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Resumo
Introdução
O presente texto tem como objetivo realizar uma análise, a partir de pesquisa
bibliográfica, sobre as características e contradições da sociedade contemporânea, bem
como atentar-se à relação que o homem vem construindo com a alteridade e os novos
modos de subjetivação daí decorrentes. A partir disso, busca-se refletir se há um modelo
hegemônico de relação que vem sendo construído na atualidade.
Como aponta Silva (2012a), o que se observa na contemporaneidade é a
propagação de um discurso que vincula o bem estar com o fornecimento de uma ampla
variedade de produtos para consumo. Assim, a dinâmica da vida é baseada em relações
(inclusive interpessoais) que são equiparadas aos objetos de consumo, de modo que
“nos transformamos de forma voluntária (o que não significa dizer passiva ou sem
resistência, já que afinal, desejar é construir) também em objeto de consumo que deve
atender a critérios determinados pelo mercado” (p. 59).
Nesse sentido, é importante abordar a conceituação de "sociedade de
consumidores" levantada por Bauman (2008) como aquela que promove, encoraja ou
reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista,
rejeitando todas as opções societárias alternativas.
Dufour (2003) considera que o capitalismo é “antropofágico” e devora o
homem, adaptando-o enquanto corpo produtivo desde seu surgimento. Atualmente,
porém, ele vai além e busca “reduzir” as mentes, com o pleno desenvolvimento da razão
instrumental (técnica) que parece resultar em um déficit da razão pura (a faculdade de
julgar a priori o que é verdadeiro ou falso, o que é bom ou mal). A força da ideologia
neoliberal cria um novo estatuto do objeto, no qual os homens se transformam ao se
adaptarem à mercadoria. As trocas comerciais hoje encontram-sedes-simbolizadas e não
valem mais enquanto sustentadas por uma ordem superior (transcendental ou moral),
mas sim pelo seu valor adstrito enquanto mercadorias.
O autor expõe que essa transformação nas relações de troca conduz a uma
mutação antropológica, em que a própria condição humana se modifica quando as
garantias simbólicas das trocas entre os homens são liquidadas. O sujeito humano, por
sua vez, fica atrelado à capacidade de se adaptar aos fluxos sempre instáveis da
circulação da mercadoria.
Também Debord (1997) aborda a questão explicando que a dominação da
mercadoria sobre a economia ocorreu primeiramente de um modo oculto, pois a própria
economia, como base material da vida social, era despercebida e incompreendida.
Apenas com a revolução industrial, a divisão fabril do trabalho e a produção em massa
para o mercado mundial, a mercadoria surge para ocupar a vida social. O autor aponta
que “não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada
além dela: o mundo que se vê é o seu mundo. A produção econômica moderna espalha,
extensa e intensivamente, sua ditadura” (p. 30).
Ao pensar a contemporaneidade como a “Era da avareza”, Mariotti (2001)
aborda a ideia de valor-coisa, a qual se destacou com o advento da Era Industrial, que
era alicerçada pelo primado do produto concreto – a mercadoria tangível. Isso conduziu
a uma atitude reificante, que incluiu a redução das pessoas a coisas:
Voltolini (2007) afirma que a mudança das relações entre o sujeito e o objeto
neste novo discurso, no qual o objeto parece predominar sobre o sujeito, trata-se de uma
operação discursiva que consiste em “reduzir o desejo à necessidade”, tentando fazer
equivaler o homem e o animal. “O ápice de sua operação é valer-se o melhor possível
desta característica propriamente humana da desnaturação, do desapego à necessidade,
para “criar” uma necessidade que apareça como vital para o sujeito” (p. 126).
Em paralelo a essas considerações da psicanálise, pode-se ampliar a análise para
os registros sociológicos e políticos, em que nota-se o solipsismo e a perda da alteridade
da subjetividade atual pela quebra da mediação no espaço social. Ao serem minimizadas
as capacidades de criar mediações no mundo, os sujeitos ficam amesquinhados e as
relações se restringem cada vez mais aos registros pragmático e funcional, perdendo
então a sua dimensão simbólica. O que se observa atualmente é o retorno da barbárie em
pleno apogeu da civilização técnico-científica e da sociedade pós-industrial. Neste
momento, “o vazio da subjetividade atual é o correlato do mundo que perdeu o
sentido”(BIRMAN, 2003, p. 6).
Nessa direção, abre-se espaço para a violência nas relações, desde as formas
mais sutis até aquelas espetacularizadas. Como apontado por Souza (2005), a violência
invade todos os espaços e torna-se espetáculo, transformando-se numa forma de ser e
numa forma de domínio. A violência é estetizada e os conflitos são banalizados, são
intensificados o isolamento e o individualismo. Para a autora, a violência é alimentada,
dentre outros fatores, pela falta de dispositivos que favoreçam o laço social e pelo
evitamento da alteridade, manifestando-se também como ”violência branca”, que se
apresenta nos mecanismos de controle social.
O que a violência revela, em sua especificidade, é a existência de um
excesso que se manifesta em todos os espaços, é uma impossibilidade
de contenção ou derivação dessa força, de um agir que desconsidera a
existência do outro e seu compromisso ético com a cultura. E o que é
mais inquietante, mas absolutamente necessário reconhecer: a
disposição para a violência está em todos nós (SOUZA, 2005).
Considerações Finais
Por meio do levantamento bibliográfico, utilizando autores que debatem a
contemporaneidade, pôde-se observar o quanto a relação homem-mercadoria, hoje tão
presente em vínculos estabelecidos nos mais variados âmbitos, apresenta significativas
implicações na relação com a alteridade.
Disso, pode-se deduzir que não é possível tomar em análise o sujeito e suas
relações de modo dissociado de seu contexto social e histórico. Qualquer prática
profissional do psicólogo deve estar associada à apreciação de tais condições. Nesse
sentido, levando em consideração todo o exposto neste trabalho, pode-se pensar na
necessidade de que o psicólogo tome a direção da “contramão”, advertido quanto à
lógica da mercadoria presente nas relações e também quanto ao engodo da autonomia e
da liberdade pretensamente contidas nas ideologias contemporâneas, sob o risco de,
submetendo-se ao que está posto, destituir os sujeitos do que é humano.
Tal direção pode até mesmo consistir em posições de “transgressão”, haja vista a
sociedade atual em que os indivíduos se veem cada vez mais seduzidos pelo discurso
científico, e este, atraído pela racionalidade técnica, vem se fazendo baluarte para a
legitimação de práticas pautadas na relação homem-mercadoria. Assim, cair na
assimilação e análise acrítica do contexto, faz com que haja o predomínio da referida
razão instrumental, que apresenta a tendência de esvaziar as práticas de seu sentido
ético. É nesse aspecto que precisamos dimensionar como as teorias/abordagens que
elegemos para balizar nossa atuação se posicionam diante da iminência destes novos
modos de subjetivação na contemporaneidade e, para além disso, repensar a nossa
própria capacidade de se relacionar com a questão da alteridade.
Referências Bibliográficas
BIRMAN, Joel. Dor e sofrimento num mundo sem mediação. Estados Gerais da
Psicanálise: II Encontro Mundial, Rio de Janeiro, 2003.
LACAN, Jacques. Televisão (1974). In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
LIMA, R. Crítica ao gozo capitalista. In: QUINET, A. (et al). Psicanálise, capitalismo
e cotidiano. Goiânia: Germinal, 2002.