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CONTEÚDOS – COMUNICAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS

Uma panorâmica do campo das ciências sociais: mapeando a teoria social clássica. O social
desnaturalizado e dessacralizado: a autonomia da questão social. Narrativas da
modernidade: a liberdade e a disciplina, segundo Peter Wagner.

Sociologia estuda a sociedade.


"Sociedade" é um produto da modernidade.
Sociologia só é estudada desde o final do século XVIII/início do XIX.
 O objeto conceptual "sociedade" não existia antes da viragem para o século XIX.
 Não mobilizavam o conceito de sociedade, mas de comunidades humanas.

A sociologia surgiu com a modernidade, não há sociologia sem modernidade.


Não há sociedade sem modernidade.
Antes da modernidade, os dois grandes paradigmas/sistemas de pensamento (pré-
modernos) eram a religião e a filosofia natural (deriva mais tarde na biologia).
- dois sistemas de compreensão da vida humana.
Exemplo: pessoas morriam ou porque Deus quis ou porque corpo deixou de funcionar.

Conceito de sociedade para poder existir tem de se autonomizar destes dois paradigmas.
 Temos de ter um objeto conceptual que não seja nem confundido nem com o divino
nem com os objetos naturais.
 A sociologia exige os movimentos da DESNATURALIZAÇÃO (deixar de ser natural) e a
DESSACRALIZAÇÃO (deixar de ser sagrado).
 Se a explicação é divina, precisamos de teologia. Se é biológica, precisamos de filosofia
natural.

Sociologia serve para analisar o que não é estritamente individual e biológico e que não está
subserviente a um desígnio.

Luís XIV - rei por vontade de Deus (sociologia é inútil).

Precisamos de explicações sociológicas para compreender o mundo atual.


 Natureza humana ou é do divino ou é do psicofisiológico (antes da modernidade).
 Resumir as pessoas a isso é preguiça mental, dispensar responsabilidade.

Sociologia por ser produto da modernidade tem implicações problemáticas.


Os teóricos (homens brancos mortos) quiseram saber o que fazer com a modernidade.
Sociologia surge para tentar perceber o que fazer com a modernidade.
Kant - primeira vez que proto sociedade deu um nome a si própria.
A modernidade/o iluminismo autodenominou-se.
 Isto implica olhar-se ao espelho, autorreflexão.
 Sociologia é olhar ao espelho da sociedade.

Diferença entre sociedade e comunidade:


 Pôr em causa a ideia de que o conceito de sociedade pode ser utilizado a
historicamente
 Sociedade é produto da modernidade.

Modernidade:
 Novos princípios, novas crenças, baseados na revolução francesa (liberdade, igualdade
 Iluminismo (Voltaire, Rosseau...)
 Descartes (racionalismo - penso, logo existo: centralidade no indivíduo, um dos
grandes pontos de viragem da modernidade)
 Nas sociedades pré-modernas, a centralidade estava em Deus, sociedade de
ordens, pouco espaço para o indivíduo, pouca mobilidade social.
 O rei e o Estado eram uma coisa só, rei não existia como individuo
 Modernidade existe em função da ideia de individuo.
 Modernidade fez a sociedade (dinâmica social onde passam a poder existir indivíduos,
mas criamos uma tensão entre sociedade e individuo, a sociedade é muitas vezes
opressora (instituições, normas...).
 O individuo surge juntamente com a sociedade, embora sejam conceitos que têm
uma tensão entre si.
 À medida que a modernidade tem evoluído, temos priorizado o indivíduo e deixando
para trás a sociedade.
 Isto é a narrativa da teoria social clássica, não é a única narrativa.
 Por detrás desta narrativa do confronto sociedade/individuo, existem outros dois
meta conceitos: MESTRIA e AUTONOMIA.
 Estes conceitos podem ser entendidos de forma diferente.
 A teoria social clássica "faz de conta que cada um destes conceitos só tem um
sentido":
MESTRIA instrumental (tem de ser sempre, de acordo com esta teoria) - o que
consigo aproveitar dos recursos, das pessoas, o que consigo instrumentalizar,
para que é que os outros nos servem.
AUTONOMIA individual (tem de ser sempre, de acordo com esta teoria)
 Tudo se resume ao que se pode retirar das situações.
 A maneira como confronto sociedade/individuo vai ser em função da mestria
instrumental e da autonomia individual.
 Teoria social clássica seria muito diferente se o conceito de autonomia fosse coletiva
e não individual.
 Se a mestria em vez de instrumental, fosse estética, como tornamos o mundo mais
belo e não mais útil, teríamos uma história da modernidade completamente
diferente.
 Peter Wagner diz que a teoria social clássica apresenta esta narrativa da modernidade:
a tensão entre a sociedade e o individuo, eles se necessitam mutuamente, mas estão
em tensão.
 Segundo ele, a modernidade é mais a luta para ver quem é que consegue definir
mestria e quem é que consegue definir autonomia.
 Não há só uma definição de modernidade, há outros fora do cânone que não
consideram isto, existem outras epistemologias da modernidade, que são
negligenciadas, apagadas historicamente pelo cânone clássico.
 Mapa para perceber os diferentes autores.
 Todos eles vão ter em comum os mesmos pressupostos de base (mestria instrumental
e autonomia instrumental, funcionam na dinâmica de tensão entre sociedade e
individuo, veem esta ligação como um problema, todos eles estão a tentar arranjar
uma solução, precisam de definição para saber que o problema está resolvido, a nossa
resolução sobre qualquer problema tem sempre pressupostos comuns).
 Definição de problema na teoria social clássica envolve mestria instrumental e
autonomia individual.
 Mestria pode ter vários significados, mas a teoria clássica entende que a mestria é
instrumental.
 Vamos começar por estudar os clássicos que vão operar neste paradigma que estamos
a criticar.
 Na verdade, não podemos falar de uma modernidade, mas de modernidades.
 Processos de utilizar mestria instrumental e autonomia individual não são
automáticos.
 Exemplo do Japão: em vez de ser o coletivo a disponibilizar os meios para o
individuo, o individuo como normativamente valida a expectativa de que ele
tem de cuidar do seu lixo, não para o seu próprio bem, mas para o bem do
coletivo - é um país moderno de forma diferente.
 Exemplo da Suíça: em que as multas impedem que as pessoas deixem lixo,
envolve mais o conceito de autonomia individual.
 Destruição da natureza, feita através da mestria instrumental para responder aos
interesses do individuo (autonomia individual) - natureza foi usada (mestria
instrumental) para os nossos interesses.

AUTONOMIA
 AUTO = próprio
 NOMIA / NOMOS = regras
 Capacidade de nós estabelecermos as nossas próprias regras, não é o mesmo que
tomar as nossas próprias decisões.

MESTRIA estética, ética,


 É a natureza dos objetivos máximos.
 Que competências queremos dominar.
 Se são mestria instrumentais, estamos no topo da cadeia.
 Se a mestria for ecológica, já perdemos o jogo.
 Se for mestria estética, também perdemos, cada vez somos mais
funcionalistas/instrumental.
 Instrumentalmente as aulas funcionam (ensino cada vez mais virado para a integração
no mercado).
 Se mudar as regras, a pessoa que ganha ou perde o jogo é diferente.

Das patologias da modernidade às promessas da diferenciação social, em Émile Durkheim.


Metamorfoses da solidariedade e o problema da ordem e da integração social.

 De acordo com ele, a sociologia nasce como consequência da modernidade.


 Aponta série de transformações históricas e materiais que simbolizam a transição para
a modernidade:
 Revolução industrial
 Urbanização (êxodo rural)
 Capital (sociedade de classes)

 São as três grandes transformações identificadas que marcaram a modernidade.


 Estão todas interligadas, são interdependentes, implicam-se mutuamente.
 DESENRAIZAMENTO - quando alguém está enraizado num determinado contexto,
grupo social e de repente há uma mudança gigante (exemplo: alunos do interior veem
para universidade em Lisboa).
 Desenraizamento é desconfortável, torna os laços a desenvolver mais fracos
do que nos sítios de origem.
 Desenraizamento acompanhado de enfraquecimento dos laços sociais.
 Sociedade mais focada no individuo que só funcionam à base de processos que
causam desenraizamento (perda de densidade das relações sociais, ligações entre
pessoas, isso deixa as pessoas frágeis...).
 Pessoas frágeis não fazem sociedade forte.
 Para Durkeim, a progressiva individualização ligada ao avanço da modernidade é
incontornável, não dá para retroceder, mas cria problemas específicos, por causa da
perda de relações sociais.
 O problema principal que ele identifica é o conceito de anomia social.
 Anomia pode surgir em qualquer momento em que as condições necessárias se
verifiquem, ou seja, o tal enfraquecimento das relações sociais.

ANOMIA = ausência de regras (a - prefixo de negação / nomia - regras)


 Mais do que o desenraizamento, o grande problema é que o individuo desenraizado,
com poucos laços sociais, entra num estado de anomia social, ou seja, não sabe o
que há de fazer, não sabe o que és esperado dele, como se comportar.
 Uma das consequências últimas da anomia é o fenómeno do suicídio anómico
(quando os indivíduos estão tão desestruturados, tão desenraizados, tão incertos
sobre o que hão de fazer, preferem deixar de fazer a ter de lidar com a incerteza da
ausência de normas)
 Existem alguns suicídios que são anómicos.
 A pessoa quando muda para a cidade tem dificuldade em chegar às normas, a sua
experiência anterior desaparece, a pessoa não sabe que normas existem.
 Durkheim não acha que estamos todos perdidos, quer encontrar solução.

O mundo pré-moderno e o mundo moderno funcionam com dois paradigmas de solidariedade


diferentes:
 MODELO DE SOLIDARIEDADE MECÂNICA (Pré-moderno): não somos identificados por
nós, mas sim pelos nossos laços de filiação (exemplo: somos os filhos de, neto de...).
 Somos mecanicamente/automaticamente identificados como tendo uma
certa ligação àquela comunidade.
 Há um processo de solidariedade que funciona à base da semelhança:
 Faz parte do grupo;
 O vizinho pode nunca nos ter visto, mas se identificar a nossa mãe,
conseguimos o que queremos;
 A solidariedade é mecânica/automática.
 A expectativa de quem ajuda mecanicamente é a de que um dia quando
precisarmos de algo também nos vão dar.
 Ciclo da dádiva: dar - receber - retribuir (exemplo: é feio recusar presentes,
porque estamos a recusar participar no ciclo da dádiva, estamos a quebrar
laços sociais, enfraquece comunidade, a recusa do presente está ligado
historicamente à preocupação mais com o individuo do que com a sociedade,
porque se recusa, significa que não quer dar).
 Dádiva pode ter significado de existência (troca de comida...).
 Coscuvilhice é o controlo que protege a comunidade de ser invadida por
estranhos, de pessoas que não respeitam o ciclo da dádiva (tiram, tiram, mas
não devolvem).
 O que é diferente de mim é para pôr de lado: proteção da comunidade.
 Compartilhar a informação dentro da comunidade é forma de proteger a
sociedade, cria pressão social para respeitarmos o ciclo da dádiva.
 Coscuvilhice é um estratagema de sobrevivência, é uma parte fundamental, é
como se fosse a polícia das sociedades contemporâneas.
 Comunidades mecanicamente estabelecidas através da semelhança
(geográfica, laços inter geracionais - famílias ligadas a família, somos
valorizados enquanto parte de estrutura que se estende há gerações).
 Filho do padeiro ia ser padeiro, era tudo mecânico/automático, isso gerava
estabilidade.
 É pré-moderna, a anomia surge do fim desta solidariedade, mas solidariedade
mecânica não é solução para anomia social.

ANOMIA - temos de criar laços diferentes.

 MODELO DE SOLIDARIEDADE ORGÂNICA: funciona à base da diferença.


 Diferença dificulta o estabelecimento de laços, o desafio é fazer com que a
diferença deixe de ser um problema e passe a ser uma mais-valia.
 A interação humana direta não existe, é o capital que nos deixa sair de uma
loja com açúcar.
 A troca de capital substitui o ciclo da dádiva.
 Desde que paguemos, não ficamos em dívida.
 A compra não está a criar obrigações futuras diretas.
 Relações mantém-se através do dinheiro.
 Como não sabemos de tudo, precisamos dos outros para sobreviver.
 O sistema capitalista organiza o trabalho em torno da especialização,
especialização é diferenciadora e conectiva.
 Não há proximidade, é mais fino este modelo moderno.
 A sociedade passa a funcionar como um organismo: todos dependem uns dos
outros, sistema de interdependência baseado na diferença, na especialização.
 Versão moderna da coscuvilhice é o estigma que existe para com pessoas
desempegadas (ambos procuram identificar quem não está a cumprir a sua
função).
 Pessoa desempregada é vista como parasita, porque não cumpre os
pressupostos da sociedade.
 É a mesma coisa nos discursos xenófobos e racistas.
 Solidariedade orgânica tem uma série de fronteiras.
 Ir votar é útil porque mantém a ideia de pertença a este grupo, partilha do
mesmo ritual (outros exemplos: campeonato de futebol).
 Durkheim era extremamente estruturalista, para ele, indivíduos não
funcionam sem estrutura e normas têm de vir de fora;
 Medo é que as pessoas ficassem sem normas;
 O individuo sem essa norma social está perdido.

Tanto a solidariedade mecânica como a orgânica implicam sempre imposições.

Principal preocupação do Durkheim é a coesão social (mantê-la com a sociedade em


mudança).

A sociedade de classes em Karl Marx: exploração, alienação, relações sociais de produção


capitalista e luta de classes.

Marx não tem exatamente a mesma preocupação, embora questões relacionadas com coesão
social estejam envolvidas.

Propriedade privada: posse, detenção e exploração exclusiva dos meios de produção;


diferente de propriedade pessoal (exemplos: quinta, fábrica - fazem parte porque permitem
produzir).
 Propriedade pessoal: bens pessoais; não produz nada.
 Meios de produção: são coisas que permitem produzir coisas.
Principal divisão que Marx faz é entre quem detém os meios de produção e quem não os
detém.
o Divisão entre burguesia e proletariado (capitalismo) vem apenas na sequência
de outras divisões prévias (feudalismo, esclavagismo).
o Esclavagismo (posse e exploração de escravos) - feudalismo (posse e
exploração de feudos) - capitalismo (posse e exploração de capital).
o A passagem entre os sistemas dá-se graças à luta de classes.
o Durante o regime feudal, quem organizou a mudança de regime foi a
burguesia (burguesia utilizou povo para ganhar a revolução francesa).
o No contexto do feudalismo, a burguesia foi a classe revolucionária.
o No contexto do capitalismo, a burguesia não o é, porque detém os meios de
produção.

Capital: deixa de ser um meio e passa a ser um fim em si mesmo, existe sob a forma de
dinheiro, de meios de produção...
o Até ao capitalismo, o dinheiro existia para fazer coisas;
 Dinheiro era usado para comprar coisas, cumprir objetivos diferentes
de enriquecer.
o No capitalismo, o capital existe como um fim em si próprio;
 Pessoa rica tem tendência para investir, enriquecer, investir e ganhar
cada vez mais capital;
 Acumulação de dinheiro só por si serve para gerar mais acumulação de
capital - característica fundamental do capitalismo;
 Diferença entre dinheiro e capital, dinheiro é uma forma de expressão
de capital, mas não é a única.
 O dinheiro, no contexto capitalista, muda de natureza.

 Na perspetiva marxista, capital é acumulável através da exploração;


 Burguesia sobrevive só por deter os meios de produção, pode considerar-se
"autossuficiente".
 Proletariado não sobrevive sem trabalhar, porque não tem controlo daquilo que é
produzido.
 Proletariado só sobrevive vendendo a sua "força de trabalho" (o esforço do nosso
corpo).
 Proletariado não consegue produzir comida, porque não detém os meios de produção,
ou seja, compra a sua própria sobrevivência à burguesia.
 Trabalho é o que é produzido pela interação entre a força de trabalho e os meios de
produção.
 Como é que se consegue enriquecer tanto? Explorando milhares e milhares de
pessoas, continuamente.
 Conceito de EXPLORAÇÃO:
o Lucro/produção de mais-valia: diferença entre capital investido e capital
produzido, a diferença vem da exploração dos trabalhadores (mão de obra
barata). O valor do uso da força de trabalho nunca é entregue ao
trabalhador. O salário que é entregue ao trabalhador nunca corresponde ao
valor daquilo que o trabalhador produz, é por isso que Marx diz que os
trabalhadores são explorados.
o Os lucros só existem porque se retira valor que devia ser entregue a
trabalhadores.
o A burguesia não começou do zero, já vinha com dinheiro.
 Tudo isto funciona em cima da ideia de propriedade privada.
 Posse de propriedade privada serve para lucrar. Na ausência de propriedade privada,
o lucro é impossível.
 Solução seria abolição da propriedade privada, não da propriedade pessoal. Não
teriam uso exclusivo de meios de produção que servem para alavancar poder face às
outras pessoas.
 Casa (c/ potencial especulativo) pode ser propriedade privada. Casa (se não for
herdada) é propriedade pessoal.
o O aluguer é o uso de um recurso para fins especulativos, para aumento de
capital. Todas as formas de aluguer são formas de exploração.
o A propriedade pessoal é da pessoa, quando ela morre, deixa de haver pessoa
para a propriedade.
 Testamento já está a garantir a existência de desigualdades sociais e económicas.
 Existe pobreza e desigualdade no mundo, porque existe propriedade privada.

 Não quer dizer que exista só desigualdade material, mas quer dizer que todos os
outros tipos de desigualdades advêm da desigualdade material (exemplo:
desigualdade de género: maior parte da propriedade privada é controlada por
homens).
 Propriedade pessoal pode ser passada às gerações posteriores, desde que isso não
lese os interesses da comunidade, desde que isso não gere desigualdade logo à
partida.

INFRAESTRUTURA (base de tudo o resto): propriedade privada, relações materiais de


produção, luta de classes.

SUPERESTRUTURA: tudo o resto que não tenha que ver com as relações de classe advindas da
posse dos meios de produção, são derivadas das condições criadas na infraestrutura
(exemplo: cultura, Estado, polícia, desigualdade de género...).

 Exemplo: mulher pode não fazer IVG, porque uma clínica é uma propriedade privada.
 Propriedade pública: propriedade não é de ninguém, é de todos, todos podemos
entrar como se fosse a minha casa.
 Ideia de competição é produzida pela burguesia, pela luta de classes.
 Tem de ser implementado ao nível global para funcionar.
 A competição, a ganância não é inevitável, não faz parte da natureza humana
(há exemplos de comunidade antigas que cooperaram).
 Ganância é produto de condições textuais, produto do capitalismo .
 Ganância vem do medo se amanhã já não tenho o que comer. Se deixássemos
de nos preocupar com isso, a ganância deixaria de existir.

 Comunismo não tem a ver com o controlo estatal.


 Marx diz que é necessário uma série de etapas para chegar lá, etapas da luta de
classes:
o Processo iterativo para trabalharmos para conseguir a sociedade sem classes.
o Começamos pelo sindicalismo laboral (organização dos trabalhadores);
o Do sindicalismo podemos começar a organizar condições, trabalhando uns
com os outros, ganham mais relevância.
o Quando as comissões ganham capacidade organizativa suficiente, tornam-se
partido;
o Partido ascende ao nível do aparelho de Estado; objetivo de constituir o
partido é tomar conta de forma democrática do aparelho de Estado.
o É fundamental tomar conta do aparelho de Estado, porque o Estado detém o
monopólio exclusivo da violência, normalmente conhecida como policia e
exercito.
o Primeiro, toma-se conta do aparelho de Estado, para neutralizar essa
ameaça de violência à revolução, para mobilizar a ameaça da violência (para
intimidar a elite capitalista).
o A elite capitalista tem exércitos privados. Exemplos: EUA subcontratam forças
mercenárias...
o O controlo do aparelho de Estado é só um estado intermédio, permite a
mobilização, mas acima de tudo permite organizar o passo seguinte: a
dissolução do aparelho de Estado e a transformação da gestão do mundo a
partir do conceito de comunas.
o Criam-se comunas (células, grupos de pessoas que vivem juntas, que estão
autonomamente realizadas, mas que estão interdependentes umas das
outras, é um sistema de solidariedade global).
o Já não produzimos para o lucro, produzimos para a comunidade.
o Marx não achava que fosse simples fazê-lo, mas considerava que o capitalismo
tinha os dias contados, porque, ao contrário de todos os outros sistemas de
produção, o capitalismo requer crescimento infinito num sistema finito.
o Capitalismo não é só a obtenção de lucro, é acumulação progressiva e infinita
de lucro.
o Não achava que a revolução comunista era inevitável, mas achava que o
colapso do capitalismo era.

o Para cumprir o projeto final, é necessário a CONSCIÊNCIA DE CLASSE: é aquilo


que permite ao proletariado passar de uma classe em si (estar numa situação
material) para uma classe para si (quando toma consciência da sua posição,
dos seus interesses).
o Diferença entre classes sociais: originada pelo controlo dos meios de
produção.
o Condições materiais definem uma classe e a outra.
o Só tendo consciência de classe, é que a luta de classes pode funcionar.
o Burguesia mobiliza a escola, a política, os meios de comunicação para
impedir que o proletariado ganhe consciência de classe:
 Futebol nasceu a partir de equipas de trabalhadores de fábricas
inglesas, patrocinadas pelos patrões.
 Estado-providência faz-nos perder a consciência de classe, baseando-
se na ideia de contentamento.
 Na perspetiva marxista, são tudo operações cosméticas que afetam a
superestrutura, mas não a infraestrutura.
 Este processo é muitas vezes referido como alienação (tem 2
sentidos):
ALIENAÇÃO:
o a classe em si está alienada da sua consciência de classe, nunca chega a
formar-se enquanto classe para si.
o é também alimentada de forma material, trabalhadores são alienados da sua
própria produção: as pessoas são alienadas daquilo que elas próprias
produzem.
o A burguesia também está alienada da sua própria consciência de classe, a
maior parte da burguesia olha para si como bem-feitores, como
desenvolvedores do mundo, quando são exploradores de seres humanos. São
alienações diferentes.
o A alienação da burguesia serves os interesses da burguesia, enquanto a
alienação do proletariado não serve os seus interesses.

 Marx estava convencido que a industrialização iria acelerar a queda do capitalismo e


iria facilitar o desenvolvimento de uma consciência de classe, porque a industrialização
impõe ao proletariado a velocidade da máquina, uma velocidade supra-humana.
 Situação era tão extrema, tão amplificadora desta exploração que seria muito mais
provável que as pessoas se começassem a organizar para tentar derrubar este estado
de coisas.
 Os primeiros movimentos sindicalistas surgiram em Inglaterra, mas a revolução
comunista eclodiu na Rússia.
 Marx tentou prever uma série de coisas, que não aconteceram.
 Marx introduziu uma perspetiva altamente materialista na abordagem da sociedade,
é uma abordagem empírica, análise económica, baseada em transformações
económicas...
 É muito diferente da solidariedade mecânica, que se preocupa com a coesão social.
 Marx preocupa-se com a distribuição dos recursos materiais.

Tentativas de sociedades igualitárias:


 EUA mobilizou recursos super estruturais para impedir sucesso da revolução
comunista em Cuba.
 Todas as principais tentativas de instauração do comunismo acabaram a trair os
próprios princípios, a cair no estatismo. Não confunda Cuba, nem URSS com o
marxismo.
 Comuna de Paris durou um mês, mas foi um exemplo mais próximo da teoria.
 A história da agricultura, ou seja, a história da propriedade privada é muito recente
relativamente aos 200 mil anos de humanidade.
 Tivemos 194 mil anos de comunismo primitivo.

Porque é a que a superestrutura é definida pela infraestrutura?


 Infraestrutura determina a superestrutura.
 Problemas da superestrutura advém da infraestrutura.
 Tudo advém da desigualdade material: se não houvesse desigualdade material, todas
as outras formas de poder, de abuso, seriam insustentáveis (se estivessem em posição
paritária, não daria para oprimir).

Objetivo do Marx: abolição da propriedade privada, a posse particular dos meios de


produção.
 Durkheim dependia de estrutura normativa bastante sólida, externa ao indivíduo.
 Marx também é muito estruturalista, mas a ação individual – coletiva.

Dentro do capitalismo, o dinheiro também muda de sentido, muda de uso face às sociedades
pré-capitalista.
 Capital e dinheiro não são a mesma coisa.
 Capital: é um sistema complexo de acumulação de recursos materiais, baseado na
extração da mais-valia (que é transformada em lucro).
o Mais-valia: é o que é explorado ao trabalhador, é o acréscimo que a força de
trabalho dá à matéria-prima e aos meios de produção, é o que faz valer mais, é
extraída.
 Exemplo: pilha de tábuas de madeira [matéria-prima], martelo [meio
de produção] e pregos --- se souber o que estou a fazer, sei construir
uma mesa, acrescento mais-valia, compondo a mesa.

Durkheim: sociedade precisa de normas - normativa.


 A ênfase da solidariedade orgânica é a da complementaridade de papeis, para o
Durkheim é preciso normas, imposições externas...
 Lei do mercado tem uma lógica de cada um por si, cada um que se salve, vê na ideia de
iniciativa individual a ideia de bem maior do mercado.

Da compreensão da ação social às ambiguidades da racionalização moderna em Max Weber.


Tipos de ação social, autoridade e fenómenos de distribuição do poder.

Max Weber - obra mais famosa sobre "como surge o capitalismo?"


 Para Weber, a ação social requer indivíduos que lhe deem sentido;
o Estudar a sociedade requer estudar o ponto de vista dos indivíduos que
estão nessa sociedade;
o Só assim se pode perceber como uma sociedade se organiza.
 Weber tenta desenvolver uma perspetiva multidimensional, tenta analisar
conjuntamente estrutura e ação (coletivo e individual).
 Não só é metodologicamente diferente de Marx e Durkheim (factos sociais estão no
mundo e objetivo do cientista social é ir ao mundo e analisar os factos);
 Perspetiva weberiana é epistemologicamente diferente: a perspetiva que os
indivíduos têm das suas ações sociais é fundamental para a compreensão científica
dos próprios factos sociais:
o Para compreender/analisar os fenómenos, só o posso fazer através das
perspetivas dos agentes dessa ação social;
o Para Weber, as perspetivas são lentes necessárias para interpretar os
fenómenos sociais (relação de interioridade).
o As comunidades tradicionais já não parecem ser capazes de organizar e
orientar a vida dos sujeitos, o tecido social;
o "Deus está morto": perspetiva weberiana - Igreja já não tem capacidade para
organizar vida social, como acontecia nas sociedades pré-modernas;
o Isto não quer dizer que as pessoas não se tenham organizado de outras
formas;
o As pessoas não são seres unidimensionais (a organização da vida das pessoas
nunca existe na vida das pessoas ao nível das noções materiais de existência)
o As pessoas não vivem só a partir do materialismo, mas também do sentido.
 Tenta perceber PORQUE É QUE O CAPITALISMO FAZ SENTIDO PARA AS PESSOAS?
o Reparou que nos países com maior número de pessoas ligadas ao
protestantismo, parecia haver maior acumulação de riqueza (formas de
capitalismo mais maduras, mais desenvolvidas, mais robustas...)
o Como é tão consistente os países católicos serem sempre menos ricos, com
menos acumulação de riqueza?
 A questão passa pela questão do INDIVIDUALISMO.
 Análise dele ajuda-nos a compreender o papel do individualismo no
surgimento e implementação do capitalismo;
Relação do capitalismo com o protestantismo:
 Martinho Lutero - queria acabar com a doutrina católica de que tínhamos de pagar
para ir para o céu (indulgências); 5 solas; bíblia traduzida; missas traduzidas;
o Opunha-se às indulgências – pagavam para livrar-se da responsabilidade
individual.
o Defendia a bíblia traduzida - pessoas podiam fazer a própria interpretação do
que lá estava escrito (perigo porque passa a haver possibilidade interpretação
individual).
o Defendia missas traduzidas - pessoas podiam entender o que se dizia, em vez
de só repetir o latim acriticamente.
o Opunha-se à confissão - sistema de controlo social e hermenêutico
(interpretativo) - padre interpreta os pecados e devolve a versão correta da
penitência (livram-se da responsabilidade individual com a confissão).
 Pessoa sem estas coisas católicas passa a ter a responsabilidade de gerir a sua relação
com Deus, sem intermediários.

RESPONSABILIDADE - dar resposta a, vem do latim respondere


o É ter uma resposta para dar às nossas ações, às nossas ideias.
o É necessário haver diálogo para haver resposta.

Salvação garantida pela fé e não pelas obras:


 Perspetiva Calvinista: é a graça de Deus que garante a nossa salvação. Por muito que
fizéssemos, se Deus não nos desse essa graça, não teríamos salvação.
o Não significa que não importam as ações individuais.
o Por isso, temos a obrigação moral acrescida de nos comportarmos à altura
dessa graça divina;
o Temos de viver à altura da benesse que Deus nos deu.
o Acréscimo constante de responsabilidade.
o Pessoa tem de se comportar de uma forma que dignifique a incorporação
dessa graça de Deus (decidida só por ele).

Weber analisa ética protestante:


 Ética do comedimento, da autorresponsabilização constante, do trabalho próprio e
do esforço próprio como fundamentais;
 É uma ética que vê no sucesso financeiro ou pessoal ou de vida não um objetivo a
alcançar, mas uma manifestação de uma vida bem vivida, sob a orientação da
vontade de Deus.
 Weber incorpora visão dos protestantes na interpretação dos factos sociais;
 Sucesso não é um objetivo, mas uma manifestação de uma vida bem vivida:
o Apela à austeridade, ao não consumo e à não ostentação, porque eles são
desperdício, vão contra o auto comedimento.
o Alguém que mostra que tem muito dinheiro faz de conta que tem vida
virtuosa.
o Pessoa que não mostra a sua acumulação de riqueza, essa riqueza é
manifestação de vida bem vivida.
o Vem daí a ideia de que quem é rico, é porque trabalhou muito, e de que quem
é pobre, é porque é preguiçoso.
 Antes sequer de falarmos de capitalismo, o que tivemos foi uma ética protestante que
instalou uma série de princípios e de regras de comportamento dentro das quais e
através das quais o capitalismo se desenvolve e se dissemina.
 Com o passar do tempo, a ética protestante foi-se secularizando, ou seja, desloca-se
da esfera religiosa para todas as esferas da sociedade e da vida humana.
 Ideia de que para ser uma boa pessoa, tenho de trabalhar muito, esforçar, poupar,
planear tudo... ainda é uma coisa que ecoa hoje em dia.
 Princípios éticos extravasam práticas religiosas e tornam-se princípios seculares que
regulam a sua ação individual em sociedade.
 Dá-se a formação de novas estruturas sociais e os mesmos princípios da ética
protestante são os mesmos princípios da logica de acumulação, das ideias liberais-
capitalistas;
 Modelo económico (capitalismo) fazia sentido, porque já havia uma estrutura própria
(ética protestante) em que ele se encaixava.
o Modos de funcionamento do capitalismo disseminaram-se rapidamente
porque já havia estrutura que dava sentido a esse mesmo funcionamento.
o Do lado do protestantismo, temos postura ascética de responsabilidade
individual na relação com Deus.
o Do lado do capitalismo, temos postura de responsabilidade individual na
acumulação do lucro e da riqueza individual (versão capitalista da salvação da
alma) - ética do trabalho, racionalização do esforço pessoal para a
acumulação.
 Capitalismo inventou a procura racional, sistemática e disciplinada do lucro, como
um fim em si próprio e (mais importante do que isso) legitimou essa atividade.
o Legitimação da procura racional do lucro é o que lhe dá sentido.
o "Procurar lucro é uma coisa boa, desejável, eticamente responsável" -
resultado da secularização da ética protestante.
o A novidade do capitalismo é surgir num contexto em que a busca do lucro é
socialmente legitimada.
o Self-made men: versão 100% secularizada da ética protestante (pessoa que
tudo o que tem é responsabilidade sua e demais ninguém - valor e ética
demonstradas através das ações e não das palavras). Chegar mais longe
infinitamente, não é só sobreviver. Sucesso deve sempre ser maximizado.
o Weber dizia que a ética protestante olhava para a opulência como negativa e
via como positiva as ações individuais.
 Weber fala da busca racional do lucro pelo lucro, ele não critica, ele apenas analisa,
descreve como e porquê o capitalismo se disseminou tão rapidamente.

Racionalização:
 Abordagem de tipo instrumental;
 Busca racional do lucro corresponde a forma como consigo instrumentalizar os
recursos que tenho para ter o maior retorno possível, para maximizar a busca do
lucro.
 Ideia é controlar tudo, eu, o que está à minha volta, tudo para obter mais lucro.

Crítica de Weber:
 Processo de racionalização corre o risco de ir longe demais: se aplicado à totalidade
da ação humana, corre o risco de transformar todas as interações que temos em
interações instrumentais.
 Nível máximo de racionalização: Só faríamos seja o que for, porque temos algum
objetivo, porque queremos ganhar;
o OS MEIOS TRANSFORMAM-SE NO FIM;
o Racionalização torna-se no fim em si próprio;
 Weber entende este risco desta forma, porque, para o Weber, as estruturas existem
independentemente da vontade dos indivíduos, mas derivam/são efeito da ação dos
indivíduos.
 Vontade (o que quero fazer) é diferente de ação (o que fiz).
 As estruturas são resultados não intencionais/planeados das ações dos indivíduos.
o Pessoas comportaram-se da forma como fazia sentido para elas, essa forma
foi-se disseminando, tornando-se prevalente, deixando outras formas para as
margens, até se tornar hegemónica, até se tornar estrutural.
o Ninguém tinha a intenção de criar o capitalismo, mas ele surgiu;
o As estruturas são efeitos não intencionais da ação dos indivíduos.
o Como estruturas não dependem da vontade dos indivíduos, indivíduos podem
ter a vontade de racionalizar as suas ações, mas não se apercebem que essa
racionalização se pode ir espalhando e cobrindo toda a esfera da interação
humana.

 Perigo da racionalização transformada em fim em si mesmo: racionalização em todo o


lado (exemplo dos prédios super maximizados é sintoma de que estamos nesse
caminho).
o Weber antecipava a burocracia, que deixava de ser forma de facilitar as coisas
e passa a ser um fim em si mesmo.
o Burocracia racionalizada ao máximo deixa de fazer sentido, sendo o seu
próprio fim.
o Burocracia era suposto ser um meio, mas transforma-se num fim (ao
despersonalizar, deixa de servir as pessoas).
o Por ser organizado, não significa que seja a forma mais funcional.
o Weber considerava perigosa a burocratização do aparelho de Estado
(tornando todos em números).
o Weber não era contra a burocracia, contra estruturas de poder, o que ele via
era que a burocracia estava em ascensão enquanto um sistema de
dominação;
o Aparelho de Estado usava a burocracia como forma impessoal, vazia de
sentido humano;
o Weber identifica três grandes formas possíveis de legitimação de dominação:
 Tradição (forma pré-moderna);
 Legalidade racional/burocratização (codificação de leis);
 Burocratização contraria tradição (tradição/arbitrariedade vs
"contrato social");
 Condições históricas mudaram, logo a tradição não pode ser a
solução.
 Carisma (forma de legitimação de dominação):
 Mobilização do carisma como forma de sustentação de
dominação;
 É uma forma de legitimação de dominação que surge como
resposta ao desencantamento do mundo, provocado pela
sensação de gaiola de ferro que advém da burocracia ser
transformada num fim em si mesmo.
 Carisma assenta na experiência individual, num lado mais
humano para legitimar a dominação

Weber fala de dominação legítima: estruturas sociais que nós aceitamos como formas de
dominação legítimas (cumprir leis é legitimar a forma de dominação).

Gaiola de ferro:
 É interna aos próprios indivíduos;
 Indivíduos acabam a aprisionar-se a si mesmos nesta busca pela racionalização de tal
ordem que a experiência humana corre o risco de desaparecer no meio disto tudo e
de, em última análise, provocar o "desencantamento do mundo" - já nada nos move,
nada nos apela, porque tudo tem de ser visto pela lógica da racionalização.

WEBER (capitalismo - protestantismo - individualismo - racionalização)


 Gaiola de ferro (desencanto do mundo)
 Papel da burocracia

MARX (concentra-se na desigualdade no acesso à propriedade privada)


 Concentra-se nas questões materiais.

WEBER (concentra-se no poder)


 Várias formas de lutar pelo poder.
 Valoriza também as questões materiais, mas considera que as pessoas também se
organizam de outras formas, sem ser através do poder económico.

Para Weber, as questões económicas coexistiam com outras questões que, por sua vez, estão
associadas ao conceito de poder.
 A organização do poder estava associada aos conceitos de classe (relacionada com as
questões económicas no sentido de posse de propriedade privada e de capacidade
aquisitiva)
 3 formas de organização de poder:
 CLASSE: questões económicas (capacidade aquisitiva + meios de produção e
propriedade privada)
 mesmo que não detenha meios de produção (propriedade privada),
posso ser considerado uma pessoa rica pelos fundos que arrecadei
(capacidade aquisitiva, no banco, por exemplo);
 STATUS: grupos estatuários, corresponde a um elemento simbólico.
 Estatuto não implica necessariamente dinheiro, não implica
necessariamente relação com questões económicas.
 Relacionado com o estatuto que uma pessoa ocupa numa
determinada sociedade
 Exemplo: uma das formas de adquirir estatuto social é ser rico; a nossa
sociedade admira pessoas ricas e com estatuto (olhamos para elas,
diferenciamo-las, consideramo-las melhores que nós).
 PARTIDO: mobilização de poder político.
 Influenciar a vida social/impacto na sociedade.
 Fazer parte de uma estrutura partidária torna-nos importantes, tendo
em conta o impacto que podemos causar relativamente àquele que
uma pessoa "comum" causa.
 Por mais que fazer parte de um partido não dê à pessoa um estatuto
elevadíssimo, terá um estatuto maior que um cidadão comum.

 Existem diferentes disputas de poder a partir de diferentes tipos de poder.


 Relações entre os 3 tipos de poder não são lineares, há mais nuances.
 Diferentes formas de alocação de poder são vividas de forma diferenciada ou até
aparentemente contraditórias.
 Passamos de uma abordagem marxista onde detemos ou não os meios de produção (o
que nos leva a distinguir a burguesia do proletariado) para uma abordagem onde
estes conceitos não precisam de ser coincidentes:
 Exemplo: hipocrisia de pessoas gays (em posição económica diferenciada) que
votam no Chega, com a justificação de que a sua classe vai sair beneficiada
economicamente - votam por interesse próprio.
 Exemplo: na 1.ª campanha eleitoral do Trump, um dos grupos presentes num
comício denominava-se "Gays for Trump",
 O que nos leva a crer que estiveram ali, porque poderiam sair
beneficiados pela aquisição de mais recursos económicos, através das
políticas económicas de Trump;
 o que os levaria a adquirir um estatuto mais importante e talvez poder
vir a fazer parte de uma estrutura partidária (subiram nas
organizações de poder).
 Ainda assim, faziam parte dum estatuto minoritário (comunidade gay).
 Porque é que faz sentido?
 Olhar para as ações sociais a partir do sentido que as pessoas lhe dão:
olhar de dentro (perspetiva interior e egoísta).
 Ativismo GGG: gay gay gay - hierarquia do ativismo LGBT
 Pertença a grupos antagónicos na mesma pessoa.

 Para Marx, o capitalismo é insustentável pelo que a sua queda é inevitável.


 Para Weber, o capitalismo pode não ser autodestrutivo.
 É possível existir processos de equilíbrio de poder que gerem
relações/dinâmicas sociais estáveis o suficiente para não implodirem o sistema
capitalista.
 Weber não se foca em questões materiais, mas sim no poder.
 Para ele questões materiais são só uma forma de lutar pelo poder.
 O capitalismo (versão secularizada da ética protestante) não seria
autodestrutivo, porque o Estado interviria de forma a anular quaisquer
desigualdades que pudessem surgir.
 Porque é que o capitalismo ainda não implodiu? Porque é que a maioria da
população ainda não se revolucionou? Porque é que ainda não ganhámos
consciência de classe?
 A partir do momento em que existem estruturas (como o Estado-
Providência) que procuram suprir as necessidades das pessoas, há
uma diminuição da agudização do sofrimento e da sensação de crise
das pessoas, há uma diminuição da urgência que poderia mobilizar as
pessoas.
 O Estado Social tem amparado as crises do capitalismo, diminuindo
parcialmente a sua intensidade.

 O capitalismo está diferente.


 Nos dias de hoje, o facto do setor terciário ter passado a assumir um
papel de destaque leva-nos a uma nova perceção do capitalismo.
 No setor terciário, nem existem tradicionalmente proletários nem
burgueses, apesar de participarem na extração de mais-valia.
 O setor terciário não produz, apenas oferece serviços.
 Não investem no setor privado, nem têm propriedade privada, mas
participam na extração das mais-valias.
 Os trabalhadores do setor terciário não detêm meios de produção,
não têm uma classe ou estatuto diretamente associado.
 Aparecimento de novas formas de exploração e mudança na
importância dada à infraestrutura e à superestrutura.
 A infraestrutura alterou-se muito: novas nuances (gestor de loja vs.
trabalhador fabril).
 Se tem funcionado, então vai continuar a funcionar.

O conceito de classe social à prova: contributos (neo) marxistas, (neo) weberianos e


extensões às teorias da justiça social.

PERSPETIVAS NEOMARXISTAS E NEOWEBERIANAS:


Atualização/continuação das ideias de Marx e de Weber, adaptadas às condições atuais.
Setor terciário trouxe novos tipos de exploração.
Abertura de maiores posições de classe.
Nova complexidade nas relações materiais fruto das transformações capitalismo.
Espírito do capitalismo transformou-se.
Ocorrem mudanças de infraestrutura e superestrutura (cola para manter a infraestrutura a
funcionar).
Desenvolvimento de novos tipos de exploração (no sentido neomarxista).

 Novas formas de exploração:


o EXPLORAÇÃO CREDENCIAL
 Vem da crescente importância de se obterem determinadas
credenciais para se poder operar dentro do mercado de trabalho.
 Exemplo: nós, alunos, procuramos concluir a licenciatura, tida como
uma credencial, que nos permitirá (ou impedirá) aceder ao mercado
de trabalho.
 Existência de mecanismo/organizações reguladoras para as quais
temos de obter credenciais, pagar para ingressar na mesma e só aí
entramos no mercado de trabalho (exemplo: Ordem dos Médicos)
 É a porta de entrada, mas é cobrado simultaneamente (advém da
"consequência" das estruturas empresariais).

o EXPLORAÇÃO ORGANIZACIONAL
 Exploração que tem a ver com a complexificação e a verticalização da
organização das estruturas empresariais.
 A criação de posições intermédias faz com que tenhamos uma
situação em que um "proletário", materialmente visto do ponto de
vista marxista, tenha os interesses imediatos alinhados com a
burguesia;
 Embora ninguém desta hierarquia detenha os meios de produção.
 As diferenças entre os níveis hierárquicos criam uma nova forma de
exploração.
 Apesar dos interesses antagónicos, esta organização leva o
proletariado a ter uma mentalidade de burguesia (ganância e
exploração hierárquica).
 Exemplo: se os funcionários venderem mais, os seus superiores
ganham com isso (burguesia) e eles também.
o EXPLORAÇÃO CLIENTELAR
 Exploração mais evidente (que nos acaba por "chocar" mais por termos
tomadas as outras formas de exploração como "normais).
 Exemplos: Máfias, seitas religiosas...
 Podem chegar ao ponto de ameaçar alguém com a divulgação dos seus
segredos para obterem benefícios disso;
 Assimetrias muito grandes entre quem é explorado e quem explora.

o Tudo isto combinado gera uma espécie de manipulação (exemplo: eu só ando na


faculdade, porque é a única forma de ganhar um estatuto social para conseguir um
trabalho digno e minimamente estável).

 Todas estas formas de exploração relacionam-se com um projeto de vida aspiracional


(almejamos algo melhor):
o Remete-nos para a ideia de que estamos inseridos numa estrutura hierárquica
e, consequentemente, desigual.
o Era impossível "subirmos na vida" se estivéssemos numa estrutura
horizontal (não se sobe horizontalmente).
o A ideia de "subir na vida" alimenta desigualdade, sociedade vertical
hierárquica, uma competição baseada em desigualdades.
o Não é possível aspirar a uma vida melhor e "lutar" por isso se não houver
desigualdade.

o O conceito de "vida melhor" é diferente e depende da priorização entre classe,


estatuto e partido:
 Na perspetiva marxista, pessoas segmentadas de acordo com interesses e
estatuto deviam unir-se;
 Mas, segundo Weber, os interesses diferentes fragmentam os processos de
organização social, porque não há fio condutor da consciência de classe, logo
não há revolução.
 Cria diferentes objetivos de vida que fragmentam a união do proletariado
(como Marx pretendia);
 Unem-se com pessoas com os mesmos objetivos, não há consciência de classe,
nem solidariedade, logo não há revolução.

o A maneira como nós priorizamos os conceitos de "classe", "status" e "partido" gera


projetos de vida aspiracionais diferentes, ainda que anular as desigualdades sociais
implique a união entre todos.
 A nossa diferente priorização traduz-se numa fragmentação dos processos de
organização social que impede a formação de consciência de classes de Marx.
 As pessoas organizam-se em função dos seus interesses partidárias, ou da sua
capacidade aquisitiva, ou em função dos projetos a longo prazo ---- o que, por
sua vez, se traduz na ausência de consciência de classe.
 Reivindicações diferentes que entram em conflito, conduzem à separação
das pessoas, deixa de haver um fio condutor (não consciência de classe).
o Segundo Weber, a ideia transversal de proletariado deixou de ser mobilizadora: o
conceito de proletário deixa de fazer sentido para as pessoas, que se organizam em
função dos interesses pessoais.

 Metamorfoses do capitalismo:
o A meritocracia e o empreendedorismo correspondem a uns dos efeitos (com
transformações retóricas no processo) da metamorfose da ética protestante
(o indivíduo que tem mérito subirá na vida - esforço, trabalho, solução
própria).
o Deriva da ética protestante, porque, segundo ela, a pessoa, responsável pela
sua própria fé, é digna da salvação de Deus, portanto, a pessoa só chegou
longe graças ao seu mérito, ao seu esforço individual.
o A individualização das relações laborais (o que não se verifica só no contexto
laboral) relaciona-se com uma ocultação dos processos de exploração:
 com uma falsa equalização das relações de poder.
 deixa-se de usar a palavra "empregado" e passa-se a usar
"colaborador".
 para dar a ideia de "família", quando o objetivo não deixa de ser
enriquecer o patrão.
 Ocultação estratégica da verticalidade e da exploração laboral.
 Normalmente, não intencional e não consciente, graças à alienação da
burguesia que não tem consciência de classe.

o A alienação também pode resultar da ideia de que "se sempre funcionou, vai
continuar a funcionar".
 Exemplo: esperança média de vida mostra como o capitalismo não é tão mau
como dizem, há uma tendência para ver universalizar os benefícios do
capitalismo --- se funciona para nós, eventualmente vai funcionar para os
outros, porque havemos de pôr em risco?
 Tudo isto funciona numa lógica de racionalidade instrumental.
o O capitalismo e o individualismo alimentam-se.
o Pessoas não apreciam o anticapitalismo, porque não o veem o seu fim como
produtivo, acham que nos faria regredir (voltar às cavernas)

Notas adicionais:
 Desfrutar algo implica ter (ou seja, ter a potência de ação) de disfrutar algo.
o Exemplo: disfrutar de uma refeição significa que temos o poder de disfrutar
dessa mesma refeição e de não passarmos fome.
 "Squid Game" trata-se de uma crítica ao capitalismo (no qual o conceito de
participação voluntária se torna nebuloso)
o Os 100 jogadores iniciais podiam ter invertido a situação e revoltado contra os
"agentes", mas começaram a micro organizar-se.

As relações de exploração comportam direta ou indiretamente relações de poder e


dependência política.
- Contudo, as relações de dominação nem sempre implicam exploração.
- Em que situações é que isso pode acontecer? Formas de legitimação legítima, teorizadas por
Weber. Marx discorda.

Relações de exploração vs. relações de dominação:


“As relações de exploração comportam directa ou indirectamente relações de poder e
dependência política, não é necessariamente sustentável o contrário. As relações de
dominação nem sempre implicam exploração, podendo esta ocorrer ou não.” (Silva, 2009)
Campo, capital e habitus: a tríade conceptual em Pierre Bourdieu. O poder simbólico e a
teoria da reprodução cultural, e a dominação simbólica.

 Insegurança teve de ser ensinada por alguém, é o produto de alguma coisa, não
apenas uma origem.
 Fenómeno psicológico interno não surge do nada.
 Entrar na escola e sentir que não fazemos parte daquele ambiente.
o Sensação de incerteza e desconforto.
o Quem decidiu ficar, fica num desafio muito complicado, não sabemos o que
fazer agora.
o Incertezas vão impactar a nossa capacidade de funcionar dentro desse espaço.

Trabalho de Pierre Bordieu veio da sua observação de que o sistema escolar não estava a
fazer aquilo eu era suposto fazer, que as tais ideias de democratização e igualdade não
estavam a funcionar e que ao mesmo tempo as teorias previamente existentes sobre o
sucesso escolar não funcionavam (ideia de que a inteligência é uma coisa hereditária, ideias
pseudocientíficas, quase a roçar o eugenismo).

Nem as teorias de sucesso escolar explicavam, nem a escola o fazia.


 Quantidade de tempo que as mães passam a ajudar as crianças nos trabalhos
escolares é um dos mais fortes preditores de sucesso escolar:
o Família com mais rendimentos, mais tempo, mais formação escolar...
o Família mais estável, mais sólida...
o Todos estes fatores desembocam neste fator estatístico específico.

Roupa é fator de grande desconforto para os alunos.


 Ambiente familiar, contexto cultural, afetam o desenvolvimento das competências que
se esperam na escola.
 O espaço escolar tem um tipo de normas, de comportamentos preferenciais e esse
tipo de valores existe em algumas famílias e não existe noutras.
 As famílias em que esse comportamento já existe, esse comportamento vai fazer parte
da base educativa das crianças e chegam à escola e encontram uma continuação dos
mesmos valores e comportamentos (sentem-se bem e integradas).
 Crianças que não nasceram numa família com essas práticas sofrem muito mais.
 Na esmagadora maioria dos casos, reproduz-se faltas de práticas de estudo de avós
para pais, de pais para filhos,
 Tudo isso se torna mais difícil, porque ao não terem sucesso escolar, não vão ter o
dinheiro suficiente para dar o salto.

HABITUS:
 São os hábitos que diferentes grupos sociais têm, diferentes valores subjacentes a
esses hábitos, e a partir dos quais tanto se geram processos de pertença
(identificação) como de diferenciação.
 As coisas com que eu me identifico (o espaço dos meus) e as coisas com que não me
identifico (o espaço dos outros).
 Muitas vezes temos uma série de valores daquilo que é suposto ser o comportamento
certo ou a resposta certa, mesmo quando essa resposta certa não corresponde sequer
aos nossos comportamentos efetivos.
 Diferença entre se dizer que se ouve Mozart e se dizer que se ouve Britney Spears,
diferença entre imagens que queremos passar de nós;
 Mozart era na sua época o sucesso era mais ou menos equivalente ao da Britney
Spears (ele morreu na miséria, ela não terá o mesmo destino).
 Habitus é uma serie de valores que estão ligados a ideias de pertença, de
exclusividade, de mais importância.
Como se forma?
Tal como o Weber, antevia lutas de poder em diferentes tipos de poder, o Bordieu também
vai distinguir diferentes formas de lutar pelo poder, diferentes tipos de capital (no sentido
não marxista):
- CAPITAL ECONÓMICO (dinheiro, propriedades...)
- CAPITAL SOCIAL (capacidade de nos relacionarmos com as pessoas certas, mais capital social
acontece quando estamos juntos de pessoas com maior capital social, que têm maior
influência)
- CAPITAL CULTURAL (normas e valores certos, conhecimento geral, questões de literacia,
inclui a música que eu ouço...)
 Contraria a ideia de que a inteligência determina o quão cultas as pessoas podem ou
não podem ser.
 Desnaturaliza a ideia de que as pessoas são mais ou menos inteligentes.
 Três tipos de capital existem numa relação de amplificação mútua:
 Dinheiro permite-me ir a concertos, eventos. Se conhecer pessoas
importantes, facilmente vou a eventos. Se tiver por perto pessoas mais ricas,
posso arranjar um bom emprego que me permite ter um maior capital
cultural.
 Capital económico é aquele que é mais facilmente transformável nas outras
formas de capital.
 A transformação das outras formas de capital em capital económico já não é
tão garantida.

Para alem destas três formas, existe uma outra forma que decorre da súmula, da agregação
destas três formas de capital: CAPITAL SIMBÓLICO.
 Quando pensamos que alguém é importante, pensamos num todo, não só porque é
rica, mas porque tem um capital simbólico elevado.
 Valorizamos tipos de capital diferentes em contextos diferentes (na escola, valoriza-
se o capital cultural; na bolsa, o capital económico)
 Pensando em nível estrutural:
o Um grupo de pessoas que tem uma série de valores que são minimamente
semelhantes, temos um grupo de pessoas que está a tentar mobilizar o seu
capital simbólico para formar um habitus, para criar uma comunidade, um
grupo.
o Sempre que pertencemos a um grupo, grupo tem de série de valores e
atitudes, sentimos na pele os efeitos disso, porque esse grupo tem
coletivamente um capital simbólico que está a mobilizar para estabilizar um
habitus.
o Bordieu diz que toda a gente de forma inconsciente tem uma atitude
estratégica face ao seu próprio capital simbólico, todos tentam obter ou
adquirir capital simbólico, luta pela sua obtenção.
o A lógica é sempre a mesma, independentemente da dimensão.
o Pensar muito no que dizer num grupo é uma forma de pensar no impacto que
isso pode ter no capital simbólico, é uma forma de luta inconsciente pelo
capital simbólico.
o Está ligado a questões de vergonha, insegurança, que advém de uma serie da
valores do que é aceitável ou não, o que deriva do habitus de um determinado
grupo onde nos encaixamos ou procuramos encaixar.
o Nem todas as formas de habitus têm a mesma preponderância.

Cada grupo social tem um habitus:


 Todos os grupos estão em confronto uns com os outros, o grupo que tem a
capacidade de impor o seu habitus aos outros, torna-se um grupo cujo habitus é
hegemónico, é visto como a maneira certa de agir.
 Habitus de silencio e respeito pelo diálogo são mais fortes na classe media e mais
acima.
 Os habitus têm níveis diferentes.
 Grupo dominante impõe valores aos outros grupos de tal forma que estas normas e
valores desparecem e são considerados normais ou naturais.
 Capital simbólico é a nossa capacidade de projetar a potência de poder sobre os
outros. É aquilo que vemos mais imediatamente. Para funcionar, necessita de
reconhecimento. Enquanto o dinheiro que temos no banco é um capital económico, o
capital simbólico só existe se for reconhecido.

Na escola, procura-se reproduzir o capital simbólico:


 Pessoa que se veste de medico, vai ser identificada como tal, as pessoas vão investi-lo
com capital simbólico.
 Capital simbólico funciona de forma discursiva, dialógica.
 Objetivo do grupo hegemónico é manter a sua hegemonia, quer sempre aumentar o
seu capital simbólico, é manter o controlo sobre o habitus através de uma série de
processos sociais e institucionais que, por um lado, invisibilizam o seu poder, mas,
por outro lado, o estendem, o universalizam.
 Não é apenas uma questão de comportamentos diferentes, há sempre uma questão
de valores.
 Quem faz isto é bom, quem não faz é mau, habitus faz-nos acreditar que há um certo e
um errado.
 Habitus não é estático.
 Capitais simbólico envolve sempre lutas de poder. Grupo hegemónico tem de estar
sempre a contender com outros grupos que estão a contestar o seu capital
simbólico, o seu poder, ou até com fações que estão a tentar influenciar numa
determinada direção o habitus.

Estabelecimento de habitus hegemónico envolve sempre necessariamente relações de


dominação simbólica:
 Para fazer valer o meu modo de vida, tenho de esvaziar modos de vida alternativos.
 Envolve sempre processos de violência simbólica (não é uma coisa metafísica, é a
violência sobre o capital simbólico, que vai resultar na perda dos outros tipos de
capitais.)
 Insucesso escolar é uma forma de violência simbólica,
 Implicações: Mais ou menos toda a gente é cúmplice com a manutenção do habitus
hegemónico, porque praticamente toda a gente partilha os mesmos valores, as
mesmas ideias sobre comportamentos e implicam violência simbólica.
 Exemplo da praxe: organização naturalizada numa estrutura vertical, que é uma
estrutura automática, tudo está predefinido. É visível na alocação de direitos e
deveres. Praxe existe como sucedâneo de versão localizada de habitus hegemónico -
normalização de hierarquia, de desigualdades, de violência simbólica... Praxe baseia-
se na prática de violência simbólica.
 Dominação masculina: Retóricas sobre como os homens são melhores em varias
áreas. Objetivos são apenas naturalizar assimetrias de género. É um bom exemplo de
como a sociedade contribui para a violência simbólica (exemplo: pais dizem aos filhos
masculinos para não chorarem, porque um homem não chora).
 Professor também exerce um certo nível de violência simbólica.

Estes jogos de poder acontecem dentro dos CAMPUS SOCIAIS:


 Saímos do contexto, do lugar, perdemos a capacidade de exercer violência simbólica.
 Existe um espaço social que dá sentido e estrutura àquele exercício de poder.
 Há espaços mais pequenos (salas de aula) e outros maiores (sociedade machista).
 Fazemos parte de vários grupos ao mesmo tempo que normalmente estão em conflito,
têm interesses conflituantes.
 Há imensos grupos.
 A mudança acontece quando um grupo de pessoas com capital simbólico se organiza
e empurra os valores predominantes de um habitus (exemplo: Movimento feminista,
LGBT, anti racista)
 Normalmente, este tipo de movimentos começa nas elites sociais e culturais e depois
é que se estende às classes mais baixas (exemplo: Sufragistas que começaram o
movimento tinham um elevado capital simbólico que lhes permitiu disputar o habitus
vigente, no campo político.)

Os MEDIA SÃO UMA FORMA PRIVILEGIADA DE DISSEMINAÇÃO DO HABITUS e de


naturalização do habitus, porque eles são controlados pelos grupos hegemónicos:
 Pessoas não agem segundo teorias da conspiração/estruturais, mas para manter
individualmente o seu capital simbólico.
 Todos os estereótipos ultrapassam o individuo, mas o indivíduo ou as naturaliza ou
tenta lutar contra elas, mas nunca individualmente, mas no seio de lutas de poder
de grupo.
 Produção nas redes sociais é criada individualmente, mas não vem do vazio,
reproduzimos individualmente características do habitus do grupo hegemónico,
porque dá jeito passar a dizer de que fazemos parte desse grupo hegemónico.
 Quem tem mais capital simbólico, consegue mais facilmente influenciar o
habitus.
 Há não só processos de hegemonização, mas também processos de diferenciação
(deixamos de ter uma característica para nos diferenciarmos)
 Importante é perceber as dinâmicas de poder nas quais estamos envolvidos.
 O que faz alguém ser parte de um grupo social é ser reconhecido pelos outros
elementos do grupo, submetendo-se ao habitus hegemónico, mas o seu capital
simbólico é independente.

Georg Simmel e a modernidade como aventura: a «moda», o «dinheiro», o «estrangeiro» e a


«metrópole» como formas de uma modernidade ambivalente

Interacionismo: presta especial atenção ao modo como os sujeitos individualmente interagem


entre si e como as dinâmicas sociais acabam por emergir a partir destas interações.

Na perspetiva de Simmel, o dinheiro, adquirido a partir do trabalho (que, por sua vez, é
responsável por uma sensação de apatia e provoca cansaço), é fundamental para o consumo,
que se relaciona com a noção de moda.
MODA (Simmel)
 Andamos sempre atrás da moda: a moda é cíclica (num momento estamos na moda,
mas pouco tempo depois, deixamos de estar).
 Se nos vemos livres da moda, deixamos de ter um sistema para combater a apatia.
 O aspeto efémero da moda é o que lhe dá mais força no combate à apatia.
 A moda é o que introduz mudança, que traz experiências diferentes que quebram a
monotonia, a sua apatia.
 Se tivéssemos uma moda teórica não cíclica, ela iria apenas replicar a apatia e não a
combater.
 A diferença que a moda introduz, por um lado, liberta-nos da monotonia do trabalho,
por outro, induz-nos a andar sempre atrás dessa diferença, para mantermos os
processos de coesão social.
 Está tudo tão acelerado.
 O retorno dos anos 70 não representa o regresso de uma sensibilidade, porque nunca
os vivemos, logo a roupa dos anos 70 acaba sempre por ser uma novidade para nós.
 Jogo de equilíbrio entre estar na moda (lado da mudança constante) e arranjar estilo
individual (lado da estabilidade).
 Apatia está dividida em grupos sociais (cada grupo acaba por ter a sua forma, a sua
moda, para combater a apatia).

 O Simmel não trabalha isto a partir do conceito de classe social, fala do dinheiro como
forma de produzir as sensibilidades modernas, há pessoas que estão excluídas deste
circuito do dinheiro.
 Pessoas que vivem em campos de refugiados, sem-abrigos é que não entram
no ciclo do dinheiro, que sensibilidades têm essas pessoas, que folgas têm na
sua apatia? A toxicodependência e alcoolismo são resposta à apatia e reflexo
da ausência de estruturas sociais que os ajudem a responder à apatia.
 Quando não há redes de apoio (amigos, famílias...), não conseguem responder à
apatia.
 Prisões dos EUA são uma das principais fontes de mão de obra escrava para trabalho
fabril (essas pessoas estão envolvidas no ciclo do dinheiro, por mais que ganhem
pouco).
 Pessoas que estão em tribos isoladas, segundo Simmel, não fazem parte da
modernidade, porque não têm a trilogia (cidades, dinheiro e máquina).

Trabalho (máquina)
Dinheiro (capital)
Cidade (êxodo rural)

 Isto tudo está a acontecer dentro da cidade, no espaço da cidade.


 Quando vimos do campo para a cidade, a experiência da cidade é sobre estimulante
(overwhelming) e quando estamos assim, criamos barreiras.
 Toda a gente nos transportes públicos com fones estão a tentar criar uma barreira
entre elas próprias e a sobre estimulação da cidade.
 Esta sobre estimulação pode, por um lado, conduzir à apatia, mas, por outro lado, é a
condição que permite também combater a apatia.
 No campo, morrendo de tédio, não há hipóteses para quebrar essa monotonia. Na
cidade já existem.
 Cidade sobrecarrega-nos, mas também nos dá a hipótese de combater essa
sobrecarga, através do uso do dinheiro.

 Na cidade, vive também o ESTRANGEIRO:


o Estrangeiro tem também um papel ambivalente neste processo;
o Por um lado, permite a afirmação da minha identidade através da
identificação da sua diferença (componente SEGREGATIVA);
 Nós somos mais nós, porque nós somos diferentes deles.
o Por outro lado, esta exposição à diferença também alarga e alimenta as
possibilidades que o próprio sujeito tem de afirmar as suas próprias
individualidades.
 Porque ganha mais exemplos práticos de diferentes maneiras de ser,
ganha vocabulário maior sobre como é que se pode ser.
 Componente FUSIONAL - afinal, posso ser diferente daquela
maneira, não necessariamente pertencer ao grupo do estrangeiro,
mas há um alargamento de certas expectativas de funcionamento
social.
 A diferença deles é o que me permite a mim alargar o meu leque de
possibilidades de diferença.
o Estrangeiro não tem de ser uma pessoa doutro país, é o diferente de mim.
o É o olhar para reforçar a minha posição num grupo vs. olhar para reforçar a
minha individualidade para reforçar a minha individualidade nesse grupo.
 Exemplo: fazer parte de uma minoria sexual na aldeia vs. fazer parte
de uma minoria sexual na cidade (é mais fácil passar despercebido,
porque a cidade está tão encruzada com a experiência do diferente,
do estrangeiro, que há mais espaço para eu ser um pouco mais
diferente).
o Cidades altamente cosmopolitas têm bairros completamente associados a
determinadas comunidades, por causa deste fenómeno de fragmentação.
Estrangeiro ocupa espaço de ampliação das práticas do eu ou do nós.

SE TIRAMOS O DINHEIRO DA EQUAÇÃO, CAI TUDO.


 A grande mudança de sensibilidade pela modernidade para o Simmel: o facto de que o
dinheiro se transforma no processo de mediação de todas as interações sociais;
 O dinheiro transforma-se na maneira como nós valorizamos e avaliamos as nossas
interações sociais, a maneira como nos avaliamos uns aos outros.
 Olhando para os processos da moda, precisamos sempre de dinheiro para conseguir
estar na moda.
 O que representa maior dedicação é tudo o que é mais caro.
 Nós transformámos o valor das relações sociais num sucedâneo do dinheiro.
 O dinheiro é a bitola de avaliação das relações que nós estabelecemos com as outras
pessoas.
 Já não existem relações sociais que não envolvam a mobilização do dinheiro.
 Dinheiro significa o quão uma pessoa vale para ti.
 O quão gostamos de uma pessoa traduz-se na quantidade de dinheiro que lhe
dedicamos.
 Tentativa de combater isto: secret santa, com teto máximo (quando alguém excede
parece só quer mostrar que é mais rico).
 A comida, a roupa, tudo está envolvido nisto.
 Relações sociais compreendidas através do dinheiro.
 O risco principal do Simmel é a perda de relações sociais autênticas, relações sociais
que não sejam mobilizadas a partir de uma avaliação quantitativa, de relações sociais
que sejam um fim em si mesmo, mas não um meio para atingir um (conceito de
instrumentalização).
 Relações sociais correm o risco de serem instrumentalizadas.
 Sensibilidade introduzida pelo dinheiro é instrumentalista, objetivista...
 Não é o que eu represento para ti, mas quanto eu represento para ti (o que importa é
a quantidade).
 Nós já estamos dentro da sensibilidade, a questão é até que ponto é que isto vai?
 Nós traduzimos o valor que a pessoa tem para nós através do dinheiro que achamos
que devemos gastar com ela.
 Sensibilidade tão generalizada que já nem nos apercebemos.
 O mesmo se aplica ao tempo que dispensamos, porque o tempo é dinheiro.
 Tudo gira à volta de um valor quantitativo.
 O dinheiro é visto como o marcador último do valor do tratamento da pessoa.

Citação:
O dinheiro “esvazia irreparavelmente o âmago das coisas, as suas particularidades, os seus
valores concretos e a sua singularidade e incomparabilidade” (Simmel, 1971, as cited in Crary,
2022, p. 127).

O interacionismo simbólico da escola de Chicago visto através de Becker; o desvio enquanto


construção social

 Já é posterior ao surgimento do interacionismo;


 Não inventou esta corrente, opera dentro da corrente do interacionismo simbólico;
 Aquele que ele fez foi olhar para o conceito de DESVIO;
o Tentou perceber o que é que faz com que uma pessoa seja vista como
desviante;
o Para eu ter uma pessoa desviante, preciso do quê?
 Desvio é produzido pela norma.
 Não há violações de regras sem existirem regras.
 O que é desvio?
o Não tem a ver com o cumprimento ou não da norma.
o Há várias situações em que a pessoa cumpre a norma e é tratada como
desviante.
o E outras em que a pessoa não cumpre a norma e não é tratada como
desviante.
 Exemplo: sem-abrigo faz linha de cocaína (drogado - desviante); se for
o Elon Musk, é um rei, não é desviante.
 Exemplo: pessoas dão muitos beijos (raparigas - desviantes / rapazes -
não é desviante).
 Para termos um desviante:
o Precisamos de um grupo;
o O grupo precisa de criar normas;
o Uma pessoa desviante é uma pessoa que é chamada de desviante (precisamos
de rotulação).
 Isto vale para as pessoas que não viola as normas e é estigmatizada e
vice-versa;
 Não tem a ver com comportamento, um grupo rotula outro como
desviante para aplicar alguma punição ou sanção.
 Este ato de rotulação é um ato simbólico, atribuição de um símbolo
que é desviante.
 Essa atribuição é interativa (grupo que atribui interage com grupo que
é rotulado).
 Se a atribuição tem sucesso, vai depender da força relativa de cada
um dos membros envolvidos nesta interação, em primeiro nível;
 É PRECISO TER INTERESSE EM ROTULAR COMO DESVIANTE, PORQUE
JÁ NÃO INVESTIMOS NESSAS NORMAS.
 Não temos investimento nesta norma (as normas só se mantém vivas
enquanto existirem pessoas a investirem nelas);
 As normas podem continuar a existir, mas que não são usadas, são
letra morta.
 Mesmo supondo que queríamos saber, não podíamos fazer nada,
porque temos poder.
 MESMO QUE TIVÉSSEMOS INTERESSE, A ASSIMETRIA DE PODER É TAL
QUE NEM TEMOS RECURSOS PARA O CONSIDERARMOS DESVIANTE
 Poder é, por natureza, discricionário.
 Rotulação depende se se investimos na norma ou não;
 Punição depende se têm ou não recursos.
 Há pessoas que querem se apresentar ao mundo como desviante, quer que os outros
a tratem como desviante.
 Há pessoas que pretendem atrair esse rótulo de desviante.
 A rotulação não precisa de um desvio real.
 As pessoas que são consideradas desviantes, unem-se, formam um grupo que passa a
ter regras e a rotular os outros como desviantes.
 A rotulação de desviante é sempre relativa a um determinado grupo e a um
determinado conjunto de normas.
 Quando dizemos que o grupo x é desviante, temos de perguntar "é desviante em
relação a quem? É desviante relativamente à mobilização de que normas?"
 O mesmo comportamento pode ser desviante face às normas de um grupo e pode
reforçar as normas de um outro grupo.
o Exemplo: ritual de iniciação num gangue (crime para o gangue reforça as
normas do gangue, mas é desviante face às normas do outro grupo).
 Certos e determinados grupos mobilizarem o seu capital simbólico para criar normas e,
assim, rotularem outros grupos que, por sua vez, acabam por se formar por serem
todos desviantes, passam a ter normas em comum e o ciclo repete-se.
 Não há sempre um grupo hegemónico, isto é dinâmico, está sempre a mudar.
 Pessoa racializada é rotulada como criminosa, não por ter esse comportamento, mas a
imputação desse comportamento e do rótulo que lhe está associado.
 Movimentos sociais como uma luta de poder.
 Luta gay: grupo foi ganhando capital simbólico, tendo poder para alterar as regras do
grupo hegemónico.
 Quando um grupo tenta rotular outro de desviante, às vezes falha, porque o grupo
não tem poder suficiente.
o Exemplo: os vegans gostavam de apelidar as pessoas que comem carne de
desviantes, mas ainda não têm poder suficiente para o fazer.

 No moodle, estão 3 modelos que Becker critica:


o Modelo estatístico: o desviante é o que tem o comportamento minoritário,
mas há uma série de comportamentos maioritários que são considerados
desviantes.
o Modelo médico-biológico: sociedade é um organismo, é desviante todo aquele
que faz enfraquecer um modelo social. Não funciona, porque a definição do
que enfraquece o corpo social está constantemente a mudar.
 Exemplo: voto das mulheres ia destruir a sociedade, mas agora já não
se encara assim.
o Modelo relativista: tem a ver com os comportamentos, mas não são os
comportamentos que definem se é desviante ou não.

O modelo do Becker é o MODELO DA ROTULAÇÃO:

Grupos

Normas
↓ (poder/interesse)
Rotulação
↓ (poder/resistência/postura face à rotulação)
Punição

 Existem certos indivíduos que em certos contextos tentam hiper mobilizar o resto do
grupo para fortalecer uma norma que eles consideram estar sob ataque, em risco de
desaparecer: MORAL CRUSADERS.
 Empolam um determinado risco e tentam mobilizar o resto do seu grupo para se
mobilizar contra esse risco percecionado.
 Exemplo: livrem as nossas crianças da ideologia de género.
 Argumento das crianças é muito maleável.
 Moral crusaders necessitam de uma retórica de pânico, de ameaça para tentar
provocar a mobilização do resto do mundo.
o Adoram meios de comunicação de massa para transmitir uma mensagem super
violenta.
o Exemplo dos negacionistas da covid...
o Grupos de extrema-direita veem vantagens em colocarem-se na posição de
dizerem que estão a ser discriminados, a vítima mobiliza muito a sociedade.

Citações:

Becker, H. (1963). Outsiders: Estudos de sociologia do desvio.

Regras sociais:

“Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando


algumas ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”.

Definição de outsider:

“Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como
um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas
pelo grupo.” (Becker, 1963, p. 15)

“aquele que infringe a regra pode achar que os seus juízes são outsiders” (Becker, 1963, p. 15)

“quer uma regra tenha força de lei ou de tradição, quer seja simplesmente resultado de
consenso, a tarefa de impingi-la pode ser o encargo de algum grupo especializado, como a
polícia (...), por outro lado, pode ser uma tarefa de todos, ou pelo menos a tarefa de todos no
grupo a que a regra se aplica. Muitas regras não são impostas (...)” (Becker, 1963, p. 16)
“Regras informais podem morrer de maneira semelhante por falta de imposição. (...) regras
operantes efetivas de grupos, aquelas mantidas vivas por meio de tentativas de imposição”.
(Becker, 1963, p. 16)

“alguns dos que violam regras não pensam que foram injustamente julgados”

“alguns desviantes (...) desenvolvem ideologias completas para explicar por que estão certos e
por que os que os desaprovam e punem estão errados.” (Becker, 1963, p. 17)

“À medida que supõem que atos infratores de regras são inerentemente desviantes, e assim
deixam de prestar atenção a situações e processos de julgamento, a visão de senso comum
sobre o desvio e as teorias científicas que partem de suas premissas podem deixar de lado uma
variável importante.” (Becker, 1963, p. 17)

Conceção estatística:

“A conceção mais simples de desvio é essencialmente estatística, definindo como desviante


tudo o que varia excessivamente com relação à média.” (Becker, 1963, p. 18)

Críticas à estatística:

“A mistura contém pessoas comumente consideradas desviantes e outras que não infringiam
absolutamente qualquer regra. (...) está longe demais da preocupação com a violação de
regras, que inspira o estudo científico dos outsiders.” (Becker, 1963, p. 18)

Conceção de desvio enquanto algo “patológico”:

“revelando a presença de uma “doença”. (...) Quando está funcionando de modo eficiente,
sem experimentar nenhum desconforto, o organismo humano é considerado “saudável”.
Quando não funciona com eficiência, há doença.” (Becker, 1963, p. 18)

Críticas à conceção patológica:

“as pessoas não concordam quanto ao que constitui comportamento saudável” (Becker, 1963,
p. 19)

“A metáfora médica limita o que podemos ver tanto quanto a concepção estatística. Ela aceita
o julgamento leigo de algo como desviante e, pelo uso da analogia, situa sua fonte dentro do
indivíduo, impedindo-nos assim de ver o próprio julgamento como parte decisiva do
fenómeno.” (Becker, 1963, p. 20)

“Se isso for verdade, é igualmente verdadeiro que as questões de quais regras devem ser
impostas, que comportamentos vistos como desviantes e que pessoas rotuladas como
outsiders devem também ser encarado
s como políticas.”

Conceção mais relativística:

“Ela identifica o desvio como a falha em obedecer a regras de um grupo.” (Becker, 1963, p. 20)

“Essa concepção é mais próxima da minha, mas não dá peso suficiente às ambiguidades que
surgem ao se decidir quais regras devem ser tomadas como o padrão de comparação com
referência ao qual o comportamento é medido e julgado desviante.” (Becker, 1963, p. 21)
“define o desvio como a infração de alguma regra geralmente aceite. Ela passa então a
perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas personalidades e situações de vida
dessas pessoas, e que poderiam explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que
infringiram uma regra constituem uma categoria homogénea porque cometeram o mesmo ato
desviante.” (Becker, 1963, p. 21)

Conceção de desvio, defendida por Becker:

“desvio (...) é criado pela sociedade.” (Becker, 1963, p. 21)

“grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas
regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders.” (Becker, 1963, p. 22)

“o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da
aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse
rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam
como tal”. (Becker, 1963, p. 22)

“desvio é (...) uma consequência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos
(...) não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou
infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível;

- algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra.

- (...) não podem supor que a categoria daqueles rotulados conterá todos os que realmente
infringiram uma regra, porque muitos infratores podem escapar à detecção e assim deixar de
ser incluídos na população de “desviantes” que estudam.

À medida que a categoria carece de homogeneidade e deixa de incluir todos os casos que lhe
pertencem, não é sensato esperar encontrar fatores comuns de personalidade ou situação de
vida que expliquem o suposto desvio.” (Becker, 1963, p. 22)

Pessoas desviantes têm em comum:

“partilham o rótulo e a experiência de serem rotuladas como desviantes”

“o desvio como produto de uma transação que tem lugar entre algum grupo social e alguém
que é visto por esse grupo como infrator de uma regra.” (Becker, 1963, p. 22)

Becker vai focar-se, sobretudo, “no processo pelo qual eles passam a ser considerados
outsiders e suas reações a esse julgamento”. (Becker, 1963, p. 22)

“minha insatisfação com a expressão “teoria da rotulação” (Becker, 1963, p. 180)

A 'viragem performativa' nas CSH – Judith Butler e a teoria queer, proximidades e diferenças
de Goffman através da noção de 'género'

 Existem dois grandes tipos de argumentos (componente virada para biologia e outra
virada para a história, sociologia, gostos, práticas).
 Normalmente, para pensar estes dois polos, o que se faz é criar uma distinção entre
sexo e género.
o Sexo seriam as condições materiais da existência (objetivos, científicos,
estáveis).
o Género seria toda a bagagem cultural e a forma como isso se transforma em
processos de autoidentificação (variáveis, histórica e culturalmente variados,
condicionados).
 Butler diz que esta distinção entre sexo e género é uma ficção.
o "o sexo é sempre já género"
o A grande linha de distinção é a de que o sexo não seria culturalmente
produzido e de que o género é que o seria;
o Butler diz que sexo é culturalmente produzido também;
o Categorias de sexo que temos são culturalmente produzidas, porque não
correspondem à realidade material dos corpos.
o Se nós tivéssemos categorias de género ligadas à realidade material, teríamos
5 categorias, porque há 5 combinações diferentes.
o Toda a gente tem todas as hormonas, em níveis diferentes, só que esses níveis
diferentes de classificação hormonal não encaixam num sistema dual.
o Há homens que têm pouca testosterona, outras muito.
o Não existem hormonas femininas, nem masculinas, todos temos todas, com
efeitos práticos.
o Precisávamos de 5 sexos, em termos genéticos.
o Precisávamos de infinitos sexos, em termos hormonais (fusão da testosterona,
dos estrogénios...)
o Podem existir 25 configurações genitálias diferentes para além de vagina e
pénis (27 sexos diferentes).
o O único número que não encontramos é o número 2, por isso, o conceito de
sexo é também ele culturalmente produzido.
 A questão da produção cultural do sexo não se fica por questões de terminologia.
Tem manifestações materiais.
o Mutilação genital de bebés intersexos (se um bebé nasce com genitália
ambígua, os médicos medem e fazem a alteração para produzir um pénis ou
um clítoris).
o Se o sexo não é culturalmente produzido, porque é que temos operações
para fabricar pénis ou clitóris.
o Intervenções genitais em recém-nascidos foram tornados ilegais apenas em
2018. Ainda hoje, hospitais portugueses continuam a fazê-lo.
o Quando se diz que o sexo é já género, é disto que se fala.

o Casos em que os vários elementos não batem certo com a realidade.


o Se a conceção é um elemento definidor, então só podemos falar de mulheres quando
uma pessoa com útero é fértil.
o Há pessoas com útero que são inférteis, isso excluiria essas pessoas de categoria de
mulheres.
o Nós temos uma ideia de que existe uma verdade inescapável do sexo, em cima da
qual há uma espécie de camada que enformam a nossa ideia de género, contudo, é
ao contrário:
 São os nossos sentidos culturais que produziram o conceito genderizado de
sexo com o objetivo de pertença objetivo para impedir qualquer discussão.
 Complexidade é eliminada por quem reduz o sexo a 2 possibilidades.
 Se o sexo é já género, precisamos de uma definição de género que explique
não só as variações sociais, mas que ao mesmo tempo explique a produção do
conceito de sexo.
 Butler diz que o que está subjacente à maneira como o género opera na nossa
sociedade é a chamada MATRIZ HETEROSSEXUAL.
 As regras normativas da matriz heterossexual dizem-nos que a um corpo tem de
corresponder um género e que a um género tem de corresponder ums atração
oposta, mas complementar.
 Matriz é um sistema de criação de posições. Exemplo: batalha naval (filas e
colunas que definem posições válidas).
 Posição não é aceite porque não está disponível para ser assinalada numa
determinada matriz.
 A matriz utiliza este encadeamento normativo (corpo - género - atração) para
produzir estas posições. O que estiver fora destas posições é inválido ou é
corrigido ou é eliminado (terapias de conversão, violação corretiva...)

CORPO --- (trans e intersexo) --- GÉNERO --- (LGBQA+) ---- ATRAÇÃO

GÉNERO é um sistema produtivo que não tem apenas que ver com as normas e as práticas,
tem que ver com todo um sistema de alocação de corpos e de existências dentro de um
regime específico, ditado pelas regras da matriz heterossexual.
 Como é que essas normas são produzidas, alteradas...?
 Butler diz que o género opera enquanto performatividade, não enquanto
performance, mas enquanto performatividade.
 Se o género operasse enquanto performance, isso quereria dizer que a maneira como
nos comportamos seria porque somos homens ou mulheres.
(GÉNERO -» COMPORTAMENTO)
 Os comportamentos produzem género, não é o género que produz comportamento.
O eu fazer a, b ou c é uma prática que visa produzir a minha existência enquanto
homem, mulher...
 O que está por detrás da performatividade é a repetição estilizada dos atos da carne
(COMPORTAMENTO ----» GÉNERO).
o Performatividade é alimentada pela repetição estilizada dos atos da carne.
 O conceito de género estão constantemente a ser produzidas por nós, todos os dias
em tudo aquilo que fazemos.
 Não somos meros recetáculos de género, somos produtores ativos de género.
 Na corte francesa, a utilização de saltos altos era feita por homens. Quando as
mulheres começaram, os homens deixaram de usar para não serem confundidos com
elas.
o Em cada momento, nós achamos que a nossa forma de género (os nossos atos
estilizados da carne) foi aquilo que sempre foi, mas esquecemos que já foram
assim, mas já mudaram muito.
o Uma característica fundamental da performatividade de género é o seu
CARÁTER DISSIMULATÓRIO (uma parte integral da nossa produção de género
é nós não nos apercebermos que estamos a produzir género).
o As pessoas acham que o género produz comportamentos, porque esta
conceção obscurece o verdadeiro funcionamento do sistema de
performatividade de género menos exposto a críticas.
 Dizer que o sexo é natural é voltar a naturalizar o social.
 Manipulação de genes para produzir bebés por encomenda estão para breves. Se o
sexo é essa coisa natural, podemos mudar de uma forma eugenista.
 Este aspeto ocultatório da performatividade de género afasta-nos das relações de
poder que estão por detrás desse mesmo género.
 Essas ações existem ao nível institucional.
 Atos estilizados da carne tem a ver com o que fazemos ao nosso corpo (implantes
mamários, operações trans...).
 Mulher vai fazer um implante mamário para se tornar mais mulher, para produzir mais
o seu género.
 Não existem homens ou mulheres, existem produtos de uma série de práticas que
são entendidos como mulheres...
 Interessa-nos saber o género, porque organizamos o nosso estar no mundo a partir do
género. Tudo é genderizado, mesmo ou especialmente aquelas coisas que nós
achamos que não tem nada a ver com o género. Quanto mais oculto está, mais
importância tem.
 Repetição estilizada dos atos da carne é uma coisa que fazemos todos os dias, todo o
dia.

MULHERES HOMENS

PUTA CONAS

FUFA/SAPATÃO (o problema não é ser CABRÃO (alguém que foi traído por uma
masculino, o problema é a pessoa errada a ser mulher)
masculino)

CABRA/VACA/PORCA (forma como tratamos PANELEIRO/MARICAS (se és penetrado, és


animais de quinta) uma mulher: feminilidade é um insulto)

FILHO DA PUTA

Todos já participámos na produção de género a partir de uma lógica altamente patriarcal


(desvalorização do feminino e sobre valorização do masculino).
 Não é os outros serem sexistas, tudo é mais subtil.
 As posições criadas pela matriz heterossexual são a forma como entendemos o nosso
lugar do mundo.
 Utilizamos esta linguagem para fazer sentido ao nosso lugar do mundo.
 Mulher que beija imensas pessoas está a desestabilizar a noção de feminino. Homem
que faz isso está a estabilizar a noção de masculino.
 Toda a gente produz género e a perturbação da produção normativa de género
aborrece qualquer pessoa, independentemente do género.
 As coisas também são genderizadas por nós.
 Exemplo: política está ligada à masculinidade - Margaret Tatcher reproduzia
forma de política masculina. Reprodução da masculinização da política.
 Se a performatividade de género opera através dos atos da carne. Se os atos
estilizados da carne se vão alterando, se vão (re)produzindo, o próprio significado de
masculinidade e feminilidade também se vão alterando.
 A cada momento, temos a ideia de que pensamos a, b ou c porque somos homens ou
mulheres, o que nos dificulta a aperceber que é exatamente ao contrário.
 É a nossa crença no género como origem que nos ajuda a produzir o género como
finalidade.

 Muito disto acontece sem nos apercebermos, sem qualquer tipo de maldade.
 Ao olharmos para as pessoas vendo nelas feminino ou masculino, vamos produzindo o
género.
 O problema é o pressuposto, não se tratamos de forma correta ou não.
 Como todos nascemos dentro da matriz heterossexual, mesmo que não queiramos
vemos sempre mulheres ou homens nas pessoas.
 Só seria possível resolver este problema, se o conceito de género fosse ininteligível
para todos.
o Podemos repensar criticamente os atos estilizados da carne, repensar de
forma como podemos agir sistematicamente de forma menos violenta, menos
normativa, menos indexada à tal matriz heterossexual.
 Género não como causa, mas como efeito.
o O meu ato de gostar de algo está a produzir o meu entendimento de mim
mesmo enquanto mulher.

Interagir com os media de forma genderizada: uma visão performativa das relações co
constitutivas de media e género; usar o género para compreender o dia-a-dia das interações
com os media.

Para poder ocupar demasiado espaço, tem de haver um sistema normativo que defina qual é o
espaço adequado e o inadequado.
 Interacionismo simbólico não se foca no comportamento, mas no contexto que
define esse comportamento.
 Butler dizia que a repetição estilizada dos atos da carne produzem género.
 As maneiras como respiramos, nos sentamos, faz parte desta repetição estilizada dos
atos da carne (é uma questão carnal, do espaço que ocupamos no espaço público, é
algo incrivelmente gerido, controlado).
 Forma comos os sistemas de género funcionam está predicada em quem pode ou não
pode aceder a certos e determinados espaços e em que condições é que pode ou não
pode.
 As mulheres não podem votar: os corpos femininos não são aceitáveis dentro de uma
sala de voto.
 É mais fácil uma representação de uma mulher entrar num museu do que uma mulher
(artista) entrar num museu: nudez in loco não era legal para as ativistas, mas a nudez
das estátuas sim.
 A ideia de insegurança tem sempre por detrás processos de autovigilância.
 Esta autovigilância é fundamental porque temos de estar a prestar atenção se estamos
a produzir o nosso género da forma correta.
 A performatividade de género tem aquele caráter dissimulatório, o que pensamos é:
será que estou bonita, será que me estou a portar bem?, será que estou a manifestar o
nosso género?, quando, na verdade, estamos a participar num processo de
autovigilância que diz respeito à nossa produção de género e não à expressão de
género.

QUAL É O PAPEL DA COMUNICAÇÃO, DOS MEDIA NA PRODUÇÃO DE GÉNERO?


 Linguagem neutra: recebe rótulo de desviante, na perspetiva de Becker.
o Identifica estas pessoas como desviantes.
 A partir do momento, em que começamos a alterar os tais atos estilizados da carne,
em que começamos a causar disrupção nos pressupostos da matriz heterossexual,
causamos disrupção no sistema de género, o que causa medo.
 Transfobia: medo do outro.
o Na perspetiva da performatividade de género, é o medo da desestruturação,
da desagregação do eu;
o Se calhar eu não sou, se calhar eu estou.
o Estar é temporário/limitado/transiente, acima de tudo, estar não é essencial;
o Performatividade de género fundamenta o caráter dissimulatório na ideia da
essencialidade de género (eu sou verdadeiramente isto ou aquilo).
o Na perspetiva de Butler, ninguém é verdadeiramente nada, porque se assim
fosse haveria alguma base ontológica.
o Para Butler, não há uma essência interna que é manifestada de alguma forma.
o Somos muitas vezes conscientes da produção de género, mas acríticos em
relação a isso, sem auto refletimos sobre isso.
o Nós somos conscientes, só não refletimos sobre.
 Exemplo: ato de comprar de desodorizante para homem é consciente.
Ele vai comprar o ato de desodorizante para homem porque não o
fazer ameaçaria a formação ininterrupta da sua própria personalidade.
 Exemplo: atos estilizados da carne (memória muscular está pronta
para nos ajudar a vestir a roupa do "nosso género", mas não está
preparada para vestirmos a roupa do "género oposto" - roupa veste-se
de forma diferente).
 "Objetivo de ter roupas diferentes" é permitirmos manifestar a nossa
própria identidade, mas como tudo isso é uma ilusão, os objetivos e as
práticas não condizem.

 Até o Parlamento europeu tem guia sobre identidade de género.


 Ideia de discussão periférica em torno da linguagem neutra é simplesmente ficcional.
 Alterações na linguagem são poucas.
 Forma como a linguagem dá visibilidade a grupos ou lhes tira...
 Obrigar as pessoas a posicionarem-se em termos de género, quando não existem
recursos para lidar com essa vulnerabilidade, faz com que pessoas se sintam mais
vulnerabilizadas do que incluídas.
 Pessoa que ainda não saiba bem quem é vai ter de utilizar pronomes que lhe foram
atribuídos, exercendo uma violência sobre si próprio.
 Aparato legal/estatal em torno destas questões (nomes dos bebés têm de
corresponder ao sexo atribuído à nascença).

Representatividade/inclusividade:
o Pensar na representatividade de forma binária não é correto.
o Estar ou não estar não é a mesma coisa de estar bem ou estar mal, de forma positiva
ou negativa;
 Exemplo: representatividade das princesas da Disney não é propriamente
bom;
 Exemplo: Bela Adormecida - beijo final: representa violação, metáfora de
violação sexual. História original sem a capa da Disney é a de que o homem
viola a Bela Adormecida e ela só acorda quando o bebé, fruto da violação,
começa a mamar.
 Anunciação à virgem Maria (anjo diz que ela está grávida, anjo vem anunciar
que ela foi escolhida, mas ela já foi escolhida, não tem a hipótese de decidir se
quer ou não, não há pergunta nenhuma, há uma imposição).
 Virgem Maria nunca diz que sim, antes da decisão, simplesmente "aceita" a
posteriori.
 A partir do momento em que o corpo dela é utilizado não consensualmente
para conceber um bebé, o bebé é fruto de uma violação de um
consentimento.
 Violação é diferente de penetração.
 Isto é visto como a base moral/ética da nossa sociedade.
 É uma questão de produção de género, feita a partir da reprodução destas
histórias desligada do conteúdo metafórico adjacente (produzimos a violação
como normal, a partir do momento em que a deixamos de ver).
 Relações românticas estão predicadas na ideia de que um dá e outro recebe.
 Encontrar a pessoa certa remete para um conceito de posse individual.
 "Encontrar a cara-metade" dá a ideia de que não temos individualidade se não
estivermos com alguém.

o Diálogos femininos em filmes não significam que sejam mais inclusivos.


o Media são um sistema, mais do que de reprodução, de produção de género, são parte
de um sistema de socialização, dão-nos um conjunto de ideias, vocabulários que
mobilizamos na nossa própria produção de género.
o Impacto que as mensagens mediáticas têm não está previamente determinado.
 Exemplo: Moana foi reapropriado pela comunidade trans - para abordar trans
masculinidade.
o Diferentes correntes sobre o que são os media: Como é que funcionam?
 Por um lado, temos de pensar nos media enquanto instituições.
 Mas depois também temos de pensar nas empresas que estão efetivamente
por detrás da produção mediática.
 Temos de pensar no conteúdo que é produzido.
 E só então depois é que conseguimos pensar na maneira como as pessoas
fazem sentido desse conteúdo.

PRODUÇÃO (quem faz as mensagens? - dimensão material que está por detrás da
produção)

CONTEÚDO (o que são as mensagens?, quem estava lá?, os plots?)

AUDIÊNCIA (receção - para quem?)

PRODUÇÃO:
 Netflix utiliza dinheiro de minorias sexuais e de género para financiar o Partido
Republicano.
 Efeito de teto de vidro: barreira invisível que impede certas pessoas de chegar mais
longe.
 Não é só a questão do conteúdo, dos estereótipos, mas também a alocação diferencial
de discursos que representa a alocação diferencial de poderes.

 Nos Simpson, há uma enorme diversidade de masculinidades (quase todas são


representadas de forma negativa, à exceção de um homem que é um cristão,
conservador...).
 Hommer está sempre a fazer asneira, mas nunca sofre responsabilização (ações dos
homens são desresponsabilizadas).
 Como um se aproxima mais de uma masculinidade idealizada, tem menos espaço para
falhar, ao contrário do Hommer.

AUDIÊNCIA:
Quem capta as mensagens o que é que faz com as mensagens?
 Audiências numa posição de poder relativo (modelo de codificação/descodificação - o
sentido que retiramos de uma mensagem não está nunca só na mensagem, está na
interação entre nós e a própria mensagem - há espaço para múltiplas interpretações).
 Permite reapropriação de filmes por comunidades, como a trans fez com a Moana
(reinterpretou o filme, de acordo com a sua lente)
 Não deixa a interpretação da obra só para o autor.
 Constante diálogo com as narrativas à nossa volta: não existe só um sentido
verdadeiro, mas continuam a haver sentidos preferenciais.
 Uma obra quando é feita está a convidar uma certa interpretação e, por conseguinte,
que a maior parte das pessoas vá fazer essa interpretação.
 Preferencialmente não é a mesma coisa que exclusivamente, tanto que existe espaço
para outras leituras.
 O autor queria dizer algo, mas eu vou reinterpretar esta obra a partir de outras
perspetivas (exercício de autonomia hermenêutica/interpretativa).
o Ver Adão e Eva como dependência, secundarização, e não com a interpretação
inicial.

o Escola de Frankfurt:
 Procurava fazer a mesma análise que Marx fazia para a infraestrutura;
 Escola de Frankfurt procura perceber a relevância da superestrutura na
infraestrutura.
 Adorno falava da questão das indústrias culturais, tratava a produção de
cultura como se fosse uma fábrica.
 Indústrias culturais produziam material cultural que promovesse a tal
alienação, ou seja, material cultural que desse sentido ao capitalismo
e que promovesse a sensação de que o capitalismo é aceitável,
inescapável, um mal menor.
 Aqui o papel da audiência é pouco ou nenhum.
 Audiência é tão profundamente impactada pelo aspeto industrial
massificado da produção cultural que não há pontos de fuga, nem de
resistência.
 Exemplo: t-shirts do Che Guevara feitas por mão de obra escrava do
sudoeste asiático.
 Quem detém os meios de produção bombardeia ideias a que não dá
para fugir.
 O proletariado não é culpado pela sua própria subjugação, em termos
de produção cultural, é difícil fugir aos conteúdos culturais do Norte
Global.
 Indústria alternativa está muito mais fechada a quem é mais pobre;
 Capitalismo vende-nos as nossas próprias fantasias de emancipação.
 Squid Game: Netflix acumulou dinheiro com fascínio de crítica
ao capitalismo, que fortaleceu o capitalismo.
 A superestrutura mantém a estabilidade social necessária para proteger a
infraestrutura, através da destruição da imaginação de um mundo
radicalmente diferente.
 Consulta de ginecologia no final da Barbie colapsa tudo no binário, na
transfobia.
 É mais fácil fazerem-nos imaginar o fim do mundo do que o mundo
com o fim do capitalismo, pós-capitalista.
 Importante pensar nas condições materiais de produção das mensagens, mas também
é necessário pensar que as pessoas podem reinterpretar de mensagens e que o
fazem de forma crítica, política, reflexiva.
 É um perigo tentar encontrar a verdade, o efeito de determinadas mensagens
mediáticas, porque isso significa que estamos a ignorar o contexto no sentido em que
isso é produzido.
o 50 sombras de Grey: violência sexual vs. emancipação feminina (as duas são
verdade)
 Contém violência de género (pode servir para refletir sobre ou para
normalizar),
 Qual das duas é que é? As duas, dependendo do capital cultural, do
capital social. Não há forma única de sobredeterminação.
 Estas narrativas por muito reacionárias que nos possam parecer à
primeira vista, também podem promover diferentes formas de nós
produzirmos género.
 Da mesma maneira como conteúdos vistos como altamente
progressistas (ex. Barbie), podem simplesmente afirmar o status quo
que já temos (reproduz e normaliza os duplos padrões de género).

 Há sempre o medo de que o efeito de uma obra vai mudar apenas através da mudança
de palavras.
 É preciso perceber na nuance que o impacto que os media têm.
 Ênfase no conteúdo e na receção pode ocultar regressão na parte da produção.
o Fala-se muito nas narrativas de filme de desigualdade de género, mas a
quantidade de realizadoras não tem crescido, tendo até diminuído.
 Não é a representatividade, mas o acesso material a essas estruturas de produção.

Sociedade do risco e gestão do risco: Ulrich Beck e a modernidade reflexiva, a injunção à


escolha e a crítica ao neoliberalismo enquanto metadefinição do social.

 Durkheim tenta contrariar estes efeitos provocados pela individualização.


 Não uma forma de voltar a uma sociedade tradicional, mas uma nova forma de
solidariedade.
 Não sentimentos que estamos a viver numa sociedade sem normas, mas, por outro
lado, não fazemos a mínima ideia do que vai ser feito da nossa vida, nem a médio-
prazo, nem a longo-prazo.
 As regras orientam-nos, dão-nos uma direção.
 Pessoas da pré-modernidade não viviam com este nível de certeza (profissão ia ser
sempre aquela, estatuto, localidade...).
 Poderíamos dar razão ao Durkheim, mas temos muitas regras...
 Superficialmente isto é ambivalente.
 Temos regras, mas as regras não nos dão segurança sobre o futuro.
 Voltar a olhar para o conceito de individualização não apenas como um
problema/ameaça a resolver, mas, acima de tudo, entender a INDIVIDUALIZAÇÃO
como um processo que transforma a própria dinâmica entre nós e a nossa sociedade,
transforma a maneira como olhamos para o campo do social, mas também transforma
a maneira como olhamos para nós próprios.
 Questão do mérito: sou responsável pelo meu próprio sucesso – RESPONSABILIDADE:
o Questão da responsabilidade é fundamental no desenvolvimento da ideia de
individualização, porque todas as outras coisas só se tornam relevantes a
partir da responsabilidade do indivíduo.
o MERITOCRACIA: se eu tenho sucesso, eu fui responsável por esse sucesso, se
eu não tenho, também sou responsável pelo falhanço.
o Estereótipo do self made men é o expoente máximo desta ideia de
individualização, em que basicamente seja o sucesso ou o insucesso tudo é
visto como responsabilidade do individuo.
 Narrativa assenta na responsabilidade individual e sub-repticiamente
na negação de tudo o que não seja responsabilidade individual.
 Visão meritocrática é uma forma de negação da existência de qualquer
impacto estrutural na vida e na ação dos sujeitos.
 Desde que todos tenham acesso às mesmas oportunidades, todos
estamos em pé de igualdade, segundo a meritocracia.
 É muito mais o contexto que determinava o que acontecia às pessoas
nas escolas, segundo Bordieu.
 Nas sociedades pré-modernas, as pessoas tinham a profissão dos pais, vivam no
mesmo lugar...
 Mas já havia pessoas que tinham uma certa liberdade, que não tinham a sua vida logo
pré-determinada (príncipes, duquesas... - era a elite, ultra minoria que tinha esta
capacidade de transformar a sua própria vida).
 Agora já não é preciso ser da elite para andar de um lado para o outro.
 Um refugiado de guerra provavelmente já viajou mais do que nós.
 Não é que nunca tenham existido pessoas capazes de tomar decisões acerca das suas
próprias vidas.
 A INDIVIDUALIZAÇÃO consiste na democratização total ou quase total desta
experiência.
o Hoje em dia, toda a gente tem de tomar decisões sobre o que vai fazer da vida.
o Se não escolhêssemos, seríamos responsabilizados pela nossa não escolha.
o Nós não podemos não escolher.
o Não decidir é uma escolha.
o Na sociedade pré-moderna, tinham o privilégio de fazer escolha.
o Graças à democratização desta experiência, estamos perante a compulsão de
escolher, mas não é uma compulsão à antiga, é uma compulsão que tem que
ver com a inevitabilidade da escolha.
o Qualquer coisa que a pessoa faça ou não faça é operacionalizado como uma
escolha.
o Nós temos escolhas, mas não temos a escolha de não escolher e somos
inevitavelmente responsabilizados pelas escolhas que fazemos.
o Se alguma coisa corre mal, somos culpados. Se alguma coisa corre bem, somos
parabenizados.
o Tudo isto provoca medo, ansiedade, culpa...
o Nós temos de escolher (há a compulsão para a escolha), mas as escolhas que
fazemos não são indiferentes, estamos em constante avaliação em relação a
se escolhemos bem ou mal.
o A escolha, numa sociedade profundamente individualizada, não está apenas
nas grandes coisas, mas em todas as ações do quotidiano.
 Temos de tomar escolhas de roupa, de transporte, de companhia...
o Nós não somos julgados pelas escolhas que fazemos (escolha boa ou má),
mas também pela nossa própria capacidade de escolher (conseguir ou não
escolher).
 Uma pessoa que toma decisões rápidas é mais bem vista do que
pessoa que demora muito tempo a tomar.
 Uma pessoa que tem estratégia para tomar decisões é mais bem vista
do que pessoa que escolhe ao calhas.
o Não é só a escolha em si, é também o processo da escolha, a estrutura da
escolha que também é avaliado (se tenho um método melhor para escolher,
sou mais bem visto).
o Saber como escolher ajuda a subir o capital social e o capital simbólico.

 Nós estamos constantemente na obrigação de lidar com o RISCO:


o Risco de sermos vistos como pessoas que não sabem como escolher;
o Risco de sermos vistos como pessoas que escolhem mal;
o Risco de estarmos associados às escolhas más que tomamos.
o Como a nossa escolha era maior, porque a média nos dava uma amplitude de
escolha gigante, torna-nos ainda mais responsáveis, pode provocar ainda
maior desilusão na família.
 Passamos o tempo todo a receber avaliações das escolhas e a avaliar as escolhas dos
outros.
 A crítica que nos é feita não é pela natureza do curso, mas é porque poderíamos ter
escolhido maximizar a nossa segurança futura, minimizar o risco futuro e escolhemos
não maximizar a nossa segurança futura.
 Não minimizar o risco é visto como mau, irresponsável, desadequado...
 Não tem que ver com a realidade objetiva, mas sim com a perceção dos nossos atos.

BIOGRAFIA DO RISCO
 Os percursos de vida contemporâneos, sob a égide da individualização, são percursos
assentes numa biografia do risco, numa história de vida do risco.
 Nós escrevemos a história da nossa vida em função da maneira como negociamos o
risco.
 Ulrich Beck: DO IT YOURSELF (a biografia do DIY, do faça você mesmo).
 Quem é que tem de saber escolher? Quem é que pode não escolher? NÓS.
 Esta biografia do Do It Yourself contrapõe-se às tais biografias pré-modernas às quais
Ulrich chama normais, no sentido em que o que estruturava a biografia eram as
normas sociais que existiam e que mantinham as pessoas em certas posições
económicas, geográficas, de forma predeterminada, inescapável;
 Biografia do risco contrapõe-se à biografia normal.
 Biografia normal é estruturada pelas normas.
o As normas eram ditadas pelas instituições sociais, formais, com normas
altamente específicas, estruturadas.
o Se não cumprias as normas criadas pelas instituições, essas próprias
instituições puniam quem quebrava.
o A maior parte das instituições não desapareceu, mas perderam a força, já não
têm a mesma relevância.
 Estas instituições perdem poder, importância, perdem controlo normativo e punitivo,
mas as normas não desaparecem, elas vêm é de um sítio diferente e funcionam de
forma diferente.
 Quem traz estas normas para o nosso dia a dia somos nós.
o Ninguém nos criminaliza por termos escolhido CC, mas sentimos o peso do
julgamento da mesma, quem obrigou as famílias a criticarem foram elas
próprias.
o Não estamos a caminhar para uma sociedade mais anómica, porque nós
estamos a fazer circular, a fazer valer as normas que nós trazemos para as
dinâmicas sociais, que trazemos em função da avaliação do risco.
o Crítica é feita a partir do risco, risco está subjacente à crítica.

 Quando narrativa individualizada do risco é elevada ao extremo, pessoas que sejam


alvo de violência doméstica são questionadas sobre porque é que não fugiram, não
minimizaram o risco? - o problema é visto como individualizado, a vitimização é um
problema da pessoa.

 Esta narrativa individualizada do risco está lá em função da avaliação que o individuo


faz do risco.
o Estes pressupostos escondem as questões estruturais.
o Aquilo que Ulrich está a dizer não é que os aspetos estruturais perderam
importância, o que ele diz é que nós interpretamos a nossa experiência social
como se os fatores estruturais não tivessem importância, não olhamos para
eles, não lhe damos importância (exemplo do self made men: eu consegui, eu
fiz, secundarizando o estrutural em função desta ênfase individual).

 Isto ajuda a explicar porque é que há ou não há consciência de classe, porque é que há
um enorme fascínio por empreendedorismo, meritocracia, empowerment.
 Todos estes conceitos são devedores de uma visão individualizada sobre o
funcionamento da sociedade.
 O fosso entre ricos e pobres está a aumentar (o estrutural continua a influenciar
fortemente a nossa vida).
 Se nós deixamos de fazer sentido a partir do estrutural e se passamos a experiência e
o mundo a partir da lente da individualização, nós deixamos de conseguir ver o
impacto dessa camada estrutural (ou torna-se mais difícil de ver).
 Torna-se mais fácil olhar para as coisas de um ponto de vista individualizado, porque
nascemos numa sociedade que nos leva a fazer isso.

 Este processo de preparação tem uma dimensão institucional no seu funcionamento.


o Exemplo: Estado-providência (segundo Durkheim, surgiram para resolver o
que o dinheiro não resolvia, não é uma entidade eterna e imutável, tem-se
vindo a transformar numa lógica de individualização, cada vez mais os cálculos
dos abonos de família, dos descontos do IRS, são pensados pessoa a pessoa e
não necessariamente família a família - as pessoas são analisadas
individualmente.)
o Para alguém continuar a ter acesso ao subsídio de desemprego, passado
algum tempo, tem de mostrar vontade para voltar a trabalhar (tem de mostrar
responsabilidade, vontade de minimizar o risco de estar desempregado).
o Instituições que mantêm o nome e as mesmas normas, superficialmente,
como, por exemplo, a instituição casamento.
 Em contexto pré-moderno, casamento do povo comum era visto como
cumprimento de uma obrigação para com a sociedade exercida de
uma forma que não desrespeitasse a vontade divina (a questão da
procriação).
 Dentro da lógica cristã, o casamento nunca foi uma coisa boa, o
casamento era um mal menor, porque coisa boa era toda a gente ir
viver para um casamento.
 Como nem toda a gente tem essa pureza de espírito, mais vale se
casarem, portando-se bem;
 Casamento era obrigação para com a sociedade;
 Quem não quisesse casar, estava a violar os direitos da sociedade,
estava a prejudicar o seu grupo social, estava a ser antissocial.
 Quem não casasse, era visto como uma sanguessuga.
 Hoje em dia, quase ninguém se vai casar para cumprir esse dever
social.
 As pessoas casam-se, atualmente, por amor ou por conveniência,
seguindo a lógica da autossatisfação, casam-se na medida em que o
casamento pode ser integrado no seu projeto biográfico do Do It
Yourself:
 Há cada vez mais pessoas juntas que não se casam.
 O divórcio é muito elevado.
 Continua a ser o estado a dizer quem é que pode casar ou não,
continua a ser a Igreja a definir o que acontece em determinados tipos
de casamento ou não.
 As instituições não desaparecem, nem as regras, mas transformaram-
se, na medida em que foi reapropriada por nós e nós
responsabilizamo-nos por manter estas normas a continuar a
funcionar.
 Muita gente continua a alimentar a narrativa de que um dia vai
encontrar a pessoa certa, ideal.
 Isto é o remanescente desta norma do casamento enquanto projeto
de dívida social, reinterpretado à luz desta ideia de individualização.
 Não fico casado para cumprir a minha dívida com a minha sociedade,
eu fico casado, porque é isso que me vai fazer feliz, é isso que vai
diminuir o meu risco...
 Mesmo um homem que tenha muitas parceiras(os), quando chega a
uma certa idade, deve assentar, segundo a lógica da necessidade de
minimizar o risco.
 No casamento e nas relações amorosas, vemos normas e ideais que
vêm da Igreja católica da idade média, mas também processos
altamente individualizados...
 Apps de encontros funcionam em lógica de cardápio, como
se fossa uma escolha empresarial, mantemos várias opções
para minimizar o risco de perdermos tudo.

INDIVIDUALIZAÇÃO é diferente de individualismo:


 Individualismo é uma derivação, uma consequência da individualização.
 Individualização é um conceito descritivo, o individualismo é um conceito prescritivo.
 Individualização é dizer que vivemos num mundo em que a figura do individuo é mais
importante (não dizemos se isso é bom ou mau).
 Individualismo defende que o individuo deve estar no centro (assume-se como uma
coisa desejável, objetivo a alcançar).

Encadeamento histórico da nossa perceção de como as coisas funcionam:


DEUS ----» NATUREZA (expressão das leis da natureza) ---» SOCIEDADE (mundo organizado
por leis sociais) ---» INDÍVIDUO (mundo organizado em torno do indivíduo)
 Antes deste processo, explicávamos tudo com a vontade de Deus;
 Com o positivismo, passámos a deslocar as explicações para o campo da natureza
(somos naturalmente...).
 Para chegar ao sociológico, tínhamos de pensar a sociedade com uma lógica diferente
da natureza e do divino.
 A individualização acrescenta um novo passo: o indivíduo.
 Temos vindo a assistir a uma deificação do indivíduo, o indivíduo é responsável por
tudo, ocupa a posição de Deus, é a lógica da omnipotência.
 TU CONSEGUES FAZER TUDO O QUE QUISERES - definição de omnipotência.
 Nós olhamos para a sociedade como se pudéssemos fazer tudo o que quisermos.
 Como temos esta crença, agimos face ao mundo de acordo com essa maneira.
 Se algo não corre bem, tentamos corrigir, o que tem consequências práticas:
 CRISPR-CAS 9: tecnologia de edição genética (estamos perto de conseguir fabricar
bebés por encomenda, consegue-se editar o embrião...).
 Feito na lógica de curar o indivíduo, tornar o indivíduo melhor (não deixa de ser um
projeto eugenista).
 A deificação do individuo é também material (quase que se pode escolher as
características dos bebés antes de os conceber).
 Isto torna muito complicado desenvolver processos de solidariedade social, num
contexto profundamente individualizado. Qualquer processo comunitário,
agregacionista, corre o risco de ser visto como uma ameaça à individualidade da
pessoa.
 Extrema-direita alimenta-se da retórica da individualização, apesar de ser um
movimento reacionário contra este processo de individualização.

RESUMO DA BIOGRAFIA DE RISCO, DO DO IT YOUR SELF:


- biografia individuada, tem a compulsão de fazer escolhas que estão sempre a ser
moralmente avaliadas em função da diminuição do risco.
- essa constante corrente de escolhas faz-nos pensar que o indivíduo é a unidade máxima de
compreensão da realidade social,
- o que nos traz mais dificuldades em compreender o aspeto estrutural da experiência
individual,
- este processo de estarmos sempre a vigiarmo-nos uns aos outros faz nos sentir superiores
quando criticamos, por isso, vamos repetir e manter vivo este circuito de responsabilização
disseminada - historicamente devedora dessas instituições, mas também com esta nova lógica.

A evolução digital do trabalho - «gig economy», trabalho em plataformas e neoliberalismo;


(Auto-)vigilância digital, redes sociais e trabalho estético

Google é uma empresa de publicidade. Porquê? Todos achamos que é uma empresa que é útil,
para nós.
 A nossa dificuldade em abordar o caráter da plataforma tem a ver com o nosso uso
individual da plataforma que se confunde com a natureza material, com o
funcionamento material da Google (forma como ganha dinheiro).
 Porque é que a Google oferece tanta coisa gratuita?
 Vai haver mais espaço para a publicidade.
 Eles não fazem publicidade, eles vendem espaço publicitário, criando o espaço que
estão a vender.
 Sabendo os nossos dados, a Google pode oferecer às empresas que querem pôr
publicidade espaços com públicos mais definidos.

Meta é uma empresa de publicidade.


Ganha dinheiro a vender espaço publicitário.
 Quando entramos nas redes sociais não temos a sensação de que estamos a lidar com
uma empresa de publicidade.
 Nós somos produto da Google, do Facebook, não somos a clientela deles.
 Os nossos dados são o produto destas empresas.
 Que, para reterem os nossos dados, nos chamam à atenção.
 Oferecemos dados quando publicamos nas redes sociais.
 A identidade das pessoas, os gostos são explorados.
 O que é que nós estamos a fazer quando estamos a utilizar estas redes?
o Pessoas trabalham e acabam por receber menos do que produziam, aquilo que
lhes é retirado é a mais-valia.
o Quando estamos nas redes sociais, estamos a trabalhar, a produzir mais-
valia.
o Nós somos produtores daquilo que está a ser vendido (dados...)
o E também trabalhadores.
o Nós não recebemos salário destas empresas, embora trabalhemos para elas.
o Estas empresas são das mais-ricas, há uma enorme extração de mais-valia,
mas não pagam a quem trabalha.
o O que nos mantém a trabalhar para estas empresas a custo zero?
 Entretenimento,
 Alienação,
 Vício,
 Procura de inclusão,
 Tudo isto se encaixa na Produção da nossa identidade.
o Nas redes sociais, apresentamos uma visão da nossa identidade.
o Desenvolvemos ligação forte com as redes sociais, porque estamos lá a
produzir a nossa identidade.
o Relação circular e direta entre identidade e individualismo.
 Se por um lado, identidade fortalece a lógica individualizada;
 Por outro lado, o aumento dos processos de individualização
empurra-nos para a necessidade de continuar a produzir identidade.
o A nossa relação connosco mesmos já está capturada por processos de
monetização, de trabalho, de produção de mais-valia.
o Hoje em dia, é praticamente inescapável nós termos de recorrer a processos
extrativistas para representarmos o nosso eu.
o Questão da individualização tinha muito que ver com processos sociais,
psicológicos, mas também materiais (a alimentar e a serem alimentados pela
individualização).
o Produção e extração de trabalho e mais-valia são um exemplo prática da
maneira como os processos de individualização também funcionam do ponto
de vista material.

NEOLIBERALISMO:
Voltar ao liberalismo com uma definição diferente do que é ser liberal.
Definição: perda de importância e de presença do Estado-providência (crise do Estado-
providência), acompanhada de uma precarização das relações laborais, sustentadas numa
lógica de iniciativa pessoal, individual.
o Daí a figura do empreendedor, que é o role model do capitalismo neoliberal.
o O empreendedor é funcionalmente diferente do magnata industrial que era o role
model do capitalismo liberal.
o Não há necessariamente a ideia de chegar ao topo de uma determinada indústria;
o O empreender e inovar é uma espécie de fim em si mesmo.
o Exemplo das start ups:
 Regra geral, são criadas com o objetivo de serem vendidas;
 O objetivo não é terem sucesso, mas serem vendidas;
 Criação de start ups funciona segundo a lógica de especulação de mercado;
 Se eu gastar 10 milhões e depois a vender por 25 milhões (forma de
especulação - aumento do capital).
 Grandes empresas não investem em investigação, apenas absorvem a
inovação das start ups, graças à sua grande posse de capital.

 Isto produz a tal plasticidade em termos de relações laborais.


 Exemplo clássico de funcionamento neoliberal: empresas de trabalho temporário.
o Forma de trabalho temporário: call-center, limpeza...
o Lógica de funcionamento de empresa de trabalho temporário é a lógica de
funcionamento do neoliberalismo.
o Temos uma empresa que nos contrata da forma mais precária e provisória
possível para vender a nossa força de trabalho a outra empresa específica.
o Como não temos vínculo laboral para quem estamos a trabalhar na prática, a
empresa de trabalho temporário pode realocar-nos, com contratos mensais
para evadir leis do trabalho, para não haver contratos fixos.
o Tudo isto é empacotado e vendido como soft skills, como sendo a capacidade
de adaptabilidade da mão de obra contemporânea, capacidade de resiliência
em se adaptar às necessidades do trabalho.
o Trata-se de um discurso ultra fetichista (nós fetichizamos, nós transformamos
a precariedade e a falta de direitos em liberdade e adaptabilidade, passamos
a utilizar palavras boas para coisas que materialmente nos fragilizam).
o Dentro de uma lógica altamente individualizada, há uma fetichização da
escolha, da questão do risco.
o Podemos compreender como as plataformas que utilizamos diariamente são
apenas extensões tecnologicamente mediadas destas empresas de trabalho
temporário.
 Condutores que nos conduzem não trabalham para a Uber, dentro da retórica deste
sistema, são empreendedores, estão ali a utilizar os seus recursos e é suposto serem
empregados por conta própria, são os seus próprios patrões.
 Normalmente, existe uma empresa com frota de carros que contrata pessoas para
conduzir esses carros que os utilizam individualmente na Uber, mas que têm de pagar
a essa empresa da frota para cederem esses carros.
 Essas empresas com frotas de carro também não trabalham para a Uber são empresas
próprias.

OFUSCAÇÃO DAS CONDIÇÕES MATERIAIS NAS QUAIS NÓS VIVEMOS: aspeto fundamental da
individualização.
 Achamos que estamos a interagir com trabalhador de empresa, mas não estamos.
 Quem tem o próprio carro e trabalha com a Uber:
o Contratualmente é um trabalhador de conta própria;
o Materialmente, a conversa desliza para o algoritmo.
o Condutor tecnicamente pode aceitar ou rejeitar os pedidos, na prática, quanto
menos tempo a pessoa passa a conduzir, quanto mais viagens a pessoa recusa,
mais provável é receber pedidos de viagem.
o A possibilidade de trabalho está matematicamente condicionada,
estabelecidos e geridos por uma empresa que não é a empresa contratante
dos serviços de pessoas.
o A pessoa que fornece o serviço teria o direito de estipular o seu próprio preço.
A Uber decide pelo trabalhador o valor da viagem, a percentagem que vai
para o condutor e a percentagem que vai para a Uber.
o Uber não dá o direito ou liberdade a estas pessoas de negociarem os seus
próprios valores.
o Search pricing: quando há mais pessoas numa zona à procura, os preços
disparam, mas surgem mais notificações nas pessoas que não estão a conduzir
para balançar a oferta. Se a pessoa recusar, é algoritmicamente penalizada
(depuração matemática da lei da oferta e da procura).
o A maior parte deste valor extra deste search pricing vai parar à empresa e não
ao trabalho.
 Caso de tiroteio: as viagens de 5 min passaram a ser a 500 dólares.
o Tudo isto é calculado algoritmicamente, não há vieses humanos.
o A lógica de funcionamento destas plataformas, tal como com as agências de
trabalho temporário, é criar o maior número de separações possíveis entre
todos os intervenientes destas interações e separá-los todos entre si tanto
quanto possível, mas manter a empresa em si separada dos outros
intervenientes que não sejam a própria empresa.
o Isto é conseguido através de 3 estratégias:
o IMUNIDADE: se alguma coisa corre mal, é sempre o condutor que
paga (nós até podemos pagar uma taxa, mas é ele que paga
sobretudo).
 Nada chega à empresa, ela está imune. Isto funciona com base
em assimetrias informacionais (quando pedimos uma viagem,
não percebemos praticamente nada de como o dinheiro vai
ser distribuído, quando o condutor aceita, também não sabe
nada), mas empresa sabe tudo isto sobre nós e sobre o
condutor.
 Empresas não são legalmente responsabilizadas.

o CONTROLO: passa pelas questões do controlo sobre o algoritmo, sob


quanto tempo passa ou não passa na plataforma, quantas vezes
cancela.
 Há um controlo central opaco que não é acessível nem aos
consumidores nem aos trabalhadores independentes.
 A empresa sabe quanto tempo os condutores passam noutras
aplicações semelhantes, acabando a ser expulsa, sem
quaisquer direitos.
o FUNGIBILIDADE: tratar os recursos humanos que se organizam através
da plataforma (tanto os trabalhadores como consumidores) como
recursos facilmente substituíveis.
 Oferta vem da exploração de fluxos migratórios racializados,
causados pela precarização das condições em países
periféricos, em virtude dos processos extrativistas do Norte
Global, sob a égide do capitalismo.
 Nós alimentamo-nos de mercadoria barata, porque a mão de
obra é barata, chega a um ponto em que as pessoas acabam
por emigrar.
 Como pessoas precisam de imensos documentos, veem para
contextos mais legalmente vulneráveis e estas empresas têm
processos de acreditação de motoristas, criando posições de
"trabalho" que estão no limite da legalidade, que são mais
acessíveis a uma pessoa que não esta legalizada do que
qualquer outro tipo de trabalho.
 Pessoas em condições precárias aceitam praticamente tudo
por uma questão de sobrevivência.
 Precarização institucionalizada destas plataformas que
capturam esta força de trabalho que a mantém numa posição
de semilegalidade, numa maior vulnerabilidade.

- É confortável criticar as empresas, mas nós alimentamos esta lógica ao consumirmos estes
produtos e serviços - ligação estreita entre os processos de individualização e o
funcionamento real do neoliberalismo.
 A narrativa individualizante enquadra e alimenta a maneira como interagimos com
estas plataformas e as condições de trabalho ligadas a estas plataformas alimentam
estes processos de individualização (empresas afastam-nos dos trabalhadores,
promovendo lógica de individualização).
 Recomendações personalizadas são processos de construção identitária
tecnologicamente mediados.
 Não pagamos nada pelas aplicações, porque é a nossa mão de obra que é utilizada
para dar mais-valia às empresas.
 Recente interação das dinâmicas neoliberais que é o chamado trabalhos em
plataformas: pensamos o acesso a produtos, serviços e bens a partir da ideia de
plataforma, aplicação, substituindo a marca, a loja...
 Há a tendência de que o trabalho em plataformas é algo que as outras pessoas fazem,
mas na verdade o trabalho plataformizado é o trabalho que todos passam o dia inteiro
a fazer.
 Quando abrimos rede social, o gps, estamos a trabalhar...
 Estamos a trabalhar no sentido em que estamos a produzir mais valia para aquela
empresa, estamos a produzir dados que pode ser comprado, vendido, mobilizado...
Exemplo da Uber:
 Uber, desde 2014, só teve um ano de saldo positivo (muito mais baixo, comparado
com os lucros negativos de mil milhões de dólares).
 De acordo com as leis do mercado, a UBER já tinha ido à falência há muito tempo.
 A empresa não funciona à base de acumulação de capital a partir do trabalho.
 Sobrevive à base do financiamento especulativo.
 Plataformas de funcionamento especulativo continuam a injetar dinheiro nestas
empresas.
 Dinheiro vem da capacidade que a empresa tem de prometer lucros futuros.
 Promessa da Uber aos investidores é a eliminação da necessidade de mão de obra
com a automatização dos carros, o que trará imensos lucros.
 Uber é uma empresa de tecnologia que presta serviços e que tenta convencer os
sistemas legais de vários países de que não presta serviços.
 Uber só produz produtos digitais. A moeda de circulação total é a informação.

Queda da tesla: dinheiro não foi para lado nenhum, porque nunca existiu.

Se o trabalho que é feito a partir destas empresas, parece-nos muito mais trabalho.
Trabalho estético que fazemos, que se tornou absolutamente fundamental na produção das
nossas identidades, das nossas subjetividades, de tal ordem que o controlo e a gestão do
risco que nós fazemos quando estamos presentes em redes sociais é, em primeira linha, um
controlo estético do risco.
 Fazemos um trabalho estético, genderizado, racializado (filtros tornam a pele mais lisa,
mais de acordo com os padrões ocidentais de beleza, tornam a pele mais branca).
 Clichê: "a nossa geração prefere fazer tiktok a dançar do que chamada telefónica":
o A chamada telefónica é em tempo real, o que corre mal corre mal, não dá para
filtrar, não dá para repetir.
o Possibilidade de edição é uma forma de trabalho estético, de
autoapresentação, que tem que ver com a apresentação do eu numa
sociedade altamente individualizada.
o Apresentação do eu sujeita a curadoria.
o Autenticidade é um produto narrativamente construído - a questão não é ser
mais ou menos autênticos, são os processos de construirmos esta
autenticidade, é o "parecer autêntico".
o Parecer autêntico exige constante tratamento da nossa identidade.

Os media como risco em si mesmos: o pânico moral e mediático da pornografia, e a


construção social de definições performativas de géneros mediáticos

Definição de pornografia:

Diferente da realidade (exclui casais que façam pornografia) OPERIS

Encenação (assim tudo seria encenação) OPERIS

Provocar prazer (pode ou não acontecer) AUTOR/LECTURIS

Ato sexual (é impossível definir) OPERIS

Indústria AUTOR

Objetificação AUTOR

 É uma indústria que produz encenações de atos sexuais, diferentes da realidade,


causadora da objetificação dos corpos e quiçá promotora de prazer. (Toda esta
definição cai por terra)

Porque é que o primeiro vídeo é pornografia?


 Teve resposta social intensa, a dizer que a Sia estava a promover pedofilia, como se
fosse uma obra de pornografia infantil.
 Imputaram à autora a ideia de promover prazer.

Segundo vídeo não é pornografia?


 Ganhou vários prémios em festivais de cinema.
 Vídeo é explícito a dizer que querem que as pessoas pensem mais em sexo, mas o
vídeo não foi considerado pornografia.

Intenção do autor, da obra (operis) e do espectador (lecturis).

Nenhuma destas 3 coisas (operis/autor/lecturis) é efetivamente capaz de definir


pornografia.
Problema de recursividade (não se pode definir pornografia, porque iriamos usar o conceito de
ato sexual, conceito que não conseguimos estabelecer).

Acabamos a reificar o conceito de pornografia ao associarmos a pornografia mainstream,


excluímos todas as nuances.
 Não olhamos para realidades materiais.
 Tentámos arranjar definição ontológica de pornografia.
 Tentámos encontrar as características "verdadeiras", "objetivas" de algo que existe
mesmo e que se chamaria pornografia;
 Estamos a assumir que o objeto da pornografia é estável e tem elementos comuns
partilháveis que podem ser mobilizados para encontrar essa definição;
 Pressupomos que existe um denominador mínimo comum;
 Não existe definição ontológica de pornografia, a pornografia é produzida através de
rotulação.
o Não interessa o comportamento, interessa a maneira como algo é imputado
como sendo isto ou aquilo.
o No caso do Becker desviante, neste caso pornografia;
o Resolve o problema de discutir se os vídeos são verdadeiramente
pornográficos? Não há nada no objeto mediático em si que nos diga que se ele
é pornografia, também já não temos de encontrar definição ontológica de
sexo.
o Podemos passar a perguntar:
 Quem é que chama pornografia?
 Como é que chama pornografia?
 Em referência a que normas, a que relações de poder?
o Perguntas têm que ver com análise de relações sociais de poder, dentro de um
contexto histórico.

PORNO GRAFIA
 Pornei (prostituta) + grafia (escrita)
 Escrita da ou sobre a prostitua.
 O primeiro registo que se conhece do uso desta palavra: foi num tratado francês do
século XVII sobre saúde pública, debruçava-se sobre um problema específico:
prostituição em Paris como problema de saúde pública (utilizou-se no sentido literal,
era um documento sobre as prostitutas).
 Mas sempre houve representações de atos sexuais (Grécia).
 Em Pompeia, foram encontrados frescos com homens com ereções.
 Arqueólogos ingleses acharam que Pompeia estava cheia de casas de prostituição.
 Vasos foram levados para museus privados, onde o acesso era reservado a homens
brancos com um certo nível escolar.
 Naquela época, os homens brancos educados eram os únicos capazes de ter
distanciamento racional suficiente para conseguirem analisar aquelas peças sem se
deixaram afetar por elas.
 Estas imagens aparentemente sexuais, muito provocadoras, no contexto em que
foram produzidas não tinham nenhuma conotação sexual, eram vistas como
representação de virilidade, tinham um objetivo terapêutico. Achavam que se
expusessem a estas imagens, veriam a sua alma e o corpo.
 Estes frescos estavam em casas de cura, em banhos públicos, em sítios de cuidado do
corpo e da saúde.
 Era um estímulo que fortaleceria o espírito e o corpo das pessoas.
 O mesmo objeto é produzido como não pornográfico, depois é considerado
pornográfico e agora volta a ser não pornográfico.
 Ora se as características do objeto não mudaram, porque é que a classificação tem
mudado?

Ninfomaníaca, filme:
 Tem cenas de sexo muito explícitas.
 Realizador seria provavelmente incapaz de produzir pornografia, porque ele é um
artista, faz parte da alta cultura, se é um objeto cultural não é pornografia.
 Quando pensamos em pornografia, normalmente diferenciamo-la da arte (isto não é
pornografia, é erotismo).
 Pornografia é associada à baixa cultura.
 Erotismo é associado à alta cultura.
 Cada vez mais nos afastamos da possibilidade de encontrar as características objetivas.
 Aproximamo-nos cada vez mais de uma dinâmica relacional.

Cantora faz parte da arte pop e o realizador faz parte da alta cultura.
 Jazz começa por ser baixa cultura e só depois quando pessoas brancas se começam a
apropriar do jazz é que este estilo ganha um peso cultural que na altura não tinha.
 O mesmo estilo musical passa de pornográfico a erótico (passa de uma coisa suja para
uma coisa sublime).
 Não porque as características do objeto mediático mudaram, mas porque as pessoas
envolvidas na creditação, no investimento de capital simbólico mudaram
radicalmente.
 Elvis Presley, Rap/hipop.
 50 sombras de Gray: pornografia para mães (porque é que a escritora faz pornografia
e outros escritores não produzem pornografia, mas erotismo).

A diferença entre o erótico e o pornográfico, entre artístico e não artístico, entre a alta
cultura e baixa cultura, definido através da mobilização de capital simbólico por grupos
específicos contra grupos específicos.
 Coisa transversal na história do conceito de porno: conceito é particularmente
eficiente enquanto sistema de controlo, sistema de gestão de acesso de certos
grupos a certos produtos culturais.

Bolsonaro criou um kit gay:


 Algumas escolas estavam a considerar comprar um livro de educação sexual.
 Isto foi identificado como Bolsonaro como sendo kit gay que a comunidade LGBT
estava a tentar corromper a nossa cultura.
 Chamavam o kit de pornográfico.
 Diretor de escola foi despedido por mostrar foto da estátua de David, foi considerado
pornográfico.

Conceito de pornografia não remete para nada de objetivo, nada de ontologicamente estável,
é caracterizado pela sua plasticidade e essa plasticidade que permite que esse conceito seja
utilizado como mecanismo de bloqueio no acesso a certas determinadas representações
culturais.

Videoclip da cantora:
 Basta dizer que há algo de sexual a acontecer para legitimar a tentativa de bloqueio e
de censura.
 Toda a gente se sente desconfortável com censura, mas quando se fala de pornografia
não há problema.
 Produtos vindo de grupos minoritários são mais classificados como pornográficos.

Se eu tenho poder suficiente para consegui recusar a rotulação de desviante, então eu posso
fazer as coisas sem receber o rótulo de as fazer.

Pornografia, depois de título de documento sobre prostituas, depois passou a ser utilizado no
tribunal para censurar obras.

Produção de pornografia, normalmente, não é ilegal, é utilizado como sub divisor do campo
conexo do trabalho sexual (prostituição: ilegal; pornografia: legal).
Condicionado pelas elites simbólicas (heterossexuais) que nunca iriam ilegalizar a pornografia.

Se fôssemos pela intenção ou pela reação, tudo era pornografia (catálogo de sapatos seria
pornografia para quem tem fetiche com tais coisas).

É preciso ter 18 anos para poder ver ou produzir pornografia.

Uso da palavra pornografia não tem de ter a ver com sexualidade.


 Primeiras imagens dos prisioneiros dos campos de concentração foram consideradas
demasiado pornográficas.
 Foodporn (foto de comida cara).

O que une simbolicamente as duas coisas?


 O excesso.
 Uma relação moral entre o sujeito que representa, a coisa representada e a
sociedade dentro da qual essa representação é entendida.
 Fotografias dos campos de concentração não foram publicadas e as fotos do foodporn
são.
 Havendo ou não circulação, a relação com a ideia de excesso está lá na mesma.
 Quando publico foto de foodporn, digo que estou a produzir excesso e publico como
forma de me desculpar dessa mesma produção.
 Nós assumimos o jogo moral que está ali a acontecer para nos inocentarmos de
termos participado nesse jogo moral (igual quando alguém faz um comentário
discriminatório, mas depois diz que era só uma piada).
 Ideia de excesso está sempre lá, remete-nos novamente para os museus privados de
Inglaterra (quem é capaz de aceder ao excesso, quem é capaz de resistir ao excesso,
quem precisa de ser protegido desse excesso, quem pode controlar a circulação desse
excesso)

Poder desproporcional que as plataformas mediáticas têm de fazer o policiamento entre o


aceitável e o inaceitável.

Enfiar dedos em bocados de fruta (Instagram já baniu a conta dela umas 3 ou 4 vezes) vs.
imagem de banana com iogurte
 Diferencial de poder envolvido (se o instagram decide vai abaixo, se tivermos imenso
capital simbólico, conseguimos ter a conta de volta).
 Negociação do excesso (parlamento decidiu que só até 4 dedos é aceitável).

Que imagens é que podem ou não ocupar o espaço público?


Pornografia não como um descritivo mediático, mas como um prescritivo social:
 O que acontece na fronteira entre a arte e a pornografia é uma das zonas mais
culturalmente contestáveis sobre o que é aceitável e o que não é aceitável para uma
determinada cultura num dado momento.
 Linha que separa arte da pornografia é a linha (em constante movimento) que separa
o moral do imoral, aceitável do inaceitável - zona cultural de conflito simbólico
particularmente relevante hoje em dia.
 É mais provável ter conta bloqueada por conteúdo "pornográfico" do que por
conteúdos homofóbicos, racistas...

Guest Lecture de Ana Rosa


Ana Rosa
 Acompanhamento da criação de um sindicato de trabalhadoras do sexo.

Dinâmicas, dimensões e (in)definições do trabalho sexual

Conceito de trabalho sexual:


 Onlyfans: venda de conteúdos sexualmente específicos.
 Implica algum tipo de benefício económico.
 Sugar daddy.
 Discussão da definição levanta uma série de discussões, porque as próprias pessoas
podem não considerar-se trabalhadoras do sexo.
 É difícil de encontrar uma definição exata, não representa uma ontologia estável.
 É interessante acompanhar de tentativas de definição.

Trabalho direto ou indireto: contacto com pele ou não.


O sindicato espanhol tem diferentes grupos: setor audiovisual, urbano, alterne, masculino, em
casas e agências

Ana Rosa opta pela divisão:


Trabalho presença imediata: trabalho na rua, em clubes e agências (pubs, casas, saunas,
massagens, alterne, etc.), call grils, escorting.
Trabalho presença mediada: strip cabines, por exemplo, sobretudo trabalho digital (cams,
pornografia, produção de conteúdos).

Normalmente, não é levado a sério, exclui-se sempre a dimensão do trabalho, reduz-se muitas
vezes a insultos.

TRABALHO SEXUAL:
Criado pela ativista Carol Leigh,
 Reforça simultaneamente várias ideias:
o Abrangência do termo (generalidade de práticas, não se reduz a strip ou a
prostituição);
o Necessidade de reconhecimento social.
o Necessidade de reconhecimento laboral.
 Critica feminismo hegemónico.
 Propõe este termo, nos anos 80, altura em que se dividiu o feminismo em dois (uma
parte favorável à liberdade sexual e outra parte contra o trabalho sexual).
 Feminismo hegemónico: considera que existe um ostracismo das trabalhadoras do
sexo, porque entende que a pornografia é necessariamente violência contra as
mulheres.
 Nesta prática, ocorre troca de serviços, performances, tipo de serviços operam com
algum tipo de retorno material.
 São trocados serviços de comunicação, relacionais, intelectuais, estéticos...
 Venda de serviços de caráter sexual, não estamos a falar da venda do corpo, há uso do
corpo, mas não se vende o corpo.
 Existem inúmeras forças de produção que provêm do cuidado corporal e corporal.
 A utilização do corpo é uma condição de possibilidade para materializar o trabalho
sexual, como é qualquer experiência laboral.
 Nenhum trabalho pode ser realizado sem um corpo ou sem um intelecto.
o Exemplos: um cuidador de um lar não pode operar sem um corpo.
o Filósofo também usa o corpo para escrever.
 Os conceitos de corpo e intelecto são indissociáveis.

RECONHECIMENTO SOCIAL:
 Questões da autonomia, autodeterminação, capacidade de agência de quem se dedica
a esta prática.
 Os condicionamentos do sistema capitalista levam a que todos tenhamos de trabalhar
como forma de subsistência (o trabalho não é uma escolha voluntária, temos de o
fazer para sobreviver).
 Ainda assim, há um leque de possibilidades. Neste processo, as pessoas têm o direito
de escolher o trabalho sexual como uma forma de sobrevivência.
 Refere-se sempre a uma prática consensual e voluntária.
 Trabalho sexual não deve ser confundido com as questões de tráfico ou de exploração
sexual.
 Um dos grandes problemas associados é a falta de reconhecimento destas pessoas e o
estigma a ela associados.
 Anneke Necro: acha que é uma forma de ativismo dentro do feminismo.
 Da mesma maneira que o trabalho sexual é muito abrangente, as razões que levam as
pessoas a fazê-lo também são extremamente abrangentes.
 Raj Redick: do trabalho académico passou para trabalho sexual.
 Falamos de trabalho para dar o foco à questão laboral.
 Trabalho sexual é trabalho e, portanto, deve ser reconhecido enquanto tal, deve ter
os seus direitos laborais reconhecidos.

RECONHECIMENTO LABORAL:
 Maria José Barrera: Consequências da falta de reconhecimento da sua atividade.
Reconhece o seu privilégio enquanto mulher cisgénero branca.
 Pessoas migrantes estão em volta de maior fragilidade social.
 Sabrina Sanchez: ter um lugar seguro para trabalhar, poder dar descontos para ter
Segurança Social...

Vários tipos de regimes:


ABOLICIONISTA:
 Nem proibido, nem reconhecido.
 Encara trabalho sexual contra as mulheres, é necessário dar-lhes ferramentas para
abandonarem a atividade.
 Pretende erradicação progressiva do trabalho sexual.
 Criminalização do lenocínio (proxenetismo): sem via punitiva para quem pratica o
trabalho sexual.
o Proxeneta (maneira estereotipada: homem que lucra com o trabalho de
prostitutas).
o Não se entra em maior detalhe nas leis, diz-se que é o lucrar com a prática
sexual de terceiros.
o A polícia pode considerar proxeneta uma amiga que tenha o contrato da
casa e à qual ela paga a renda.
o Ausência de leis acaba por vulnerabilizá-las imenso;

REGULAMENTAR:
 Legalmente regulado;
 É visto como um mal necessário à manutenção da ordem social;
 Valorizar o trabalho livre e voluntário; favorecer e saúde e ordem públicas;
 Pune o tráfico e exploração (diferente de lenocínio): gestão e regulamentação estrita
exclui pessoas migrantes (dependência de grandes indústrias, guetização e controles
de saúde rígidos).
 Alemanha e Países Baixos: normalmente, ainda vulnerabiliza ainda mais os mais
vulneráveis.
 Experiência de zoológico.
 Tenho de depender daquele bairro para trabalhar
 Imobiliárias inflacionam os preços.

PROIBICIONISTA: EUA (menos Nevada e Maine) e Rússia.

NEOABOLICIONISMO (modelo sueco, norueguês):


 Introduz a punição dos clientes.
 Lei "sim é sim" envereda pelo caminho neoabolicionista.
 Lei mordaça abriu portas a perseguição a trabalhadoras do sexo, porque não estariam
a respeitar a decência pública.

DESCRIMINALIZAÇÃO:
 É diferente de regulado.
 Visto como atividade laboral, logo merecedora de reconhecimento e direitos para
quem exerce;
 Pretende melhoria das condições laborais, de saúde e segurança; direitos sociais e
civis.
 Despenalização de todo o universo de práticas de trabalho sexual; punição do tráfico e
exploração (diferente de lenocínio).
 Nova Zelândia, Bélgica...
 Primeiro modelo com leis criadas com as pessoas trabalhadoras do sexo.
 Permite-lhes exercer de maneira individual e auto-organizada;
 Já não há dependência de grandes indústrias.
 Normalização destas práticas ajudam ao fim da estigmatização.

União Europeia apoiou resolução que defende a tendência neoabolicionista.

Fragilidades do modelo abolicionista:


 Pandemia mostrou como o modelo é profundamente insuficiente para as pessoas
trabalhadoras do sexo.
 Confinamento tirou emprego às pessoas e foram impedidas de sair à rua para
procurarem trabalho.
 Quem já se encontrava num contexto social vulnerável, viu a sua situação
particularmente agravada, pior ficaram ainda as pessoas que estavam a trabalhar, mas
não tinham os seus trabalhos reconhecidos.
 Ficaram sem qualquer proteção social.
 Trabalhos precários, migrantes, feminizados... ficaram em posição extremamente
vulnerável.
 Ao mesmo tempo, é o próprio Estado que impede as pessoas de procurarem
sobrevivência.

Exemplo de bar de alterne: pessoas trabalhadoras do sexo não tiveram qualquer proteção, ao
contrário do resto do staff destes locais.

Modelo abolicionista vê trabalho sexual como violência contra as mulheres:


 Visão do trabalho sexual sempre como a mulher submissa a um homem;
 Negamos a capacidade de agência, de autodeterminação das pessoas trabalhadora
do sexo;
 Como os próprios media contribuem para a difusão de determinados discursos e o
apagamento de certas nuances?
o Notícias sem dar a voz a pessoas trabalhadoras do sexo.
o Questão do anonimato.
o Identidades construídas como o outro.
o Isto tem sexo, tem violência, pode ter audiências.
o Contribui para perpetuação do estigma.

Quando criaram o sindicato do trabalho sexual, media lançaram notícias "PSOE, apesar de
feminista, permite constituição de sindicato de prostitutas".

Análise jornalística das notícias da época:


 Há uma parcialidade que procuram desacreditar o sindicato.
 Não incluem pessoas do sindicato, é um objeto da notícia, mas não é um agente
entrevistado.
 Não tiveram o cuidado de perceber a distinção entre prostitutas e trabalhadoras do
sexo.
 Atenção mediática aumenta mediante a reação que pode gerar.
 Media desacreditam sindicato.
 Forma como comunicamos as notícias, criamos uma muralha no acesso à informação
ao apresentar leituras caricaturais do trabalho sexual.
 Criam ansiedades culturais, pânicos morais.
 Dinâmicas de marginalização são geradas à volta de sexualidade não normativas, ou
seja, desviantes.

Pessoas trabalhadoras do sexo não têm vergonha, querem dar a cara, querem direitos,
afirmam a sua capacidade de agência.
Considerar as mulheres vítimas de opressão corresponde a fazer leituras essencialistas.
 A produção destas ideias já está a contribuir discursivamente para o estancar de
categorias de género binárias.
 O género, enquanto ato produzido que constrói uma ficção social, alimenta o
binarismo e comportamentos normativos e dominantes.
 O trabalho sexual é um dos momentos em que se produz o género, dinâmicas de
género.
 Pode ser o reforço de identidade binárias (prática de levar homens jovens a utilizar
serviços sexuais para perder a virgindade, feito no sentido para dar o passo de se
fazer-se homem - prática de reificação do género).
 Género está longe de ser estanque, essencialista.
 O trabalho sexual é um espelho do que pode ser esta fluidez, esta transformação e
subversão em potência.
 A quantidade de identidades e de práticas que podem ser queer, que podem ser
subversivas ilustra o quão plural e até contraditório que pode ser o trabalho sexual.
o Uma pessoa trabalhadora entrou para dar visibilidade a práticas sexuais não
normativas (considera forma de ativismo feminista).
o Dedicam vida a defesa de direitos laborais de pessoas trabalhadoras do sexo.

Trabalho sexual - diverso, abrangente...

As relações entre espaço, tempo e comunicação no individualismo em rede – novos media e


a crítica à lógica da alienação social tecnológica

Forma como as redes sociais têm vindo a transformar a sociabilidade:


 Jonathan Crary com perspetiva mais pessimista relativamente à superficialização das
relações sociais.
 A superficialização é a única coisa que está a acontecer e está ligada a um fugir ao
encontro pessoal?
 Tanto temos conexões altamente descartáveis, passageiras, mas, ao mesmo tempo,
os nossos encontros cara a cara são suportados ou facilitados pelo uso destas redes
sociais, ou seja, pelas mesmas tecnologias que supostamente nos estão a afastar uns
dos outros.
 Relação ambivalente: separam-nos, mas também promovem encontros.
 Temos de ter em atenção não apenas as características técnicas da tecnologia, mas
também os usos múltiplos e às vezes contraditórios das tecnologias para fazer coisas
diferentes e até antagónicas.
 Pessoas no café agarradas ao telemóvel é visto como quebra de sociabilidade, mas
essas pessoas não deixam de estar a socializar com outras pessoas.
 Se essas pessoas não tivessem telemóvel, estariam ali ou preferiam não estar ali
presas àquela situação?
 Atitude que privilegia a interação face a face, acabamos por nos esquecer que nem
toda a gente tem a mesma facilidade de se movimentar no espaço, como nós temos.
 Quão diferente é importância potencial da comunicação à distância para quem vive a
400 km da sua família ou para quem vive a 15 min de metro da sua família?
 Isso não quer dizer que a pessoa a 15 min tem de ter uma relação mais próxima com a
família, ainda assim, essa tem possibilidade de ir dar com o familiar ao vivo ou falar
com ele online;
 Emigrantes e pessoas com mobilidade reduzida têm enorme dificuldade em
encontrar-se cara a cara;
 Pessoas com mobilidade reduzida acabam muitas vezes em situações de
isolamento social severo, as redes sociais tornam-se linha fundamental.
 Nós não estamos habituados a redes sociais, estamos habituados a
plataformas, cujo objetivo último é fazer dinheiro para a empresa que
desenvolve as plataformas.
 O problema pode estar na maneira como a primazia do capitalismo leva a que estas
empresas se estruturem de uma determinada forma.
 Algoritmo do tiktok feito para maximizar o tempo de retenção, porque mais
potencialmente transformada em dinheiro a nossa atenção é.
 Redes sociais, sem algoritmos de priorização de apresentação de conteúdos,
ou com algoritmos em que podemos alterar os critérios de forma autónoma:
isto ia gerar interações sociais completamente diferentes do que estamos
habituar a ter.
 Em momento nenhum, Jonathan Crary diz que temos de andar para trás, ele
considera que temos de andar para a frente, de forma a desconectar as
plataformas tecnológicas da sua conexão capitalista, com vista ao lucro...

 O que é que teria acontecido se Romeu e Julieta tivessem smartphones?


o História resume-se a problemas de comunicação, Julieta enviou carta que não
chegou ao Romeu a falar da poção.
o Smartphone tornaria esta história impossível.
o A mesma tecnologia que dava para eles fugirem rapidamente, dava para os
apanhar com rastreamento.
o Os pais descobriam a relação através de mensagens.
o Podiam tentar arranjar plataforma encriptada que fosse muito mais difícil.
o Tinder resolveria o drama amoroso.
o História provavelmente evitaria a morte, mas isso não significa que eles
ficassem juntos...
o Não tinha de acabar melhor, mas ia certamente acabar diferente, não ia
depender das tecnologias em si, mas dependeria muito mais de como as
pessoas envolvidas vão utilizar essas tecnologias.
o Idade como variável sociológica dá-nos uma visão diferente da história.

 Filmes de terror ou utilizam passado sem tecnologias ou cenários em que não há


rede, não há bateria.
o Quanto maior isolamento há, maior terror se provoca.
o Isolamento é condição necessária de terror.
 Aquilo que matou o Romeu e a Julieta foi o isolamento comunicacional, que só foi
possível porque os requisitos práticos para comunicar, antes e depois desta revolução
tecnológica, são radicalmente diferentes.

REVOLUÇÃO TRIPLA:
- Implica três tecnologias diferentes a operarem em conjunto:
 A massificação do acesso à internet.
 A massificação dos smartphones.
 A massificação das redes sociais.
 Todos os exemplos que demos requerem estas 3 coisas ao mesmo tempo, basta tirar uma
delas e já nada funciona.
 Cada um delas é extremamente necessária.
 Estas 3 coisas não apareceram todas ao mesmo tempo.
 Podemos analisar a maneira como a sociabilidade se foi transformando.
 Ponto mais importante dessa transformação tem que ver com a relação que se estabelece
entre os processos de comunicação e a localização geográfica.
 Surgimento dos telemóveis: passámos de comunicar com um espaço e passámos
a comunicar com uma pessoa.
 Telefonar para a casa de alguém é telefonar para um espaço, não para uma pessoa,
pode não atender quem nós queremos.
 Quando telefonamos para um n.º de telemóvel de uma pessoa, não estamos à
espera que seja outra pessoa a atender - estamos a ligar para uma pessoa concreta.
 INTERNET: implicava a estar em frente a um computador, ligado por cabo a um
sítio. Podia aceder ao mundo inteiro a partir de sítios geograficamente
determinados - atos comunicacionais estavam dependentes de um determinado
posicionamento geográfico. Só podia aceder onde o acesso estava.
 Só quando os telemóveis e o acesso ubíquo/generalizado à internet, na figura do
smartphone e na descida dos preços das ligações à Internet, só aí é que começamos
a ter a experiência de poder aceder à internet a partir de qualquer sítio.
 Barry: passamos de um modo de comunicação que é location-based para passar a
ser person-based.
 Em termos de acessibilidade, o posicionamento geográfico deixa de ser tão
importante.
 O acesso não está completamente resolvido, mas está muito menorizado.
 A espacialidade continua a ser altamente relevante, ainda mais relevante para a
nossa experiência de comunicação agora do que era antes, só que essa importância
da espacialidade não tem que ver com a questão da acessibilidade, mas sim com a
questão do conteúdo:
 Nós antes para acedermos ao conteúdo, tínhamos de estar num espaço
específico.
 Hoje em dia, o conteúdo que mais facilmente acedemos transforma-se
consoante a nossa localização.
 Inversão da subordinação: sujeito tinha de estar subordinado ao espaço e
agora é o espaço que está subordinado à espacialização do sujeito.
 Se formos à procura de restaurantes, aquilo que vamos encontrar é o que
está mais próximo de nós, porque temos a localização ligada e mostra-nos
a informação que é contextualmente relevante para os sítios onde nós
estamos.
 Aplicações de relacionamentos funcionam, sobretudo, tendo por base o
sítio onde nós estamos. Não estamos a falar de acessibilidade, mas as
práticas de comunicação passam a dar maior capacidade de navegar no
espaço em vez do espaço ser um constrangimento.
 Diferença de velocidade de comunicação são praticamente invisíveis para
nós.
 A distância não é abolida, a espacialidade não é abolida, ela é
resignificada, ou seja, nós conseguimos ter acesso às coisas, mas o tipo de
acesso que temos mexe-se connosco.
 Mesmo isto é uma simplificação: se as nossas interações dependem da
nossa mobilidade no espaço, isso quer dizer que se houver certos e
determinados espaços aos quais por uma alguma razão não conseguimos
ter acesso, isso vai ter outro tipo de consequências práticas e materiais.
 Se não vivemos suficientemente perto do centro de Lisboa, Uber
não nos dá possibilidade de fazer reserva. Se não vivermos numa
zona importante, não temos acesso a certas partes da tecnologia.
 Pokémon Go: funciona com localização subordinada ao sujeito,
tínhamos de estar em proximidade física aos sítios virtuais,
pressupõe mobilidade pelo espaço. Quando o jogo viralizou, houve
vários casos de pessoas racializadas a serem presas por estarem a
jogar Pokémon Go (pessoas racializada a andar de um lado para
outro foram acusadas de irem assaltar casas).

ESPACIALIDADE NÃO PERDEU IMPORTÂNCIA.


 Passamos para uma comunicação person-based: a pessoa que somos socialmente
lidas como sendo importa cada vez mais para as nossas experiências de comunicação;
 Está sempre envolvido numa grande ambiguidade.
 Sistema de tracking pode ser utilizado como estratégia para ter liberdade, como
estratégia para se defender.
 Não é que o espaço tenha desaparecido, é muito mais que a vivência da própria
navegação do espaço é vivida através do enquadramento da pessoa.
 Isto não quer dizer que as questões estruturais não tenham desaparecido (o racismo
continua lá), mas são lidas muito mais a partir deste ponto de vista subjetivista.

INDIVIDUALISMO EM REDE / NETWORKED INDIVIDUALISM:


 Análise que ele faz da evolução deste processo passa por 3 fases diferentes:
o Caixinhas/little boxes: as nossas redes de comunicação estão ligadas à nossa
localização geográfica / caixinhas geográficas que sobre determinam o
alcance das redes de sociabilidade das pessoas.
 É provável que os nossos avós tenham mais pessoas no seu círculo de
sociabilidade onde eles nasceram.
o Geolocalização: continuamos a ter estes constrangimentos geográficos, mas
ao mesmo tempo temos bastante mais pontos que estão fora destas zonas
geográficas delimitadas e estes pontos ganham importância na nossa vida.
 Pais foram saltando entre várias localizações diferentes, onde foram
ganhado amigos. Em cada espaço foram-se criando várias redes, mas
como foram saltando, algumas das localizações se foram mantendo,
apesar de eles já não estarem geograficamente lá.
 Os nós externos a estes espaços delimitados aumentaram.
o INDIVIDUALISMO EM REDE: continuamos a ter zonas mais densas e menos
densas de ligações, mas na maior parte dos casos esta densidade de ligação já
não é necessariamente, nem primariamente geográfica, ainda que possa ter
resultado de processos de aproximação geográfica.
 Pessoas continuam a comunicar quer estejam todos em Lisboa, quer
esteja cada um na sua localidade: na prática, os processos de
comunicação não mudam grande coisa. Ainda que a proximidade
geográfica nos tenha aproximado, não é essa proximidade que
suporta a nossa ligação.
 Pertença a grupos de interesse: fazer parte de algo que una pessoas
com interesse em comum faz com que tenhamos processos de
sociabilidade muito fortes com pessoas que se for preciso vivem
muito longe, o que é preciso é partilhar algo com essa pessoa (um
hobbie, um gosto, uma causa...)
 Isto quer dizer que podemos olhar para o individualismo em rede não
como abolição do tempo e do espaço, mas como uma transformação
das relações;
 Quer dizer que podemos olhar para as redes sociais como promotoras
de sociabilidade, mas uma sociabilidade que não se substitui nem se
pretende substituir à sociabilidade face a face, tem objetivo diferentes,
tem características diferentes;
 Sociabilidade digital sustenta sociabilidade física e sociabilidade física
sustenta sociabilidade digital.
 Perda de sociabilidade física não existe só, acontece ao mesmo tempo
que.
 Se por um lado é mais fácil manter estes circuitos de comunicação
ativos, também é mais fácil prescindirmos de alimentar estas relações,
porque elas são muito facilmente substituíveis: ambivalência.
 A falta de proximidade física acaba por levar a desinvestimento
emocional na própria relação.
 É muito comum que as amizades da faculdade desapareceram nos 5
anos seguintes.
 Reverso da medalha da individualização em rede: cada pessoa tem
muitos mais pontos de sociabilização do que tinha antes, tem-se um
tal volume de mensagens para responder, o processo de comunicação
é tão flexível e tão grande que chegamos a um ponto que já não temos
capacidade cognitiva para manter atividades comunicativas tão
intensas.
 Face a face estamos a receber mais informação (tom de voz,
expressões faciais, expressão corporal, uma série de fatores
contextuais que fazem parte do processo comunicacional).
 Mensagens por textos obrigam-nos a imaginar a forma como a
pessoa está a dizer aquilo, temos mais trabalho a preencher esse vazio
informacional.
 Interação face a face não cura os problemas de comunicação, mas os
desafios cognitivos são diferentes.
 Exemplo: pessoas neuro divergentes têm mais dificuldades interpretar
fatores contextuais ao vivo, por isso, falar por mensagem escrita (com
marcadores de voz, de tom...) podem ser mais fáceis para essas
pessoas.
 Os desafios cognitivos são diferentes, caso seja face a face ou
digitalmente.
 Quanto mais os nossos processos comunicacionais sejam vivenciados a
partir da perspetiva do sujeito, quanto mais tudo seja resumido aos
sujeitos no vazio, mais nós caminhamos rumo à
naturalização/normalização desta realidade altamente neoliberal,
altamente instrumentalizada.
 Isto não tem nada a ver com a anomia do Durkheim. O que vemos no
Ulrich, não é uma ausência de normas, mas é uma explosão de
normas, temos tantas normas e tão contraditórias entre si que temos
dificuldade em seguir tantas normas diferentes, percecionadas de
forma tão subjetiva (percecionamos as QUESTÕES ESTRUTURAIS
COMO NÃO IMPORTANTES).
 Pessoa tem a experiência de sermos o nexo de uma série de redes de
sociabilidade diferentes e passamos o tempo todo a perceber como
lidar com essas diferentes redes de sociabilidade.
 Isto só faz sentido no individualismo em rede (com redes de
sociabilidade diferentes, implicações e importâncias diferentes,
apresentamo-nos pessoas diferentes nas várias plataformas, fazemos
processos de curadoria para gerir tudo).
 Isto é o contrário da anomia, temos um conjunto enorme de normas
para cada rede social.
O racismo enquanto estrutura institucional, e o papel do jornalismo na sua reprodução; Teun
van Dijk e a Análise Critica do Discurso

Racismo:
- ideia da linhagem pura (pureza racial) foi criada por pessoas brancas, herdou de pessoas
brancas;
- ideia do manter a pureza só faz sentido se o conceito de pureza racial existir;
- nós não temos a possibilidade de nascer num mundo em que o conceito de raça não exista;
- nenhum conceito é estritamente individual;
- diferença entre racismo e xenofobia:
- xenofobia: corresponde a ódio perante qualquer diferença;
- racismo é um tipo de específico de xenofobia e que vem do conceito de raça;
- os grupos humanos sempre olharam entre si e viram diferenças étnicas/culturais entre
comunidades;
- a questão é que etnia e raça não são de todo a mesma coisa:
- RAÇA: foi inventado na Europa, no fim do século XVIII/princípio do XIX;
 RACISMO CIENTÍFICO: o que foi feito na altura foi procurar objetivar a ideia de que
existem várias raças humanas enquanto conhecimento científico verdadeiro.
 Quiseram validar a ideia de que existiam várias raças;
 Tinha que ver com questões de desenvolvimento fetal, perímetro craniano, massa
encefálica, uma série de marcadores supostamente permitiam a identificação de
alegadas diferentes raças humanas;
 Vários dados eram massajados para fazer encaixar a narrativa vigente;
 Não existem várias raças humanas.
 O objetivo da criação do conceito de raça nunca teve como objetivo descrever a
suposta existência de diferentes raças, teve sempre como objetivo explicar o porquê
de superioridade da raça caucasiana.
 O pressuposto de que a raça caucasiana era superior já existia quando começaram os
estudos, foi o pressuposto do estudo.
 Nós impusemos uma tal ordem de ver o mundo que as pessoas racializadas acabam a
pensar a partir dos pressupostos racistas.
 Exemplo: homofobia internalizada, pessoas pobres a defenderem ideias do Chega.
 Conceito de raça já é uma vitória do pensamento branco.
 Se o conceito da raça foi usado para provar a supremacia da raça caucasiana, como é
que pode ser usado para discriminar pessoas brancas: não pode, porque a mera
apropriação do conceito parte do pressuposto de que as pessoas brancas são
superiores.
 Se pensarmos no racismo, não apenas como atitudes e comportamentos
(individualizada), mas como uma questão estrutural/social: a questão torna-se em
que momento pessoas racializadas estão numa posição superior a pessoas brancas,
historicamente?
 Situacionalmente, uma pessoa racializada pode ter mais privilégio do que uma pessoa.
 Estruturalmente, a racialização das pessoas nunca dá privilégio a ninguém, pessoas
racializadas não são estruturalmente privilegiadas.
 Ser de uma maioria não implica privilégio estrutural.
 Estado atual de um país africano é o resultado de 400 anos de extração forçada de
recursos (estruturalmente, o país continua a estar estruturalmente, no presente, numa
situação de vulnerabilidade).
 Resposta em espelho de minorias vem de necessidade de defesa de agressão
primeira e tão assoberbante se não tentarem defender-se.
 Exemplo: casamento só entre pessoas racializadas - temos de entender que Portugal
tinha a ideia de obrigar mulheres racializadas a terem filhos com homens brancos para
clarear a população, a defesa perante isto será a tal reação em espelho dos grupos
discriminados.
 Não se legitima a violência de pessoas racializadas contra pessoas brancas, mas tem de
se compreender o contexto.
 Exemplos: cremes de branqueamento são famosos na Ásia.
 O fenómeno é estrutural é tanto que podemos encontrar exemplos de favorecimento
das pessoas brancas em todo o mundo.
 Países que foram ex-colónias portuguesas: se olharmos para esses países, percebemos
que as pessoas brancas ganham muito mais, possuem os setores com maior dinheiro;
 Se olharmos para estatísticas agregadas, as coisas são muito menos ambíguas.
 É preciso entender a origem histórica dessa violência, o alcance, o impacto estrutural
dessa violência.
 Perigo das falsas equivalências: superficialmente, a troca de insultos entre pessoas
brancas e pessoas racializadas parece igual, mas estruturalmente não é, porque a
pessoa branca está a reproduzir uma estrutura e a pessoa racializada ao fazê-lo não
tem grande efeito e acaba a prejudicar-se mais a si próprio do que ao outro.
 1000% de mais mortes em bebés racializados (médicos aprendem a ver sintomas em
pessoas brancas...)
 É fundamental separar a questão situacional da questão estrutural.

 O racismo por definição é estrutural, da mesma maneira que o sexismo por definição
é estrutural.
 Não podemos falar, por exemplo, de racismo contra pessoas brancas, porque por mais
que estejamos perante uma situação de violência, continua a ser xenofobia, mas não
é racismo especificamente, porque não há a questão estrutural.
 Finlândia: tem problema local de racismo contra comunidade étnica específica.

Conceito de RACISMO: um sistema de dominação étnica ou racial, ou seja, o abuso de poder


sistemático de um grupo dominante europeu branco contra vários tipos de grupos não
europeus, tal como minorias étnicas, imigrantes, refugiados...
 Racismo está infiltrado nos mais pequenos detalhes do dia a dia (exemplos: pessoas de
cor vs. pessoas brancas, música clássica vs. música do mundo/étnica...)
 Só a diferença é que é marcada linguisticamente.
 A hegemonia é o ponto de referência que não precisa de ser marcado.
 Tudo isto ajuda a compreender não só o conflito israelo-palestiniano e a sua cobertura
mediática.
o Estado de Israel foi criado por decreto inglês, porque a Inglaterra estava a
controlar e a ocupar aquela zona do globo;
o Constituição legal do Estado foi feita por potência europeia ocupante, mesmo
que já existissem pessoas israelitas naquele território.

Revolução Portuguesa:
- 15/03/1961: data mais importante, data em que uma série de "terroristas angolanos"
pegaram em armas e desataram a matar portugueses.
- começou a Guerra colonial (para os portugueses) e a Guerra pela Independência (para os
africanos).
- capitães de Abril não se teriam revoltado se não estivessem a perder a guerra colonial;
- história que aprendemos da instauração da democracia em Portugal é a história contada a
partir da perspetiva branca;
- revolução "sem tiros, sem sangue" não pode ter existido se o 25A foi provocado pela guerra
colonial, onde se mataram muitas pessoas;
- comemorar o 25 de abril é também comemorar o massacre que deu o início à guerra colonial.

Porque é que o massacre de pessoas é aceitável num lado e noutro não é - como é que o
racismo funciona?

O racismo tem uma componente social e uma componente cognitiva:


 Estão obviamente unidas uma à outra;
 COMPONENTE SOCIAL tem que ver com os aspetos mais estruturais, como a
sociedade está organizada;
 COMPONENTE COGNITIVA tem que ver com as nossas crenças, valores, ideias que
obviamente suportam esta organização social, que reforça uma determinada visão
(cognição) sobre as questões sociais.
 Ciclo de social - cognitiva - social - cognitiva...
 O que permite esta circulação é o discurso.
 O DISCURSO é a organização e a explicitação de uma determinada ideologia;
o Ideologia, segundo ele: é simplesmente uma estrutura de pensamento, de
conjunto de crenças, valores, que organiza a forma como olho para o mundo e
que dá sentido às minhas ações no mundo, que me permite também
compreender o mundo.
o Direitos humanos, feminismo, racismo, tudo são ideologias;
o Ideologia não é conotada com positiva nem negativa;
o Há ideologias que podem ser utilizadas para fazer coisas boas ou para fazer
coisas más.
o O discurso é uma espécie de explicitação da ideologia e é aquilo que permite a
passagem do cognitivo ao social.
o Temos certas atitudes que justificam certas cognições que depois são
utilizadas de forma que justificam a estrutura/social.
 Quando falamos disso não é bem discurso, mas aquilo que nós escrevemos, dizemos,
são manifestações de estruturas discursivas, são textos que podem ser analisados em
busca das suas estruturas discursivas.
 Se o discurso é o principal veículo de transmissão e reprodução do racismo, nós
temos de pensar onde é que nós conseguimos encontrar os discursos ou os produtos
discursivos com mais capacidade, credibilidade... Quem é que tem mais poder para
alimentar seja para contrariar o racismo?
o Os MEDIA são quem tem mais poder: em particular, o jornalismo, porque
reclama para si um discurso de verdade e de objetividade, reclama para si
uma posição neutra o que significa que seria supostamente vazio de
qualquer conteúdo ideológico.
 Mas não é possível produzir discursos sem ideologia.
 Neutralidade/objetividade é uma ideologia.
 Não existem discursos aideológicos, fora da ideologia.
o Se os media são o nexo discursivo mais forte, mais intenso na manutenção ou
na luta contra este processo retroativo, temos de perguntar - quem é que
manda no jornalismo, será que todos os grupos sociais têm o mesmo poder e a
mesma capacidade de se fazer representar no jornalismo?
o A resposta óbvia é que não.
o Se pegarmos na questão do Bordieu, os grupos hegemónicos conseguem
impor o seu habitus, a sua forma de ver o mundo.
o Esse habitus tem necessariamente componentes ideológicas, segundo o autor
de hoje.
o É mais provável que o discurso reflita principalmente a perspetiva e os
interesses das elites sociais.

Israel foi a palavra mais mencionada. Palestinianos são muito menos.

ANÁLISE DISCURSIVA - QUADRADO IDEOLÓGICO:


- é o que organiza a cobertura noticiosa geralmente em dois grupos: nós e os outros.
- o que tende a acontecer é que as coisas positivas relacionadas com o nós são destacadas, as
coisas negativas relacionadas com o nós são secundarizadas;
- as coisas positivas relacionadas com os outros são secundarizadas, as coisas negativas
relacionadas com os outros são destacadas;
- explica muitas das notícias que já ouvimos.
- se somos nós que estamos nós a iniciar a ação, somos libertadores;
- se são os outros, são apenas terroristas, difusores de fundamentalismo religioso.

- Todos os anos, morrem mais de 3 mil pessoas no Mar Mediterrâneo graças às políticas
migratórias da EU.
- UE está confortável com a morte dos migrantes;
- a subida das ações das empresas de armamento americanas chegaram a valorizar 20%, mas
não foi noticiado;
- França ganhou muito dinheiro a vender.

Palavra “guerra”: dá ideia de equivalência, dá ideia de que existem dois estados: Palestina e
Israel.
- condenação para uns e solidariedade para com outros.

PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO RACISMO:


- estudos de produção,
- estudos de receção,
- estudos de conteúdo (neste caso, estamos a olhar para o conteúdo das notícias).

CONTEÚDO:
 Diferença entre voz passiva e voz ativa.
 Utilização de informações específicas para um grupo e vagas para outro.
 Gramaticalmente, estão construídas como se fossem iguais, mas não são.
 Uso de termos que pretendem assustar as pessoas (vaga de migração...)
 Descobrimentos (descobrimos, porque quem estava lá não eram pessoas para o
padrão da altura, agora não faz sentido continuar a apoiar-nos neste pressuposto)
 Dar novos mundos ao mundo (ideia de que a Europa é uma coisa boa, é um mundo
brilhante).
 Padre António Vieira: não vamos utilizar os indígenas brasileiros, mas os escravos
africanos.
 Último estábulo de escravos em Lisboa só foi desativado no século XX.
 Expressões discursivas que repetem o racismo.
 Todas estas várias componentes linguísticas que fazem parte do uso da linguagem são
expressões de um determinado discurso ideológico e nós podemos analisar as
características linguísticas para tentar aduzir as ideologias, atores socias que estão por
detrás, que grupos estão configurados como sendo o nós e como sendo os outros.

O caráter estrutural é evidente porque também afeta produção e receção:


PRODUÇÃO:
Empresas de construção civil, de limpeza (próximo do trabalho escravo) têm, sobretudo, mão
de obra racializada.
- pessoas escravizadas que são libertadas são contratadas para realizar os mesmos trabalhos.

Guerra contra drogas (feita para aprisionar pessoas racializadas, porque os estabelecimentos
prisionais são utilizados como fábricas para ter mão de obra a custo zero, quem tem uma
pena, deixa de poder votar - medidas legais com viés racista, novas formas de racismo).

Tokenismo - colocamos uma pessoa racializada numa posição de destaque para sublinharmos
uma pureza moral inexistente.

Figurada adorada pelo Estado Novo. Eusébio era um token racializado, publicitário do Estado
Novo.
- Portugal dos Pequeninos era uma forma de propaganda colonial (representação de todos os
territórios portugueses, incluindo das ex-colónias - parque de diversões como forma de
propaganda colonial), de forma completamente descontextualizada do contexto histórico.

RECEÇÃO:
- maior facilidade de compreensão dos grupos hegemónicos;
- menor facilidade de compreensão dos grupos não hegemónicos;
- é cognitivamente mais complicado do que dividir entre terroristas e defensores de um
Estado;
- nada pode ser mais simples do que nós e os outros;
- um sistema binário é por definição o sistema mais simples que existe.
- ao nível da produção, do conteúdo e da receção, jornalismo afirma-se como forma de
reprodução do racismo enquanto fenómeno estrutural e institucional.

Toda a gente é racista, significa estar socialmente posicionado numa posição que nos permita
beneficiar de privilégio branco - logo, todos as pessoas brancas são estruturalmente racistas.
- qualquer pessoa lida como homem vai beneficiar de uma estrutura patriarcal;
- qualquer pessoa branca vai beneficiar de uma estrutura racista;
- problemas com pessoas brancas existem, apesar da branquidão e não por causa da
branquidão.

Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, porque a posição de neutralidade é a
posição da replicação do neutro é o discurso hegemónico, o habitus, o que é considerado
normal.

Interseccionalidade: no cruzamento entre 'raça', género e classe através do exemplo de


Kimberlé Crenshaw

Crenshaw: Interseccionalidade
 Diferentes formas de opressão, forma como se conjugam e trabalham em conjunto;
 Identitarismo político (identity politics): dizem que estas diferenças formas de
identidade distraem a verdadeira luta de classes;
 Argumentos contra: luta não invalida outra, influência mútua das lutas.
o Se falamos de lutas diferentes que se apoiam mutuamente, estamos a dizer
que são independentes uma da outra;
o Se falamos de eixos de lutas que se influenciam mutuamente, estamos a dizer
que são dependentes uma da outra.
o As duas coisas ao mesmo tempo não são logicamente possiveis.
 Creenshaw defende que estas lutas se influenciam mutuamente.
o Vai mais longe e diz que as próprias estruturas identitárias subjacentes a
estas lutas são co constitutivas, ou seja, que se constituem mutuamente.
 Significa que não existe género, sem "raça" e classe.
 Não existe "raça", sem género e classe.
 Não existe classe, sem "raça" e género.
 A existência destas próprias categorias já é produzida no cruzamento
destas coisas.
Exemplos:
Will Smith dá estalo a Chris Rock.
 Cavaleiro que ia defender a dama (machismo);
 Perpetua o estereótipo da fragilidade da mulher, mobilizado para ter o homem a ser
corajoso e a defender a sua mulher;
 Esse estereótipo de género (mulheres fragilizadas) só existe para mulheres brancas.
 Historicamente, as mulheres racializadas nunca receberam o estereótipo de mulher
fragilizada.
 A crítica feita ao Smith foi uma crítica branca, vestida de crítica de género. Aquilo que
aconteceu foi uma situação de apagamento racial, como não viram uma mulher e um
homem racializados, aplicaram os estereótipos aplicáveis a pessoas brancas.
 Não podemos dizer que a atitude dele promoveu estereótipos de género, porque eles não
são aplicáveis àquela mulher, dado que ela é uma mulher negra e, historicamente, elas
não são consideradas frágeis.
 Para falarmos de machismo, temos de utilizar argumentos coerentes com aquela situação,
com aquelas pessoas.
 Se toda a gente fosse branca, o estereótipo da fragilidade aplicar-se-ia.
 Médicos consideravam que pessoas negras têm maior resistência à dor do que pessoas
brancas.

Início do movimento feminista:


o Começa por ser um movimento só a pensar em mulheres brancas;
o O movimento sufragista não era só para mulheres brancas, eram um movimento para
mulheres brancas, baseado no racismo;
o Era uma questão explícita de racismo;
o Um dos argumentos era dizer que era inaceitável que um homem negro pudesse votar e
uma mulher branca não o pudesse fazer - RACISMO EXPLÍCITO.
o Se é estigmatizante para homens negros, ainda é pior para mulheres negras.

Problema de não ter uma abordagem interseccional: Cada vez que isolamos uma categoria de
análise, significa que estamos a ignorar as variações interseccionais que existem dentro
dessa categoria de análise, em favor das posições hegemónicas dentro de cada uma dessas
categorias.
 Estou dentro do feminismo e prioriza-se mulheres brancas de classe média.
 Estou dentro da luta anticapitalista e prioriza-se homens brancos.
 Diferenças que existem dentro destes grupos são ignoradas em prol das posições
hegemónicas.
 Quando nós ignoramos as diferenças intragrupais, nós aumentamos as tensões
intragrupais.
 Por outro lado, quando nomeamos/analisamos/refletimos sobre essas diferenças
intragrupais temos maior capacidade de criar alianças e de planear ação política que
não exclua acidentalmente ou propositadamente subgrupos inteiros que
supostamente estamos a defender.
 Exemplo: uma mulher, alvo de violência doméstica, fugiu de casa com o filho -
foi para um abrigo.
 Não foi aceite no abrigo, porque o abrigo tinha uma regra que dizia que só
podia entrar quem soubesse falar inglês. Como ela não sabia, ficou a dormir na
rua com o filho. Foram agredidos.
 Propõe a criança como tradutor. Recusam porque iram retraumatizar a
criança. Segundo dia voltam a ser agredidos.
 Ela entra em contacto com grupo de apoio a migrantes.
 Aquele centro era um centro de apoio a vítimas de violência doméstica, que
falassem inglês (não era propositado, mas quando não temos abordagem
interseccional, a retórica da inclusão não se torna a prática da inclusão).
 Isto acontece quando temos feminismo sem antirracismo.
 Também podemos olhar como a luta antirracista acaba por abafar a violência
doméstica e sexual porque acaba por tomar os homens racializados como
referências.
 Estereótipo de pessoas racializadas como hiper violentas e sexualizadas
permite silenciamento de mulheres racializadas vítimas de violência
doméstica.
 Quando uma mulher racializada faz queixa de violência doméstica, há o
silêncio das pessoas que só denunciam dentro de contextos muito fechados;
 Há o silêncio institucional que se faz sabendo que as pessoas racializadas são
violentas, então não vale a pena proteger essas pessoas (não vamos colocar
recursos para ajudar essas pessoas);
 Há ainda o silêncio dos líderes dessas comunidades que escondem por uma
questão de relações públicas da comunidade.
 Porque é que as mulheres brancas lutam ativamente contra o feminismo
interseccional? Porque isso lhes faz perder poder.
 Porque é que homens negros lutam ativamente contra queixas de violência
doméstica? Porque isso lhes faz perder poder.
 Porque é que ninguém faz nada? Porque isso lhes faz perder poder.

Género, classe e "raça" (não existem só essas categorias, mas falaremos mais destas porque
são o pacto mínimo).

Crenshaw não propõe uma teoria acerca da natureza das identidades (não teoriza sobre o que
é a raça, o género...).
 Aquilo que ela diz é igualmente verdade caso consideremos o género uma categoria
inata da pessoa ou caso estejamos de acordo com Butler;
 Está a falar dos processos de conexão, de interligação entre estas identidades.

 Às vezes, estamos tão concentrados no topo no topo do privilégio, acabamos por


esquecer que dentro de cada subgrupo há sempre privilegiados.
 Não existem grupos internamente homogéneos.
 Muitas das vezes, isto acontece ainda mais quando tentamos ter uma postura ainda
mais inclusiva.
o Ao se tentar ser tão inclusivo, falha-se no encontrar de um público que precise
desse apoio.
o Não existe género sem raça e classe, e vice-versa.
 Até os cientistas quando inventaram o conceito de raça utilizam comparativo de
classe, género e raça (o pacote mínimo) para criar o conceito de raça.

 Há características que são fruto da fusão raça, classe, género.


 Aquele exercício toma cada uma destas variáveis isoladamente.
 Questionário está feito com um entendimento aditivo da interseccionalidade.

 Crenshaw próprio modelo multiplicativo e não aditivo, porque não temos 3


identidades separadas, mas uma posição social que se encontra na intersecção de
todos estes eixos.
o Cada pessoa tem uma posição social que se forma na intersecção de todos
estes eixos.
o Se estiver analiticamente a tentar comparar as experiências de mulheres
brancas e de mulheres negras, aquilo que a perspetiva aditiva nos vai dizer é
que elas têm uma variável em comum e outra distinta.
o Crenshaw ela diz que o conceito de raça altera a definição do conceito de
mulher e o conceito de mulher altera o conceito de raça. Existe mulher negra,
não mulher + negra. Identidades definem-se mutuamente.
o Não existem estereótipos de género, só existem estereótipos de género
racializados. Existe sempre uma componente racializada nos estereótipos de
género.
o Não existe nenhum estereótipo de género que seja aplicado a pessoas daquele
género, independentemente da posição racial e de classe.
o Não há estereótipos de género universais. Mudam conforme a posição de
classe, conforme a posição racial.
o Estatuto socioeconómico muda a posição racial.
o Afastamo-nos da posição neomarxista que olha para as questões materiais
como as mais importantes.
o O nosso entendimento das categorias é alterado por todas as outras
categorias ao mesmo tempo.
o Isto não quer dizer que estes elementos das intersecções são igualmente
salientes em todos os contextos e momentos.
o Isto exige outra abordagem interseccional.
o Existem certos contextos em que algumas destas variáveis, eixos de poder se
tornam situacionalmente mais salientes e há outras situações em que
esperaríamos que essa situação existisse e ela não existe.
o Ex: contexto médico, onde a pertença de classe tem impacto significativo, mas
a posição racial ainda tem mais influência (capital económico não consegue
anular tão bem a influência negativa da posição racial).
o O dinheiro não destrói o racismo, nem o sexismo...
 Estatísticas são sempre separadas (homens vs. mulheres, racializadas vs. brancos...) - o
cruzamento é muitas vezes esquecido.
 Cruzamento fundamental para pensar nas dinâmicas microssociais, mas também
para pensar nos grandes eventos políticos.
o Exemplo: após eleições Trump-Hillary, analisaram-se os grupos demográficos:
 Se analisasse a partir de uma perspetiva apenas de género ou apenas
racial.
 Se não tivermos uma abordagem interseccional na análise de
estatísticas, não se conseguem fazer leituras significativas.
 Mulheres negras era o único que tinha força estatística explicativa
(75% para Hillary, resto para Trump).
 Não podemos pensar na população americana racializada apenas
como uma categoria.
 É olhando para estas nuances que nós conseguimos construir instrumentos de
análise mais fidedignos, mas, por outro lado, em termos da implementação de
políticas públicas, também conseguimos desenhar campanhas e projetos que
funcionem melhor para toda a gente.
 Não só para as pessoas racializadas, o objetivo da interseccionalidade não é diminuir
os interesses dos grupos maioritários dentro do grupo minoritário.
 Quer simplesmente considerar os privilégios/necessidades relativos de mulheres
brancas comparando com privilégios/necessidades relativos de mulheres negras...
 Corrupção do conceito de interseccionalidade para motivos conservadores:
o Linguagem neutra para abarcar todas as pessoas possíveis e isto é
transformado no pânico moral de que não se pode falar de mulheres grávidas.
o O médico pode adequar a sua linguagem a cada pessoa, mas nos documentos
gerais deve ser utilizado um termo mais geral que abarque todas as pessoas
que podem estar grávidas.
 Interseccionalidade não significa que não nos podemos focar num eixo de ação, mas
simplesmente que não nos podemos esquecer do impacto dos outros eixos naqueles
eixos de ação.
 Perspetiva interseccional, em vez de nos separar em campos, está a unir-nos em cada
contexto (mulheres unem-se, independentemente da posição racial; pessoas
racializadas unem-se, independentemente do género).
 Ao abordarmos assim, multiplicamos o potencial de ação política.
 Separar as coisas torna difícil unir as pessoas em torno de causas. Há momentos,
contextos que faz sentido existir alianças "inter-raciais"...
 Outra corrupção do conceito de interseccionalidade:
o Tem vindo a ser confundido com o conceito de lugar de fala.
o Se fôssemos por essa lógica estamos a dividir em grupos.
o Conceito de lugar de fala: como se fala a partir do lugar em que se fala.
 Uma mulher branca não pode falar da experiência de uma mulher
negra da mesma forma, mas não significa que não pode falar.
 Se aplicássemos a lógica dessa forma pura, ninguém poderia falar de
assuntos em que não teve experiência.
 Devo falar das questões a partir do nosso lugar de fala.
 Trata-se de como aquilo que dizemos precisa de ser contextualizado
pela posição específica que ocupo.
 Exemplo: feminismo liberal fala da mulher como se tivesse acesso a
todos as experiências do que é ser mulher.
 Temos de situar a experiência. A mulher cisgénero não faz ideia de ser
educada enquanto homem, da mesma maneira que a mulher
transgénero não tem a mesma experiência de assédio desde jovem,
quando ainda era socialmente lida como sendo do sexo masculino.

o Lógica LGBT:
 Lógica de separação é uma especificação para abrir lugar a que as
questões trans não sejam tapadas pelas questões da orientação
sexual.
 Alianças móveis, estratégias que têm que ver com os eixos de ação
que queremos enfatizar (mulheres cisgénero + mulheres transgénero).
 Representação de comunidade LGBT é dominado por pessoas brancas.
 Não basta ter a porta aberta, é difícil ter práticas inclusivas sem
abordagem analítica interseccional.

Conceito de INTERSECCIONALIDADE é um método/ferramentas de análise que tem como


objetivo identificar as diferentes intersecções de poder presentes, mas muitas vezes omissas
em cada contexto social, económico, político...
 Esta ferramenta de análise não apenas funciona para compreendermos melhor as
realidades, como também historicamente está documentada a importância destas
várias categorias na constituição umas das outras.
 A ideia de que as identidades são co constitutivas não é apenas um pressuposto
teórico, tem também confirmação empírica.
 O desafio é sermos capazes de identificar mais e mais eixos, linhas de intersecção...
 Temos o tríptico original de classe, raça e género, podemos adicionar:
o orientação sexual,
o capacitismo físico e mental (inclui tanto problemas de saúde mental como
saúde física, inclui depressão, problema motor...),
o religião (muitas vezes, agregadas à questão racial),
o idade,
o nacionalidade (migrantes ou nacionais, muitas vezes associada à questão
racial, mas também devemos olhar os dois),
o literacia (educação formal),
o existência ou não de trauma geracional ou de trauma individual (pode estar
ligada a qualquer questão - ter passado por um trauma individual ou coletivo
ou não ter passado por trauma),
o a questão da cisgeneridade (outra variante que precisa de ser especificada
dentro da questão do género),
o a posição da pessoa no espectro da alo sexualidade (se a pessoa é alossexual
ou assexual),
o pertença da pessoa a grupos minoritários sexuais não relacionados com a
orientação.
 Ter consciência do que é que estamos a incluir e a excluir da análise impacta a
análise que estamos a fazer.
 Devemos tratar as diferentes categorias de forma interseccional.
 Interseccionalidade não é só para analisar experiências de pessoas minoritárias. Uma
pessoa privilegiada é privilegiada de forma interseccional, como uma pessoa
discriminada é uma discriminada de forma interseccional.
 Uma pessoa branca, heterossexual, cisgénero... continua-se a conseguir perguntar as
diferentes dimensões interseccionais.
 Interseccionalidade não funciona só por comparações, funciona para qualquer pessoa.
 "Todos temos vidas interseccionais" - toda a gente está tão interseccionalmente
situada como outras pessoas.
 Exemplo: uma pessoa que seja agénero continua a ser uma posição dentro do eixo de
análise do género.

O papel dos media na promoção do populismo político em Portugal


Populismo em Portugal:
 Notícia da Visão sobre Rita Matias FCSH
 Ideologia: conjunto de crenças e valores que moldam as nossas ações;
 Ideia de que a ciência é um tipo de conhecimento válido, objetivo, fiável é uma
ideologia;
 Não ter nenhum condicionante ideológico é o mesmo que dizer que a ciência é
irrelevante;
 Direitos humanos, democracia, autodeterminação corporal são ideologias;
 Que ensino e produção de saber não condicionado por ideologia é este? Não existe.
Esta própria ideia de que devemos tirar a ideologia das universidades é em si própria
uma ideologia.
 Aquela palavra não está ali para ser tomada à letra.
 Doutrinação e ideologia vs. ensino e produção de saber: estas quatro palavras são
absolutamente simétricas: quadro ideológico também se aplica aqui.
 "aulas": não estamos a ter aulas verdadeiras;
 Precisamos de alguém para nos salvar da doutrinação.

Vinda de deputada (com cunho de legitimidade política) veio legitimar a ativação do aparato
policial.
- Chega veio revitimizar o movimento climático às mãos da polícia.

Ao nível da narrativa, não havia maneira de ganhar este jogo, independentemente daquilo que
a faculdade dissesse: o resultado garantido era a vitimização do Chega.
 Chega utiliza linguagem típica da esquerda pós-25 de abril.

Características da maneira como o populismo contemporâneo funciona:


 ESTRATÉGIAS DE APOIO DIRETO (como o Chega iniciou a sua carreira política:
diferença entre Chega e PNR - Chega aparece na cena política e ultrapassa PNR)
 Concentração numa FIGURA CARISMÁTICA (no caso português, Ventura, nos EUA,
Trump, no Brasil, Bolsonaro, no Reino Unido, Boris...)
 Adotam todas ATITUDES EXTRAVAGANTES: extravagância como espécie de identidade
política fundamental.
 Capacidade de CAPTAÇÃO DA ATENÇÃO MEDIÁTICA.

o Todas estas figuras têm conhecimentos sobre como é que os media funcionam e não é
simplesmente em terem andado a estudar, eles têm experiência direta de trabalhar
dentro do aparato mediático.
 Trump tinha os reality shows;
 Ventura comentava futebol;
 Boris trabalhou num jornal;
o Não são simplesmente especialistas em lidar com a máquina mediática, vêm de dentro
desta máquina, têm perceção interna de como a máquina mediática funcionem - a
partir daí, sabem adaptar-se.
o São casos in extremis para simplificar, mas isto é verdade para todas as formas de
populismo.
 Exemplo: Marcelo Rebelo de Sousa - verão mais soft core do populismo.
 Passou 10 anos a ser comentador no jornal - era uma figura familiar
para Portugal, passou quase uma década a construir essa persona na
vida das pessoas, depois de ter isso claramente consolidado é que se
candidatou e ganhou.
o Populismo não é só de direita, também podemos ter populismo de esquerda.
o Qualquer lado do espectro político pode utilizar.
o Torna-se difícil contrariar estas tendências, porque o populismo não tem de ser
necessariamente antidemocrático, é possível termos populismo democrático.
o Não é possível termos populismo pluralista, porque o populismo tem de se afirmar
sempre contra alguma coisa, combater um determinado grupo social ou vários, nesse
sentido, há sempre uma limitação ao pluralismo.

o Base funcional do populismo: a ideia do povo


 Associada à ideia de nação, cultura... Tudo isto gira muito à volta do construto
que é a nação.
 O nacionalismo é fundamental par a retórica do populismo.
 Não se encontra populismo sem componente muito forte de nacionalismo
associada a ela.
 A ideia de nação/nacionalidade é uma abstração, é construída/fabricada
através de uma série de processos históricos.
 Existe, mas não enquanto realidade objetiva.
 Língua, histórias com as quais crescemos, rituais culturais, os livros, a música,
tudo isto constrói e mantém e reproduz a ideia de nação.
 Ao vermos campeonatos mundiais de futebol, eurovisão, estamos a produzir a
ideia de nação.
 Tanto para o bem como para o mal, tem esse efeito.
 A ideia de nação é muito flexível, mais mutável, por isso, há sempre este
jogo de fronteira.
 Esta tensão é a linha que separa o "nós" dos "outros", o normal do desviante.
o Populismo de esquerda e direita funcionam de forma diferente.
o POPULISMO DE DIREITA:
 Imigrantes, pessoas racializadas, LBTQIA+, ciganos...
 Todos estes grupos são vistos como não fazendo parte do povo, a metáfora é
quase como uma metáfora médica.
 Utiliza uma lógica de estamos a ser invadidos por agentes estrangeiros que
nos estão a deixar doentes.
 LGBT: lógica do cancro - existência coloca em risco o corpo social, deixa-o
doente.
 Ideia de pureza associada à noção de povo.
 Definições dentro do populismo não são coerentes.
 A coerência não é um requisito necessário.
 O que é necessário é a coerência da estrutura retórica.
 Um grupo hoje pode fazer parte do povo, amanhã já não... Não faz mal, desde
que se consiga utilizar a retórica do nós vs. outros, povo puro vs. povo
impuro.
 Exemplo: homem gay candidata-se pelo Chega (visão interseccional mostra
como as alianças se desfazem e constroem, nunca são coisas absolutas).
 Exemplo: Boris Johnson criou sistema de pontos para excluir pessoas
migrantes de entrar no país - com isto, os supermercados ficaram sem
legumes
 Muitas pessoas britânicas não teriam critérios para entrar no país.
 O objetivo não é de todo a coerência.
 De onde é que isto vem?
 Parte importante do surgimento deste populismo tem que ver com o
fenómeno de individualização.
 Esta intensificação dos processos de individualização teve por sua vez
outras consequências que contribuíram mais para o crescimento do
populismo, nomeadamente, a CRISE DOS PARTIDOS POLÍTICOS (n.º
baixo de militantes e n.ºs de abstenção altíssimos - crise de confiança
nas estruturas político-partidárias que as enfraquece e cria um
ambiente de descrença face aos projetos políticos)
 Os partidos não se limitaram a desaparecer, o que acompanhou esta
descrença nos partidos foi a PERSONALIZAÇÃO DA AÇÃO POLÍTICA,
porque estamos a operar num contexto altamente individualizado.
 Pessoas votam em políticos (pessoas) e não em políticas (nas medidas,
nos partidos...)
 Votam no charme dos políticos...
 Carisma como mecanismo de resistência face à burocratização, à
gaiola de ferro...
 MEDIATIZAÇÃO DA POLÍTICA: com advento da televisão,
especialmente, a cores, os media tornaram-se muito importantes na
maneira como políticos são apresentados. Contudo, com as redes
sociais temos uma espécie de curto circuito. Passamos de uma
situação em que temos as indústrias mediáticas a pôr os políticos no ar
para outra em que os políticos dominam as redes sociais. A partir daí,
o jornalismo começou a ir atrás desses políticos (ex.: Trump).
 Trump escrevia um tweet e escreviam centenas de notícias -
fácil para Trump e para jornalistas.
 Nem sequer é preciso trabalho de verificação, basta dizer que
ele disse..., nem precisam de verificar se o que ele disse é
verdade ou não, porque o conteúdo da notícia é que o Trump
disse...
 Muitas notícias que circularam nessa altura eram apenas
Trump disse x...
 Tem elemento de choque é conveniente para o Trump como
para as empresas jornalísticas: esforço inflamatório é clickbait
e clickbait é dinheiro.
 Os media não estão a ser cooptados pelo populismo de
extrema-direita, os media têm interesses diretamente
atendíveis no sucesso do populismo de extrema-direita, o
que promove a colaboração da imprensa com este populismo
de extrema-direita.
 Investigação demonstra que novos partidos, sobretudo de
extrema-direita, utilizam linguagem mais emotiva,
incendiada do que os partidos de esquerda.
 Há diferenças claras, empiricamente estudadas, no conteúdo
emocional consoante estamos a falar de partidos
estabelecidos ou de novos partidos, ou entre direita e
esquerda.
 Linguagem mais inflamatória da extrema-direita é por essa
mesma razão mais mobilizadora (mais chocante).

Principais estratégias/técnicas de comunicação política:


COLOCAR-SE NO PAPEL DO OPRIMIDO:
 Vitimização é fundamental.
 Liga-se com questão do povo/nação.
 Pânicos morais: populismo age como espécie de versão amplificada destes moral
crusaders, opera a partir de lógica constante de pânico moral.
 Se o perigo está sempre ao virar da esquina, temos responsabilidade de avisar.
 Populismo "avisa" sobre os perigos (ciganos, pessoas LGBTQIA+...)
 Perigo visto de dentro: Nós estamos em perigo, "nós", povo puro, do qual movimento
populista faz parte, estamos em perigo.
 Trabalho constante de identificação: populismo só funciona se povo sentir que aquele
político é cá dos nossos.
 Por isso, o discurso anticorrupção está sempre na agenda política do populismo.
 Referências constantes à anticorrupção não têm que ver com as minorias.
 Vemos dois tipos de risco a serem identificados, não há apenas um "nós" e um "outros",
há um "nós" e dois tipos diferentes de "outros":

NÓS - povo, nação, Portugal...


 Atacado de baixo para cima pelo "outro que pode infetar o corpo social" (discriminação
racial, homofobia, etc.) - outro degenerado que vai sugar os nossos recursos...
 Atacado de cima para baixo pelo "outro poderoso", cujo poder está a sufocar, a
oprimir, a destruir a pureza, os recursos, a capacidade do povo, da nação (discurso
anticorrupção).
 Está ali para se separar dos políticos comuns, para exprimir aquilo que todos
pensamos, um dos nossos que está a conseguir dizer aquilo que pensamos...
 Dinâmica anticorrupção serve para deslocar estas pessoas da figura da política, do
campo do "nós", do "eu sou como tu".
 Identificar estes outros como infeção serve para reforçar a linha do nós vs. outros.
 Quando mais evidente for a identificação do outro, mais sólida parece a
identificação do nós.

Exemplo: Chega disse há dias atrás que queria aumentar verba de apoio às investigações
anticorrupção.
 Trump dizia o mesmo, mas é óbvio que o discurso anticorrupção é ficcional.
 André Ventura - tese de doutoramento sobre racismo nas políticas migratórias:
corrupção intelectual.
 Populismo não é destruível através de factos, tudo isto tem que ver com narrativas.
 Quando confrontamos as pessoas com factos, dizem-nos que são fake news, porque a
partir do momento em que entramos numa estrutura de paranoia, tudo o que o outro
grupo diz é mentira (paranoia é ver mentira em tudo o que é verdade) - resulta no
fechamento em torno do "nós".
 Tentativa de mobilizar dados estatísticos é visto como prova de que já estamos
ideologicamente corrompidos.
 O que interessa não é a conclusão racional da conversa, mas a estrutura retórica da
conversa.
 A pessoa de extrema-direita utiliza o que dizemos para colocar isso dentro da sua
estrutura retórica (apresentar dados estatísticos reais é indiferente, porque não
interessa a substância, importa a dinâmica retórica).

 Toda esta dinâmica funciona à base do MEDO:


 Modelo fundamental dos pânicos morais: se as pessoas não mobilizarem o
seu poder simbólico para fazer esta rotulação, ninguém quer saber.
 Utilizam o medo para mobilizar as pessoas.
 Movimentos populistas dão ESPERANÇA.
 Exemplo: Make America Great Again - mensagem de esperança.
 CHEGA - força da afirmação, mas por outro lado há mensagem de esperança,
ideia de que ao dizer chega as coisas vão efetivamente mudar.
 Exemplo: campanha do Brexit.
 Lógica securitária, de mudança, de transformação... com uma coordenada
temporal fixa (esperança não é nunca num futuro melhor, a esperança é num
regresso ao passado que já foi bom, há uma dinâmica de retorno ("again"),
de aprender com o passado, voltar ao antigamente, recuperar a
masculinidade, o respeito (Chega), recuperar a soberania nacional do Reino
Unido (Brexit).

 Campanhas consistentes de NEGACIONISMO CIENTÍFICO:


 Ironicamente, isto vem de uma ligação indireta entre os dois "outros": ideia de
que alguns elementos do grupo "estrangeiro" que se constituem de uma
suposta falsa vitimização (falsas vítimas) conseguiram infiltrar certas
estruturas de poder, podem não as controlar completamente, mas
conseguem mobilizar parcialmente essas estruturas de poder para cumprir as
suas próprias agendas.
 Feministas, gays, trans invadiram a universidade para fazer valer a sua posição,
para se vitimizarem, para fazerem doutrinação, para afetarem a virilidade da
nação...
 Querem-nos controlar com chips através das vacinas.
 Paranoia enquanto sistema ideológico: tudo o que os outros me dizem é
mentira e tudo o que eu digo é verdade (coisa auto-justificativa - se os outros
mentem, significa que eu digo verdade).
 Negacionismo da ciência com recurso a narrativa aparentemente científica.
 "vão ver com os vossos próprios olhos" - parece método científico, não
devemos confiar no que nos disseram e devemos experimentar as coisas.
 Não há rejeição total do discurso científico, o que há é apropriação da
narrativa da ciência, uma corrupção da narrativa da factualidade...
 Não se tratam de factos, mas da narrativa da factualidade: o importante é a
ideia abstrata de factualidade e não a factualidade efetiva.
 Retórica de factualidade é importante, porque é aquilo que permite articular o
binómio facto versus ideologia - definição completamente deturpada do
conceito de facto e de ideologia.
 A narrativa de factos de um lado e ideologias do outro permite fazer algo
sublime na sua simplicidade: dizer nós estamos a falar do mundo real e você
andam aí a inventar coisas.
 Aquilo que estão a dizer são só ideologias, são invenções, são ficções,
abstrações, enquanto nós (populistas) estamos a falar dos factos.
 Quando a conversa se torna nestes termos, o debate colapsa.
 Factos são tudo o que os populistas dizem e as ideologias são tudo o que os
outros dizem.
 Provam que não há crise climática...
 Muito do aparato escolar, mesmo que inconscientemente, suporta estas
narrativas (aprendemos que pessoas racializadas eram produtos do comércio
colonial, que só há dois géneros)
 Populismo tem pernas para andar porque muito daquilo que é o sistema de
instrução, está dominado por um determinado habitus ideológico que se
alinha com os interesses dos grupos hegemónicos.
 Aquilo que esses movimentos populistas dizem estão muitas vezes alinhados.

COMO COMBATER?
 (opinião) Abordagem interseccional que vá ao encontro dos diferentes grupos sociais
que desmonte o medo das pessoas, não o podemos desvalorizar...
 Temos que empatizar com o medo das pessoas para que elas o deixem de sentir...
 Ninguém muda de opinião à força.
 Precisamos de fornecer um certo nível de esperança.
 Precisamos de atender às necessidades materiais das pessoas.
 Insistir em medidas educativas, pedagógicas...
 Temos de perceber como é que eles conseguem e fazer semelhante, perceber quais
são as melhores estratégias para este tipo de mobilização.
 Até nas sociedades mais desenvolvidas, a extrema-direita cresce vertiginosamente
(exemplo: Suécia) - supostamente seria mais difícil alimentar esses medos, mas, no
entanto, o crescimento da extrema-direita é gigantesco.

Estratégias de comunicação:
 DOMINAR TÉCNICAS PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO:
 CONTACTAR AS MASSAS (redes sociais):
 TER ACESSO AOS MEDIA:
 CRIAÇÃO DE EVENTOS:
 PROMOVER ATAQUES TÁTICOS AOS MEDIA:

Modernidade, modernidades e eurocentrismo

MODERNIDADE
 Dissemos que a modernidade se fundamentava em 3 grandes estruturas:
industrialização, capital e urbanização (êxodo rural).
 Três fenómenos históricos ao sucederem-se trouxeram consigo uma série de
mudanças que, por seu lado, abriram o seu espaço a uma coisa que se chama
sociedade: baseada na desnaturalização e na dessacralização.
 Marx, Weber e Durkheim analisam o antes e o depois e como no depois podemos lidar
com estas diferenças.
 Esta narrativa coloca a modernidade na Europa, no Ocidente, historicamente, restrito
à Europa - transformações sociais e políticas da Europa.
 Será que pensar a modernidade como algo que aconteceu na Europa, será que isto é
eurocêntrico?
 Até o conceito de raça utilizado em África já era uma vitória de um conceito
eurocêntrico.
 Modernidade é perspetiva eurocêntrica que utilizamos como chave-mestra para
entender o mundo?
 Como é que se monta narrativamente a responsabilidade da Europa face a este
processo?

Narrativa supremacista: ideia de que no fundo os europeus eram melhores, eram mais
avançados, mais inteligentes, tinham mais recursos, mais capacidades - partindo deste
pressuposto supremacista, claro que foram os europeus os criadores da modernidade -
pensamento circular (europeus são bons, porque são os melhores).
Narrativa, mesmo que corra o risco de ser supremacista, não o quer ser:
 Tenta negar qualquer característica especial que seja inerente aos europeus.
 Tenta ver a modernidade justamente como uma mera consequência de uma série de
transformações económicas, políticas e sociais.
 Estas transformações aconteceram na Europa, mas não há anda de superiormente
europeu que faça com que elas não pudessem ter acontecido noutro lugar. Foi
resultado de uma confluência de fatores históricos.
 É esta narrativa que temos articulado aqui ao longo do semestre.
 Todos os autores funcionam uma perspetiva do que acontecia antes da modernidade se
instalar e do que passou a acontecer depois.
 Todos os autores da teoria sociológica clássica funcionam a partir de um binómio (o
antes e o depois, o pré-moderno e o moderno, solidariedade mecânica e orgânica,
feudalismo e capitalismo...)
 A partir desta lógica, poderíamos perceber que fatores contribuíram para o antes e
depois e olhar para outros contextos geográficos que elementos é que não estavam lá e
perguntar-nos porque é que não aconteceu noutros sítios, que fatores é que estavam
em falta noutros sítios para explicar porque é que a modernidade aconteceu nesses
sítios.
 Seria não supremacista, porque não é inerente a um lugar a priori.
 Modernidade não é fácil de delimitar temporalmente.
 A partir do momento que com a teoria clássica, sem pressupor que os europeus eram
intrinsecamente melhores, vamos perceber que fatores estavam ou não presentes
noutro sítio.
 Continua a ser EUROCÊNTRICA: acontecimentos europeus continuam a ser a bitola de
comparação, estudamos quão próximos povos do resto do mundo estão do modelo
europeus.
 Por implicação, que todos os outros países fora da Europa são tornados inferiores à
Europa.
 Por alguma razão, não tiveram todos os fatores necessários para se tornarem tão
modernos quanto a Europa, falharam em alguma coisa.
 Tem outra implicação: foi a teoria social clássica a descobrir que a modernidade nasceu
na Europa, quando supostamente a teoria social clássica nasceu da modernidade - mais
uma vez parece um pensamento circular.
 Dado este problema de eurocentrismo e dado que a sociologia não pretende ser
eurocêntrica, surgem duas alternativas para combater este eurocentrismo da teoria
social clássica:

RESPOSTA DAS HISTÓRIAS ALTERNATIVAS:


 Perspetiva considera que o eurocentrismo da teoria social clássica, o eurocentrismo do
conceito de modernidade pode ser combatido se nós contarmos a história do
surgimento da modernidade de forma diferente.
 No virar do século XVIII para o XIX, como é que a Europa tinha tantos recursos
económicos?
 A verdade é que esta Europa moderna com recursos que não são da Europa.
 Precisamos de ter uma narrativa do surgimento da modernidade que seja uma história
global, porque as mobilizações de recursos que a Europa fazia eram mobilizações
globais.
 Nesta história alternativa, esta ideia que temos da Europa só é possível a partir dos
processos extrativistas globais.
 Se a Europa não tivesse colonizado meio mundo, não teria os recursos para produzir a
Modernidade, logo a modernidade não é europeia, porque foi feita à custa dos outros
povos.
 Críticos desta abordagem dizem que ela não vai longe o suficiente, porque continua a
tratar a Europa como centro do poder e o resto do globo como uma espécie de
elementos secundarizados, passivos...
 Outra história alternativa é olhar justamente para sistemas económicos e financeiros
que não estão centrados na Europa para complexificar esta análise, nomeadamente,
olhar para a potência económica da Ásia e a centralidade das trocas económicas
centradas na Ásia até ao século XIX.
 De repente, a Europa torna-se a periferia de um centro económico mais forte, em vez de
ser o centro.
 Tentavam entrar no mercado das especiarias, porque estavam numa posição
secundarizada num mercado que movimentava muito dinheiro, muito forte, estavam a
tentar arranjar maneiras de sair desse lugar secundário.
 O mercado asiático movimentava muito dinheiro.
 Exemplo: peste negra nasceu na China e chegou à Europa quase um século depois -
reportar destes casos acontecia ao longo da rota da seda que se iniciava no Oriente.
 As coisas mais interessantes estavam a acontecer do outro lado do planeta e não na
Europa.
 Aqui a questão do colonialismo não se torna irrelevante, mas ganha complexidade.
 Função dos processos coloniais foi, por exemplo, extração de ouro no Brasil para os
europeus conseguirem sobreporem-se às dinâmicas do mercado asiático.
 No século XIX, Europa conseguiu fazê-lo (guerras do ópio na China, no Japão permitiram
entrada de exército inglês, holandês na região).
 Com estas visões alternativas, conseguimos descentrar a Europa (afinal, Europa
tornou-se importante relacionando-se com outras localizações geográficas não
europeias) e conseguimos dizer que a modernidade europeia é o resultado de uma
série de processos violentos da Europa relativamente a outras partes do mundo.
 Mesmo estas histórias alternativas, acabam a focar-se nos comportamentos da Europa.
 Mesmo que reenquadrando, reformulando, continuamos a ligar tudo à Europa.
 Para além disso, estas histórias alternativas que defendem a importância de irmos
buscar os factos históricos, empíricos.
 Isto cria-nos uma espécie de problema: se aparecessem dados a dizer que a Europa é
que é mais importante, não iríamos deixar de descentralizar a Europa;
 Sociologia não são apenas dados, são interpretações de dados, portanto, procura por
histórias alternativas cria-nos a falsa segurança de que os factos resolvem o problema
por nós.
 Porque não se conseguem resolver problemas epistémicos com dados empíricos.
 Epistemologia: estudo das condições de verdade, não é o estudo da verdade, não tem
que ver com a distinção entre verdadeiro e falso, mas com a definição dos critérios que
nós utilizamos para avaliar se uma coisa é verdadeira ou falsa.
 Se a nossa pergunta de base, o que é que conta como sendo ou não sendo moderno,
não são os dados que nos vão responder a isso.
 Porque primeiro temos de definir o que é conta ou não conta como modernidade.
 Mais dados não são concretamente úteis, porque a questão é epistémica: o que é que
define o que é modernidade?
 Não faz sentido perguntar à ciência se Deus existe ou não, a ciência não é capaz de
responder a esta pergunta, porque a epistemologia científica é incompatível com a
religiosa.
 A ciência estuda factos (mundo real), mas de acordo com a religião, Deus está fora do
mundo real, está fora do âmbito da ciência.
 Mais factos não nos trazem nada, porque estamos a falar de epistemologias diferentes.

 Gazlighting vs. mentira:


 Mentira comum está predicada na manutenção das faculdades epistémicas da
pessoa que recebe a mentira, mentira serve para que a outra pessoa acredite que a
pessoa é verdade.
 Gazlighting não serve para fazer a outra pessoa acreditar, serve para a outra pessoa
deixe de ser capaz de distinguir o que é verdade do que é mentira. As faculdades
epistémicas da pessoa que está a ser vítima são anuladas, pessoas deixa de ser
capaz de distinguir entre verdade e mentira e, por isso, precisa de outra pessoa,
precisa de alguém que lhe diga o que é verdade e mentira.
 Pretende subjugar a capacidade epistémica da vítima ao agressor.
 Questões epistémicas não são resolvidas epistemicamente, logo não são os dados que
vão resolver a questão.

CORRENTE DAS MODERNIDADES ALTERNATIVAS:


 Se a primeira corrente, dizia que a história da modernidade europeia está mal contada.
 Esta segunda corrente vai dizer que a história da modernidade europeia é só a história
de uma modernidade quando existem várias modernidades diferentes.
 Desconsideração dada a outras modernidades diferentes, alternativas.
 Focámo-nos só na Europa, porque confundimos alterações económicas, sociais e
políticas com alterações de subjetividade.
 Marx, Durkheim dizem que mudanças factuais provocam alterações nos processos de
sociabilidade, todos identificam a individualização como consequência necessária da
modernidade.
 Será que não podemos ter modernidades sem individualismo? Pergunta esta corrente.
 Descontámos outras modernidades, porque não vimos o surgimento do individualismo
nelas achámos que não era modernidade a sério.
 Propõe que se olhe para estas transformações económicas, sociais e políticas, mantendo
em mente, que elas não acontecem no vazio, no abstrato, mas antes em contextos
históricos específicos.
 No contexto histórico específico da Europa, a modernidade produz individualismo.
 Mas se o mesmo acontece noutros países, com culturas diferentes, porque é que
iríamos pressupor que o resultado teria de ser igual.
 Isto permite formular entendimentos da modernidade que sejam autónomos, por
exemplo, da dessacralização, da perda do sentido de comunidade.
 Nós podemos ter contextos em que a cidade, o dinheiro e a fábrica surgem sem que
isso necessariamente para sociedades mais desagregadas, mais atomizadas. Até pode
dar-se exatamente o contrário.
 O mesmo com questões ligadas à religião, porque é que temos de supor que uma
sociedade mais moderna é necessariamente menos religiosa, quando temos sociedades
que utilizam a religião para unirem a sua população.
 Exemplo: movimento anti imperialista britânico da Índia baseou-se na religião
como elemento agregador para conseguirem uma melhoria das condições de vida
na Índia.
 Existe uma diversidade de modernidades e não apenas uma.
 Tem vantagem muito grande: modernidade e ocidentalização tornam-se coisas distintas.
 Ser mais moderno deixa de significar que somos mais ocidentais e vice-versa.
 Ser mais ocidental não significa que somos mais modernos.
 O problema é que continuamos a perguntar como as outras modernidades variam face à
modernidade europeia.
 Tentamos sair, mas o problema de base continua lá.
 Definição referencial, não é autotélica, mesmo que não seja inferior, estabelece-se por
comparação ao modelo eurocêntrico.
 Modernidade e aumento da religiosidade.
 Na nossa perspetiva moderna, quando Deus deixa de explicar e passa a ser a ciência e a
racionalidade a fazê-lo.
 Dizer que o discurso científico é melhor, sendo a modernidade europeia que a produz,
estamos a dizer que a modernidade europeia é superior às outras.
 Problema n.º 2: Se nós postulamos que a racionalidade científica é a melhor forma de
entender a realidade, então isso quer dizer que todo o conhecimento produzido fora
desse contexto é necessariamente inválido, falso, inferior.
 O que a teoria social clássica fez não foi explicar as transformações da modernidade, o
que fez foi utilizar o estudo/produção da modernidade europeia, as transformações
sociais da modernidade europeia como forma de explicar toda a História da
Humanidade presente, passada e futura.
 Pressuposto da modernidade e da teoria sociológica clássica é o de que nós estávamos
cegos e passámos a ver (olhávamos para o mundo através de uma perspetiva religiosa e
a modernidade chega e diz-nos que Deus não explica nada, ao contrário da ciência).
 Ideia da história de progressão da religião para o conhecimento (das trevas da
ignorância para a luz da verdade).
 Luz do conhecimento não pode ser relativa, tem de ser absoluta, senão não é
conhecimento.
 É a produção da teoria sociológica clássica que, pela primeira vez, nos abre os olhos para
o mundo.
 Projeto circular: é verdade aquilo que eu digo que é verdade, porque os meus critérios
de verdade são melhores do que os que existem no resto do mundo.
 Separação entre sujeito e objeto.
 É fundamental para o conceito moderno de ciência.
 Esta sociedade é o objeto sociológico que o cientista, a partir de fora, vai analisar a
sociedade objetivamente, cientificamente.

 Isto permite a constituição da ciência como uma posição de articulação de


conhecimento absoluto.
 Ciência dentro desta perspetiva substitui-se ao conceito de Deus.
 É a ciência que nos traz a possibilidade de conhecimento absoluto.
 Ciência tal como foi pensada no contexto europeu.
 p. 161 - excerto de Marx: “se nós estudarmos o desenvolvimento da burguesia do século
XIX, compreendemos a história da sociedade inteira, presente, passada e futura”.
 Se o estudo é objetivo, tudo tem de funcionar da mesma maneira.
 Para o Marx, para Weber, Durkheim, estudo da sociedade europeia moderna não era
um estudo situado, era um estudo trans-histórico que nos permitiria perceber todas as
sociedades do resto da história da humanidade.
 Todas as outras sociedades são mais simples do que a sociedade burguesa, são meros
embrionários da sociedade burguesa.
 Isto é uma jogada de poder brutal.
 Teoria social clássica diz que nós somos as únicas pessoas capazes e suficientes para
estuda o resto do mundo a partir da Europa. Tudo o resto são derivativos.
 Tudo o que nós produzimos é verdadeiro e tudo o que os outros produzem não é tão
verdadeiro.
 Papel/aspeto fundamental que a modernidade estabelece é, no fundo, na maneira
como ela produz o conceito de conhecimento, de verdade.
 Modernidade europeia coloca-se a si própria como chave-mestra de entendimento da
realidade, o que nos obriga a priorizar a modernidade europeia.
 Limitamo-nos a aceitar esta supremacia epistémica-ontológica? Não necessariamente.
 Podemos pegar nesta relação entre modernidade e conhecimento e pensar esta relação
como uma história, como é montada a narrativa da relação entre modernidade e
conhecimento.
 Autor diz que a modernidade não é um conceito, é uma categoria narrativa, por isso, é
impossível dizer quando é que ela começa, conforme quem está a contar a história, o
momento em que ela começa é diferente.
 Categoria narrativa está sempre a fazer a mesma coisa. O objetivo da narrativa é sempre
o mesmo: a distinção entre "nós" e os "outros", entre a "ignorância" e o
conhecimento.
 Todas as narrativas da modernidade dizem que antigamente éramos ignorantes e agora
deixámos de ser.
 Esta narrativa da modernidade introduz a diferença a partir de cortes radicais.
 A narrativa da mudança não é propriamente problemática, o que é problemático é o
corte entre a ignorância e o conhecimento.
 Corte trans-histórico e trans geográfico: “nós do antigamente” são os outros. A partir
da revolução científica, passamos a ser nós, mesmo que tenhamos feito inúmeras
barbaridades.

RELIGIÃO/CIÊNCIA
PASSADO/PRESENTE
IGNORÂNCIA/SABER
OBJECTO/SUJEITO
MULHER/HOMEM
NATUREZA/CULTURA
ANIMAL/HUMANO

 São tudo sistemas binários, cortes epistémicos em que há um membro superior e outro
inferior.
 Tudo isto remete sempre para quem define e quem não define, quem controla e quem
não controla.
 Isto quer dizer que o próprio conceito de modernidade foi produto da modernidade.
 Se a modernidade é uma categoria narrativa, a ideia de modernidade enquanto ponto
de rutura faz parte da categoria narrativa.
 Modernidade são as barras, é o ponto de corte entre o antes e o depois, produzido pela
narrativa de que tem de haver um ponto de corte.
 Esses pontos de corte são confundidos como sendo a modernidade.
 Modernidade enquanto mero produto de uma categoria narrativa. Ideia de que
modernidade é objetiva é produto da modernidade, enquanto categoria narrativa.
 Modernidade enquanto facto objetivo é diferente de modernidade enquanto categoria
narrativa.
 Modernidade enquanto facto objetivo é fruto da modernidade enquanto categoria
narrativa.
 O autor diz que europeus ou não europeus nós somos todos modernos, não por
questões objetivas, mas porque estamos todos capturados pela narrativa da
modernidade.
 Considerar determinadas sociedades desenvolvidas é já estar a utilizar o paradigma
europeu.
 Se mudarmos os critérios, é tudo exatamente ao contrário.
 Se o critério de avaliação fosse quem mais fez mal ao ambiente, seríamos a sociedade
menos desenvolvida.
 Quem é que suporta mais ou menos direitos humanos? Ficamos em último lugar.
 Narrativa da modernidade é uma narrativa do que é desenvolvido ou não.
 Dizer que o homem tem de cuidar do planeta significa que estamos à parte do planeta,
que somos superiores ao planeta.
 São tudo pares de relações verticais que nos dizem que há um saber absoluto.
 Aquilo que nos pôs nesta situação foi a ciência (ciência como superioridade tem muito
que se lhe diga).
 Modernidade, enquanto narrativa não como dado objetivo da realidade.

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