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IV CONGRESSO DE HISTORIA NACIONAL

RIO DE JANEIRO
Primeira Secção - Historio Geral

TESE 111

A Expedição de 1501-1502
- e
Amerigo Vespucci
POR

THOMAZ OSCAR MARCONDES DE SOUZA

COM PARECER

DO

PROFESSOR DAMIÃO PERES


REFUTADO

PELO AUTOR DA TESE

-
SÃO PAULO • 1949
IV CONGRESSO DE HISTORIA NACIONAL
RIO DE JANEIRO
Primeira Secção - Historio Geral

TESE 111

A Expedição de 1501-1502
e
Amerigo Vespucci
POR

THOMAZ OSCAR MARCONDES DE SOUZA

COM PARECER
DO

PROFESSOR DAMIÃO PERES


REFUTADO
PELO AUTOR DA TESE

ENDEREÇO

T-HOMAZ OSCAR MARCONDES DE SOUZA


RUA GENERAL FONSECA TELES , 582
SÃO PAULO - 1949
SÃO PAULO - BRASIL
Explicação N ecessaria
A tese que vão le'r, nós a escrevemos para o IV Congresso dr
Historia Nacional, afim de ser estudada. e julgada, com. isenção ds
animo, por historiadores brasileiros, de vez que esse nosso trabalho
põe em :t;eque a uaidade nacional dos historiadores portugueses.
!
Acontece que no referido congresso realizado em abril do corrente
ano no Rio de Jandro, algumas de szws comissões j-ulgadoras, justa -
mente as mais importantes, foram integradas p01· intelectuais portu-
gueses, e a nossa tese foi entregue ao professor Damião Peres, da
Universidade de Coimbra., para sobre ela. se 1tta11ifestar.

Tudo, como se vê, aconselhrwa o referido professor a que, num


gesto elegante c louVQ"t.Jel, aprese·ntado um pretexto qualquer, recusasse
a se pronunciar sobre o merito do nosso trabalho. Mas tal não acoJ•t-
tPceu.. Irritado com a conclusão a que chega a ·nossa tese, que coloca
I·' espucci nmn plano ele'Vado entre a 1n(!:J'uja da frota portuguesa que
em 1501-1502 explorou o nosso litoral, deu, D.amião Peres um parecer
sobre o nosso_ trabalho que classifíca.I!J-oos de deselega.nte e faccioso.

Diante desses fatos, resolvemos refutar a critica do professor Peres


e tudo publicar neste opuswlo, afim de que os Ú1teressados possam,
c01n pleno conhecimento de causa, dar a razão a. quem de direito.

São Paulo, maio de 1949.

THOMAZ OscAR ~1ARCONDgs m: SouzA.


A Expedição de 1501-1502
e
Amerigo V espucci
O unico cronista portugues que dá noticia do envio, pelo rei D .
.:\!anue!, de uma expedição exploradora ao litoral brasileiro em 1501,
é Antonio Galvão na sua obra publicada em Lisboa em 1563 sob o
titulo: - "Tratado dos Descobrimentos". A passagem do livro de
Galvão fazendo referencia á expedição ora em estudo é muito sucinta
e diz: ''Neste mesmo anno ele SOl e mês de Mayo parti rã tres nauios
da cidade de Lixboa por mando dei Rey dom Manuel, a descobrir
ha costa elo Brasil, e foram a ver vista das Canarias, e da hi o cabo
Verde, tomarã refresco em Beziguiche, passada a linha da parte do
sul, foram tomar terra no Brasil em cinco graus daltura, e forã por
ella ate trinta e dous pouco mais ou menos, segundo sua cõta, donde
se tornaram no mes de Abril por auer já lá frio, e tormenta, poseram
neste descobrimento e viagê quinze meses, por tornarem a Lixboa
na entrada de Setembro" ( 1). Como é facil verificar, Antonio Galvão
deu esta sumaria nota de viagem da expedição de 1501, tomando-a
ou da carta llifundrus N ovus ou da Quattwr N avigatio1ies.
O silencio dos demais cronistas portugueses, tais como Castanheda,
João de Barros, Damião de Goes, Gaspar Correa, J eronimo Osorio
e outros sobre a expedição de 1501, bem assim a falta de qualquer
documento nos arquivos portugueses provando a passagem de Vespucci

(I) Antonio Galvão- "Tratado áos Descobrimentos", 3.• edição. Porto,


1944, paginas 150 e 151.
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por Portugal, levou o Visconde de Santarem a escrever a 15 de julho e no primeiro ano nada pagam, no segundo um sexto, no terceiro um
de 1826 a famosa carta a Navarrete, onde há este topico: "Nem nas quarto, e fazem conta de trazer pau brasil e escravos, e talvez achem
chancelarias originais dei rei D. Manuel desde 1495 a 1503 inclusive, outras coisas de proveito".
nem nos 82.902 documentos do corpo cronologico, nem nos 6.095 Na carta que Giovanni da Empoli escreveu de Lisboa em 16 de
do corpo das gavetas, nem nos numerosos maços das cartas missivas setembro de 1504 a seu pae residente em Florença, narrando a sua
dos reis e outras personagens aparece em documento algum o nome viagem á India com Afonso de Albuquerque, documento esse arqui-
de Vespucci" (2). vado na Biblioteca Nacional de Florença, Codice Magliabecchiano, há
Porém hoje em dia com as pesquisas feitas nos arquivos europeus, uma passagem que diz : . . . {{e dessa partiti et navichando pure in
notadamente nos italianos, por ocasião da comemoração do quarto decta volta, ci trovanw tanto avanti come la terra della V era Crocil',
centenario do descobrimento da America, de que resultou virem á e Si nomata, altra volta dischoperta per Amerigho Vespucci, nella
luz preciosos documentos que provam de modo irrefutavel as viagens quali si f a buona somma di chassia et di verzino ", etc. ( 4). Isto é :
de Vespucci ao Novo Mundo e, particularizando, ao Brasil, todos os ... "e partindo d'aí e navegando na dita volta, nos achamos tanto
argumentos de que se serviu Santarem para negar as viagens do Flo- avante com a terra de Vera Cruz, assim chamada, em tempo desco-
rentino, esboroaram-se como um castelo de cartas. berta por Anl)!rigo Vespucci, na qual se faz boa soma de canafistula
Das viagens atribuídas a Vespucci, a mais comprovada de todas e pau-brasil", etc.
como passamos a demonstrar, é justamente aquela ao Brasil em Como acabamos de ver, existem dois documentos de indiscutível
1501-1502. valor, fazendo claras alusões á viagem de Vespucci ao Brasil, porém
Piero Rondinelli escrevendo de Sevilha para Florença em 3 de sem precisar a data da mesma. Mas o Florentino na carta a Lourenço
Outubro de 1502, dando noticia da chegada de navios que tinham ido de Pier Francisco de Medici, expedida de Cabo Verde a 4 de junho
á India, documento este existente na Biblioteca Riccardia.na de Flo- de 1501, esclarece que a partida da expedição foi de Lisboa, a 13 de
rença, diz: "Amerigho Vespucci arem qui fra pochi di. el quale à maio desse ano.
durato asai fatiche e à'uto pocho profitto, che pure meritava altro Em 12 de outubro de 1502, Pietro Pasqualigo, embaixador de
che l' ordz:ne: é r e di Portoghallo arendà !e ter r e che lzPi dischoperse Veneza, na Espanha, enviou á Senhoria uma carta sumariando noti-
11 certi Christiani nuovi, e sono obrighati a mandare ongni anno 6 cias que lhe foram transmitidas por Giovanni Francesco Affaitato, em
navili e dischoprire ongni anno 300 leghe avanti, e fare una forteza .:arta expedida de Lisboa em 10 de setembro desse mesmo ano.
nel dischoperto e mantenella detti 3 amzi, e'l primo anno non pa- Nesse despacho de Pasqualigo há um topico que diz: ... "le carovalc,
ghano nulla, e'l secando el 1/6, el ter:::o el 1/4, e fanno chonto di mandate l'anno passà a Slcoprir la terra di Papagá o ver di Santa
portare ver:::ino asai e schiavi, e forse vi troveran11o chose d'altro pro- Croce, a 22 lttio erano ritornate; e il capetaneo referiva aver scoperto
fitto (3). Isto é: "Amerigo Vespucci estará aqui dentro em poucos piu ~e 2500 mia di costa nova., rte m.ai aver trovato fin de ditta
dias, o qual suportou bastantes fadigas e teve pouco proveito, pois L·osta" (5). Isto é: ... "as caravelas, mandadas no ano passado a
merecia mais que a ordem; e o rei de Portugal arrendou a terra que descobrir a terra dos papagaios ou de Santa Cruz, a 22 de julho
ele descobriu a certos cristãos novos que são obrigados a mandar cada tinham tornado; e o capitão referia ter descoberto mais de 2500 millns
ano 6 navios para descobrir cada ano 300 leguas além e a construir de costa nova, e não ter nunca achado o fim dela".
uma fortaleza no ( territorio) descoberto e mante-la nos ditos 3 anos; Assim, pois, a carta de Pasqualigo á Senhoria de Veneza, con-
firma plenamente a de Vespucci ao Medici, isto é, a partida em 1501
(2) Navarrete, "C olcccion de /os 'i.'Íages y descubrimcntos .., etc., edição
argentina, volume III, paginas 309 a 314. (4) '' Raccolta Colombiana", parte III, volume I, paginas 180 e 181.
(3) "Rtucolta Co!o:nbiaua ", parte III, volume II. paginas 120 e 121. (5) "Raccolta Colombiana", parte III, volume I, pagina 91.
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de uma expedição portuguesa encarregada de explorar o litoral bra- cabo e11 8°, haciendo yo cartas en su casa",· )I despues de sus dias lo
sileiro na qual tinha este navegante e cosmografo tomado parte. mismo he hecho. Y au11que Andres de lvf orales diga lo contrm-io y diga
S~bem porém de importancia para provar ter Vespucci partici- que fué á descobrir por e! Rey de Portugal, no creo )'O que si él lo
pado em 1501 da expedição portuguesa ao Brasil, os fatos ocorrid~ hi'Ciera maliciosame11te, que me lo mandara á mí poner estando t>n
na reunião havida em Sevilha a 13 de novembro de 1515, dos quais Castilla" (6).
nos dão noticia os documentos existentes na Casa de la Contrataciou Quanto a cartografia, temos o planisferio de Cantino que, como
dessa cidade, publicados por Mufioz e depois por Navarrete. Nessa sabemos foi desenhado em 1502 em Lisboa e por cartografo portugues,
junta não tiveram assento pessoas obscuras, rudes marinheiros, como presumidamente oficial, como diz Duarte Leite (7). Esse mapa qut
ocorreu no celebre processo conhecido por Pleitos de Colon - Pro- foi o primeiro a ser desenhado após o descobrimento do Brasil por
banzas del Fiscal. Tomaram patte nela os mais famosos pilotos da Cabral. evidencia que, depois do feito deste capitão, houve uma via-
Espanha e aí se cuidou de estudar o melhor meio de ser estabelecidr gem de exploração do litoral brasileiro por frota portuguesa, desd~
a linha de demarcação, de que cogitava o Tratado de Tordesillas. um ponto denominado cabo de S. f orge, que ora identificam com o
Vindo á balha a questão referente á posição geografica do cabo cabo de S. Agostinho, até o de Santa Marta que está aproximada-
de S. Agostinho, foi por Sebastião Caboto, piloto mór da Espanha. mente a 26 graus de latitude sul.
declarado: "Que hasta verse el dicho cabo ele S. Agustin, é cor- Á vista do que até agora temos exposto, podemos afirmar que
rerse la costa hasta los términos que estan limitados por el Rey Vespucci partiu de Lisboa em 1501 com uma expedição portuguesa
nuestro Sefior y el Rey de Portugal no se puede determinar co<>a que ia explorar o litoral brasileiro, e que dessa viagem regressou
ninguna que bien determinada sea, si no se da. crédt~to à una. llave- em 1502.
gacion que A•nérigo, que haya gloria, hi::o, que dicc que partió de O estudo das viagens do Florentino constitue uma serie de in-
la isla de Santiago, que es á cabo Ve-rde al poniente al susudueste tricados problemas a serem resolvidos, devido ás inumeras contro-
450 leguas, é dice asi: que hallándose em. 8°, pudiendo po11cr por 1'1 versias que sobre elas existem. Com referencia áquela de que ora
ueste la proa, que se habrá doblado el cabo. Lo cual creo ser asi, nos ocupamos, importa considerar: qual tenha sido o seu comandant~;
por cuanto el mismo lo tomó el altura en el clicho cabo, y era si teve ou não cunho oficial; qual a extensão do litoral atlantico da
'hombre bien experto en las alturas". João Vespucci. sobrinho America do Sul por ela percorrido; que papel nela representou Vespucci.
de Amerigo, disse o seguinte: ''Digo que el cabo ele S. Agustin esta Tratando-se do nome do comandante, nada de positivo se sabe,
go de la linea equinocial hácia el sur . . . é esto lo digo por dicho dr apesar das mais acuradas investigações até hoje feitas. Os panegi-
Amérigo Vespucii ... que fué aJlá dos viages al dicho cabo. é a/li ristas de Vespucci apontam-no como o comandante. Capistrano de
tomó el altura tn.uchas veces, é desta tengo escritura de su maJLo fwo- Abreu é de opinião que foi André Gonçalves. Varnhagen crê que
pia, cada dia por qtté derrota iha, é cu.ántas leguas hacia,· é dice qw tenha sido D. Nuno Manuel. Outros indicam Gonçalo Coelho ou
se corren con la isla de Santiago, nornordeste sli.rsudttestc, é hoy Gaspar de Lemos. Nós não temos a pretensão de poder indicar
..f-20 leguas. Así que, sefiores, si S. A. quiere, por este dicho Ô.\: um nome para o comandante dessa expedição, e defender de modo
Amérigo se podrá averiguar; é si no hay otro remedio. que S. !\... convincente essa nossa optmao. M·as conjeturas por conjeturas, não
arme una carabela é otra el Rey de Portugal, é que se envie á ver deixa de ter cabimento ter sido o comandante quem levou a boa nova
lo cierto''. Nufio Garcia declarou: "qur se debe dar crédito á Anw- do descobrimento e quem conhecia o caminho de ida e volta, isto é.
rigo . . . cl cual fué aJ cabo de S. Agustin, y tol/lÓ su derrota desde Gaspar de Lemos.
la isla de Santiago, que es al occidente dcl cabo Verde al sursudues!r
400 leguas y I lUIS 50: y me deci-a muchas reces que podia poner el (6) Navarrete, obra citada, edição argentina, volume III, paginas 31? e 320.
(7) "Historia diJ Co/onÍ.Ifaçiio Portuguesa do Brasil", volume II, pag1na 426.
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O professor Duarte Leite é de opinião que a expedição de 1501-1502 minava em 1505 (9), segue-se que esse contrato só poderia ter sido
não foi estipendiada pelo Governo Portugues, mas sim pelo banqueiro assinado nos ultimos meses de 1502. Acresce esta circunstancia. Não
florentino residente em Lisboa de nome Bartolomeu Marchioni, de é admissivel que Noronha e os cristãos novos assinassem o contrato
parceria com os judeus conversos, da qual o comando foi confiado a de arrendamento da "'Derra dos Papagaios", submetendo-se ás clau-
Fernão de Noronha. Para chegar a essa conclusão, o referido professor sulas de grande responsabilidades que conhecemos, sem que previ:t-
luso entende que se deve ler Quaresma. o nome da ilha Anaresma assi- mente tivessem noticias· seguras dessa região e do que nela podiam
nalada á cerca de 9 graus de latitude sul, no planisferio de Cantino. explorar com o objetivo de lucros. Portanto, só depois do retorno
Após esse conc~ito, procura identificar a ilha em apreço com a atual da expedição de 1501-1502 da qual tinha Vespucci participado, é
Fernão de Noronha, e, desse modo, atribue a sua descoberta á expe- que o contrato foi firmado entre as partes interessadas, e só depois
dição de Noronha que, de torna viagem a Lisboa, teria avistad0 essa disso é que Noronha partiu para o Brasil.
ilha nos ultimas dias da quaresma de 1502 (8). Tudo induz a admitir que a expedição de Noronha zarpou de
Mas a ilha Fernão de Noronha está a 3 graus e 50 minutos de Lisboa no começo de 1503 para a "Terra de Santa Cruz", pois o~
latitude sul e a Anaresma a 9 graus; aquela afastada do litoral brasi- ultimos meses do ano de 1502 eram improprios para uma navegaçfi.o
leiro 60 leguas, e esta quasi o dobro, isto é, 104 leguas. Ora, como e essa região, visto que, como diz Duarte Leite, "a experiencia por-
não é admissivel em hipotese alguma que os pilotos portugueses, no tuguesa da travessia atlantica recomenda seu começo no decurso do
dizer de Duarte Leite, "os mais peritos de quantos então sulcavam os primeiro semestre; e neste período partiram todas as armadas ela India.
mares", tivessem fornecido dados tão errados ao cartografo que de- ás quais o "Esmeralda" aconselha o primeiro trimestre, dando pre-
senhou o mapa de Cantino, somos pr:opensos a admitir que se trata ferencia a fevereiro" ( 10). E' bem prova vel, pois, que Fernão de
de uma ilha imaginaria, pois convem pôr aqui em relevo que, exclusão Noronha tendo partido para o Brasil, no decurso do primeiro semestre
feita do planisferio de Cantino, ne11hum dos mapas portugueses ot' de de 1503, tenha a 24 de junho desse ano descoberto a ilha de S. João,
prototipos portugueses desenhados antes de 1503 (Kunstmann 11 e 111 hoje Fernão de Noronha, que lhe foi doada a 16 de janeiro de 1501.
e de Hamy), que é o da descoberta da ilha de Fernão de Noronha, com a declaração de que a tinha descoberto recentemente ( 11).
traz esta ilha ou nome que foi eliminado no mapa de Canerio que, As noticias que então tinham, principalmente em Portugal, da
como sabemos, é uma copia melhorada do planisferio de Cantino, quiçá terra achada por Cabral, não eram animadoras. Os seus habitantes
obra do mesmo cartografo. eram selvagens que viviam completamente nús, alguns até antropofa-
Nós sabemos pelo relatorio de Lunardo de Ca'Masser, escrito gos. Quanto á existenca de metais, preciosos ou não, nenhum sinal.
de 1506 a 1507, cujo texto e tradução se encontram no volume da Abundancia só de pau-brasil, papagaios e macacos. Assim sendo.
Academia elas Ciencias de Lisboa, comemorativo do quarto centenario achamos muito difícil que Bartolomeu Marchioni ( 12). que tinha nessa
do descobrimento ela America, que Fernão de Noronha era concessio- ocasião toda a sua atenção YO)tada para os magnos problemas rela-
nario e associado de cristãos novos que arrendaram a "Terra de Santa cionados com o comercio das especiarias e drogas do Oriente, fosse
Cruz ". Por outro lado, pela carta que Piero Rondinelli enviou de
(9) Arquivo da Torre do Tombo - '· Clumcclaria de D. Manucf"", livro
Sevilha a Florença em 3 de outubro de 1502, iica evidenciado que XXII, folhas 25.
esse arrendamento foi pelo prazo de tres anos. Como D. Manuel :to ( 10) "Duarte i' a< lz co r o Bra-sil"', no '· J ornai do Commez-cio ·· rlc
conceder a 6 de outubro de 1503 certos previlegios a mercadores ale- Rio de Janeiro. 7 e 14 de julho de 1929.
(11) '• Alyuns ]}ocumnztos da To·rrc do Tombo". Lishoa, 1892, pagina 460.
mães, diz que o contrato de arrendamento de Fernão de Noronha ter-
(12) Diz Jaime Cortesão c· Rt";Úta Portuqzu:sa ··. São Paulo. 1930. tomo I,
fasciculo J) : '·O grande conselheiro e auxiliar financeiro da empresa das
(8) ··O mais antiyo mapa do Hrusil"". na '· Historia da Colonização Por- descobrimento, ~ da organização do comercio da India. durante o~ reinados rk
tuguesa do Brasil··, volume li, paginas 253 a 255· e 275 a 279. D. João II e D. ~Ianuel. foi e floz·entino Bartolomeu Marchioui ··.
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desviar qualquer de seus navios que partiam para a India, de onde cobrir a nova terra" ( 14). Por sua vez Vespucci na carta que de
voltavam carregados de mercadorias, que valiam somas fabulosas, Cabo Verde enviou ao Medici em 4 de junho de 1501, declarou que:
para manda-los ao Brasil em busca de papagaios, macacos e pau-brasi!. ''fui chiamato, stando a Sibilia da! R e di Portogallo, e mi pregá che
mi disponesi a servillo per questo viaggio i nel quale mi imbarcai o
Após o descobrimento do Brasil por Cabral, não se conhece ne-
Lisbona" ... (15). Isto é ... "fui chamado, estando em Sevilha, pelo
nhum documento que, direta ou indiretamente, faça alusão a ter-se
rei de Portugal, e pediu-me que me dispusesse a servi-lo nesta Yiagem
Bartolomeu Marchioni associado a qualquer expedição etwiada ao
e para a qual me embarquei em Lisboa" ...
Brasil antes daquela da nau Bretôa, armada por ele, Benedito Moreli,
Todas essas citações poderão ter pouco valor para se poder afir-
Francisco Martins e Fernão de Noronha, a qual partiu de Lisboa a
mar ter D. Manuel mandado em 1501 uma expedição para explorar
22 de fevereiro de 1511 para a "terra do brasil". Mas nessa epoca,
o litoral brasileiro como aconselhava Cabral (16). Mas quando de-
esse modo de agir de Marchioni se justifica. O comercio das espe-
paramos com un1 documento, tal seja um ternw lavrado por tabelião
ciarias e drogas do ÜTiente, não mais constituía para ele uma especie
publico de Lisboa que declara por o seu sinal publico em testemunlõ.o
de monopolio, visto que D. Manuel tinha permitido que firmas alemã;;,
da verdade. não podemos deixar de reconhecer que ele tem valer
tais como as casas Függer, Welszer, Hockstetter, Hyrssfogel, Imhof,
irrestringivel para elucidar de uma vez por todas a questão em apreço.
etc., tambem armassem navios e os incorporassem ás armaclas que
Tal documento é um ato notarial de Valentim Fernandes, tabelião
partiam para a India, afim de trazerem aos mercados da Europa
publico de Lisboa, lavrado em 20 de maio de 1503, para acompanlnr
as preciosas mercadorias dessa região asiatica.
a imagem de um tupí e a pele de um jacaré, enviados a Bruges po!"
Até aqui, temo-nos limitado a contestar ter sido a expedição cl~ um mercador flamengo, ato esse cujo original em latim pertence ao
1501 estipendiada por Marchioni de pareceria com judeus converso" celebre Codice de Conrado Peutinger da Biblioteca de Stuttgart. Desse
e comandacla por Fernão de Noronha. Vejamos agora si ela parti~! docwnento consta a descrição da viagem de Cabral ao Brasil e há
Q mando de D. Manuel, portanto á custa da Corôa.
uma passagem referente á expedição portuguesa enviacla ao nosso
Pedro Martir de Angleria diz que Vespucci: "navego•u até o país em 1501 a qual diz: "Passados dois anos, tt-m-lz outra armada
Antartico, muitos grau.<j além da linha equinocial, com os auspicios e do mesmo cristianissitno rei, destinada a esse fim, tendo seguido a
esti.pendios dos portugueses" ( 13). Giovanni Matteo Cretico, nuncio litoral daquela terra por quase 760 leguas, encontrou nos povos u111a
de Veneza em Lisboa, na descrição que fez d~ viagem de Cabral ao só lingua, batisou a muitos e, avançando para o sul chegou até á
Brasil e á India, mais conhecida por "Relação do Piloto Anonimo", altura do polo antartico, a 53 graus, e tendo encontrado grandes frios
enviada por Trevisan, secretario da embaixada yeneziana na Espanh~{, no nUir 'l!Oltou á patria". E depois de algumas outras palavras, vem
ao almirante Domenico Malepiero, diz que de volta de Calicute par'! o fecho desse documento que diz: ".E eu Valentim Fernandes da
Portugal, a frota de Cabral encontrou-se em Cabo Verde com tres Moravia, tabelião publico por ordem do mesmo rei de Portugal, li n
navios que o rei D. Manuel mandava para explorar o litOf"al brasileiro.
São estas as palavras textuais desse topico da "Relação do Piloto (14) '' Paesi Nottamente retrouati e Novo Mondo da Alberico Vesputio
Florr11tino intitulato ". Edição fascimilar daquela de 1508, feita pela Princeton
Anonimo"; "Chegamos ao cabo de Boa Esperança no dia de pascoa University, 1916, pagina 99
florida e daí fez bom tempo com o qual atravessG!Inos e viemos á (15) Henry Vignaud, "Ame ric Vespuce ", Paris, 1917, pagina 403.
~rimeira terra junta com o Cabo Verde, em Besenegue, e aí encon- (16) "E perguntou (Cabral) a todos se nos parecia bem mandar a nova
do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para
lramos com tres navios que o nosso rei de Porhtgal numdava a des- melhor a mandar descobrir e saber dela mais do q1~e nós agora podiamos saber,
por irmos de nossa viagem. E entre muitas falas que no caso se fizeram, fvi
(13) "De O,.'be NO"Vo" (Décadas dei Nuevo Mondo"), Buenos Aires, 1944. por todos ou a maior parte dito que seria bem ". (Carta de Pero Vaz de
Canúnha a D. Manuel, folha 6).
década li, livro X, capitulo I, pagina 189.
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carta presente dia.nte da regia nw-jestadc, dos seus barões, suprem!Js a 20 de janeiro na ilha de S. Sebastião
capitães e pilotos ou governado-res dos seus nafl!Íos da supracitada a 22 de janeiro no porto de S. Vicente.
terra dos antipodas com o novo nome de Terra de Santa Cruz e todos Henry Harrisse (19) apresenta uma outra relação de nomes,
unanimemente a confirm~ram e eu coligi tudo isto dum livro escrito que damos a seguir, indicando os antigos mapas onde os colheu e
por mim, mediante a narração de dois homens da terra acima refe- declarando que eles provêm de uma unica viagem, da expedição de
rida, e abau:o assinados, que durante 20 meses lá 1rnoraram e afirmo 1501 de q u~. participou V espucci. Tais nomes são os seguintes :
que tudo é verdadeiro pelo que vi e me relataram. Em testemtmho
S. Roxho ou S. Roque (Canerio, Waldseemüller)
do que apanho aqui o meu sinal publico, a 20 de maio de 1503, Pvr
16 de agosto
assim o ter escrito acima. Valentim, Fernandes esta carta em verdadtJ ',
Rio de S. Lena ou S. Helena ( Canerio, \iV aldseemüller)
etc. ( 17).
18 de agosto
Segundo as cartas que de Cabo Verde e ele Lisboa, escreveu Rio de S. Augustin (Canerio, Waldseemüller, Schoner)
Vespucci a Lourenço ele Pier Francisco de Medici, respectivamente 28 de agosto
em 1501 e 1502, a expedição partiu de Lisboa a 13 de maio de 1501, Rio de S. f aci.nto ou I acinctus o martyr ( Schoner)
e, após 64 dias ele navegação, com parada em Cabo Verde para abast~­ 11 de setembro
cimento, chegou a um ponto elo litoral brasileiro de . onde rum ou para San Miguel (Cantino, Canerio, Waldseemüller, Schoner)
sudoeste acompanhando a costa, correndo cerca de 800 leguas e atin- 24 de setembro
gindo 50 graus ele latitude sul, de onde voltou para Portugal devido R. de S. Ieronymo (Canerio, Schoner)
ao intenso frio. 30 de setembro
Varnhagen (18) diz que o chefe da expedição, "com o calen- R. de S. Francisco (Cantino, Waldseemüller, Schoner)
dario na mão, foi sucessivamente batizando as diferentes paragens 4 de outubro
da costa, designando á posteridade o dia em que a elas aportava, do R. d'Virgine ou 11.000 Virgens (Canerio, Schoner)
modo seguinte" : 21 de outubro
a 28 ele agosto no cabo de S. Agostinho R. de S.-Lwcia (Canerio, Ruysch, Waldseemüller, Schoner)
a 29 de setembro no rio de São Miguel 13 de dezembro
a 30 de setembro no rio de São J eronimo Serra de S. Thoma (Canerio, vValdseemüller, Schoner)
a 4 de outubro no rio de São Francisco 21 de dezembro
a 21 de outubro no rio das Virgens Baia de Reis ou Epifania ( Canerio, Ruysch, Schoner)
a 1 de novembro na bahia de Todos os Santos 6 de janeiro
a 13 de dezembro no rio Santa Luzia R. de S. Antonio (Canerio, Ruysch, Waldseemüller, Schoner)
a 21 de dezembro no cabo de São Thomé 7 de janeiro
a 25 de dezembro na bahia do Salvador P. de S. Sebastian (Canerio, Waldseemüller, Schoner)
a 1 de janeiro no rio de Janeiro 20 de janeiro
a 6 de janeiro na Angra dos Reis P. de S. Vicente (Canerio, Ruysch, \iValdseemüller, Schoner)
22 de janeiro.
(17) A. Fontoura da Costa-" Cartas das Ilhas de Cabo Verde de Valeutiu1
Feruandcs", Lisboa, 1939, paginas 91 a %. De acordo com Varnhagen e Harrisse, quanto a ter a expediçãc
(18) "Historia Geral do Brasil". 3.a edição, Companhia Melhoramento>
de S. Paulo. volume I, paginas 93 e 9-l. (19) .. The D'iscovery of N orth Amcrica ", Paris, 1892, pagina 335.
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de 1501 batizado as diferentes paragens da costa de conformidade com austriacuno''. Isto é: '· N avegantes portugueses observaram esta par-
o calendario, estão Peschel, Sophus Ruge, Fiske, Luigi Hugues, Gal- te desta terra e chegaram até a elevação de 50 graus do polo antar-
lois, etc., ao passo que Duarte Leite (20) é de parecer que as datas tico, sem chegar ao seu fim meridional". Nos globos de Lenox de
não correspondem ás descobertas. 1510, de Bernardo Silvano (Ptolomeu de 1511), e de Strobnicza de
Na nossa opinião, a nomenclatura do mapa de Canerio representa 1512, a costa ultrapassa 40 graus de latitude sul porém sem nenhum
o resultado da exploração feita pela expedição de 1501. Si existem nome.
alguns nomes que parecem intercalados, dando-nos a ideia da vinda, Todavia, a ausenc1a ele nomenclatura além de Cananéa, em dire-
quiçá, de uma expedição anterior áquela de que participou Vespucci, ção ao sul, não é elemento suficiente para se negar ter a expedição
isso se explica facilmente. Os navios, devido provavelmente a mu- de 1501, da qual participou Vespucci, atingindo 50 graus. Devemo:::
dança ou velocidade dos ventos, a temporais e outras causas, nem ter em mente que a linha ele demarcação que passava na embocadurc,
sempre navegavam juntos, mas distanciados uns dos outros, de modo do Amazonas, segundo o mapa de Diogo Ribeiro de 1529, tambem
que cada um ia denominando os lugares por sua conta. Assim, por cortava a entrada do estuario do Rio da Prata, a 35 graus de latitude
exemplo, um navio navegando na frente teria descoberto a 30 de sul. Isto explica porque os primeiros mapas portugueses e de origem
setembro um rio que batizou S. f erônimo e, um outro que tinha ficado portuguesa, não vão além de Cananéa. E' que apesar de Vespucc:
atraz alguns dias de viagem, teria a 4 ele outubro denominado esse ter explorado a costa muito mais ao sul desse porto, o Governo Por-
.mesmo rio São Francisco. Depois ao serem recolhidas de cada capitão tugues tinha naturalmente o mais vivo interesse em ocultar que a
ele navio as informações para o desenho dos mapas, elas se embara- costa se prolongava em direção a sudoeste, o que dava direito á Es-
lharam e nomes foram sobrepostos. panha, pelo Tratado ele Tordesillas, de reivindicar esse trecho de terra
Os mapas ele Canerio, Kunstmann II e III, \iValdseemüller ele firme, que mais tarde Magalhães verificou que não era pequeno.
1507 e Ruysch de 1508, indicam pelas nomenclaturas. que a expe- Como já referimos, em Cananéa termina a nomenclatura dos
dição foi até Cancmor, mais tarde mudado para Cananéa, posição esta mapas de Canerio, Kunstmann II e III, \i\Taldseemüller de 1513. Mas
situada aproximadamente a 25 graus de latitude sul, sendo provavel no do cartografo portugues de nome Reinei, a serviço da Espanha,
que os elementos para o desenho desses mapas foram colhidos entre desenhado mais ou menos em 1516, e no Padron Real de 1523 at:·i-
pilotos portugueses. Mas, no referido planisferio de W aldseemüller
buido ao sobrinho de Amerigo, de nome João Vespucci, existente na
de 1507, a costa apesar de não ter nomenclatura vae além de Ca.nanor,
Biblioteca Real de Turim, além de Cananéa existem, diversos nomes,
ultrapassa 40 graus até cerca de 50 de latitude sul, com uma confi-
todos ele origem portuguesa, sendo que no mapa de Reine! termina a
guração aproximada da realidade. Na dissertação que o monge Marco
nomenclatura com o cabo de S. Maria no estuario elo Rio da Prata,
Beneventano acrescenta ao Ptolomeu de 1508, diz que a "Terra de
ao passo que no Padron Real vae além, indicando o resultado da
Santa Cruz" vae-se estreitando até 37 graus de latitude austral e que
a percorreram até 50 graus. No mapa de Ruysch elo mesmo Ptolomel!, expedição de Fernão de Magalhães até o estreito. "Mutatis mutandi~··,
numa legenda na costa elo Brasil, abaixo na Cananéa, se lê: "N autc a nomenclatura do mapa de Reine! é reproduzida no de 1523, o qut:
lusitani partem hanc terre hui1H observarunt et usque ad elevati:Onern evidencia que os dois cartografos, pelo menos no trecho compreendido
poli antartici 50 graduum pervcnerunt, nondun-z, tamen ad ejus finem entre Cananéa e o estuario do Rio da Prata, obtiveram os dados n:,
mesma fonte. Como, exceção feita da expedição de Fernão de Noronha
(20) "O maris antigo mapa do Brasil", na •· Historia da Colonização Por-
tuguesa do Brasil", volume II, paginas 269 a 275. ao Brasil em 1503-1504. que não atingiu altas latitudes sul, não se
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tem noticia segura (21) de qualquer outra portuguesa ou mesmo tudes? Si Magalhães não estivesse convencido que, efetivamente Ves-
espanhola ao sul, antes da de Solis de 1515, é admissivel que esses pucci tinha ido, pelo menos, até 50 graus ele latitude sul, teria a isso
cartografos tenham colhido os elementos para a nomenclatura de seus feito alusão?
mapas, além de Cananéa, recorrendo a Vespucci ou alguem, que par- Lemos alhures que, devido aos rigores elo frio e á ausencia de
ticipou como ele, da expedição de 1501. qualquer riqueza, não é provavel que Vespucci tenha ido além de
No Padron Real de 1523, está assinalado pela primeira vez 0 Cananéa, atingindo uma alta latitude austral. Essa alegação não pro-
porto de S. lulião, cerca de 49 graus e 15 minutos de latitude sul. c.ede porque, justamente numa zona frigida como é a Groenlandia,
onde Magalhães passou o primeiro inverno na região antartica, send0 Terra do Lavrador, Terra Nova, e acljacencias, sem a menor aparen-
que do seu roteiro consta que esse porto está a 49 graus e 30 núnutos. cia de riqueza, Caboto, os Cortes Reais, Cartier, etc. realizaram nessa
No calendario, o dia de S. Ju.lião ocorre a 28 de feven:iro, ao passo epoca viagens de exploração.
que Magalhães entrou nesse porto a 31 ele janeiro. Por outro lado, Seja porém como fôr, a maior prova de que Vespucci com a
o nome S. lulião não estava em voga naquela epoca na península expedição de 1501 chegou a uma latitude muito mais ao sul ele Ca-
iberica, tanto assim que não o vemos em nenhum mapa desenhado nanéa, está no ato notarial do tabelião publico de Lisboa, Valentim
por cartografos portugueses ou espanhois. Como V espucci na expe- Fernandes, já por nós transcrito paginas atraz, onde se diz que ta1
dição de 1501 chegou a S. Vicente a 22 ele janeiro e a 24 em Cananéa expedição atingiu uma alta latitude austral, de onde voltou para Por-
tinha ele 35 dias para vencer ã distancia de 25 graus de latitude, que tugal devido ao intenso frio.
é a que separa Cananéa do porto de S. Julião. Na sua viagem ch Nós sabemos que os nronarcas portugueses, a começar por D. Diniz,
costa de Venezuela a Haiti, diz Vespucci que em 7 dias percorreu que contratou o genoves Emmanoel Pessagno e mais vinte oficiais da
120 leguas, ou 7 graus e 30 minutos, isto é, um grau por dia. Por- .J..-iguria para instrutores da marinha lusa, não só sempre aceitaram
tanto, navegando por dia pouco menos de 45 minutos 1 teria ele .a como até solicitaram a colaboração de estrangeiros para a realização
28 de fevereiro atingido o porto que denominou S. ]ulião, nome este de seus empreendimentos marítimos, o que em absoluto não pode
familiar aos florentinos e que Magalhães conservou. Devemos nos diminuir as legitimas glorias do Infante D. Henrique, ele Diogo de
lembrar que, quando este famoso navegante teve que enfrentar nes,;;e Azambuja, de Diogo Cão, de Fero de Alenquer, de Bartolomeu Dias,
porto a revolta chefiada por Cartagena, entre outros argwnentos de que de Vasco da Gama, e de tantos outros que levaram a mares desco-
lançou mão para obrigar a maruja a obedece-lo, disse que era neces- nhecidos a bandeira das cinco quinas.
sario, pelo menos ir tanto á frente, quanto tinha ido Amerigo Ves- V espucci antes de ser nomeado piloto-mór da Espanha, cargo de
pucci (22). ·grande responsabilidade, tinha o posto de capitão, como facil é verifi-
Porque, como diz Magnaghi (23), Magalhães não se recordou de car-se de varios documentos dos arquivos espanhois (24). Isso evi-
qualquer outro navegante, se outros tivessem atingido aquelas lati- dencia que ele tinha sido, pelo menos na Espanha, comandante de
navio, certamente na expedição de Hojeda. Os seus conhecimentos
(21) Discute-se ainda hoje, si realmente em 1514 uma expedição portu-
guesa composta de 2 navios, a que faz referencia a "N e·wen Zayftmg auss Pessillg de cosmografia e nautica são atestados por seus contemporaneos.
Landt", tenha ido até a fóz do Rio da Prata. Mas admitindo-se que a viagem Pedro Martir ele Angleria escreveu que: "I oão V e'spucci, florenti.no,
a que se refere a "N ewen Za3•t1lng auss Pessillg Landt" se· tenha realizado,
seria dificil a Reinei então a serviço da Espanha, obter minuciosas informações sobrinho de Amerigo Vespucci, acima citado, a quern seu tio lhe deixou
sobre o percurso por ela feito e os pontos em que tocou, de modo a tudo em herança a perióa da arte de navegar e de calcular os gmus'~ (25).
assinalar no seu referido mapa desenhado em 1516.
(22) Fernando Lopes de Gomara - "Historia General de las Indias ", (24) Navarrete, obra citada, edição argentina, vol. IJ:I, pags. 295, 296 e 303.
Saragossa, 1555, capitulo 92. (25) "De Orbe Novo" ("Décadas dei Nuevo Mondo"), Buenos Aires,
(23) "A111erigo Vesf>!lcci", studio critico. Roma, 1924, volume II, pag. 224. 1944; década II, livro VI, capitulo II, pagina 170.
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Sebastião Caboto, como já vimos, referindo-se a Vespucci, disse que elP


"era hombre bim experto en las alturas" (26).
Ora, o rei D. Manuel estando ao par da capacidade de Vespucci.
quiçá como diz Jaime Cortesão (27), por intermedio do rico mer-
cador florentino de Lisboa, Bartolomeu Marchioni, resolveu convida-lo
a participar da expedição que preparava para enviar ao Brasil, afim
de explorar o seu litoral. Vespucci aceitou o convite, e partiu com a
expedição. Mas no desempenho de que missão? Naturalmente n~
qualidade de cosmografo, ficando a seu cargo, entre outras causa<;,
determinar as posições geograficas, principalmente as latitudes, dos
pontos em que a mesma tocava. E si na expedição de Hojeda co-
mandou um navio, nada de admirar que nesta, a serviço do rei de
Parecer do Professor
Portugal, igual encargo lhe fosse cometido. Como força de expressi~', Damião Peres
Vespucci desempenhou na expedição de 1501-1502 as funções de
"consultor tecnico ". O escritor Thomaz Oscar Marcondes de Souza apresentou a·.'
IV Congresso de H isto ria N acionai um trabalho intitulado a A expe-
S. Paulo, janeiro de 1949. dição de 1501-1502 e Antérico Vespucci". A este trabalho tem de
prestar-se a homenagem devida a todos os escritos que representam
THOMAZ OscAR MARCONDES DE SouzA. uma profunda convicção, embora se possa, e até se eleva, discorcbt
das doutrinas, como passamos a expor.
Começa o autor por afirmar que, de todas as viagens de Vespuc,·i,
a de 1501-1502 é "a mais comprovada ele todas"; e, dando a esta
afirmação o carater duma novidade (pois a faz seguir ela frase a como
passam,os a demonstrar")' aponta não só as afirmações coevas ce
Roncl.ineili, Empoli e Pasqualigo, mas ainda, em reforço, as de Sebas-
tião Caboto, João Vespucci e Juan Garcia expencliclas em 1515. Mais
adiante, e para demonstrar ter sido realmente feita pela expecl.içãe:
de 1501-1502 a larga excursão austral apontada na Letera vespucian<:,
acrescenta a esse acervo de citações uma parte ela certidão notarial de
Valentim Fernandes lavrada em 1503.
A mais suave observação que se pode fazer a esta parte do tr:t-
balho consiste em acentuar a sua inactualidade, e portanto a sua inuti-
lidade. Marcondes de Sousa pretendeu, afinal, apenas arrombar uma
porta aberta, pois já há mais de dez anos, um ilustre historiador por-
tugues, Jaime Cortesão, num capitulo do vol. 3. 0 da a Historia da ex-
(26) Navarrete, obra citada, edição argentina, volume III, pagina 319. pausão portuguesa no mundo", intitulado "Relações entre a geografia
(27) •· A Expedição de Pedro Alvares Cabral", Lisboa, 1922, pagina 187. e a historia do Brasil", reconheceu, com inteira isenção. a veridicidade
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dos rasgos essenciais e mais extraordinarios da narrativa de V espucci,
admitindo que a expedição de 1501-1502 alcançou as costas platinas eles frustes. Ao contrario, porém. Portugal di::--
da America, chegando ás altas latitudes austrais assinaladas po~ punha de cosmografos da categoria dum Duarte Pacheco, e dos aut.1 -
Vespucci. res de regimentos nauticos remontantes ao sect!lo XV e tradutores -k
Mais desagradavel de criticar é a parte da tese consagrada á melhor c mais proficiente saber astronomico; dispunha ele pilotos que
contestação da doutrina de Duarte Leite, expendida na "Historia dà bedoramente tinham estabelecido entre 1488 e 1497 - como teoric<J
Colonização Portuguesa do Brasil", relativamente ao descobrimento da praticamente demonstrou Gago Coutinho -aquela ousada rota pelo
ilha de Fernão de. Noronha em 1501-1502, pois aqui Marcondes de Atlantico suclocidental, para montar. após ter sulcado aguas brasilei-
Sousa não só comete um indesculpavel erro de leitura paleografica, ras Cabo ela Boa Esperança, pilotos tão numerosos que só na armada
lendo Anaresma onde está claramente Quaresma (termo este, aliás, de Cabral cleYiam ser perto ele trinta, entre efetiYos e substitutos. c
compreensível, enquanto aquele nada significa), mas estabelece uma entre os quais avultavam nomes celeberrimos que a historia regist 1 .
estranha confusão sobre a verdadeira intenção dos argumentos de Na hora em que Castela e a França disputavam a Portugal alguns
Duarte Leite, o qual não pretendeu antecipar para 1501-1502 uma desses argutos nautas, Portugal para nada precisava do incipiente saber
viagem de Fernão de Noronha em parceria com o banqueiro Mar- nautico ele Vespucci, ainda então bem mais agente comercial do que
chioni, distinto daquela em que tomou parte Vespucci, mas apenas conspícuo navegador. Da sua presença em navio portugues na armada
sustentar que o comando da expedição de 1501-1502, em que parti- de 1501-1502. não há que duYiclar; na sua firmeza de animo, poce
cipou Vespucci, foi exercido por Fernão de N aranha. ainda crer-se, mas dá-lo como recurso para aqueles que eram, afin::t!,
Este ultimo problema relaciona-se com o carater da expedição rle os seus proprios mestres, isso é inaceitavel á luz ela razão, inaceitavd
1501-1502, que Marcondes de Sousa apresenta como representativa de até á luz da mais elementar noção historiografica.
uma iniciativa exploradora tomada pelo rei D .. Manuel. A prov:-.
documental basta, realmente para aceitar-se ter havido uma determi- Rio ele Janeiro, 26 ele alJril de 1949.
nação regia; mas é mister ter presente que nenhuma navegação
mesmo custeada por particulares, se fazia sem autorização da Corôa, PROI~F.SSOR DA:>IJÃO PF.RF,S.

sendo facil em fontes narrativas - e dela poderiam apontar-se outr•)S


exemplos - a confusão entre ordem regia e consenso regia.
Mas a parte crucial do escrito de Marcondes de Sousa é a ultima,
pois tudo o mais se pode crer encaminhado ás derradeiras linha.·
aquelas em que escreveu: "como força de expressão, Vespucci desem-
penhou na expedição de 1501-1502 as funções de consultor tecnico.
Em primeiro lugar, talvez devesse observar-se, corretivamente,
que um historiador não deve afirmar, seja o que fôr. como força de
expressão. A força de expressão insinua; não afirma, nem conjectur?..
Está fora das construções historiograficas. Ainda se a insinuaçcio
tivesse ao menos sua logica, poderia com longanimidade tolerar-se; mas
nem logica tem, pois Vespucci, corno demonstrou Duarte Leite, come-
tia erros grosseiros de avaliação de latitude, na epoca em exame ;
talvez, anos depois, a pratica lhe melhorasse os conhecimentos, m::~s
Refutação do Parecer do
Professor Damião Peres
Examinemos agora, como merece, topico por topico, o parecc:·r
do ilustre professor da Universidade de Coimbra, Damião Peres, para
melhor aquilatarmos elos seus argumentos ao criticar a nossa tese.
Peres começa por dizer: a O escritor Thomaz Oscar Marcondes
de Souza apresentou ao IV Congresso ele Historia Nacional um tf'l-
balho intitulado a A expedição de 1501-1502 e Amerigo Vespucci".
A este trabalho tem de prestar-se a homenagem devida a todos r>s
esctitos que representem uma profunda convicção, embora se pos~a,
e até se deva, discordar das doutrinas, como passamos a expor".
Chama-nos Peres ele escritor. Não ha duvida que escritor é todo
o autor de composições !iterarias ou cientificas, mas no nosso caso,
tratando-se de uma tese destinada a um congresso de historia, devia o
yreclaro historiador portugues chamar-nos de historiador ou professor,
pois assim nos tratam Duarte Leite e Gago Coutinho, para só nos refe-
rirmos a intelectuais portugueses. Como muito bem sabe Peres, somos
crutores de tres livros e de varios trabalhos avulsos sobre a historia
dos de,;cobrimentos marítimos na parte que diz respeito ás A;rnerica<>,
tecebidos com aplausos na Argentina, Estados Unidos, Italia e Ingla-
terra. Fomos professor catedratico de geografia economica da Facul-
de Ciencias Economicas, anexa á Escola de Comercio "Alvares
Penteado... e no ano proximo findo, tivemos a subida honra de
ini trar aos alunos da Faculdade de Filo$ofia Ciencias e Letras da
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universidade de São Paulo, um curso de extensão sobre a histori:t elevado de historiadores portugueses que, a todo o momento, não perde
da geografia do Novo Mundo. Assim sendo, quer nos parecer que vasa para cobrir de apodos o Florentino.
temos as necessarias credenciais para que Peres, ao se referir á nossa
pessoa, proceda sempre elegantemente. *
* *
* Prossegue o erudito professor Damião Peres no seu parecer sobre
* * a nossa tese dizendo: "Mais adiante, e para demonstrar ter sido re2J-
Após esse topico, segue-se outro onde Peres diz : "Começa o mente feita pela expedição de 1501-1502 a larga excursão austral
autor por afirmar que, de todas as viagens de Vespucci, a de 1501-1502 apontada na Lettera vespucciana, acrescenta a esse acervo de citações
é a mais compro.vada de todas; e, dando a esta afirmativa o carater uma parte da certidão notarial de Valentim Fernandes lavrada em
duma novidade (pois a faz seguir da frase "~orno passamos a de- 1503. A mais suave observação que se póde fazer a esta parte do
monstrar"), aponta não só as afirmações coevas de Rondinelli, Em- trabalho consiste em acentuar a sua inatualidade, e portanto a sua
poli e Pasqualigo, mas ainda, em reforço, as de Sebastião Caboto, Jo5:J inutilidade. Marcondes de Souza pretendeu, afinal, apenas arrombar
V espucci e J uan Garcia, expendidas em 151 5". uma porta aberta, pois já ha mais de dez anos, um ilustre historiador
O simples fato de citarmos, em obediencia ao velho conceito, re- portugues, Jaime Cortesão, num capitulo do volume III da "Historia
petido por Langlois e Seignobos, a pas de documBnts, pas d' histoire 1)'
JJ (
da Expansão Portuguesa no Mundo" intitulado "Relações entre a
inumeros documentos provando a nossa afirmativa de que "de tod.~ geografia e a historia do Brasil", reconheceu, com inteira isenção, a
as viagens de Vespucci, a de 1501-1502 é a mais comprovada de todas", veridicidade dos rasgos essenciais e mais extraordinarios da narra-
não póde em absoluto ser in.terpretado como tendo nós a pretensão
tiva ele Vespucci, admitindo que a expedição de 1501-1502 alcançou
de anunciarmos uma novidade historica, porque desse modo procedem
as costas platinas da America, chegando ás altas latitudes austrais a'ssi-
todos os estudiosos, inclusive Peres que num avantajJldo volume (2) naladas por Vespucci".
transcreve inumeros documentos, reproduz outros em clichés, inclusive
Damião Peres, no afã de combater a todo o transe o nosso tra-
os cartograficos, comenta todos, não se incomodando terem sido eles
balho, investe contra moinhos de vento, porque ao citarmos o documen-
apreciados por mestres de invulgar merecimento. Desse modo, vê
to da autoria de Valentim Fernandes e em seguida comentarmo-lo com o
Peres "o cisco no nosso olho, mas não repara na trave que tem no seu".
escopo de provar ter a expedição de 1501-1502 atingido um ponto
A expressão por nós usada, "como passamos a demonstrar", é
bastante austral da America do Sul, o porto de São J ulião, na
didatica e, a todo o momento a repetimos, para provarmos o acerto
Patagonia, não afirmamos e nem ao menos insinuamos, que esta-
de uma afirmativa no campo da matematica ou de qualquer outr't
vamos revelando um fato desconhecido dos estudiosos da historia dos
ciencia, sem que estejamos subordinados a anunciar novidades. A
descobrimentos marítimos. Portanto, ao contrario do que afirma Peres,
transcrição que fizemos de varios trechos de documentos coevos, ao
não tivemos a intenção de a arro·mbar uma porta aberta" que, na sua
contrario elo que pensa Peres, é ele toda a oportunidade, porque assim
erradissima opinião, já tinha sido aberta havia mais de dez anos por
procedendo não só provamos ter vindo ao Brasil em 1501-1502 urna
Jaime Cortesão.
expedição exploradora estipendiada pela Coroa, como ter dela parti-
cipado Vespucci, fatos estes sempre postos em duvida por um numero Reconhecendo Frederico Kunstmann a importancia do ato nota-
rial de Valentim Fernandes, em 1860 o traduziu do latim para o alemão,
(1) "Introdzi'ction azt.r étttdes historiques ··, Paris, 1899. dando em seguida publicidade. Decorridos 38 anos, em 1898, um outro
(2) "Historio. dos Descobrimentos Portugueses", Porto, 1943.
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historiador alemão, Kurt Trubenbach ( 3), publicou o citado documen-
(termo este aliás, compreensível, enquanto aquele nada significa), mas
to e, baseando-se nele, afirmou que a expedição em estudo tinha atin-
estabelece uma estranha confusão sobre a verdadeira intenção dos argu-
gido uma alta latitude austral. Depois de Trubenbach. em 1924, o
mentos de Duarte Leite, o qual não pretendeu antecipar para 1501-1502
professor de geografia da Universidade de Palerma, Alberto :\Iagna-
uma viagem de Fernão de Noronha em parceria com o banqueiro Mar-
ghi ( 4), recorrendo ao texto latino do referido ato notarial, repetiu,
chioni, distinta daquela em que tomou parte Vespucci, mas apenas
"mutatis mutandis" o que afirmara Trubenbach. O historiador por-
sustentar que o comando da expedição de 1501-1502, em que parti-
tugues, Abel Fontoura da Costa, em 1939 tambem se ocupou do
cipou Vespucci, foi exercida por Fernão de Noronha".
documento em apreço ( 5). Só em 1940 é que Jaime Cortesão repetiu
o que já tinham afirmado Trubenbach e Magnaghi. Como se vê, acusado somos por Peres de cometer um indescul-
De modo que, a prevalecer o extrayagante conceito de Peres, se- pavel erro de leitura paleografica, lendo no planisferio de Cantina
gundo o qual, quem esposa e dá publicidade a opinião alheia, não Anaresma, onde está claramente Quaresma, termo este compreensível,
passa de "arrombador de porta aberta", o mundo está cheio ele enquanto que aquele nada significa. Antes de mais nada, temos a dizer
"delinquentes". e conforme acabamos de provar, o seu conten;aneo, o que não é somente o termo Anaresma que é de difícil interpretação
historiador Jaime Cortesão, tam bem tem culpa no cartorio, pois arrom- no citado mapa, pois existem outros a desafiar a erudição dos palco-
bou uma porta já escancarada por Trubenbach e Magnaghi. Mas grafos, tais como: Cabo d. licõtu, Canj1t, , Lago luncor, C. lucar, G. do
a opinião excentrica de Peres, a que acabamos ele fazer alusão, só lurcor, C. arlear, Arca.y, Boacoya, Golfo del unficisno e Las gayas.
tem aplicação quando quem repete o conceito alheio não é portugues. Henry Harrisse, inegavelmente por todos os títulos o príncipe
Sendo filho da gloriosa Lusitania, a cousa é diferente. Tanto isso é dos americanistas, a quem recorreu o Barão do Rio Branco ao defen-
verdade, que Peres não se tem na conta de arrombador de porta aber/a, der os interesses do Brasil na celebre questão de limites com a França,
embora tenha, posteriormente a Cortesão, em 1943, apreciado por sua mais conhecida por "Questão do Amapá", estudou a fundo o planis-
vez o ato notarial do tabelião publico de Lisboa ( 6). Não acham ferio de Cantino em 1883 (7) e voltou a se ocupar desse documento
tudo isso piramidal? cartografico em 1892. Pois bem. Harrisse é de opinião que a pa-
* lavra deve ser lida Anaresma e não Quaresma, acrescentando o se-
* * guinte: "We must probably read Arrecifes, Reefs. "La costa arre-
cifes e baxos que entra en la mar". Enciso (8). Por sua vez E. L.
Em seguida ao trecho que acabamos ele aprec1ar. diz o abalisaclo
professor Damião Peres: "Mais clesagraclavel ele criticar é a parte Stevenson (9), que estudou nos seus mínimos detalhes o planisferio
da tese consagrada á contestação da doutrina ele Duarte Leite, expen- em apreço, tendo tirado copias fotograficas de varios trechos desse
dida na ''Historia da Colonização Portuguesa elo Brasil", relati,·a- mapa para melhor estudar a sua nomenclatura, opina que a palavra é
mente ao descobrimento ela ilha de Fernão de Noronha em 1501-1502, Anaresnw. Orville Derby (10), que estudou o mapa de Cantino num
pois aqui Marcondes de Souza não só comete um indesculpaYel erro trabalho sobre a cartografia americana vetustissima, leu também
de leitura paleografica, lendo Anarcsrna onde está claramente Quaresma Anaresma. Portanto ha de nos perdoar o erudito professor da Uni-

(3) "Amerigo Vesjmcci's Rrisc nach Brasi/en". Plauen, 1898, pagina 4. (7) "Les Corle Real". Paris, 1883.
(4) "Amerigo ~·espucci- Studio critico". Roma, 1924, volume II, pagina 189. (8) "The Discovery of N orth America ". Paris, 1892, pagina 319 e
(5) "Cartas d{Js ilhas de Ca&o T'erde de I'alentim Femandcs ··. Lisb•la, DOta no rodapé n. • 56.
1939, paginas 91 a 96. (9) "Maps lllustratil~g Early Discovery rad Exploration in America
(6) "Historia dos Descobrimentos Portugueses". Porto, 1943, paginas 1502-1530 ". New Brunswick, 1903.
438 e 439. . (10) "Os mapas mais antigos do Brasil". "Revista do Instituto Histo-
nco e Geografico de S. Paulo''. 1903, volume VJI, pagina 241.
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versidade de Coimbra si não acatamos a sua opinião, pois que a nossa "inconveniente" ato notarial de Valentim Fernandes, tabelião publico
está muito bem escudada. de Lisboa, não deixam a menor duvida, são de uma claresa cristalina,
Ao contrario do que afirma Peres, não estabelecemos no nosso foi em obediencia a uma ordem regia, e não a um consenso regia, que
trabalho nenhuma confusão sobre a verdadeira intenção dos argumen- a frota partiu para o Brasil.
tos de Duarte Leite em se tratando da expedição de 1501-1502. O Peres desejaria poder provar que a expedição em estudo zarpou
ex-Embaixador de Portugal no Brasil é de parecer que a expedição de Lisboa por consenso regia, porque assim poderia alegar que si
referida foi organizada e estipendiada por Bartolomeu Marchioni, Vespucci foi solicitado a prestar serviços em tal frota, o convite partiu
banqueiro florentino, de parceria com judeus conversos. Tambem na
sua opinião, o comandante dessa expedição foi Fernão de Noronha
que levou em sua companhia Vespucci. Essa frota teria, quando de
- de particulares e não do Governo Portugues, que não necessitava
dos seus rudimentares conhecimentos nauticos.

torna viagem para Lisboa, na quaresma de 1502, descoberto a ilha *


Fernão de Noronha. Nós, ao contrario, afirmamos que a expedição * *
foi oficial, custeada pela Corôa e que dela participou Vespucci como Prosseguindo na sua critica á nossa tese, diz o emerito professor
encarregado da parte científica da navegação, não se sabendo qual o Peres : "Mas a parte crucial elo escrito de Marcondes de Souza é a
nome do comandante. Não ' negamos que Noronha tenha visitado o ultima, pois tudo o mais se póde crer encaminhado ás derradeiras
Brasil no comando de uma frota particular, mas isso ocorreu em linhas, aquelas em que escreveu: "como força de expressão, Vespucci
1503-1504 e dela não participou o Florentino. Foi essa expedição desempenhou na expedição de 1501-1502 as funções de consultor tec-
que a 24 de junho de 1503 descobriu a ilha de S. João, hoje Fernão nico". Em primeiro lugar, talvez devesse observar-se, corretivamente,
de Noronha. Como se vê, está tudo muito claro, a não ser para que um historiador não deve afirmar, seja o que fôr, '' como força de
aqueles que querem estabelecer confusão e disso tirar partido. expressão". A força de expressão insinua; não afirma, nem con-
Continuando o ilustre professor Damião Peres a analisar a nossa jectura. Está fóra elas construções historiograficas. Ainda se a in-
tese, escreveu: "Este ultimo problema relaciona-se com o carater da sinuação tivesse ao menos logica, poderia com longanimidade tolerar-se·
expedição de 1501-1502, que Marcondes de Souza apresenta como mas nem logica tem, pois Vespucci, como demonstrou Duarte Leite,
representativa de uma iniciativa exploradora tomada pelo rei D. Ma- cometia erros grosseiros de avaliação de latitude, na epoca em exame;
nuel. A prova documental basta, realmente para aceitar-se ter havido talvez, anos depois, a pratica lhe melhor<l:sse os conhecimentos, mas
uma determinação regia; mas é mister ter presente que nenhuma em 1501-1502 eram frustes. Ao contrario, porém, Portugal dispunha
navegação mesmo custeada por particulares, se fazia sem autorização de cosmografos da categoria dum Duarte Pacheco, e elos autores de
da Corôa, sendo facil em fontes narrativas - e dela poderiam apon- regimentos nauticos remontantes ao seculo XV e tradutores do melhor
tar-se outros exemplos - a confusão entre ordem regia e consenso e mais proficiente saber astronomico; dispunha de pilotos que sabe-
regia". claramente tinham estabelecido entre 1488-1497 - como teorica e
Não vamos nos deter muito em analisar este trecho do parecer praticamente demonstrou Gago Coutinho - aquela ousada rota pelo
de Peres, pois todos estão vendo de modo claro que está ele apenas Atlantico sudocidental, para montar, após ter sulcado aguas brasileiras,
recorrendo ao sofisma. Admite o erudito professor "ter havido uma o cabo da Boa Esperança, pilotos tão numerosos que só na armada
determ,inação regia" em se tratando do envio ao Brasil em 1501 de de Cabral deviam ser perto de trinta, entre efetivos e substitutos, e
uma frota portuguesa, mas, acrescenta ... "em fontes narrativas, facil entre os quais avultavam nomes celeberrimos que a hi toria regista".
é a confusão entre ordem regia e consenso regia". Porém o sofisma Esta passagem do parecer de Peres, como emos, é a mais longa
de Peres se dilui, porque os documentos por nós citados, entre eles o de todas e, portanto longa será a nossa refutação.
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A frase que usamos para por em relevo o importante papel que póde dizer certa, poi:; pequena é a diferença que existe entre o seu
Vespucci desempenhou na expedição de 1501-1502, como se vê, ofen- calculo e a posição exata que hoje conhecemos.
deu a vaidade nacional de Peres, dando ensejo a que ele. logo de Logo em seguida diz Peres que os conhecimentos nauticos de
inicio, fizesse questão ele "lana caprina". Dissemos que, "como força Vespucci eram rudimentares, quando da sua partida com a frota de
de expressão, Vespucci desempenhou na expedição de 1501-1502 as 1501-1502, sendo que mais tarde eles melhoraram. Mas isso diz o
funções ele consultor tecnico". Critica Peres esta frase e diz que ilustre professor luso para insinuar que foi com tripulantes de navios
ela não afirma, mas apenas insinua, não podendo ser usada em cons- portugueses em·iados ao Brasil, que o Florentino em realidade apren-
truções historiograficas. Admitamos que a nossa frase tenha sido deu a navegar. Propositalmente olvida Peres que já na expedição
mal empregada. Corrija-se, pois, dizendo que na expedição em apreço, de Hojeda de 1499-1500, desempenhara Vespucci o cargo de piloto,
Vespucci desempenhou funções consultivas, principalmente de ordem conforme se verifica pelo depoimento desse na vegante espanhol em
cosmografica. Porém, apesar de mal construída, Peres compreendeu 8 de fevereiro de 1513, nas "Probanzas del Fiscal'' (14).
perfeitamente a frase por nós empregada, tanto assim que recorreu a Fala o erudito professor da Universidade de Coimbra na capaci-
uma serie de argumentos para contestá-la. dade dos pilotos e cosmografos portugueses, tnas esquece de nos contar
. • que a ciencia nautica portuguesa é de origem espanhola, pois hoje é
Diz o abalisado professor que a frase eIogwsa que usamos ao
nos referirmos a Vespucci poderia ser tolerada, si ao menos tivesse notorio que as primeiras tabuas nauticas portuguesas tiveram como
logica, mas logica não tem, porque o Florentino, como demonstrou base o a AltH(l.JWCh Perpetumu/' de Abraham Zacuto, espanhol de Sala-
Duarte Leite, cometia erros grosseiros de avaliação de latitude na epoca manca que, por ser judeu, teve que fugir de Portugal em 14% ou
1497, quando D. Manuel decretou a perseguição aos hebreus.
em exame. Mas sabe muito bem Peres que os erros de latitude que
Duarte Leite aponta como praticados por Vespucci. ele os encontrou Esposa Peres a temeraria opinião de Gago Coutinho (15), se-
na Lettera a Soderini, carta esta que conforme provou Alberto Mag- gundo a qual. de 1488 a 1497, apesar de não existir nenhuma prova
naghi ( 11), é apocrifa. E querem saber quem tambem sustenta essa direta ou indiretà, cuidaram D. João li e D. Manuel de organizar
expedições secretas com o objetivo de sondar o Atlantico Sul e pro-
opinião do erudito professor da Universidade ele Palermo? Damião
curar o mais facil caminho para a India, de que resultou "aquela
Peres quando. referindo-se á Lettera, diz "não passar (ela) de wna
ousada rota pelo Atlantico sudociclental, para montar. após ter sul-
amplificação empreendida por editores empenhados em explorar mer-
çado aguas brasileiras, o cabo da Boa Esperança". De modo que,
cantilmente o natural e generalizado interesse suscitado pelo conside-
segundo sustenta Gago Coutinho e Peres repete, não foi Vasco da
ravel alargamento dos descobrimentos 'POrtugueses e espanhois no
Gama, como até hoje acreditavamos. quem descobriu a melhor rota
Novo Mundo" (12). Então ha de convir Peres que os erros de lati- entre as ilhas de Cabo Verde e a angra de Santa Helena. Anterior-
tude que Duarte Leite atribue a Vespucci, não podem correr por conta mente á viagem elo Gama em 1497, foram pilotos desconhecidos que
deste navegante e cosmografo. Devem ser imputados a quem forjou a estabeleceram após viagens secretas. Desse modo derrubam do pe-
a Lettera. A unica posição geografica das determinadas por Vespucci, destal de gloria a figura maiuscula de Vasco da Gama, e colocam em
que é confirmada por depoimentos de pilotos ( ( 13), é aquela do cabo seu lugar pilotos desconhecidos. num infeliz arremedo ao "soldado
de S. Agostinho que ele colocou a 8 graus de latitude sul e que se
(14) Navarrcte, obra citada, volume III, pagina 528.
(11) Obra citada, volume r, paginas 99 a 248. (15) •• lHfluencia que as primitiws v ia.(JCils portuguesas á America do
(12) "HistoriG dos Descobrimentos Porlu.gv.eses". Porto, 1943, pag. 423. ,\"orte tiveram >obrr o descobrimento d.as .. Terras d.c Sa11Ja Cru::". Boletim
(13) Navarrete - "Coleccion de los 'Viages y descubrimentos", eti:. da Sociedade de Geografia de Lisboa. setembro e outubro de 1937, pagin:ts
Edição argentina, tomo 111, pagina 319. 399 a 419.
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desconhecido'', da primeira grande guerra. Mas si foi assim como conhecidos, levava os navios a sulcarem aguas brasileiras, antes de
diz Gago Coutinho, que necessidade tinha o Gama de ditar as instru- atingirem o cabo da Boa Esperança. Si essa rota foi a seguida pelo
ções nauticas para a viagem de Cabral? E" admi~siYel que este ca- Gama na sua primeira viagem á India, a afirmativa que Peres faz,
pitão mór, bem como Bartolomeu Dias, e outros capitães que partici- louvando-se em Gago Coutinho, não é segura, de vez que ha contro-
param da segunda armada da India, ignorassem a rota descoberta versia. Diogo Ki:ipke e Antonio da Costa Paiva (18), bem como
pelos pilotos desconhecidos? Até que ponto chega a desmedida vai- E. G. Ravestein (19), são de parecer que Vasco da Gama, ao vencer
dade nacional de certos historiadores portugueses ! o trajeto Santiago-Angra de Santa Helena, navegou afastado elas
Um ano antes de Gago Coutinho expor a sua extravagante opi- aguas brasileiras.
nião, já tinha o oficial da marinha de guerra portuguesa, Abel Fon- *
toura da Costa, provado que, desde a volta, em 1488, de Bartolomeu * *
Dias, do cabo da Boa Esperança, até a partida, em 1497, de Vasco da
Terminando o seu parecer sobre a nossa tese, assim perorou 0
Gama, para a India. a marinha portuguesa esteve inativa pelos seguin-
emerito professor Peres: "Na hora em que Castela e a França dispu-
tes motivos: dem.ora em receber D. João II informações de Pero de
tavam a Portugal alguns desses argutos nautas, Portugal para nada
Covilhã sobre a melhor rota para a India, bem como sobre os mais
precisava do incipiente saber nautico de Vespucci, ainda então bem
importantes caminhos que interessava o comercio das esJ'eciarias; se-
mais agente comercial do que conspicuo navegador. Da sua presença
rias questões com Marrocos, as quais obrigaram o referido monarca
em navio portugues na Armada de 1501-1502, não ha que duvidar; .
a organizar expedições muito dispendiosos, quer quanto a pessoal, quer
quanto a material; a molestia incipiente do "Príncipe Perfeito" a na sua firmesa de animo, póde ainda crer-se, mas dá-lo como recurso
partir de 1490, agravada com a grande tragedia de que resultou a para aqueles que eram, afinal, os seus proprios mestres, isso é inacei-
morte do seu bem amado e uni co filho, o príncipe D. Afonso ( l6J. tavel á luz da razão, inaceitavel até á luz da mais elementar noção
historiografica". -
A referida tese de Gago Coutinho, encarada sob o ponto de vista
nautico, foi refutada pelo historiador Carlos Coimbra (17) em dois arti- Não vamos contestar que nos ultimas anos do seculo XV e no
gos publicados no "Diario de Lisboa". Resumidamente afirmou Coim- começo do XVI, posswa Portugal nautas de valor que foram dispu-
bra que a rota seguida por Vasco da Gama na sua primeira viagem á tados por Castela e pela Fránça. Mas tambem a Italia os possuía
India, não foi o resultado do conhecimento previo do regime dos e os emprestou á Inglaterra, á França, á Espanha e ao proprio Por-
ventos no Atantico Sul. E, para reforçar essa sua opinião, citou tugal. Os nomes aí estão: João e Sebastião Caboto, Verezzano. Co-
Coimbra diversos roteiros escritos posteriormente á viagem do Gama, lombo, Vespucci e tantos outros. Uma vez que citamos nomes de
pelos quais fica evidenciado que o estabelecimento da rota tendo por navegantes famosos, seria má fé não fazermos referencia aos espanhois:
objetiYo dobrar o caho ela Boa Esperança, continuou a ser estudado. Pinzon, J uan de la Cosa, Alonso de Hojeda, Diogo de Lepe, Alonso
durante todo o secttlo XVI. pelos nautas portugueses, que sempre Nifio, Cristobal Guerra, Ponce ~e Leon, Vasquez ele Ayllon, Sebastião
cuidaram de conhecer, em seus ·mínimos detalhes, o regime dos ventos de! Cano, companheiro ele Magalhães, que completou a circumnavega-
na parte :>ul do referido oceano. .;ão do globo, e outros nomes que a historia registra.
Continuando. diz Peres que a rota descoberta pelos pilotos des- Porém o que interessa á discussão é sabermos si Vespucci em-

(16) .. As porllfs da Imiia em 1484 ··. Lisboa, 1936. paginas 39 e 40. (18) ·'Roteiro da viagem qur em dcscobrimmto da l11dia pelo cabo da
Roa F.spcrauça fc:; Dom Vasco da Gama em 1497 ". Porto, 1838.
(17) ''A rota de /'asco da Gama r as idéas do almira11fe Gago Couti1t!Jo'',
"Diario rle Lisboa··. 31-12-9~{1. . . Em r<sf>osta a Gago Coutilzho- a rot(j de . (19) ·• lourual of lhe first voyage of T'asco da Gama 1497-1499". Hakluyt
Vasco da Gauu~ ... ·· Diario de Lisboa··, 15-1-941. SoCiety, London, 1898.
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barcou na expedição de 1501-1502 cotnQ simples mercador, ou como


nauta e cosmografo de invulgar valor.
* *
Peres, como já vimos, é de parecer que o Florentino só podia
ter participado da expedição referida como agente comercial, porque Chegamos ao fim da nossa tarefa, aquela de dar a Damião Peres
incipientes eram os seus conhecimentos nauticos em confronto com uma cabal resposta á sua apaixonada critica á tese que apresentamos
os capitãe portugueses. ao IV Congresso de Historia N acionai.
Mas nós perguntamos: em 1501 quando da partida do Florentino Como facil é verificar, pela leitura do nosso trabalho, fizemos as
para o Brasil em frota portuguesa, estava em pleno vigor a "política seguintes afirmativas :
de sigilo" dos monarcas lusitanos? Os modernos historiadores de Por- I ..- Pedro Alvares Cabral, conforme se vê da carta que Pero
tugal respondem pela afirmativa. Era Vespucci u~ individuo bas- Vaz de Caminha enviou de Porto Seguro a D. Manuel, aconselhou
tante capaz para realizar com habilidade espionagem por conta de este monarca a mandar explorar a terra que tinha achado, quando
Castela? Todos acreditam que sim. Então como explicar a sua pre- de viagem para Calicute.
sença na expedição? Que de extraordinario ocorria com o Floren- II - Aceitando essa sugestão de Cabral, D. Manuel, a custa do
tino, a ponto de fecharem os olhos em se tratando de espionagem ? erario, mandou preparar uma frota para explorar o litoral brasileiro.
A resposta vem espontaneamente: é que D. Manuel necessitava dos III - De acordo com os documentos por nós citados, a expe-
seus conhecimentos nauticos e cosmograficos, de vez que os seus mais dição partiu de Lisboa a 13 de maio de 1501 e regressou a esse porto
habeis pilotos e cosmografos tinham embarcado na armada de Cabral em 22 de julho de 1502.
'
que ainda não tinha voltado, desfalcada de seis naus que naufragaram. IV - Não se sabe quem tenha sido o comandante dessa frota,
Porém, si isso não basta, temos mais este argumento. Vespucci mas certo é que dela participou o navegante e cosmografo florentino
certan1ente gosava de prestigio na Espanha, pois tinha sido agente Ametigo Vespucci.
nesse pais dos riquíssimos banqueiros Medici, e tomara parte na ex- V - A expedição percorreu de norte a sul quasi todo o litoral
pedição Hojeda, de 1499-1500, como piloto. E' admissivel que tendo brasileiro, atingindo um ponto bastante austral da America do Sul,
o Florentino uma boa posição social em Sevilha, fosse deixar ess,1 o porto de S. J ulião, na Patagonia.
cidade para arriscar a vida em uma frota que, pela primeira vez, ia VI - Foi essa frota que batizou diversas paragens da costa do
explorar mares e terras desconhecidos, sabendo de antemão que nela Brasil a que fazem referencia varios mapas do começo do seculo XVI,
não passaria de simples mercador ? Mas mercador para vender a tais como o de Cantino, Canerio, Hamy, Kunstmann II e III,
quem, ou para com!prar o que? AICaso a terra achada por Cabral não era Waldseemüller de 1507, Ruysch, etc.
habitada por selvagens nús, com abundancia só de macacos e papagaios? VII - Na expedição em apreço, a parte científica da navegação
Diz Peres, como vimos, "que inaceitavel á luz ela razão, inacei- foi confiada a Vespucci, que era tido como cosmografo de merito,
tavel até á luz da mais elementar noção histotiografica", é alguem perito principalmente em calcular as latitudes.
dizer que Vespucci foi figura de notavel relevo na expedição de Exceção feita da nossa afirmativa a que se refere o item VII,
1501-1502. Expressando-se assim, de modo tão incisivo, o ilustre Peres não contestou as demais. Apenas limitou-se a nos criticar
professor Peres deixa de ser elegante, pois pretende passar um ates- por citarmos documentos já conhecidos, o que julga desnecessario;
tado de incapacidade a Humboldt, Varnhagen, Henry Harrisse, John chamou-nos erradamente de "arrombador de porta aberta" ; entendeu
Fiske, Henry Vignaud, Sophus Ruge, Gustavo U zielli e tantos outros de nos dar lições de leitura paleografica; tentou diminuir, citando
sabias da historia dos descobrimentos marítimos, que elevaram muito Gago Coutinho, os meritos nauticos de Vasco da Gama; e falou bom-
mais alto que nós, o nome de Vespucci. basticamente da capacidade dos navegantes portugueses. Como se vê,
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desta feita ~ reconhecida erudição de Peres falhou, visto que em


realidade disse bem pouca cousa.
Assim sendo, tem todo o cabimento dizermos ao emerito profes-
sor da famosa Universidade de Coimbra, excelentissimo senhor Damião
Peres, o que Cyrano de Bergerac disse ao visconde de Valvert quando

-
pretendeu ridicularizá-lo, falando do seu enorme nariz:

A h! non f c' est un pet~ court, jeune hom1ne f


On pouvait dire . .. Oh f Dieu . .. bien des choses en somme . ..

São Paulo, maio de 1949.

THOMAZ OscAR MARCONDES DE SouzA.

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