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História do Mundo

Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média


A. Z. Manfred

I Parte - O Mundo Antigo


Capítulo I - A Sociedade Primitiva
A História da Sociedade Primitiva
O Homem Primitivo
A Era do Clã
O Desenvolvimento da Agricultura e da Criação de Gado
A Desintegração da Estrutura do Clã
A Origem das Classes e dos Estados
Capítulo II - O Médio Oriente
O Egipto
Condições Naturais
Formação de uma Sociedade de Classes e de um Estado no
Egipto
O Império Antigo e o Império Médio
O Império Novo
A Religião e a Cultura do Antigo Egipto
Babilônia e Assíria
Condições Naturais
Os Antigos Reinos de Sumer e Akkad
O Antigo Reino da Babilônia
A Assíria
A Religião e Cultura da Babilónia e da Assíria
O Reino Hitita
Formação e Ascensão do Reino Hitita
A Estrutura Social e a Cultura do Reino Hitita
Urartu
Formação e Desenvolvimento do Estado do Urartu
A Estrutura Social e a Cultura de Urartu
A Fenícia
A Palestina
A Pérsia
A Média e a Pérsia
A Formação do Império Persa
A Religião e a Cultura da Pérsia
Capítulo III - As Antigas Civilizações da Índia e China
A Índia
Condições Naturais
História da Índia Primitiva
A Conquista Ariana
A Índia nos Séculos VI - III a.C.

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A Antiga Religião e a Antiga Cultura da Índia
A Antiga China
Condições Naturais
A China nos Tempos Primitivos
As Dinastias Chou e Ch'in
A Dinastia Han
A Religião e a Cultura da Antiga China
Capítulo IV - A Grécia Pré-Clássica
Condições Naturais
Importantes Descobertas Arqueológicas
A Grécia Aqueia (Micênica)
A Grécia Homérica (A era obscura)
A Grécia Arcaica
A Antiga Esparta
O Estado de Atenas
As Reforma de Sólon e Clístenes
Capítulo V - A Grécia nos Séculos V e IV A.C.
A Crise da Sociedade Grega
A Batalha de Maratona
A Expedição de Xerxes
As Termópilas e Salamina
A Liga de Delos e a Ascensão da Prosperidade Económica Ateni-
ense
O Zénite da Democracia Ateniense
A Guerra do Peloponeso
O Desenrolar da Guerra até 421 a.C.
A Expedição à Sicília
O Posterior Curso da Guerra
As Consequências da Guerra do Peloponeso
A Cultura Grega. O Papel de Atenas
A Filosofia
Historiografia
A Literatura e o Teatro
A Arte e a Arquitetura Gregas
Capítulo VI - A Ascenção da Macedónia e o Império de Alexandre
A Macedónia nos Meados do Século IV a.C.
A Macedónia e a Grécia
A Campanha do Oriente de Alexandre
O Significado das Conquistas de Alexandre. A Época Helenística
Capítulo VII - A República Romana
O Período Primitivo
O Enigma Etrusco
A Fundação de Roma
O Reino de Roma
A História Primitiva da República
A Estrutura Social e Política da República Romana
A Luta Entre os Patrícios e Plebeus
Roma Conquista a Itália, Séculos V - III a.C.

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A Luta de Roma pelo Domínio do Mediterrâneo
Roma e Cartago
A Primeira e a Segunda Guerras Púnicas
O Domínio da Península Balcânica. A Terceira Guerra Púnica
Consequências das Guerra. A Economia Romana. Uma Sociedade
com Escravos
A Crise da República Romana
Revoltas de Escravos na Sicília
A Revolta dos Gracos
A Sociedade Romana no fim do Século II e no começo do Século
I a.C. a Guerra Social
A Luta entre Mário e Sila
A Revolta de Espártaco
A Campanha de Pompeu no Oriente
O Primeiro Triunvirato e a Guerra Gaulesa
A Guerra Civil
O Segundo Triunvirato
Capítulo VIII - A Roma Imperial
O Primeiro Período
O Principado de César Augusto
O Período Áureo da Literatura Romana
O Império Romano no Século I d.C.
O Império Romano no Século II d.C.
O Declínio e a Queda do Império
A Crise do Século III
Aparecimento do Colonato
O Cristianismo
O Dominato
A Queda do Império do Ocidente
O Significado Histórico da Queda do Império do Ocidente
II Parte: A Idade Média
Capítulo I - A Transição para o Feudalismo e o Aparecimento dos Primeiros
Estados Feudais na Europa
A Estrutura Social das Tribos Celtas e Germânicas
O Início da Grande Migração de Povos
A Formação de Reinos Bárbaros
Bizâncio do Século IV ao Século VII d.C.
A Sociedade Bárbara
O Aparecimento de Relações Feudais na Europa Ocidental
O Império de Carlos Magno
O Desenvolvimento das Relações Feudais na Alta Idade Média
O Senhorio
Guerras na Sociedade Feudal
A Hierarquia Feudal
Resistência Popular à Servidão Feudal
O Papel da Igreja
Capítulo II - O Aparecimento de Relações Feudais no Sudoeste, no Oriente e
no Sul da Ásia

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A China
A Coreia
O Japão
A Índia
O Sudoeste Asiático
Capítulo III - Kiev Rus. As Antigas Tribos Eslavas do Oriente
A Formação de Relações Feudais entre os Eslavos Orientais
O Primeiro Estado Russo
A Adopção da Religião Cristã
Revoltas Populares no Século XI
A Formação de Principados Independentes
A Cultura do Antigo Estado Rus
Capítulo IV - A Transição para o Feudalismo no Médio Oriente e na Ásia
Central
O Aparecimento das Relações Feudais no Irão
O Mazdaquismo
O Império Sassânida sob Chosroes I
A Arábia no Início do Século VII
Os Começos do Islão
A Unificação dos Árabes e o Aparecimento do Califado
As Conquistas Árabes
O Império Omíade
O Califado Abbássidas
O Declínio do Califado
A Cultura Árabe
A Ásia Central nos Séculos V-VII
Os Povos da Transcaucásia
Capítulo V - A Europa Ocidental nos Séculos XI-XV
A Separação da Indústria da Agricultura e a Ascensão das Cidades
O Conflito entre as Cidades e os Proprietários de Terras
A Sociedade Feudal Avançada
As Causas das Cruzadas
Bizâncio do Século VII ao Século XI
A Primeira Cruzada
A Inglaterra
O Início do Parlamento
A Guerra das Rosas
A França
A Guerra dos Cem Anos. Joana D'Arc
A Formação de Outros Estados Europeus
A Turquia
A Desunião Política Italiana
As Características Específicas do Desenvolvimento Social e Econô-
mico dos Séculos XII A XV
A Liga Hanseática
As Guerras Italianas
Der Drang Nach Osten
A Boémia do Século XI ao Século XV. As Guerras Hussitas

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Resumo do Desenvolvimento da Sociedade Feudal entre os Sé-
culos XII e XV
Capítulo VI - A Luta dos Povos da Europa Oriental e Central, da China, da
Ásia Central e da Transcaucásia contra a Invasão Estrangeira no Século
XIII
A Sociedade Mongol no Início do Século XIII. A Formação do Es-
tado Mongol
As Conquistas de Gengis Khan na Ásia Central e na Transcaucásia
A Invasão Mongol do Território Russo
A Guerra dos Povos Russos e Bálticos Contra os Invasores Ale-
mães e Suecos
A Rússia sob o Jugo Tártaro
Capítulo VII - O Aparecimento de um Estado Russo Unido
A Restauração da Economia depois da Devastação Mongol: A As-
censão de Moscovo
Revoltas Contra o Domínio da Horda Dourada. A Batalha do Campo
Kulikovo (1380)
Os Primeiros Passos para a Unificação de um Estado Russo
A Libertação Final do Jugo Mongol
Capítulo VIII - O Aparecimento do Capitalismo Primitivo na Europa Ocidental
As Grandes Descobertas Geográficas
O Aparecimento do Modo de Produção Capitalista
A Fábrica
O Aparecimento de uma Classe de Trabalhadores Assalariados
As Primeiras Acumulações de Capital
A Expropriação dos Camponeses
A Ruína dos Artesãos
A Pilhagem Colonial
A Formação da Burguesia e do Proletariado
O Absolutismo
O Início da Reforma na Alemanha
Martinho Lutero
A Grande Guerra dos Camponeses
A Revolução nos Países Baixos
O Humanismo e o Renascimento
A Reforma
Capítulo IX - A América nas Vésperas da Conquista Europeia
Os Povos da América Central
Os Povos da América do Sul
A Colonização da América
Capítulo X - O Estado Russo Centralizado do fim do século XV ao início do
século XVII. As Guerras dos Camponeses
O Poder Crescente dos Nobres
As Reformas de Ivan, o Terrível
Oprichnina
A Servidão
A Anexação da Bacia do Volga e da Sibéria Ocidental
O Desenvolvimento Cultural e a Introdução da Imprensa

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A Guerra dos Camponeses Chefiada por Ivan Bolotnikov
A Luta do Povo Contra os Nobres Polacos e Suecos no Início do Sé-
culo XVII
A Resistência Popular Chefiada por Minin e Pojharsky
Capítulo XI - A Ásia nos Séculos XVI e XVII
A Índia
O Império Mogul
A China nos Séculos XVI e XVII
A Guerra dos Camponeses na China
O Sudoeste Asiático nos Séculos XVI e XVII
O Estado de Daiviet
O Império Majapahita
Conquistas Portuguesas
Conquistas Territoriais Holandesas
O Japão no Século XVI e no Início do Século XVII
O Estabelecimento do Xogunato Tokugawa
Cronologia dos Acontecimentos

Prefácio
Esta Pequena História do Mundo tenta reconstituir o longo
e complexo caminho seguido pela raça humana desde a era
da sociedade primitiva até aos nossos dias.
O número de páginas desta edição não permite fazer uma
descrição igualmente completa e detalhada de todos os acon-
tecimentos que ocorreram durante estes séculos — o desen-
volvimento da sociedade humana, a civilização antiga, as
campanhas militares e as conquistas da Idade Média, os
enormes avanços do progresso social nos tempos modernos
— as Revoluções, a mais decisiva das quais foi a Revolução
Socialista de Outubro, que anunciou uma nova era da His-
tória Mundial. O leitor terá oportunidade de se informar dos
acontecimentos mais importantes que desempenharam um
papel de relevo na marcha do progresso humano. Cremos
que isto é bastante para dar um quadro suficientemente claro
das forças motivadoras e das principais tendências de todo o
curso da história.
Quais são as leis principais que estão subjacentes ao de-
senvolvimento da sociedade humana? Onde reside a essência

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do progresso histórico? Quais são as razões da súbita as-
censão e queda de tantos estados do passado? Por que razão
é inevitável a vitória final do comunismo, vitória pela qual se
tornarão realidade velhos ideais acalentados por centenas de
milhões de pessoas que travaram uma luta incessante contra
a opressão social e nacional?
Os autores desta obra expõem a sua resposta a estas
questões baseando-se em factos materiais históricos con-
cretos e na teoria marxista-leninista das leis que regulam o
desenvolvimento da sociedade humana. Embora dediquem
muita atenção à história da União Soviética, também tentam
apontar as principais características do desenvolvimento eco-
nómico, social, político e cultural nos cinco Continentes, tudo
dentro dos limites impostos pelas proporções desta obra.
O I e II volumes abrangem o vasto período desde a socie-
dade primitiva até à Revolução de Outubro de 1917 na
Rússia. O desenvolvimento gradual das forças de produção
da sociedade humana foi acompanhado de uma marcada
aceleração do processo histórico que ao mesmo tempo co-
meçou a adquirir uma feição cada vez mais universal. Subja-
cente aos vários acontecimentos políticos — durante a era da
sociedade em que havia escravos, durante a era da socie-
dade feudal e, particularmente, da sociedade capitalista —
está a luta de classes, a luta das massas de trabalhadores
oprimidos contra os exploradores em nome da libertação so-
cial e nacional. A vitória decisiva nesta luta foi a da Revo-
lução de Outubro na Rússia.
O III volume é dedicado aos acontecimentos da nova era
iniciada pela Revolução de Outubro. A razão disto é a enorme
importância histórica dos acontecimentos da época moderna,
na qual a energia criadora das massas obteve o que por di-
reito lhe pertencia e começou a desempenhar um papel ver-
dadeiramente decisivo na História, uma época na qual es-
tamos a assistir à substituição revolucionária do capitalismo,

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último tipo de sociedade baseada na exploração, pelo comu-
nismo.
Os maiores historiadores soviéticos colaboraram na com-
pilação da presente obra. Servindo-se das mais recentes
fontes soviéticas e estrangeiras, os autores tentaram
também assegurar-se de que esta obra fosse acessível e de
interesse para o leitor comum.

I Parte - O Mundo Antigo

Capítulo I - A Sociedade Primitiva

A História da Sociedade Primitiva

A história da raça humana abrange todo o espaço de


tempo desde que o homem apareceu pela primeira vez na
Terra, que se julga grosso modo ser de 1 000 000 de anos.
No primeiro período da história humana não existiam povos
independentes nem estados, e os homens viviam em pe-
quenos grupos, clãs ou tribos. Este período é conhecido como
a época da sociedade primitiva.

Os arqueólogos dividiram a história da Humanidade em


três idades, de acordo com a matéria-prima com que faziam
os instrumentos: a Idade da Pedra, a Idade do Bronze e a
Idade do Ferro.

No entanto, esta divisão revelou-se pouco adequada, par-


ticularmente no que se refere aos primeiros períodos da soci-
edade primitiva, alguns dos quais se prolongaram por muitos
milhares de anos.

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E, por isso, apareceram subdivisões. A Idade da Pedra foi
dividida em Paleolítico (Idade Antiga da Pedra), Mesolítico
(Idade Média da Pedra) e Neolítico (Nova Idade da Pedra).
Além disto, o Paleolítico e o Neolítico foram divididos em In-
ferior, Médio e Superior.

O Homem Primitivo

Se atentarmos, porém, não nas classificações arqueoló-


gicas mas nas geológicas, verificamos que o homem apa-
receu pela primeira vez na Terra no início do chamado pe-
ríodo quaternário, quando os glaciares que então cobriam
todo o Norte da Ásia, da Europa e da América, começaram a
recuar dando origem a um clima quente nestas regiões.

No tipo de homem que apareceu nesse período, poucas


características o distinguiam do reino animal. Nessa altura, o
homem vivia, como os macacos, nas árvores, não tinha local
de residência fixo e não usava qualquer espécie de vestuário.
E, no entanto, já existia a diferença, uma diferença decisiva:
o homem, ao contrário dos outros animais, já havia apren-
dido a fabricar utensílios. Inicialmente, estes utensílios eram
extremamente primitivos. O tipo mais primitivo de instru-
mento de pedra feito pelo homem ficou conhecido
como utensílio e consistia num pedaço de pedra mal talhado
e com uma das arestas ligeiramente afiada que, regra geral,
pesava aproximadamente dois quilos. O homem usava este
instrumento primitivo como meio de defesa ou de ataque e
também como instrumento de trabalho.

Durante essa época longínqua, o homem assegurava a


subsistência, apanhando toda a espécie de alimentos que a
natureza casualmente lhe oferecesse, como frutos e bagas
silvestres, e caçando pequenos animais. E como, nesse
tempo, o homem era em grande parte impotente perante as

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forças da natureza, era obrigado a viver, a trabalhar e a de-
fender-se em grupo.

Daí que tivessem formado agrupamentos de homens pri-


mitivos, cujo nível de desenvolvimento comunitário era tão
baixo, que foram classificados de «rebanhos humanos primi-
tivos». A estes rebanhos primitivos era estranha qualquer
ideia de hierarquia ou desigualdade. Não tinham noção de
propriedade ou de laços familiares.

Quem quer que se afastasse do «rebanho» era conside-


rado como um estranho, o que naquela altura equivalia a ser
um inimigo. Esta era a razão, por que os homens lutavam
por se manterem juntos: a vida fora do rebanho era cheia de
perigos e estava para além das possibilidades de qualquer in-
divíduo isolado.

No fim do Paleolítico Inferior houve um novo (terceiro)


período glaciário. Condições climáticas do tipo da
tundra(1) desenvolveram-se então em vastas áreas da Ásia
e da Europa, e muitos animais não conseguiram sobreviver a
tão repentina mudança de clima e extinguiram-se. Entre-
tanto, o homem conseguiu adaptar-se às novas condições.
Durante o Paleolítico Inferior, tinha aprendido a fabricar o
fogo, que sabia já utilizar e conservar. O uso do fogo per-
mitiu-lhe proteger-se do frio e dos animais selvagens e cozi-
nhar os seus alimentos (até então só conhecera alimentos
crus). A arte de fazer fogo representou a primeira grande vi-
tória do homem sobre a natureza.

Foi durante esta época que se deu a transformação gra-


dual do «primitivo rebanho humano» numa comunidade de
tipo mais avançado, em que a estrutura e os padrões de vida
começaram a mudar. O homem desceu das árvores para o
solo. Contudo, ainda não construía habitações e utilizava
abrigos naturais, sobretudo cavernas. As técnicas usadas

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para fabricar os instrumentos de pedra também mudaram.
Foi durante este período que surgiram instrumentos mais pe-
quenos e mais bem feitos — os chamados «bifaces»(2).

A principal actividade do homem nesta etapa do seu de-


senvolvimento foi a caça de animais grandes, tais como ve-
ados ou mamutes, o que não significa, é claro, que tivesse
deixado de apanhar víveres, mas apenas que a caça se impu-
sera como método mais importante de angariar alimentos.

Foi entre os anos 40 000 e 12 000 a.C. (Paleolítico Supe-


rior), que surgiu o homem moderno. Foi também durante
este período que apareceram as primeiras diferenças raciais.

Há teorias que defendem que as raças sempre existiram,


isto é, desde que o homem evoluiu como uma espécie dis-
tinta do resto do reino animal. Os defensores destas teorias
admitem que certas raças são naturalmente superiores, en-
quanto outras têm deficiências específicas e são por isso infe-
riores. Tudo isto é absolutamente falso. Em primeiro lugar,
as distinções raciais não começaram no início da existência
da raça humana mas só em certo estádio do seu desenvolvi-
mento. Em segundo lugar, uma análise mais cuidada e im-
parcial revela que não há diferenças fundamentais entre as
várias raças e que tudo o que há de diferente é puramente
externo, físico (tais como a cor da pele, o tipo de cabelo,
etc.).

Estas foram as principais mudanças que se deram na soci-


edade humana durante o período Paleolítico. O rebanho hu-
mano primitivo deixou de existir e surgiu uma nova forma de
vida social — a comunidade do clã.

A Era do Clã

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O princípio base subjacente a este tipo de estrutura social
era o parentesco por linha feminina. Este, por sua vez, ex-
plica-se pelo facto de os casamentos de grupo serem prática
comum; por isso, as crianças que ignoravam quem eram os
pais, sabiam sempre quem eram as mães. Assim, o paren-
tesco era exclusivamente por linha materna.

A sociedade baseada neste sistema, dito matriarcal, durou


vários milhares de anos. Este tipo de sociedade coin-
cidiu grosso modo com os períodos Mesolítico e Neolítico In-
ferior e representou um estádio importante no desenvolvi-
mento da Humanidade. Foi durante este período que o
homem trocou as suas rudes armas de pedra por outras
muito superiores, tais como o arco e a flecha, e começou a
domesticar animais. O primeiro animal a ser domesticado pa-
rece ter sido o cão. Foi também neste período que o homem
aprendeu a fazer vasos de barro, o que indica que tinha co-
meçado a cozinhar sistematicamente os alimentos. Durante o
Neolítico Superior desenvolveram-se novas técnicas de traba-
lhar a pedra: perfurar, alisar e polir. Finalmente, e isto é
também muito importante, foi durante este período que apa-
receram as formas primitivas de cultivo da terra e da criação
de animais para o trabalho agrícola.

O Desenvolvimento da Agricultura e da Criação de


Gado

O cultivo da terra foi a continuação lógica do primitivo há-


bito de apanhar frutos, sementes, etc. À medida que apa-
nhava nozes, frutos, bolotas e grãos de cereais, o homem co-
meçou a notar que o grão crescia depois de ter caído no solo.
Contudo, muitos séculos teriam ainda de passar antes de
concluir destas observações que podia ele próprio semear
grão e cultivar plantas. Foi assim que começou a agricultura
primitiva.
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Os utensílios primitivamente usados na agricultura eram
extremamente rudimentares, tais como paus para cavar e
mais tarde enxadas. Cultivava-se cevada, trigo, milho-miúdo,
ervilhas e legumes, assim como cenouras, por exemplo.

A domesticação de animais para servirem de alimento de-


senvolveu-se a partir da prática da caça. Nesta altura, os ho-
mens tinham aprendido a caçar, atacando a presa depois de
a cercar. Grandes grupos de homens atacavam javalis ou
bois selvagens e a caça tornou-se uma actividade colectiva
em grande escala. Pouco a pouco o homem compreendeu
que era possível utilizar os animais, domesticá-los e criá-los.
Foi assim que começou a criação de gado.

O subsequente desenvolvimento da agricultura e da cri-


ação de gado está nitidamente ligado com a transição do pa-
rentesco por linha materna para o parentesco por linha pa-
terna. A agricultura e a criação de gado tornaram-se campos
de actividade nos quais o homem gradualmente foi substi-
tuindo a mulher. Este facto, por sua vez, ficou ligado à in-
venção do arado e à transição da agricultura baseada no tra-
balho de enxada para a agricultura baseada no arado. Como
lavrar a terra com arado era um trabalho mais duro, era feito
pelos homens com a ajuda de animais de tracção. À mulher
coube então uma nova tarefa: dirigir o trabalho doméstico.

O estabelecimento do parentesco por via paterna, ou pa-


triarcado, marcou um novo estádio no desenvolvimento da
sociedade humana. Foi neste período que se deu a transição
dos utensílios de pedra para os de metal. Primeiro, o homem
aprendeu a fundir o cobre, mas como o cobre é um metal
muito mole, logo começou a misturá-lo com estanho, fazendo
assim o bronze. O bronze é muito mais duro do que o cobre,
funde a uma temperatura mais baixa e é mais maleável, o
que o tornou muito mais adequado para o fabrico de utensí-
lios e armas.

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O desenvolvimento da agricultura e da criação de gado e
a transição para os utensílios de metal levaram as tribos a
especializar-se no cultivo da terra ou na criação de gado. Os
homens que se dedicavam ao cultivo da terra espalharam-se
por várias regiões do hemisfério ocidental e do hemisfério
oriental, e concentraram-se na sua maior parte nos vales de
grandes rios como o Nilo, no Egipto, o Tigre e o Eufrates, na
Mesopotâmia, o Indo, na Índia, o Huang Ho, na China, e
também em regiões da Ásia Menor e da península dos
Balcãs.

Os que se dedicavam à pastorícia estabeleceram-se no


Sul da Sibéria, na bacia do mar de Arai, no planalto Iraniano
e nas estepes junto do mar Negro.

Começou então a troca regular de produtos entre os agri-


cultores e os pastores. E se nas épocas mais primitivas as
pessoas tinham tentado produzir o suficiente para sustentar
a sua própria família ou clã, agora começavam a tentar pro-
duzir um excedente, tendo em vista a possibilidade de troca.
Agora existia um incentivo para acumular produtos em ex-
cesso, dentro de determinada tribo, clã ou família.

A necessidade de acumular produtos em excesso para


troca deu origem a atitude nova para com os prisioneiros
capturados nas guerras intertribais. Enquanto anteriormente
estes eram normalmente mortos ou introduzidos nas fileiras
da tribo vencedora, aparece agora um novo costume: o de
fazer prisioneiros e forçá-los a trabalhar para os vencedores,
como escravos. Desta maneira, durante a era patriarcal
nasceu a escravatura primitiva ou patriarcal. O aparecimento
da escravatura foi um dos primeiros sinais da desintegração
da comunidade primitiva.

A Desintegração da Estrutura do Clã

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Foi no século XIV a.C. que começou a transição para os
utensílios de ferro (primeiro na Ásia Menor). Apareceram
desde logo arados, machados e pás de ferro. O uso deste
metal deu origem a uma revolução profunda nas técnicas
agrícolas e no artesanato. Apareceram os ferreiros, e logo
depois a roda de oleiro e o tear. Ocorreu uma nova divisão
do trabalho quando os artífices deixaram de trabalhar a terra
e os agricultores deixaram de gastar parte do seu tempo a
fundir o metal ou a modelar o barro.

Um dos acontecimentos mais importantes desta época foi


o aparecimento da propriedade privada. Os primeiros ob-
jectos de posse privada foram o gado e os escravos, isto é,
os prisioneiros reduzidos à escravatura. Pouco a pouco, a
terra tornou-se também uma forma de propriedade privada,
uma das mais importantes, visto que representava a fonte de
todos os meios de subsistência, logo seguida da posse dos
instrumentos para a cultivar. Daqui resultou também a desi-
gualdade baseada nas relações de produção, e ao lado das
categorias de homens livres e escravos apareceram as novas
categorias de ricos e pobres. Em breve, certas famílias ou
pessoas ficaram na posse dos melhores lotes de terra e dos
maiores rebanhos de gado, enquanto outras empobreciam e
se arruinavam. Dentro de cada clã, começou a sobressair
uma espécie de nobreza, constituída por aqueles que tinham
riquezas e poder. Desta nobreza saíram os chefes tribais e os
membros do conselho dos anciãos.

Os laços familiares viram então reduzir a sua importância


neste estádio do desenvolvimento da sociedade humana,
sendo gradualmente substituídos por laços baseados na pro-
ximidade espacial, isto é, por laços entre pessoas que vi-
viam na mesma área. As comunidades territoriais surgiram
no preciso momento em que a comunidade baseada no clã
estava em processo de desintegração. Mas continuaram a
existir por muitos séculos e ainda se encontravam nalguns

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lugares, até ao início do século XX, como na Índia e na
Rússia pré-revolucionária.

A Origem das Classes e dos Estados

O desenvolvimento do equipamento técnico do homem, o


aparecimento da propriedade privada e finalmente a ex-
pansão da escravatura levaram gradualmente à divisão da
sociedade em grandes grupos, que ocupavam diferentes po-
sições sociais. Havia os que possuíam a terra, instrumentos e
escravos, mas não trabalhavam, e os que sustentavam pelo
seu trabalho — quer os que tinham instrumentos de tra-
balho próprios (camponeses e artífices) quer os que tinham
que trabalhar como escravos para os seus senhores. Estes
grandes grupos, que ocupavam posições sociais tão dife-
rentes, vieram a ser conhecidos por classes.

A classe que possuía riquezas e obrigava os outros (es-


cravos, camponeses e artífices) a trabalhar para ela começou
a organizar-se para os manter em submissão. Com esta fina-
lidade, surgiu uma nova instituição, que era desconhecida
nas comunidades sociais baseadas nos princípios de paren-
tesco, a que chamamos Estado. Vários órgãos de poder, tais
como prisões, exércitos e tribunais eram todos eles compo-
nentes do aparelho de Estado.

Com a divisão da sociedade em classes e com a formação


do Estado, começou uma nova era na história da Humani-
dade. Assim, vamos deixar esta descrição geral da história do
homem antigo e passamos à exposição detalhada da história
dos estados e povos individuais.

Notas de rodapé:

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(1) Tipo de floresta de vegetação rasteira e herbácea (N.T.).

(2) Machados de pedra de dois gumes (N.T.).

Capítulo II - O Médio Oriente

O Egipto

O Egipto está situado na parte nordeste do continente


africano e consiste num estreito vale (de 5 a 30 km de lar-
gura) no troço mais baixo do rio Nilo, cercado de ambos os
lados pelo deserto.

Condições Naturais

O rio Nilo desempenha um papel de alta importância na


vida do país. É significativo que nos tempos antigos o Egipto
fosse chamado de «dom do Nilo»: todos os territórios do nor-
deste de África, com excepção do vale do Nilo, se tinham
convertido desde há muito num deserto árido. O vale do Nilo,
graças a cheias anuais (entre Julho e Novembro), tem uma
terra fértil, que é extremamente fácil de cultivar. Por isso, as
condições nesta área favoreceram o desenvolvimento da
agricultura primitiva.

O vale do Nilo, em tempos antigos já era rico de valiosas


espécies de árvores de fruto, tais como palmeiras e sicó-
moros, que também forneciam material de construção. As
montanhas que havia junto do vale, eram ricas em pedras
próprias para a construção, como o granito e o calcário, e
havia ouro nas montanhas da vizinha Núbia. Assim, verifica-

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se que, além do seu solo fértil, o vale do Nilo também era
rico em recursos naturais.

Formação de uma Sociedade de Classes e de um Es-


tado no Egipto

O povo do antigo Egipto estava agrupado em várias tribos


que se tinham estabelecido no vale do Nilo desde tempos
imemoriais. A população dedicava-se, sobretudo, ao cultivo
da terra, embora a caça e a pesca também fossem activi-
dades importantes. O cultivo desta zona exigia porém a
construção de sistemas de irrigação. E como este trabalho
era demasiado pesado para famílias e clãs isolados e ainda
porque não era rentável abrir canais para a irrigação de pe-
quenas extensões de terra, formaram-se grupos cada vez
maiores constituídos por um certo número de clãs. A estes
grupos chamamos nomos. Cada nomo tinha a sua própria
designação, os seus costumes e usava, por vezes, até um di-
alecto próprio. Apareceram, então, os nomarcas ou chefes;
cada família dentro do nomo tinha o seu ancião e a escrava-
tura tornou-se numa prática cada vez mais espalhada. Gra-
dualmente, os nomos começaram a unir-se e dois reinos sur-
giram no Egipto — o reino do Norte e o reino do Sul.

Ocorreu então um conflito entre os dois reinos, do qual o


reino do Sul saiu vitorioso. Cerca do ano 3200 a.C., o faraó
Menés uniu pela primeira vez todo o território do Egipto sob
o seu governo, instituindo o poder do Estado em todo o seu
país. Este poder estava nas mãos da nobreza, dos grandes
proprietários de terras. A história do Egipto divide-se geral-
mente em três períodos principais: o Antigo, o Médio e o
Novo.

19
O Império Antigo e o Império Médio

No Império Antigo, a principal actividade do povo era


ainda a agricultura. A terra era cultivada por comunas de
camponeses e cada comuna era administrada pelo seu con-
selho de anciãos. Estes conselhos organizavam a cobrança de
impostos e também o recrutamento do trabalho para os
«projectos reais». Era esta a designação dada no Egipto ao
recrutamento obrigatório para todos os que trabalhavam nas
comunas de camponeses. Os escravos no Egipto eram geral-
mente utilizados nas grandes propriedades que pertenciam
aos cortesãos do faraó ou nas terras que pertenciam aos
templos.

Os faraós detinham grandes poderes. Deram-lhes o título


de soberanos do Alto e Baixo Egipto (Egipto do Sul e Egipto
do Norte) e usavam duas coroas, uma branca e outra ver-
melha. O principal conselheiro do faraó chamava-se vizir e
dirigia por sua vez aqueles que superintendiam nas várias
esferas da administração. As obrigações do vizir incluíam a
administração dos vários armazéns de cereais, do ouro, dos
vinhos, da criação de gado, das questões militares e dos sa-
crifícios a realizar nos templos. Além disso, o vizir também
superintendia em todo o trabalho para o faraó, no Tesouro
Público e no Grande Tribunal. Muitos escribas trabalhavam
para o próprio vizir e para os vários «armazéns».

Os faraós do Império Antigo empreenderam campanhas


militares contra os povos da Península do Sinai e da Núbia.
Estas campanhas trouxeram ao Egipto ricos despojos, in-
cluindo malaquite, minério de cobre, ouro, marfim, ébano e
também grande número de prisioneiros, que não eram
mortos mas reduzidos à escravatura. A estes prisioneiros dos
egípcios dava-se o nome de «mortos -vivos» e havia boas ra-
zões para isso.

20
Foi no Império Antigo que apareceu o costume de cons-
truir pirâmides, enormes túmulos de pedra que os faraós e
seus cortesãos mandavam erguer para si durante a sua vida.
No Egipto, cerca de setenta destas pirâmides sobreviveram
até aos nossos dias. A maior e mais famosa é a pirâmide de
Kéops ou Khufu que tem 145 m de altura e cuja base tem
cerca de 732 m de lado; para a sua construção foram pre-
cisos 2 300 000 blocos de pedra que pesavam duas tone-
ladas cada um. A pirâmide levou vinte anos a construir,
apesar de toda a população rural do Egipto ter sido recrutada
para este trabalho, a um ritmo de 100 000 homens de três
em três meses. Tais eram as condições de trabalho na casa
real no Império Antigo.

A construção das pirâmides estava relacionada com a reli-


gião egípcia e em particular com a crença numa vida além-
túmulo, desde que o corpo fosse bem conservado e lhe
fossem regularmente fornecidos alimentos e bebidas. Esta
crença está na base do costume de embalsamar, isto é, de
mumificar os mortos, arte na qual os Egípcios se tornaram
mestres.

No final do Império Antigo, o poder centralizado dos reis


começou a enfraquecer e o Egipto foi de novo dividido numa
série de nomos, que guerreavam entre si com certa
frequência. A reunificação do país foi conseguida pouco antes
do início do século XX a.C. A este período chama-se Império
Médio.

Durante o Império Médio foram empreendidas obras em


larga escala para aumentar e aperfeiçoar o sistema de irri-
gação no oásis de Fayum. O comércio desenvolveu-se, assim
como vários tipos de artesanato. Uma característica deste
período foi a estratificação das comunas de camponeses;
vastos sectores do campesinato empobreceram e arrui-
naram-se.

21
Em meados do século XVII a.C. ocorreu no Egipto uma re-
volta generalizada de camponeses, artesãos e escravos. Todo
o país foi envolvido na revolta, o faraó foi obrigado a abdicar
e os grandes proprietários foram expulsos dos seus palácios.
As múmias de antigos reis foram saqueadas e extraídas dos
seus túmulos e pirâmides. Os celeiros e tesouros reais e os
templos foram conquistados e os depósitos de alimentos e
objectos de valor foram distribuídos pelo povo. Todos os do-
cumentos referentes a impostos e tributos foram destruídos.

Como está escrito numa das crónicas do antigo Egipto, «a


terra moveu-se em turbilhão como a roda do oleiro», porque
os pobres foram viver nas casas dos ricos senhores, vestiram
as suas roupas e obrigaram-nos a trabalhar para eles.

No final do século XVIII a.C., o Egipto foi devastado por


uma invasão de uma tribo nómada da Ásia, os Hicsos. Este
povo conquistou o país e durante quase um século e meio os
Egípcios viveram sob o jugo dos opressores estrangeiros, até
que finalmente um movimento de libertação adquiriu impulso
suficiente para os expulsar e reunificar o país. Este aconteci-
mento marcou o começo do Império Novo.

O Império Novo

Durante este período, o Egipto tornou-se uma forte po-


tência militar. O faraó Ahmose I, que libertou o Egipto dos
conquistadores Hicsos, perseguiu-os até ao interior das re-
giões vizinhas da Ásia e depois empreendeu uma expedição
contra a Núbia. Contudo, o verdadeiro fundador da nova po-
tência militar egípcia foi Tuthmosis III (1525 - 1491 a.C.)
que chefiou dezassete expedições à Ásia, tendo conquistado
a Síria, a Palestina, a Líbia e a Núbia. Este faraó tinha vastas
forças à sua disposição, formadas por infantaria, armada de
arcos, setas e lanças, e cavalaria equipada com carros. Além

22
das tropas terrestres, Tuthmosis também possuía uma es-
quadra de guerra que incluía galeras a remo e barcos à vela.

Estas campanhas trouxeram ao Egipto grandes quanti-


dades de despojos que iam, sobretudo, encher os cofres e os
celeiros do faraó; milhares de escravos e de cabeças de gado
foram também trazidos para as propriedades reais. Os faraós
ofereceram então ricos presentes e concederam privilégios
aos templos e àqueles que neles serviam. Por exemplo, ao
templo de Amon Râ — o deus mais popular de Tebas, a ca-
pital — foi atribuída autoridade absoluta sobre toda uma re-
gião do Líbano com três grandes cidades, depois duma
destas campanhas.

Tudo isto levou a um crescimento extremamente rápido


do poder dos sacerdotes na vida política do país. O templo de
Amon Râ, em Tebas, tinha importância especial: este templo
tinha mais terras, escravos e camponeses que todos os ou-
tros juntos. Daqui a enorme influência política exercida pelos
sacerdotes de Tebas, que até tentaram arrebatar certos po-
deres aos próprios faraós.

O faraó Ekhnaton (Amenhotep IV, 1424- 1388 a.C.)


tomou medidas para pôr fim a este estado de coisas e de-
cidiu fazer uma reforma religiosa. O politeísmo foi abando-
nado e substituído pela adoração de um só deus, o deus do
Sol Aton. Ergueram-se templos a Aton em todo o país, e o
faraó tomou o nome de Ekhnaton — «O amado de Aton» —,
usando-o de preferência ao seu título original de Amenhotep.

Contudo, as reformas de Ekhnaton duraram muito pouco.


A luta contra as suas reformas levou mesmo a uma revolta, e
embora o faraó conseguisse reprimi-la, depois da sua morte
as reformas foram logo abandonadas e os sacerdotes tor-
naram-se ainda mais poderosos do que anteriormente. Por
exemplo, durante o reinado de Ramsés II (1317 -1251 a.C.),
a área das terras pertencentes aos templos duplicou e os
23
principais sacerdotes sentiam-se independentes do rei. Entre-
tanto, o cargo de sumo sacerdote tornou-se hereditário.

Durante o reinado de Ramsés II foram empreendidas as


últimas campanhas militares em larga escala. No território
sírio, os Egípcios tiveram pela primeira vez de medir forças
com uma nova e forte potência — os Hititas, que nessa altura
já tinham conquistado quase toda a Síria. A luta durou muito
tempo, e o resultado não foi decisivo, tendo a Síria sido divi-
dida entre os Hititas e os Egípcios.

O final do Império Novo assistiu a um grande enfraqueci-


mento do poder militar do Egipto. Um certo número de es-
tados vassalos readquiriu a independência e voltaram a
fazer-se sentir tendências separatistas entre os vários
nomos. Em breve, o próprio Egipto ia ser presa de conquista-
dores estrangeiros.

A Religião e a Cultura do Antigo Egipto

A religião era um fenómeno central da vida dos antigos


Egípcios. E uma das suas características típicas era a deifi-
cação dos animais e dos pássaros. A cidade de Mênfis ado-
rava o boi Ápis; Horus, o deus do céu, com cabeça de falcão,
era adorado nas cidades de Tanis e Buto, e vários nomos ti-
nham nomes de animais: o nomo do antílope, o nomo do
crocodilo, etc. Pouco a pouco, os deuses adorados pelos
nomos mais poderosos passavam a ser adorados à escala na-
cional, por exemplo o deus do Sol Râ, o criador do mundo
Amon, e o deus e a deusa da fertilidade Osíris e Ísis. O culto
de Osíris e Ísis estava estreitamente ligado às tradições agrí-
colas. A lenda da morte de Osíris e da sua subsequente res-
surreição era uma alegoria à sementeira e ao nascimento dos
cereais. Na altura das sementeiras e das colheitas organi-
zavam-se grandes espectáculos dramáticos em honra de

24
Osíris e da sua consorte.

Uma grande realização da antiga cultura egípcia foi o de-


senvolvimento da escrita. Para escrever na pedra, os Egípcios
usavam sinais especiais, ou hieróglifos, a partir dos quais se
desenvolveu uma escrita simplificada para escrever em pa-
piro. Importantes avanços verificaram-se na literatura (can-
ções, lendas, crónicas de viagem, etc.), na arquitectura e nas
belas-artes. Ainda hoje se podem ver ruínas de esplêndidos
templos, absolutamente estranhos às pirâmides, como por
exemplo o de Karnak.

Os antigos Egípcios conheciam ainda os princípios básicos


de um certo número de ciências, tais como a Matemática, a
Astronomia e a Medicina. Usaram o sistema decimal e sabiam
calcular a superfície do triângulo, do trapézio e até do círculo,
usando Π = 3,16. Com base em observações dos movi-
mentos dos corpos celestes, foi elaborado um calendário que
dividia o ano em doze meses e em 365 dias. A prática cor-
rente do embalsamamento levou a uma familiaridade cada
vez maior com a anatomia humana e o desenvolvimento de
campos científicos, como a Medicina e a Cirurgia.

Babilônia e Assíria

Tal como o vale do Nilo foi o centro da antiga civilização


do Nordeste Africano, assim também os antigos reinos do
Médio Oriente iam surgir nos vales do Tigre e do Eufrates,
isto é, na «terra entre os rios» ou Mesopotâmia.

Condições Naturais

As condições naturais da Mesopotâmia estão longe de ser


uniformes. A parte norte é um território com pequenas eleva-

25
ções, irrigado por pequenos cursos de água da montanha e
de grande pluviosidade. A parte sul é uma depressão panta-
nosa, sendo o solo formado por depósitos aluviais. Os rios
inundavam os terrenos marginais, de Março a Julho, e a água
dos campos, então, secava. Porque o solo secava em grau
desigual nos vários lugares, mesmo nos tempos antigos, foi
indispensável construir um meio artificial de controlar o abas-
tecimento de água.

As riquezas naturais da Mesopotâmia eram menos espec-


taculares do que as do vale do Nilo. Contudo, havia calcário e
barro nalguns sítios; a vegetação mais comum, eram pal-
meiras e várias espécies de canas; nas montanhas que deli-
mitavam o vale havia gado selvagem, cabras, javalis e leões,
e os rios abundavam em peixe.

Os Antigos Reinos de Sumer e Akkad

Na parte sul da Mesopotâmia e ao longo das costas do


golfo Pérsico, algumas tribos de povos chamados Sumérios
tinham-se estabelecido desde há muito tempo. Foram eles
que fizeram pela primeira vez obras de irrigação: canais, re-
servatórios e diques. Os Sumérios eram grandes agricultores.
A terra naquela região, tal como no Egipto, estava dividida
entre as comunas de camponeses, e os produtos mais culti-
vados eram a cevada, o trigo, o linho e o gergelim. As co-
munas de camponeses eram obrigadas a pagar impostos em
géneros, em geral um décimo da colheita, que iam para o ce-
leiro real. Nas propriedades reais e dos templos, onde predo-
minava o trabalho escravo, a terra estava na sua maior parte
plantada de pomares e era florescente a criação de gado.

Nos fins do quarto milénio a.C., no Sul da Mesopotâmia


havia mais de vinte pequenos Estados. Não sabemos os seus
nomes, mas sabemos que os seus governantes eram prín-

26
cipes-sacerdotes, chamados «patesi», e estes reinos têm,
por isso, sido chamados de «patesiatos», tais como Lagash e
Umma, pois cada um tentava unificar a Mesopotâmia do sul
sob a sua hegemonia.

As regiões central e do noroeste da Mesopotâmia foram


habitadas por tribos semíticas, que parecem ter vindo origi-
nariamente da Arábia, e tomaram o nome da sua cidade
principal, Akkad. Cerca do ano 2500 a.C., o chefe dos povos
de Akkad era o talentoso administrador e chefe militar
Sargão I. Foi o primeiro homem da história a recrutar tropas
regulares entre os camponeses nas comunidades de aldeias
pobres, os quais mais tarde receberiam terras como paga-
mento pelo seu serviço militar. Com estas tropas, Sargão re-
alizou com êxito uma série de campanhas. Conquistando as
cidades sumérias conseguiu unificar toda a Mesopotâmia sob
o seu domínio. Parece ter conquistado Elam, um estado si-
tuado nas montanhas a leste da Mesopotâmia, e também
chefiou uma expedição à Síria e à Ásia Menor. Foi com razão
que no final do seu reinado, Sargão I atribuiu a si próprio o
título orgulhoso de «rei das terras».

O Antigo Reino da Babilônia

Pouco antes de 2000 a.C. vieram da Arábia sobre Akkad


tribos conhecidas por Amoritas, e sobre Suméria os Elamitas.
Em breve os invasores conseguiram conquistar todo o vale
da Mesopotâmia. Então estalou uma guerra entre os Amo-
ritas e os Elamitas. A guerra acabou com uma vitória decisiva
para os reis amoritas, e com a ascensão da cidade de Babi-
lónia, que logo se tornaria um centro económico, político e
cultural muito importante. O florescimento do antigo reino de
Babilónia e a sua final unificação em torno deste novo centro
deu-se durante o reinado do famoso rei Hamurábi (1792-
1750 a.C.).

27
Hamurábi conseguiu derrotar os Elamitas e depois con-
quistou o reino de Mari ao norte de Babilónia e finalmente a
cidade de Assur, centro daquilo que mais tarde seria o pode-
roso estado da Assíria. Contudo, Hamurábi foi famoso não só
como conquistador mas também pelo seu célebre código de
leis. Este código, gravado num pilar de basalto e composto
de 282 estatutos, conservou-se intacto até hoje. Este código
fornece-nos uma interessante perspectiva da estrutura eco-
nómica e política da antiga sociedade da Babilónia.

O código de Hamurábi revela claramente a sociedade ba-


bilónica numa rígida estrutura de classes. Os direitos de pro-
priedade dos proprietários de terras, sacerdotes e comerci-
antes, são garantidos, e os seus interesses cuidadosamente
protegidos. Por ele verificamos que, no reino da Babilónia,
não só a agricultura estava muito desenvolvida como
também vários ofícios e o comércio. O código enumera os se-
guintes ofícios: ceramistas, pedreiros, curtidores de couro,
confecção de vestuário e ferreiros. No que se refere ao co-
mércio é interessante notar que nas transacções de grande
vulto tomavam parte os templos e mesmo os próprios reis.
As suas ordens eram executadas por mercadores, que, por
sua vez, contratavam agentes e assessores. As principais
mercadorias em que negociavam com os Estados vizinhos
eram os cereais, o gado, a prata e o cobre.

O código de Hamurábi também nos esclarece sobre a situ-


ação dos escravos na antiga Babilónia. Uma prática muito es-
palhada parece ser aquilo a que se chama escravatura por
dívidas. Se um devedor não pudesse pagar o seu débito no
prazo estabelecido, tinha de o pagar com o seu trabalho ou
com o trabalho dos seus filhos. Este tipo de servidão podia
durar toda a vida, mas Hamurábi limitou a escravatura por
dívidas a um período de três anos.

28
A sociedade babilónica, durante o reinado de Hamurábi,
atingiu um alto nível de desenvolvimento. Mas esta idade de
oiro havia de durar muito pouco, porque o país ia ser alvo de
algumas invasões devastadoras, que tiveram como con-
sequência a queda do antigo reino da Babilónia.

A Assíria

O reino Assírio desenvolveu-se a partir de uma pequena


comuna do Norte da Mesopotâmia que tinha como centro a
cidade de Assur. O capítulo mais brilhante da história do es-
tado militar da Assíria ocorreu no século VIII a.C. O rei as-
sírio Teglat-Falasar III (745-727 a.C.) empreendeu algumas
campanhas de que saiu vitorioso. Conquistou a Síria e a Fe-
nícia. Os reis de Tiro e de Israel tornaram-se seus tributários.
A expedição que fez contra o estado de Urartu acabou numa
esmagadora derrota para este último. Finalmente, Teglat-Fa-
lasar conquistou Babilónia e fez-se seu rei.

Os seus feitos militares foram continuados por outros reis


assírios — Sargão II (722 - 705 a.C.) e Esarhaddon (680 -
669 a.C.). Como resultado das suas conquistas e campanhas,
a Assíria tornou-se uma grande potência, incorporando toda
a Ásia Menor, central e oriental, a Mesopotâmia, a Síria, a
Palestina e parte do Egipto. Vista pelos padrões daquela
época, a Assíria era, sem dúvida, uma potência mundial.

A Assíria era um estado de guerreiros e proprietários de


escravos, onde a escravatura estava mais desenvolvida do
que antes no Egipto ou na Babilónia. Ao serviço do rei havia
milhares de escravos que eram frequentemente utilizados na
construção de estradas, canais, e até de cidades inteiras. O
comércio de escravos também se desenvolveu muito.

29
A Assíria era célebre pelo alto nível da sua organização
militar. O exército assírio estava dividido em vários grupos:
1. Carros de dois cavalos;

2. Cavalaria (que apareceu pela primeira vez no exército as-


sírio);

3. Infantaria equipada com armas pesadas ou ligeiras;

4. Engenharia;

5. Tropas de assalto (equipadas com catapultas e grandes


troncos com cabeças de ferro para derrubar muralhas ou portas).

O exército era a principal base do poder real e era cos-


tume os reis apresentarem-se ao exército antes de subirem
ao trono.

Contudo, o poder militar assírio era um gigante com pés


de barro. As várias regiões deste enorme estado não eram
suficientemente unidas e as nações e os povos submetidos
estavam sujeitos a uma cruel opressão. A revoltada Babi-
lónia, juntamente com os Medos (o povo de um estado com
vastos territórios, situado no planalto Iraniano) desferiu um
golpe fatal ao reino da Assíria.

A Religião e Cultura da Babilónia e da Assíria

O papel da religião na sociedade da Babilónia não era


menos importante do que no antigo Egipto. Todas as esferas
da vida cultural — da literatura à ciência — estavam condici-
onadas por uma forte influência religiosa. Os deuses mais im-
portantes eram Marduk, Shamash e as dividandes da natu-
reza, Tammuz e Ishtar (mais ou menos equivalentes a Osíris
e Ísis). A acrescentar a tudo isto, havia ainda uma multiplici-
dade de crenças populares relacionadas com os espíritos dos

30
rios e canais locais e também se adoravam os espíritos dos
mortos.

Na Mesopotâmia, a língua escrita, ao contrário da dos an-


tigos Egípcios, era cuneiforme, formada por um conjunto de
sinais em forma de cunha, impressos em placas de barro,
que, depois de terem ido ao fogo, se podiam conservar inde-
finidamente.

Chegou grande número de obras da antiga literatura da


Babilónia, até hoje, incluindo os poemas épicos de Gilga-
mesh, onde figura pela primeira vez a lenda do Dilúvio.

Os rudimentos da ciência descobertos na antiga Babilónia


estavam relacionados de perto com a agricultura. Já na
época dos Sumérios tinha existido um sistema sexagesimal,
de que a actual divisão do círculo em 360 graus é uma remi-
niscência. O povo de Babilónia conhecia os quatro princípios
aritméticos, as fracções simples, a potenciação ao quadrado
e ao cubo, e a raiz quadrada. Também estavam muito avan-
çados na astronomia e conseguiram localizar cinco planetas e
calcular as suas órbitas. O estudo que fizeram das fases da
lua, deu-lhes a possibilidade de dividir o calendário em anos,
meses e dias (cada dia tinha 12 horas e cada hora estava di-
vidida em 30 minutos).

A cultura assíria não pode ser considerada autóctone. De


um modo geral, os Assírios, pelas suas conquistas e relações
comerciais, foram disseminadores da cultura da Babilónia
pelos outros países do Antigo Oriente. Por exemplo, a famosa
biblioteca do rei assírio Assurbanípal continha uma colecção
de textos literários e religiosos, tratados científicos, livros de
consulta e dicionários escritos em várias línguas e era uma
verdadeira colecção de preciosidades das realizações cultu-
rais do Antigo Oriente.

31
O Reino Hitita
Formação e Ascensão do Reino Hitita

O reino Hitita surgiu pouco depois de 2000 a.C. nas mar-


gens do rio Kizil Irmak (o clássico Halys) na Ásia Menor. A
população indígena da área, vulgarmente conhecida pelo
nome de proto-Hititas, foi invadida no início do II milénio
a.C. por tribos Nesitas. A nação Hitita resultou da fusão
destes povos.

Afirma-se tradicionalmente que o reino Hitita foi fundado


pelo semi-lendário rei Labarnash (século XVII a.C.), cujo
nome foi mais tarde usado como título real. Outro dirigente
famoso foi o rei Murshilish I (século XVI a.C.) que capturou e
saqueou a Babilónia, levando consigo grande número de pri-
sioneiros.

O Império Hitita atingiu o seu apogeu no século XV a.C.


durante o reinado do rei Shuppiluliumash. Sob a sua chefia,
os Hititas conquistaram todo o território da Ásia Menor entre
o seu reino e a Síria e subjugaram o reino de Mitanni (si-
tuado nos troços superiores do Tigre e do Eufrates. Os suces-
sores de Shuppiluliumash aproveitaram-se dos reveses tem-
porários do Egipto para penetrarem na Síria e mesmo na Pa-
lestina. No final do século XIV, e no início do século XIII a.C.,
houve confrontações em larga escala entre os Hititas e os
Egípcios, que acabaram num tratado com Ramsés II, pelo
qual todo o Norte da Síria ficaria nas mãos dos Hititas.

Foi este um período de notáveis feitos militares, mas


pouco depois o poder hitita começou a declinar. Por volta de
1200 a.C., a Ásia Menor, a Síria e a Palestina foram invadidas
pelos «Povos do Mar» (das ilhas do mar Egeu) que mais
tarde devastariam o reino Hitita. Foi dividido numa série de
pequenos principados, e acabou por se tornar numa província
assíria.

32
A Estrutura Social e a Cultura do Reino Hitita

A sociedade hitita durante o reinado de Shuppiluliumash


era um exemplo típico de uma sociedade onde se praticava a
escravatura. No Código de Leis hitita (séculos XV - XIII a.C.)
mais de vinte artigos diziam respeito aos escravos, e o nú-
mero de escravos trazidos para o país como prisioneiros de
guerra era muito grande. O trabalho escravo foi também
considerado como forma de pagamento de dívidas.

A principal actividade dos habitantes do reino Hitita era a


criação de gado, a agricultura, o cultivo de árvores de fruto e
de vinha. O reino era governado por um rei que era conside-
rado com uma divindade com posição equivalente à do deus
do Sol. Os oficiais da corte, os sacerdotes, os guerreiros, os
agiotas e os comerciantes também desempenhavam funções
importantes nos negócios do Estado. Os Hititas mantinham
comércio activo com o Egipto e vários outros países.

Escavações feitas em Boghazkeui (a 230 km de Ancara),


no local onde estava situada a antiga capital hitita, forne-
ceram-nos dados importantes sobre a cultura hitita. Apa-
receu à luz do dia um grande arquivo dos reis hititas. Primiti-
vamente, os Hititas escreviam em hieróglifos, que foram de-
pois substituídos, sob a influência da Assíria, pela escrita cu-
neiforme. As inscrições hititas foram decifradas pela primeira
vez pelo estudioso checo Hrozny. Monumentos da arte hitita
que sobreviveram foram encontrados sob a forma de escul-
turas monumentais e baixos-relevos, que por sua vez
também revelaram forte influência assíria.

Urartu

33
O Estado de Urartu abrangia um vasto planalto entre a
Ásia Menor, o Irão e o Norte da Mesopotâmia, rodeado por
altas montanhas. O país era rico em florestas, pedra e ja-
zigos de metal.

Formação e Desenvolvimento do Estado do Urartu

Os primitivos habitantes desta área eram aparentados


com os proto-Hititas. Em antigas inscrições assírias fazem-se
referências a dois estados, Urartu (no território da actual Ar-
ménia), e Naíri (nas costas do lago Van) que, mais tarde, por
volta do século IX a.C., se uniram sob o domínio de Sardur I.

O poder de Urartu cresceu no início do século VIII a.C. No


conflito com a Assíria que ocorreu nesta altura, os Urartianos
conseguiram alguns êxitos notáveis. Durante o reinado de
Argistis I (781-760 a.C.) as tropas assírias sofreram uma es-
magadora derrota e Urartu conseguiu anexar partes da
Transcaucásia. Sardur II (760-730) continuou esta política de
anexação, começada pelo seu antecessor. Durante o seu rei-
nado, foram conquistados mais territórios na Transcaucásia
(na região à volta do lago Sevan) e mesmo a Síria do norte.
Mas esse sucesso durou pouco, pois em meados do século
VIII a.C. o rei assírio Teglat-Falasar III chefiou duas expedi-
ções contra Urartu e devastou o território. Golpe final sobre o
Império Urartu foi a invasão de Sargdo II em 714 a.C., mo-
mento em que a rica capital, Musasir, foi conquistada e de-
vastada. O Estado de Urartu, então seriamente enfraquecido,
continuou a existir até ao século VI a.C. quando foi final-
mente conquistado pelos Medos e os Citas.

A Estrutura Social e a Cultura de Urartu

34
Como outros antigos reinos do oriente, Urartu era uma
sociedade em que se praticava a escravatura. O grande nú-
mero de prisioneiros feitos durante as campanhas militares
de Argistis e Sardur II eram obrigados a trabalhar como es-
cravos. O trabalho dos escravos foi utilizado nas minas de
cobre e ferro de Urartu, nas obras de construção e irrigação e
também na criação de gado. A classe dominante era consti-
tuída pela aristocracia que possuía escravos, pelos chefes mi-
litares e pelos sacerdotes, com um rei como chefe supremo.

A actividade principal do povo de Urartu foi a pastorícia,


mas a agricultura também se desenvolveu muito, sobretudo
o cultivo do trigo, do milho-miúdo e da cevada, e havia po-
mares e vinhas. A agricultura desenvolveu-se muito com a
montagem de um evoluído sistema de irrigação artificial. Es-
cavações arqueológicas testemunharam o alto nível da arte
urartiana em vários campos técnicos e metalúrgicos. Encon-
traram-se grandes oficinas ligadas aos palácios e aos tem-
plos.

A cultura de Urartu estava muito ligada à da Babilónia e


da Assíria. Adoptou por exemplo, a escrita cuneiforme dos
Assírios (e mais tarde simplificou-a até certo ponto). A sua
realização mais original foi na arquitectura: o templo de Mu-
sasir com as suas colunas, com frontões, é quase um protó-
tipo dos templos gregos. As escavações revelaram também
grande número de artefactos de bronze, tais como estátuas
de touros alados, os luxuosos tronos dos reis de Urartu e es-
cudos decorados com trabalhos de rara complexidade.
Também se encontraram fragmentos de pinturas rurais nas
ruínas de vários palácios e templos.

A Fenícia

35
A Fenícia situava-se numa estreita faixa de terra ao longo
da costa da Síria, habitada por numerosas tribos semíticas
ocidentais, conhecidas sob o nome de Fenícios, que os
Gregos lhe deram. A Fenícia nunca foi um único reino unifi-
cado, mas uma série de cidades e regiões independentes,
possuindo cada uma a terra arável adjacente. As maiores ci-
dades eram Ugarit, Byblos, Tiro e Sidon.

Aproximadamente a partir de 1500 a.C. as cidades fení-


cias ficavam sob domínio egípcio ou hitita, até que no século
XII a.C. readquiriram a independência e Tiro começou a
ocupar uma posição predominante entre elas. O rei Hiram I
de Tiro (969 - 936) empreendeu campanhas militares em
larga escala, chefiando uma expedição a Chipre e várias à
África. Durante esse período, Tiro estendeu a sua hegemonia
sobre as cidades de Byblos e Sidon, e tornou-se um impor-
tante centro político e comercial. Com uma situação privile-
giada, esta cidade foi durante muito tempo considerada uma
fortaleza inacessível. Mas a independência dos Fenícios durou
muito pouco tempo, pois foram conquistados pelos Assírios
no final do século VIII a.C.

As principais culturas da Fenícia eram os cereais e a


vinha. Quando não se utilizava o trabalho escravo na agricul-
tura (na verdade a escravatura nunca foi praticada em larga
escala), a principal força de trabalho era composta por cam-
poneses que viviam em comunidades. O povo das cidades
dedicava-se, sobretudo, ao artesanato e ao comércio. Mesmo
nos tempos antigos, os Fenícios eram famosos como comer-
ciantes e marinheiros experimentados. Os Fenícios expor-
tavam vinho, madeira e produtos de artesanato, mas os seus
comerciantes não se limitavam a negociar estes artigos: de-
sempenhavam, também, funções de intermediários, com-
prando mercadorias de outros países para revenda. Os Fení-
cios faziam comércio com o Egipto, a Assíria, a Mesopotâmia,
a Ásia Menor, etc.

36
Para fins comerciais, os marinheiros fenícios empreendiam
longas viagens aos países do mar Egeu e do Mediterrâneo e
foram os primeiros a alcançar por mar as «colunas de Hér-
cules», ou seja, o estreito de Gibraltar. Onde quer que fosse
possível garantir um fornecimento mais ou menos regular de
mercadorias de valor, os Fenícios fundavam colónias. Estas
foram estabelecidas em várias ilhas do mar Egeu (Thasos e
Rodes) e no Mediterrâneo (Chipre, Malta e Sicília). Na costa
norte de África, os Fenícios fundaram a cidade de Cartago,
que mais tarde se desenvolveria e se tornaria um estado im-
portante, e fundaria ela própria grande número de colónias.

A realização mais importante da cultura fenícia foi o de-


senvolvimento e a difusão de um alfabeto (que data do sé-
culo XIII a.C.) que resultou directamente do rápido desenvol-
vimento do comércio e da crescente necessidade de arquivar,
frequente e rapidamente, documentos comerciais. Com base
nos hieróglifos egípcios e na escrita cuneiforme da Babilónia,
os Fenícios produziram um alfabeto de vinte e duas letras.
Este alfabeto serviria mais tarde de modelo ao alfabeto grego
e a partir dele a muitas formas de escrita posteriores.

A Palestina

A antiga Palestina estendia-se das colinas do Sul do Lí-


bano até ao deserto Arábico, e estava limitada a ocidente
pelo mar Mediterrâneo. Planaltos e árida terra desértica al-
ternavam com vales férteis. Nos tempos mais antigos, as re-
giões costeiras da Palestina foram habitadas por uma das
tribos Egeias dos «Povos do Mar», os Filisteus, e o restante
território por Semitas ou Cananeus do noroeste. Nos séculos
XV e XIV a.C., tribos Apiru ou Hebraicas começaram a apa-
recer na região. No decurso do conflito entre as tribos he-
braicas e os Cananeus e Filisteus na parte norte da Palestina,
formou-se a pouco e pouco o reino de Israel (fundado por

37
Saul no século XI a.C.). Cerca de um século mais tarde
formou-se o reino da Judeia na parte sul da Palestina. O rei
David, da Judeia, deveria unificar os dois reinos sob o seu
domínio, expulsar os Filisteus e declarar a antiga cidade ca-
naneia de Jerusalém sua capital e centro religioso.

O reino unificado da Judeia e de Israel desenvolveu-se du-


rante o reinado do rei Salomão (século X a.C.). Durante esse
período, relativamente pacífico, foi concluído um pacto com
Hiram, rei de Tiro, o comércio externo desenvolveu-se num
ritmo rápido e impressionantes obras arquitectónicas foram
realizadas em Jerusalém (a construção do famoso templo de
Salomão, entre outras).

Contudo, pouco depois da morte de Salomão, o reino uni-


ficado seria dividido em duas partes. No final do século VIII
a.C., Israel foi conquistada pelo rei assírio Sargão II, en-
quanto a Judeia comprava a independência a troco de um
enorme tributo. O reino da Judeia continuou a existir durante
mais cento e cinquenta anos, caindo depois sob o domínio do
rei da Babilónia, Nabucodonosor, que atacou Jerusalém vio-
lentamente e a arrasou (586 a.C.), levando grande número
de prisioneiros para o cativeiro na Babilónia («cativeiro da
Babilónia»).

Enquanto no Norte da Palestina o cultivo da terra era a


principal ocupação, no Sul predominava a criação de gado.
Os camponeses viviam em comunidades e na Palestina o tra-
balho escravo estava mais espalhado do que na Fenícia.
Grandes exércitos de escravos trabalhavam nas terras reais e
nos templos. Os habitantes originais do país, os Cananeus,
foram reduzidos à escravatura.

A religião desempenhava um papel importante na vida


dos antigos Hebreus. A religião hebraica tinha muitas carac-
terísticas em comum com a religião dos Fenícios. Particular-
mente espalhado era o culto de Yavé, ou Jeová. Original-
38
mente, Yavé era o deus da tribo da Judeia, mas mais tarde
seria adoptado à escala nacional. A religião judaica adquiriu a
sua forma definitiva relativamente tarde, isto é, depois do
«cativeiro da Babilónia».

Importante realização histórica e cultural da antiga Pales-


tina são os livros sagrados dos povos hebraico e judeu, parti-
cularmente as várias obras que mais tarde seriam coligidas
no Antigo Testamento e nos Apócrifos, que incluem livros
de história, mitos e lendas, doutrinas religiosas e escritos
poéticos, e que hoje são venerados como «Sagradas Escri-
turas» pelos adeptos das religiões judaica e cristã.

A Pérsia

O coração do antigo reino da Pérsia era o vasto planalto


Iraniano situado a leste da Mesopotâmia. E se a parte central
deste planalto era constituída por um solo bastante seco de
escassa vegetação, as colinas eram ricas em florestas, me-
tais (ouro, prata, cobre, ferro e chumbo) e mármore. Consi-
deradas no seu conjunto, as condições naturais tornavam
possível o cultivo de cereais (centeio, trigo e cevada) e a cri-
ação de gado (nómada a Leste e fixa no Ocidente).

A Média e a Pérsia

Durante o terceiro milénio a.C., tribos iranianas da Ásia


penetraram no planalto, e essa foi a razão por que esta re-
gião assim se chamou. Nalgumas áreas subjugaram os habi-
tantes locais e noutras estabeleceram-se pacificamente a seu
lado, para mais tarde se fundirem com eles.

Por volta do século IX a.C. formaram-se dois grandes


grupos de tribos iranianas: os Medos e os Persas. Os Medos

39
haviam de se evidenciar mais cedo do que os Persas, mas
pouco da sua história chegou ao nosso conhecimento, e o
pouco que sabemos tem um carácter semilendário. Contudo,
é certo que no fim do século VII a.C. a Média se tornou um
estado poderoso e, juntamente com Babilónia, conseguiu
desfechar sobre a Assíria o golpe de morte. Apesar disso, em
meados do século VI a.C., os Medos foram compelidos a sub-
meter-se aos seus vizinhos Persas.

O fundador do Estado persa foi o famoso chefe militar e


homem de Estado, Ciro (559-529 a.C.). As suas origens
perdem-se nas névoas da lenda, segundo a qual, embora
fosse filho de rei, foi educado por um pastor que o encontrou
abandonado. Durante a expedição do último rei medo contra
a Mesopotâmia, os Persas, comandados por Ciro, invadiram a
Média, e depois de uma luta que durou três anos o país foi
conquistado e anexado ao reino persa.

Uma vez senhor da Média, Ciro empreendeu algumas ope-


rações militares. Reorganizou o exército persa, fazendo da
cavalaria a principal força de ataque. Em 547 a.C. Ciro con-
quistou a Arménia e a Capadócia e depois o reino da Lídia em
546, apoderando-se das enormes riquezas que pertenciam
ao rei Cresos, cujo nome já se tornara proverbial, como sinó-
nimo de homem rico. Ciro passou então a controlar toda a
Ásia Menor incluindo as numerosas e ricas cidades gregas si-
tuadas no litoral.

Depois destas vitórias, quase toda a Mesopotâmia (ex-


cluindo o Sul) ficou rodeada de países conquistados por Ciro,
o que aumentou muito a sua força na guerra contra Babi-
lónia, e em 518 a.C. a cidade rendeu-se-lhe. Ciro fez então
publicar um manifesto no qual prometia não alterar a organi-
zação administrativa da Babilónia, respeitar as divindades lo-
cais e aumentar a prosperidade da cidade. Este manifesto

40
mostra que Ciro não era só um chefe militar notável mas
também um hábil homem de estado e diplomata.

A campanha contra a Palestina e a Fenícia foi empreen-


dida nos mesmos moldes. Ciro apontava sempre os objec-
tivos pacíficos da expedição: a reconstrução da cidade de Je-
rusalém, que tinha sido devastada pelos conquistadores babi-
lónicos, e o auxílio a algumas cidades fenícias. Na realidade,
a conquista da Palestina e da Fenícia dava a Ciro uma ponte
vital para a iminente guerra contra o último grande Estado
que restava no Oriente nessa época — o Egipto. Con-
tudo, Ciro não pôde pôr em prática este plano porque foi
morto numa batalha contra os Massagetas na fronteira nor-
deste do seu império.

A Formação do Império Persa

A política militar de Ciro foi continuada pelo seu filho


Cambises (529-522 a.C.) que fez cuidadosos preparativos
para a guerra contra o Egipto com a ajuda da esquadra fe-
nícia. Contrastando com a prudente diplomacia de Ciro, Cam-
bises iniciou um período de terror no Egipto depois de o ter
conquistado. Apesar disso, a última grande potência do Ori-
ente tinha sido conquistada e a Pérsia — seguindo o exemplo
da Assíria — tinha-se agora tornado uma potência mundial,
segundo os padrões daquela época.

Conhecemos pormenores da organização deste enorme


império pela célebre inscrição do rei Dario I (522-486 a.C.)
num rochedo nas montanhas. Todo o reino persa foi dividido
numa série de satrapias e, como regra, cada país conquis-
tado pelos Persas constituía uma satrapia (Egipto, Babilónia,
Lídia, etc.). Os governadores das satrapias, os sátrapas,
eram designados pelo próprio rei, eram directamente respon-

41
sáveis perante ele e detinham a totalidade dos poderes judi-
cial e administrativo.

Todas as satrapias eram obrigadas a pagar impostos em


dinheiro e em géneros. Por exemplo, o Egipto tinha de for-
necer trigo suficiente para alimentar os 120 000 soldados de
guarnição. Este sistema de tributação trazia a Dario rendi-
mentos colossais.

Dario instituiu também uma reforma monetária. Pela pri-


meira vez na história um enorme império formado por muitos
países diferentes passou a usar uma moeda uniforme — mo-
edas de ouro ou «darics», que só o rei tinha o direito de cu-
nhar (embora os sátrapas tivessem autorização de cunhar
moedas de prata e de cobre). A instituição do daric contri-
buiu para a expansão do comércio, no interesse do qual
Dario promoveu ainda a construção de estradas com um sis-
tema de policiamento eficaz. Durante esse período, a Pérsia
teve um bom conjunto de estradas, com hospedarias e esta-
ções de muda de cavalos com intervalos de 21 km. Além da
sua importância para o comércio, estas estradas tinham
também um grande valor estratégico.

Dario fez também reformas militares. Foram fixadas nas


várias satrapias guarnições permanentes e todo o Estado foi
dividido em cinco regiões militares que não coincidiam com
as fronteiras das satrapias. Os comandantes das zonas mili-
tares eram directamente responsáveis perante o rei.

Era esta a estrutura do Estado durante o reinado do rei


Dario. Os Persas ocupavam uma posição dominante no país.
Serviam no exército e trabalhavam no cultivo da terra e
como criadores de gado. Eram livres de todos os impostos e
do recrutamento para o trabalho forçado, a que estavam su-
jeitos todos os povos conquistados. Entretanto, com o
tempo, o Estado persa acabou por mostrar o que era: um gi-
gante com pés de barro, (como antes dele o fora a Assíria),
42
que só conseguia sobreviver, com base na sua força militar,
faltando como faltavam elos económicos e políticos firmes
entre os vários estados componentes. Esta ausência de co-
esão interna fez-se sentir muito mais quando os Persas ti-
veram de enfrentar um inimigo mais perigoso: os Gregos.

A Religião e a Cultura da Pérsia

Como em todos os outros países do Oriente daquele pe-


ríodo, a religião desempenhava um papel importante na vida
da sociedade iraniana. A antiga religião iraniana incluía o
culto da natureza (por exemplo das montanhas) e dos ani-
mais. Mais tarde espalhou-se o culto do deus tribal persa,
Ahura Mazda, e do deus do Sol, Mithras. Admite-se vulgar-
mente que o Zoroastrismo (que herdou o nome do profeta
lendário Zoroastro) apareceu durante o reinado de Dario; ca-
racterística essencial desta religião era o conceito de uma
luta universal entre os princípios do Bem e do Mal, da Luz e
das Trevas.

Pouca coisa era genuinamente original na cultura iraniana,


e praticamente não chegou até nós nenhum documento de
valor literário. Tanto o Egipto como a Assíria exerceram
grande influência sobre a arquitectura iraniana. Os Persas ti-
nham adoptado a escrita da Babilónia, embora mais tarde
elaborassem gradualmente um alfabeto com base na escrita
cuneiforme. A ausência de realizações culturais originais vali-
osas pode explicar-se pela natureza militar do próprio estado
e pela sua falta de homogeneidade.

Capítulo III - As Antigas Civilizações da Índia e


China

43
A Índia
Condições Naturais

As condições naturais da antiga Índia eram extremamente


variadas devido à grande extensão do país. Por isso convém
dividir o país em duas partes — a parte Norte (ou a bacia dos
rios Ganges e Indo) e a parte Sul. As condições naturais do
norte da Índia eram mais ou menos uniformes, e seme-
lhantes às do Egipto e da Babilónia; a fertilidade do solo de-
pendia em larga medida das inundações do Indo e do
Ganges. O solo do Sul da Índia era menos fértil, mas esta
zona tinha muitas florestas e era rica em metais preciosos
(ouro, diamantes, etc). Característica da Índia era o seu iso-
lamento geográfico: o país estava separado do mundo que o
rodeava pelas altas cordilheiras do Himalaia e pelo mar. Às
tribos que primeiro habitavam o país dá-se geralmente o
nome de Dravídicos e o primeiro período da história indiana é
geralmente conhecida pelo período Dravídico.

História da Índia Primitiva

A cultura e o nível de desenvolvimento das tribos draví-


dicas correspondem grosso modo aos da sociedade sumero-
acádica. A população dedicava-se ao cultivo de terras irri-
gadas e à criação de gado. As searas mais comuns eram de
trigo e cevada, e os animais domésticos eram o carneiro, o
porco e o búfalo. Cedo, porém, foram domesticados camelos
e elefantes.

Durante o período Dravídico já existiam importantes ci-


dades com ruas direitas e largas e casas de dois andares, tais
como Harappa e Mohenjo-Daro, descobertas em escavações.
As casas eram feitas de tijolo vermelho cozido. Em Mohenjo-
Daro encontraram-se restos de sistemas de fornecimento de

44
água e de esgotos e há muitos indícios de a cidade ter sido
um centro comercial e de artesanato.

As ruínas dos grandes palácios de Mohenjo-Daro e de Ha-


rappa, que eram obviamente palácios reais, dão testemunho
da existência de um poder de estado na sociedade dravídica,
o que não quer dizer que então a Índia fosse um reino unifi-
cado, pois estava dividida numa série de pequenos reinos e
principados. A julgar pelos bairros habitados pela nobreza e
pelos pobres, já havia diferenças sociais baseadas na propri-
edade e uma forma embrionária de sociedade de classes. A
existência de escrita revela, também, um nível de desenvol-
vimento bastante avançado.

A Conquista Ariana

Durante a primeira metade do segundo milénio, tribos ari-


anas invadiram o Norte da Índia vindas das estepes da Ásia
Central.

Os arianos estavam muito menos avançados económica e


culturalmente do que os Dravídicos. Eram nove as tribos ari-
anas, de que a mais importante era a tribo Bharata. O chefe
de cada tribo chamava-se rajá e um grupo de tribos era go-
vernado por um marajá.

Os arianos eram pastores nómadas. A sua principal fonte


de riqueza era o gado, e utilizavam as vacas como valor de
troca, visto que a moeda ainda não existia. Contudo, os ari-
anos que invadiram a Índia assimilaram desde logo a supe-
rior cultura dravídica e começaram a dedicar-se à agricultura
sedentária. Da população dravídica, uma parte foi eliminada,
a outra foi reduzida à escravatura ou à servidão e era tratada
com extrema crueldade e desprezo.

45
Durante o primeiro milénio, os arianos foram avançando
até às regiões do Sul da Índia, e conquistaram as populações
locais. As estranhas relações que existiam entre a população
nativa e os conquistadores arianos estão na base do sistema
de castas que então começou a desenvolver-se. Toda a po-
pulação da Índia foi dividida em quatro castas. A casta supe-
rior era a dos sacerdotes, dos brâmanes, depois vinha a
casta xatrias ou dos guerreiros, a vaisya — comunidades de
camponeses da comuna, artífices e comerciantes e, por fim,
os sudras — trabalhadores assalariados, camponeses e es-
cravos. Foram estabelecidas entre as várias castas barreiras
estanques: o casamento intercastas, por exemplo, era ou
proibido, ou pelo menos, não legal; os filhos dos casamentos
intercastas eram considerados impuros e relegados para as
castas inferiores.

A casta mais privilegiada era a dos sacerdotes — brâ-


manes — que eram isentos de todos os impostos, do serviço
militar e das penas corporais. Segundo as leis da antiga
Índia, um rapaz de dez anos que pertencesse à casta dos
brâmanes era considerado como pai em relação a um homem
de noventa anos que pertencesse aos xatrias. Em tempo de
paz, os xatrias levavam uma existência relativamente calma
e recebiam ricos presentes e favores dos reis, mas em tempo
de guerra era o único sector da população que tinha de lutar.
Os vaisya tinham de pagar impostos para o tesouro público:
os camponeses das comunas até um sexto das colheitas e os
comerciantes até um quinto do seu rendimento. Estavam, no
entanto, isentos do serviço militar. A casta mais desfavore-
cida eram os sudras, que não tinham quaisquer direitos, e
sobre quem caíam todas as obrigações. Um membro das
castas superiores, por exemplo, pagava pelo assassínio de
um sudra, a mesma multa que pagava por matar um cão. Os
sudras, entretanto, estavam divididos em vários grupos. O
subgrupo mais desfavorecido de todos, eram os chamados

46
párias, descendentes dos dravídicos, a quem os membros
das outras castas nem podiam tocar.

Uma outra característica, além do sistema de castas, dis-


tinguia a antiga civilização da Índia: as comunas de aldeias
nunca mudaram durante muitos séculos. Embora existissem
nas comunidades terras pertencentes a várias famílias, e,
portanto, propriedade privada da terra, de um modo geral
eram dirigidas na base de uma economia natural. A estrutura
das comunas e o seu governo obedeciam sempre ao mesmo
padrão: cada comuna tinha o seu ancião, trabalhadores que
se encarregavam do cultivo da terra, um ferreiro, um carpin-
teiro, um oleiro, um barbeiro e o indispensável sacerdote
brâmane.

A escravatura, embora muito espalhada na Índia, era ge-


ralmente doméstica, patriarcal. Os arianos escravizados por
dívidas só o podiam ser temporariamente e, por isso, até
eram permitidos casamentos entre escravos arianos e ho-
mens ou mulheres livres, desde que, é claro, pertencessem à
mesma casta.

A Índia nos Séculos VI - III a.C.

No século VI, a Índia era constituída por vários Estados,


os maiores dos quais eram Magadha, situado nos troços cen-
trais do Ganges, e Kosala, a noroeste. A luta entre estes dois
Estados terminou no século V a.C., com uma vitória decisiva
do rei de Magadha, que fez assim de Magadha o Estado mais
poderoso da Índia.

No século IV a.C., a parte noroeste do país foi conquis-


tada por Alexandre Magno (daremos mais pormenores desta
famosa campanha num capítulo posterior) depois do que
foram colocadas tropas gregas e macedónias nalgumas ci-

47
dades. O contacto entre os conquistadores e a população
local levou a influências mútuas entre as culturas grega e in-
diana.

Depois da retirada de Alexandre da Índia, surgiu um mo-


vimento de libertação sob a chefia de Chandragupta Maurya
(322-297), cujas origens se perdem na lenda. Segundo uma
versão, Maurya pertencia ao xatrias e, segundo outra, seria
sudra. O mais provável é que tenha conseguido tomar o
poder como resultado de uma revolta generalizada.

Chandragupta fundou um poderoso Estado, depois de


uma campanha contra um dos comandantes militares e su-
cessores de Alexandre, Seleuco Nicator, que foi obrigado a
entregar-lhe uma grande parte do seu território (a Aria, a
Arachosia, etc.). Este, depois de conquistar o reino de Ka-
linga, conseguiu unir quase toda a Índia sob o seu domínio.
Asoka foi ainda famoso pelos grandes projectos arquitectó-
nicos que encomendou e pela protecção que deu ao co-
mércio. Procurou apoiar-se, sobretudo, nos vaisyas, e opôs-
se aos brâmanes, infligindo duros golpes no seu poder e au-
toridade, fazendo do budismo a religião oficial.

Pouco depois da morte de Asoka o Estado indiano entrou


em declínio mais uma vez e, cerca de 100 a.C. os Citas ou
Sacae invadiram a Índia pelo Norte e fundaram o Estado
Indo-Cita.

A Antiga Religião e a Antiga Cultura da Índia

O dogma básico do bramanismo era a crença em três


deuses — Brama, criador do mundo, Vishnu, o deus do Bem,
e Shiva, o deus do Mal, os quais firmavam a grande tríade
(trimurti). O desenvolvimento desta religião acompanhou de
muito perto a consolidação do poder da casta dos sacerdotes

48
brâmanes, os únicos que tinham o direito de interpretar li-
vros sagrados ou Vedas. As práticas rituais desta religião
eram muito complicadas e estabeleciam, inclusive, os mí-
nimos pormenores, como por exemplo qual devia ser o corte
e o comprimento do cabelo dos fiéis.

No século VI a.C. acabaria por surgir outra tendência reli-


giosa — o budismo. O fundador desta escola foi Gautama
Buda ou Shakya Muni que se opôs ao monopolismo religioso
dos brâmanes e procurou abolir a desigualdade baseada nas
castas, pelo menos no que respeita à vida espiritual do indi-
víduo. Buda pregava também a não resistência ao mal, a
abstinência e a renúncia a todos os desejos egoístas como
factores essenciais para se atingir o nirvana, ou perda da in-
dividualidade pela imersão na vida universal. Como já vimos,
o budismo foi declarado religião oficial durante o reinado de
Asoka no século III a.C.

A antiga civilização da Índia foi muito avançada. Já no sé-


culo III a.C. existiam várias escritas silábicas. Obras notáveis
de poesia épica, tais como o famoso Mahabharata (des-
crição da luta entre os filhos de Bharata) e o Ra-
mayana (descrição das proezas do herói lendário Rama),
chegaram até nós. A antiga arquitectura indiana também é
notável, por exemplo os surpreendentes templos budistas ta-
lhados nas rochas, obras que abundam em linhas curvas e
padrões geométricos.

Os antigos Indianos também conheciam os princípios bá-


sicos da Matemática, da Astronomia e da Medicina. Elabo-
raram um calendário que dividia o ano em doze meses de
trinta dias, e acrescentavam mais um mês no fim de cada
cinco anos. Conservaram-se até hoje tratados de medicina
que revelam conhecimentos dos princípios da anatomia e ca-
pacidade de usar várias ervas medicinais.

49
A Antiga China
Condições Naturais

A China difere dos países do Médio Oriente ainda mais do


que a Índia no que se refere às condições naturais. A China
pode dividir-se em três regiões claramente definidas:
1. o vale do rio Amarelo ou grande planície da China;

2. a China Central que é composta de regiões montanhosas e do


vale do Yangtzé;

3. o Sul da China, montanhoso.

As cheias anuais do rio Amarelo tornam a planície chinesa


extremamente fértil. O solo da China Central e particular-
mente da China do Sul é muito menos fértil, mas estas re-
giões são ricas em recursos minerais (cobre, estanho e
chumbo) e pedras de valor tais como a nefrite. A população
da China Antiga era extremamente heterogénea.

A China nos Tempos Primitivos

O primeiro período da história chinesa chama-se período


Chang-Yin (1765-1122 a.C.). A unificação das tribos chinesas
da bacia do rio Amarelo com o objectivo de travar uma luta
comum contra os nómadas do Norte, os Hsiung Nu, e de de-
senvolver o sistema de irrigação que existia deu origem a
uma brilhante cultura sedentária e mais tarde a todo um es-
tado. Os principais instigadores desta unificação foram as
tribos yin e que fundaram o Estado Chang, que tomou o
nome da dinastia.

Escavações feitas por volta de 1930 no território do Es-


tado Chang trouxeram à luz do dia restos de uma antiga ci-
dade, com um palácio real, um templo, casas e oficinas.

50
Foram desenterrados mais de trezentos túmulos, sendo
quatro deles indiscutivelmente túmulos reais, que continham
enorme quantidade de ouro, nefrite e ornamentos de madre-
pérola.

A principal actividade do Estado Chang-yin era a cultura


dos cereais (cevada, trigo e milho miúdo) e mais tarde o
arroz. Foi para a cultura do arroz que se desenvolveram os
primitivos planos de irrigação. Os instrumentos de trabalho
deste período também eram extremamente rudimentares:
enxadas e arados de madeira. Contudo, nesta época primi-
tiva, os Chineses haviam começado a cultivar a amoreira e a
fabricar a seda. A técnica do fabrico da seda foi mantida rigo-
rosamente secreta, e quem revelasse os seus segredos podia
ser castigado com a morte. Daí que os Chineses conse-
guissem manter esta técnica, este segredo durante quase
2500 anos antes de se espalhar para o Japão e para o Irão.
Outras actividades eram a criação de gado para alimentação
(mas não para produzir leite, porque os Chineses não bebiam
leite) e a pesca.

Desenvolviam-se, entretanto, ofícios vários: a carpintaria


(arcos, setas, carros de guerra, barcos), o trabalho em pedra
e a cerâmica. As escavações dão ainda testemunho de traba-
lhos primitivos em bronze. Nesta altura, já se praticava o co-
mércio, que se estava a desenvolver rapidamente, mas ainda
sob a forma de troca de produtos.

O poder real tinha ainda características feudais, dado que


o rei era assistido por um conselho do clã ou pelos anciãos da
tribo, e aliava as funções de chefe militar e de sumo-sacer-
dote.

Na sociedade Yin havia uma hierarquia de propriedade


claramente definida e também uma nobreza hereditária, em
cujas mãos estavam concentrados a terra e os escravos. A
escravatura era de tipo patriarcal. A grande massa da popu-
51
lação era composta de camponeses que viviam em comunas.
Foi neste período que apareceu a linguagem escrita. Os ca-
racteres vinham evoluindo de uma primitiva escrita figurativa
e a escrita era extremamente complicada: foram identifi-
cados cerca de três mil sinais desta antiga escrita.

No século XII a.C. começaram longas e amargas hostili-


dades com as tribos Tchou, que acabaram por conquistar a
capital Chang (1124) e fundar o seu próprio estado.

As Dinastias Chou e Ch'in

Sob a dinastia Chou (1122 - 771 a.C.) formou-se um es-


tado chinês centralizado. Os reis começaram a ser venerados
como deuses (tinham títulos como «filho dos céus» e «repre-
sentante dos céus») e foi instituído o cargo especial de
grande chanceler do rei. Ao seu serviço estavam três an-
ciãos, encarregados dos três ramos principais dos negócios
de Estado: finanças, assuntos militares e administração so-
cial, ocupando-se este último, sobretudo, da organização das
obras de irrigação. O número de secções administrativas foi
aumentando pouco a pouco e acabou por incluir comissões
para superintender na casa real e no tesouro, no tribunal e
no culto dos antepassados do rei.

A população foi, entretanto, submetida a uma exploração


cada vez mais dura. Os camponeses eram obrigados a pagar
um décimo das suas colheitas em impostos. Este intolerável
estado de coisas levou a uma revolta, que começou em 842
a.C., e à queda do rei. Pouco depois, o estado centralizado
Chou foi dividido em alguns principados independentes.

No século VII a.C. surgiram na China cinco Estados que se


guerreavam constantemente. Do século V ao século III a.C.,
a luta foi tão renhida que o período veio a ser chamado Chan

52
Kuo, «os estados em contenda». O quarto século assistiu à
ascensão do principado Ch’in. Durante mais de cem anos, os
príncipes Ch’in lutariam pela supremacia na China.

O apogeu da dinastia Ch’in foi o reinado de Chih Huang-ti,


«primeiro imperador da dinastia Ch’in» (246 - 210 a.C.).

Este imperador conseguiu submeter o resto dos princi-


pados chineses e também parte da Manchúria e da Mongólia.
Durante o seu reinado, o país foi dividido em 36 comendado-
rias e organizou-se um grande aparelho administrativo. A
rede de irrigação foi aumentada e foram construídas algumas
estradas que ligavam localidades importantes. Chih Huang-ti
reorganizou o exército de modo a tornar a cavalaria a prin-
cipal força de ataque. Também foram feitas reformas econó-
micas e culturais, incluindo um sistema uniformizado de
pesos e medidas e uma escrita hieroglífica estandardizada e
um pouco mais simplificada. Começou ainda a construção
da Grande Muralha da China, para defender o império
contra os ataques dos nómadas vizinhos.

Contudo, o carácter despótico do regime instaurado por


Chih Huang-ti havia de suscitar o descontentamento entre
uma grande parte da população. Este descontentamento foi
apoiado pelos adeptos da escola religiosa e filosófica de Con-
fúcio, que, baseando-se em vários livros e documentos histó-
ricos, chamou a atenção para os méritos de dinastias anteri-
ores em contraste com a da época. A repressão contra os se-
guidores de Confúcio foi extremamente cruel: 460 estudiosos
do confucionismo foram enterrados vivos e queimados todos
os escritos históricos. No entanto, pouco depois da morte de
Chih Huang-ti a dinastia Ch’in foi destronada.

A Dinastia Han

53
O domínio dos primeiros Hans (206 a.C. - 220 d.C.) foi
um pouco menos despótico: a pena de morte era aplicada
com menos frequência, os impostos foram reduzidos para a
trigésima parte do rendimento de cada homem e aqueles que
se tinham vendido a si próprios como escravos foram resti-
tuídos à liberdade. Os reis da dinastia Han renunciaram ao tí-
tulo Huang-ti e o confucionismo foi declarado religião oficial.

Durante o reinado de Wu Ti (140-87 a.C.) tiveram origem


muitas grandes propriedades e os donos de terras utilizavam
o trabalho de arrendatários e de escravos. Várias medidas
foram tomadas para encorajar o desenvolvimento do co-
mércio e dos ofícios, como se pode inferir do aumento da
produção e da exportação da seda, da porcelana, do marfim
e de artigos de chifre.

Wu Ti chefiou várias expedições militares contra o Tur-


questão Oriental e contra Ferghana. Construíram-se as pri-
meiras estradas comerciais para Roma, que passavam pela
Sógdia e pela Pártia. Da Ásia Central, os Chineses levaram
videiras, nogueiras e várias espécies vegetais que come-
çaram a cultivar no seu país.

Nos começos do século I d.C., a China foi flagelada pelo


conflito de classes que se ia agravando.

No ano 8 d.C., o regente Wang Mang depôs o imperador,


que era ainda criança, tomou as rédeas do poder e pro-
mulgou uma série de reformas interessantes. Por exemplo,
declarou que toda a terra era propriedade do estado, proibiu
que fosse objecto de compra e venda e estabeleceu um limite
fixo para as propriedades dos ricos e da aristocracia, confis-
cando todo o excesso de terras. Declarou ainda os escravos
propriedade do Estado. Além disto, instituiu um monopólio
estadual do ferro, do sal e do vinho e tentou estabelecer
preços fixos para os artigos mais necessários. Estas reformas
suscitaram violenta oposição da parte dos ricos e dos aristo-
54
cratas. Além do mais, estes planos eram utópicos, dado que
a propriedade privada da terra já tinha fortes raízes.

No ano 18 d.C. começou no Norte da China uma revolta


camponesa em larga escala, sob a chefia de Fang Chung, co-
nhecida pela «revolta dos sobrolhos vermelhos» (caracterís-
tica própria dos participantes). Os camponeses venceram as
tropas de Wang Mang em 25 d.C., mas pouco tempo depois o
movimento adquiriu carácter diferente: as alas de campo-
neses foram reforçadas por destacamentos chefiados por re-
presentantes da aristocracia, que os utilizaram para restaurar
a dinastia Han.

Os reis da segunda dinastia Han não se pouparam a es-


forços para consolidar o poder centralizado e para restaurar a
economia do país, que tinha sido seriamente minada no de-
curso da luta contra as reformas de Wang Mang. No entanto,
as contradições existentes entre os grandes proprietários e
lavradores, por um lado, e os arrendatários e escravos, por
outro, tornaram-se cada vez mais agudas. A velha sociedade
baseada no princípio da propriedade dos escravos sofreu uma
grande crise e como resultado as formas de exploração do
trabalho mudaram: começaram a ceder terras aos escravos e
autorização para as cultivarem, enquanto por outro lado se
processava uma gradual emancipação dos arrendatários li-
vres.

No ano 184 d.C. estalou uma revolta camponesa que as-


sumiu enormes proporções. «A revolta dos fitas amarelas»,
como foi chamada, chefiada por Juang Chao e seus irmãos,
tinha como palavra de ordem um apelo à igualdade uni-
versal. O exército rebelde tinha algumas centenas de mi-
lhares de homens, e travou-se uma dura luta durante vinte e
cinco anos. Embora a revolta acabasse por ser esmagada, o
império desintegrou-se e a China foi mais uma vez dividida
em vários reinos independentes.

55
A Religião e a Cultura da Antiga China

A primitiva religião praticada na China estava ligada ao


culto da natureza, em particular ao culto da terra e das mon-
tanhas, mas as concepções religiosas tornaram-se cada vez
mais complexas. O confucionismo só apareceu durante os sé-
culos VI e V a.C. O fundador desta religião, Confúcio, tinha
sido um alto oficial na corte de um príncipe. A lealdade à tra-
dição e aos costumes dos antigos e a desconfiança em re-
lação a qualquer inovação eram os traços mais característicos
dos seus ensinamentos religiosos e filosóficos. Confúcio idea-
lizou a monarquia patriarcal e o código moral da família pa-
triarcal. Atribuía uma enorme importância à educação moral
e pedia moderação e aceitação do destino. Entre as máximas
confucionistas mais típicas encontram-se as seguintes:
«Manter-se no caminho médio é manter a virtude», «os pais
sempre serão pais, os filhos sempre serão filhos e os wangs
sempre serão wangs», «a insubordinação do povo é a raiz de
toda a desordem».

Além do confucionismo, outro sistema religioso e filosófico


se estabeleceu na China, o taoísmo, e, no século I, o bu-
dismo começou a espalhar-se, vindo da Índia.

A ciência e a filosofia desenvolveram-se muito na antiga


China. Filósofo notável, foi Wang Chung (século I d.C.) que
defendia vários princípios materialistas (entre outras coisas
negava a imortalidade da alma). Fizeram-se importantes pro-
gressos na astronomia: elaboraram-se mapas do céu e fa-
ziam-se previsões dos eclipses e do aparecimento dos co-
metas. Os matemáticos chineses estabeleceram as proprie-
dades do triângulo rectângulo. Também chegaram até nós
tratados geográficos e agronómicos de interesse. Os antigos
chineses inventaram ainda a pólvora, o papel, o compasso e
o sismógrafo.

56
O mais famoso dos historiadores chineses clássicos foi
Sauma Ch’ien (que escreveu por volta do ano 100 a.C.),
autor dos monumentais Registros do Historiador; as obras
literárias dessa época que chegaram até nós incluem: Chih
Ching (Clássico das Canções) — colecção de hinos rituais e
canções populares, Chu Ching (Clássico de Documentos) —
discursos, instruções e exortações dos antigos imperadores e
Ch’un Ch’in (Primaveras e Outonos) — obra atribuída a Con-
fúcio, que é uma crónica do seu estado natal de Lu.

Finalmente, devem mencionar-se as notáveis realizações


da antiga China na arte e nos ofícios, no artesanato da por-
celana, do bronze, da madeira e do marfim.

Capítulo IV - A Grécia Pré-Clássica

Condições Naturais

A Grécia ocupava a parte sul da península dos Balcãs, re-


gião montanhosa com baixa pluviosidade e solo pouco fértil,
com uma linha de costa escarpada. Apenas em áreas iso-
ladas, como a Lacónia e a Messénia no Sul, a Beócia na
Grécia Central e a Tessália no Norte, se encontram planícies
férteis próprias para a agricultura.

Os rios e os seus afluentes, que desempenharam um


papel tão importante na história primitiva dos países do Ori-
ente, não têm grande significado na história da Grécia, visto
que não há um único rio grande em toda a península dos
Balcãs. Por outro lado, o mar teve uma enorme importância
no desenvolvimento da sociedade grega. Como consequência

57
de uma costa recortada, do grande número de baías e portos
abrigados, da proximidade da Ásia Menor e das ilhas do mar
Egeu, que constituíam por assim dizer pontos de comuni-
cação entre o continente grego e a costa da Ásia Menor, a
aventura marítima e o comércio começaram muito cedo na
Grécia. Os marinheiros gregos podiam ir até ao mar Negro ou
à Ásia Menor sem perderem a terra de vista.

A antiga Grécia era rica em minerais: ferro na Lacónia,


prata na Ática (Grécia Central), ouro na Trácia (na costa do
mar Egeu). A acrescentar a tudo isto, havia abundância de
barro, pedra para construção e mármore.

A pouca fertilidade do solo, e a consequente escassez de


cereais por um lado, e a abundância de minerais por outro,
estimularam o desenvolvimento do comércio e as várias téc-
nicas de trabalhar o metal e a pedra, e as técnicas de cons-
trução.

Importantes Descobertas Arqueológicas

O período da história primitiva da Grécia, até quase ao


final do último século apenas se podia estudar por mitos e
lendas e pelo famoso poema épico, a Ilíada, atribuído ao
poeta cego Homero, que descreve a guerra entre os Gregos e
a cidade de Tróia na Ásia Menor. Todo este material foi du-
rante muito tempo considerado pelos estudiosos como pura-
mente fictício.

Contudo, a base real das lendas foi inesperadamente con-


firmada por volta de 1870, quando Heinrich Schliemann, um
arqueólogo alemão autodidacta e entusiasta apaixonado, co-
meçou a escavar na área onde se dizia que ficava Tróia. Os
seus esforços foram coroados de um êxito espectacular: con-
seguiu desenterrar as muralhas de uma cidade, as ruínas de

58
vários edifícios, numerosos utensílios e artigos de joalharia.
Depois de ter descoberto Tróia, Schliemann continuou, com
igual sucesso, a organizar escavações no continente grego
nos sítios onde ficavam as antigas cidades de Micenas e
Tiryns.

No princípio deste século o arqueólogo inglês Arthur Evans


procedeu a trabalhos de escavações na ilha de Creta,
também frequentemente mencionada nos antigos mitos e
lendas gregas. Na cidade de Cnossos pôs a descoberto um
enorme palácio, inteiro, com salas de trono, corredores labi-
rínticos, um sistema de canalização de águas e salas de
banho. As paredes do átrio central estavam decoradas com
frescos complexos. Todas estas características testemu-
nhavam uma técnica de engenharia e uma cultura altamente
desenvolvidas, por parte dos Cretenses durante o terceiro e o
segundo milénios a.C.

Contudo, o achado arqueológico provavelmente mais im-


portante de Cnossos foi um arquivo que continha centenas
de placas de barro cobertas de uma misteriosa escrita desco-
nhecida. Durante muito tempo, todas as tentativas para deci-
frar esta escrita falharam. Os estudiosos chegaram à con-
clusão de que as tabuinhas de Cnossos tinham textos em
duas línguas diferentes. A estas escritas chamou-se linear
A e linear B e, em 1953, o jovem estudioso inglês, Michael
Ventris, anunciou um método para decifrar a escrita linear B,
que actualmente está reconhecido pela maioria dos estudi-
osos. Segundo Ventris, a língua do linear B é um primitivo di-
alecto grego. Graças a descobertas arqueológicas e à deci-
fração desta escrita, é hoje possível ter um quadro geral da
história da Grécia Antiga ou Aqueia.

A Grécia Aqueia (Micênica)

59
Cerca do século VII a.C. os antigos Estados gregos ou
aqueus do Peloponeso tinham alcançado um alto nível de de-
senvolvimento económico e cultural. As maiores destas ci-
dades-estado eram Micenas e Tiryns na Argólida, e Pilos na
Messénia.

Em Micenas e Tiryns ainda hoje existem ruínas de palácios


fortificados que naquela época eram inexpugnáveis. Os
restos de instrumentos e utensílios feitos de barro e de
metal, e artigos de joalharia encontrados durante as escava-
ções mostram um artesanato altamente desenvolvido. Docu-
mentos escritos em linear B encontrados durante escavações
feitas em Pilos, testemunham a prática da escravatura na
Grécia dos aqueus.

Os Estados aqueus do continente grego atingiram o seu


maior desenvolvimento entre os séculos XV e XIII a.C. Os
aqueus dominavam não só toda a parte sul da península dos
Balcãs, como ainda algumas ilhas do mar Egeu, incluindo
Creta. Mantinham comércio activo com Chipre, com o Egipto
e com a Fenícia. No final do século XIII, e no início do século
XII, alguns Estados aqueus sob a chefia do rei de Micenas
(tradicionalmente conhecido por Agamémnon) empreen-
deram o que para aqueles tempos representava uma formi-
dável aventura: uma campanha contra a cidade-estado de
Tróia.

Contudo, o apogeu dos Estados aqueus duraria relativa-


mente pouco. Nos fins do século XIII a.C., tribos dórias ti-
nham começado a invadir a Grécia pelo norte. Esta invasão
parece ter sido não propriamente uma conquista mas um
longo processo de infiltração que consistiu em vagas suces-
sivas de ataques cada vez mais ferozes. Os centros da cul-
tura aqueia foram destruídos e os habitantes ou foram
mortos ou levados para o cativeiro, à medida que os inva-
sores conquistaram a Tessália, depois o Peloponeso e, final-

60
mente, as ilhas que dele dependiam. Assim pereceu a alta-
mente desenvolvida civilização dos aqueus. As cidades de-
vastadas foram sucessivamente soterradas e as realizações
científicas e artísticas dos seus habitantes perderam-se no
esquecimento.

A Grécia Homérica (A era obscura)

O período da história grega, que se estende do século XII


ao século VII, é muitas vezes chamado de período homérico,
porque os acontecimentos e o padrão de vida da sociedade
grega descritos nas famosas obras épicas Ilíada e Odis-
seia, que os gregos atribuíram à pena de Homero, per-
tencem todas a este período. A sociedade homérica desen-
volveu-se depois da conquista dória e da queda da civilização
aqueia e representa um retrocesso, sob muitos aspectos, em
relação à época anterior. Das obras de Homero concluímos
que na Grécia desse tempo se praticava uma economia na-
tural. As pessoas dedicavam-se, sobretudo, ao cultivo da
terra e à criação de gado. As antigas relações comerciais ti-
nham desaparecido e o comércio tinha declinado e baseava-
se acima de tudo na troca.

As relações sociais eram patriarcais e tinham muitas ca-


racterísticas próprias da sociedade primitiva, em sistema de
clã. A nobreza hereditária desempenhava um papel muito im-
portante nesta sociedade, sendo o sector da população que
tinha as melhores terras, e os seus membros chamam-se os
«ricamente dotados» nas obras de Homero. Lado a lado com
eles, viviam os camponeses que ou tinham pequenas par-
celas de terras pobres ou não tinham terra alguma. Os cam-
poneses que não tinham terras eram praticamente trabalha-
dores agrícolas. A escravatura também era do tipo patriarcal.
Os escravos eram poucos e utilizados principalmente nos tra-
balhos domésticos.
61
Cada tribo tinha um chefe ou basileus, que chefiava a
sua tribo na guerra e também desempenhava as funções de
juiz supremo e de sumo- sacerdote. O seu poder era, até
certo ponto, limitado por um conselho de anciãos, que incluía
os chefes de todas as famílias nobres. O chefe tribal era obri-
gado a deliberar com eles quando se discutiam assuntos de
grande importância. Nos poemas de Homero faz-se refe-
rência a uma assembleia popular, mas, obviamente, ela
não desempenhou um papel importante naquele período.

A Grécia Arcaica

O período que vai desde o século VIII ao século VI a.C. é


marcado por notáveis progressos económicos e sociais. Foi
um tempo de grandes descobertas e inovações técnicas. Fez-
se largo uso do ferro e desenvolveu-se rapidamente a arte de
trabalhar este metal: pela primeira vez, fizeram-se soldagens
na ilha de Chios, e fundições na ilha de Samos. Também se
desenvolveram a tecelagem (sobretudo na cidade de Mé-
gara), a cerâmica e o trabalho em pedra (principalmente em
Atenas). Surgiram novas variedades de comércio e profis-
sões. Restabeleceram-se relações comerciais, especialmente
com os Fenícios, dos quais os gregos adoptaram várias prá-
ticas religiosas e mais tarde um alfabeto (o seu primitivo al-
fabeto havia sido esquecido depois da invasão dória). Como
resultado do florescimento do comércio desenvolveu-se um
sistema monetário e os Gregos começaram desde logo a cu-
nhar moedas de metal.

O desenvolvimento dos ofícios e a sua separação da agri-


cultura, aliado ao crescimento do comércio, fez surgir vários
centros económicos (e políticos) e verdadeiras cidades. Em-
bora as cidades já fossem mencionadas nos poemas de Ho-
mero, na verdade estas pouco mais seriam do que agrupa-
mentos fortificados. Mas, pouco a pouco, devido a vários fac-

62
tores, estes agrupamentos tribais começaram a amalgamar-
se e tornaram-se grandes centros, por exemplo Atenas, na
Ática (Grécia Central), Esparta (na Lacónia) e Corinto (no
istmo que liga o Peloponeso ao resto da península). Caracte-
rístico das cidades gregas era o facto de cada uma delas se
ter tornado um centro não só económico como político, cons-
tituindo o pólo da vida social de toda uma região. Assim,
cada cidade grega parecia um pequeno estado independente.
Dava-se-lhe o nome de polis, ou cidade-estado. Nos tempos
antigos, a Grécia nunca constituiu um estado unitário mas
um grupo de cidades-estado, que tinham não só uma exis-
tência completamente separada mas até se guerreavam
entre si.

Paralelamente ao processo que decorria no continente,


praticava-se intensa colonização, e este período da história
grega (séculos VIII—VI a.C.) é por vezes conhecido como a
era da colonização grega.

A palavra «colónia» naquele período significava um agru-


pamento de gregos num país estrangeiro. Cada colónia era
fundada por uma cidade individual e ficava completamente
independente da polis que originariamente a estabelecera
(isto é, da cidade-mãe ou «metropolis»). Cada colónia tinha
a sua própria constituição, as suas leis de cidadania, os seus
tribunais e a sua moeda. O estabelecimento de colónias
deveu-se a vários factores: umas vezes era resultado do de-
senvolvimento do comércio, e então serviam como postos de
comércio; outras, porque determinada polis estava superpo-
voada e parte da população ia em busca de melhores terras;
outras ainda, como consequência de conflitos políticos.
Assim, onde se estabelecia uma democracia, os aristocratas
(representantes da nobreza patriarcal) podiam ser ba-
nidos e, estabelecendo-se numa terra estrangeira, fundavam
a sua própria polis. Ou então sectores democráticos da po-
pulação podiam ser banidos pelos líderes aristocráticos.

63
Do século VIII ao século VI, os três principais centros da
colonização grega foram:
1. a costa da Ásia Menor e as ilhas do mar Egeu (Éfeso, Mileto,
Halicarnasso, as ilhas de Samos e Rodes, etc.);

2. o Mediterrâneo Ocidental (Sul de Itália e Sicília; Massília na


Gália, Sagunto na Hispânia); e

3. os estreitos orientais e a costa do mar Negro (Bizâncio, Si-


nope, Olbia, Quersoneso, Panticapeum, etc.).

Muitas destas colónias evoluíram para grandes estados in-


dependentes, cidades-estado florescentes que, por sua vez,
fundaram colónias próprias. Deste modo, entre os séculos
VIII e VI, as polis gregas espalharam-se por toda a região
egeia e ao longo das costas do Mediterrâneo e do mar Negro.

A Antiga Esparta

Esparta ficava situada no fértil vale do rio Eurotas, entre


cadeias de montanhas que se estendem na direcção Norte-
Sul através da Lacónia. A antiga população de Esparta era
muito provavelmente constituída por povos aqueus que ti-
nham sido subjugados pelas tribos dórias invasoras. Sa-
bemos pouco da história primitiva de Esparta. Muitos dos
seus interessantes costumes e leis, desta época e mesmo de
épocas posteriores que chegaram até nós, são atribuídos ao
lendário legislador Licurgo, como, por exemplo, a divisão do
território da Lacónia em 39 000 propriedades, a supressão
das moedas de ouro e prata (em Esparta só corria moeda de
ferro).

Toda a população da Lacónia estava dividida em três


grupos. O primeiro e mais privilegiado, eram os Espar-
tanos, descendentes dos conquistadores dórios, que se cha-
mavam, a si mesmos, «a comuna dos pares». Os Espartanos

64
possuíam toda a terra, que estava dividida em propriedades
aproximadamente iguais, mas não a trabalhavam. Consti-
tuíam 10% da população e viviam na cidade de Esparta, go-
zando de todos os direitos políticos e civis.

O segundo grupo era o dos periecos (viviam em volta de


Esparta) que descendiam de povos súbditos ou imigrantes.
Este grupo gozava de liberdade pessoal mas não tinha ne-
nhuns direitos políticos. A maior parte dos periecos traba-
lhavam como artesãos.

Finalmente, o terceiro e maior grupo eram os ilotas —


descendentes de Aqueus submetidos ou reduzidos à escrava-
tura. Os ilotas estavam ligados às propriedades em que tra-
balhavam, e eram obrigados ao mesmo tempo a pagar
um foro aos senhores de terra, absentistas. Os ilotas não ti-
nham quaisquer direitos e estavam privados na prática da
sua liberdade pessoal. Apesar disso, os Espartanos viviam no
contínuo terror dos ilotas e da eventualidade de uma revolta,
e, de vez em quando, organizavam expedições punitivas
contra eles, que levavam a grandes massacres.

Esparta tinha a sua própria constituição. A «comuna dos


pares» era presidida por dois reis e uma gerúsia ou con-
selho dos anciãos, composta por representantes das famílias
nobres (todos com mais de sessenta anos). A gerúsia supe-
rintendia nos assuntos do Estado e desempenhava as fun-
ções de principal órgão da justiça. Havia também
uma apela, ou assembleia de cidadãos, que só muito rara-
mente era convocada, para a eleição de funcionários impor-
tantes ou para deliberar sobre questões de guerra e paz. Ins-
tituição típica era a dos éforos, colégio colectivo de cinco
membros, que era, na prática, o órgão supremo do poder, e
perante a qual até os reis eram responsáveis.

A vida quotidiana e os costumes dos espartanos dirigiam-


se apenas a um objectivo — o treino militar. Desde a idade
65
dos sete anos, as crianças eram mandadas para escolas ofi-
ciais onde lhes estimulavam a coragem, a iniciativa e a resis-
tência com particular incidência em exercícios físicos. A partir
dos vinte anos, todo o jovem espartano estava pronto para o
serviço militar e, a partir de então, a sua vida era uma vida
de subordinação — refeições em comum, extremamente fru-
gais, exercícios físicos e militares regulares, conversações
com os anciãos em reuniões públicas, nas quais se exigia aos
jovens que falassem concisamente e com palavras sensata-
mente escolhidas — daí a palavra «lacónico».

Estes costumes e leis deram aos Espartanos a possibili-


dade de organizarem um exército importante, que durante
muito tempo foi considerado invencível. Esparta conquistou
no Sul da Grécia a Messénia, parte da Argólida e concluiu
uma aliança militar com algumas outras «polis». A esta ali-
ança deu-se o nome de Liga do Peloponeso, de que Es-
parta foi membro de honra e dirigente.

O Estado de Atenas

A cidade de Atenas formou-se na Ática (Grécia Central)


numa região montanhosa e pouco fértil. O solo da região re-
queria um cuidado e difícil amanho e as principais colheitas
eram os frutos e os vegetais, sendo a oliveira e a vinha os
mais importantes. A Ática não podia cultivar cereais sufici-
entes e tinha de os importar. A recortada costa da Ática faci-
litou o rápido desenvolvimento das actividades marítimas e
do comércio.

Nos tempos antigos, a Ática foi governada por um rei,


mas o nosso conhecimento deste período da história ateni-
ense é fragmentário e baseado, sobretudo, em lendas. A
Atenas dos tempos clássicos era já uma república, de início
de tipo nitidamente aristocrático. O conselho aristocrático

66
ou Areópago tomou o lugar do conselho dos anciãos e era o
principal órgão estadual. Aos que ocupavam os principais lu-
gares públicos chamava-se arcontes, nove dos quais eram
nomeados anualmente pelo Areópago, de entre os represen-
tantes das principais famílias aristocráticas ricas. Neste pe-
ríodo, a assembleia dos cidadãos não desempenhava um
papel significativo.

A população livre de Atenas dividia-se em três grupos. O


estrato social privilegiado era a aristocracia hereditária, a
classe dos eupátridas, que gozavam de plenos direitos polí-
ticos e civis. A grande massa da população era cha-
mada demos ou povo, termo que incluía os camponeses, os
artesãos, os comerciantes, os marinheiros, etc., e englobava
muitas actividades e vários níveis sociais, desde os campo-
neses pobres aos comerciantes e manufactureiros prósperos.
O demos gozava de direitos civis, mas quase não tinha di-
reitos políticos. O terceiro e último grupo eram os cha-
mados metecos ou estrangeiros, estabelecidos em Atenas,
que, na sua maior parte, se dedicavam ao comércio e à ma-
nufactura. Os metecos não tinham quaisquer direitos civis ou
políticos. Os escravos, é claro, constituíam uma categoria
especial, que vivia sem qualquer espécie de direitos e era
considerada mais como animais do que como pessoas.

As contradições políticas da estrutura do Estado ateniense


fizeram-se sentir desde muito cedo e deram origem a duras
lutas políticas, desencadeadas pelos camponeses pobres pelo
direito à liberdade e a possuir terras, e, sobretudo, contra a
prática da escravatura por dívidas. Também houve conflitos
entre os demos e os eupátridas, pois as camadas mais ricas
dos demos procuravam conquistar os mesmos direitos e pri-
vilégios políticos que a aristocracia.

As Reforma de Sólon e Clístenes

67
A luta política atingiu o auge no final do século VII e iní-
cios do século VI a.C., agravada que foi, por epidemias ou
pestes, más colheitas e reveses de guerra para a conquista
da ilha de Salamina. Em 594, Sólon foi eleito arconte e co-
meçou por estabelecer uma série de ousadas reformas revo-
lucionárias. Em primeiro lugar, aboliu todas as dívidas exis-
tentes, libertou todos os escravos por dívidas e proibiu esta
prática de futuro. Depois, promulgou uma nova constituição,
que dividia todos os cidadãos atenienses em quatro classes
segundo a extensão das suas terras ou o rendimento que
delas tiravam. A partir desse momento, a propriedade e a ri-
queza, e não o sangue nobre, passavam a ser a condição
para se ser membro da classe privilegiada. Os privilégios po-
líticos passaram, assim, a estar subordinados à propriedade.

Sob o governo de Sólon foi instituído um novo órgão do


poder, o Areópago. Ao mesmo tempo, a assembleia dos ci-
dadãos passou a assumir funções mais decisivas nos as-
suntos de estado, pois foi-lhe dada a última palavra nas deci-
sões tomadas em todos os problemas importantes. As re-
formas efectuadas por Sólon serviram para consolidar a po-
sição política da camada superior do demos e levaram,
assim, a uma democratização geral do Estado ateniense.

Estas reformas democráticas foram ainda mais aperfeiço-


adas por Clístenes (510—509 a.C.), que aboliu muitos vestí-
gios da antiga sociedade de clãs, estabelecendo uma nova di-
visão territorial da Ática. A distribuição dos lugares públicos e
da obrigação do serviço militar foram reorganizadas de
acordo com as novas divisões territoriais, o que eliminou
qualquer possibilidade de predominância da nobreza heredi-
tária. Clístenes substituiu ainda o Conselho dos Quatro-
centos pelo Conselho dos Quinhentos e instituiu um co-
légio militar electivo que era formado por dez estrategas.

68
As reformas de Clístenes infligiram um golpe fatal na su-
premacia política da aristocracia hereditária e lançaram as
bases de uma profunda democratização do Estado ateniense.

Capítulo V - A Grécia nos Séculos V e IV A.C.

A Crise da Sociedade Grega

As guerras com a Pérsia marcaram um ponto de viragem


importante na história da Grécia clássica. Estas guerras re-
sultaram do facto de a Pérsia, que, no tempo de Ciro tinha
dominado as ricas cidades gregas da costa da Ásia Menor,
pretender subjugar as cidades-estado do próprio continente.

Em 500 a.C., uma das maiores cidades gregas da Ásia


Menor, Mileto, revoltou-se contra o domínio persa e foi logo
seguida pelas restantes cidades gregas da Ásia Menor. Na
sua busca de auxílio exterior para a luta contra o vasto im-
pério persa, as cidades revoltosas pediram auxílio às cidades
do continente. Os únicos Estados gregos a responder a este
apelo foram Atenas, que mandou vinte navios, e Erétria, uma
pequena cidade da ilha Eubeia, que só pôde mandar cinco
navios. Esta ajuda era muito reduzida e foi insuficiente, mas,
depois de esmagar a revolta, o rei persa Dario usou-a como
pretexto para declarar guerra às cidades-estado da Grécia.

A Batalha de Maratona

Dario mandou embaixadores às cidades-estado gregas, os


quais em nome do «Grande rei, rei dos reis» exigiam «terra e

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água», símbolos de submissão completa. A maioria das ci-
dades-estado gregas, sentindo-se incapazes de resistir a um
ataque persa, cedeu a esta exigência. Só dois deles deram
aos embaixadores uma recepção diferente: em Atenas foram
mortos; em Esparta lançaram-nos num poço fundo, onde
lhes disseram que encontrariam lá terra e água suficientes.

Em 492, os Persas empreenderam a sua primeira expe-


dição contra a Grécia, e não tiveram êxito. A esquadra persa
foi apanhada por uma violenta tempestade ao largo do cabo
de Athos, na península Calcídica, e as suas tropas foram obri-
gadas a regressar. Em 490, uma segunda força expedicio-
nária atravessou o Egeu para as costas da Ática. As tropas
desembarcaram na ilha Eubeia, onde tomaram de ataque a
cidade de Erétria e devastaram, levando os habitantes como
escravos.

Mas a batalha decisiva entre Gregos e Persas teve lugar


na costa oriental da Ática, perto da cidade de Maratona. Os
Atenienses dispunham apenas de dez mil soldados e mais mil
que foram enviados em sua ajuda pela cidade de Plateias. O
exército persa, algumas vezes mais numeroso do que o dos
Gregos, sofreu apesar disso uma esmagadora derrota. As
tropas gregas, sob o comando do velho e experimentado mi-
litar Milcíades, que conhecia a táctica dos Persas, lutaram
com rara coragem e tenacidade, inspiradas pelos ideais do
patriotismo e da liberdade e da dedicação às suas famílias:
para cada um deles era evidente que a derrota significava a
escravatura.

Mandaram então um mensageiro a Atenas com a alegre


notícia. Este, com a respiração quase cortada, correu à praça
onde os velhos, as mulheres e as crianças se tinham reunido
impacientes por saberem notícias do resultado da batalha;
reunindo as suas últimas forças, gritou a palavra «vitória» e
caiu. A corrida da Maratona, nos actuais Jogos Olímpicos, é

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assim chamada em memória desta proeza, e a distância per-
corrida é mais ou menos igual à distância entre Maratona e
Atenas.

A Expedição de Xerxes

Depois da batalha de Maratona, houve um espaço de dez


anos antes de recomeçarem as hostilidades entre os Persas e
os Gregos, embora os povos de ambos os países tivessem
consciência de que era inevitável outra guerra. À morte de
Dario seguiu-se a habitual agitação que havia na corte persa
nessas ocasiões. Finalmente, o seu filho Xerxes sucedeu-lhe
no trono. Xerxes iniciou desde logo preparativos para uma
nova expedição contra a Grécia, que duraram quatro anos e
incluíram a construção duma ponte sobre o Helesponto
(agora conhecido por Dardanelos) e a construção dum canal
que cortava uma estreita faixa da península Calcídica, perto
do traiçoeiro cabo de Athos.

Os Gregos também se prepararam. Foi concluída uma ali-


ança defensiva entre algumas cidades-estado gregas, che-
fiada por Esparta. Como Esparta era de difícil acesso por mar
e tinha fama de ser o estado que tinha os melhores exércitos
de toda a Grécia, preferia que a batalha se travasse em terra
firme do que travá-la no mar.

A situação em Atenas nesta altura era mais complicada.


Os ricos proprietários, que receavam, acima de tudo, que as
suas terras fossem devastadas, apoiaram o plano de defesa
de Esparta. Os seus interesses foram representados pelo fa-
moso homem de Estado, Aristides.

A ele se opunha Temístocles que conseguiu alcançar uma


posição dominante em Atenas devido apenas à sua energia,
ambição e notável talento. Quando tinha pouco mais de

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trinta anos, foi eleito arconte e três anos mais tarde distin-
guiu-se na batalha de Maratona. Mas não estava contente
com isto, pois aspirava ainda a uma fama maior. Confessou
aos seus amigos que «os louros de Milcíades não lhe davam
sossego».

Temístocles considerava que os Gregos não tinham possi-


bilidades de vencer os Persas em terra. Insistiu em que o fu-
turo de Atenas estava em tornar-se uma potência marítima e
fez o que pôde para construir uma poderosa esquadra. Con-
seguiu arrecadar o rendimento das minas de prata de Lau-
rion, que eram consideradas propriedade do Estado, para a
construção de navios de guerra. O plano para uma guerra
marítima com a Pérsia coincidiu com os interesses dos co-
merciantes e manufactureiros atenienses que não tinham
terras.

A terceira expedição contra a Grécia começou no ano 480


a.C. Foi chefiada por Xerxes, que utilizando os povos subme-
tidos pela Pérsia conseguiu reunir forças muito numerosas.
Os escritores dos tempos clássicos registaram que estas
forças totalizavam quase cinco milhões de homens. Mesmo
que este número seja um considerável exagero, é certo que
a força persa era muitas vezes maior do que o exército
grego.

As Termópilas e Salamina

Uma parte do exército persa avançou por terra ao longo


da costa da Trácia, enquanto a outra foi transportada em na-
vios. A primeira batalha naval deu-se ao largo do promon-
tório Artemisum na costa norte da ilha Eubeia e a primeira
batalha terrestre nas Termópilas, um estreito desfiladeiro
que ligava a Tessália à Grécia Central, tão estreito que só lá
podia passar um veículo de cada vez. Do lado do Oeste pen-

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diam sobre ele rochedos escarpados e intransponíveis, do
Oriente estendiam-se até ao mar pântanos inacessíveis.

Foi neste local que uma força de gregos tomou posição


sob o comando do rei Leónidas, de Esparta.

Um enorme exército persa aproximou-se das Termópilas,


e Xerxes pensava que não encontraria séria resistência neste
ponto. Mandou uma mensagem a Leónidas exigindo-lhe que
depusesse as armas, mas Leónidas respondeu, em estilo ver-
dadeiramente lacónico: «Vem buscá-las». Os primeiros ata-
ques persas não tiveram êxito. Utilizando habilmente as suas
posições, os destacamentos gregos defenderam heroica-
mente o desfiladeiro e aguentaram durante dias o ataque fu-
rioso das hordas inimigas. Contudo, um traidor grego con-
duziu um grande destacamento de persas por caminhos
montanhosos até à retaguarda do exército grego. Quando
Leónidas viu que estavam a ser cercados, mandou grande
parte das suas forças para fora do campo, ficando sozinho
com os seus companheiros espartanos para enfrentar o ini-
migo. Caíram até ao último homem nesta luta desigual. Mais
tarde foi erigida à entrada do desfiladeiro das Termópilas
uma estátua de mármore que representava um leão, em
honra de Leónidas.

Enquanto se dava a batalha das Termópilas travava-se


também uma batalha naval ao largo do promontório Arte-
misum. Os Gregos saíram vitoriosos mas, depois de o exér-
cito persa ter conseguido cortar o desfiladeiro das Termó-
pilas, a esquadra foi obrigada a retirar para a costa da Ática.

Os comandantes espartanos eram de opinião que a es-


quadra devia retirar-se para mais longe ainda, para o istmo
de Corinto, onde queriam estabelecer — tanto no mar como
em terra — a última linha de defesa. Os Atenienses, que ti-
nham sido forçados a abandonar a sua cidade que ia ser sa-
queada e destruída pelo inimigo, exigiram que a batalha com
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a esquadra persa se travasse nos estreitos entre as costas da
Ática e a ilha de Salamina. Este plano de acção foi defendido
com especial veemência por Temístocles, a quem os aconte-
cimentos subsequentes deram razão.

Ao raiar do dia, Xerxes deu ordem para que o seu trono


de ouro fosse colocado numa das colinas de onde se avistava
a costa da Ática para ter uma boa perspectiva da batalha.
Mas o resultado da batalha de Salamina foi muito diferente
do que ele esperava. Os pesados navios persas tinham muita
dificuldade em manobrar nos estreitos, enquanto os navios
gregos, mais pequenos e mais leves, os abalroavam facil-
mente. Os navios persas eram terrivelmente sacudidos e
muitos dos homens de Xerxes afogaram-se. Foi um instante
enquanto se espalhou o pânico entre as tropas persas e os
navios que ainda podiam aguentar-se no mar recuaram pre-
cipitadamente. A esquadra grega alcançou uma vitória deci-
siva. Como os acontecimentos posteriores demonstraram, a
batalha de Salamina foi um ponto de viragem no decurso da
guerra.

Depois da batalha de Salamina, Xerxes foi obrigado a


deixar a Grécia, retirando uma grande parte das suas tropas.
Contudo, deixou atrás de si 60 ou 70 mil soldados sob o co-
mando do experimentado general Mardónio, e no ano se-
guinte (478 a.C.) travaram-se mais duas batalhas impor-
tantes. Segundo a lenda, ocorreram no mesmo dia, uma, em
terra, perto da cidade de Plateias, onde foi infligida às tropas
de Mardónio uma esmagadora derrota e o exército persa foi
finalmente expulso da Grécia; a outra, no mar, ao largo da
costa da Ásia Menor perto do cabo Micala. Pouco depois desta
vitória as cidades gregas da Ásia Menor foram libertadas do
jugo persa.

Todavia, as guerras pérsicas haviam de durar ainda al-


guns anos. A partir de agora, a maior parte das batalhas tra-

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vava-se no mar. A seguir aos ataques gregos, os Persas reti-
raram-se gradualmente das ilhas do Egeu e da costa dá Ásia
Menor.

Assim, lutando desesperadamente para defender a sua li-


berdade e a sua pátria, um povo pequeno e corajoso al-
cançou uma brilhante vitória sobre o poderoso e anterior-
mente invencível império persa.

A Liga de Delos e a Ascensão da Prosperidade Econó-


mica Ateniense

A vitória na guerra contra a Pérsia foi de enorme impor-


tância para toda a Grécia. Mas como nos últimos anos de luta
as batalhas mais decisivas se tinham travado no mar, era na-
tural que Atenas, a cidade com a maior esquadra, ascen-
desse a uma posição predominante entre os estados gregos.

No decurso das hostilidades tinha-se estabelecido uma ali-


ança naval ateniense, em que entraram as cidades-estado
gregas das ilhas do mar Egeu e da costa da Ásia Menor à me-
dida que foram sendo libertadas do domínio persa. A aliança
estendeu-se a outros Estados e chegou a contar duzentos
nomos.

De início, todos os membros da aliança gozavam de di-


reitos absolutamente iguais. Cada nomo ou cidade tinha um
voto no Conselho Geral que reunia na ilha de Delos, onde se
guardava o tesouro comum. O rendimento provinha de con-
tribuições dos membros da Liga, que eram proporcionais à
extensão de cada um. Como o comando militar estava nas
mãos dos atenienses, o voto político decisivo nas questões da
Liga também estava destinado a pertencer-lhe, mais tarde ou
mais cedo. A aliança naval foi pouco a pouco substituída pelo
império marítimo ateniense, e os estados associados tor-

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naram-se súbditos, quando lhes foi exigido um tributo. O te-
souro foi então transferido para Atenas, foram enviados re-
presentantes atenienses para todas as cidades-membros e
para todos os nomos, e as coisas foram tão longe que quais-
quer tentativas para as outras cidades se retirarem da Liga
eram consideradas revoltas e cruelmente esmagadas pelas
forças militares atenienses.

O estabelecimento da Liga de Delos e a vitória sobre os


persas fez aumentar a expansão da escravatura e do co-
mércio em Atenas. O número total de escravos tornou-se
muitas vezes maior do que no período que precedeu as
guerras pérsicas. E não há nada de surpreendente nisso,
porque a maior parte dos prisioneiros de guerra tinham sido
feitos escravos, cujo comércio se desenvolveu rapidamente.
Por outro lado, os piratas capturavam muitas pessoas que
vendiam nos mercados de escravos que existiam em quase
todas as cidades um pouco maiores no estado ateniense. Por
vezes, os escravos eram vendidos em leilão. Eram tratados
como animais domésticos e tinham que se despir, mostrar os
dentes e correr quando eram inspeccionados por prováveis
compradores. O preço dos escravos variava muito: os que
não sabiam fazer nada eram vendidos a baixo preço, en-
quanto os artífices hábeis (como por exemplo os armeiros) e
os escravos instruídos (tais como «pedagogos» e os médicos)
atingiam preços muito altos.

O trabalho-escravo era utilizado sobretudo nas oficinas.


Estas eram em geral bastante pequenas, tendo cada uma dez
ou doze escravos. Grande número de escravos era também
utilizado no trabalho mais duro — nas minas de ouro de Lau-
rion.

A vida dos escravos em Atenas, tal como em todas as ou-


tras sociedades que praticavam a escravatura, era extrema-
mente penosa. Os escravos estavam privados de todos os di-

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reitos e eram tratados como bens móveis que podiam ser
comprados ou vendidos e que os proprietários podiam tratar
como quisessem impunemente. Daí que todos os atenienses
livres, mesmo o mais pobre dos camponeses, olhasse os es-
cravos com desprezo.

Com a formação da Liga de Delos e a vitória sobre os


Persas, os navios mercantes atenienses podiam agora na-
vegar com segurança não só para qualquer parte do mar
Egeu e da costa da Ásia Menor mas também através do He-
lesponto para os países em volta do mar Negro. As relações
comerciais de Atenas começaram a expandir-se cada vez
mais e um dos homens de Estado ateniense do tempo pôde
escrever:

«Todos os produtos do mundo chegam (a


Atenas — Nota do Tradutor) e desfrutamos
das coisas boas das outras terras tão facil-
mente como das nossas.»

Da Trácia e do mar Negro vinham cereais, que nunca se


produziam em quantidades suficientes no pouco fértil solo da
Ática. Importados, ainda, eram a madeira, a resina, o mel, o
couro e o peixe salgado, da costa do mar Negro; o marfim da
África, especiarias do Oriente, o ferro e o cobre da Itália. Fi-
nalmente, havia os carregamentos de escravos importados
de muitas terras. As principais exportações de Atenas eram o
azeite de oliveira, o vinho, artigos de metal e cerâmica.

O porto ateniense do Pireu, situado a poucos quilómetros


de Atenas, tornou-se uma importante cidade independente
com ruas apinhadas de gente que falava muitas línguas, com
os cais sempre cheios de navios de terras distantes. A activi-
dade anual do porto movimentava milhões de pessoas e fe-
chavam-se lá grandes negócios. Apareceram uma grande va-
riedade de guildas e uniões de comerciantes. E como circu-
lavam no Pireu moedas de muitos países diferentes, havia
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pessoas que se dedicavam ao câmbio de dinheiro. Pouco a
pouco, estas transacções simples foram substituídas por ope-
rações financeiras mais complexas. Aos comerciantes indivi-
duais ou em grupos eram emprestadas largas somas de di-
nheiro a juros fixos, ou então as pessoas que trocavam di-
nheiro guardavam-no durante um certo período e, entre-
tanto, faziam negócios com ele. Algumas das pessoas que se
dedicavam a este género de transacções, conseguiam fazer
grandes fortunas. Assim se deu, resumidamente, o desenvol-
vimento do comércio externo ateniense e das transacções fi-
nanceiras e de crédito a ele ligadas.

O Zénite da Democracia Ateniense

O desenvolvimento da esquadra ateniense durante as


guerras pérsicas estava intimamente ligado ao desenvolvi-
mento da democracia. Em Atenas, todos os cidadãos alis-
tados nas fileiras da infantaria pesada (que era a parte forte
do exército) eram obrigados a pagar a sua própria armadura.
Como a armadura era muito cara, só os que tinham um ren-
dimento razoável a podiam adquirir. Na armada, por outro
lado, os marinheiros e homens do leme não precisavam da
armadura e eram, portanto, recrutados entre os pobres, a
«multidão flutuante» como lhes chamavam com desprezo os
atenienses nobres e ricos. À medida que a frota cresceu e as-
sumiu uma função cada vez mais importante na guerra, a in-
fluência do «demos» fez-se sentir na vida política da repú-
blica. Daí que as reformas democráticas anteriormente feitas
por Sólon e Clístenes se tornassem obsoletas.

A figura política mais notável deste período foi Péricles,


descendente de uma antiga família nobre, cujo pai, Xantipo,
tinha adquirido fama como homem de acção contra os Persas
na famosa batalha de cabo Micala. Péricles chefiou a demo-
cracia ateniense e durante quinze anos foi universalmente re-

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conhecido como líder de todo o Estado. Era um político hábil
e um orador brilhante. O povo chamava-lhe «o Olímpico»,
pois o trovejar e o relampejar da sua oratória punham-no a
par de Zeus. Contudo, só em raras ocasiões se dirigia ao
povo, considerando que cada discurso devia ser um aconteci-
mento que deixasse uma impressão duradoura nos espíritos
de quem o ouvisse.

No tempo de Péricles, o Estado ateniense alcançou o zé-


nite do seu poderio e prosperidade. A cidade foi ornamentada
com magníficas obras de arquitectura, escultura e pintura.
Na Acrópole de Atenas construíram-se edifícios que, mesmo
arruinados, ainda hoje encantam» o visitante com a sua ex-
traordinária perfeição formal: o famoso Parténon (o templo
de Atena Parthenos), o Propileu (a monumental entrada para
a Acrópole) e o Erecteu (templo construído em honra do len-
dário rei ateniense Erechtheus).

Estudiosos e filósofos célebres abriram escolas em Atenas


e o teatro ateniense foi considerado o melhor de toda a
Grécia. Péricles rodeou-se das figuras mais notáveis do
mundo da ciência e da arte, incluindo o filósofo Anaxágoras,
o escultor Fídias e o dramaturgo Eurípides. Sonhava fazer de
Atenas a «escola da Hélade».

Péricles iniciava, entretanto, uma série de importantes re-


formas democráticas. O direito de eleger foi alargado e foi
instituída a eleição por sorteio. As funções públicas passaram
a ser pagas, o que permitiu que os pobres as desempe-
nhassem também. Mais tarde também passaria a ser remu-
nerada a participação nas sessões da Assembleia Popular. Foi
estabelecido um «fundo do teatro», que tornou os bilhetes
acessíveis aos sectores mais pobres da população. Em
Atenas, o teatro representava não só um espectáculo ou en-
tretenimento mas também um meio de educação política.

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Este período conheceu a democracia ateniense no seu
apogeu. Toda a vida do Estado era administrada pela Assem-
bleia Popular, que, com o órgão supremo, decidia as ques-
tões mais importantes da política interna como da política ex-
terna. A Assembleia era convocada de dez em dez dias. Todo
o cidadão ateniense tinha direito a falar e podia fazer quais-
quer propostas que julgasse adequadas, mesmo novas leis. A
reforma de Péricles instituiu plenos direitos de cidadania e
participação geral directa nos assuntos do Estado. Todo o ci-
dadão tinha o direito não só de votar na eleição de novos
funcionários públicos mas ele próprio podia propor-se para
qualquer lugar.

Além da Assembleia Popular existiam outras institui-


ções democráticas na república ateniense, tais como a He-
liaea ou tribunal de dieastas,composto de seis mil mem-
bros. A Heliaea não era só um órgão de justiça, tinha
também funções legislativas. Havia ainda o Conselho dos
Quinhentos,cujo dever era garantir o cumprimento das leis
promulgadas e inspeccionar a actividade dos funcionários pú-
blicos. Para evitar o suborno e a corrupção, as eleições para
a Heliaea c para o Conselho dos Quinhentos implicavam es-
colhas à sorte: primeiro escolhiam-se mais candidatos do que
o número preciso e depois tirava-se à sorte quem ficava. Fi-
nalmente, havia o Conselho de estrategas ou gene-
rais (dez ao todo) que foi de particular importância no tempo
de Péricles, visto que ele próprio foi eleito estratega durante
dez anos. As eleições para este cargo não implicavam es-
colha à sorte, eram feitas por proposta de candidatos indivi-
duais.

Era, assim, a estrutura republicana de Atenas no tempo


de Péricles. À primeira vista parece um modelo ideal, não só
para o período clássico mas também para épocas posteriores.
O papel predominante da Assembleia Popular, a franquia
universal, as eleições à sorte entre candidatos seleccionados,

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o salário dos lugares públicos — que poderia ser mais demo-
crático e justo? Contudo, se observarmos melhor a estrutura
estadual ateniense, surge logo um problema essencial.
Quem, na verdade, gozava destes benefícios e privilégios?
Era toda a população ou só uma parte dela, e se era só uma
parte, qual parte?

Os escravos eram privados de todos os direitos políticos e


civis. Assim, este sector da população — um sector numeri-
camente muito significativo — foi completamente impedido
de gozar dos benefícios da democracia. O mesmo acontecia
com os metecos.

Assim, fica apenas a população livre, que, é claro, era nu-


mericamente muito inferior aos metecos e escravos juntos.
Além disso, nem mesmo ela participava na totalidade na vida
política, porque as mulheres eram excluídas.

É, portanto, claro que a democracia ateniense era de um


tipo bastante restrito e limitado; era a democracia de uma
minoria privilegiada. A democracia ateniense era típica das
democracias que existem nas sociedades que praticam a es-
cravatura, em que os direitos e privilégios só são dados a um
sector da população livre.

A Guerra do Peloponeso

A guerra do Peloponeso foi a maior guerra da história da


Grécia clássica. Durou vinte e sete anos (com pequenos in-
tervalos) e levou a sociedade grega a uma grande crise.

A principal causa da guerra foi a rivalidade entre os dois


principais grupos de cidades-estado gregas, o império ateni-
ense e a Liga do Peloponeso. As tentativas de Atenas de
alargar a sua influência a certas cidades da Liga, levou a uma

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amarga resistência de Esparta. As cidades de Corinto e Mé-
gara da Liga do Peloponeso eram centros comerciais impor-
tantes e frequentemente competiam com êxito com Atenas.
As contradições políticas contribuíram para a rivalidade,
porque Atenas defendia os sectores democráticos da popu-
lação de toda a Grécia, incluindo os das cidades da Liga do
Peloponeso, enquanto Esparta apoiava os interesses dos aris-
tocratas em todas as cidades atenienses. Nestas circunstân-
cias não foi difícil encontrar um pretexto para começar uma
guerra.

O Desenrolar da Guerra até 421 a.C.

A guerra começou em 431 a.C. quando os espartanos in-


vadiram a Ática. Péricles, que comandava o exército ateni-
ense, decidiu que os Atenienses lutassem em terra à defesa.
Enquanto as tropas espartanas devastavam os campos da
Ática, o povo fugiu do campo e procurou refúgio atrás das
muralhas fortificadas de Atenas. Péricles não prestara
atenção ao facto de que um tal afluxo de povo à cidade podia
levar à escassez de alimentos e favorecer o contágio de vá-
rias doenças e epidemias. O povo protestou quando estas
desgraças lhe aconteceram e pela primeira vez, em quinze
anos, Péricles não foi eleito estratega. No ano seguinte
morreu de uma doença epidémica, talvez de peste.

As rédeas do governo passaram então para as mãos dos


representantes da democracia ateniense que pensavam que
se devia conduzir a guerra com mais energia. Entre estes so-
bressaiu Cléon, curtidor de profissão, um dos chamados
chefes do demos. Era um hábil orador, um político ousado, e
queria levar a guerra a um fim vitorioso. Por sua indicação, a
esquadra ateniense foi enviada para atacar a costa do Pelo-
poneso. Em 425 a.C., os Atenienses tomaram Pilos, ga-
nhando assim uma importante posição na Messénia, e depois
82
a ilha que ficava defronte, a ilha Esfactéria, aprisionando um
destacamento de tropas de ataque espartanas que mais
tarde foram utilizadas como reféns.

A situação era extremamente grave para os Espartanos,


que decidiram transferir o principal campo de acção para o
Norte, para a Trácia, onde algumas cidades-estado espe-
ravam uma oportunidade deste género para se libertarem do
controlo de Atenas. Os espartanos mandaram grande parte
das suas forças para a Trácia sob o comando do hábil Brá-
sidas. Algumas cidades atenienses caíram e em 422 travou-
se uma grande batalha perto da cidade de Anfípolis, em que
caíram os dois comandantes, Brásidas e Cléon. Pouco depois,
foi concluída a paz de Nícias entre Atenas e Esparta (que
iria durar cinquenta anos), que assim foi chamada por causa
de Nícias, representante de Atenas.

A Expedição à Sicília

No entanto, esta paz não seria mais do que um período de


calma temporária. Em Atenas apareceram mais uma vez
agrupamentos militares: desta vez o principal defensor do re-
começo das hostilidades foi Alcibíades. Este homem insinu-
ante era sobrinho de Péricles, e fora conhecido desde a ju-
ventude pela sua beleza física, pela sua instrução e dotes de
orador. Ao mesmo tempo, era considerado, não sem razão,
um aventureiro político sem escrúpulos.

Alcibíades propôs que se invadisse a Sicília e sonhava


ainda conquistar o Sul da Itália e até Cartago. Estes planos
foram bem recebidos por vastos sectores da populaça de
Atenas. Em 415 iniciaram-se os preparativos para a expe-
dição à Sicília: preparou-se uma armada composta de 260
navios e um exército de 40 000 soldados.

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Contudo, na véspera da partida da esquadra de Atenas
deu-se um estranho e inesperado acontecimento. Os rostos
dos hermes (pilares quadrangulares encimados por bustos
de Hermes, o deus dos viajantes), que se erguiam nas encru-
zilhadas da cidade, apareceram mutilados. Este facto foi in-
terpretado como um mau presságio, especialmente porque
se murmurava que o nome de Alcibíades estava ligado a este
acto sacrílego. Apesar disso, a expedição levantou ferro, e as
forças atenienses tomaram a cidade siciliana de Catana e
foram cercar Siracusa. Inicialmente, o cerco teve êxito, mas
nesta altura chegou um navio enviado pelo governo de
Atenas, exigindo o regresso de Alcibíades para ser imediata-
mente julgado, acusado de profanação dos mistérios. Alci-
bíades obedeceu, mas no caminho para Atenas conseguiu
fugir e passou-se para o lado dos espartanos.

Depois da partida de Alcibíades, a situação na Sicília


agravou-se. O cerco de Siracusa arrastou-se e, entretanto,
chegou um destacamento de reforços espartanos em auxílio
dos sitiados. Depois de eles próprios receberem reforços, os
atenienses decidiram arriscar uma batalha naval. O combate
acabou numa derrota, e as forças atenienses sob o comando
de Nícias e Demóstenes começaram a retirar para terra. Esta
retirada acabou num desastre completo: os generais foram
aprisionados e executados e sete mil atenienses foram feitos
escravos e mandados trabalhar para as pedreiras.

Em consequência do desastre da Sicília, o império marí-


timo ateniense entrou em declínio e algumas grandes cidades
e ilhas aproveitaram para se desembaraçarem de Atenas.

O Posterior Curso da Guerra

Paralelamente ao desastroso resultado da expedição à Si-


cília, Atenas sofreu uma série de reveses na própria Ática.

84
Em 413 a.C., Esparta violou o tratado de paz e a conselho de
Alcibíades utilizou um destacamento fortemente armado para
ocupar a cidade de Dekeleia, boa posição estratégica a cerca
de quinze milhas de Atenas. Em vez dos anteriores ataques
episódicos, os Espartanos começaram a organizar as suas
forças no território da Ática. Golpe final nesta cadeia de de-
sastres, foi a passagem de vinte mil escravos atenienses
para o lado de Esparta.

Esta sucessão de reveses dos atenienses foi encarada por


muitos como resultado da forma democrática de governo. Em
411 a.C., os inimigos da democracia aproveitaram-se da situ-
ação delicada para fazer uma revolução. O poder foi tomado
pelo Conselho dos Quatrocentos e a constituição democrá-
tica foi abolida. Quando a notícia desta revolução chegou à
esquadra ateniense, que estava na altura ancorada na costa
da Ásia Menor, os marinheiros amotinaram-se e aclamaram
Alcibíades como seu comandante, numa altura em que este
já se tinha desavindo com Esparta. A oligarquia foi derrubada
e Alcibíades obteve várias vitórias sobre a frota do Pelopo-
neso, voltando a Atenas em triunfo. Pouco depois, foi eleito
estratega pela Assembleia Popular e foram-lhe atribuídos po-
deres ilimitados. Contudo, fracassos e derrotas subsequentes
da frota ateniense obrigaram Alcibíades a deixar Atenas de
novo, desta vez para sempre.

Um factor decisivo durante a fase seguinte desta longa


guerra foi a participação da Pérsia, que deu um forte apoio a
Esparta. O poder ateniense estava a declinar, sobretudo de-
pois da esmagadora derrota naval no Helesponto na batalha
de Egospotamos (rio da Cabra) no ano de 405 a.C. Depois
de derrotar a armada ateniense, Lisandro pôs cerco à própria
cidade de Atenas, que foi obrigada a render-se-lhe na Prima-
vera de 404. As condições eram que toda a esquadra ateni-
ense fosse entregue a Esparta, as famosas Grandes Mura-

85
lhas, que iam de Atenas ao Pireu, fossem demolidas e Es-
parta reconhecida como potência principal da Hélade.

Apoiado pelas tropas espartanas, e particularmente por


Lisandro, um governo antipopular pôde finalmente estabe-
lecer-se em Atenas. Porém, a tirânica oligarquia dos Trinta
duraria pouco e em 403 foi restaurada a constituição demo-
crática.

As Consequências da Guerra do Peloponeso

De todos os Estados que tomaram parte nesta guerra foi


sem dúvida Atenas quem mais perdeu. Os camponeses em-
pobreceram, o comércio foi aniquilado e no fim da guerra o
tesouro já estava esgotado. Atenas já não era senhora dos
mares.

Mas também Esparta se encontrava em graves dificul-


dades depois da guerra. Oficialmente, tinha-se tornado a
principal potência do mundo grego, mas mostrou logo que
este papel estava além das suas capacidades. Como compen-
sação pela ajuda que tinham dado a Esparta, os persas exi-
giram a entrega de todas as cidades gregas da Ásia Menor.
Esparta naturalmente recusou-se a isso, e as relações entre
as duas potências deterioraram-se até que a guerra estalou
entre elas na Ásia Menor. Depois de vários êxitos dos espar-
tanos, a Pérsia formou uma coligação anti-espartana entre
vários estados gregos incluindo Tebas, Argos, Corinto e
Atenas e começou a chamada Guerra de Corinto. Esta
guerra acabou com uma paz que, ao mesmo tempo que reco-
nhecia a supremacia de Esparta, estabelecia que o rei persa
seria árbitro dos Gregos.

Pouco depois, Esparta começou a interferir nos assuntos


internos de Tebas, apoiando como sempre a aristocracia

86
local. Apesar disso, estalou uma revolução democrática na ci-
dade, a guarnição espartana foi expulsa e o governo tebano
concluiu uma aliança com Atenas. Este facto deu mais uma
vez força ao poder de Atenas e levou mesmo à formação de
uma segunda aliança naval ateniense. No entanto, esta ali-
ança era de proporções muito menores que a anterior,
apenas abrangia Atenas e as ilhas do mar Egeu, e os Es-
tados-membros tinham agora maior autonomia.

Estalou então a guerra entre Tebas e Esparta. O coman-


dante tebano Epaminondas, o primeiro a empregar a táctica
estratégica das «alas em declive» (colocar o flanco esquerdo
mais à frente do que o corpo principal das tropas), obteve
uma brilhante vitória em 371 em Leuctra, não longe de
Tebas) sobre os Espartanos, que até aí não tinham sofrido
qualquer derrota. Depois desta vitória, Epaminondas invadiu
o Peloponeso mas não conseguiu tomar Esparta.

Assim, vemos que a guerra do Peloponeso deu origem a


uma alteração no equilíbrio de forças. A história da Grécia na
primeira metade do século IV a.C. está cheia de lutas que
causaram destruições em ambos os campos e numerosas
polis individuais lutaram por estabelecer a sua hegemonia,
embora todas fossem incapazes de a defender ou de a con-
servar. Uma transformação tumultuosa afectou a sociedade
grega, como se verificou pelo declínio económico e pelos in-
termináveis feudos ou por aquilo que alguém da época
chamou bellum omnium contra omnes(3).

A Cultura Grega. O Papel de Atenas

Nos séculos V e IV a.C., particularmente no tempo de Pé-


ricles, Atenas foi o principal foco da vida política e cultural da
Grécia. Esta grande cidade, muito grande para aquela época
— contava cerca de 200 mil habitantes — era um centro de

87
fermentação intelectual. A qualquer hora do dia, as suas ruas
estavam cheias de gente, porque a vida pública desenrolava-
se inteiramente ao ar livre. As actividades públicas eram ex-
tremamente variadas: assembleias populares, cortejos e fes-
tivais, discussões políticas, filosóficas e legais e espectáculos
de teatro, etc. Todo o cidadão ateniense participava nos de-
bates da Assembleia Popular, ouvia as discussões legais e in-
telectuais, ia ao teatro, e por este processo tomava parte ac-
tiva na vida política e cultural da sua cidade.

A Filosofia

Uma das mais notáveis realizações dos antigos Gregos no


campo da cultura e do pensamento foi a filosofia que legaram
à posteridade, filosofia que contém os princípios de todas as
concepções e sistemas filosóficos posteriores.

A primeira fase do desenvolvimento da primitiva filosofia


grega foi a filosofia natural, que apareceu nos séculos VII e
VI nas cidades gregas da costa da Ásia Menor. Os filósofos
desta escola, Tales, Anaximenes e Anaximandro, tentaram
definir a essência do mundo visível e representam os pri-
meiros materialistas ingénuos.

Acontecimento notável para a época, foi o sistema filosó-


fico proposto por Heráclito de Éfeso (cerca de 540 ou de 480
a.C.). Os fragmentos das suas obras que chegaram até nós,
permitem-nos considerá-lo o primeiro filósofo dialéctico.

«Todas as coisas estão em movimento», es-


creveu ele. «Não nos podemos banhar duas
vezes na água do mesmo rio».

Heráclito descobriu a natureza contraditória da existência,


tratando cada fenómeno como um conflito de contrários.

88
«A justiça é uma luta», escreveu, «e todas as
coisas acontecem pela luta e assim tem de
ser».

Um dos grandes filósofos materialistas foi Demócrito da


Trácia (século V - IV a.C.). A sua premissa básica era que o
Mundo consiste em átomos e vácuo. Define os átomos como
as mais pequenas partículas uniformes da matéria. Estes
átomos, na sua interpretação, estão em movimento no
vácuo, embatem uns nos outros e fundem-se, e as combina-
ções resultantes dão origem a todos os fenómenos do mundo
visível. As opiniões de Demócrito eram notáveis pela sua coe-
rência lógica: para ele tudo no Universo se baseava no movi-
mento da matéria (átomos materiais).

Outro filósofo grego notável, Platão (427—347 a.C.), foi o


fundador de uma tendência filosófica completamente dife-
rente — o idealismo. Platão era oriundo da aristocracia ateni-
ense e este facto foi confirmado pelas suas teorias.

Para Platão a essência do Mundo eram as ideias, enten-


dendo por ideias o conteúdo objectivo do conhecimento, feito
de conceitos. As ideias constituem um «Mundo ideal» espe-
cial, que está para além dos limites das estrelas móveis.
Os homens são capazes de conhecer este mundo de ideias só
porque, ante de entrarem nos seus corpos, as suas almas
habitavam estas estrelas, e desta posição privilegiada podem
contemplar o mundo das ideias. Consequentemente os ensi-
namentos de Platão implicam um tratamento negativo da
matéria, se não desprezível; ele encara a matéria como algo
de grosseiro e amorfo, que só tem valor na medida em que
está imbuída de espiritualidade sob a forma de ideias. Esta
doutrina havia de tornar-se a pedra angular de todos os sis-
temas e teorias idealistas posteriores.

A filosofia grega atingiu o seu ponto mais alto no tempo


de Aristóteles (384—322 a.C.), estudioso dotado de um espí-
89
rito enciclopédico que representava, por assim dizer, uma
síntese de toda a ciência e filosofia clássica.

No seu sistema filosófico, Aristóteles tentou combinar o


materialismo de Demócrito e o idealismo de Platão, e nisto
residia o ponto mais fraco e mais vulnerável da sua filosofia,
porque o idealismo e o materialismo são incompatíveis, e ex-
cluem-se um ao outro. Contudo, Aristóteles professou muitos
pensamentos e princípios válidos que provaram ser muito im-
portantes para o desenvolvimento posterior da filosofia.
Entre estes está a doutrina da unidade da forma e do con-
teúdo (matéria). Aristóteles não foi apenas um filósofo mas
um estudioso extremamente versátil, que dedicou as suas
energias a vários campos, tais como a lógica, a astronomia,
as ciências naturais, os problemas gramaticais e a versifi-
cação.

A filosofia clássica grega conserva ainda o seu significado


universal e representa uma contribuição fundamental para o
património da cultura mundial.

Historiografia

História é uma palavra grega, tributo ao facto de ter apa-


recido pela primeira vez na Grécia.

Heródoto, natural da cidade de Halicarnasso, na costa da


Ásia Menor, que viveu no século V a.C., é geralmente consi-
derado o «pai da história». A sua obra em nove volumes, ge-
ralmente conhecida por História, foi sobretudo dedicada às
guerras pérsicas, embora o autor faça largas digressões para
incluir parte da história do Egipto, da Pérsia e da Cítia.

Outro grande historiador foi o ateniense Tucídides (460 -


395), que escreveu uma memorável descrição da guerra do

90
Peloponeso, na qual ele próprio tomara parte. É um notável
trecho de história, que dá os primeiros exemplos de várias
técnicas e métodos de crítica histórica e representa uma ten-
tativa para fornecer uma descrição imparcial dos aconteci-
mentos.

Outro historiador ateniense notável foi Xenofonte (430 -


355 a.C.), autor de alguns escritos históricos, o mais famoso
dos quais é o Anabasis.

Aristóteles compilou ainda alguns escritos históricos,


muitos dos quais não chegaram até nós. Dos que se conser-
varam, o mais interessante é a sua Política que dá um es-
boço histórico do desenvolvimento do Estado ateniense.
Estas obras básicas dos historiadores gregos são os alicerces
do subsequente desenvolvimento da ciência histórica na
época clássica.

A Literatura e o Teatro
Os gregos deram um contributo igualmente brilhante no domínio das artes. No teatro, na poesia,
nas artes plásticas e na arquitectura, o génio do povo grego havia de deixar a sua marca para sempre.
O teatro na Grécia desempenhava uma função social. Originariamente ligado à religião, tornou-se
mais tarde uma das mais importantes características da vida política grega. Foi na Grécia que os dois
principais géneros teatrais — a comédia e a tragédia — nasceram e se desenvolveram. Represen-
tavam uma síntese de vários elementos — dança, cortejos e jogos ligados ao culto de Dionísio, o deus
do vinho. Durante a Grande Dionísia das procissões solenes realizadas em honra do deus, o coro ves-
tido com peles de cabra para representar os companheiros do deus — sátiros (meios-homens, meios-
bodes) cantavam hinos em que se narravam vários mitos relacionados com o deus. A partir deste cos-
tume desenvolveram-se as futuras tragédias — a actual palavra tragédia significa «canção de cabra».

Primitivamente, as representações teatrais realizavam-se


em praças públicas, mas mais tarde tiveram lugar em edifí-
cios para isso destinados. O teatro grego era num anfiteatro
ao ar livre com um palco redondo ao centro. Um dos maiores
teatros atenienses foi construído num declive da colina da
Acrópole e tinha trinta mil lugares.

91
Os maiores tragediógrafos gregos foram Ésquilo, Sófo-
cles e Eurípides. Ésquilo (525 - 456 a.C.) escreveu cerca de
80 tragédias, das quais sobreviveram apenas sete. A mais in-
teressante é Prometeu Agrilhoado, baseada no mito de
Prometeu, que ensinou os homens a fazer o fogo e assim
lançou as sementes do desenvolvimento da cultura e da civi-
lização. Por roubar o fogo do Olimpo, Prometeu incorreu na
ira de Zeus, que o castigou acorrentando-o a um rochedo e
submetendo-o a uma tortura horrível. Ésquilo descreve Pro-
meteu como um rebelde que desafia corajosamente a omni-
potência dos deuses.

Sófocles (496 - 406) viveu durante a Idade de Ouro de


Atenas. Diz-se que escreveu nada menos de cento e vinte
tragédias, das quais também apenas sete se conservaram
para a posteridade. Nas tragédias de Sófocles encontramos o
desenvolvimento de uma das ideias predominantes do pensa-
mento clássico — a ideia do destino e da vingança. Um dos
melhores tratamentos deste tema está na tragédia Rei
Édipo, onde a vingança, mesmo no caso de crime involun-
tário, é apresentada como inevitável.

O terceiro tragediógrafo foi Eurípides (480 - 406 a.C.) que


escreveu noventa tragédias, dezoito das quais chegaram até
nós. As mais famosas são Medeia, Hipólito, As Ba-
cantes e Ifigénia em Tauride.

As peças de Eurípides são notáveis pela sua penetração


psicológica, que faz das suas personagens como que pessoas
vivas. Nas obras de Eurípides o papel do coro, que tinha sido
considerável nas peças dos seus antecessores, torna-se defi-
nitivamente secundário, incidindo o foco principal sobre as
personagens.

Um segundo género apareceu também no drama grego —


a comédia, que se desenvolveu a partir das farsas populares

92
(ou mimos) e dos ritos ligeiros ou jocosos ligados ao culto
de Dionísio.

O mais alto expoente neste género foi Aristófanes (466-


385 a.C.). Onze das suas peças chegaram até nós, das quais
as mais célebres são As Vespas, As Nuvens, As Rãs, Lisís-
trata e Os Cavaleiros. As comédias de Aristófanes são de
feição claramente política. O autor pertencia a círculos demo-
cráticos moderados e atacou todas as formas democráticas
extremas e os seus campeões, tais como Cléon.

A Arte e a Arquitetura Gregas

Ao lado destas grandes realizações literárias, temos ou-


tros exemplos ainda não ultrapassados do génio grego nos
domínios da arquitectura e das artes plásticas.

Havia três ordens principais na arquitectura grega, que se


distinguem pelos diferentes tipos de colunas ou pilares — a
Dórica, a Jónia e a Coríntia. As duas principais escolas da es-
cultura grega foram a ateniense, da qual o representante
mais famoso foi Fídias, e a escola do Peloponeso, cujo maior
expoente foi Policleto. Os escultores gregos realizaram aquilo
a que designamos por «cânon» — isto é, as proporções nor-
mais da figura humana.

As brilhantes realizações da escultura e da arquitectura


gregas são bem ilustradas pelos monumentos da época
de Péricles em Atenas. Durante este período acorreram a
Atenas artistas talentosos de todas as partes do mundo
grego. Entre eles estava o grande escultor Fídias, o maior ar-
quitecto do tempo, Ictino, e os maiores pintores, Polignoto e
Parrásio. As mais importantes obras de arte com que Atenas
foi embelezada no tempo, foram estátuas dos deuses e edifí-
cios públicos que se distinguiam pela sua graciosidade e pelo

93
esplendor das suas formas. Entre os edifícios mais notáveis
erigidos em Atenas contam-se o Parténon e o Propileu na
Acrópole e o Odeon na parte mais baixa da cidade.

O Parténon, templo dedicado a Atena, tradicionalmente


chamado a «Casa das Donzelas» pela populaça ateniense,
era um magnífico edifício de mármore branco, desenhado
pelos notáveis arquitectos Ictino e Calícrates, decorado por
dentro e por fora com notáveis esculturas. Dentro do templo,
havia uma enorme estátua da deusa Atena, feita de marfim e
de ouro, com um capacete e uma lança de ouro, obra de Fí-
dias.

Outra magnífica obra de Fídias foi a colossal estátua de


bronze de Atena Promacos, ou Atena Guerreira, feita com os
despojos capturados em Maratona. A estátua estava no
ponto mais elevado da Acrópole, de modo que era possível
ver a lança dourada luzindo ao Sol, a grande distância, e
servia por isso de farol aos navios.

Obra-prima de Fídias foi também a estátua colossal de


Zeus, no templo de Zeus em Olímpia.

O Propileu era a monumental entrada para a Acrópole.


Consistia numa colunata de mármore coberta, com quatro
entradas laterais e quatro átrios de mármore de cada lado da
entrada principal, um dos quais estava decorado com obras
de pintores famosos, dos quais Polignoto foi o principal. Uma
larga escadaria de mármore conduzia as pessoas ao Propileu.

O terceiro enorme edifício construído no tempo de Péri-


cles foi o Odeon, teatro destinado a competições musicais e
poéticas. Ao contrário de outros teatros, o Odeon era co-
berto, para ter melhores condições acústicas. Foi construído
à imitação da tenda de Xerxes que fora capturada aos
persas. O tecto inclinado do Odeon era sustentado por traves
feitas, segundo diz a lenda, dos mastros dos navios persas.

94
Assim, o Odeon servia também de monumento à libertação
da Grécia na invasão persa.

As realizações dos antigos gregos nas esferas da filosofia,


da literatura e da arte constituem parte imperecível da he-
rança cultural da Humanidade.

Notas de rodapé:

(3) Guerra de todos contra todos. (N.T.).

Capítulo VI - A Ascenção da Macedónia e o Im-


pério de Alexandre

A Macedónia nos Meados do Século IV a.C.

Nos meados do século IV a.C um novo estado balcânico


começou a afirmar-se — a Macedónia, que estava destinado
a tornar-se um poderoso rival da Pérsia na luta pela hege-
monia sobre a Grécia e o Médio Oriente.

Na sua estrutura económica e política, a Macedónia diferia


muito dos outros Estados gregos. Não tinha comunicações
com o mar e durante muito tempo foi incapaz de se dedicar
ao comércio com outros povos ou à colonização. Daí que a
Macedónia estivesse muito menos adiantada do que outras
regiões da Grécia; era um país agrícola, cujos habitantes
eram na sua maior parte camponeses.

Depois da guerra do Peloponeso, a Macedónia começou a


assimilar rapidamente a civilização grega. Mas o que a Mace-
dónia assimilou dos gregos não foi só a técnica industrial, o
95
comércio e a cultura, mas também a técnica militar. Filipe II
foi o responsável pela criação de um poderoso exército e pela
instituição da famosa «falange da Macedónia». A infantaria
pesada (hoplitas) foi desdobrada em filas de dezasseis a
vinte guerreiros que estavam armados de lanças (cujo com-
primento ia até 4,5 m), apoiando os das filas de trás as suas
lanças nos ombros dos que estavam à sua frente. Esta massa
compacta de infantaria pesada protegida por escudos
enormes constituía uma força formidável.

O orgulho do exército macedónio era a cavalaria pesada


formada pela nobreza macedónia (hetaeras ou companheiros
do imperador). Outra característica importante do exército
macedónio era o seu variado equipamento de cerco.

Pelos meados do século IV, a Macedónia já era uma po-


tência importante nos Balcãs do Norte, graças às suas forças
armadas. Conquistou parte do Epiro e da Trácia e a partir
dessa altura havia de desempenhar um papel determinante
nos negócios dos Estados gregos.

A Macedónia e a Grécia

O primeiro pretexto para a interferência de Filipe nas


questões gregas foi a guerra que estalou em 355 entre Tebas
e o pequeno estado da Fócida, para a qual Atenas também
foi arrastada.

Filipe II derrotou o povo da Fócida e tornou-se senhor de


todo o Norte da Grécia. Conseguiu conquistar a Tessália, a
maior parte da península Calcídica e o litoral da Trácia quase
até ao Bósforo. A Macedónia conseguiu, assim, tornar-se
uma potência marítima e controlar as principais vias marí-
timas da Grécia para o mar Negro.

96
O único Estado grego que ainda conseguia opor certa re-
sistência a Filipe da Macedónia era Atenas. Contudo, dentro
da própria Atenas havia duas facções rivais. Os defensores
da facção pró-Macedónia consideravam que uma aliança com
Filipe era a única maneira de pôr fim às constantes lutas e
feudos internos; sob a chefia de Filipe os gregos poderiam
unir-se e começar uma «guerra santa» contra a Pérsia, que
além de uma vingança pela «profanação dos santuários» pro-
metia ricos despojos. A facção anti-Macedónia era chefiada
pelo famoso orador Demóstenes. Este chamava a atenção
para o facto de que uma aliança com Filipe significaria a
perda da liberdade, da independência e da democracia. De-
móstenes conseguiu reunir uma forte coligação anti-Mace-
dónia, na qual Tebas, Corinto e outras cidades se aliavam a
Atenas.

Em Agosto de 338, a questão foi resolvida na batalha de


Queroneia na Beócia. A falange Macedónia demonstrou o seu
valor e os gregos foram derrotados. O flanco esquerdo do
exército macedónio era comandado pelo filho de Filipe, Ale-
xandre, que tinha apenas dezoito anos. Depois da vitória, Fi-
lipe convocou um congresso pan-helénico em Corinto, no
qual foram tomadas importantes decisões. Formou-se uma
aliança de todos os Estados gregos e foram proibidas guerras
internas. A federação de Estados gregos concluiu uma aliança
defensiva e agressiva permanente com o rei da Macedónia e
foi decidido travar guerra com a Pérsia.

Filipe II começou a fazer cuidadosos preparativos para


esta nova guerra. Em 336, a sua guarda avançada atra-
vessou o Helesponto e chegou ao território da Ásia Menor. A
guerra com a Pérsia tinha começado. Mas nesta altura Filipe
foi assassinado.

A Campanha do Oriente de Alexandre

97
Alexandre da Macedónia tinha vinte anos quando subiu ao
trono. No entanto, será errado supor que ele não estava pre-
parado para realizar o importante papel que o esperava.
Desde muito jovem que acompanhava sempre o pai na
guerra e era já um chefe militar competente. Também tinha
recebido uma boa educação do seu mentor e professor Aris-
tóteles. Alexandre gostava muito de literatura e conhecia
bem a Ilíada; Aquiles era o seu herói preferido.

Quando subiu ao trono depois do inesperado e misterioso


assassínio de seu pai, Alexandre encontrava-se numa posição
difícil. Assim que a notícia da morte de Filipe chegou às ci-
dades gregas, espalhou-se logo um clima de agitação. A
facção anti-Macedónia de Atenas — Demóstenes era ainda
vivo — elevou de novo a voz, enquanto em Tebas eclodia
uma revolta. No entanto, o jovem imperador, por meio de
medidas extremamente radicais e por vezes cruéis (tais
como a destruição de Tebas e a venda dos tebanos como es-
cravos) conseguiu pôr fim a toda a resistência ao domínio
macedónio.

Em 334, Alexandre iniciou a sua famosa Campanha do


Oriente. O seu exército não era particularmente numeroso;
era composto por cerca de trinta mil soldados de infantaria,
cinco mil a cavalo e uma frota de cento e cinquenta ou cento
e sessenta navios. O exército de Alexandre atravessou o He-
lesponto e depois avançou pela Ásia Menor. A primeira ba-
talha contra os persas deu-se nas margens do rio Cranico.
Embora Alexandre fosse obrigado a fazer uma travessia sob
ataque persa, conseguiu, no entanto, derrotar o inimigo,
abrindo assim caminho para a Ásia. Marchou então para o
Sul ao longo da costa e foi libertando as cidades gregas do
domínio persa.

No ano 333 a.C., perto da cidade de Issus (na parte su-


deste da Ásia Menor), Alexandre teve de enfrentar as forças

98
principais do rei persa Dario III. As tropas persas ultrapas-
savam em número o exército de Alexandre e ele recorreu a
uma ousada manobra. Conduziu o flanco esquerdo da infan-
taria ligeira e da cavalaria para uma posição avançada, lade-
ando o exército de Dario e atacando-o pela retaguarda.
Desta maneira, conseguiu cercar e derrotar os persas e Dario
foi obrigado a fugir para não ser capturado.

Então Alexandre partiu para a costa fenícia, e depois de


tomar Tiro dirigiu-se ao Egipto. Aí declarou-se libertador dos
Egípcios do jugo persa e os sacerdotes proclamaram-no filho
do deus Amon e herdeiro dos faraós.

Em 331, Alexandre partiu mais uma vez para o interior da


Ásia e travou a sua última batalha contra Dario em Gauga-
mela (não muito longe de Ninive). Mais uma vez os persas
foram derrotados e Dario obrigado a fugir. O exército de Ale-
xandre penetrou no interior da Ásia em perseguição de Dario
e de caminho tomou as suas três capitais, Babilónia, Susa e
Persépolis. Nestas cidades, Alexandre pôde deitar mão a te-
souros fabulosos. Na Babilónia proclamou-se solenemente rei
da Pérsia. Em perseguição de Dario e mais tarde dos seus sá-
trapas, Alexandre atravessou o rio Oxus (Amu-Dária) e
chegou ao território dos actuais Uzbequistão e Tajiquistão.
Aqui passou aproximadamente dois anos (até 327) e, depois,
atraído pelas lendas sobre a famosa riqueza da Índia, invadiu
o Norte da Índia. Aí derrotou as tropas do rei indiano Parus
numa batalha na qual, seja dito como curiosidade, tanto os
gregos como os macedónios encontrariam pela primeira vez
elefantes de guerra.

O exército de Alexandre avançou até um afluente da


margem esquerda do rio Indo, quando os acontecimentos
inesperadamente mudaram o seu curso. As suas tropas, que
até aí não tinham dado sinais de insurreição, recusaram-se
teimosamente a continuar. Depois de dois dias de reflexão,

99
Alexandre foi obrigado a ceder e a dar ordens para voltar à
pátria. A marcha de regresso durou mais dois anos. Parte das
tropas veio por mar e outra por terra ao longo das costas do
golfo Pérsico; ambas as partes do exército se reencontraram
na Babilónia em 324.

Assim acabou a grande Campanha do Oriente de Ale-


xandre, que durou dez anos. Deu-lhe a possibilidade de
fundar um enorme império que se estendia do mar Adriático,
a Oeste, à Índia, a Leste; das colinas do Cáucaso, a Norte,
aos troços centrais do Nilo, a Sul. No entanto, Alexandre não
gozaria durante muito tempo deste poder sem precedentes:
no ano a seguir ao seu regresso em 323 a.C. morreu com a
idade de trinta e dois anos, e logo a seguir o seu extenso im-
pério começou a desintegrar-se.

O Significado das Conquistas de Alexandre. A Época


Helenística

As razões da vitória de Alexandre, o Grande, sobre o


exército persa são perfeitamente claras e lógicas. O bem or-
ganizado exército greco-macedónio chefiado por um génio
militar, pouca dificuldade teve em vencer forças inimigas
compostas de uma grande variedade de tribos e povos, in-
cluindo mercenários. Na verdade, o enorme império persa
estava longe de estar firmemente unido: era um perfeito
exemplo do proverbial colosso com pés de barro.

Alexandre submeteu o império persa pela força das


armas, mas a tarefa de o consolidar como Estado centrali-
zado e unificado ultrapassava as suas possibilidades. Não
havia unidade interna económica nem política entre os vários
estados e regiões que constituíam o império persa. Assim, o
império de Alexandre, o Grande, desmembrou-se em resul-
tado das lutas entre os seus sucessores. Os principais Es-

100
tados que viriam então a levar existência independente
foram o Egipto, onde se estabeleceu a dinastia ptolomaica, o
reino sírio (abrangendo a Síria, a Palestina, Babilónia e todo
o império persa até ao rio Indo), onde se fixou a dinastia se-
lêucida, e, finalmente, a Macedónia, que manteve a sua he-
gemonia sobre a Grécia e a costa da Ásia Menor, que caiu
nas mãos de Antígono Gonatas e dos seus sucessores.

Seria errado pensar que, porque o império de Alexandre,


o Grande, durou pouco, a sua Campanha do Oriente não
tenha tido consequências históricas de grande alcance. Na
verdade, foi o contrário que sucedeu: o período desde a
morte de Alexandre até à conquista romana da Grécia e do
Médio Oriente é vulgarmente chamado época helenística.
Empregamos a palavra helenismo quando falamos do estabe-
lecimento do domínio grego sobre o Médio Oriente e das in-
fluências recíprocas das civilizações grega e oriental nos
campos da economia, da organização política e da cultura.

O helenismo foi, sem dúvida, um factor de progresso. A


época helenista assistiu a um rápido crescimento de cidades
que se tornaram centros de comércio e indústria avançada. O
Médio Oriente estabeleceu relações económicas e culturais
mais íntimas com o Mediterrâneo Ocidental e o Extremo Ori-
ente (através da Índia). A influência recíproca entre as duas
culturas foi particularmente útil. Nalguns Estados helenís-
ticos, a actividade intelectual e cultural desenvolveu-se. Sur-
giram importantes centros científicos e artísticos, tais como
Antioquia, capital do reino selêucida, e Alexandria, capital do
reino ptolomaico. Em Alexandria havia uma notável fundação
científica que traria à cidade fama universal. Era conhecida
como Museu (templo dedicado às Musas) e consistia numa
grande biblioteca, uma vasta colecção de objectos raros e
obras de arte, e era utilizada como ponto de encontro de es-
tudiosos, onde se faziam reuniões e debates culturais. O pe-
ríodo helenístico deu ao mundo uma série de notáveis mate-

101
máticos, astrónomos e geógrafos tais como Euclides, Eratós-
tenes, Arquimedes, Hiparco e Hero. Durante este período, a
língua grega tornou-se a língua franca das costas orientais do
Mediterrâneo e este factor também serviu para promover a
unidade cultural dos países helenísticos.

Todas estas realizações dos Estados helenísticos nas es-


feras económica e cultural prepararam o caminho para a uni-
ficação de todos os Estados mediterrânicos, que foi pouco de-
pois conseguida por Roma, cujo império iria abranger todos
os países civilizados da bacia do Mediterrâneo.

Capítulo VII - A República Romana

O Período Primitivo
O berço do Estado romano foi a península italiana no Mediterrâneo Central, que, juntamente
com a ilha adjacente da Sicília forma como que uma ponte natural entre a Europa e a África. A costa
da península itálica é menos acidentada do que a da península balcânica e tem menos baías e golfos
abrigados. As ilhas próximas das costas da Itália são menos numerosas e variadas do que as do mar
Egeu.

Embora a península itálica seja uma terra montanhosa


como a Grécia, há uma única cadeia de montanhas na parte
central, que é ladeada por largos vales próprios tanto para a
agricultura como para a criação de gado. O solo da Itália é
muito mais próprio para a agricultura que o da Grécia e nos
tempos antigos a Itália foi sempre considerada como um país
tipicamente agrário. Os seus principais recursos naturais
eram a madeira e os metais (sobretudo o cobre e o estanho).

Nos tempos antigos, a península itálica foi habitada por


uma grande variedade de povos. Aqui referir-nos-emos só
aos principais grupos de tribos. No Norte viviam várias tribos
celtas (ou gaulesas). Um pouco mais para o Sul viviam os

102
Etruscos, um povo que desempenhou um papel importante
na primitiva história italiana. O centro da península foi po-
voado por numerosas tribos itálicas, incluindo os latinos em
cujo território estava situada a cidade de Roma. Finalmente,
no Sul predominavam os elementos gregos e havia um
grande número de colónias gregas — muitas delas cidades
ricas e prósperas — de maneira que se deu o nome de
Grande Grécia ao Sul da Itália e à ilha da Sicília.

O Enigma Etrusco

O mais misterioso dos povos e tribos que habitavam a


Itália eram os Etruscos. A sua origem ainda hoje é um
enigma por resolver. Os Etruscos tinham sido um povo pode-
roso e tinham estendido a sua hegemonia a quase toda a pe-
nínsula (séculos VII - VI a.C.). Ainda hoje podemos ver as
ruínas de grandes cidades etruscas, muralhas de fortalezas,
casas de nobres e túmulos esplendorosos.

Os achados arqueológicos sugerem que os Etruscos eram


um povo predominantemente agrícola. Os artífices etruscos
também eram famosos pelos seus artefactos de metal, espe-
lhos e vasos, e ornamentos de ouro e marfim. Mantinham co-
mércio activo com os gregos, os egípcios e outros povos. Na-
quele tempo o comércio marítimo andava ligado à pirataria e
os piratas etruscos eram temidos em todo o Mediterrâneo.

Os Etruscos do século IV a.C. eram um povo que prati-


cava a escravatura, que tinha um rei e uma nobreza e uma
grande população de escravos e de camponeses vassalos. No
apogeu da hegemonia etrusca foi concluída outra aliança
entre doze das suas cidades.

Roma já tinha sido fundada mas estava sob o domínio


etrusco. Nos séculos VII e VI a.C., uma dinastia de reis

103
etruscos reinava em Roma e a população da cidade incluía
muitos artífices etruscos; os costumes e ritos etruscos manti-
veram-se na vida social e doméstica dos romanos durante
muitos anos.

No entanto, o domínio etrusco depressa começou a de-


clinar. No fim do século VI a.C. estalaram guerras intestinas
entre as cidades etruscas, e os etruscos sofreram uma série
de reveses em conflitos com os Gregos no Sul da Itália. O
golpe final foi-lhes infligido por uma revolta das tribos itálicas
conduzidas por Roma.

Além dos utensílios e obras de arte, as escavações arque-


ológicas revelaram grande número de inscrições etruscas
(cerca de nove mil ao todo). Contudo, as tentativas que até
agora se fizeram para as decifrar tiveram pouco êxito e,
assim, a língua dos Etruscos, o problema das suas origens e
muitos pormenores da sua fascinante história continuam por
esclarecer.

A Fundação de Roma

Como e quando foi fundada Roma, a cidade a que os an-


tigos chamavam «eterna», e que estava destinada a desem-
penhar um papel tão ilustre? Não é possível dar uma res-
posta satisfatória a esta pergunta, e somos obrigados a
voltar à famosa lenda dos antigos. A lenda conta que um dos
reis da cidade de Alba Longa foi expulso do trono por um
irmão, e que sua filha Rhea Sílvia foi feita vestal e obrigada a
fazer voto de celibato. No entanto, Rhea Sílvia deu à luz dois
rapazes gémeos, e o rei, encolerizado, mandou que os afo-
gassem. Um dos escravos levou-os até ao rio dentro de um
cesto e pô-los sobre a água. No entanto, os gémeos não se
afogaram, porque foram retidos na margem ao pé de uma fi-
gueira onde uma loba os encontrou e amamentou. As cri-

104
anças foram depois recolhidas por um pastor que os criou e
lhes deu os nomes de Rómulo e Remo.

Quando os gémeos cresceram, alguém divulgou o segredo


do seu nascimento. Em Alba Longa destronaram o usurpador,
devolveram o trono ao avô e pediram autorização para fun-
darem uma nova cidade. Na altura da fundação desta cidade,
os dois irmãos zangaram-se e Rómulo matou Remo. Esta é a
lenda da fundação de Roma, a cidade que tem o nome de
Rómulo, e da qual ele foi o primeiro rei. Segundo antigos his-
toriadores romanos, a cidade foi fundada em 21 de Abril de
753 a.C. Contudo, não se pode confiar nesta data, que deve
ser tomada apenas como uma vaga indicação.

O Reino de Roma

Ao período primitivo da história de Roma chama-se


muitas vezes o tempo dos reis, porque, segundo a tradição
romana, a cidade era então uma monarquia. Houve seis reis
depois de Rómulo, sendo os três últimos descendentes da
tribo etrusca dos tarquínios. Durante o seu reinado, Roma
cresceu em extensão e conseguiu conquistar todo o Lácio.

O penúltimo rei de Roma, Sérvio Túlio, ficou na história


como o iniciador de uma famosa reforma social, segundo a
qual toda a população e território romanos foram divididos
em quatro regiões ou tribos. A população foi por sua vez divi-
dida em cinco classes, de acordo com a propriedade e o ren-
dimento. Os cidadãos mais pobres estavam de fora destas
categorias e eram chamados proletarii.

O recrutamento militar e os direitos políticos de que estas


classes gozavam variavam consideravelmente. Como cada ci-
dadão tinha de adquirir armas à sua custa, naturalmente que
só os membros da classe mais elevada se podiam equipar

105
com armamento pesado completo (espada, escudo, lança e
armadura) e manter um cavalo. Esta classe fornecia a maior
parte das centúrias para o exército nacional, e também go-
zava de todos os privilégios políticos. Na Assembleia Popular,
o povo estava representado pelas centúrias, tendo cada cen-
túria um voto. Como a maior parte das centúrias tinha
origem na classe social mais elevada, esta classe podia
sempre contar com a maioria dos votos da assembleia.

No fim do século VI a.C., o padrão político de Roma


mudou. O último rei, conhecido por Tarquínio, o Soberbo,
pela sua arrogância e tendências tirânicas, foi banido e a mo-
narquia foi abolida. Supõe-se que este acontecimento coin-
cidiu com a revolta vitoriosa contra o domínio etrusco.
Fundou-se em Roma uma República, destinada a ter uma
longa história.

A História Primitiva da República


A Estrutura Social e Política da República Romana

Durante o domínio dos reis romanos e nos primeiros


tempos da República, os vestígios do sistema de clãs eram
ainda bastante nítidos. O poder político estava nas mãos dos
representantes da aristocracia hereditária, conhecida sob o
nome de patrícios. Regra geral, as melhores terras perten-
ciam-lhes, o que queria dizer que os patrícios não só eram de
sangue nobre como eram também os cidadãos ricos. Às
massas populares chamavam plebeus — estes incluíam os
camponeses médios e pobres e também os artífices ou co-
merciantes que viviam na cidade. O número de plebeus es-
tava sempre a aumentar e como grupo tornara-se cada vez
menos homogéneo. A maior parte dos plebeus empobrecia e
caía frequentemente na escravatura por dívidas, enquanto
um certo sector começava a enriquecer através do comércio

106
ou da usura. Os plebeus ricos começaram desde logo a pro-
curar direitos e privilégios iguais aos dos patrícios. Quanto
aos escravos, neste período primitivo da história romana,
eram relativamente poucos e a escravatura era de tipo patri-
arcal.

A estrutura estatal da República romana baseava-se nos


seguintes princípios: a posição mais elevada era a
de cônsul — havia dois, eleitos anualmente; comandavam o
exército e eram eles que convocavam o Senado e as assem-
bleias do povo (comitia). O Senado era o principal órgão ofi-
cial da República romana; era composto por trezentos mem-
bros e incluía os antigos cônsules e outros homens públicos
de elevada posição. Deve notar-se que o posto de cônsul, e
portanto o de senador também, só estava aberto aos mem-
bros da classe dos patrícios. O Senado resolvia questões da
política interna e da política externa e controlava a economia
e a propriedade do estado. As assembleias populares eram: a
Assembleia Popular ou das Centúrias, onde quase todos os
funcionários de estado eram eleitos e onde os representantes
da classe patrícia tinham uma maioria permanente em Roma,
e a Assembleia Tribal Plebeia, para a qual desde muito cedo
foram transferidas funções legislativas.

Embora na República romana, tal como em Atenas, exis-


tisse uma Assembleia Popular e houvesse eleições para as
funções oficiais (os funcionários públicos de Roma nunca
eram pagos pelo seu trabalho), a grande importância que
tinha o Senado nas questões de Estado dava à República ro-
mana um carácter marcadamente aristocrático.

A Luta Entre os Patrícios e Plebeus

A história interna de Roma do século V ao século III a.C.


foi marcada pela luta entre os patrícios e os plebeus, pela

107
posse da terra e por direitos políticos. As massas plebeias es-
forçavam-se por obterem mais terras, enquanto as camadas
mais ricas procuravam a igualdade política.

Um dos primeiros e mais dramáticos episódios desta luta


foi a chamada Secessão Plebeia, quando todos os plebeus ar-
mados deixaram Roma e acamparam no Monte Sa-
grado (Mons Sacer — 494 a.C.). A partida dos plebeus en-
fraqueceu drasticamente a força militar de Roma e os patrí-
cios foram obrigados a fazer várias concessões. Foi então
instituído um novo e importante posto — o tribuno da
plebe, cujo papel era defender os interesses e os direitos
dos plebeus. Os tribunos da plebe eram eleitos (primeiro
havia dois, depois passou a haver cinco e mais tarde dez)
pela Assembleia Tribal dos Plebeus e podiam protestar contra
as ordens de todos os outros funcionários (direito de veto).

No decurso desta luta, os plebeus obrigaram os patrícios a


consentir em novas concessões. A chamada «Lei das Doze
Tábuas» foi decretada (451 - 450) e os tribunais, que es-
tavam, como não podia deixar de ser, nas mãos dos patrí-
cios, ficaram subordinados a estas leis. Algum tempo mais
tarde (445 a.C.), legalizaram-se os casamentos entre patrí-
cios e plebeus. No ano de 367 a.C., os plebeus foram decla-
rados elegíveis para o posto de cônsul (Leis de Licinio e
Sexto) e mais tarde para todos os outros altos postos da Re-
pública. Tudo isto equivalia na prática a um nivelamento de
direitos entre patrícios e os plebeus mais ricos e a uma misci-
genação dos dois grupos. Surge, assim, em Roma uma nova
aristocracia patrícia-plebeia que passou a ser conhecida
por nobreza. Esta em breve assumiu todo o poder político e
o Senado tornou-se um instrumento da sua vontade. A
grande massa dos plebeus mais pobres, entretanto, nada ga-
nhou e ficou ainda mais pobre no fim deste conflito.

108
Roma Conquista a Itália, Séculos V - III a.C.

Durante estes três séculos, Roma esteve quase continua-


mente em guerra. A política externa romana inspirada pelo
Senado foi extremamente agressiva.

Durante o século V, Roma lutou contra cidades e tribos vi-


zinhas, tais como os Volgos e os Équos. As vitórias obtidas
nestas campanhas deram aos Romanos o controlo absoluto
da margem esquerda de troços mais baixos do Tibre. Foram
estes os primeiros sucessos militares dos Romanos. O século
IV, contudo, apresentaria um quadro muito diferente. Em
390, os Gauleses (como os Romanos chamavam aos Celtas)
marcharam sobre Roma pelo Norte da Itália. As tropas ro-
manas sofreram uma derrota esmagadora numa batalha
junto ao rio Allia e os Gauleses conseguiram conquistar Roma
sem dificuldade — excepto a colina do Capitólio que era de-
fendida por tropas de choque romanas. Quando tentavam um
assalto nocturno ao Capitólio, os gansos sagrados, que eram
guardados no templo de Juno, deram o alarme e os defen-
sores conseguiram repelir o ataque. Daqui a famosa ex-
pressão «os gansos salvaram Roma».

Na segunda metade do século IV, os Romanos travaram


uma dura batalha pelo controlo da Itália Central. Foram obri-
gados a lutar contra os seus antigos aliados, os Latinos, e a
travar três guerras contra a grande tribo itálica dos Sam-
nitas. Durante a chamada Terceira Guerra Samnita, os Ro-
manos tiveram como adversários não só os Samnitas mas
também os Etruscos. A guerra contra a coligação das tribos
itálicas foi travada com êxitos irregulares, mas os Romanos
acabaram por sair vitoriosos e subjugaram toda a Itália Cen-
tral.

No século III a.C. começou para a Itália a última fase da


batalha. Agora era a vez das cidades da Grande Grécia. Al-
gumas aderiram a uma aliança com Roma e reconheceram a
109
sua hegemonia, mas uma das maiores cidades do Sul, Ta-
rento, decidiu resistir à agressão romana. O povo de Tarento
pediu ajuda a Pirro, rei do Epiro, no Noroeste da Grécia, que
era descendente longínquo de Alexandre Magno, e sonhava
com as mesmas glórias. Pirro partiu cheio de ânimo à con-
quista da Itália.

Pirro e as suas tropas aportaram à Itália no ano de 280


a.C. Na primeira batalha contra os Romanos obteve uma vi-
tória estrondosa. Então marchou para Norte e pouco depois
enfrentou os Romanos pela segunda vez em Ausculum, onde
obteve uma segunda vitória. Entretanto, esta batalha havia
sido tão feroz e as perdas de Pirro foram tão grandes, que
ele teria exclamado: «Mas se obtiveras outra vitória assim
estamos perdidos!» (Daqui a expressão «vitória pírrica»).
Depois desta batalha, Pirro partiu com as suas tropas para a
Sicília, onde passou algum tempo mas não conseguiu con-
quistar a ilha. Mais tarde, voltou à Itália e em 275 a.C.
travou a sua última batalha contra os Romanos em Bene-
ventum que acabou numa derrota. Pirro viu-se então obri-
gado a deixar a Itália. Dois anos mais tarde, Tarento rendeu-
se aos Romanos que conseguiram pouco a pouco obter o
controlo das outras cidades do Sul da Itália. Como resultado
das guerras que travaram nos séculos V, IV e III, os Ro-
manos conseguiram subjugar toda a Itália desde a costa sul
da Gália Cisalpina, e Roma tornou-se uma das maiores po-
tências mediterrânicas. As aspirações de Roma orientavam-
se agora para lá das fronteiras da península dos Apeninos e
começava a luta de Roma pelo domínio de toda a bacia do
Mediterrâneo.

A Luta de Roma pelo Domínio do Mediterrâneo


Roma e Cartago

110
Quando os Romanos olhavam para mais longe, para além
dos limites da península itálica, o seu olhar pousava primeiro
na Sicília. Nas palavras de um dos historiadores antigos, esta
ilha era uma presa rica e tentadora, estava mesmo à mão,
apesar de estar separada da Itália.

No entanto, os Romanos encontravam-se perante um


sério rival: Cartago, outro Estado poderoso que praticava a
escravatura. A cidade de Cartago estava situada na costa
norte da África (nas costas do golfo de Tunes) e segundo a
lenda foi fundada logo no século IV a.C. Tinha-se tornado
uma importante potência mediterrânica antes de Roma. O
poder económico de Cartago baseava-se na actividade de
centro comercial. Por causa da sua favorável situação geo-
gráfica, Cartago tinha-se tornado no centro da distribuição de
matérias-primas e produtos manufacturados em todo o Medi-
terrâneo. A acrescentar a isto, Cartago dispunha de planta-
ções florescentes: as terras em volta da cidade, que perten-
ciam aos cartagineses ricos, eram cultivadas por milhares de
escravos. Nessa altura, os cartagineses eram também céle-
bres pelos seus racionais métodos agrícolas.

O desenvolvimento do comércio e a importância cada vez


maior da agricultura pusera o poder político de Cartago nas
mãos dos proprietários de terras e dos comerciantes. A es-
trutura estatal cartaginesa era a de uma república, mas
como havia muito poucos camponeses livres no país, os as-
pectos democráticos da constituição cartaginesa não tinham
uma base firme. A Assembleia Popular estava reduzida a um
papel diminuto. O poder executivo era detido por dois suf-
fetes, cujas funções se assemelhavam às dos cônsules ro-
manos e que comandavam o exército e a armada. Havia
também um Conselho dos Trezentos semelhante ao Se-
nado romano; de entre os seus membros elegia-se um Con-
selho dos Trinta que desempenhava funções internas, entre
as reuniões do Conselho dos Trezentos. Os Cartagineses ti-

111
nham um exército forte e uma poderosa esquadra A fraqueza
do seu exército provinha do facto de ser composto sobretudo
de mercenários. Contudo, o seu nível profissional era elevado
e o seu equipamento técnico avançado (elefantes de guerra,
armas próprias para cerco, etc.).

Os Cartagineses eram colonizadores activos. Fundaram


colónias na costa norte da África, no sul da Espanha e nas
ilhas Baleares. Tinham-se estabelecido também na Córsega e
na Sardenha, e na época do seu primeiro confronto com
Roma controlavam quase toda a Sicília, à excepção de Sira-
cusa e Messana. Foi a sua tentativa para subjugar esta úl-
tima cidade que levou ao conflito com Roma.

A Primeira e a Segunda Guerras Púnicas

A Primeira Guerra Púnica (os Romanos referiam-se aos


Cartagineses como o povo púnico) durou vinte e três anos
(264-241 a.C.). Os primeiros recontros deram-se na Sicília,
onde os Romanos obtiveram alguns êxitos. No entanto, estes
êxitos nunca foram decisivos visto que os Romanos não ti-
nham esquadra e não podiam rivalizar com o poder marítimo
cartaginês. Só depois de terem construído uma frota e ganho
a sua primeira vitória marítima, os Romanos conseguiram
transferir o teatro das operações para o território africano.
Contudo, esta primeira expedição africana foi mal preparada
e acabou num fracasso completo.

A guerra arrastou-se com as hostilidades mais uma vez


centradas na Sicília. Ambos os exércitos foram obrigados a
dar tudo por tudo neste conflito igual, que só acabou depois
da decisiva batalha naval das ilhas Aegadia, a oeste da Sicília
(241 a.C.) quando a frota cartaginesa foi definitivamente
derrotada. Depois disto, os Cartagineses foram obrigados a

112
concluir um tratado de paz pelo qual entregavam a Sicília a
Roma e pagavam um pesado tributo.

Algum tempo depois, os Romanos cometeram um acto de


agressão não provocado tomando a Córsega e a Sardenha.
Mas os Cartagineses tiveram de resignar-se por causa duma
revolta dos seus mercenários, que se tornou uma ameaça
particularmente perigosa quando o povo da Líbia se juntou a
eles.

Esta revolta foi esmagada pelo general cartaginês Amílcar


Barca que se tinha distinguido na Primeira Guerra Púnica.
Depois de reprimir a revolta, subiu a sua fama em Cartago e
reconheceram-no comandante dos chefes militares que so-
nhavam com uma nova guerra de vingança contra Roma.
Para se preparar melhor para uma nova confrontação,
Amílcar partiu com o exército cartaginês para Espanha que
esperava conquistar e assim criar uma testa de ponte para a
iminente guerra com os Romanos.

Durante as lutas em Espanha, Amílcar morreu. O co-


mando das tropas cartaginesas foi primeiro tomado pelo seu
genro e depois pelo jovem filho Aníbal. Segundo a lenda,
quando Amílcar foi conquistar a Espanha, Aníbal, que então
tinha onze anos, pediu ao pai que o levasse com ele. Amílcar
concordou, mas na condição de Aníbal fazer um voto de
eterna inimizade com Roma. Aníbal fez este voto e foi-lhe fiel
toda a sua vida.

Quando Aníbal tomou o comando do exército a questão da


guerra com Roma já tinha praticamente sido decidida. A Se-
gunda Guerra Púnicacomeçou em 218 a.C. e durou dezas-
sete anos. Aníbal traçou um ousado plano para travar guerra
contra Roma em solo italiano. Para pôr este plano em prática
tinha de empreender a tarefa extremamente difícil de atra-
vessar os Alpes. Nas suas batalhas contra os Romanos,
Aníbal revelou notável génio militar, e infligiu uma série de
113
esmagadoras derrotas ao exército romano, a mais famosa
das quais foi na batalha de Canas (216 a.C.) em que Aníbal
conseguiu cercar e derrotar o inimigo.

No entanto, a campanha de Aníbal contra Roma foi prati-


camente o esforço de um homem contra um Estado pode-
roso. Cartago não deu ao seu líder o apoio necessário. E, por
isso, embora não tivesse sofrido uma única derrota, Aníbal
acabou por se encontrar isolado no Sul da Itália. As cidades
que estavam já do seu lado foram a pouco e pouco recupe-
radas pelos Romanos e o jovem comandante romano Públio
Cornélio Cipião alcançou algumas vitórias contra os Cartagi-
neses em Espanha. Depois de libertar a Espanha das tropas
cartaginesas, Cipião propôs uma campanha em África. Orga-
nizou uma força expedicionária e aportou perto de Cartago;
então o governo cartaginês apressou-se a chamar Aníbal da
Itália. No ano 202 a.C., a batalha decisiva da guerra travou-
se em Zama, onde Aníbal sofreria a sua última e primeira
derrota. Assim, as condições de paz impostas pelos romanos
foram ainda mais exigentes do que antes. Cartago perdeu as
suas colónias, entregou a sua frota e todos os elefantes aos
Romanos, ficou obrigada a pagar um enorme tributo. Estas
condições minaram o poder militar e político de Cartago defi-
nitivamente, de tal modo que o fim da Segunda Guerra Pú-
nica fez de Roma a potência mais forte do Mediterrâneo.

O Domínio da Península Balcânica. A Terceira Guerra


Púnica

No entanto, Roma estava ainda destinada a ter uma con-


frontação com Cartago uma terceira vez, cinquenta anos de-
pois do fim da Segunda Guerra Púnica.

Durante esse intervalo de meio século, os Romanos pros-


seguiram tenazmente as suas tentativas de dominar o Medi-

114
terrâneo Oriental. Travaram três guerras contra o mais peri-
goso dos seus rivais do Oriente — a Macedónia helenística.
Depois da Segunda Guerra Macedónica, os Romanos decla-
raram-se arrogantemente libertadores da Grécia e, em
196, o comandante romano Flamínio declarou-a indepen-
dente. Em termos práticos, a Grécia apenas mudara de domi-
nador.

Depois da Segunda Guerra Macedónica, estalaram con-


flitos com o rei sírio Antíoco, que tentou formar uma coli-
gação anti-romana no Oriente. A esta, seguiu-se ainda outra
Guerra Macedónica quando o rei macedónio Perseu fez uma
última tentativa para formar uma coligação contra Roma.
Quando surgiu um movimento de libertação na Grécia, os
Romanos reprimiram-no brutalmente, e para intimidar os
Gregos destruíram também Corinto (146 a.C.), uma das mais
antigas e mais ilustres cidades da Grécia.

No ano 149, estalou a Terceira Guerra Púnica. Desde a úl-


tima guerra, Cartago, devido à sua situação geográfica extre-
mamente favorável, conseguira restabelecer as suas capaci-
dades económicas. Mais uma vez a cidade se tornou num im-
portante centro do comércio mediterrânico. Os Romanos
achavam este estado de coisas intolerável. Depois de acu-
sarem os cartagineses de violarem um dos pontos do tratado
de paz de 201 a.C., declaram de novo guerra ao seu velho
rival, no ano 149. O cerco de Cartago durou perto de três
anos. Foi, finalmente, tomada de assalto com uma manobra
dirigida pelo neto adoptivo de Cipião, Cipião Emiliano. Se-
guindo as instruções de Roma, a cidade foi totalmente des-
truída: incendiaram-na e o fogo durou dezasseis dias. De-
pois, lavraram a terra onde as ruínas ainda fumegavam e vo-
taram-na à execração eterna. (146).

115
Consequências das Guerra. A Economia Romana. Uma
Sociedade com Escravos

As guerras de conquista que Roma travou na bacia do Me-


diterrâneo durante mais de um século transformaram uma
pequena e insignificante cidade-estado numa potência mun-
dial. Este facto teve os seus reflexos inevitáveis na estrutura
da sociedade romana, e provocou importantes alterações
económicas.

As conquistas romanas asseguraram à cidade um con-


tínuo afluxo de dinheiro e artigos de valor. Depois da Pri-
meira Guerra Púnica, o Tesouro romano recebeu três mil e
duzentos talentos. A indemnização recebida depois da Se-
gunda Guerra Púnica, totalizou dez mil talentos e Antíoco
teve de pagar um tributo de quinze mil. Os comandantes tra-
ziam ricos despojos. Aquando da entrada triunfal de Emílio
Paulo na cidade, depois da sua vitória sobre o rei macedónio
Perseu, desfilou um cortejo de soldados que levavam nas
mãos ou em carros obras de arte capturadas, valiosas armas
e enormes jarros cheios de moedas de ouro e prata; foram
necessários três dias para entrar na cidade. Depois da vitória
sobre Antíoco, os Romanos trouxeram como despojos mil du-
zentos e oitenta dentes de elefante, duzentas e trinta e
quatro coroas de ouro, cento e oitenta e sete mil libras de
prata, duzentas e vinte e quatro mil moedas de prata gregas,
cento e quarenta mil moedas de ouro macedónias e uma
grande quantidade de jóias de ouro e prata. Até ao século II
escasseavam em Roma moedas de prata, mas depois destas
conquistas, particularmente depois da captura das minas de
prata espanholas, o Estado romano passou a ter muita prata
para moedas à sua disposição.

Tudo isto levou a uma rápida expansão das operações co-


merciais e financeiras de Roma. Surgiram grupos de interme-
diários que se ocupavam do cultivo da terra, das várias

116
formas dos serviços sociais da Itália ou da recolha de im-
postos nas províncias romanas. Estes grupos também em-
prestavam dinheiro a juros.

Esta subida do comércio e do rendimento foi acompa-


nhada de uma tremenda expansão da população escrava.
Embora a guerra não fosse a única fonte de novos escravos,
dela tinha vindo um enorme número de escravos para o mer-
cado. Durante a Primeira Guerra Púnica só a captura de Agri-
gento trouxe aos Romanos vinte e cinco mil escravos. Vários
anos mais tarde, depois de obter uma vitória sobre os Carta-
gineses, o cônsul romano Régulo mandou vinte mil escravos
para Roma. Depois da captura de Tarento, no ano 209, trinta
mil dos habitantes da cidade foram vendidos como escravos.
Em 167 a.C. depois da derrota das cidades do Epiro, cento e
cinquenta mil pessoas foram vendidas como escravos. Final-
mente, no fim da Terceira Guerra Púnica, quando Cartago foi
destruída, todos os seus habitantes foram vendidos como es-
cravos. Estes números foram colhidos ao acaso e não consti-
tuem um quadro completo, mas servem para dar, ao menos,
uma ideia da enorme massa de escravos, da ordem das cen-
tenas de milhares, que estava literalmente a chover sobre a
Roma daquele tempo.

Havia mercados de escravos em quase todas as cidades


principais do Estado romano, a acrescentar aos de Roma pro-
priamente dita. Importante centro de comércio de escravos
era a ilha de Delos, onde por vezes se vendiam dez mil es-
cravos por dia. Os preços variavam de acordo com a abun-
dância de mercadoria. Baixavam consideravelmente nas oca-
siões de expedições militares bem sucedidas. A expressão
«barato como um sardenho» vulgarizou-se em Roma pouco
depois da conquista da Sardenha.

Contudo, os preços dos escravos instruídos ou daqueles


que tinham qualificações especiais (por exemplo professores,

117
actores, cozinheiros e dançarinos) eram sempre muito ele-
vados e os cidadãos romanos ricos estavam preparados para
pagar por eles quantias que iam até aos milhares.

Na Itália, que continuava a ser um país agrário, os es-


cravos eram utilizados sobretudo para o cultivo da terra. Os
escravos que trabalhavam nas grandes propriedades ou lati-
fúndios e nas vivendas dos proprietários de terras viviam em
condições particularmente duras. O escritor e homem de Es-
tado romano Catão, o Antigo, na sua obra especial dedicada
à agricultura, dá conselhos detalhados sobre a maneira como
os escravos deviam ser explorados de modo a darem o maior
rendimento ao proprietário. Recomendava que deviam ser
obrigados a trabalhar tanto nos dias de chuva como nos de
sol e mesmo nos feriados religiosos.

As guerras dos séculos III e II a.C., que foram, sobre-


tudo, travadas em solo italiano, minaram a economia campo-
nesa. As expedições militares a terras distantes do estran-
geiro, que afastavam os camponeses da terra durante meses
e por vezes anos seguidos, também contribuíram para o seu
declínio. Os camponeses empobreceram, deixaram o campo
para procurarem trabalho na cidade, ao mesmo tempo que o
trabalho dos escravos passou, pouco a pouco, a constituir a
principal força da agricultura romana. Além disso, os pe-
quenos e médios camponeses eram incapazes de competir
com as grandes propriedades, onde se utilizava o trabalho
escravo. A pobreza dos camponeses e o seu desejo de pos-
suir terras tornou-se logo um dos mais agudos problemas do
Estado romano.

O desenvolvimento do comércio e das operações finan-


ceiras, a expansão do mercado de escravos, o empobreci-
mento dos camponeses — tudo demonstrava que o Estado
romano se tinha tornado num estado em que praticava a es-
cravatura, isto é, uma sociedade com duas classes diametral-

118
mente opostas: a dos escravos e a dos senhores. Isto, por
sua vez, implicava que as contradições tinham de ser agu-
dizar e haviam de dar origem a uma intensa luta de classes.

A Crise da República Romana


Revoltas de Escravos na Sicília

O primeiro exemplo claro da aguda luta de classes dentro


do Estado romano foi a vaga de revoltas de escravos na Si-
cília.

A Sicília tinha-se tornado uma província romana gover-


nada por um comandante romano. Era uma ilha extrema-
mente fértil, onde os grandes magnates proprietários de
terras tinham numerosas propriedades em que trabalhavam
milhares de escravos. A revolta começou na propriedade de
um certo Damófilo, um desses magnates que tratava os seus
escravos com excepcional crueldade. Damófilo foi assassi-
nado e a sua «villa» incendiada.

Este acontecimento serviu de sinal para uma revolta em


massa. O centro da revolta foi a cidade de Enna, que os es-
cravos conseguiram tomar sob a chefia de um escravo sírio
chamado Euno. Pouco depois, Agrigento também caiu nas
suas mãos. Aqui os escravos revoltosos foram comandados
por Cleon, antigo pastor cilício. Os donos de escravos, aterro-
rizados, tentavam servir-se das diferenças que caracteri-
zavam os dois líderes e da possibilidade de ambos os grupos
pegarem em armas, um contra o outro. Contudo, isto não
aconteceu — pelo contrário, os dois grupos juntaram as suas
forças. Nesta altura, quase toda a Sicília estava nas mãos
dos escravos. Como a maioria dos revoltosos eram sírios,
proclamaram a fundação de um reino neo-sírio e elegeram

119
Euno como rei, atribuindo-lhe o nome tradicional dos reis sí-
rios, Antíoco.

As tropas romanas que estavam na Sicília foram derro-


tadas em vários combates pelos escravos revoltosos. Os Ro-
manos mandaram então um grande exército, comandado por
um cônsul. Porém, a luta foi longa e dura: ao todo, a luta
durou quatro anos (136—132 a.C.). A revolta foi reprimida
com extrema crueldade. Depois de um intervalo de cerca de
trinta anos (104—99), nova revolta de escravos estalou na
Sicília e, de novo, a ilha ficou nas mãos deles por um período
considerável. Mais uma vez os Romanos só conseguiram re-
primir a revolta depois de enviarem numerosas forças para a
ilha.

A Revolta dos Gracos

Na altura da primeira revolta de escravos da Sicília crescia


em Roma um vasto movimento democrático que veio a ser
chamado o Movimento dos Irmãos Gracos.

Tibério Graco provinha do sector plebeu da nobreza, e era


descendente da gens Semprónio e aparentado com os Ci-
piões. No ano 133 foi eleito tribuno e anunciou o seu famoso
plano para uma nova lei agrária, que essencialmente era
uma proposta para estabelecer um limite para a extensão
das propriedades, que não deveriam exceder mil «jugers»
(um juger = cerca de 0,62 acres) por família. Também pro-
punha que a terra em excesso fosse confiscada ou redistri-
buída pelos cidadãos mais pobres em lotes de trinta «ju-
gers».

Propunha ainda a nomeação de uma comissão de três


pessoas a quem se daria liberdade de agir.

120
Quando apresentou estes planos, Tibério Graco tentava
alcançar dois objectivos: reconsolidar o campesinato empo-
brecido e proteger o poder militar romano, pois a base deste
poder era o exército de camponeses. Contudo, às suas pro-
postas opôs-se violentamente a maioria dos senadores, que
eram todos importantes proprietários de terras.

Seguiu-se uma dura luta. Um dos tribunos, colega de Ti-


bério Graco, Marco Octávio, pressionado pelos opositores à
lei agrária, usou do seu direito de veto. Em resposta a esta
acção, Tibério Graco proibiu a todos os funcionários de Es-
tado que tratassem de qualquer negócio de Estado antes de
a nova lei ser posta à votação.

Quando chegou o dia da votação e a Assembleia Tribal


Plebeia se reuniu, Tibério Graco pôs aos presentes a questão
de saber se um tribuno que agisse contra os interesses do
povo devia continuar a desempenhar esse cargo. A resposta
unânime foi negativa e Octávio foi demitido do seu cargo.
Depois disso, a nova lei foi outorgada sem qualquer obstá-
culo e Tibério Graco, o seu irmão Caio e o seu sogro Ápio
Cláudio foram eleitos para formar a comissão.

A comissão realizou o seu trabalho durante um ano em


condições extremamente difíceis. A vaga de ódio da nobreza
e dos senadores por Tibério Graco aumentou, e quando, de-
sejoso de levar a sua reforma até ao fim, Tibério candidatou-
se de novo para o seu cargo nas eleições seguintes (132
a.C.), estalou uma luta na Assembleia Popular. Tibério Graco
e cerca de trezentos dos seus seguidores foram mortos e os
seus corpos atirados ao Tibre.

Depois do assassínio de Tibério, os opositores da reforma


triunfaram. Todavia, o seu triunfo havia de durar pouco. No
ano de 123, o irmão mais novo de Tibério, Caio foi eleito tri-
buno. Caio, que era uma figura ainda mais resoluta e radical
do que o seu irmão, opôs-se abertamente ao Senado e na
121
sua luta contra ele procurou apoio entre os sectores mais po-
bres da população da cidade. Foi no interesse destes sec-
tores, que levou avante a chamada lei dos cereais que esti-
pulava que os cereais dos armazéns do Estado fossem ven-
didos a preços reduzidos. Também no interesse deste estrato
social, Caio Graco introduziu uma lei para a fundação de al-
gumas colónias. Era uma medida oportuna, pois as terras
que tinham sido redistribuídas depois da instituição da re-
forma agrária tinham desde então sido confiscadas. Foram
estabelecidas algumas colónias no Sul da Itália e fizeram-se
planos para fundar outra no local de Cartago destruída.

Por ter levado avante todas estas medidas, Caio conse-


guiu aquilo que não conseguira seu irmão: foi eleito tribuno
pela segunda vez em 122 a.C. Contudo, os inimigos políticos
de Caio não estavam de braços cruzados. Aproveitaram o
facto de Caio estar a fazer planos para fundar uma colónia
em Cartago, sobre a qual fora pronunciado o eterno exter-
mínio. Além disto, durante o segundo ano do seu tribunato,
Caio Graco propôs que os direitos — e, portanto, os privilé-
gios — dos cidadãos romanos fossem concedidos a todos os
povos itálicos. Os inimigos de Graco, defensores do Senado,
não tiveram grande dificuldade em convencer os Romanos de
que a introdução desta lei não seria do seu interesse, visto
que além de outras razões os itálicos poderiam então re-
clamar o seu direito a toda a espécie de despojos militares
tal como os próprios Romanos.

Antes das eleições para o ano seguinte, 121 a.C., quase


toda a população de Roma estava dividida em dois grupos
hostis. Os partidários de Graco tomaram a colina do Aventino
e prepararam-se para um cerco. O Senado declarou estado
de guerra na cidade e mandou tropas especiais atacar o
Aventino. A resistência dos homens de Graco foi em breve
suprimida. Não desejando ser capturado vivo pelo inimigo,
Graco ordenou a um dos seus escravos que o matasse. Os

122
vencedores vingaram-se cruelmente e mataram três mil par-
tidários de Graco.

O movimento chefiado pelos irmãos Graco foi suprimido,


mas o seu impacto far-se-ia sentir na subsequente história
de Roma. Trouxe à luz do dia as sementes de um vasto mo-
vimento revolucionário que começou em Roma e depois se
espalhou por toda a Itália entre os camponeses e o proleta-
riado da cidade. Este movimento foi a luta pela posse da
terra, por direitos políticos e por um estado mais democrá-
tico.

A Sociedade Romana no fim do Século II e no começo


do Século I a.C. a Guerra Social

Características da sociedade romana deste período eram


as relações hostis entre as várias classes e estratos sociais.
Os grupos mais hostis, como vimos, eram o dos proprietários
de escravos e o dos escravos. Mas além destes dois grupos
fundamentais, havia outra classe a que é mais correcto
chamar a classe dos produtores livres, que incluía os campo-
neses médios e pobres e grande variedade de artífices.

Os Romanos não dividiam a sociedade assim, mas defi-


niam alguns estratos sociais que, por vezes, correspondiam
quase exactamente às divisões em classes acima descritas. O
estrato mais elevado da sociedade romana era o da no-
breza ou dos senadores, que incluíam as famílias nobres e
ricas que sempre tinham desempenhado um papel impor-
tante na administração do estado. A principal fonte de ri-
queza destas famílias, eram as terras que possuíam. Os re-
presentantes desta classe ocupavam muitas vezes os mais
altos postos e eram membros do Senado. A segunda classe,
em importância, era a dos chamados equites. Este nome
não implicava de modo algum que servissem na cavalaria: o

123
termo fora herdado do passado, e nesta fase da história de
Roma aplicava-se aos cidadãos ricos que não fossem de as-
cendência nobre, a comerciantes e a pessoas que faziam em-
préstimos de dinheiro. Finalmente, o resto da população era
conhecido pelo nome tradicional de plebe. No campo, a
plebe significava os camponeses, e nas cidades os artí-
fices, os pequenos comerciantes, os mestres dos ofí-
cios e os donos das lojas. Os escravos, aos olhos dos Ro-
manos, não constituíam uma classe separada, embora na
prática fossem uma classe separada e isolada, privada de
todos os direitos.

Na vida política de Roma eram os senadores que agiam


sempre do modo mais reaccionário e antidemocrático.
O bastião da democracia,tanto na cidade como no campo,
era a plebe. Os equites ocupavam uma posição intermédia.
Muitas vezes apoiavam a plebe, especialmente nas cidades,
mas quando consideravam que a plebe estava a tomar posi-
ções demasiado revolucionárias, então transferiam-se para o
lado da aristocracia. Os escravos ocupavam uma posição de
importância quase nula na vida política romana.

Depois da revolta dos Gracos, apesar das duras medidas


tomadas pela nobreza, as forças democráticas da sociedade
romana começaram a afirmar-se. Foi impossível aos nobres
parar por completo o movimento que tinha sido iniciado pelos
irmãos Gracos. Além disso, os senadores tinham-se compro-
metido seriamente, durante a guerra com o rei Jugurta da
Numídia. Revelou-se que esta guerra tinha sido travada sem
eficiência e sem êxito porque Jugurta tinha subornado vários
senadores romanos e até generais. A guerra só tomou um
curso diferente depois de o comando ter sido confiado a um
chefe militar que não era de ascendência nobre, mas que era
extremamente talentoso e bem visto nos círculos democrá-
ticos — Caio Mário. Não só conseguiu submeter Jugurta mas
também evitou um perigo muito maior que ameaçava Roma

124
pelo Norte — a ameaça de invasão pelos cimbros e teutões
(tribos de origem céltica e germânica).

Mário fez reformas militares e políticas extremamente im-


portantes. Desde que as leis de Sérvio Túlio tinham sido
aprovadas, só os membros das cinco classes que possuíam
propriedades eram elegíveis para o serviço militar, sendo ex-
cluídos os proletarii. Mário eliminou estas restrições e este
facto teve como resultado mudanças radicais na estrutura
social do exército. Enquanto, até este momento, a maior
parte do exército tinha sido formada por camponeses mais
ou menos prósperos, o papel e a influência das camadas so-
ciais mais pobres começava agora a fazer-se sentir muito
mais.

No final do século II a.C. e começos do século I, o movi-


mento democrático consolidou-se ainda mais. Alguns tri-
bunos, seguidores dos Gracos, vieram a desempenhar um
papel importante na política romana. Por exemplo, no ano
100, Saturnino fez aprovar uma lei sobre a distribuição da
terra aos soldados de Mário e uma nova redução no preço do
pão. Depois, em 91 a.C., Marco Lívio Druso apresentou uma
proposta para fazer dos itálicos cidadãos com todos os di-
reitos. Contudo, neste período, as forças da reacção, particu-
larmente o Senado, ainda eram suficientemente fortes para
oferecer resistência a tais reformas: Druso foi assassinado,
mas o seu assassínio foi o sinal para uma revolta popular
através de toda a Itália.

A guerra civil grassou por toda a Itália e durou dois anos


(90 a.C. — 88 a.C.). Roma nunca se tinha encontrado em se-
melhante situação. E a vitória de Roma não passou de uma
vitória formal — só depois de se terem prometido aos itálicos
direitos iguais é que estes começaram a pôr fim às hostili-
dades, e tinha sido esta, afinal, a causa da guerra.

125
A guerra civil iria desempenhar um papel de grande im-
portância na história posterior de Roma. Como todos os habi-
tantes da Itália se tinham agora tornado cidadãos romanos, a
cidade de Roma e o seu povo perderam a sua antiga impor-
tância e a sua posição privilegiada. De facto, o resultado
desta guerra representou uma vitória para a Itália, como um
todo, sobre Roma.

A Luta entre Mário e Sila

Enquanto a guerra civil ainda durava, atearam-se novas


hostilidades no Oriente, onde os Romanos se encontravam
numa situação extremamente perigosa. O rei do Ponto, Mitrí-
dates VI, adiantou-se como campeão dos interesses dos
povos do Oriente.

Mitrídates VI era, sem dúvida, uma figura notável. Muito


alto e forte, tinha uma vasta cultura, dominando inclusiva-
mente vinte e duas línguas. Conseguiu alargar as fronteiras
do seu reino e incluir nele o reino do Bósforo, a Cólquida e a
Pequena Arménia. No ano 88, invadiu as possessões ro-
manas da Ásia Menor com um grande exército. A população
local recebeu-o como libertador e quando Mitrídates deu o
sinal, trinta mil romanos das cidades da Ásia Menor foram
mortos num só dia. Levado por esta onda de êxitos, Mitrí-
dates avançou para ocupar a Grécia.

O comando do exército romano enviado ao encontro de


Mitrídates foi confiado a Sila, que tinha sido eleito cônsul no
ano 88. Tinha conquistado a reputação de chefe militar com-
petente no decurso de uma guerra civil recente. Porém,
sabia-se que Sila era partidário do Senado, e o povo de
Roma, conduzido pelo tribuno Sulpício Rufo, opôs-se a que
fosse escolhido Sila. A Assembleia Popular decidiu nomear
Mário em lugar de Sila para chefiar esta campanha.

126
Quando Sila teve conhecimento desta decisão — na altura
estava no Sul da Itália com o seu exército — fez um discurso
aos soldados. Depois de os convencer do seu ponto de vista,
Sila marchou sobre Roma com o seu exército. A luta ir-
rompeu pelas ruas da cidade: Sulpício Rufo foi morto e Mário
fugiu. Assim, pela primeira vez na sua longa história, Roma
foi tomada por soldados romanos rebeldes. Depois disto, Sila
partiu com as suas tropas para a Grécia, onde passou quase
três anos e onde obteve algumas vitórias sobre Mitrídates, o
que lhe deu a possibilidade de expulsar as forças inimigas da
Grécia. Sila não foi até à Ásia Menor, porque Mitrídates já
tinha pedido a paz. E, além disso, Sila precisava de terminar
as hostilidades, porque, durante a sua ausência, Mário tinha
tomado o poder em Roma e as circunstâncias exigiam o seu
rápido regresso.

O golpe de Estado que houve em Roma fora chefiado por


Cina e Mário, que tinha sido eleito cônsul pela sétima vez.
Contudo, pouco depois de assumir estas funções, Mário
morreu. Apesar disso, Sila foi mais uma vez obrigado a
tomar Roma pela força. Na Primavera de 83 a.C. aportou
com o seu exército ao Sul de Itália, o que marcou o começo
da última etapa da guerra civil. Sila conseguiu a vitória e de-
pois de marchar sobre Roma conseguiu pela segunda vez a
ditadura. Para afastar os seus opositores políticos utilizou as
proscrições, listas especiais de pessoas que foram postas fora
de lei e que qualquer pessoa podia matar e inclusive ser re-
compensada por isso.

Deste modo, mais de 100 senadores e 2500 cavaleiros


foram assassinados. Sila promulgou um grande número de
leis antidemocráticas, o que limitou o poder dos tribunos e
proibiu os subsídios de trigo, etc. Porém, o reinado de terror
de Sila, não durou muito tempo e a leis promulgadas por ele,
em breve foram abolidas.

127
A Revolta de Espártaco

A revolta dos escravos organizada por Espártaco foi das


mais dramáticas em toda a história do Império Antigo. Co-
meçou no ano 73 e prolongou-se até 71 a.C.

A primeira conspiração de cerca de duzentos escravos,


reuniu-se numa das praças das escolas de gladiadores na ci-
dade de Cápua. A conspiração foi descoberta, mas um pe-
queno número de cerca de oitenta escravos conseguiu es-
capar. Fixaram-se no monte Vesúvio e escolheram Espártaco
para os dirigir. Este era um verdadeiro líder, um organizador
de talento e um comandante militar. Originário da Trácia, pa-
rece ter servido nas forças auxiliares romanas antes de ter
sido vendido como escravo, por desertar.

De princípio, pouca importância foi dada a esta conspi-


ração e à fuga dos gladiadores. Contudo, as forças de Espár-
taco aumentaram rapidamente, e os Romanos enviaram um
destacamento contra ele. Este destacamento ganhou o con-
trolo da única descida do Vesúvio, cortando as comunicações
do exército escravo. Porém, isto deu a oportunidade a Espár-
taco de pôr à prova os seus talentos de comandante militar.

Sob o seu comando, os escravos fizeram cordas das gavi-


nhas das uvas e de madrugada um pequeno grupo abriu ca-
minho até à retaguarda do campo inimigo, sendo bem suce-
dido em pôr em debandada as tropas romanas. Em breve, o
exército de Espártaco, composto por vários milhares, devas-
tava quase todo o Sudoeste da Itália.

Contudo, em dada altura, deu-se uma rotura no exército


escravo, o que já se previa, em virtude do exército de Espár-
taco ser composto de escravos de várias nacionalidades —
Trácios, Gregos, Gauleses e Germanos. Dois destacamentos

128
dispersaram do principal exército, sendo em breve derro-
tados pelos Romanos. Entretanto, Espártaco deslocou-se
para o Norte, e mais tarde, perto da cidade de Mutina obteve
uma estrondosa vitória, que marcou um alto ponto do seu
sucesso. Logo após este acontecimento o seu exército totali-
zava 120 000 homens.

Depois da batalha de Mutina, Espártaco dirigiu-se a Roma.

Verdadeiras incursões de terror surgiram na cidade, como


os Romanos provavelmente nunca haviam experimentado
desde o tempo de Aníbal. O Senado outorgou leis de emer-
gência a um riquíssimo proprietário de escravos, Marco
Crasso, e ordenou-lhe que dirigisse as legiões contra Espár-
taco.

Porém, Espártaco passou ao lado de Roma e marchou


para o Sul. Era mais que provável que ele planeava navegar
para a Sicília. Todavia, esta marcha provou-se ser impossível
de organizar, devido à carência de navios, e as jangadas que
os escravos construíram para este fim foram despedaçadas
por uma tempestade. Por esta altura, Crasso e a sua armada
conseguiram alcançá-los. A batalha decisiva travou-se no ano
de 71 no Sul da Itália. Antes de a batalha começar, os ho-
mens de Espártaco trouxeram ao seu líder um cavalo, mas
ele puxou da espada e matou-o, declarando que se estava
previsto ele sair vitorioso, então seriam necessários um
grande número dos mais belos cavalos postos à sua dispo-
sição, mas se fosse para perder, então não necessitaria de
qualquer cavalo. Depois de uma sangrenta batalha, na qual
houve perdas de ambos os lados, os escravos foram derro-
tados. O próprio Espártaco, depois de uma heróica luta, foi
morto no campo.

A revolta escrava foi brutalmente reprimida. Como modo


de vingança, e para realçar o seu triunfo, os vencedores cru-
cificaram seis mil escravos na estrada de Cápua, na cidade
129
onde a revolta começou, até Roma. A revolta de Espártaco
foi exactamente um indicativo de como as agudas contradi-
ções entre as duas classes principais da sociedade de Roma
— os escravos e os donos dos escravos — se tinham desen-
volvido.

A Campanha de Pompeu no Oriente

Quase simultaneamente com a revolta de Espártaco co-


meçou uma nova guerra contra Mitrídates (74 - 64 a.C.). Du-
rante os primeiros sete anos desta guerra, o exército romano
do Oriente foi comandado pelo experiente Lúculo. Conseguiu
alguns grandes êxitos mas foi incapaz de derrotar Mitrídates
completamente. Além disso, a sua extrema severidade pro-
vocou uma grande insatisfação entre os soldados. Facto que
levou a Assembleia Popular (contra a vontade do Senado) a
dar o comando do exército do Oriente a Pompeu.

Gnaeus Pompeu tinha alcançado fama quando Sila ainda


estava no poder e consolidou a sua reputação durante a
guerra civil e foi mais tarde enviado para ajudar Crasso a es-
magar a revolta de Espártaco. Não conseguiu juntar-se-lhe a
tempo da batalha principal, mas, depois de Espártaco ter sido
morto, enfrentou e derrotou um grande destacamento do
exército dos escravos que tinha fugido e se dirigia para o
Norte. No ano 67, obteve grande popularidade pela sua enér-
gica e bem sucedida campanha contra os piratas que aterro-
rizavam toda a costa mediterrânica. Pompeu desempenharia
a sua missão seguinte — derrotar Mitrídates — com igual
êxito. Não só venceu o exército do rei do Ponto mas entrou
na Arménia e conseguiu fazer dela um reino vassalo, deu
apoio à revolta no reino do Bósforo, depois do que Mitrídates
se suicidou, e, finalmente, conquistou a Síria e a Judeia. Na
Ásia Menor restabeleceu e voltou a fundar alguns dos pe-
quenos estados súbditos de Roma. Como foi proclamado por

130
ocasião do seu triunfo em Roma depois da campanha,
Pompeu tinha derrotado 22 reis, conquistado 1538 cidades e
fortalezas e subjugado cerca de 12 milhões de pessoas. A
Campanha de Pompeu no Oriente completou a submissão do
Oriente helenístico (à excepção do Egipto), que tinha come-
çado depois da Segunda Guerra Púnica.

Foi na altura em que Pompeu regressou a Roma com o


seu exército que a conspiração de Catilina foi denunciada e
esmagada. Lúcio Sérgio Catilina, membro de uma longa li-
nhagem de patrícios, chefiou um movimento que tinha por
objectivo fazer um golpe de Estado e abolir as dívidas. Este
segundo objectivo dos conspiradores atraía tanto a nova ge-
ração da aristocracia, que estava cheia de dívidas, como os
sectores mais pobres da população da cidade.

O famoso orador Cícero, que tinha sido eleito cônsul em


63 a.C., opôs-se activamente a Catilina e aos seus cúmplices.
Primeiro, conseguiu que Catilina fosse banido de Roma, e
mais tarde conseguiu mandar prender os restantes cabeci-
lhas da conspiração que lá tinham ficado. Numa reunião do
Senado especialmente convocada, a sua sorte foi decidida e
nessa mesma noite foram todos executados. Entretanto, Ca-
tilina reuniu um pequeno exército na Etrúria contra o qual o
Senado enviou tropas chefiadas pelo cônsul António. Durante
a renhida batalha que se seguiu, Catilina e cerca de 3000 dos
seus partidários morreram corajosamente.

O Primeiro Triunvirato e a Guerra Gaulesa

Pouco depois de a conspiração de Catilina ter sido esma-


gada, o poder político em Roma foi tomado por três desta-
cados chefes que formaram o primeiro triunvirato (60 a.C.)
— uma coligação de três dirigentes — que logo foi, e bem,

131
baptizada de «o monstro de três cabeças». Os seus membros
eram Pompeu, Crasso e Júlio César.

Caio Júlio César (100 - 44 a.C.) ainda não era uma figura
tão proeminente como Crasso e Pompeu. Era, contudo, um
homem tremendamente ambicioso, enérgico e talentoso.
Tornou-se desde logo o verdadeiro líder do triunvirato, parti-
cularmente depois de ter sido eleito cônsul em 59 a.C. Como
cônsul, César tentou seguir a política dos tribunos democrá-
ticos. Fez aprovar uma lei agrária, que decretava que se
dessem parcelas de terra aos antigos soldados de Pompeu
(veteranos).

Contudo, César compreendeu que os sectores democrá-


ticos da população, isto é, a plebe, tanto nas cidades como
no campo, não lhe podiam dar o apoio firme que ele preci-
sava para levar avante a sua ambição de poder. Esta re-
queria tropas dedicadas e bem armadas. César foi, assim, le-
vado a esforçar-se por obter o posto de governador da pro-
víncia da Gália por cinco anos. E como a Gália tinha ainda de
ser conquistada, César teve autorização para convocar um
exército.

A conquista da Gália levou sete anos. O primeiro inimigo


que César enfrentou foi a tribo dos helvécios (que viviam no
território da actual Suíça). Depois enfrentou os Suevos co-
mandados por Ariovisto. Finalmente, depois de uma longa
luta contra os Belgas, a Gália foi conquistada e declarada
província romana. Em honra destas vitórias, o Senado de-
cretou que se efectuassem ritos de acção de graças durante
quinze dias.

Na Primavera do ano 56, em Luca (ao Norte da Etrúria),


realizou-se uma reunião dos triúnviros e os poderes
de César na Gália foram prolongados por mais cinco anos.
Em 55 a. C., César fez uma expedição ao Reno para subjugar

132
as tribos germânicas que lá estacionavam e em 54 a.C.
aportou à Grã-Bretanha.

No entanto, em breve se verificou que a Gália não estava


de todo submetida. No ano 54 estalou uma rebelião gaulesa
em larga escala. Os iniciadores desta revolta foram as tribos
dos Asvernos chefiadas por Vercingetorix. Os Romanos es-
tavam numa posição muito difícil, porque César só tinha 60
000 homens contra os 300 000 do inimigo. Foram as hábeis
manobras de César, o seu talento de organizador e de chefe
militar e a sua subtil diplomacia, secundados por um conflito
nas fileiras do exército revoltoso, que deram aos Romanos a
possibilidade de saírem vitoriosos desta batalha. No ano de
51 a.C., foram vencidos os últimos baluartes dos rebeldes.

Os resultados da conquista da Gália foram muito


grandes. César subjugou 300 tribos, tomou de ataque 800 ci-
dades e fez um milhão de prisioneiros. Também trouxe para
Roma muitos despojos: em Roma, o preço do ouro desceu
muito e vendia-se à libra. Este conjunto de factores ajudou
a aumentar a popularidade de César.

A Guerra Civil

No final da guerra da Gália, o primeiro triunvirato tinha


praticamente deixado de existir a seguir à derrota e morte de
Crasso na campanha contra os Partas. Quanto a César e
Pompeu, quanto mais bem sucedido e popular o primeiro se
tornava, tanto mais frias e hostis eram as relações entre si.
Depois que o cargo de César na Gália chegou ao seu fim, co-
municaram-lhe que tinha de licenciar as suas legiões.

Contudo, César não o fez e o Senado declarou-o inimigo


da Pátria e encarregou Pompeu de reunir um exército em
Itália e de ir ao seu encontro.

133
Mas César não perdeu tempo à espera de Pompeu. Em Ja-
neiro de 49 a.C., atravessou com uma das suas legiões o Ru-
bicão, que marcava a fronteira entre o território sob o co-
mando de César e a Itália. Segundo a tradição, atravessou o
Rubicão com as palavras «a sorte está lançada», porque
sabia que a sua acção marcava o começo de um novo capí-
tulo da guerra civil.

As cidades do Norte de Itália mal ofereceram resistência


às tropas de César. Pompeu, que não tivera tempo de fazer
os preparativos necessários para a guerra, refugiou-se nos
Balcãs onde foi seguido por grande número dos sena-
dores. César entrou em Roma sem encontrar resistência. No
entanto, não fazia sentido que permanecesse lá por muito
tempo, e por isso partiu com as suas tropas para Espanha,
onde havia sete legiões leais a Pompeu. Depois de as der-
rotar e assegurar a retaguarda, César decidiu caminhar para
os Balcãs.

De início, a campanha de César contra Pompeu teve bas-


tantes insucessos. Em certa ocasião, César sofreu uma
grande derrota, mas o seu opositor não tirou vantagem da
sua vitória com suficiente energia, e César conseguiu con-
servar a maior parte do seu exército. A batalha decisiva foi
travada em 48 a.C. perto da cidade de Farsália. O exército de
Pompeu foi derrotado e este fugiu para o Egipto onde foi as-
sassinado à traição.

César seguiu Pompeu até ao Egipto. Neste país interferiu


em questões de Estado e intrigas locais, vindo em ajuda da
rainha Cleópatra contra o seu irmão. O resultado foi o eclodir
de uma revolta em Alexandria que César teve dificuldade em
esmagar. Depois disso, foi obrigado a ir para leste contra
Farnaces, filho de Mitrídates. César saiu vitorioso desta cam-
panha que concluiu com uma impressionante velocidade,

134
apenas em cinco dias, e mandou, então, ao Senado a sua fa-
mosa mensagem «Veni, vidi, vici».

As principais forças de Pompeu estavam agora em África,


e com elas o inveterado inimigo de César, Catão, o Moço. No
ano 46 a.C., teve lugar uma importante batalha perto de
Thapso na costa oriental da província romana da África, perto
da actual Tunes. O exército de Pompeu foi derrotado de uma
vez para sempre e Catão suicidou-se. Pouco de-
pois, César conseguiu submeter a Numídia e no Verão desse
mesmo ano voltou a Roma onde se fizeram pródigas mani-
festações em honra das suas vitórias sobre a Gália, o Egipto,
o Ponto e a Numídia.

Contudo, a luta contra os partidários de Pompeu não tinha


ainda acabado. Os filhos de Pompeu conseguiram retomar a
luta, desta vez em Espanha. No ano 45, na batalha de
Munda, César infligiu o último golpe aos seus inimigos, em-
bora só depois de uma luta que custou muitos mortos. O pró-
prio César admitiu que nesta ocasião lutara não pela vitória,
mas pela própria vida.

Assim, a guerra civil acabou e César foi feito ditador vita-


lício. Agora, parecia não haver limites para o seu poder. A
Assembleia Popular obedecia inteiramente aos seus desejos e
os cargos públicos eram distribuídos de acordo com as suas
recomendações.

Pouco a pouco, começaram a manifestar-se no comporta-


mento de César tendências monárquicas. Em várias ocasiões
os seus seguidores mais íntimos tentaram persuadi-lo a
aceitar a coroa. Quando César começou a preparar uma ex-
pedição contra os partas, para vingar a morte de Crasso, co-
meçou a murmurar-se que só um rei podia conquistar a
Pártia.

135
Tudo isto levou ao descontentamento não só entre o povo
mas também entre alguns senadores que conside-
ravam César um tirano. Formou-se uma conspiração contra
ele e em 15 de Março de 44 a.C. César foi assassinado no
Senado, apunhalado por um grupo de conspiradores dirigidos
por Bruto e Cássio. Encontraram-se 23 feridas no seu corpo.

O Segundo Triunvirato

Depois da morte de César espalhou-se a agitação. A sim-


patia do público em Roma estava contra os conspiradores, e
Bruto e Cássio foram obrigados a fugir da cidade. O senhor
virtual de Roma, depois do assassínio de César, foi Marco An-
tónio, um dos seus amigos mais íntimos, que fora eleito
cônsul em 44 a.C.

Pouco depois, um jovem e perigoso rival aparecia em


cena. Era o filho adoptivo de César, Octávio, de 19 anos. De
início, Marco António tratou-o com desprezo, mas Octávio
respondeu-lhe fazendo uma aliança temporária com o Se-
nado. Cícero pôs a sua eloquência ao serviço de Octávio e di-
rigiu todos os golpes da sua hábil oratória contra o novo ti-
rano, Marco António.

Começara, então, o último capítulo da guerra civil. O Se-


nado encarregou Octávio de pegar em armas contra Marco
António, que foi derrotado. Enquanto o Senado se preparava
para celebrar o sucesso, Octávio traiu-o e chegou a um
acordo com Marco António e com outro conhecido partidário
de César, Lépido, para formarem o segundo triunvirato. Esta
aliança (ao contrário do primeiro triunvirato) foi oficialmente
reconhecida pela Assembleia Popular. Os triúnviros impu-
seram um reinado de terror sem precedentes — muitos mi-
lhares de pessoas morreram vítimas das proscrições e um

136
dos primeiros foi o implacável inimigo de Marco António, Cí-
cero.

Entretanto, os primeiros líderes da conspiração


contra Júlio César — Bruto e Cássio — tinham reunido um
grande exército nos Balcãs. Os triúnviros partiram a per-
segui-los e no ano 42 os dois exércitos encontraram-se perto
de Filipos, na Macedónia. Na batalha que se seguiu, Bruto e
Cássio foram mortos, e foi a derrota final para os partidários
da República do antigo Senado.

Como acontecera com o primeiro triunvirato, também


agora surgiram sérios desentendimentos entre os triúnviros.
Lépido, na verdade, nunca representou uma força a consi-
derar, mas Marco António que partira para o Oriente fez uma
aliança com Cleópatra e declarou-se não só governador ro-
mano mas novo autocrata, e ainda sucessor de Alexandre, o
Grande. Dispôs dos territórios orientais de Roma, como se
fossem suas possessões pessoais, dando províncias inteiras
de presente aos filhos de Cleópatra.

A consequência de tudo isto foi o corte entre Octávio e


António. Os romanos declararam oficialmente guerra a Cleó-
patra e no ano de 31 a.C. a frota egípcia foi derrotada na ba-
talha de Actium. Pouco depois, as tropas de Octávio che-
garam a Alexandria e António e depois Cleópatra suicidaram-
se. Assim, o Egipto, o último dos estados helenísticos do Me-
diterrâneo, tornou-se parte do Estado romano. O seu último
dominador com poderes ilimitados foi Octávio. A guerra civil
tinha acabado.

Em 13 de Janeiro de 27 a.C., Octávio tomou uma decisão


hábil, declarando hipocritamente no Senado e na Assembleia
Popular que se estava a preparar para prescindir dos poderes
de emergência e «restabelecer a República». Contudo, os se-
nadores convenceram-no a manter o poder oficial e atri-
buíram-lhe o título honorífico de Augusto. Esse dia marcou o
137
início do domínio de César Augusto, o primeiro imperador ro-
mano. A República tinha deixado de existir. Começara a era
do império romano.

Capítulo VIII - A Roma Imperial

O Primeiro Período
O Principado de César Augusto

Ao contrário de César, seu pai adoptivo, Octávio fez o


possível por minimizar os aspectos monárquicos do seu
poder. Era um homem extremamente cauteloso e parcimo-
nioso, e chamava-se a si próprio simplesmente «o primeiro
entre iguais» (primus inter pares) ou «princeps», visto que
o seu nome era o primeiro da lista dos senadores. A estru-
tura política do Estado romano que tomou forma durante o
reinado de César Augusto e que durou por todo o primeiro
período do império foi chamada o principado.

O principado pode ser definido com uma Monarquia com a


aparência de uma República. O Senado e todos os cargos ofi-
ciais republicanos foram conservados. Além disso, Octávio
mostrou particular respeito para com os senadores e fez-se
eleger cônsul, por treze vezes. Tratou os procônsules e os tri-
bunos de igual maneira e ocupou ele próprio o cargo de
sumo-sacerdote e adoptou o título honorífico de «pai da Pá-
tria». É claro que esta restauração da estrutura do estado re-
publicano foi estritamente formal, visto que todos os cargos
oficiais, estavam concentrados nas mãos de um só homem.
Além disto, César Augusto foi declarado comandante em
chefe das forças armadas, e o tradicional título militar de

138
«imperator» (imperador) foi incluído na sua lista de títulos e
nomes.

Durante o principado de Augusto, a Assembleia Popular


foi gradualmente privada do seu significado. A política de
César em relação à plebe pode ser resumida nas palavras
«pão e circo» — por outras palavras: distribuía-se pão de
graça, e realizavam-se jogos e entretenimentos extrava-
gantes para o populacho, enquanto se faziam todos os es-
forços para impedir o povo de participar na vida política. Au-
gusto procurava o seu principal apoio junto dos grandes pro-
prietários de terras, não só de Roma mas de toda a Itália, e
junto do exército romano.

César Augusto promulgou algumas medidas para conso-


lidar o sistema da escravatura. Foi outorgada uma lei que de-
cretava que em caso de assassínio de um proprietário de es-
cravos todos os escravos da sua casa seriam executados. Li-
mitou também o número de escravos a quem se podia con-
ceder a liberdade e proibiu a ascensão de escravos «libertos»
às camadas mais elevadas da sociedade. Quanto ao exército,
depois de as guerras civis terem acabado, Augusto reduziu
consideravelmente o número de legiões e estabeleceu a cha-
mada guarda pretoriana, tropas com privilégios especiais que
constituía a guarda pessoal do «princeps» e em que ele con-
fiava absolutamente.

A política externa de César Augusto foi altamente caute-


losa. Preferiu estender o império romano por meio de negoci-
ações diplomáticas a fazê-lo pela guerra. Desta maneira,
conseguiu obter o controlo da Arménia e do reino do Bósforo.
A penetração romana na Germânia foi de início muito bem
sucedida até que se deu uma revolta das tribos germânicas.
No ano 9 d.C., as tribos revoltosas infligiram um golpe esma-
gador às tropas romanas na batalha da floresta de Teuto-
burgo.

139
César Augusto foi chefe supremo do império romano du-
rante 45 anos. Ordenou que o poder imperial se tornasse he-
reditário, e quando morreu no ano 14 d.C. sucedeu-lhe o seu
enteado Tibério.

O Período Áureo da Literatura Romana

O reino de Augusto coincidiu com o período áureo da lite-


ratura romana. Neste contexto deve referir-se Virgílio (Pú-
blio Virgílio Marão, 70-19 a.C.), que escreveu ao Bucó-
licas — ciclo de dez poemas que exaltam as belezas da natu-
reza e os méritos da vida no campo, as Geórgicas, poema
da vida e conselhos agrícolas, e uma obra ainda mais famosa
do que as anteriores, a Eneida, poema épico em 12 livros
segundo o modelo de Homero. A Eneidaconta a história do
lendário antecessor da gens Júlia da qual descendiam Júlio
César e Augusto. O poema de Virgílio é uma epopeia artifi-
cial, baseada que é em mitos e lendas: o seu verdadeiro sig-
nificado é um mal disfarçado elogio de César Augusto como
homem e como governante.

Outro poeta notável desta época foi Horácio (Quintus Ho-


ratius Flaccus, 65 - 8 a.C.), autor das Sátiras, Épodes,
Odes e Epístolas. Horácio era essencialmente um poeta lí-
rico, embora nalgumas das suas obras se verifique um certo
esforço polémico e como Virgílio cantasse elogios a Augusto.
O seu famoso poema Exegi Monumentum («O monu-
mento») inspirou muitas imitações, mesmo nos tempos mo-
dernos.

O terceiro grande poeta deste período foi Ovídio (Públio


Ovídio Nasão, 43 a.C. -17 d.C.). As suas primeiras obras
foram, sobretudo, poemas de amor. Mas os mais famosos
dos seus poemas são as Metamorfoses, uma narrativa poé-
tica de vários mitos, e os Fastos, nos quais as lendas antigas

140
estão ordenadas em forma de um calendário romano onde
inclui todos os feriados e festas nacionais. No ano 8 d.C., por
razões que desconhecemos, Ovídio foi exilado para uma re-
gião distante do império onde acabou os seus dias. As
obras Tristia e Epistulae ex Ponto datam deste período da
sua vida.

Entre os estudiosos romanos deste período, uma das fi-


guras mais notáveis foi o historiador Tito Lívio (59 a.C. - 17
d.C.), autor de uma volumosa história de Roma em 142 li-
vros, intitulada Ab urbe condita libri, que encomiava o pas-
sado heróico da cidade. Outra figura notável foi o estudioso
Plínio, o Antigo (séc. I d.C.), cujos escritos incluem a cé-
lebre Historia Naturalis, na qual aborda vários campos das
ciências naturais — cosmografia, botânica, zoologia, minera-
logia, etc.

Durante o reinado de Augusto, a arquitectura e as belas-


artes também se desenvolveram. O forum romano (a praça
central) foi reconstruído e foram erigidos alguns edifícios pú-
blicos e templos, incluindo o famoso Ara Pacis Augustae
(Altar da Paz). O próprio Augusto afirmou em várias ocasiões
que começou o seu reinado numa cidadela de tijolo e deixou
atrás de si uma cidade de mármore. Na verdade, durante o
seu reinado, Roma cresceu consideravelmente e pouco a
pouco começou a adquirir a aparência de capital de um
grande império.

O Império Romano no Século I d.C.

Durante o séc. I d.C., Roma foi governada por impera-


dores da linhagem Júlia-Cláudia, o mais famoso dos quais
foi Nero (54—68 d.C.), homem pervertido e cruel, respon-
sável pelo assassínio do seu irmão e da sua própria
mãe. Nero não tinha tempo para se ocupar do Senado e

141
mandou executar muitos senadores, sem sequer tentar dis-
farçar as suas tendências despóticas. Durante o seu reinado
foram gastas somas enormes com despesas da corte impe-
rial, e ele e os seus favoritos viviam no meio de um luxo sem
precedentes. Nero, que tinha um grande amor pela música e
pelo canto, costumava representar no palco e chegou a per-
correr a Grécia dando espectáculos musicais. No ano 64,
ocorreu em Roma um incêndio enorme, que durou uma se-
mana inteira e destruiu dez dos catorze bairros da cidade.
Entre a populaça murmurava-se que o próprio Nero tinha
deitado fogo à cidade para poder gozar um espectáculo raro.
A crueldade do imperador e os seus caprichos macabros aca-
baram por provocar uma revolta. A guarda pretoriana traiu-o
e Nero foi obrigado a suicidar-se. Diz-se que exclamou antes
de morrer: «Que artista morre comigo!».

Já com o apoio das suas legiões, Vespasiano tomou o


poder a seguir a Nero e fundou a dinastia dos Flávios. Vespa-
siano, que reinou de 69 a 79 d.C. tinha feito nome como o
chefe militar durante a repressão da revolta da Judeia que
rebentara durante o reinado de Nero e durou de 66 a 70 d.C.
A Vespasiano seguiram-se os seus dois filhos, Tito e Domi-
ciano. Durante o reinado de Tito, deu-se uma erupção do
monte Vesúvio que submergiu em lava as duas cidades de
Pompeia e Herculano. Nestas cidades fizeram-se mais tarde
escavações que nos deram a possibilidade de ter um quadro
bastante nítido da vida e dos costumes das pequenas cidades
do império romano.

Sob a dinastia dos Flávios começaram a operar-se impor-


tantes alterações no Estado romano. Os imperadores pas-
saram a confiar cada vez mais na nobreza de província e a
dar-lhe lugares, em número sempre crescente, entre os re-
presentantes no Senado. Desta maneira, os principais propri-
etários de terras, não só de Roma e da Itália mas do império

142
como um todo, tornavam-se o principal bastião do poder im-
perial.

O Império Romano no Século II d.C.

No séc. II d.C., o império romano foi governado pela di-


nastia dos Antoninos. Os mais famosos membros desta di-
nastia foram Trajano (98-117), em cujo reinado Roma fez as
suas últimas aquisições territoriais (as províncias da Dácia,
Arábia, Arménia e Mesopotâmia), Adriano (117-138), que em
vez de procurar novas conquistas se aplicou ao desenvolvi-
mento do aparelho administrativo e burocrático necessário
para o controlo de tão grande império, e, finalmente, Marco
Aurélio (161-180), famoso pelos seus escritos filosóficos. Du-
rante o reinado deste último, apareceram os primeiros sinais
de crise do império, simultaneamente com a pressão dos
povos bárbaros nas fronteiras.

O séc. II é encarado como o período áureo do império ro-


mano. Foi o período da máxima expansão territorial. As suas
fronteiras estendiam-se da Escócia, ao Norte, às cataratas do
Nilo, ao Sul, e das costas do Atlântico, a Ocidente, até ao
golfo Pérsico, a Oriente.

No entanto, a natureza do Estado romano não era só de-


terminada por estes factores externos. A sociedade baseada
na escravatura tinha atingido nesta altura o auge do seu de-
senvolvimento. A maior parte das terras e das indústrias
eram orientadas para uma economia de mercado e o co-
mércio interno e externo desenvolviam-se. Como resultado,
os proprietários de escravos esforçavam-se por tirar deles o
máximo proveito, e não tinham escrúpulos em utilizar formas
de exploração selvagens. A situação dos escravos tornava-se
ainda mais cruel. À mínima falta eram encarcerados em pri-
sões especiais que existiam em todas as propriedades, fa-

143
ziam-nos trabalhar acorrentados, eram espancados e conde-
nados à morte. Os escravos eram mantidos em submissão
com medidas de terror. Aconteceu, por exemplo, que um
nobre romano foi morto por um seu escravo; segundo a lei
promulgada, como dissemos, no reinado de Augusto, todos
os seus escravos de cidade — neste caso eram 400 — incor-
riam na pena de morte. Embora provavelmente o povo de
Roma, indignado perante esta medida cruel, pudesse erguer-
se e protestar, a sentença foi executada e os 400 escravos
foram mortos.

O apogeu do império romano também foi marcado por


progressos económicos nas províncias e particularmente na
vida urbana das províncias. Nas cidades das províncias oci-
dentais (Gália, Espanha, etc.) apareceram muitos comerci-
antes e artesãos, unidos em collegiae, que serviam não só
os centros comerciais locais mas as partes mais remotas do
império. No Oriente, o comércio também progrediu na Ásia
Menor e na Síria. Além disso, foram estabelecidas ligações
comerciais regulares com a Arábia e a Índia, e mais tarde,
até com a China. Destas terras vinham especiarias, per-
fumes, marfim e seda.

Em resultado das novas e florescentes rotas comerciais,


muitas novas cidades foram fundadas em sítios onde desta-
camentos do exército romano ficavam por tempo suficiente.
Por outro lado, várias cidades antigas voltaram a ganhar vida
nesta altura. Regra geral, os centros urbanos das províncias
gozavam de um certo grau de autonomia, tendo os seus pró-
prios senados e funcionários.

Contudo, o povo das províncias irritava-se com a dureza


do governo romano. A terra foi espoliada aos camponeses lo-
cais e doada aos colonos romanos, enquanto os primeiros
caíam frequentemente na escravatura por dívidas. A popu-
lação das províncias estava sujeita a pesados impostos; as

144
requisições de géneros pelo exército eram uma prática fre-
quente. A conjugação destes factores esteve na origem das
maiores revoltas que se deram em algumas províncias, como
a Gália, a Grã - Bretanha e a África, no séc. I, e a Palestina,
no séc. II. Contudo, o império romano nessa altura era sufici-
entemente forte para esmagar estes movimentos, que não
representavam uma ameaça séria ao seu poder centralizado.

O Declínio e a Queda do Império


A Crise do Século III

O período áureo do império romano terminou no ano de


192, quando o último imperador da dinastia antonina, Có-
modo, foi morto por conspiradores. Depois da luta entre vá-
rios pretendentes ao trono, Septímio Severo saiu vencedor e
reinou de 193 a 211 d.C. Durante o seu reinado, o império
adquiriu um carácter abertamente marcial. Septímio Severo
saiu vencedor e reinou de 193 a 211 d.C. Durante soldados
tinham agora o direito de continuar a servir e a serem pro-
movidos até se tornarem chefes e a serem admitidos na
Ordem Equestre. Esta medida abriu aos soldados amplas
perspectivas para uma carreira civil e militar. Não foi por
coincidência que em anos subsequentes apareceram os cha-
mados «imperadores» soldados e que se murmurava que
Septímio Severo, pouco antes de morrer, deixara instruções
aos seus filhos para «enriquecer os soldados e não ligar im-
portância ao resto».

A dinastia dos Severos não reinou durante muito tempo.


Depois de o último destes imperadores ter sido assassinado,
o poder esteve por um curto período de tempo nas mãos de
Maximino, antigo pastor que entrara no exército como sol-
dado raso. Contudo, era pouco depois assassinado, e após a
sua morte começou uma sucessão rápida, por vezes quase

145
caleidoscópica, de imperadores, revoltas e golpes militares.
Ao mesmo tempo, a pressão das tribos bárbaras nas fron-
teiras do império aumentou. Os Francos e os Alamanos inva-
diram a Gália, os Saxões invadiram a Grã-Bretanha e os
Mouros invadiram a África, enquanto se formava uma grande
aliança bárbara entre as várias tribos góticas dos países das
margens do mar Negro. As confrontações militares com as
tribos bárbaras tornavam-se mais difíceis para o governo
central que ao mesmo tempo era obrigado a dominar pertur-
bações dentro da própria pátria. Roma começou então a
perder algumas das suas possessões ocidentais — a Gália, a
Grã-Bretanha e a Espanha. No Oriente, surgiu o reino de Pal-
mira, que, depois de concluir uma aliança com a Pérsia, ob-
teve o controlo de quase todas as províncias orientais do im-
pério.

Este período também foi marcado por uma intensificação


do conflito de classes. Em contraste com os movimentos dos
sécs. II e I a.C., o principal papel nestas novas revoltas não
era desempenhado pelos escravos mas por grupos de cam-
poneses explorados e dependentes. Isto não significa,
porém, que os escravos não tomassem parte nestes movi-
mentos. Houve algumas revoltas na África e na Ásia Menor,
mas a mais importante de todas foi a grande revolta dos
camponeses e escravos da Gália, que se espalhou e acabou
por chegar à própria Espanha. Tinha começado nos anos ses-
senta do século III e, com vários intervalos, durou várias dé-
cadas.

Assim, o império romano estava literalmente a desinte-


grar-se. O enfraquecimento do poder central, as guerras nas
fronteiras, as revoltas internas — mais não eram do que ma-
nifestações políticas e sociais de uma profunda crise.

Mas a crise tinha raízes mais profundas, que estavam re-


lacionadas com as próprias bases económicas da sociedade

146
romana e se reflectiram na sua ideologia em transformação.
A desintegração da base económica da sociedade romana
está intimamente ligada ao aparecimento dos coloni, e a
crise ideológica encontrou, sobretudo, expressão no apareci-
mento e na expansão do cristianismo.

Aparecimento do Colonato

O trabalho-escravo e um tipo de economia baseada na es-


cravatura já não correspondiam às exigências do tempo. O
escravo não estava interessado no fruto do seu trabalho e
trabalhava sempre forçado. Era quase impossível, ou pelo
menos muito difícil, assegurar uma supervisão eficaz das
grandes massas de escravos, e este facto funcionava como
travão do desenvolvimento das grandes propriedades, orga-
nizadas na base do trabalho escravo.

Durante a segunda metade do séc. II, os imperadores ro-


manos foram obrigados a tomar algumas medidas que até
certo ponto limitavam o poder e os direitos dos proprietários
de escravos. Foram abolidas as prisões para escravos nas
propriedades individuais e passou a ser ilegal manter os es-
cravos permanentemente acorrentados. Além disso, os pro-
prietários de escravos foram privados do direito de os con-
denar à morte. Desta maneira, o Estado começou a desem-
penhar um papel muito mais activo do que antes nas rela-
ções entre senhores e escravos.

Por outro lado, os próprios proprietários de escravos co-


meçaram a criar incentivos para os levarem a produzir. Havia
mesmo quem os alugasse, autorizando-os a guardar parte do
salário assim obtido. Prática mais frequente era dar aos es-
cravos a propriedade de um lote de terra, uma oficina ou
uma loja. Assim, o escravo podia ter o seu próprio «ne-

147
gócio», pagando ao seu senhor uma parte do que rendia
como uma espécie de renda livre.

Mas a mais importante das novas tendências foi o au-


mento do número de coloni. Colonos, era o nome dado às
pessoas (em geral homens livres) que arrendavam lotes de
terra. A prática de arrendar a terra existia desde há muito,
mas durante o apogeu da propriedade baseada no trabalho
escravo, não se desenvolvera em larga escala. Agora, no en-
tanto, os donos de terras e particularmente os proprietários
de salti (grandes propriedades) tinham chegado à conclusão
de que em vez de empregarem muitas centenas de escravos
para cultivarem as suas terras, seria muito mais vantajoso
dividir a terra em pequenas parcelas e arrendá-las aos co-
loni.

Foi assim que um novo modelo de trabalho agrícola se es-


palhou cada vez mais. No final do séc. II d.C., a distinção
entre coloni e os escravos que tinham lotes de terra ou es-
cravos libertos (com direito de propriedade) quase desapare-
cera. Dependiam igualmente dos proprietários dos salti, vi-
viam em herdades separadas ou em aldeias com as suas ofi-
cinas, lojas e mercados próprios, onde os cultivadores da
terra vendiam os seus produtos e compravam os artigos de
que precisavam.

Durante o período crítico do séc. III, quando a vida da ci-


dade atingira um estado de estagnação e havia muito pouca
moeda em curso, os donos das grandes propriedades come-
çaram a exigir a renda em géneros. Os coloni eram agora
obrigados a dar ao seu senhor uma parte fixa da colheita
(geralmente um terço) e a trabalhar na terra do senhor de 6
a 12 meses no ano. Este facto marcou o início da servidão
dos coloni, que foi registada e transformada em lei no séc.
IV, durante o reinado do imperador Constantino. A posição
dos coloni veio, afinal, a assemelhar-se cada vez mais à do

148
servo. Mesmo assim, o trabalho dos coloni em servidão re-
presentava uma melhoria em relação ao trabalho do escravo
em vários aspectos: os colonique possuíam os seus próprios
instrumentos de trabalho, cuidavam melhor deles, e como só
eram obrigados a entregar ao senhor uma parte do que pro-
duziam, tinham maior interesse pelos frutos do seu trabalho.
Todos estes factores demonstram que a economia do propri-
etário de escravos e o sistema da escravatura estavam ultra-
passados e tinham de ser substituídos por uma nova forma
de economia e um tipo de trabalho mais eficiente. Era este o
ponto crítico da profunda crise económica da sociedade ro-
mana que praticava a escravatura.

O Cristianismo

A religião cristã, que foi a expressão ideológica da crise do


império romano, surgiu no séc. I d.C. mas espalhou-se com
grande rapidez a partir do fim do séc. II. A velha religião dos
Romanos, com os seus numerosos deuses e deusas, crenças
e ritos simplistas, já não satisfaziam as necessidades espiri-
tuais da sociedade. O culto dos imperadores — culto que os
próprios imperadores tinham de celebrar com grande pompa
— ainda tinha menos possibilidades de colmatar esta lacuna.
Por isso, alguns cultos orientais começaram a enraizar-se e a
ganhar popularidade em Roma — o da deusa egípcia Ísis, do
deus persa Mithra e do deus hebraico Yavé ou Jeová, e, por
fim, com um papel de grande relevo, as doutrinas cristãs.

O fundador desta nova religião foi Jesus de Nazaré que


afirmava ser o filho de Deus e salvador da humanidade. Os
escritos cristãos contam como ele era acompanhado por dis-
cípulos, fazia milagres e pregava ao povo: mais tarde foi
preso e submetido a uma morte dolorosa e humilhante na
cruz. A lenda conta como ao terceiro dia ressuscitou e subiu

149
ao céu. Esta era a história da vida de Jesus Cristo na Terra,
tal como foi divulgada pelos adeptos da nova religião.

O cristianismo que nasceu na Palestina e se espalhou por


outras cidades e países do império romano, ganhou muitos
adeptos principalmente devido à simplicidade do modo de
viver das primeiras comunidades cristãs e por causa da
crença numa vida depois da morte. Às comunidades cristãs
juntaram-se, sobretudo, as camadas mais baixas da popu-
lação: os camponeses, os homens livres pobres e os es-
cravos. Este facto levantou suspeitas às autoridades impe-
riais que passaram a perseguir os cristãos. Contudo, a nova
religião ganhava cada vez mais terreno.

Uma nova fase do seu desenvolvimento começou no séc.


II quando as comunidades cristãs se uniram sob a chefia da
comunidade romana. A hierarquia dos novos dirigentes religi-
osos tomou-se mais complexa — apareceram os bispos e ins-
tituiu-se a ordem dos diáconos, para os que tinham a seu
cargo as questões económicas das comunidades. A compo-
sição social das comunidades também começou a mudar;
cada vez mais se convertiam membros das camadas mais
elevadas da sociedade romana. E assim se foi formando uma
poderosa organização, que mais tarde passaria a ser conhe-
cida por Igreja Cristã. O governo romano e os imperadores
começaram então a compreender que a nova religião, que
exortava os homens à submissão, a deixar «as vaidades
deste mundo» e lhes prometia uma recompensa no céu para
todos os seus sofrimentos, se podia tornar um útil instru-
mento nas suas mãos.

Por esta razão, a separação entre a Igreja e o Estado foi,


pouco a pouco, colmatada e não nos deve surpreender o
facto de o cristianismo ter acabado por se tornar a religião do
Estado oficialmente reconhecida. A linha de divisão entre as
esferas de influência de Igreja e do Estado estava definida:

150
Cristo foi reconhecido Rei dos Céus, e o imperador romano
era o Senhor do império na Terra.

O Dominato

Apesar da situação, agora crítica, em que se encontrava o


império romano, os seus governantes conseguiram aguentar
o barco por algum tempo. Na verdade, o poder imperial foi
consolidado; à estrutura do Estado que foi instituída no úl-
timo período do império deu-se o nome de «dominato»
(nome derivado da palavra dominus que significa «se-
nhor»). Era agora um Estado de natureza abertamente mo-
nárquica com reminiscências dos estados despóticos orien-
tais. Todas as características republicanas que tinham sido
conservadas durante o principado foram agora abandonadas.
O Senado já nada mais era do que o conselho da cidade de
Roma, e o ritual da corte desenvolvia-se de acordo com os
extravagantes costumes do Oriente.

Outro facto que contribuiu para a consolidação do poder


imperial ocorreu durante o reinado de Diocleciano (284-305),
organizador de talento e político lúcido. Tendo sempre cons-
ciência das tendências separatistas de algumas provín-
cias, Diocleciano dividiu o império em quatro partes e no-
meou três co-governantes ou colegas (a tetrarquia). Além
disso, o império no seu todo foi dividido em 101 províncias e
várias províncias foram agrupadas em unidades administra-
tivas maiores chamadas dioceses, que eram doze.

Além destas reformas administrativas, Diocleciano pro-


moveu uma reforma dos impostos, estabelecendo um im-
posto de terras per capita, e uma reforma fiscal, destinada
a restaurar o equilíbrio necessário na esfera da circulação da
moeda, e, finalmente, o famoso édito sobre preços fixos.
Este édito foi a primeira tentativa para regular oficialmente

151
os preços dos artigos de primeira necessidade e as remune-
rações de trabalho.

No ano 305, Diocleciano abdicou, e embora o poder ainda


estivesse formalmente nas mãos dos seus antigos colegas,
apareceram inevitavelmente pretendentes ao trono. Reben-
taram hostilidades entre eles, que deram origem a nova
guerra civil. Desta luta saiu vitorioso Constantino, filho de um
dos colegas de Diocleciano, que reinou de 306 a 337. Cons-
tantino teve que lutar contra os seus rivais durante muitos
anos, e quando, finalmente, se tornou senhor único do im-
pério romano, manteve a divisão do império em quatro
partes, embora abolisse o sistema da tetrarquia.

Cada um dos tetrarcas passava a estar dependente dum


prefeito responsável perante o imperador.

O título de Grande foi atribuído a Constantino pela Igreja


Cristã. O imperador era um governante calculista e astucioso,
sendo ao mesmo tempo um político de visão. Foi durante o
seu reinado que se firmou a aliança entre a Igreja e o Es-
tado. Pelo édito de Milão deu liberdade aos cristãos. A partir
dessa altura, a Igreja passou a ser um aliado de confiança,
um defensor do poder imperial, ao passo que os imperadores
se tornavam protectores da Igreja e a enriqueciam com ge-
nerosos donativos de terras e dinheiro.

Em 11 de Março de 330, Constantino transferiu a capital


do império romano para o Oriente, para as margens do Bós-
foro. A antiga colónia grega de Bizâncio foi aumentada e re-
construída, e chamada de Constantinopla, em honra do im-
perador. A transferência da capital mais para o Oriente não
foi um acaso: as províncias orientais eram mais ricas e cultu-
ralmente mais adiantadas do que as ocidentais e na prática
os centros económicos e culturais do império desde há muito
se situavam no Oriente. Foi uma medida perfeitamente lógica
transferir para lá também o centro político do império.
152
Depois da morte de Constantino, estalou nova luta pelo
poder. Durante alguns anos o poder esteve nas mãos do seu
filho Constâncio e depois nas do seu neto Juliano. O reinado
deste último é memorável pelo facto de ter tentado restaurar
a velha religião romana, empreendimento que redundou num
completo fracasso.

A Queda do Império do Ocidente

Acontecimento crucial, que contribuiu para a queda do im-


pério foi uma nova grande migração de povos. O impulso ini-
cial para esta migração foi dada pelos Hunos, provavelmente
uma tribo nómada de origem mongólica, que avançaram gra-
dualmente das estepes da Ásia Central para as margens do
mar Negro à procura de pastagens e novas terras. À medida
que avançavam, conquistaram parcialmente e em parte de-
salojaram povos da aliança ostrogoda (Godos do Oriente)
que, por sua vez, exerceram pressão sobre os Visigodos (ou
Godos do Ocidente). Procurando auxílio contra os Hunos, os
líderes das tribos visigóticas voltaram-se para o imperador
romano Valente pedindo autorização para atravessar o Da-
núbio e para se estabeleceram no império. Esta autorização
foi concedida com a condição de os Godos guardarem as
fronteiras do império.

Os Godos estabeleceram-se nas províncias da Mésia e da


Trácia, na margem ocidental do Danúbio. Contudo, as suas
esperanças de levarem uma vida pacífica e tranquila foram
desde logo cruelmente desiludidas. Em breve os administra-
dores romanos e os chefes militares começaram a desres-
peitar os seus direitos e a sua liberdade, de muitas maneiras.
As suas mulheres e os seus filhos foram presos e vendidos
como escravos. O fornecimento de alimentos era deficiente e
havia frequentes surtos de fome entre as tribos góticas.
Estes factores levaram a uma revolta no ano 377. A revolta
153
propagou-se como o fogo e o imperador Valente chefiou o
exército para esmagar a revolta. No ano de 378, travou-se
uma grande batalha em Adrianópole, que acabou numa es-
magadora derrota para os Romanos e durante a qual foi
morto o imperador.

A guerra com os Godos continuou por vários anos. Foram,


finalmente, derrotados por um dos sucessores de Valente,
Teodósio, que reinou de 379 a 395. No seu reinado, as partes
oriental e ocidental do império foram reunificadas pela última
vez. O reinado de Teodósio assistiu também à vitória final da
religião cristã, quando se tornou não só a religião do Estado
mas a única reconhecida. Os éditos de Teodósio proibiram os
sacrifícios e decretaram que não se dariam mais subsídios
aos templos romanos, cujas terras foram confiscadas. Nal-
gumas cidades do império, tais como Alexandria, organi-
zaram-se massacres dos adeptos da velha religião romana.

Depois da morte de Teodósio, o império foi de uma vez


para sempre dividido em duas partes. O império do Oriente,
que veio a ser chamado bizantino, existiria como Estado uni-
ficado até meados do séc. XV. O império do Ocidente, por
seu lado, já enfraquecido por crises internas, não pôde re-
sistir à pressão sempre crescente das tribos bárbaras.

No início do séc. V, os Godos atacaram Roma chefiados


por Alarico. Contudo, descontente com o modo como se pro-
cessavam os acontecimentos, Alarico marchou sobre Roma
em 24 de Agosto de 410. Os portões da cidade foram abertos
pelos escravos que se passaram para os lados dos conquista-
dores.

O impacto desta conquista foi tremendo. Era a primeira


vez, desde que os gauleses tinham saqueado Roma na au-
rora da sua história, que a Cidade Eterna, a «Luz da Terra»,
tinha caído nas mãos dos bárbaros.

154
Os cinquenta ou sessenta anos seguintes foram marcados
por uma série quase ininterrupta de invasões bárbaras do
império romano e alguns reinos bárbaros foram fundados
mesmo em território romano. Em 429, o rei vândalo Gense-
rico subjugou a Itália e devastou Roma, e, em 449, a Grã-
Bretanha foi invadida pelos Anglos, Saxões e Jutas. Entre-
tanto, estabeleceu-se ao longo do Danúbio, uma grande fe-
deração de tribos bárbaras sob o comando do huno Átila. Pri-
meiro, os Hunos devastaram a península balcânica. Depois,
marcharam sobre a Gália. Em 451 travou-se em Châlons a
«batalha das nações», onde os Hunos foram derrotados por
um exército misto de romanos e bárbaros — Francos, Godos
e Burgúndios. Depois desta derrota, Átila retirou-se para
além-Reno, mas no ano seguinte invadiu o Norte da Itália
mais uma vez. Mas morria pouco depois (453) e a aliança
dos Hunos morreu com ele.

O império do Ocidente acabava aqui na prática a sua exis-


tência. Toda a Itália estava devastada e Roma mais não era
já do que uma cidade de província. No forum, onde em
tempos se decidira o destino do mundo, crescia erva e pas-
tavam porcos. Os imperadores do Ocidente eram agora
peões insignificantes nas mãos dos chefes dos exércitos bár-
baros. No ano 476, um deles — Odoacro, chefe dos mercená-
rios germânicos, depôs o último imperador, Rómulo Augus-
tulo, e declarou-se regente do imperador do Oriente na
Itália. Assim, até a existência formal do império do Ocidente
tinha acabado. O ano 476, é convencionalmente conside-
rado como marcando a queda do império romano do Oci-
dente.

O Significado Histórico da Queda do Império do Oci-


dente

155
O significado histórico da queda do império do Ocidente
não está, é claro, no facto de o último imperador, que por
sinal não era uma figura notável, ter sido destronado; está,
sim, no colapso desta enorme sociedade que praticava a es-
cravatura, no colapso dum estado baseado numa economia
que assentava sobre o trabalho escravo. Este tipo de estru-
tura política e de sistema económico, fora ultrapassado, e foi,
por isso, que o império romano, já internamente fraco depois
da profunda crise social do século terceiro, não conseguiu
evitar a crescente pressão dos seus inimigos bárbaros. A
base económica da sociedade romana já estava minada no
séc. III, quando o sistema de colonato se radicou e foi substi-
tuindo o trabalho escravo. Contudo, como unidade política, o
Império Romano, provou ser suficientemente forte para so-
breviver a esta crise. Mais século e meio de conflitos de
classe dentro do império e de constante pressão nas suas
fronteiras fizeram com que caísse a última cidadela da socie-
dade de senhores de escravos, e com ela a economia ba-
seada no trabalho escravo, e o poder dos nobres proprietá-
rios de escravos. É neste facto que reside o significado histó-
rico da queda do Império Romano do Ocidente.

II Parte: A Idade Média


Muitos autores usam o termo Idade Média para o período
que vai desde a queda do império romano do Ocidente (476)
à queda do império romano do Ocidente ou Bizantino em
1453. Outros consideram a descoberta da América por Co-
lombo em 1492 como sendo o acontecimento que marcou o
fim do período. Contudo, todos estão de acordo em consi-
derar o fim da Idade Média não mais tarde que as últimas
décadas do século XV. A expressão Idade Média aparece em
livros de texto e em histórias populares escritas pelos huma-
nistas do século XVII, que encaravam a sua própria época

156
como a época do renascimento e chamavam ao intervalo
entre este Renascimento e a época clássica, a Idade Média
(medium aevum), descrevendo-a como uma época de con-
quistas bárbaras, de ignorância e superstição, uma época de
profundo declínio cultural.

Os historiadores soviéticos aplicam a expressão Idade


Média ao período caracterizado por uma estrutura social es-
pecífica — o feudalismo. A sociedade feudal, como a socie-
dade que a precedeu, que praticava a escravatura, era uma
sociedade de classes: baseava-se na exploração da popu-
lação trabalhadora. O feudalismo diferia da estrutura social
precedente porque os trabalhadores agora já não eram es-
cravos mas dependiam economicamente dos seus senhores
ou, em casos menos afortunados, eram servos ligados aos
membros da classe dominante, os senhores feudais.

A sociedade feudal constitui uma etapa vital na história da


Humanidade, e em comparação com a sociedade que prati-
cava a escravatura, foi uma sociedade progressista. É o tra-
balho humano que forma a base de toda a cultura material e
espiritual e determina o desenvolvimento da humanidade e o
progresso para um futuro melhor. Durante a era da escrava-
tura, o trabalho físico, requisito essencial para a criação de
condições materiais de existência, cabia sobretudo ao es-
cravo, que odiava o seu trabalho e só o fazia à força. Durante
a crise do império romano, os proprietários de escravos com-
preenderam a necessidade de interessar os escravos pelo seu
trabalho; autorizaram-nos a possuir e a cultivar os seus lotes
de terra e a constituir as suas próprias famílias. Assim foram
lançadas as bases da futura sociedade feudal.

Na época feudal, a terra pertencia aos senhores feudais,


mas estes distribuíam-na em pequenas parcelas aos seus
«homens», vilãos ou servos, que eram obrigados a trabalhar
para o seu senhor em troca das suas terras ou a dar-lhe uma

157
parte da sua produção. Contudo, estes servos eram sempre
pequenos lavradores independentes, que tinham as suas pró-
prias famílias. Como na maioria dos casos, a parte da pro-
dução que o camponês devia ao seu senhor era fixada pelo
costume, os servos já sabiam que se elevassem o seu nível
de produtividade teriam uma maior produção disponível e po-
deriam assim melhorar as condições de vida das suas famí-
lias. Deste modo, o servo, ao contrário do seu antecessor,
escravo, tinha interesse em elevar a produtividade. É neste
facto que reside o aspecto progressista da sociedade feudal,
que iria preparar o caminho para a transição de uma eco-
nomia ainda mais avançada, a economia capitalista.

Capítulo I - A Transição para o Feudalismo e o


Aparecimento dos Primeiros Estados Feudais na
Europa

No período inicial da queda do Império Romano e da conquista dos seus territórios pelos bár-
baros deu-se um drástico declínio cultural. Não tardou que poucos vestígios ficassem das notáveis re-
alizações da arte e da ciência clássicas. Os bárbaros — Germanos e Eslavos(4) — ainda viviam em pri-
mitivas comunidades patriarcais e encaravam a guerra como meio de adquirir tudo o que não sabia
ainda criar com o seu trabalho. Pilhavam cidades e aldeias, aprisionavam cidadãos ricos e depois pe-
diam um grande resgate por eles ou eliminavam-nos antes de tomarem as suas propriedades e pasta-
gens; muitas vezes obrigavam a população local a pagar-lhes um terço do seu rendimento. A própria
Roma foi saqueada e pilhada por mais de uma vez.

Os ofícios e o comércio declinavam rapidamente nos terri-


tórios que tinham sido conquistados pelos bárbaros, e os elos
de ligação entre as cidades do Império Romano (particular-
mente nas antigas províncias ocidentais) e outros países em
breve desapareceram. Cada nova vaga de colonos praticava
uma agricultura auto-suficiente e o Império do Ocidente, que
pouco a pouco se foi desmembrando em vários reinos bár-

158
baros, acabou por dar origem a um grande número de uni-
dades baseadas numa economia natural.

Seria, contudo, errado supor que todas estas alterações


fundamentais foram vistas pelos povos como um flagelo. O
império tinha sobrecarregado os seus cidadãos de pesados
impostos, de uma opressão intolerável, de um inumerável
exército de funcionários administrativos, da obrigação de
aboletar os soldados e de uma cruel exploração por parte da
nobreza local nas províncias que trabalhavam a soldo dos ro-
manos. A população local, muitas vezes, saudava os bár-
baros como libertadores, porque embora fossem por vezes
inexoráveis e cruéis ao ajustar contas com a nobreza local,
não tocavam em geral no povo, libertavam os escravos e ali-
geiravam o fardo da intolerável opressão dos funcionários
imperiais. Um romano que vivia na época da queda do im-
pério, um tal Orósio deixou-nos o seguinte comentário acerca
das invasões bárbaras:

«Depois de pousarem as espadas, os bárbaros


agarraram em arados e começaram a tratar os
sobreviventes romanos como companheiros e
amigos. Entre os romanos é mesmo possível
encontrar alguns que preferem viver pobre-
mente com os bárbaros, mas em liberdade, do
que sob o domínio romano a pagar tão pe-
sados impostos.»

A Estrutura Social das Tribos Celtas e Germânicas

A Norte e a Leste do império romano, na Europa Central e


Oriental viviam numerosas tribos bárbaras. Os vizinhos mais
próximos dos Romanos eram os Celtas na Europa Ocidental e
as tribos germânicas na Europa Central. As tribos celtas
foram desde logo repelidas pelas tribos germânicas. Houve

159
alguma miscigenação entre ambas e nos nossos dias os
únicos povos celtas que existem são os Irlandeses, os Esco-
ceses, os Galeses e os Bretões no noroeste da França. A his-
tória posterior das restantes tribos celtas está ligada à his-
tória dos povos germânicos. As tribos germânicas viviam ini-
cialmente entre Reno a oeste, e o Oder a leste. Para leste vi-
viam os Lituanos, os Finlandeses e numerosas tribos eslavas
que os fizeram recuar para ocidente para além do Elba, nos
primeiros séculos d.C. As tribos germânicas foram-se fixando
gradualmente no Oeste, tendo ocupado toda a Europa Oci-
dental e as ilhas Britânicas. Todas estas tribos eram de tipo
patriarcal primitivo e estavam divididas em grupos de clãs
formados por grandes unidades familiares.

Várias informações sobre as tribos germânicas chegaram-


nos através dos escritos de Júlio César, que os encontrou em
meados do séc. I a.C., e através do historiador romano Tá-
cito, que estudou o seu modo de vida e os seus costumes na
última parte do século I d. C.

As principais actividades das tribos germânicas no tempo


de Júlio César eram a caça, a pesca e a criação de gado.
Mas, como notou César, mostravam pouco interesse pela
agricultura. Os grandes clãs estabeleciam-se num lote de
terra, cultivavam-na comunalmente e depois dividiam os pro-
dutos entre si. No entanto, no espaço de 150 anos, a agricul-
tura tornou-se a sua principal actividade e começaram a di-
vidir a terra em parcelas «familiares», sendo cada unidade
familiar de três gerações. Cada uma destas famílias traba-
lhava na terra comum, e a propriedade individual da terra
não existia entre as tribos germânicas nem no tempo
de César nem no tempo de Tácito. Se a terra que conquis-
tavam tivesse florestas, queimavam as árvores e depois divi-
diam a terra em parcelas familiares. Utilizavam primitivos
arados de madeira, semeavam o mesmo solo durante sete
anos seguidos e depois deixavam-no em pousio durante

160
anos, e entretanto ou desbravavam outros lotes de terra ou
cultivavam terras já desbravadas. E como as terras onde vi-
viam eram vastas e escassamente povoadas, não faltava
terra a nenhum clã. Contudo, este estado de coisas não
podia continuar para sempre, e, em breve, à procura de
novas terras, os povos germânicos começaram a invadir o
território romano, que desde há muito estava sob cultivo sis-
temático.

Estas tribos viviam em aldeias e cada aldeia estava orga-


nizada numa base comunal. A terra arável que pertencia à
aldeia era dividida entre os grupos de famílias e as pastagens
e os prados eram comuns. A maior parte da população de
cada aldeia era formada por homens livres da tribo, que go-
zavam todos de iguais direitos.

No entanto, em breve surgiram diferenças de posição nas


comunas bárbaras. Apareceram aristocracias de clã e aristo-
cracias militares. Os representantes destes grupos tinham
mais terras que os outros homens livres do clã; tinham mais
gado e ocasionalmente dispunham de escravos. Os escravos
destas comunas bárbaras eram obrigados a trabalhar a terra
do seu senhor e a dar-lhe uma parte da sua produção. Con-
tudo, a economia das comunas bárbaras não estava organi-
zada sobre a escravatura. Os escravos viviam juntamente
com os seus senhores, ajudavam-nos no seu trabalho, e al-
guns observadores romanos admiravam-se com o tratamento
relativamente suave que eles recebiam. Tácito afirmou clara-
mente que, no seu tempo, o povo germânico dava terras aos
seus escravos, permitia-lhes que possuíssem as suas terras e
casas e exigia deles em troca uma renda — por outras pala-
vras, acrescentou ele, os escravos dos bárbaros viviam como
os coloni de Roma.

Estas comunas eram governadas por representantes


eleitos que se reuniam em assembleias de toda a tribo, al-

161
deia ou distrito. Nestas assembleias deliberava-se sobre as-
suntos importantes e tinham lugar os processos legais. Todos
os homens adultos das comunas não só trabalhavam a terra
mas eram também guerreiros. A posse de armas era enca-
rada como sinal de se ser homem livre da comuna com
plenos direitos. Os membros nobres e ricos das comunas reu-
niam muitas vezes «corpos» de criados e com a ajuda destes
atacavam constantemente as tribos vizinhas, preferindo,
como Tácito registaria, tomar pelo derramamento de sangue
o que outros conseguiam com o suor do seu rosto. Estes
«nobres» recrutavam os seus dependentes sem tomar em
conta a que tribo pertenciam, contribuindo assim para a gra-
dual desintegração da estrutura do clã desta sociedade primi-
tiva. Por vezes os konungr — reis — salientavam-se das fi-
leiras da aristocracia, e depois unificavam algumas tribos sob
o seu domínio e empreendiam expedições militares em larga
escala com o objectivo de anexarem novas terras.

Conquistas deste tipo foram vulgares durante o período


das migrações em massa das tribos bárbaras entre os sé-
culos terceiro e quinto, que ficou na história conhecido como
a grande migração de povos, e que teve como resultado a
formação de grande número de estados bárbaros no terri-
tório do antigo Império Romano.

No século quarto formou-se uma grande união de tribos


bárbaras no Dniepre, chefiada pelos Godos e comandada pelo
chefe Germanarix. Esta aliança cairia nas mãos de novas
tribos bárbaras, nómadas das estepes da Ásia, os Hunos,
que, pouco tempo antes, tinham conseguido invadir a China
e devastá-la.

O Início da Grande Migração de Povos


A Formação de Reinos Bárbaros

162
Na segunda metade do séc. IV, os Hunos, depois de atra-
vessarem o Volga, derrotaram as forças aliadas chefiadas por
Germanarix, e obrigaram as tribos germânicas a deslocarem-
se para Ocidente. Alguns de entre eles, os Godos ocidentais
ou Visigodos, atravessaram as fronteiras do império do Ori-
ente (376) e estabeleceram-se no território da actual Bul-
gária. Foram cruelmente explorados pelos administradores
imperiais e logo se revoltaram, tendo infligido uma pesada
derrota ao exército bizantino. Bizâncio foi, assim, obrigada a
encetar negociações com eles e tomou alguns ao seu serviço,
tendo-os autorizado a estabelecerem-se na parte ocidental
do império. Uma vez aqui, os Visigodos reuniram as suas
forças sob direcção do talentoso chefe Alarico e começaram a
devastar o território adjacente antes de marcharem sobre
Roma, no ano 410, e de pilharem a cidade durante seis dias.
Pouco depois, Alarico retirou-se para o Sul da Itália, onde
morreu. De acordo com um tratado concluído com Bizâncio,
foram dadas as terras entre o rio Garona e os Pirenéus aos
seus descendentes. Ali se estabeleceram e, pouco a pouco,
alargaram o seu poder para o Sul, a toda a Espanha. Desta
maneira, nasceu o primeiro reino bárbaro que abrangia o su-
doeste da França e a Espanha (419).

Os Hunos, depois de vencerem os Godos no século IV,


não ficaram muito tempo nas margens do Dniestre onde se
tinham estabelecido a princípio. No século V, sob o comando
dum chefe decidido e cruel, Átila, que reuniu um grande
exército de hunos e muitas tribos germânicas, e marchou
para o Ocidente. Invadiu os Balcãs em várias ocasiões, de-
vastando terras bizantinas e obrigando o imperador a pagar-
lhe um grande tributo em dinheiro.

Em 450, Átila pôs-se em marcha para Ocidente e embora


tenha conseguido devastar a terra dos Belgas, a sua marcha
foi interrompida por forças unidas, romanas e bárbaras, que
o derrotaram numa batalha travada perto de Châlons-sur-

163
Marne, no ano 451. Embora Átila e as tropas que sobrevi-
veram continuassem a saquear várias cidades no Norte da
Itália, não tentou outras conquistas. O seu império desinte-
grou-se depois da sua morte, em 453, e os Hunos mistu-
raram-se, pouco a pouco, com a população local.

A marcha dos Hunos para a Europa Central obrigou outras


tribos germânicas a moverem-se à procura de novas terras.
Obrigados pelos vândalos a deixar o Sul da Espanha, os
Godos passaram-se para o Norte de África, fundaram ali um
Estado e passaram a viver da pilhagem e da pirataria no Me-
diterrâneo. Em 455, tomaram Roma e saquearam-na durante
duas semanas inteiras. Os Burgúndios foram-se fixando gra-
dualmente em todo o vale do Ródano, e os Francos avan-
çaram do estuário do Reno até ao rio Schelde, de onde con-
seguiram conquistar todo o Norte da Gália até ao rio Loire.
Cerca do ano 449, as tribos germânicas dos Anglos, Saxões,
Jutas e Turíngios invadiram a Grã-Bretanha e estabeleceram
vários reinos bárbaros, que haviam de se unificar, formando
a Inglaterra (por volta do século IX). Entretanto, em 493, os
Ostrogodos conquistaram a Itália sob o comando do rei Teo-
dorico.

Embora Bizâncio conseguisse subjugar os Ostrogodos e


unir a Itália ao resto do império (555), os Italianos que de
início tinham saudado as tropas bizantinas como libertadoras,
começaram logo a lamentar a partida dos bárbaros, visto que
mais uma vez passaram a ser vítimas de pesados impostos e
de uma burocracia completamente arbitrária. Por isso, não é
de admirar que, quando treze anos mais tarde, em 568, uma
nova tribo germânica, os Lombardos, invadiu a Itália, não
tenha tido dificuldade em obter o controlo da península desta
vez em definitivo.

O historiador Paulo Diácono escreve que nessa altura


muitos nobres romanos caíram vítimas da cobiça insaciável

164
dos duques lombardos, enquanto os restantes foram obri-
gados a pagar aos bárbaros um terço do seu rendimento.

A Leste das tribos germânicas vivia um grande número de


tribos eslavas. Dividiam-se em três grupos principais — os
Eslavos do Oeste, do Leste e do Sul. Os Eslavos do Oeste
ocupavam as bacias dos rios Vístula, Oder e Elba. As tribos
checa e morávia viviam nos troços superiores do Elba, as
tribos polacas junto ao Vístula e ao Oder, e as tribos pomerâ-
nias ao longo da costa sul do Báltico. Os Eslavos deste pe-
ríodo, como as tribos germânicas, viviam em comunas primi-
tivas. As classes e os Estados apareceram entre as tribos es-
lavas mais tarde do que nas tribos germânicas.

No século IX foi fundado um grande reino eslavo sob o


nome de Morávia, mas iria durar pouco. No ano de 906, este
Estado foi pressionado pelos Germanos a oeste e por tribos
nómadas de pastores fino-húngaros a leste. Uma parte do
reino da Morávia, a Boémia, manteve a sua independência e
mais tarde faria parte do Sacro Império Romano, como a
Germânia passaria a ser chamada a partir do século XII. No
século XI, o príncipe Checo tomou o título do rei da Boémia,
e o seu reino, embora fizesse parte do Sacro Império Ro-
mano, gozava de um elevado grau de independência.

No século X, as tribos eslavas dos vales do Vístula e do


Oder estabeleceram um grande Estado polaco. Os pequenos
Estados fundados pelas tribos pomerânicas e polábias (Laba
é o nome eslavo do Elba) não conservaram a sua indepen-
dência por muito tempo, sendo vencidos por conquistadores
estrangeiros no século XII. Os eslavos do Leste, que viviam a
leste dos polacos, estabeleceram um vasto Estado russo no
século IX.

Os eslavos do Sul começaram logo no século VI a infiltrar-


se em Bizâncio a Sul do Danúbio. No final do século VII,
tribos eslavas que habitavam os troços inferiores do Danúbio
165
foram subjugadas por tribos turcas, os Búlgaros, que em
breve se juntaram aos povos conquistados mais civilizados, e
estabeleceram um poderoso reino búlgaro. No século IX, este
reino dominava a maior parte da península balcânica e era
uma ameaça à própria Bizâncio. Contudo, no início do século
XI, Bizâncio conseguiu derrotar os Búlgaros. No século XII, o
Estado búlgaro recuperou a liberdade, mas no século XIV foi
vencido pelos turcos otomanos, sob cujo jugo permaneceu
até ao século XIX.

Nos troços centrais do Danúbio habitavam tribos servo-


croatas que, nos séculos VI e VII, depois de atravessarem o
Danúbio, fundaram pequenos reinos na parte central da pe-
nínsula. Porém, foram anexados por Bizâncio no século XI, e
só na segunda metade do século XII foi estabelecido um po-
deroso Estado sérvio, que em 1389 foi derrotado pelos turcos
na Batalha do Campo de Kossovo, e, juntamente com outras
tribos eslavas, permaneceria por muitos séculos sob o do-
mínio turco.

Bizâncio do Século IV ao Século VII d.C.

No ano de 395 (d.C.) deu-se a cisão final entre os impé-


rios romanos do Oriente e do Ocidente, e Bizâncio passou a
ser um Estado separado. O seu nome vem da antiga colónia
grega onde fora construída a nova capital: Constantinopla.
Os bizantinos chamavam-se a si próprios «rhomaioi», e ao
seu Estado «Império dos Rhomaioi». A população de Bizâncio
era extremamente heterogénea, incluindo gregos e muitas
tribos e povos helenizados do Oriente. Contudo, a língua pre-
dominante era o grego, que no século VII se tornou língua
oficial.

Bizâncio conseguiu dominar o processo de desintegração


em que entrara o império do Ocidente como resultado do co-

166
lapso da economia baseada no trabalho escravo. O segredo
da vitalidade do império Bizantino residia na sua estrutura
social e económica. Utilizava-se menos o trabalho escravo na
agricultura (isto é, nas herdades dos grandes proprietários),
do que no império do Ocidente. Os escravos há muito que ti-
nham autorização de possuir os seus próprios instrumentos
de trabalho e mesmo pequenas parcelas de terra, sem as
quais não podiam ser vendidos. Por outras palavras, o es-
cravo ocupava na prática a mesma posição que o colonus.

A agricultura baseada nos coloni, tinha-se enraizado mais


em Bizâncio do que no império do Ocidente. Arrendar a terra,
nomeadamente a longo prazo, tinha-se também tornado prá-
tica comum, e a posse da terra tornou-se pouco e pouco he-
reditária. Em Bizâncio sobreviveram muitas mais pequenas
propriedades livres e comunas camponesas independentes do
que no império do Ocidente.

Outro factor que favoreceu a estabilidade de Bizâncio foi o


menor número de invasões bárbaras a que foram sujeitas as
suas ricas terras. As suas grandes cidades e centros comer-
ciais, particularmente Constantinopla, no Bósforo, Antioquia,
na Síria, e Alexandria, no Egipto, asseguravam ao império
importantes laços comerciais e possibilidades de expansão do
seu comércio de exportação. Outra das suas vantagens foi o
seu papel de medianeiro comercial entre a Europa e os
países do Oriente.

Os séculos IV, V e VI foram marcados pelo desapareci-


mento gradual da sociedade que praticava a escravatura e
pelo desenvolvimento gradual, mas persistente, das relações
feudais em Bizâncio. Enquanto no Ocidente as invasões bár-
baras tinham levado a um colapso do antigo aparelho militar
e burocrático, em Bizâncio a feudalização progrediu dentro
da forma e da antiga estrutura de poder centralizado. A evo-
lução dos antigos proprietários de escravos como poderosos

167
senhores feudais não foi acompanhada de quaisquer altera-
ções na burocracia centralizada, que fornecia uma base ideal
para uma estrutura despótica de Estado.

À medida que os senhores feudais individuais consoli-


daram a sua posição e o seu poder nas províncias, o governo
imperial tomou medidas para limitar tanto quanto possível a
sua influência. Foram proibidos de ter exércitos privados e de
construir prisões nas suas propriedades. O governo tentou
também conservar intacta a hierarquia social da época da es-
cravatura, embora nalguns casos fosse obrigado a permitir a
passagem dos escravos à posição de coloni. Este papel reac-
cionário do Estado, esforçando-se por apoiar um sistema que
já pertencia ao passado, manifestou-se particularmente du-
rante o reinado de Justiniano I (527 - 565). Este foi um no-
tável político e homem de Estado, em cujo reinado Bizâncio
alcançou o zénite do seu poderio. O Código Civil (Corpus
juris civilis), elaborado por iniciativa de Justiniano, definia
os poderes praticamente ilimitados do imperador, protegia os
privilégios da Igreja e da propriedade privada, e confirmava o
estado de coisas existente, pelo qual os escravos e co-
loni estavam privados de todos os direitos.

As medidas políticas de Justiniano provocaram sério des-


contentamento entre vários sectores da população. Uma
vaga de revoltas varreu várias regiões do império. Uma re-
volta particularmente séria ocorreu na própria Constantinopla
e ficaria a ser chamada de «Nika» (Vence!). Depois de a es-
magar, Justiniano voltou a sua atenção para planos de
grande alcance na esfera da política externa. Mas os êxitos
que obteve na Itália, em Espanha e na África mais não foram
que castelos sobre areia. No reinado dos seus sucessores
imediatos, Bizâncio perderia todos os territórios conquis-
tados. Além disso, o próprio território de Bizâncio foi invadido
pelos bárbaros: no século VII, Síria, a Palestina e o Egipto
foram conquistados pelos Árabes.

168
A Sociedade Bárbara

Quando os chefes bárbaros se estabeleceram no território


recentemente conquistado, ou nas terras recuperadas aos ro-
manos, naturalmente, trouxeram consigo os seus costumes e
as suas comunas. No entanto, os antigos habitantes das
terras conquistadas, tinham pertencido a sociedades clas-
sistas: juntamente com os romanos livres havia escravos
e coloni; e a administração de uma tal sociedade requeria
medidas diferentes das que tinham sido tomadas até aí, que
nas novas circunstâncias se revelaram inadequadas. Como
veremos mais tarde, a sociedade bárbara em breve perderia
a sua coesão, e iria desenvolver-se um regime de classes.
Todos estes factos em conjunto levaram a alterações na soci-
edade bárbara que preparavam o caminho para a formação
de Estados. Os conquistadores precisavam de tropas, de ór-
gãos administrativos, legais e outros, que apareceram
quando se fez sentir a necessidade de uma administração
mais complexa, sobretudo para manter subjugados os povos
conquistados, exigir-lhes tributo e fazer cumprir a lei e esta-
belecer a ordem numa sociedade que já era formada de ex-
ploradores e explorados.

O desaparecimento gradual da igualdade inerente às pri-


mitivas comunas iria inevitavelmente levar a alterações na
sociedade bárbara, transformando-a de uma sociedade de
comunas primitivas numa sociedade feudal.

O que foi este processo de feudalização e como se deu ele


nos novos Estados bárbaros? À primeira parte da questão
pode responder-se de maneira breve. A terra foi tomada
pelos senhores feudais, enquanto o povo trabalhador passou
a depender deles: tendo começado uma vez a trabalhar
como servos, eram obrigados a pôr o seu trabalho ou uma
parte da sua produção à disposição dos senhores feudais. A

169
posse da terra pelos senhores feudais, a dependência feudal
dos trabalhadores e a sua obrigação de pagar uma renda à
classe dominante — tais foram os fenómenos sociais que re-
sultaram do processo de feudalização. Ora, como se realizou
esse processo?

Quando as tribos bárbaras, comandadas pelo seu chefe e


à frente do seu exército, conquistavam um novo território, o
chefe dividia grande parte da terra pelos seus súbditos, a
quem muitas vezes eram dadas as grandes propriedades dos
nobres romanos, com escravos e coloni. Os outros membros
livres da tribo recebiam terra de acordo com os direitos à
terra de que tinham usufruído no seu país de origem. Uni-
dades com características de clã tinham vivido em comunas
de aldeias: cada grande unidade familiar possuía hereditaria-
mente uma propriedade que consistia numa habitação com
uma cerca para o gado e uma parcela de terra arável; a res-
tante terra da comuna — bosques, pastagens, baldios com
água — era terra comum. As grandes unidades familiares
foram-se, porém, desintegrando gradualmente em unidades
mais pequenas e as propriedades foram, por isso, mesmo di-
vididas. O chefe de cada pequena unidade familiar tornava-se
dono da sua propriedade com direitos hereditários e tinha di-
reito a utilizar toda a terra comum da aldeia. Estes pequenos
lavradores, que inicialmente eram independentes, em breve
perderam as terras e a liberdade, e tornaram-se camponeses
dependentes ou servos ao serviço dos grandes proprietários.

Na época das migrações em larga escala das tribos bár-


baras, e mais tarde, quando os bárbaros se estabeleceram
em novos territórios e tomaram as grandes propriedades, o
homem livre do povo muitas vezes não encontrava apoio ou
protecção da parte dos companheiros da sua comuna de
origem, que nesta altura enfraquecera e se desorganizara.
Nem podia esperar essa protecção do chefe da sua tribo,
agora rei de um Estado bárbaro recém-formado, porque os

170
reis reinavam agora sobre vastos territórios e a distância tor-
nava-os inacessíveis.

O pequeno lavrador dessa época era obrigado a procurar


protecção junto dos homens poderosos da sua própria região
e estes eram muitas vezes os antigos membros do séquito
armado do chefe da tribo, a quem este tinha doado grandes
propriedades, ou eram simplesmente homens ricos que ti-
nham o seu próprio séquito armado, que conquistavam
terras a seu talante e alargavam as suas propriedades, com-
prando as parcelas de terra dos homens livres da comuni-
dade. Uma vez a terra sujeita à propriedade individual, os di-
reitos podiam-se comprar e vender, e a formação de grandes
propriedades, por um lado, e o aparecimento de courelas de
simples subsistência, e de camponeses sem terra por outro
lado, era uma só questão de tempo. Tal foi o processo que
ocorreu na sociedade bárbara quando novos Estados es-
tavam a ser estabelecidos nos territórios conquistados.

O Aparecimento de Relações Feudais na Europa Oci-


dental

Os pequenos lavradores que procuravam a protecção e o


amparo dos ricos e dos nobres acabaram por conseguir esta
protecção e este amparo, pelo preço da perda da sua liber-
dade. Se não tinham terras, davam-lhes pequenas parcelas e
às vezes alguns animais e cabanas para os ter. Mas eram
obrigados a pagar por isso, quer trabalhando para os seus
senhores (corveia), quer com parte da sua pro-
dução (renda). Nalguns casos, a assistência material pres-
tada aos pequenos camponeses indefesos era tão grande que
eles não só se obrigavam eles próprios ao serviço dos se-
nhores mas também vinculavam os seus descendentes a
esse serviço. Como as condições de vida dos homens do
povo livres das antigas aldeias bárbaras eram sensivelmente
171
as mesmas, esta sujeição aos grandes proprietários e aos
membros ricos da sociedade ia tornar-se numa prática uni-
versal.

Alguns camponeses que tinham as suas próprias proprie-


dades, e terras suficientes para fazer uma vida razoável,
também entravam voluntariamente ao serviço dos ricos e dos
nobres para obterem a iodo o custo a sua protecção e o seu
amparo. Desistiam dos seus direitos à terra e entregavam-na
aos novos senhores, recebendo-a de novo com a obrigação
de pagar renda como se nunca tivesse sido deles. Assim, a
terra tornou-se numa terra arrendada e o seu antigo dono
num arrendatário. Os ricos proprietários, como a Igreja Cató-
lica, e fundações, como mosteiros, asilos, etc., estavam
sempre prontos a prestar assistência e amparo aos pequenos
lavradores, que lhes entregavam as terras, para as rece-
berem sob forma de terras arrendadas. Os mosteiros muitas
vezes devolviam as terras arrendadas aos seus antigos pro-
prietários, com mais uma parcela de terra — em geral parte
de um bosque ou pântano — com a condição de a prepa-
rarem para ser semeada. Pouco a pouco, os habitantes das
antigas comunas de aldeias, pequenos lavradores que traba-
lhavam a sua terra e até então tinham sido homens livres,
tornaram-se camponeses dependentes ou servos, ligados à
terra e ao serviço dos grandes proprietários.

No entanto, não foram só estas as condicionantes do pro-


cesso. Os grandes proprietários adquiriram gradualmente
novos direitos sobre a população camponesa local. Como as
estradas eram más e as viagens longas e muito perigosas,
era, muitas vezes, mais ou menos impossível um camponês
recorrer ao rei para resolver com justiça um conflito de inte-
resses entre eles e um poderoso senhor local. Assim, os ricos
— e isto significava sobretudo os senhores feudais — foram-
se tornando gradualmente detentores da justiça e mais tarde

172
de todo o poder administrativo, dentro das suas grandes pro-
priedades.

Para consolidar as suas conquistas, os senhores feudais


procuravam obter do rei títulos que lhes dessem o direito que
já tinham tomado para si. Estes documentos ficaram conhe-
cidos pelo nome de cartas de imunidade e o novo poder
atribuído aos seus detentores chamava-se imunidade. A pa-
lavra immunis em latim significa isento, e estas cartas tor-
navam as terras dos grandes proprietários isentas do con-
trolo do rei e dos seus funcionários administrativos. Uma
carta de imunidade dava aos proprietários poderes legais e
administrativos sobre toda a sua propriedade e muitas vezes
para além dela, pois os estados bárbaros eram fracos e mal
organizados.

A administração central e local no verdadeiro sentido da


palavra não existia e aos reis convinha confiar as suas fun-
ções a senhores locais. O poder obrigava os senhores a irem
às assembleias locais do povo, onde em geral se realizavam
os processos legais, para presidir à manutenção da lei e da
ordem em dada região. Por outras palavras, desempenhavam
as funções administrativas e legais. Como recompensa por
estes serviços, os senhores feudais recebiam o rendimento
das terras que administravam: multas por ofensas legais, o
direito de exigir toda a espécie de servidões a todo o povo
que vivia sob a sua jurisdição — reparar estradas, construir
pontes, barcos para a travessia de rios e mesmo castelos e
fortalezas. Em troca da manutenção da lei e da ordem nos
mercados, moinhos, etc., o rei e os seus funcionários insti-
tuíram portagens nos mercados, estradas, barcos e pontes,
que eram cobradas pelos donos de terras que tinham cartas
de imunidade.

Além disso, os chefes locais aproveitaram uma nova opor-


tunidade que ajudou a defender os seus privilégios com ex-

173
trema firmeza e por um longo período. Os exércitos recru-
tados entre os homens do povo, que seguiram os seus chefes
na batalha e em campanhas de conquista, começaram a de-
sempenhar um papel menos importante. O contacto e até
simples recontros com as tropas romanas e o progresso geral
na técnica militar tornaram inevitável a introdução de armas
e armaduras de metal. A necessidade de destacamentos de
cavalaria, além de destacamentos de infantaria, começou a
fazer-se sentir, e os cavalos precisavam de armaduras de
metal tal como os cavaleiros. Estas inovações eram muito
dispendiosas: uma armadura completa custava 45 vacas, ou
seja uma manada inteira. Obviamente, uma armadura era
um luxo inacessível ao pequeno lavrador das comunas de al-
deia. Por esta razão, o serviço militar universal em breve
seria uma recordação do passado.

À medida que o tempo rodava, as tropas dos novos es-


tados bárbaros passaram a ser constituídas cada vez mais
por súbditos ricos que se podiam armar de acordo com as
exigências das novas técnicas militares. Assim, os reis dos
novos Estados abriram naturalmente o serviço militar quer
aos súbditos que já eram ricos, quer a outros que eles pró-
prios enriqueciam concedendo favores aos seus dependentes
ou aos ricos da região na forma da doação de uma terra jun-
tamente com camponeses arrendatários, em troca do que
eram obrigados a apresentar-se com um cavalo e uma arma-
dura completa quando fosse necessário. A terra distribuída
deste modo aos súbditos chamava-se feudo e aqueles que a
recebiam passaram a ser chamados senhores feudais. De
início, os senhores feudais conservavam as suas terras só en-
quanto podiam cumprir as suas obrigações militares, mas em
breve essas terras passaram a ser propriedades hereditárias,
e as obrigações militares também passaram a ser herdadas
pelos seus descendentes.

174
Foi assim que se formou uma nova classe dominante —
uma classe de proprietários guerreiros com vastas terras
(comparadas com as pequenas parcelas dos camponeses),
que dentro dos limites da sua propriedade desempenhavam
todas as funções do poder do Estado. As grandes massas dos
actuais produtores — os camponeses, dependentes destes
senhores feudais — eram obrigadas a pagar-lhes, pelas suas
parcelas de terreno, na forma de corveias ou de renda, e
também a prestar-lhes vários serviços e a pagar-lhes várias
contribuições na sua qualidade de representantes do poder
estadual.

A estrutura política da nova sociedade também sofreu al-


terações significativas. Durante a era da primitiva sociedade
bárbara comunal sem classes, não havia propriamente Es-
tados. O órgão social básico dos bárbaros tinha sido uma As-
sembleia Popular, uma Assembleia dos Anciãos, que resolvia
os assuntos importantes da tribo, decidia a guerra e a paz,
tomava deliberações legais, e velava pela manutenção da lei
e da ordem. O poder dos chefes tribais — duques ou reis —
era electivo e não coercivo, como era muitas vezes o caso
em sociedades mais desenvolvidas, e dependia da autoridade
concedida aos candidatos individuais e da confiança que
neles depositavam os membros da tribo.

As estruturas do Estado formaram-se durante as várias


conquistas pois a sujeição dos povos conquistados requeria
força e coerção, que não podiam ser efectivamente postas
em prática pela anterior estrutura da sociedade bárbara. Na
prática, os órgãos estaduais que exerciam a necessária força
e coerção nos Estados bárbaros eram de início os reis e o seu
séquito.

O Império de Carlos Magno

175
Um exemplo da maneira como os Estados bárbaros eram
fundados naquele tempo pode ver-se na formação do Estado
franco durante o reinado de Carlos Magno (768-814). O reino
dos francos não tinha capital no sentido moderno da palavra.
O centro do Estado era onde quer que se encontrassem o rei
e o seu séquito. O rei viajava pelo seu reino, ocupado pelas
tribos francas, juntamente com o seu séquito, de uma propri-
edade para outra, onde se encontrassem armazéns de ali-
mentos e outros artigos vitais em quantidades suficientes
para satisfazer as necessidades da sua corte e do seu sé-
quito, depois de ter juntado tudo que pudesse ser cobrado
legalmente à população local na forma de tributos e im-
postos. Estas deslocações do rei e da sua corte também ser-
viam para definir os limites territoriais do Estado, pois todos
aqueles que concordavam em pagar ao rei eram conside-
rados seus súbditos e a terra onde viviam era considerada
como parte do reino. Nos Estados bárbaros raramente se en-
contravam fronteiras claramente definidas. Na prática, as
suas fronteiras eram os limites dentro dos quais o rei e o seu
séquito exerciam a sua autoridade cobrando tributos e im-
postos. Temos de ter cuidado em não sermos induzidos em
erro pela enorme extensão do império de Carlos Magno, para
não tirarmos conclusões falsas quanto à sua natureza.

Os antecessores de Carlos Magno, Carlos Martel (715-


741) e o seu filho Pepino, o Breve, tinham sido obrigados a
enfrentar as conquistas árabes na Europa. Carlos Martel tinha
feito grandes esforços para repelir o ataque dos Árabes
contra o reino franco (batalha de Poitiers, 732). A experi-
ência desta batalha obrigou os reis francos a melhorar o seu
exército.

Esta preocupação encontrou expressão não só em subse-


quentes progressos no equipamento militar mas também em
concessões mais frequentes de terras e camponeses, a todos
aqueles que pudessem reunir-se sob o estandarte do rei em

176
tempo de guerra. Ora os que podiam aceitar tais obrigações
vinham das camadas prósperas da sociedade, cujos membros
tinham podido aumentar a sua riqueza recebendo os cha-
mados benefícios. Estes benefícios em breve se tomariam he-
reditários e assim a distribuição em massa de benefícios du-
rante o reinado de Pepino levou a um aumento e a uma con-
solidação da classe dominante dos poderosos proprietários
guerreiros, dos quais agora se tinham tornado dependentes
os pequenos camponeses que habitavam a terra do bene-
fício.

O considerável aumento em número dos membros da


classe dominante dava aos reis carolíngios a possibilidade de
seguirem uma política externa activa e de saírem para além-
fronteiras da terra habitada pelos francos para subjugar ou-
tras tribos germânicas. Desta maneira, Carlos Magno conse-
guiu estender o seu poder a uma área enorme que incluía a
actual França, o Norte de Espanha, o Norte da Itália e uma
grande parte da Alemanha Ocidental.

No ano 800, o Papa coroou Carlos Magno, imperador e


proclamou o seu reino um império. Na realidade, este im-
pério era apenas uma união débil e temporária de muitos ter-
ritórios que tinham sido derrotados por um conquistador bem
sucedido. Entre estas terras não havia laços realmente firmes
e o império desintegrou-se pouco depois da morte do seu
fundador.

Esta desintegração deu-se não apenas pelo facto de o im-


pério ser povoado por diferentes tribos, que se separaram
depois da morte de Carlos Magno e começaram a estabelecer
ducados independentes que tinham existido antes da sua
conquista. As razões que estavam na raiz desta desinte-
gração residiam na própria natureza do feudalismo como sis-
tema socioeconómico e político. Para compreender a natu-
reza daquela sociedade é importante ter uma ideia clara da

177
estrutura do seu núcleo — a propriedade feudal —, que seria
a base da sociedade feudal durante muitos séculos, desde os
tempos do seu aparecimento até à sua queda na confla-
gração das revoluções burguesas.

O Desenvolvimento das Relações Feudais na Alta Idade


Média

Nos começos do século XI, o processo de feudalização


havia sido estabelecido por toda a Europa, isto é, toda ou
quase toda a terra estava nas mãos dos senhores feudais,
enquanto todo o povo trabalhador estava em maior ou menor
grau dependente da nova classe dominante. A forma mais
dura da dependência era a dos servos, que juntamente com
os seus descendentes estavam adstritos ao serviço do senhor
e à própria terra.

Isto significava que os servos eram obrigados a trabalhar


na propriedade do seu senhor e a cultivar as suas terras, a
entregar-lhe parte da sua produção e da produção da sua fa-
mília (não só produtos agrícolas como cereais, carne e cri-
ação mas também artigos manufacturados como tecidos e
couro). Por outras palavras: o servo era obrigado não só a
alimentar a família e os criados do senhor mas também a
vesti-los e calçá-los. A todas estas obrigações e presentes
dava-se o nome de renda livre, e eram entregues em troca
do direito a cultivar as terras do senhor, que este punha à
disposição dos camponeses, ou vilãos, como se vieram a
chamar.

A propriedade feudal que estava organizada conforme o


modelo acima delineado e que formava o núcleo da economia
e da sociedade feudais chamava-se na Rússia votchina, em
Inglaterra memorial estate e em França e no resto da Eu-
ropa (pois o padrão francês era tomado como modelo) se-

178
nhorio. Para compreender as características essenciais das
relações feudais e a estrutura da sociedade é importante ter
um quadro nítido da maneira como o senhorio estava orga-
nizado e da maneira como esta unidade socioeconómica iria
influenciar as relações sociais e políticas na Idade Média.

O Senhorio

O senhorio era a unidade básica da sociedade feudal e do


modo de produção feudal e, por isso mesmo, exercia uma in-
fluência decisiva sobre a sociedade e sobre os padrões da or-
ganização política e de desenvolvimento cultural em geral.
Na Idade Média, toda a terra, com raras excepções, pertencia
à classe dominante dos senhores feudais, que possuíam pro-
priedades de proporções variáveis. A propriedade destas
terras era diferente da propriedade burguesa, por estar
sujeita a outros condicionamentos. Cada proprietário feudal
era considerado como tendo recebido o seu feudo de um se-
nhor de posição mais elevada, cujos domínios lhe tinham ori-
ginalmente sido concedidos pelo rei, e era obrigado a compa-
recer para a guerra, com cavalo e armadura, em qualquer
ocasião que o senhor o chamasse ao seu serviço. Como vas-
salo do seu senhor, tinha um certo número de obrigações
para com o seu suserano além do serviço militar: era obri-
gado a contribuir com os seus haveres para o resgate do seu
suserano se este fosse feito prisioneiro; a oferecer-lhe dona-
tivos se o filho mais velho deste fosse admitido na Ordem de
Cavalaria ou se a sua filha mais velha fosse dada em casa-
mento; tinha de comparecer na corte do senhor durante os
processos legais, etc. Se um vassalo não cumprisse estes de-
veres para com o seu senhor, este podia retirar-lhe o feudo.

As terras dos proprietários feudais eram divididas em


duas partes: havia o domínio que pertencia pessoalmente ao
senhor da casa senhorial e que era cultivado pelos servos a
179
troco de uma renda e também as terras pertencentes aos
servos. Cada servo tinha uma parcela de terra que cultivava
independentemente, com os seus próprios instrumentos e
animais de tiro. Estas parcelas produziam o suficiente para
que o camponês se sustentasse a si e à sua família e pagasse
ao senhor a renda, quando esta tinha de ser paga total ou
parcialmente em produtos. Embora as condições de vassa-
lagem fossem duras para o camponês, ele podia trabalhar a
sua própria terra independente e os chefes da comuna dos
servos determinavam como devia o domínio ser semeado, e
que rotação de colheitas se devia seguir. Isto significava que
os servos eram economicamente independentes dos seus su-
seranos, eram senhores de si próprios, e deles o proprietário
das terras podia receber a renda por meio de coerção não
económica, quer directa quer disfarçada.

Havia várias formas de coerção não económica: a depen-


dência pessoal do suserano, a dependência do servo em re-
lação ao suserano no que se referia à posse da terra (era
facto aceite que todas as terras do proprietário incluindo as
terras dos servos pertenciam ao senhor); finalmente, a de-
pendência do servo em relação ao suserano como represen-
tante do poder político legal e administrativo. Como os se-
nhores feudais não eram só proprietários mas também guer-
reiros e cavaleiros, isto quer dizer que eles tinham meios su-
ficientes ao seu alcance para obrigar os servos a cumprir as
suas obrigações quando necessário.

A economia medieval quer na agricultura quer, como ve-


remos mais tarde, na indústria, caracterizava-se pela pro-
dução em pequena escala. Os instrumentos agrícolas
eram pequenos, feitos para uso individual, e eram iguais
aos que eram utilizados pelos artífices. Assim, a base mate-
rial de toda a cultura medieval era, sobretudo, o trabalho dos
camponeses numa economia camponesa, isto é, a pequena
propriedade arrendada do pequeno produtor independente

180
nas aldeias e, numa fase posterior, as empresas pequenas
dos artífices nas cidades.

A classe dominante não tomava parte directamente no


processo de produção e o seu papel positivo nos começos da
era feudal consistiu só no facto de que, como proprietários,
também eram guerreiros, protegiam as terras arrendadas
dos pequenos produtores contra a pilhagem dos súbditos de
outros proprietários e dos estrangeiros, e mantinham a lei e
a ordem essenciais no campo, o que era uma condição es-
sencial para qualquer produção regular. Por outro lado, os
proprietários feudais protegiam e consolidavam o sistema de
exploração típico da economia feudal.

Dado que todos os artigos materiais necessários para a


vida quotidiana eram produzidos em pequenas propriedades,
cujos donos eram economicamente independentes dos seus
senhores, isto significava que, trabalhando mais, os campo-
neses podiam obter um excedente sobre a produção mínima
vital para si próprios e para as suas famílias para além do
que era devido ao senhor. Aí residia o enorme pro-
gresso da ordem feudal, quando comparada com a socie-
dade que praticava a escravatura.

Os escravos trabalhavam a terra do seu senhor utilizando


os instrumentos e os meios de produção do senhor e depois
entregavam-lhes todos os frutos do seu trabalho, recebendo
em troca apenas aquilo que era absolutamente necessário
para a sua subsistência. O escravo odiava o seu trabalho e
tentava fazer o menos possível, e muitas vezes partia os ins-
trumentos de trabalho e mutilava os animais de tiro do se-
nhor como vingança pela sua dignidade humana violada.

O servo medieval, porém, por mais duro que fosse o seu


destino, trabalhava na sua terra independente e tinha inte-
resse em elevar o nível de produtividade do seu trabalho.
Como consequência, a sociedade feudal, embora construída
181
sobre as ruínas do sistema de escravatura e sobre as altas
realizações culturais da era precedente, mostrou ser capaz
de um desenvolvimento positivo, embora extremamente
lento.

Guerras na Sociedade Feudal

O poder dos senhores feudais dependia do número de


vassalos que lhes pagavam renda. Por isso mesmo, os se-
nhores de uma casa senhorial estavam sempre a tentar au-
mentar o número dos seus vassalos, isto é, de camponeses e
habitantes das cidades ao seu serviço, e a maneira mais fácil
de o conseguir era tirar vassalos aos vizinhos, senhores feu-
dais como eles. Assim, as guerras locais entre os senhores
foram uma característica permanente da Idade Média. Estas
guerras eram acompanhadas por incêndios de aldeias e de
cidades inteiras, e por massacres do povo, métodos esses
que minaram as forças de produção da sociedade. Isto teria
sido impossível se os senhores individuais cumprissem os
preceitos legais que são inerentes aos Estados unificados e
centralizados. No entanto, tais Estados não existiam na alta
Idade Média. Os factores económicos que levaram à desinte-
gração dos reinos bárbaros em propriedades ou senhorios
também levaram ao declínio dos Estados bárbaros. Os se-
nhorios individuais transformaram-se em centros de vida po-
lítica, uma vez que se tinham já tornado centros de vida eco-
nómica da sociedade feudal, constituída como era por duas
classes. Os senhores feudais tornaram-se não só proprietá-
rios de terras mas também acabaram por representar o
poder político para aqueles que viviam nos seus domínios.

À medida que as propriedades cresceram em extensão, os


súbditos dos reis bárbaros, uma vez que tinham recebido
terras, e a nobreza local, depois de ter enriquecido e dado a
sua protecção aos antigos pequenos camponeses indepen-

182
dentes, apropriaram-se do direito de julgar e de aplicar
penas ao povo da região quando a lei e a ordem eram infrin-
gidas, e, como guerreiros, apropriaram-se do direito de re-
crutar bandos de súbditos armados.

Os reis não eram suficientemente poderosos para impedir


os nobres locais de aumentarem o seu poder por estes pro-
cessos, e, em alguns aspectos, encorajavam mesmo as suas
ambições, visto que a única maneira de compensar os mem-
bros dos seus séquitos e os seus leais servidores, quando a
economia natural estava na ordem do dia e o comércio es-
tava ainda pouco desenvolvido, era dar-lhes terras e o direito
de cobrarem impostos e tributos em géneros à população
local para o seu próprio proveito. Desta maneira, o poderoso
proprietário de terras, dentro dos limites do seu domínio, não
era só dono de terras mas também autoridade, isto é, um in-
divíduo investido de poderes administrativos e legais, no que
respeitava ao povo que trabalhava no seu próprio senhorio.

A Hierarquia Feudal

Naquele período ainda havia reis, mas o verdadeiro poder


pertencia aos proprietários locais. Os senhores feudais mais
poderosos, que tinham recebido as suas propriedades direc-
tamente do rei, consideravam-se a si próprios iguais ao rei,
seus pares, embora se apelidassem de seus servidores ou
vassalos. Os proprietários menos poderosos, que não tinham
recebido os seus feudos directamente do rei, mas de grandes
nobres, eram vassalos desses mesmos senhores e obrigados
ao seu serviço. Os que tinham as propriedades mais pe-
quenas eram cavaleiros e, por sua vez, estavam submetidos
como vassalos aos senhores mais poderosos. Toda a classe
dominante era composta de uma complexa pirâmide hierár-
quica; no vértice, estava o rei, mais abaixo vinham os se-
nhores com título (tais como duques, condes, abades de

183
mosteiros importantes), depois vinham os barões e, por
fim, os simples cavaleiros. Todos estes grupos estavam
unidos por um interesse comum: explorar o povo traba-
lhador, e, durante a alta Idade Média, este interesse comum
foi suficiente para assegurar o cumprimento obediente, pelos
camponeses, da sua obrigação de alimentarem, vestirem e
calçarem a classe dominante. Por isso, nessa altura, não
existiam outros padrões sociais. E porque a unidade de um
reino bárbaro, mesmo de um reino tão extenso como o im-
pério de Carlos Magno, se formava à volta do rei, mais tarde
ou mais cedo estes Estados desintegraram-se e foram divi-
didos era alguns senhorios, cujos proprietários estavam de
um modo ou de outro obrigados a prestar vassalagem uns
aos outros e, finalmente, ao próprio rei. Na prática, o papel
do rei era pouco significativo, visto que cada senhor tratava
directamente com o seu superior imediato, a cujas exigências
tinha de atender. No reino franco, onde o modelo social
feudal estava particularmente bem definido, imperava o prin-
cípio: «O vassalo do meu vassalo não é meu vassalo».

A economia da alta Idade Média centrava-se, portanto, e


principalmente, na agricultura e no trabalho da aldeia, e o
seu carácter social era determinado pelo processo de feudali-
zação. Os desenvolvimentos políticos deste período foram a
transição do antigo reino bárbaro para uma multidão de
reinos bárbaros, nos quais o poder político estava dividido
entre numerosos senhores feudais, que exerciam autoridade
económica e administrativa sobre os servos, seus vassalos.

Resistência Popular à Servidão Feudal

É importante mencionar ainda outro aspecto importante


deste primeiro período da Idade Média. Na Europa, a tran-
sição da sociedade primitiva baseada na comuna para a soci-
edade feudal foi de facto uma transição de uma sociedade
184
pré-classes, para uma sociedade de classes que implicava a
servidão das massas do povo trabalhador, a transformação
dos antigos camponeses livres das comunas de aldeia com
direitos hereditários sobre as suas terras, em servos depen-
dentes privados da sua liberdade e das suas terras, que se
tornaram propriedade do seu suserano. Os trabalhadores não
estavam, naturalmente, todos preparados para aceitarem
submissamente este estado de coisas. A luta de classes
surgiu, também, frequentemente na época feudal, algumas
vezes de forma latente, outras vezes declarada. Enquanto as
relações feudais estavam em formação, os servos levan-
tavam-se frequentemente para defender a sua liberdade e
tentavam restabelecer a igualdade das comunas primitivas. E
mesmo depois de as relações feudais se terem firmemente
estabelecido, os servos ainda continuavam a protestar, cum-
prindo de má vontade os seus deveres para com os se-
nhores, ou recusando-se a cumprir novos deveres e algumas
vezes recorrendo à revolta aberta contra a classe explora-
dora.

O Papel da Igreja

A classe dominante tinha consciência de que a violência


descarada não era suficiente para garantir a obediência dos
camponeses. Além do gládio temporal utilizavam também
meios espirituais — a Igreja (a Igreja Católica na Europa Oci-
dental), que tinha o monopólio da ideologia e das consciên-
cias dos homens.

A Igreja ensinava que o mundo fora criado por um Deus


de bondade, e que a situação aqui na Terra, onde uns eram
ricos e outros pobres, uns dominavam e outros obedeciam,
uns administravam e outros eram governados, tinha sido or-
denada por Deus, e quem protestasse contra as determina-
ções de Deus não só era rebelde como pecador. Assim, todo
185
o trabalhador devia cumprir o seu dever sem levantar pro-
blemas, alimentar e vestir o seu senhor e trabalhar para ele,
não só por temor mas por uma questão de consciência. A
maior parte dos trabalhadores da Idade Média eram campo-
neses com tendência para a superstição e para aceitar as
ideias religiosas ensinadas pela Igreja, que exerciam uma
grande influência sobre eles, e, assim, se tornavam uma po-
derosa arma nas mãos da classe dominante nos seus es-
forços para preservar e consolidar o sistema feudal de explo-
ração.

Os senhores apreciavam no seu justo valor o útil papel da


Igreja Católica e eram generosos nos donativos que lhe fa-
ziam. Como consequência disso, a Igreja, mesmo na alta
Idade Média, veio a possuir vastas terras e os seus ministros
de escalões mais elevados contavam-se entre os membros
mais influentes da classe dominante. Os abades dos grandes
mosteiros e os bispos consideravam-se a par dos nobres
mais destacados, tais como duques e condes.

Os bispos de Roma, que vieram a ser chamados Papas,


eram obrigados a desempenhar as suas funções administra-
tivas tal como as religiosas, e a proteger a população local
dos bárbaros. Assim acabaram por ser detentores de consi-
derável autoridade e em breve reclamaram a direcção espiri-
tual de todo o mundo cristão.

Notas de rodapé:

(4) A palavra «bárbaros» era o nome grego dado a todos os povos cuja língua era
incompreensível para eles, e é também uma imitação de «gibberish».

Capítulo II - O Aparecimento de Relações Feudais


186
Capítulo II - O Aparecimento de Relações Feudais
no Sudoeste, no Oriente e no Sul da Ásia

A China
No século III (d.C.), a desintegração da sociedade que praticava a escravatura provocou a queda
do Império Han e o declínio político das regiões centrais daquele império, habitadas pelos Hans. No
território do Império Han (a bacia do rio Amarelo) acabou por ser estabelecido o Estado wei, en-
quanto na bacia do Yangtzé, parte da qual fora incorporada no Império Han, surgiram os reinos Wu e
Chu. Assim, havia dois centros importantes na China Medieval. No Sul, onde uma grande parte do ter-
ritório estava por cultivar, o desenvolvimento foi lento. No Norte, onde tinha sido necessário manter
grandes redes de irrigação e construir fortificações contra as invasões nómadas, apareceu um estado
centralizado que se desenvolveu mais rapidamente.

No Norte, no Estado tsin, estava a dar-se uma transição


para as novas formas de exploração feudal já desde o séc. III
(d.C.); alguns camponeses das comunas e escravos tor-
naram-se camponeses dependentes, séquito armado de po-
derosos proprietários de escravos, a quem os seus senhores
também davam terras (em condições mais favoráveis do que
aos antigos escravos). Entretanto, dentro do sistema tradici-
onal de divisão de terras (que existia desde o ano 280 d.C.)
(5) os membros de outro sector do campesinato, tornaram-se
arrendatários de terras do Estado fundamentalmente depen-
dentes (esta situação implicava pagamento de imposto, o
cultivo da terra do Estado e trabalho e serviço militar), e aos
funcionários administrativos da nova burocracia feudal eram
garantidas mais terras enquanto estavam ao serviço. As pro-
priedades abandonadas durante as guerras da última parte
do século II e dos começos do século III eram um fundo do
qual se tiravam parcelas para dar aos camponeses sem
terras. Contudo, antes de estas novas relações feudais es-
tarem consolidadas no vale do rio Amarelo, este foi invadido
por tribos nómadas (os Hunos, os Toba, etc.) e o Estado tsin
foi destruído. Os Estados Han apenas ficaram intactos na
bacia do Yangtzé, onde as relações feudais se tinham for-
mado mais lentamente.

187
A devastação em massa do Norte levada a cabo pelos nó-
madas, a que se seguiu a miscigenação destes com os han e,
por fim, a assimilação dos dois povos, preparou o caminho
para o subsequente aparecimento das relações feudais
apesar de a propriedade continuar oficialmente a ser do Es-
tado. A necessidade de assegurar a conservação de grandes
sistemas de canais e a defesa colectiva dos nómadas, exi-
giam a criação de um grande Estado centralizado. O seu
principal apoio, foram os pequenos proprietários guerreiros
moderadamente prósperos, cujas propriedades dependiam
das condições do serviço e que desempenharam um papel
importante no desalojar dos poderosos proprietários secu-
lares e budistas. No estado han-toba do Wei do Norte (séc. V
e primeira metade do séc. VI) foi introduzido um sistema de
loteamento, novo e mais eficiente: o trabalho obrigatório nas
terras do Estado foi substituído por um imposto que os cam-
poneses tinham de pagar pelas suas terras — parte do qual
ia para o Estado, sendo outra parte dividida entre os funcio-
nários administrativos da região. A propriedade privada con-
tinuou a existir, lado a lado, com as terras do Estado, e estas
eram cultivadas por camponeses dependentes. A principal
forma de exploração nas propriedades privadas era uma
renda elevadíssima; os camponeses tinham de dar cerca de
metade da sua colheita e o pagamento tornou-se obrigatório
e inevitável.

A introdução de formas novas e mais progressivas de ex-


ploração do trabalho contribuiu para a consolidação do Es-
tado do Norte. O Estado do Sul, onde o aparecimento de pro-
priedade oficial feudal se estava a processar mais lenta-
mente, e onde a aristocracia que possuía terras era ainda ex-
tremamente poderosa, foi subjugado pelo Estado do Norte no
ano 589.

Durante a dinastia sui, que reinou sobre uma China unifi-


cada, o sistema de divisão de terras alargou-se também ao

188
Sul. Os métodos de exploração foram também uniformi-
zados, a religião oficial — o confucionismo —, com os seus
ensinamentos de submissão ao Estado, imperava por toda a
China.

Sob a dinastia sui, à unificação das terras han sucedeu-se


um período de guerras de conquista; foram começados pro-
jectos de construção em larga escala e foi construído o
Grande Canal — um canal gigante que ligava o rio Amarelo e
o Yangtzé. Os serviços de trabalho nas terras do Estado au-
mentaram tão drasticamente que estalaram revoltas. Os im-
peradores da dinastia tang (618-907), que sucederam à di-
nastia sui, continuaram a aperfeiçoar o sistema feudal-buro-
crático, de exploração. A corveia foi reduzida, reorganizou-
se a cobrança das rendas e impostos, as terras foram distri-
buídas a comerciantes, artesãos e escravos do Estado. Todos
estes factores contribuíram para pôr fim à vaga de revoltas
camponesas e facilitaram certos progressos económicos e
culturais e uma expansão do comércio e dos ofícios. Em larga
medida, estes progressos foram conseguidos à custa de
uma total exploração da população que não era han. Para
pôr em prática esta nova política, foi estabelecido um apa-
relho administrativo com uma estrutura complicada de ins-
pectores, apoiados por um exército composto de infantaria
recrutada entre os camponeses han e de cavalaria das na-
ções conquistadas.

A dinastia tang travou guerras no Sul da Mongólia e no


Sul da Manchúria e nos vales do rio Tarim e da parte superior
do rio Yangtzé. Estas guerras minaram o sistema económico
da China, que já estava a sofrer uma alteração radical com o
desenvolvimento da propriedade hereditária da terra no séc.
VIII, quando um número cada vez maior de camponeses que
pagavam impostos foram tomados ao serviço de senhores in-
dividuais como servos. As guerras alastravam no campo en-
fraqueceram o aparelho central, e a situação política dos fun-

189
cionários que tinham terras foi minada de uma vez para
sempre, depois de algumas derrotas infligidas pelos inva-
sores nómadas. Os povos subjugados do Sul (tais como os
vietnamitas) reconquistaram a independência, líderes locais
que, entretanto, se tinham tornado proprietários poderosos
declararam-se independentes. Nestas condições, a proprie-
dade privada da terra espalhou-se rapidamente e os rendi-
mentos do Estado sofreram a diminuição correspondente. A
impossibilidade de restabelecer o sistema de divisão de
terras acabou por levar ao reconhecimento parcial da propri-
edade das terras aos líderes feudais e do seu poder sobre os
seus servos (já estavam a cobrar impostos aos camponeses
que viviam nas suas propriedades) e também ao reconheci-
mento do direito de possuir propriedades de qualquer ex-
tensão. Na China, tal como noutros Estados feudais, o desen-
volvimento do novo sistema económico levou a um aumento
do número das propriedades pequenas e médias, cujos pro-
prietários se entregaram logo à exploração do trabalho cam-
ponês. No entanto, a necessidade de assegurar a manu-
tenção da irrigação e de medidas de defesa adequadas
contra os invasores nómadas (que era particularmente vital
na China) significava que a burocracia feudal não desapa-
receu aqui, como noutros Estados do Extremo Oriente, du-
rante os princípios da era feudal.

Sob a dinastia tang, no século IX, a nova classe dos pro-


prietários explorava os camponeses, lado a lado, com os fun-
cionários feudais, o que levou a algumas revoltas entre os
camponeses e os povos conquistados. No ano 881, os revol-
tosos de Huang Chao conquistaram a capital Chang-an. Em-
bora a revolta fosse esmagada, o sistema de exploração
dupla foi depois abolido e o poder concentrou-se gradual-
mente nas mãos dos senhores poderosos, que não tinham
necessidade de se apoiar num forte aparelho de Estado.

190
Os séculos VII, VIII, IX assistiram a um grande floresci-
mento da cultura chinesa. Foi inventada a pólvora, foram
aperfeiçoadas as técnicas de fabricar papel e porcelanas,
surgiu a imprensa com caracteres de madeira. Aumentou o
número de escolas, instruíram-se academias e muitas ci-
dades tornaram-se importantes centros culturais. Os estudi-
osos chineses fizeram algumas descobertas de importância
vital nos campos da matemática, da astronomia e da física, e
a geografia e a história também se desenvolveram rapida-
mente. O reinado da dinastia tang foi ainda notável como
época de alta poesia — foi o tempo de Li Po, Tu Fu e Po Chu-
i. Os Ch’uan-chi ou Contos dos Prodígios Tang haviam de
fazer história na literatura, representando as primeiras tenta-
tivas sérias de escrever ficção. Um modo materialista de ver
o mundo real encontrava-se nas obras de um grande número
destes escritores. Apareceram novas escolas de pintura e es-
cultura e muitos artistas de talento ficaram famosos.

A primeira metade do século X decorreu entre guerras


travadas entre os proprietários poderosos e chefes militares
de origem chinesa, turca, tai e outras. Sobre as ruínas do an-
tigo império, formaram-se alguns estados, o mais poderoso
dos quais foi o Estado fundado pela tribo khitan. A invasão
khitan do vale do rio Amarelo levou a certa cooperação entre
os poderosos proprietários chineses com o apoio das cidades
e dos sacerdotes. Contudo, a principal força impulsionadora
que estava atrás deste novo movimento para a centralização
foram os guerreiros com propriedades pequenas e modera-
damente prósperas; proclamaram Chao K’uang Yin impe-
rador, e este fundou a dinastia sung (960- 1279).

Uma nova fase no movimento para a centralização co-


meçou numa base de uma economia mais desenvolvida. A di-
nastia sung reinou num território menos extenso que a di-
nastia tang, mas, por outro lado, todas as suas terras ao
longo dos vales do rio Amarelo, do Yangtzé e do Hsi Chiang

191
foram habitadas por uma população étnica e socialmente ho-
mogénea. As invasões dos khitan, tangut tai e outros povos
foram um obstáculo ao progresso do Estado sung.

A luta entre os poderosos proprietários e os do poder cen-


tral apoiado pelos pequenos e médios proprietários intensi-
ficou-se. No curso desta luta as velhas formas de organi-
zação social desapareceram e foram substituídas por outras.
A mais importante característica nova deste período foi o
aparecimento de propriedades privadas, cultivadas por lavra-
dores arrendatários, que eram obrigados a pagar rendas
muito elevadas, ou por servos. Entretanto, os camponeses
eram ainda obrigados a pagar impostos ao Estado. Cres-
ceram cidades nos cruzamentos de importantes rotas comer-
ciais e foi estabelecido um complexo sistema fiscal e de cré-
dito. Os artesãos urbanos e os comerciantes dos principais
ramos da indústria uniram-se em «guildas», que não só re-
solviam questões relativas à produção de certas mercadorias
mas também questões de natureza administrativa (eleição de
dirigentes, auxílio aos membros necessitados, resolução de
querelas entre membros, ligação com as autoridades da ci-
dade, etc.). Nas cidades, o poder estava nas mãos dos funci-
onários imperiais; não havia administração independente das
cidades e o seu aparecimento era impedido pelos monopó-
lios, pelo estado da produção e do comércio dos artigos prin-
cipais.

A ausência de terras livres, aliada às tentativas de intensi-


ficar a exploração do trabalho rural nos séculos X e XI, levou
a um aumento de impostos, que por sua vez provocou re-
voltas de camponeses, sobretudo entre camponeses não -
han, que estavam sujeitos à mais feroz exploração. Foi feita
uma tentativa para reintroduzir a propriedade do Estado (em
parte à custa dos proprietários e comerciantes) mas sem
êxito. A situação era extremamente crítica, e quando pouco
depois se deu uma grande invasão nómada, o império co-

192
meçou a desintegrar-se. Em 1127, foi fundado no Norte, um
Estado han-jurchen com o nome de Ch'in, enquanto as pro-
víncias han do Sul permaneceram nas mãos da dinastia sung.
Ambos os Estados eram económica e politicamente fracos;
no Norte, as guerras unificaram a economia e, no Sul, depois
da derrota nas mãos dos jurchen, os senhores poderosos tor-
naram-se mais independentes do que nunca, o que serviu
para enfraquecer o poder económico do império sung do Sul
e para provocar um declínio temporário na expansão comer-
cial e urbana, não mencionando já, o poder militar do Estado.

A Coreia

As relações feudais na Coreia surgiram nos primitivos Es-


tados de classe — o reino de Koguryo, Paekche e Silla. O
poder destes Estados estava nas mãos da nobreza descen-
dente dos chefes de clã. que possuía as terras, enquanto os
camponeses que viviam em comunas eram os principais pro-
dutores. Estes ou dependiam directamente do Estado ou dos
seus funcionários, membros da classe dos guerreiros proprie-
tários que estava em formação. Os escravos não desempe-
nhavam um papel importante na sociedade da Coreia dos sé-
culos III, IV e V e o seu número diminui gradualmente. A
principal religião da sociedade feudal coreana era o confucio-
nismo, que mais tarde seria substituído pelo budismo. Nos
séc. III e IV formaram-se cidades na Coreia, assim como o
comércio e as comunicações.

O facto de os Estados coreanos formarem uma só unidade


étnica, cultural e geográfica deu origem a um natural desejo
de unificação política que foi fortalecida pela ameaça militar
do império chinês (houve invasões chinesas em 598, 611,
613, 614, 645 e 660). Depois das guerras pela unificação,
toda a Coreia foi unificada sob a chefia do Estado de Silla, ao
Sul (fins do séc. VII, começos do séc. VIII).

193
O Estado de Silla unificado tinha todas as características
duma primitiva sociedade feudal do Extremo Oriente: a es-
trutura do Estado baseava-se na propriedade oficial de toda a
terra, e a distribuição da terra pelos camponeses na forma
das propriedades individuais ou de parcelas que lhes eram
atribuídas levou à exploração dos camponeses, quer pelo Es-
tado na forma de rendas e impostos quer pelo funcionários
burocráticos, que, em troca dos seus serviços, tinham o di-
reito de cobrar rendas e impostos de algumas aldeias. Este
período foi também marcado pelo gradual desaparecimento
da comuna. Grandes parcelas de terra eram cultivadas pelos
camponeses submetidos a suseranos. A existência de um sis-
tema de atribuição de terras e de um fundo de terras livres
facilitou a rápida criação de um aparelho de Estado centrali-
zado, na medida em que aos funcionários desse aparelho
eram dadas parcelas de terra em vez de salários, e, geral-
mente, com as terras eram também dados os camponeses
que nelas trabalhavam. A unificação do país deu um novo es-
tímulo ao desenvolvimento do comércio interno e dos ofícios.
O comércio externo na Coreia estava pouco desenvolvido,
porque era prejudicado pela competição chinesa.

O mecanismo não controlado dos sistemas de atribuição


de terras começaria em geral a obstruir o desenvolvimento
económico se não fossem introduzidas reformas. No século
IX começou a dar-se uma grande modificação no sistema de
atribuição de terras quando um sector da casta militar, que
possuía terras, obteve a posse de grandes domínios. Os mos-
teiros budistas nesta altura também tinham enormes proprie-
dades. Começou uma exploração intensificada dos campo-
neses pelos novos senhores feudais, o número de pessoas
que pagavam impostos diminui, e, como resultado, o apa-
relho de Estado dirigido pelos administradores dos proprietá-
rios enfraqueceu muito. O Estado sozinho foi incapaz de es-
magar as revoltas camponesas (889, 896, etc.) e a luta foi
travada pelos proprietários poderosos e seus séquitos. O

194
poder centralizado desapareceu desde logo e surgiram dois
Estados paralelos.

A longa campanha para esmagar as revoltas camponesas


e uma vaga de invasões vindas da China e da actual Man-
chúria tornaram necessário restabelecer um Estado centrali-
zado forte. Quando Wang Kon começou a trabalhar para a
reunificação do país em 918, muitos dos senhores feudais vi-
eram voluntariamente apoiá-lo. No novo Estado unido,
Koryo, o sistema de atribuição de terras foi reorganizado:
todos os camponeses tinham de pagar um imposto ao Estado
(os que trabalhavam as terras do Estado pagavam todos os
impostos directamente ao Estado, enquanto os camponeses
que trabalhavam em propriedades pertencentes aos buro-
cratas pagavam parte ao Estado e o resto aos seus patrões).
Provou-se que era possível consolidar o sistema de uma larga
atribuição de terras como resultado do cultivo das terras li-
vres do noroeste, onde muitos camponeses se estabeleceram
e se organizou um sistema de fortificações ao longo da fron-
teira.

Os que estavam ao serviço do Estado eram remunerados


com a concessão de terras, enquanto todos os senhores feu-
dais, mesmo aqueles que na prática eram os donos das suas
terras, pagavam ao Estado um imposto fixado deduzido dos
respectivos rendimentos. Como havia muitos baldios na Co-
reia, estes foram incluídos nas terras distribuídas juntamente
com a terra arável. Por esta razão, os servos eram particular-
mente valiosos (ao contrário dos do Vietname e do Japão
onde havia escassez de terras): foi cada vez maior o número
de servos ligados à terra até aí por cultivar por meios não
económicos, e as hostilidades entre os proprietários surgiam,
sobretudo, por causa dos servos, que eram levados para ou-
tros locais ou tornados cativos, porque sem eles era impos-
sível aos proprietários desenvolver as suas terras cultivadas.

195
Nos fins do séc. X, o sistema das relações feudais foi reor-
ganizado com os métodos de exploração agora uniformes, foi
estabelecido um aparelho de Estado eficiente e traçaram-se
demarcações nítidas entre os direitos e os deveres dos admi-
nistradores civis e chefes militares. Um exército regular de
camponeses mobilizados havia sido formado para substituir o
antigo séquito. Este facto deu aos senhores feudais de Koryo
a possibilidade de se defenderem de uma invasão khitan (no
início do século XI) e de esmagar as revoltas camponesas.
Como era o caso do Vietname, a diminuição da pressão exer-
cida pelos senhores feudais chineses, agora que o poderio do
império chinês estava a declinar, era ainda outro factor a
contribuir para o florescimento do Estado feudal centralizado
da Coreia durante o século XI e no princípio do séc. XII.

Durante este período foi possível distinguir entre dois


grupos de camponeses claramente definidos, os que eram li-
vres e os que estavam adstritos ao serviço de proprietários
individuais ou do Estado.

Enquanto a principal forma de exploração a que a pri-


meira categoria foi sujeita foram os impostos, o trabalho e o
serviço militar, os outros eram arrendatários ligados à terra,
geralmente empregados ao serviço de proprietários pode-
rosos ou do próprio monarca. Nos séculos XI e XII houve
uma considerável expansão urbana e certo desenvolvimento
industrial, mas tudo avançava com relativa lentidão, obs-
truído que era pelo controlo do Estado, pelas proibições de
exportação, pela ausência de guildas organizadas, além do
facto de os produtos de exportação feitos na Coreia serem
muito semelhantes aos da China e de a competição ser muito
acesa. A única cidade de certas proporções era a capital. En-
tretanto, neste período, os elos culturais com a China: a ci-
ência, a arte e a literatura chinesas exerceram grande in-
fluência sobre a cultura coreana.

196
O Japão

O aparecimento de uma sociedade de classes no Japão


coincidiu com a transição para padrões feudais na maioria
dos Estados asiáticos. A sociedade de classes japonesa nas-
cente (como as suas congéneres indonésias e outras) seguiu
desde o início, o caminho do desenvolvimento feudal: os ele-
mentos latentes de uma sociedade que praticava a escrava-
tura nunca se enraizaram muito. A primitiva sociedade de
classes do Estado Yamato, nos séculos V e VI, era constituída
predominantemente por camponeses livres que viviam nas
comunas e pelas camadas mais baixas dos camponeses e es-
cravos dependentes hereditários. Durante esse período uma
aristocracia hereditária emergiu gradualmente das fileiras
dos líderes de clã e nos fins do século VI os princípios funda-
mentais do poder real (a dinastia sumeragi) tinham cristali-
zado.

Entretanto, as cidades estavam a crescer e a indústria ex-


pandia-se; estavam a formar-se uma hierarquia de funcioná-
rios administrativos e uma casta especial de sacerdotes
xinto, a religião tradicional japonesa. A formação da socie-
dade de classes foi acompanhada de uma luta intensa. Em
592, o poder caiu nas mãos do clã soga, mas para os campo-
neses que tinham constituído o corpo principal dos revoltosos
contra os sumeragi nada mudou. Durante o domínio dos
soga, a classe dominante exploradora que exigia uma religião
mais bem adaptada a uma sociedade de classes, do que a re-
ligião xinto, começou a encorajar a propagação do budismo
no Japão (a partir do século VI). A estrutura interna da primi-
tiva sociedade de classes do Japão não mudou sob o domínio
dos soga. Entretanto, a intensificação de contradições in-
ternas e os recontros entre a China e o Estado coreano de

197
Silla obrigaram a uma reorganização do aparelho administra-
tivo.

Os princípios básicos da nova sociedade feudal foram co-


dificados nas leis de Chotoku Taichi, que representaram uma
adaptação local do código chinês.

Paralelamente com esta consolidação do poder estatal


centralizado, os mosteiros budistas começaram a adquirir
grandes propriedades que estavam a ser organizadas se-
gundo o padrão feudal. A estes novos desenvolvimentos
opôs-se a aristocracia hereditária encabeçada pelos soga,
que foram derrubados para serem substituídos pelos, sume-
ragi como chefes de um novo Estado organizado em linhas
estritamente feudais (as Reformas de Taikwa, 645).

Aproveitando o mais que puderam a máquina do Estado


centralizado agora consolidado, os senhores feudais come-
çaram uma campanha contra os camponeses livres que tra-
balhavam em comunas, e contra os restos da aristocracia dos
clãs. Os resultados desta campanha encontraram expressão
no Código de Taiho (701): o soberano era o proprietário su-
premo de todas as terras; aos camponeses livres eram atri-
buídos direitos temporários a parcelas de terra arável, conce-
didos pelo monarca na condição de eles pagarem impostos e
cumprirem as suas obrigações. Aos camponeses era proibido
abandonar as suas terras. Desta maneira, os camponeses li-
vres e os adstritos às glebas tornaram-se servos do Estado e
constituíram a classe social mais baixa, excluindo os escravos
do Estado. Os funcionários do Estado e a nobreza detentora
de títulos recebiam porções de terra muito maiores, parte
das quais eram hereditárias tanto quanto a função pública
era muitas vezes hereditária. Podiam guardar para si parte
dos impostos pagos pelos camponeses que trabalhavam para
o Estado como remuneração dos seus serviços. As formas de
organização social e económica que apareceram no Japão no

198
séc. VIII foram em larga medida copiadas das dos seus vizi-
nhos mais avançados, especialmente da China (sistema de
atribuição de terras, etc.).

A combinação da instituição de servos do Estado e a dis-


tribuição de propriedades a senhores feudais (sem campo-
neses) era um nó de contradições, visto que os donos dessas
propriedades precisavam de camponeses para as cultivar e a
única maneira de obter os seus serviços (depois do século
VIII o trabalho escravo já não era utilizado) era arruinando
os camponeses que trabalhavam para o Estado. Daí uma di-
minuição no número de pessoas que pagavam impostos.
Contudo, estas contradições ainda não haviam vindo à super-
fície no século VIII. As reformas Raikwa inauguraram um
novo período na história japonesa, o chamado período nara
(710-784) que tomou o nome da capital, Nara.

O período nara foi uma época de relativa estabilidade eco-


nómica e política. As relações de produção que pouco antes
tinham sido legalmente definidas, ainda não tinham colidido
com as forças de produção. A quantidade de terra cultivada
aumentou, a rede de irrigação expandiu-se e elevou-se a
produção do arroz. A exploração de minas e o desenvolvi-
mento urbano acompanharam a expansão geral. As leis
foram codificadas, fizeram-se crónicas de acontecimentos
históricos, nas quais se misturavam factos reais com mitos
(por ex. o mito da descendência divina dos imperadores da
Deusa do Sol Amaterasu Omikami). Também se produziram
importantes obras literárias, tais como a anto-
logia Manyochu, na segunda metade do século VIII.

O Japão nara foi governado pela dinastia sumeragi, que


foi obrigada a enfrentar não só os vestígios da velha aristo-
cracia hereditária mas também os membros principais da bu-
rocracia feudal. No final do século VIII, a velha aristocracia
fora derrotada e os burocratas feudais tinham alcançado o

199
poder. Esta mudança na base social da sociedade feudal
levou a uma mudança na sua estrutura e na natureza da luta
travada entre os senhores feudais. Esta luta era agora che-
fiada por um grupo de nobres cortesãos que desempe-
nhavam funções administrativas, contra poderosos proprietá-
rios encarregados de administração nas províncias. Estes dois
grupos não eram da mesma linha de descendência que a
aristocracia de clã e continuaram a sua luta contra o poder
imperial, na intenção de fazer das terras que lhes eram atri-
buídas e dos seus cargos propriedade hereditária, e com isso
minarem seriamente o poder imperial. O verdadeiro poder
passou, assim, das mãos dos sumeragi para as mãos de uma
família de proprietários, os fujiwara. Esta mudança marcou o
começo do chamado período hein (séc. IX e X e início do sé-
culo XI).

Durante este período, a principal forma de posse da terra


era a grande propriedade privada ou choen, que não estava
sujeita a impostos. Estas propriedades surgiram como resul-
tado do arroteamento de terras virgens, que, uma vez culti-
vadas, foram isentas de impostos. Tudo isto levou a uma di-
minuição grave do rendimento do Estado, pois cada vez mais
camponeses começaram a ser alistados para trabalharem
nestas propriedades. O aparecimento destes novos proprietá-
rios também minou os alicerces políticos do Estado centrali-
zado. Outros factores que favoreceram este processo de des-
centralização foram a ausência de inimigos estrangeiros im-
portantes nesta altura, e, portanto, da necessidade de orga-
nizar um grande exército, e a ausência de uma irrigação em
larga escala.

No curso da luta contra os poderosos proprietários, a ad-


ministração aumentou os impostos, o que levou a um êxodo
dos camponeses ao serviço do Estado para as proprie-
dades choen e a revoltas em massa nos séculos IX, X e XI.
A impossibilidade de organizar o trabalho dos camponeses ao

200
serviço do Estado com eficiência a partir do centro de de-
cisão, obrigou o Estado a distribuir muitas das suas terras
como pequenas propriedades hereditárias a cavaleiros ou sa-
murai, ao serviço do Estado ou dos senhores poderosos.
Este sector de classes que possuíam terras cresceu rapida-
mente e substitui gradualmente os funcionários administra-
tivos locais nas províncias. Os séculos XI e XII, particular-
mente no Norte e no Leste do país, assistiram à ascensão
dos samurai, que logo começaram a lutar com os donos
dos choen, pela conquista da influência sobre o poder cen-
tral.

Os donos dos choen no Sul e na parte central do país


foram incapazes de conservar o controlo sobre os impera-
dores: a balança do poder entre os grandes proprietários e
os samurai deu aos imperadores a possibilidade de, com o
apoio dos mosteiros, conduzirem políticas independentes
(1069 - 1167). Contudo, esta consolidação do poder central
deu-se em escala bastante reduzida. Durante este período
iam aparecer pequenas propriedades (mais cedo do que nos
outros países da Ásia): desenvolveram-se, sobretudo, como
resultado da desintegração das comunas, processo que se
deu com particular rapidez no Japão, visto que não existiam
meios comunais importantes, como, por exemplo, sistemas
de irrigação avançados. A desintegração foi acelerada pela
fraqueza do poder central, que era menos necessário nas
ilhas japonesas do que noutros Estados com sistemas de irri-
gação desenvolvidos, constantemente expostos a ataques de
invasores estrangeiros. O declínio do sistema económico ba-
seado na propriedade da terra pelo Estado, a produção agrí-
cola organizada por senhores e administradores feudais, e a
agricultura comunal deram-se no Japão mais cedo do que na
Coreia, na China, no Vietname e noutros países do Extremo
Oriente.

201
A substituição de um tipo de relações feudais por outro
não se podia efectuar sem derramamento de sangue, porque
cada tipo representava os interesses de um grupo específico
de proprietários; qualquer dos quais estava disposto a aban-
donar os antigos direitos e privilégios. Em meados do século
XII havia três grupos de proprietários no Japão: os samurai e
seus suseranos no Norte (a família Minamoto), os donos das
grandes propriedades no Sul, onde os samurai eram muito
mais fracos (a família Taira) e os funcionários do Estado da
capital que possuíam terras e que formavam o séquito do rei
(a família Fuji-Wara). O Norte, com o seu desenvolvimento
social mais avançado e a predominância de pequenas propri-
edades, iria sair vitorioso. Os Taira foram derrotados em
1185 e os que seguiam o imperador em 1192: para esta se-
gunda derrota contribuíram as revoltas camponesas nas
enormes propriedades da aristocracia heian. Minamoto Yori-
tomo declarou-se novo governante do Japão — o chogun —
e o título foi declarado hereditário.

A ampla redistribuição da terra levada a efeito depois da


vitória dos samurai substitui as velhas formas de propriedade
por novas. As propriedades samurai espalharam-se pelo país.
O número e a escala consideravelmente reduzida das terras
possuídas pelo imperador, pelos funcionários públicos da ca-
pital e pelos mosteiros budistas constituíam agora uma parte
menor. Os camponeses a partir de agora pagavam impostos
ao Estado e renda aos samurai e aos outros proprietários.

No Japão do século XII, as cidades, o comércio e a indús-


tria alcançaram um alto nível de desenvolvimento.

Encontravam-se guildas por todo o país; a predominância


de propriedades samurai pequenas e médias levou ao apare-
cimento de alguns centros económicos onde se formaram al-
gumas grandes cidades. Neste pormenor, o Japão diferia dos
Estados feudais típicos da Ásia, que tinham uma capital

202
enorme, e pequenos centros da província. Como resultado do
crescimento do comércio interno e, num grau inferior, ex-
terno, surgiram grande número de comerciantes e de pes-
soas ligadas ao transporte de mercadorias. O Japão do séc.
XII era um Estado feudal com alto nível de desenvolvimento
económico. Muitos aspectos da sua vida social e cultural
foram fortemente influenciados pela China.

A Índia

Depois da queda da sociedade que praticava a escrava-


tura do império gupta e dos Estados com escravos, do Sul da
Índia, elementos feudais que tinham começado a aparecer no
século V, conseguiram dominar gradualmente a sociedade in-
diana. Os antigos lavradores das comunas camponesas esta-
beleceram-se como proprietários, adoptando métodos de ex-
ploração feudal, tal como os grandes clãs e os templos. Os
camponeses empobrecidos das antigas comunas, escravos
que trabalhavam a terra e a população das terras conquis-
tadas passaram a constituir a força de trabalho agrícola de-
pendente.

O processo de feudalização no Norte e no Sul da Índia


deu-se simultaneamente, mas seguiu padrões diferentes.
Contudo, o feudalismo indiano em geral tinha características
distintas, particularmente uma lenta consolidação da proprie-
dade da terra pelo Estado e a propriedade condicional dos
nobres ao serviço dos seus governantes. Predominavam as
propriedades privadas, enquanto a hierarquia feudal estava
ligada à hierarquia dos proprietários hereditários, e a comuna
explorada feudalmente, conservava um grau considerável de
independência interna (tanto económica como administra-
tiva). O sistema de castas desempenhou um papel impor-
tante na evolução das várias propriedades da sociedade

203
feudal e as principais formas de exploração eram o arrenda-
mento da terra e a cobrança de rendas.

O primitivo feudalismo na Índia ia parar com a descentra-


lização política. Porém, o declínio do desenvolvimento urbano
e cultural não se fez sentir particularmente neste período.
Isto deveu-se em grande parte à eficiente administração ur-
bana e ao facto de que a fonte de prosperidade de muitas ci-
dades era o comércio externo, que naquele período estava
muito desenvolvido. A presença dos artífices nas comunas de
aldeia significava que a troca de mercadorias entre a cidade e
o campo desempenhava um papel menos importante na
Índia do que em outros países asiáticos (China, Japão, etc.).

O primeiro império do primeiro período feudal foi o Estado


Norte - Indiano Vardhan. O poder dos seus governantes as-
sentava numa hierarquia de príncipes feudais; a propriedade
da terra pelo Estado não estava muito espalhada e a camada
dos funcionários administrativos com terras, ainda não domi-
nava a sociedade desse período. O exército era constituído
em parte pelo séquito armado dos senhores feudais, em
parte por mercenários. As duras leis introduzidas naquela al-
tura destinavam-se a promover novas formas de exploração
e a servidão de muitos mais camponeses.

Em meados do século VII, em lugar do império vardhan


apareceram alguns principados, governados por uma aristo-
cracia de chefes militares de um povo imigrante, os rajputs.
Durante este período, a casta militar que possuía terras ligou
ao seu serviço maior número de camponeses das antigas co-
munas, e cada proprietário individual consolidou o seu poder
com o apoio do seu séquito armado. Entretanto, o poder cen-
tral manteve-se fraco.

Processos comparáveis, que, contudo, não implicaram a


assimilação de novos grupos étnicos, tiveram lugar no Sul da
Índia (Decão). Aqui iam surgir vastos Estados (como os Es-
204
tados dos paliavas e dos chaulukyas), nos quais as grandes
cidades costeiras desempenhariam um papel importante. Nos
meados do primeiro milénio d.C., a maior parte dos campo-
neses das antigas comunas ou estavam submetidos a pode-
rosos proprietários e eram obrigados a pagar rendas muito
elevadas, ou estavam privados de quase todos os direitos de
que tinham gozado anteriormente nas comunas, e eram ex-
plorados pelos membros mais velhos das comunas que gra-
dualmente se iam assimilando aos proprietários de terras
feudais.

Os séculos XI e XII assistiram a uma tendência para a


unificação do Decão do Norte e do Centro, governado pela di-
nastia chaulukya e dos principados do Sul da Índia gover-
nados pela dinastia chola. Ao mesmo tempo, a propriedade
da terra pelo Estado espalhou-se em grande parte das terras
do Sul, e muitos representantes da classe feudal tornaram-se
proprietários não hereditários. Ocorreu uma clara consoli-
dação do aparelho de Estado.

Nos séculos XI e XII houve uma crescente uniformidade


nos padrões económico e cultural e nas políticas estrangeiras
dos vários Estados indianos, em grande medida com resul-
tado do comércio. Organizações semelhantes a guildas de co-
merciantes e artífices desempenharam um papel importante
nas cidades, organizações que acabaram por estar sob o con-
trolo dos senhores feudais.

A servidão dos camponeses das comunas e a consolidação


dos Estados feudais levou à resistência por parte dos explo-
rados. Facto que iria encontrar expressão na fundação de al-
gumas seitas religiosas, que propagaram a ideia de igualdade
religiosa, e, em variados graus, económica (bhakti, lingayats)
e atacaram os privilégios de casta. Nesta altura, o tradicional
sistema de casta, definido em relação às profissões e às posi-
ções económicas dos homens, tinha levado à fundação de

205
uma estrutura estadual complexa e conservadora. Para
atacar esta nova oposição, a tradicional religião brahmin foi
reformada sob a pressão dos padrões sociais em transfor-
mação e o hinduísmo desenvolveu-se em seu lugar. Caracte-
rísticas próprias eram a ausência completa de uma hierarquia
e de aparato litúrgico: cada membro da casta superior —
cada brâmane — tornava-se por direito de nascimento o
mentor espiritual dos fiéis, e a desobediência aos brâmanes,
segundo a crença hindu, provocava a ira dos deuses. Junta-
mente com a casta militar dos xatrias, os brâmanes explo-
ravam os membros das castas inferiores, artífices e comerci-
antes, assim como grupos exteriores ao sistema de castas
que se encontravam no fim da escala social.

A primitiva era feudal na Índia foi marcada por notáveis


realizações culturais: foram construídos monumentos arqui-
tectónicos impressionantes como o templo Tanjore e o
templo de rocha em Ellora. Na esfera da cultura religiosa,
que desempenhou uma função didáctica importante, a arte
realista dos séculos I a V foi substituída por retratos estili-
zados de várias divindades que são notáveis pela sua esta-
tura e pelas suas posições invulgares. A literatura do período
era muito rica em panegíricos dedicados a vários príncipes e
não incluía quase sequer escritos históricos. A literatura filo-
sófica floresceu, mas aqui, como na literatura em geral, es-
tavam na ordem do dia as imitações de antigos modelos clás-
sicos.

O Sudoeste Asiático

Ao contrário dos povos da Índia e da China que fizeram a


transição para o feudalismo a partir de uma sociedade que
praticava uma escravatura relativamente desenvolvida, os
povos do Sudoeste da Ásia, tal como os Árabes, não criaram
civilizações baseadas na grande escravatura. A estrutura so-

206
cial dos Estados que surgiram nesta parte do mundo depois
do séc. III a. C. estava mal definida em muitos aspectos;
contudo, não há dúvida que existia a escravatura, uma mo-
narquia e uma aristocracia de clãs, em simultâneo com co-
munas com uma sólida organização. Tanto no princípio como
fim da Idade Média, os povos do Sudoeste Asiático consti-
tuíram um grupo de Estados unificados, com características
económicas, políticas e culturais próprias, cada uma das
quais teve um desenvolvimento determinado pelas condições
locais. No século II e III d.C., os Estados do Sudeste Asiático
centraram-se nos deltas dos rios principais e à volta dos mais
importantes pontos comerciais da rota comercial da Índia
para o Extremo Oriente e para as ilhas das Especiarias. Cada
um destes Estados estava situado em volta de uma grande
cidade, localizada na rota comercial ou num delta de um
grande rio onde prosperava a agricultura. As nascentes soci-
edades de classes dos antecessores do Mon, Burmeses, Kh-
mers, Vietnamitas e Indonésios adoptaram com rapidez cres-
cente a organização em classes e a religião que era mais
comum na Índia nessa altura (sendo o budismo uma das
mais importantes destas religiões), particularmente ao do Sul
da Índia, região com a qual estes Estados tinham relações de
comércio. Outras foram também adoptadas, mas em menor
escala.

À medida que as técnicas agrícolas se desenvolveram e o


comércio com a Índia se expandiu, muitos dos pequenos Es-
tados desta região começaram a amalgamar-se para formar
os primitivos impérios e Estados feudais. A economia destes
Estados foi determinada em larga medida pelo facto de es-
tarem situados ao longo de importantes rotas comerciais.
Entre os maiores estavam o império khmer do Sul de Funan
(séculos II-XIV), o Império Srivigava no oeste da Indonésia
(séc. VII a XIV) e o Estado de Champa no Vietname Central
(séculos II - XV). À medida que a agricultura se desenvolveu
e que o comércio marítimo se foi tornando exclusivo dos

207
Árabes, os grandes proprietários de terras começaram a de-
sempenhar um papel cada vez mais importante nos Estados
do Sudeste da Ásia. Na alta Idade Média, a posse da terra
pelo Estado predominou nos Estados da Indochina e encon-
travam-se traços deste estádio na Indonésia. A nobreza mi-
litar e administrativa que cresceu como resultado deste es-
tado de coisas, nos séculos IX, X e XI, empreendeu uma luta
pelo poder com a velha aristocracia hereditária (no Vietname
com a aristocracia chinesa). No século IX, no Camboja, no
século X, no Vietname, no século XI, na Indonésia e em
Burma, e, no século XIII, no Sião, estabeleceram - se Es-
tados feudais avançados, nos quais a economia se baseava
no sistema de arrendamento de terras e do trabalho compul-
sivo dos camponeses comunais. Os impérios comerciais en-
fraqueceram gradualmente e desintegraram-se, à medida
que se iam formando os Estados actuais. Dentro de cada um
destes Estados desenvolveram-se lutas pelo poder entre os
pequenos e médios proprietários (que defendiam a posse da
terra pelo Estado) e os poderosos senhores feudais que eram
pela divisão dos seus países em algumas grandes províncias
sob o seu controlo. Ao mesmo tempo, ambos os grupos se
opunham aos interesses dos camponeses comunais que co-
meçavam a ser, pouco a pouco, adscritos à gleba. Na parte
Norte do Sudoeste Asiático, a posse da terra pelo Estado
ficou mais firmemente estabelecida do que no Sul, mas,
apesar disto, nos séculos XI, XII e XIII, muitos mais campo-
neses foram ligados à terra nesta área, e também se estava
a formar uma complexa máquina administrativa, enquanto as
religiões eram reformadas e adaptadas às exigências da nova
era (foram propagadas novas versões do budismo e do islão,
substituindo o hinduísmo e várias outras crenças).

A história política destes séculos desdobra-se numa série


de guerras pela unificação de vários principados em volta dos
principais centros de poder estatal, e de revoltas dos campo-

208
neses das comunas que procuravam reconquistar as suas an-
tigas liberdades.

O período entre os séculos VII e XII foi uma época de


avanço cultural durante o qual foram construídas obras-
primas arquitectónicas como o «stupa» de Borobudur, na In-
donésia, os templos de Angkor Wat, no Camboja, e Pagan,
em Burma.

Notas de rodapé:
(5) Na China e nalguns países do Extremo Oriente, o Estado, proprietário su-
premo, dividia a sua propriedade entre os camponeses exigindo em troca o paga-
mento de impostos, serviço militar, participação nas obras de construção, etc

Capítulo III - Kiev Rus. As Antigas Tribos Eslavas


do Oriente

Os eslavos orientais foram os povoadores originais das


terras que hoje habitam. Desde tempos imemoriais que habi-
taram os vales do Dniepre, do Dniestre e do Vístula e o sopé
dos Cárpatos, como demonstram os vestígios do seu período
Neolítico e da sua Idade do Bronze. A Oeste dos seus territó-
rios estendiam-se até aos troços superiores do Danúbio, do
Oder e do Elba. As tribos eslavas encontravam-se no terri-
tório da parte Sul da actual União Soviética desde o tempo
dos citas. As primeiras referências históricas, escritas, aos
povos eslavos surgiram pouco depois do início da nossa era e
iam aparecer cada vez com mais frequência. Sabemos os
nomes de muitas tribos eslavas primitivas e os locais onde se
estabeleceram. Os polyanye viviam na margem oriental do

209
Dniepre e a sua cidade principal era Kiev. Os severyanye vi-
viam no vale do Desna na margem ocidental do Dniepre até
aos donets do Norte. A floresta entre o Pripet e o Ros era ha-
bitada pelos devrlyanye, cujo centro tribal era Iskorosten.
Mais para o Norte, junto do Pripet, viviam os dregovichi, e
entre o Dniepre e o Sozh viviam os radimichi. Nas costas do
lago Ilmen, habitavam os eslavos ilmen ou eslovenos. As
tribos que se estabeleceram mais para Leste eram os vya-
tichi, que viviam nos vales dos rios Oka e Moskva. Na Trans-
carpácia, a Oeste, viviam os croatas brancos e no Sul do vale
Bug viviam os volynianos. Além das tribos acima mencio-
nadas existiam também outros povos eslavos. As tribos es-
lavas orientais eram os velhos antepassados dos povos
russo, ucraniano e bielo - russo.

A principal actividade de todas estas tribos era a agricul-


tura. A região, no entanto, era difícil de cultivar porque a sua
maior parte era floresta, que tinha de ser devastada. Depois
de cortar as árvores e as plantas rasteiras, era preciso passar
o Verão a secar os troncos que eram em seguida queimados.
Utilizavam-se troncos pesados para gradar a terra, mistu-
ravam-se cinzas na última camada e lançava-se a semente.

Quando a terra estava esgotada depois de algumas co-


lheitas, semeava-se uma nova área, e deixava-se a outra em
pousio durante vários anos. Os eslavos semeavam centeio,
trigo, cevada e milho-miúdo, e criavam vacas, cavalos e car-
neiros. Desde muito cedo apareceram utensílios de ferro e
ferramentas como machados de ferro e arados. O facto de os
eslavos terem começado cedo a desenvolver a agricultura foi
um grande passo em frente. O desenvolvimento foi lento até
dominarem a arte de tratar o ferro, realização que pratica-
mente anunciou uma revolução na produção. Apareceram re-
lhas para arados de madeira e mais tarde arados mais evo-
luídos, e usavam-se machados de ferro para cortar árvores,
para desbravar novas terras para a agricultura.

210
Outra actividade das tribos eslavas era a pesca e a caça.
Nas florestas ao longo das margens do Dniepre havia grande
quantidade de caça e os rios estavam cheios de peixe. As
abelhas costumavam armazenar o mel nos troncos das ár-
vores ocas e os antigos eslavos esvaziavam os troncos para
obter depósitos de mel adicionais. Foi assim que o mel das
abelhas selvagens se tornou uma fonte importante de ali-
mentação.

Estes povos antigos viviam originalmente em comuni-


dades tribais organizadas à base de clãs. À medida que o seu
sistema económico se tornou mais complexo, algumas famí-
lias individuais das várias comunas começaram a ocupar uma
posição de destaque. Estabeleceram-se grupos fortificados
nas margens dos rios. Vários ofícios desenvolveram-se rapi-
damente e em breve surgiram em grande número ferreiros,
oleiros, pedreiros e gravadores em pedra e em madeira.
Pouco a pouco apareceram cidades, das quais Kiev e Nov-
gorod foram as primeiras e as mais importantes. A estrutura
de clã da sociedade começava então a impedir o desenvolvi-
mento da economia e gradualmente desapareceu. Persistiu,
entretanto, mais no Norte e nas regiões afastadas, tendo de-
saparecido primeiro entre os polyanye do Sul.

Não tardariam a aparecer chefes opulentos ou príncipes


nas comunidades eslavas. Cada um deles tinha ao seu ser-
viço grupos de seguidores armados (drujiny). Os príncipes
costumavam cobrar um tributo aos camponeses que estavam
sob o seu domínio, e aumentavam as suas riquezas saque-
ando os haveres dos outros príncipes. Alianças a longo prazo
entre os vários príncipes eslavos, que começaram no século
VI, representaram o primeiro tipo de estado nesta parte do
Mundo.

Os povos eslavos estavam constantemente expostos a in-


vasões hostis pelos nómadas orientais como o Hunos e os

211
Ávaros. Devastavam as suas terras como uma peste violenta,
deixando atrás de si um rasto de sangue, roubando cereais e
gado, queimando as casas e levando homens, mulheres e cri-
anças para o cativeiro.

Os eslavos tinham de estar sempre prevenidos contra ata-


ques de surpresa. Por vezes eram obrigados a trabalhar os
campos armados, e cedo se tornaram mestres na arte da
guerra.

Os primeiros eslavos adoravam a natureza: o sol, o vento,


as tempestades e a floresta e todos os outros fenómenos na-
turais eram considerados seres animados. O deus do Sol cha-
mava-se Dajdbog, o deus do Vento, Stribog, e o deus da
Tempestade, Perun. Realizavam-se festivais em honra do
Sol. Na Primavera, efectuavam-se celebrações para assinalar
o fim do Inverno e festejar a Primavera, e cozinhavam nessa
altura bolos redondos que simbolizavam o Sol. Uma figura de
palha que simbolizava o Inverno era solenemente queimada
ou afogada num rio próximo e este rito era acompanhado de
danças e cantares.

Os eslavos eram um povo forte e corajoso, célebre pela


sua hospitalidade.

A Formação de Relações Feudais entre os Eslavos Ori-


entais

Gradualmente foram ocorrendo numerosas mudanças na


vida económica e social dos povos eslavos. As primeiras mu-
danças foram de tipo económico. Nas regiões de terra negra
do Sul, os bois passaram a ser cada vez mais utilizados na
agricultura. Cultivava-se cada vez mais terra e devastavam-
se florestas para novas sementeiras(6): foi introduzida a se-
menteira da Primavera e do Outono. Em breve os eslavos es-

212
tavam a produzir mais centeio, trigo, cevada, aveia e milho-
miúdo. Também passaram a cultivar em larga escala ervi-
lhas, nabos e lentilhas, e os camponeses começaram a ter
mais gado e criação.

É claro que isto não significa que chegara uma época de


abundância. O homem ainda estava mal equipado para a luta
com a natureza, os seus utensílios ainda eram primitivos e o
seu trabalho lento e difícil. Contudo, as técnicas estavam
agora relativamente evoluídas e a produção era muito maior
do que no tempo das primitivas comunas. Os padrões da vida
social e da produção estavam a avançar com persistência.

A posição dos membros mais ricos das comunas e a velha


aristocracia tribal tornou-se mais forte à medida que a eco-
nomia se desenvolveu. Tentaram trabalhar as suas terras o
melhor possível e apoderar-se de toda a terra a que podiam
deitar mão — a terra era a principal fonte de riqueza da
época. Desta maneira, o nascente estrato próspero da socie-
dade consolidou o seu poder e aumentou as suas terras. Ads-
tringiu à terra os camponeses que viviam nos territórios con-
quistados. Assim, os camponeses (livres) ou smerds, que
formavam a maior parte da população rural dos primitivos
principados russos, perderam a pouco e pouco a liberdade,
enquanto crescia o número de propriedades que pertenciam
aos proprietários ricos ou boiardos.

Utilizava-se algum trabalho escravo, mas os camponeses


constituíam a principal força de trabalho desta primitiva soci-
edade eslava. Os escravos ou kholops eram utilizados como
força de trabalho não especializado ou subsidiário. O trabalho
agrícola essencial era feito pelos smerds. Depois de os boi-
ardos tomarem as terras às comunas camponesas arren-
davam parcelas aos camponeses, de maneira que estes se
mantivessem a si próprios e às famílias enquanto traba-
lhavam para os boiardos.

213
Em breve iam aparecer duas classes distintas — os cam-
poneses adstritos à terra do seu senhor, que trabalhavam
essa terra, e os senhores feudais que possuíam a terra. Este
desenvolvimento marcou o início do período medieval da so-
ciedade russa.

O Primeiro Estado Russo

Logo no século VI foram concluídas várias alianças entre


os principados russos. Este processo ocorreu gradualmente
nas terras em volta do rio Dniepre. No fim do século IX, du-
rante o reinado do príncipe Oleg (879-912), os principados
de Kiev e Novgorod uniram-se. Kiev tornou-se o centro do
novo Estado russo, que consistia em alguns grandes princi-
pados eslavos povoados pelos polyanye, os se-
veryanye, os drevlyanye e outras tribos eslavas unidas.

Os príncipes deste primitivo Estado russo cobravam eles


próprios impostos aos seus súbditos. Costumavam partir
para cobrar este tributo no início do Inverno com um grande
séquito. Os súbditos do príncipe traziam o tributo ao seu so-
berano quando ele entrava na aldeia. As peles de castor, es-
quilo e marta eram muito apreciadas. Traziam mel em jarros
e baldes de madeira, cera e produtos agrícolas.

O povo acabou por se revoltar contra esta exploração e,


no ano 945, o príncipe Igor foi assassinado como vingança
pelas suas exigências.

Quando subiu ao trono, Olga, viúva de Igor (reinou de


945 a 969) vingou-se cruelmente dos revoltosos: conta-se
que queimou a sua aldeia e depois mandou queimar vivos
muitos dos habitantes. Contudo, diz-se, também, que foi
obrigada a estipular taxas de tributo mais realistas e depois a
cumprir as novas leis.

214
A pouco e pouco, o Estado de Rus alargou as suas fron-
teiras. O seu poder armado e a sua técnica militar veio a re-
presentar um desafio formidável. Svyatoslav (942 - 972)
acrescentou muitas terras ao Estado de Rus e subjugou
os vyatichi, os Búlgaros do Volga e o reino khazar. Também
conquistou território búlgaro no vale do Danúbio.

A Adopção da Religião Cristã

À medida que o Estado de Rus cresceu em tamanho e em


força começou a contactar mais intimamente com Bizâncio e
com a Europa, onde o Cristianismo já era uma religião uni-
versalmente aceite, enquanto Rus era ainda um Estado
pagão. O culto dos deuses da natureza reflectia os conceitos
eslavos do poder da natureza, mas não podia ser utilizado
pelos príncipes para aumentar o seu poder sobre os seus
súbditos.

O cristianismo, porém, apresentava perspectivas muito di-


ferentes: há muito que enaltecia o imperador como represen-
tante do Deus cristão, único, omnipotente e omnisciente, do-
minador de todo o Mundo, factor que foi sublinhado para
apoiar o princípio do domínio único e indivisível na esfera da
administração temporal. À medida que se foram estabele-
cendo relações sociais novas e mais complexas, os príncipes
precisavam de uma religião que apoiasse o seu poder total.

A fé cristã ensinava que não havia qualquer poder além


do que era delegado pelo Senhor e, consequentemente, que
todos os cristãos deviam obedecer sem discussão aos seus
senhores da Terra, que eram, afinal, os representantes de
Deus.

A doutrina cristã reforçou ainda a submissão das massas


com a doutrina de uma vida ultraterrena. Todos os que acei-

215
tassem submissamente o seu destino teriam uma vida no pa-
raíso com Deus e os anjos, ao passo que os pecadores se-
riam torturados no inferno. As massas ignorantes adoptavam
estes ensinamentos e tornavam-se mais submissas. As
igrejas magníficas construídas nessa época, os complicados
serviços religiosos com belos cânticos, muitos rituais e ima-
gens iluminadas por velas — tudo reflectia o poder crescente
do Estado feudal, e atraía o povo.

O príncipe de Kiev, Vladimir (que reinou até 1015), filho


de Svyatoslav, converteu-se ao cristianismo e declarou no
ano 988 que o cristianismo era a religião oficial de Rus.
Foram proibidas as imagens de deuses e ídolos pagãos e as
que existiam foram destruídas.

Os homens de Kiev foram chamados às margens do Dni-


epre onde foram baptizados por ordem de Vladimir.

A nobreza do Estado de Kiev aceitou de boa mente esta


nova religião, que ajudava a garantir o seu poder sobre os
trabalhadores. Contudo, em muitas regiões, o povo resistiu
às novas doutrinas e em muitas ocasiões o cristianismo foi
introduzido à força. Houve revoltas contra a introdução da
nova religião em Novgorod e noutras cidades. A Igreja re-
cebeu dos príncipes grandes extensões de terra e um décimo
dos rendimentos do Estado.

O cristianismo trouxe nova força ao Estado de Rus. Re-


forçou o poder do príncipe e tornou as relações com outros
Estados que já tinham adoptado o cristianismo muito mais
simples. Já não era possível aos estrangeiros olharem os es-
lavos com desprezo, pois eles tinham agora adoptado a
mesma fé. Os sacerdotes cristãos eram todos homens cultos
e havia muitos livros nas bibliotecas das igrejas, que foram,
então, recopiados. Também foram abertas escolas junto às
igrejas. O desenvolvimento cultural avançou mais rapida-

216
mente do que na era pagã. Isto foi particularmente notório
no reinado do príncipe Yaroslav, o Sábio (1019- 1054).

Durante o reinado de Yaroslav foram erigidos muitos edifí-


cios magníficos em Kiev, incluindo a catedral de Santa Sofia
e as novas muralhas da cidade com os Portões Doirados.
Muitos artistas e arquitectos hábeis trabalharam em Kiev du-
rante o seu reinado, tanto russos como estrangeiros. Embora
os edifícios, as pinturas das igrejas e as imagens revelassem
uma marcada influência bizantina, começou a aparecer um
novo estilo russo de arquitectura e pintura.

O poder de Rus cresceu notoriamente durante o reinado


de Yaroslav, o Sábio. Reis estrangeiros procuraram fazer ali-
anças com ele e Yaroslav casou com uma princesa sueca e
casou as suas filhas com reis franceses, húngaros e norue-
gueses, enquanto o seu filho casava com uma princesa bi-
zantina. Todas estas alianças serviram para fortalecer os
laços entre Kiev Rus e as outras potências.

No reinado de Yaroslav, o Sábio, as leis russas foram pela


primeira vez codificadas. O novo código de leis conhecido
por Russkaya Pravda baseava-se nos antigos costumes
russos. Os filhos de Yaroslav acrescentaram novos decretos
ao código, um dos quais, particularmente importante, proibia
as lutas sangrentas entre os clãs e assim abolia um vestígio
importante da sociedade de clãs. A elaboração de um código
de leis foi um passo importante para o estabelecimento de
uma rede administrativa do Estado.

Revoltas Populares no Século XI

À medida que o Estado feudal se ia consolidando, as duas


classes de camponeses e proprietários de terras tornaram-se
cada vez mais claramente definidas. Os príncipes e os boi-

217
ardos começaram a apoderar-se de muitíssimas terras dos
camponeses e aumentaram o trabalho obrigatório dos cam-
poneses. A Igreja também se tinha por seu lado tornado num
importante proprietário e começava a oprimir os campo-
neses.

A resistência dos oprimidos aumentou particularmente


nos anos de desastres naturais, como más colheitas e fomes.
Em 1024 houve uma colheita excepcionalmente má e a no-
breza local reuniu grandes quantidades de cereais na pro-
víncia de Suzdal. Os velhos sacerdotes pagãos exploraram a
vaga de descontentamento popular e excitaram o povo. O
povo ergueu-se contra a nobreza exigindo pão e protestando
contra a Igreja Cristã, que se tornara um proprietário
opressor. Nesta altura, o príncipe de Kiev marchou para
Suzdal e esmagou a revolta popular executando e encarce-
rando muitos dos revoltosos.

Na própria Kiev, no ano 1068, os trabalhadores er-


gueram-se contra o seu príncipe, na altura em que novas e
perigosas tribos nómadas, os polovtsi, ameaçavam Kiev pelo
Leste. O exército de Kiev, do príncipe Izyaslav (1024-1078)
foi derrotado. O príncipe Izyaslav refugiou-se atrás das mu-
ralhas da cidade depois da derrota e as terras do principado
de Kiev foram abandonadas ao inimigo. Este facto alarmou a
população urbana e rural, que convocou uma assembleia po-
pular ou vyeche na Praça do Mercado e proclamou: «Os po-
lovtsi invadiram as nossas terras! Príncipe, dá-nos armas e
cavalos para irmos já a combatê-los!» O príncipe recusou
porque temia que o povo usasse as armas contra ele e contra
os boiardos. Esta recusa provocou uma insurreição: o povo
expulsou Izyaslav da cidade, apoderou-se do castelo e distri-
buiu por todos as suas riquezas, o ouro, a prata e as peles.
O vyeche elegeu outro governante e só depois apareceu
uma resistência vitoriosa contra os polovtsi.

218
Foi neste fundo de intensa luta de classes que a sociedade
feudal foi tomando uma forma definida.

A Formação de Principados Independentes

Até ao século XII, Rus foi um Estado unificado governado


pelo grande príncipe de Kiev. De modo claro, essa unidade
nunca tinha sido particularmente forte nem profunda: a
forma de economia predominante era uma economia de sub-
sistência, os laços entre os vários grupos estavam longe de
estar firmemente estabelecidos e a organização económica e
política não era particularmente avançada.

Gradualmente os padrões de propriedade feudal come-


çaram a afirmar-se mais nos principados separados de Rus —
os de Vladimir, Novgorod, Chernigov, Ryazan e muitos ou-
tros. Os príncipes, chefes guerreiros e boiardos começaram a
apossar-se cada vez mais das terras dos smerds e a alargar
as suas propriedades. Apareceram mais casas rurais e o tra-
balho agrícola tornou-se mais organizado. O trabalho obriga-
tório dos camponeses para os seus senhores era realizado
sob vigilância constante e rigorosa quer pelo próprio senhor
quer pelo seu bailio. Grupos de camponeses começaram a
trabalhar na casa do boiardo e nos seus armazéns.

O sistema de rotação agrícola começou a ser largamente


utilizado: um campo ficava em pousio, um segundo seria se-
meado na Primavera e um terceiro no Outono. Isto levou a
colheitas muito mais abundantes e a um desenvolvimento
lento mas firme dos utensílios agrícolas, o que foi um impor-
tante passo em frente. As cidades e os ofícios também se de-
senvolveram consideravelmente.

À medida que estes Estados feudais se tomaram mais po-


derosos e os seus donos mais fortes, o poder dos príncipes

219
locais cresceu, enquanto enfraquecia o poder do grande prín-
cipe de Kiev. O aparecimento de principados independentes
foi de início um fenómeno progressista.

Entre o grande número de províncias independentes que


tinham feito parte de Rus estavam a grande Novgorod e o
principado de Vladimir. As terras da província de Novgorod
estavam situadas à volta do lago Ilmen e estendiam-se para
Norte, para além do Byeloye Ozero (lago Branco), do lago
Onega, do Dvina do Norte e dos Urais do Norte.

Os boiardos eram poderosos proprietários que constituíam


a classe mais alta da sociedade de Novgorod. A seguir, vi-
nham os ricos comerciantes e outros proprietários de terras,
prósperos mas não tão poderosos como os boiardos. Estes
grupos denominavam-se os homens «de qualidade» e eram
eles que reinavam na província de Novgorod. Eram eles que
determinavam os destinos dos trabalhadores, dos campo-
neses, dos artesãos, dos carregadores, dos barqueiros e do
povo comum da cidade. Embora este fosse muito mais nu-
meroso do que os boiardos e os mercadores, era chamado
povo «inferior» ou «negro».

Os produtos da terra e do trabalho dos artesãos das ci-


dades era vendido no activo mercado de Novgorod. Muitos
comerciantes, ou «convidados», como se chamavam naquela
época, vinham a Novgorod comprar as famosas mercadorias
da cidade. Entre eles vinham frequentemente visitantes de
outros países. Os comerciantes estrangeiros traziam tecidos
caros, vinhos, cobre, estanho, fruta seca e doces. Os merca-
dores germânicos estabeleceram o seu próprio posto de co-
mércio que foi rodeado de uma alta vedação. Os mercadores
da Oriente também vinham a Novgorod, de países como a
Pérsia, a Índia e o Afeganistão.

Novgorod era também um centro cultural importante. Era


uma cidade evoluída para a altura, com ruas pavimentadas
220
com pedras redondas e água canalizada. Havia um grande
número de artesãos na cidade e muitos dos cidadãos eram
cultos. As escavações arqueológicas têm revelado um grande
número de documentos escritos em casca de vidoeiro.

O vyeche, formado por todos os chefes de família livres


da cidade, desempenhava um papel importante no governo
de Novgorod. O governador de Novgorod chamava-se po-
sadnik, e era eleito exclusivamente entre os poderosos boi-
ardos. O vyeche também elegia um comandante da guarda
da cidade (mil homens), tropa especial escolhida entre o
povo da cidade. O arcebispo igualmente desempenhava um
papel importante nas questões da cidade. Também havia um
príncipe, mas este título não era hereditário. Os príncipes de
Novgorod eram eleitos e depois convidados para a cidade. Ti-
nham a seu cargo as tropas e o tribunal, embora fossem
obrigados a julgar de acordo com os costumes de Novgorod.

Havia em Novgorod frequentes revoltas dos homens «in-


feriores» contra os homens de «qualidade» (os cidadãos mais
ricos e mais poderosos). Por vezes, convocavam-se
duas vyeches separadas, uma ao lado do mercado e outra
ao lado de Sófia, e os sinos tocavam forte em ambos os ex-
tremos da cidade. Os dois grupos depois encontravam-se na
ponte sobre o rio Volkhov e muitas vezes seguia-se uma luta
feroz. Nos séculos XIII e XIV registaram-se cerca de cin-
quenta revoltas dos habitantes «inferiores» contra os «de
qualidade».

À medida que o poder de Kiev declinava, o principado de


Vladimir consolidava o seu poder e começava a desempenhar
um papel muito mais dominante. Este principado, também
chamado principado de Vladimir-Suzdal, estendia-se do Volga
ao Klyazma. Era rico em florestas, mel e peixe, e continha
muita terra fértil. Os seus centros mais antigos eram Rostov
e Suzdal.

221
Foi neste principado que cresceu Moscovo. Foi mencio-
nada nas crónicas pela primeira vez no ano 1147, quando se
registou que o príncipe Yuri Dolgoruky (1090- 1157) con-
vidou um dos seus aliados, o príncipe de Chernigov, a vir a
Moscovo e organizou uma grande festa em sua honra. Nessa
altura, Moscovo era ainda um pequeno agregado populaci-
onal, que ocupava a área do moderno Kremlin. Estava si-
tuada numa posição bem fortificada na margem alta do rio
Moskva e consistia numa pequena fortaleza rodeada pelas
casas dos artesãos e mercadores. Fizeram-se escavações,
durante as quais foram desenterradas pontas de seta, agu-
lhas e facas, que mostraram que esta área tinha sido habi-
tada por eslavos desde há muito.

Vladimir junto ao Klyazma iria tornar-se a capital do prin-


cipado de Vladimir. Na região imediatamente vizinha, o prín-
cipe André (1111-1174) construiu o castelo de Bogolyubov —
daí o seu nome André Bogolyubsky. A cidade de Vladimir em
breve se tornou num importante centro político. Soberano
cruel e déspota, o príncipe André tentou impor a sua vontade
aos príncipes inferiores, e a nobreza local acabou por se er-
guer contra ele e matá-lo.

Pouco depois da morte de André Bogolyubsky, Vsevolod


Ninho Grande (alcunha que lhe puseram por causa da sua fa-
mília numerosa), tornou-se soberano de Vladimir - Suzdal
(até 1212). Também foi um soberano déspota e deu pouca li-
berdade aos boiardos. Na famosa epopeia medieval «O Lais
do Exército de Igor» faz-se um vivo quadro de como o seu
exército drenou a água do Volga com os seus remos e esva-
ziou o Don, bebendo-lhe a água pelos elmos, tão poderoso
era o poder bélico de Vsevolod.

A Cultura do Antigo Estado Rus

222
O antigo Estado de Rus teve uma cultura florescente e va-
riada. A arte da narração oral era então uma tradição firme,
e as histórias de fadas, contos e lendas passavam de geração
em geração. Algumas figuras lendárias muito populares
foram os grandes heróis Ilya Muromets e Dobrynya Nikitich,
o astuto e alegre Alyocha Popovich e o rico mercador de Nov-
gorod Sadko, cujas aventuras o levaram ao reino submarino
do rei do mar.

Estas lendas, histórias de fadas e provérbios reflectiam o


espírito e a rica imaginação artística do povo comum, a vida
que levava, com as suas alegrias e tristezas, a sua interpre-
tação do passado e as esperanças no futuro. O antigo Estado
Rus tinha a sua língua escrita própria antes do advento do
cristianismo e dela temos conhecimento através das cartas
escritas pelos monges gregos que elaboraram o alfabeto cirí-
lico na forma que chegou até nós na maioria dos primitivos
escritos russos.

Todos os livros foram copiados à mão nessa época e utili-


zavam-se penas de ganso ou pequenos ramos para escrever
em fina pele de bezerro. Utilizava-se também casca de vido-
eiro com letras gravadas ou cortadas. Escavações feitas em
Novgorod revelaram grande número de cartas medievais es-
critas em casca de vidoeiro. Os livros levavam muito tempo a
fazer e eram considerados objectos valiosos.

As primeiras crónicas russas foram feitas nos mosteiros,


onde se registavam, por ordem cronológica, os aconteci-
mentos importantes. Uma das primeiras crónicas russas foi
escrita pelo monge Nestor no mosteiro de Kiev-Pechersky.
Esta e outras crónicas constituem registos únicos do passado
da Rússia e o estudo da sua primitiva história deve-lhes
muito.

O antigo Estado Rus era muito famoso pelos seus arte-


sãos, hábeis numa grande variedade de ofícios. Os oleiros da
223
época produziram grande quantidade de graciosa louça de
barro com bonitos enfeites, colorida e brilhante — jarros,
pratos, vasos, tigelas e brinquedos de criança. Outra prática
comum era a fusão de metal em pequenos fornos: usava-se
para fabricar a relha do arado, foices, lâminas para pás de
madeira, facas, pregos, fechaduras e ferraduras. Famosos
eram também os armeiros, que fabricavam espadas com lâ-
mina dupla, escudos, armaduras e cotas de malha de ferro.

Os joalheiros e artesãos de Kiev eram muito célebres pelo


fino trabalho de metal, ricos ornamentos e artigos de mesa.
Óptimos especialistas em gravar, em relevo, o metal, cinzelar
e dourar. Por vezes, estes artistas decoravam as suas obras
com cenas completas, por exemplo, um chifre de boi sel-
vagem decorado com trabalhos de prata podia contar toda
uma cena de uma lenda russa. Algumas vezes os artistas as-
sinavam as suas composições: por exemplo, em Novgorod,
foram encontradas magníficas chávenas, decoradas com apli-
cações, em relevo, com inscrições no fundo, tais como «Obra
de Bratila», «Obra de Kosta». Os mestres ensinavam a sua
arte aos seus aprendizes, legando-lhes os respectivos se-
gredos.

Outro marco cultural deste período é a epopeia medieval:


O Lais do Exército de Igor, que data do século XII, e que
narra a campanha do príncipe Igor Svyatoslavich contra os
polovtsi no ano 1185. Esta obra de um autor desconhecido é
uma das obras-primas da primitiva poesia russa. Composta
pouco antes da invasão mongólica, o Lais contém um apelo
à unidade entre os príncipes da Rússia.

Notas de rodapé:

(6) Também os cavalos começaram a ser utilizados como animais de tiro. Novas
terras, para o Norte, foram abertas, e os métodos agrícolas evoluíram.

224
Capítulo IV - A Transição para o Feudalismo no
Médio Oriente e na Ásia Central

O Aparecimento das Relações Feudais no Irão

O império sassânida dominou o Irão do século III ao sé-


culo VII. A sua história estava directamente ligada à do povo
iraniano e do seu estado, que formava o núcleo do império.
Aqui, o desenvolvimento das relações feudais deu-se, por um
lado, a partir de antigas tradições de escravatura como na
Índia ou no vale do rio Amarelo, e, por outro lado, como re-
sultado do colapso da primitiva sociedade das tribos iranianas
baseada em padrões de clã e de comuna. As alterações soci-
oeconómicas, culturais e políticas ligadas ao aparecimento de
uma sociedade feudal deram-se aqui dentro de uma unidade
etnicamente homogénea com um firme núcleo central (o Irão
Central e do Sudoeste) como no Japão e no Vietname, mais
do que no califado árabe e no império chinês.

O aparecimento de uma classe de camponeses ligados à


terra dos seus senhores deu-se à medida que os escravos
que trabalhavam nas propriedades privadas alcançaram a
posição de servos e as comunas se foram desintegrando.
Tudo isto teve como resultado o aparecimento de uma nova
classe, a dos azats, soldados a cavalo, prósperos e livres. As
guildas dos ofícios formaram-se nas cidades, mas não de-
sempenhavam um papel importante no Irão da alta Idade
Média. Nesta altura já se tinha estabelecido um sistema de
castas, menos rígido que o indiano.

225
Política e economicamente, o Irão foi o Estado mais forte
da Ásia Ocidental durante os séculos III, IV e V. O poder
principal estava nas mãos da aristocracia que tinha terras e
da Igreja Zoroastriana, que também possuía vastas terras e
muitos escravos. Os zoroastrianos adoravam o sol, o fogo, a
lua e as estrelas. O zoroastrianismo foi adoptado como reli-
gião oficial do povo iraniano no início da nossa era. As insti-
tuições religiosas ricas, e de influência, constituíam uma im-
portante força social no Irão.

O Irão também viveria uma crise da sociedade esclava-


gista quando ocorreu um movimento das massas exploradas,
o maniqueísmo. No entanto, embora os maniqueístas criti-
cassem a estrutura social existente como injusta, os seus
protestos limitavam-se à resistência passiva.

A ausência de quaisquer revoltas interiores importantes


deram aos sassânidas, a possibilidade de alargar as suas
possessões territoriais na Transcaucásia, na Mesopotâmia e
na Ásia Menor. Estas conquistas, que trouxeram riquezas
consideráveis à aristocracia esclavagista e aos governantes
do império, serviram para agravar a crise crescente dentro
da sociedade esclavagista iraniana. As greves da fome tor-
naram-se mais frequentes e deram-se revoltas em massa
contra a aristocracia proprietária de terras, tanto entre os
antigos camponeses das comunas que esperavam recon-
quistar as suas antigas liberdades, como entre os azats que
desejavam afirmar o seu direito à pequena e média proprie-
dade. Os governantes do império também esperavam obter
terras apoderando-se de parte da propriedade das principais
famílias aristocratas com quem lutaram em vão, no fim do
século IV e no início do século V. Impunha-se, além disso,
uma consolidação do poder central do império por causa da
ameaça, nas fronteiras orientais, de uma invasão dos nó-
madas eftalistas (nome dado à aliança entre os Hunos e as

226
tribos iranianas orientais que mais tarde estabeleceram um
Estado feudal).

O Mazdaquismo

Estes vários grupos congregaram as suas forças no movi-


mento mazdaquista (assim chamado por causa do seu líder,
Mazdak). Ao contrário dos seus antecessores maniqueístas,
os mazdaquistas exortavam à luta aberta contra a degene-
rescência social e particularmente exigiam que se confiscasse
à aristocracia o excesso de propriedades. O governante sas-
sânida Kavadh I entrou numa aliança com os mazdaquitas e
os azatz, venceu o poder da nobreza, aboliu o sistema de
castas e fez do mazdaquismo a religião oficial. Pouco depois
desta vitória, houve um choque de interesses entre as
massas de camponeses e artífices por um lado, e o grupo dos
revoltosos, os azais e o corte, que apoiava os seus inte-
resses, por outro lado. Mais uma vez os azais e Kavadh reu-
niram as suas forças e juntamente com os últimos represen-
tantes da aristocracia secular e religiosa esmagaram a re-
volta camponesa, no ano 529.

O Império Sassânida sob Chosroes I

A sociedade feudal iraniana surgiu no século V e no início


do século VI, sobretudo durante o reinado de Chosroes I
(531 -579). Com a vitória sobre a aristocracia, o poder cen-
tral adquirira ainda mais terras, uma considerável parte das
quais foi dada aos azais, agora que a propriedade estatal
fora estabelecida. Todos os trabalhadores foram obrigados a
pagar um imposto per capita sobre as suas terras (em vez
de estarem sujeitos a frequentes requisições), que no con-
junto era um fardo menos pesado do que os anteriores im-

227
postos. O restabelecimento da propriedade estatal da terra
também se fez sentir no papel que o Estado desempenhava
na economia (concessão de empréstimos aos camponeses,
etc.). O sector da sociedade em que a Monarquia tinha o seu
maior apoio era a classe azai, classe militar da sociedade
feudal. O exército permanente do imperador, ao contrário do
seu correspondente árabe, era formado por mercenários e
juntamente com os destacamentos azat e a burocracia dis-
persa mais centralizada com funcionários azat, formavam a
base do aparelho administrativo do império sassânida.

A consolidação das relações feudais e o fim da agitação


dos camponeses deram aos sassânidas a possibilidade de
voltar a sua expansão para o Sul e expulsar os eftalitas das
suas fronteiras orientais. No Ocidente, depois de alguns su-
cessos iniciais, o Irão encontrava-se envolvido numa longa e
dispendiosa guerra com Bizâncio.

A Arábia no Início do Século VII

O aparecimento de relações feudais na península arábica


e nos territórios imediatamente adjacentes deu-se em me-
ados do primeiro milénio d.C., com o gradual declínio das so-
ciedades esclavagistas do Sul e do Sudoeste da península, e
com a designação do primitivo sistema de clãs dos nómadas
noutras regiões.

Nessa altura, uma grande parte do gado e das pastagens


estava nas mãos da nobreza dos clãs, enquanto às tribos nó-
madas mais pobres faltava a terra, pois a criação de gado
não era suficiente para sustentar a população que estava a
aumentar. Começaram a travar-se guerras intertribais pela
posse da terra, no decurso das quais se fizeram várias ali-
anças. A necessidade de alargar os territórios à custa das
tribos vizinhas tornou-se cada vez maior. Outro factor que

228
promoveu o impulso para a unificação foi o número cada vez
maior dos laços económicos e políticos entre as regiões mais
desenvolvidas da Arábia onde os padrões feudais já estavam
a tomar forma e entre estas regiões e os povos nómadas.

Começou também um movimento para a unificação de


todos os árabes que coincidiu com a feudalização tanto dos
nómadas como dos povos fixos; o movimento adquiriu desde
logo um carácter religioso, propagando a nova religião do
Islão.

Os Começos do Islão

O islamismo é uma religião monoteísta, que reconhece


um deus, Allah, representado na Terra pelos seus profetas e
representantes, os califas. Esta religião exigia aos seus
adeptos obediência cega a deus e aos seus servidores. As or-
ganizações religiosas moslémicas tinham muito em comum
com a de um Estado. De início, a propagação de Islão esteve
ligada ao nome do profeta Maomé (570-632). O movimento
para a unidade religiosa entre os povos arábicos e a crítica
da prática da escravatura trouxe a Mohammed muitos segui-
dores de várias camadas sociais. Um aspecto importante do
Islão, que reflectia as aspirações territoriais e o desejo de
unificação dos povos árabes na primitiva sociedade feudal
(cujo principal recurso era a criação de gado) era a tendência
para espalhar a «fé do profeta» à força, nas terras vizinhas.

A Unificação dos Árabes e o Aparecimento do Califado

O Estado maometano de Medina, que surgiu no primeiro


terço do século VI, começou cedo a alargar as suas fron-
teiras. Esta expansão territorial foi facilitada pela propagação
do Islão: o aspecto mais vital do Islão era a luta para conse-

229
guir um poder político forte. A teocracia centralizada, insti-
tuída por Maomé, procurava apoio nas tropas que eram re-
muneradas não com terra mas com uma parte dos despojos
capturados na batalha. Este sistema (que não excluía a pre-
sença dos proprietários de terras entre os guerreiros e co-
mandantes) teve todo o apoio dos primeiros califas (suces-
sores do profeta) e assegurou uma eficácia constante ao
exército durante um período relativamente longo. Outro
factor que contribuiu para a consolidação do poder central foi
a cobrança de impostos a todos os que possuíam terras, em-
bora os impostos fossem mais baixos no caso dos senhores
feudais. Só uma pequena parte da terra pertencia ao Estado
(terra comum ou a que não estava a ser cultivada), enquanto
a maior parte dela era ou propriedade privada ou proprie-
dade do clã.

Os califas atribuíam lotes das terras do estado aos que


desempenhavam funções militares ou administrativas en-
quanto estivessem no exercício das suas funções e isto
marcou o início de uma nova classe de proprietários de terras
e de senhores, cujas propriedades dependiam do serviço
prestado ao Estado. Estas terras podiam ser expropriadas
aos donos na condição de que o novo dono cumprisse as fun-
ções que lhe eram exigidas. Este sistema de propriedade de
terras, que logo se espalhou pela Ásia Menor e pelo Norte de
África, diferia fundamentalmente dos que se encontravam no
Extremo Oriente e na Índia.

Em meados do século VII, a Arábia estava unificada mas


não havia esperança de estabilidade permanente na medida
em que esta unidade não oferecia solução para o problema
da distribuição da terra. Depois de estabelecerem poderosas
propriedades na Arábia os chefes árabes aspiravam a au-
mentá-las à custa dos povos vizinhos.

230
Entretanto, no curso de um grande número de campanhas
os nómadas, para quem não havia lugar na Arábia feudal,
tornaram-se guerreiros profissionais e, mais tarde, proprietá-
rios de terras nos países que conquistavam. Isto serviu para
consolidar ainda mais os padrões sociais feudais, e fez com
que os califas tivessem ao seu dispor tropas de confiança, as
quais estavam unidas por uma fé e um fundo étnico comuns;
estas tropas viviam do saque das terras conquistadas.

No século VII, os Árabes empreenderam uma grande ex-


pedição contra os impérios de Bizâncio e do Irão, que es-
tavam ambos enfraquecidos por hostilidades mútuas e re-
voltas internas.

No ano 636, Bizâncio foi expulso da Síria e da Palestina e,


em 651, os Árabes ocuparam o Irão. Factor de importância
no êxito destes novos conquistadores foi a sua tolerância reli-
giosa (só utilizavam meios económicos, para encorajar a con-
versão ao Islão) e o seu respeito pela propriedade de todos
aqueles que se lhe rendiam sem resistência. Este facto neu-
tralizou sectores consideráveis da população nos países con-
quistados, particularmente porque, neste período, os califas
se limitavam, sobretudo, a cobrar impostos, sem recrutar
soldados ou abolir os privilégios da nobreza local. Além disso,
os territórios conquistados eram declarados propriedade do
Estado e, enquanto a população local ficava sujeita a im-
postos, os dos chefes locais eram consideravelmente redu-
zidos. Os convertidos ao Islão ficavam isentos de um imposto
especial que os infiéis tinham de pagar.

A base do sistema económico do califado era a proprie-


dade condicional da terra em troca de serviço, impostos obri-
gatórios e serviço militar e a obrigação de cultivar a terra que
se tinha (o direito de transferência também era assegurado).
Este tipo de propriedade era o tipo predominante depois da
redistribuição em massa, pelos califas, das terras dos seus

231
inimigos. A propriedade privada e comunal da terra era
menos vulgar. A terra dos chefes poderosos era geralmente
cultivada por camponeses servos.

A incorporação no califado de novas terras economica-


mente independentes dele e povoadas por homens de dife-
rentes raças, com a sua própria história e tradições, levou a
perturbações no Estado, tal como as houve em todos os pri-
mitivos Estados feudais.

As tropas da cavalaria, a quem só era concedida parte dos


despojos militares, revoltou-se sob a chefia de Ali (602-661)
contra a aristocracia árabe que tinha adquirido grande ex-
tensão de terras. No ano 656, Ali tornou-se califa mas a aris-
tocracia reuniu-se e organizou um movimento de resistência
chefiado por Moawiya dos Omíades, cuja principal praça-forte
era a Síria, uma das mais desenvolvidas das terras conquis-
tadas.

As contradições sociais que houve no curso da luta entre a


cavalaria e a nobreza iam encontrar expressão numa contro-
vérsia doutrinal. Os seguidores de Ali fundaram a
seita Xhiita(5a) (que em breve ia afirmar-se no Irão), en-
quanto os seguidores de Moawiya fundaram a seita sunita,
que depois da vitória destes últimos se ia tornar na seita or-
todoxa. A doutrina sunita baseia-se em lendas «Moslem»
ou sunna que se espalharam depois do Corão, (livro Moslem
ditado por Maomé) e que reflectiam os novos desenvolvi-
mentos da sociedade árabe, na sua subsequente estratifi-
cação em classes. Outro sector da cavalaria estabeleceu a
seita khawarij, que defendia a igualdade de todos os crentes.

As Conquistas Árabes

232
Utilizando na mão-de-obra e nos recursos materiais da
Síria e com o apoio dos chefes poderosos, Moawiyasain
passou vitorioso destas hostilidades. Transformou a Síria
num centro administrativo e começou a explorar cruelmente
a população do Iraque e do Irão. Os Omíades (descendentes
de moawiya) travaram guerras mal sucedidas contra Bizâncio
na Ásia Menor, mas os seus exércitos varreram o Norte de
África, pondo fim ao domínio bizantino na região. Os chefes
berberes locais, que durante muito tempo tinham estado em
guerra com os nómadas norte-africanos, passaram-se para o
lado dos Árabes. Durante os anos 711-714, os exércitos
árabes chefiados por Tariq conquistaram a península ibérica e
depois invadiram a França. A derrota que sofreram na ba-
talha de Poitiers (732) obrigou os Árabes a retirar-se para lá
dos Pirenéus que então se tornaram a fronteira do império
árabe.

Durante este período os exércitos árabes também apare-


ceram na Transcaucásia, no Noroeste da Índia e na Ásia Cen-
tral. Assim, em meados do século VIII tinha sido estabelecido
um império omíade gigante, cujo êxito se deve à combinação
de um poderoso exército, às pequenas alterações introdu-
zidas nos aparelhos governamentais locais e aos privilégios
concedidos aos chefes locais, cujas fileiras foram aumentadas
por Árabes a quem foram dadas terras nos países conquis-
tados como recompensa.

O Império Omíade

O reinado da dinastia omíade (661-750) foi marcado por


um rápido desenvolvimento de estreitos contactos entre os
Árabes e os chefes locais apesar de o facto do elemento
árabe predominar (na linguagem oficial, nos métodos de ex-
ploração de trabalho e na cobrança dos impostos, na religião,
nos sistemas fiscal e legal). Contudo, no início do séc. VIII, a

233
conversão em massa ao Islão levou a uma diminuição dos
impostos cobrados aos não moslems, o que minou o poder
económico do califado.

Os últimos califas omíades introduziram grandes au-


mentos nos impostos: as despesas militares exigidas para
manter a unidade do enorme império já não podiam ser en-
frentadas mesmo com a exploração desenfreada dos territó-
rios subjugados. A primeira metade do século VIII foi mar-
cada por toda uma série de revoltas nas terras conquistadas
que acabaram por chegar à própria Síria. Uma grande rebe-
lião na Ásia Central, que depois se espalhou para o Irão e
para o Iraque, levou à queda dos omíades. Contudo, o poder
não foi tomado pelos revoltosos mas pelos membros da fa-
mília Abbasid, que exploraram a turbulenta situação em pro-
veito próprio: os califas desta dinastia procuraram, sobre-
tudo, apoio na província iraquiana do império, que tinha es-
tado exposta a fortes influências árabes, e fizeram Bagodá a
sua capital (750- 1258).

O Califado Abbássidas

O enorme império dos omíades começou a declinar


apenas seis anos depois de os abbássidas tomarem o poder.
Apesar de todos os esforços dos califas, o exército nos países
conquistados tornou-se uma classe de proprietários de terras
com vários graus de riqueza e poder, e estava mais ligado
aos lugares onde vivia do que ao centro do califado e já não
sentia a necessidade do apoio deste.

Embora durante o reinado da dinastia abbássida se assis-


tisse à rápida desintegração do califado, nos séculos VIII e IX
também houve um desenvolvimento da economia e da cul-
tura do mundo árabe, particularmente no seu centro, o
Iraque. Aqui, não só se encontrava uma sociedade feudal re-

234
lativamente uniforme num vasto território mas a consoli-
dação social foi realmente efectuada por um rápido desenvol-
vimento da agricultura, dos ofícios e do comércio. Nessa al-
tura, os países árabes eram dos mais avançados do Mundo.
As rotas comerciais árabes espalharam-se até longínquas
terras pela Europa, pela Ásia e pela África. A distribuição de
despojos de guerra já não representava a maior forma de ex-
ploração económica. O principal processo de distribuição de
terras era a concessão de lotes de terra por cultivar — pro-
priedade dos califas — a administradores em troca dos seus
serviços prestados ao Estado. As terras de propriedade pri-
vada e a propriedade do califa constituíam grandes áreas de
terra. Os donos das terras que dependiam das funções pú-
blicas, independentemente da sua origem social, estavam su-
jeitos a serviço militar, e no final do domínio do califado che-
gavam a ser obrigados a levar consigo para a batalha desta-
camentos armados. Os camponeses que trabalhavam, pa-
gavam impostos ao Estado e renda aos seus senhores. Os
impostos sobre a terra constituíam a maior parte do rendi-
mento do Estado.

Tal como noutros Estados também no império árabe as


terras concedidas por serviços prestados ao Estado se foram
tornando gradualmente propriedade privada. Aqui o processo
deu-se no século IX. Teve um papel importante neste pro-
cesso o crescimento das grandes propriedades (ou waqfs)
nas mãos de instituições religiosas moslem. Estas terras nem
estavam sujeitas a impostos nem os seus habitantes tinham
de prestar serviço militar. Parte destes waqfs eram nominal-
mente propriedade de instituições religiosas, visto que em-
bora os chefes locais as concedessem aos seus mentores es-
pirituais, na prática conservavam a maior parte do rendi-
mento para si próprios. Como muitíssimas destas terras se
tornaram propriedades hereditárias e waqfs, os camponeses
estavam cada vez mais dependentes dos seus senhores e
menos do estado.

235
Contudo, o Estado continuava a exigir metade do que eles
ganhavam o que, dado que os proprietários privados por sua
vez também estavam a pressionar mais os camponeses, sig-
nificava que a sua posição era muito mais difícil do que
antes. A sorte dos camponeses não árabes era particular-
mente difícil: todos os camponeses sofreram com a transfor-
mação quase universal dos impostos em dinheiro e o resul-
tante desenvolvimento da usura.

O Declínio do Califado

À medida que aumentou o descontentamento entre o


campesinato, particularmente nas partes do império não
árabes mais afastadas, estalou a luta entre os proprietários
poderosos e o poder central, pois os primeiros procuravam
afirmar a sua independência económica e política. O califado
havia sido obrigado a dar muita autoridade aos governadores
provinciais por causa da ineficácia quase absoluta do apa-
relho de Estado e foram, pouco a pouco, perdendo o seu con-
trolo. Assim, apareceu a dinastia independente Tulunida no
Egipto, e a dinastia Tahirid no Irão, para dar só dois exem-
plos. Para contrariar estas tendências separatistas, os califas
procuraram fortalecer o aparelho de Estado e criaram a cate-
goria de vizir (ministro de Estado directamente responsável
perante o califa), mas foi impossível restaurar a antiga uni-
dade do império. O principal baluarte do poder do califa — o
exército monolítico dos nómadas árabes que viviam do saque
das batalhas e sem habitação fixa — tinha desaparecido. O
exército mercenário, composto de berberes, khorasans e sol-
dados recrutados entre outros povos súbditos, mostrou não
ser de confiança.

Embora o declínio do poder central do império fosse


adiado pelo facto de o califa ser universalmente aceite como
líder espiritual do Islão, a partir do século IX, o califado não

236
estava à altura da função básica: a de manter as massas sob
controlo. A revolta babek (816-837) no Azerbaijão e no Noro-
este do Irão marcou o princípio do fim do califado. Em breve
rebentaram revoltas dos camponeses iraquianos e dos nó-
madas da Arábia do Norte (869 - -883) e continuou a haver
perturbações semelhantes no século X. Explorando a fra-
queza do califado, a Ásia Central e o Irão reafirmaram a sua
independência no segundo quartel do século IX, e a Síria, o
Egipto e a Palestina seguiram-se-lhes na segunda metade do
século IX. Em meados do século X, o califado nada contro-
lava além de Bagodá e do território em volta, e na prática o
califa era apenas o chefe religioso do mundo moslem. Em
1258, os Mongóis conquistaram Bagodá e o califa foi assassi-
nado.

A Cultura Árabe

O domínio político dos países árabes durante os séculos


VIII, IX e X foi acompanhado de grandes realizações cultu-
rais, particularmente nas regiões centrais do califado e na
península ibérica. A ciência progrediu muito, desenvolvendo-
se tudo o que fora herdado do Mundo Antigo.

Particularmente, notáveis foram as realizações na Mate-


mática, na Astronomia, na Medicina, na Geografia e na His-
tória. Os Árabes trouxeram para a Europa algumas desco-
bertas chinesas, tais como o compasso, o papel e a pólvora.
Embora muita da sua filosofia fosse herdada do passado, fi-
zeram-se progressos consideráveis sob a influência da dou-
trina moslem. Apesar da sua essência religiosa, a filosofia
árabe também ia revelar aspectos racionalistas.

Os árabes deram grandes contributos para a arte da na-


vegação, a estratégia militar, alguns ofícios e para a arqui-
tectura. A literatura árabe floresceu, com escritores de im-

237
portância mundial, como Ibn Ishaq e Tabari, enquanto a lite-
ratura moslem do Médio Oriente e da Ásia Central deu ao
Mundo poetas como Firdousi e Omar Khayyam.

A Ásia Central nos Séculos V-VII

Os padrões da sociedade feudal na Ásia Central apare-


ceram primeiro entre os povos agricultores de Khorezm, da
Sógdia, etc. Nessas terras tinha aparecido uma nova classe
de camponeses dependentes — vendeiros não livres — à me-
dida que aos escravos foram concedidas parcelas de terra e
os camponeses das antigas comunas começaram a ser explo-
rados pelos chefes de clã. Todos os principados agrários da
Ásia Central que se estavam a desenvolver em linhas feudais
(eram mais de vinte) eram obrigados a pagar um tributo aos
chefes do Estado feudal dos nómadas eftalitas, mas conser-
varam a sua independência nas questões internas. Só Kho-
rezm era completamente independente.

Em 567, os eftalitas foram derrotados pelos nómadas túr-


quicos e o poder passou para as mãos do seu kagan (ou
chefe, mais tarde monarca). Aqui, a situação era muito dife-
rente da situação da península arábica, onde os padrões so-
ciais feudais tinham tomado forma, simultaneamente entre
os lavradores árabes e os nómadas árabes: os cultivadores
da terra (habitantes da Sógdia e do Khorezm) eram de
origem racial muito diferente da dos nómadas, aderiram a
uma religião diferentes e falavam outra língua. Por esta
razão, os padrões feudais da vida agrícola não exerceram in-
fluência directa sobre a estrutura social das tribos túrquicas
nómadas, e as características feudais só se iriam desenvolver
no século VI. Contudo, estas diferenças não impediam os nó-
madas túrquicos oprimidos de reunirem as suas forças às dos
lavradores da Sógdia, empobrecidos na revolta (583-586)
contra os chefes nómadas e os chefes de clã. A repressão

238
desta revolta levou a uma exploração mais dura dos antigos
camponeses das comunas. No séc. VII, os padrões sociais
feudais tinham acabado por predominar entre todos os povos
agrícolas da Ásia Central.

A transição para relações sociais mais evoluídas determi-


naram o desenvolvimento da agricultura, o avanço da indús-
tria da seda e dos sistemas de irrigação. Surgiu um grande
número de cidades fortificadas, mas os comerciantes e os ar-
tesãos desempenhavam um papel menos importante do que
os chefes de clã de quem dependia uma grande parte dos ar-
tesãos urbanos e das aldeias. Porém, os mercadores da Ásia
Central, sobretudo os da Sógdia, comerciavam activamente
com todos os países vizinhos, especialmente com a Índia e o
Médio Oriente. A religião principal destas primitivas socie-
dades de classes na Ásia Central foi o zoroastrismo.

Os numerosos principados da Ásia Central no século VII


não travaram quaisquer guerras importantes: depois do de-
clínio do poder túrquico a maior parte deles tornou-se inde-
pendente. O completo domínio sobre os camponeses nestes
países independentes, deu origem a resistência por parte
deste, que encontrou expressão numa revolta (final do século
VII, início do século VIII); as doutrinas a que os revoltosos
aderiram tinham muito em comum com as crenças mazd-
kitas.

À medida que o feudalismo foi gradualmente adoptado


pelos vários povos da Ásia Central, alguns grupos étnicos e
as suas culturas iam ganhar proeminência: os de Sógdia e
Khorezm, por exemplo. Até aí, a Ásia Central tinha represen-
tado uma unidade étnica e cultural mais ou menos compacta
e homogénea. Muitas obras da literatura indiana, iraniana e
cristã foram trazidas para estas terras, aperfeiçoaram-se as
línguas escritas locais, e fortaleceram-se os laços comerciais
e culturais com a Índia e a China. Começaram a aparecer na

239
Ásia Central escolas de pintura e escultura que eram absolu-
tamente distintas das tradições artísticas iranianas e indi-
anas.

Os exércitos árabes invadiram a Ásia Central em 651, mas


encontraram uma feroz resistência, que só foi quebrada de-
pois de uma longa guerra (705-715). Factor de considerável
importância nesta derrota foi a falta de unidade entre os se-
nhores feudais individuais, alguns dos quais traíram mesmo
os seus companheiros. A devastação do país e em particular
o sistema de irrigação, o empobrecimento do campesinato, a
fixação forçada de alguns dos habitantes e a conversão obri-
gatória ao Islão levaram a revoltas que estalavam constante-
mente, até que os Estados da Ásia Central acabaram por re-
estabelecer a sua independência. Mas enquanto as revoltas
do período 705-737 tinham exprimido os interesses comuns
tanto dos camponeses como dos nómadas, e dos senhores
feudais locais, em meados do século VIII, os chefes de clã já
não se associavam ao movimento, e muitos deles conver-
teram-se ao islamismo. Pouco a pouco apareceu um novo
grupo social formando de proprietários de terras e guer-
reiros. Com o apoio desta nova classe, os conquistadores
árabes puderam utilizar métodos de coacção económica para
converter ao islamismo uma parte considerável da popu-
lação, introduzir a propriedade estatal da terra e outras insti-
tuições feudais.

Contudo, o poder do califado não tinha alicerces firmes. A


revolta do ano 747, que começou na Ásia Central, levou à
queda dos omíades. Os povos da Ásia Central ergueram-se
contra os seus sucessores em 751, 776-783, 806-810; a luta
para subjugar os revoltosos exigiu não só o envio de parte
das tropas do califado mas também constantes concessões à
nobreza local, em particular aos nobres do Tajiquistão. No
século VIII, a nobreza do Tajiquistão já tinha adquirido o di-
reito à propriedade condicional de grandes lotes da terra que

240
anteriormente pertencera às comunas: a partir daquela al-
tura, a maior parte dos camponeses vivia em servidão
feudal. Em 819, os chefes do Tajiquistão fundaram um Es-
tado independente, e a dinastia samândia local ia dominar a
Ásia Central até 999.

Os Povos da Transcaucásia

Nos países da Transcaucásia — a Arménia, os principados


georgianos de Karthia e Lazica, e os principados albanianos,
Albânia e Arran, que tinham atingido diferentes níveis de de-
senvolvimento económico —, a transição para os padrões
económicos feudais começou no século VI, quando os se-
nhores da guerra tomaram a terra das comunas que estava
em rápido declínio. Ocorreram também nesta altura novas
relações de produção nas propriedades dos nobres que pos-
suíam escravos. Estes dois processos, que levavam à for-
mação de um campesinato dependente, estavam a dar-se,
por toda a Transcaucásia. A Igreja Cristã ia, por sua vez, de-
sempenhar um papel importante nestas novas relações de
produção: tinha sido firmemente estabelecida em todos os
países da Transcaucásia no século IV. Aqui não havia nem
propriedade de terra pelo Estado nem quaisquer sistemas
unificados de rendas e impostos. Toda a população estava di-
vidida em três Estados — os guerreiros que possuíam terras,
os sacerdotes, e os camponeses dependentes, obrigados ao
serviço dos proprietários de terras.

Os séculos V e VI assistiram a importantes progressos


culturais e económicos e ao alargamento de prósperas ci-
dades comerciais em pontos estratégicos ao longo das rotas
comerciais internacionais. As dinastias locais dominaram a
Transcaucásia sob o controlo nominal de Bizâncio ou do Irão.
As várias tentativas por parte do Irão para transformar este
controlo nominal em algo de mais concreto encontraram

241
forte resistência entre os povos da Transcaucásia. Por
exemplo, uma tentativa para assimilar os Arménios, Georgi-
anos e Albanianos (antepassados dos azerbaijanos) acompa-
nhado por um aumento de impostos (incluindo os que eram
cobrados pela Igreja), a proibição do cristianismo e o desa-
lojar dos príncipes arménios das suas funções oficiais de
chefia, levou à revolta de 450-451, sob o comando do ar-
ménio Vardan Mamikonyan. Os revoltosos foram derrotados,
mas as tentativas de assimilação foram por algum tempo
abandonadas.

Outra tentativa para estabelecer um firme domínio ira-


niano nesta parte do mundo levou a uma revolta em larga
escala (481 -484), em resultado da qual os sassânidas foram
mais uma vez obrigados a abandonar o seu objectivo. O úl-
timo ataque deste género foi feito no reinado do Chorroes I
(531 -579) quando os impostos foram aumentados e os fun-
cionários administrativos foram substituídos por iranianos.
Como reacção, houve outra revolta em massa dos Arménios,
apoiados pelos Georgianos, Albanianos e por Bizâncio. No
tratado de paz concluído em 591, o Irão abandonou a sua
pretensão a uma grande parte da Transcaucásia, e, em 628,
todo ele se tornou independente sob o domínio nominal de
Bizâncio. No curso das incessantes guerras dos séculos V e
VI os azats tomaram-se cada vez mais poderosos e come-
çaram a exigir cada vez mais aos seus camponeses. Contudo,
as contínuas hostilizações do Irão e de Bizâncio e as dife-
renças étnicas tornaram impossível nesta região o estabeleci-
mento de um Estado unido com um governo centralizado e
de um sistema de propriedade estatal das terras. As guerras
frequentes também foram obstáculo ao desenvolvimento de
grandes centros comerciais.

Os chefes árabes só depois de sessenta anos de dura luta


se estabeleceram na Transcaucásia; os governadores árabes
converteram o povo à força ao islamismo e introduziram o

242
seu sistema próprio de exploração da terra. Porém, na Trans-
caucásia, ao contrário do que se passou noutras partes do
império árabe, o islamismo mal chegou a enraizar-se e a pro-
priedade da terra pelo Estado apenas foi introduzida na Al-
bânia. Muito poucos árabes se estabeleceram na Transcau-
cásia e a sua posição ali era extremamente fraca; em tempo
de paz as obrigações dos funcionários do califado limitavam-
se à cobrança de impostos. Todavia, estes impostos eram
exorbitantes e provocaram muitas revoltas tanto entre os
camponeses como entre os habitantes das cidades, que con-
tribuíram para modificar a gula dos conquistadores estran-
geiros. Revoltas que houve na Arménia em 748-750, e 774-
775 obrigaram o califa a baixar os impostos; em 781 e 795
deram-se revoltas semelhantes na Albânia. Os príncipes da
Arménia e do Arran deram o seu apoio a todas estas revoltas
na esperança de derrubarem o poder do califa. A mais impor-
tante das revoltas albanesas foi a que foi chefiada pelos Hur-
ramitas e pelo seu líder Babek (816-837), que foram apoi-
ados pelos Arménios. Os seguidores de Babek conseguiram
infligir algumas derrotas aos exércitos do califa que tiveram
muitas dificuldades em subjugá-los. Catorze anos mais tarde
estalou outra revolta. Embora fosse cruelmente esmagada
em 855, os Árabes deixaram a Transcaucásia pouco depois.
As guerras contra os povos da Transcaucásia tiraram ao cali-
fado mais riquezas do que a exploração daquelas terras
trouxe para o seu tesouro.

Notas de rodapé:

(5a) Os membros da seita Xiita reconheciam apenas os descendentes do califa Ali,


como chefes espirituais dos fiéis.

243
Capítulo V - A Europa Ocidental nos Séculos XI-XV

A Separação da Indústria da Agricultura e a Ascensão


das Cidades

Embora as forças de produção se desenvolvessem lenta-


mente no início da Idade Média, apesar disso o progresso foi
firme, e o primeiro resultado deste processo foi uma nova di-
visão social do trabalho que facilitou mais o progresso econó-
mico por toda a Europa. Gradualmente começou a traçar-se
uma linha divisória entre a indústria e a agricultura. Apare-
ceram cada vez mais cidades e outras aumentaram, desen-
volvendo-se como centros industriais e comerciais. Resultado
deste desenvolvimento foi também o aparecimento da re-
lação artigos moeda.

As crescentes necessidades da sociedade medieval a


partir do século XI obrigaram os camponeses que se dedi-
cavam ao comércio, além do seu principal trabalho, o agrí-
cola, a estabelecerem-se como ferreiros, tecelões, alfaiates e
sapateiros, a ocuparem cada vez mais tempo com estes ofí-
cios subsidiários e cada vez menos tempo com a agricultura.
Estes camponeses muitas vezes deixavam as aldeias e esta-
beleciam-se em sítios onde era fácil vender os seus artigos e
receber em troca deles os produtos da terra de que preci-
savam, para se alimentarem e às suas famílias (em encruzi-
lhadas, nas margens dos rios, em lugares onde tinham a pro-
tecção dos castelos ou dos mosteiros).

Os mercadores também começaram a estabelecer-se gra-


dualmente em tais lugares e, por fim, conseguiram restaurar
o comércio que tinha declinado muito desde a queda do Im-
pério Romano.

244
O primeiro tipo de comércio a ser restabelecido na Europa
foi o comércio dos artigos caros e facilmente transportáveis
de terras distantes, particularmente do Oriente, tais como te-
cidos de Bizâncio, marfim e ouro da Ásia Menor e da Índia, e
perfumes da Arábia. Gradualmente, contudo, os mercadores
que se estabeleceram ao lado dos artesãos começaram a
vender os artigos produzidos pelos artesãos locais e desta
maneira davam aos artesãos a possibilidade de espalhar a
sua mercadoria fora dos limites das suas regiões. Assim se
desenvolveram novas cidades europeias como centros co-
merciais e industriais.

Inicialmente, estas cidades eram pouco mais do que al-


deias grandes, cujos habitantes se dedicavam tanto à agri-
cultura como ao comércio e tinham as suas pastagens, terras
aráveis, florestam e lagos ou rios. Mas, pouco a pouco, a in-
dústria ia exigir cada vez mais tempo e esforço dos trabalha-
dores das cidades e muitas vezes eram obrigados a trocar a
sua mercadoria com camponeses das aldeias vizinhas para
obter as matérias-primas essenciais e os produtos de que ne-
cessitavam para sustentar as suas famílias.

Apareceram, então, guildas, cujos membros eram pe-


quenos produtores independentes que trabalhavam as suas
próprias pequenas propriedades e empregavam trabalha-
dores à jorna e aprendizes, cujo número (tal como a organi-
zação do trabalho e da produção como num todo) estava ri-
gorosamente estipulado nas escrituras das guildas. O prin-
cipal objectivo destas escrituras era estabelecer e fixar condi-
ções de vida e de trabalho uniformes para os membros efec-
tivos da guilda, ou seja, os mestres, porque os jornaleiros
eram na realidade trabalhadores assalariados, assim como os
aprendizes, que pagavam a sua instrução com o trabalho.

Os interesses dos jornaleiros e dos aprendizes não eram


compatíveis com os dos mestres e a luta de classes entre

245
estes dois grupos agudizou-se, gradualmente, à medida que
os mestres começavam a constituir um sector privilegiado da
sociedade e deixaram de autorizar os jornaleiros a invadirem
os seus domínios.

O Conflito entre as Cidades e os Proprietários de Terras

A população concentrada nas cidades era muito mais


unida do que no campo e podia competir com a nobreza, em
cujas terras as cidades tinham sido fundadas. Por fim, quer
por conflito directo, quer por compra de vários direitos,
muitas cidades tornaram-se comunas, que se auto gover-
navam, quase completamente independentes dos senhores.
As cidades conquistaram ainda o direito de ter a sua própria
câmara, de eleger os seus funcionários, de comprar a isenção
de impostos, do serviço militar e do trabalho obrigatório e de
assegurar a todos os habitantes a sua liberdade pessoal.
Como se dizia naquele tempo: «O ar da cidade faz um
homem livre».

As cidades da Itália — em particular Veneza, Génova,


Amalfi, Nápoles, Palermo, Milão e Florença — foram as pri-
meiras a expandir e a reformular os laços comerciais com o
Oriente, começando logo nos séculos IX e X. Os mercadores
destas cidades prosperaram rapidamente com o comércio
com o Oriente e em pouco tempo as cidades não só conquis-
taram o direito ao autogoverno aos senhores em cujas terras
viviam, quer fossem bispos ou nobres, mas também se tor-
naram repúblicas independentes. As cidades da Flandres
eram muito prósperas, graças aos seus têxteis, que eram
muito apreciados no Norte da Europa, e, no século XII, as ci-
dades do Sudoeste da Alemanha também começaram a ter
importância. Na Inglaterra e na França começou um especta-
cular desenvolvimento urbano no século XI e o comércio e a
indústria floresceram nas cidades nos séculos XII e XIII.
246
A Sociedade Feudal Avançada

Os resultados deste desenvolvimento urbano e da ex-


pansão da indústria e do comércio foram tão importantes e
diversos através da Europa que a época em que surgiram e o
seu subsequente desenvolvimento podem ser considerados
como o início do período do feudalismo avançado, quando as
forças de produção (isto é, as técnicas agrícolas e industriais
e as técnicas de trabalho adoptadas por aqueles que partici-
pavam na produção em reduzida escala, típica da sociedade
feudal) tinham atingido o mais alto nível de desenvolvimento
possível na economia feudal de pequena escala.

Na verdade, a indústria urbana, à medida que se desen-


volveu, forneceu aos trabalhadores agrícolas suficientes
utensílios de ferro, que se encontravam agora mesmo nas
casas camponesas mais modestas. As crescentes necessi-
dades de produtos agrícolas dos habitantes da cidade le-
varam os camponeses a cultivar mais terras e a desenvolver
a criação de gado, as técnicas de lavrar a terra, a técnica das
hortas e a plantação de pomares. Ao mesmo tempo que
houve avanços significativos na agricultura, os melhora-
mentos técnicos mais importantes deram-se na indústria ur-
bana, e consequentemente nas cidades, onde as forças de
produção revelaram o mais impressionante desenvolvimento
da Idade Média. Cresceram centros industriais que expor-
tavam os seus produtos pela Europa (centros das indústrias
têxteis, da lã, da seda e, mais tarde, de algodão e dos
couros, artigos de metal e cerâmica, etc.).

O desenvolvimento das cidades europeias e consequente


avanço das forças de produção também foram factores deci-
sivos tanto no desenvolvimento’ político como no desenvolvi-
mento social. Era nas cidades, que se tinham tornado centros
de ofícios e comércio, que a classe dominante podia realizar

247
os seus lucros, os quais por vezes excediam várias vezes os
das aldeias. Contudo, os artesãos e os comerciantes uniam-
se para defender os seus interesses mais do que os campo-
neses, e geralmente gozavam de liberdade pessoal. Logo
desde o início opuseram-se à nobreza e à sua lei.

Isto significou que o campesinato, se não conseguiu ali-


ados entre os habitantes das cidades, pelo menos encontrou
simpatizantes na sua luta contra os proprietários das terras
e, deste modo conseguiu aligeirar consideravelmente a sua
carga.

O desenvolvimento urbano também trouxe consigo impor-


tantes alterações na vida política da Europa desse período.
Os comerciantes e os artesãos estavam interessados em ex-
pandir os seus mercados e laços comerciais em geral, e,
assim, procuraram evitar guerras locais e assegurar pelo
menos um mínimo de lei e de ordem nas terras onde exer-
ciam a sua actividade (em primeiro lugar isto significava a
área onde os homens falavam línguas mutuamente inteligí-
veis). Por esta razão, os habitantes das cidades apoiavam
sempre os governos centralizados que tinham a autoridade
necessária para acabar com a arbitrária violência dos nobres,
que chegavam a considerar os assaltos nas estradas como
uma expressão suprema de valor. Quase simultaneamente
com a onda de desenvolvimento urbano surgiram alianças
espontâneas entre os reis europeus e os seus súbditos das
cidades. As cidades ajudavam os reis quer com dinheiro quer
com destacamentos armados para assegurar a obediente
submissão dos seus vassalos. Isto, por sua vez, levou à con-
solidação de alguns Estados centralizados europeus, anteces-
sores das actuais grandes potências, no final do século XV.

As Causas das Cruzadas

248
A última fase do estabelecimento do sistema feudal no sé-
culo XI em quase toda a Europa e a consolidação de uma
ordem mais ou menos estável levou a uma ascensão defini-
tiva das forças de produção, a um renascimento da indústria
e do comércio, a uma divisão mais nítida entre os ofícios e a
agricultura, à ascensão das cidades como centros industriais
e comerciais. O renascimento do comércio com o estrangeiro,
sobretudo com os Estados culturalmente mais avançados do
Oriente, despertou novo interesse por estes países entre os
povos da Europa. Este novo interesse levou a expedições de
exércitos europeus ao Oriente, que se chamaram as cru-
zadas. Representantes de várias classes e camadas sociais,
descontentes com a sua sorte na pátria, tomavam parte
nestas «guerras santas». A parte principal dos exércitos das
cruzadas era formada pelos escalões mais baixos da classe
dominante — os cavaleiros, que geralmente eram os filhos
mais novos dos nobres e não herdavam terras dos pais, e
também por camponeses abastados e mesmo servos, contra-
tados por cavaleiros para administrarem os seus domínios
(administradores). Como estavam mal equipados, não se en-
tregavam aos assaltos de estrada, mas roubavam os seus
próprios homens ou estranhos e estavam sempre prontos a
arriscar-se a qualquer aventura.

Naquele tempo reinava o descontentamento entre os


camponeses que achavam difícil aceitar as exorbitantes obri-
gações que lhes eram exigidas. Houve uma série de más co-
lheitas de 1095 a 1097 e os camponeses foram obrigados a
comer ervas, cascas de árvores e até barro. Houve mesmo
casos de canibalismo. Muitos camponeses deixaram as terras
a que estavam ligados em busca de uma existência menos
dura. Quando foram convocados exércitos para as cruzadas,
multidões destes camponeses partiram para o Oriente.
Muitas cidades, particularmente as de Itália, também to-
maram parte neste movimento, na esperança de expandirem
o seu vantajoso comércio em luxuosos artigos orientais.

249
A Igreja Católica também desempenhou um papel impor-
tante na convocação de homens sob a bandeira dos Cru-
zados, exortando-os a libertar a Síria e a Palestina dos
turcos, a «Terra Santa» onde Cristo tinha vivido e onde es-
tava situado o santuário cristão do Santo Sepulcro. Na reali-
dade, a Igreja tinha dois objectivos com esta Politica — pri-
meiro, expandir o seu poderio e a sua influência, e, em se-
gundo lugar, estava a afastar temporariamente da Europa
grande número de cavaleiros que tinham o hábito de pilhar
igrejas e mosteiros.

Bizâncio do Século VII ao Século XI

As cruzadas, era inevitável, preocuparam logo Bizâncio,


que desde há séculos travava dispendiosas guerras com os
seus vizinhos — o Irão, os Árabes, os Búlgaros e os Turcos
seljúcidas. Depois de uma série de grandes êxitos militares,
particularmente durante o reinado da dinastia macedónia
(867- 1056), em que os Búlgaros haviam sido derrotados,
partes da Síria. Arménia e Mesopotâmia foram reconquis-
tadas aos Árabes e a aliança com o antigo Estado Rus, havia
sido consolidada, o poderio bizantino começou a declinar ra-
pidamente.

No século XI, o sistema feudal estava estabelecido: o


campesinato livre desaparecera, enquanto cresciam em nú-
mero as grandes propriedades pertencentes à nobreza. A in-
trodução da classe dos servos, de formas mais intensas de
exploração, deu origem, em várias ocasiões, a revoltas popu-
lares. O aparecimento de relações de produção feudais e da
intensificada divisão de terras levou a frequentes contendas
entre os nobres proprietários de terras. A rivalidade pelo
trono entre os membros de classe dominante também se in-
tensificou. Todos estes factores serviram para minar o po-
derio do Estado bizantino e tornou-se cada vez mais difícil

250
quer manter a ordem interna quer defender as fronteiras.
Quando uma nova dinastia subiu ao poder, a dinastia dos
comnénidas, a posição do império era crítica. Contudo, o im-
perador Aleixo Comneno (1081-1118) e os seus descen-
dentes conseguiram reconsolidar temporariamente o poder
bizantino.

A Primeira Cruzada

Em 1095, no Concílio de Clermont (Sul de França), o Papa


Urbano II proclamou a primeira cruzada, prometendo a todos
aqueles que nela tomassem parte a absolvição dos pecados e
ricos despojos de guerra. Os primeiros exércitos que come-
çaram a cruzada eram compostos pelos camponeses pobres.
Multidões de soldados camponeses mal equipados chegaram
a Constantinopla, saqueando e pilhando tudo à sua pas-
sagem. O imperador bizantino exortou-os precipitadamente a
partirem para as costas da Ásia, onde foram logo desbara-
tados pelos Turcos. Alguns patéticos soldados dos destaca-
mentos camponeses voltaram surpreendidos a Constanti-
nopla e ficaram à espera da principal força expedicionária
chefiada por cavaleiros que partiu da Europa em 1096 para
Jerusalém. Depois de uma longa e difícil viagem, esta força
atingiu, finalmente, Jerusalém em 1099. Tomaram a cidade
de assalto e depois incitaram a um brutal massacre da popu-
lação maometana. Alguns Estados cruzados foram estabele-
cidos em território sírio e palestiniano. Eram governados por
nobres europeus poderosos que chefiavam uma hierarquia
complexa e fechada de senhores e cavaleiros inferiores. Os
camponeses europeus, tal como os seus correspondentes lo-
cais, estavam numa situação de vassalagem económica e
não tinham, assim, obtido qualquer alívio para a sua sorte. A
população local revoltou-se, e, em 1144, os cruzados per-
deram Edessa, uma das suas posições mais importantes.

251
Uma segunda cruzada, organizada com o objectivo de recon-
quistar a cidade, não teve êxito.

Em meados do século XII apareceu um novo campeão dos


pequenos Estados árabes e turcos, Saladino, talentoso co-
mandante que conseguiu unir estes pequenos Estados e de-
pois derrotar os Cruzados (1187) e tomar Jerusalém. As cru-
zadas subsequentes, que foram cinco, organizadas em
grande estilo, também não tiveram êxito. Durante a quarta
cruzada, os cavaleiros ocidentais saquearam Constantinopla
(1204) revelando, assim, a toda a gente que o principal ob-
jectivo das cruzadas não era a libertação do Santo Sepulcro
mas o saque e a pilhagem, visto que a capital bizantina era
uma cidade cristã. Pouco depois, os turcos expulsaram os
Cruzados da Ásia Menor. A sua última fortaleza na Palestina,
a cidade de Acre, foi tomada pelos Turcos em 1291 e consi-
dera-se que esse ano marca o fim das cruzadas.

Embora as cruzadas não obtivessem os objectivos polí-


ticos que desejavam os cavaleiros europeus, o movimento
teve consequências importantes para a cultura europeia. Os
europeus contactaram com a cultura mais evoluída do Ori-
ente, e adoptaram as suas formas mais avançadas do cultivo
da terra e das técnicas de artesanato que já eram prática
comum naquela região. Trouxeram consigo do Oriente muitas
plantas novas e úteis, tais como o trigo mourisco, o arroz, a
planta da cidra, a cana-de-açúcar e o damasco, para não
falar de descobertas tão importantes como o fabrico da seda
e os objectos de vidro soprado.

A Inglaterra

No século V, esta ilha habitada por tribos celtas foi inva-


dida por tribos germânicas — Anglos, Saxões, Jutas e Turín-
gios. Estes estabeleceram sete reinos bárbaros, que gradual-

252
mente se uniram para formar três reinos durante os séculos
VI e VII, e subsequentemente um Estado anglo-saxónico sob
Egbert, rei de Wessex, no início do século IX (829). O apare-
cimento de padrões económicos feudais no reino anglo-saxó-
nico começou neste período e na segunda metade do século
XI; quando o trono foi tomado pelos barões normandos chefi-
ados por Guilherme de Normandia [que ficaria na história
como Guilherme, o Conquistador, (1066)], o sistema feudal
já estava bem estabelecido.

Os barões normandos que vieram para Inglaterra com


Guilherme e conquistaram as terras anglo-saxónicas comple-
taram o processo de feudalização, na sua qualidade de repre-
sentantes de um Estado feudal mais avançado. Como se en-
contraram entre uma população local hostil aos conquista-
dores estrangeiros, foi essencial para eles manterem-se
juntos para defenderem os seus interesses e manter uma
disciplina rigorosa. Por esta razão, apoiaram o poder e a au-
toridade de domínio central do seu duque que se tornara
agora rei de Inglaterra. Guilherme, que foi obrigado a dividir
as terras conquistadas entre os barões que o tinham acom-
panhado nesta aventura, e também com o desejo de saber
ao certo qual o rendimento que teria à sua disposição como
rei, mandou elaborar um levantamento das terras do seu
reino (que descrevia a sua extensão, o seu valor, a quem
pertenciam e as suas obrigações). Este levantamento foi ela-
borado com base em testemunhos dos habitantes locais que
eram prestados sob juramento de dizerem toda a verdade e
somente a verdade, como se estivessem perante Cristo no
Juízo Final, no «Domsday», no fim do mundo. Assim, o livro
que regista todos estes dados estatísticos e que foi conser-
vado até aos nossos dias, é conhecido como «Domsday
Book».

Neste livro os camponeses, cuja posição era difícil de de-


finir, são muitas vezes chamados vilãos, isto é, servos, e

253
neste aspecto o levantamento marcou a fase final do estabe-
lecimento do sistema feudal. Contudo, é importante lembrar
que parte do campesinato inglês conservou a sua liberdade.
Os barões anglo-saxónicos que não se mostravam dispostos
a acatar a ordem nova foram substituídos por barões nor-
mandos. Uma parte considerável do campesinato inglês
tornou-se serva.

Apenas num aspecto, o sistema feudal inglês diferia do


continental: o poder do rei em Inglaterra, pelas razões acima
mencionadas, era suficientemente forte para obrigar todos os
membros da classe dominante, desde os nobres aos mais po-
bres cavaleiros, a servir lealmente a coroa. A manifestação
externa deste poder consistia na exigência feita a todos os
membros da classe dominante de prestarem um juramento
de fidelidade ao rei, quem quer que fossem os seus suse-
ranos imediatos.

Como resultado, foi poupado à Inglaterra o longo e difícil


caminho, rumo à unidade que todos os Estados continentais
tiveram de percorrer: a sociedade inglesa não sofreu tanto
de falta de um poder central forte (que afligiu os outros Es-
tados da Europa, onde as liberdades que os barões se permi-
tiam, minaram a administração política e o progresso econó-
mico), como de um poder central demasiado forte de que
muitas vezes se abusou no interesse da classe dominante.

O Início do Parlamento

A existência de um poder central extremamente firme em


Inglaterra cedo levou a uma série de tentativas para limitar o
poder real. No reinado do rei João, cognominado o Sem
Terra (1199-1216), os barões obrigaram o rei a assinar a
Magna Carta (1215), que limitou o seu poder de alterar e
modificar os direitos de propriedade e os privilégios dos ba-

254
rões. Em 1265 foi convocado o primeiro Parlamento. Esta
instituição do século XIII pouco tem de comum com o Parla-
mento inglês dos nossos dias, que é uma instituição constitu-
cional burguesa, embora este considere que teve origem
neste primeiro Parlamento e os historiadores e homens de lei
ingleses tendam a chamar a atenção para a longa história da
constituição inglesa. O Parlamento inglês do século XIII ao
século XVI era um conselho dos três Estados («Lords Spiri-
tual e Temporal» e os «Commoners» — representantes dos
condados e das cidades), parecido com os que mais tarde
foram estabelecidos noutros Estados do continente. Contudo,
o rápido desenvolvimento económico da Inglaterra, o cresci-
mento das suas cidades e da sua rede comercial em breve
tornou prósperas a sua classe dominante e as suas cidades,
de maneira que a restrição dos poderes do rei enraizou-se
desde logo. Assim, no século XIV, foi tirado ao rei o direito de
instituir novos impostos e de cobrar os que já estavam fi-
xados sem o consentimento do Parlamento. O Parlamento,
no qual tanto a base dominante como as cidades e condados
estavam representados, tornou-se uma instituição política
cada vez mais influente.

A expansão urbana e o desenvolvimento da relação mer-


cadorias dinheiro levaram a consequências que se iam tornar
típicas no resto da Europa Ocidental. Provocaram alterações
substanciais no elemento básico administrativo e económico
da sociedade feudal, a casa senhorial. Os barões começaram
a exigir o pagamento em dinheiro (commutation) aos seus
camponeses em vez do pagamento em géneros, agora que
os camponeses começavam a vender o excesso de produtos
em mercados locais e em cidades vizinhas. Este tipo de pa-
gamento tinha-se tornado quase universal no século XIV e
teve repercussões significativas. Os nobres que tinham terras
começaram a desleixar as quintas dos seus domínios e alu-
gavam-nas em glebas aos camponeses. Visto que os seus
domínios já não existiam como tais, a prestação de trabalho

255
já não era exigida aos camponeses e estes eram libertados
em troca de um resgate. Contudo, os proprietários de terras,
que precisavam de dinheiro, fecharam as terras comunais
para desenvolver a criação de gado, o que lhes trouxe consi-
derável rendimento. A nova «liberdade», que ia de mãos
dadas com uma maior independência económica levou a uma
considerável deterioração das condições de vida dos campo-
neses. Este estado de coisas espalhar-se-ia por toda a Eu-
ropa e subsequentemente levou a algumas grandes revoltas
camponesas — a que foi chefiada por Wat Tyler, em Ingla-
terra, a de Dolcino, em Itália, e a Jacquerie, em França.

A causa próxima da revolta dos camponeses em Ingla-


terra (1381) foi a introdução de um imposto universal, co-
nhecido por «imposto de capitação», para arranjar dinheiro
para a guerra que se estava a travar com a França (Guerra
dos Cem Anos). Os funcionários administrativos que co-
bravam este imposto recorreram a muitas medidas injustas e
violentas. O povo ergueu-se em protesto e dentro de pouco
tempo a revolta espalhou-se por alguns condados.

O exército camponês marchou sobre Londres e os pobres


da cidade abriram-lhe as portas. Um dos destacamentos
camponeses era chefiado por um trolha(7), chamado Wat
Tyler. Os revoltosos expuseram ao rei as seguintes preten-
sões: liberdade completa para todos os camponeses; a subs-
tituição das obrigações de trabalho por pequenas obrigações
em dinheiro; a concessão aos camponeses do direito de
vender livremente o produto das suas terras. Alarmados, o
rei e os barões primeiro prometeram fazer concessões e al-
guns dos destacamentos camponeses dispersaram e vol-
taram às suas casas. Contudo, numa das confrontações com
o rei, Wat Tyler foi assassinado traiçoeiramente. Seriamente
alarmados com o caminho que tinham tomado os aconteci-
mentos, os barões reuniram as suas tropas e infligiram um
cruel castigo aos camponeses revoltosos. No entanto, rece-

256
ando possíveis repetições de tal revolta, os nobres proprietá-
rios de terras continuaram a conceder a liberdade a um nú-
mero cada vez maior de camponeses e no final do século XV
já não havia servos em Inglaterra. Contudo, os camponeses,
que ainda «alugavam» a terra dos seus suseranos, eram
obrigados a pagar por ela uma renda.

A Guerra das Rosas

Entretanto, continuava a Guerra dos Cem Anos. No de-


curso desta guerra, os reis de Inglaterra apoiaram-se, sobre-
tudo, em soldados mercenários, mas, lado a lado com eles,
lutavam os barões ingleses com os seus séquitos armados,
que tinham como alvo os saques das terras francesas.
Apesar de várias vitórias, tais como a batalha de Azincourt,
em 1415, os ingleses acabaram por ser obrigados a retirar da
França. Depois disto os barões ingleses foram travar con-
tendas entre si em solo inglês, saqueando a sua própria
terra. Na segunda metade do século XV apareceram duas ali-
anças, que se fizeram para apoiar duas famílias nobres, as
casas de Lencastre e de York, cujos brasões eram respectiva-
mente uma rosa encarnada e uma rosa branca, e que dispu-
tavam o trono. Durante esta guerra, a classe dos poderosos
barões que tinham constituído o principal bastião da oposição
à unidade política e ao poder centralizado começou a desinte-
grar-se como grupo fortemente unido. A segunda metade do
século XV assistiu à queda de ambas as casas e ao apareci-
mento de uma nova dinastia real, a dos Tudors, quando
Henry Tudor (Henrique IV) subiu ao trono. Todas as forças
progressistas do país — incluindo o sector da nobreza (os no-
bres com terras) que tinha começado a dedicar-se à criação
de carneiros em larga escala e que mais tarde ia constituir a
classe burguesa, e a burguesia existente — deram de bom
grado o seu apoio à forte monarquia centralizada.

257
No final do século XV, a Inglaterra tinha-se tornado um
forte Estado centralizado com uma activa política externa,
que conseguiu pôr em prática com êxito, do ponto de vista
dos interesses da classe dominante, pois tinha ao seu dispor
os meios necessários. Em primeiro lugar, a classe dominante
estava mais bem organizada e era mais disciplinada do que
as dos outros países europeus; em segundo lugar, os repre-
sentantes dos agora livres camponeses ingleses alistavam-se
de bom grado no exército como arqueiros e lutavam corajo-
samente nas frequentes batalhas que havia naqueles
tempos; em terceiro lugar, a classe dominante inglesa tinha
investido interesses na expansão do comércio, o que quer
dizer que em breve deixou de haver barreiras insuperáveis
que impedissem a penetração dos principais cidadãos nas fi-
leiras da classe dominante ou a nobreza com terra de em-
pregar as suas energias na indústria e ao comércio. Os no-
bres que possuíam terras organizaram a produção de lã em
larga escala nas suas próprias casas senhoriais e tiraram
grandes lucros, vendendo-a nos mercados da Flandres e até
da Itália. Os nobres ingleses começaram desde logo a inte-
ressar-se pelo dinheiro e pelas empresas lucrativas, e em
comparação com os seus correspondentes franceses eram
empresários eficientes: no século XIII já compreendiam as
vantagens da política comercial do governo, mesmo que essa
política envolvesse o risco de guerra, de reveses temporários
ou de ruína financeira, particularmente desde que tinham ao
seu dispor um campesinato trabalhador e, de modo geral,
obediente. Por último, temos de ter em conta o papel
também importante da economia como base da unidade polí-
tica — as primeiras fases da formação de uma rede econó-
mica no território de um futuro Estado politicamente unido,
ou, por outras palavras, o aparecimento de um mercado
dentro do país.

258
A França

A unificação de França foi um processo mais difícil. Não é


por acaso que a França é tomada como exemplo clássico do
Estado feudal. Era aqui que as subdivisões políticas mais se
tinham enraizado. Cada senhorio era uma unidade económica
e política independente. Os reis carolíngios foram perdendo
gradualmente o poder e no século X tudo o que restava
desse poder era o seu nome ilustre, que já não tinha a
menor base real.

O primeiro rei da nova dinastia capetíngea, Hugo Capeto,


foi eleito para o trono (987) só porque era fraco e não tinha
poder para se opor aos nobres, que pretendiam ignorar a au-
toridade do rei. A nova dinastia possuía o pequeno ducado de
Ile-de-France no centro do país, onde se juntam o Sena (que
atravessa Paris) e o Loire (que atravessa Orleães). Contudo,
a própria posição geográfica na confluência de dois grandes
rios que unem duas grandes cidades em breve colocaria este
ducado no centro económico do país que ia realizar a unidade
política de toda a França, habitada por uma população de
origem francesa.

Os primeiros reis desta dinastia eram apenas primi inter


pares no verdadeiro sentido da expressão, não sendo mais
fortes do que os seus vassalos, sendo por vezes mesmo mais
fracos. Todos os nobres, tanto os maiores como os menos
poderosos, viviam em castelos de pedra, construídos em lu-
gares altos e privilegiados ou em rochedos inexpugnáveis.
Destas fortalezas comandavam a vida dos seus servos e a
defesa do castelo e travavam constantemente guerra uns
com os outros. As massas camponesas estavam sujeitas a
uma exploração ainda mais dura. Os camponeses eram obri-
gados a pagar pela sua terra impostos na forma de rendas e
corveias. Só tinham autorização de moer os seus cereais no
moinho do senhor e para o fazerem tinham de lhe pagar com

259
parte do cereal; também tinham de cozer o pão nos fornos
do senhor e de fazer o vinho na sua prensa. Para chegarem à
cidade, os camponeses eram obrigados a pagar portagem
nas estradas, pontes e mercados, etc. Os nobres adquiriram
o direito de julgarem os seus camponeses e, em geral, de os
tratarem como bens móveis. Os camponeses revoltavam-se
frequentemente contra os seus senhores, mas estas revoltas
eram sempre esmagadas.

A partir do século XII, os reis franceses conseguiram gra-


dualmente consolidar o seu poder. Os reis da dinastia cape-
tíngia (987-1328) afirmaram a pouco e pouco a sua autori-
dade, primeiro sobre os nobres (que possuíam terras) no seu
próprio ducado e depois também fora das suas terras. A di-
nastia valois que se seguiu (1328-1589) completou a tarefa
de unificar as terras francesas sob o domínio da coroa. A
razão por que foi bem sucedida esta empresa, está no desen-
volvimento económico da França e nas novas necessidades
da sociedade francesa, cujos vários sectores e classes tinham
nesta altura começado a preocupar-se com a unidade política
do seu país.

As cidades e os habitantes das cidades desempenharam


um papel decisivo na consolidação da autoridade do rei. Os
artesãos e comerciantes que vendiam as suas mercadorias e
o trabalho que produziam, tinham interesse na segurança
das rotas comerciais internas e na manutenção da lei e da
ordem no país. Estavam preparados para apoiar o poder
crescente do rei contra os nobres proprietários de terras que
minavam a lei e a ordem, travando guerras com os seus vizi-
nhos e por vezes recorrendo a simples assaltos de estrada.
Por outro lado, os reis deste período, na medida em que aju-
davam os habitantes das cidades nos seus conflitos com os
nobres proprietários de terras, promoveram o comércio e a
indústria nas cidades e encorajavam o desenvolvimento eco-
nómico do país.

260
Assim, o rei representava a ordem dentro da desordem e
a unidade nacional em oposição ao separatismo desintegraci-
onista dos seus vassalos rebeldes, os nobres proprietários de
terras. Todos os elementos progressistas que surgiram du-
rante a era feudal gravitaram em volta do poder real, e vice-
versa. A aliança entre o rei e os habitantes das cidades co-
meçou a formar-se logo no século X. Em várias ocasiões ela
foi destruída por vários conflitos mas sempre voltou a
afirmar-se, tornando-se gradualmente mais forte até que os
reis finalmente saíram vitoriosos na sua luta com os barões e
conseguiram unificar todo o país sob a sua autoridade real.

A Guerra dos Cem Anos. Joana D'Arc

Uma característica da unificação da França foi o facto de


que os reis franceses foram obrigados a travar uma dura luta
não só contra os seus próprios vassalos mas também contra
inimigos do estrangeiro.

Estes inimigos, nos séculos XIV e XV, foram os barões in-


gleses, que travaram guerras contra a França por um período
de mais de cem anos (1337- 1453). No decurso desta
guerra, deram-se revoltas camponesas em larga escala tanto
em França como em Inglaterra, revoltas a que se podem
atribuir as mesmas causas: os tremendos sacrifícios exigidos
às massas por causa da guerra.

Toda a guerra foi travada em solo francês e de início os


franceses sofreram derrota após derrota. Os exércitos chefi-
ados pelos cavaleiros franceses sofreram duas derrotas às
mãos dos ingleses em Crécy (1346) e em Poitiers (1356). Na
batalha de Poitiers foi destruída a fina flor da cavalaria fran-
cesa e o rei João, o Bom, foi levado prisioneiro para Ingla-
terra.

261
Os soldados de ambos os campos entregavam-se frequen-
temente à pilhagem dos camponeses em muitas regiões do
país. O governo, chefiado pelo delfim, Carlos, exigia altos im-
postos para juntar o dinheiro do resgate que libertaria o rei.
Tudo isto deu origem a um profundo descontentamento entre
as massas. As cidades do Norte chefiadas por Paris exigiram
que Carlos entregasse o poder aos Estados Gerais(8) e
quando ele ia dissolvê-los, estalou uma revolta em Paris che-
fiada pelo presidente da Comuna de Paris, Etienne Mareei,
um rico comerciante de tecidos (1358). Esta revolta foi cha-
mada com desprezo pela nobreza a Jacquerie (a revolta de
Jacques, o homem do povo). Durou apenas duas semanas
mas espalhou-se por um sexto país. Foi uma vaga espon-
tânea de ódio: irritados com os saques e os altos impostos a
que tinham sido submetidos, os camponeses ameaçaram
«limpar todos os nobres até ao último homem». Destruíram
castelos, queimaram casas senhoriais e mataram os seus ha-
bitantes. Os nobres em breve recuperaram do seu terror ini-
cial e esmagaram a revolta. Contudo, esta revolta ia dar re-
sultados apreciáveis: no final do século XV, a servidão per-
tencia praticamente ao passado.

O povo francês que sofrera os saques tanto dos ingleses


como dos seus próprios senhores ergueu-se contra os inva-
sores estrangeiros. Uma rapariga do campo, Joana d’Arc,
convencida de que Deus a chamara para salvar o seu país e
ajudar o rei, chefiou o exército francês para libertar Orleães
cercada e infligiu algumas derrotas aos ingleses. Então pre-
parou-se para libertar o país do inimigo inglês mas durante a
batalha foi aprisionada pelos burgunhões, aliados dos in-
gleses, e entregue ao invasor. Os ingleses promoveram
contra ela uma acusação de comunhão com o diabo para a
condenar à morte pelo fogo (1431). Contudo, o povo francês
conseguiu (cerca de 1453) libertar todo o país e, pouco de-
pois, no reinado de Luís XI (1461-1483), foi realizada a unifi-
cação política final do país.
262
A Formação de Outros Estados Europeus

O século XV também assistiu à unificação política de ou-


tros países europeus, grandes e pequenos, tornada possível
por uma gradual consolidação económica. Na Europa Oci-
dental surgiu um forte reino espanhol, para Norte surgiram
três reinos escandinavos, a Dinamarca, a Noruega e a
Suécia, e, a Leste, alguns Estados eslavos — a Polónia, a
Boémia e o grande principado de Moscovo. Os países eslavos
do Sul que se tinham formado nos séculos XIII e XIV (a
Sérvia e a Bulgária) ficaram sob o domínio turco a partir do
final XV.

A Turquia

Do século XVI ao século XVIII, a Turquia foi um dos mais


poderosos Estados da Europa e infundiu terror a todos os
povos vizinhos. No século XIV, os Turcos tinham conquistado
a península balcânica e, em 1453, tomaram Constantinopla e
subjugaram todas as terras de Bizâncio. Obrigaram os povos
seus súbditos a pagar-lhes um grande tributo e devastaram
cidades e aldeias inteiras, levando os habitantes prisioneiros
e vendendo-os depois como escravos. Assim, os Turcos con-
denaram os povos seus súbditos à pobreza, impedindo o
curso natural do seu desenvolvimento económico.

A Desunião Política Italiana

Dois povos constituem interessantes excepções ao padrão


geral europeu, os quais não só não alcançaram a unidade po-
lítica no século XV mas também não o fariam durante cen-
tenas de anos: os Italianos e os Alemães.

263
O povo italiano descendia dos Romanos e das tribos ger-
mânicas que tomaram a península dos Apeninos nos séculos
V e VI; os Ostrogodos e particularmente os Lombardos. Utili-
zando as velhas rotas comerciais romanas, os Italianos reani-
maram o comércio como o Oriente logo no século X e depois
começaram a estabelecer uma larga rede comercial com o
resto da Europa tirando grandes lucros da venda de artigos
de luxo orientais (oiro, marfim, brocado e perfumes) aos no-
bres ricos da Europa. Como resultado, algumas grandes ci-
dades comerciais desenvolveram-se na Itália, as quais flores-
ceram não só em virtude do seu papel de elos comerciais
entre o Oriente e o resto da Europa, mas também por causa
do comércio activo de artigos italianos, vidro e cristal de Ve-
neza, artigos de metal de Milão e lã e seda de Florença. Os
competentes mercadores destas cidades em breve procu-
raram na indústria local artigos para troca e ao fazê-lo contri-
buíram para o seu desenvolvimento. Na Itália do século XIV
iriam aparecer as primeiras empresas capitalistas em larga
escala.

Vimos já que em países como na Inglaterra, e ainda mais


na França, os habitantes das cidades, defendendo a unidade
económica nacional foram os aliados mais importantes dos
reis, visto que estes procuraram consolidar os seus países
como poderosas monarquias centralizadas. Teria parecido
natural que a Itália, onde floresceram grandes centros co-
merciais e industriais, se tivesse desenvolvido como Estado
centralizado unificado antes dos outros. Contudo, isto não
aconteceu: mais uma vez a razão reside no caminho para o
desenvolvimento económico seguido por determinado país.

Originalmente, as cidades italianas mais importantes ti-


nham-se distinguido como centros comerciais para venda dos
preciosos artigos orientais ao Ocidente. Na própria Itália, en-
tretanto, a numerosa população camponesa levava uma exis-
tência pobre não estando em situação de comprar tais ar-

264
tigos, que eram consequentemente comprados pelos nobres
ricos de toda a Europa. Havia uma grande rivalidade entre as
cidades italianas pela compra destes artigos no Oriente e
pela sua venda na Europa. As contas eram ajustadas em solo
italiano: as cidades do Norte expulsaram do mercado as ci-
dades do Sul e quase acabaram com a sua actividade. No
curso de dois séculos inteiros, Veneza brigou com Génova
pelo monopólio do comércio com o Oriente, enquanto, algum
tempo mais tarde, Florença venceria o seu grande rival, Pisa.
Qualquer tentativa de uma das cidades para subjugar outra
era considerada como uma tirânica aventura. Não havia no-
bres com terras em Itália em situação de promover a uni-
dade política do país. O único poder fundiário da península
era a cidade de Roma que pertencia ao Papa, o qual apenas
receava uma coisa: que um dos nobres se tornasse dema-
siado poderoso e começasse a dar-lhe ordens. Isto significa
que o poder papal constituiu um dos mais importantes obstá-
culos à unidade política durante centenas de anos. A Itália
não conseguiria a unidade antes do século XIX.

Muitas das cidades italianas eram repúblicas indepen-


dentes, cujos nobres eram chefes insignificantes e cujos cida-
dãos não tinham o mais pequeno interesse pela unificação
política. Muito naturalmente, como resultado desta situação,
a Itália ia frequentemente ser presa de vizinhos mais unidos
e, portanto, mais poderosos. A partir do século X ficou ex-
posta a frequentes ataques dos nobres alemães, a que se
juntaram os franceses já no século XIII. No século XVI, a
Itália caiu nas mãos dos espanhóis, e depois ficou sob o jugo
austríaco do século XVII a meados do século XIX.

As Características Específicas do Desenvolvimento So-


cial e Econômico dos Séculos XII A XV

265
A sorte do povo alemão não foi melhor. Na Alemanha, ou
no Sacro Império Romano, como então se chamava, não se
formou nenhum centro político. Na verdade as pré-condições
de tal processo não existiam, embora a economia desta terra
atrasada a exigisse. A própria estrutura do império tornou
possível que ele se tornasse num todo unificado. A população
era extremamente heterogénea. Alemães no centro, Fran-
ceses no Oeste, Italianos no Sul, vários povos eslavos no Su-
deste e Lituanos, Finlandeses e Eslavos no Nordeste. Os pró-
prios Alemães estavam divididos em miríades de principados,
que pertenciam a grandes senhores temporais e eclesiásticos
que não estavam unidos por quaisquer interesses comuns
mas que tinham um objectivo comum, o de impedir qualquer
futura consolidação do poder central. Este poder central es-
tava representado pelo imperador ou kaiser, que, sob o véu
do seu impressionante título e das suas pretensões a ser
maior do que todos os reis, era na realidade fraco e sem
poder em relação aos seus vassalos.

As cidades alemãs que se desenvolveram mais devagar do


que as do resto da Europa e que, assim, eram mais fracas,
estavam mal equipadas para desempenhar um papel seme-
lhante ao das cidades inglesas e francesas. As cidades
alemãs, particularmente os grandes centros comerciais do
Norte e do Sudoeste eram, como as cidades italianas, pontos
importantes nas rotas comerciais internacionais.

A Liga Hanseática

As cidades alemães situadas ao longo da costa do Báltico


e junto dos rios que lá vão desaguar mantinham comércio
activo com os países da Europa Ocidental e Oriental. Estas ci-
dades uniram-se para formar a Liga Hanseática. As suas es-
quadras traziam peles, artigos de couro, tecidos de linho, e
sementes de linho do Oriente para o Ocidente, as mesmo
266
tempo que do Ocidente traziam mercadorias da Flandres,
como por exemplo lã e outros têxteis. As cidades tinham
pouco contacto com o resto do país, e a única coisa que te-
miam eram os ataques e as pilhagens instigadas pelos pro-
prietários de terras alemães. Foi este receio que os levou a
formar a Liga, e a criar um exército. O centro da Liga Han-
seática era a cidade de Lúbeck. A Liga estava representada
em todos os Estados por grandes centros comerciais que iam
de Londres, no Ocidente, a Novgorod, no Oriente. No auge
do poderio da Liga, nos séculos XIII e XIV, ela estava prepa-
rada para lutar, mesmo com um país inteiro como a Dina-
marca, conflito de que a Liga sairia vencedora. Na verdade,
os reis dinamarqueses só podiam ser eleitos com a apro-
vação da Liga.

As grandes cidades do Sudoeste da Alemanha, como as


do Norte, cresceram, sobretudo, como elos comerciais entre
o Oriente e o Ocidente. Mais tarde, no século XIV, come-
çaram a fazer comércio de artigos produzidos localmente.
Como as cidades do Norte, não mantinham contacto íntimo
com a vida económica do resto do país e tentavam preservar
a sua liberdade e independência dos príncipes e nobres lo-
cais.

Na sua luta contra estes últimos, também se reuniram em


ligas, visto que não podiam contar com a ajuda do imperador
e do poder central.

Em nenhum outro país, o domínio e a libertinagem dos


nobres que possuíam terras, foram tão longe como na Ale-
manha durante o período que vai do século XI ao século XV.

O poder central sempre fraco foi obrigado a seguir linhas


políticas no interesse desses ladrões «nobres» e a organizar
expedições para atacar países estrangeiros para satisfazer a
sua vontade de pilhagens e saques.

267
As Guerras Italianas

A partir do século X, os reis germânicos fizeram fre-


quentes ataques à Itália, que era muito mais rica do que as
suas próprias terras, para obrigar o Papa a conferir-lhe o tí-
tulo e a coroa do Sacro Império Romano. A pilhagem siste-
mática da Itália trouxe rendimentos para os cofres dos no-
bres e fez deles os opositores mais poderosos do poder impe-
rial. Quando, a partir do século XII, as cidades do Norte da
Itália se tornaram mais fortes e puderam oferecer resistência
capaz, os cavaleiros alemães começaram a voltar-se para o
Oriente.

Der Drang Nach Osten

A ordem religiosa dos cavaleiros teutões tomou as terras


das tribos prussianas na Lituânia e quase eliminou a popu-
lação local até ao último homem; os que ficaram foram feitos
escravos e depois o exército deslocou-se para Leste e sub-
jugou a população dos países bálticos orientais, a Letónia e a
Estónia. Esta agressão foi disfarçada com a bandeira da pro-
pagação do cristianismo entre os pagãos (embora a maioria
dos que ficavam prisioneiros destes ladrões já fossem
adeptos da fé cristã) e distinguiram-se por uma crueldade
sem precedentes. Os historiadores da época falam da devas-
tação de aldeias inteiras, incêndios de colheitas e massacres
sem fim de adultos, velhos e crianças.

Não há dúvida de que estes porta-vozes da «verdadeira


cultura cristã», como se chamavam a si próprios, teriam ido
mais para o Oriente e penetrado na Rússia, se não tivessem
sido impedidos disso por Alexandre Nevsky, tendo sofrido
uma esmagadora derrota às suas mãos, sobre o gelo do lago

268
Chudskoyo em 5 de Abril de 1242. Duzentos anos mais
tarde, em 1410, os Polacos e os Lituanos, juntamente com
forças russas do principado de Smolensk infligiram outra der-
rota aos cavaleiros teutónicos de Grunwald (na Prússia Ori-
ental) depois do que a ordem deixou de existir como poder
religioso independente.

Contudo, as consequências destas devastações foram de-


sastrosas para a Alemanha. A pilhagem sistemática da Itália
e o crescente poder dos nobres a Leste, no território que
mais tarde viria a ser chamado Prússia Oriental, minaram
ainda mais o poder do imperador e o governo central. Esta
contínua agressão contra potências vizinhas eliminou todas
as esperanças de unidade política da Alemanha. O poder im-
perial em breve não era nada mais do que um símbolo sem
qualquer significado. Entretanto, o poder dos nobres indivi-
duais, dos príncipes, aumentou, e estes tentaram mesmo
obter a ratificação legal da sua independência do imperador.
Em 1356, a Bula Dourada de Carlos IV reconheceu a inde-
pendência política dos príncipes mais poderosos, o seu direito
de elegerem o imperador, e concedeu-lhe vários privilégios.
Foram proibidas as alianças entre cidades, mas não se proi-
biram as guerras entre os principados individuais. A Ale-
manha desintegrou-se literalmente numa quantidade de pe-
quenos principados e os seus nobres, criados em antiquís-
simas tradições de pilhagens, de violação dos outros povos,
iriam espalhar as sementes do posterior espírito Junker e da
sua mais horrível manifestação, a do militarismo prussiano.

A Boémia do Século XI ao Século XV. As Guerras Hus-


sitas

O sacro império romano incluía não só um grande número


de Estados alemães mas também o Estado da Boémia. Logo
no século XI, os imperadores alemães concederam aos prín-

269
cipes boémios um título real e, pouco a pouco, a Boémia
tornou-se um país praticamente independente. Era a terra
mais rica do império, onde a indústria e o comércio se desen-
volviam rapidamente, onde se exploravam minerais valiosos
e as cidades prosperavam. Contudo, as cidades ainda não
desempenhavam qualquer papel político importante visto que
eram os prelados e os nobres que tinham a última palavra
na Dietada Boémia. A influência alemã fazia-se sentir forte-
mente no país. A Boémia pouco mais era do que uma colónia
alemã. Depois de adoptar a religião cristã, levada para lá
pelos alemães, a Boémia pôs grandes extensões de terra
virgem à disposição dos mosteiros alemães, e lá se estabele-
ceram camponeses alemães. A Boémia foi inundada de
monges alemães representantes de ordens religiosas e da ca-
valaria. Os alemães, ricos proprietários, membros do clero,
donos de minas, funcionários municipais — eram na sua
maior parte membros da classe dominante. O zénite do po-
derio político da Boémia foi atingido no reinado de Carlos IV,
que praticamente fez dela o centro do seu império.

No final do século XIV, os conflitos de interesses na


Boémia tinham atingido o auge. Os habitantes dos burgos, os
cavaleiros e os nobres menores checos resistiram ao domínio
dos prelados e proprietários de terras, alemães. O principal
bastião da oposição revolucionária foi o campesinato, checo
que procurou libertar-se da exploração feudal e do domínio
da Igreja Católica. Assim, os problemas sociais e nacionais
estavam ligados e em breve iam encontrar expressão num
movimento religioso. O movimento revolucionário em larga
escala do século XV na Boémia ficaria na história como o
nome de guerras hussitas. O nome deriva dum professor da
Universidade de Praga, Jan Hus (1371-1415), que desafiou o
papado, exigiu reformas da Igreja e revelou a corrupção do
clero católico. Em 1415, foi chamado ao Concílio de Cons-
tança (um concílio da Igreja). O salvo-conduto imperial, que
lhe concedera o imperador Sigismundo, foi violado e foi quei-

270
mado vivo. A morte de Hus foi o sinal para o estalar de uma
revolta na Boémia. As batalhas mais renhidas foram travadas
no Sul do país, onde houve revoltas em massa. O centro da
ala radical dos Hussitas foi a cidade de Tabor. De 1419 a
1437, o exército revolucionário dos Taboritas resistiu ao
exército imperial e obteve mesmo algumas vitórias. Porém,
uma divisão dentro do movimento hussita acabou por levar
os revoltosos à derrota.

Apesar de tudo, as guerras hussitas seriam de grande sig-


nificado na história do povo checo. Infligiram um duro golpe
ao papado e à Igreja Católica, prenunciando a Reforma euro-
peia. Estas guerras serviram ainda para apressar o apareci-
mento de uma consciência nacional checa e o desenvolvi-
mento da cultura nacional checa.

Resumo do Desenvolvimento da Sociedade Feudal


entre os Séculos XII e XV

Este segundo período da Idade Média trouxe alterações


extremamente importantes, preparando o caminho para a
transição para novas relações de produção tanto na agricul-
tura como na indústria.

A exploração de minas e o fabrico de artigos de ferro, que


na alta Idade Média fora mais precioso do que o ouro, tinha-
se agora desenvolvido em mais larga escala: o ferro tinha-se
tornado tão barato que as relhas de arado de ferro, as lâ-
minas de enxadas, os dentes das grades de lavoura, as foices
e outros utensílios agrícolas tinham substituído em toda a
parte os utensílios de madeira nas casas dos camponeses. Na
segunda metade do século XII, novas terras foram utilizadas
na agricultura depois de serem devastadas as florestas que
cobriam grandes extensões na Alemanha, no Norte da França
e na Inglaterra. Nesta altura, as técnicas de fertilização das

271
terras também tinham melhorado, o que fez aumentar bas-
tante as colheitas de cereais. À medida que se foram desen-
volvendo mais cidades e que a população urbana se foi ex-
pandindo, as hortas e as árvores de fruto começaram a de-
sempenhar um papel importante na agricultura. Embora no
século XIV e no princípio do século XV, como resultado da
Peste Negra (1348-1351) e de grandes guerras, tenha havido
uma nítida diminuição na população da Europa e a falta de
mão-de-obra fosse tão grave que causou mesmo uma crise
na agricultura (reflectida no facto de que muitas das terras
recentemente cultivadas no século XIII foram abandonadas e
como resultado o fornecimento de géneros foi consideravel-
mente reduzido), este estado de coisas foi temporário e na
segunda metade do século XV já se observavam outros pro-
gressos na agricultura. A indústria progrediu ainda mais.

Notas de rodapé:

(7) À letra — um homem que põe telhados, pedreiro.

(8) Corpo representativo criado em 1302.

Capítulo VI - A Luta dos Povos da Europa Oriental


e Central, da China, da Ásia Central e da Trans-
caucásia
contra a Invasão Estrangeira no Século XIII

A Sociedade Mongol no Início do Século XIII. A For-


mação do Estado Mongol

272
No início do século XIII desenvolveu-se na Ásia um pode-
roso Estado mongol. Este foi um período turbulento, em que
houve enormes campanhas militares das hordas mongóis,
que trouxeram sofrimentos e devastações inenarráveis aos
povos que conquistaram.

Os Mongóis vieram das estepes do Norte da China. A


maior parte das tribos mongólicas eram pastores nómadas.
Inicialmente tinham formado uma primitiva sociedade de
clãs, mas no século XII os seus padrões sociais tinham enfra-
quecido e os chefes, ou khans, tinham-se apoderado do
poder e concentrado toda a riqueza nas suas mãos. Estes pu-
seram ao seu serviço os nobres menores e os camponeses
pobres. A riqueza dos khans e dos seus vassalos veio do tra-
balho dos camponeses simples, que eram obrigados a dar
aos seus senhores o melhor gado para abater, assim como o
melhor para a produção de leite, a pastorear as manadas
pertencentes aos senhores e a suportar longos períodos de
serviço militar.

No início do século XIII começou a formar-se um Estado


mongol de tipo feudal primitivo. Tiveram neste novo Estado
papel importante os nukut — séquito armado ao serviço dos
khans, que mais tarde se tornaram seus vassalos. Os nobres
fortaleceram o seu poder com o apoio dos nukut. No início
do século XIII, os khans resolveram apoiar Tensijin (1155-
1227), líder dos Mongóis das estepes, que em 1206 foi eleito
chefe tribal ou grande khan e adoptou o nome de Gengis
Khan.

Gengis Khan uniu toda a Mongólia sob o seu poder e


juntou um enorme exército. Todo o mongol era um guerreiro
destro a cavalo e em pouco tempo se formou um exército de
cavaleiros cujas proporções não tinham precedentes. O exér-
cito era formado por grupos de dez mil homens, divididos em
unidades de mil homens, cada uma delas composta de 10 su-

273
bunidades de cem homens. Os soldados mongóis eram quase
invulneráveis às setas dos seus inimigos, armados como es-
tavam de elmos e armaduras feitas de couro duro, de arcos,
setas e sabres afiados, cavalgando nos seus velozes cavalos.
A sua estratégia militar também era nova. Depois de con-
quistar o Norte da China, Gengis Khan conseguiu consolidar
consideravelmente o seu poder. Os engenheiros chineses en-
sinaram às tropas mongóis a táctica do cerco e o uso de ca-
tapultas e os experimentados funcionários administrativos
chineses reorganizaram o aparelho burocrático do Estado.
Mais tarde, os Mongóis conquistaram também o Sul da
China. Eram utilizadas armas especiais para arremessar pe-
dras e recipientes com azeite a ferver por cima das muralhas
das cidades.

O exército mongol constituía mais uma ameaça para o


resto do Mundo, pois estava bem armado, era extremamente
móvel e estava unido sob um único líder.

Gengis Khan conquistou logo os povos da Sibéria, assim


como os Buryats que viviam nas margens do Lago Baikal, os
Yakuts e os Oirots no sopé dos montes Altai. Depois destas
anexações Gengis Khan conduziu o seu exército para con-
quistar a Ásia Central e a Transcaucásia.

As Conquistas de Gengis Khan na Ásia Central e na


Transcaucásia

Na Ásia Central, Gengis Khan ia encontrar-se frente a


frente com as ricas cidades e povos de uma civilização an-
tiga. Estes territórios tinham sido ocupados pelo homem
desde tempos imemoriais. A população local vivia, sobretudo,
nos vales férteis e as suas principais actividades eram a agri-
cultura, a criação de gado e o cultivo de árvores de fruto e
vegetais. Os camponeses da Ásia Central dominavam desde

274
há muito eficientes técnicas de irrigação, que utilizaram para
alargar as suas terras cultiváveis. Também tinham construído
ricas cidades, onde as artes e os ofícios já eram tradicionais,
tais como Samarcanda e Merv. Os canteiros e arquitectos
desta região eram famosos pela sua perícia.

Quando a Ásia Central foi ameaçada pela invasão dos Tár-


taros Mongóis, os seus povos já viviam numa sociedade com
padrões feudais bem estabelecidos. Os chefes locais eram
praticamente independentes e não havia um poder central
forte na região. Isto fez com que fosse muito mais fácil
para Gengis Khan conquistar estas terras.

A hoste de Gengis Khan atravessou toda a área até ao Es-


tado de Khorezm, conquistando cidades e aldeias, pilhando,
massacrando a população local e levando homens e mulheres
para o cativeiro como escravos. Os povos da Ásia Central
ofereceram uma corajosa resistência aos invasores. Havia
fortes guarnições em todas as cidades e em Samarcanda
havia mesmo vinte elefantes de guerra. No entanto, os por-
tões desta cidade, como os de muitas outras, foram abertos
a Gengis Khan por traidores. Em Samarcanda, Gengis
Khan fez cerca de 30000 artesãos prisioneiros e distribuiu-os
pelos seus sequazes como escravos. Usou uma táctica seme-
lhante noutras cidades. A rica cidade de Merv e muitas outras
foram tomadas e destruídas.

A falta de unidade entre os nobres locais facilitou conside-


ravelmente a conquista mongol, porque enfraqueceu a resis-
tência aos invasores.

Depois de anexar a Ásia Central no início do século


XIII, Gengis Khan levou o seu exército para a Geórgia. Os
povos da Transcaucásia lutaram durante muito tempo pela
sua liberdade, mas, por fim, também a sua resistência foi
vencida. A Mongólia subjugou os povos da Arménia e da
Geórgia, cuja cultura era mais avançada que a dos seus con-
275
quistadores. Os Mongóis capturaram e reduziram à escra-
vidão artesãos e os aprendizes especializados Geórgios e Ar-
ménios. A escravidão mongólica infligiu um duro golpe na
cultura dos povos da Transcaucásia. Muitas cidades foram
destruídas e Georgianos e Arménios foram obrigados a pagar
um pesado tributo aos seus novos senhores.

Os Mongóis, além de exigirem um décimo da propriedade


de cada homem, também recebiam um imposto adicional de
cada herdade: cerca de 1001 de cereais, cerca de 251 de
vinho, cerca de 5 kg de arroz, uma porção de lenha, uma
moeda de prata e uma ferradura. Os que não podiam pagar
eram condenados à escravatura.

Uma vez estabelecido o seu domínio na Transcaucásia, os


khans mongóis confiaram a cobrança dos impostos aos prín-
cipes locais que tinham de levar o tributo aos seus superiores
mongóis. O domínio mongol na Transcaucásia duraria quase
duzentos anos, até ao fim do século XIV.

A Invasão Mongol do Território Russo

A conquista da Ásia Central e da Transcaucásia pelo exér-


cito mongol levou-o ao território do Estado Rus. As forças
de Gengis Khan atravessaram as montanhas do Cáucaso e
dirigiram-se às estepes do Sul da Rússia. Aqui encontraram
os nómadas polovtsi que pediram ajuda aos príncipes russos.
«Hoje massacram-nos a nós e amanhã será a vossa vez se
não vierem em nosso auxílio», foram as palavras dos seus
enviados. Os príncipes decidiram unir as suas forças
contra Gengis Khan e partiram para travarem com ele uma
batalha em território polovtsi.

A batalha deu-se em Maio de 1223 nas margens do Kalka,


um pequeno rio que vai desaguar no mar de Azov, não longe

276
do estuário do Don. As forças russas foram derrotadas. Os
khans mongóis cobriram os corpos dos feridos e dos prisio-
neiros com tábuas, sentaram-se sobre eles e deram uma
grande festa para celebrar a sua vitória. Esta foi a primeira
vez que os Mongóis (ou Tártaros como lhes chamavam os
Russos) apareceram na Rússia. Desta vez não continuaram
para consolidar a sua vitória, retiraram-se para a Ásia e nada
mais se soube deles durante doze anos.

Quando Gengis Khan morreu, sucedeu-lhe o seu filho


Ogdai que enviou o seu sobrinho Khan Batu (que morreu em
1255) a conquistar a Europa. A ameaça de destruição e es-
cravatura pairou sobre toda a Europa.

Nessa altura não existia um Estado russo unido. A maior


parte dos principados russos eram pequenos e mais fracos do
que o principado de Vladimir ou Novgorod. A desintegração
feudal do Estado Rus minou as possibilidades de uma resis-
tência efectiva aos inimigos do exterior. O Estado Rus foi
presa fácil para este horrível inimigo porque estava desunido
e faltava coesão aos seus exércitos.

Em 1236, a horda de Batu atravessou as estepes junto do


Cáspio, invadiu o reino dos Búlgaros do Volga e conquistou a
capital, Bulgar. Daí avançaram sobre o Estado Rus. No In-
verno do ano seguinte (1237), Batu atravessou o Volga com
um enorme exército e marchou sobre o principado de
Ryazan. Depois de uma dura luta, Ryazan rendeu-se e foi
completamente queimada. Um destino semelhante coube a
outros principados que preferiram «esperar até ver» a jun-
tarem-se aos seus vizinhos para enfrentar o inimigo comum.
Assim, Vladimir e outras cidades caíram nas mãos do ini-
migo.

Moscovo também foi queimada pelas hordas mongóis. O


príncipe Yuri Vsevolodovich (1187- 1238) saiu a enfrentar o
inimigo com todos os seus soldados e uma multidão de cam-
277
poneses nas margens do rio Sit, mas era demasiado tarde.
Os Russos perderam também esta batalha e o seu príncipe
foi morto em combate.

Pouco a pouco, Batu tornou-se senhor de todo o vale do


Dniepre. Em 1240, as suas hordas marcharam sobre Kiev e
puseram cerco à cidade. Batu ficou tão impressionado com a
beleza desta cidade, com o perfil dos seus belos edifícios e as
cúpulas douradas das suas igrejas brilhando ao sol, que de-
cidiu tomá-la sem a destruir e propôs aos homens de Kiev
que se rendessem sem luta. Eles recusaram, preferindo lutar
até à morte, e durante o cerco que se seguiu quase toda a ci-
dade foi queimada e destruída.

A Guerra dos Povos Russos e Bálticos Contra os Inva-


sores Alemães e Suecos

A um desastre ia seguir-se outro. Enquanto Batu mar-


chava sobre os dispersos principados russos pelo Leste, outro
poderoso inimigo apareceu pelo Noroeste e marchou sobre
Novgorod. Os cavaleiros alemães começaram a avançar em
direcção à Rússia, ansiosos por capturar novas terras e cam-
poneses para as cultivarem. Reduziram os povos bálticos à
escravatura e apoderaram-se das suas terras. Na Livónia, no
estuário do Dvina, construíram a fortaleza de Riga, que se
tornaria o principal ponto de apoio dos cruéis opressores, a
Ordem dos Irmãos dos Espatários.

Outra união de cavaleiros, a Ordem dos Cavaleiros Teutó-


nicos, começou a ameaçar os Lituanos pelo Oeste. Em breve
os Cavaleiros Teutónicos se juntaram aos Espatários e em
conjunto atacaram Pskov e Novgorod.

Perante este estado de coisas, fracções agressivas de


entre os nobres proprietários de terras da Suécia foram

278
também incitados a pôr-se em acção. Regozijaram-se
quando souberam da invasão mongólica pensando que,
agora que o Estado Rus estava a ser atacado pelo Leste pelos
Tártaros, podiam entrar pelo Norte e conquistar mais terras
enquanto o país se encontrava em posição vulnerável.

Em 1240, o chefe sueco Jarl Birger aportou nas margens


do Neva com as suas tropas. O exército russo reuniu-se na
Praça de Santa Sofia em Novgorod e aos soldados do príncipe
juntou-se uma parte da guarda da cidade. O príncipe Ale-
xandre Yaroslavich (1220-1263) chefiou o exército de Nov-
gorod contra as forças de Birger. Os dois exércitos encon-
traram-se no Neva: Os Russos apanharam os suecos de sur-
presa e seguiu-se um massacre total. Durante a batalha, o
príncipe Alexandre encontrou-se, frente a frente, com Birger
e «marcou-lhe a cara com a sua lança aguçada». O jovem
guerreiro Savva chegou à tenda de tecto dourado de Birger e
quebrou a sua lança: a tenda caiu perante os exércitos ali-
ados e os russos regozijaram-se. A feroz batalha do rio Neva
acabou com uma vitória russa, em honra da qual o príncipe
Alexandre passou a ser chamado Alexandre Nevsky.

Entretanto, os cavaleiros alemães não estavam de braços


cruzados. Marcharam sobre Rus com um enorme exército.
Em Abril de 1242 deu-se a famosa batalha sobre o gelo do
lago Chudskoye, que na história ficaria a ser chamada o
«massacre sobre o gelo». Os Alemães desdobraram as suas
forças formando em cunha para penetrar a linha de ataque
russa e cortar o seu exército em dois. À frente do exército
alemão avançava a cavalaria com pesadas armaduras; atrás
dela vinha a infantaria com lanças e espadas, flanqueada por
soldados a cavalo.

Alexandre Nevsky compreendeu o plano do inimigo e con-


centrou as suas forças principais não no centro, mas nos
flancos. Atraiu o inimigo a atacar o seu exército no centro e

279
depois cercou-o pelos flancos com as forças principais. Se-
guiu-se um massacre e o gelo em breve ficou vermelho de
sangue. Os cavaleiros alemães foram derrotados e os poucos
sobreviventes foram feitos prisioneiros.

Estas vitórias no tempo de Alexandre Nevsky foram de


grande significado e deixaram intacto o Noroeste da Rússia,
poupando-o à escravidão dos barões alemães e suecos.

A Rússia sob o Jugo Tártaro

Embora a Rússia tenha conseguido bater os seus inimigos


no Noroeste, foi menos feliz contra a invasão mongólica de
Batu. Grande parte do país iria sofrer sob o flagelo tártaro, e
até Novgorod, embora os Tártaros não chegassem tão longe,
era obrigada a pagar-lhes um tributo.

A Rússia estava agora sob o jugo dos khans tártaros, que


ia durar mais de duzentos anos — de meados do século XIII
ao final do século XV. O Estado fundado pelo Khan Batu foi
chamado de Horda Dourada. Batu estabeleceu a sua capital
na cidade de Sarai no Volga (não longe da actual Astrakan).
Mais tarde, a capital foi mudada para as zonas superiores do
Volga (para um sítio não muito distante da actual Volgo-
grado). A nova capital foi chamada Novy (Nova) Sarai. O Es-
tado da Horda Dourada incorporou parte da Ásia Central e o
Casaquistão, o vale do Volga, a Crimeia, o vale do Dniepre e
todo o Nordeste da Rússia.

Os conquistadores tártaros exigiram um tributo exorbi-


tante ao povo russo, um décimo de todos os seus bens. E,
além disso, exigiram também um tributo em forma de ce-
reais, gado e dinheiro. Tudo isto era cobrado pelos bas-
kaks ou cobradores do khan. Aqueles que não podiam pagar
ou que se recusavam a pagar, eram feitos escravos.

280
«Aquele
que não
tem di-
nheiro,
perderá o
seu filho,
Aquele
que não
tem fi-
lhos, per-
derá a
sua mu-
lher,
Aquele
que não
tem mu-
lher, per-
derá a ca-
beça»,

cantavam os russos numa canção acerca dos seus se-


nhores estrangeiros.

À mínima resistência às suas ordens, os Tártaros respon-


diam com saques e massacres. O jugo tártaro significava
cruéis sofrimentos e derramamento de sangue.

Os príncipes russos perderam a independência e foram


submetidos ao khan tártaro. Eram obrigados a ir a cavalo à
capital da Horda Dourada para prestar homenagem ao khan
e a levarem-lhe presentes dispendiosos, para receberem dele
uma patente ou jarlyk que confirmava as suas funções. O
próprio khan nomeava o grande príncipe. A Rússia, que fora
independente, era agora um domínio da Horda Dourada. O
domínio tártaro impedia o desenvolvimento cultural social e
político da Rússia, fazendo dela um país atrasado.

281
Os Mongóis empreenderam algumas expedições mais para
Oeste, invadindo a Polónia, a Hungria e penetrando até à
longínqua Veneza. Contudo, Rus, que gastou as energias e os
recursos dos conquistadores, salvou a Europa Ocidental de
um destino semelhante.

Capítulo VII - O Aparecimento de um Estado


Russo Unido

A Restauração da Economia depois da Devastação


Mongol: A Ascensão de Moscovo

A invasão dos mongóis fez estragos inenarráveis na eco-


nomia das terras russas. Muitas cidades e aldeias tinham sido
queimadas e destruídas. Milhares de camponeses foram
mortos ou levados para o cativeiro e inúmeras famílias
russas foram privadas daqueles que as sustentavam. Arte-
sãos especializados tinham sido levados pela Horda Dourada
e a aprendizagem dos seus futuros sucessores foi interrom-
pida: isto levou a um rápido declínio das artes e dos ofícios.
O tributo pago aos Tártaros esgotava a terra, sobretudo
desde que o receio da escravatura pairava sobre as cabeças
dos que não podiam pagar. Em resumo, o jugo mongol im-
pediu o desenvolvimento económico da Rússia.

Pouco a pouco, os padrões de vida quotidiana tornaram-


se mais normais, particularmente quando os próprios prín-
cipes foram responsabilizados pela cobrança dos impostos.
Os baskaks do khan recebiam agora o tributo dos príncipes
e eles próprios apareciam com menos frequência nas cidades
e nas aldeias.

282
Claro que os padrões de agricultura que se estabeleceram
foram os padrões feudais. Como anteriormente, os príncipes
e os boiardos eram os donos da terra e a grande massa dos
camponeses dependia dos seus senhores. Gradualmente foi
reintroduzido o sistema de pousio, e a criação de gado co-
meçou a desenvolver-se. Os ferreiros, os curtidores e os
oleiros voltaram ao trabalho.

Tal como antes, os camponeses que cultivavam a terra


dos seus senhores pagavam-lhes uma renda, parte em gé-
neros — cereal, gado, criação — parte em dinheiro, e
também pagavam com trabalho. Nos séculos XIV e XV, a
maior parte dos camponeses trabalhava à base de rendas.

Os mosteiros que recentemente se tinham tornado insti-


tuições proprietárias de terras desempenhavam um papel
cada vez mais importante. Apareceu uma nova forma de uni-
dade agrícola — a sloboda: os príncipes tornavam parcelas
de terra até aí não cultivada isentas de impostos e de pres-
tação de serviços por um certo tempo, e convidavam as pes-
soas a cultivá-las.

Também apareceu uma nova forma de propriedade da


terra: os príncipes davam aos homens que estavam ao seu
serviço parcelas de terra que ficavam em sua posse enquanto
as cultivassem. Os donos temporários destas parcelas de
terra, ou pomeshchiki, eram obrigados a reunir sob o es-
tandarte do príncipe um destacamento de cavalaria bem
equipado e de soldados a pé em tempo de guerra; quando
deixavam o serviço do príncipe passavam a terra a outro que
entrasse ao seu serviço. Assim, os pomeshchiki tornaram-se
uma classe de servos leais ao poder central. Estes desenvol-
vimentos económicos foram factores vitais que contribuíram
para a formação de um Estado russo unido.

Pouco a pouco, Moscovo ressurgiu das suas cinzas e


ruínas, tornou-se uma cidade mais próspera e o poder dos
283
seus príncipes cresceu. A região em volta de Moscovo tinha
todas as condições necessárias para o desenvolvimento agrí-
cola e industrial. As terras eram um centro tradicional agrí-
cola. Os habitantes locais eram agricultores experimentados,
ferreiros, oleiros, pedreiros e curtidores. Moscovo também
estava favoravelmente situada sob o ponto de vista de de-
fesa: a cavalaria tártara tinha achado difícil alcançar a ci-
dade, rodeada como estava de espessa floresta. Os princi-
pados vizinhos — os de Ryazan e Nijhny Novgorod — eram
como tampões para a penetração dos inimigos. Isto levou os
camponeses de muitas regiões a virem estabelecer-se em
Moscovo.

Moscovo estava colocada no cruzamento de importantes


rotas comerciais que ligavam o Ocidente ao vale do Volga. Os
mercadores de Novgorod viajavam pelo rio Moskva até ao
Oka e depois pelo Volga para comerciarem com a Horda Dou-
rada. Outra rota comercial levava ao Sul pelo Don e o mar
Azov até ao mar Negro. Nesta altura, os mercadores italianos
da rica cidade de Génova já se tinham vindo a estabelecer na
Crimeia. Os direitos portuários que tinham de pagar os
barcos dos mercadores que utilizavam estas vias marítimas
eram dos príncipes de Moscovo e traziam-lhe riqueza consi-
derável. Moscovo ocupava uma posição central entre vários
principados russos e cm breve se tornou o núcleo das terras
russas. Durante o reinado de Yuri Dolgoruku ainda fazia
parte do domínio do príncipe de Vladimir. Só se tornou inde-
pendente no século XIII.

O primeiro príncipe de Moscovo independente foi o filho


de Alexandre Nevsky, o príncipe Daniil Alexandrovich (1261-
1303). Alargou o principado conquistando a cidade de Ko-
lomna aos príncipes de Ryazan. O seu filho depois conquistou
a cidade de Mozhaisk aos príncipes de Smolensk. Kolomna
estava situada na confluência dos rios Moskva e Oka e
Mozhaisk nos troços superiores do Moskva. Assim, no início

284
do século XIV, os príncipes de Moscovo tinham-se tornado
nos verdadeiros senhores de toda a bacia do Moskva.

Pouco depois, Ivan I (que reinou até 1340) tornou-se


príncipe de Moscovo. Conhecido por Ivan Kalita (saco de di-
nheiro) era conhecido pela sua avareza e juntou muitas ri-
quezas. Expandiu os seus domínios à custa dos príncipes me-
nores das terras vizinhas e conseguiu contactar com os
chefes da Horda Dourada, fazendo-lhes frequentes visitas e
levando-lhes presentes assim como mulheres. Estes cedo
compreenderam que sempre que Ivan Kalita vinha às suas
terras significava que ia haver muito ouro e prata para eles.
Nesta altura, os ataques tártaros às terras russas foram
muito menos frequentes do que antes. O povo podia fazer as
colheitas e exercer o seu comércio em paz.

Alexandre, príncipe de Tver (1301-1339), foi designado


Grande príncipe do Estado Rus pelos khans tártaros. Em
1327, o enviado tártaro Cholkhan veio a Tver cobrar o tri-
buto. Houve uma revolta e Cholkhan foi morto. O khan então
mandou tropas da Horda Dourada para castigar os revoltosos
e encarregou Ivan da expedição. Tver foi saqueada e arra-
sada e Ivan tornou-se Grande Príncipe (1328). Durante o rei-
nado de Ivan, cresceu o poder de Moscovo e tornou-se uma
próspera e bela cidade.

Revoltas Contra o Domínio da Horda Dourada. A Ba-


talha do Campo Kulikovo (1380)

Em mais de uma ocasião estalaram na terra russa re-


voltas contra os conquistadores mongóis.

No Inverno de 1259, os cobradores de impostos tártaros


vieram a Novgorod para registar a população da cidade para
efeitos de cobrança de impostos. Os trabalhadores de Nov-

285
gorod protestaram contra o facto, recusaram-se a deixar en-
trar na cidade os enviados do khan e mataram-nos. A resis-
tência do povo de Novgorod foi extremamente difícil de es-
magar. Em 1262, estalaram revoltas contra os Tártaros em
muitas cidades. Tocavam sinos a rebate e o povo reuniu-se
nas praças centrais das cidades de Vladimir, Suzdal, Rostov,
Pereyaslavl e Yaroslavl; expulsaram os opressores dos seus
portões. Aqueles que aceitaram as exigências dos Tártaros
foram mortos. Os Tártaros castigaram cruelmente as cidades
revoltosas. Contudo, Alexandre Nevsky fez uma visita espe-
cial à Horda Dourada e conseguiu salvar as cidades da des-
truição apaziguando o khan com ricos presentes.

Em 1289, o povo de Rostov expulsou os opressores tár-


taros da cidade e apoderou-se do dinheiro e valores que eles
tinham acumulado. Na segunda metade do século XIII, os
trabalhadores do principado de Kursk expulsaram o cobrador
de impostos da sua cidade e saquearam a colónia tártara
local.

No século XIV, Moscovo ascendeu de novo a uma posição


de importância enquanto a Horda Dourada ia enfraquecendo.
Em meados do século, o trono mudou de ocupante catorze
vezes, em vinte anos, na Horda Dourada, porque muitos
khans foram mortos por rivais ambiciosos.

Na segunda metade do século XIV, o chefe tártaro Mamai


(que morreu em 1380) conseguiu reunir todos os Tártaros
sob as suas ordens numa altura em que Moscovo já tinha
deixado de se submeter obedientemente a todas as ordens
do khan. Mamai decidiu que era necessário um confronto
para dominar os seus turbulentos súbditos: reuniu um exér-
cito enorme e concluiu uma aliança militar com a Lituânia.

Em Agosto de 1380, Mamai começou a avançar em di-


recção a Moscovo.

286
O neto de Ivan I, Dmitri Ivanovich, príncipe de Moscovo
(1350-1389), reuniu um exército. Perante este terrível ini-
migo muitos dos príncipes russos preferiram esquecer as
suas rixas privadas e os exércitos dos príncipes de Rostov,
Yaroslavl e Byelozersk uniram as suas forças. Mas o factor
decisivo da situação foi o facto de o povo comum da Rússia
ter pegado em armas contra os Tártaros: de todos os cantos
do território vieram camponeses e artesãos armados de
lanças de javali, clavas e machados. O exército russo contava
cento e cinquenta mil homens. Marchou para o Don, atra-
vessou-o e depois desdobrou as suas forças no campo Kuli-
kovo no estuário do pequeno rio Nepryadva, afluente do Don.
O campo de batalha abrangia uma área de quatro milhas
quadradas e a luta foi feroz e sangrenta. A resistência russa
estava a enfraquecer quando de repente surgiram reservas
russas de emboscada e atiraram-se aos Tártaros. Os poucos
sobreviventes desta luta fugiram do campo de batalha. O
príncipe Dmitri recebeu o título de Dmitri Donskoi em honra
desta vitória, a primeira grande vitória russa contra os khans
tártaros. A batalha de campo Kulikovo não acabou de uma
vez para sempre com o jugo tártaro, mas enfraqueceu consi-
deravelmente o seu domínio e deu novas esperanças ao povo
russo.

Os Primeiros Passos para a Unificação de um Estado


Russo

Os governantes de Moscovo continuaram a alargar os


seus domínios. Anexaram as terras do rico principado de
Nijny Novgorod. Nijny Novgorod (a actual Gorky) tinha cres-
cido nas margens do Volga: a cidade era um posto fronteiriço
russo e um importante centro comercial, visitado por muitos
mercadores orientais. Conseguiu-se grande êxito na unifi-
cação das terras russas, sob Moscovo, no reinado de Ivan II

287
(1462-1505) que se tornaria chefe de um Estado Rus unido.
Em 1478, Ivan incorporou a independente e heróica cidade
de Novgorod no principado Moscovita. Ivan III também
tomou muitas das antigas possessões de Novgorod, incluindo
a cidade de Vologda. As terras do povo Komi no rio Vychegda
também foram anexadas por Moscovo.

O factor que mais facilitou a unificação do Estado russo foi


a renovada energia e diligência dos trabalhadores. Isto possi-
bilitou ao Estado Rus recuperar das devastações feitas pelos
Tártaros, erguer cidades e aldeias sobre as ruínas e as
cinzas, cultivar campos abandonados e terras virgens e res-
tabelecer profissões e ofícios que tinham declinado. Estes es-
forços lançaram os alicerces da resistência aos dominadores
estrangeiros. Renovando e desenvolvendo a economia do
país o povo conseguiu a unificação de grande quantidade de
pequenos Estados feudais.

Ivan III ligou muitas terras a Moscovo quer por meio de


tratados quer pela força das armas. Muitos dos pequenos
príncipes tinham plena consciência do poder de Ivan e prefe-
riram declarar-se seus vassalos a serem conquistados.
Assim, os príncipes de Yaroslav reconheceram Ivan como seu
suserano e entregaram-lhe as suas possessões. Quando as
tropas de Ivan se aproximaram de Tver muitos dos pequenos
príncipes dessa região da Rússia vieram, um por um, à pre-
sença de Ivan, pedindo para serem admitidos ao seu serviço.
A federação do poderoso principado de Tver com Moscovo foi
um acontecimento importante porque a antiga Tver fora o
maior rival de Moscovo pelo domínio das terras russas.

Os nobres da Lituânia também fixaram estes aconteci-


mentos no Estado Rus e alguns deles puseram-se ao serviço
de Ivan III, o que significava que as suas extensas proprie-
dades também se tornaram parte do Estado russo, terras que
já tinham feito parte de Kiev Rus. No reinado de Ivan III es-

288
talou uma luta entre a Lituânia e o Estado Rus, mas este
manteve o seu domínio sobre aquele.

O poder do Estado Rus cresceu. Surgiu um forte Estado


russo da junção de muitos pequenos principados, estado que
já não podia tolerar o jugo mongol.

A Libertação Final do Jugo Mongol

No final do século XV, a Horda Dourada enfraquecia cada


vez mais e começava a dissolver-se. No reinado de Ivan III,
o Estado Rus já não pagava tributo ou prestava homenagem
aos khans. Não se pagou qualquer tributo mais aos Tártaros
depois de 1476.

O khan tártaro Ahmed fez uma última tentativa para sub-


jugar de novo os russos. Em 1480 conduziu as suas tropas
para as margens do rio Oka na confluência deste com o Ugra.
Contudo, não conseguiu atravessar o rio, tendo sido repelido
pelos Russos depois de quatro dias de dura luta. O exército
tártaro ficou durante muito tempo nas margens do rio, hesi-
tando em atacar o formidável exército moscovita de Ivan III.
Nenhum dos lados abriu a batalha. Em Novembro, o khan
Ahmed recuou e retirou-se para a Horda Dourada, compreen-
dendo que já não estava em posição de subjugar o Estado
Rus. Esta foi a última vez que os Tártaros saíram a exigir tri-
buto. O domínio mongol sobre o Estado Rus estava no fim; o
país conseguiu finalmente a independência em 1480.

Entretanto, Moscovo tornou-se numa cidade ainda maior e


mais imponente, reflectindo a grandeza do novo reino unido.
Um novo palácio de pedra foi construído em Moscovo assim
como espessas muralhas de pedra em volta da fortaleza do
Kremlin. Ivan III chamou à sua corte o famoso arquitecto ita-
liano Aristóteles Fieravanti para superintender na construção

289
da catedral de Uspensky Sobor com cinco cúpulas, dentro
das muralhas do Kremlim. Construíram-se torres ao longo
das muralhas do novo Kremlim e os discípulos de Fieravanti
construíram o famoso palácio rústico (Granovitaya Palata)
para recepções de cerimónia em honra dos emissários es-
trangeiros, assim chamado porque a fachada principal está
facetada com blocos de pedra. Muitos artesãos russos de vá-
rias partes do reino trabalhavam nessa altura em Moscovo e
faziam dela uma nobre capital.

Os imperadores romanos tinham a tradição de acrescentar


ao seus nome o título de César. Ivan III decidiu fazer o
mesmo, e adoptou o título de czar (palavra russa derivada de
César). Ivan também adoptou o brasão do império bizantino,
a dupla águia, que ia ser o brasão do império russo sob os
czares até à revolução de Fevereiro de 1917.

Grande número de embaixadores de outros países visi-


taram as cortes de Ivan III e de Vassily III (1479- 1533), do
império alemão, do reino da Hungria, da Dinamarca, de Ve-
neza e da Turquia. Desenvolveu-se uma nova tradição de re-
cepção de cerimónia.

O primeiro dos príncipes moscovitas a chamar-se a si pró-


prio czar foi Ivan III, mas o seu neto Ivan, o Terrível (1530-
1584), foi o primeiro a ser coroado na catedral de Uspensky
com a devida pompa e ritual, e declarou-se «Czar de todas
as Rússias».

Capítulo VIII - O Aparecimento do Capitalismo


Primitivo na Europa Ocidental

290
Este capítulo tratará do terceiro estádio da Idade Média,
quando dentro da trama das relações de produção feudal
apareceram elementos de um novo modo de produção capi-
talista. Este processo resultou do avanço de técnicas e da or-
ganização da produção.

O desenvolvimento da exploração das minas de ferro foi


um factor extremamente importante neste processo, pois o
ferro era o metal mais importante tanto para a agricultura
como para a indústria. Foram utilizados os primeiros altos-
fornos e neles foi obtido o ferro em barra e depois fez-se a
mistura de aço e ferro. Outros metais valiosos, o cobre, o es-
tanho e o chumbo foram explorados e houve importantes
inovações nas técnicas de exploração de minas. Os povos
aprenderam a utilizar poços de fundos e inventaram ma-
neiras de extrair a água e de os encher de ar. Foram inven-
tadas máquinas movidas a água e azenhas.

Também houve grandes progressos nos transportes. Com


a ajuda do compasso empreendiam-se agora grandes via-
gens por mares afastados da terra; introduziram-se novas
velas que tornavam possível virar de bordo contra o vento.
Todas estas novas descobertas e invenções prepararam o ca-
minho para as grandes descobertas geográficas do período
desde o final do século XV ao final do século XVI.

As Grandes Descobertas Geográficas

Foi neste período que os europeus descobriram muitos


países novos e abriram novas rotas até aí desconhecidas
para distantes regiões do globo. Em 1492, um marinheiro ge-
novês ao serviço da coroa espanhola, Cristóvão Colombo,
descobriu a América, que mais tarde recebeu o nome de
outro explorador genovês, Américo Vespucci, que iria fazer o
mapa do novo continente.

291
Em 1497-1498, Vasco da Gama foi de Portugal à Índia
pelo cabo da Boa Esperança.

Em 1519, o explorador português Fernão de Magalhães


completou a sua primeira viagem da volta ao Mundo ao ser-
viço do rei de Espanha. Partindo de Espanha em direcção ao
Oeste acabou por descobrir o estreito que separa a Terra do
Fogo (o estreito de Magalhães) e continuou a navegar pelo
oceano Pacífico até às ilhas Filipinas. Aqui foi morto numa es-
caramuça com os nativos mas os seus companheiros continu-
aram a viagem sob o comando de Del Cano e em Setembro
de 1522 chegaram a Espanha, tendo perdido a maior parte
da tripulação (desapareceram 218 dos 234 homens) por
causa da fome e da doença. No século XVII, a Austrália foi
descoberta pelos holandeses.

O Aparecimento do Modo de Produção Capitalista

Várias inovações nas técnicas de produção aumentaram o


nível da produtividade do trabalho. No entanto, a produção
em pequena escala, típica da Idade Média, era inadequada
para promover o aperfeiçoamento dos utensílios de trabalho:
os padrões organizados da indústria medieval não eram de
molde a encorajar os inventos e melhoramentos. As guildas
medievais faziam o possível por obstruir o aperfeiçoamento
das técnicas ou da organização do trabalho, receando que
isso levasse a que uns enriquecessem mais do que os outros.
Entretanto, a necessidade de expandir a produção fazia-se
sentir cada vez mais. Isto acontecia particularmente com as
indústrias, tais como a têxtil, que desde há muito estava or-
ganizada para fornecer um grande mercado interno e ex-
terno; e ainda a produção de seda e lã de Florença e com a
indústria de tecidos de Gent, Bruges e Ypres. Aqui iriam apa-
recer as primeiras características da transição para o capita-
lismo.

292
Novas características que preparavam o caminho para
grandes mudanças futuras apareceram gradualmente no sis-
tema de guildas. A maior produtividade do trabalho e o con-
siderável aumento do volume de produção em várias indús-
trias levou a uma divisão do processo de produção em al-
gumas operações ou processos separados, cada um deles le-
vando a cabo por uma guilda. Assim, na indústria têxtil flo-
rentina foram estabelecidas guildas de tecelões, fiandeiros e
tintureiros — exemplo daquilo que se chama divisão de tra-
balho entre guildas separadas.

Mas outras mudanças estavam a ocorrer. Os mercadores


que dispunham de meios para isso compravam muitas vezes
grandes quantidades de produtos de uma ou mais guildas e
depois encarregavam-se de os vender e de organizar o trans-
porte necessário para o local onde iam ser vendidos e consu-
midos. Então começaram a ocupar-se, pouco a pouco, do for-
necimento de matérias-primas e mais tarde de utensílios de
trabalho, tornando os membros das guildas cada vez mais
dependentes dos comerciantes. Como as cartas de instituição
das guildas medievais estabeleciam limites definidos à orga-
nização progressiva desta dependência, os mercados concen-
travam muitas vezes a sua actividade nas aldeias onde os
camponeses se tinham dedicado a várias profissões desde
tempos imemoriais, e se tinham dedicado a vários tipos de
produção (particularmente a produção têxtil) para obviar às
suas necessidades e às das suas famílias. Os mercadores for-
neciam a estes artesãos de aldeia matérias-primas e utensí-
lios — rodas de fiar, teares, tintas, etc., e estes em breve fi-
caram dependentes deles. Os mercadores pagavam-lhes o
menos possível pelo seu trabalho, exigiam um alto juro sobre
as matérias-primas, utensílios e outros materiais que lhes
forneciam e, finalmente, vendiam o que eles produziam pelo
mais alto preço possível. Os artesãos das aldeias ficaram
desde então altamente dependentes dos mercadores, especi-

293
almente quando estes começaram a superintender na pro-
dução no próprio local da produção.

Este tipo de comerciantes emprestava aos artesãos maté-


rias-primas e utensílios e exigiam-lhes que vendessem o que
produziam apenas a eles, sabendo muito bem que iam re-
ceber a longo prazo muito mais do que tinham pago original-
mente pelos materiais emprestados.

Mais tarde ou mais cedo receberiam não só o custo dos


objectos fornecidos aos artesãos e os juros, mas também ti-
rariam proveito da venda do produto acabado. Porque o pro-
duto acabado valia mais do que as matérias-primas de que
era feito, não só porque o preço do produto acabado inclui o
preço das matérias-primas e de parte do custo dos utensílios
de produção utilizados mas, sobretudo, porque a sua pro-
dução exigia uma quantidade específica de trabalho humano.

Os empreendedores pagavam aos artesãos só uma parte


do trabalho que estes despendiam na produção, e guar-
davam o resto para si. O trabalho apropriado deste modo
pelo empresário chama-se trabalho excedente e o produto
acabado e produzido pelo trabalho excedente é mais tarde
vendido no mercado e traz ao empresário um sobrevalor ou
lucro excedente, pelo qual o empresário afirma a sua autori-
dade sobre os trabalhadores a quem paga. Nesta fase do de-
senvolvimento social ele não desempenhava um papel directo
na supervisão da produção e deixava-a continuar como tinha
existido até aí, mas já estava a pagar a trabalhadores que
estavam a produzir mais do que o custo da sua força de tra-
balho. Estes exploravam os seus trabalhadores assalariados
para receberem mais dinheiro. O preço pelo qual o empre-
sário ganha controlo sobre a força de trabalho de um traba-
lhador é o salário deste. A soma que o empresário investe no
trabalho dos praticantes e dos artesãos das aldeias chama-se
capital — a soma que traz o valor excedente — e ele chama-

294
se capitalista. O valor excedente é uma característica essen-
cial do modo de produção capitalista; é o fim para que é diri-
gida a actividade do capitalista e no qual ele vê a razão da
sua actividade.

A Fábrica

Vejamos agora a maneira como os primeiros capitalistas


tentaram aumentar os seus lucros. De início, costumavam
comprar o produto acabado aos produtores individuais, mais
tarde começaram a tomar parte directa na supervisão da
produção. Esta supervisão assumiu várias formas. Por
exemplo, o empresário obrigava os artesãos a realizar al-
gumas das operações mais caras ou mais complexas, tais
como a tinturação dos tecidos, em instalações suas, sob a
sua supervisão directa. Mais tarde ainda podia concentrar
todas as operações de um tipo específico de produção em
instalações suas, sob a sua supervisão directa. Mais tarde
ainda não podia concentrar todas as operações de um tipo
específico de produção em instalações especiais sob a sua
supervisão directa. Esta última etapa levou ao aparecimento
de manufacturas, instituição primitiva da produção capitalista
que estava espalhada pela Europa no fim do século XV e que
ia predominar até ao século XVIII: por isso se chama a este
período «o período das manufacturas». Este nome deriva da
expressão latina manu facio (feito com a mão), porque
todas as operações essenciais nestas manufacturas eram
feitas à mão pelo trabalhador com a ajuda dos pequenos
utensílios manuais. Se o capitalista fazia com que todo o tra-
balho, isto é, todas as operações necessárias para a prepa-
ração de um dado produto fosse feito em instalações sob a
sua supervisão, a manufactura era considerada centralizada;
se, pelo contrário, o capitalista contratava homens indivi-
duais que trabalhavam nas suas oficinas, este tipo de manu-

295
factura era chamada dispersa. Finalmente, existia um ter-
ceiro tipo, na qual algumas operações de produção eram rea-
lizadas nas oficinas de artesãos individuais e o resto em ins-
talações que pertenciam ao empresário sob a sua supervisão
e administração.

O Aparecimento de uma Classe de Trabalhadores Assa-


lariados

Os três tipos de manufacturas acima descritos eram todos


empresas capitalistas, porque aqueles que nelas trabalhavam
eram trabalhadores assalariados, que vendiam a sua força de
trabalho ao capitalista, o qual explorando esta força de tra-
balho obtinha para si um valor excedente, a parte principal
do seu lucro. A sede do lucro era a força motora que estava
por trás de todas as empresas dos capitalistas e este lutava
sempre por aumentá-lo, tentando pagar ao trabalhador o
menos possível e obrigando-o a produzir o mais possível. No
que se refere ao primeiro objectivo, o capitalista tinha inte-
resse em garantir que houvesse o maior número possível de
pobres na cidade, privados de meios de produção e de sub-
sistência, que, por isso, eram obrigados a vender a sua força
de trabalho, a única coisa de que podiam dispor. Quantos
mais houvesse, menos o capitalista tinha de lhes pagar como
salário. Assim, para elevar a produtividade de trabalho dos
trabalhadores assalariados o dono da fábrica determinou uma
detalhada divisão de trabalho: cada trabalhador realizava
uma só operação, o que significava que se habituava a um só
e mesmo movimento a ser executado com os mesmos instru-
mentos.

Estes trabalhadores de especialidade em breve passaram


a executar a sua parte no processo de produção com mais
rapidez e podiam, assim, realizar um maior número de ope-
rações em certo período de tempo do que o artífice medieval

296
que realizava sozinho todos os passos do processo da pro-
dução, que envolvia várias operações que requeriam todas
elas movimentos diferentes.

Outro factor que desempenhou um papel importante na


elevação da produtividade do trabalho foi o aperfeiçoamento
dos utensílios usados na produção. Quanto melhores fossem
os utensílios utilizados pelos trabalhadores da manufactura,
quanto mais adequados à única operação que tinham de exe-
cutar, menos tempo gastariam nela e mais produziam. Natu-
ralmente que era do interesse dos donos das manufacturas
adquirir utensílios aperfeiçoados e conseguir por este meio
maiores proventos.

O novo modo de produção prometia grandes lucros a


todos aqueles que nele investissem o seu capital, e, por isso,
o número de manufacturas aumentou rapidamente. Cada
dono de uma manufactura tinha em geral um vizinho que
competia com ele, tentando produzir melhores produtos e
mais baratos, porque essa era a única maneira de se sentir
seguro apesar da competição. O modo capitalista de pro-
dução, por isso, deu origem a grandes aperfeiçoamentos dos
instrumentos de produção e a uma revolução nas técnicas de
produção. A introdução de novas técnicas aperfeiçoadas
pelos primeiros capitalistas no interesse de obterem o lucro
máximo, foi uma característica progressista deste modo de
produção. A necessidade de processos de produção eficientes
levou as pessoas a pensar em substituir as mãos humanas
por máquinas que executassem operações semelhantes mas
com mais velocidade e precisão. Tudo isto levou ao apareci-
mento da máquina, à substituição da manufactura pela fá-
brica e teve como resultado o enorme progresso técnico tí-
pico da idade moderna. Os primitivos manufactureiros inten-
sificaram o trabalho dos seus trabalhadores assalariados me-
lhorando a organização das suas empresas, treinando melhor
os trabalhadores, em resultado do que muitos deles se tor-

297
naram peritos no seu ofício, e, finalmente, introduzindo me-
lhores instrumentos de trabalho.

O aparecimento do novo modo capitalista de produção


teve consequências históricas e anunciou uma nova era na
história da humanidade. Estas consequências fizeram-se
sentir pela primeira vez na catástrofe que caiu sobre todos os
pequenos produtores tanto nas cidades como nas aldeias. As
massas trabalhadoras da cidade e do campo converteram-se
em pouco tempo cm proletários empobrecidos, isto é, pes-
soas que, privadas dos meios e dos instrumentos de pro-
dução e dos meios de subsistência, eram obrigadas a viver,
vendendo a sua força de trabalho.

As Primeiras Acumulações de Capital

Para que a exploração dos trabalhadores assalariados se


tornasse possível era necessário que a grande massa de
camponeses e artífices fosse privada dos instrumentos e
meios de produção e dos meios de subsistência e fosse obri-
gada a viver vendendo a sua força de trabalho. Na verdade,
este fenómeno precedeu o aparecimento do modo capitalista
de produção em todo o Mundo. Foi através de expropriações
que expulsaram os camponeses das terras, através da ruína
e do empobrecimento dos artífices, que todos os meios de
produção — a terra, os instrumentos de produção, e, por-
tanto, os meios de subsistência dos trabalhadores — aca-
baram por se concentrar nas mãos de uma minoria de capi-
talistas, que dispunham a seu bel-prazer, não só de tudo o
que tinham tirado às massas trabalhadoras mas também dos
trabalhadores que tinham sido obrigados a vender-lhes a sua
força de trabalho.

A evolução desta primeira acumulação de capital pode re-


constituir-se com mais facilidade em Inglaterra, país que re-

298
presenta um modelo clássico de desenvolvimento capitalista.
Por causa da sua abundante pluviosidade, a Inglaterra era
rica de viçosas pastagens. Durante séculos, os Ingleses ti-
nham prosperado criando gado e vendendo lã à Flandres,
onde era transformada em tecidos. À medida que a procura
dos têxteis aumentou, a lã encareceu e, no final do século
XV, comerciantes ingleses começaram a organizar as suas
próprias manufacturas para a produção de tecidos de lã. A
procura de lã aumentou mais e os representantes da classe
dominante inglesa, para expandirem a sua lucrativa produção
de lã começaram a expulsar os seus camponeses das suas
terras, a cercar a terra assim adquirida para que ninguém a
pudesse usar, e a transformá-las em terras de pasto. Vezes
houve em que aldeias inteiras foram destruídas, e os campo-
neses, que ficaram arruinados, depois de perderem as suas
terras dirigiram-se às cidades para procurarem trabalho nas
manufacturas.

A Expropriação dos Camponeses

O notável erudito inglês do século XVI, Thomas More, es-


creveu que na Inglaterra «os carneiros estão a comer as pes-
soas». Em meados do século XVIII, o campesinato como
classe tinha desaparecido no país. A terra estava nas mãos
dos senhores, poderosos proprietários de terras, que a alu-
gavam a lavradores para que estes a trabalhassem com a
ajuda de jornaleiros assalariados. Foi assim que o modo de
produção capitalista se tornou predominante na agricultura
inglesa.

O progresso económico foi conseguido à custa da ruína


dos pequenos produtores e como as manufacturas não po-
diam, particularmente nos primeiros tempos, absorver toda a
massa de camponeses expulsos da terra, muitos foram obri-
gados a vaguear pelo país à procura de trabalhos ocasionais,

299
e se não o encontrassem, tinham de se entregar à mendici-
dade, ao roubo e à pilhagem. A resposta do governo foi a
promulgação de duras leis contra a vagabundagem. A forca
era a pena para o roubo de coisas tão pouco importantes
como um leitão. De acordo com uma lei promulgada por Edu-
ardo VI em 1547, todos aqueles que não quisessem trabalhar
podiam ser escravizados por quem os denunciasse. Alguns
podiam ser chicoteados e acorrentados e obrigados a traba-
lhar assim. Se um trabalhador se ausentasse por duas se-
manas sem autorização, era reduzido à escravatura por toda
a vida e gravavam-lhe na fronte a letra S; se fugisse pela
terceira vez era enforcado como criminoso.

A Ruína dos Artesãos

Embora a sorte dos camponeses expulsos das suas terras


fosse cruel a dos artífices não era melhor. O número cada
vez maior de manufactura em muitas esferas da indústria
levou inevitavelmente à ruína artífices, que se revelaram in-
capazes de competir com as manufacturas que podiam pro-
duzir mercadoria mais barata e de melhor qualidade. Os artí-
fices foram obrigados a fechar as suas oficinas e, se tivessem
sorte, podiam trabalhar como assalariados em manufacturas,
ou juntavam-se ao rebanho de vagabundos e pobres.

A Pilhagem Colonial

Depois de terem provocado o empobrecimento do seu


próprio campesinato, as classes dirigentes inglesas (particu-
larmente os sectores que estavam directamente ligados à
produção capitalista, isto é, os proprietários de terra que se
tinham tornado capitalistas e os donos das manufacturas,
que queriam ser admitidos nas fileiras da nobreza), incitados

300
por uma insaciável sede de riqueza, voltaram-se para as co-
lónias. Foi nesta altura que surgiram as políticas coloniais das
potências europeias, o colonialismo com todos os seus hor-
rores — a escravização de povos estrangeiros, o roubo des-
carado e a expropriação das suas riquezas. Primeiro, os Es-
panhóis e os Portugueses, e depois os Ingleses, voltaram o
seu olhar esfaimado para as terras recentemente desco-
bertas. Os cruéis e implacáveis «hidalgos» Espanhóis e Por-
tugueses devastaram literalmente a América Central, os In-
gleses liquidaram grande número de nativos da América do
Norte e os Holandeses penetraram no Sudeste da Ásia.

Os Holandeses que de início tinham ficado para trás dos


seus rivais Ingleses e Espanhóis, em breve compensaram o
tempo perdido. A história do colonialismo holandês do século
XVII fornece um exemplo clássico de uma primitiva potência
colonial com o seu recorde de traições, subornos, assassínios
e baixa crueldade. Os colonialistas holandeses chegaram ao
ponto de raptar homens na ilha de Celebes para os levar
para Java, tendo-se formado destacamentos especiais para
raptos com esse fim. Os ladrões, os mercadores e os intér-
pretes eram os principais instigadores deste comércio de
seres humanos, seus irmãos, enquanto os colegas nativos
eram os principais negociantes.

O sistema colonial tornou possível um rápido crescimento


do comércio e da navegação. «Companhias de monopólio co-
mercial» constituíram poderosas alavancas para a concen-
tração de capital. As colónias forneceram ao número sempre
crescente de manufacturas, bons mercados, e o monopólio
destes mercados levou a uma acumulação intensificada de ri-
quezas. Fortunas adquiridas nas colónias pelo saque, pela es-
cravização das populações nativas e pelo assassínio entraram
nos cofres das companhias comerciais, fornecendo novo ca-
pital que servia para a exploração dos trabalhadores nos
países colonizadores de origem que estavam a ser, pouco a

301
pouco, reduzidos à pobreza no decurso do processo da acu-
mulação primária. O sistema colonial que persistiu até há
pouco submeteu os povos escravizados a uma exploração im-
piedosa: para garantir uma organização eficaz e ininterrupta
desta exploração, os colonialistas asseguraram-se de que a
população das novas possessões vivesse na pobreza e na ig-
norância, convencidos de que quanto piores fossem as condi-
ções de vida dos povos coloniais, tanto mais baixos salários
eles teriam de pagar pelo seu trabalho. Assim, os colonia-
listas obstruíram o desenvolvimento industrial das colónias,
obrigando os povos nativos a produzirem matérias-primas
para a indústria europeia e a comprarem os artigos manufac-
turados produzidos nas metrópoles. Este tipo de exploração
continuou durante séculos e os exploradores coloniais do
passado, (da Espanha, da Inglaterra, da Holanda e da
França), foram em muitos lugares substituídos por monopó-
lios dos Estados Unidos.

A Formação da Burguesia e do Proletariado

O advento do capitalismo trouxe alterações fundamentais


à estrutura da sociedade. Apareceram duas novas classes, a
burguesia industrial, os donos dos meios de produção, e o
proletariado que não os possuía e era obrigado a vender a
sua força de trabalho.

O Absolutismo

Entretanto, as monarquias politicamente limitadas ce-


deram o lugar às monarquias absolutas — árbitros entre a
antiga classe dominante dos nobres proprietários de terras e
a burguesia, e defensores de ambas as classes contra os mo-
vimentos revolucionários das massas populares, expostas à

302
exploração de ambos os grupos. A burguesia estava a ganhar
cada vez mais poder económico, mas ainda não era suficien-
temente forte para lutar com a antiga classe dominante, pelo
poder. O poder continuava nas mãos dos nobres, mas a mo-
narquia centralizada, numa tentativa para aumentar as suas
rendas, apoiou os capitalistas e a burguesia, à medida que
estes consolidaram o seu poder; ao mesmo tempo, a bur-
guesia procurou o apoio da monarquia absoluta, que lhe ga-
rantia as condições para uma competição eficaz nos mer-
cados externos e lhe dava subsídios para as manufacturas,
promovendo a sua expansão.

Em alguns Estados europeus, grandes ou pequenos, ia


aparecer uma monarquia deste tipo. Mesmo na Inglaterra
dos Tudors (1485-1603), os monarcas gozavam de poderes
excepcionais, apesar da existência do Parlamento. Contudo,
o crescimento da burguesia e da sua riqueza significava o fim
da era da nobreza. Utilizando para seu proveito o desconten-
tamento das massas populares, a burguesia começou a as-
pirar ao poder. A era das revoluções burguesas já não vinha
longe.

O Início da Reforma na Alemanha

A primeira, fracassada, revolução burguesa deu-se na Ale-


manha. Inicialmente assumiu a forma de uma revolta contra
a Igreja Católica — a máscara ideológica dos interesses da
nobreza — que, aproveitando-se do caos político num im-
pério dividido em muitos pequenos Estados, sem que um go-
verno central forte lhe barrasse o caminho, podia ver na Ale-
manha a principal fonte dos seus rendimentos. Por isso,
quando o desenvolvimento do capitalismo estava na sua pri-
meira fase, os burgueses alemães começaram a protestar
contra as inúmeras exigências materiais feitas à população

303
tanto pelo clero local, particularmente pelos bispos pode-
rosos, e pelo principal bastião da Igreja, o papado.

Martinho Lutero

A burguesia alemã, através do seu porta-voz Martinho Lu-


tero (1483-1546) protestou contra as exorbitantes exigências
materiais, e contra o papado, exigindo a subordinação da
Igreja ao governo secular. Um amplo movimento espalhou-se
pela Alemanha e mais tarde veio a ter o apoio das massas
populares. Contudo, o povo exigia não só modificações nas
questões da Igreja mas também amplas reformas sociais,
que minavam a própria base da sociedade feudal. Em alguns
casos apareceram ideias ainda mais radicais, referentes à re-
organização da sociedade e de acordo com a «justiça de
Deus», ideias que reflectiam as noções ainda mal definidas
das massas populares — particularmente os antecessores
imediatos do proletariado alemão —, em relação à possibili-
dade de igualdade social.

A Grande Guerra dos Camponeses

Uma alargada revolta das massas camponesas — a


grande guerra dos camponeses — estalou em 1524, que pelo
seu alcance e pelo seu extremo radicalismo logo alarmou a
burguesia a tal ponto que ela se dissociou do movimento, se
aliou à nobreza e tratou de participar na cruel repressão que
pôs fim ao movimento no ano seguinte. Em consequência, as
únicas mudanças introduzidas foram todas as referentes à
Igreja: ao lado da Igreja Católica surgiu uma Igreja Luterana
com rituais muito mais simples, menos cerimónias, menos
sacramentos e maior ênfase à Bíblia, que Lutero traduziu do
latim para alemão, tornando-a assim muito mais acessível

304
aos leigos. Estas reformas da Igreja não só não conseguiram
eliminar a sociedade feudal com pelo contrário serviram para
a consolidar. As terras e a propriedade da Igreja foram con-
fiscadas pelos príncipes, que foi quem mais ganhou com a re-
forma, enriquecendo à custa da Igreja. A Alemanha conti-
nuou a sofrer da mesma falta de unidade política, enquanto o
poder do imperador cada vez se ia tornando mais efémero.

A Revolução nos Países Baixos

A primeira revolução burguesa que teve êxito foi a revolta


nos Países Baixos contra a Espanha. Este país que tinha uma
economia avançada, havia permanecido sob o domínio espa-
nhol desde o século XV.

No início do século XVI, a produção das manufacturas já


tinha atingido um alto nível: no Sul, na Flandres, no Bra-
bante, e, no Norte, nas províncias de Holanda e da Zelândia,
etc., a criação de gado, a pesca (sobretudo do arenque) e a
construção de barcos estavam bastante desenvolvidas. An-
tuérpia era um grande centro do comércio internacional.

Os Países Baixos estavam divididos em dezassete provín-


cias, todas representadas nos Estados gerais. No entanto, o
país era dominado pelos habsburgos, imperadores alemães e
reis espanhóis, representados localmente por um regente es-
panhol.

O desacordo entre o avançado desenvolvimento econó-


mico deste país onde o capitalismo já tomava forma e a reac-
cionária Espanha feudal, particularmente no reinado do faná-
tico Filipe II, ia levar a terríveis consequências. A burguesia
dos Países Baixos adoptou o protestantismo e fez tudo para
preservar as suas liberdades e privilégios, incluindo o de go-
verno próprio. Entretanto, Filipe torturava, queimava hereges
e preparava-se para reafirmar o poder espanhol. Conduziu as

305
suas tropas para os Países Baixos com a intenção de pôr fim
a todas as aspirações de autogoverno.

Isto deu origem a uma nova e muito forte vaga de des-


contentamento que ia abranger não só a burguesia e o povo
mas também a nobreza, que receava que o seu papel na ad-
ministração e na exploração do povo fosse tomado pela no-
breza espanhola, que o país em geral tivesse o mesmo des-
tino que as colónias espanholas da América.

A oposição transformou-se logo numa revolta aberta que


ia durar de 1566 a 1609, quando as províncias do Norte, che-
fiadas pela Holanda, se libertaram do domínio espanhol e es-
tabeleceram a República das Províncias Unidas, indepen-
dente, ou simplesmente República de Holanda. Só as provín-
cias do Sul continuaram a pertencer à Espanha e tinham uma
existência precária, enquanto a Holanda, o primeiro país a
fundar um sistema colonial, tinha atingido o apogeu do seu
poder económico em 1648, e constitui realmente o modelo
do estado capitalista do século XVII. As massas populares
nesta altura estavam sujeitas a duras condições de trabalho
e a opressão social era muito forte, mas na verdade era esta
a sorte reservada aos povos de todos os Estados que em
toda a parte se desenvolviam em linhas capitalistas.

Assim, vimos que a fase inicial do desenvolvimento capi-


talista do trabalho artesanal da ordem feudal levou a altera-
ções fundamentais na sociedade e na estrutura do Estado:
apareceram duas novas classes — a burguesia e o proleta-
riado; a luta de classes assumiu uma forma mais complexa
que, por sua vez, levou ao aparecimento das monarquias ab-
solutas. As alterações que se deram nos domínios de religião,
da ciência e da cultura, por outras palavras, na superestru-
tura ideológica da sociedade, não foram menos importantes.

306
O Humanismo e o Renascimento

A nova classe burguesa — os organizadores da produção


capitalista tanto nas cidades como no campo — precisava de
elevar o nível da produtividade do trabalho nas suas em-
presas e de produzir mais, mercadoria melhor e mais barata,
para competir com êxito com os seus rivais. Por isso, era im-
portante saber mais acerca das qualidades das matérias-
primas utilizadas; em resumo, tornou-se necessário um co-
nhecimento mais preciso da natureza e das suas leis.

O início da era capitalista foi marcado pelo desenvolvi-


mento de um novo clima intelectual e cultural conhecido por
Renascimento. O Renascimento, a Era do Humanismo, surgiu
ligado ao aparecimento de um modo de produção novo, o
modo de produção capitalista, e da classe burguesa. O pro-
gresso e a expansão económica vibraram um golpe mortal na
velha filosofia medieval defendida na Europa Ocidental pela
Igreja Católica, que tentou transferir as esperanças de uma
ordem social justa para a outra vida, ensinando que o
homem, durante a sua passagem pela terra, devia pôr todas
as suas esperanças no Senhor. Agora, os empresários bur-
gueses tinham começado a pôr as suas esperanças na sua
própria energia, na sua iniciativa, no seu engenho, e era o
homem, e não Deus, que a nova filosofia humanista ia pôr no
centro. O nome de Renascimento dado ao período em que a
filosofia humanista se espalhou pela Europa reflecte o facto
de ela ter representado um «renascer» de cultura clássica.
Os humanistas redescobriram as grandes realizações cientí-
ficas e, especialmente, artísticas dos gregos e dos romanos e
fizeram tudo para as imitar e, sobretudo, no campo da ci-
ência, continuar o que eles tinham feito.

As primeiras sementes de cultura humanista apareceram


na Itália, e em breve a cultura burguesa começou a fazer rá-
pidos progressos noutros países europeus. Factor que muito

307
contribuiu para a expansão desta nova cultura foi a desco-
berta da imprensa em meados do século XV por Johann Gu-
tenberg, na Alemanha.

Na transição de cultura religiosa da Idade Média para a


nova cultura humanista apareceu a notável figura do poeta
florentino Dante Alighieri (1265-1321). A sua famosa Divina
Comédia foi escrita em italiano e este facto em si teve um
significado vital. Nos séculos XIV e XV formou-se uma consci-
ência nacional em muitos países e os escritores humanistas,
apesar do seu impecável domínio das línguas clássicas e do
facto de escreverem os seus tratados científicos em latim,
voltaram-se para as suas línguas nativas quando escreveram
obras literárias.

As obras dos escritores humanistas iam tentar reflectir a


vida que os rodeava; os temas preferidos eram os seculares;
preferiam o povo comum aos cavaleiros idealizados. Entre a
brilhante plêiade de poetas, escritores e dramaturgos deste
período que foram universalmente celebrados estavam Fran-
cesco Petrarca e Giovanni Boccacio, na Itália; François Rabe-
lais, na França; Ulrich von Hutten, na Alemanha; Erasmo de
Roterdão, nos Países Baixos; Miguel Cervantes, em Espanha,
e William Shakespeare, em Inglaterra.

O período do Renascimento também assistiu a um grande


florescimento de arte. Pintores e escultores que aderiram aos
princípios realistas reflectiram fielmente o mundo em que vi-
viam, exaltando a beleza do corpo humano e a nobreza do
espírito humano (Leonardo da Vinci, Miguel Angelo, Rafael,
Ticiano, Velásquez, Rembrandt, etc.).

Foi também uma época de grandes descobertas cientí-


ficas. A visão do mundo dos humanistas, era empírica, e
foram os cientistas desta época que lançaram as bases das
ciências naturais modernas (Cardano e Galileu), da mecânica
(Leonardo da Vinci e Galileu), da astronomia (Copérnico e
308
Galileu), da anatomia e da filosofia (Vesálio e Harvey) e da
interpretação materialista da natureza (Francis Bacon, Gior-
dano Bruno).

Em política, os humanistas apoiavam um poder estatal


centralizado que assegurasse a manutenção da lei e da
ordem. Atacavam a Igreja Católica que ensinava que a
ordem feudal, tal como o mundo em geral, eram criados por
Deus e, portanto, qualquer protesto contra a ordem existente
era pecaminoso.

A Reforma

Muitos países que se tinham começado a desenvolver em


linhas capitalistas introduziram reformas na Igreja. Sepa-
raram-se da Igreja Católica Romana, recusaram-se a reco-
nhecer o Papa como chefe da Igreja, tornando-o subordinado
aos dirigentes temporais, aos reis, príncipes ou governos das
cidades, e adaptando mais os seus ensinamentos aos inte-
resses da burguesia. Notável nesta reforma foi Calvino, que
pregava que os comerciantes e empresários que prospe-
ravam tinham a salvação garantida na outra vida, enquanto
os trabalhadores deviam trabalhar conscientemente para os
seus senhores, pois só assim se podiam tornar, por sua vez,
prósperos proprietários.

Calvino justificava a escravatura e o colonialismo e todos


os males que surgiam no processo da acumulação primária.

Todos os países com economias progressistas adoptaram


a religião protestante. Na maior parte da Europa, a nova reli-
gião foi adoptada quer sob a forma da doutrina de Lutero na
nova Igreja Luterana Alemã que apoiava o governo dos prín-
cipes, quer sob a forma da doutrina do reformador suíço

309
Zuínglio, que adoptou a sua doutrina aos interesses do co-
mércio urbano e da burguesia industrial.

Todas as tentativas da Igreja Católica para reconquistar o


seu antigo poder falharam. A Ordem dos Jesuítas, fundada
em 1540, apesar da casuística, da agilidade mental e da sua
inteligente insinuação, só teve sucesso em alguns países
(Alemanha, Polónia, Lituânia) em reconduzir algumas ovelhas
perdidas de novo para o redil, depois de terem caído na he-
resia (como os católicos chamavam ao protestantismo).

Capítulo IX - A América nas Vésperas da Con-


quista Europeia

Os Povos da América Central

Quando a América foi descoberta e conquistada pelos co-


lonizadores europeus estava povoada por numerosas tribos
índias cujo nível de desenvolvimento social e cultural variava
consideravelmente. Alguns deles tinham atingido um alto
nível civilizado, enquanto outros viviam em sociedades extre-
mamente primitivas.

A cultura maia, a mais antiga que se conhece no conti-


nente americano, desenvolveu-se no Noroeste da América
Central. Inicialmente centrava-se nas costas do Lago Petén
Itzá e na região a Sudoeste, ao longo do vale do rio Usuma-
cinta (Norte da Guatemala e do Estado mexicano moderno de
Tabasco). Mais tarde, contudo, o centro da cultura maia ia
deslocar-se para a península do Yucatão, onde no século X
surgiram as cidades-Estado do Chichen-Itzá, Mayapan,

310
Uxmal e outras, entre as quais se iam travar contendas du-
rante vários séculos.

A composição da sociedade maia, no período do seu de-


clínio (séculos X a XV) estava longe de ser homogénea. A no-
breza e os sacerdotes constituíam as camadas dominantes. A
nobreza possuía as plantações de cacau, as colmeias e os de-
pósitos de sal e tinha muitos escravos. Havia também uma
classe especial de comerciantes. Os habitantes de cada povo-
ação viviam numa comunidade que mantinha várias caracte-
rísticas da sociedade de clã. O povo comum era obrigado a
trabalhar nos campos dos nobres e a pagar-lhes uma renda
em géneros e também a construir estradas, templos, as
casas dos nobres e outros edifícios. Os escravos, que eram
prisioneiros de guerra, criminosos, devedores e órfãos, eram
utilizados para o trabalho mais pesado. Assim, ao mesmo
tempo que mantinha algumas instituições típicas da socie-
dade de clã, a vida nas povoações maias começava a revelar
várias características de uma sociedade esclavagista.

A cultura maia exerceu uma influência considerável nos


povos vizinhos. A agricultura, a criação de abelhas, os ofícios
e o comércio estavam desenvolvidos e florescia uma arte al-
tamente original (arquitectura, escultura e pintura). Houve
realizações espantosas na matemática e na astronomia. No
início da nossa era foi inventada uma escrita hieroglífica — a
primeira escrita do continente americano.

Os vizinhos dos Maias incluíam os Zapotecas, os Olmecas


e os Tetonacas. A costa nordeste do México era habitada
pelos Huastecas que, embora falassem uma língua maia, não
tinham atingido nada que se possa chamar um avançado
grau de cultura.

No México Central, conhecido naqueles tempos por vale


Anáhuac (que significava «Terra de água» na língua nativa),
a cultura tolteca fez notáveis progressos na segunda metade
311
do primeiro milénio d.C. Grandes cidades cresceram (a maior
das quais era Teotihuacan) com edifícios e escultura monu-
mentais e um comércio desenvolvido. Este povo também
tinha uma escrita e um calendário, ambos baseados na es-
crita e no calendário maias.

A civilização tolteca foi eliminada no início do segundo mi-


lénio d.C. como resultado de invasões do vale Anáhuac por
aguerridas tribos nahua. Uma das mais importantes destas
tribos neste período eram os Culhuas, cuja cidade central.
Culhuacan, estava situada na costa sul do lago Texcoco.
Outra importante cidade-estado era Texcoco na costa oriental
do Lago. No final do século XIV e no início do século XV, os
Tepanecs atingiram um lugar de destaque e conseguiram
subjugar Culhuacan, Textcoco e os Estados súbditos desta no
vale Anáhuac. Também conquistaram Tenochtitlan, situada
numa ilha no lago Texcoco e fundada cerca de 1325 pelos
Aztecas (que pertenciam ao mesmo grupo de tribos, falavam
uma língua nahua e tinham vindo para o vale no século XII).

Em 1426, os Aztecas de Tenochtitlan formaram uma ali-


ança com as tribos texcoco e tlacopan (estas vinham das
costas ocidentais do lago). Depois de derrubarem o domínio
tepaneca, os aliados começaram a guerrear contra as tribos
vizinhas e acabaram por conseguir obter controlo sobre todo
o vale Anáhuac. Em breve, os Aztecas se tornaram líderes da
aliança e no curso de várias guerras que se seguiram subme-
teram todo o México. A acrescentar a estes feitos militares
também assimilaram a cultura complexa que se tinha desen-
volvido nessa altura no vale Anáhuac. Esta cultura floresceu
no início do século XV depois de os Aztecas de Tenochtitlán
se terem afirmado como principal tribo da América Central.

A base da agricultura azteca era o cultivo que era possível


por sistemas de irrigação. As principais colheitas eram o
milho que crescia bem, apesar dos métodos agrícolas extre-

312
mamente atrasados baseados inteiramente no trabalho ma-
nual. Também se cultivava feijão, abóboras, tomate, cacau,
algodão e tabaco. Os ofícios mais importantes dos Aztecas
eram a cerâmica, a tecelagem, o fabrico de artigos de metal.
As técnicas de construção estavam bastante avançadas, o
que possibilitou a este povo construir represas, canais e habi-
tações fortificadas feitas de tijolos rudes ou de pedra. Fa-
ziam-se trocas nos activos mercados de Tenochtitlán e outras
cidades.

Os aztecas viviam em clãs com chefes eleitos. A terra era


propriedade das comunas cujos membros a cultivavam. O
principal comandante militar dos aztecas (Tlacatecuhtli) que
era eleito de entre os membros de uma dada tribo era na
prática o supremo chefe de tribo tanto em tempo de paz
como na guerra. Também desempenhava importantes fun-
ções religiosas. O chefe azteca e o seu conselho exerciam o
controlo de todas as operações de guerra realizadas por
todos os membros da aliança. Engels descreveu a federação
chefiada pelos Aztecas como

«uma confederação de três tribos, que tinham


feito de algumas outras suas tributárias, e que
era governada por um conselho federal e um
chefe militar federal».

As constantes guerras travadas pelos Aztecas acabaram


por levar a uma desigual distribuição da propriedade, porque
os guerreiros que mais se distinguiam na batalha começaram
a receber mais do que os seus parceiros quando os despojos
eram distribuídos e o território conquistado era dividido entre
os vencedores. Muitas vezes aqueles que eram feitos prisio-
neiros depois da batalha eram obrigados a trabalhar como
escravos. À medida que esta desigualdade aumentou, alguns
dos aztecas tornaram-se escravos dos membros mais ricos
da sua própria tribo. A escravatura tornou-se uma instituição

313
essencial da sociedade azteca. O aparecimento de uma no-
breza de clã progrediu rapidamente e guerras incessantes
consolidaram o poder do supremo chefe, que na prática se foi
tornando hereditário.

Tudo isto testemunha a desintegração da estrutura de clã


da sociedade azteca. No final do século XV e no início do sé-
culo XVI, esta sociedade vivia uma transição gradual para
uma sociedade de classes com as formas apropriadas de
poder estadual.

Neste período a arte dos Aztecas atingiu um nível impres-


sionante, particularmente nos campos da arquitectura e da
escultura. Os Aztecas utilizavam um calendário solar ba-
seado, sobretudo, no calendário maia. A escrita estava ainda
na fase de formação nesta época e era do tipo pictográfico
incluindo alguns hieróglifos.

À medida que os últimos vestígios do sistema de clã ia de-


saparecendo gradualmente, a classe dominante azteca inten-
sificou a pilhagem e a exploração dos pobres da sua própria
tribo e dos escravos membros de povos submetidos. No
curso das numerosas guerras que travavam durante a maior
parte do século XV e no início do século XVI, os Aztecas não
só derrotaram os outros povos que habitavam o vale
Anáhuac, mas penetraram as montanhas até às costas do
golfo do México e à costa do Pacífico. Exigiram um tributo às
tribos conquistadas e por vezes tomaram parte das suas
terras e faziam grande número de prisioneiros. Muitos destes
prisioneiros eram sacrificados aos deuses aztecas, enquanto
os outros eram obrigados a trabalhar como escravos, a cul-
tivar a terra, a construir templos e outros edifícios ou traba-
lhando como escravos domésticos.

Esta maneira de tratar os povos submetidos levou a fre-


quentes revoltas e serviu para fortalecer a resistência por
parte das tribos que os aztecas tentaram submeter. A situ-
314
ação agudizou-se particularmente durante o reinado de Mon-
tezuma II (1503-1520) que tentou em vão impedir a desinte-
gração que se tinha iniciado.

Os Povos da América do Sul

As antigas civilizações da América do Sul desenvolveram-


se nos Andes, onde habitavam os Quechua, os Aymara e ou-
tros povos que atingiram um alto nível de desenvolvimento
— material e cultural. No século XV e no início do século XVI,
os Incas (que pertenciam ao mesmo grupo linguístico que os
Quechua) chefiados por Pachacutec. Tupac Yupanqui, e Hu-
anna Capac subjugaram algumas tribos daquela região e es-
tabeleceram um grande Estado, fazendo de Cuzco a capital.
Este Estado era chefiado pelo Sapa Inca («Único Inca»), que
se considerava filho do Sol e que era adorado como um deus.
A língua oficial do Estado inca era o quechua, dialecto que
era falado por muitas das tribos súbditas.

Os Incas estavam bastante avançados na agricultura, na


criação de gado, nos ofícios (fabrico de artigos de ferro, cerâ-
mica, tecelagem, etc.) e na arquitectura. Alcançaram êxitos
notáveis na matemática, na astronomia, na medicina e nou-
tras ciências, e usavam uma escrita hieroglífica. A construção
de estradas e comércio também estavam avançados.

A principal unidade social na terra dos incas era


o ayllu ou comuna, cujos membros trabalhavam juntos no
cultivo de terra e era distribuída pelas famílias individuais.
Contudo, o Sapa Inca era considerado dono de toda a terra;
uma grande parte das colheitas e dos produtos animais era
exigida para fins oficiais e religiosos.

As tribos indianas Pueblo (Hopi, Zuni, Tano, Keres, etc.)


que habitavam os vales do rio Grande do Norte e do rio Colo-

315
rado; os Tupi, os Guarani, os Caribans, os Arawaks e Caiapo
brasileiros nas bacias do Orenoco e do Amazonas; os aguer-
ridos Mapuche das pampas e das costas do oceano Pacífico
(chamados arancans pelos europeus); as tribos das várias
regiões dos actuais Peru e Equador — os Colorados, os Jí-
varos e os Záparos; as tribos de La Plata (diaguita, charrua,
querandi, etc.); os Tehuelche da Patagónia e os índios da Ti-
erra del Fuego (ona, yahgan, chono) — todos viviam em so-
ciedades primitivas em diferentes estádios de desenvolvi-
mento. Isto aplicava-se às numerosas tribos Índias e es-
quimós da América do Norte. Muitas destas tribos uniram-se
para formar grupos e alianças intertribais — os al-
gonkis, iroqueses, muskogi, sioux, athapascans, etc.

A Colonização da América

No final do século XV e no início do século XVI, o curso


natural de desenvolvimento dos povos da América foi inter-
rompido à força pelos conquistadores europeus, particular-
mente pelos conquistadores espanhóis.

Escrevendo acerca do destino da população nativa do con-


tinente americano, Engels notou:

«A conquista espanhola impediu qualquer de-


senvolvimento independente.»

A conquista e a colonização da América que foi de tão fu-


nestas consequências para os seus povos pode ser reconsti-
tuída em complexos processos socioeconómicos que então se
estavam a dar na sociedade europeia.

O desenvolvimento do comércio e da indústria e o apare-


cimento da burguesia e das relações de produção capitalista
no final do século XV e no início do século XVI, dentro da so-
ciedade feudal da Europa Ocidental, deu origem à necessi-
316
dade de abrir novas rotas de comércio e de conquistar as in-
calculáveis riquezas da Ásia Oriental e do Sul. Foi com este
objectivo que se empreenderam algumas expedições, parti-
cularmente pelos espanhóis. O papel de Espanha nas grandes
descobertas deste período pode ser explicado não só pela po-
sição geográfica mas também pela existência de uma nume-
rosa nobreza empobrecida que, depois de completada a ex-
pulsão dos Mouros (1492), não encontrava ocupação ade-
quada e procurava ansiosamente meios de adquirir riquezas,
sonhando com a descoberta da fabulosa «Terra dourada», do
Eldorado.

«Ouro foi a palavra mágica que levou os espa-


nhóis a atravessar o Atlântico», escreveu En-
gels. «Ouro» era a primeira coisa por que o
homem branco perguntava quando aportava a
uma costa desconhecida».

No início do século XVI, Colombo e outros marinheiros ti-


nham descoberto algumas das ilhas das Índias Ocidentais,
feito o mapa da costa norte e de uma parte considerável da
costa oriental da América do Sul e da maior parte da costa
das Caraíbas da América Central. Logo em 1494 foi feito o
Tratado das Tordesilhas entre a Espanha e Portugal para de-
finir as esferas de expansão colonial dos dois países.

Um grande número de aventureiros da península ibérica,


membros empobrecidos da nobreza, mercenários, crimi-
nosos, etc., partiram para as terras recentemente desco-
bertas. Por meio de traição e da violência tomavam as terras
à população local e proclamavam-nas possessões espanholas
ou portuguesas. Os conquistadores roubavam, escravizavam
e exploravam os índios e esmagavam cruelmente quaisquer
tentativas de resistência. Destruíram cidades e aldeias in-
teiras com bárbara crueldade. Como Marx diria:

317
«o saque e a violência era o único objectivo
dos aventureiros espanhóis na América do
Norte».

A febril ânsia de ouro incitou os conquistadores a desco-


brir cada vez mais terras. Em 1513, Balboa atravessou o
istmo de Panamá, então chamada «Castilla Dourada», e al-
cançou a costa do Pacífico; Ponce de Léon descobriu a penín-
sula da Florida, a primeira possessão espanhola da América
do Norte.

Alguns anos mais tarde a península do Yucatão foi desco-


berta e em 1521, Fernando Cortês conquistou finalmente o
México Central depois de uma guerra que durou três anos.
Tudo isto se fez à custa da antiga cultura dos Aztecas e de-
pois da total destruição da sua capital Tenochtitlán. Foi nesta
altura que Magalhães fez a viagem a longo da costa atlântica
do continente para o Sul de La Plata e pelo estreito que sepa-
rava o continente da Terra do Fogo.

Em breve os conquistadores e os seus homens iam voltar


a sua atenção para a América do Sul. No início de 1530, uma
expedição espanhola chefiada por Francisco Pizarro e Diego
de Almagro conquistou o Peru, arrasando a esplêndida civili-
zação inca. Esta conquista começou com a sangrenta re-
pressão dos índios indefesos na cidade de Cajamarca, pro-
cesso que foi iniciado pelo padre Valverde. O chefe Luca
Atahualpa foi feito prisioneiro por um sujo golpe e execu-
tado; a capital inca de Cuzco também foi tomada pelos con-
quistadores. Deslocando-se para o Sul, Almagro e os seus
homens penetraram num território a que mais tarde chama-
riam Chile (1535-1537). Aqui, contudo, encontraram-se pe-
rante os aguerridos araucans e sofreram reveses temporá-
rios. Entretanto, Pedro de Mendoza começara a colonização
de La Plata. Grande número de europeus também procurou
apoderar-se da parte norte da América do Sul, onde imagi-

318
navam que era o próprio Eldorado, rico em ouro e pedras
preciosas. Era à procura do Eldorado que as expedições es-
panholas conduzidas por Ordaz, Jiménez de Quesada, Benal-
cázar e destacamentos de mercenários alemães chefiados
pelos Alfinger, Von Speyer e Federmann se dirigiram cerca de
1530 para os vales de Orenoco e Madalena. Em 1538, Ji-
ménez de Quesada, Federmann e Benalcázar, marchando do
Norte, Leste e Sul, respectivamente, encontraram-se no pla-
nalto de Cundinamarca, perto da cidade de Bogotá.

Entretanto, o Brasil estava a ser colonizado pelos Portu-


gueses. Por volta de 1540, Orellana chegou ao Amazonas e
navegou por ele abaixo até à costa atlântica. Uma nova ex-
pedição ao Chile foi também empreendida na altura sob a
chefia de Pedro de Valdivia, mas no início dos anos cinquenta
só tinha conseguido capturar as partes do norte e do centro
do país.

A penetração nas partes centrais do continente sul-ameri-


cano pelos colonialistas espanhóis e portugueses continuou
durante a segunda metade do século XVI e a colonização de
algumas áreas, tais como o Sul do Chile e o Norte do México
ia levar ainda mais tempo. Contudo, Ingleses, Franceses e
Holandeses também estavam ansiosos por afirmar o seu di-
reito às vastas e ricas terras do Novo Mundo, e conseguiram
tomar terras na América Central e do Sul e nas Índias Oci-
dentais.

Capítulo X - O Estado Russo Centralizado do fim


do século XV ao início do século XVII. As Guerras
dos Camponeses

319
O Poder Crescente dos Nobres
No século XVI ocorreram importantes mudanças na estrutura da sociedade Russa. Embora a soci-
edade continuasse a ser feudal, dentro da classe dos nobres proprietários de terras estavam a ocorrer
muitas transformações. Anteriormente, os poderosos boiardos tinham sido os principais proprietários
de terras. Dentro deste grupo, os descendentes dos antigos príncipes eram particularmente ricos e in-
fluentes, pois possuíam grandes extensões de terra.

Quando se formou o Estado unificado, a posição dos po-


derosos boiardos tornou-se mais difícil, a passo que
os dvoryane (como passaram a ser conhecidos os ve-
lhos pomshchiki — nobres que recebiam terras em troca de
serviços prestados) começaram a prosperar. À medida que
os principados individuais perderam a sua antiga indepen-
dência, as propriedades dos boiardos e dos príncipes dimi-
nuíram e foram muitas vezes divididas, vendidas ou hipote-
cadas. O número dos dvoryane aumentou muito. Os boi-
ardos lutavam com os czares pelo poder e, na sua luta para
refrear o poder dos boiardos, os czares começaram a apoiar-
se cada vez mais nos dvoryane.

Os dvoryane também eram proprietários de terras mas


as suas propriedades eram diferentes das dos boiardos. As
enormes propriedades destes últimos eram bens hereditá-
rios, legados de pai a filho.

As propriedades dos dvoryane eram mais pequenas e


não eram transmissíveis: recebiam-nas directamente do czar
em troca de serviços militares. Se um membro
da dvoryanstvo deixasse de servir as forças do Estado
russo, as suas terras eram automaticamente confiscadas.

Isto significava que os dvoryane dependiam do czar da


Rússia. Estavam satisfeitos com este estado de coisas,
porque anteriormente, quando estavam dependentes dos pe-
quenos príncipes a sua posição tinha sido decididamente
menos favorável. Tinham sido apenas servos insignificantes
dos príncipes ou, o que era pior, servos dos servos dos prín-
cipes, e recebiam em troca pequenas propriedades. O bele-

320
guim do príncipe superintendia no seu serviço. Durante esse
período os dvoryane estavam completamente separados do
mundo exterior nos confins das longínquas propriedades.

À medida que os principados individuais se foram fun-


dindo num Estado russo unificado, a posição
dos dvoryane começou a melhorar consideravelmente. Os
czares da Rússia aceitaram grande número de dvoryane ao
seu serviço e deram-lhes propriedades. Uma vida completa-
mente diferente abriu-se aos dvoryane: valia-lhes muito
mais a pena servir um rico e poderoso czar russo. Este distri-
buiu grandes propriedades a mais camponeses, e estar ao
seu serviço era mais agradável — significava mais liberdade
de acção, ganhos materiais e prestígio social depois da rela-
tiva humilhação anterior. Foi nessa massa de dvoryane que
o czar Ivan IV (conhecido por o Terrível) se apoiou quando
procurou introduzir a ordem e controlo do Estado nos princi-
pados anteriormente independentes.

As Reformas de Ivan, o Terrível


Oprichnina

O grande território do Estado russo incluía os antigos prin-


cipados Russos independentes, e pouco tinha na realidade
mudado na administração e costumes de muitos deles. Os
descendentes dos antigos príncipes ainda exerciam poder
considerável nas províncias. Regiões isoladas dos antigos
principados ainda resistiam defendendo a sua independência,
dirigidas pelos boiardos e pequenos príncipes, que ainda ti-
nham destacamentos armados à sua disposição e foram para
a guerra com exércitos inteiros. Como anteriormente estes
príncipes costumavam dar pequenas propriedades aos seus
vassalos, fazendo publicar cartas com este fim, chamando-se
a si próprios soberanos e gozando de autoridade absoluta

321
sobre os destinos dos membros das comunidades ao seu ser-
viço. Como acontecera antes, o povo considerava mais o boi-
ardo local como seu senhor do que o czar. Todos estes fac-
tores minaram a autoridade da administração estatal centra-
lizada. Na própria Moscovo, os boiardos impediram que fosse
posta em prática a política do governo. Consideravam que o
sangue nobre os tornava iguais ao czar e não queriam sub-
meter-se a qualquer autoridade superior. Os príncipes mi-
naram a consolidação de um Estado centralizado, ameaçando
a sua própria existência. Desde o início do seu reino, Ivan
IV começou a procurar maneira de impor um governo central
forte.

Na sua luta contra os boiardos o czar voltou-se para


os dvoryane. Em 1564, quando decretou a oprichnina (um
complexo conjunto de medidas destinadas a consolidar a au-
tocracia) esta luta entrou numa fase decisiva.

Em 1564, Ivan deixou inesperadamente Moscovo em di-


recção a Alexandrovskaya Sloboda, perto do Norte da capital,
e anunciou aos boiardos que já não desejava ser o seu czar.
Exigiu deles uma autorização de dividir o seu reino em duas
partes, numa das quais governaria como quisesse. Uma das
suas primeiras tarefas seria escolher de entre os seus segui-
dores aqueles que desejava manter ao seu serviço e que
eram bons para o novo trabalho que os esperava.

O pedido do czar foi aceite e o Estado foi dividido em dois


reinos distintos e independentes — um Oprichnina e
um Zemshchina, estando o primeiro sob o seu governo pes-
soal. Ivan IV incorporou pouco a pouco nesta terra a melhor
metade do Estado, com suas ricas cidades e as melhores
rotas comerciais, expulsando os boiardos, privando-os das
propriedades hereditárias e mandando executar muitos
deles. Aqueles a quem não molestou foram expulsos para
a Zemshchina, onde ainda estava em vigor a velha organi-

322
zação dos boiardos. Ivan, o Terrível, instituiu mesmo aí, para
salvaguardar as aparências, um novo «czar», o tártaro Simão
Bekbulatovich que tinha muito medo do czar e cumpria obe-
dientemente todas as suas ordens. O czar escrevia-lhe deli-
beradamente petições formais, assinando o seu nome sem
qualquer título como se fosse um dos súbditos de Bekbulato-
vich. Na prática, porém, era Ivan IV que dominava sobre
todos.

Deste modo, foi seriamente minado o poder dos boiardos


nas províncias. Contudo, não foram privados da situação de
proprietários de terras privilegiadas. Os que sobreviveram ao
conflito com o czar ocupavam agora uma posição semelhante
à dos dvoryane e contentavam-se com quaisquer terras que
lhes dessem. O czar distribuiu as propriedades hereditárias
dos boiardos pelos dvoryane, a quem eram dadas muitas
novas propriedades muitas vezes com camponeses que eram
obrigados a trabalhar para eles.

A ambição dos que apoiavam Ivan não conhecia limites.


Apossavam-se dos bens dos boiardos e roubaram os cavalos,
as vacas e os cereais dos camponeses. Se os camponeses
oferecessem resistência eram assassinados. Um deles costu-
mava gabar-se:

«Parti com um cavalo e voltei com quarenta e


nove. Vinte e dois puxavam trenós cheios de
diversas mercadorias.»

Os oprichniki de Ivan (os dvoryane que tinham


apoiado Ivan IV quando ele estabeleceu o seu novo reino
da oprichnina) galopavam pelo território com uma cabeça
de cão e uma vassoura atadas às selas para significar que
podiam mostrar os dentes e tratariam os inimigos do seu so-
berano como cães e que varreriam a traição da terra.

323
Ivan IV realizou as suas reformas com impiedosa cruel-
dade. Não foi por coincidência que mais tarde as pala-
vras oprichnik e oprichnina vieram a simbolizar a arbitrari-
edade desenfreada dos cães leais à autocracia. A «justifi-
cação» desta instituição foi que ela eliminava o poder dos
boiardos nos seus antigos principados e substituía a velha
ordem pelo poder real do czar. Neste processo, os nobres
menores a quem foram dadas terras em troca dos seus ser-
viços e que constituíam o principal apoio do czar iam consti-
tuir um grupo social muito mais poderoso. Foram eles que
construíram o reino de Ivan.

A Servidão

À medida que o poder dos dvoryane aumentou a posição


dos camponeses piorou. As suas obrigações para com os
seus senhores aumentaram muito, assim como os poderes
dos proprietários de os obrigar a trabalhar. Anteriormente os
camponeses tinham a possibilidade de mudar de senhor e de
ir em alturas do ano específicas estabelecer-se numa nova
região. Ivan IV ia mudar tudo isto: a altura em que os cam-
poneses tinham autorização de mudar de senhor ficou res-
tringida à semana do Dia de Santo Yuri (26 de Novembro),
que era no fim da estação agrícola e assim significava um
mínimo de perdas para os proprietários.

No final do reinado de Ivan, o Terrível, este antigo direito


foi abolido. Gradualmente os proprietários ligaram os seus
camponeses à terra e a servidão enraizou-se.

A Anexação da Bacia do Volga e da Sibéria Ocidental

324
Não longe das fronteiras orientais do Estado russo havia
um rio largo e facilmente navegável, o Volga, que constituía
uma excelente via de ligação para o Oriente — para a Pérsia
e para a Turquia e ainda mais longe pela via do mar Cáspio.
Contudo, os russos ainda não controlavam o rio em toda a
sua extensão. Depois da desintegração da Horda Dourada, os
Tártaros tinham estabelecido dois khanatos junto do Volga,
com um centro em Kazan e outro Astrakan.

Em 1552, Ivan, o Terrível, marchou sobre Khazan com um


grande exército de 150 000 soldados e 150 canhões. As
tropas russas cercaram a cidade e desta vez o equipamento
militar russo era superior ao dos tártaros. Os engenheiros
russos cavaram covas sob os muros da cidade, encheram-se
com caixas de pólvora e depois fizeram-nas explodir. As
tropas entraram então na cidade através das fendas que ti-
nham aberto nos muros. Ivan, o Terrível, entrou triunfante a
cavalo na cidade. Quatro anos mais tarde as tropas de Ivan
iam obter outra vitória, sobre o khanato de Astrakan. Desta
maneira, a Rússia estendeu o seu poder sobre a bacia do
Volga e pôde, assim, abrir uma nova rota comercial impor-
tante, bem como fortalecer as suas fronteiras orientais. No
Sul, as fronteiras da Rússia estendiam-se até aos troços infe-
riores do Terek e às colinas do sopé do Cáucaso. Kabarda
passou voluntariamente para a protecção da Rússia e em
meados do século XVI seguiu-se-lhe a Bachkiria.

Para além dos Urais ainda existia o khanato siberiano,


abrangendo parte da Sibéria Ocidental, incluindo os vales dos
rios Tobol e Irtych. Os comerciantes de Novgorod costu-
mavam vir até estas paragens em busca de peles. No século
XVI, este território era governado por Khan Kuchum, que ex-
plorava os habitantes locais e lhes exigia tributo na forma de
peles. Os dvoryane russos da família Stroganov que se ti-
nham vindo estabelecer naquelas regiões ajudaram o Estado
russo a entrar na posse do khanato siberiano. Reuniram uma

325
pequena força de cossacos livres que tinham fugido da
Rússia para evitar a opressão nas mãos dos Boiardos e pu-
seram-nos, assim, como a vários grupos de homens do seu
séquito armado sob o comando de Yermak Timofeyevich, for-
necendo-lhes pólvora, balas, canhões e cereais. A força con-
junta de Yermak era de 800 homens. Com esta pequena
força ia ocupar vastos territórios.

Em 1581, Ivan, o Terrível, deu aos Stroganovs uma carta


que os autorizava a conquistar a Sibéria. Os homens de
Yermak desceram as encostas orientais dos Urais e atacaram
o khanato siberiano. Os Tártaros não conseguiram lutar
contra as armas de fogo das tropas russas. Yermak venceu,
mas não conseguiu regressar da Sibéria. Afogou-se no rio
Irtych quando ia a fugir de um ataque nocturno feito pelos
Tártaros. Parte da população da Sibéria prestou vassalagem
à Rússia, de livre vontade, e no final do século XVI come-
çaram a surgir por ali aldeias russas.

Mais tarde, no século XVII, a Sibéria Oriental também foi


incorporada no Estado russo, de maneira que nesta altura
este incluía a parte oriental da Europa e estendia-se muito
para além dos Urais. Durante o reinado de Ivan, o Estado
crescera consideravelmente em tamanho e em poderio.

O Desenvolvimento Cultural e a Introdução da Im-


prensa

Os séculos XV e XVI assistiram a importantes progressos


culturais na Rússia, com o centro em Moscovo.

Durante o reinado de Ivan, o Terrível, foi introduzida em


Moscovo a primeira imprensa, o que significava que a pro-
dução de livros se tornava um processo muito mais rápido e
barato.

326
O primeiro impressor de Moscovo foi Ivan Fyodorov (que
morreu em 1583). Um dos primeiros livros a ser publicado foi
uma edição de «Os Actos dos Apóstolos», impressa em es-
crita eslava ornamental.

Esta primeira imprensa provocou a ira daqueles que copi-


avam livros à mão, porque viram nesta descoberta um peri-
goso rival, que lhes iria tirar o ganha-pão. Destruíram a im-
prensa e Ivan Fyodorov foi obrigado a fugir. Pouco de-
pois Ivan, o Terrível, arranjou maneira de estabelecer de
novo a imprensa, mas desta vez mais perto da sua corte em
Alexandrovskaya Sloboda. Mais tarde foi exigido um monu-
mento a Ivan Fyodorov em Moscovo não longe do Kremlin,
perto do local da sua primeira imprensa.

Os ofícios também prosperaram nesta altura na Rússia,


sobretudo a moldagem do ferro. Um dos mais famosos mol-
dadores de ferro foi Andrei Chokhov (que morreu cerca de
1631) que trabalhava na fundição de canhões de Moscovo.
Cada um dos seus canhões era de forma diferente; eram
postos em moldes de cera e eram armas extremamente efici-
entes. A cada canhão era dado um nome especial, como
Urso, Lobo, Raposa ou Aquiles. Os mais famosos eram o ca-
nhão Czar que ainda está no Kremlin de Moscovo. Pesa qua-
renta toneladas e a sua rica decoração inclui a figura do czar
a cavalo — daí o seu nome.

Muitos dos edifícios construídos durante esse período iam-


se tornar exemplos famosos da arquitectura russa. Incluem a
magnífica catedral de S. Basílio que ainda hoje valoriza a
Praça Vermelha. A igreja foi construída por ordem de Ivan, o
Terrível, para comemorar a tomada de Khazan. Consiste num
grupo de torres de capelas coroadas por cúpulas; todas as
capelas estão ligadas por meio de passagens abobadadas e
têm galerias em volta das paredes. Cada uma das cúpulas
está decorada de maneira diferente, com padrões em zigue-

327
zague e ondulados. No entanto, todas se harmonizam num
todo encantador e inimitável que é um prazer contemplar.

Um famoso engenheiro russo da época foi Fyodor Kon,


que construiu muitas fortificações famosas na segunda me-
tade do século XVI. Foi ele que planeou os muros e torres
que fechavam a Cidade Branca (a área que ocupam as ac-
tuais avenidas), fazendo assim de Moscovo uma fortaleza.
Também superintendeu na construção das fortes muralhas e
torres de Smolensk, projecto que precisou do trabalho de
seis mil trabalhadores. No fim do século XVI, a Torre de Ivan,
o Grande, foi elevada a uma altura de 75 metros dentro dos
muros do Kremlin de Moscovo. Esta torre tão elevada é im-
pressionante por uma grande simplicidade de linhas e pelas
suas proporções elegantes. Foi utilizada como campanário e
torre de observação: sentinelas vigilantes estavam postadas
na galeria superior para se assegurarem de que não havia
inimigos a aproximarem-se de Moscovo.

A Guerra dos Camponeses Chefiada por Ivan Bolot-


nikov

O início do século XVII foi marcado por grandes agitações


camponesas, maiores do que alguma vez tinha havido na
Rússia. As explosões de revolta seguiam-se umas às outras e
estes anos ficaram na história como o «Tempo das Perturba-
ções». A mais significativa destas explosões foi a revolta
camponesa conduzida por Ivan Bolotnikov (morto em 1608).

Bolotnikov era um servo ao serviço do príncipe Telya-


tevssky. Na sua juventude fugira do seu senhor, tendo de-
pois sido feito prisioneiro pelos Tártaros sendo depois ven-
dido aos turcos.

328
Depois de alguns anos de trabalho esgotante como es-
cravo nas galeras, fugiu da Turquia para Veneza.

Enquanto esteve em Veneza, Bolotnikov ouviu dizer que


tinham estalado na Rússia grandes revoltas camponesas. O
descontentamento popular tinha sido grande, desde o rei-
nado do filho de Ivan IV, Fyodor (1584-1589). Estas revoltas
continuaram durante a regência de Boris Godunov que mais
tarde foi eleito czar, pois Fyodor morreu sem deixar her-
deiros. Durante o reinado de Boris Godunov (1598-1605)
houve uma terrível fome na Rússia que durou três anos. As
pessoas ficaram reduzidas a comer cascas das árvores, gatos
e cães. Multidões de camponeses fugiram dos seus senhores,
a consequência imediata foi a formação de grandes bandos
de camponeses sem lar que atacavam os dvoryane e os
mercadores. Alguns pretendentes iam aparecer em cena
apresentando direitos ao trono. O protegido dos nobres po-
lacos era um antigo monge Grigoy Otrepyev que afirmava ser
o filho de Ivan, o Terrível, Dmitry. Cognominado o Preten-
dente, foi aclamado czar da Rússia pelos nobres polacos. En-
tretanto, ocorriam cada vez mais revoltas populares por todo
o país.

Bolotnikov era um opositor declarado da escravatura e


defendia os interesses do povo comum. Era um homem de
recursos, inteligente e corajoso na arte da guerra. Acabou
por voltar à Rússia pela Alemanha e pela Polónia e, em 1606,
tornou-se no líder dos camponeses revoltosos. Os campo-
neses oprimidos reuniram-se em volta dele.

Bolotnikov andou a aliciar pelo país exortando os campo-


neses a pegarem em armas contra os proprietários:

«Deixai os boiardos e os proprietários, pilhai


as suas casas, apoderai-vos dos seus bens.
Vingai-vos dos senhores das terras, servos do
czar, aprisionai-os.»
329
Outro líder camponês se lhe juntou, Ileika Muromets,
campeão dos moradvinianos do vale do Volga também se su-
blevaram. Reinava o descontentamento entre os Bachkirs nas
colinas do sopé dos Urais e entre os Kalmuks da região As-
trakan. Os servos camponeses eram a força impulsionadora
da revolta; procuravam pôr fim à escravidão e à opressão
feudal. Bolotnikov incitou os camponeses a livrarem-se dos
boiardos e apoderarem-se das suas terras e bens e a divi-
direm tudo entre si. Declarou os camponeses livres da ser-
vidão feudal e isto tornou-se o principal motivo da revolta.

O exército de Bolotnikov marchou sobre Moscovo e esta-


beleceu-se perto da cidade. O novo czar Vassily Chuisky
(1552- 1612) partiu a dar-lhes batalha.

Perto de Moscovo houve traição no exército de Bolotnokiv.


Alguns dvoryane de Ryazan que até aí o tinham apoiado
passaram-se para o lado de Vassily Chuisky. Bolotnikov foi
obrigado a retirar de Moscovo e a reunir as suas forças perto
de Tula. Chuisky pôs cerco a Tula em Junho de 1607. Em Ou-
tubro começou a haver fome em Tula, contudo os seguidores
de Bolotnikov resistiram. Então o czar ordenou que fossem
fechados os diques do rio Upa, que atravessava a cidade. O
rio inundou a cidade e em Outubro a cidade rendeu-se. Ar-
rancaram os olhos a Bolotnikov e afogaram-no. A revolta foi
ferozmente esmagada.

A Luta do Povo Contra os Nobres Polacos e Suecos no


Início do Século XVII

Incapaz de enfrentar os camponeses revoltosos com o seu


exército, o czar Vassily Chuiski decidiu pedir ajuda ao rei da
Suécia. Na Primavera de 1609 entraram em Novgorod tropas
estrangeiras com brilhantes armaduras de aço. Eram forças
enviadas pelo rei sueco, e eram constituídas por quinze mil

330
mercenários suecos, alemães, franceses e ingleses. Pouco
depois tinham conquistado toda a província de Novgorod.

Nesta altura a Polónia era muito hostil à Suécia. Logo que


as tropas suecas atravessaram a fronteira russa, foram
também mandadas para a Rússia tropas polacas, porque os
nobres polacos estavam ansiosos por exigir a sua parte dos
despojos. Os polacos penetraram até ao interior da Rússia e
na aldeia de Kluchino (entre Moscovo e Smolensk) as tropas
de Chuisky foram derrotadas.

Em Julho de 1610, os boiardos moscovitas derrubaram


Chuisky, obrigaram-no a tornar-se monge e começaram a
lutar pelo poder. Finalmente, decidiram eleger um príncipe
estrangeiro para czar — Vladislau, de quinze anos, filho do
rei polaco Sigismundo III (1587-1632).

Entretanto, forças polacas avançavam sobre Moscovo. Du-


rante falhou em absoluto. Juraram vassalagem a Vladislau na
catedral de Uspensky e abriram os portões da cidade aos no-
bres polacos. No Outono de 1610, tropas polacas ocuparam
Moscovo e os seus senhores da guerra iam tomar-se os
novos governantes do pais. Foi também o nadir da infelici-
dade de Moscovo. Moscovo, a capital do reino, estava nas
mãos de conquistadores estrangeiros: os nobres polacos es-
tabeleceram-se no Kremlin, formaram a sua guarda e apode-
raram-se das chaves da cidade. Proibiram os camponeses
das aldeias vizinhas de entrarem na cidade e instituíram uma
hora de recolher à noite. Os soldados polacos iam às aldeias
vizinhas, apoderavam-se dos cereais, dos gados e incomo-
davam os camponeses. Os nobres polacos roubaram muitas
coisas valiosas do tesouro do czar e começaram a apoderar-
se de grandes propriedades para si e para o seu séquito. O
rei polaco Sigismundo tomou Smolensk e outras cidades das
fronteiras ocidentais da Rússia, enquanto os Suecos ocu-
pavam Novgorod.

331
A Resistência Popular Chefiada por Minin e Pojharsky

Os invasores estrangeiros estavam a desmembrar o Es-


tado russo. Tinha de se fazer alguma coisa antes que fosse
demasiado tarde. Só um movimento popular muito amplo
podia pôr fim a este triste estado de coisas. O povo su-
blevou-se nesta altura. A resistência popular começou nas ci-
dades do Norte da Rússia e ia centrar-se, dentro de pouco
tempo, na cidade de Njini Novgorod junto do Volga. O movi-
mento foi organizado pelo presidente da Comuna de Njini
Novgorod, Kozma Minin (que morreu em 1616). Era preciso
um grande exército para expulsar os invasores polacos e
para manter tal exército era preciso muito dinheiro. Minin
exortou o povo:

«Não poupeis nada, não podemos hesitar em


vender as nossas casas, alugar as nossas mu-
lheres e filhos e juntar dinheiro para pagar aos
soldados.»

De todas as partes do país os homens traziam a Minin di-


nheiro, objectos valiosos e víveres. O povo sacrificou os seus
últimos haveres. Muitas cidades mandaram destacamentos
armados respondendo ao apelo de Minin, e em breve se
reuniu um grande exército popular.

O experimentado comandante, príncipe Dmitry Pojharsky


(cerca de 1578-1642) foi escolhido para chefiar o exército. A
organização da campanha e o tesouro estavam nas mãos de
Minin. Em 1612, as forças russas marcharam para Yaroslav,
onde se lhe juntaram forças de outras cidades.

Em breve, notícias alarmantes chegaram a Minin e a


Pojharsky. Grandes destacamentos de polacos bem equi-
pados de armas e víveres e chefiados pelo hetman Chodki-

332
ewicz partiu para ajudar os Polacos em Moscovo. Perante
esta notícia, Minin e Pojharsky conduziram os seus homens
para Moscovo a toda a pressa.

Havia nessa altura muitos destacamentos camponeses e


de cossacos acampados perto de Moscovo, visto que se es-
tavam a dar numerosas revoltas camponesas. De início,
estes camponeses não estavam dispostos a entender-se com
os homens de Pojharsky, parte deles afastaram-se de Mos-
covo, mas o resto acabou por juntar-se à campanha comum
contra os invasores estrangeiros. Estes reforços decidiram o
resultado da luta. Chodkiewicz foi obrigado a recuar e os Po-
lacos estabelecidos em Moscovo não tinham ninguém para
quem se voltar. O exército de Minin e Pojharsky cercou Mos-
covo. No final de Novembro, os Polacos foram derrotados de
uma vez para sempre e expulsos da cidade. Tal foi a ignomi-
niosa conclusão do seu ataque à Rússia, onde foram derro-
tados pelos esforços combinados do povo propriamente dito.

Capítulo XI - A Ásia nos Séculos XVI e XVII

A Índia

Os principais Estados que se formaram na península in-


diana dos séculos XVI e XVII foram o império moslem dos
Grãos Moguls, ao Norte, e o império hindu do Vujayanagar,
ao Sul. Cada um destes impérios consistia em alguns princi-
pados individuais e tinha o seu centro político. Apesar da he-
terogénea composição étnica e religiosa destes principados,
estavam ligados por um estrutura económica e social
comum.

333
Estes dois impérios seguiram diferentes cursos de desen-
volvimento económico. No Sul floresceram cidades comer-
ciais. As comunas originais desintegraram-se, dando lugar a
uma grande número de pequenas propriedades feudais cujos
donos alugavam parcelas de terreno aos camponeses nas pi-
ores condições. Os bens destes pequenos proprietários de
terras eram encarados como uma forma de pagamento efec-
tuado pelo soberano, o supremo proprietário, a troco do ser-
viço militar. Eram excepção neste sistema geral de proprie-
dade da terra pelo Estado as grandes propriedades que per-
tenciam aos templos e as pequenas e médias propriedades
que faziam parte dos membros da casta brâmane. A ausência
de propriedade privada universal da terra e a manutenção
dos privilégios dos príncipes, apesar da existência de um
poder estatal forte e de um aparelho administrativo organi-
zado iam determinar a história do império vijayanagar.

No final do século XVI, a desintegração gradual do império


estava completa.

Os acontecimentos seguiram um rumo muito igual no


Norte da Índia. Aqui, o perigo constante da guerra e a neces-
sidade de manter grandes sistemas de irrigação levaram à
consolidação de um governo forte central, o que também foi
importante no que se refere às cidades, pois elas dependiam
do comércio interno. Era no Norte que se ia formar o maior,
o mais avançado e centralizado Estado da Índia medieval —
o império dos Grãos Moguls. Um factor que ia desempenhar
um importante papel no desenvolvimento deste império foi o
estabelecimento de novas rotas comerciais por terra no sé-
culo XVI, uma vez que os piratas portugueses tinham fir-
mado o seu ascendente no mar. Igualmente importante foi a
necessidade de consolidar o domínio dos governantes
moslem num país onde a massa da população aderiu à fé
hindu e onde os governantes hindus eram mais numerosos
que os governantes moslem.

334
O Império Mogul

Estas condições possibilitaram ao governante e talentoso


chefe militar Kabul Babur obter considerável sucesso em
quebrar a resistência tanto dos príncipes Moslem como dos
príncipes Hindus no Norte da Índia, e fundou um Estado que
veio ser conhecido na Europa por Império Mogul (1526).

Babur não viveu o suficiente para criar um forte aparelho


de estado e um sistema eficiente de exploração económica:
isto foi realizado pelo enérgico governante Sher Shah (1539-
1545). Todos os que se dedicavam à agricultura dependiam
directamente do Estado; cada camponês tinha de pagar ao
Estado um imposto fixo. No reinado de Cher Chah foram
abolidos alguns direitos alfandegários internos, o sistema
monetário foi aperfeiçoado, foram construídas importantes
estradas e foi estabelecida uma complexa rede de adminis-
tração centralizada. Proprietários ao serviço do imperador
foram submetidos a uma supervisão pelo Estado e as suas
fileiras tornaram-se muito mais unidas à medida que as dife-
renças sociais entre os Moslems e os Hindus diminuíram.

A consolidação da classe dos proprietários de terras e o


estabelecimento de um sistema administrativo claramente
definido davam aos Moguls a possibilidade de começar a tra-
balhar para a unificação de toda a Índia. A unidade histórica
e cultural necessária já existia e as diferenças de língua e de
desenvolvimento económico desempenhavam agora um
papel menos significativo de que anteriormente. Akbar (1656
- 1605) reinou sobre todo o norte da Índia e sobre a metade
norte do Sul da Índia.

Como resultado destas conquistas surgiu uma classe hí-


brida de senhores feudais proveniente de representantes
tanto dos povos conquistadores como dos povos conquis-

335
tados, de Moslem e Hindus. A política do Estado, que tinha
como objectivo consolidar o poder central, obteve um grande
apoio entre os membros inferiores desta classe independen-
temente das suas crenças religiosas; os mais leais defen-
sores do governo mogul entre eles eram os rajputs, que
eram hindus. Os comerciantes das cidades do Norte da Índia
também eram a favor da unificação.

A unificação fez avançar consideravelmente o progresso


económico. A introdução de um imposto fixo levou a nítido
avanço do desenvolvimento das terras dos camponeses e do
artesanato urbano e das aldeias. Nas aldeias, as comunas
camponesas desapareceram praticamente; surgiram por todo
o país dois novos grupos para as substituir, uma minoria
próspera e uma classe de camponeses sem terras que culti-
vavam as terras que lhes alugavam. Contudo, o desapareci-
mento das tradições de comunas foi um processo relativa-
mente lento que teve lugar quando os artigos produzidos
pelos artesãos das cidades entraram nas aldeias e vieram a
substituir o trabalho dos artesãos da comuna.

O desenvolvimento das grandes cidades do Norte da Índia


dependia em grande medida de serem ou não centros admi-
nistrativos. Os senhores feudais reunidos nos centros admi-
nistrativos, que traziam consigo os seus séquitos e servos, e
ainda o que é mais importante, os seus costumes, o que en-
corajou o desenvolvimento do comércio. Quase em toda a
parte, o artesanato urbano atingiu um alto nível de aperfei-
çoamento e os padrões sociais da administração urbana vi-
eram, pouco a pouco, a assemelhar-se aos do autogoverno.

O povo das cidades vinha frequentemente protestar


contra os cânones de casta da desigualdade social. O mais
importante dos movimentos religiosos que defendiam uma
reforma foi o movimento brakti que defendia a ideia da igual-
dade perante Deus e o papel decisivo do esforço pessoal na

336
redenção da alma do homem (o que implicava uma negação
do papel dos brâmanes). Os bhaktas usavam exclusivamente
meios pacíficos na sua campanha.

Muito mais radicais eram os objectivos da seita hindu


sikh, cujos principais adeptos eram, mais uma vez, ricos ha-
bitantes das cidades, pouco dispostos a reconciliar-se com a
sua baixa posição de casta. Embora inicialmente este movi-
mento também se limitasse a utilizar métodos não violentos
e fosse tolerado pelos Moguls, os sikhs acabaram por ir mais
longe nas suas exigências de igualdade social e recorreram à
força. Movimentos semelhantes surgiram também entre o
povo Moslem das cidades, por exemplo, o movimento mah-
dista.

Na primeira metade do século 16, os Mahdistas, que pre-


gavam a vinda iminente do reino de justiça e igualdade eco-
nómica, passaram ao protesto activo, contando com o apoio
dos pobres urbanos. Contudo, foram logo esmagados.

Os movimentos de reformas deste período também se es-


palharam pelas aldeias, sendo o mais significativo o movi-
mento rochanita entre os camponeses do Afeganistão. Ao
contrário dos Sikhs ou dos Mahdistas, os Rochanitas er-
gueram-se contra o estrato feudal superior da sociedade do
Afeganistão num esforço para manter as comunas. Este mo-
vimento foi, finalmente, extinto no século XVII.

Neste período de grande perturbação interna, o governo


feudal introduziu algumas reformas que até certo ponto im-
pediram os movimentos de oposição recorrerem à luta ar-
mada. Estas reformas asseguraram métodos mais uniformes
de exploração do trabalho, a consolidação dos padrões feu-
dais da propriedade da terra e um aparelho de estado centra-
lizado. Foi estabelecido em todo o país um imposto individual
a ser pago em dinheiro. Inicialmente isto tornou a vida mais
fácil para os camponeses; porém, os enormes conjuntos de
337
impostos que o Estado tinha recentemente criado tornaram
possível introduzir impostos mais pesados e isto, aliado ao
facto de que eles tinham de ser pagos em dinheiro, cedo
levou a um empobrecimento em massa dos camponeses.
Isto, por sua vez, acabou por minar o poderio do Império
Mogul visto que o Estado, que possuía a terra, não pôde co-
brar grande parte dos impostos aos camponeses agora po-
bres.

Na segunda metade do século XVI, os senhores feudais ao


serviço do Estado foram privados de muitos dos direitos de
exploração directa dos camponeses, a quem se cobravam os
impostos por intermédio dos cobradores do governo central.
O sistema de propriedade condicional da terra na Índia Mogul
daquela época tornava praticamente impossível que tais pro-
priedades acabassem por se tornar propriedade permanente.
Este sistema levou a um amargo ressentimento entre os se-
nhores feudais, os quais, contudo, não utilizavam a revolta
aberta até que foi feita uma tentativa para substituir o rendi-
mento que tiravam da terra por salários. Esta última medida,
inadequada àquela fase do desenvolvimento económico da
Índia, foi revogada, mas a propriedade condicional da terra
permaneceu em força. Ao mesmo tempo foram concedidos
direitos iguais aos Hindus e aos Moslems e fez-se uma tenta-
tiva efémera para introduzir uma religião universal. Todas
essas medidas serviram para unir as fileiras dos senhores
feudais, levando a uma consolidação da sorte dos campo-
neses.

Tudo isto, por sua vez, serviu para enfraquecer o poder


tanto da máquina do Estado como as forças armadas. Esta
fraqueza reflectiu-se claramente nas relações com as potên-
cias europeias. Comerciantes portuguesas conseguiram
tomar posições fortes em algumas cidades costeiras, en-
quanto companhias inglesas, holandesas e francesas estabe-

338
leceram postos de comércio fortificado em várias partes do
país.

A China nos Séculos XVI e XVII

A China desenvolveu-se lentamente sob a dinastia ming.

No início do século XVI, o sistema de parcelas de terra


atribuídas aos camponeses, que surgiu ao mesmo tempo que
a propriedade estatal da terra, começou a desintegrar-se.
Novos proprietários de terras ao serviço do Estado, pode-
rosos senhores feudais e os próprios imperadores estabele-
ceram novas propriedades e para aumentar a terra arável
das suas possessões expulsaram os camponeses das suas
terras, contratando-os mais tarde em péssimas condições. A
sede de terra obrigou os camponeses a tornarem-se arrenda-
tários, que pagavam renda aos proprietários e impostos ao
Estado. Pela terra que ainda tinham fora das terras dos pro-
prietários os camponeses também pagavam impostos. Os
proprietários de poucos ou moderados meios também es-
tavam sujeitos aos impostos. Uma grande parte destes im-
postos tinha de ser paga em dinheiro e a usura instalou-se
na vida rural. Estes desenvolvimentos iam começar a espa-
lhar-se em larga escala só no início do século XVI, e durante
os primeiros 150 anos do período ming as questões internas
do país estiveram relativamente calmas. Houve revoltas, so-
bretudo, entre os povos em minoria (os não-Han) que es-
tavam sujeitos a uma opressão particularmente cruel.

O desenvolvimento de relações de dinheiro nas aldeias e o


poder crescente dos usurários foi acompanhado do cresci-
mento de indústrias caseiras camponesas, de guildas de ofí-
cios nas cidades e nas aldeias e de indústria e manufacturas
do estado. Fabricaram-se armas de fogo e apareceram os
primeiros jornais durante este período. Marinheiros chineses

339
apreenderam a viajar pelo mar alto para novas terras. No sé-
culo XVI, os europeus dirigiram-se ao Império Chinês e a cul-
tura europeia começou a afirmar-se na China.

A política externa dos governantes ming nos séculos XVI e


XVII foi de carácter defensivo e em muitos aspectos fazia
lembrar a dos governantes sung. Houve repetidas invasões
mongóis do Norte, ataques japoneses do Leste, e no início do
século XVII os manchus começaram a avançar do Nordeste
para a China.

Em breve a situação tornava-se extremamente perigosa,


mas o conflito entre representantes de vários grupos dentro
da classe dominante impediu que se tomassem quaisquer
medidas activas. Factor que também complicava a situação
era a crescente resistência por parte dos camponeses à
também crescente exploração.

Os funcionários administrativos das camadas mais baixas


e médias do aparelho burocrático do Estado ergueram-se
contra os poderosos proprietários e contra os grupos irres-
ponsáveis de cortesãos e eunucos. Contudo, as suas tenta-
tivas de revolta (feitas pelo grupo Tung-lin e por outros) e
1567, 1620 e 1628 acabaram num fracasso. Na época, não
houve revoltas populares em larga escala e consequente-
mente a necessidade de reformas não se fez premente.

Os próprios reformadores não procuraram o apoio das


massas, preferindo pôr as suas esperanças na boa vontade
do imperador. Alguns imperadores introduziram individual-
mente várias reformas propostas pelas camadas mais baixas
e médias de classe com terras; porém, estes reforços foram
em vão, embora já fossem exigidas medidas por volta de
1630, momento em que o conflito interno estava já muito es-
palhado e havia uma crescente agitação entre os campo-
neses.

340
A Guerra dos Camponeses na China

Em 1628, pouco depois de outro imperador reformista não


ter conseguido restringir o poder dos proprietários, revoltas
camponesas isoladas começaram a evoluir para uma guerra
em larga escala. A união de vários grupos camponeses
tornou-se mais fácil visto que um grande corpo de forças go-
vernamentais na altura, estava ocupado em repelir ataques
dos Manchus na fronteira norte. Por volta de 1636, a revolta
tinha adquirido tais dimensões que os proprietários do sé-
quito do imperador foram obrigados a tratar de modos dife-
rentes a questão dos camponeses. Por um lado, esmagaram
cruelmente as revoltas, onde foi possível, por outro lado, ti-
veram de fazer várias concessões. Contudo, em 1639, a re-
volta espalhou-se com mais força do que anteriormente. Sob
o comando de Li Tzu-chieng, os revoltosos derrotaram o
exército imperial e tomavam a capital, proclamando Li Tzu-
chieng imperador.

Ao contrário dos movimentos camponeses de períodos an-


teriores, a revolta de 1639 - 1644 teve como resultado o es-
tabelecimento de um sistema de administração estatal cen-
tralizada tanto para as questões militares como para as ques-
tões civis e o governo camponês fez sérias tentativas para
controlar a economia do país. Os revoltosos em breve obti-
veram o controlo das partes baixa e central do vale do rio
Amarelo. A população a Sul do Yangtzé pouco participou na
revolta (o Sul também não era um bastião do exército impe-
rial e do séquito dos nobres). Os nobres poderosos puseram
as suas esperanças no exército de Wu Sang-hui que então
estava (acampado) na fronteira norte, repelindo os ataques
manchus.

Temendo confiar na sua própria força, os nobres chineses


chefiados por Wu Sang-hui traíram os interesses do seu país
341
para preservarem os seus privilégios e fizeram uma aliança
com os Manchus para derrubarem o novo poder camponês.
As forças unidas de Wu Sang-hui e dos Manchus conseguiram
expulsar os revoltosos da capital e seus arredores. Depois de
os Manchus entrarem na capital declararam o seu chefe Im-
perador da China. A sul do rio Yangtzé, os nobres chineses
proclamaram Imperador outro membro da dinastia ming. Os
revoltosos camponeses continuaram a resistir mas a sua
força estava a declinar. Depois de Li Tzu-chieng e os seus
homens terem sofrido algumas derrotas, o aparelho adminis-
trativo do Estado e o exército de camponeses foram destro-
çados e o povo das cidades e os pequenos proprietários hesi-
tantes, abandonaram o campo dos revoltosos. Em 1645, Li
Tzu-chieng foi morto. A sua morte marcou o início de uma
era de reacção feudal e de um opressivo domínio dos impera-
dores manchus.

O Sudoeste Asiático nos Séculos XVI e XVII

No início do século XVI, os Estados da maioria dos povos


mais numerosos desta região tinham ocupado mais ou
menos o mesmo território que hoje. Isto no que se refere aos
povos da Indonésia, do Vietname, do Burma, de Thai e do
Laos. Nas Filipinas e na Malásia não tinham ainda surgido es-
tados com centros definidos, e havia lutas constantes entre
os seus pequenos príncipes.

A maioria dos estados do Sudeste Asiático eram de tipo


feudal avançado. Em todos eles, a terra pertencia ao Estado,
existia uma burocracia feudal e estava a formar-se uma
classe de proprietários de terras. As características típicas
destes Estados eram a presença constante de comunas bem
estabelecidas e as práticas correspondentes, importantes sis-
temas de irrigação, ausência de grandes impérios centrali-
zados e um único centro cultural, económico e militar.
342
Estes Estados feudais podem dividir-se em três tipos. O
primeiro incluia Estados feudais avançados tais como o Viet-
name e a Indonésia Central onde a agricultura desenvolvida
numa área limitada levou a um excesso de população rural e
ao aparecimento de complicados tipos de exploração feudal.
Campanhas militares chefiadas pelos monarcas destes Es-
tados tiveram como resultado anexações, colonização parcial
de novas terras e muitas vezes a assimilação dos povos con-
quistados.

Os Estados do segundo tipo eram igualmente Estados feu-


dais muito ligados, tais como Camboja ou Sião, onde havia
grandes extensões de terra por cultivar e onde, por isso, os
camponeses servos representavam uma valiosa fonte de ri-
queza. As guerras nestes Estados eram em geral travadas
mais por causa dos camponeses, que eram destacados às
centenas de milhares, do que por causa da terra, e a proprie-
dade da terra pelo Estado foi menos minada pela expansão
das grandes propriedades.

O terceiro tipo incluía o Estado burmês de Ava, o Estado


laociano de Lan Xang, os sultanatos das Filipinas e da penín-
sula de Malaca e os da Malaia ocidental. Na maior parte
destes estados a administração estatal ainda era dirigida por
grupos de senhores feudais descendentes dos chefes tribais,
os padrões feudais de agricultura ainda não estavam particu-
larmente avançados e uma grande parte da população ainda
vivia, sobretudo, de acordo com as tradições tribais.

O Estado de Daiviet

Entre estes Estados, aqueles que tinham alcançado o es-


tádio superior de desenvolvimento económico eram o Estado
vietnamita de Daiviet e o Estado indonésio de Majapahit. No
século XIII, o Estado Daiviet conseguiu repelir três invasões

343
mongólicas. As reformas introduzidas no final do século XV
estabeleceram firmemente a propriedade estatal da terra e o
papel dos escalões inferiores e médios da burocracia. O sé-
culo foi marcado por um rápido desenvolvimento económico
e cultural no Estado centralizado vietnamita e por uma consi-
derável expansão territorial para o Sul e Ocidente. No século
XVI a agricultura de comuna começou a desintegrar-se, ce-
dendo o lugar às pequenas e médias propriedades que per-
tenciam aos senhores da terra. No final do século XVI e na
primeira metade do século XVII, o poder central e o poder
dos burocratas que recebiam remunerações pelos seus ser-
viços enfraqueceu gradualmente. O século XVII, assistiu ao
aparecimento de dois centros principais no Estado de Daiviet,
um no Norte, outro no Sul. Depois de uma longa luta, o país
foi dividido em dois Estados bastante centralizados que conti-
nuaram independentes sob o poder norminal da dinastia Lé.

O Império Majapahita

A história da Indonésia tomou um curso muito diferente.


Este Estado cresceu com centro na ilha de Java, onde o im-
pério majapahita fora estabelecido desde o final do século XII
(de 1293 até aproximadamente à segunda década do século
XVI).

A formação de um Estado unificado, que incorporava a


maior parte da Indonésia e tinha como centro Java, foi facili-
tada pelo rápido desenvolvimento dos elos comerciais e cul-
turais entre as várias ilhas indonésias e também pelo facto
de que Java se tornou fonte de abastecimento de arroz de
muitas das outras ilhas que por sua vez o produziram, sobre-
tudo, para exportar. Java manteve um império unido, em pri-
meiro lugar estabelecendo laços políticos e dinásticos entre
as várias partes do império, e mais tarde através da sub-
missão militar de todos os outros estados do arquipélago.
344
No curso destes desenvolvimentos salientou-se um
homem de Estado, talentoso, Gadjah Mada, que se ia tornar
o verdadeiro chefe do império majapahita de 1328 a 1364.
Depois de uma série de longas guerras conseguiu pôr em
prática uma política de unificação no interesse dos senhores
feudais de Java. Conquistou a parte ocidental de Java, parte
da costa de Sumatra, a parte sul da península de Malaca, as
ilhas Bangka e Mentawai, as costas norte e sul de Kali-
mantan, as ilhas Banda, as Molucas e outras ilhas. Em todas
estas áreas, os chefes feudais tornaram-se vassalos do im-
pério majapahita. O aparecimento de padrões feudais de
agricultura levou a uma divisão precisa da terra em parcelas
comunais, dos templos, concedidas ou privadas (no caso dos
nobres mais poderosos). Entre a classe dos senhores feudais
apareceu logo um grupo de poderosos proprietários de terras
que ocupavam lugares importantes na corte e que em geral
eram parentes do chefe, enquanto, por outro lado, também
havia uma grande multidão de proprietários de terras, cujos
direitos lhe advinham de serviços prestados ao Estado. O
grande aparelho de Estado central era destinado a assegurar
uma rigorosa supervisão na distribuição das terras que eram
a principal fonte de rendimento do Estado. Instrumentos de
coacção tais como tribunais ou serviços de polícia foram cui-
dadosamente organizados e equipados com bem elaborados
regulamentos e um detalhado código de leis.

O século XIV foi um século de guerra e reforma, que as-


sistiu ao florescimento final da cultura indonésia medieval. O
grande poema épico Negarakartagama data deste período,
que também produziu algumas outras obras-primas e tem-
plos impressionantes. Nesta altura, as influências culturais
indianas começavam a declinar embora ainda se encon-
trassem vestígios no sistema de castas nas leis desse pe-
ríodo.

345
Em meados do século XV, os principados maometanos
costeiros da península de Malaca e de Sumatra tornaram-se
mais independentes e acabaram por construir uma ameaça o
comércio externo majapahita. No final do século XV, o im-
pério majapahita foi privado de todas as suas ilhas e da parte
norte de Java. Na segunda década do século XVII, os restos
do antigo império estavam nas mãos da coligação de princi-
pados comerciais do Norte de Java. Em breve eclodiram
novas hostilidades quando o sultanato de Mataram tentou es-
tabelecer um novo Estado centralizado, mas estas tentativas
foram impedidas e, mais tarde, tornadas infrutíferas pela
chegada dos europeus.

Conquistas Portuguesas

Em 1511, Malaca foi conquistada pelos Portugueses, que


começaram a lutar pelo controlo das rotas comerciais desta
região com os mercadores Árabes e Indonésios. Os Portu-
gueses conseguiram estabelecer uma fortificação nas ilhas
Molucas, principal fonte de especiarias, e noutras partes da
Indonésia muito antes desta questão ser finalmente resol-
vida. O comando português das rotas marítimas minou o co-
mércio local e levou a uma maior exploração dos camponeses
pelos proprietários de terras locais numa tentativa para com-
pensar as suas perdas comerciais. Este facto diminuiu o po-
derio dos Estados indonésios, mas a maior parte deles conse-
guiu ainda assim manter a sua independência.

Conquistas Territoriais Holandesas

A situação na Indonésia mudou depois da chegada dos


mercadores e soldados holandeses da Companhia Holandesa
das Índias Orientais, em 1603. Depois de conquistar as ilhas

346
Molucas e de subjugar os rajás locais, a companhia construiu
uma rede de fortalezas em toda a Indonésia e, pouco a
pouco, obteve o controlo de mais vasto território. O êxito da
companhia baseava-se no saque desenfreado dos recursos
naturais das ilhas e na cruel exploração da população nativa.
Os comerciantes holandeses estabeleceram as suas bases
principais na costa noroeste de Java onde fundaram a cidade
de Batávia. O comércio holandês prosperou na região e a
companhia alargou gradualmente as suas conquistas territo-
riais. Contudo, em meados do século XVII, os Holandeses
ainda eram os senhores incontestados mesmo de Java, onde
os desafiavam os fortes sultanatos de Mataram e Bantam.

O Japão no Século XVI e no Início do Século XVII

A invasão mongólica trouxe uma série de mudanças signi-


ficativas à vida do Japão. O xogunato centralizado que se
apoiava nos samurais acabou. Predominavam as grandes
propriedades dos principais nobres ou daimyo. Cada um
destes poderosos proprietários reinava sobre alguns samurais
como seus vassalos. A legalização política deste novo sistema
foi introduzida depois da vitória dos príncipes do Sudoeste
sobre o Xogum quando o poder passou deste para as mãos
da casa de Achikaga no fim do século XIV.

Durante o reinado da dinastia Achikaga, o número de


grandes propriedades diminuiu gradualmente e os samurais
que eram agora dependentes dos poderosos nobres já não
eram uma classe unida. A confiscação dos bens dos samu-
rais, no século XV, foi apenas um aspecto de uma crise
agrária geral, cuja principal causa foi a falta de terras, a
maior exploração dos camponeses e as lutas privadas entre
príncipes. Entretanto, os ofícios urbanos e o comércio es-
tavam em expansão, o controlo dos impostos foi entregue
aos principais comerciantes, que também tinham o mono-
347
pólio da produção de bebidas alcoólicas. Cada vez com mais
frequência os proprietários de terras encontravam-se nas
mãos de usurários e comerciantes. Embora o governo anu-
lasse frequentemente as dívidas, os nobres japoneses não
recorreram a quaisquer medidas drásticas contra os usurá-
rios, comerciantes e gente das cidades. O comércio pros-
perou e os mercadores e artesãos em breve passaram a ter
certos privilégios, sendo o Japão o único Estado do Extremo
Oriente onde isto acontecia. Bons artefactos e minério de
cobre estavam entre as principais exportações japonesas.
Muitos portos eram independentes e tinham os seus próprios
guardas. Grandes lucros obtidos com a exportação de miné-
rios de ouro, de prata e de cobre significavam que os propri-
etários de terras, conscientes das limitadas perspectivas da
agricultura, longe de incomodarem a gente das cidades, co-
meçaram eles próprios a organizar projectos de exploração
de minas.

Entretanto, nas aldeias os lucros só eram possíveis à


custa dos camponeses, que estavam sujeitos a uma drástica
exploração: tinham de entregar aos seus suseranos cin-
quenta por cento das suas colheitas e estavam sempre à
mercê de usurários. Nos séculos XV e XVI, as revoltas cam-
ponesas eram acontecimentos vulgares e as fileiras dos cam-
poneses foram muitas vezes engrossadas por artesãos ur-
banos e samurais, cujos bens tinham ido confiscados. Este
último facto significava que as revoltas camponesas eram
bem organizadas, sendo geralmente encabeçadas por seitas
religiosas distintas ou facções de entre os pobres urbanos. Ao
mesmo tempo as frequentes lutas internas entre os nobres
levaram a que o Japão se desintegrasse em vários princi-
pados separados em meados do século XVI. Uma das princi-
pais razões que estava na origem destas guerras mesquinhas
foi a necessidade de uma redistribuição da terra, visto que o
sistema existente já não correspondia ao verdadeiro nível de
desenvolvimento social e económico. O século XVI foi um

348
tempo de intermináveis guerras internas acompanhadas de
tentativas de expansão territorial na Coreia. Os europeus in-
troduziram as armas de fogo no Japão e mais tarde ensi-
naram aos Japoneses os segredos do seu fabrico. O resul-
tado, foi que, em pouco tempo, o papel decisivo nos encon-
tros militares foi desempenhado pela infantaria camponesa
que desalojou os cavaleiros e se organizou gradualmente em
bases profissionais.

O contacto com a Europa também teve como resultado a


expansão do catolicismo que minou a unidade do povo ja-
ponês. A unidade já tinha sido bastante ténue anteriormente,
e o número crescente de destacamentos camponeses ar-
mados, particularmente no Sul, apontava o facto de que os
nobres e os samurais seriam incapazes de preservar o seu
domínio sobre as outras classes sem um poder central forte.
Assim, eles procuraram, naturalmente, centralizar o poder do
Estado e consolidar a unidade japonesa.

O núcleo do novo Japão centralizado era a região central


do país e as principais forças que trabalhavam para a uni-
dade eram os escalões médio e mais baixo da classe que
tinha terras, sob a chefia de Oda Nobunaga. No decurso de
uma dura luta que durou de 1568 a 1582, Nobunaga conse-
guiu estabelecer um estado centralizado na metade Norte do
pais, depois de fazer passar para o seu lado os mercadores
das principais cidades e de esmagar revoltas camponesas. A
tarefa de Nobunaga foi continuada por Hideyochi durante o
período de 1583 a 1598. Empreendeu uma campanha para
conquistar a Coreia que acabou num fracasso, mas teve
muito mais êxito em esmagar perturbações dos camponeses
no seu país. Hideyoshi tentou resolver o problema da terra
desarmando os camponeses japoneses e tornando-os servos.

Uma maior produtividade de trabalho na agricultura cam-


ponesa tornou possível aos proprietários exigir 66% das co-

349
lheitas dos seus camponeses contra os antigos 50%, en-
quanto o novo governo centralizado pôde desarmar os cam-
poneses e ligá-los aos respectivos «holdings». Os campo-
neses pagavam impostos aos seus senhores e a cobrança
destes impostos era supervisada pelos vassalos do senhor ou
do shogun. A estabilização da situação interna facilitou a ex-
pansão dos mercados internos.

O Estabelecimento do Xogunato Tokugawa

O estabelecimento de um sistema feudal com camponeses


ligados à terra foi realizado pelos shoguns da casa de Toku-
gawa, que tomou o poder em 1603. Este sistema baseava-se
na centralização e na regulamentação conservadora uni-
versal. Foram os Tokugawa que finalmente puseram fim à
agitação dos camponeses (a maior perturbação foi a de Shi-
mabara em 1637), baniram o cristianismo, estabeleceram li-
mites para as relações políticas e comerciais com países es-
trangeiros e restringiram os poderes independentes das ci-
dades costeiras e dos nobres do Sul. O comércio externo
tornou-se um monopólio do Estado; os direitos e obrigações
de todas as camadas sociais (samurais, lavradores, artesãos
e comerciantes) foram codificados em pormenor e a suprema
propriedade de terra pelo Estado foi introduzida (mas rara-
mente posta em prática, excepto no caso de confiscação de
terras por meio de castigo por traição ao Estado. Os nobres
proprietários de terras tinham o direito de aplicar sentenças
aos seus vassalos, de manter um séquito armado e de cobrar
impostos, mas continuaram sujeitos às leis do Xogum e não
tinham autorização de travar guerras com os seus vizinhos.
Dezassete grandes cidades foram tornadas directamente res-
ponsáveis perante o Xogum e afastadas da esfera da juris-
dição dos nobres. Esta série de rigorosos regulamentos
afectou os comerciantes e artesãos consideravelmente

350
menos do que os camponeses, visto que o xogunato pro-
curou mais em encorajar o comércio e os ofícios do que obs-
truir o seu progresso.

A cessação dos feudos locais e o estabelecimento de um


poderoso aparelho de Estado para assegurar o controlo total
dos camponeses tornaram possível aos proprietários es-
premer os camponeses até à última gota, em resumo, tudo o
que era possível neste estádio de desenvolvimento econó-
mico. Esta exploração foi facilitada pelo isolamento do país
do mundo exterior, o que significava que as cidades concen-
traram as suas energias no comércio interno, o que por sua
vez favoreceu o progresso da produção agrícola. Foram intro-
duzidos novos instrumentos de produção e melhorias téc-
nicas e foram experimentadas novas sementes, incluindo al-
gumas trazidas da Europa. Relações de mercadoria-dinheiro
penetraram na vida das aldeias e a era da economia natural
ficou desde então a pertencer ao passado. Surgiram manu-
facturas centralizadas e em vários lados. Contudo, ao todo, o
desenvolvimento económico do Japão do século XVII deu-se
dentro de um sistema feudal que o governo do período não
se poupou a esforços para consolidar.

Cronologia dos Acontecimentos

a.C.
Desenvolvimento da escravatura nas
Segunda me- civilizações primitivas do Egipto e
tade do 4.° mi- Mesopotâmia.

351
lénio Aparecimento dos primeiros mo-
delos da escrita.

c.2150 — sé-
Império Médio no Egipto.
culo XI
A Unificação da Mesopotâmia por
c.2369
Akkad.
A invasão da Mesopotâmia por Amo-
2024
ritas e Elamitas.
Aparecimento de Civilizações base-
Primeira me-
adas na escravatura na Ásia Menor.
tade do 2.° mi-
Formação do Estado da Babilónia e
lénio
a Idade do Ouro sob Hammurabi.
Séculos XVIII- Escrita alfabética, documento Sinaí-
XVII tico.
1700-1570 Os Hicsos escravizam o Egipto.
Séculos XVI a
O Reino Novo no Egipto.
1050
A ascensão do Reino Hitita na Ásia
Século XV
Menor.
Séculos XV-XII Período dos Aqueus na Grécia.
Segunda me-
tade do 2.° mi- Conquistas do Faraó Tuthmosis III.
lénio

Meados do se- Início do Estado Shang-Yin na


352
Meados do se- Início do Estado Shang-Yin na
gundo milénio China.

Reformas religiosas no Egipto sob o


1400
Faraó Amenhotep IV
1317-1251 As Campanhas de Ramsés II.
Meados do 2.°
A Civilização do Ganges.
milénio

Século XII A Guerra de Troia.


A Invasão da Grécia pelos Dórios.
1122-771
O Império Chou na China.
Séculos XI-IX Período Homérico na Grécia.
Final do 2.°
Tribos Arianas entram no Norte do
milénio e início
Irão.
do 1.° milénio
Início do 1.°
Ascensão do Reino de Urartu.
milénio

Século X Aparecimento das cidades Fenícias.


Urartu no seu apogeu.
Século VIII
Forte influência do poder Assírio.
753 Fundação de Roma (tradicional).
Colonização Grega até à sua maior
Séculos VIII-VI
ascensão.

353
Século VIII Desenvolvimento das cidades gregas
na Ásia Menor.

Final do século
Ascensão do Império dos Medos.
VII Século VI
Extensão do poder dos Etruscos
Séculos VI sobre o Lácio.
Ascensão da Pérsia.

O desenvolvimento do Budismo na
Séculos VI-V
Índia.
594 As reformas de Sólon em Atenas.
A captura de Jerusalém pelos Babi-
586 lónios.
O fim do Reino de Israel.
550 Ciro da Pérsia subjuga os Medos.
Ciro conquista a Arménia e a Capa-
547
dócia.

546 Ciros II conquista a Lídia.


Queda da Babilónia dominada pelos
538
Persas.
A Pérsia conquista o Egipto. For-
525
mação do Império Persa.
Clístenes reforma a constituição Ate-
510-509
niense.

354
509 Fundação da República Romana
(tradicional).

As cidades Jónicas revoltam-se


500-493
contra a Pérsia.
500-449 As Guerras Pérsicas.
A ascensão do Confucionismo e do
Séculos V e IV
Taoísmo na China.

A Pérsia invade a Ática. Vitória


490
grega em Maratona.
Período de Estados de guerra na
Séculos V-III
China.
Vitórias Gregas, sobre os Persas, em
480 terra nas Termópilas e no mar em
Salamina.
Batalhas de Plateias e Mycala. Vitó-
rias gregas respectivamente em
479
terra e mar. A invasão Persa é repe-
lida.
A formação da Liga de Delos (pri-
478
meira Aliança Naval Ateniense).
Meados do sé- O desenvolvimento da democracia
culo V em Atenas.
A Guerra do Peloponeso entre
431-404
Atenas e Esparta.

355
395-386 A Guerra de Corinto.

390 Saque de Roma pelos Gauleses.

378 Segunda Aliança Naval Ateniense.


As Guerras Samnitas. Roma estende
343-290 a sua hegemonia sobre a Itália Cen-
tral.

Campanhas Orientais de Alexandre,


334-324
o Grande.
Formação da dinastia de Mauria na
324
Índia.
A dissolução do Império de Ale-
xandre: a luta entre os seus suces-
321-276
sores.
A ascensão dos Estados Helénicos.
Campanhas de Pirro, rei de Epiro, na
280-275
Itália e na Sicília.

264-241 Primeira Guerra Púnica.


218-201 Segunda Guerra Púnica.
216 Derrota de Roma em Canas.
215-205; 200- Guerra de Roma contra a Mace-
197; 171-167 dónia.
Terceira Guerra Púnica; a destruição
149-146
de Cartago.

356
Saque de Corinto. A Grécia torna-se
146
vassala de Roma.

Desenvolvimento da China sob a di-


140-87
nastia Han.
Primeira guerra dos servos: revolta
136-132 dos escravos na Sicília comandados
por Euno.

Revolta plebeia em Roma.


133-123
Revoltas de Tibério e Caio Graco.
104-99 Segunda Guerra dos Servos.
A Guerra Social. Revolta das cidades
90-88
Italianas contra Roma.
Guerra de Roma contra Mijrídates,
89-64
rei do Ponto.
Terceira Guerra dos Servos: Grande
73-71 Revolução dos Escravos conduzidos
por Espártaco.
65-63 Campanhas de Pompeu no Oriente.
Primeiro Triunvirato: Pompeu, César
60
e Crasso.
58-51 César conquista a Gália.
Revolta dos Gauleses contra os Ro-
54-51
manos.

357
54-53 Campanha de Crasso contra os
Persas.

Guerra Civil em Roma. César torna-


49-45
se ditador.
44 15 de Março Assassínio de César.
Segundo Triunvirato: Octávio, Lé-
43-31 pido e António.
Lutas entre os triúnviros.
O Egipto é subjugado pelos Ro-
31-30
manos.
Octávio governa o Império como
27-14
César Augusto.
d.C.
Aparecimento do Cristianismo nas
províncias orientais do Império Ro-
Século I mano.
Revoltas contra Roma na Gália, na
África e na Bretanha.
Revolta dos Testas Vermelhas na
18-28
China.
66-70 Revolta dos judeus na Palestina.
Fins do I e co-
O apogeu do poder do Império Ro-
meço do II sé-
mano.
culos.

358
134-208 Revolta dos «Fitas Amarelas» na
China.

Crise sócio-política no Império Ro-


Século III
mano.
Édito de Milão: O Cristianismo é per-
313
mitido no Império Romano.
A Capital do Império é transferida
330
para Constantinopla.
Os Hunos derrotam os Godos e in-
370-380
vadem a Europa.
O Império Romano é dividido em
395
Oriental e Ocidental.
Saque de Roma sob comando de
410
Alarico.
Invasão da Gália pelos Hunos, co-
451 mandados por Átila e derrotados em
Châlons.
455 Roma é pilhada pelos Vândalos.
Fim do Império Romano do Oci-
476
dente.
Meados do sé-
culo V a co-
O Estado Visigótico na Espanha.
meços do sé-
culo VIII

359
Segunda me- Aparecimento do primeiro estado
tade do século feudal no Japão.
V

Fim do século
O declínio do Estado Gupta na Índia.
V
493-555 Reino Ostrogodo na Itália.
532 A Revolta Nika em Constantinopla.

Bizâncio conquista o Reino Ostro-


533-555
godo na Itália.
O Estado Eftalita é destruído pelos
Turcos.
563-667
O Kanato Turco estabelece a hege-
monia sobre toda a Asia Central.
Funda-se na Itália o Reino Lom-
568-600
bardo.
583-586 Desenvolvimento na Asia Central.

589 Unificação da China.


637-651 Conquista do Irão pelos Árabes.
645 Reformas Taikwa no Japão.
661-750 Califado Omíade.
Fins do Século
VII e começos Estado Silla na Coreia
do VIII

360
Califado Abássida (Poder espiritual
750-945
até 1258).

Revolta dos camponeses coman-


816-837 dados por Babek no Azerbaijão e no
Irão Ocidental.
819-999 Dinastia Sassânida na Ásia Central.

Aparecimento do Estado do Antigo


Século IX Rus.
Os Árabes são expulsos do Irão.
Unificação dos Reinos Anglo-Saxões
829 na Inglaterra sob a direcção de
Wessex.
Segunda me-
A Síria, o Egipto e a Palestina
tade do século
passam para o domínio Árabe.
IX
Aparece o Estado Independente do
950
Vietnam.

Segunda me-
tade do século Aparecimento do Estado Polaco.
X
Os Normandos conquistam a Ingla-
1066
terra.
1096-1099 Primeira Cruzada.

Fundação do Estado Han-Jurchen no


361
1127 Fundação do Estado Han-Jurchen no
nordeste da China.

1147-1149 Segunda Cruzada.


1189-1192 Terceira Cruzada.
1215 Assinatura da Magna Carta.
As hordas do Khan Batu conquistam
1237-1240
os principados russos.
A Batalha do gelo: Os Russos der-
1242 - 5 de
rotam os cavaleiros teutónicos no
Abril
Lago Peipus.
1258 Os Mongóis capturam Bagdad.
1265 Primeiro Parlamento Inglês.
1270 Oitava e última Cruzada.
Reunidos em França pela primeira
1302
vez os Estados Gerais.

1338-1453 A Guerra dos Cem Anos.


A Bula de Oiro regula a eleição do
Imperador de modo a deixar o
1356
poder na mão dos príncipes germâ-
nicos.
Batalha de Kulikovo: a maior vitória
1380
Russa sobre a Horda Dourada.

362
1381 Revolta dos camponeses na Ingla-
terra conduzidos por Wat Tyler.

Batalha de Gruenwald: os Polacos e


1410 os Lituanos destroem o poder da ca-
valaria Teutónica.
1419-1437 As Guerras Hussitas na Boémia.
Queda de Constantinopla. Fim do
1453
Império Bizantino.
1455-1485 Guerra das Duas Rosas.
1480 Rus sacode o jugo Tártaro-Mongol.
1492 Colombo descobre a América.
Vasco da Gama descobre o caminho
1497-1498
marítimo para a Índia.
1517 Começo da Reforma na Alemanha.
Viagem de Magalhães à volta do
1519-1522
Mundo.
Guerra dos camponeses na Ale-
1524-1525
manha.
Fundação do Grande Império Mogul
1526
na Índia.
Começo da Revolução Burguesa nos
1566
Países Baixos.

363
1572, 24 de Matança de S. Bartolomeu na
Agosto 1603 França.

Primeira colónia Holandesa na Ilha


1603
de Java.
Fundação do xogunato Tokugawa no
1627-1645 Japão.
Guerra dos camponeses na China.

364

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