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Resumo
Introdução
mundo, chegando até mesmo à maneira como ele convive com outros sujeitos. Não há dúvida,
que instituições que antes eram tidas como basilares e imutáveis como Estado e família, a
muito perderam o seu caráter permanente. Aquele, passando por modelos antagônicos, como
do modelo neoliberal até o Estado de bem-estar-social. Este, por sua vez, hodiernamente não
apresenta a submissão de todos os integrantes à figura paterna. Não só isso, o próprio
entendimento do instituto casamento vem sofrendo alterações, como pode ser vislumbrado
com o reconhecimento do ordenamento jurídico de relações estáveis homo afetivas.
Contudo, apesar dessa gama de mudanças e alterações, devido ao aumento de
complexidade do contexto social, um dos sistemas que mais vem enfrentando dificuldades em
acompanhar o ritmo de tais mudanças é o sistema educacional. Basilar na formação e
desenvolvimento de futuros cidadãos, o sistema educacional cada vez mais passa a ser
vislumbrado como um sistema decadente, senão falho, para preparar e orientar os sujeitos que
terão de conviver em uma modernidade líquida (Bauman, 2000) como a contemporânea.
Para discorrer sobre a temática e atingir a finalidade proposta – aqui entendido como
averiguar inter-relação entre a modernidade líquida com o sistema educacional posto e a
formação de cidadãos redundantes – será realidade uma pesquisa bibliográfica em relação à
temática pertinente. Posteriormente a coleta dos dados, será realizada uma abordagem
qualitativa de tais perspectivas. A priori, serão delineados contornos das principais
características da Modernidade líquida, com as colaborações de Bauman (2000; 2005; 2007)
e Giddens (2002), primordiais a um correto entendimento do trabalho. Em um segundo
momento, será feita a análise do sistema educacional, valendo-se primordialmente dos
entendimentos de Martins (2010) para efetuar tal análise. Por último, tentar-se-á demonstrar a
relação entre o sistema educacional e a cidadania redundante.
Muitos dos grandes nomes da história - como Júlio César, Gengis Khan, Constantino,
Alexandre Magno, entre outros - desejavam ter o controle do mundo em suas mãos.
Hodiernamente, tal ambição está ao alcance de todos, de certa forma. Basta ter um
computador de mão e uma conexão à internet e pronto: é possível visitar países e culturas,
comunicar-se com outras pessoas, entre vários outros aspectos sem sair do conforto de casa.
Isso tudo possível graças ao processo de globalização e ao desenvolvimento técnico da
humanidade (dos mais diversos setores, mas principalmente, o tecnológico).
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Os reflexos nas relações intersociais no contexto social são observáveis após dois
grandes momentos: Pós Segunda Grande Guerra, com a fomentação da atividade individual, e
pós-crise do petróleo de 73, com as mudanças vislumbradas na derrocada do Estado – de-
bem –estar- social. Esses dois eventos tiveram grande influência na criação do paradigma
atual, sendo a mesma entendida como a Modernidade Líquida (2000), preconizada por
Zygmunt Bauman, que será o foco da análise a partir do presente momento.
O período pós- II Guerra (expansão do ideário American Way of Life, tendo como
principio primordial o conceito de self-made man)1e pós-crise do petróleo (com o
desmantelamento do Welfare State) foram paradigmáticas para o desenvolvimento da
indústria e do processo de globalização que constitui a sociedade hodierna. Ocorrem
profundas mudanças nos setores que dirigem a sociedade, transformando o sistema
econômico, energético, político, social, enfim, todos os setores que estão intrinsecamente
ligados em um contexto social. Há um notório desenvolvimento das tecnologias, permitindo o
deslocamento não só de informações, mas também de bens e pessoas em uma velocidade
antes inimaginável.
Através desse processo, as formas de pensar se propagam muito mais rapidamente,
transformando as formas de ver e pensar o mundo. Como aponta MUZIO apud GIDDENS
(2002) A partir de então, todo o pensamento que quer ganhar uma valoração de “verdade”,
deve partir da prisma de que esse pensamento é voltado para o âmbito global. É criada no
subconsciente dos indivíduos, uma imagem idealizada desse globo e que, é somente seguindo
as diretrizes desse “globo”, é que ele pode estar inserido socialmente e ser considerado um
“cidadão”.
Tal perspectiva tem um impacto avassalador na vida do indivíduo, uma vez que a
realidade com a qual ele tem contato, toda ação que ele venha a tomar, deve estar de acordo
com tais diretrizes, senão corre o risco de ser marginalizado e, consequentemente,
desaparecer, perdendo não só o “status” de cidadão, mas o próprio status de ser humano.
Ser aceito na modernidade resume simplesmente em ser um consumidor, uma vez que
a única medida que se reconhecesse por sucesso é uma medida quantitativa; o valor do
homem passa a ser aquele que seu capital pode expressar. A imagem aceita é a do consumidor
1
- Por conceito de self-made man compreende-se o fomento da atividade individual frente aos problemas
insurgidos do contexto social. Toda e qualquer desventura ou adversidade seria superada unicamente pela
dedicação e trabalho individual. Nota-se que essa orientação está diretamente associada à concepção do
liberalismo, que, no período pós- II Guerra, ganha maior destaque enquanto sistema dominante.
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desenfreado. Para ser assim considerado, ele deve estar atento ao novo, a aquilo que é in. Não
somente isso: toda a ação coletiva é desencorajada, o self-made man (o homem que constrói
seu próprio sucesso) nunca esteve tão em voga como atualmente. Renovar-se e estar em
constante renovação é o pressuposto primordial da sociedade líquida. Conforme notamos
pelas palavras de Bauman “O desejo de se fazer diferente do que se é, de se refazer, e de
continuar refazendo. A condição moderna é estar em movimento. A opção é modernizar-se ou
perecer” (2005, p.34).
Nota-se uma mudança até mesmo das conotações nas relações interpessoais. Como é
apontado por Bauman (2007) as relações entre as pessoas pode ser resumida ao que “se tem a
ganhar com ela”. Seja por uma simples satisfação sexual ou para outros fins, não se leva mais
em consideração o que o outro possa a vir a sentir, o que importa é a satisfação que esse laço
pode proporcionar. Uma fez satisfeita essa necessidade, desfaz-se o laço. Bauman (2007),
mais uma vez vai precisamente de encontro a tal pensamento, cunhando uma expressão
paradigmática para as relações interpessoais: são as chamadas relações de bolso.
Como observado por Bauman (2005), a cultura atual pode ser considerada como
cultura do lixo, na qual a produção do refugo é regra e, além disso, uma necessidade. Para
existir o consumidor, ideário do sujeito socialmente aceito, deve existir uma figura
antagônica, o excluído, o “exemplo que não deve ser seguido”. Ademais, valores como
confiança, justiça equânime, enfim, qualquer forma de comprometimento duradouro é
desencorajado e desestimulado e, também, associado à figura do refugo. No seguinte trecho, é
demonstrado em síntese o comportamento ideal (segundo a lógica do consumidor) a ser
seguido
A questão agora é a indefinição (e com muita frequência o irrealismo) dos fins – que
se desvanecem e dissolvem mais depressa que o tempo necessário para atingi-los,
são indeterminados, não-confiáveis e comumente vistos como indignos de
compromisso e dedicação eternos (BAUMAN, 2005, p.25).
responder essas questões, que serão abordados alguns pontos merecem destaque acerca pape
da educação no contexto atual.
mais variadas formas com o uso da internet. Além disso, o professor, ao adentrar em sala de
aula, depara-se com uma realidade muito distante daquelas tematizadas na realidade
acadêmica. De tal forma, ele, o professor, além de ensinar, deve apoiar, incentivar, solucionar
problemas familiares dos seus alunos, isso sem comentar a questão da inserção dos deficientes
no ensino público, que necessitam de tratamento diferenciado, ao qual os professores são
minimamente preparados (se o são).
Não bastante a dura realidade, temos o descaso do aparato estatal e reconhecimento
social referente à função do professor. Mal remunerados, pouco estimados, desrespeitados,
mal preparados, entre outros fatores, configura a função de educador no Brasil como vocação.
Apesar dos recentes esforços em uma fomentação das licenciaturas no contexto nacional, os
problemas de seguir uma carreira como professor são pouco estimulantes a jovens que estão
por escolher suas futuras carreiras. Aqueles que a escolhem, devem enfrentar uma espécie de
“sanção social e familiar”. Aquela, por entender que discentes são aqueles que não capacidade
intelectual para realizar outra atividade e esta, por compreender que “ser professor não traz
nenhuma recompensa financeira”, ou seja, em uma linguagem direta, “ser professor não dá
dinheiro”.
A estrutura oferecida também fica a desejar, sendo difícil a utilização de recursos
tecnológicos que estimulem a participação dos alunos. Aliás, talvez esse seja um dos quesitos
mais precários quando se analisa escolas no interior do país. Salas individualizadas, água
encanada e luz elétrica são luxos permitidos apenas a escolas de centros urbanos. De todos
esses aspectos, conclui-se a falta de interesse em mudar a estruturação medieval do sistema
educacional. Mas por quê? Simples, visto que a escola segue os ditames do modelo posto, e
atua diretamente na formação/ reprodução de cidadãos redundantes, perspectiva que será, a
partir de agora, o foco da análise.
2
- Por primeiro passo elucidador, compreende-se o direito de todo o sujeito adquirir uma formação inicial de
qualidade. Com essa formação, o sujeito teria noção dos seus direitos (principalmente, a compreensão dos
direitos individuais). A partir de então, caberia ao sujeito, decidir por si quais seriam os conhecimentos que
deveriam ser desenvolvidos e quais estariam direcionados aos seus interesses.
3
- A perspectiva que se tem em mente quando se utiliza esse conceito de cidadão é o conceito de Carvalho
(2008), que vislumbra uma camada de cidadãos (pertencentes as classes assalariadas, ou seja, média) que até
compreendem os seus direitos frente ao poder estatal, contudo, não dispõem dos meios para efetivar os mesmos.
4
- Por conceito de estadania, entende-se quando o Estado não cumpre seu papel enquanto garantidor da
igualdade, sendo assim concedidos alguns privilégios a uma parcela da população. Os direitos civis, políticos e
sociais são utilizados como mera moeda de troca pela elite nacional. Dessa forma, os sujeitos não são vistos
como cidadãos, mas sim como uma clientela do Estado.
5
- O conceito de não-cidadão pode ser definido da seguinte forma: “indivíduos que não alcançaram em nenhum
aspecto o status de cidadania, podendo ser denominados de não-cidadãos, pois não tem acesso a nenhum dos
direitos básicos, ou seja, os direitos civis [...], direitos políticos [...], e os direitos sociais [...]” (MARTINS, 2010,
P.30).
6
- A definição de cidadania plena, segundo o próprio historiador, seria a “contemplação dos três direitos
expostos por Marshall (1967), que é possível a constituição de uma cidadania plena, na busca de uma plenitude
como objetivada no ideal grego, buscando a felicidade individual e coletiva” (MARTINS, 2010, P.30).
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seu magistério, deveria ser o objetivo precípuo do processo educativo, uma vez que representa
a efetivação dos três aspectos de Marshall.
Partindo-se das contribuições desses pensadores e, analisando a sociedade hodierna,
compreendemos a insurgência de um novo conceito – a ideia do cidadão redundante. Para
explicar tal conceito, primeiramente, parte-se da noção de Bauman de redundância. Como
podemos notar no seguinte trecho
Ser redundante significa ser extranumerário, desnecessário, sem uso – quaisquer que
sejam os usos e necessidades responsáveis pelo estabelecimento dos padrões de
utilidade e de indispensabilidade. Os outros não necessitam de você. Podem muito
bem passar muito bem, e até melhor, sem você. Não há uma razão auto evidente
para você existir nem qualquer justifica óbvia para que você reivindique o direito a
existência. Ser declarado redundante significa ter sido dispensado pelo fato de ser
dispensável [...]. “Redundância” compartilha o espaço semântico de “rejeitados”,
“dejetos”, “restos”, “lixo” – com refugo. O destino dos desempregados, do “exército
de reserva de mão-de-obra”, era serem chamados de volta para o serviço ativo. O
destino do refugo é o depósito de dejetos, o monte de lixo (BAUMAN, 2005, p. 20).
proveito das relações de consumo, ou seja, direcionando o sujeito para uma concepção
hedonista de existência (prazeres que seguem a lógica do mercado, ou seja, fugazes). Disso,
para que existam aqueles que se beneficiam, devem existir aqueles que trabalham (nas
sombras e de forma imperceptível) recolhendo os restos, realizando as tarefas mais ingratas. É
exatamente para tais funções, que existem os cidadãos redundantes e é para tal que eles são
formados. Bauman, interessantemente, dá síntese do exposto no seguinte trecho de uma de
suas obras
A cidadania plena, apontada por Martins (2010) como fim precípuo da educação, é
um ideário distante do cidadão redundante. O conceito preconizado pelo historiador, tendo em
mente a caminhada da presente análise, só é acessível a aqueles que podem pagar por esse
“privilégio”. Sujeitos imersos em uma realidade líquida como a atual e, através da atuação de
um sistema educacional com as características observadas, tornam-se, eles mesmos, a
expressão da redundância. O conhecimento funcionalista adquirido, os valores sócias
repassados, tem em vista a formatação de sujeitos direcionados a atender a compreensão
daquilo que é útil ao sistema posto. Daí entende-se a intrínseca relação entre o sistema
educacional e a formação de cidadãos redundantes.
Considerações Finais
necessitam da figura do redundante, para que sirva de arrimo a todo o sistema consumista
atual.
O cidadão redundante, produto de uma escola que é mera ferramenta neutralizadora
dos sujeitos e modeladora de sua atuação no contexto social, pode esperar apenas tornar-se
mera ferramenta (descartável) da sociedade líquida. Atuando sempre nas sombras e de forma
mais discreta possível, vislumbram a cidadania, em seu sentido pleno, como um produto que
nunca poderão possuir. O reconhecimento de seus direitos, a tutela e, por fim, a efetivação
dos mesmos, é um produto pelo qual nunca poderão pagar, um produto que nunca poderão
consumir. A eles, cabe trabalhar e viver com os restos, com o lixo.
REFERÊNCIAS
MARSHAL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
Pro dia nascer feliz. Direção de João Jardim. Copacabana Filmes. 2006