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Uma panorâmica do campo das ciências sociais: mapeando a teoria social clássica. O social
desnaturalizado e dessacralizado: a autonomia da questão social. Narrativas da
modernidade: a liberdade e a disciplina, segundo Peter Wagner.
Conceito de sociedade para poder existir tem de se autonomizar destes dois paradigmas.
Temos de ter um objeto conceptual que não seja nem confundido nem com o divino
nem com os objetos naturais.
A sociologia exige os movimentos da DESNATURALIZAÇÃO (deixar de ser natural) e a
DESSACRALIZAÇÃO (deixar de ser sagrado).
Se a explicação é divina, precisamos de teologia. Se é biológica, precisamos de filosofia
natural.
Sociologia serve para analisar o que não é estritamente individual e biológico e que não está
subserviente a um desígnio.
Modernidade:
Novos princípios, novas crenças, baseados na revolução francesa (liberdade, igualdade
Iluminismo (Voltaire, Rosseau...)
Descartes (racionalismo - penso, logo existo: centralidade no indivíduo, um dos
grandes pontos de viragem da modernidade)
Nas sociedades pré-modernas, a centralidade estava em Deus, sociedade de
ordens, pouco espaço para o indivíduo, pouca mobilidade social.
O rei e o Estado eram uma coisa só, rei não existia como individuo
Modernidade existe em função da ideia de individuo.
Modernidade fez a sociedade (dinâmica social onde passam a poder existir indivíduos,
mas criamos uma tensão entre sociedade e individuo, a sociedade é muitas vezes
opressora (instituições, normas...).
O individuo surge juntamente com a sociedade, embora sejam conceitos que têm
uma tensão entre si.
À medida que a modernidade tem evoluído, temos priorizado o indivíduo e deixando
para trás a sociedade.
Isto é a narrativa da teoria social clássica, não é a única narrativa.
Por detrás desta narrativa do confronto sociedade/individuo, existem outros dois
meta conceitos: MESTRIA e AUTONOMIA.
Estes conceitos podem ser entendidos de forma diferente.
A teoria social clássica "faz de conta que cada um destes conceitos só tem um
sentido":
MESTRIA instrumental (tem de ser sempre, de acordo com esta teoria) - o que
consigo aproveitar dos recursos, das pessoas, o que consigo instrumentalizar,
para que é que os outros nos servem.
AUTONOMIA individual (tem de ser sempre, de acordo com esta teoria)
Tudo se resume ao que se pode retirar das situações.
A maneira como confronto sociedade/individuo vai ser em função da mestria
instrumental e da autonomia individual.
Teoria social clássica seria muito diferente se o conceito de autonomia fosse coletiva
e não individual.
Se a mestria em vez de instrumental, fosse estética, como tornamos o mundo mais
belo e não mais útil, teríamos uma história da modernidade completamente
diferente.
Peter Wagner diz que a teoria social clássica apresenta esta narrativa da modernidade:
a tensão entre a sociedade e o individuo, eles se necessitam mutuamente, mas estão
em tensão.
Segundo ele, a modernidade é mais a luta para ver quem é que consegue definir
mestria e quem é que consegue definir autonomia.
Não há só uma definição de modernidade, há outros fora do cânone que não
consideram isto, existem outras epistemologias da modernidade, que são
negligenciadas, apagadas historicamente pelo cânone clássico.
Mapa para perceber os diferentes autores.
Todos eles vão ter em comum os mesmos pressupostos de base (mestria instrumental
e autonomia instrumental, funcionam na dinâmica de tensão entre sociedade e
individuo, veem esta ligação como um problema, todos eles estão a tentar arranjar
uma solução, precisam de definição para saber que o problema está resolvido, a nossa
resolução sobre qualquer problema tem sempre pressupostos comuns).
Definição de problema na teoria social clássica envolve mestria instrumental e
autonomia individual.
Mestria pode ter vários significados, mas a teoria clássica entende que a mestria é
instrumental.
Vamos começar por estudar os clássicos que vão operar neste paradigma que estamos
a criticar.
Na verdade, não podemos falar de uma modernidade, mas de modernidades.
Processos de utilizar mestria instrumental e autonomia individual não são
automáticos.
Exemplo do Japão: em vez de ser o coletivo a disponibilizar os meios para o
individuo, o individuo como normativamente valida a expectativa de que ele
tem de cuidar do seu lixo, não para o seu próprio bem, mas para o bem do
coletivo - é um país moderno de forma diferente.
Exemplo da Suíça: em que as multas impedem que as pessoas deixem lixo,
envolve mais o conceito de autonomia individual.
Destruição da natureza, feita através da mestria instrumental para responder aos
interesses do individuo (autonomia individual) - natureza foi usada (mestria
instrumental) para os nossos interesses.
AUTONOMIA
AUTO = próprio
NOMIA / NOMOS = regras
Capacidade de nós estabelecermos as nossas próprias regras, não é o mesmo que
tomar as nossas próprias decisões.
Marx não tem exatamente a mesma preocupação, embora questões relacionadas com coesão
social estejam envolvidas.
Capital: deixa de ser um meio e passa a ser um fim em si mesmo, existe sob a forma de
dinheiro, de meios de produção...
o Até ao capitalismo, o dinheiro existia para fazer coisas;
Dinheiro era usado para comprar coisas, cumprir objetivos diferentes
de enriquecer.
o No capitalismo, o capital existe como um fim em si próprio;
Pessoa rica tem tendência para investir, enriquecer, investir e ganhar
cada vez mais capital;
Acumulação de dinheiro só por si serve para gerar mais acumulação de
capital - característica fundamental do capitalismo;
Diferença entre dinheiro e capital, dinheiro é uma forma de expressão
de capital, mas não é a única.
O dinheiro, no contexto capitalista, muda de natureza.
Não quer dizer que exista só desigualdade material, mas quer dizer que todos os
outros tipos de desigualdades advêm da desigualdade material (exemplo:
desigualdade de género: maior parte da propriedade privada é controlada por
homens).
Propriedade pessoal pode ser passada às gerações posteriores, desde que isso não
lese os interesses da comunidade, desde que isso não gere desigualdade logo à
partida.
SUPERESTRUTURA: tudo o resto que não tenha que ver com as relações de classe advindas da
posse dos meios de produção, são derivadas das condições criadas na infraestrutura
(exemplo: cultura, Estado, polícia, desigualdade de género...).
Exemplo: mulher pode não fazer IVG, porque uma clínica é uma propriedade privada.
Propriedade pública: propriedade não é de ninguém, é de todos, todos podemos
entrar como se fosse a minha casa.
Ideia de competição é produzida pela burguesia, pela luta de classes.
Tem de ser implementado ao nível global para funcionar.
A competição, a ganância não é inevitável, não faz parte da natureza humana
(há exemplos de comunidade antigas que cooperaram).
Ganância é produto de condições textuais, produto do capitalismo .
Ganância vem do medo se amanhã já não tenho o que comer. Se deixássemos
de nos preocupar com isso, a ganância deixaria de existir.
Dentro do capitalismo, o dinheiro também muda de sentido, muda de uso face às sociedades
pré-capitalista.
Capital e dinheiro não são a mesma coisa.
Capital: é um sistema complexo de acumulação de recursos materiais, baseado na
extração da mais-valia (que é transformada em lucro).
o Mais-valia: é o que é explorado ao trabalhador, é o acréscimo que a força de
trabalho dá à matéria-prima e aos meios de produção, é o que faz valer mais, é
extraída.
Exemplo: pilha de tábuas de madeira [matéria-prima], martelo [meio
de produção] e pregos --- se souber o que estou a fazer, sei construir
uma mesa, acrescento mais-valia, compondo a mesa.
Racionalização:
Abordagem de tipo instrumental;
Busca racional do lucro corresponde a forma como consigo instrumentalizar os
recursos que tenho para ter o maior retorno possível, para maximizar a busca do
lucro.
Ideia é controlar tudo, eu, o que está à minha volta, tudo para obter mais lucro.
Crítica de Weber:
Processo de racionalização corre o risco de ir longe demais: se aplicado à totalidade
da ação humana, corre o risco de transformar todas as interações que temos em
interações instrumentais.
Nível máximo de racionalização: Só faríamos seja o que for, porque temos algum
objetivo, porque queremos ganhar;
o OS MEIOS TRANSFORMAM-SE NO FIM;
o Racionalização torna-se no fim em si próprio;
Weber entende este risco desta forma, porque, para o Weber, as estruturas existem
independentemente da vontade dos indivíduos, mas derivam/são efeito da ação dos
indivíduos.
Vontade (o que quero fazer) é diferente de ação (o que fiz).
As estruturas são resultados não intencionais/planeados das ações dos indivíduos.
o Pessoas comportaram-se da forma como fazia sentido para elas, essa forma
foi-se disseminando, tornando-se prevalente, deixando outras formas para as
margens, até se tornar hegemónica, até se tornar estrutural.
o Ninguém tinha a intenção de criar o capitalismo, mas ele surgiu;
o As estruturas são efeitos não intencionais da ação dos indivíduos.
o Como estruturas não dependem da vontade dos indivíduos, indivíduos podem
ter a vontade de racionalizar as suas ações, mas não se apercebem que essa
racionalização se pode ir espalhando e cobrindo toda a esfera da interação
humana.
Weber fala de dominação legítima: estruturas sociais que nós aceitamos como formas de
dominação legítimas (cumprir leis é legitimar a forma de dominação).
Gaiola de ferro:
É interna aos próprios indivíduos;
Indivíduos acabam a aprisionar-se a si mesmos nesta busca pela racionalização de tal
ordem que a experiência humana corre o risco de desaparecer no meio disto tudo e
de, em última análise, provocar o "desencantamento do mundo" - já nada nos move,
nada nos apela, porque tudo tem de ser visto pela lógica da racionalização.
Para Weber, as questões económicas coexistiam com outras questões que, por sua vez, estão
associadas ao conceito de poder.
A organização do poder estava associada aos conceitos de classe (relacionada com as
questões económicas no sentido de posse de propriedade privada e de capacidade
aquisitiva)
3 formas de organização de poder:
CLASSE: questões económicas (capacidade aquisitiva + meios de produção e
propriedade privada)
mesmo que não detenha meios de produção (propriedade privada),
posso ser considerado uma pessoa rica pelos fundos que arrecadei
(capacidade aquisitiva, no banco, por exemplo);
STATUS: grupos estatuários, corresponde a um elemento simbólico.
Estatuto não implica necessariamente dinheiro, não implica
necessariamente relação com questões económicas.
Relacionado com o estatuto que uma pessoa ocupa numa
determinada sociedade
Exemplo: uma das formas de adquirir estatuto social é ser rico; a nossa
sociedade admira pessoas ricas e com estatuto (olhamos para elas,
diferenciamo-las, consideramo-las melhores que nós).
PARTIDO: mobilização de poder político.
Influenciar a vida social/impacto na sociedade.
Fazer parte de uma estrutura partidária torna-nos importantes, tendo
em conta o impacto que podemos causar relativamente àquele que
uma pessoa "comum" causa.
Por mais que fazer parte de um partido não dê à pessoa um estatuto
elevadíssimo, terá um estatuto maior que um cidadão comum.
o EXPLORAÇÃO ORGANIZACIONAL
Exploração que tem a ver com a complexificação e a verticalização da
organização das estruturas empresariais.
A criação de posições intermédias faz com que tenhamos uma
situação em que um "proletário", materialmente visto do ponto de
vista marxista, tenha os interesses imediatos alinhados com a
burguesia;
Embora ninguém desta hierarquia detenha os meios de produção.
As diferenças entre os níveis hierárquicos criam uma nova forma de
exploração.
Apesar dos interesses antagónicos, esta organização leva o
proletariado a ter uma mentalidade de burguesia (ganância e
exploração hierárquica).
Exemplo: se os funcionários venderem mais, os seus superiores
ganham com isso (burguesia) e eles também.
o EXPLORAÇÃO CLIENTELAR
Exploração mais evidente (que nos acaba por "chocar" mais por termos
tomadas as outras formas de exploração como "normais).
Exemplos: Máfias, seitas religiosas...
Podem chegar ao ponto de ameaçar alguém com a divulgação dos seus
segredos para obterem benefícios disso;
Assimetrias muito grandes entre quem é explorado e quem explora.
Metamorfoses do capitalismo:
o A meritocracia e o empreendedorismo correspondem a uns dos efeitos (com
transformações retóricas no processo) da metamorfose da ética protestante
(o indivíduo que tem mérito subirá na vida - esforço, trabalho, solução
própria).
o Deriva da ética protestante, porque, segundo ela, a pessoa, responsável pela
sua própria fé, é digna da salvação de Deus, portanto, a pessoa só chegou
longe graças ao seu mérito, ao seu esforço individual.
o A individualização das relações laborais (o que não se verifica só no contexto
laboral) relaciona-se com uma ocultação dos processos de exploração:
com uma falsa equalização das relações de poder.
deixa-se de usar a palavra "empregado" e passa-se a usar
"colaborador".
para dar a ideia de "família", quando o objetivo não deixa de ser
enriquecer o patrão.
Ocultação estratégica da verticalidade e da exploração laboral.
Normalmente, não intencional e não consciente, graças à alienação da
burguesia que não tem consciência de classe.
o A alienação também pode resultar da ideia de que "se sempre funcionou, vai
continuar a funcionar".
Exemplo: esperança média de vida mostra como o capitalismo não é tão mau
como dizem, há uma tendência para ver universalizar os benefícios do
capitalismo --- se funciona para nós, eventualmente vai funcionar para os
outros, porque havemos de pôr em risco?
Tudo isto funciona numa lógica de racionalidade instrumental.
o O capitalismo e o individualismo alimentam-se.
o Pessoas não apreciam o anticapitalismo, porque não o veem o seu fim como
produtivo, acham que nos faria regredir (voltar às cavernas)
Notas adicionais:
Desfrutar algo implica ter (ou seja, ter a potência de ação) de disfrutar algo.
o Exemplo: disfrutar de uma refeição significa que temos o poder de disfrutar
dessa mesma refeição e de não passarmos fome.
"Squid Game" trata-se de uma crítica ao capitalismo (no qual o conceito de
participação voluntária se torna nebuloso)
o Os 100 jogadores iniciais podiam ter invertido a situação e revoltado contra os
"agentes", mas começaram a micro organizar-se.
Insegurança teve de ser ensinada por alguém, é o produto de alguma coisa, não
apenas uma origem.
Fenómeno psicológico interno não surge do nada.
Entrar na escola e sentir que não fazemos parte daquele ambiente.
o Sensação de incerteza e desconforto.
o Quem decidiu ficar, fica num desafio muito complicado, não sabemos o que
fazer agora.
o Incertezas vão impactar a nossa capacidade de funcionar dentro desse espaço.
Trabalho de Pierre Bordieu veio da sua observação de que o sistema escolar não estava a
fazer aquilo eu era suposto fazer, que as tais ideias de democratização e igualdade não
estavam a funcionar e que ao mesmo tempo as teorias previamente existentes sobre o
sucesso escolar não funcionavam (ideia de que a inteligência é uma coisa hereditária, ideias
pseudocientíficas, quase a roçar o eugenismo).
HABITUS:
São os hábitos que diferentes grupos sociais têm, diferentes valores subjacentes a
esses hábitos, e a partir dos quais tanto se geram processos de pertença
(identificação) como de diferenciação.
As coisas com que eu me identifico (o espaço dos meus) e as coisas com que não me
identifico (o espaço dos outros).
Muitas vezes temos uma série de valores daquilo que é suposto ser o comportamento
certo ou a resposta certa, mesmo quando essa resposta certa não corresponde sequer
aos nossos comportamentos efetivos.
Diferença entre se dizer que se ouve Mozart e se dizer que se ouve Britney Spears,
diferença entre imagens que queremos passar de nós;
Mozart era na sua época o sucesso era mais ou menos equivalente ao da Britney
Spears (ele morreu na miséria, ela não terá o mesmo destino).
Habitus é uma serie de valores que estão ligados a ideias de pertença, de
exclusividade, de mais importância.
Como se forma?
Tal como o Weber, antevia lutas de poder em diferentes tipos de poder, o Bordieu também
vai distinguir diferentes formas de lutar pelo poder, diferentes tipos de capital (no sentido
não marxista):
- CAPITAL ECONÓMICO (dinheiro, propriedades...)
- CAPITAL SOCIAL (capacidade de nos relacionarmos com as pessoas certas, mais capital social
acontece quando estamos juntos de pessoas com maior capital social, que têm maior
influência)
- CAPITAL CULTURAL (normas e valores certos, conhecimento geral, questões de literacia,
inclui a música que eu ouço...)
Contraria a ideia de que a inteligência determina o quão cultas as pessoas podem ou
não podem ser.
Desnaturaliza a ideia de que as pessoas são mais ou menos inteligentes.
Três tipos de capital existem numa relação de amplificação mútua:
Dinheiro permite-me ir a concertos, eventos. Se conhecer pessoas
importantes, facilmente vou a eventos. Se tiver por perto pessoas mais ricas,
posso arranjar um bom emprego que me permite ter um maior capital
cultural.
Capital económico é aquele que é mais facilmente transformável nas outras
formas de capital.
A transformação das outras formas de capital em capital económico já não é
tão garantida.
Para alem destas três formas, existe uma outra forma que decorre da súmula, da agregação
destas três formas de capital: CAPITAL SIMBÓLICO.
Quando pensamos que alguém é importante, pensamos num todo, não só porque é
rica, mas porque tem um capital simbólico elevado.
Valorizamos tipos de capital diferentes em contextos diferentes (na escola, valoriza-
se o capital cultural; na bolsa, o capital económico)
Pensando em nível estrutural:
o Um grupo de pessoas que tem uma série de valores que são minimamente
semelhantes, temos um grupo de pessoas que está a tentar mobilizar o seu
capital simbólico para formar um habitus, para criar uma comunidade, um
grupo.
o Sempre que pertencemos a um grupo, grupo tem de série de valores e
atitudes, sentimos na pele os efeitos disso, porque esse grupo tem
coletivamente um capital simbólico que está a mobilizar para estabilizar um
habitus.
o Bordieu diz que toda a gente de forma inconsciente tem uma atitude
estratégica face ao seu próprio capital simbólico, todos tentam obter ou
adquirir capital simbólico, luta pela sua obtenção.
o A lógica é sempre a mesma, independentemente da dimensão.
o Pensar muito no que dizer num grupo é uma forma de pensar no impacto que
isso pode ter no capital simbólico, é uma forma de luta inconsciente pelo
capital simbólico.
o Está ligado a questões de vergonha, insegurança, que advém de uma serie da
valores do que é aceitável ou não, o que deriva do habitus de um determinado
grupo onde nos encaixamos ou procuramos encaixar.
o Nem todas as formas de habitus têm a mesma preponderância.
Na perspetiva de Simmel, o dinheiro, adquirido a partir do trabalho (que, por sua vez, é
responsável por uma sensação de apatia e provoca cansaço), é fundamental para o consumo,
que se relaciona com a noção de moda.
MODA (Simmel)
Andamos sempre atrás da moda: a moda é cíclica (num momento estamos na moda,
mas pouco tempo depois, deixamos de estar).
Se nos vemos livres da moda, deixamos de ter um sistema para combater a apatia.
O aspeto efémero da moda é o que lhe dá mais força no combate à apatia.
A moda é o que introduz mudança, que traz experiências diferentes que quebram a
monotonia, a sua apatia.
Se tivéssemos uma moda teórica não cíclica, ela iria apenas replicar a apatia e não a
combater.
A diferença que a moda introduz, por um lado, liberta-nos da monotonia do trabalho,
por outro, induz-nos a andar sempre atrás dessa diferença, para mantermos os
processos de coesão social.
Está tudo tão acelerado.
O retorno dos anos 70 não representa o regresso de uma sensibilidade, porque nunca
os vivemos, logo a roupa dos anos 70 acaba sempre por ser uma novidade para nós.
Jogo de equilíbrio entre estar na moda (lado da mudança constante) e arranjar estilo
individual (lado da estabilidade).
Apatia está dividida em grupos sociais (cada grupo acaba por ter a sua forma, a sua
moda, para combater a apatia).
O Simmel não trabalha isto a partir do conceito de classe social, fala do dinheiro como
forma de produzir as sensibilidades modernas, há pessoas que estão excluídas deste
circuito do dinheiro.
Pessoas que vivem em campos de refugiados, sem-abrigos é que não entram
no ciclo do dinheiro, que sensibilidades têm essas pessoas, que folgas têm na
sua apatia? A toxicodependência e alcoolismo são resposta à apatia e reflexo
da ausência de estruturas sociais que os ajudem a responder à apatia.
Quando não há redes de apoio (amigos, famílias...), não conseguem responder à
apatia.
Prisões dos EUA são uma das principais fontes de mão de obra escrava para trabalho
fabril (essas pessoas estão envolvidas no ciclo do dinheiro, por mais que ganhem
pouco).
Pessoas que estão em tribos isoladas, segundo Simmel, não fazem parte da
modernidade, porque não têm a trilogia (cidades, dinheiro e máquina).
Trabalho (máquina)
Dinheiro (capital)
Cidade (êxodo rural)
Citação:
O dinheiro “esvazia irreparavelmente o âmago das coisas, as suas particularidades, os seus
valores concretos e a sua singularidade e incomparabilidade” (Simmel, 1971, as cited in Crary,
2022, p. 127).
Grupos
↓
Normas
↓ (poder/interesse)
Rotulação
↓ (poder/resistência/postura face à rotulação)
Punição
Existem certos indivíduos que em certos contextos tentam hiper mobilizar o resto do
grupo para fortalecer uma norma que eles consideram estar sob ataque, em risco de
desaparecer: MORAL CRUSADERS.
Empolam um determinado risco e tentam mobilizar o resto do seu grupo para se
mobilizar contra esse risco percecionado.
Exemplo: livrem as nossas crianças da ideologia de género.
Argumento das crianças é muito maleável.
Moral crusaders necessitam de uma retórica de pânico, de ameaça para tentar
provocar a mobilização do resto do mundo.
o Adoram meios de comunicação de massa para transmitir uma mensagem super
violenta.
o Exemplo dos negacionistas da covid...
o Grupos de extrema-direita veem vantagens em colocarem-se na posição de
dizerem que estão a ser discriminados, a vítima mobiliza muito a sociedade.
Citações:
Regras sociais:
Definição de outsider:
“Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser vista como
um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas
pelo grupo.” (Becker, 1963, p. 15)
“aquele que infringe a regra pode achar que os seus juízes são outsiders” (Becker, 1963, p. 15)
“quer uma regra tenha força de lei ou de tradição, quer seja simplesmente resultado de
consenso, a tarefa de impingi-la pode ser o encargo de algum grupo especializado, como a
polícia (...), por outro lado, pode ser uma tarefa de todos, ou pelo menos a tarefa de todos no
grupo a que a regra se aplica. Muitas regras não são impostas (...)” (Becker, 1963, p. 16)
“Regras informais podem morrer de maneira semelhante por falta de imposição. (...) regras
operantes efetivas de grupos, aquelas mantidas vivas por meio de tentativas de imposição”.
(Becker, 1963, p. 16)
“alguns dos que violam regras não pensam que foram injustamente julgados”
“alguns desviantes (...) desenvolvem ideologias completas para explicar por que estão certos e
por que os que os desaprovam e punem estão errados.” (Becker, 1963, p. 17)
“À medida que supõem que atos infratores de regras são inerentemente desviantes, e assim
deixam de prestar atenção a situações e processos de julgamento, a visão de senso comum
sobre o desvio e as teorias científicas que partem de suas premissas podem deixar de lado uma
variável importante.” (Becker, 1963, p. 17)
Conceção estatística:
Críticas à estatística:
“A mistura contém pessoas comumente consideradas desviantes e outras que não infringiam
absolutamente qualquer regra. (...) está longe demais da preocupação com a violação de
regras, que inspira o estudo científico dos outsiders.” (Becker, 1963, p. 18)
“revelando a presença de uma “doença”. (...) Quando está funcionando de modo eficiente,
sem experimentar nenhum desconforto, o organismo humano é considerado “saudável”.
Quando não funciona com eficiência, há doença.” (Becker, 1963, p. 18)
“as pessoas não concordam quanto ao que constitui comportamento saudável” (Becker, 1963,
p. 19)
“A metáfora médica limita o que podemos ver tanto quanto a concepção estatística. Ela aceita
o julgamento leigo de algo como desviante e, pelo uso da analogia, situa sua fonte dentro do
indivíduo, impedindo-nos assim de ver o próprio julgamento como parte decisiva do
fenómeno.” (Becker, 1963, p. 20)
“Se isso for verdade, é igualmente verdadeiro que as questões de quais regras devem ser
impostas, que comportamentos vistos como desviantes e que pessoas rotuladas como
outsiders devem também ser encarado
s como políticas.”
“Ela identifica o desvio como a falha em obedecer a regras de um grupo.” (Becker, 1963, p. 20)
“Essa concepção é mais próxima da minha, mas não dá peso suficiente às ambiguidades que
surgem ao se decidir quais regras devem ser tomadas como o padrão de comparação com
referência ao qual o comportamento é medido e julgado desviante.” (Becker, 1963, p. 21)
“define o desvio como a infração de alguma regra geralmente aceite. Ela passa então a
perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas personalidades e situações de vida
dessas pessoas, e que poderiam explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que
infringiram uma regra constituem uma categoria homogénea porque cometeram o mesmo ato
desviante.” (Becker, 1963, p. 21)
“grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas
regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders.” (Becker, 1963, p. 22)
“o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da
aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse
rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam
como tal”. (Becker, 1963, p. 22)
“desvio é (...) uma consequência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos
(...) não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou
infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível;
- algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra.
- (...) não podem supor que a categoria daqueles rotulados conterá todos os que realmente
infringiram uma regra, porque muitos infratores podem escapar à detecção e assim deixar de
ser incluídos na população de “desviantes” que estudam.
À medida que a categoria carece de homogeneidade e deixa de incluir todos os casos que lhe
pertencem, não é sensato esperar encontrar fatores comuns de personalidade ou situação de
vida que expliquem o suposto desvio.” (Becker, 1963, p. 22)
“o desvio como produto de uma transação que tem lugar entre algum grupo social e alguém
que é visto por esse grupo como infrator de uma regra.” (Becker, 1963, p. 22)
Becker vai focar-se, sobretudo, “no processo pelo qual eles passam a ser considerados
outsiders e suas reações a esse julgamento”. (Becker, 1963, p. 22)
A 'viragem performativa' nas CSH – Judith Butler e a teoria queer, proximidades e diferenças
de Goffman através da noção de 'género'
Existem dois grandes tipos de argumentos (componente virada para biologia e outra
virada para a história, sociologia, gostos, práticas).
Normalmente, para pensar estes dois polos, o que se faz é criar uma distinção entre
sexo e género.
o Sexo seriam as condições materiais da existência (objetivos, científicos,
estáveis).
o Género seria toda a bagagem cultural e a forma como isso se transforma em
processos de autoidentificação (variáveis, histórica e culturalmente variados,
condicionados).
Butler diz que esta distinção entre sexo e género é uma ficção.
o "o sexo é sempre já género"
o A grande linha de distinção é a de que o sexo não seria culturalmente
produzido e de que o género é que o seria;
o Butler diz que sexo é culturalmente produzido também;
o Categorias de sexo que temos são culturalmente produzidas, porque não
correspondem à realidade material dos corpos.
o Se nós tivéssemos categorias de género ligadas à realidade material, teríamos
5 categorias, porque há 5 combinações diferentes.
o Toda a gente tem todas as hormonas, em níveis diferentes, só que esses níveis
diferentes de classificação hormonal não encaixam num sistema dual.
o Há homens que têm pouca testosterona, outras muito.
o Não existem hormonas femininas, nem masculinas, todos temos todas, com
efeitos práticos.
o Precisávamos de 5 sexos, em termos genéticos.
o Precisávamos de infinitos sexos, em termos hormonais (fusão da testosterona,
dos estrogénios...)
o Podem existir 25 configurações genitálias diferentes para além de vagina e
pénis (27 sexos diferentes).
o O único número que não encontramos é o número 2, por isso, o conceito de
sexo é também ele culturalmente produzido.
A questão da produção cultural do sexo não se fica por questões de terminologia.
Tem manifestações materiais.
o Mutilação genital de bebés intersexos (se um bebé nasce com genitália
ambígua, os médicos medem e fazem a alteração para produzir um pénis ou
um clítoris).
o Se o sexo não é culturalmente produzido, porque é que temos operações
para fabricar pénis ou clitóris.
o Intervenções genitais em recém-nascidos foram tornados ilegais apenas em
2018. Ainda hoje, hospitais portugueses continuam a fazê-lo.
o Quando se diz que o sexo é já género, é disto que se fala.
CORPO --- (trans e intersexo) --- GÉNERO --- (LGBQA+) ---- ATRAÇÃO
GÉNERO é um sistema produtivo que não tem apenas que ver com as normas e as práticas,
tem que ver com todo um sistema de alocação de corpos e de existências dentro de um
regime específico, ditado pelas regras da matriz heterossexual.
Como é que essas normas são produzidas, alteradas...?
Butler diz que o género opera enquanto performatividade, não enquanto
performance, mas enquanto performatividade.
Se o género operasse enquanto performance, isso quereria dizer que a maneira como
nos comportamos seria porque somos homens ou mulheres.
(GÉNERO -» COMPORTAMENTO)
Os comportamentos produzem género, não é o género que produz comportamento.
O eu fazer a, b ou c é uma prática que visa produzir a minha existência enquanto
homem, mulher...
O que está por detrás da performatividade é a repetição estilizada dos atos da carne
(COMPORTAMENTO ----» GÉNERO).
o Performatividade é alimentada pela repetição estilizada dos atos da carne.
O conceito de género estão constantemente a ser produzidas por nós, todos os dias
em tudo aquilo que fazemos.
Não somos meros recetáculos de género, somos produtores ativos de género.
Na corte francesa, a utilização de saltos altos era feita por homens. Quando as
mulheres começaram, os homens deixaram de usar para não serem confundidos com
elas.
o Em cada momento, nós achamos que a nossa forma de género (os nossos atos
estilizados da carne) foi aquilo que sempre foi, mas esquecemos que já foram
assim, mas já mudaram muito.
o Uma característica fundamental da performatividade de género é o seu
CARÁTER DISSIMULATÓRIO (uma parte integral da nossa produção de género
é nós não nos apercebermos que estamos a produzir género).
o As pessoas acham que o género produz comportamentos, porque esta
conceção obscurece o verdadeiro funcionamento do sistema de
performatividade de género menos exposto a críticas.
Dizer que o sexo é natural é voltar a naturalizar o social.
Manipulação de genes para produzir bebés por encomenda estão para breves. Se o
sexo é essa coisa natural, podemos mudar de uma forma eugenista.
Este aspeto ocultatório da performatividade de género afasta-nos das relações de
poder que estão por detrás desse mesmo género.
Essas ações existem ao nível institucional.
Atos estilizados da carne tem a ver com o que fazemos ao nosso corpo (implantes
mamários, operações trans...).
Mulher vai fazer um implante mamário para se tornar mais mulher, para produzir mais
o seu género.
Não existem homens ou mulheres, existem produtos de uma série de práticas que
são entendidos como mulheres...
Interessa-nos saber o género, porque organizamos o nosso estar no mundo a partir do
género. Tudo é genderizado, mesmo ou especialmente aquelas coisas que nós
achamos que não tem nada a ver com o género. Quanto mais oculto está, mais
importância tem.
Repetição estilizada dos atos da carne é uma coisa que fazemos todos os dias, todo o
dia.
MULHERES HOMENS
PUTA CONAS
FUFA/SAPATÃO (o problema não é ser CABRÃO (alguém que foi traído por uma
masculino, o problema é a pessoa errada a ser mulher)
masculino)
FILHO DA PUTA
Muito disto acontece sem nos apercebermos, sem qualquer tipo de maldade.
Ao olharmos para as pessoas vendo nelas feminino ou masculino, vamos produzindo o
género.
O problema é o pressuposto, não se tratamos de forma correta ou não.
Como todos nascemos dentro da matriz heterossexual, mesmo que não queiramos
vemos sempre mulheres ou homens nas pessoas.
Só seria possível resolver este problema, se o conceito de género fosse ininteligível
para todos.
o Podemos repensar criticamente os atos estilizados da carne, repensar de
forma como podemos agir sistematicamente de forma menos violenta, menos
normativa, menos indexada à tal matriz heterossexual.
Género não como causa, mas como efeito.
o O meu ato de gostar de algo está a produzir o meu entendimento de mim
mesmo enquanto mulher.
Interagir com os media de forma genderizada: uma visão performativa das relações co
constitutivas de media e género; usar o género para compreender o dia-a-dia das interações
com os media.
Para poder ocupar demasiado espaço, tem de haver um sistema normativo que defina qual é o
espaço adequado e o inadequado.
Interacionismo simbólico não se foca no comportamento, mas no contexto que
define esse comportamento.
Butler dizia que a repetição estilizada dos atos da carne produzem género.
As maneiras como respiramos, nos sentamos, faz parte desta repetição estilizada dos
atos da carne (é uma questão carnal, do espaço que ocupamos no espaço público, é
algo incrivelmente gerido, controlado).
Forma comos os sistemas de género funcionam está predicada em quem pode ou não
pode aceder a certos e determinados espaços e em que condições é que pode ou não
pode.
As mulheres não podem votar: os corpos femininos não são aceitáveis dentro de uma
sala de voto.
É mais fácil uma representação de uma mulher entrar num museu do que uma mulher
(artista) entrar num museu: nudez in loco não era legal para as ativistas, mas a nudez
das estátuas sim.
A ideia de insegurança tem sempre por detrás processos de autovigilância.
Esta autovigilância é fundamental porque temos de estar a prestar atenção se estamos
a produzir o nosso género da forma correta.
A performatividade de género tem aquele caráter dissimulatório, o que pensamos é:
será que estou bonita, será que me estou a portar bem?, será que estou a manifestar o
nosso género?, quando, na verdade, estamos a participar num processo de
autovigilância que diz respeito à nossa produção de género e não à expressão de
género.
Representatividade/inclusividade:
o Pensar na representatividade de forma binária não é correto.
o Estar ou não estar não é a mesma coisa de estar bem ou estar mal, de forma positiva
ou negativa;
Exemplo: representatividade das princesas da Disney não é propriamente
bom;
Exemplo: Bela Adormecida - beijo final: representa violação, metáfora de
violação sexual. História original sem a capa da Disney é a de que o homem
viola a Bela Adormecida e ela só acorda quando o bebé, fruto da violação,
começa a mamar.
Anunciação à virgem Maria (anjo diz que ela está grávida, anjo vem anunciar
que ela foi escolhida, mas ela já foi escolhida, não tem a hipótese de decidir se
quer ou não, não há pergunta nenhuma, há uma imposição).
Virgem Maria nunca diz que sim, antes da decisão, simplesmente "aceita" a
posteriori.
A partir do momento em que o corpo dela é utilizado não consensualmente
para conceber um bebé, o bebé é fruto de uma violação de um
consentimento.
Violação é diferente de penetração.
Isto é visto como a base moral/ética da nossa sociedade.
É uma questão de produção de género, feita a partir da reprodução destas
histórias desligada do conteúdo metafórico adjacente (produzimos a violação
como normal, a partir do momento em que a deixamos de ver).
Relações românticas estão predicadas na ideia de que um dá e outro recebe.
Encontrar a pessoa certa remete para um conceito de posse individual.
"Encontrar a cara-metade" dá a ideia de que não temos individualidade se não
estivermos com alguém.
PRODUÇÃO (quem faz as mensagens? - dimensão material que está por detrás da
produção)
PRODUÇÃO:
Netflix utiliza dinheiro de minorias sexuais e de género para financiar o Partido
Republicano.
Efeito de teto de vidro: barreira invisível que impede certas pessoas de chegar mais
longe.
Não é só a questão do conteúdo, dos estereótipos, mas também a alocação diferencial
de discursos que representa a alocação diferencial de poderes.
AUDIÊNCIA:
Quem capta as mensagens o que é que faz com as mensagens?
Audiências numa posição de poder relativo (modelo de codificação/descodificação - o
sentido que retiramos de uma mensagem não está nunca só na mensagem, está na
interação entre nós e a própria mensagem - há espaço para múltiplas interpretações).
Permite reapropriação de filmes por comunidades, como a trans fez com a Moana
(reinterpretou o filme, de acordo com a sua lente)
Não deixa a interpretação da obra só para o autor.
Constante diálogo com as narrativas à nossa volta: não existe só um sentido
verdadeiro, mas continuam a haver sentidos preferenciais.
Uma obra quando é feita está a convidar uma certa interpretação e, por conseguinte,
que a maior parte das pessoas vá fazer essa interpretação.
Preferencialmente não é a mesma coisa que exclusivamente, tanto que existe espaço
para outras leituras.
O autor queria dizer algo, mas eu vou reinterpretar esta obra a partir de outras
perspetivas (exercício de autonomia hermenêutica/interpretativa).
o Ver Adão e Eva como dependência, secundarização, e não com a interpretação
inicial.
o Escola de Frankfurt:
Procurava fazer a mesma análise que Marx fazia para a infraestrutura;
Escola de Frankfurt procura perceber a relevância da superestrutura na
infraestrutura.
Adorno falava da questão das indústrias culturais, tratava a produção de
cultura como se fosse uma fábrica.
Indústrias culturais produziam material cultural que promovesse a tal
alienação, ou seja, material cultural que desse sentido ao capitalismo
e que promovesse a sensação de que o capitalismo é aceitável,
inescapável, um mal menor.
Aqui o papel da audiência é pouco ou nenhum.
Audiência é tão profundamente impactada pelo aspeto industrial
massificado da produção cultural que não há pontos de fuga, nem de
resistência.
Exemplo: t-shirts do Che Guevara feitas por mão de obra escrava do
sudoeste asiático.
Quem detém os meios de produção bombardeia ideias a que não dá
para fugir.
O proletariado não é culpado pela sua própria subjugação, em termos
de produção cultural, é difícil fugir aos conteúdos culturais do Norte
Global.
Indústria alternativa está muito mais fechada a quem é mais pobre;
Capitalismo vende-nos as nossas próprias fantasias de emancipação.
Squid Game: Netflix acumulou dinheiro com fascínio de crítica
ao capitalismo, que fortaleceu o capitalismo.
A superestrutura mantém a estabilidade social necessária para proteger a
infraestrutura, através da destruição da imaginação de um mundo
radicalmente diferente.
Consulta de ginecologia no final da Barbie colapsa tudo no binário, na
transfobia.
É mais fácil fazerem-nos imaginar o fim do mundo do que o mundo
com o fim do capitalismo, pós-capitalista.
Importante pensar nas condições materiais de produção das mensagens, mas também
é necessário pensar que as pessoas podem reinterpretar de mensagens e que o
fazem de forma crítica, política, reflexiva.
É um perigo tentar encontrar a verdade, o efeito de determinadas mensagens
mediáticas, porque isso significa que estamos a ignorar o contexto no sentido em que
isso é produzido.
o 50 sombras de Grey: violência sexual vs. emancipação feminina (as duas são
verdade)
Contém violência de género (pode servir para refletir sobre ou para
normalizar),
Qual das duas é que é? As duas, dependendo do capital cultural, do
capital social. Não há forma única de sobredeterminação.
Estas narrativas por muito reacionárias que nos possam parecer à
primeira vista, também podem promover diferentes formas de nós
produzirmos género.
Da mesma maneira como conteúdos vistos como altamente
progressistas (ex. Barbie), podem simplesmente afirmar o status quo
que já temos (reproduz e normaliza os duplos padrões de género).
Há sempre o medo de que o efeito de uma obra vai mudar apenas através da mudança
de palavras.
É preciso perceber na nuance que o impacto que os media têm.
Ênfase no conteúdo e na receção pode ocultar regressão na parte da produção.
o Fala-se muito nas narrativas de filme de desigualdade de género, mas a
quantidade de realizadoras não tem crescido, tendo até diminuído.
Não é a representatividade, mas o acesso material a essas estruturas de produção.
BIOGRAFIA DO RISCO
Os percursos de vida contemporâneos, sob a égide da individualização, são percursos
assentes numa biografia do risco, numa história de vida do risco.
Nós escrevemos a história da nossa vida em função da maneira como negociamos o
risco.
Ulrich Beck: DO IT YOURSELF (a biografia do DIY, do faça você mesmo).
Quem é que tem de saber escolher? Quem é que pode não escolher? NÓS.
Esta biografia do Do It Yourself contrapõe-se às tais biografias pré-modernas às quais
Ulrich chama normais, no sentido em que o que estruturava a biografia eram as
normas sociais que existiam e que mantinham as pessoas em certas posições
económicas, geográficas, de forma predeterminada, inescapável;
Biografia do risco contrapõe-se à biografia normal.
Biografia normal é estruturada pelas normas.
o As normas eram ditadas pelas instituições sociais, formais, com normas
altamente específicas, estruturadas.
o Se não cumprias as normas criadas pelas instituições, essas próprias
instituições puniam quem quebrava.
o A maior parte das instituições não desapareceu, mas perderam a força, já não
têm a mesma relevância.
Estas instituições perdem poder, importância, perdem controlo normativo e punitivo,
mas as normas não desaparecem, elas vêm é de um sítio diferente e funcionam de
forma diferente.
Quem traz estas normas para o nosso dia a dia somos nós.
o Ninguém nos criminaliza por termos escolhido CC, mas sentimos o peso do
julgamento da mesma, quem obrigou as famílias a criticarem foram elas
próprias.
o Não estamos a caminhar para uma sociedade mais anómica, porque nós
estamos a fazer circular, a fazer valer as normas que nós trazemos para as
dinâmicas sociais, que trazemos em função da avaliação do risco.
o Crítica é feita a partir do risco, risco está subjacente à crítica.
Isto ajuda a explicar porque é que há ou não há consciência de classe, porque é que há
um enorme fascínio por empreendedorismo, meritocracia, empowerment.
Todos estes conceitos são devedores de uma visão individualizada sobre o
funcionamento da sociedade.
O fosso entre ricos e pobres está a aumentar (o estrutural continua a influenciar
fortemente a nossa vida).
Se nós deixamos de fazer sentido a partir do estrutural e se passamos a experiência e
o mundo a partir da lente da individualização, nós deixamos de conseguir ver o
impacto dessa camada estrutural (ou torna-se mais difícil de ver).
Torna-se mais fácil olhar para as coisas de um ponto de vista individualizado, porque
nascemos numa sociedade que nos leva a fazer isso.
Google é uma empresa de publicidade. Porquê? Todos achamos que é uma empresa que é útil,
para nós.
A nossa dificuldade em abordar o caráter da plataforma tem a ver com o nosso uso
individual da plataforma que se confunde com a natureza material, com o
funcionamento material da Google (forma como ganha dinheiro).
Porque é que a Google oferece tanta coisa gratuita?
Vai haver mais espaço para a publicidade.
Eles não fazem publicidade, eles vendem espaço publicitário, criando o espaço que
estão a vender.
Sabendo os nossos dados, a Google pode oferecer às empresas que querem pôr
publicidade espaços com públicos mais definidos.
NEOLIBERALISMO:
Voltar ao liberalismo com uma definição diferente do que é ser liberal.
Definição: perda de importância e de presença do Estado-providência (crise do Estado-
providência), acompanhada de uma precarização das relações laborais, sustentadas numa
lógica de iniciativa pessoal, individual.
o Daí a figura do empreendedor, que é o role model do capitalismo neoliberal.
o O empreendedor é funcionalmente diferente do magnata industrial que era o role
model do capitalismo liberal.
o Não há necessariamente a ideia de chegar ao topo de uma determinada indústria;
o O empreender e inovar é uma espécie de fim em si mesmo.
o Exemplo das start ups:
Regra geral, são criadas com o objetivo de serem vendidas;
O objetivo não é terem sucesso, mas serem vendidas;
Criação de start ups funciona segundo a lógica de especulação de mercado;
Se eu gastar 10 milhões e depois a vender por 25 milhões (forma de
especulação - aumento do capital).
Grandes empresas não investem em investigação, apenas absorvem a
inovação das start ups, graças à sua grande posse de capital.
OFUSCAÇÃO DAS CONDIÇÕES MATERIAIS NAS QUAIS NÓS VIVEMOS: aspeto fundamental da
individualização.
Achamos que estamos a interagir com trabalhador de empresa, mas não estamos.
Quem tem o próprio carro e trabalha com a Uber:
o Contratualmente é um trabalhador de conta própria;
o Materialmente, a conversa desliza para o algoritmo.
o Condutor tecnicamente pode aceitar ou rejeitar os pedidos, na prática, quanto
menos tempo a pessoa passa a conduzir, quanto mais viagens a pessoa recusa,
mais provável é receber pedidos de viagem.
o A possibilidade de trabalho está matematicamente condicionada,
estabelecidos e geridos por uma empresa que não é a empresa contratante
dos serviços de pessoas.
o A pessoa que fornece o serviço teria o direito de estipular o seu próprio preço.
A Uber decide pelo trabalhador o valor da viagem, a percentagem que vai
para o condutor e a percentagem que vai para a Uber.
o Uber não dá o direito ou liberdade a estas pessoas de negociarem os seus
próprios valores.
o Search pricing: quando há mais pessoas numa zona à procura, os preços
disparam, mas surgem mais notificações nas pessoas que não estão a conduzir
para balançar a oferta. Se a pessoa recusar, é algoritmicamente penalizada
(depuração matemática da lei da oferta e da procura).
o A maior parte deste valor extra deste search pricing vai parar à empresa e não
ao trabalho.
Caso de tiroteio: as viagens de 5 min passaram a ser a 500 dólares.
o Tudo isto é calculado algoritmicamente, não há vieses humanos.
o A lógica de funcionamento destas plataformas, tal como com as agências de
trabalho temporário, é criar o maior número de separações possíveis entre
todos os intervenientes destas interações e separá-los todos entre si tanto
quanto possível, mas manter a empresa em si separada dos outros
intervenientes que não sejam a própria empresa.
o Isto é conseguido através de 3 estratégias:
o IMUNIDADE: se alguma coisa corre mal, é sempre o condutor que
paga (nós até podemos pagar uma taxa, mas é ele que paga
sobretudo).
Nada chega à empresa, ela está imune. Isto funciona com base
em assimetrias informacionais (quando pedimos uma viagem,
não percebemos praticamente nada de como o dinheiro vai
ser distribuído, quando o condutor aceita, também não sabe
nada), mas empresa sabe tudo isto sobre nós e sobre o
condutor.
Empresas não são legalmente responsabilizadas.
- É confortável criticar as empresas, mas nós alimentamos esta lógica ao consumirmos estes
produtos e serviços - ligação estreita entre os processos de individualização e o
funcionamento real do neoliberalismo.
A narrativa individualizante enquadra e alimenta a maneira como interagimos com
estas plataformas e as condições de trabalho ligadas a estas plataformas alimentam
estes processos de individualização (empresas afastam-nos dos trabalhadores,
promovendo lógica de individualização).
Recomendações personalizadas são processos de construção identitária
tecnologicamente mediados.
Não pagamos nada pelas aplicações, porque é a nossa mão de obra que é utilizada
para dar mais-valia às empresas.
Recente interação das dinâmicas neoliberais que é o chamado trabalhos em
plataformas: pensamos o acesso a produtos, serviços e bens a partir da ideia de
plataforma, aplicação, substituindo a marca, a loja...
Há a tendência de que o trabalho em plataformas é algo que as outras pessoas fazem,
mas na verdade o trabalho plataformizado é o trabalho que todos passam o dia inteiro
a fazer.
Quando abrimos rede social, o gps, estamos a trabalhar...
Estamos a trabalhar no sentido em que estamos a produzir mais valia para aquela
empresa, estamos a produzir dados que pode ser comprado, vendido, mobilizado...
Exemplo da Uber:
Uber, desde 2014, só teve um ano de saldo positivo (muito mais baixo, comparado
com os lucros negativos de mil milhões de dólares).
De acordo com as leis do mercado, a UBER já tinha ido à falência há muito tempo.
A empresa não funciona à base de acumulação de capital a partir do trabalho.
Sobrevive à base do financiamento especulativo.
Plataformas de funcionamento especulativo continuam a injetar dinheiro nestas
empresas.
Dinheiro vem da capacidade que a empresa tem de prometer lucros futuros.
Promessa da Uber aos investidores é a eliminação da necessidade de mão de obra
com a automatização dos carros, o que trará imensos lucros.
Uber é uma empresa de tecnologia que presta serviços e que tenta convencer os
sistemas legais de vários países de que não presta serviços.
Uber só produz produtos digitais. A moeda de circulação total é a informação.
Queda da tesla: dinheiro não foi para lado nenhum, porque nunca existiu.
Se o trabalho que é feito a partir destas empresas, parece-nos muito mais trabalho.
Trabalho estético que fazemos, que se tornou absolutamente fundamental na produção das
nossas identidades, das nossas subjetividades, de tal ordem que o controlo e a gestão do
risco que nós fazemos quando estamos presentes em redes sociais é, em primeira linha, um
controlo estético do risco.
Fazemos um trabalho estético, genderizado, racializado (filtros tornam a pele mais lisa,
mais de acordo com os padrões ocidentais de beleza, tornam a pele mais branca).
Clichê: "a nossa geração prefere fazer tiktok a dançar do que chamada telefónica":
o A chamada telefónica é em tempo real, o que corre mal corre mal, não dá para
filtrar, não dá para repetir.
o Possibilidade de edição é uma forma de trabalho estético, de
autoapresentação, que tem que ver com a apresentação do eu numa
sociedade altamente individualizada.
o Apresentação do eu sujeita a curadoria.
o Autenticidade é um produto narrativamente construído - a questão não é ser
mais ou menos autênticos, são os processos de construirmos esta
autenticidade, é o "parecer autêntico".
o Parecer autêntico exige constante tratamento da nossa identidade.
Definição de pornografia:
Indústria AUTOR
Objetificação AUTOR
PORNO GRAFIA
Pornei (prostituta) + grafia (escrita)
Escrita da ou sobre a prostitua.
O primeiro registo que se conhece do uso desta palavra: foi num tratado francês do
século XVII sobre saúde pública, debruçava-se sobre um problema específico:
prostituição em Paris como problema de saúde pública (utilizou-se no sentido literal,
era um documento sobre as prostitutas).
Mas sempre houve representações de atos sexuais (Grécia).
Em Pompeia, foram encontrados frescos com homens com ereções.
Arqueólogos ingleses acharam que Pompeia estava cheia de casas de prostituição.
Vasos foram levados para museus privados, onde o acesso era reservado a homens
brancos com um certo nível escolar.
Naquela época, os homens brancos educados eram os únicos capazes de ter
distanciamento racional suficiente para conseguirem analisar aquelas peças sem se
deixaram afetar por elas.
Estas imagens aparentemente sexuais, muito provocadoras, no contexto em que
foram produzidas não tinham nenhuma conotação sexual, eram vistas como
representação de virilidade, tinham um objetivo terapêutico. Achavam que se
expusessem a estas imagens, veriam a sua alma e o corpo.
Estes frescos estavam em casas de cura, em banhos públicos, em sítios de cuidado do
corpo e da saúde.
Era um estímulo que fortaleceria o espírito e o corpo das pessoas.
O mesmo objeto é produzido como não pornográfico, depois é considerado
pornográfico e agora volta a ser não pornográfico.
Ora se as características do objeto não mudaram, porque é que a classificação tem
mudado?
Ninfomaníaca, filme:
Tem cenas de sexo muito explícitas.
Realizador seria provavelmente incapaz de produzir pornografia, porque ele é um
artista, faz parte da alta cultura, se é um objeto cultural não é pornografia.
Quando pensamos em pornografia, normalmente diferenciamo-la da arte (isto não é
pornografia, é erotismo).
Pornografia é associada à baixa cultura.
Erotismo é associado à alta cultura.
Cada vez mais nos afastamos da possibilidade de encontrar as características objetivas.
Aproximamo-nos cada vez mais de uma dinâmica relacional.
Cantora faz parte da arte pop e o realizador faz parte da alta cultura.
Jazz começa por ser baixa cultura e só depois quando pessoas brancas se começam a
apropriar do jazz é que este estilo ganha um peso cultural que na altura não tinha.
O mesmo estilo musical passa de pornográfico a erótico (passa de uma coisa suja para
uma coisa sublime).
Não porque as características do objeto mediático mudaram, mas porque as pessoas
envolvidas na creditação, no investimento de capital simbólico mudaram
radicalmente.
Elvis Presley, Rap/hipop.
50 sombras de Gray: pornografia para mães (porque é que a escritora faz pornografia
e outros escritores não produzem pornografia, mas erotismo).
A diferença entre o erótico e o pornográfico, entre artístico e não artístico, entre a alta
cultura e baixa cultura, definido através da mobilização de capital simbólico por grupos
específicos contra grupos específicos.
Coisa transversal na história do conceito de porno: conceito é particularmente
eficiente enquanto sistema de controlo, sistema de gestão de acesso de certos
grupos a certos produtos culturais.
Conceito de pornografia não remete para nada de objetivo, nada de ontologicamente estável,
é caracterizado pela sua plasticidade e essa plasticidade que permite que esse conceito seja
utilizado como mecanismo de bloqueio no acesso a certas determinadas representações
culturais.
Videoclip da cantora:
Basta dizer que há algo de sexual a acontecer para legitimar a tentativa de bloqueio e
de censura.
Toda a gente se sente desconfortável com censura, mas quando se fala de pornografia
não há problema.
Produtos vindo de grupos minoritários são mais classificados como pornográficos.
Se eu tenho poder suficiente para consegui recusar a rotulação de desviante, então eu posso
fazer as coisas sem receber o rótulo de as fazer.
Pornografia, depois de título de documento sobre prostituas, depois passou a ser utilizado no
tribunal para censurar obras.
Produção de pornografia, normalmente, não é ilegal, é utilizado como sub divisor do campo
conexo do trabalho sexual (prostituição: ilegal; pornografia: legal).
Condicionado pelas elites simbólicas (heterossexuais) que nunca iriam ilegalizar a pornografia.
Se fôssemos pela intenção ou pela reação, tudo era pornografia (catálogo de sapatos seria
pornografia para quem tem fetiche com tais coisas).
Enfiar dedos em bocados de fruta (Instagram já baniu a conta dela umas 3 ou 4 vezes) vs.
imagem de banana com iogurte
Diferencial de poder envolvido (se o instagram decide vai abaixo, se tivermos imenso
capital simbólico, conseguimos ter a conta de volta).
Negociação do excesso (parlamento decidiu que só até 4 dedos é aceitável).
Normalmente, não é levado a sério, exclui-se sempre a dimensão do trabalho, reduz-se muitas
vezes a insultos.
TRABALHO SEXUAL:
Criado pela ativista Carol Leigh,
Reforça simultaneamente várias ideias:
o Abrangência do termo (generalidade de práticas, não se reduz a strip ou a
prostituição);
o Necessidade de reconhecimento social.
o Necessidade de reconhecimento laboral.
Critica feminismo hegemónico.
Propõe este termo, nos anos 80, altura em que se dividiu o feminismo em dois (uma
parte favorável à liberdade sexual e outra parte contra o trabalho sexual).
Feminismo hegemónico: considera que existe um ostracismo das trabalhadoras do
sexo, porque entende que a pornografia é necessariamente violência contra as
mulheres.
Nesta prática, ocorre troca de serviços, performances, tipo de serviços operam com
algum tipo de retorno material.
São trocados serviços de comunicação, relacionais, intelectuais, estéticos...
Venda de serviços de caráter sexual, não estamos a falar da venda do corpo, há uso do
corpo, mas não se vende o corpo.
Existem inúmeras forças de produção que provêm do cuidado corporal e corporal.
A utilização do corpo é uma condição de possibilidade para materializar o trabalho
sexual, como é qualquer experiência laboral.
Nenhum trabalho pode ser realizado sem um corpo ou sem um intelecto.
o Exemplos: um cuidador de um lar não pode operar sem um corpo.
o Filósofo também usa o corpo para escrever.
Os conceitos de corpo e intelecto são indissociáveis.
RECONHECIMENTO SOCIAL:
Questões da autonomia, autodeterminação, capacidade de agência de quem se dedica
a esta prática.
Os condicionamentos do sistema capitalista levam a que todos tenhamos de trabalhar
como forma de subsistência (o trabalho não é uma escolha voluntária, temos de o
fazer para sobreviver).
Ainda assim, há um leque de possibilidades. Neste processo, as pessoas têm o direito
de escolher o trabalho sexual como uma forma de sobrevivência.
Refere-se sempre a uma prática consensual e voluntária.
Trabalho sexual não deve ser confundido com as questões de tráfico ou de exploração
sexual.
Um dos grandes problemas associados é a falta de reconhecimento destas pessoas e o
estigma a ela associados.
Anneke Necro: acha que é uma forma de ativismo dentro do feminismo.
Da mesma maneira que o trabalho sexual é muito abrangente, as razões que levam as
pessoas a fazê-lo também são extremamente abrangentes.
Raj Redick: do trabalho académico passou para trabalho sexual.
Falamos de trabalho para dar o foco à questão laboral.
Trabalho sexual é trabalho e, portanto, deve ser reconhecido enquanto tal, deve ter
os seus direitos laborais reconhecidos.
RECONHECIMENTO LABORAL:
Maria José Barrera: Consequências da falta de reconhecimento da sua atividade.
Reconhece o seu privilégio enquanto mulher cisgénero branca.
Pessoas migrantes estão em volta de maior fragilidade social.
Sabrina Sanchez: ter um lugar seguro para trabalhar, poder dar descontos para ter
Segurança Social...
REGULAMENTAR:
Legalmente regulado;
É visto como um mal necessário à manutenção da ordem social;
Valorizar o trabalho livre e voluntário; favorecer e saúde e ordem públicas;
Pune o tráfico e exploração (diferente de lenocínio): gestão e regulamentação estrita
exclui pessoas migrantes (dependência de grandes indústrias, guetização e controles
de saúde rígidos).
Alemanha e Países Baixos: normalmente, ainda vulnerabiliza ainda mais os mais
vulneráveis.
Experiência de zoológico.
Tenho de depender daquele bairro para trabalhar
Imobiliárias inflacionam os preços.
DESCRIMINALIZAÇÃO:
É diferente de regulado.
Visto como atividade laboral, logo merecedora de reconhecimento e direitos para
quem exerce;
Pretende melhoria das condições laborais, de saúde e segurança; direitos sociais e
civis.
Despenalização de todo o universo de práticas de trabalho sexual; punição do tráfico e
exploração (diferente de lenocínio).
Nova Zelândia, Bélgica...
Primeiro modelo com leis criadas com as pessoas trabalhadoras do sexo.
Permite-lhes exercer de maneira individual e auto-organizada;
Já não há dependência de grandes indústrias.
Normalização destas práticas ajudam ao fim da estigmatização.
Exemplo de bar de alterne: pessoas trabalhadoras do sexo não tiveram qualquer proteção, ao
contrário do resto do staff destes locais.
Quando criaram o sindicato do trabalho sexual, media lançaram notícias "PSOE, apesar de
feminista, permite constituição de sindicato de prostitutas".
Pessoas trabalhadoras do sexo não têm vergonha, querem dar a cara, querem direitos,
afirmam a sua capacidade de agência.
Considerar as mulheres vítimas de opressão corresponde a fazer leituras essencialistas.
A produção destas ideias já está a contribuir discursivamente para o estancar de
categorias de género binárias.
O género, enquanto ato produzido que constrói uma ficção social, alimenta o
binarismo e comportamentos normativos e dominantes.
O trabalho sexual é um dos momentos em que se produz o género, dinâmicas de
género.
Pode ser o reforço de identidade binárias (prática de levar homens jovens a utilizar
serviços sexuais para perder a virgindade, feito no sentido para dar o passo de se
fazer-se homem - prática de reificação do género).
Género está longe de ser estanque, essencialista.
O trabalho sexual é um espelho do que pode ser esta fluidez, esta transformação e
subversão em potência.
A quantidade de identidades e de práticas que podem ser queer, que podem ser
subversivas ilustra o quão plural e até contraditório que pode ser o trabalho sexual.
o Uma pessoa trabalhadora entrou para dar visibilidade a práticas sexuais não
normativas (considera forma de ativismo feminista).
o Dedicam vida a defesa de direitos laborais de pessoas trabalhadoras do sexo.
REVOLUÇÃO TRIPLA:
- Implica três tecnologias diferentes a operarem em conjunto:
A massificação do acesso à internet.
A massificação dos smartphones.
A massificação das redes sociais.
Todos os exemplos que demos requerem estas 3 coisas ao mesmo tempo, basta tirar uma
delas e já nada funciona.
Cada um delas é extremamente necessária.
Estas 3 coisas não apareceram todas ao mesmo tempo.
Podemos analisar a maneira como a sociabilidade se foi transformando.
Ponto mais importante dessa transformação tem que ver com a relação que se estabelece
entre os processos de comunicação e a localização geográfica.
Surgimento dos telemóveis: passámos de comunicar com um espaço e passámos
a comunicar com uma pessoa.
Telefonar para a casa de alguém é telefonar para um espaço, não para uma pessoa,
pode não atender quem nós queremos.
Quando telefonamos para um n.º de telemóvel de uma pessoa, não estamos à
espera que seja outra pessoa a atender - estamos a ligar para uma pessoa concreta.
INTERNET: implicava a estar em frente a um computador, ligado por cabo a um
sítio. Podia aceder ao mundo inteiro a partir de sítios geograficamente
determinados - atos comunicacionais estavam dependentes de um determinado
posicionamento geográfico. Só podia aceder onde o acesso estava.
Só quando os telemóveis e o acesso ubíquo/generalizado à internet, na figura do
smartphone e na descida dos preços das ligações à Internet, só aí é que começamos
a ter a experiência de poder aceder à internet a partir de qualquer sítio.
Barry: passamos de um modo de comunicação que é location-based para passar a
ser person-based.
Em termos de acessibilidade, o posicionamento geográfico deixa de ser tão
importante.
O acesso não está completamente resolvido, mas está muito menorizado.
A espacialidade continua a ser altamente relevante, ainda mais relevante para a
nossa experiência de comunicação agora do que era antes, só que essa importância
da espacialidade não tem que ver com a questão da acessibilidade, mas sim com a
questão do conteúdo:
Nós antes para acedermos ao conteúdo, tínhamos de estar num espaço
específico.
Hoje em dia, o conteúdo que mais facilmente acedemos transforma-se
consoante a nossa localização.
Inversão da subordinação: sujeito tinha de estar subordinado ao espaço e
agora é o espaço que está subordinado à espacialização do sujeito.
Se formos à procura de restaurantes, aquilo que vamos encontrar é o que
está mais próximo de nós, porque temos a localização ligada e mostra-nos
a informação que é contextualmente relevante para os sítios onde nós
estamos.
Aplicações de relacionamentos funcionam, sobretudo, tendo por base o
sítio onde nós estamos. Não estamos a falar de acessibilidade, mas as
práticas de comunicação passam a dar maior capacidade de navegar no
espaço em vez do espaço ser um constrangimento.
Diferença de velocidade de comunicação são praticamente invisíveis para
nós.
A distância não é abolida, a espacialidade não é abolida, ela é
resignificada, ou seja, nós conseguimos ter acesso às coisas, mas o tipo de
acesso que temos mexe-se connosco.
Mesmo isto é uma simplificação: se as nossas interações dependem da
nossa mobilidade no espaço, isso quer dizer que se houver certos e
determinados espaços aos quais por uma alguma razão não conseguimos
ter acesso, isso vai ter outro tipo de consequências práticas e materiais.
Se não vivemos suficientemente perto do centro de Lisboa, Uber
não nos dá possibilidade de fazer reserva. Se não vivermos numa
zona importante, não temos acesso a certas partes da tecnologia.
Pokémon Go: funciona com localização subordinada ao sujeito,
tínhamos de estar em proximidade física aos sítios virtuais,
pressupõe mobilidade pelo espaço. Quando o jogo viralizou, houve
vários casos de pessoas racializadas a serem presas por estarem a
jogar Pokémon Go (pessoas racializada a andar de um lado para
outro foram acusadas de irem assaltar casas).
Racismo:
- ideia da linhagem pura (pureza racial) foi criada por pessoas brancas, herdou de pessoas
brancas;
- ideia do manter a pureza só faz sentido se o conceito de pureza racial existir;
- nós não temos a possibilidade de nascer num mundo em que o conceito de raça não exista;
- nenhum conceito é estritamente individual;
- diferença entre racismo e xenofobia:
- xenofobia: corresponde a ódio perante qualquer diferença;
- racismo é um tipo de específico de xenofobia e que vem do conceito de raça;
- os grupos humanos sempre olharam entre si e viram diferenças étnicas/culturais entre
comunidades;
- a questão é que etnia e raça não são de todo a mesma coisa:
- RAÇA: foi inventado na Europa, no fim do século XVIII/princípio do XIX;
RACISMO CIENTÍFICO: o que foi feito na altura foi procurar objetivar a ideia de que
existem várias raças humanas enquanto conhecimento científico verdadeiro.
Quiseram validar a ideia de que existiam várias raças;
Tinha que ver com questões de desenvolvimento fetal, perímetro craniano, massa
encefálica, uma série de marcadores supostamente permitiam a identificação de
alegadas diferentes raças humanas;
Vários dados eram massajados para fazer encaixar a narrativa vigente;
Não existem várias raças humanas.
O objetivo da criação do conceito de raça nunca teve como objetivo descrever a
suposta existência de diferentes raças, teve sempre como objetivo explicar o porquê
de superioridade da raça caucasiana.
O pressuposto de que a raça caucasiana era superior já existia quando começaram os
estudos, foi o pressuposto do estudo.
Nós impusemos uma tal ordem de ver o mundo que as pessoas racializadas acabam a
pensar a partir dos pressupostos racistas.
Exemplo: homofobia internalizada, pessoas pobres a defenderem ideias do Chega.
Conceito de raça já é uma vitória do pensamento branco.
Se o conceito da raça foi usado para provar a supremacia da raça caucasiana, como é
que pode ser usado para discriminar pessoas brancas: não pode, porque a mera
apropriação do conceito parte do pressuposto de que as pessoas brancas são
superiores.
Se pensarmos no racismo, não apenas como atitudes e comportamentos
(individualizada), mas como uma questão estrutural/social: a questão torna-se em
que momento pessoas racializadas estão numa posição superior a pessoas brancas,
historicamente?
Situacionalmente, uma pessoa racializada pode ter mais privilégio do que uma pessoa.
Estruturalmente, a racialização das pessoas nunca dá privilégio a ninguém, pessoas
racializadas não são estruturalmente privilegiadas.
Ser de uma maioria não implica privilégio estrutural.
Estado atual de um país africano é o resultado de 400 anos de extração forçada de
recursos (estruturalmente, o país continua a estar estruturalmente, no presente, numa
situação de vulnerabilidade).
Resposta em espelho de minorias vem de necessidade de defesa de agressão
primeira e tão assoberbante se não tentarem defender-se.
Exemplo: casamento só entre pessoas racializadas - temos de entender que Portugal
tinha a ideia de obrigar mulheres racializadas a terem filhos com homens brancos para
clarear a população, a defesa perante isto será a tal reação em espelho dos grupos
discriminados.
Não se legitima a violência de pessoas racializadas contra pessoas brancas, mas tem de
se compreender o contexto.
Exemplos: cremes de branqueamento são famosos na Ásia.
O fenómeno é estrutural é tanto que podemos encontrar exemplos de favorecimento
das pessoas brancas em todo o mundo.
Países que foram ex-colónias portuguesas: se olharmos para esses países, percebemos
que as pessoas brancas ganham muito mais, possuem os setores com maior dinheiro;
Se olharmos para estatísticas agregadas, as coisas são muito menos ambíguas.
É preciso entender a origem histórica dessa violência, o alcance, o impacto estrutural
dessa violência.
Perigo das falsas equivalências: superficialmente, a troca de insultos entre pessoas
brancas e pessoas racializadas parece igual, mas estruturalmente não é, porque a
pessoa branca está a reproduzir uma estrutura e a pessoa racializada ao fazê-lo não
tem grande efeito e acaba a prejudicar-se mais a si próprio do que ao outro.
1000% de mais mortes em bebés racializados (médicos aprendem a ver sintomas em
pessoas brancas...)
É fundamental separar a questão situacional da questão estrutural.
O racismo por definição é estrutural, da mesma maneira que o sexismo por definição
é estrutural.
Não podemos falar, por exemplo, de racismo contra pessoas brancas, porque por mais
que estejamos perante uma situação de violência, continua a ser xenofobia, mas não
é racismo especificamente, porque não há a questão estrutural.
Finlândia: tem problema local de racismo contra comunidade étnica específica.
Revolução Portuguesa:
- 15/03/1961: data mais importante, data em que uma série de "terroristas angolanos"
pegaram em armas e desataram a matar portugueses.
- começou a Guerra colonial (para os portugueses) e a Guerra pela Independência (para os
africanos).
- capitães de Abril não se teriam revoltado se não estivessem a perder a guerra colonial;
- história que aprendemos da instauração da democracia em Portugal é a história contada a
partir da perspetiva branca;
- revolução "sem tiros, sem sangue" não pode ter existido se o 25A foi provocado pela guerra
colonial, onde se mataram muitas pessoas;
- comemorar o 25 de abril é também comemorar o massacre que deu o início à guerra colonial.
Porque é que o massacre de pessoas é aceitável num lado e noutro não é - como é que o
racismo funciona?
- Todos os anos, morrem mais de 3 mil pessoas no Mar Mediterrâneo graças às políticas
migratórias da EU.
- UE está confortável com a morte dos migrantes;
- a subida das ações das empresas de armamento americanas chegaram a valorizar 20%, mas
não foi noticiado;
- França ganhou muito dinheiro a vender.
Palavra “guerra”: dá ideia de equivalência, dá ideia de que existem dois estados: Palestina e
Israel.
- condenação para uns e solidariedade para com outros.
CONTEÚDO:
Diferença entre voz passiva e voz ativa.
Utilização de informações específicas para um grupo e vagas para outro.
Gramaticalmente, estão construídas como se fossem iguais, mas não são.
Uso de termos que pretendem assustar as pessoas (vaga de migração...)
Descobrimentos (descobrimos, porque quem estava lá não eram pessoas para o
padrão da altura, agora não faz sentido continuar a apoiar-nos neste pressuposto)
Dar novos mundos ao mundo (ideia de que a Europa é uma coisa boa, é um mundo
brilhante).
Padre António Vieira: não vamos utilizar os indígenas brasileiros, mas os escravos
africanos.
Último estábulo de escravos em Lisboa só foi desativado no século XX.
Expressões discursivas que repetem o racismo.
Todas estas várias componentes linguísticas que fazem parte do uso da linguagem são
expressões de um determinado discurso ideológico e nós podemos analisar as
características linguísticas para tentar aduzir as ideologias, atores socias que estão por
detrás, que grupos estão configurados como sendo o nós e como sendo os outros.
Guerra contra drogas (feita para aprisionar pessoas racializadas, porque os estabelecimentos
prisionais são utilizados como fábricas para ter mão de obra a custo zero, quem tem uma
pena, deixa de poder votar - medidas legais com viés racista, novas formas de racismo).
Tokenismo - colocamos uma pessoa racializada numa posição de destaque para sublinharmos
uma pureza moral inexistente.
Figurada adorada pelo Estado Novo. Eusébio era um token racializado, publicitário do Estado
Novo.
- Portugal dos Pequeninos era uma forma de propaganda colonial (representação de todos os
territórios portugueses, incluindo das ex-colónias - parque de diversões como forma de
propaganda colonial), de forma completamente descontextualizada do contexto histórico.
RECEÇÃO:
- maior facilidade de compreensão dos grupos hegemónicos;
- menor facilidade de compreensão dos grupos não hegemónicos;
- é cognitivamente mais complicado do que dividir entre terroristas e defensores de um
Estado;
- nada pode ser mais simples do que nós e os outros;
- um sistema binário é por definição o sistema mais simples que existe.
- ao nível da produção, do conteúdo e da receção, jornalismo afirma-se como forma de
reprodução do racismo enquanto fenómeno estrutural e institucional.
Toda a gente é racista, significa estar socialmente posicionado numa posição que nos permita
beneficiar de privilégio branco - logo, todos as pessoas brancas são estruturalmente racistas.
- qualquer pessoa lida como homem vai beneficiar de uma estrutura patriarcal;
- qualquer pessoa branca vai beneficiar de uma estrutura racista;
- problemas com pessoas brancas existem, apesar da branquidão e não por causa da
branquidão.
Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, porque a posição de neutralidade é a
posição da replicação do neutro é o discurso hegemónico, o habitus, o que é considerado
normal.
Crenshaw: Interseccionalidade
Diferentes formas de opressão, forma como se conjugam e trabalham em conjunto;
Identitarismo político (identity politics): dizem que estas diferenças formas de
identidade distraem a verdadeira luta de classes;
Argumentos contra: luta não invalida outra, influência mútua das lutas.
o Se falamos de lutas diferentes que se apoiam mutuamente, estamos a dizer
que são independentes uma da outra;
o Se falamos de eixos de lutas que se influenciam mutuamente, estamos a dizer
que são dependentes uma da outra.
o As duas coisas ao mesmo tempo não são logicamente possiveis.
Creenshaw defende que estas lutas se influenciam mutuamente.
o Vai mais longe e diz que as próprias estruturas identitárias subjacentes a
estas lutas são co constitutivas, ou seja, que se constituem mutuamente.
Significa que não existe género, sem "raça" e classe.
Não existe "raça", sem género e classe.
Não existe classe, sem "raça" e género.
A existência destas próprias categorias já é produzida no cruzamento
destas coisas.
Exemplos:
Will Smith dá estalo a Chris Rock.
Cavaleiro que ia defender a dama (machismo);
Perpetua o estereótipo da fragilidade da mulher, mobilizado para ter o homem a ser
corajoso e a defender a sua mulher;
Esse estereótipo de género (mulheres fragilizadas) só existe para mulheres brancas.
Historicamente, as mulheres racializadas nunca receberam o estereótipo de mulher
fragilizada.
A crítica feita ao Smith foi uma crítica branca, vestida de crítica de género. Aquilo que
aconteceu foi uma situação de apagamento racial, como não viram uma mulher e um
homem racializados, aplicaram os estereótipos aplicáveis a pessoas brancas.
Não podemos dizer que a atitude dele promoveu estereótipos de género, porque eles não
são aplicáveis àquela mulher, dado que ela é uma mulher negra e, historicamente, elas
não são consideradas frágeis.
Para falarmos de machismo, temos de utilizar argumentos coerentes com aquela situação,
com aquelas pessoas.
Se toda a gente fosse branca, o estereótipo da fragilidade aplicar-se-ia.
Médicos consideravam que pessoas negras têm maior resistência à dor do que pessoas
brancas.
Problema de não ter uma abordagem interseccional: Cada vez que isolamos uma categoria de
análise, significa que estamos a ignorar as variações interseccionais que existem dentro
dessa categoria de análise, em favor das posições hegemónicas dentro de cada uma dessas
categorias.
Estou dentro do feminismo e prioriza-se mulheres brancas de classe média.
Estou dentro da luta anticapitalista e prioriza-se homens brancos.
Diferenças que existem dentro destes grupos são ignoradas em prol das posições
hegemónicas.
Quando nós ignoramos as diferenças intragrupais, nós aumentamos as tensões
intragrupais.
Por outro lado, quando nomeamos/analisamos/refletimos sobre essas diferenças
intragrupais temos maior capacidade de criar alianças e de planear ação política que
não exclua acidentalmente ou propositadamente subgrupos inteiros que
supostamente estamos a defender.
Exemplo: uma mulher, alvo de violência doméstica, fugiu de casa com o filho -
foi para um abrigo.
Não foi aceite no abrigo, porque o abrigo tinha uma regra que dizia que só
podia entrar quem soubesse falar inglês. Como ela não sabia, ficou a dormir na
rua com o filho. Foram agredidos.
Propõe a criança como tradutor. Recusam porque iram retraumatizar a
criança. Segundo dia voltam a ser agredidos.
Ela entra em contacto com grupo de apoio a migrantes.
Aquele centro era um centro de apoio a vítimas de violência doméstica, que
falassem inglês (não era propositado, mas quando não temos abordagem
interseccional, a retórica da inclusão não se torna a prática da inclusão).
Isto acontece quando temos feminismo sem antirracismo.
Também podemos olhar como a luta antirracista acaba por abafar a violência
doméstica e sexual porque acaba por tomar os homens racializados como
referências.
Estereótipo de pessoas racializadas como hiper violentas e sexualizadas
permite silenciamento de mulheres racializadas vítimas de violência
doméstica.
Quando uma mulher racializada faz queixa de violência doméstica, há o
silêncio das pessoas que só denunciam dentro de contextos muito fechados;
Há o silêncio institucional que se faz sabendo que as pessoas racializadas são
violentas, então não vale a pena proteger essas pessoas (não vamos colocar
recursos para ajudar essas pessoas);
Há ainda o silêncio dos líderes dessas comunidades que escondem por uma
questão de relações públicas da comunidade.
Porque é que as mulheres brancas lutam ativamente contra o feminismo
interseccional? Porque isso lhes faz perder poder.
Porque é que homens negros lutam ativamente contra queixas de violência
doméstica? Porque isso lhes faz perder poder.
Porque é que ninguém faz nada? Porque isso lhes faz perder poder.
Género, classe e "raça" (não existem só essas categorias, mas falaremos mais destas porque
são o pacto mínimo).
Crenshaw não propõe uma teoria acerca da natureza das identidades (não teoriza sobre o que
é a raça, o género...).
Aquilo que ela diz é igualmente verdade caso consideremos o género uma categoria
inata da pessoa ou caso estejamos de acordo com Butler;
Está a falar dos processos de conexão, de interligação entre estas identidades.
o Lógica LGBT:
Lógica de separação é uma especificação para abrir lugar a que as
questões trans não sejam tapadas pelas questões da orientação
sexual.
Alianças móveis, estratégias que têm que ver com os eixos de ação
que queremos enfatizar (mulheres cisgénero + mulheres transgénero).
Representação de comunidade LGBT é dominado por pessoas brancas.
Não basta ter a porta aberta, é difícil ter práticas inclusivas sem
abordagem analítica interseccional.
Vinda de deputada (com cunho de legitimidade política) veio legitimar a ativação do aparato
policial.
- Chega veio revitimizar o movimento climático às mãos da polícia.
Ao nível da narrativa, não havia maneira de ganhar este jogo, independentemente daquilo que
a faculdade dissesse: o resultado garantido era a vitimização do Chega.
Chega utiliza linguagem típica da esquerda pós-25 de abril.
o Todas estas figuras têm conhecimentos sobre como é que os media funcionam e não é
simplesmente em terem andado a estudar, eles têm experiência direta de trabalhar
dentro do aparato mediático.
Trump tinha os reality shows;
Ventura comentava futebol;
Boris trabalhou num jornal;
o Não são simplesmente especialistas em lidar com a máquina mediática, vêm de dentro
desta máquina, têm perceção interna de como a máquina mediática funcionem - a
partir daí, sabem adaptar-se.
o São casos in extremis para simplificar, mas isto é verdade para todas as formas de
populismo.
Exemplo: Marcelo Rebelo de Sousa - verão mais soft core do populismo.
Passou 10 anos a ser comentador no jornal - era uma figura familiar
para Portugal, passou quase uma década a construir essa persona na
vida das pessoas, depois de ter isso claramente consolidado é que se
candidatou e ganhou.
o Populismo não é só de direita, também podemos ter populismo de esquerda.
o Qualquer lado do espectro político pode utilizar.
o Torna-se difícil contrariar estas tendências, porque o populismo não tem de ser
necessariamente antidemocrático, é possível termos populismo democrático.
o Não é possível termos populismo pluralista, porque o populismo tem de se afirmar
sempre contra alguma coisa, combater um determinado grupo social ou vários, nesse
sentido, há sempre uma limitação ao pluralismo.
Exemplo: Chega disse há dias atrás que queria aumentar verba de apoio às investigações
anticorrupção.
Trump dizia o mesmo, mas é óbvio que o discurso anticorrupção é ficcional.
André Ventura - tese de doutoramento sobre racismo nas políticas migratórias:
corrupção intelectual.
Populismo não é destruível através de factos, tudo isto tem que ver com narrativas.
Quando confrontamos as pessoas com factos, dizem-nos que são fake news, porque a
partir do momento em que entramos numa estrutura de paranoia, tudo o que o outro
grupo diz é mentira (paranoia é ver mentira em tudo o que é verdade) - resulta no
fechamento em torno do "nós".
Tentativa de mobilizar dados estatísticos é visto como prova de que já estamos
ideologicamente corrompidos.
O que interessa não é a conclusão racional da conversa, mas a estrutura retórica da
conversa.
A pessoa de extrema-direita utiliza o que dizemos para colocar isso dentro da sua
estrutura retórica (apresentar dados estatísticos reais é indiferente, porque não
interessa a substância, importa a dinâmica retórica).
COMO COMBATER?
(opinião) Abordagem interseccional que vá ao encontro dos diferentes grupos sociais
que desmonte o medo das pessoas, não o podemos desvalorizar...
Temos que empatizar com o medo das pessoas para que elas o deixem de sentir...
Ninguém muda de opinião à força.
Precisamos de fornecer um certo nível de esperança.
Precisamos de atender às necessidades materiais das pessoas.
Insistir em medidas educativas, pedagógicas...
Temos de perceber como é que eles conseguem e fazer semelhante, perceber quais
são as melhores estratégias para este tipo de mobilização.
Até nas sociedades mais desenvolvidas, a extrema-direita cresce vertiginosamente
(exemplo: Suécia) - supostamente seria mais difícil alimentar esses medos, mas, no
entanto, o crescimento da extrema-direita é gigantesco.
Estratégias de comunicação:
DOMINAR TÉCNICAS PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO:
CONTACTAR AS MASSAS (redes sociais):
TER ACESSO AOS MEDIA:
CRIAÇÃO DE EVENTOS:
PROMOVER ATAQUES TÁTICOS AOS MEDIA:
MODERNIDADE
Dissemos que a modernidade se fundamentava em 3 grandes estruturas:
industrialização, capital e urbanização (êxodo rural).
Três fenómenos históricos ao sucederem-se trouxeram consigo uma série de
mudanças que, por seu lado, abriram o seu espaço a uma coisa que se chama
sociedade: baseada na desnaturalização e na dessacralização.
Marx, Weber e Durkheim analisam o antes e o depois e como no depois podemos lidar
com estas diferenças.
Esta narrativa coloca a modernidade na Europa, no Ocidente, historicamente, restrito
à Europa - transformações sociais e políticas da Europa.
Será que pensar a modernidade como algo que aconteceu na Europa, será que isto é
eurocêntrico?
Até o conceito de raça utilizado em África já era uma vitória de um conceito
eurocêntrico.
Modernidade é perspetiva eurocêntrica que utilizamos como chave-mestra para
entender o mundo?
Como é que se monta narrativamente a responsabilidade da Europa face a este
processo?
Narrativa supremacista: ideia de que no fundo os europeus eram melhores, eram mais
avançados, mais inteligentes, tinham mais recursos, mais capacidades - partindo deste
pressuposto supremacista, claro que foram os europeus os criadores da modernidade -
pensamento circular (europeus são bons, porque são os melhores).
Narrativa, mesmo que corra o risco de ser supremacista, não o quer ser:
Tenta negar qualquer característica especial que seja inerente aos europeus.
Tenta ver a modernidade justamente como uma mera consequência de uma série de
transformações económicas, políticas e sociais.
Estas transformações aconteceram na Europa, mas não há anda de superiormente
europeu que faça com que elas não pudessem ter acontecido noutro lugar. Foi
resultado de uma confluência de fatores históricos.
É esta narrativa que temos articulado aqui ao longo do semestre.
Todos os autores funcionam uma perspetiva do que acontecia antes da modernidade se
instalar e do que passou a acontecer depois.
Todos os autores da teoria sociológica clássica funcionam a partir de um binómio (o
antes e o depois, o pré-moderno e o moderno, solidariedade mecânica e orgânica,
feudalismo e capitalismo...)
A partir desta lógica, poderíamos perceber que fatores contribuíram para o antes e
depois e olhar para outros contextos geográficos que elementos é que não estavam lá e
perguntar-nos porque é que não aconteceu noutros sítios, que fatores é que estavam
em falta noutros sítios para explicar porque é que a modernidade aconteceu nesses
sítios.
Seria não supremacista, porque não é inerente a um lugar a priori.
Modernidade não é fácil de delimitar temporalmente.
A partir do momento que com a teoria clássica, sem pressupor que os europeus eram
intrinsecamente melhores, vamos perceber que fatores estavam ou não presentes
noutro sítio.
Continua a ser EUROCÊNTRICA: acontecimentos europeus continuam a ser a bitola de
comparação, estudamos quão próximos povos do resto do mundo estão do modelo
europeus.
Por implicação, que todos os outros países fora da Europa são tornados inferiores à
Europa.
Por alguma razão, não tiveram todos os fatores necessários para se tornarem tão
modernos quanto a Europa, falharam em alguma coisa.
Tem outra implicação: foi a teoria social clássica a descobrir que a modernidade nasceu
na Europa, quando supostamente a teoria social clássica nasceu da modernidade - mais
uma vez parece um pensamento circular.
Dado este problema de eurocentrismo e dado que a sociologia não pretende ser
eurocêntrica, surgem duas alternativas para combater este eurocentrismo da teoria
social clássica:
RELIGIÃO/CIÊNCIA
PASSADO/PRESENTE
IGNORÂNCIA/SABER
OBJECTO/SUJEITO
MULHER/HOMEM
NATUREZA/CULTURA
ANIMAL/HUMANO
São tudo sistemas binários, cortes epistémicos em que há um membro superior e outro
inferior.
Tudo isto remete sempre para quem define e quem não define, quem controla e quem
não controla.
Isto quer dizer que o próprio conceito de modernidade foi produto da modernidade.
Se a modernidade é uma categoria narrativa, a ideia de modernidade enquanto ponto
de rutura faz parte da categoria narrativa.
Modernidade são as barras, é o ponto de corte entre o antes e o depois, produzido pela
narrativa de que tem de haver um ponto de corte.
Esses pontos de corte são confundidos como sendo a modernidade.
Modernidade enquanto mero produto de uma categoria narrativa. Ideia de que
modernidade é objetiva é produto da modernidade, enquanto categoria narrativa.
Modernidade enquanto facto objetivo é diferente de modernidade enquanto categoria
narrativa.
Modernidade enquanto facto objetivo é fruto da modernidade enquanto categoria
narrativa.
O autor diz que europeus ou não europeus nós somos todos modernos, não por
questões objetivas, mas porque estamos todos capturados pela narrativa da
modernidade.
Considerar determinadas sociedades desenvolvidas é já estar a utilizar o paradigma
europeu.
Se mudarmos os critérios, é tudo exatamente ao contrário.
Se o critério de avaliação fosse quem mais fez mal ao ambiente, seríamos a sociedade
menos desenvolvida.
Quem é que suporta mais ou menos direitos humanos? Ficamos em último lugar.
Narrativa da modernidade é uma narrativa do que é desenvolvido ou não.
Dizer que o homem tem de cuidar do planeta significa que estamos à parte do planeta,
que somos superiores ao planeta.
São tudo pares de relações verticais que nos dizem que há um saber absoluto.
Aquilo que nos pôs nesta situação foi a ciência (ciência como superioridade tem muito
que se lhe diga).
Modernidade, enquanto narrativa não como dado objetivo da realidade.