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A tutela provisória concedida em

segundo grau e a sua estabilização


Elias Marques de Medeiros Neto, André Pagani de Souza,  Daniel Penteado de Castro e  Rogerio Mollica

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Rogerio Mollica

A estabilização da tutela por ser um instituto novo em nosso ordenamento vem


suscitando muitas dúvidas nos operadores do direito. Nesse mês foi realizada a II
Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal e no Grupo de
Tutela Provisória e Procedimentos Especiais quase só se discutiram propostas de
enunciados sobre a estabilização. O que se viu é que as incertezas e hesitações
sobre o assunto são muitas.

Uma dúvida que surge é se a estabilização só poderia ocorrer quando a tutela é


concedida em primeira instância e não é objeto de recurso ou se a tutela
concedida pelo Tribunal e não recorrida também seria hábil a produzir a
estabilização.

Pense-se no exemplo em que se requer uma tutela provisória antecedente e ela é


indeferida pelo juiz de primeiro grau. O autor interpõe agravo de instrumento e a
tutela provisória é concedida pelo Tribunal antes do aditamento da petição inicial.
Se o réu não interpuser agravo em face dessa decisão, poderia a mesma
estabilizar e ocorrer a extinção do processo de primeiro grau (art. 304, § 1º)?

A leitura do artigo 304 do CPC parece nos dizer que sim, pois não há na lei
qualquer limitação de que a tutela provisória deva ser concedida somente em
primeira instância para que ocorra a estabilização.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Heitor Vitor Mendonça Sica:

"Restaria saber se a tutela provisória fosse deferida em segundo grau de


jurisdição após o manejo de agravo de instrumento contra a decisão de primeiro
grau que indeferiu a providência (art. 1.015, I) e antes que tenha havido o
aditamento da peça inicial (art. 303 § 1º, I). Fiel à premissa aqui acolhida,
entendo que se ao tempo da decisão do tribunal o autor não houver ainda
promovido a emenda à peça inicial, com a formulação do pedido de tutela final
(art. 303, § 1º, I), pode-se cogitar da estabilização a decisão (monocrática ou
colegiada) que houver deferido a medida em grau recursal (hipótese em que o réu
será intimado da decisão para que se lhe dê oportunidade de recorrer)." ("Doze
problemas e onze soluções quanto à chamada "estabilização da tutela antecipada"
in Tutela Provisória no novo CPC: dos 20 anos de vigência do art. 273 do
CPC/1973 ao CPC/2015 - coordenação Cássio Scarpinella Bueno...[et al.] - São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 407) 1

O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir nesse mesmo


sentido:

"Ação de jurisdição voluntária de cancelamento de cláusulas testamentárias de


inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por
testamento lavrado na vigência do Código Civil anterior, tendo o testador falecido
antes do advento do atual. Cabimento, nas circunstâncias do caso concreto.
Imóveis onerados por dívidas tributárias, sem que o proprietário, que o testador
buscou proteger, possa pagá-las. Cláusulas que esvaziam o conteúdo econômico
da propriedade, retirando bens do comércio. Sua inconveniência. Disposições,
sobre antieconômicas, contrárias à propriedade privada, alicerce da Ordem
Econômica e Financeira pátria (Lei Maior, art. 170, II), bem assim afrontadoras
das garantias individuais asseguradas no art. 5º, XXII (direito de propriedade),
XXIII (sua função social) e XXX (direito à herança) da Constituição. Ofensa tanto
ao aspecto estrutural da propriedade, ao aniquilar o direito de dispor, como ao
funcional, pois os gravames transformam-se, com frequência, em estorvo para
aquele que se buscava proteger, impedindo que os bens sejam explorados
adequadamente. Decisão de primeiro grau, que condicionou a própria apreciação
do pedido à apresentação, pelo autor, de bens em que se possam sub-rogar os
vínculos. Agravo de instrumento do autor, em busca, desde logo de provisão
acerca do mérito da ação. Deferimento tão só de tutela antecipatória, na
forma do art. 303 do NCPC. Determinação, todavia, diante aquiescência
dos possíveis interessados na sucessão dos agravantes, que, intimados,
compareceram aos autos, de que se dê o fenômeno da estabilização da
antecipação, na forma do art. 304 seguinte, caso não se venham a
interpor recursos contra o acórdão. Lição de ADA PELLEGRINI GRINOVER.
O art. 304 em tela desmistificou os dogmas da universalidade do
procedimento ordinário de cognição, da sentença e da coisa julgada, que
não são mais a única técnica processual para a solução jurisdicional das
controvérsias. Interesse da administração da Justiça em que assim seja
(economia processual). Princípio da razoável duração do processo.
Doutrina de LUIZ GULHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART. A
novel técnica de otimização da prestação jurisdicional bem pode (e deve)
ser usada em situações gerais que revelem a evidência do direito.
Possibilidade de que isto se dê em se tratando de provimento,
(des)constitutivo. Pressuposição de que, se da antecipação satisfativa
não se recorreu, é porque não se tem interesse na discussão da questão,
ou preocupação com os efeitos concretos da tutela antecipada. Agravo de
instrumento apenas em parte provido, posto que não julgada de pronto a
ação de jurisdição voluntária, como pedido no recurso, mas tão só
deferida antecipação de tutela, com possibilidade de estabilização, na
forma do art. 304 citado. Determinação de que, não interposto recurso,
voltem os autos conclusos ao relator, para extinção do processo da ação
de cancelamento de cláusulas (art. 932, I, combinado com o § 1o do art.
304, ambos do NCPC)."(g.n.)

(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2252486-22.2015.8.26.0000; Relator (a): Cesar


Ciampolini; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível -
4ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 18/07/2017; Data de
Registro: 20/07/2017)

Cumpre também ressaltar que a estabilização poderá ocorrer em face de tutelas


concedidas por Tribunais em processos cuja competência originária seja dessas
próprias Cortes2 e não somente em recursos, como no acórdão supra referido.

Portanto, desde que alertadas as partes quanto a possibilidade da estabilização da


tutela concedida em segundo grau, conforme inclusive constou do julgado supra
referido, parece não haver óbice à incidência do disposto no artigo 304 do CPC
nestes casos.

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