazem as TRANSFORMAÇÕES E
PERMANÊNCIAS: ECOS NO TEMPO.
E, de acordo com as discussões de Produzindo o Passado: estratégias de construção
do patrimônio cultural, coletânea de textos organizada por Arantes (1984), a paisagem
percebida pelo homem é um dado cultural, no sentido de cultura como movimento de criação,
constantemente em evolução no ambiente artificial, construído através de sistemas
simbólicos, de elementos e significados. Com base nessas discussões, foi possível refletir os
diversos valores e questões que vão além do veículo de relações sociais e elaborações
estéticas, o que direcionou a terceira fase apresentada: RECONSTRUÇÃO/TOMBAMENTO:
IMAGENS NO TEMPO
Nesse sentido, após os estudos, registros e análises, indagou-se o valor de uso dos
monumentos, como observa Riegl (2006), cuja teoria expressa, singularmente, o sentimento
compartilhado pelos moradores do entorno da Igreja da Mouraria e frequentadores:
Trata-se de obras que temos o hábito de ver plenamente utilizadas, e que nos
perturbam desde que não preencham mais sua função familiar, dando assim
uma impressão de destruição violenta, insuportável [...]. (RIEGL, 2006,
p.94).
Nos estudos sobre a Igreja, percebeu-se que os contextos não são entidades fixas,
resultando de estados de relacionamentos (homem/espaço/tempo) identificados nos elementos
que formam a totalidade do conjunto arquitetônico na paisagem que se transforma. Assim, de
acordo com a Gestalt, nas obras de arte, os conteúdos resultam de constantes inter-relações
entre partes e totalidades, nas quais cada componente possui determinado significado.
Portanto, o todo nunca é apenas a soma das partes, uma adição, mas a integração de suas
partes, que forma um novo conjunto, à medida que novos elementos são integrados. Cada
23
significado será novo, único e singular na arte, assim como na vida das pessoas
(OSTROWER, 1995). A cada modificação na estrutura do conjunto arquitetônico, tem-se uma
nova Igreja, e novos sentidos são articulados e acrescidos à paisagem da cidade.
Dessa forma, o monumento, que passou por transformações de usos, restaurações e
descaracterizações, constitui a quarta fase deste trabalho: DESUSOS NO TEMPO.
Assim, o desmembramento dos estratos temporais percebidos como impressões, ecos e
imagens culmina com os desusos na Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Este trabalho
procurou analisar o momento histórico, social e econômico em que foi construído o edifício,
demonstrando a relação entre monumento e cidade. O intuito foi compreender as
transformações da cidade e como essas relações foram percebidas e integradas à arquitetura,
ao longo do tempo, além de contribuir para o enriquecimento da compreensão dos
monumentos que guardam, em sua simplicidade, a essência cultural de um povo. Ensejou,
ainda, a colaboração na salvaguarda do patrimônio através de ações estratégicas
desenvolvidas em projeto piloto de educação patrimonial, efetivado em parceria com a
Faculdade de Arquitetura da UFBA, a Sociedade São Vicente de Paulo e o Colégio Estadual
da Bahia, com apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, denominado VI-VER O
PATRIMÔNIO– 1ª edição: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – 286 anos.
Segundo Bergson (1999), para estabelecer elos entre a percepção e a realidade, a
relação da parte com o todo, seria preciso atribuir à percepção sua função verdadeira, que é
preparar ações. Nesse sentido, o VI-VER O PATRIMÔNIO é o resultado dessas percepções e
já se encontra em vias de realizar a segunda edição, prevista para outubro de 2015,
promovendo o reconhecimento e a valorização do patrimônio cultural da Cidade do Salvador,
com jovens estudantes de escola pública, a partir da singela Igreja da Mouraria e sua riqueza
cultural, que pode-se definir como “o espírito da coisa”.
27
25
1 FIOS NO TEMPO
1
Sublime é a apreensão do espírito da matéria relacionada às lembranças da experiência do espectador, que,
por sua vez, remete à lógica existente na natureza (RUSKIN,1996).
2
Roda de fiar percepções é um modo de entender e explicar a relação entre os fatos correlatos que deram à
Capela as feições arquitetônicas presentes em cada período estudado.
26
fortaleza e povoação grande e forte”, segundo o Regimento trazido por Tomé de Souza3, que
pretendeu torná-la rapidamente o centro administrativo, fazendário e judiciário de toda a
Colônia. No Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, Gabriel Soares de Sousa declara que,
nessa colina, o Governador edificou, em 12 meses, a sua cidadela de casas de taipa de sopapo,
cobertas com palha, cercadas de muros, também de taipa4 (SOUSA, 1587, p. 62).
Fig.2 – Planta da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, com indicação dos muros e
circunvoluções primitivas da fundação de Tomé de Sousa (1549).
Fonte: História da Fundação da Cidade do Salvador (SAMPAIO, 1949). Acervo da Biblioteca FA-
UFBA.
O mapa da Figura 2 consta da História da Fundação da Cidade do Salvador, de
Theodoro Sampaio (1949), que se refere a uma cópia reduzida do original existente no
3
Documento escrito por D. João III, Rei de Portugal, em 1548, com as premissas para a dominação e ocupação
do território descoberto, tornando Tomé de Souza o Governador Geral da colônia portuguesa.
4
Taipa ou Terra sobre estrutura é uma técnica muito simples e econômica, bastante empregada em zonas
tropicais (SANTIAGO, 2001, p.54), mas a taipa a que se refere Gabriel Soares é a taipa de pilão, que consiste em
levantar paredes de terra, comprimida com golpes de pilão entre placas de madeira.
27
5
Referência associada à imagem de capa deste capítulo. Entretanto, para os olhares mais atentos, a autora dispõe
na capa de cada capítulo, a imagem do frontispicio da Cidade do Salvador, apresentando a evolução da ocupação
da área da primeira cumeada.
28
Eu, o Rei, faço saber a vós, Tomé de Souza, fidalgo de minha casa, que
vendo Eu quanto serviço de Deus, e meu, é conservar e enobrecer as
capitanias e povoações das terras do Brasil, e dar ordem e Fé
[...].(REGIMENTO..., 1998, p.11).
Confirma esse aspecto, a primeira missa descrita por Barros (1934, p.13):
6
Padroado era a delegação de poderes concedida pelos papas – através de bulas – aos reis de Portugal, mediante
a qual, o rei passa a ser o patrono e protetor da Igreja, dispondo de obrigações e direitos.
7
O padre Jesuíta Serafim Leite é o autor da História da Companhia de Jesus no Brasil, composta de 6
tomos cuja edição do 1º volume ocorreu no ano de 1930, sendo o seu último tomo editado em 1945.
8
Recônvavo baiano – o entorno de terras férteis que envolve a Baía de Todos-os-Santos.
29
por volta de 1560, em função do solo e clima favoráveis. A mão de obra escrava era de
origem africana, e a cana era cultivada nas margens dos rios navegáveis, através dos quais se
escoava facilmente a produção do açúcar, fumo e outros suprimentos até o porto de Salvador,
onde eram armazenados para serem exportados (SANTOS, 1959).
No fim do século XVI, ecos econômicos, políticos e religiosos avultaram Salvador
como entreposto comercial da Colônia, num sentido e no outro: dos produtos agrícolas, do
açúcar, dos escravos e dos colonos livres, dos instrumentos rudimentares e das tentativas de
inovações, da ordenação jurídica e das tradições culturais. A função portuária crescia, ao lado
das funções e necessidades administrativas, sociais e militares (SANTOS, 1959). Outros
pontos de ocupação foram surgindo na direção leste, fora das portas da cidade. Os mapas,
resultado dos estudos sobre a Evolução Física de Salvador, publicados pela Universidade
Federal da Bahia em convênio com a Fundação Gregório de Mattos (1998), ilustram, na
Figura 4, os períodos e a ocupação da primeira cumeada, apontando os vetores de expansão
urbana da cidade.
9
Matriz, ou Igreja Paroquial, é o templo principal de uma paróquia
10
Nesta época, a área que hoje é conhecida como Avenida Joana Angélica, Piedade e Nazaré é que formava o
subúrbio da cidade.
11
Capela ou pequena igreja que apresenta um único altar.
31
Na paisagem dos sítios da Palma, em 1567, a ermida12 foi reconstruída de pedra e cal,
a mando do então Governador Mém de Sá (1558-1572), que sucedeu a D. Duarte da Costa
(1553-1558). Seguido pelos devotos, Mém de Sá decidiu por construir algumas casas nas
imediaçoes da Capela, para descansar nos dias de missa. Aos poucos, o número de casas foi
crescendo e tomando o lugar das palmas, para ocupar a segunda cumeada.
Nessa época, o Governador já pensava em construir ali um convento para religiosas,
sem obter êxito, deixando: “[...] recomendações à câmara da cidade e ao padre reitor do
collegio da Bahia e a quantia de mil cruzados em depósito [...]”, como relata Vianna (1893, p.
303). Assim, paulatinamente, Salvador se foi espalhando pelas cumeadas, como demonstra o
mapa do CEAB para 1580, Figura 5, na qual foi acrescentada, pela autora desta dissertação, a
Ermida do Desterro.
Por sua vez, Boxer (1969) reafirma essa interpretação quando descreve os relatos de
conselheiros da Coroa, quando trata do momento em que o Brasil estava repleto de engenhos
que fabricavam o melhor açúcar da época, fator que contribuiu para o constante ataque
sofrido, durante os anos de 1599 a 1648. Assim, como é relatado na pesquisa da
UFBA/CEAB e Fundação Gregório de Mattos (1998, p.83): “[...] a colônia foi atacada
periodicamante pelos flamengos [...]”, sofrendo inúmeras perdas, seja na Capital ou no
Recôncavo, promovendo um período de intensa preocupação com as defesas da Colônia.
A cidade já dispunha, nessa época, do Forte de Santo Antônio da Barra (1587), do
Forte da São Felipe (1585), do Forte de Santiago de Água de Meninos (1595) e do Forte de
Santo Alberto ou Lagartixa (1595). Mesmo assim, o crescimento da cidade às margens da
baía oferecia inúmeros pontos de fácil acesso para a invasão dos estrangeiros, expondo sua
situação precária de defesa, a qual necessitava de maior atenção e investimentos da Coroa.
Datam, desse período, os primeiros projetos de renovação das fortificações de
Salvador, atribuídos a Leonardo Turriano, Engenheiro-Mor de Portugal, aprovados por
Tiburcio Espanochi, Engenheiro-Mor da Espanha e pelo Rei de Portugal (MORENO, 1968).
Para lidar com esses fatos, a ocupação da segunda cumeada se revelou uma estratégia que, aos
poucos, reverberou os ecos, fazendo surgir as imagens das invasões (Figuras 6 e 7).
34
35
13
Local de hospedagem dos Missionários Agostinianos Descalços.
36
Muito embora tenha sido breve sua atuação, foi na administração do Marquês de
Montalvão (1640-1641) que se realizou a construção de novas fortificações, as quais foram
finalizadas, em 1644, com a construção do quartel no bairro da Palma, extramuros da cidade.
O 2º Conde de Castelo Melhor (1650-1654) promoveu a execução de mais três
quartéis, também no bairro da Palma, para abrigo dos três terços que faziam a guarnição da
cidade, inaugurados em 1662. Rocha Pitta, na História da América Portuguesa (1958, p.98),
denomina a área da Palma como “grande zona militarizada da Cabeça do Brasil”.
Nos idos de 1650, os sítios da Palma, Desterro e Saúde já apresentam aglomerações,
sinalizando os vetores de desenvolvimento populacional, como ilustra o desenho 4 da
evolução física de Salvador (Figura 8), em continuidade aos estudos publicados pela
UFBA/CEAB e Fundação Gregório de Mattos.
Fig.8 – Representação da Evolução Física de Salvador, em 1650, com os bairros novos assinalados
por círculos escuros
Fonte: Evolução Física de Salvador (UFBA/CEAB; Fundação Gregório de Mattos, 1998).
Segundo as Cartas de Vilhena (1969, v.1, p. 84) a presença dos engenhos e das capelas
era fator indispensável ao trato dos civilizados. Por isso, a guerra e a catequese, em toda parte,
precederam a organização da justiça, estendendo-se gradativamente para o interior.
A questão dos conventos também se tornou de grande importância na época colonial,
pois a vaidade de ter filhos religiosos se transformou em modismo. Segundo Vilhena (1969,
v.3, p. 449), há muito tempo a população solicitava a construção de um mosteiro ou convento
37
que abrigasse as senhoras que tivessem vocação para o noviciado ou para recolhimento
daquelas que não possuíssem dotes para casar. Além disso, era costume da época que as
moças finas entrassem para o convento, principalmente para não se misturarem com os
habitantes da terra. Desde a administração de Mem de Sá que já havia a recomendação para a
construção desse recolhimento no Desterro.
No entanto, a Igreja e Mosteiro das Religiosas de Santa Clara do Desterro só recebeu
licença do Rei de Portugal, D. Afonso VI, para sua fundação em 1665. Mais tarde, em 1677, é
que chegaram à cidade as “[...] quatro freiras fundadoras do primeiro convento edificado para
senhoras, no Brasil”, relata Vilhena (1969, v.2, p.449). Oriundas do Convento de Santa Clara
de Évora, as Clarissas, fundadoras do Convento do Desterro, aportaram em Salvador no dia 7
de fevereiro de 1665. Entretanto, só conseguiram desembarcar dez dias depois, devido ao
atraso nas obras de execução do mosteiro. A Igreja e Convento do Desterro abrigou a
Paróquia por quase cem anos, o que promoveu sérios conflitos, a exemplo do surgimento dos
freiráticos14, gerando inquietações junto à Igreja e à sociedade da época, por conta do contato
direto da população com as recolhidas.
A Igreja e Convento de Nossa Senhora da Piedade teve iniciada sua fundação no ano
de 1679 pelos religiosos capuchos italianos. A princípio, edificaram uma pequena casa, na
qual se estabeleceram por algum tempo, mais tarde vindo a construir uma igreja e o convento.
Em 1685, foi apresentado o Plano do Capitão Engenheiro João Coutinho para a
fortificação das defesas de Salvador, com minucioso estudo das fortalezas, orçamento e
viabilidade da proposta, pouco tendo sido executado. Há relatos de que, ao atravessar o
oceano, esses desenhos se perderam, passando de mão em mão, restando deles apenas as
transcrições dos analistas da época. Oliveira (2004), fiel devoto das fortalezas, assevera a
indubitavel perda que isso representa para os estudos desses gigantes na luta contra o tempo e
descreve um resumo das principais proposições do Engenheiro, assim considerado como o
documento mais importante para o conhecimento das fortalezas. Do plano de Coutinho,
algumas fortalezas foram iniciadas, mas não concluídas.
Entretanto, o que chamou a atenção, nos estudos do Engenheiro João Coutinho, foram
os diversos aspectos peculiares de cada construção descrita, os limites das novas trincheiras e
14
Denominação dada aos indivíduos que namoravam freiras ou mantinham com elas relações suspeitas
(VILHENA, 1969, v.2, p. 468).
38
No início dos 1700, Salvador ainda se configurava como cidade fortificada, envolvida
por áreas de trincheiras e uma linha costeira de fortificações, que a contornava e se alongava
até o Recôncavo, apoiada pelos fortes. A própria geomorfologia do lugar se constituía num
arcabouço que delimitava a já ampliada cidade-fortaleza. A área da Palma, com vocação
militar, abrigou as tropas acampadas, os terços, os primeiros quartéis, a Casa da Pólvora e
todos os conflitos relacionados a defesa, população, economia e política.
No tilintar do século XVIII, o Mestre de Campo Miguel Pereira Costa descreveu o
panorama crítico e detalhado da situação de defesa da cidade, apontando suas mazelas e
analisando as fortalezas minuciosamente, relacionando o clima com os materiais adequados à
realidade da geomorfologia de implantação, visibilidade e poder de fogo de cada construção.
Esse ensaio crítico respaldou o plano anterior do Capitão Coutinho e serviu de base para o
projeto de fortificação da Cidade do Salvador proposto pelo Brigadeiro João Massé,
reproduzido na Figura 9, de cuja equipe técnica faziam parte Miguel Pereira Costa e o Capitão
Gaspar de Abreu, confirmando a máxima de que Santo de Casa não faz milagre. Ou seja, os
indícios e documentos relatam as mesmas diretrizes descritas nas proposições de Pereira
Costa, no entanto o projeto ficou conhecido, em 1715, como Plano de Massé (OLIVEIRA,
15
Atual Dique do Tororó (OLIVEIRA, 2004, p.70). Não confundir com o Dique dos Holandeses, quando
represaram o Rio das Tripas, canalizado sob a atual Baixa dos Sapateiros.
16
Aula sobre a arte de construir castelos, fortalezas. Deriva do latim castrum, que significa castelo.
17
Denominação dada aos sertanistas do Brasil Colonial, que, a partir do início do século XVI, penetraram nos
sertões brasileiros em busca de riquezas minerais, sobretudo o ouro e a prata, abundantes na América espanhola,
de indígenas para escravização ou para exterminar os quilombos.
39
2004). Esse redesenho, apresentado neste trabalho, foi publicado em 1969, em A Bahia no
Século XVIII, volume 1 da versão das Cartas de Vilhena, publicada em 1801.
Também bastante esclarecedora é a planta de Salvador, executada pelo Engenheiro
militar Amédée François Frézier (Figura 10), elaborada em 1714, a serviço do Rei da França,
publicado em 1716, em Paris, em seu livro Relation du voyage18.
Nesta dissertação, foram comparadas as duas plantas, revelando a cidade, no tempo do
Vice-Reinado do Marquês de Angeja (1714-1718), D. Pedro de Noronha, na qual a área da
segunda linha defensiva é posta em evidência e destacados alguns aspectos para comparação:
1 – Trincheiras
18
Relation du voyage de la mer du Sud aux cotes du Chili, du Perou, et du Bresil, fait pendant les années 1712,
1713 & 1714 par M. Frézier. Livro completo disponível em:
https://openlibrary.org/books/OL25091548M/Relation_du_voyage_de_la_mer_du_Sud_aux_cotes_du_Chili_du
_Perou_et_du_Bresil_fait_pendant_les_ann%C3%A9es
40
E, de acordo com Costa (1958, p.19), o Depósito de Pólvora (F), à medida que a
cidade se desenvolvia, ia sendo transferido para longe da população. Em 1682, foi parar nas
imediações da Palma, na fortaleza localizada no Campo do Desterro (BARROS, 1934), sem
oferecer riscos à popuklação, por se tratar do subúrbio. Rocha Pitta (1958, p.309) descreve:
19
Essas reminiscências compreendem notícias históricas e geográficas do Império e diversas Províncias. Obra
reeditada, encontrada na Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.
42
43
20
Conhecida como “Academia dos esquecidos” da Metrópole, deu origem à atual Academia Baiana de Letras
(ABL) (Cf. ROCHA PITTA, 1958, p.492).
44
Faço saber vós Vasco Fernandes César de Meneses que a abadessa e mais
religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro dessa cidade da Bahia me
representaram que há anos a esta parte são perturbadas nas suas eleições
pelos seculares, os quais procurando votos das religiosas para fazer
abadessas a seu arbítrio e não segundo a consciência o pede, de que resultam
inquietações e outros inconvenientes... Me pareceu ordenar-vos ponhais um
eficaz cuidado em proibir que hajam estas dissenções [...].
Não deixa o vice-Rei coisa alguma neste Estado por fazer daquelas que em
seu aumento e crédito podem redundar, atendendo ao bem público e
particular, ao amparo das viúvas, das órfãs e dos pobres. Com seu exemplo
cresce o culto dos templos e a devoção dos santuários.
21
Assim como o fez em Jacobina, onde fundou a Capela de Santo Antônio de Jacobina, por ocasião da
descoberta das minas. Atualmente, é a Igreja Matriz Santo Antônio de Jacobina.
45
A união entre a cruz e a espada, como expressa Charles Boxer (1969), comentado
anteriormente, é típica da colonização ibérica e aparece, desde cedo, na figura de Santo
Antônio, que é dotada de extraordinária popularidade em Portugal e no Brasil. Ele está
presente na defesa da Cidade desde a fundação da igreja e fortaleza de Santo Antônio da
Barra, provavelmente o local em que ele iniciou sua carreira militar em terras brasílicas,
sendo incorporado a seu regimento como soldado raso, ainda no final do século XVI. Como
relata Luiz Monteiro da Costa (1958), apontando a data e o local em que o Patrono dos
militares assentou praça e acudiu aos soldados com o remédio espiritual:
Frei Jaboatão, em seu Novo Orbe Seráfico Brasilico, transcreve o Alvará del-Rey em
resposta ao despacho do Provedor da Fazenda, D. Rodrigo da Costa, em julho de 1705,
sinalizando onde e como estes recursos deveriam ser empregados:
Ali também, Santo Antônio foi promovido a capitão do forte por petição da Câmara de
Salvador, além de soldado raso na Sé, alferes no presídio do Morro de São Paulo e alferes em
sua igreja da Mouraria, onde conviviam ciganos e militares22. Haja vista a área militarizada, a
Capela de Santo Antônio da Mouraria ficou conhecida como a Capela de Santo Antônio dos
Militares ou simplesmente, Capela dos Militares, muito embora, dentro do quartel do Antigo
22
VAINFAS, Ronaldo. Santo Antônio na América Portuguesa: religiosidade e política. Revista USP, São Paulo,
n.57, p. 28-37, mar./maio 2003. Disponível em: < http://www.usp.br/revistausp/57/02-ronaldo.pdf >. Acesso
em: 15 maio 2013.
46
manifestações culturais da cidade, mas que é hoje, infelizmente, apenas conhecido como
“santo casamenteiro”.
que, de alguma forma, se encontram excluídos, vivendo à margem da sociedade, dos poderes
públicos e dos direitos humanos. Aqueles sem pão e, talvez por isso, a tradição da presença
inóspita23 deles no lugar e, principalmente, nas missas que aconteciam na Mouraria, onde se
distribuía o pão, no ritual sacralizado, que até hoje ocorre às terças-feiras, desde sua fundação,
em homenagem ao exemplo de caridade do Patrono dos Militares – Santo Antônio.
23
Nas entrevistas com os moradores da Mouraria, de 2010 a 2014, a reclamação era constante ao tratar da
presença dos pedintes e moradores de rua que adormecem e fazem suas necessidades fisiológicas nas calçadas.
49
as memórias de Aragão Jr. (1926, p.4), sendo designado o Cônego Dr. Antônio Rodrigues
Lima para lançar a bênção.
Fig. 11 – Imagem da lápide comemorativa do lançamento da 1ª pedra nos alicerces da ainda Capela de
Santo Antônio da Mouraria.
Fonte: Arquivos da Autora (2014).
“Roda”24 no Hospital anexo à Santa Casa, em fevereiro de 1726. Nesse local, as crianças
recém-nascidas eram entregues à caridade. Como declara Barros, em À margem da História
da Bahia (1934, p.256-257):
Esse vínculo estabelecido entre a Santa Casa e a Capela da Mouraria através do Conde
de Sabugosa, no que se refere às necessidades e fragilidades humanas, foi observado em toda
a trajetória dissertativa sobre o objeto de estudo, como fios entrelaçados, que o tempo se
encarregou de tecer e gerar laços em momentos oportunos. O Conde de Sabugosa e a criação
da Roda dos Expostos constituem o primeiro laço de muitos que foram descobertos, ao longo
da pesquisa. Entre a Piedade e o Desterro, a área militar e a Capela da Mouraria criaram
vínculos, talvez expostos “na roda”, da Santa Casa de Misericórdia.
24
A Roda dos Expostos era um aparelho instalado em determinadas entidades assistenciais, a fim de receber,
anonimamente, as crianças enjeitadas pelos pais e criá-las às suas expensas. (COSTA, 2001, p.30).
25
O abandono de crianças tem ocorrido ao longo da história da humanidade, por diversos fatores, mas a primeira
Roda de que se tem notícia apareceu em Roma, no início do século XIII d.C, no Hospital do Santo Espírito, por
ordem do Papa Inocêncio III (1198-1216). (MARCÍLIO, 1998).
53
A arquitetura sagrada exprime a ideia do divino em forma material, de tal modo que
todos os aspectos de estilo e estrutura tendem a estar intensamente imbuídos de significado
teológico, mas restringidos pelas limitações da tecnologia e dos materiais, utilizados em cada
época (HUMPHREY; VITEBSKY, 1997).
Nesse âmbito, Martinez (1969) relata que a arquitetura produzida pelas Ordens
Terceiras possui características específicas, traços peculiares, de acordo com o sistema de
vida, os costumes e organizações sociais de cada Irmandade instituída na cidade. Observa
ainda que os templos dessas ordens possuem um programa com definições de espaços,
geralmente compostos de:
Capela ou Casa de Oração: local para celebração dos cultos, composta de nave, capela-
mor, púlpito, tribunas, coro e torres.
Casa da Mesa: espaço onde está localizada geralmente uma grande mesa, onde
ocorrem as reuniões da Irmandade.
26
A trezena de junho se refere aos 13 primeiros dias do mês de junho, nos quais são oferecidas missas e festejos,
em homenagem a Santo Antônio.
54
LEGENDA
1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência
do Capelão
9 e 10.Quintal
27
Estudos realizados na Disciplina Tecnologia do Restauro I e II, no PPG-AU da UFBA, em 2012.
55
1.7 O PANORAMA
Desde antes de sua origem, o tempo e suas tramas teceram os fios que proporcionaram
a composição da Capela de Santo Antônio da Mouraria. Passo a passo, cada fio modelou um
traço da arquitetura sagrada, que fora analisado neste trabalho.
O ver e o observar, mesclados à intuição, tornaram-se o ponto de partida para
compreender o tempo como agente da roda de fiar ou como artista intrínseco à obra, pois nela
ele está presente, antes mesmo, de sua origem, por isso a necessidade de uma história de longa
duração.
Nesta primeira fase, os fios encontrados a partir de cada percepção, sejam impressões,
ecos ou imagens, levaram à perspectiva do panorama que direcionou a construção da Capela
primitiva. Em linha de mão dupla, foram sendo costurados o desenvolvimento urbano da
primeira e da segunda cumeadas, para entender a trama, o bordado, o entorno, a vizinhança e
os conflitos que, de alguma forma, depõem a favor da importância dos monumentos singelos
e despercebidos na paisagem urbana do lugar, que nasceu forte e cresceu para lutar e se
defender, sob a guarda de um guerreiro de sábias palavras: Santo Antônio.
59
Se, para Heidegger (1992), na obra de arte está o acontecimento da “verdade” e nela se
instaura o mundo, na Capela fundada pelo Conde de Sabugosa, foram percebidos, em
diferentes tempos, ecos do mundo.
Nas entrelinhas da pesquisa, os acontecimentos se desdobraram em ecos, reverberando
indícios de épocas distintas, onde as irradiações alcançaram a Capela da Mouraria e o lugar, e
daí também partiram, através dos fatos e indivíduos que ali intervieram com suas crenças e
ideias, mosquetes ou baionetas, desde antes até depois de sua construção, testemunhando o
desenvolvimento urbano da Cidade do Salvador.
Assim, foi possível compreender que as transformações na cidade se refletiram nas
mudanças dos edifícios e que, cada monumento, contém, em sua essência, marcas, que
revelam momentos, memórias e pessoas. Algumas delas se tornaram ícones da História,
deixando traços inolvidáveis, que influenciaram gerações, impulsionaram mudanças e
promoveram reações em cadeia, que se expandiram no tempo. Em contraponto, as
permanências consolidaram-se como símbolos de fortaleza na paisagem, diante do inesperado
que assombrava a cidade, na figura dos invasores e corsários. O que se transforma e o que
permanece, atravessando os séculos, constituem o cerne que habita o indivíduo, o monumento
e a cidade.
Além dos Regimentos pagos, oriundos dos dois Terços, tinha a cidade,
quatro Regimento de Tropas Urbanas [...] o Regimento dos Úteis, composto
de comerciantes e seus caxeiros [...] O Regimento de Infantaria de Tropa
Urbana da Praça, composto de artífices, vendeiros, tarveneiros, e outras
qualidades de homens brancos; O Quarto Regimento Auxiliar de Artilharia
composto de homens pardos ou mulatos livres [...] e finalmente o Regimento
de Tropa Urbana ou Milicianos, composto de pretos forros [...]. Assinala
ainda, de tropas não pagas, uma Companhia de Familiares, dois Corpos de
Capitães de Assalto e os célebres Terços de Ordenanças. (COSTA, 1958,
p.105).
Costa, mesmo interessado apenas nos Regimentos profissionais, acaba por demonstrar
que a população da época, de alguma forma, possuía um vínculo militar. Essa relação se
consolidou com os movimentos de formação da identidade nacional, ampliando-se com os
ecos da Revolução Francesa, que alcançaram Salvador e influenciaram as ideias discutidas
durante a conjuração baiana, conhecida como a Conjuração dos Alfaiates, em 1798.
Segundo Tavares (1963, p.104), eles “Insistiam na liberdade de comércio, aspiração de
todos os núcleos coloniais do Brasil, e garantiam que o porto da Bahia seria franco a todas as
nações estrangeiras”. Esse grupo se reuniu sob o título de Cavaleiros da Luz e, inspirado pelo
Iluminismo, espalhou suas ideias em boletins manuscritos, pesquisados e apresentados por
Kátia Mattoso, ao publicar seus estudos, no Arquivo Público da Bahia, sobre a Presença
Francesa no Movimento Democrático Baiano de 1798. Mattoso (1969, p.144-147) elabora
uma tabela com os pasquins sediciosos encontrados, registrando a Declaração dos Princípios
revolucionários, pedindo ao povo que aderisse à revolução e que o soldado fosse mais bem
remunerado, dentro dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade.
Entretanto, o grupo foi duramente reprimido pelo Capitão Geral D. Fernando José de
Portugal e Castro (1788-1801), futuro Conde e Marquês de Aguiar, que mandou executar
quatro dos envolvidos, sobrevivendo alguns, a exemplo do Dr. Cipriano Barata e do tenente
do 2º Regimento de Linha Hermógenes Pantoja. As ideias, porém, germinariam nas lutas pela
Independência do Brasil e da Bahia.
Mesmo perdendo a posição de sede do Governo do Brasil, e diante de todos esses
acontecimentos, Salvador inicia o século XIX como um dos núcleos mais desenvolvidos da
Colônia, com a economia voltada para o mercado exterior, mas ainda baseada no trabalho
escravo.
Em janeiro de 1808, uma tempestade na Baía de Todos-os-Santos mudou o rumo dos
ventos, direcionando parte das 15 naus portuguesas que fugiam de Napoleão para atracam no
Porto de Salvador. No dia 23 de janeiro do mesmo ano, a Família Real desembarca na cidade,
fixando estadia por um mês, tempo suficiente para D. João VI perceber a grave situação
econômica em que se encontrava a futura sede do Império Português, decretando assim o fim
do monopólio comercial, com a abertura dos portos às nações amigas de Portugal.
O ocorrido promoveu uma série de melhoramentos em toda a Colônia, dando início à
reforma urbana de Salvador sob o governo do 6º Conde da Ponte (1805-1809), passando pelo
8º Conde dos Arcos (1810-1818) até o Conde da Palma (1818-1821).
Aos poucos, as ideias iluministas se ramificavam, congregando adeptos contra o
domínio português, culminando em uma palavra, que promoveu ação e reações: Salvador
entrou em ebulição. Em 22 de janeiro de 1822, o Príncipe Regente D. Pedro disse “Fico!”,
recusando a ordem de regresso a Portugal e se tornando “o ponto de apoio para a
Independencia do Brasil” (TAVARES, 1963, p.115).
Os ecos do Fico chegaram a Salvador através do levante de soldados portugueses,
comandados pelo brigadeiro Inácio Madeira de Melo, português que veio para substituir o
brigadeiro brasileiro Freitas Guimarães no Comando das Armas, mas fora, estrategicamente,
impedido pela Câmara.
Entre os dias 18 e 19 de fevereiro de 1822, momentos de terror foram vivenciados na
cidade: Os lusitanos atacaram o Forte de São Pedro e, quase ao mesmo tempo, os quartéis da
Palma e da Mouraria, onde se encontravam oficiais e soldados brasileiros. Nessa investida ao
quartel da Mouraria, um grupo de soldados tentou invadir o Convento da Lapa. Os
portugueses acreditavam que no claustro, vizinho ao quartel, houvesse sediciosos e armas
escondidas (AMARAL, 1957, p.68-69).
Nessa ocasião, assassinaram a abadessa do Convento da Lapa, Madre Joana Angélica
de Jesus, e feriram o padre Daniel Nunes da Silva Lisboa, capelão do convento. Nas páginas
da História Política e Administrativa da Cidade do Salvador, Affonso Ruy (1949, p.388-389)
descreve o dia de horror, comandado por Madeira de Melo:
66
1
MORGADO, Sérgio Roberto Dentino. Expulsos a ferro e a fome. Disponível em: < http://www.
uol.com.br/historiaviva/reportagens/expulsos_a_ferro_e_fome.html >. Acesso em: 16 de maio de 2013.
67
Extincta a primitiva irmandade, cuja data e motivos não foi possível apurar,
a capella passou a ser administrada até os anos de 1848 ou 1849, como se
deprehende na acta n. 2 da reunião effectuada, no corpo da capella, em 4 de
março de 1849, da nova irmandade em livro próprio, que foi encontrado em
um dos velhos armários embutidos em uma das paredes da antiga sacristia e
hoje 2º corpo da capella, livro que se acha rubricado pelo juiz de direito da
1ª vara e auditor da gente de guerra, Dr. Francisco Marques de Araujo Góes,
de cuja acta consta a leitura de um officio do Presidente da Província
Conselheiro Francisco Gonçalves Martins, declarando que não só approvava
o acto da instalação da Irmandade de Santo Antônio dos Militares, como
ficava sciente das pessoas que compunham a Mesa e que aos anteriores
intrusos administradores da Capella de Santo Antônio se deveria tomar conta
do tempo em que a administraram.
2
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX: sociedade e política. 2000. Diussertação
(Mestrado em História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2000. Disponivel em: < http://www.ppgh.ufba.br/wp-content/uploads/2013/12/As-Secas-na-Bahia-do-S%C3%
A9culo -XIX.pdf >. Acesso em: 15 set. 2013.
71
instalar na Europa, chegou ao Brasil pelas portas da Província do Pará, depois de atacar
Espanha e Portugal, alcançou Salvador, através da tripulação infectada do vapor paraense
“Imperatriz”, e se espalhou na cidade pelos caminhos do Rio das Tripas. Nascimento (1986,
p.152), relata os primeiros indícios da epidemia:
edificação de uma casa de asilo para os militares aposentados ou em situação de risco, como
fizeram outras irmandades.
O histórico da Capelania Católica da Polícia Militar do Estado da Bahia assemelha-se
à história da Corporação do 2º Regimento, sendo criada oficialmente pelo Decreto do
Imperador D. Pedro I, em 17 de fevereiro de 1825, que mandou organizar na Bahia um Corpo
de Polícia. Já estava prevista, na Lei de Organização, a vaga de Capelão3, implantada no
Quartel da Mouraria, vizinho ao Convento da Lapa. No Mosteiro de São Bento, funcionou o
primeiro quartel da Polícia Militar da Bahia, denominado Batalhão de Minas, seu primeiro
comandante foi o Tenente Coronel Manoel Joaquim Pinto Paca, Capitão de 1ª Linha da 2ª
Companhia de Caçadores do Quartel de Água de Meninos.
A reunião que traria o Corpo de Polícia para a irmandade, não foi consolidada a
tempo, assim como outras propostas, mas também não foram encontrados documentos
contrários à presença deste e de outras pessoas da sociedade, como afirma Aragão Jr. (1926,
p.13): “[...] não apenas militares faziam parte da Irmandade, mas também muita gente nobre
da Província”. Essas pessoas ocupavam os cargos Ad honorem4, como a Condessa de Barral, a
Viscondessa de Passé, as Baronesas de Paraguassu, do Rio de Contas, de São Francisco e de
Belém; assim também o Brigadeiro Rodrigo Antônio Falcão Brandão, um dos heróis da luta
da Independência na cidade de Cachoeira, que assistiu à sessão de 10 de junho de 1855,
assinando a Ata, junto com o irmão Frei Nicolau do Bomfim, capelão militar, lastimando a
epidemia, que assolava também o Recôncavo.
Desse modo, a lista dos oficiais que ocuparam o título de provedores e demais cargos
desta Irmandade, nos seus 30 anos de existência, registrados nas atas de reuniões da
congregação, não deixa dúvidas de que a elite militar estava à frente da Confraria, mas que
também a elite da sociedade frequentava regularmente a Capela. Eram provedores: o marechal
de campo José Joaquim Coelho (1850-1855); o brigadeiro Manoel Antônio da Fonseca Costa
(1855-1856); o brigadeiro José Leite Pacheco (1856-1857); o coronel Solidônio José Antônio
Pereira do Lago (1857-1858); o brigadeiro João José da Costa Pimentel (1858-1859); o
marechal de campo Francisco Félix da Fonseca Pereira Pinto (1859-1860); o coronel Joaquim
José Gonçalves Fontes (1860-1862); o brigadeiro Manuel Muniz Tavares (1862-1866); o
brigadeiro Innocencio Eustaquio Ferreira de Araújo (1866), ano em que faleceu; o coronel
Luiz José Monteiro (1867-1870); o coronel Antônio Gomes Leal (1870-1871); o brigadeiro
3
HISTÓRICO da Capelania Católica da Polícia Militar do Estado da Bahia. Disponível em: <
http://www.pm.ba.gov.br/ >. Acesso em: 28 jan. 2013.
4
Expressão em Latim, que significa por honra. Diz-se do que é feito de graça, sem interesse lucrativo.
73
5
CÂMARA, Marcos Paraguassu Arruda. Conceição e Pilar: freguesias seculares do centro econômico e do
Porto de Salvador até o sec. XIX. 1989. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)- Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 1989. p.123.
74
de só acender os lampiões em noites escuras, sem Lua, por motivos econômicos. Em 1862, a
ordem continuou, mas os lampiões passaram a ser abastecidos com gás retirado do carvão de
pedra. As ruas, à noite, eram sombrias, “[...] somente o Quartel, o Palácio, a Câmara
Municipal e os templos eram fartamente iluminados” (NASCIMENTO, 1986, p.48).
Outro aspecto deficitário era o abastecimento de água, contratado em 1852, quando foi
iniciada a implantação de 12 chafarizes para sua distribuição, na cidade, em substituição às
fontes e seus escassos carregadores, porém o fornecimento continuou um serviço precário e
caro.
Aliado a esses aspectos, a população cresceu rapidamente, como apontam os dados
apresentados por Nascimento (1986, p.64), em gráfico relacionando os anos de 1706 a 1872,
onde registra que a população salta de 56.000 habitantes, em 1855, para 108.137, em 1872,
impulsionando a reação em cadeia que transformou o centro, as freguesias e as ruas,
irradiando novas perspectivas de ocupação do território.
Assim, com o fim do sistema escravocrata no Brasil, presenciado nas últimas décadas
do século XIX, com a Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885), até a
esperada Abolição do cativeiro (1888), agrava-se a crise financeira da Província da Bahia,
levando à articulação da economia baiana com o capitalismo internacional e transformando o
modus vivendi em Salvador.
Nesse sentido, em 1870, inicia-se a expansão dos meios de transportes, com as linhas
de bondes e as rodovias. Logo depois, chegam os ascensores: Elevador Lacerda e Taboão,
Planos Inclinados (Gonçalves e Pilar), as estradas: a execução da via na Ladeira da Montanha
(1872), a Rua da Vala, que canalizou o Rio das Tripas.
As medidas para facilitar o tráfego de pessoas e mercadorias se alastraram por toda a
cidade, mas surgiram também os conflitos de ordem social. Com a crise rural e a libertação
dos escravos principalmente, as freguesias centrais ficaram amontoadas, promovendo a
desagregação das habitações e conduzindo as classes mais abastadas para zonas mais
afastadas da cidade, como o Campo Grande, a Barra e a Vitória. A princípio, surgiam as
casas, depois as ruas e, por último, o desenvolvimento urbano e, na contramão, aonde
chegavam os trilhos dos bondes, rapidamente apareciam as casas e as ruas.
Assim como Caldas, na primeira metade do século XVIII, Vilhena deu notícias de
nove freguesias em Salvador, mas, ao longo do século XIX, praticamente foi mantida a
mesma divisão administrativa da cidade, retratada por Nascimento (1986), em seus estudos
sobre as Dez freguesias da Cidade de Salvador, revelando riquíssimas contribuições sobre seu
desenvolvimento, além de observar seus vetores de expansão.
Dessa forma, o que se percebe nesse período em que a Irmandade dos Militares esteve
presente na administração da Capela, são ares de progresso, mas também ecos de horror, de
desequilíbrios, epidemias e mortes. Contudo, são também dessa época as mais belas festas e
manifestações culturais de fé e tributos ao orago da Capela da Mouraria e protetor das tropas
militares da Província. As bandas militares saíam em desfile na procissão, havia fogueiras,
bandeirolas, comidas típicas, muita reza nas ruas, nas casas, várias missas na Capela,
acompanhadas de grandes festividades.
Ainda com a Capela sob a administração da Irmandade dos Militares, ocorreu, em
1872, o nivelamento e calçamento do trecho da cidade entre Santo Antônio da Mouraria e o
Largo de Nazaré (RUY, 1949). Em 1873, abria-se a estrada de ligação da Soledade às
Quintas, promovendo a abertura de novas ruas, recortando o perímetro urbano, para facilitar
as comunicações.
Os melhoramentos ocorridos na Rua da Lapa ocasionaram mudanças no adro da
Capela, deixando-a em posição elevada diante do nível da rua, atribuindo novos ares à
Mouraria. Esse fato fez questionar como foram solucionados os acessos à edificação, pois a
remodelação do adro provavelmente foi executada com esse fim. No entanto, o adro
cadastrado atualmente possui o mesmo tipo de mármore italiano utilizado pelos militares,
quando substituíram o piso da nave da Capela, como foi indicado nos ensaios efetuados sobre
amostras desse material em laboratório, segundo os quais, as peças analisadas, tanto do piso
da nave quanto do piso do adro atualmente cadastrados, possuem o mesmo conteúdo
mineralógico, ou seja, apresentam uma cristalização muito fina, diferente do mármore
nacional, que, em geral, possui uma estrutura granulosa, como o açúcar (sacaróide). Portanto,
é possível concluir que, supostamente, houve a remodelação do adro, no mesmo ano em que
houve o nivelamento das vias da Rua da Lapa.
Essa observação coincide com a data em que foi concluído o processo de alinhamento
de limites do terreno e a irmandade perdeu parte da área do quintal da Capela, no lado leste,
para os vizinhos. Como relata Aragão Jr. (1926, p.17):
LEGENDA
1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência do
Capelão
9 e 10.Quintal
Fig. 17 – Simulação digital da planta baixa da Capela dos Militares – 1872, a partir dos
documentos.
Fonte: Levantamento Cadastral produzido pela autora (2012).
dos devotos e da confraria. Isso confirma o fato de que as transformações na Capela foram
acréscimos ocorridos paulatinamente;
4) As arrecadações na Capela possuem um período de maior intensidade a cada
trezena de Santo Antônio, quando os fiéis costumam pagar as promessas ao orago, com
recursos para obra de manutenção no templo.
Desse modo, foi produzida outra simulação da Capela em 1872 (Figura 18), mas, desta
vez, a partir das variáveis condicionantes, que corroboram a lógica das constantes adições e
reformas ocorridas em templos pertencentes à ordens de terceiros.
LEGENDA
1. Adro
2. Nave
3. Capela-Mor
4. Sacristia
5. Pátio
6. Torre sineira
7. Consistório
8. Residência
do Capelão
9 e 10.Quintal
Figura 18 – Simulação digital da planta baixa da Capella dos Militares – 1872, a partir do
levantamento das variáveis condicionantes.
Fonte: Levantamento Cadastral produzido pela autora (2012).
A Irmandade dos Militares, nos períodos de epidemia, sofreu grandes baixas e quase
não havia reuniões nessa fase. Isso deflagrou um processo de decadência, escasseando, a cada
dia, o número de confrades que frequentavam as reuniões, principalmente devido às guerras e
aos conflitos para os quais os militares eram convocados, como a Guerra do Paraguai.
Essa sucessão de fatos colaborou, diretamente, com a ausência de ações de mais
visibilidade nesse período da história da Capela, impulsionando sua extinção em junho de
1879, sendo a Capela de Santo Antônio dos Militares entregue aos cuidados dos
administradores da Arquidiocese de São Salvador. Assim entende Aragão Jr. (1926, p.17),
quando declara:
80
O Major Antônio Domingos (1811-1869), como muitos outros confrades, exerceu com
zelo seu cargo de escrivão desde a fundação da Irmandade dos Militares em 1849, até junho
de 1864, quando seguiu para a Guerra do Paraguai. Ao retormar, pediu que, quando falecesse,
seus ossos fossem depositados na Capela de Santo Antônio da Mouraria, onde até hoje é
possível ver sua lápide (Figura 19).
A lápide do zeloso major (FIGURA 19) foi o local em que, primeiramente, foram
percebidos os ecos extintos de um tempo. Posteriormente, o processo de extinção veio em
cadeia: a independência do Brasil na Bahia, passando pela Mouraria; os grilhões da
escravidão, ocasionando mudanças em todos os setores da vida em Salvador e liberando o
acesso do capital estrangeiro, para execução da infraestrutura urbana; a extinção do Rio das
81
Tripas, para dar lugar a Rua J.J. Seabra (Baixa dos Sapateiros) e, por conseguinte, as
epidemias que surgiam menos violenta a cada ano; a extinção dos vazios urbanos com a
chegada dos bondes; até a extinção da Monarquia, ao findar o século XIX, com a
Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, em 15 de novembro de 1889, no
Rio de Janeiro.
Um ano após a assinatura da Lei Áurea, saiu exilado do País, o imperador D. Pedro II,
avaliando-se, assim, o impacto causado por essa medida no Império. No entanto, ao refletir
sobre a definição de extinção, foram percebidos ecos ativos dos militares que ecoam até hoje,
visto que a lápide presente consolida a presença dos militares no templo.
Na Bahia, era governante o Conselheiro José Luís de Almeida Couto e Comandante
das Armas, o Marechal Hermes da Fonseca, irmão de Deodoro da Fonseca, o chefe militar da
República. Este nomeou o Dr. Manoel Victorino Pereira como o primeiro Governador da
Bahia, um político liberal, de tendência federalista, partidário e amigo de Ruy Barbosa e
Antônio de Lacerda.
A partir dos laços de amizade entre Manoel Victorino e Antônio de Lacerda é que se
estabelecem os ecos parisienses, em Salvador.
A origem da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) deu-se no início do século XIX,
em Paris, devido à insatisfação de jovens estudantes universitários com a maneira com a qual
era praticada a caridade pela Igreja Católica, a exemplo da simonia6.
A Irmandade de Ordem Terceira foi fundada 23 de abril de 18337, por um grupo de
sete jovens liderados por Antoine Ozanam (1813-1853), estudante de Direito na Universidade
de Sorbonne.
A organização adotou São Vicente de Paulo (1581-1660) como patrono, inspirando-se
no pensamento e na obra daquele santo, conhecido como o Pai da Caridade, por causa de sua
dedicação ao serviço com os pobres e infelizes, seguindo a risca o segundo mandamento do
Cristianismo: Amar ao próximo como a ti mesmo.
6
Comércio ilícito de coisas sagradas, referente à venda de bens espirituais ou tráfico de benefícios religiosos.
7
SOCIEDADE SÃO VICENTE DE PAULO. História institucional. Disponível em: < http://www.
ssvpcmbh.org.br >.Acesso em: 20 out. 2012.
82
Dessa forma, São Vicente tornou extraordinária sua atuação pastoral, em Paris,
resultado do número de obras de caridade que mantinha, com muita humildade e disciplina
espiritual. Suas congregações se estenderam por todo o mundo, sendo consagrado pela Igreja
como Herói da Caridade8.
A unidade da SSVP, no mundo, é regida pela Regra da Confederação Internacional da
SSVP, buscando incansavelmente, segundo eles, um trabalho de maior contato e aproximação
com a Igreja, através do Clero, espalhando-se em Conferências pelo mundo a fora,
promovendo a caridade. A SSVP tem por finalidade a santificação de seus membros,
confrades, consócias e os locais socorridos, participando das obras sociais.
Após grande campanha da Irmandade, em todo o mundo, Frédéric Ozanam foi
beatificado em agosto de 1997 pelo Papa João Paulo Segundo, também declarado vicentino,
como são denominados os participantes dessa Ordem.
Atualmente, a Sociedade de São Vicente de Paulo está presente em 146 países, com
mais de 720 mil membros espalhados pelo mundo. O Brasil é o maior país vicentino do
planeta, com 45.440 Conferências, mais de 2 mil Conselhos Particulares, quase 300
Conselhos Centrais e 33 Conselhos Metropolitanos, um Conselho Nacional e milhares de
Obras Unidas e Especiais, subordinadas ao Conselho Geral Internacional. Dentre eles, o
Conselho Metropolitano Bahia-Sergipe administra, desde 1895, a Capela de Santo Antônio da
Mouraria, em Salvador.
A instituição chegou ao Brasil em 1872, com a Conferência São José, no Rio de
Janeiro. Na Bahia, a SSVP chegou pelas mãos de Antônio de Lacerda, idealizador do
Elevador Lacerda e Mordomo do Asilo dos Expostos. Em 27 de dezembro de 1876, realizou-
se a Primeira Conferência, na freguesia da Sé, em Salvador. Na Biblioteca particular da
SSVP, foram encontrados documentos com recortes impressos, nos quais havia o relato da
Ata da 1ª Conferência Vicentina na Bahia e a presença de seus fundadores, a saber: o Dr.
Antônio de Lacerda, eleito Presidente da Irmandade, o Dr. Manoel Victorino Pereira, como 1º
Vice Presidente e o Dr. Guilherme Studart, como 2º Vice Presidente. O Bispo do Pará, D.
Antônio de Macedo Costa, presidiu a instalação da Sessão Solene, realizada no salão da
Associação Católica, como descrito no documento (Anexo B):
instalações da Capela da Mouraria. A data é o dia 2 de abril de 1896, primeira reunião após a
decisão da Ata de 26 de março citada.
A Capela da Mouraria e suas dependências estavam abandonadas, quando a SSVP
assumiu a administração em 1895, havendo uma sucessão de consertos, principalmente no
telhado. Logo em seguida, foram inaugurados a Despensa dos Pobres, a Rouparia dos Pobres
(1897) e o Patronato de São Vicente (1899). Disso, trata a Figura 20, uma fotografia da época,
na qual é possível observar dados da arquitetura da Capela (portas, janelas e escadaria), além
de demonstrar a atuação da SSVP na realização das aulas no Patronato.
Fig.20 – Uma das primeiras turmas do Patronato de São Vicente de Paulo – 1900.
Fonte: Memória Histórica da Capela de Santo Antônio da Mouraria – Aragão Jr. (1926).
De acordo com Mattoso (1992), quase todos os baianos pertenciam pelo menos a uma
irmandade, até meados do século XIX. No caso de Antônio de Lacerda, ele pertencia a
algumas, entre as quais, foi um dos fundadores e presidente da Conferência de São Vicente de
Paulo, na Bahia; fundou a Conferência de Nossa Senhora das Vitórias, onde construiu o Asilo
dos Expostos, em frente ao Campo da Pólvora, da qual também foi presidente; fazia parte
também da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, como Mordomo do Asilo dos
Expostos9; e foi Presidente do Conselho Particular de Salvador da SSVP, segundo os relatos
de Trinchão (2010), em sua dissertação sobre o Parafuso, mais tarde denominado Elevador
Lacerda.
O visionário baiano Antônio de Lacerda era filho do comerciante Antônio Francisco
de Lacerda. Toda sua formação ocorreu no exterior, como era de costume, na época. Em suas
andanças pelo Europa, esteve em contato com a filosofia vicentina e, por se tratar de uma
postura em que os jovens se rebelavam contra o sistema, à luz da ciência, dentro dos cânones
católicos, logo se identificou com os objetivos da ordem e se interessou pela irmandade.
O jovem Lacerda, aos 22 anos, foi chamado de volta para assumir os negócios do pai,
que se achava já cansado, reencontrando Salvador na época em que fervilhavam as mudanças,
principalmente para os meios de locomoção, e se envolvendo em diversas irmandades,
colaborando para o desenvolvimento da cidade.
Das irmandades mais difundidas, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, chegou
ao Brasil em 1530, sendo fundada por Brás Cubas, em Santos, justamente na Capitania de São
Vicente. Na Bahia, foi fundada em 1550 e administrada pela elite local, desempenhando
importante papel na sociedade, com a missão do tratamento e sustento dos enfermos e
inválidos, além de dar assistência aos “expostos” (MATTOSO, 1992, p. 398).
9
Crianças abandonadas na Roda dos Expostos, situada na Pupileira em Salvador.
87
Outra personalidade baiana, que atual de modo singular na segunda cumeada foi
Amélia Rodrigues (1861-1926), educadora na Capital desde 1891, tornou-se Diretora do
Asilo dos Expostos na Santa Casa de Misericordia. Segundo o artigo10 escrito em sua
homenagem era “Grande educadora, poetisa delicada e primorosa escritora”, provavelmente
também tenha sido membro da Sociedade São Vicente de Paulo, dada sua sintonia com os
objetivos da Irmandade, no contexto da época, em que os círculos de caridade e educação
seguiam a mesma filosofia.
Os ares militares da freguesia de Santana estavam, de fato, se transformando, colégios
e praças ocupavam as áreas dos quartéis. Nesse âmbito, é possível afirmar que Amélia
Rodrigues foi contemporânea dos confrades que tomaram à iniciativa de se mudar para a
Capela da Mouraria em 1895, assim como deve ter testemunhado o período de mudanças na
área, a construção do Ginásio da Bahia e do edifício da SSVP, na Mouraria.
Nascida em terras do Recôncavo baiano, na localidade de Oliveira dos Campinhos,
Santo Amaro, Amélia Rodrigues chegou a Salvador em 1891. Era católica fervorosa, atuante
na cidade, vindo a contribuir com grande número de obras literárias, poemas e artigos para
jornais e revistas. Em Salvador, fundou duas revistas católicas: A Paladina do Lar e A Voz,
ambas pertencentes ao acervo da biblioteca da SSVP, na Mouraria. Diante dos preconceitos
da época, ela escrevia com o pseudônimo de Juca Fidelis para as revistas Mensageiro da Fé,
Leituras Catholicas, Estantarte Cathólico e a Pequena Semente, onde foi encontrada a nota
de seu falecimento.
Aragão Jr. (1926) reafirma o envolvimento dessas irmandades, quando descreve o fato
ocorrido no ano de 1912 em que uma relíquia de São Vicente de Paulo foi doada aos
vicentinos da Bahia pelo Padre Affonso Gavroy, que a mandou buscar em Paris, por
intermédio de uma Irmã de Caridade do Asilo dos Expostos.
Compartilhando dos ideais de Lacerda, o Dr. Manuel Vitorino Pereira (1853-1902)
participou da fundação da SSVP na Bahia, sendo eleito vice-presidente da Irmandade em
1873. Nascido em família humilde, graduou-se médico pela Faculdade de Medicina da Bahia,
especializando-se nos hospitais de Paris, Viena, Berlim e Londres. Catedrático da Faculdade
de Medicina, político federalista, abolicionista e vicentino, ingressou na carreira política
sendo nomeado Governador da Bahia em 1890 (RUY, 1949).
10
Artigo em homenagem a D. Amélia Rodrigues, por ocasião de seu falecimento, publicado na Revista A
Pequenina Semente: Revista Mensal da Congregação Christã da Archidiocese da Bahia, setembro de 1926.
Encontrada na Biblioteca da SSVP em junho de 2011.
92
A Arquitetura está nas relações com as diversas atividades humanas e, dentre elas, na
sedução das palavras que envolvem os poetas, refletindo percepções temporais, ora externas,
ora internas. Para o poeta Rubem Alves (2014), por exemplo, meditar sobre este trecho da
obra poética de Fernando Pessoa, citado acima, é interpretar as entrelinhas:
Quando te vi... Eu nunca a havia visto. Não havia antecedentes que tivessem
preparado aquele momento. Nada sabia sobre ela. Dela, naquele momento, a
única coisa que eu tinha era a sua imagem: eu a vi... Como eu nada sabia
sobre ela, ela era destituída de substância. Dela, eu só tinha aquilo que meus
olhos me ofereciam: uma imagem. (PESSOA, apud ALVES, 2014).
1
Atualmente, Colégio Estadual da Bahia – Central.
95
Fig.23 – Gymnasio da Bahia inaugurado em 1900, atual Colégio Estadual da Bahia (Central).
Fonte: Indicador e Guia Prático da Cidade de Salvador-Bahia – organizado por Lauro Sampaio
(1928). Biblioteca Pública da Bahia.
noturnas, aumentando o alcance das obras assistenciais e educacionais, atraindo maior público
e, por conseguinte, demandando mais espaço.
Assim, em 12 de agosto de 1901, a SSVP assumiu definitivamente a administração da
Capela de Santo Antônio da Mouraria. Suas dependências e patrimônio foram confiados à
Irmandade, “[...] com inscrição no livro do Tombo da SSVP, registrada no livro próprio da
Secretaria Eclesiástica” e, mais tarde, no cartório de registro especial de títulos e documentos,
em 6 de junho de 1924 (ARAGÃO Jr., 1926, p. 20). Esse documento efetivou a posse do
imóvel, promovendo a autonomia necessária para que os vicentinos construíssem mais
cômodos e expandissem suas obras de caridade, com pleno direito de serem indenizados pelas
despesas, caso houvesse um retorno da administração da Arquidiocese de Salvador.
Esse fato levou à ocupação de todo o terreno sul e parte do quintal da Capela, para a
construção de edifícios anexos, dando início ao período de sucessivas contruções, demolições
e reconstruções na capela.
Para uma divisão meramente didática, os períodos foram numerados e divididos de
acordo com os anos em que foram evidenciadas maiores transformações no edifício. Isso não
significa que, nos anos não citados, não tenha havido nenhum tipo de manutenção da
edificação, principalmente pelo fato de que os devotos de Santo Antônio possuem o hábito de
pagar suas promessas, efetuando ou promovendo serviços de manutenção no templo.
1º Período – 1901-1905
De 1901 a 1905, foram executadas diversas obras na Capela, com o intuito de ampliar
as ações filantrópicas da SSVP, entre elas as que mais se destacam são: a inserção de dois
altares laterais na nave, que transformaram a Capela dos Militares em Igreja de Santo Antônio
da Mouraria, muito embora tenham ocorrido a obstrução da visibilidade de parte dos painéis
de azulejos setecentistas; e a abertura do segundo corpo da Igreja, o que amplificou a
quantidade de devotos nas missas.
De maneira cronológica, em 1901, começaram os reparos pela cobertura, com a
substituição de algumas combotas podres do forro tipo caixotão, que compõe uma abóbada
facetada, culminando em pintura central. As peças curvilíneas e retilíneas integram-se à
estrutura arquitetônica da cimalha, formando molduras que fazem o acabamento decorativo na
transição entre as paredes e o forro, o qual recebeu vários consertos e a fixação de grande
número de estrelas de madeira, para simbolizar o céu.
O destaque desse elemento arquitetônico, além da técnica construtiva em madeira, está
na pintura ilusionista barroca apresentada no quadro central do forro, com dimensões
97
1,10x4,00m, no qual a bela imagem de Santo Antônio representa o momento em que ele
recebeu o Deus Menino das mãos da Virgem Santíssima, elaborada nos padrões da Escola
Baiana de Pintura. Segundo o IPHAN (1998), a época provável de sua execução foi o século
XIX.
Nas paredes da nave e do altar-mor, no púlpito e na tribuna, houve o revestimento com
texturas decorativas, que imitavam as características do mármore, além da execução de
barramentos decorativos como remates arquitetônicos das aberturas, como o delineamento no
arco-cruzeiro e nos ornatos em relevo, que emolduram as portas principais.
Era a arte dos “fingidos”, que consiste em um acabamento final, executado com uma
fina pasta, de dois a três milímetros, só de cal, ou de cal e pó de pedra, simulando rochas
ornamentais. Espólio da colonização portuguesa, essa técnica tradicional foi muito utilizada,
no Brasil, até o início do século XX, com ornatos e pinturas muito sofisticados e desenhos
bem elaborados. Além da cal, utilizavam “[...] gesso, óleos e colas, ceras e diversos tipos de
polimentos, com pigmentos de diversa origem, em misturas complexas” (AGUIAR, 2013,
p.92). A técnica dos “fingidos” é representada na literatura de duas formas: Stucco-Lustro, se
a pintura é posterior, em afresco e com pigmentos inorgânicos naturais; e Stucco-Mármore, se
recebe este mesmo pigmento na argamassa, o que exige um acabamento mais complexo.
Segundo as pesquisas de Eduarda Maria da Silva Vieira, em sua dissertação sobre
Técnicas Tradicionais de Fingidos e de Estuques no norte de Portugal, orientada pelo Dr.
José Aguiar, o Stucco-Lustro era a imitação da pedra de mármore, ou de brechas, feita sobre
um reboco liso (de cal e de areia finíssima, ou com pó de mármore). E também podia ser feita
sobre o estuque, imitando-se afresco ou seco. Por fim, a pintura era brunida e polida, podendo
levar ou não um acabamento final a cera ou a verniz.
O Stucco-mármore ou escaiola2, como ficou conhecida a técnica, era feita por
estucadores, trabalhando com argamassas e pastas, em geral, de gesso e cal, com os
pigmentos carregados na própria massa. As diferentes cores e veios das pedras eram
conseguidos misturando diversas massas de diferentes cores, depois cortadas em finas fatias,
de aproximadamente 5 milímetros, cuidadosamente aplicadas sobre a argamassa, nas paredes.
Segundo Aguiar (2013), o mestre estucador, através de uma formação longa e prática,
sabia fazer ornatos em relevo e dominava técnicas decorativas avançadas como os fingidos de
pedra com gesso e pigmentos misturados, cuidadosamente brunidos, polidos e encerados. Os
2
O termo scagliuola, que em português foi traduzido popularmente como escaiola, surgiu originalmente na
Itália, definindo uma cal muito fina, obtida através da calcinação de cristais de gesso. Muito usada para se obter
acabamentos particularmente delicados e em interiores, essa designação passou depois a referir-se a uma
ornamentação similar à dos embutidos em pedra, recorrendo à massa de diversas cores, para executar os ornatos.
98
ofícios possuíam regimentos próprios que fixavam tempos de aprendizagem, que iam “[...] de
servente, ou aprendiz, a pedreiro e estucador, de brochante a pintor-decorador”, mas só alguns
alcançavam a maestria do ofício (AGUIAR, 2013, p. 96).
Até meados do século XX, os saberes e as capacidades disponíveis eram mais
artesanais e por isso demandavam mais tempo e dedicação por parte dos profissionais. Com a
industrialização, o surgimento do cimento e a popularização dos azulejos e das tintas acrílicas,
a escaiola entrou em desuso e, atualmente, poucos profissionais possuem o conhecimento
executivo da técnica, fadado ao desaparecimento.
Curiosamente, durante todo o percurso de conhecimento da graduação e pós-
graduação em Arquitetura, o primeiro contato com a existência da escaiola só veio a acontecer
no período de análise das patologias das paredes da nave. Nelas, o descolamento da camada
de tinta, devido à presença de umidade, chamou a atenção para a qualidade do revestimento
que se revelava por detrás da tinta, com aparência de mármore, inclusive com o desenho das
brechas, mas que, sabidamente, não eram rochas.
Essa curiosidade levantada levou a orientadora deste trabalho a uma visita à Igreja,
onde a proveitosa manhã se transformou em aula particular de estratigrafia arqueológica
prática sobre a estrutura de revestimentos em paredes antigas, redirecionando as pesquisas
para um patamar de descobertas cromáticas nas técnicas construtivas tradicionais.
A imagem do interior da Igreja, no ano de 1938/1939, apresentada na Figura 24,
revelou indícios da localização de barramentos em escaiola, corroborando a citação sobre a
presença da técnica de revestimento tradicional, o que aguçou a curiosidade e as pesquisas
sobre o tema. Infelizmente, a fotografia está em preto e branco.
Desse modo, ao ser observado o desenho acima do arco-cruzeiro, que se prolonga por
detrás do altar lateral, confirma-se o relato histórico de Aragão Jr. (1926, p.26) de que a
aplicação da escaiola tenha ocorrido em ano anterior à implantação dos altares laterais): “[...]
paredes lateraes pintadas a escaioles desde 1901”. Nessa imagem, também é possível analisar
o arco-cruzeiro, construído em madeira, composto de pilastras contornadas com frisos em
relevo. Na base, observa-se a instalação de uma grade, com balaústres de madeira escura
envernizada, para a comunhão, também executada em 1901.
99
revestimento em pintura lisa, sobreposta à escaiola e com os desenhos encobertos por tinta
polimérica.
Estrutura e aspecto, como afirma Brandi (2004), podem se tornar a chave para os
desdobramentos temporais no monumento, que é reforçado pela abordagem de Riegl (2006),
segundo a qual o monumento deve ser mais do que cultuado, observado, ele deve ser
questionado, pois “[...] muitos erros funestos e destrutivos derivaram do próprio fato de não se
ter indagado a matéria da obra de arte” (BRANDI, 2004, p.37). Assim, as imagens analisadas
sob essa ótica direcionaram as pesquisas para a estratigrafia do revestimento das paredes do
interior da Igreja, desvelando “a arte dos fingidos”, com centena de anos de existência, e que
se apresenta, ainda nos dias de hoje, bastante resistente e coesa, inclusive resistindo
firmemente ao ataque das enfermidades promovidas pela presença da umidade, derivada de
problemas na cobertura. Dada sua raridade, a técnica de execução do Stucco-mármore,
constatada na Igreja, constitui um documento valioso, que enriquece a história da tecnologia
da construção, em face de sua durabilidade, estética e saberes tradicionais.
Assim, em 2011, nas prospecções realizadas na Igreja, durante a produção do trabalho
de diagnóstico das patologias existentes, foram encontradas 4 camadas de revestimentos nas
101
1 2 3 4
Fig.26 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor, da Igreja de Santo Antônio da Mouraria.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
Fig.27 – Estratigrafia da parede do lado direito do altar-mor. Trecho localizado acima do acesso à
Sacristia.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
Fig.28 – Descolamento do reboco da cercadura da porta, que dá acesso ao púlpito e seção polida da
mostra do revestimento histórico envolvido em paraloide.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
camadas, enfim, o seu aspecto geral e o seu estado de conservação (existência ou não de
material orgânico, fissuras, descolamentos, etc.).
1 Emboço
“creme rosado”
2 Reboco
“de cor clara”
3 Escaiola
“camada branca fina”
4 Camada de pintura
“em tinta amarela”
Fig. 30 – Aspectos da camada de emboço e reboco, vista ao microscópio, com ampliação 10X.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
105
Uma variedade da “arte dos fingidos” foi localizada por toda a parte, na Igreja, com
tons, cores e desenhos diversos. Seja na nave ou no altar-mor, a diversidade da técnica está
presente nas vergas, cercaduras e paredes, fingindo o mármore e modelando as aberturas,
apresentadas na coletânea da Figura 31.
Fig. 32 – Trecho da parede lateral direita da nave após descolamento da tinta azul. Imagem utilizada
como capa deste trabalho.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
Essa percepção da técnica acabou por reunir um grupo de pesquisa, para um projeto de
extensão, na Faculdade de Arquitetura da UFBA, com o objetivo de reconhecer os tipos e
107
Fig. 33 – Retábulo Lateral esquerdo: altar do Evangelho de São José; e Retábulo Lateral direito: altar
de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia.
Fonte: Arquivo da autora desta dissertação (2011).
108
3
Animais que se alimentam da celulose da madeira.
109
2º Período – 1909-1913
4
O marechal Hermes da Fonseca foi o primeiro militar eleito por voto direto na nascente República Brasileira.
Era sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente brasileiro.
5
Esta funcionava na lateral do Palácio quando foi alvejada por disparos de canhão vindos do Forte São Marcelo.
111
Esse evento foi “[...] motivado pelas disputas internas da política baiana, entre
situacionistas e oposicionistas (seabristas) pelo controle dos governos municipal e estadual”
(LEITE, 1996, p. 55.) e apoiado por José Joaquim Seabra (1885-1942) que, naquele mesmo
ano, assumiu o governo do Estado (1912-1916), tomando a postura modernizadora e
higienista que vivenciou em Paris, quando exilado e, também, daquela de que participou
diretamente no Rio de Janeiro, durante as reformas promovidas por Pereira Passos, quando
compunha o Ministério de Hermes da Fonseca.
Deveras mais traumatizantes do que o próprio bombardeio, foram as reformas
promovidas por J.J.Seabra e seu Intendente Municipal Júlio Viveiros Brandão. Sob o pretexto
de reconstruir o que fora bombardeado e modernizar a cidade, com um discurso civilizatório,
foram executadas, a base de demolições/reconstruções, diversas obras de alargamento e
calçamento de ruas (Misericórdia, Chile, Ajuda, Padre Vieira, Taboão e Avenida Sete de
Setembro – da Castro Alves à Vitória), além de se iniciar a construção da Avenida Oceânica.
Para isso, vários monumentos foram total ou parcialmente destruídos, de imediato ou depois
de algum tempo, a saber: a Catedral da Sé (1933-1934, local do monumento à Cruz Caída), a
Igreja de São Pedro, a Igreja do Rosário de João Pereira, na qual a SSVP realizava as
conferências, antes da transferência para a Mouraria, entre outros.
Essas ações promoveram posicionamento crítico e protestos da opinião pública, diante
do urbanismo demolidor de Seabra, muito embora a imprensa, muitas vezes, se mostrasse
deslumbrada, como relata o Jornal Gazeta do Povo, em 20 e 29 jun.1912 (apud FLEXOR, 1997,
p.57):
A linha vermelha, no Mapa da Figura 36, destaca a intervenção, que foi apresentada
como projeto de melhoramento municipal para o Distrito de Santana, de autoria do
Engenheiro José Celestino dos Santos.
Muito embora o projeto não tenha sido executado, já sinalizava que a área estava
sendo planejada e que a segunda cumeada também sofreria modificações. A relevância do
mapa está na identificação dos edifícios que marcam a paisagem, como a Igreja da Palma, o
Quartel General (Quartel da Palma) e a Igreja da Mouraria, além da possibilidade de
observação da configuração da Praça de Esportes do Ginásio da Bahia (Colégio Central), do
Campo dos Mártires (Campo da Pólvora), o delineamento sinuoso da Rua Marechal Floriano.
A febre da remodelação mexia com toda a cidade, como noticiou o Jornal A Tarde:
3º Período – 1918-1926
Térreo
1º Pavimento
LEGENDA: 11. Salas de aulas
1. Adro 12. Sanitários
2. Nave 13. Quintal
3. Capela-Mor 14. Coro
4. Sacristia 15. Administração
5. Pátio 16. Biblioteca
6. Torre sineira 17. Arquivo
7. 2º Corpo da Igreja 18. Salão de reunião
8. Despensa dos Pobres 19. Sala das cantoras
9. Patronato de São Vicente 20. Habitação do zelador
10. Saguão do Edifício da SSVP
Figura 37 – Simulação digital do Conjunto Arquitetônico que abriga a Igreja (1923-1926).
Fonte: Arquivo da autora (2011).
6
Piso de pedra elevado no altar das igrejas, local onde o padre celebra a missa.
117
dos maiores salões para reuniões, além de sanitários instalados, que estampavam a marca de
civilidade.
A preocupação com a estética das fachadas e o caráter higienista espalhou-se, na
cidade, conduzindo as residências, com características coloniais, a passarem por reformas,
para a instalação de sanitários, elevação de pé-direito, abertura de janelas, para iluminação e
ventilação dos ambientes, entre outras.
A Lei n.° 30, de 29 de agosto de 1892, criou a Inspetoria de Higiene da Bahia,
subordinada diretamente ao chefe do poder executivo, com a finalidade de desenvolver
atividades concernentes à epidemiologia, à política sanitária e à fiscalização do exercício
profissional, atendendo às necessidades da época. Pela Lei n.°115, de 16 de agosto de 1895,
esses serviços foram vinculados à Secretaria do Interior e Justiça. Em 29 de julho de 1925, a
Lei n.° 1811 criou a Secretaria de Estado da Educação, Saúde e Assistência Pública,
implementando o Código Sanitário, que somente foi revogado em 15 de fevereiro de 1971,
quando foi promulgado o novo Código de Saúde do Estado da Bahia (ARAÚJO, 1973)7.
A implantação do Código pode ser constatada na Rua da Mouraria, pelos anos
seguintes, a partir das pesquisas no Arquivo Público do Estado da Bahia, onde foram
encontrados, nos documentos da Secretaria de Saúde e Assistência Pública, no setor de
Engenharia Sanitária, pareceres relatando o pedido de autorização de projetos, a fim de
realizar algumas reformas em residências localizadas na Rua de Santo Antônio da Mouraria
ou Monsenhor Theodolindo8. Esses pareceres9 estavam acompanhados dos desenhos dos
projetos, descrição de elementos a construir e/ou a demolir, nome do proprietário, endereço,
etc. Tais informações foram registradas, identificadas na área de estudo e comparadas com a
paisagem da área atualmente. Os desenhos foram vetorizados no AutoCad 2014, para melhor
visualização dos dados e qualidade da publicação deste estudo.
Os projetos encontrados estão localizados na Rua da Mouraria, nas proximidades da
Igreja, e são descritos no Quadro 2, mas os desenhos das fachadas serão apresentados na
próxima fase, que relata a Igreja no século XXI.
7
ARAÚJO, José Duarte de; FERREIRA, Emerson S. M.; NERY, Gabriel Cedraz. Regionalização dos Serviços
de Saúde Pública: a experiência do Estado da Bahia, Brasil . Disponível em: < http://www.scielosp.org >.
Acesso em: 15 mar. 2013.
8
Tentativa da Prefeitura de renomear certas localidades em homenagem a figuras ilustres baianas, mas, para o
costume popular, será sempre a Rua da Mouraria, dos “não-mouros”.
9
Ver as referências das caixas localizadas no Arquivo Público do Estado da Bahia, descritas no Quadro 2.
119
Nessa data, foi realizada, às 7 horas da manhã, uma missa em Ação de Graças na
Igreja da Mouraria, com assistência das famílias socorridas pela SSVP. Houve, nesse evento,
a distribuição do “pão de Santo Antônio” ou “pão dos pobres”, além de atividades realizadas,
durante a tarde, com sorteios de utensílios domésticos, roupas, chocolates, cestas básicas e
vinhos. Esses donativos foram recolhidos durante as intensas campanhas realizadas pela
direção da Despensa dos Pobres, como o oferecimento de cartões aos comerciantes,
empresários, políticos e benfeitores, que colaboraram mensalmente com as obras da SSVP,
bem como o envio de cartas-circulares com pedido de doações (ANEXO D). A comemoração
contou também com a presença dos alunos do Patronato de São Vicente de Paulo, que
“cantaram hinos próprios e receberam merenda” (A PRAGA invencível..., 1926).
Era o periodo do governo de Dr. Francisco Marques de Góes Calmon (1924-1928),
quando também foram ampliadas as instalações do Ginásio da Bahia, com a construção dos
122
pavilhões Carneiro Ribeiro, Ruy Barbosa e Sátyro Dias, em homenagens às figuras baianas
ilustres da história.
Nas datas cívicas, na Praça do Ginásio, eram efetuadas as comemorações patrióticas,
em que se reuniam todos os alunos da redondeza, para os desfiles, apresentações de bandas,
principalmente para os festejos em homenagem ao 2 de Julho e durante as trezenas de Santo
Antônio, das quais participavam os alunos do Patronato de São Vicente.
Além das festas, desfiles e quermesses para as trezenas, sempre se executava uma
manutenção no templo (pintura, douramento, troca de telhas...), como em 1929, quando foi
retocado o douramento do altar-mor, junto com outras intervenções relatadas no Jornal Nova
Era:
(Haussmann: 1853-1870), Rio de Janeiro (Pereira Passos: 1902-1906) e Salvador (J.J. Seabra:
1912-1916/1920-1924).
O nacionalismo, difundido nos anos 30, introduziu em Salvador novas formas de
pensar e intervir na malha construída, após a “Semana de Urbanismo”. Em pleno Estado
Novo10, com base no conceito de função social da propriedade e na construção da Identidade
Nacional, em que a composição de políticas de Estado institucionalizou a preservação do
patrimônio cultural, cria-se o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN),
em 1937.
Através desse serviço, o Estado brasileiro assumiu a tarefa de proteger o patrimôno
nacional, estabelecendo para tal uma série de normas e dispositivos para a identificação,
seleção, conservação e restauração de bens culturais de natureza material e imaterial ou
integrados à arquitetura, promulgando a primeira lei de proteção ao patrimônio, com
abrangência nacional: o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o qual organizou a
proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o tombamento, que é
constituído de quatro livros, a saber: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagistíco; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas-Artes; e Livro do Tombo
das Artes Aplicadas (BRASIL, 1937).
Em 1938, a Igreja de Santo Antônio da Mouraria foi elevada a patrimônio nacional,
tombada pelo SPHAN11 e inscrita no Livro do Tombo das Belas-Artes, sob o “Processo nº
122-T, inscrição nº 136, folha 24. Data: 17.06.1938”, segundo o Guia de Bens Tombados da
Bahia (CARRAZONI, 1980, p.64; SOUZA,1983, p. 183).
Curiosamente, de 1938 a 1945, cerca de 50 edifícios foram tombados em Salvador,
mas na lista não se encontra a Igreja e Convento da Piedade, testemunho do desenvolvimento
da segunda cumeada de Salvador, assim como o Convento do Desterro, a Igreja da Mouraria,
a Igreja da Palma e o Convento da Lapa, todos tombados em 1938.
Cabe registrar que a seleção e a identificação da Igreja da Mouraria como patrimônio
nacional foram realizadas a partir de critérios atribuídos ao conjunto arquitetônico,
reconhecido e registrado como unidade e com as feições adquiridas no terceiro período de
transformações citado anteriomente. Assim como a Igreja da Piedade, a da Mouraria também
reformolou sua fachada. No entanto, que fatores foram relevantes ou interferiram para que
10
Período da ditadura de Getúlio Vargas no Brasil, decretado com o golpe de Estado em 10 de novembro de
1937 e que durou até 29 de novembro de 1945.
11
Em 1970, o SPHAN se tornou Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), criando as
instâncias estaduais e municipais do poder público, com atribuições similares.
125
.
Figura 41 – Desenho da Igreja da Mouraria, provavelmente, em 1938/39, ano de seu
tombamento, de autoria de Jimmy Scoot.
Fonte: Guia dos bens tombados: Bahia. (SOUZA, 1983).
Localizado no Guia dos bens tombados: Bahia, publicado por Souza em 1983, o
desenho da Igreja apresentado na Figura 41 tem a autoria atribuída a Jimmy Scoot, mas
não traz informações sobre a data em que foi executado, diferente da fotografia
encontrada no site do Guia geográfico de Igrejas da Bahia (Figura 42), que sinaliza o
ano de 1938-1939, de autoria de Cerqueira Galvão. Entretanto, ao comparar o desenho
com a fotografia, curiosamente, observam-se algumas caracteristicas muito semelhantes,
indicando a mesma época, senão o mesmo ano, ou até mesmo o desenho produzido a
partir da fotografia, pois apresentam: o mesmo angulo de visão do observador, os
detalhes do telhado, a altura da árvore na fachada principal, o afloramento da umidade
na lateral da fachada que avança no conjunto. Além da tipologia arquitetônica da
residência ao lado da Igreja, pois esta, como é apresentada a seguir, passa por algumas
reformas na fachada ao longo do século XX.
Figura 44 – Vista do Campo dos Mártires (Campo da Pólvora), antes da construção do Fórum.
Fonte: Coleção Arquivo Municipal (apud PEREIRA, 1994).
131
aos monumentos. Para os ideários progressistas, era o bastante preservar apenas testemunhos
históricos isolados. De acordo com Sant’Anna (2004, p.58), entre os anos de 1938 e 1945,
“[...] cerca de 50 edifícios antigos foram tombados na área central de Salvador”.
Entretanto, fica evidente nas imagens que o monumento não pode ser visto
isoladamente, mas em sua relação com o lugar e o contexto do bairro, o qual, por sua vez, está
inserido na cidade, que, naquele momento, sofria a ebulição do progresso.
Em 1941, o Prefeito Durval Neves da Rocha, visando a elaboração de um moderno
plano urbanístico para a Cidade do Salvador, que na época tinha população em torno de
300.000 habitantes, determinou a contratação de firma competente nessa área. Duas firmas,
Coimbra Bueno e Dane & Conceição, representadas, respectivamente, pelos urbanistas Alfred
Agache e Mário Leal Ferreira, apresentaram propostas.
Em 1943, houve a contratação do engenheiro sanitarista Mário Leal Ferreira (1895-
1947), para a elaboração de um plano de urbanismo moderno para a cidade, trazendo consigo
as teorias do urbanismo da escola de Chicago, apoiando-se nas recomendações da Semana do
Urbanismo (SAMPAIO, 1999).
O Escritório de Planejamento Urbano da Cidade do Salvador, o EPUCS, foi o primeiro
plano interdisciplinar implantado no Brasil, com o desenvolvimento do progresso como maior
objetivo, sob a chancela da monumentalidade, apoiando-se no conceito de cidade evolutiva,
em linhas radiocêntricas. Segundo Sampaio (1999), em termos gerais, as soluções do EPUCS
aproximam-se muito das observações sanitaristas multidisciplinares preconizadas por
Saturnino de Brito, em sua estada em Salvador, no ano de 1925, ao articular o desenho das
vias à drenagem urbana.
O plano elaborado pela equipe multidisciplinar, comandada por Mário Leal, possuía
um trabalho científico abrangente, que contemplava: a diferenciação de zoneamento urbano;
as vias de comunicação; os parques e jardins; a habitação; as instalações de serviços públicos,
o centro cívico e intercomunicações; os centros de abastecimentos e suas instalações; a
restauração e preservação de prédios e monumentos públicos; além de legislação urbanística.
Após o falecimento de Mário Leal, quem assumiu a liderança da equipe foi o arquiteto e
professor de Urbanismo da Escola Politécnica Jayme Cunha da Gama e Abreu, que manteve o
plano com o olhar para o futuro (PINHEIRO, 2002).
Em 1949, era prefeito de Salvador, Wanderley Pinho, que organizou um grande
Seminário de História em homenagem aos 400 anos da cidade, promovendo revisões e
discussões sobre o processo de desenvolvimento da Bahia, um prenúncio da industrialização,
(PEREIRA, 1994). Justifica-se essa iniciativa visto que, em 1953, a construção da Refinaria
133
A cidade precisava industrializar-se no mesmo ritmo, mas não conseguiu por diversos
fatores. Em função disso, o setor agrícola não recebeu os incentivos necessários para o seu
desenvolvimento, o que elevou o nível de pobreza, ocasionando a emigração e, por
consequência, o inchamento do centro de Salvador. Esses fatores se refletiram na organização
do espaço urbano, promovendo a criação de novas estruturas ou desmembramento de outras,
bem como acentuaram a urgência da articulação e do melhoramento dos meios de transporte.
Assim, várias obras pontuais para o melhoramento das comunicações passaram a
ocorrer, nesse intuito, como as obras para facilitar o cruzamento da estreita Garganta do
Caquende, vinculada à Avenida Joana Angélica. Posteriormente, o prefeito Aristóteles Góes,
em fevereiro de 1955, desapropriou um dos lados da rua e a alargou, batizando-a de Rua
Antônio de Calmon, dando continuidade à Avenida Joana Angélica.
A denominação Garganta de Caquende, em portugûes arcaico, significa literalmente
“passagem seca entre alargados”. Isso porque a rua principal do lugar era um caminho muito
estreito entre o Dique do Tororó e o rio das Tripas. Pereira (1994, p. 59) descreve:
O Caquende era uma espécie de gargalo, uma espécie de funil, uma rua
muito estreita, que só dava passagem mesmo a uma carroça – antigamente
havia muito este tipo de transporte; de um lado do e outro havia muito
muitas casas, a rua era tão estreita que parecia um corredor, com casa de um
lado do e outro, o prefeito Aristóteles Góes, vendo que precisava aumentar,
alargar a Joana Angélica, desapropriou todas as casas do Caquende.
disso, houve o calçamento da Rua Américo Simas, trecho que liga a Rua do Paraíso – antiga
Rua do Mocotó e oficialmente Rua Cipriano Barata – à Avenida Joana Angélica, dotando a
cidade de uma nova via de escoamento.
Em 1959, foi criada a SUDENE, que incentivou o surgimento do Centro Industrial de
Aratu (CIA), implantado pela Lei de 11 de abril de 1966, no governo de Lomanto Júnior
(1963-1967), o que pressionou os responsáveis pelo patrimônio a reverem as questões
levantadas sobre o tombamento pontual e sua vizinhança, estendendo a proteção do
tombamento aos conjuntos arquitetônicos mais preservados nos subdistritos da Sé, do Passo e
da Conceição da Praia, nos bairros da Saúde e da Palma, além do Dique do Tororó
(SANT’ANNA, 2004).
A Secretaria de Viação da Prefeitura de Salvador fez divulgar, através de matéria
(DESAPARECERÁ o cruzamento perigoso) do Jornal A Tarde, no dia 31 de agosto de 1959,
uma imagem do projeto para a construção de passagens ascendente e descendente, no
cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Ladeira da Fonte das Pedras e Santa Clara do
Desterro, conforme apresentado na Figura 46.
Fig.46 –Imagem do Projeto para o cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa
Clara e Ladeira da Fonte das Pedras em 1959.
Fonte: A Tarde (31 ago.1959). Biblioteca Pública da Bahia. Digitalizado pela autora (2014).
135
A proposição era modificar o tráfego para disciplinar uma das mais perigosas
passagens da cidade, numa obra de vulto, orçada em 10 milhões de cruzeiros, com
previsão para a finalização das obras em cerca de quatro meses. O projeto previa o
rebaixamento do muro do Convento do Desterro e o melhoramento dos fluxos, diante
do crescente movimento da população na área, devido à presença de dois colégios e da
praça de esportes.
Do projeto publicado em 1959, pode ser observado, na Figura 47, que houve a
execução das vias que fazem a interligação com a Ladeira da Fonte das Pedras, a
Avenida Joana Angélica e a Rua Santa Clara, e o rebaixamento do muro do Convento.
Porém, as passagens ascendente e descendente previstas foram substituídas por uma
rotatória, com desenho mais simples, provavelmente pelo alto custo da obra.
Fig. 47 – Vista do cruzamento da Avenida Joana Angélica com a Rua Santa Clara e Ladeira da Fonte
das Pedras, Salvador, Bahia, 2014.
Fonte: Google Earth (2014).
A partir dos anos 60, os planos de Mário Leal começaram a ser aplicados. O EPUCS
pensou a cidade em sua totalidade e planejou a estrutura de mobilidade urbana, em articulação
com a construção de diversos equipamentos fundamentais para o desenvolvimento de
Salvador, a exemplo da Escola Parque da Caixa d’Água, a Vila Olímpica (Estádio Otávio
Mangabeira), o Hotel da Bahia, o Teatro Castro Alves, a Avenida Contorno e seus arcos, as
136
avenidas de vale, a sede da ABI na Sé, o IBIT, a estação marítima no Porto, os túneis de
ligação entre Cidade Alta e Cidade Baixa, a antiga Estação Rodoviária, entre outros
(SAMPAIO, 1992). O professor Heliodoro Sampaio, nas aulas de Atelier V, na Faculdade de
Arquitetura da UFBA, costumava enfatizar que a principal característica do EPUCS era a
visão intraurbana de cidade futura, moderna e articulada, para o desenvolvimento de todos os
campos do saber humano.
Em 1964, o Golpe Militar põe um freio na modernização da cidade e nomeia Nelson
de Sousa Oliveira como prefeito de Salvador (1964-1967). Em sua gestão, houve a publicação
de um album de desenhos, em 6 de março de 1966, com imagens de fortes, igrejas e
conventos da cidade, de autoria do artista Alfredo Gomes. Nessa ocasião, o prefeito escreveu
“Palavras ao futuro”, onde declara: “Os homens de todas as épocas são parecidos. Os heróis
do passado ergueram esta cidade com amor, da mesma forma que agora queremos fazê-la
mais formosa para as futuras gerações”.
Nesse álbum, encontra-se o desenho da fachada da Igreja de Santo Antônio da
Mouraria, datada de 1966 (Figura 48). No entanto, e curiosamente, ela possui as mesmas
características das imagens apresentadas em 1938, inclusive a árvore com a mesma altura
anterior. Apenas uma informação foi acrescentada: aparece o calçamento da Rua da Mouraria
em paralelepídedos.
O Golpe de 64 culminou na ditadura militar no Brasil, que perdurou de 1968 a 1974,
quando o General Ernesto Geisel iniciou a abertura do sistema político. Entretanto, a ditadura
contou com o apoio de importantes setores da sociedade brasileira: grande parte do
empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica e de vários
governadores de Estados importantes. O surto de crescimento econômico que ocorreu em
seguida ao golpe militar, foi caracterizado pela modernização da indústria e pelas grandes
obras. O País cresceu, sendo elevado à oitava economia do planeta, mas se endividou
exponencialmente.
A consolidação da industrialização na Bahia, com a implantação da Petrobrás em
Simões Filho, do CIA e do Polo Petroquímico em Camaçari, nas décadas de 60/70, atraiu e
concentrou uma grande massa de investimentos na Região Metropolitana de Salvador. Foi um
fator determinante para a alteração dos vetores de desenvolvimento da cidade, que, aliados às
recomendações da UNESCO14, direcionaram medidas preventivas para a proteção dos bens
14
Para assessorar o IPHAN, a UNESCO enviou ao Brasil Michel Parent, o qual, entre outras coisas, recomendou
a criação da Fundação que se tornou o Instituto do Patrimônio Artístico da Bahia – IPAC (SANT’ANNA, 1995).
137
culturais. Uma delas foi a criação de uma fundação pública para gerir e coordenar as
operações de um plano de revitalização e valorização das áreas tombadas.
Fig. 48 – Fachada da Igreja de Santo Antônio da Mouraria, de autoria de Alfredo Gomes, em 1966.
Fonte: ÁLBUM de desenhos dos monumentos da Cidade do Salvador. Arquivo Histórico nº000276, de
6 de março de 1966 (Arquivo Público Municipal de Salvador. Biblioteca da Fundação Gregório de
Mattos).
Térreo 1º Pavimento
1. Adro 1. Adro
2. Nave 2. Nave
3. Capela-Mor 3. Capela-Mor
4. Sacristia 4. Sacristia
5. Pátio 5. Circulação
6. Torre sineira 6. Depósito
7. 2º Corpo da Igreja 7. 2º Corpo da Igreja
8. Despensa dos Pobres 8. Posto Médico
9. Patronato de São Vicente 9. Salas de aulas
10. Saguão do edifício da SSVP 10.Saguão do edifício da SSVP
11. Salas de aulas 11. Salas de aulas
12. Sanitários 12. Sanitários
13. Quintal 13. Quintal
14. Coro 14. Coro
15. Administração 15. Administração SSVP
16. Biblioteca 16. Biblioteca
17. Arquivo 17. Arquivo
18. Salão de reunião 18. Salão de reunião
19. Sala das cantoras 19. Sala das cantoras
20. Habitação do zelador 20. Habitação do zelador
Uma tipologia patológica recorrente pode ser vista em determinadas áreas da fachada e
identificadas no diagnóstico, indicando problemas na captação de águas pluviais.
Provavelmente, desde essa época, ou até mesmo antes, a Igreja já sofria desses males, o que
corrobora o resultado dos testes e ensaios efetuados, nos quais foram demonstrados que o
descolamento e, logo em seguida, a queda do reboco da área lateral direita da fachada da torre
sineira foram fatores que se vêm agravando há anos.
A análise criteriosa da localização do sistema de escoamento de águas pluviais (calhas
e tubos de queda), juntamente com os teores de umidade das paredes, respalda a suspeita de
que os danos sofridos pelo monumento estão relacionados, principalmente, com a ocorrência
de problemas na cobertura do edifício. A localização dos pontos em que foram recolhidas as
amostras, sobrepostas ao telhado, está ilustrada na Figura 52.
Figura 52 – Planta de cobertura com localização dos pontos com deficiência no sistema de
escoamento.
Fonte: Arquivo produzido pela autora desta dissertação (2011).
142
Nesse sentido, alguns fatores foram apontados como prováveis causas da patologia: o
mau dimensionamento ou o subdimensionamento dos dutos de canalização das águas
coletadas; os pontos de conexão das tubulações; a deterioração dos materiais utilizados,
intensificada pela falta de manutenção anual do edifício. Isso sinalizou a necessidade de
realizar novo cálculo da área do sistema de captação da cobertura da Igreja, para o
redimensionamento das tubulações e calhas, bem como do sistema de caixas de passagens
para sua interligação à rede pública de águas pluviais da cidade.
As imagens e dados, no decorrer das pesquisas, demonstraram que a Igreja da
Mouraria, por se tratar de um bem concreto, com qualidades físicas extremamente ligadas às
raízes culturais do lugar, permaneceu suscetível às transformações sociais e temporais.
Desse modo, entende-se que o monumento absorveu as mudanças dos ventos políticos,
econômicos, sociais e psicológicos que continuaram a reverberar, na segunda cumeada, pois,
mesmo representando uma referência para a coletividade, a Igreja permanece um símbolo
para a Irmandade que a administra, bem como para cada indíviduo, que é devoto e se permite
planejar modificações no templo a cada trezena de Santo Antônio.
Esse costume ocorre na Mouraria desde os tempos do Conde de Sabugosa, fator que
compreende um verdadeiro desafio para a preservação do monumento, que prescinde de
recorrentes ações de sensibilização para o patrimônio, no sentido de esclarecer os agentes
envolvidos na utilização do bem tombado, evitando descompassos, descaracterizações e
desusos no tempo.
144
4 DESUSOS NO TEMPO
Segundo Milton Santos (1959, p. 138), no final da década de 50, o centro da Cidade
Alta era onde se desenvolviam as atividades principais da Capital baiana, “[...] alojadas em
imóveis novos, reconstruídos ou adaptados a essas funções”, mas, por outro lado, registrava-
se, nas áreas vizinhas, o elevado aumento da população. As demolições, efetuadas para
facilitar a circulação, acabaram por promover a expansão comercial nas ruas favorecidas pelo
tráfego.
1
O rizoma é uma proposta de construção do pensamento onde os conceitos não estão hierarquizados e não
partem de um ponto central, de um centro de poder ou de referência aos quais os outros conceitos devem se
remeter. O rizoma funciona através de encontros e agenciamentos de uma verdadeira cartografia das
multiplicidades.
145
Fig. 53 – Mapa com a indicação dos pontos iniciais dos transportes coletivos e seu percurso na parte
central da cidade, com a localização da Mouraria na Avenida Joana Angélica.
Fonte: Milton Santos (1959), digitalizado pela autora (2013).
Nessa época, foi elaborado pelo município o Programa Especial de Recuperação dos
Sítios Históricos da Cidade do Salvador, com o objetivo de trazer de volta ao centro funções
como moradia, trabalho e lazer (FUNDAÇÃO GREGÓRIO DE MATTOS, 1987), com
recursos definidos no Decreto Municipal de nº 7.838/87. Era Prefeito de Salvador, o senhor
Mario Kertész, cujo primeiro mandato (1979-1981) fora como prefeito nomeado, mas era,
então, o primeiro prefeito eleito, em 1985, por voto popular (1986-1989), após 23 anos
do regime militar.
O Engenheiro Paulo Segundo da Costa3 era o Secretário do Meio Ambiente da
Prefeitura de Salvador, residente na Rua Boulevard 114, Tororó, e pertencente à Irmandade da
2
Curiosamente, ao visitar o edifício Lanar , em 2014, ele já havia sido transformado em edificio comercial e um
restaurante de comida a quilo funcionava no térreo. Não obtive notícias do Sr. Rufino.
3
Paulo Segundo da Costa, engenheiro civil pela Escola Politécnica da UFBA; ex-Secretário de Urbanismo e
Obras Públicas da Cidade do Salvador; membro fundador da Academia de Letras e Artes do Salvador – ALAS,
titular da Cadeira 18, que tem como patrono o urbanista Mário Leal Ferreira; sócio permanente do Instituto
151
Santa Casa de Misericórdia e frequentador das missas dominicais da Igreja de Santo Antônio
da Mouraria, ao lado de sua esposa Terezinha.
A “bela Terezinha”, de quem ele fala com tanta admiração, era muito católica e devota
de Santo Antônio e, por isso, frequentava a dita Igreja, levando-o a frequentá-la também.
Casado há 61 anos, viúvo há um ano, Paulo Segundo (89 anos) contou, em entrevista
concedida à autora deste estudo, realizada no dia 1º de julho de 2014, que se sensibilizou com
o estado de degradação em que se encontrava a Igreja e que, atendendo ao pedido de sua
amada Terezinha, conversou sobre ela com seu amigo Mario Kertész, em 1986, o qual
prontamente se dispôs a ajudar, pois as políticas e recursos estavam voltados para este fim,
como divulgado durante a campanha para as eleições em 1985.
Com o apoio do amigo, Paulo Segundo da Costa desencadeou uma campanha em
parceria com a comunidade devota do orago da Igreja pela restauração do monumento,
mobilizando a vizinhança, firmas e alguns escritórios de engenharia, que faziam parte da sua
rede de amizades.
Assim, no dia 9 de agosto de 1987, o Jornal A Tarde anunciava: “Igreja da Mouraria
recupera-se”, descrevendo a restauração geral pela qual passou a Igreja de Santo Antônio da
Mouraria. Foram realizados serviços no telhado, forros, paredes, portas, janelas e pisos,
pinturas externas e internas. Os altares foram totalmente recuperados e as imagens
restauradas. A fachada foi recuperada e, nessa ocasião, o forro atrás do altar foi totalmente
reconstruído, pois as peças estavam muito danificadas pela ação dos cupins e não foi possível
sua recuperação. A matéria ressalta que as obras ocorreram graças ao engenheiro Paulo
Segundo da Costa, secretário do Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador, que se tornou o
grande benemérito da Sociedade São Vicente de Paulo, com o apoio do prefeito Mário
Kertesz, “[...] de modo que a Prefeitura bancou todo o serviço de escoramento e doou parte
dos materiais para as obras” (IGREJA..., 1987). O IPAC colaborou na recuperação das
pinturas artísticas, e duas empresas privadas garantiram o restante do custeio das obras, sob a
promessa de que seus nomes não fossem divulgados. Com o apoio da comunidade local e do
ex-prefeito Osvaldo Veloso Gordilho, a obra já ultrapassava o orçamento estipulado de 250
mil cruzados, com probabilidade de alcançar os 400 mil cruzados.
A Igreja foi entregue de volta aos fiéis em 27 de setembro daquele ano, “a data foi
escolhida para marcar a posse do novo arcebispo de Salvador, D. Lucas Moreira Neves”,
Geográfico e Histórico da Bahia; membro permanente do Instituto Genealógico da Bahia. Tem três livros
publicados sobre a história da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e a biografia do ex-Governador da Bahia, sob
o título de Octávio Mangabeira: Democrata Irredutível.
152
como anunciou A Tarde (MOURARIA..., 1987), convocando todos para a missa, que foi
realizada às 8:30h, na Igreja da Mouraria totalmente restaurada, e chamando a atenção para o
exemplo da iniciativa dos fiéis, pois muitas outras igrejas permaneciam em estado de
abandono.
Durante a entrevista, Paulo Segundo relatou detalhes, doações e acontecimentos
ocorridos durante a execução das obras. Quanto à configuração dos ambientes, ele afirmou
que permaneceu a mesma, muito embora não existam plantas nem registros do projeto, o que
impossibitou a construção da evolução arquitetônica do monumento durante esse período.
Consciente, mesmo após ter sofrido o derrame que lhe tirou os movimentos do lado direito do
corpo, o engenheiro contou sua história, falou de suas fragilidades e disse que aguardava
ansioso, envolto em muitos cuidados, o momento de reencontrar a sua “bela Terezinha”, a
qual apontou, carinhosamente, na imagem localizada no quadro acima da cabeceira de sua
cama, na mesma Rua Boulevard 114, Tororó4.
O lado oposto ao Tororó, outra transveral da Avenida Joana Angélica, é ocupado pelo
comércio. Em abril de 1988, o Jornal Tribuna da Bahia denuncia: “Em cada porta, uma casa
de comércio”.
Sobre a Rua do Paraíso, a matéria (EM CADA PORTA..., 1988) sinaliza que “[...]
bem poderia ser chamada de paraíso dos comerciantes”, devido à quantidade de pontos
comerciais existentes na área (bares, clínicas, lojas, restaurantes, motolanche, jogo do bicho,
salão de beleza, casa lotérica, residências, entre outros).
Era um prenúncio do que, cada vez mais, se aproximava da Mouraria, tanto que, em
julho do mesmo ano, a Tribuna da Bahia (HABITAR..., 1988) chama a atenção para a forte
vocação comercial já anunciada, pois havia um público-alvo crescente, com grande número
de colégios na área. Outro fator agravante para a desqualificação do lugar foi a ocupação das
ruas largas para o uso de estacionamento de veículos, contributo para a retirada do sossego da
Mouraria, além do aumento da violência, segundo relatos de A Tarde: “[...] casos de assaltos e
arrombamentos ocorrem contra moradores e casas comerciais, ou simplesmente por quem
circula na área”(VIOLÊNCIA..., 1992). Entre os relatos dos antigos moradores de Nazaré,
está o de D. Olga Pereira Mettig, que descreve as mudanças que presenciou (apud PEREIRA,
1994, p. 44):
O bairro de Nazaré era um bairro muito agradável, muito familiar. Nessas
ruas todas, Rua do Carmo, Rua do Tingui, Rua da Mangueira, Rua da
Mouraria eram familiares, eram casas, não eram espigões. Agora que
4
O Engenheiro Paulo Segundo da Costa realizou seu desejo e partiu ao encontro de sua amada em 12 de maio
de 2015 (Ver Anexo).
153
Nesta residência, as fachadas pouco foram modificadas, exceto por uma janela na
fachada frontal, que tornou-se porta, provavelmente para alugar a algum tipo de comécio. No
entanto, encontrou-se a residência fechada, não abandonada, recém pintada, com placa de
“aluga-se”, como pode ser visto nas Figuras 62 a 65.
5
Centro de Orientação Familiar da Bahia. Para saber mais, visite o site oficial: < http://www.cofam.org.br >.
165
A Igreja, nesse momento, possuía a fachada branca, com adornos em tom de amarelo,
e o o edifício anexo trazia o letreiro, que indicava a presença da Sede do Conselho
Metropolitano Bahia-Sergipe da SSVP, em Salvador. O adro da Igreja era conectado com o
pátio do edifício por um portão na lateral do gradil.
Esse acesso, porém, só ocorria através do portão principal da Igreja, ou pela entrada
lateral do edifício, na Avenida Joana Angélica. Assim, o sóbrio e imponente monumento
descansava na paisagem às margens das garras do comércio.
A associação com o COFAM proporcionou alguns consertos no telhado da Igreja, mas
a Irmandade recebeu a proposta de aluguel das salas do edifício anexo. Sendo assim, em
2010, o anexo da lateral norte foi alugado para a instalaçao de uma loja de roupas populares, e
o andar superior foi transformado em fábrica de roupas para essa loja. A expansão comercial
não poupou, nem mesmo, a Igreja, pois até o adro foi ocupado, como demonstram as Figuras
69 e 70. Na lateral esquerda da fachada da Igreja, pode-se perceber o revestimento em
argamassa de cimento, envolto na torre sineira, aplicado a mando do locatário, que
transformou os ambientes sagrados em loja de roupas, sem nenhum critério discutido ou
avaliado junto aos órgãos responsáveis e, aparentemente, à revelia dos responsáveis da SSVP.
Entretanto, o fato é que a ocupação dos ambientes por equipamentos comercias desse
porte descaracterizou por completo o monumento e colocou em risco o patrimônio, impondo
às instalações carga elétrica não prevista, muito menos projetada para tal, tornando-se um
perigo para o quarteirão, em caso de sinistro, pois a instalação deste uso encontra-se
completamente fora das normas de segurança, além de destoar completamente da lógica da
caridade e das obras sociais, proposta pela filosofia vicentina, ao ser convidada a Sociedade
São Vicente de Paulo para ocupar a Capela, em 1894.
6
Este trabalho é dedicado “à vida, inverta” – significa: dedicado a Davi (1973-2012), que se fez presente em
cada momento desta jornada.
168
Fotogrametria Digital
7
O levantamento cadastral inclui a representação gráfica do objeto através de esboços cotados e/ou fotografias.
8
O Curso de Extensão sobre Fotogrametria Digital foi realizado no LCAD, na Faculdade de Arquitetura da
UFBA, em 2011.
170
Fig. 72 – Fachada principal da Igreja de Santo Antônio da Mouraria. Arquivo gerado a partir do
PhotoModeler Scanner (2011) e desenhado em AutoCAD (2011).
Fonte: Arquivo da autora (2011).
A partir do envio das fotos da Igreja e seu entorno para o ambiente do software 1,2,3D
CASH, foram observadas outras possibilidades de registrar os monumentos a partir de
processos menos complexo, nos quais o próprio programa encontra, sem o auxílio do usuário,
os pontos de conexões entre as imagens, possibilitando a montagem tridimensional gerada
com o conceito de nuvens de pontos9. A nuvem traz em si referências cruzadas, o que dá a
possibilidade de exportar o arquivo com extensão “.las”, proporcionando o reconhecimento da
nuvem de pontos por programas associados à plataforma BIM10.
Nas Figuras 74 e 75, apresentam-se os primeiros resultados deste experimento com a
nuvem de pontos já inserida e reconhecida no Revit Architecture 2012.
Fig. 74 – Nuvem de pontos da Igreja de Santo Antônio da Mouraria exportada do software 1,2,3D
CASH.
Fonte: Arquivo da autora (2011)
9
Nuvens de pontos (point-clouds) surgem principalmente como dados de saída de scanners 3D.
10
A modelagem de informações da construção (BIM) estabelece a comunicação entre as equipes ampliadas de
projeto.
172
como se relacionam, com o patrimônio edificado, o lugar, as pessoas, o rito, o tempo passado,
o presente, os atrasos.
Como já foi dito, o filme já começou faz tempo (quase trezentos anos!), só restando
agora compreendê-lo e registrá-lo11.
11
O vídeo experimental encontra-se nos Apendices.
176
Quadro 4 – Identificação das fichas do levantamento fotográfico das patologias e danos dos elementos
que constituem a Igreja da Mouraria
Ficha Ambiente Elemento
1 Portão de acesso / Gradis
2 Escadas
ADRO
3 Piso
4 Paredes
5
Paredes
6
7
FACHADA Ornamentos
8
PRINCIPAL
9 Porta externa – 01 (lado esquerdo)
10 Porta principal
11 Porta externa – 02 (lado esquerdo)
12 Telhado/Calhas
COBERTURA
13 Estrutura de madeira
14 PÁTIO Tubulação pluvial/Piso/Paredes
15 Piso
16 Parede lateral direita
17 Parede lateral esquerda
18 Parede tardoz da fachada
19 NAVE Tribuna e púlpito
20 Coro
21 Forro sob o Coro
22 Forro
23 Arco-cruzeiro/Retábulos laterais
24 Piso
ALTAR-MOR
25 Retábulo/Forro
26 2º CORPO DA IGREJA Paredes/Forro
27 Piso/Paredes
SACRISTIA
28 Forro
ADMINISTRAÇÃO
29 Escada de acesso/Instalações
SSVP
30 SÓTÃO Escada de acesso/Sino
Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – Diagnóstico e Análise das Patologias, produzidos em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I – FAUFBA.
12
Esses documentos encontram-se nos Apêndices: Caracterização física e química dos materiais.
177
gravimétrico) umidade
Indicação da presença de sais
Testes qualitativos
6 Argamassa solúveis (nitratos, cloretos,
de sais solúveis
sulfatos)
Determinação do traço mais
7 Traço provável Argamassa provável em massa das
argamassas
Detecção da cor aproximada da
8 Cor dos finos Em Argamassa
fração fina da argamassa
laboratório
Determinação da granulometria
Análise
9 Argamassa do agregado das argamassas após
granulométrica
ataque ácido e remoção dos finos
Observação ao
Argamassa,
microscópio Diferenciação e caracterização
10 ladrilho
petrográfico (seção das camadas
hidráulico
polida)
Verificação qualitativa da
Telha
11 Permeabilidade passagem ou não de água através
cerâmica
da espessura da telha
Piso da
escada de Verificação do material de base:
Exame com ácido
12 acesso ao se é de origem calcária ou
clorídrico (HCl)
adro e piso do silicática
adro
Fonte: Igreja de Santo Antônio da Mouraria – Diagnóstico e Análise das Patologias, produzido em
setembro de 2011, para a disciplina Tecnologia da Conservação e do Restauro I – FAUBA.
Figura 78– Descrição dos principais problemas que afetam o monumento, diretamente relacionados à
presença de umidade.
Fonte: Painel descrito pela autora (2011).
180
Fig. 77 – Planta com indicação dos locais de recolha de amostras para análise em laboratório.
Fonte: Mapa produzido pela autora (2011).
181
Salvador nasce fortaleza, cresce para lutar e se expande comercializando tudo: ruas,
casas e monumentos. Segundo Ulpiano de Menezes (2006), os usos culturais preteridos ao
cotidiano, abandonando os interesses dos habitantes do lugar, demonstram a presença forte do
mercado e dos interesses econômicos. Mas o que dizer quando os usos cotidianos que
permeiam os limites do lugar são comerciais e avançam agredindo os monumentos?
De fato, o uso e a efetividade das funções em benefício da coletividade é o que
legitima a preservação, em detrimento do abandono e desuso. Entretanto, a prática
internacional tem demonstrado que é preciso reconhecer, com maior clareza, a natureza
intrinsecamente social do objeto de proteção. Afinal, o espaço como fato cultural qualifica o
bem tombado, mas o que se percebe na Mouraria é o meio desqualificando o bem tombado.
Na relação vizinhança e patrimônio, a Igreja da Mouraria é um exemplo efetivo das
influências do meio.
Neste caso, o uso cotidiano do lugar, atrelado à descaracterização do monumento,
acarreta mais abandono, causando revolta na população que frequenta as missas. Se os toldos
182
São José: Pai espiritual de Jesus, descendente da casa de Davi, sua profissão
era marceneiro, segundo os Evangelhos Canônicos. Por falta de maiores
detalhes nos textos oficiais foi definido quase sempre como homem de meia
idade, viril, de barba e cabelos longos. Seus atributos são o bastão florido,
que representa sua escolha como esposo da Virgem Maria e o Menino Jesus.
Santo Antônio: Chamado de Santo Taumaturgo Português, nasceu em
Lisboa em 1195, recebeu o nome de Fernando de Bulhões. Aos 15 anos
ingressou na Ordem Agostiniana e seguiu para Coimbra, onde assistiu a
chegada das relíquias dos martíres de Marrocos. Profundamente
impressionado, entrou na Ordem Franciscana e seguiu para o norte de
África. Doente e desviado por uma tempestade, chega à Itália, onde conhece
São Francisco e se destaca como grande pregador da ordem. Usa o hábito
marrom, com o cordão de três nós que representam a pobreza, a humildade e
a castidade. Seu principal atributo é o Menino Jesus sobre o livro no seu
braço esquerdo.
São Vicente: Nascido em 1576, foi pastor. Preso pelos corsários, fugiu para
Paris, depois de ser escravo em Temis. Fundou a Congregação da Missão
(Paulinos) e as Filhas da Caridade. Usa solidéu, a gola branca dobrada sobre
184
13
.Nessa entrevista especial, ele defende a literatura como forma de compreensão da condição humana e ataca os
“muros da academia” e a alienação dos intelectuais. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.
br/fsp/mais/fs1910200305.htm >. Acesso em: 18 out. 2012.
185
Assim, através dessas ilações, pôde ser desenvolvido o Projeto Cultural VI-VER O
PATRIMÔNIO14, uma ação de salvaguarda do patrimônio cultural da Cidade do Salvador,
que atraiu a atenção internacional.
Desenvolvido e executado durante o mestrado, o projeto piloto vislumbra implantar a
educação para o patrimônio, na cidade. Sua essência está baseada em uma composição de
ideias voltadas para estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural da cidade e se tornar
mais receptivo a estabelecer consigo um diálogo em direção ao reconhecimento e à
conservação dos monumentos históricos, daí o Vi e agora: Ver o Patrimônio. O conceito foi
idealizado da seguinte forma: um monumento é posto em evidencia como objeto de estudo
para que cem jovens, selecionados em colégios públicos, desenvolvam sobre ele um olhar
diferenciado, sob a ótica de disciplinas estrategicamente articuladas para o reconhecimento, a
valorização, a conservação e o restauro do patrimônio.
Gestado desde o ano de 2010, a primeira edição do ‘Vi-Ver o Patrimônio’ só foi
realizada em 2013, patrocinada pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de
Cultura da Bahia, com uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia, o Colégio
Estadual da Bahia e a Sociedade São Vicente de Paulo. Esta última é a irmandade responsável
pela Igreja de Santo Antônio da Mouraria, o primeiro objeto de estudo.
Resultado da “poesia do encontro” realizado na Mouraria, esta ação multidisciplinar
abrange os conceitos de preservação do patrimônio a partir do reconhecimento e da
valorizaçao do indivíduo em seu lugar. Do micro ao macro e vice-versa, o Projeto apoia-se na
dinâmica da ‘modernidade líquida’, para atrair os jovens a olhar para ver e para VI-VER a
cidade em que vivem, buscando o entendimento da contribuição de cada indivíduo na
construção da história de um povo e na valorização deste patrimônio, que está além do
material.
14
Ver artigos nos Apendices: PROJETO PILOTO DE EDUCAÇÃO PARA VI-VER O PATRIMÔNIO, EM
SALVADOR-BA, BRASIL (apresentado em La Plata-Argentina); AS FRONTEIRAS PARA ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ – INICIATIVAS DE PRESERVAÇÃO (será apresentado em São Paulo); e “VI-VER O
PATRIMÔNIO” – UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL (resumo aceito, com artigo em
andamento para ser apresentado em seminário no LNEC, Lisboa).
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
A “Conservação integral” é uma postura defendida no discurso de Marco Dezzi Bardeschi, teórico da
atualidade, em aulas na disciplina "ARQA77 - TE - Seminário - Restauração como conservação e projeto do
novo", no PPG-AU entre 15 e 23 de abril de 2014.
188
existência, a Igreja da Mouraria passou por vários ciclos de abandono, reformas e restaurações
relacionados, principalmente, à presença das irmandades, o que lhe conferiu uma sucessão de
intervenções, mas promovendo a conservação de valores, que vão além do patrimônio
construído, referenciado nas manifestações culturais registradas em vídeo – (Ver Apendices).
A preservação do edifício na paisagem, a partir do respeito e da manutenção no que se
refere a sua senilidade, diante de usos compatíveis com o cotidiano da cidade, permite a
leitura da passagem do tempo, através da imagem que assoma à memória e estimula
sensações. Porém, os desusos observados na Mouraria, com o avanço da comercialização do
lugar, agrediram a imagem histórica do monumento, diante da relação de afeto que os
moradores atribuem ao lugar sagrado. As políticas de preservação ou cultura da memória
surgem em contraponto ao processo de globalização das culturas, de individualidade versus
coletividade, em busca de identidade, visto que, se por um lado não conservam os
monumentos, também, por outro, não os fiscalizam, ficando a cargo das irmandades o peso da
degradação e do abandono.
Se a cultura da memória aparenta estar ligada à musealização ou à estagnação dos
processos temporais é porque não se reconhece e não possui ações que identificam
espaço/tempo/indivíduo como agentes dinâmicos do processo de construção da história no
contexto fluido da multiplicidade de informações e eventos entrelaçados pela matéria que
atravessa o tempo.
A memória seduz, mas o urbanismo é demolidor e o processo agressivo, pois
comercializa, paradoxalmente, até a memória, com a transformação dos centros históricos em
shoppings a céu aberto, afastando a população local para espetacularização do turismo. Para
Huyssen (2000, p. 16-17), “[...] a memória se tornou uma obsessão cultural de proporções
monumentais em todos os pontos do planeta”, com o objetivo de assegurar a legitimidade e o
futuro das políticas emergentes, buscando maneiras de comemorar e avaliar os erros do
passado. Entretanto, as práticas de memória surgem como reflexão entre a globalização da
economia e a avaliação do passado local, na formação do carater identitário, à luz do
equilíbrio, fomentando o uso cotidiano como prática de conservação.
Por outro lado, nesta segunda cumeada de Salvador, existem os traumas históricos e as
práticas de memória: Entre conventos e Igrejas, cresceu uma área militar e a implantação do
Asilo dos Expostos, numa sociedade escravocrata, carente de estruturas físicas, viárias e
sanitárias. O que pemanece e o que se transforma, ao longo do tempo, são revelados ao
observar o desenvolvimento do entorno da Igreja, que, ali, vela a paisagem.
189
2
Ao abandonarem a criança na Roda dos Expostos, a mãe, o pai ou o responsável pela criança, tocava o sino,
para avisar, anonimamente, sua chegada, o que lhe permitia tempo para ir embora, antes que as irmãs de caridade
chegassem para recolher a criança. (COSTA, 2001).
190
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196
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199
1. Tema
Os ensaios “in situ” foram realizados em dias alternados, como fator comparativo
dos resultados diante da umidade relativa do ar. Os equipamentos de medição
utilizados nesses ensaios foram cedidos pelo NTPR, Núcleo de Tecnologia da
Preservação e da Restauração, primeiro laboratório a se dedicar à pesquisa de
tecnologias voltadas para a durabilidade dos materiais e dos edifícios e, particularmente,
à conservação e restauração de monumentos no Brasil1.
Os métodos de avaliação do estado de conservação “in situ”, principalmente os métodos
não destrutivos, são muito importantes para complementar a informação laboratorial.
Todavia, em relação às argamassas, quando a extração de uma quantidade mínima de
amostras é possível, a utilização direta de métodos padronizados é impraticável devido à
sua reduzida coesão e forma irregular.
Diante dessas dificuldades, ensaios alternativos foram testados, inclusive com o
apoio e incentivo singular do Professor Mário Mendonça de Oliveira, importando tiras
colorimétricas para a avaliação dos sais. Os testes “in situ” foram os seguintes:
determinação da temperatura e do teor de umidade do ar; medição de umidade da
madeira; teste de sais com tiras colorimétricas; e observações com utilização de
endoscópio.
1
http://www.ntpr.ufba.br/welcome.html
Quadro 01: Valores médios de temperatura e umidade relativa.
Data da análise: Tempo: ensolarado
Junho/2011 Horários: manhã (10:30h – 11:30h)
LOCAL Temperatura (ºC) Umidade Relativa (%)
Depósito 25,5 69
Interior da
2º Corpo da Igreja 25,8 68
igreja
Parede do fundo 25,6 69
Média 25,6 69
Fig. 01- Medição da umidade do forro de madeira sob o coro e cimalha do forro da nave.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
A comparação dos valores obtidos foi feita com base nas madeiras secas ao ar,
com alguns anos, cujos valores de umidade de equilíbrio variam entre 12% e 18%
(OLIVEIRA, 2006, pág. 120). Das peças analisadas, as tábuas e o friso de moldura do
forro são as mais úmidas. As madeiras das vigas-mestras do coro apresentam teores de
água reduzidos em relação às demais. As medições efetuadas na madeira nova do forro
da sacristia indicam valores normais.
A presença de umidade favorece o ataque da madeira por insetos e por fungos de
podridão, xilófagos ou bactérias. De fato, na observação efetuada nas madeiras
constata-se que as tábuas e os frisos de moldura apresentam-se em pior estado de
conservação em relação às vigas mestras, esfarelando-se ao simples toque, e muitas
vezes com pequenos furos, inferindo o ataque de insetos xilófagos. Nas vigas mestras,
em geral, em bom estado de conservação, não foi detectada a presença de xilófagos, até
onde foi possível observar.
Fig. 03 - Aplicação da tira colorimétrica na superfície, após umedecimento com água deionizada.
Comparação da tira usada com escala indicativa da quantidade presente de determinado íon.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 04- Tira indicando a existência de nitratos e ausência de nitritos. Análise simples efetuada na
parede, com informação rápida sobre os sais presentes.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 05: Ensaio de identificação de sais na amostra de ladrilho hidráulico, efetuada em laboratório,
indicando: a) aplicação de água deionozada; b) ausência de sulfatos; c) presença de cloretos; d) presença
de nitritos e nitratos.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
2
Neste caso em particular, os ensaios foram realizados sobre manchas brancas de sais ou “véu” salino.
No trecho inferior da parede da sacristia, os efeitos observados sob a forma de
manchas esbranquiçadas, que sobressaem à superfície da camada de tinta polimérica de
cor verde, são confirmados pela presença de elevada quantidade de sulfatos e de
cloretos.
Fig. 07: Viga de madeira de sustentação do forro sob o coro e no assoalho do coro – uso do endoscópio.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 08: Abertura no assoalho do coro, onde foi possível fazer uma inspeção visual da estrutura de
madeira, com visível comprometimento das peças que compõem a estrutura interna do assoalho.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
2. Ensaios de Laboratório
Fig. 10: Recolha de amostra com extrator. Fig. 11: Esquema dos furos efetuados na parede do
Fonte: Arquivo do autor, 2011. depósito.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 12: Recipientes lacrados contendo as amostras de argamassa.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
De modo geral, a maior parte dos valores obtidos são inferiores aos limites
tolerados para alvenaria de pedra, considerados no quadro 1 (Oliveira, 2006).
Fig. 13: Resultados na parede do Depósito(a) Fig. 14: Paramento interior da loja de roupas
Fonte: Arquivo do autor, 2011. (parede divisória com a Nave).(b)
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Fig. 15: Parede 01 - Paramento voltado para o 2º Corpo da Igreja, com indicação de altura onde a
presença de umidade se destaca.
Fonte: Arquivo do autor, 2011.
Para este ensaio foram analisadas amostras do depósito, do cômodo atrás do altar
mor, da loja vizinha à igreja, do 2º Corpo da Igreja (emboço e reboco da verga), da
argamassa de azulejo da Nave, da Fachada (reboco de cal e reboco de “cimento
penteado”), conforme indicado na Figura 48. As Figuras 18 a 23 ilustram as etapas da
realização do ensaio.
Fig. 18: 1. Pesagem da amostra Fig. 19: 2. Adição de água deionizada
Fig. 22: 5. Tubos de ensaio com solução filtrada Fig. 23: 6. Precipitado branco indicativo da
presença de cloretos.
De maneira geral, o resultado das análises de sais, quer em laboratório, quer “in
situ”, usando as tiras colorimétricas, está em concordância. Outros aspectos
complementares à análise de sais “in situ” foram possíveis de observar e que se referem
a seguir:
- a argamassa do biscoito do azulejo apresentou reduzida quantidade de cloretos, e
ausência de nitratos e sulfatos.
- uma grande quantidade de sais nitratos, cloretos e sulfatos foi encontrada no depósito.
A presença dos nitratos neste local está associada, possivelmente, a dejetos de
morcegos, ratos ou micro-organismos que habitam o local. Em geral, as substâncias
orgânicas secretadas por tais organismos ou micro-organismos se transformam em
amoníaco e se oxidam, sendo em seguida produzido o ácido nitroso e, finalmente, o
ácido nítrico, que transforma as substâncias em nitratos.
- onde se esperava encontrar sulfatos, designadamente, no interior da loja, cujo aspecto
rígido do reboco sugeria uma argamassa de base cimentícia, esta hipótese não foi
confirmada.
- a presença em quantidades relevantes de cloretos e sulfatos na camada de cimento da
fachada está associada ao cloreto salino, à poluição atmosférica ou mesmo à própria
composição da argamassa, que contém cimento.
Fig.31: 7-Despejamento do líquido com o material suspenso Fig.32 : 8-Aspecto do líquido com o material
sobre o papel de filtro suspenso de uma das amostras
O ensaio com ácido clorídrico (HCl) é simples e rápido e tem como objetivo
conhecer a origem do material, se calcária ou silícática. O exame consiste em pingar 2
gotas de HCL no material, verificando em seguida o grau de efervescência. A
efervescência do material indica que o material é de origem calcária e a ausência de
efervescência infere um material silicático. A efervescência forte indicia um calcário
carbonático (tem elevada quantidade de carbonato de cálcio em sua composição), a
efervescência fraca, indica um calcário magnesiano ou dolomitico (com maior
proporção de carbonato de magnésio).
Com o objetivo de caracterizar o material do piso do adro e da escada de acesso
à igreja, foram extraídos fragmentos representativos desses materiais, que se
encontravam já destacados, e levados ao laboratório para a análise (Fig. 34). Em
complemento, conhecendo outras características dos materiais (composição, porosidade,
massa unitária, etc.), é possível avaliar o seu comportamento frente às ações mecânicas
e ao intemperismo – fenômenos bastante frequentes no adro da igreja. Portanto, além do
ensaio de ácido clorídrico, uma caracterização mais completa do material será possível
através das análises de porosidade total, massa unitária (picnômetro de Hubbard) e da
composição mineralógica do material (através da análise petrográfica ao microscópio).
Figura 35; Escada de acesso à Igreja, local de onde foram retirados fragmentos para
análise com ácido clorídrico.
Fonte: Arquivos do autor, 2011.
Embora não tenha sido feita análise petrográfica, a observação direta do
fragmento do piso branco do adro sugeriu que se trata de um material importado, por
apresentar cristalização muito fina, diferentemente do material nacional que, em geral,
mostra estrutura granulosa como o açúcar (sacaróide).
Da mesma forma, os testes efetuados nas amostras do piso da escada de acesso à
igreja demonstraram efervescência forte, sugerindo material de cimentação calcária,
com elevada proporção de carbonato de cálcio em sua composição. Em geral, o material
carbonático é poroso e, portanto, bastante susceptível ao ataque do intemperismo e/ou
de produtos agressivos.
Apêndice C
FICHAS CATALOGRÁFICAS
APRESENTANDO O DIAGNÓSTICO
DA IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DA
MOURARIA, EM 2011.
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 01
Elemento: PORTÃO DE ACESSO / GRADIS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de peças oxidadas e quebradas;
- Perda da camada protetiva por pintura;
- Oxidação seguida de expansão dos elementos metálicos e
consequente fissuração e expulsão do reboco;
- Presença de agentes corrosivos (fezes de pombo).
Prováveis causas:
- Presença de umidade;
- Problemas decorrentes, em grande parte, da exposição aos
agentes atmosféricos;
- Falta de manutenção e proteção por pintura adequada das
peças;
- Deformação e fadiga das peças metálicas;
- Ataque biológico;
- Mau uso e vandalismo.
Localização:
DIS
GRA
COFAM
TÃO
IGREJA
POR
Rua da Mouraria
LOJA
Planta Baixa
Pavimento Térreo
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 02
Elemento: ESCADAS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Escada de acesso principal com perdas pontuais de material
(lacunas);
- Desgaste da superfície dos degraus;
- Presença de manchas escuras nos espelhos;
- Fendas e fissuras;
- Presença de vegetação nas lacunas.
Prováveis causas:
- Exposição à ação erosiva de agentes físicos (vento, chuva,
poluição, etc.), mecânicos (atritos, golpes, vibração, etc.) e
do próprio uso.
Localização:
Escadas
COFAM
S
IGREJA
Rua da Mouraria
LOJA
Planta Baixa
Pavimento Térreo
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 03
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Fissuras, esmaecimento da cor, infestação de vegetação,
lacunas e peças quebradas do piso de mármore com tons de
cinza e branco.
- Desgaste, enegrecimento, muitas fissuras e presença de
vegetação no piso lateral, em cimentado;
- Muitas sujidades, quer no piso de mármore, quer no
cimentado.
Prováveis causas:
- Exposição dos materiais à ação erosiva de agentes
químicos (por exemplo: materiais de limpeza), físicos
(intemperismo), mecânicos e/ou biológicos;
- Susceptibilidade do material de origem carbonática ao
ataque por produtos ácidos e alcalinos usados na limpeza
de rotina;
- Porosidade do material, que pode contribuir para o
desencadeamento da degradação.
Localização:
COFAM
IGREJA
LOJA
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: ADRO Ficha: 04
Elemento: PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Rachadura no pilar e descolamento do seu revestimento;
- Manchas esverdeadas na parte inferior do muro e dos pilares
(biofilme);
- Manchas escuras nas bases dos pilares e locais protegidos
da lavagem da chuva;
- Crescimento de vegetação nos cantos das paredes e do piso.
Prováveis causas:
- Expulsão do revestimento por oxidação e consequente
expansão da ferragem do gradil;
- Ataque biológico, no caso das manchas esverdeadas;
- As manchas escuras podem estar relacionadas à
microfloresta de algas ou serem decorrentes da associação
de liquens e fungos (biodegradação).
Localização:
COFAM
IGREJA
LOJA
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 05
Elemento: PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- São visíveis fissuras, descolamentos, abaulamentos e
destacamentos do revestimento (lacunas);
- Perda de pintura em zonas pontuais;
- Sujidades, crostas negras e enegrecimento do revestimento
observáveis em diversas zonas, principalmente próximo na
base das paredes, na platibanda e nos adornos da fachada;
- Adição espúria de revestimento incompatível com o
substrato;
- Frisos em argamassa danificados em pontos localizados.
Prováveis causas:
- Presença de umidade. Penetração de água pelas fendas e
fissuras, desencadeando os diversos problemas;
- Escorrimento da água da chuva e consequente acúmulo
de sujidades;
- Entupimento de calhas;
- Ataque biológico (pombos, microorganismos), poluição
atmosférica (fuligem);
- Intervenções inadequadas, sem critérios.
Prováveis causas:
- A presença de umidade associada à existência de sais
solúveis favoreceu à perda de coesão e de aderência do
revestimento que finge pedra em zonas pontuais;
- Ataque biológico e poluição atmosférica atuando como
agentes de degradação do revestimento.
Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 07
Elemento: ORNAMENTOS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas escuras no frontal;
- Destacamento de adornos;
- Presença de fissuras na união das molduras com a parede da
fachada;
- Perdas de elementos decorativos da fachada;
- Crosta negra sobre os frisos horizontais.
Prováveis causas:
- Presença contínua de umidade associada a outros agentes
de degradação (poluição atmosférica, sais, etc.) favorece a
perda de coesão das argamassas e desencadeia o
destacamento dos elementos decorativos em massa que
compõem a fachada;
- Possíveis falhas na especificação dos materiais de fixação
dos ornamentos;
- Excrementos de animais depositados nos elementos
decorativos da fachada cuja ação corrosiva favorece a
degradação do material.
Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 08
Elemento: ORNAMENTOS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Descolamentos e destacamentos do reboco;
- Perda de pintura em zonas pontuais.
- Erosão dos ornamentos;
- Fissuras observadas na união dos elementos pré-
fabricados;
- Lacunas;
- Enegrecimento da face superior dos adornos;
- Adição de materiais incompatíveis;
Prováveis causas:
- Ação dos agentes atmosféricos;
- Presença de umidade;
- Falhas na cobertura - calhas entupidas;
- Dilatação térmica dos materiais - fachada poente;
- Ataque biológico (pombos, microorganismos), poluição
atmosférica (fuligem)
- Intervenção inadequada, sem critérios.
Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta às
intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios ultra-
violeta, etc;
- A presença de umidade constante na base da parede e a
consequente oxidação, seguida da expansão das ferragens da
porta, gerou lesões no reboco interno, desencadeando
problemas no sistema de fixação. A ascensão capilar de
soluções salinas acelera a corrosão das ferragens e a
degradação do reboco;
- Ausência de manutenção periódica.
Localização:
Formigas
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 10
Elemento: PORTA PRINCIPAL Data: 21/07/2011
Descrição:
- Esmaecimento da cor da porta de madeira;
- Descascamento da pintura à óleo (de cor verde),
principalmente nas almofadas e travessas da base da porta;
- Perda de material em zonas pontuais;
- Sujidades;
- Ferragens com oxidação.
Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta
às intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios
ultra-violeta, etc;
- Os problemas encontrados na base das portas sugerem
reações no interior do próprio material e que são agravadas
pela presença de umidade de origem ascensional ou
proveniente dos respingos da água de chuva.
- Ausência de manutenção periódica.
Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: FACHADA PRINCIPAL Ficha: 11
Elemento: PORTA EXTERNA - 02 (lado direito) Data: 21/07/2011
Descrição:
- Esmaecimento da cor das portas de madeira;
- Pintura a óleo de cor verde descascada;
- Sujidades;
- Perda de material em zonas pontuais;
- Ferragens com oxidação;
- Afastamento entre o marco e a alvenaria;
Prováveis causas:
- Os problemas decorrem, sobretudo, da exposição direta às
intempéries: água de chuva (respingos), vento, raios ultra-
violeta, etc;
- A oxidação, seguida da expansão das ferragens da portas,
desencadeou problemas no sistema de fixação. Por outro
lado, a fadiga do material, devido às ações contínuas de
abertura e fechamento das portas, causou o afastamento entre
o marco a alvenaria.
- Ausência de manutenção periódica.
Localização:
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: COBERTURA Ficha: 12
Elemento: TELHADO / ÁGUAS / CALHAS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de manchas escuras na superfície das telhas;
- Eflorescências em algumas telhas;
- Telhas quebradas, corridas ou mal encaixadas, gerando
infiltração de água para o interior do edifício;
- Argamassa de fixação das telhas destacando-se ou
inexistente, contribuindo para a infiltração de água nas
paredes;
- Calhas e condutores entupidos, danificados ou com partes
faltantes. Sistema de coleta de águas pluviais muito mal
arranjado;
- Presença de vegetação em pequenas áreas.
Prováveis causas:
- Umidade associada aos agentes atmosféricos e biológicos;
- Proliferação de pombos em busca de locais para ninhos;
- Possíveis falhas na execução dos sucessivos concertos e
ineficiente funcionamento dos sistemas de coleta de águas
pluviais;
- Ausência de manutenção preventiva.
Localização:
COFAM
IGREJA
Rua da Mouraria
LOJA
Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente: COBERTURA Ficha: 13
Elemento: ESTRUTURA DE MADEIRA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Apodrecimento das peças de madeira de sustentação do
telhado e das tábuas que compõem o caixotão do forro da
nave;
- Manchas de umidade visíveis;
- Presença de insetos xilófagos (cupins) em diversas peças
do madeiramento da cobertura, constatando-se que ainda
cupins estão em atividade.
Prováveis causas:
- Presença de umidade associada aos agentes físicos
(chuva, ventos, poluição, etc.) e biológicos.
- Problemas da cobertura (telhas partidas ou mal
encaixadas) propiciam a infiltração de água resultando em
ambientes propícios à proliferação dos agentes biológicos.
Estes afetam diretamente o madeiramento do telhado e do
forro, o fragilizando;
- Ausência de manutenção preventiva.
Localização:
COFAM
IGREJA
Rua da Mouraria
cupins
LOJA
Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Externo: PÁTEO Ficha: 14
Elemento: TUBULAÇÃO PLUVIAL / PISO / PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Instalações e peças antigas em condições precárias onde se
identificam soluções bisonhas do sistema de recolhimento de
águas pluviais;
- Fixação deficiente da tubulação;
- Pontos de entupimento e vazamentos das tubulações;
- Manchas esverdeadas na base das paredes, sugerindo a
existência de microflora de algas;
- Escurecimento e desgaste superficial generalizado do
ladrilho hidráulico;
Prováveis causas:
- Ausência de critérios na implementação de soluções para o
sistema de coleta de águas pluviais;
- Presença de umidade associada aos agentes climáticos;
- Manutenção inadequada: uso de produtos agressivos na
limpeza do piso que podem ter favorecido a perda da camada
superficial de proteção;
- Proliferação de microorganismos, devido a presença de
umidade.
Localização:
COFAM
IGREJA
Rua da Mouraria
LOJA
Planta de Cobertura
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 15
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas de umidade em algumas pedras do piso de
mármore;
- Manchas amareladas e esmaecimento da cor do piso em
mármore;
- Lápides dos túmulos apresentam rachaduras;
- Piso lateral da Nave, em cimentado, com perdas pontuais;
Prováveis causas:
- Presença de umidade com origem no terreno (capilaridade
ascendente) ou, levanta-se a hipótese de as manchas serem
provenientes da aspersão de água benta sobre os fiéis da
igreja, ato praticado com a frequência de, pelo menos, três
vezes por semana;
- O choque/golpe dos pés dos bancos de madeira provocam a
perda do material cimentado;
- O stress mecânico decorrente da sobrecarga depositada pelo
peso das pessoas no momento da distribuição das hóstias é
uma possível causa da ruptura das lápides.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 16
Elemento: PAREDE LATERAL DIREITA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Lacunas pontuais no revestimento de azulejo, obturadas
em intervenções anteriores ;
- Peças com fissuras ou micro-fissuras que se repetem ao
longo de uma extensão, com altura definida;
- Sujidade aderente e manchas amareladas em zonas
pontuais;
- Falhas e/ou perdas no vidrado, principalmente nas bordas e
arestas;
- Peças trocadas numa pequena área;
- Perda de aderência à argamassa de assentamento, sinalizada
pelo som oco que os azulejos apresentam à percussão
Prováveis causas:
- Degradação física do material devido ao choque das
extremidades dos bancos de madeira da nave com a parede;
- Falhas e perdas no vidrado, provavelmente associadas às
tensões entre os azulejos, dada a quase inexistência de
espaçamento entre as juntas, ou a ainda à presença de umidade
por capilaridade ascendente.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 17
Elemento: PAREDE LATERAL ESQUERDA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Azulejos com algumas lacunas;
- Peças fissuradas;
- Lacunas colmatadas com massa de coloração branca ou
pigmentada com azul;
- Falhas e perdas no vidrado, principalmente nas bordas e
arestas.
- Sujidades superficiais;
Prováveis causas:
- Degradação física do material devido ao choque das
extremidades dos bancos de madeira da nave coma parede;
- Falhas e perdas no vidrado, provavelmente associadas às
tensões entre os azulejos, dada a quase inexistência de
espaçamento entre as juntas, ou a ainda à presença de umidade
por capilaridade ascendente.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 18
Elemento: TARDOZ DA FACHADA Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas de escoamento de água proveniente da cobertura
são visíveis na parede do tardoz da fachada;
- Elevado estado de degradação da cornija de madeira, que
remata o forro da nave visível pelo apodrecimento seguido de
desprendimento de grande extensão da cornija;
- Manchas diversas, pulverulência e destacamento do
revestimento.
Prováveis causas:
- Relação intrínseca com os problemas encontrados na
cobertura da Nave de Igreja (infiltrações, calhas entupidas,
mal-dimensionadas) e que se refletem no interior desta,
ocasionando o escoamento das águas pluviais através da
parede.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 19
Elemento: TRIBUNA E PÚLPITO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Sujidade generalizada, quer na tribuna, quer no púlpito;
- Perda de elementos decorativos;
- Destacamento do revestimento no umbral do vão da porta e
sinais de degradação devido à presença de umidade no
púlpito;
- Dificuldades na abertura e no fechamento da porta do
púlpito.
Prováveis causas:
- Inexistência de manutenção e limpeza da tribuna
decorrentes da impossibilidade acesso a este espaço já que
atualmente,o mesmo é possível, exclusivamente, por meio de
um estabelecimento comercial contíguo à Igreja;
- Infiltrações na cobertura desencadeiam alguns problemas
observados no púlpito e que são decorrentes da presença de
umidade. Da mesma forma, favorece à degradação, a
influência semi-direta das intempéries, pelo fato de o acesso
ao púlpito se dar através do pátio descoberto;
- Apodrecimento do chapuz dentro da parede pode ser a
origem do destacamento do revestimento.
Púlpito Localização:
Púlpito
Tribuna
Tribuna
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 20
Elemento: CORO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Peças estruturais do assoalho (barrotes e pranchões)
visivelmente comprometidos;
- Presença de excrementos de animais, possivelmente de
ratos; existência de pequenas bolas marrons, sobre as partes
horizontais das peças de madeira
- Ataque de organismos xilófagos em algumas peças;
- Manchas escuras aparentando apodrecimento nas peças de
Vista do interior do tabuado ao retirar uma das tábuas madeira.
Prováveis causas:
- Infiltrações localizadas em determinadas zonas das paredes,
provenientes da cobertura por deficiências no sistema de
recolhimento de água (entupimento de calhas, por exemplo);
- Degradação por ataque de insetos xilófagos, fungos e ratos;
- Ausência de manutenção e de medidas de proteção para o
madeiramento.
Localização:
CORO NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 21
Elemento: FORRO SOB O CORO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Lacunas localizadas;
- Craquelê, fissuras; manchas, sujidades, desprendimento
de camada pictórica;
- Biodegradação: ataque de insetos xilófagos, presença de
fungos.
- Apodrecimento da madeira;
Prováveis causas:
Localização:
CORO NAVE
Prováveis causas:
- Presença de umidade pela infiltração oriunda do telhado, que
pela sucessão de ciclos de umedecimento e secagem, favorece
os fenômenos de inchamento e retração da madeira,
resultando nas fendas;
- Biodegradação por ataque de insetos xilófagos, fungos,
depósito de fezes de morcegos e pombos;
- Falta de manutenção e de medidas de proteção.
Localização:
CORO NAVE
cupins
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: NAVE Ficha: 23
Elemento: ARCO-CRUZEIRO - RETÁBULOS LATERAIS Data: 21/07/2011
Descrição:
- Fissuras, arranhões na superfície, lacunas, perda de camada
pictórica, descolamentos da madeira que compõe quer o
arco-cruzeiro, quer os retábulos laterais;
- Oxidação dos vernizes aplicados sobre a madeira;
- Apodrecimento da madeira em algumas zonas.
Prováveis causas:
- Presença de umidade oriunda do telhado;
- Ataque de agentes biológicos: insetos xilófagos, fungos,
bactérias;
- Falta de manutenção e de medidas de proteção.
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ALTAR-MOR Ficha: 24
Elemento: PISO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Desgaste do piso de ladrilho,
- Perda do brilho, do cromatismo e do desenho;
- Esmaecimento da cor generalizado;
- Visíveis manchas de umidade, rachaduras nas peças e
arranhões na superfície.
Prováveis causas:
- Presença de umidade com origem no terreno (capilaridade
ascendente). Levanta-se ainda a hipótese, de as manchas
estarem relacionadas com a aspersão de água benta sobre os
fiéis da igreja, ato praticado com a frequência de, pelo menos,
três vezes por semana;
- O próprio uso e a idade do material estão relacionados com o
problema de desgaste, mas o uso de produtos ácidos ou
alcalino na limpeza de rotina contribui decisivamente para
acelerar a degradação do piso.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ALTAR-MOR Ficha: 25
Elemento: RETÁBULO / FORRO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Visível degradação das tábuas do forro;
- Manchas de escoamento de água de chuva;
- Rachaduras nas tábuas do retábulo, descolamentos;
- Deterioração da instalações elétricas antigas;
- Sujidades, erosão por fezes de morcego;
- Fendilhamento em algumas peças do retábulo;
- Apodrecimento de peças, onde é visível a presença ativa de
xilófagos;
- Comprometimento da estrutura da escada de acesso ao altar-
mor.
Prováveis causas:
- Presença de umidade pela infiltração oriunda do telhado ou
das calhas, que pela sucessão de ciclos de umedecimento e
1 2 secagem, favorece a ocorrência dos fenômenos de
inchamento e retração da madeira, resultando nas fendas;
- Ação ou presença, apenas, de agentes biológicos: insetos
xilófagos, fungos, bactérias e morcegos;
Localização:
2
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: 2º Corpo da Igreja Ficha: 26
Elemento: Paredes / Forro Data: 21/07/2011
Descrição:
- Manchas visíveis da presença de umidade até altura de um
metro do piso, aproximadamente; Manchas escuras no forro.
- Descolamento da camada de pintura em diversas zonas da
parede;
- Perda do revestimento por pintura e eflorescências na base
da parede comum com ao COFAM;
- Sinais de fissuras na parede contígua com a parede do
COFAM
- Perda de coesão e destacamento do reboco em algumas
A zonas da parede, com comprometimento da camada pictórica
de algum interesse artístico e que simula florais ou figuras
geométricas;
Prováveis causas:
- Infiltração de água através da cobertura, em decorrência de
problemas com as telhas e/ou de deficiência do sistema de
escoamento pluvial; Umidade de capilaridade;
- Reformas feitas ao longo do tempo, desarticulando o sistema
construtivo original;
- Ataque de insetos xilófagos, fungos, bactérias no forro; Falta de
manutenção periódica e de medidas de proteção.
Localização:
A
A
=1,00m
NAVE
~
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SACRISTIA Ficha: 27
Elemento: PISO / PAREDES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença generalizada de Eflorecências na base das paredes
da sacristia, especificamente na zona com acabamento por
pintura polimérica, em cor verde;
- Abaulamento e destacamento do revestimento em zonas
A localizadas das paredes (por debaixo da pia, por exemplo);
- Manchas escuras no piso.
-Sinais de fissuras na parede contígua com a parede do
COFAM
Prováveis causas:
- Presença de água de ascensão capilar proveniente do
subsolo, potenciada pela dificuldade de sua eliminação
devido à pintura impermeável existente, que não permite a
evaporação de água;
- Problemas pontuais nas paredes e pisos podem estar
ligados a roturas ou deficiências de estanqueidade das
instalações hidrossanitárias;
- Reformas feitas ao longo do tempo, com desarticulação do
sistema construtivo original, como a abertura do armário (A)
- Ausência de manutenção e de medidas de proteção.
Localização:
A
B
NAVE
B
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SACRISTIA Ficha: 28
Elemento: FORRO Data: 21/07/2011
Descrição:
- São visíveis manchas esbranquiçadas e também manchas
escurecidas;
- Manchas de umidade;
Prováveis causas:
- Inexistência de medidas de proteção: as peças de madeira
que compõem a estrutura do forro não apresentam nenhum
tipo de tratamento, pintura ou verniz.
Localização:
NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: ADMINISTRAÇÃO (SALA DOS VICENTINOS) Ficha: 29
Elemento: ESCADA DE ACESSO / INSTALAÇÕES Data: 21/07/2011
Descrição:
- Degradação do corrimão de madeira e desgaste do piso
cimentado da escada que dá acesso à administração e ao coro;
- Vazamento pela tubulação de escoamento de águas pluviais
localizada no interior da sala;
- Mau funcionamento do sistema de instalações de esgoto do
sanitário da administração que, inclusive, pode comprometer
a água do reservatório utilizado no abastecimento da Igreja e
do COFAM, já que este se localiza embaixo do sanitário.
Prováveis causas:
- Influência direta das intempéries na escada através do
RESERVATÓRIO EMBAIXO DO SANITÁRIO pátio descoberto;
- Ataque de insetos xilófagos na madeira do corrimão;
- Deficiências no sistema de escoamento das águas pluviais:
entupimento de calhas, condutores danificados, etc.;
- Falta de manutenção e de soluções adequadas para o
sistema hidrossanitário.
Localização:
ADM
ESCADA DE ACESSO
CORO NAVE
IGREJA DE
IGREJA DE SANTO
SANTO ANTÔNIO
ANTÔNIO DA
DA MOURARIA
MOURARIA
Levantamento Fotográfico de Patologias e Danos
Ambiente Interno: SÓTAO Ficha: 30
Elemento: ESCADA DE ACESSO / SINO Data: 21/07/2011
Descrição:
- Presença de caminhos de cupins em boa parte do
madeiramento do telhado, inclusive, em zonas preferenciais
da parede, com direção à estrutura de madeira da nave;
- Manchas esbranquiçadas e sujidades na madeira da escada
de acesso ao sótão;
- Eflorescências (véu salino) no revestimento do tardoz da
fachada;
- Indícios de corrosão no sino, fissuras e mudança de cor, com
manchas no interior, do tipo colcha de retalhos;
Prováveis causas:
- Presença de umidade proveniente do telhado associada ao ataque
de insetos xilófagos, fungos, bactérias;
- Aerosol marinho, poluição, agentes atmosféricos e biológicos
(excrementos de pombo) podem estar associados à degradação do
sino;
- Revestimento de cimento usado na fachada, na zona próxima ao
sino, é a causa provável para o aparecimento do véu salino que se
observa no revestimento do sótão. Os sais contidos no cimento
migram pela parede e cristalizam na superfície do revestimento.
Localização:
ESTRUTURA
ns
pi
DO TELHADO
cu
Apêndice D
ARTIGOS: VI-VER O PATRIMÔNIO
RESUMO
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ é um projeto piloto que visa implantar a educação para o patrimônio, na
cidade de Salvador-BA. Por um lado, entendendo que é um processo permanente e sistematico
de trabalho educacional centrado no patrimonio cultural [Chuva 2012, p. 293]1, e por outro, como
instrumento de alfabetização cultural. Baseado nestes desafios e com um olhar para a
arquitetura, tem sido procurado uma parceria entre universidade e comunidade para a difusão da
Educação Patrimonial. Cujo pano de fundo é estimular a conscientização para conservação e a
preservação do patrimônio cultural brasileiro, abordando atividades desenvolvidas no centro
histórico da primeira capital do Brasil. O Projeto adotou como objeto de estudo, reconhecimento e
de análise a Igreja da Mouraria. Para tal, desenvolveram-se ações estratégicas, que propiciam a
vivencia dos monumentos e das artes, de maneira muito particular, à jovens do ensino médio com
o objetivo de resgatar uma relação de afeto da comunidade pelo patrimônio e levar os jovens a um
processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural de uma
meneira lúdica e prazerosa, formando agentes multiplicadores para a defesa do patrimônio. O
projeto pretende contribuir, entre outros aspectos, para ir além da formação dos cidadãos e para a
percepção da sua responsabilidade na sociedade.
Palavras-chaves: Educação. Patrimônio. Valorização. Preservação. Restauração
1
1. INTRODUÇÃO
Da construção da idéia à inscrição no edital da Secretaria de Cultura, tres aspectos foram
fundamentais para a formulação do Projeto Vi-Ver o Patrimônio. O primeiro aspecto surgiu durante
o Seminário Internacional de Restauro de Bens Móveis Integrados na Bahia, promovido pelo
Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), em 2010. Este evento objetivou
proporcionar discussões acerca do restauro de bens móveis e integrados, enriquecido pelo
conhecimento de novas técnicas e experiências de capacitação da área, no Brasil e exterior. Este
evento também promoveu o Fórum de Políticas Culturais em Conservação e Restauro de Bens
Móveis Integrados com a temática 'Carências históricas, importância estratégica', evidenciando a
ausência da temática Educação Patrimonial, apesar do extenso programa. Dai em diante, essa
carência despertou um turbilhão de questionamentos, que se tornaria a semente do Vi-Ver o
Patrimônio.
Um segundo aspecto se desprendeu da relação existente entre o objeto de estudo tratado no
mestrado da autora, durante as pesquisas realizadas, na literatura e no campo, no (PPG-AU)
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura da (UFBA) Universidade Federal da
Bahia sob o tema: ‘A percepção sensorial do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria,
em Salvador’. Após as primeiras apreciações da pesquisa tem sido compreendido que, o
monumento estudado, como outros tantos, acusa na sua arquitetura a leitura de diferentes
momentos relacionados à vinculos históricos com personalidades que marcaram o
desenvolvimento da cidade, em épocas distintas, porém desconhecidos pela população,
principalmente os jovens que frequentam as escolas secundaristas nos arredores da igreja. Essa
percepção demostrou que é preciso mobilizar a sociedade sobre o reconhecimento e preservação
de seu patrimônio, pois só o conhecimento provoca alterações no mode de ver e perceber as
coisas e o mundo (Surya e Medeiros, p. 300).
O útimo aspecto que fortaleceu a idéia da construção de um projeto que tratasse da educação
para o patrimônio foi o ‘Programa de Capacitação em Projetos Culturais’, do Ministério da Cultura
do Brasil (MinC). Em cuja oficina presencial, realizada em Natal-RN, forneceu mais subsidios
para a estruturação e transformação da ideia em projeto, firmando seus alicerces para concorrer
ao EDITAL SETORIAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL, ARQUITETURA E URBANISMO 10/2012, pela
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, em maio de 2012. Momento oportuno para pôr em
prática o projeto com uma estrutura para levar a frénte a idéia de educação para o patrimonio nas
bases: escolas públicas de Salvador.
Nesse âmbito, nasceu o Projeto Cultural Vi-Ver o Patrimônio - 1ª edição: Igreja de Santo Antônio
da Mouraria – 286 anos. Uma composição de ideias estruturadas de maneira estratégica para
estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural tornando-o mais receptivo a estabelecer
consigo e com a cidade um diálogo em direção ao reconhecimento, à valorização e à conservação
dos monumentos históricos.
2
Nessa perspectiva, O Vi-Ver o Patrimônio iniciado em 2013, abordou uma estrutura metodológica
de conteúdos organizados em cinco disciplinas e desenvolvidos em duas etapas: formação e
valorização. Abriu-se um espaço de pesquisa e práticas formado por uma equipe técnica
multidisciplinar, envolvida com conservação e restauro do patrimônio, composta por dois
arquitetos, duas engenheiras, dois artistas plásticos e cinco estagiários, abrangendo alunos do 1º
ao 3º ano do ensino médio, devido à aptidão e ao interesse em lidar com novas tecnologias. Sob a
égide da Educação Patrimonial, foram realizadas ações educacionais que pretendeu promover o
reconhecimento, a preservação, a valorização e a apropriação do patrimônio. Ampliando-se
depois para o reconhecimento do patrimônio nacional e, por fim, as ações de salvaguarda da
UNESCO no patrimônio mundial da humanidade.
Na busca de atrair o interesse do público alvo, a etapa de formação idealizou um curso teórico-
prático de Aprendiz de Técnicas de Documentação e de Conservação do Patrimônio Histórico,
com certificação emitida pela Faculdade de Arquitetura da UFBA. Nesse âmbito foi promovida a
divulgação do curso nas salas de aula das duas escolas estaduais, para inscrição e seleção dos
participantes. A resposta foi imediata, cem vagas foram disponibilizadas e cerca de 150 alunos se
inscreveram para a seleção, gerando uma lista de espera. O processo seletivo contou com o
apoio das estruturas das escolas e foi realizado através de entrevista, preenchimento de
questionário, de termo de compromisso e de termo de autorização dos pais ou responsáveis.
As disciplinas articuladas estrategicamente abordaram conteúdos que despertaram a curiosidade
dos alunos para que naturalmente houvesse o reconhecimento do patrimônio, com atividades
dinâmicas como visitas a monumentos (Fig. 1), associadas a técnicas de cadastro, tecnologias de
documentação, reconhecimento de patologia e história dos monumentos relacionados às
personalidades conhecidas. Foram as seguintes áreas de abordagem:
1. Da Evolução física e histórica do monumento na cidade: pretendeu-se mostrar o valor do
patrimônio através da história dos monumentos, o conhecimento sobre a origem, a época, e como
poder atuar de forma positiva sobre estes.
3
deles essa percepção, não apenas na Mouraria, mas numa visão macro de cidade histórica,
importante para a identidade brasileira. As aulas foram realizadas em salas no Colégio Estadual
da Bahia e na Igreja da Mouraria. Além de aulas a céu aberto no Centro Histórico de Salvador e
visitas monitoradas em museus.
2. Da Leitura e interpretação de plantas: iniciou-se com a teoria do desenho técnico (Fig.2),
manual e a produção de croquis dos ambientes da Igreja da Mouraria e do Prédio Antigo do
Colégio Central, evoluindo para as técnicas de Cadastro e as tecnologias das aulas de Técnicas
de representação, com as quais se realizou a produção do cadastro digitalizado, com recurso do
programa AutoCad.
3. Das Técnicas de Representação Gráfica: Pretendeu-se através destas aulas (Fig.3), demostrar
aos alunos, como o Patrimônio esta envolvido de maneira direta com os recursos tecnológicos
existentes, especialmente com os programas gráficos de AutoCad, Revit, Fotogrametria, Laser
Scanner, entre outros. O domínio destes recursos representa uma busca constante para a
documentação e preservação dos monumentos, em um esforço que se julga bastante válido,
ainda que o tempo venha a consumir o monumento, já que, digitalmente, o monumento não se
perde, e a cultura e a identidade da cidade poderão ser preservadas. Pretendeu-se ainda com
estas aulas, aproximar os alunos da Universidade, possibilitando a abertura de novos horizontes e
de perspectivas de acesso quer à Academia, quer ao mercado de trabalho. As aulas foram
ministradas na Faculdade de Arquitetura da UFBA, no LABORATÓRIO DE COMPUTAÇÃO
GRÁFICA APLICADA A ARQUITETURA E AO DESENHO (LCAD), local equipado com
computadores, disponibilizado pela Universidade para a realização das aulas de AutoCad para
iniciantes.
4
Figura 4 – Visita ao Centro Histórico de Salvador
5. Das oficinas de produção e pintura artesanal de azulejos: Usando técnicas de modelagem e
contato lúdico e técnico com a argila (Fig. 5), os participantes produziram e pintaram azulejos
artesanalmente, focando na historia dos azulejos da Bahia e nas características existentes nos
painéis do século XVIII da Nave da Igreja da Mouraria. Pretendeu-se incentivar o conhecimento e
resgate das técnicas construtivas antigas ainda existentes, mas passíveis de se perder por falta
de conhecimento e valorização. As aulas praticas foram realizadas nas instalações do Museu de
Arte Moderna da Bahia (MAM), com a produção de painéis de azulejos artesanais que foram
expostos na Semana de Exposição, durante a etapa de Valorização.
5
Para isso tem sido estabelecida a parceria entre a UFBA, o Colégio Estadual da Bahia e a
Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP) por, todos eles, terem uma participação importante: A
UFBA com suas instalações e equipamento para o ensino das novas tecnologias. A Escola com
salas de aula para a instrução dos módulos de artes, história, materiais e oficinas. E a SSVP com
o monumento (a igreja da Mouraria), que serviu de modelo de trabalho em todas as disciplinas
(Fig.6), pela sua particularidade artística e histórica.
Figura 6 – Aula prática de técnicas de limpeza e conservação dos azulejos da Igreja da Mouraria
Como forma de assegurar o cumprimento dos objetivos do projeto, e garantir a assiduidade e
evitando a evasão ao longo do curso foram executadas algumas ações de incentivo aos jovens.
Como a distribuição de camisas com a marca do projeto, materiais didáticos com kit para as aulas
de desenho técnico, materiais para as oficinas de azulejos, doação de auxílio transporte e auxílio
alimentação. Além disto, ao final do curso, os alunos que mantiveram assiduidade e tiverem
apresentado os seus trabalhos, receberam um certificado de capacitação emitido pela UFBA, pois
esta etapa de formação foi reconhecida e registrada como projeto de extensão da universidade,
pelo Departamento IV – Da Tecnologia Aplicada à Arquitetura.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na medida em que se desenvolveram as atividades foram observadas externalidades, fatos e
ocorrências fora das previsões advertidas no projeto, mas que trouxeram ocorrencias positivas e
efeitos não previstos que influenciaram e exigiram medidas dinâmicas para manter o controle de
qualidade e o objetivo do projeto, tais como:
A amplitude do papel das redes sociais na divulgação do curso e durante as atividades do projeto,
trazendo questionamento de outras escolas para o fato de o projeto não agregar seus alunos, ou
alunos buscando a mudança de instituição para participar do projeto. A interrelação do facebook
nas redes sociais permitiu entre todos, um novo grupo de “amigos”, formados por alunos
secundaristas, universitários, professores, mestres e doutores, na mesma página curtindo as
atividades do Vi-Ver o Patrimônio, comentando, sugerindo. Onde o papel do Governo ainda não
sendo enfático este projeto é visto como uma nova vertente educacional. Prova disto é também a
presença dos pais acompanhando os alunos pela rede, verificando o compromisso, o interesse, a
participação e até divulgando o projeto em outras redes, além de entrarem em contato e
participarem das visitas de campo.
O apoio dos ex-alunos na palestra de abertura e no desenvolvimento das atividades como
facilitadores no acesso aos monumentos visitados e na atenção desprendida aos alunos,
respondendo as mais diversas dúvidas e promovendo o conhecimento de profissões relacionadas
ao patrimônio. Cada visita foi acompanhada por profissionais que corroboraram em todos os
aspectos, no sentido de sensibilizar os participantes para a conservação do patrimônio como
preservação de sua identidade.
6
A importância do papel das instituições de nível superior na difusão da Educação Patrimonial é
premente, pois todo o conhecimento gerado na universidade tem obrigação de retornar à
sociedade como força motrix de desenvolvimento, principalmente, social.
As aulas no LCAD trouxe para a realidade dos alunos de escola pública a presença da
universidade. E a cada sexta-feira eles vivenciaram o campus da UFBA, frequentaram as
bibliotecas, viram exposições, maquetes, tiveram acesso a outras plataformas de conhecimento e
percepções, fato que elevou a autoestima, gerando questionamentos sobre profissões, cursos,
ampliando a perspectiva de futuro.
A movimentação da presença de cem jovens estudando a Igreja da Mouraria (Fig.7), sob diversos
aspectos, chamou a atenção da comunidade para o reconhecimento e a valorização da Igreja
como monumento de elevada importância, contentora de uma riqueza histórica particular, pouco
conhecida e divulgada, agregando inclusive novos adeptos ao Santo protetor da Igreja (Santo
Antônio), nos dias da trezena.
4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As atividades humanas – percepção e criação – produzem o bem e o homem lhe atribui valores
tornando fundamental a existência de um patrimônio conhecido, de uma memória preservada,
para que se possa construir uma identidade cultural. Quer o investimento, quer a busca por
recursos que garantam a sustentabilidade de um monumento, estes constituem ações que requer
7
da comunidade envolvida, o conhecimento e a valorização do Patrimônio Cultural. No entanto,
pouca valorização se dá ao Patrimônio em Salvador, e isto se deve ao desconhecimento que a
maior parte da população possui sobre o tema, que não é tratado nas escolas. A necessidade de
instigar nos jovens o interesse pelo patrimônio é uma questão essencial e que deve ser
preocupação de todas as esferas da sociedade, afinal, serão estes jovens os futuros responsáveis
pela conservação dos monumentos de hoje. Se não se educa para o patrimônio, para vivê-lo, e
mantê-lo vivo, corremos os sérios riscos de perder nossos monumentos.
Todo este contexto propiciou a idealização do Projeto VI-VER O PATRIMONIO, que tem por
objetivo principal educar jovens para o patrimônio, e que se revela, além de um processo de
aprendizagem, uma promissora iniciativa de inserção sócio-cultural e profissional. Junto às
escolas e à comunidade, fortaleceu a relação das pessoas envolvidas com suas heranças
culturais e estabeleceu um melhor relacionamento destas com os bens patrimoniais. O projeto
contribuiu, entre outros aspectos, para ir mais além da formação dos jovens, dando-lhes outras
formas de conhecer e de pensar a sua cultura. Estes jovens passaram a perceber a sua
responsabilidade pela valorização e preservação do Patrimônio, fortalecendo a vivência em
cidadania, num processo de inserção social.
Como resultado das atividades geradas, houve grande aceitação e valorização patrimonial com a
herança dos antepassados e, consequentemente com o projeto, por parte dos participantes.
Quanto à sociedade vicentina, cerca de 75,6% dos membros apoiaram o projeto, 15,1% ficaram
receosos e 9,3% não concordaram com a ideia. Por outro lado, entre os alunos da escola pública,
82,2% tiveram grande interesse pelo projeto, 14,2% não demonstraram o mesmo interesse, mas
concluiu o programa, e 3,6% desistiram por circunstâncias diversas.
Da experiência realizada, pode-se afirmar que o modelo piloto aplicado nesta cidade fornece
indicações de que é possivel não só promover a preservação do monumento tombado para as
futuras gerações através da sua preservação, mas também da educação patrimonial. O papel do
cidadão tornou-se, desta forma, um aspecto importante para incentivar a valorização e a formação
de novos interessados na área. Pretende-se dar continuidade a este projeto, cujos resultados
foram bastante positivos, corroborando com a identidade do individuo em seu contexto, em seu
lugar. Para Ostrower [1995, p.12]3, todo ato de percepção abrange no presente, uma
projeção sobre o futuro. Nesse sentido, espera-se que as percepções do Vi-Ver o
Patrimônio despertem uma projeção de futuro para os jovens e para a preservação dos
monumentos.
Com base teórica na percepção do Vi-Ver o Patrimônio, o próximo passo é a análise dos
resultados do Projeto para servir de base para reflexões sobre o prosseguimento em futuras
edições. Já se prevê a extensão do público-alvo para as escolas iniciais e dos militares, por
exemplo, a quem está entregue a guarda e manutenção das nossas seculares fortificações,
Patrimônio de interesse Histórico e Cultural Nacional.
4. REFERENCIAS
[3] Ostrower, Fayga. Acasos e Criação Artística. Rio de Janeiro: Campus, 1995.
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A DIMENSÃO COTIDIANA DO PATRIMÔNIO E DESAFIOS PARA SUA PRESERVAÇÃO
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2: Universidad Nacional San Antonio Abad del Cusco - Faculdade de Arquitetura y Urbanismo, Peru
e-mail: erwicflo@hotmail.com
RESUMO
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ é um projeto cultural idealizado e desenvolvido na primeira capital do Brasil,
que visa implantar a educação para o patrimônio, na cidade de Salvador-Bahia. Por um lado, é entendido
como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural e
por outro, como instrumento de alfabetização cultural.
Direcionado aos jovens de escolas de ensino médio da rede pública e com foco na paisagem e
arquitetura do centro antigo de Salvador, o projeto piloto foi realizado em 2013, a partir da iniciativa da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, por meio do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
financiado pelo Governo do Estado. O projeto teve como objeto de estudo, reconhecimento e análise a
Igreja de Santo Antônio da Mouraria, datada do século XVIII, monumento tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Para tal, desenvolveram-se ações estratégicas, que propiciaram a vivência de outros monumentos
culturais e artes locais, visando o resgate da relação de afeto da comunidade pelo patrimônio. Neste
sentido, os jovens que participaram desta ação foram percebendo o significado de Patrimônio Cultural,
num processo ativo de reconhecimento local, de apropriação e valorização de sua herança cultural de
maneira lúdica e prazerosa.
O ineditismo da proposta contribuiu, entre outros aspectos, para ir além da instrução dos cidadãos e da
percepção da sua responsabilidade e papel na sociedade, um modelo a seguir, vislumbrado por países
como Argentina e Peru. Com repercussão internacional, a 2ª edição foi APROVADA pela Secretaria de
Cultura do Estado, a qual foi reformulada com critérios mais amplos absorvendo a experiência executada
em parceria com a Universidade de Cusco, cujos resultados e empolgação dos futuros agentes
multiplicadores foram os mesmos obtidos no Brasil, por se tratar de uma linguagem única: o
reconhecimento da identidade no patrimônio construído.
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voltadas para estimular o jovem a vivenciar o patrimônio cultural da cidade e se tornar mais receptivo a
estabelecer consigo um diálogo em direção ao reconhecimento e à conservação dos monumentos
históricos, daí o Vi e agora: Ver o Patrimônio, para então vivê-lo, utilizá-lo, dar-lhe a devida importância,
pois sem uso específico, os monumentos entram em processo de degradação lenta que seguidamente os
levam à ruina.
O conceito do projeto foi desenvolvido da seguinte forma: um monumento é posto em evidencia como
objeto de estudo para que cem jovens (4 turmas de 25 alunos), selecionados em colégios públicos,
desenvolvam sobre ele um olhar diferenciado, sob a ótica de disciplinas estrategicamente articuladas
para o reconhecimento, a valorização, a conservação e o restauro do patrimônio. Sendo assim, a partir
dessa perspectiva, observar a cidade tanto desde um conhecimento prévio em aulas, para logo verificar
em campo, com visitas preparadas por parceiros e rede de amigos da Universidade Federal da Bahia, da
Santa Casa de Misericórdia, entre outros colaboradores, ao longo do projeto.
Gestado desde o ano de 2010, a primeira edição do ‘Vi-Ver o Patrimônio’ foi realizada em 2013,
patrocinado pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT-BA) e
Fundo de Cultura. Sob o título Vi-Ver o Patrimônio - 1ª edição: Igreja de Santo Antônio da Mouraria –
286 anos. Foi importante a participação da Universidade Federal da Bahia, do Colégio Estadual da Bahia
(Central) e da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), irmandade responsável pela Igreja, para ser
possível encaminhar as 3 etapas do projeto: conservar, (in) formar e valorizar.
A etapa Conservar antecedeu o projeto porque a Igreja precisava de medidas emergenciais para receber
os alunos, com segurança. Nesse sentido, foram executados reparos gerais no telhado, (troca de duas
mil telhas cerâmicas, limpeza de canais de aguas pluviais, troca de estruturas em madeira, recondução
dos dutos e troca da tubulação de evacuação das aguas pluviais, entre obras menores), dedetização,
descupinização e limpeza semanal do monumento analisado, cadastrado e vivenciado pelos alunos,
como mostra a Figura 01.
Figura 01: Alunos conhecendo e estudando a Igreja da Mouraria para o inicio do cadastro manual.
Para a etapa Formar abriu-se um espaço de pesquisa e práticas, conduzido por uma equipe técnica
multidisciplinar, envolvida com conservação e restauro do patrimônio, composta por arquitetos,
engenheiros, artistas plásticos e estagiários, abrangendo alunos do 1º ao 3º ano do ensino médio.
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Devido à aptidão e ao interesse dos jovens em lidar com novas tecnologias, foram estabelecidas cinco
disciplinas, que em conjunto se completaram para atrai-los aos flancos do patrimônio, o que formou os
Aprendizes das Técnicas de Documentação para o Patrimônio, certificados pela Faculdade de
Arquitetura, reconhecido como curso de extensão da UFBA. Com oito semanas de duração, cada turma
recebeu 80 horas de curso, que se estenderam para mais de 90 horas por conta das visitas surpreendidas
por palestras e exposições, que despertaram a curiosidade e o interesse dos alunos. As disciplinas
ministradas na primeira versão foram as seguintes: História do Patrimônio na cidade; Leitura e
interpretação de plantas – Cadastro; Técnicas de representação gráfica para a documentação, auxiliadas
por computador (CAD); Materiais e patologia da edificação; Oficinas de produção e pintura artesanal de
azulejos, a partir da observação e releitura dos azulejos da Igreja da Mouraria. Estas atividades foram
desenvolvidas durante quatro meses seguidos e estão aqui ilustradas na Figura 02.
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Cada momento desta semana de valorização ofereceu uma experiência diferenciada para os aprendizes.
Nas escolas onde eles estudavam, a exposição despertou a curiosidade dos colegas fazendo com que
fossem explicadas as atividades exercidas no projeto e o porquê de cada uma delas, gerando admiração
por parte de todos. Além de exercitar a criatividade na montagem da exposição, houve grande interação
com os colegas e professores promovendo e divulgando os objetivos de reconhecimento e valorização
do patrimônio da cidade e elevando a autoestima do indivíduo.
As exposições realizadas causaram uma ebulição diante da técnica artesanal da produção de azulejos,
assim como faziam os portugueses. Professores, alunos, funcionários, mestrandos, doutorandos e
transeuntes paravam para questionar a exposição, o processo artesanal, o projeto. Entretanto, o fato
que mais chamou a atenção da equipe técnica foi o momento em que os alunos olharam para o painel
de azulejos montados na exposição e chegaram a seguinte conclusão: “os portugueses são melhores que
nós”. Essa frase demonstrou que todas as atividades executadas junto aos aprendizes surtiram efeito
positivo, pois reconheceram o legado que os portugueses com suas técnicas deixaram na arte dos
azulejos e que não seria fácil imitar. Promovendo assim o reconhecimento e a valorização do Patrimônio
cultural em que estão inseridos.
Durante a Semana de Valorização também propiciou-se uma visita de despedida a cada grupo em locais
diferentes. Reunidas as turmas da manhã, visitou-se o Dique do Tororó e com as turmas da tarde visitou-
se o Museu Náutico da Bahia, no farol da Barra. Lá houve uma reflexão sobre o projeto, sobre a cidade, a
escola e os colegas. Sentamos em círculo e cada um fez o exercício de escrever para o colega ao lado,
elogiando e aconselhando para o futuro. Ao final houve um jogral com a música de Lulu Santos: Como
uma onda! Que provocou uma discussão sobre o patrimônio histórico da cidade, seu desenvolvimento,
responsabilidade e como cada um pode cuidar da cidade. Afinal tudo muda, tudo se transforma, assim
como cada aluno se transformou durante o processo de interação com o patrimônio da cidade,
sensibilizando-se com a necessidade de preservação.
A cerimonia de encerramento aconteceu no auditório da Faculdade de Arquitetura e contou com a
presença de pais, professores, amigos e os patronos, colaboradores eficazes desse projeto, como os
especialistas Mário Mendonça de Oliveira e Antônio Carlos Barbosa, ambos professores da UFBA e
ligados à Preservação do Patrimônio, na cidade de Salvador. A exposição realizada na Faculdade de
Arquitetura reuniu todas as atividades exercidas pelos alunos ao longo do curso, para orgulho de seus
familiares e amigos.
Vale ressaltar o grande esforço desprendido pelo Professor Mário Mendonça na exposição para o
alunado sobre as fotos antigas de Salvador e sua importância nos tempos de hoje. Essas imagens, que
muitos desconhecemos, ajudaram a consolidar um dos objetivos do curso que é reconhecer o
patrimônio, valorizar e atrair mais adeptos multiplicadores para as ações de salvaguarda do patrimônio.
Essa união em prol de um objetivo maior tornou possível a realização do projeto no tempo previsto e
validou a importância da educação e sensibilização para o patrimônio conjugado com a identidade
cultural. Afinal, todos que mantiveram um contato com os objetivos do VI-VER O PATRIMÔNIO foram
imbuídos por uma atmosfera de fraternidade. Como foi registrado durante as palestras de abertura e
encerramento do projeto, onde ex-alunos do colégio central, comerciantes da mouraria, vicentinos,
devotos da Igreja, pais de alunos e professores reunidos, cada um contribuiu de alguma maneira. Seja
um arranjo de flores ou uma bandeja de pãezinhos, eles transformaram esses momentos em grande
festa, em prol da elevação da autoestima dos jovens, sob a perspectiva de sua identificação com o
patrimônio da primeira capital do Brasil. Os resultados desse processo já se apresentam na segunda
edição e nos desdobramentos locais e internacionais apresentados a seguir.
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que dá acesso à quadra de esportes, autorizado pela direção da instituição. A figura 04 ilustra o sábado
inusitado.
Figura 04: Alunos em atividade voluntária para requalificar sua área de convivência, no colégio Mário
Augusto Teixeira de Freitas, em Salvador.
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Recursos Humanos para a Restauração e Conservação do Patrimônio, sob o título de “Projeto Piloto de
Educação para VI-VER O PATRIMÔNIO, em Salvador-BA, Brasil”.
Este congresso reuniu doutores e mestres da área de conservação e restauro das Américas e da Europa,
contribuindo para a divulgação das ações de sensibilização para o patrimônio, realizadas junto aos jovens
de Salvador, em caráter experimental, identificando e discutindo aspectos positivos e negativos de uma
proposta inovadora nesta área.
Esse panorama ampliou as fronteiras do ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, estendendo suas ideias até o Peru,
para a aplicação do modelo, na Faculdade de Arquitetura da UNSAAC – Universidade Nacional de San
Antonio Abad del Cusco. O convite partiu do coautor deste artigo, componente da equipe técnica da
primeira edição do projeto e professor da UNSAAC.
Sob esta perspectiva, em fevereiro de 2014, foi realizado em Cusco, cidade patrimônio da Humanidade,
uma versão resumida do ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, tendo como público alvo, duas turmas da Faculdade
de Arquitetura da UNSAAC. Este experimento durou duas semanas e versou sobre a importância do
reconhecimento para a valorização do patrimônio cultural, suas intervenções e multidisciplinaridade,
utilizando as mesmas bases executadas no Brasil, com aulas de campo, visitas e palestras, porém
perspectivando a cultura relacionada ao vale sagrado da civilização incaica e a capital arqueológica da
América Latina: Cusco, (Figura 05).
Figura 05: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ em Cusco, uma experiência de preservação sem fronteiras.
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3. CONCLUSÕES EM PROCESSO
Os jovens, independente da cultura a qual pertençam, não conhecem o lugar onde vivem e por isso não
se reconhecem no patrimônio construído, tão pouco valorizando, o que influencia diretamente no
processo de degradação dos monumentos, a exemplo das pichações.
As ideias desenvolvidas pelo ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, no sentido de atrair os jovens, para ver de fato e
vivenciar a cidade que habitam, ao lidar com as novas tecnologias aplicadas ao patrimônio,
demonstraram que são efetivas ferramentas para sensibilizar futuros agentes multiplicadores para a
preservação do patrimônio.
Incluir o projeto nas redes sociais de comunicação virtual trouxe à baila a discussão do reconhecimento e
da conservação dos monumentos adaptados à linguagem dos jovens. De celulares na mão, o exercício de
casa, em cada aula de campo, era a publicação no facebook de uma ou mais fotos de um detalhe do
monumento ou da paisagem que lhes chamassem a atenção. Desse modo, os deveres de casa se
tornaram observadores e críticos da cidade, com o olhar também para os processos de degradação,
sujeira, descasos. Se tornando bastante divulgados e questionados pelos pais, pelos amigos do face,
familiares, professores. Havia momentos em que mestres, doutores, alunos da academia e aprendizes do
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ conversavam no mesmo espaço virtual sobre determinada foto. Essa interação
se tornou uma grande onda de conhecimento e desenvolvimento pessoal. O endereço do projeto pode
ser acessado através do endereço https://www.facebook.com/viver.patrimonio, onde é possível
acompanhar todas as atividades dos alunos na linha do tempo, além de se tornar mais um agente
multiplicador das ideias do projeto, nos flancos do patrimônio.
Um termômetro utilizado para avaliarmos o projeto foi a utilização de questionários no início e no final
do processo, esses dados ao serem comparados foram reveladores para constatar a carência de
iniciativas que desenvolvam nos jovens à capacidade de se reconhecerem agentes da História,
capacitando-os para uma reflexão crítica sobre sua identidade e suas ações que se refletem,
principalmente, sobre seu futuro. A mudança foi evidente e a maneira como agradeceram a iniciativa
reforçou o potencial para a segunda edição, da mesma forma que as críticas foram avaliadas e corrigidas
para as próximas edições.
A percepção do patrimônio como ferramenta para desenvolver a autoestima e estimular a cidadania
reflete na educação do indivíduo, que retorna como agente multiplicador das ações de preservação dos
monumentos. Corroborando Capistrano de Abreu (1954, p. 10), o importante não é a coisa, mas o
espírito da coisa (...), ou seja, a essência dos monumentos que fascina o pesquisador é também um
dispositivo de sua própria conservação.
‘VI-VER O PATRIMÔNIO’ busca essa essência e dialoga nos moldes dessa sociedade líquida, tecnológica,
sem fronteiras, que precisa tirar os olhos da tela para ver a cidade, a vida, o amigo, viver a vida e por que
não: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’.
4. REFERÊNCIAS
ABREU, C. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Sociedade Capistrano de Abreu, 1954.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro : Zahar, 2007.
BERGSON, H. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
10
“VI-VER O PATRIMÔNIO”: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
EM PERSPECTIVA MULTIDISCIPLINAR - SALVADOR-
BA, BRASIL.
LEÃO, Elisângela Conceição Dantas
Arquiteta Urbanista, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura, Salvador,
Brasil,e-mail: lisleaoarq@yahoo.com.br
MAGALHÃES, Ana Cristian
Engenheira Civil, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Arquitetura, Salvador,
Brasil, e-mail: anacristian@hotmail.com
FLORES, Erwic Caparó
Arquiteto Urbanista, Universidad Nacional San Antonio Abad del Cusco - Faculdade de
Arquitetura y Urbanismo, Cusco, Peru, e-mail: erwicflo@hotmail.com
A pesquisa histórica
Os dados pesquisados da Igreja de Santo Antônio da Mouraria e seu entorno foram
registrados e catalogados como elementos de investigação e histórico de cada detalhe
arquitetônico, estabelecendo parâmetros cronológicos para a obtenção de análise que
preenchesse as lacunas percebidas ao longo do trabalho. A pesquisa desses documentos
revelaram também, inúmeras feições da Igreja e da estrutura do edifício, seja com adição de
adornos, aplicação de materiais, inserção de novos usos ou coloração dos planos de paredes,
o fato é que a cidade se transformou e isso se refletiu nas entrelinhas dos documentos e
imagens encontradas. Esses dados foram relacionados com os usos e indicados em plantas,
executadas a partir de cadastro, confrontado com informações encontradas em relatos
históricos e resultados dos ensaios realizados in situ e em laboratório. As imagens
encontradas no levantamento histórico foram consideradas mnemonicas, por se constituirem
ferramentas de acesso à memória, demonstrando a primeira vista, o valor de antiguidade de
uma construção, pelo seu aspecto não moderno, de acordo com Riegl[10] (2006, p. 69). A
partir desse princípio, o estudo realizado na Igreja da Mouraria, sob a perspectiva
arqueológica, para a compreensão das sobreposições temporais nos elementos arquitetônicos
registrados nas imagens, resultou importante caráter documental para ir além da atribuição
de valor de antiguidade.
O Levantamento cadastral
Em paralelo às pesquisas históricas foi realizado o cadastro manual do monumento, efetuado
a princípio com técnicas tradicionais de desenho técnico e medições locais. Partindo em
seguida para os programas gráficosde auxílio à representação gráfica, a exemplo do
AutoCAD (2011), Revit (2012), além de experimentos com a fotogrametria digital através
do PhotoModeler Scanner (2011) e e do 1,2,3D Cash, no intuito de documentar cada detalhe
do monumento e estabelecer vínculos entre o patrimônio e as novas tecnologias. As peças
gráficas desenvolvidas, como plantas baixas, cortes e fachadas foram utilizadas como bases
para a simulação digital [2] de cada momento especificado como relevante, para o
entendimento didático da passagem do tempo sobre o monumento. Elas também foram
utilizadas na produção das fichas catalogadas [6], para a localização das patologias
identificadas, contribuindo para um maior contato e compreensão do edifício [10].
O registro fotográfico
O registro fotográfico do estado de conservação do monumento promoveu o reconhecimento
inicial das principais patologias que afetavam o edifício, complementando a produção de
trinta fichas, que catalogaram os principais danos da passagem do tempo sobre os artefatos
constituintes da igreja e, por conseguinte, sobre o conjunto arquitetônico em que esta
inserida a Igreja. Os modelos de ficha apresentam à imagem do elemento arquitetônico, a
planta baixa do ambiente em que ele está situado, a descrição do seu estado de conservação
e a avaliação de possíveis causas dos danos observados. A identificação desses dados,
também contribuiu para sinalizar os locais adequados para a realização dos ensaios “in situ”
e coleta de materiais para os ensaios no laboratório. Do mesmo modo que ofereceram
subsídios para as intepretações posteriores relacionadas à ocupação do edifício,
proporcionando a simulação da evolução física arquitetônica do monumento.
Figura 01: Planta baixa da Igreja da Mouraria com a localização da retirada das amostras para ensaio
em laboratório e Fachada desenhada a partir das técnicas de fotogrametria digital. Fonte: Arquivo do
Autor, 2012.
A compreensão do monumento em todas as fases de evolução despertaram interesses, que
ultrapassaram os muros da academia em busca de uma essência, contribuindo para o
desenvolvimento da sociedade. Para Bergson[4], só permanece aquele que possui condições
de se reinventar, se recriar, observação que levou a reflexão sobre o patrimônio no
entendimento dos usos que é dado ao monumento, permitindo que o edifício atravesse o
tempo com dignidade e tornaram-se as bases para a construção da ideia que fomentou o
entendimento da importância do patrimônio e sua preservação, a partir de sua valorização,
semeando nos futuros encarregados o reconhecimento de sua identidade nos monumentos
construídos da paisagem histórica, na qual encontram-se, cegamente, inseridos. Dai surgiu o
trocadilho dos verbos ver e viver, para ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, um instrumento de
alfabetização cultural, a partir do patrimônio local, com público alvo específico: aos jovens
de escolas de ensino médio da rede pública, localizados no centro histórico de Salvador.
Figura 02: Alunos do VI-VER O PATRIMÔNIO nas oficinas de produção de azulejos e aulas de
AutoCAD.Fonte: Arquivo do Autor, 2013.
De forma estratégica, os subsídios adquiridos como premissas constituíram ferramentas
úteis à execução das atividades e práticas desenvolvidas durante a formação dos alunos. De
maneira particular, o projeto contemplou ainda a vivência de outros monumentos culturais e
artes locais, a exemplo do MAM (Museu de Arte Moderna), Museu Náutico da Bahia,
Museu de Arqueologia da Bahia, entre outros, visando o resgate da relação de afeto da
comunidade pelo patrimônio.
Figura 03: Alunos do VI-VER O PATRIMÔNIO nas visitas à cidade (2013) e alunos do Teixeira de
Freitas (2014). Fonte: Arquivo do Autor.
Experiências internacionais
O ineditismo da abordagem que aproxima os jovens do patrimônio cultural da cidade
contribuiu, entre outros aspectos, para ir além da formação dos cidadãos e para a percepção
da sua responsabilidade na sociedade. Atraindo a atenção de países como a Argentina e o
Peru, após a divulgação de artigos apresentados em congresso, que vislumbraram, no ‘VI-
VER O PATRIMONIO’, um modelo a seguir.
Em outubro de 2013, no 3º Congresso Ibero-americano e XI Jornada em Técnicas de
Conservação e Restauro do Patrimônio, realizado em La Plata-Argentina, foi apresentado o
artigo sobre a Formação de Recursos Humanos para a Restauração e Conservação do
Patrimônio, sob o título de “Projeto Piloto de Educação para VI-VER O PATRIMÔNIO, em
Salvador-BA, Brasil”. Este congresso reuniu agentes da área de conservação e restauro das
Américas e da Europa, contribuindo para a divulgação das ações de sensibilização para o
patrimônio, realizadas junto aos jovens de Salvador, em caráter experimental, identificando
e discutindo aspectos positivos e negativos de uma proposta inovadora nesta área. Esse
panorama ampliou as fronteiras do projeto, estendendo suas ideias até o Peru, para a
aplicação do modelo, na Faculdade de Arquitetura da UNSAAC – Universidade Nacional de
San Antonio Abad del Cusco. Sob esta perspectiva, em fevereiro de 2014, foi realizado em
Cusco, cidade patrimônio da humanidade, uma versão resumida do ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’, tendo como público alvo, duas turmas da Faculdade de Arquitetura. Este
experimento durou duas semanas e versou sobre a importância do reconhecimento para a
valorização do patrimônio cultural, suas intervenções e multidisciplinaridade, utilizando as
mesmas bases executadas no Brasil, com aulas de campo, visitas e palestras, porém
perspectivando a cultura relacionada ao vale sagrado da civilização incaica e a capital
arqueológica da América Latina: Cusco.
Conclusões e aspirações.
As ideias desenvolvidas pelo ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’, no sentido de atrair os jovens a
ver de fato e vivenciar a cidade que habitam, ao lidar com as novas tecnologias aplicadas ao
patrimônio, demonstraram que são efetivas ferramentas para sensibilizar os futuros agentes
multiplicadores na preservação do patrimônio, tanto dentro, quanto fora do Brasil. A
inclusão do projeto nas redes sociais promoveu interações inusitadas.
Havia momentos em que mestres, doutores, alunos da academia e aprendizes do ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ conversavam no mesmo espaço virtual. Essa interação se tornou uma
grande onda de conhecimento e desenvolvimento pessoal, ampliando as discussões sobre
preservação. Esses aspectos, dentre outros, validaram a ideia de que os jovens, independente
da cultura a qual pertençam, não conhecem o lugar onde vivem e por isso não se
reconhecem no patrimônio construído, tão pouco valorizando, o que leva ao processo de
degradação dos monumentos.
Portanto, a percepção do patrimônio como ferramenta para desenvolver a autoestima e
estimular a cidadania reflete na educação do indivíduo, que retorna como agente
multiplicador das ações de preservação dos monumentos. É possível acompanhar todas as
atividades dos alunos através do site https://www.facebook.com/viver.patrimonio.
Corroborando Capistrano de Abreu[1] (1954, p. 10), o importante não é a coisa, mas o
espírito da coisa (...), ou seja, a essência dos monumentos que fascina o pesquisador é
também um dispositivo de sua própria conservação. Neste sentido o ‘VI-VER O
PATRIMÔNIO’ busca essa essência e dialoga nos moldes dessa sociedade líquida[3],
tecnológica, sem fronteiras, que precisa tirar os olhos da tela para ver a cidade e a vida. E
para isso: ‘VI-VER O PATRIMÔNIO’.
Referências.
[1]ABREU, C - Capítulos de História Colonial (1500-1800). Sociedade Capistrano de
Abreu, 1954.
[2]AMORIM, A. L. De - Documenting Heritage in Bahia: Brasil, Using Digital
Technologies. In XXI International CIPA Symposium, Athens.2007. Disponível em:
http://cipa.icomos.org/fileadmin/papers/Athens2007/FP013.pdf Acesso em: 03 de novembro
de 2011.
[3]BAUMAN, Z - Modernidade Líquida. Zahar, Rio de Janeiro, 2007.
[4]BERGSON, H - Matéria e memória. Martins Fontes, São Paulo, 1999.
[6]LEÃO, E. A Percepção do tempo sobre a Igreja de Santo Antônio da Mouraria,
Salvador-Ba. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal da
Bahia. Salvador, em andamento.
[7]OLIVEIRA, M. M. de. Tecnologia da conservação e da restauração: materiais e
estruturas: um roteiro de estudos. Salvador: EDUFBA, 2006.
[8]RIEGL, A. O culto moderno dos monumentos sua essência e sua gênese. Editora da
Universidade Católica de Goiás, Goiânia:, 2006.
[9]RUSKIN, J. A Lâmpada da Memória. Apresentação, Tradução e Notas Odete Dourado.
Publicações Pretextos n.2,1996
[10]VIOLLET-LE-DUC, E. E. Restauro. Apresentação, Tradução e Notas Odete Dourado.
Publicações Pretextos n.3,1996.
Anexo A
Parecer do IPHAN sobre os azulejos da Igreja da Mouraria, em 2003
Anexo B
Ata da 1ª Conferência Vicentina na Bahia e a presença de seus fundadores, a
saber: o Dr. Antônio de Lacerda, eleito Presidente da Irmandade, o Dr. Manoel
Victorino Pereira, como 1º Vice Presidente e o Dr. Guilherme Studart, como 2º Vice
Presidente.
Anexo C
CARTAS-CIRCULARES COM PEDIDO DE DOAÇÕES - SSVP