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Por
Flávio Miguel Duarte Justino
Lisboa, 2022
EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DOS STAKEHOLDERS
SOBRE A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PALIATIVOS E DE
FIM DE VIDA NAS PRISÕES PORTUGUESAS: UM ESTUDO
QUALITATIVO
Por
Flávio Miguel Duarte Justino
iii
Toca a vestir! Calças buscai!
F.C.
Canção de Prisão.
iv
Resumo
Introdução: A esperança média de vida tem vindo a aumentar significativamente na
maioria dos países, refletindo-se em cada vez mais reclusos idosos, mas não só, a sofrer
de doenças incuráveis com necessidades paliativas. Portugal centralizou os cuidados de
saúde a estes reclusos num único hospital prisional. Pretende-se contribuir para um
melhor esclarecimento da validade desta solução através da análise qualitativa de
entrevistas a diversos profissionais deste estabelecimento, tentando aferir, com base nas
suas perceções e experiências, que barreiras e facilitadores existem, e que soluções são
propostas.
Metodologia: Estudo qualitativo, onde realizadas dezassete entrevistas
semiestruturadas, individuais, a uma amostra heterogénea das diversas profissões
intervenientes nos cuidados a reclusos com necessidades paliativas, incluindo membros
da equipa médica, de enfermagem, de acompanhamento e de segurança.
Resultados: Os entrevistados identificaram o excesso de burocracia e ineficiente
comunicação com sistemas externos, nomeadamente com o serviço público de saúde e
os tribunais, como as principais barreiras à prática de Cuidados Paliativos. Foram
também referidas algumas limitações de espaço e de outros recursos, o acesso
condicionado aos doentes, especialmente à noite e a deficiente formação nesta área,
principalmente na equipa de segurança. Por outro lado, os entrevistados consideram que
existem excelentes condições físicas, incluindo equipamento de diagnóstico, facilidade
de acesso a suplementos alimentares, equipamento ortopédico e lúdico. Recomendam
investir-se numa melhor integração entre as diversas áreas governamentais envolvidas e
apostar-se seriamente em mais formação. Consideram ainda ser necessário esclarecer a
situação atual dos CP á população em geral.
Conclusões: Em geral os CP prestados aos reclusos em Portugal são de qualidade,
alinhados com a filosofia aceite na área. Eventuais faltas de recursos podem ser
facilmente resolvidas, mas para ultrapassar as barreiras mais complexas é necessário o
esforço e a coordenação de diversas entidades externas, como os ministérios da Saúde e
da Justiça. É também fundamental investir seriamente na formação destes profissionais.
Palavras Chave: Cuidados Paliativos, Fim de Vida, Reclusos, Profissionais de Saúde,
Stakeholders, Prisões.
v
ABSTRACT
vi
vii
Índice
1 Enquadramento Teórico............................................................................................................4
1.1 Perspetiva Histórica dos Cuidados de Saúde nas Prisões....................................................4
1.2 Uma Perspetiva Histórica dos Cuidados Paliativos..........................................................11
1.3 A Prática dos Cuidados Paliativos....................................................................................17
1.4 Prestação dos Cuidados Paliativos nas Prisões no Mundo................................................23
1.4.1 Estados Unidos da América.......................................................................................23
1.4.2 Reino Unido..............................................................................................................25
1.4.3 Alemanha..................................................................................................................27
1.4.4 França........................................................................................................................28
1.4.5 Espanha.....................................................................................................................30
1.4.6 Suécia, Noruega e Finlândia......................................................................................31
1.4.7 Japão..........................................................................................................................33
1.4.8 Brasil.........................................................................................................................35
1.4.9 Austrália....................................................................................................................37
1.4.10 África.......................................................................................................................38
2 Metodologia........................................................................................................................42
3 Apresentação e Discussão dos Resultados...........................................................................44
3.1 Significado dos CP.................................................................................................44
3.2 Atores e Papéis.......................................................................................................45
3.3 Espaço e Contexto..................................................................................................47
3.4 Perfil e Trajetória Típicos.......................................................................................48
3.5 Regulação Interna...................................................................................................49
3.6 Cultura....................................................................................................................49
3.7 Barreiras e Facilitadores.........................................................................................50
3.7.1 Nível de Prisioneiros...........................................................................................50
Nível de Pessoal.........................................................................................................................51
3.7.2 Nível de Ambiente Prisional...............................................................................52
3.7.3 Nível Regulamentar (internamente)....................................................................53
3.7.4 Nível Regulamentar (política mais ampla)..........................................................54
Necessidades e Recomendações.................................................................................................55
3.7.5 Cultura e Sensibilização.....................................................................................55
3.7.6 Formação e Apoio..............................................................................................56
3.7.7 Ambiente e Instalações.......................................................................................59
3.7.8 Regulação e Política...........................................................................................60
4 Conclusão................................................................................................................................66
Referências.................................................................................................................................68
viii
Anexo 1 – Transcrição das entrevistas.......................................................................................82
Anexo 2 – Ofício da DGRSP....................................................................................................148
Anexo 3 – Protocolo do estudo.................................................................................................151
ix
Índice de Tabelas
x
Lista de Siglas e Abreviaturas
CP – Cuidados Paliativos
xi
xii
Introdução
Com o envelhecimento generalizado da população mundial, sobretudo nos países mais
desenvolvidos, a idade dos reclusos tem vindo a aumentar progressivamente nas últimas
décadas. Ao traçar o perfil dos detidos em instituições penais europeias, um estudo de
2019 indicava que a idade mediana se situa nos 36 anos1. Este número representa um
aumento face a 2014, onde a idade mediana se encontrava nos 34.6 anos2.
Grande parte dos reclusos de idade mais avançada sofre de demência ou outras doenças
degenerativas, vêm de contextos sociais desfavorecidos, marcados pelo consumo
abusivo de bebidas alcoólicas, tabaco e estupefacientes. Fatores que favorecem o
envelhecimento precoce e a incidência de patologias graves, como cirroses hepáticas e
neoplasias do pulmão3,4.
Até à data, a medicina ainda não encontrou tratamento para muitas destas patologias,
pelo que intervenções ou exames invasivos são fortemente desaconselhados pela sua
inutilidade e desconforto provocado ao paciente. Os objetivos terapêuticos passam,
portanto, pelo controlo sintomático, promoção do bem-estar físico, emocional e
espiritual, reabilitação física e apoio à família. Segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS), este tipo de cuidados, denominam-se por Cuidados Paliativos (CP),
sendo definidos como “uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos doentes
(adultos e crianças) e das suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças
ameaçadoras da vida. Previne e alivia o sofrimento pela identificação precoce,
diagnóstico correto e tratamento da dor e outros problemas, quer físicos, psicossociais
ou espirituais”5.
Na fase terminal da doença, os pacientes necessitam de mais assistência e
acompanhamento. É desejável que passem esta última etapa da vida em tranquilidade,
na companhia dos seus entes queridos, e permitindo realizar as suas últimas vontades,
como, por exemplo, um acompanhamento espiritual segundo a orientação religiosa
professada. Estes Cuidados de Fim de Vida são um subgrupo dos CP, englobando
“toda a assistência que um paciente deve receber durante a última etapa de sua vida, a
partir do momento em que fica claro que ele se encontra num estado de declínio
progressivo e inexorável, aproximando-se da morte”6.
Os CP não devem ser vistos apenas como um conjunto de tratamentos médicos
desconexos, mas como uma filosofia de cuidar. Idealmente, uma filosofia seguida por
1
uma equipa multidisciplinar de profissionais especializados, formada por médicos,
enfermeiros, técnicos de serviço social, fisioterapeutas, psicólogos, neurologistas,
psiquiatras, terapeutas da fala, nutricionistas, conselheiros espirituais e religiosos,
auxiliares de ação médica e até voluntários7,8. O acompanhamento destes doentes requer
um elevado investimento financeiro, social e emocional; nomeadamente, na formação
destes profissionais, na aquisição de meios técnicos e instalações especializadas, no
desenvolvimento de procedimentos de segurança e na articulação com os serviços de
saúde públicos, tribunais, instituições sociais e com as famílias9.
É previsível que o envelhecimento demográfico não se altere num futuro próximo,
agravando ainda mais estas necessidades. Em 2017, foi criada pela European
Association for Palliative Care uma task force denominada “Mapping Palliative Care
Provision for Prisoners in Europe”10,11 com a finalidade de avaliar o estado dos CP nas
prisões em vários países europeus, na qual esta dissertação se inclui.
Importa, portanto, saber que medidas foram adotadas nas prisões em Portugal, o país
alvo deste estudo, e quais as perceções e experiências dos stakeholders nessa realidade.
Atualmente, Portugal tem uma das populações reclusas mais envelhecidas da Europa 12,
além de ser um dos países com as maiores taxas de detenção e com penas de maior
duração (32 meses). Em 2020, cerca de 49% dos reclusos tinha uma idade entre os 31 e
50 anos e 21% acima dos 50 anos (a nona maior da Europa). Foi também reportado que
2.5% dos presos tinham 65 ou mais anos. Devido à idade avançada dos reclusos, tem-se
vindo a registar um maior número de óbitos em instituições prisionais por doença grave
ou crónica13,14.
Portugal adotou uma estratégia diferente para combater este problema, ao centralizar
todos os cuidados de saúde a este tipo de pacientes num único hospital prisional, o
Hospital Prisional de São João de Deus (HPSJD). Inaugurado em 1962, o HPSJD é
composto por três edifícios: uma clínica de psiquiatria e saúde mental, um pavilhão
administrativo e um pavilhão clínico com cento e trinta e cinco camas disponíveis15.
A finalidade desta dissertação é contribuir para um melhor esclarecimento da validade
desta solução e procurar medidas que aumentem a eficiência da mesma. Foi selecionada
uma amostra representativa dos diversos stakeholders envolvidos na prestação de CP no
HPSJD, que relataram as suas perceções e experiências neste contexto. Tendo em conta
a diferente estratégia implementada em Portugal, bem como as suas características
2
sociais, culturais e demográficas; através da análise qualitativa destes relatos, parece-
nos ser essencial compreender:
a. o ambiente da prestação de CP no HPSJD, incluindo a organização, estrutura,
contexto, perfis e trajetórias típicas dos reclusos, e regulação;
b. que obstáculos e elementos facilitadores à prestação de CP são identificados pelos
stakeholders;
c. que recomendações sugerem para a melhoria da disponibilidade e acessibilidade aos
CP pelos reclusos.
Na próxima secção será apresentada uma visão histórica dos cuidados de saúde nas
prisões, bem como a evolução da prática de CP. Depois serão analisadas as várias
valências que fazem parte da área de CP. Nomeadamente, serão apresentados e
discutidos (a) os princípios fundamentais sob os quais uma prática destes cuidados deve
assentar; (b) o âmbito dos CP, que tipo de doenças requerem tratamento paliativo, e em
que condições; (c) quais as necessidades formativas dos profissionais; e (d) que
condicionantes e dilemas tendem a existir nesta prática, principalmente na componente
ética. Segue-se depois uma análise ao estado atual da prestação de CP nas prisões de
diversos países do mundo, incluindo as barreiras ainda existentes e as medidas em
implementação. A secção seguinte descreve a metodologia do trabalho realizado. A
secção 3 apresenta e discute os resultados obtidos, especialmente as barreiras e
facilitadores referidos pelos entrevistados, e que melhorias são sugeridas. A última
secção apresenta uma conclusão sobre o estado dos CP nas prisões em Portugal, bem
como as limitações e possíveis melhorias a este estudo.
3
1 Enquadramento Teórico
A prestação de CP em contexto prisional é uma realidade complexa que envolve várias
áreas e domínios. Ao serem cuidados de saúde prestados em ambiente prisional, estão,
portanto, sujeitos a regras próprias e procedimentos de segurança. A realidade de prestar
cuidados de saúde neste contexto é recente. Ao longo da História, as prisões tinham
apenas como finalidade a punição dos reclusos e só recentemente evoluíram para
sistemas mais flexíveis. É por isso importante apresentar uma perspetiva histórica da
prestação de cuidados de saúde em ambiente prisional, especialmente nas prisões
portuguesas.
É também importante referir a evolução dos CP em geral. Até ao século passado, estes
cuidados foram essencialmente prestados por ordens religiosas e por instituições de
apoio social. Os modelos apresentados no passado recente foram sendo atualizados,
evoluindo para a visão dos CP contemporânea, que considera esta área prioritária,
multidisciplinar, assente em princípios sólidos e com um domínio de atuação bem
definido.
Apesar de reconhecidamente importante, a área dos CP foi bastante negligenciada ao
longo da História. Será apresentado e discutido o estado dos CP nas prisões em vários
países, evidenciando que ainda existem muitas barreiras à sua prática. As várias
soluções apresentadas pelos governos destes países têm de ter em conta fatores como a
cultura da população, a visão do sistema penal, a sua comunicação com o sistema
público de saúde, as condições físicas nas prisões, a sobrelotação do sistema, a
percentagem de reclusos mais vulneráveis e a disponibilidade ou não de profissionais
experientes e com formação. Devido a todos estes fatores, é impossível simplesmente
copiar uma solução externa e pô-la em prática. Sendo assim, esta análise não pretende
ser uma comparação, mas uma procura de problemas comuns e soluções que tendem a
resultar melhor, salvaguardando sempre que podem não ser as mais adequadas para um
país em particular.
4
privação de liberdade como forma de punição regenerativa e de reinserção social. Faz
por isso sentido, rever a evolução do conceito prisional. Como mudaram os direitos
fundamentais dos reclusos. Que medidas foram tomadas para adaptar as condições
prisionais de modo a garantir esses direitos. E como evoluiu a prestação de cuidados de
saúde aos reclusos, especialmente os que sofrem de doenças com necessidades
paliativas.
Na Antiguidade, a prática de encarceração não tinha uma finalidade punitiva, mas servia
como uma forma temporária de detenção até ao julgamento ou execução 16,17. Uma das
prisões mais notórias desta época é a prisão Mamertina, criada a partir de uma cisterna,
entre 640 a.C. e 614 a.C. pelo rei romano Ancus Marcius18, destinada essencialmente a
manter conspiradores e prisioneiros de guerra de elevado estatuto antes de serem
exibidos nas procissões triunfais romanas19.
Durante a Idade Média começaram a surgir as prisões de Estado e Eclesiásticas,
destinadas aos opositores do poder Governamental e do Clero. Neste período, as penas
tinham também a função de remissão, de penitência pelos crimes ou pecados cometidos,
para além do propósito de servirem como punição e exemplo social 20. Em particular, a
cela monástica introduz o conceito do isolamento do indivíduo do mundo exterior, não
para cumprir uma pena, mas para procurar a “cura” da alma através do sofrimento. Nos
tempos Medievais, as leis penais eram suficientemente ambíguas para que o mesmo
crime pudesse originar duas penas completamente diferentes, dependendo do estatuto
do suspeito e da interpretação do crime pela autoridade 21. As prioridades da época não
incluíam o bem-estar do recluso, pelo que castelos, fortalezas, celas monásticas, torres e
calabouços eram construídos e mantidos sem qualquer consideração com condições
sanitárias.
A mudança de paradigma ocorre durante o Iluminismo, no século XVIII. É neste
período que surgem várias reflexões e visões filosóficas sobre a Condição Humana, e,
consequentemente, sobre o bem-estar dos reclusos e as condições das prisões. Rousseau,
Voltaire, Beccaria, entre outros, argumentam que os reclusos devem ser tratados justa e
humanamente. Argumentando contra a intolerância, Voltaire menciona: “A tolerância
nunca provocou uma guerra civil; a intolerância cobriu a Terra em carnificina”22.
Os historiadores são unânimes em considerar o livro de Beccaria, “Dos Delitos e das
Penas”, como precursor do direito penal moderno. Nele, o autor tenta humanizar o
5
Direito Penal, argumentando e justificando a igualdade perante a Lei, defendendo a
abolição da pena de morte, a erradicação da tortura, e a instauração de julgamentos
públicos e céleres, penas consistentes e proporcionais23–25.
A evolução foi, contudo, muito lenta até ao que hoje se considera aceitável. Na Europa
o direito penal continuava a impor práticas abusivas e atrocidades aos reclusos 26. A
prisão privava os reclusos, não só da sua liberdade, mas também da sua saúde. John
Howard, xerife do condado de Bedford, descreve as condições degradantes das prisões
inglesas no final do século XVIII. Era habitual manter homens, mulheres e crianças na
mesma área durante todo o dia. As celas tinham pouca ou nenhuma ventilação, estavam
muito lotadas e geralmente sem instalações sanitárias e aberturas de qualquer tipo. O
ambiente era húmido, escuro e fedorento27.
No século XIX começa a surgir uma maior preocupação com a existência e transmissão
de doenças nas prisões. Tuberculose, doenças do foro respiratório, doenças mentais,
doenças gastrointestinais, lesões vasculares, tifo e varíola eram comuns entre os
reclusos. O pensamento da época, fortemente influenciado pela Igreja, encarava estas
doenças como um resultado natural do vício e da más condições sociais 27. Viriam ser os
trabalhos de Louis Pasteur em 1878, no campo da microbiologia e da parasitologia a
desmistificar esta ideia28. É neste período que começa a existir a separação entre a
explicação sobrenatural da doença e a explicação científica. Na área da psiquiatria,
destacam-se os trabalhos de Philippe Pinel no Hospital de Salpêtrière, em França, que
relaciona as doenças mentais com a rigidez do isolamento imposto pelo sistema
prisional29.
As más condições nas prisões são, portanto, um problema que eventualmente acaba por
afetar a restante sociedade. As epidemias que inevitavelmente atingiam vastas áreas da
população, tinham muitas vezes origem na prisão30. Vários países começam a assumir a
importância de criar condições para os reclusos, criando prisões mais adaptadas, com a
finalidade de reabilitar e devolver o recluso à sociedade. Generaliza-se a ideia que
classes sociais mais pobres, a falta de formação, os vícios e a vida ociosa são fatores
preditivos da criminalidade e delinquência, pelo que a educação assume um papel
fundamental no sistema penitenciário regenerador30.
Em Portugal, o sistema prisional só começa a ser alvo de mudança no início do século
XX. Na altura, as condições nas prisões eram classificadas como “miseráveis” pelo
6
cronista Rocha Martins. “Os cuidados básicos de higiene pessoal não existiam. Os
dejetos dos presos eram depositados em vasos. O espaço carcerário era frequentemente
invadido por insetos. No fundo, um lugar talhado para a sepultura” 31. Em 1899, um
surto de peste bubónica deflagrou na cidade do Porto, provocando 132 mortes entre 320
casos32. Entre as vítimas, inclui-se o famoso bacteriologista Luís da Câmara Pestana,
que faleceu devido a um pequeno arranhão contraído ao examinar um cadáver 33. O seu
colega Ricardo Jorge confirma a natureza bacteriológica da epidemia, e, nos anos
seguintes, lidera o esforço nacional no combate às doenças. Finalmente existe vontade
política para transformar as suas propostas, compiladas na obra “Higiene Social
Aplicada à Nação Portuguesa” em reformas sanitárias. Segundo o próprio desabafa,
“só o aguilhão das epidemias é que nos força a sonhar com reformas higiénicas”34.
A introdução da análise estatística começa a mudar a realidade nas prisões, permitindo
correlacionar de uma forma científica as condições sanitárias nas prisões com a saúde
pública e a harmonia social. O uso da estatística criminal e do processo biográfico do
recluso facilitaram a recolha de dados e o controlo do percurso penal, demonstrando que
estavam “saindo [da Penitenciária de Lisboa] diariamente dezenas de caixões com
tuberculosos para o cemitério”35; a maioria deles já dava entrada nesta prisão com
graves problemas de saúde devido às condições degradantes nos calabouços de origem.
Outras medidas para melhorar a saúde geral nesta penitenciária (à data, a única em
funcionamento no país)36 foram sendo implementadas. Destaca-se a vacinação contra a
varíola, a transferência de doentes mentais e outros de doentes graves para o hospital de
Rilhafoles (renomeado como Miguel Bombarda em 1911), e a criação de um posto
antropológico (que dá origem ao Instituto de Criminologia Português) para estudar o
perfil psicológico dos reclusos numa vertente etiológica, clínica e terapêutica 37. É
reforçada a participação médica no desenvolvimento do sistema prisional e no
acompanhamento clínico dos reclusos38. A título de exemplo da investigação médica nas
prisões cita-se a monografia de João Gonçalves “Os Regimes Prisionais e a
Tuberculose, a Loucura e o Suicídio na Cadeia”39.
Em 1936, durante o Estado Novo, foi introduzida nova legislação para reformar o
sistema prisional. A construção de penitenciárias ficou sujeita a regras sobre as
condições sanitárias e a prevenção de doenças contagiosas, assim como a saúde mental
dos reclusos40. Entre as alterações legisladas, destaca-se a criação de espaços para a
7
prática de exercício ao ar livre41. As celas passam a ser ventiladas e a ter iluminação
suficiente para que o recluso possa ler e trabalhar. O mesmo projeto-lei previa a
categorização dos reclusos por idade, tipo de crime e personalidade. Começam a ser
desenvolvidos os primeiros programas de reabilitação e construídos estabelecimentos
especiais como prisões-escola, prisões-maternidade e casas de trabalho para “mendigos,
vadios ou equiparados”42.
Estes importantes avanços foram, no entanto, assombrados por vários retrocessos graves
no tratamento a reclusos, especialmente nos estabelecimentos prisionais das antigas
colónias portuguesas, como Angola e Moçambique. Nestas colónias voltam a ser
aplicadas graves sanções disciplinares, incluindo restrições alimentares, desde a retirada
de uma das refeições diárias até ao castigo por “isolamento a pão e água”43. Por esta
altura, voltou também a vigorar a pena de “degredo” para crimes políticos ou de difícil
correção. Esta pena consiste no exílio de indesejados para uma prisão numa colónia,
longe de Portugal44.
Em 1946, o governo português decreta a construção de uma nova penitenciária dedicada
exclusivamente à prestação de cuidados de saúde. Situado no concelho de Oeiras,
freguesia de Caxias, o HPSJD só seria inaugurado dezasseis anos depois, em 1962, com
capacidade para receber setecentos e cinquenta reclusos15. Antes disso, em 1953, o
hospital começou a funcionar parcialmente. O primeiro pavilhão tinha capacidade para
hospitalizar quarenta e um doentes e dispunha de uma área de solário, para o tratamento
de reclusos tuberculosos.
A criação desta unidade hospital contribuiu para uma melhor assistência clínica e
hospitalar a reclusos, anteriormente a cumprir pena em pequenas enfermarias noutros
estabelecimentos prisionais. É também neste hospital que foram prestados cuidados de
saúde aos presos políticos do Ministério da Administração Interna e aos funcionários do
Ministério da Justiça. Posteriormente, a assistência estende-se também aos menores da
Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores, da área de Lisboa15.
Em 1966 Organização da Nações Unidas (ONU) afirma o direito dos reclusos a todos os
cuidados de saúde45. No entanto, só oito anos depois, com a Revolução do 25 de Abril,
em 1974, se inicia a reforma do sistema prisional português seguindo esta perspetiva.
Ainda que marcado por alguma instabilidade política, este é um período de grande
transformação social46. A opressão sentida por vários políticos, que durante a ditadura
8
experienciaram a reclusão, contribui para que a reforma penal tenha sido uma prioridade
nos primeiros anos de Democracia47.
A reforma penal aprovada no Decreto-lei n.º 265/79, concretiza, em 1979, os direitos
fundamentais dos reclusos estabelecidos pela Constituição de 1976 2. A reinserção social
do recluso é reforçada, nomeadamente pelo direito a um trabalho remunerado e pelo
acesso aos benefícios da Segurança Social. É ainda reconhecido o direito à assistência
médica durante a pena, incluindo exames de rastreio para despiste de qualquer doença
do foro físico ou mental. Intensificam-se os esforços para melhorar condições sanitárias,
alimentação, vestuário e higiene pessoal, assinalando uma aposta na prevenção da
propagação de doenças infeciosas e doenças mentais48.
O crescente número de infeções pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), da
Hepatite B (VHB) e da Hepatite C (VHC) no final do século XX suscitou uma
preocupação crescente nos estabelecimentos prisionais40,49. Cerca de metade dos óbitos
no HPSJD entre 1999 e 2001, foram causados por patologias associadas ao VIH (41.6%
em 1999, 59.5% em 2000 e 49.3% em 2001)50.
O investimento na saúde pública, o combate à toxicodependência e a prevenção de
doenças contagiosas como a SIDA tornou-se alvo de maior atenção. Na saúde, a
introdução de meios tecnológicos como o computador, permite avaliar exames e
analisar dados mais rapidamente, contribuindo também para a acessibilidade destes
registos. O acesso mais generalizado a meios de comunicação social, especialmente à
televisão, permite sensibilizar a população para estes temas. São discutidas formas de
combater a toxicodependência e a propagação destas doenças entre os reclusos através
da prevenção de comportamentos de risco, como as relações sexuais desprotegidas e a
troca de seringas, responsáveis pela maioria dos casos49. Em 1985, o Governo Português
criou um sistema de notificação de casos de infeção por VIH, e em 1987 aprovou a
comparticipação na totalidade de medicação antirretroviral. Durante os anos 90 é
formada a Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA e introduzido o programa de troca
de seringas51.
No século XXI, a melhoria nas condições económicas e sociais, a aposta em políticas de
saúde abrangentes e os grandes desenvolvimentos na medicina (com melhores formas
de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças) causaram uma redução significativa
na mortalidade. De acordo com dados da ONU, as vacinas da varíola, poliomielite,
9
rubéola, febre-amarela, sarampo, difteria, entre outras, permitiram evitar a morte de 2 a
3 milhões pessoas ao ano52. Um estudo publicado em 2017 na revista The Lancet53
avaliou a esperança média de vida em 35 países desenvolvidos, estimando em 0.5 a
probabilidade de ultrapassar os 90 anos no ano 2030. Em Portugal, de acordo com o
Instituto Nacional de Estatística (INE), a esperança média de vida aumentou 13.6 anos
entre 1970 e 2020 (de 67.1 para 80.7 anos)54.
Face a esta realidade, vários sectores da sociedade deparam-se com problemas de
sustentabilidade e em fornecer melhores cuidados de saúde, sobretudo no meio
prisional, onde existem cada vez mais reclusos a aproximarem-se do fim de vida.
Segundo o relatório anual “Prisons and Prisoners in Europe 2020”, existem em
Portugal aproximadamente 400 reclusos com mais de 65 anos e quase 3000 já
ultrapassaram os 50 anos. A população prisional portuguesa tem a quarta média de
idades mais alta da Europa (40.2 anos), apenas atrás da registada no Liechtenstein, Itália
e São Marino12, sendo por isso mais suscetível a problemas de saúde que requerem
cuidados especializados, e em casos mais graves, CP.
A propagação do coronavírus 2019 (COVID-19), que rapidamente se transformou numa
pandemia, evidenciou as lacunas e limitações dos sistemas de saúde mundiais, e,
naturalmente do sistema português, incluindo na prestação de cuidados de saúde nas
prisões55. Recursos anteriormente reservados ao tratamento de doentes tiveram de ser
alocados para o combate à pandemia, provocando atrasos em consultas, tratamentos,
exames e cirurgias56. Em Portugal, a excelente adesão da população às campanhas de
vacinação anticovid ajudou a diminuir a transmissão do vírus e reduzir a carga nos
sistemas de saúde. Algumas medidas, como a libertação de cerca de dois mil reclusos
idosos ou doentes permitiram manter o sistema de prestação de cuidados de saúde nas
prisões a funcionar, embora de uma forma limitada57. A sobrelotação das prisões e a
falta de recursos continuam a ser problemas que aguardam solução.
Esta breve análise histórica revela uma enorme melhoria das condições de vida nas
prisões. Ao contrário do que acontecia em épocas medievais, encontramos hoje,
sistemas penais mais moderados, compassivos e preocupados com os direitos dos
reclusos. Na maioria dos países, incluindo Portugal, os reclusos têm o direito a todos os
cuidados de saúde possíveis, como qualquer cidadão. Importa, no entanto, referir que
fatores como a sobrelotação das prisões e o aumento da idade média dos reclusos estão
10
a provocar dificuldades a este sistema. Não se prevendo uma alteração nestas condições,
é fundamental identificar as barreiras à prestação de CP e procurar soluções.
11
dar assistência a peregrinos e viajantes encorajou a procura de meios de tratamento mais
eficazes.
Um dos exemplos mais famosos é o Mosteiro de Monte Cassino, fundado por S. Bento
(480–544) em 529. Várias vezes destruído e reconstruído, este mosteiro atinge o
máximo da sua notoriedade durante o século XI, quando o Abade Desiderius (1026–
1087), que se tornaria o papa Victor III, incentivou a compra e tradução para latim de
textos médicos de autores gregos, romanos, egípcios, islâmicos, judeus e orientais 63.
Com a maior biblioteca da Europa, o mosteiro torna-se o principal centro de
conhecimento médico (e de outras ciências) da época, atraindo inevitavelmente,
médicos e estudantes estrangeiros64.
É durante este século que surgem os primeiros hospitais para cuidar doentes em fim de
vida. Inicialmente designados por hospícios, do latim hospititum (local de descanso e
proteção), estes hospitais eram dedicados a cuidar os peregrinos doentes e moribundos
no caminho para a Terra Santa65. Durante as Cruzadas Europeias para reconquistar
cidades como Antioquia, Damasco e Jerusalém, a grande necessidade de tratar os
feridos e acolher os doentes causou a criação e expansão de várias ordens religiosas,
como os Cavaleiros Hospitalários, que apesar da sua natureza militar, fundaram
diversos hospícios pela Europa dedicados a ajudar os pobres e os enfermos66.
Até ao século XVIII os hospitais em geral, e os hospícios em particular, eram vistos
essencialmente como uma instituição de assistência aos pobres, normalmente inspirada
por morais religiosos, mas também como forma de segregação e proteção de contágios.
Segundo Foucault, “O personagem ideal do hospital, até ao século XVIII, não é o
doente que é preciso curar, mas o pobre que está a morrer. É alguém que deve ser
assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e
o último sacramento. Esta é a função essencial do hospital”67. Durante séculos, coube
às ordens religiosas a tarefa de dispensar esses cuidados, que passavam, sobretudo, pelo
alívio do sofrimento, mais do que procurar uma cura para a doença. Embora numa fase
muito rudimentar, os CP já existem, mas sem este nome.
No século XIX, a assistência aos moribundos continua a cargo das ordens religiosas.
Jeanne Garnier funda a Association des Dames du Calvaire, uma ordem religiosa
dedicada aos doentes moribundos da cidade de Lyon, e mais tarde em Paris e Nova
Iorque. Mary Aikenhead funda a Religious Sisters of Charity e a Sisters of Charity of
12
Australia, promovendo a abertura do Our Lady’s Hospice for the Dying em Dublin, o
St. Luke’s Home e o St. Joseph’s Hospice em Londres68,69.
Já durante o século XX, os progressos da medicina proporcionaram à sociedade o
acesso a tratamento para doenças até então incuráveis. A morte ocorre mais tarde,
muitas vezes no decorrer de uma doença crónica, progressiva, aumentando a
necessidade de prestar cuidados especializados, mais centrados no alívio e controlo dos
sintomas. Alfred Worcester (1855–1951) escreve em 1935, o livro “The Care of the
Aged, the Dying, and the Dead”. Nele, o autor assinala a necessidade de adotar uma
atitude mais humanitária face à morte e aos moribundos, “O alívio e o conforto de
nossos pacientes idosos deve ser nosso objetivo, e não o prolongamento das suas
vidas”70.
A obra de Worcester viria a contribuir para o desenvolvimento dos CP modernos no
final dos anos 60, no St. Christopher’s Hospice, em Londres 71. Cicely Saunders,
enfermeira, assistente social e médica, deparou-se, no fim da Segunda Guerra Mundial,
com várias situações de doentes oncológicos avançados, em sofrimento extremo,
agravado pela angústia psicológica e espiritual. Ao observá-los, Saunders propõe o
conceito de “Dor Total”72,73, que engloba o desconforto físico, espiritual, psicológico, o
controle dos sintomas nos últimos dias de vida, e a atenção às necessidades dos
familiares, amigos e cuidadores. Sendo, ainda hoje, um conceito central na prestação de
CP, o conceito de Dor Total será alvo de uma maior análise na próxima secção.
O trabalho de Saunders veio demonstrar a importância de abordar as múltiplas valências
da Dor Total. Os resultados alcançados pela sua equipa multidisciplinar na melhoria da
qualidade de vida dos doentes e no seu bem-estar psicológico, impulsiona esta nova
filosofia de cuidar, que começa a expandir-se a outros hospícios e hospitais do Mundo.
Outro importante contributo para esta visão dos CP é dado pela psiquiatra suíça
Elisabeth Kübler-Ross, autora do livro “On Death and Dying”70,74, no qual propõe o
modelo Kübler-Ross. A autora observa pacientes com doenças terminais na escola
médica da Universidade de Chicago, identificando cinco fases pelas quais tendem a
passar no processo até à aceitação da morte: (a) negação, (b) raiva, (c) negociação, (d)
depressão e (e) aceitação. Face a um diagnóstico de doença terminal, Kübler-Ross
afirma que a reação inicial dos doentes é acreditar que foi cometido algum erro,
agarrando-se a uma realidade falsa. Quando reconhecem a veracidade do diagnóstico,
13
ficam frustrados, tipicamente com expressões emocionais como “porquê eu?”. Na fase
de negociação, o doente tenta obter mais tempo de vida em troca de algo, como um
estilo de vida diferente, ou a adesão a novos tratamentos. Na fase de depressão, ele
desespera face à consciência da inevitabilidade da morte, com expressões emocionais
como “vou morrer em breve, qual é o sentido?”. Por fim, na fase de aceitação, o
individuo acolhe a sua mortalidade, numa visão tranquila e retrospetiva. Mais tarde, este
modelo foi expandido para incluir todas as formas de perdas pessoais, como a morte de
um ente querido ou a perda de um emprego.
Influenciado pelo livro de Kübler-Ross e pelo trabalho de Saunders, o médico cirurgião
Balfour Mount é o primeiro a cunhar a expressão “Cuidados Paliativos”, depois de
visitar o St. Christopher's Hospice, fundando, em 1974, a “Palliative Care Service”,
uma ala exclusivamente dedicada à prestação de CP no Royal Victoria Hospital, em
Montreal75.
Na década de 70 são criadas várias alas de CP em países como Noruega, EUA, Canadá,
Polónia, Suécia e Japão. No Reino Unido surgem as primeiras equipas de apoio
domiciliário, permitindo chegar a mais doentes e garantir a continuidade da assistência.
Em 1976, Mount e os seus colegas organizam a primeira edição do International
Congress on Palliative Care, o famoso congresso sobre CP que ocorre bianualmente na
Universidade de McGill, em Montreal76.
Nos anos 80, um serviço de medicina paliativa no Cleveland Clinic Cancer Center, é
designado pela OMS como um projeto de demonstração internacional 77. Os bons
resultados levam a OMS a recomendar a inclusão de programas de CP como abordagem
aos doentes oncológicos e a emitir as primeiras recomendações sobre os cuidados
terminais a estes doentes. Nesta década surgem unidades de CP em diversos países
europeus (Espanha, Alemanha, Bélgica, Rússia, França e Itália), asiáticos (Japão, Índia
e Israel), e até africanos (Zimbabwe e África do Sul). Começam, também, a aparecer as
primeiras formações académicas nesta especialidade em países como Austrália, Bélgica,
Reino Unido e Polónia.
Em 1990, a OMS define CP como os “cuidados ativos e totais, prestados a pacientes
cuja doença não responde ao tratamento curativo”. Até à data, os CP centravam-se
essencialmente na assistência a doentes em fim de vida, mas com esta nova definição,
vários países recomendam-nos ao longo da trajetória de doenças oncológicas e
14
começam a introduzi-los nos planos nacionais de saúde. São criadas as primeiras
unidades de CP na América Latina (Brasil, Argentina, Chile e Colômbia) e várias
associações a nível nacional (e.g. Israel Palliative Care Association) e até continental,
com a European Association for Palliative Care. Na Noruega é proposto um pacote
inovador de medidas para integrar os CP no sistema nacional de saúde. É considerado
irrealista construir novos centros de CP, sendo, portanto, encorajada a criação de novas
alas em hospitais existentes e, especialmente, em ambientes universitários de forma a
garantir a melhor formação e investigação. Surge assim a primeira unidade de CP em
Universidades, mais concretamente na Universidade de Trondheim78,79.
No século XXI a OMS atualiza a sua definição de CP e elabora documentos, como o
Better Palliative Care for Older People, para integrar os CP para doenças crónicas
progressivas nos planos de saúde. O investimento em CP expande-se por países em todo
o mundo, sendo que atualmente, mais de metade tem pelo menos um serviço de CP.
Em Portugal, os CP têm início em 1992. O caso de um jovem com um cancro avançado
da cabeça, a viver sem qualquer assistência médica, motivou António Gonçalves,
especialista de Anestesiologia, a criar a primeira Unidade de Tratamento da Dor (UTD)
do país no Hospital do Fundão. Esta unidade destinava-se “a concretizar os cuidados
diferenciados necessários ao estudo clínico de síndromas dolorosos crónicos,
especialmente ligados à evolução de doenças malignas, até à sua fase terminal”80. Em
entrevista ao jornal do Fundão, o médico refere: “há que ter vontade em organizar
serviços deste tipo, já que em Portugal estamos praticamente no ponto zero. A
medicina paliativa é já uma especialidade médica em alguns países e é suportada pelos
mesmos conhecimentos científicos da medicina de agudos”80.
Em 1994, o Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, integrado na Unidade de
Cuidados Continuados, disponibiliza o primeiro serviço de CP. No ano seguinte é
fundada a Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ACP), hoje designada por
Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) e em 1996, no Centro de Saúde
de Odivelas, começa a funcionar a primeira equipa domiciliária de cuidados
continuados, que incluía a prestação de CP. Aos poucos, outras unidades hospitalares
começaram a incluir os CP nos seus serviços. O IPO de Coimbra cria a sua unidade no
ano de 2001. Cinco anos depois, é a vez do IPO de Lisboa Francisco Gentil e surge o
primeiro serviço de CP num hospital privado (Hospital do Mar). No ano seguinte são
15
criadas as unidades de CP no Hospital de Santa Maria, no Hospital de Elvas, no
Hospital de Cantanhede, no Hospital de Serpa e em mais um hospital privado (Hospital
da Luz).
Os serviços de CP em hospitais, clínicas e na assistência domiciliária passa a
considerado como “área prioritária de intervenção” pelo plano Nacional de Saúde,
aprovado em 2004. Em 16 de março de 2006, é promulgado o Decreto-Lei N.º 101/2006
que cria a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) de saúde a
idosos e dependentes, no âmbito dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da
Solidariedade Social. Esta rede é constituída por unidades de CP e por equipas de
cuidados de saúde, apoio social, e de cuidados e ações paliativas, com origem nos
serviços comunitários de proximidade, abrangendo hospitais, centros de saúde, serviços
distritais e locais de segurança social, a rede solidária e autarquias 81,82.
Tem início no ano 2002 na Faculdade de Medicina de Lisboa, o primeiro curso de
Mestrado em CP do país. Seguiram-se outras instituições. Em 2008, a Universidade
Católica criou o seu curso de mestrado nos campus de Lisboa e do Porto. No ano
seguinte, foi a vez da Faculdade de Medicina do Porto e mais recentemente do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo e do Instituto Politécnico de Castelo Branco.
Um estudo de 2009 sobre o estado dos CP em Portugal, alertava para a necessidade de
criar 133 Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP) e 102
Equipas Intra-Hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos (EIHSCP), estimando a
necessidade de alocar 470 médicos e 822 enfermeiros com formação específica em
CP83.
Cerca de uma década depois, no Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos
Cuidados Paliativos (2021-2022)7 estima-se que o número de pessoas em Portugal
Continental com necessidade de CP se encontra entre os 81.553 e 96.918, incluindo
7.268 crianças e jovens até aos 17 anos. Este documento aponta para a necessidade de
mais 27 ECSCP e 49 EIHSCP. Embora estes números revelem uma melhoria face à
situação em 2009, importa referir que as estimativas deste plano assumem que são
necessárias entre 45 camas por milhão de habitantes (441 camas no total). Este número
é claramente inferior à estimativa de 2009 (1062 camas) e à de outro estudo de 2019
(768 camas)84, mais alinhados com a sugestão da Associação Europeia de Cuidados
Paliativos (EAPC) de 90 camas por milhão de habitantes. Neste estudo de 2019 7são
16
também identificadas grandes assimetrias a nível distrital e regional, com as cidades de
Bragança, Castelo Branco e Coimbra com uma disponibilização de camas superior ao
necessário enquanto Leiria e Viana do Castelo não têm camas disponíveis.
Ao longo da História, os CP foram prestados maioritariamente por ordens religiosas,
sendo apenas adotados pelos sistemas de saúde públicos (e alguns privados) no século
XX. Atualmente, na maioria dos países, incluindo Portugal, a prestação de CP é um
direito humano consagrado. Infelizmente, nem sempre este direito é garantido devido à
falta de recursos físicos ou humanos. Importa lembrar que a falta de CP pode
eventualmente afetar qualquer um de nós, especialmente os mais vulneráveis. É,
portanto, fundamental continuar a investir nesta área para que estes cuidados possam
chegar a todos.
17
Os CP não se destinam a todo tipo de doenças. Por exemplo, não se aplicam em situação
clínica aguda, em recuperação, convalescença ou em incapacidades de longa duração,
mesmo em situação de condição irreversível. Estes cuidados destinam-se a doentes que
simultaneamente: (a) não têm perspetiva de tratamento curativo; (b) têm rápida
progressão da doença e expetativa de vida limitada; (c) têm intenso sofrimento; (d) têm
problemas e necessidades de difícil resolução, que exigem apoio específico, organizado
e interdisciplinar. Assim sendo, é a situação e as necessidades do doente que
determinam os CP, e não o diagnóstico da doença.
Os CP dirigem-se prioritariamente à fase final da vida, mas não se destinam apenas, aos
doentes agónicos. Muitos doentes necessitam de ser acompanhados durante semanas,
meses ou, excecionalmente, antes da morte. As pessoas que mais frequentemente
necessitam de CP especializados são as portadoras de cancro, SIDA ou doenças
neurológicas graves, rapidamente progressivas. As características destas doenças, a sua
complexidade e o impacto que têm no doente e cuidadores, exigem um
acompanhamento especializado, quer nos serviços hospitalares em geral, quer na Rede
de Cuidados Continuados.
As intervenções passam, sobretudo, por avaliar e controlar o sofrimento físico,
psicológico, social e espiritual em conjunto com o doente e a família. O controlo
sintomático é conseguido através da utilização de medidas farmacológicas e não
farmacológicas. As medidas farmacológicas consistem em avaliar e monitorizar os
sintomas, adequar as vias de administração, antecipar as medidas terapêuticas, fomentar
uma atitude preventiva e otimização do uso de opioides. As não farmacológicas incluem
o acompanhamento psicológico, comunicação, empatia, escuta ativa, conferências
familiares, gestão da espiritualidade, intervenção física e intervenção social. Este
acompanhamento passa também por envolver ativamente os membros da família e
cuidadores na prevenção de crises e no luto, de forma personalizada, para adultos e
crianças, conforme a necessidade.
A família é parte integrante do processo e deve participar de forma ativa nos cuidados
prestados ao doente. Paralelamente, ela própria é objeto de cuidados, quer durante a
doença, quer durante o luto, para que possa, de forma concertada e construtiva,
compreender e colaborar nos ajustamentos que a doença e o doente necessitam. É
18
fundamental que recebam apoio, informação e instrução da equipa responsável pela
prestação dos CP79,86.
Durante o processo da doença é comum, nos doentes e cuidadores, existirem períodos
de grande dor emocional, perda de sentido de vida, perda dos papeis sociais e estatuto,
perda da autonomia e dependência de terceiros e sintomas mal controlados. Fatores que
resultam em sofrimento, físico, psicológico, social e espiritual. A este sofrimento
multifacetado, Cicely Saunders chamou Dor Total73.
A dor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como
“uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a um dano tecidual,
real ou potencial, ou descrita em tais termos” 87. A perceção da dor envolve, portanto,
dois componentes: o estímulo doloroso (nocicepção) e a reação emocional à dor.
Embora os médicos, geralmente se concentrem mais na dor física, o conceito de Dor
Total, abrange as restantes componentes da dor. Segundo Saunders, a “avaliação e
compreensão do paciente e da experiência da Dor Total é semelhante à atividade de
descascar uma cebola. Deve-se avaliar cada camada, olhando por baixo de todas
camadas para entender a gênese da experiência do paciente”88.
A dor psicológica caracteriza-se pelo isolamento, solidão, sentimento de medo e temor,
ansiedade e depressão. Pode refletir-se, por exemplo, na não adesão aos tratamentos
médicos, em espectativas desajustadas quanto à evolução da doença ou ao desejo
antecipado de morte89.
A dor física resulta em parte da própria doença, que pode provocar limitações físicas
como imobilidade, desidratação, hipercalcemia ou desequilíbrios iónicos. Mas também
devido a efeitos secundários de tratamentos, que podem causar obstipação, náuseas,
vómitos, insónias, anorexia ou diarreia90.
A dor social prende-se com dificuldades financeiras, problemas familiares, com a perda
de papéis sociais e familiares, perda de prestígio, perda de autonomia sobre si, sobre o
corpo e sobre a vida em geral. Neste sentido, é fundamental promover conferências
familiares entre o paciente e os cuidadores para ajudar a encontrar soluções, definindo o
papel da família e assim melhorar o estado clínico do paciente91.
A dor espiritual pode manifestar-se de diversas formas. Por exemplo, no sentimento de
vazio, culpa ou arrependimento, na incapacidade de comunicar e receber ajuda a este
nível, e num sentimento distorcido de castigo divino92,93. Estas crises existenciais ou
19
espirituais devem ser devidamente avaliadas e ser disponibilizado um apoio espiritual
básico. É por isso fundamental que cada elemento da equipa possua conhecimentos e
formação básica nesta área, e é desejável a presença de um conselheiro espiritual, como
um capelão94.
As crenças espirituais e religiosas têm um papel importante na vida de muitos doentes.
No entanto, é importante frisar que religião e espiritualidade são conceitos distintos. A
espiritualidade é frequentemente definida como a experiência de conexão, significado,
transcendência e propósito na vida, integrando aspetos do “Eu”, incluindo ou não uma
busca pelo sagrado. Esta definição reflete uma construção de espiritualidade
individualista, não necessariamente associada à religião tradicional 95. Segundo Saunders
a dor espiritual é uma “raiva amarga pela injustiça do que está a acontecer [no final da
vida] e, acima de tudo, um sentimento de desolação e de falta de sentido. Aqui reside,
creio eu, a essência da dor espiritual” 96. Saunders enfatiza questões de natureza
existencial geral, ao invés de questões puramente espirituais ou religiosas.
As crenças podem influenciar o estilo de vida, atitudes e sentimentos sobre a vida, a dor
e a morte. Algumas religiões colocam restrições sobre a dieta, e em casos, até sobre os
cuidados médicos, e como tal, devem ser tomadas em conta. As crenças espirituais ou
religiosas dão muitas vezes um significado maior no momento da doença do que em
qualquer outro momento da vida, podendo ajudar a encontrar um sentido para as
provações. Tipicamente, estas crenças ajudam a confortar as pessoas durante o
sofrimento, na preparação para a morte e no luto97.
O conceito de Dor Total tem sido, no entanto, questionado por alguns profissionais de
saúde, principalmente por médicos menos familiarizados com a filosofia dos CP. A Dor
Total não está necessariamente ligada à dor física, pelo que a multidimensionalidade da
dor tem significados variados. O conceito de Dor Total tem sido criticado também pela
algologia (ciência que que estuda a dor, as suas formas e tratamentos), uma vez que não
se ajusta à definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP). A crítica
é direcionada à ambiguidade da palavra “Dor”, pois a sua utilização em contexto clínico
pode ser fonte de equívocos entre profissionais de saúde, ao não ser evidente se Dor
Total se refere à dor ou outras formas de sofrimento. Apesar das criticas, vários estudos
demonstram que a maioria dos médicos e outros profissionais de saúde na área
consideram este conceito relevante, apesar da sua complexidade98,99.
20
É fundamental que os profissionais envolvidos no processo de CP tenham formação
específica para responder às necessidades dos doentes, cuidadores e familiares. A
APCP, em colaboração com a EAPC, definiu no seu Plano Estratégico para o
Desenvolvimento dos CP, três níveis de formação: Básica (Nível A), Pós-graduada,
intermédia (Nível B) e Pós-graduada (Nível C) 85. O Nível. A engloba programas e
atividades de formação com duração entre 18 e 45 horas, lecionadas através de
formação pré-graduada ou de desenvolvimento profissional contínuo. Têm como
destinatários alunos e profissionais de saúde em geral. O Nível B consiste em atividades
de formação com duração entre 90 e 180 horas, lecionadas como pós-graduação ou
através de desenvolvimento profissional contínuo. Destinam-se a profissionais
envolvidos com maior frequência em situações de necessidades paliativas (oncologia,
medicina interna…), mas que não têm os CP como atividade principal. Por fim, o Nível
C inclui uma pós-graduação (com mais de 280 horas), associada a um estágio em
unidades de reconhecida credibilidade, reforçada por meio de desenvolvimento
profissional. As formações neste nível são destinadas a profissionais que exerçam
funções em serviços cuja atividade principal é a prestação de CP.
Além da formação técnica e profissional indispensável para se proporcionarem CP de
qualidade, é importante formar convenientemente os prestadores para lidarem com os
dilemas éticos que inevitavelmente surgem nesta área. Por exemplo, algumas
terapêuticas, como a introdução de uma sonda nasogástrica (SNG), tendem a causar um
impacto negativo na família. Nestas situações é necessário avaliar e discutir com a
família se os benefícios justificam a terapêutica.
A prestação de CP envolve diversos domínios de cuidados de saúde, incluindo o
domínio ético. É necessário também, ter em conta o domínio social, psicológico,
espiritual, ou o físico, entre outros. Em 2007, o National Consensus Project for Quality
Palliative Care, National Quality Forum e o National Coalition for Hospice and
Palliative Care propuseram oito domínios de atuação de CP100,101.
a) Domínio da estrutura e processo de cuidados: Domínio dos recursos materiais e
humanos. Inclui os processos tais como treino e formação dos profissionais;
b) Domínio dos aspetos físicos do cuidado: domínio que envolve por exemplo a
medição e documentação da dor e outros sintomas. Neste domínio pretende-se
avaliar e gerir sintomas e efeitos adversos;
21
c) Domínio dos aspetos psicológicos e psiquiátricos do cuidar: envolve também a
medição, documentação e gestão da ansiedade, depressão e outros sintomas
psicológicos assim como avaliar e gerir as reações psicológicas dos pacientes e
familiares;
d) Domínio dos aspetos sociais do cuidar: organização de reuniões regulares com o
paciente/família para fornecer informações, discutir metas de cuidados e oferecer
apoio ao doente ou à família. Envolve desenvolvimento e implementação de planos
abrangentes de assistência social;
e) Domínio dos aspetos espirituais, religiosos e existenciais do cuidar: informar o
doente ou familiares sobre a disponibilidade de serviços de assistência espiritual;
f) Domínio dos aspetos culturais do cuidar: incorporação de avaliações culturais, tais
como quem é envolvido nas tomadas de decisão e quais as preferências do doente ou
da família em relação à transmissão de informações, linguagem e rituais;
g) Domínio dos cuidados em morte iminente: identificar e documentar a transição para
a fase de últimos dias ou horas de vida, averiguar e documentar os desejos do
doente/família sobre o local da morte e implementar um plano de cuidados do luto;
h) Domínio dos aspetos éticos e jurídicos do cuidar: relato sobre as preferências do
doente/representante legal para os objetivos do cuidado, as opções de tratamento e o
ambiente do cuidado; realização de diretivas antecipadas e promover o planeamento
antecipado dos cuidados.
O universo da prática dos CP envolve uma variedade de fatores que devem ser
considerados com muito cuidado e atenção. Para se cumprirem os seus princípios
fundamentais, é essencial considerar a situação do doente caso a caso, identificando os
que realmente necessitam de CP, e que cuidados devem ser prestados. Idealmente uma
equipa de CP deve ser multidisciplinar, composta por, entre outros, médicos,
enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas; e capaz de proporcionar cuidados para aliviar
as diversas vertentes da Dor Total. É também fundamental que a equipa tenha o melhor
treino e formação possível, não só na componente técnica, mas também nos princípios
éticos que regem a prática.
22
1.4 Prestação dos Cuidados Paliativos nas Prisões no Mundo
As prisões funcionam com regulamentos próprios, independentes do sector público. Os
cuidados de saúde nestas instituições têm que se adaptar às leis vigentes. A assistência
oferecida aos reclusos deve ser, por norma, equivalente àquela que é recebida pela
população no sector público. De acordo com a Regra 24.1 de Mandela, as pessoas que
estão encarceradas têm o direito “aos mesmos padrões de assistência médica que estão
disponíveis na comunidade e devem ter acesso aos serviços de saúde necessários
gratuitamente, sem discriminação em razão do seu estado legal”102.
Esta diretriz implica a disponibilização de serviços de saúde aos reclusos, incluindo a
prestação de CP. A sua aplicação leva a que estes cuidados tenham que ser prestados
dentro ou fora da prisão. A segunda opção implica conceder acesso aos serviços
disponíveis no sector público ou privado, como as unidades de CP nos Hospitais,
levantando questões sobre os limites da Lei e da punição, e os objetivos da prisão. Em
2020, A OMS reforçou a importância da prestação de cuidados de saúde ser feita nas
prisões, não especificando contudo, a prestação de CP 103. É, portanto, importante
compreender que soluções foram adotadas pelos diversos países face a esta realidade.
Dados do biénio 2011/2012 estimam que cerca de metade dos reclusos têm uma ou mais
condições médicas crónicas, tais como cancro, demência, hipertensão, acidente vascular
cerebral (AVC), diabetes, doença cardíaca, doença renal, artrite, asma ou cirrose.
Diversos estudos relataram altas taxas de outras patologias, incluindo doenças hepáticas,
23
doenças sexualmente transmissíveis, obesidade, hipertensão, problemas na menopausa,
úlceras, problemas de audição e problemas de visão108,109.
O primeiro programa de CP prisional neste país, teve início em 1987, numa unidade
correcional do centro médico para reclusos federais dos EUA, em Springfield,
Missouri110. A ideia partiu, inicialmente, de um recluso que cumpria uma pena de prisão
de 14 anos por tráfico de droga, “conseguimos que profissionais de CP viessem à
prisão e treinassem o nosso grupo inicial de dez [reclusos]. Fomos, inicialmente,
supervisionados pelo capelão e pela psicóloga clínica da unidade médico-cirúrgica”111.
Os bons resultados alcançados neste programa, levaram outros estabelecimentos
prisionais norte americanos a adotar este modelo, que consiste, essencialmente, em dar
formação a funcionários da prisão e reclusos (voluntários) para que, em equipa, prestem
CP a reclusos moribundos. “Visitávamos nossos pacientes diariamente, muitas vezes
por muitas horas, oferecendo todo o tipo de cuidados não médicos, cuidados à beira do
leito, cuidados psicossociais, cuidados pastorais e espirituais e outros. Cada um de nós
foi designado para pacientes específicos, cuidando deles durante todo o processo de
doença e morte”111.
Programas semelhantes foram depois implementados em várias instalações médicas de
prisões estaduais no Texas, Flórida, Nova York, Michigan, Colorado, Delaware,
Louisiana, Maryland e Washington. Um estudo realizado por Heath em 2011,
“Characteristics of Prison Hospice Programs in the United States” avaliou o
funcionamento de 43 programas prisionais no país, concluindo que a prestação de CP
prisionais além dos benefícios humanos, conseguiu reduzir os custos com a saúde 112. O
acompanhamento destes reclusos dentro da prisão evita deslocamentos ao exterior,
evitando gastos com transporte, segurança associada e internamentos em hospitais.
Contudo, alguns destes centros só admitem doentes que tenham instruções de não
reanimação, de modo a diminuir os tratamentos. O estudo refere a grande preocupação
com o uso de substâncias opioides para controlo da dor pelo potencial de abuso e de
propagação pela economia da prisão.
Estes CP são uma versão rudimentar dos CP que idealmente deveriam ser prestados,
pois não tem em conta alguns princípios éticos, como a autonomia do doente, em não
ter opção de escolha entre ser ou não reanimado para ser admitido em unidade de CP.
Em oposição, algumas prisões do país começaram a implementar programas de CP,
24
como a Correctional Facility-Oak Park Heights no Minnesota e a Louisiana State
Penitentiary. Estes estabelecimentos prisionais garantem as condições necessárias para
que os familiares possam visitar e acompanhar os seus entes queridos, assemelhando-se
mais ao modelo de hospício comunitário. Outro exemplo de boas práticas em CP é o
Centro Médico da Califórnia em Vacaville, construído nos anos 90 durante a crise do
vírus da SIDA. Este foi o primeiro hospital prisional do país e é atualmente uma
referência de qualidade na prestação de CP113.
25
o direito à saúde dos reclusos. São inumeradas falhas de articulação entre o sistema
prisional e o Serviço Nacional de Saúde, que contribuem para atrasos na sinalização de
reclusos doentes. O documento enumera ainda um conjunto de recomendações, como a
libertação por compaixão a doentes em fim de vida, a reorganização das prisões para
aumentar a autonomia e o conforto dos doentes115.
Turner et. al.117 descrevem as condições em que encontram algumas das prisões do
Reino Unido em 2017. Algumas prisões têm alas de internamento, mas a maioria apenas
dispõe de serviço de enfermaria. Quando são necessários tratamentos, que não sejam
possíveis de ser prestados no estabelecimento prisional, os reclusos são transferidos para
outra unidade prisional com esses recursos. No entanto, muito dos edifícios prisionais
não têm condições físicas para responder as necessidades dos reclusos mais idosos,
doentes ou com limitações físicas. A autora aponta como exemplo uma prisão instalada
no interior de um castelo medieval, que necessita de remodelações, como a colocação
de elevadores e o alargamento de portas para facilitar o acesso a cadeiras de rodas.
Estando este local classificado como edifício histórico, estas remodelações
simplesmente não podem ser feitas. “Muitos [reclusos] precisam de assistência diária
com cuidados pessoais, como tomar banho, ir à casa de banho, comer e beber. “Para
um idoso entrar na prisão, é muito preocupante (…). A saúde deles deteriora-se num
ambiente como este”. Tipicamente, as celas têm cerca de 5m 2, uma área insuficiente
para uma cama de hospital119.
Além das barreiras físicas, os profissionais de saúde descrevem outras dificuldades,
mesmo em procedimentos de rotina, como avaliar os sinais vitais ou dar medicação. O
regulamento prevê que os guardas prisionais acompanhem todo o processo por questões
de segurança, o que implica ter um número suficiente de guardas prisionais. Em
situações de múltiplas emergências a equipa de saúde pode não ser capaz de responder
com prontidão, por não terem acesso rápido aos doentes, pela escassez de guardas
prisionais, principalmente durante o turno da noite.
A prestação de CP nas prisões do Reino Unido está ainda numa fase embrionária. Com
cerca de 81 mil reclusos, existem 13.636 reclusos com mais de cinquenta anos, 3.328
deles com mais de sessenta anos e 1.701 acima de setenta, não existindo uma estratégia
unificada para a prática de CP117. Esta situação leva a que cada estabelecimento
prisional forneça estes cuidados com os recursos existentes, sendo que, naturalmente, a
26
qualidade dos mesmos varia consoante a prisão, e, infelizmente, um grande número
delas não tem meios para responder às necessidades básicas dos doentes.
1.4.3 Alemanha
Durante a República de Weimar, estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra
Mundial, é assinado, na cidade de Turíngia, um tratado que põe fim à tortura como
forma de punição. No sentido de modernizar os estabelecimentos prisionais, são
promovidas medidas de reinserção social e são criadas as primeiras políticas de saúde
dentro do sistema prisional120. No entanto, as sanções impostas pelo Tratado de
Versalhes e posteriormente, a Grande Depressão, levaram à perda de poder económico e
ao descontentamento social. A queda da Républica de Weimar e a ascensão do Regime
Nazi deitaram por terra o plano para reformar a Alemanha, e modernizar o sistema
prisional 121.
A derrota na Segunda Guerra Mundial colocou fim ao regime e resultou na divisão do
país na República Federal Alemã (RFA) e República Democrática Alemã (RDA). O
estado das prisões em ambos países era de degradação e sobrelotação, sem qualquer
capacidade para receber reclusos em condições dignas. Só em 1969, com o início da
Grande Reforma do Direito Penal na RFA, se começaram a recuperar direitos dos
reclusos. Anos mais tarde, em 1987, é abolida a pena de morte e implementadas
medidas para a diminuição das penas e estímulo à reabilitação social 122. Entre as
medidas implementadas destaca-se, a não-obrigatoriedade de encarceramento durante o
dia em algumas penas mais leves, permitindo assim, conciliar esse tempo com a família
e trabalho. Noutros casos, foi introduzida a pena de tempo livre, utilizada na Suíça e na
Holanda, obrigando apenas a permanência na prisão ao fim-de-semana. Muitas destas
medidas tiveram efeitos na redução da população prisional e da reincidência de
crimes123. Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a unificação da Alemanha, estas
medidas foram implementadas no território da ex-RDA.
Em 2020, existiam cerca de 59 mil reclusos na Alemanha, um rácio de 67 reclusos por
100 mil habitantes124. Cerca de 3,3% dos reclusos tem mais de 60 anos, um valor mais
baixo que na maioria dos países europeus, mas que tem vindo a aumentar nos anos mais
recentes125. Foi criada uma prisão exclusivamente para idosos, a fim de os ajudar a
envelhecer com dignidade, a prisão Konstanz, situada no estado de Baden-Württemberg
com capacidade para acolher 50 reclusos126,127. Outras prisões tiveram que adaptar os
27
serviços para apoiar os idosos, como os estabelecimentos prisionais na Renânia do
Norte-Vestfália, Saxônia e Baviera, que criaram áreas específicas para estes reclusos128.
Dentro do sistema prisional, a prestação de serviços de saúde é financiada pelas
autoridades judiciais, sendo regulamentada de acordo com princípio da equivalência,
que estipula que os serviços médicos prisionais devem ser equivalentes aos prestados no
sistema público de saúde129.
Tipicamente, existe uma unidade de saúde em cada estabelecimento prisional, que
permite assegurar os cuidados de saúde básicos. Vários estudos indicam que o tipo de
atendimento varia de acordo com estabelecimento prisional e da política vigente em
cada estado. Reportam também uma escassez de médicos para assegurar essas
necessidades básicas (um médico para 127 reclusos em média) 130–132
Para lidar com a falta de médicos, as autoridades em vários estados usam a
telemedicina. Em casos graves ou que necessitam de hospitalização, os reclusos são
transferidos para um hospital prisional (e.g. Hohenasperg em Estugarda) ou para um
hospital público, quando a administração considera que não existe risco de segurança
para a população. Embora os cuidados básicos de saúde estejam disponíveis nos
estabelecimentos prisionais, existem dificuldades em dar resposta aos reclusos em
alguns estados. Um relatório recente revelou que, infelizmente ainda não há acesso a CP
para a maioria reclusos na Alemanha133.
1.4.4 França
O primeiro documento oficial relacionado com a prestação de cuidados de saúde nas
prisões francesas data de 1944. Este documento decreta que “Em todo estabelecimento
prisional deve funcionar um serviço médico e médico-psicológico”. Estes serviços de
medicina nas prisões ficaram à responsabilidade da administração de cada prisão, tendo
sido criada uma inspeção médica prisional para regular esses serviços 134. Um ano mais
tarde, a “Reforma do Amor de 1945” 135
implementa um conjunto de medidas
administrativas em território francês, com o objetivo de modernizar a função das penas,
e como tal, o próprio sistema prisional. Paul Amor foi o primeiro diretor da
Administração Prisional, nomeado após a Segunda Guerra Mundial. Ele estabeleceu um
conjunto de medidas para promover a ressocialização e a requalificação social do
recluso. Cada estabelecimento prisional deveria ter assistente social, médico e
28
psicólogo. A assistência aos reclusos durante e após a sentença, deveria ser assegurada,
a fim de facilitar a sua reabilitação.
As diversas reformas implementadas no século XX permitiram melhorar a qualidade de
vida dentro da prisão. Contudo, à semelhança de outros países, o aumento da população
prisional começa a ter efeitos nas prisões francesas, colocando em causa a prestação de
cuidados de saúde. Um estudo envolvendo médicos, sociólogos, antropólogos e
filósofos, realizado à escala nacional, entre 2011 e 2014, revelou as grandes
dificuldades no apoio aos reclusos gravemente doentes. São reportadas condições
insuficientes nas prisões, como celas sem conforto, o acesso limitado a analgésicos,
falta de equipas com formação em CP e lacunas na assistência permanente de
enfermagem e cuidado relacional com familiares136.
A França tem 68 milhões de habitantes e uma população prisional de 106 reclusos por
100 mil habitantes, num total de aproximadamente 77 mil reclusos, com 3,9% acima
dos 60 anos124. A prestação de CP aos reclusos é realizada normalmente na prisão, facto
criticado por muitos profissionais de saúde, que referem ser “preferível que os detidos
não terminem os seus dias atrás das grades” 137. A libertação compassiva, é, no entanto,
um processo complexo e incerto. Em 2018, Adeline Hazan, responsável pela
administração prisional, alertava para as condições dos reclusos idosos e deficientes,
recomendando que nestes casos, a pena de prisão seja executada com menor frequência,
e se possível em ambiente aberto. Pediu ainda mecanismos para agilizar a libertação
antecipada destes reclusos138.
O número de reclusos doentes que necessitam de cuidados de fim de vida foi estimado
em cerca de 15 por 10.000 reclusos139. Num estudo de 2018140, o número dos que
necessitam de CP foi duas vezes maior do que o número esperado na população geral,
naquela faixa etária, e semelhante ao número esperado entre pessoas 10 anos mais
velhas. Ao todo, 93% dos presos doentes identificados eram elegíveis para libertação
compassiva temporária ou permanente, de acordo com seu médico. Apenas 68% dos
presos doentes pediram suspensão ou redução da pena por motivos médicos, e destes,
apenas metade recebeu resposta positiva141.
1.4.5 Espanha
29
Em 1930, Victoria Kent (a primeira mulher a exercer advocacia em Espanha) é
nomeada Diretora Geral das Prisões em Espanha. Neste cargo, Kent inicia uma reforma
nas prisões de Espanha. Numa abordagem humanista, decreta que as prisões degradadas
fossem encerradas. Aboliu práticas de tortura como forma de punição, e promoveu o
tratamento digno durante o cumprimento da pena. O programa previu ainda, medidas
importantes na prestação de cuidados médicos nos estabelecimentos prisionais. Segundo
ela, a “natureza democrática de um país é determinada, entre outras coisas, pela forma
como os reclusos são tratados” 142.
As reformas realizadas por Kent contribuíram para humanizar os estabelecimentos
prisionais do país, que foram evoluindo progressivamente, especialmente durante a
década de 1980. Devido às doenças que atingiram os ambientes prisionais nessa década,
como a SIDA e a tuberculose, foram implementados programas para controlar
transmissões, desenvolvidas terapias de manutenção com metadona, e mais
recentemente, um programa de ajuda a doentes com patologia mental 143.
Com uma população nacional estimada de 47,46 milhões em 2021, este país tem um
total de 55 mil reclusos (116 por 100 mil habitantes). A população reclusa com 60 anos
ou mais anos é cerca de 4,6%, valor que tem vindo a subir nos últimos anos. Para
atender às necessidades dos reclusos mais idosos as autoridades começaram a fazer
melhorias arquitetónicas para tornar as prisões mais adaptadas com mobiliário
adequado, casas de banho e chuveiros específicos.
As doenças que afetam a população prisional espanhola não diferem de outros países
aqui analisados. Alguns autores descrevem dificuldades em aceder as instalações e a
registos das prisões, para perceber a situação destes doentes. Contudo, um estudo
desenvolvido em nove estabelecimentos prisionais de Espanha, a uma amostra de 1.170
reclusos, mostrou a prevalência de doenças dislipidemias (34,8%), hipertensão arterial
(17,8%), diabetes (5,3%), asma (4,6%), DPOC (2,2%), cardiopatias isquémicas (1,8%)
e patologias cardiocirculatórias (1,5%). Este estudo destaca ainda como fatores de risco
o tabagismo, a obesidade, a gordura abdominal, o uso de cocaína e a idade144.
O autor de um outro estudo145, realizado em 2016, alertava para as dificuldades dos
reclusos em aceder a tratamentos por falta de verbas, evidenciando desigualdades em
relação aos cuidados que são prestados no sector público. Muitos destes doentes têm
necessidades paliativas, sendo também difícil conseguir um tratamento eficaz em alguns
30
estabelecimentos prisionais devido a restrições legais, uma vez que este envolve o uso
de analgésicos opioides. Em muitos casos não é possível efetuar o controle da dor, não
se conseguindo evitar um sofrimento desnecessário e prolongado que torna as penas de
prisão mais severas 146.
Em termos gerais, as prisões em Espanha estão razoavelmente preparadas ao nível das
infraestruturas, no entanto ainda não existe o investimento necessário na área de CP. O
acesso a recursos clínicos especializados e CP contínuos, essenciais em muitos casos,
não está disponível na maioria dos estabelecimentos prisionais147.
31
Em 2002 Harold L. Wilensky, sociólogo organizacional americano, refere no seu livro
“Rich Democracies” que “a comunicação social finlandesa é menos emocional, e a
informação para o público, por exemplo, sobre o desenvolvimento de um crime, é
geralmente acompanhada de factos baseados numa investigação rigorosa”. Os canais
de televisão pública têm um papel de educação junta da população, e isso reflete-se na
forma como as notícias sobre crimes são noticiadas 155
, “podemos começar a entender
por é que o medo do crime não foi capaz de interferir muito na qualidade de vida
nesses países”156.
Nos códigos penais destes países destaca-se o princípio da normalização, mais
claramente declarado na Lei Finlandesa de Execução de Sentenças de 2002: “a punição
é uma mera perda de liberdade. A execução da pena deve ser organizada de modo que
a pena seja apenas a perda da liberdade. (…) Os serviços prisionais essenciais, como
os cuidados de saúde, são, portanto, prestados a partir de instalações da comunidade,
em vez do serviço prisional, e refletem esses valores e não os valores prisionais”157.
Todas os estabelecimentos prisionais são administrados pelo Estado. Em cada
estabelecimento há uma clínica com enfermeiras e médicos, em tempo integral ou
parcial. Os reclusos, independentemente da sua sentença ou nacionalidade, têm
garantidos os melhores cuidados de saúde possíveis. . Cabe à Unidade de Saúde
158
32
todas as unidades de CP ainda estão centradas nas grandes cidades. Este relatório aponta
ainda para necessidade de CP domiciliares de nível especializado, mas é omisso em
relação à situação nas prisões 163.
Na Noruega o cuidado com os reclusos e as qualidades excecionais das prisões
dignificam os direitos do Homem. A Noruega tem uma das menores taxas de
reincidência do mundo, devido aos seus métodos de reabilitação, onde a punição é
somente a privação da liberdade. As prisões na Noruega são pequenas, pouco lotadas e
confortáveis, com áreas comuns como cozinha, biblioteca, sala de jogos e sala de estar
com TV, que permitem o convívio social entre reclusos, e com espaços próprios para
receber familiares e amigos. As necessidades de saúde dos doentes são garantidas nos
próprios estabelecimentos, ou em casos mais graves, num hospital público164.
Na Suécia a diminuição do número de reclusos tem levado o governo a encerrar
estabelecimentos prisionais. O investimento na reabilitação e aplicação de penas mais
leves contribuem para os bons resultados alcançados 165. Os cuidados de saúde são um
sector prioritário, tanto na prevenção de doenças, como no acompanhamento clínico dos
reclusos. Contudo, estudos recentes indicam que a proporção de reclusos que sofrem de
doenças, sobretudo de doença mental, tem vindo a aumentar. Estes reclusos são
sinalizados ao tribunal, e após exame e atestado médico, colocados em alas especiais.
Em casos mais graves ou em situações de emergência médica, os reclusos são
encaminhados para o hospital mais próximo166,167.
1.4.7 Japão
O Japão é atualmente o país do mundo com mais idosos. Quase 30% da população tem
pelo menos 65 anos, incluindo 80 mil centenários 168,169. Grande parte dos serviços de CP
(integrados desde 1973 no sistema de saúde) são assegurados pelo seguro de saúde
nacional. Nomeadamente, enfermagem ao domicílio, equipas hospitalares, clínicas com
função de hospício domiciliário e hospícios 170. Além destes serviços, o sistema de saúde
no Japão, inclui exames de triagem, cuidados pré-natais e controle de doenças
infeciosas, garantindo relativa igualdade de acesso.
Todos os residentes no Japão são obrigados por Lei a ter cobertura de seguro de saúde.
Os utentes são livres de escolher os médicos ou estabelecimentos de saúde e não podem
ter sua escolha negada. Os hospitais, por Lei, devem ser administrados por médicos,
33
sem fins lucrativos. As taxas médicas são estritamente regulamentadas pelo governo
para manter os cuidados acessíveis a todos171.
Os CP no Japão desenvolveram-se rapidamente na última década, com as políticas de
contenção de doenças oncológicas a terem um papel muito importante172. Atualmente, o
Japão tem 215 unidades de CP (em contraste com as 79 existentes em 2009) e existem
aproximadamente 500 equipas de CP hospitalares. No entanto, a área dos serviços
especializados de atendimento domiciliário encontra-se ainda pouco desenvolvida. O
número de profissionais de saúde tem vindo a crescer, sendo atualmente cerca de 650
médicos, 240 farmacêuticos, 1100 enfermeiros de CP e 1300 enfermeiros especializados
em dor oncológica. A formação de pós-graduação para médicos é realizada através de
incentivos nacionais173.
Na opinião de Darryl Macer, professor de Bioética, que tem acompanhado o
desenvolvimento da prestação de CP, “o problema no Japão para os cuidados de fim
de vida não é tanto a falta de recursos, mas o excessivo foco na manutenção da vida,
sem a atenção suficiente aos desejos do paciente como pessoa”174. A falta de
regulamentos práticos para lidar com a futilidade terapêutica é uma barreira à prestação
de CP com qualidade. No Japão, a tomada de decisões de fim de vida é mais orientada
para a família, como corrobora Seishi Fukuma; “se o tratamento de prolongamento da
vida deve ser administrado, os médicos perguntam à família, e, frequentemente, não é
dada consideração à opinião dos próprios idosos”175.
O investimento realizado no sistema de saúde e na formação de profissionais colocariam
o Japão na tabela dos países mais desenvolvidos na prestação destes cuidados. Contudo,
eles não chegam a todos, nem a todo lado de igual forma. As condições degradantes das
instalações prisionais, a falta de assistência médica a reclusos idosos, estão longe de
obedecer aos padrões internacionais dos direitos humanos. Esta situação levou a
Amnistia Internacional a propor um conjunto de recomendações para humanizar o
sistema prisional japonês, que incluem o tratamento a doentes mentais, melhores
condições na prisão e abolição da pena de morte176. Dados recentes da Amnistia
Internacional, denunciam maus-tratos a reclusos, sobretudo, aqueles sob sentença de
morte, demonstrando que ainda há muito fazer para garantir que os direitos humanos,
sejam cumpridos de acordo com as normas internacionais177.
34
Com uma população nacional estimada de 126 milhões em 2021, o país tem um total de
45 mil reclusos (36 por 100 mil habitantes). Destes, cerca de 4,6% tem 60 ou mais anos,
número que tem vindo a aumentar recentemente124. Para dar resposta ao envelhecimento
da população reclusa, o Ministério da Justiça implementou rastreios à demência, a todos
os reclusos com 60 anos ou mais. A partir de 2018, os estabelecimentos prisionais
começaram a dar formação aos guardas prisionais, para melhor lidarem com reclusos
doentes, sobretudo, doentes com demência. Quando um recluso apresenta sintomas é
estimulado a fazer exercícios físicos e treino de cálculo para retardar o declínio
cognitivo. Cumprida a pena, estes reclusos são entregues a estabelecimentos de
assistência social e outras instalações de acolhimento178.
Tagusari Maiko, advogada e responsável pelo Centro para os Direitos dos Prisioneiros,
refere que “mais de mil queixas que recebemos anualmente no Centro para os Direitos
dos Prisioneiros dizem respeito aos cuidados médicos (…). O sistema de saúde
prisional do Japão é lamentavelmente atrasado em relação aos padrões internacionais
para o tratamento humano dos reclusos”179. O projeto de reforma prisional de 2020
veio permitir que os reclusos solicitem um médico externo para os seus cuidados, mas
como acrescenta Maiko, “A medida quase nunca é posta em prática”.
1.4.8 Brasil
O Brasil tem atualmente a terceira maior população prisional do mundo, com 389
reclusos por 100 mil habitantes, num total de aproximadamente 835 mil reclusos em
214 milhões de habitantes. A sobrelotação das prisões é comum na esmagadora maioria
dos estabelecimentos prisionais do país. Um relatório de 2012 dava conta de uma taxa
de ocupação de 143%, muito acima do limite oficial proposto de 466 mil reclusos.
A sobrelotação das prisões sujeitam os reclusos a viver em condições desumanas e a
disputar os poucos recursos existentes, como colchões e comida. Casos de violência
dentro das prisões brasileiras são situações recorrentes que afetam sobretudo grupos
mais vulneráveis, como os idosos180. “Quando ocorrem tumultos nas prisões, como
costumam acontecer, as autoridades (com poucos recursos e pessoal) pouco mais
podem fazer do que intervir só depois do pior já ter passado”181.
Também no Brasil, os reclusos, sobretudo os idosos, apresentam problemas crónicos de
saúde. Dados de 2007 a 2014, identificaram a tuberculose (64,4%), dengue (9,1%),
35
SIDA (9,0%) e hepatites virais (5,9%) como as doenças mais comuns . Os cuidados
182
de saúde são quase inexistentes. Além disso, as más condições sanitárias, a fraca
qualidade da água e da alimentação ajudam a explicar a elevada incidência de doenças
contagiosas183.
Um estudo mais recente, de 2019, confirma a má qualidade da prestação de cuidados de
saúde a reclusos. “Para ir ao médico? Não tem! Dentista não tem! Um dia não tem
luvas ou então não tem anestesia, nunca tem nada! Passo as noites com dores”. O
problema agrava-se quando os poucos recursos são, em muitos dos casos, geridos por
gangs de reclusos ou por guardas prisionais, tornando o acesso aos cuidados de saúde
desigual e injusto. “As autoridades estatais efetivamente cederam o controle das
prisões para fações criminosas que agora atuam como juízes, jurados e executores.
Gangues rivais dividiram as instalações e recrutam ativamente novos membros em
troca de proteção e apoio social para suas famílias”184.
Em 2014, o Ministério da Saúde do Brasil decretou a Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde de Pessoas Presas no Sistema Prisional a fim de organizar os serviços
de saúde nos estabelecimentos prisionais. Esta iniciativa veio alargar os cuidados de
saúde aos reclusos, e ao mesmo tempo garantir o direito constitucional à saúde com
equidade e integralidade aos reclusos185. No entanto dispõem apenas de um único
hospital para atender as necessidades clínicas, cirúrgicas ou psiquiátricas de todos os
reclusos. O Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, que
desde 2015 passou a adotar um protocolo para avaliar os pacientes em fim de vida ou
com doença incurável para acompanhamento em CP. Desde que foi criado este
protocolo, apenas 60 reclusos foram acompanhados em CP, a maioria com diagnóstico
de neoplasias. O trabalho desenvolvido pela equipa de CP, além do apoio ao doente,
passa também por envolver a família do recluso. Mas como referem os profissionais,
“muitas vezes os parentes não têm condições para vir, pois moram no interior; ou
também estão presos”186.
1.4.9 Austrália
O direito dos reclusos a cuidados de saúde é o equivalente ao prestado na comunidade
através do sistema público de saúde. O recluso ao entrar no estabelecimento prisional é
avaliado por uma equipa de médicos que prestam serviço nesse local. Durante o período
36
de detenção, o bem-estar físico e psicológico é regularmente avaliado pela equipa
médica. Os serviços primários nas prisões da Austrália incluem serviços de clínica
geral, enfermagem, psicologia, farmácia, farmacoterapia, patologia, radiologia,
odontologia e saúde bucal, audiologia, optometria, podologia e fisioterapia. Os serviços
especializados abrangem a deficiência sensorial e física, a deficiência cognitiva, e a
deficiência psiquiátrica187.
Se não for possível tratar um recluso num estabelecimento prisional, ele poderá ser
transferido para outra prisão onde esses serviços estejam disponíveis, ou em casos mais
graves para um hospital público. De acordo com o Corrections Act de 1986, os reclusos
da Austrália “devem ter acesso a cuidados médicos razoáveis e tratamento necessário
para a preservação da saúde, incluindo, com a aprovação do médico principal, mas
por conta própria do recluso, um médico particular registrado, fisioterapeuta, ou
fisiatra escolhido pelo recluso”188.
O país tem-se deparado com um aumento da sua população prisional nos últimos dez
anos, colocando em causa o acesso a estes cuidados de saúde. Um relatório de 2012
dava conta de um nível de ocupação de 95% da lotação máxima, perto do limite
nacionalmente aceite para uma operação segura e eficiente do sistema prisional. Cinco
anos depois, em 2017, este nível já superava os 112%189.
A Austrália tem 25,72 milhões de habitantes e uma população prisional de 214 reclusos
por 100 mil habitantes, com 3,9% acima dos 60 anos 125. Em 10 anos, o número de
reclusos passou de 29 mil, em 2009, para 43 mil em 2019. Nesse período, os reclusos
com 45 anos ou mais aumentaram de 18% para 22%. Devido à maior incidência de
doenças nas prisões, esta é a idade mínima definida para considerar um recluso como
sendo um idoso 74,190.
As celas superlotadas e as condições sanitárias são das principais queixas relatadas
pelos reclusos. “E estamos na Austrália, não estamos na Síria ou em nenhum desses
países onde eles põem 40 reclusos numa cela”. As casas de banho e os chuveiros foram
descritos como pútridos, sem privacidade. Outro tópico frequentemente alvo de crítica
são os cuidados de saúde, quer por dificuldade de acesso, ou pela competência dos
profissionais de saúde 191.
1.4.10 África
37
O primeiro hospital dedicado aos CP em África nasce, em 1979, na cidade de Harare,
capital do Zimbábue. Um grupo de missionários, médicos e organizações de caridade,
procurou em 1990 expandir os CP pelo país, mas, sem a colaboração do governo para
financiar este projeto e integra-lo nos sistemas de saúde, a cobertura de CP continuou
pouco coordenada e insuficiente 192.
O apoio financeiro, em 2000, da fundação Diana, Princess of Wales Memorial Fund, e a
forte mediatização internacional, impulsionaram significativamente o desenvolvimento
dos CP em todo o continente africano. Um estudo de 2008 mostrou que dois terços dos
países africanos não tinham serviços de CP, e apenas o Quénia, Uganda e África do Sul
disponibilizavam alguns destes cuidados integrados no sistema nacional de saúde,
embora disponíveis em poucas zonas do país10 Em 2016, oito países africanos haviam
instituído políticas nacionais de CP. Um ano mais tarde, perto de metade dos
departamentos de saúde de África tinham CP. Atualmente existem um total de 1085
serviços de CP, assim como várias instituições de formação em CP 193,194.
Em 2010, o Quénia integrou os CP no seu programa de saúde, com orientações
específicas para o controlo de doenças oncológicas. No país existem cerca de 70
instituições públicas, incluindo mais de trinta hospitais, incluindo pediátricos. Ao nível
da formação, as graduações e pós-graduações em medicina e enfermagem começam a
incluir CP nas suas unidades curriculares195,196.
Para levar os CP a outras regiões do país e a estratos sociais mais vulneráveis, a Kenya
Hospice and Palliative Care Association formam profissionais de saúde e voluntários
para prestar serviços em doentes com necessidades paliativas, incluindo a reclusos, nos
condados de Nyeri, Kisumu, Machakos e Isiolo. Esta realidade é comum a vários países,
onde, não havendo uma cobertura total dos sistemas de saúde públicos, cabe a
instituições não governamentais tentar colmatar estas (muitas) lacunas. A título de
exemplo, referem-se a Hospital Palliative Care Association of South Africa, a Palliative
Care Association of Uganda, a Tanzania Palliative Care Association e a Rwanda
Palliative Care and Hospice Organization 197.
O número médio estimado de reclusos por 100 mil habitantes nestes países é de cerca de
150, com pouca variância. O Quénia é um dos países com uma taxa mais baixa, cerca de
97; e a África do Sul tem a taxa mais alta, com 239. Em geral, o número de reclusos
idosos é inferior aos países de outros continentes devido à baixa esperança média de
38
vida. É, no entanto, importante realçar que em muitos casos, a prevalência de doenças
associadas à idade é superior, devido a más condições sanitárias, de alimentação e falta
de cuidados de saúde comuns nas sociedades destes países 198.
As prisões no continente africano são de natureza rudimentar e sobrelotadas, com
escassez de alimentos, roupas de cama e acesso a medicamentos. A prestação de
cuidados de saúde (incluindo CP) é muitas vezes prestada pelos funcionários prisionais
não especializados ou por equipas de voluntários que se deslocam à prisão 199.
39
Tabela 1: Resumo do estado dos CP em diversos países. Incui-se alguns dados estatisticos sobre a população reclusa e
apresentam-se as principais barreiras à pratica de CP nas prisões 125.
Reclusos
Ocupação Reclusos Doenças
País por 100 mil Principais barreiras aos CP
das prisões (≥60 anos) prevalentes
hab.
SIDA
Dificuldade de acesso a
Hepatites
EUA analgésicos opioides
Neoplasias
756 103,4% 16% Rigidez do regime prisional
Doença
Estigma social
hepática
Falta de formação em CP
Demências
Dificuldade de acesso a
Japão analgésicos opioides
36 56,6% 4,6% Demências
Rigidez do regime prisional
Estigma social
40
Condições sanitárias nas prisões
41
2 Metodologia
Local do Estudo
As entrevistas deste estudo foram realizadas no HPSJD, situado no concelho de Oeiras,
freguesia de Caxias. O hospital prisional é composto por três edifícios: pavilhão clínico,
pavilhão administrativo e uma clínica de psiquiatria e saúde mental. O pavilhão clínico
dispõe de vinte enfermarias e onze quartos, contando com oito camas destinadas a
mulheres, num total de cento e trinta e cinco camas. Dispõe ainda de catorze camas
destinadas a isolamento por motivos clínicos. A Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental
dispõe de dezoito camas para homens e de oito camas para mulheres. Nesse mesmo
edifício existe um espaço denominado “Anexo”, destinado a reclusos que se ocupam da
manutenção do Hospital. Os reclusos internados no pavilhão clínico dispõem de uma
sala de refeições, sala de convívio e de uma biblioteca. As alas dos reclusos são
42
espaçosas, bem arejadas, equipadas com camas articuladas e colchões anti-escaras. As
entrevistas decorreram em gabinetes e salas de reuniões, quer no pavilhão clínico, quer
no pavilhão de psiquiatria.
Participantes
Os participantes deste estudo são stakeholders e prestadores de cuidados de saúde no
HPSJD a reclusos com doença grave e limitante da vida.
Critérios de inclusão: profissionais médicos, enfermeiros; assistentes sociais,
psicólogos, agentes de liberdade condicional, capelães/conselheiros espirituais, agentes
prisionais, diretores prisionais, e outros profissionais de gestão que sejam relevantes
para o estudo. Amostragem por bola neve, com ponto de partida na Direção-Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
Considerações Éticas
O trabalho que aqui se apresenta foi submetido à apreciação da CES-UCP (Comissão de
Ética para a Saúde da Universidade Católica Portuguesa) a qual emitiu parecer
favorável e à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a qual emitiu também
parecer favorável. Este estudo, de natureza qualitativa, envolvei envolveu stakeholders e
prestadores de cuidados de saúde no HPJD que tenham como reclusos idosos e/ou
doentes com doença grave e limitante da vida, ou em estabelecimentos onde doentes
possam ou tenham morrido após doença com trajetória longa.
43
Posto isto, informamos os participantes, que aceitaram ser entrevistados, que a
entrevista que a gravação áudio da entrevista, será seria destruída após a divulgação dos
resultados. Foi também explicado aos participantes os objectivos deste estudo, e que os
resultados obtidos neste estudo serão divulgados pela Task Force, tendo em vista
estimular o desenvolvimento dos cuidados paliativos no sistema prisional europeu. A
participação neste estudo qualitativo é foi voluntária, com assentimento e assinatura do
termo de consentimento informadoo tal constitui um consentimento informado, livre e
esclarecido. Foi pedido aos participantes o seu nome e uma rubrica, de modo a
comprovar o seu consentimento. Posteriormente, as respostas foram anonimizadas e
tratadas com a mais estrita confidencialidade. Somente os investigadores deste estudo
tiveram acesso às respostas. Todos os resultados serão apresentados e divulgados de
forma anonimizada.
44
3 Apresentação e Discussão dos Resultados
No âmbito da dissertação de mestrado foram realizadas entrevistas a dezassete
voluntários no Hospital prisional S. João de Deus com idades entre 32 e 63 anos ( x =
54; s = 9,62). Os entrevistados são todos funcionários do hospital, em diversas áreas
profissionais. No total foram entrevistados três médicos, cinco enfermeiras, um
psicólogo, uma nutricionista, um fisioterapeuta, uma educadora social, duas auxiliares
de ação médica, um capelão e dois guardas prisionais.
Nesta secção são apresentados e discutidos os resultados das entrevistas. Inicialmente
tenta-se identificar uma definição de CP, percebendo se esta é uniforme ou se muda
consoante o profissional entrevistado. De seguida, são apresentadas as visões dos
entrevistados sobre as suas funções no hospital, o espaço e o contexto em que são
prestados os CP, o perfil típico dos reclusos, a regulação interna subjacente a estes
cuidados e a forma como os próprios e a sociedade portuguesa encaram culturalmente o
tópico. São apresentados e discutidos os facilitadores e as barreiras à prestação de CP.
Por fim, apresentam-se e discutem-se as recomendações propostas, organizando-as
segundo os seguintes âmbitos: cultura e sensibilização, formação e apoio, ambiente e
instalações, e regulação (enfatizando o tema da libertação compassiva).
45
3.2 Atores e Papéis
O hospital está preparado para receber doentes em ambulatório e dar apoio a
especialidades como psiquiatria, gastroenterologia, neurologia, cirurgia, entre outros
tratamentos, dispondo de meios de diagnóstico como Raios-X. Um dos médicos faz a
diferenciação das diversas especialidades médicas fornecidas pelo HPSJD: “Aqui neste
hospital temos médicos de medicina interna. Eu sou gastroenterologista. Temos
médicos de infeciologia e até temos uma médica de estomatologia e uma médica de
cirurgia geral que só vem cá uma vez por semana... todos nós estamos mais ou menos
familiarizados ou habituados a lidar com este tipo de doentes terminais” (E03).
Os restantes entrevistados não fazem esta diferenciação, mas todos incluem os
profissionais das restantes áreas de ação como parte da equipa. Além dos vários
médicos, a equipa inclui “auxiliares de ação médica, enfermeiros, psicólogos,
nutricionista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e uma série de grupos profissionais
que intervêm junto destes doentes” (E01). Paradoxalmente, os profissionais do hospital,
em geral não possuem formação especializada em CP, excetuando as bases que recebem
na sua formação académica e pontuais formações relacionadas. “Temos alguns
elementos de enfermagem que tem formação básica em paliativos (...) falta formação
aos outros profissionais em relação a esta realidade” (E04).
Com base nas congruentes respostas sobre as áreas profissionais relevantes, pode-se
dividir a equipa nas seguintes áreas profissionais: equipa de medicina interna, equipa de
enfermagem, psicologia, nutrição, fisioterapia, serviço de reabilitação social, equipa de
segurança, equipa de auxiliares de ação médica e serviço de capelania. Importa,
portanto, fazer uma breve descrição das funções dos profissionais em cada área.
46
não terem dores. Acho que é o essencial eles não terem dores, porque normalmente são
neoplasias; eles estão conscientes até ao final. Acho que o essencial é eles estarem
tranquilos, não sentirem dores e estarem confortáveis” (E06).
47
Equipa de segurança: Responsável pela vigilância dos reclusos e acompanhamento
dos doentes em deslocações ao exterior. “Vamos ao recreio juntas quando elas estão a
almoçar. Estamos sempre lá. Lidamos mais com elas. (…) vamos buscá-las quando é
preciso fazer exames lá fora ou têm que ir a uma consulta (…) ou alguma
urgência” (E14). O chefe (comissário) dos guardas prisionais é ainda responsável por
pareceres técnicos em decisões jurídicas. “Dou conselhos técnicos quando se está para
propor liberdade condicional” (E13).
Equipa de auxiliares de ação médica: Apoio nos cuidados diários aos doentes, como
alimentação e higiene, e auxílio em todas as tarefas que lhes proporcionem conforto e
bem-estar. “Com os doentes temos que lhes dar apoio nos seus cuidados diários. Quer
em termos da sua alimentação como da sua higiene. Se são doentes que exigem outro
tipo de cuidados e por norma já estão no leito, precisam de ser feitas transferências na
cama, para não ganharem feridas. Transferências que podem também ser entre a cama
e o cadeirão, (…) auxiliamos em todas as tarefas para o seu conforto e bem-estar”
(E15).
48
dos profissionais de saúde. Às vezes até com as portas abertas para haver livre
circulação entre o profissional e o doente, a quem se vai prestar os cuidados ou fazer
vigilância. Para haver mais proximidade” (E01). “Doentes que precisam de maior
observação ficam ali logo no primeiro quarto que é o mais perto de nós” (E06).
Os doentes em estado mais avançado ou terminal estão separados dos outros reclusos,
para de alguma forma facilitar a transição para o fim de vida, com mais tranquilidade.
“Quando [os doentes] começam a perder autonomia e a ficar com dores mais
difíceis de controlar, ou há necessidade de soros endovenosos, aí vão passar para uma
sala mais resguardada ou ficar num quarto individual” (E03).
Existem situações onde o doente tem de ser transportado temporariamente para um
hospital do Serviço Nacional de Saúde (SNS) onde são providenciados outros meios
técnicos mais especializados. “Quando é preciso fazer exames, um TAC ou uma
ressonância nós mandamos ao exterior” (E04). “Quando, por algum motivo,
precisamos do apoio de outros médicos mais diferenciados nestes cuidados, quer seja
por uma dor incontrolável, quer seja por uma doença oncológica, que precisa de apoio
da especialidade enviamos a hospitais aqui da zona para prestar este tipo de cuidados”
(E03). O transporte destes doentes envolve sempre a presença de vários meios humanos.
“Vai um guarda e uma motorista e é obrigatório ir sempre um auxiliar (...) quando é
uma situação mais grave vai um enfermeiro. Mas o normal é ir só o auxiliar” (E13).
49
(…) cada vez há mais doentes a aparecer com demências. São presos já de uma idade
avançada. Até às vezes o crime tem muitas vezes a ver com a demência. Ou por
violência doméstica. Já num estado avançado de demência agridem um familiar e
depois são presos” (E05). Tipicamente, os doentes sofrem de patologias crónicas,
ficando dependentes de terceiros, como é o caso dos estados pós AVC. “A população
prisional é a imagem do que acontece lá fora. Só que às vezes os problemas surgem
mais cedo do que lá fora, por exemplo, AVCs cada vez mais precoces. Porque eles
fumam muito derivado ao seu estilo de vida, neoplasias do pulmão também há” (E05).
“Cada vez mais recebemos doentes com neoplasia e demência. Doentes com muita
idade… nós temos doentes com 90 anos (E01).
3.6 Cultura
A importância de prestar CP aos reclusos foi consensual durante as entrevistas
realizadas. Os reclusos são vistos pelos profissionais de saúde como “doentes”,
“independentemente do crime que cometeram (…) nós aqui tratamos deles como
50
doentes, não como pessoas que cometeram crimes lá fora. Para nós aqui dentro são
doentes e, portanto, merecem tratamento” (E06).
Os entrevistados reconhecem que existe ainda na sociedade alguma dificuldade em lidar
com a morte e o declínio físico, impondo-se a ideia de tentar fazer tudo pelo doente. Foi
referido por vários médicos e enfermeiros que “é muito difícil para nós desistir de um
doente” (…) para nós é muito agressivo a morte de um doente. É uma coisa que nos faz
sofrer” (E02). “Percebo que seja frustrante para um médico, que são muito
vocacionados para tratar, o não-tratar. Na minha perspetiva acaba por ser frustrante
para eles [médicos] porque não conseguiram o fim a que se propuseram. O aceitar isso
também é muito difícil” (E08).
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Tabela 2 Barreiras e Facilitadores ao nível dos prisioneiros. Todos os aspectos que influenciam directamente o bem-
estar dos reclusos.
Barreiras Facilitadores
Burocracia (e.g. demora dos tribunais em “Aqui neste hospital temos médicos da medicina interna; eu
sou gastroenterologista. Temos médicos da infeciologia e até
deliberar a liberdade condicional, dificuldades temos uma médica de estomatologia e uma médica de cirurgia
para receber os doentes no exterior). geral que só vem cá uma vez por semana” (E03).
“Nós pedimos a lei, solicitamos, quando estão numa fase
terminal..., mas, ultimamente, a maior parte das vezes não
chega a ser efetivada, porque já não chega em tempo útil. Os Assistência médica permanente
doentes vêm a falecer aqui no hospital e não chegam a sair
em liberdade” (E03). “Nós temos condições que os outros colegas dos outros
estabelecimentos prisionais não têm (…) condições clínicas e
“Há muita burocracia e muitos procedimentos burocráticos de assistência 365 dias por ano, dia e noite” (E07).
para o doente (…) há muitos tempos de espera e muita coisa
envolvida que podia ser mais simplificada” (E11).
Nível de Pessoal
As barreiras e facilitadores ao nível do pessoal contribuem diretamente para um pior ou
melhor trabalho da equipa. Por exemplo, uma insuficiente formação em CP dos
profissionais de saúde reduz a qualidade dos CP prestados, enquanto uma boa
comunicação entre a equipa contribui para a eficiência dos serviços.
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Tabela 3: Barreiras e Facilitadores ao nível do pessoal. Todos os aspectos que afectam positiva ou negativamente os
CP prestados
Barreiras Facilitadores
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Tabela 4: Barreiras e Facilitadores ao nível do ambiente prisional. Todos os aspectos relacionados com a prisão que
afectam positiva ou negativamente os CP prestados
Barreiras Facilitadores
Tabela 5: Barreiras e Facilitadores ao nível regulamentar interno. Todos os aspectos relacionados com as normas
internas da prisão que afectam positiva ou negativamente os CP prestados
Barreiras Facilitadores
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sempre que um profissional de saúde precisa de ir entre as “Já houve situações em que foram feitos os pedidos e até os
sete da tarde e as sete da manhã (...) tem que pedir ao guarda próprios familiares puderam acompanhar (...) sei de uma mãe
para abrir o gradão para poder entrar” (E01). que conseguiu permanecer junto do filho até final da vida”
(E04).
“O guarda tem que se levantar e tem que vir com a chave. Se
ao mesmo tempo houver dois doentes a chamar pode haver “Aqui as visitas são controladas. Os familiares não podem
um guarda que está lá em cima e não está cá em baixo” [vir a qualquer altura] (...) há tempos tivemos um doente
(E02). assim e eram facilitadas as visitas da família para poderem
vir aqui mais vezes, mas teoricamente não é assim.
“Penso que o facto de eles [os reclusos] ficarem fechados a Conversado com os guardas eles acabam por entender e
partir das sete da tarde é um grande inibidor na prestação deixam vir” (E06).
destes cuidados (...) eu vou quando quero, mas estou limitada
pelo guarda” (E04).
Tabela 6: Barreiras e Facilitadores ao nível regulamentar externo. Todos os aspectos relacionados com a legislação
do país que afectam negativa ou positivamente os CP prestados
Barreiras Facilitadores
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Necessidades e Recomendações
Apresentados os facilitadores e as barreiras à prestação de CP, bem como o contexto em
que esses CP são prestados, são apresentadas e discutidas as necessidades identificadas
pelos participantes nesta secção. Serão também discutidas potenciais soluções para
suprir algumas destas lacunas e melhorar a qualidade dos CP prestados. Estas soluções
serão divididas consoante o seu âmbito, nomeadamente em cultura e sensibilização,
formação e apoio, ambiente e instalações, e regulação. Nesta última categoria, serão
destacadas as recomendações relacionadas com a libertação compassiva, pela sua
importância e pelo impacto positivo que podem vir a ter na última fase de vida dos
doentes terminais.
56
uma coisa que só acontece aos outros. Então vivemos numa sociedade que isto é tabu,
não se fala porque não se enquadra nos projetos de felicidade. Acho que era um debate
que se deveria tornar mais simples, mas ao mesmo tempo também mais emergente
naquilo que é a ideia que nós fazemos da sociedade, e da responsabilidade da
sociedade para com os seus, particularmente, os mais fragilizados” (E17).
É necessário também sensibilizar e preparar os atuais e futuros profissionais nesta área.
Por ser uma realidade que envolve o declínio físico e/ou mental e eventualmente a
morte, é naturalmente uma área emocionalmente desgastante “É uma área que mete
muito medo… envolve a morte. Tudo aquilo que envolve a morte e o declínio gera
algum desconforto (…) para nós é muito agressivo a morte de um doente. É uma coisa
que nos faz sofrer” (E02). Para mais, diferentes opiniões sobre o momento em que a
espectativa da cura deve ser substituída apenas pelo conforto e bem-estar do paciente,
reconhecendo a inevitabilidade da morte, serão eventualmente, uma fonte de conflitos
internos e externos, mesmo nos profissionais e equipas mais experientes. “Na altura em
que eu o acompanhei não era meu doente. Fui chamada de urgência interna. Era um
doente de outra colega. Tive que tomar uma decisão. É um doente interessante, porque
quando eu li o diário clínico, pensei: «este é um doente paliativo» (…) mas não estava
escrito em lado nenhum no processo que era esse o caso. E como ele não era meu
doente, e eu acho que não devo tomar essas decisões em urgência interna sozinha
unilateralmente, enviei o doente para a urgência” (E02).
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Profissionais com mais formação estão em geral mais preparados para lidar com as
emoções inerentes a esta área. “Nós temos [formação] no curso base, mas é muito
pouco. O auxiliar não tem formação sobre o assunto. Todos eles têm dificuldade em
lidar com este tipo de doente” (E03). Estão também, mais aptos para interagir com os
pacientes de uma forma mais empática e compassiva, reduzindo os conflitos. “Temos
de escolher aqueles guardas que têm mais cuidado com estes doentes, porque há
guardas que para os quais o recluso seja muito ou pouco doente é um recluso, e o
tratamento é sempre igual” (E13). Naturalmente, equipas mais bem preparadas serão
mais eficientes, quer a nível da sua coordenação e gestão interna, mas também porque
são mais consciencializadas para a inutilidade de alguns tratamentos e exames mais
invasivos. Como tal, não só se conseguem reduzir custos, “É óbvio que devemos usar
os custos o melhor possível, mas a nossa decisão de fazer ou não fazer uma coisa não
pode ser o custo” (E02), mas principalmente, preservar o bem-estar do doente, “Corre-
se o risco de fazer futilidade terapêutica, que acaba por ter um grau de certa
agressividade em relação ao doente. Na minha opinião não há a perceção, em pessoas
que não têm formação e algum treino na área de paliativos (…) do sofrimento implícito
numa intervenção desnecessária. Portanto, há aquela tendência: «ah vamos fazer tudo
pelo doente» «não vamos deixar de fazer uma endoscopia» quando na realidade aquele
doente não beneficia com a endoscopia. O doente sofre... depois é desconfortável.
Acumula duas coisas, a inutilidade e o facto de ser desconfortável” (E02).
58
ainda mais acentuado devido ao elevado número de relatórios e outros documentos, que
são necessários realizar, limitando o tempo real de contacto da equipa com os doentes.
“Escassez de recursos, especialmente na área de psicologia. São pessoas que
conseguem fazer ali holding junto do doente. Que estão ali para fazer escuta ativa. Mas
não há vagas, o quadro não tem lotação para psicólogos. Depois isto é um trabalho
burocrático exige-nos muitos relatórios. Isso tira-nos tempo para estarmos com os
muitos doentes” (E12).
Os profissionais de saúde que lidam com doentes em fim de vida referem que nem
sempre é fácil lidar com as emoções daí resultantes e que por vezes sentem a
necessidade de mais apoio psicológico. “Tocou-me, particularmente, porque era uma
senhora que tinha suporte familiar (…) estava a planear tudo para ir para casa para
falecer junto dos seus. Nós cuidamos da melhor forma dela, para proporcionar
conforto, para não ter dores, para estar o mais confortável possível para ir. E a
senhora faleceu na véspera de ir” (E08). “Senti necessidade de falar com alguém
sobre isso (…). Todos os cuidados que prestamos foram corretos. Só que a pessoa fica
sempre um pouco desanimada” (E16). “Quando eu a confortei ela começou a esvair-se
em sangue (…). Olhei para o enfermeiro e ele fez-me assim [o entrevistado leva a mão
á cabeça] (…). E aquele olhar dela… magoou-me um pouco. Nós estamos todos os dias
aqui a trabalhar e afetou-me” (E16). “Eu ponho aquela máscara e ponho aquela capa
de super-homem. Mas nós somos humanos, somos pessoas. E há aqui circunstância que
mexem connosco” (E08).
59
3.7.7 Ambiente e Instalações
A necessidade de mais espaço e condições para acolher reclusos com necessidades
paliativas e em fim de vida é consensual entre os entrevistados. Note-se que este
hospital não tem uma área dedicada especificamente a CP, pois “é um edifício que está
desenhado para as necessidades dos anos 50 e 60, e, portanto, obviamente estas
realidades não têm ainda propriamente um espaço determinado” (E17).
No entanto, vários profissionais afirmam que não existe uma necessidade imediata de
ter uma unidade exclusivamente dedicada aos CP. Consideram que é mais prioritário
alargar o espaço para os doentes continuados, de modo a que se consiga dar assistência
no mesmo espaço a todos os doentes (paliativos ou não) menos urgentes. “[Precisamos
de] uma unidade maior para internamentos de longa duração e manutenção. No fundo
era onde se encaixavam os paliativos e os doentes crónicos” (E04). “Nós precisávamos
mais de cuidados continuados, não tanto de cuidados paliativos. Temos uma
percentagem importante de doentes que são doentes com patologias crónicas que os
tornam dependentes (…). Há muitos que estão de facto no hospital porque não
conseguem ter autonomia para estar num estabelecimento prisional (E03).
Apesar de não considerarem prioritário ter uma unidade específica para os CP, a maioria
dos entrevistados concorda que a separação dos doentes com necessidades paliativas
seria a solução ideal, por três razões principais: (a) o aumento da eficiência, (b)
melhoria na segurança e (c) melhoria no ambiente entre reclusos. Do ponto de vista de
eficiência, esta separação permitiria que as equipas se focassem só neste tipo de
doentes, “para paliativos e doentes em fim de vida devíamos ter uma unidade, neste
momento a nossa medicina é quase toda de paliativos” (E02).
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A segurança seria melhorada, não só porque o número de doentes a vigiar seria menor,
mas também porque não seria necessário ter uma vigilância tão incisiva, “ter um
pavilhão separado com outro tipo de vigilância com pessoas que percebessem bem do
tipo de doença e do tipo de fase terminal (…). Porque aquelas quezílias ou grande
parte delas têm a ver com a reação que os reclusos têm aos guardas, que ás vezes são
mais incisivos” (E13).
Separando os reclusos com necessidades paliativas dos restantes também seria bom para
o ambiente geral da prisão. Devido ao tipo de doenças, como demências, que os
reclusos nos cuidados continuados sofrem, por muitas vezes existe incompreensão e
conflitos entre eles. “Os serviços prisionais no geral beneficiavam se o hospital tivesse
uma área de paliativos (…) A inexistência de uma unidade de CP leva a casos pontuais
de desentendimento entre reclusos” (E02).
61
aos reclusos, o que faz com que este sistema, embora parcialmente independente,
necessite de estar em sintonia com o SNS.
62
A má comunicação entre os diversos intervenientes leva a que por vezes, o hospital não
seja notificado em tempo útil para, por exemplo, preparar a saída do recluso em caso de
liberdade condicional. “O ambiente da justiça não comunica muito bem com o
ambiente da saúde, ou seja, eu tenho um juiz que decreta que o doente saia em
liberdade condicional hoje às quatro da tarde. E ligam-me a dizer-me: «doutora
recebemos um mandato de libertação do doente que é um doente em cadeira de rodas»,
[e como tal, necessita deste equipamento para continuar a sua vida no exterior]. Isto
tem muito a ver com o facto que na justiça os juízes não estão habituados a doentes.
Estão habituados a reclusos jovens ou que não estão doentes. É uma satisfação, [o
recluso] vai-se embora hoje. Pega nas coisinhas e vai-se embora. Agora aqui no
hospital (…) uma referenciação para nós era importante. Mas eu não sei como é que eu
passo esta mensagem e como é que esta mensagem chega a quem decide! [Deveria]
haver uma regra que diz: «doente internado em hospital prisional para ser libertado
em liberdade condicional tem que ter pelo menos dois dias úteis de avanço». Quando
isso é feito nós conseguimos fazer a articulação” (E02).
Os entrevistados mostraram a sua concordância com esta lei, de modo a que estes
reclusos possam passar o fim de vida fora do estabelecimento prisional, junto das
famílias, ou em instituições próprias para os acolher. “É complicado para quem ainda
está consciente e percebe que está a morrer e que vai morrer preso. É também muito
complicado para os familiares perceber que estes [os doentes] vão morrer presos”
(E01). “A senhora acabou por sair em liberdade condicional. Eu acho que foi bom
para ela. Foi gozar o último ano e meio de vida, se tanto, junto da família (…). Sou
63
completamente favorável” (E03). “Sou favorável. Acho que estes doentes não deveriam
estar aqui” (E05).
Alguns destes doentes cometeram crimes graves ou muito graves, pelo que uma
libertação antecipada pode ser vista como injusta ou imerecida. Como em qualquer
sociedade, em Portugal existe quem defenda que a pena de prisão deve ser
principalmente punitiva e quem defenda que deve ser principalmente reabilitadora. No
hospital, a maioria dos entrevistados defende a reabilitação (e, portanto, a libertação
compassiva) dos doentes, mesmo concordando na necessidade de precauções em alguns
casos. “Acho que a reabilitação é a parte que devia haver mais investimento (…). Há
condicionantes. Nós tivermos um doente que até acabou por falecer aqui, que era um
doente que estava preso por abuso sexual de um familiar. É obvio que esse doente para
liberdade condicional… depende para onde vai. Ele estava mal, mas não
suficientemente mal para que não possa, eventualmente, reincidir” (E02). “Haver
instituições que acolham este tipo de doentes para não terminaram a sua vida presa.
Acho que isso é uma situação desumana” (E09). “Mas consoante o crime, e em
64
doentes que estão em fim de vida, que a probabilidade de morrer nos próximos seis
meses a um ano é alta; devem ser libertados e sempre que isso acontece há uma medida
em Portugal que permite essa libertação, e nós ativamo-la sempre. Agora depende de
caso para caso” (E01). “Já me aconteceu aqui. Tive vários doentes em fim de vida e fui
favorável. Concordo com isso, é uma questão humanitária. Nós conseguimos colocar-
nos um pouco à margem do crime que foi cometido. Conseguimos ver aquilo pelo
prisma do ser humano que está à nossa frente. Isso prevalece” (E12). “Eu acho que
sim. Tenho a certeza que sim (…) Estas pessoas que aqui estão… pena maior que a
deles não existe. É uma doença terminal. Acho que essa pena é muito pior que a outra.
Portanto, poder proporcionar isso às pessoas para que possam falecer no conforto, se
possam despedir, para que as famílias possam fazer a sua despedida” (E08).
Há, contudo, quem tenha a opinião contrária, tendo dificuldades em aceitar a libertação
de alguns destes reclusos. Defendem que devem cumprir a pena até ao fim, mesmo que
isso implique a morte na prisão. “A julgar pela tipologia do crime que eles cometem,
temos aqui uma mistura de emoções. Uma pessoa que matou um familiar, que fez
crimes hediondos. E depois custa-nos entender isso. A cadeia serve
essencialmente para impedir que pessoas que cometem crimes vão lá para fora
reincidir” (E14). “[A libertação compassiva] não é desejável. Sinto que há um fim
para eles” (E16).
A aplicação desta lei é um processo lento e burocrático. “Estes doentes estão muitas
vezes colocados nas prisões por questões sociais ou porque a justiça ainda não lhes
alterou a sua situação penal (…). Era rever a situação penal dos reclusos com alguma
periocidade, sobretudo, quando são sinalizados problemas de saúde deste tipo, como as
doenças de Alzheimer, as demências em geral, e as perdas de autonomia por outras
razões” (E03). Os entrevistados lamentam que as respostas da justiça tipicamente
chegam demasiado tarde, e, portanto, sem benefício para o doente. “Essa lei
infelizmente, muitas vezes não chega a tempo de ser aplicada (…). A justiça portuguesa
ainda está mais atrasada que a medicina; se formos, por exemplo, falar em tempos de
espera de tribunal e o tempo de espera do hospital. Possivelmente, os tempos de espera
da justiça são infelizmente mais longos, portanto, eu acho que deveríamos melhorar
muito esta situação.” (E03). “Nós temos aí uma pessoa que veio do Funchal para
65
modificação da pena, para ir para uma instituição... há meses, e não há respostas... e,
portanto, esse é o nosso grande problema” (E07).
Por fim, muitos destes doentes não têm condições sociais e familiares para serem
acolhidos em casa ou em instituições especializadas. “Muitas vezes são casos sociais.
Vão daqui e não têm apoios, e não conseguem que lá fora se faça bem a articulação em
CP. Ou seja, encontrar um lar para eles é um desafio que é colocado às nossas equipas
de educação” (E03). “Temos dois grandes constrangimentos. As famílias não têm
condições para os receber, portanto receberem estes doentes em casa é muito
complicado. E se nós os quisermos colocar no SNS, o SNS não nos dá resposta, porque
não tem camas. Até podem ter a alteração da pena, mas acabam por morrer neste
hospital porque, entretanto, não houve camas disponíveis no SNS. Quem diz no SNS diz
no sector social. Fora dos muros da prisão é muito raro nós conseguirmos colocar um
doente. Lá fora, com a alteração da medida da execução da pena… é muito raro”
(E01). “Um recluso que esteja acamado e que lhe seja proporcionada liberdade
condicional. Até que ponto não acaba por ser um fardo para os familiares. Ou de um
fator limitante e isso causar ainda um impacto ainda superior aos familiares” (E11).
A prestação de CP neste hospital não é vista apenas como atos médicos disjuntos que
têm de ser prestado aos reclusos. Como um dos entrevistados refere: “os CP são uma
filosofia de cuidar”. Durante as entrevistas, ficou claro que a equipa está
consciencializada para esta realidade e demonstra vontade em prestar os melhores
cuidados possíveis. As respostas às entrevistas permitiram-nos compreender o contexto
da prestação de CP no HPSJD, especialmente quais as barreiras e os facilitadores a este
serviço. As muitas necessidades identificadas e recomendações sugeridas, em âmbitos
tão distintos como a sensibilização, política ou formação, demonstram mais uma vez o
conhecimento que estes profissionais têm da realidade, bem como a sua motivação para
melhorar.
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4 Conclusão
A situação dos CP nas prisões de Portugal, nomeadamente no HSJD, onde decorreu este
estudo, está alinhada com a filosofia de CP defendida pela OMS. Apesar da falta de
formação em CP, os profissionais de saúde que ali exercem, têm em geral, muitos anos
de experiência e conhecem os princípios pelos quais se regem as boas práticas desta
área. Comparando com outros países, a qualidade dos CP providenciados neste hospital
prisional é, em geral, de um nível elevado, acima da média dos países europeus e muito
à frente de países com o Brasil e EUA. Apesar de pontuais queixas de alguma escassez
de recursos, atribuída à situação de crise pandémica que marcou os últimos dois anos, os
principais problemas que esta equipa enfrenta estão relacionados com questões
burocráticas e administrativas.
67
investigação a todos. Devido às muitas críticas feitas ao excesso de burocracia, é
fundamental inclui o sector da justiça, para que se encontrem soluções eficazes. Será
também importante avaliar como se processa a sinalização dos doentes paliativos nas
enfermarias das outras prisões, e se este é um processo eficiente que não deixa nenhum
doente de fora.
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81
Anexo 1 – Transcrição das entrevistas
Entrevista E01
Entrevistado: Isso sim. Na organização dos serviços. Nós temos feito isso ao longo dos
anos. Ainda antes de falar muito em cuidados paliativos, era tentar afastar sempre os
reclusos que estão em fim de vida dos outros reclusos. Essa tem sido filosofia cá de casa
há muitos anos. É muito complicado morrer dentro da prisão, isto não deixa de ser uma
prisão, embora, seja um hospital. É complicado, para quem ainda está consciente
perceber que está a morrer e que vai morrer preso. É também muito complicado para os
familiares, é outra vertente, que temos que ter algum cuidado, perceber que os seus
familiares vão morrer presos. Portanto, ao longo dos anos nós sempre tivemos esse
cuidado. Desde o tempo em que tivemos a epidemia do HIV da SIDA, tínhamos muitos
doentes de SIDA, e morriam muitos doentes nessa época. Portanto, desde esse tempo
que havia sempre o cuidado de haver uma separação. Uma separação física destes
doentes e dar-lhes algum conforto nesta fase de final de vida. Tanto quanto possível.
Tentamos fazer sempre isso ao longo dos anos e isso mantêm-se, ainda hoje em dia.
Entrevistador: Estes doentes estão em ala separada ou junto com outros reclusos?
Entrevistado: Eles podem não estar em alas separadas, mas estão em espaços físicos
separados. Imagine, por exemplo, em determinado serviço que há x enfermarias, x
quartos individuais, ou enfermarias com menos camas. Então nós tentamos que os
doentes que precisam de mais cuidados, nesta fase final de vida, sejam separados dos
outros e que estejam em salas mais confortáveis e com melhor acesso à enfermeiros e
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profissionais de saúde. Outra coisa que é importante dizer, os doentes ficam fechados
durante a noite. Portanto, sempre que um profissional de saúde precisa de ir entre as sete
da tarde e as sete da manhã. Entre as sete da tarde não… mais ou menos entre as 10 da
noite, porque, entretanto, ainda se dão os medicamentos da noite e as senhas. Entre a 10
da noite e as sete da manhã se precisam de prestar cuidados ao fazer vigilância a algum
doente, têm que pedir ao guardar para abrir o gradão para poder entrar. Tenta-se que
esses doentes fiquem em sítios mais próximos dos profissionais de saúde. Às vezes até
com as portas e os gradões abertos para haver livre circulação, entre o profissional e o
doente, a quem se vai prestar os cuidados ou fazer vigilância. Para haver mais
proximidade, no fundo é isso.
Entrevistado: Depende... sempre que é possível fazer aqui faz-se tudo aqui. Se houver
necessidade ou se for preciso fazer uma intervenção mais especifica que não se consiga
fazer aqui, então eles são cuidados, tratados e observados no SNS, e às vezes até
internados.
Entrevistado: Nós estamos com dificuldades como deve estar o SNS. Há dois anos
tivemos que montar um serviço COVID, que foi precisamente instalado no piso onde há
maior número de camas e que tem melhores condições, em termos de espaço físico e
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conforto, até para os profissionais. É o que está mais bem equipado. Foi aí que se optou
por instalar o serviço COVID.
Entrevistado: Porque fica no piso do Raio-X e por outras questões logísticas. Isto para
dizer que foi preciso mudar muitos dos doentes que estavam nesse piso para outros
serviços. Tentamos sempre fazer como é a filosofia cá de casa, mas com há as
restrições...
Entrevistado: Não tenho dúvidas disso. Enquanto não nos for autorizado a desmontar o
serviço COVID, que consome muitos recursos, físicos e humanos. Os doentes não são
negligenciados, mas não são tratados da mesma forma em disponibilidade e em tempo,
como havia aqui há dois anos.
Entrevistado: A gestão dos recursos humanos. Ou seja; é importante perceber que estas
equipas COVID consomem muitos recursos humanos. Muito mais do que qualquer
outro serviço. Foi preciso deslocar profissionais de outros serviços para o serviço
COVIDE, deixando de alguma forma a retaguarda desprotegida. É claro que recorremos
a pessoal de avença. Até tivemos o regime de exceção para poder contratar alguns
profissionais. Mas a verdade é que tem sido complicado contratar, sobretudo, na área da
enfermagem.
Entrevistado: Acho que os aspetos positivos tem sempre a ver com os recursos
humanos. Ou seja: se aqui em casa os recursos humanos são um dos pontos fracos eles
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também são um dos pontos fortes. A esmagadora maioria das pessoas que aqui trabalha,
não falo só nos enfermeiros, falo em relação a todos profissionais de saúde, são muito
dedicados a estes presos e muito preocupados com estes doentes. Estamos a falar em
doentes em fim de vida, mas podíamos estar a falar de outros quaisquer. As pessoas são
muito dedicadas aos doentes que tem cá em casa e não perdem nunca de vista que estas
pessoas estão à guarda do estado. Portanto, nós tentamos sempre dar os melhores
cuidados e contrabalançar aquilo que os reclusos não têm porque estão presos. Não tem
o número de visitas, que teriam se estivem num hospital SNS sem restrições. Agora
com a COVID não, mas em época normal. Ou por exemplo: em alguns serviços do SNS
é permitida a entrada de comida de fora. Aqui não é. As coisas são muito fiscalizadas
em relação à quantidade de alimentos que pode entrar. Tudo questões de segurança. Até
o tipo de embalagens que entra neste hospital. Acho que isso é colmatado pelos
profissionais que trabalham cá dentro. Gostava de dizer uma coisa que acho importante
mesmo. Os profissionais do corpo da guarda prisional são muito atentos a estes doentes,
ou seja: não fazendo parte da equipa de saúde, mas como trabalham muito próximo
destes doentes, são eles que sinalizam algumas das necessidades dos doentes.
Entrevistado: Em relação as prisões, acho que nenhum preso deve estar em fim de vida
num estabelecimento prisional normal. Todos eles deveriam estar internados, na minha
opinião, em unidades onde podem estar e ser mais bem acompanhados e cuidados.
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Entrevistado: Poderia ser um hospital prisional ou outra unidade qualquer. Acho que
não há motivo nenhum para que todos os doentes venham para cá. Até porque não
temos camas suficientes, mas de um modo geral eles não ficam. Quando a
administração das prisões, ou os profissionais de Saúde, que lá trabalham percebem que
estes reclusos estão numa fase muito avançada e dependentes, ou precisam de outros
cuidados de saúde, eles acabam por transferir para aqui ou para o SNS. Mas a
esmagadora maioria dos doentes, vem para aqui. Eu tenho alguma dificuldade que
deveria haver um pavilhão, eles poderiam estar perfeitamente integrados na arquitetura
do hospital. Acho que isso é fundamental. Cada vez mais recebemos doentes com
neoplasias e demências. Doentes com muita idade… nós temos doentes com 90 anos.
Chegou a altura de olhar para isto e conseguir quer instalações físicas, mas também
equipas mais treinadas e vocacionadas para lidar com estes doentes em fim de vida. Não
sei quando é que isso vai acontecer. Nós tínhamos alguma esperança, que agora a seguir
a esta coisa da pandemia se pudesse reorganizar alguns sectores do hospital, mas, com
isto da guerra e a falta de orçamento, não sei como é que isto vai ser. Mas é um grande
desafio para as prisões do século vinte e um. Tanto em Portugal como na Europa
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muros da prisão é muito raro nos conseguirmos colocar um doente lá fora, com a
alteração da medida da excussão da pena é muito raro.
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Entrevista E02
Entrevistado: Sim.
Entrevistado: Lembro-me de várias. Até foi a última certidão de óbito que passei. Foi
um doente com uma neoplasia da próstata mestatizada, já com atingimento dos ureteres,
portanto, com nefrostomia. Uma situação bastante complicada.
Entrevistado: Era um doente paliativo. Na altura em que eu o acompanhei não era meu
doente. Fui chamada de urgência interna. Era um doente de outra colega. Tive que
tomar uma decisão. É um doente interessante, porque quando eu li o diário clínico eu
pensei: este é um doente paliativo, portanto, seria para tentar dar o maior grau de
conforto, sem grandes intervenções, potencialmente dolorosas e invasivas. Mas não
estava escrito, em lado nenhum do processo que era esse o caso. E como ele não era
meu doente e eu acho que não devo tomar essas decisões, em urgência interna sozinha,
unilateralmente, por isso enviei o doente para a urgência. Entretanto, acabou por voltar
para cá. O senhor depois acabou por morrer, contraiu o COVID foi assintomático, mas
não foi o COVID que o matou. Mas a partir desse momento ficou assumido que era um
doente paliativo. Porque quando eu o enviei para a urgência escrevi na carta,
especificamente, que não estava escrito no processo qual era o grau de investimento e,
como tal, isso devia ficar definido. A partir dai já veio mais esclarecido qual era o grau
de investimento.
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Entrevistado: Nós em Portugal não funcionamos como nos outros países em que há
protocolos para tudo e mais alguma coisa. Aqui não há um protocolo escrito. O que
existe é uma avaliação caso a caso, consoante a situação, quer a equipa médica, quer a
de enfermagem é bastante sensível. Dar conforto ao doente em paliativos e dar também
aos outros doentes, que ficam impressionados quando há situações de fim de vida. Nós
neste momento estamos muito limitados. Porque não temos o quarto piso, porque o
quarto piso está para o COVID. Antigamente o quarto piso, era onde estava a medicina
interna, voltaremos para lá em breve. Temos três quartos individuais, geralmente,
utilizamos esses quartos individuais para doentes que estão em fim de vida.
Entrevistado: São quartos que estão mais acessíveis aos enfermeiros. Tem oxigénio
líquido, sem ser preciso levar a bomba, tem mesmo a rampa. Depois estão longe dos
outros doentes. O permite fazer a transição para o fim de vida com mais tranquilidade,
sem ter que acordar os doentes todos doentes, cada vez que é preciso ir lá. Essa
costuma ser a tentativa, de os isolar, mais no sentido de prestar os cuidados com mais
frequência, ir lá ver o que se passa sem destabilizar os outros todos.
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médicos há uma grande heterogeneidade do saber. É uma área que mete muito medo
porque envolve a morte e o declínio…
Entrevistado: Tudo aquilo que envolve a morte e o declínio gera algum desconforto. E
aquilo que eu noto, e os meus colegas, é que as atitudes em relação ao fim de vida são
muito diferentes consoante a pessoa, e como não há uma formação homogénea entre
nós, pode ter dois doentes muito semelhantes, se tiveram dois médicos assistentes e uma
equipa de enfermagem diferente pode ter cuidados muito diferentes.
Entrevistado: Corre-se o risco de fazer futilidade terapêutica, que acaba por ter um
grau de certa agressividade em relação o doente. Na minha opinião há a perceção, em
pessoas que não têm algum treino na área de paliativos... não há bem a perceção do
sofrimento implícito numa intervenção desnecessária, portanto, há aquela tendência: "ah
vamos fazer tudo pelo doente" "não vamos deixar de fazer uma endoscopia" quando na
realidade aquele doente não beneficia com a endoscopia… o doente sofre... depois é
desconfortável. Acumula duas coisas, a inutilidade e o facto de ser desconfortável.
Entrevistado: É óbvio que devemos usar os custos o melhor possível, mas a nossa
decisão de fazer ou não fazer uma coisa não pode ser o custo. O custo deve ser o último
item. Tem que lá estar, mas tem que ser o último. O que se tem que pensar é em
qualidade de vida em sofrimento e em lógica.
Entrevistado: O que costumo tentar fazer quando eu peço um exame é: “o que vou
fazer se este exame vier alterado... peço o exame á procura do quê? O que eu vou fazer
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se houver uma alteração?” Se a resposta for “nada”, mais vale não pedir exames. Só
para fazer um diagnóstico que não serve para nada. Só se esse diagnóstico modificar
alguma coisa.
Entrevistado: Até que ponto é lícito não o alimentar, com uma sonda, e deixá-lo
morrer á fome. Está a ver a grande questão. Nós temos várias questões aqui. Eu às vezes
olho para um doente e penso… “livra! se um dia estiver numa situação assim, por amor
da santa, não me façam isto”, mas, eu não sou aquele doente. Eu sei que há doentes que
o suicídio é uma coisa inaceitável. Ou porque são católicos, ou a forma como olham
para a vida… Para eles é inaceitável fazer qualquer coisa, como por exemplo, deixar de
dar de comer. Portanto, lá está, o testamento vital é muito importante nestes casos, para
percebermos o que esta pessoa queria. Eu quando estava num estágio, de cuidados
intensivos, fiz dois trabalhos com um assistente que estava a dar-me orientação. Dois
desses trabalhos eram sobre fim de vida. Um era sobre em quantos doentes se tinham
retirado a terapêutica e o outro em quantos doentes se tinha suspendido a terapêutica.
Para mim foi um trabalho muito interessante. Porque para mim era diferente retirar e
não pôr. Foi uma grande aprendizagem pessoal e um desmontar de preconceito,
digamos assim. Porque eu, imediatamente, disse que é a mesma coisa, não pôr e retirar
uma coisa que já se pôs. Mas não é! É exatamente o mesmo porque o efeito é o mesmo.
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Isto levou um tempo a assimilar. Mas quando uma pessoa faz uma ação é pior do que
não a fazer. Está a perceber o raciocínio?
Entrevistador: Não.
Entrevistado: Pronto. Está a ver. Não é a coisa mais simples. Por exemplo, houve uma
grande discussão na Suécia com a COVID, pois havia uma indicação oficial (depois
retirada), em que havia uma recomendação de não pôr oxigénio nos idosos que ficassem
com falta de ar. Era uma indicação que dizia: em idosos com falta de ar não se dá
oxigénio, dá-se morfina. Acredita-se que muitos dos idosos morreram em consequência
disto. Ainda por cima era um protocolo que não fazia avaliação do estado prévio. Ou
seja: doente com mais… agora não me lembro bem, aquilo estava em sueco, mas doente
com mais não sei quantos anos de idade, tem hipoxemia dá-se morfina. E houve uma
senhora que tinha 83 anos, que era avô de uma colega, que tinha partido uma perna
apanhou COVID e tinha uma hipoxemia. Então não lhe deram oxigénio quando ela na
realidade tinha um status prévio ótimo. Portanto, estas questões não são fáceis de
decidir.
Entrevistador: Por vezes essa tomada de decisão tem a ver com a cultura do pais e as
ideologias? Por exemplo a eutanásia,
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Entrevistado: Eu por ideologia, teoricamente, deveria ser completamente a favor da
eutanásia, e, no entanto, tenho muitas duvidas, porque conheço a situação na Suécia, na
Holanda, na Bélgica. Mas há situações que são tão difíceis. Eu posso dizer agora, se eu
ficar demente quero que me eutanásiem, mas quando eu chegar lá eu não sei se quero.
Eu olho para os meus doentes aqui… há doentes que estão em claro sofrimento, estão
dementes, depende da localização da demência e do défice. Temos um doente que está
permanentemente, ansioso e angustiado. Depois temos outro demente que está muito
bem disposto anda sorridente, todos os dias me diz bom dia. Não consegue dizer mais
do que isso, mas está ali com ar muito tranquilo e muito querido. Come com prazer,
come com gosto, com satisfação, até esta porcaria da comida daqui. Quem sou eu para
dizer que aquela vida não tem valor? Percebe. Desculpe, estamos a fugir do tema da
entrevista.
Entrevistado: Eu percebo. Eu entendo. Uma pessoa olha para um tipo com uma sonda,
que é um vegetal, praticamente, não tem vida de relação. Não tem nada, e, no entanto,
tem uma sonda, mas eu acho que, culturalmente, a ideia de deixar uma pessoa morrer á
fome, afeta familiares, e também nós profissionais. Eu tomar a decisão que é um doente
que não é para dar de comer, [silêncio] eu não consigo.
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Entrevistado: Barreiras como o ambiente físico nós tentamos ultrapassar... obviamente
havendo grades há sempre uma dificuldade de acesso ao doente. Nós não temos
monotorização, não conseguimos perceber se passa alguma coisa lá dentro, mas isso é
para os reclusos em paliativos com em outros qualquer. Para paliativos e doentes em
fim de vida devíamos ter uma unidade, neste momento a nossa medicina e quase toda de
paliativos. Porque o que temos mais é dementes, doentes com doença respiratória
crónica, e, portanto, acabamos por ter uma quantidade grande de doentes paliativos.
Qual é a nossa dificuldade por sermos um hospital prisão. Isto funciona igual aos
outros. A única diferença é que temos uma grade que está fechada, e estamos
dependentes de um guarda. Portanto, um doente que a meio da noite precisa de ajuda
toca à campainha, a enfermeira que está de serviço vai lá ver o que se passa pela grade.
Tem que ir chamar o guarda que está a dormir. O guarda tem que se levantar e tem que
vir com a chave. Se ao mesmo tempo houver dois doentes a chamar pode haver um
guarda que está lá em cima e não está cá em baixo. Ou seja: a dificuldade é uma
dificuldade de rapidez de acesso. Ainda assim acho que não funciona mal. Há por hábito
de três em três horas espreitar as camaratas todas a ver se está tudo bem, é uma regra
que nós temos cá. O que acaba por não ser um problema assim tão grande. Há sempre
alguém que está consciente e acaba por carregar no alarme, mas há um tempo que é
diferente dos outros hospitais. Nos outros hospitais toca a campainha o enfermeiro vai
lá, não há barreiras, não há grades, não há portas para abrir. Não é preciso ir buscar a
chave é muito mais direto. Aqui há uma barreira que é inevitável. Depois as vezes há
também uma barreira burocrática. Nós somos médicos da prisão, não somos médicos do
sistema nacional de saúde, portanto eu sou internista, mas como sou médica do
ministério da justiça não tenho acesso as mesmas possibilidades se fosse internista (que
é a minha especialidade) no SNS. Por exemplo, enquanto internista eu posso prescrever
oxigénio líquido domiciliário. Enquanto médica aqui não posso porque nos serviços
informáticos resulto como uma médica de família, e, portanto, há uma serie de coisas
que eu sendo de medicina interna não consigo. Outro exemplo: prescrever um VNI
(ventilação não invasiva) tenho competência, mas não posso fazer porque o programa
não me deixa aceder. Para prescrever um concentrador que permite ao doente andar aí
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com oxigénio, portanto mexer-se mais facilmente, eu não posso fazer porque aqui sou
médica de família, apesar de ter essa competência. Isso é uma limitação.
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centro de saúde porque pedia a uma colega que é de medicina geral familiar que foi ao
computador ver quem era o médico de família e o centro de saúde. Não tinha médico de
família escreve cartas envia e-mails e não sei o quê... depois de todo o investimento e
custo.
Entrevistado: Isto é uma coisa para ter em conta porque nós estamos a fazer um
investimento num doente, a gastar pensos que são caros para tentar cicatrizar aquilo e
depois o doente vai embora sem qualquer tipo de referenciação e de continuidade. Isto
tem muito a ver com o facto que na justiça os juízes não estão habituados a doentes.
Estão habituados a reclusos jovens ou que não estão doentes, é uma satisfação vai-se
embora hoje pegam nas coisinhas e vão se embora. Agora aqui no hospital e alguns
doentes da cadeia também precisam de uma referenciação para nós era importante. Mas
eu não sei como é que eu passo esta mensagem e como é que esta mensagem chega a
quem decide que é haver uma regra que diz: doente internado em hospital prisional para
ser libertado em liberdade condicional tem que ter pelo menos dois dias úteis de avanço,
quando isso é feito nós fazemos a articulação. Nisso os enfermeiros são impecáveis:
ligam para os colegas do centro de saúde: articulam como se faz enviamos as notas de
alta para depois ter continuidade lá fora. Em termos de acesso a medicamentos e
material isso nós conseguimos com alguma pressão aqui e ali. Conseguimos ter
colchões bons com o apoio da fisioterapia. Temos muitos enfermeiros em reabilitação,
mas reabilitação em fisioterapia são duas áreas diferentes complementam-se, mas são
diferentes. É muito importante ter ambas. Ter enfermeiros que estão atentos à parte da
adaptação do doente com uma limitação ao seu dia a dia, portanto, tornar o doente o
mais autónomo possível com a limitação que tem, seja ela qual for cardíaca, diabética,
de feridas, amputações, de demência o que for, e ao mesmo tempo complementando isto
numa abordagem mais direcionada como é a abordagem da fisioterapia.
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Entrevistado: Nós temos muito de positivo, por exemplo, quando tínhamos a unidade
de cuidados continuados, podemos pensar se um dia tivermos um dia uma de paliativos
semelhante… tínhamos um projeto muito interessante e uma abordagem ao doente em
termos de reabilitação, que era melhor do que em qualquer outra unidade em que eu
estive. Eu estive a estagiar na luz que é uma unidade de continuados e de paliativos que
é de referência, posso lhe dizer que a nossa unidade funcionava excecionalmente bem,
porque aquilo tinha atividades reabilitação de várias áreas por dia e por semana. Os
doentes tinham sempre uma atividade para reabilitação e para manutenção, podem até
nem recuperar, mas a ideia é pelo menos manter alguma autonomia. Nesse sentido nós
tínhamos um projeto muito bom. Neste momento não temos porque temos a covid, e
isto foi tudo desmontado. mas o que é preciso para isso... pessoal com interesse e
envolvimento e articulação entre vários saberes. Depois temos estas barreiras que lhe
estava a dizer, barreiras burocráticas não conseguir aceder ao ERSE não ter maneira de
fazer as prescrições que era suposto fazer etc… e temos essa barreira que é COVID que
espero que volte a trás
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e sempre que isso acontece há uma medida em Portugal que permite essa libertação e
nós ativamo-la sempre. Agora depende de caso para caso.
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Entrevistado: Eu acho que não. A gente está presa para quê? A gente pode falar de
forma mais lacta, para que serve a prisão? Mas sem chegar a uma discussão filosófica
tão abrangente. Nós temos países em que a prisão não é como cá... apesar de tudo aquilo
que me faz mais pena e mais impressão, e aí não é paliativo... estamos a falar dos jovens
e inatividade, temos uma quantidade de gente que é destruturada lá fora e muito por
causa dessa destruturação comete crimes e entra cá. E cá dentro podia ser um momento
de reabilitação e não é um momento de reabilitação, eles passam aqui dentro vão se
conhecendo uns aos outros vão para o ginásio. Não trabalham, não produzem, não
contribuem para a sociedade e não fazem nada que lhes dê, até eles, uma sensação de
valor e depois saem reincidem e voltam. Acho que a reabilitação é a parte que devia
haver mais investimento. Nós tivemos uma mudança muito grande na população
prisional com a despenalização da droga. Nós temos um projeto em Portugal espetacular
que funciona muito bem mesmo. Despenalizando a droga reduziu-se o número de
drogados, com o programa de metadona as coisas estão muito melhores. E penalizou-se,
na minha opinião, justamente a violência domestica… e agora estamos cheios de
velhotes embora deva dizer que violência domestica temos tido de todas a idades, mas
muitos não chegam aqui ficam nos estabelecimentos prisionais.
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Entrevista E03
Entrevistador: Alguma…
Entrevistado: Aqui neste hospital temos médicos da medicina interna. Aqui neste
hospital temos médicos de medicina interna. Eu sou gastroenterologista. Temos médicos
de infeciologia e até temos uma médica de estomatologia e uma médica de cirurgia
geral que só vem cá uma vez por semana... todos nós estamos mais ou menos
familiarizados ou habituados a lidar com este tipo de doentes terminais. É claro que
quando, por algum motivo, precisamos do apoio de outros médicos mais diferenciados
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nestes cuidado, quer seja por uma dor incontrolável, quer seja por uma doença
oncológica, que precisa de apoio da especialidade enviamos a hospitais aqui da zona
para prestar este tipo de cuidados.
Entrevistado: Pelo número de doentes que nos chegam, penso que temos dado uma
resposta adequada. Porque não somos nenhum hospital de referência nesta área, e
também porque os doentes que nos chegam não são em grande número, por isso penso
que temos conseguido manejar este tipo de doentes. E como lhe digo quando é preciso
enviamos, pontualmente, a consultas de especialidade que não disponibilizamos neste
hospital.
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portuguesa, de tal modo, que o sistema público não tem essa capacidade talvez só
forneça 10% dos cuidados necessários. Em termos de cuidados paliativos... é mais fácil
e oneroso para o cidadão recorrer a instituição sociais ou privadas para prestar esse tipo
de cuidados. O meio prisional como sabemos tem uma população de cerca de dez mil
reclusos, portanto, é uma população mais limitada, apesar de tudo o hospital prisional
tem conseguido dar resposta a estas situações. Depois outra questão que é importante
referir eles muitas vezes na altura em que acabam a sua pena, em que termina o seu
tempo de prisão, vão para casa. Muitas vezes são casos sociais vão daqui e não têm
apoios familiares ou sociais, e não conseguem que depois lá fora se faça bem a
articulação para estes doentes em cuidados paliativos. Ou seja: encontrar um lar para
eles é um desafio que é colocado às nossas equipas de educação. Mas dentro do meio
prisional temos muitas vezes temos conseguido dar resposta felizmente. Não tem havido
grande carência na nossa resposta assistencial a estes doentes.
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para serem uma ameaça à sociedade, portanto, fazia sentido que fosse modificada a
pena e eles fossem para instituições vocacionadas para isso lá fora. Fora das prisões.
Aliás há uma lei, 112 salvo erro que contempla exatamente esta possibilidade, modificar
a lei em doentes em fase terminal da sua vida para que eles possam cumprir a pena em
casa ou numa instituição fora da prisão... ou seja: em liberdade. Essa lei infelizmente
muitas vezes não chega a tempo de ser aplicada. Nós pedimos a lei, solicitamos, quando
estão numa fase terminal...mas, ultimamente, a maior parte das vezes não chega a ser
efetivada, porque já não chega em tempo útil. Os doentes vêm a falecer aqui no hospital
e não chegam a sair em liberdade.
Entrevistador: Sem dúvida! Cada vez mais acho que a justiça portuguesa ainda está
mais atrasada do que a medicina. Se formos, por exemplo, falar em tempos de espera de
tribunal e tempo de espera do hospital. Possivelmente, os tempos de espera da justiça
são infelizmente mais longos, portanto, eu acho que deveríamos melhorar muito esta
situação da justiça. Há vinte porcento de presos que não foram condenados ainda, ou
estão em prisão preventiva. Vinte porcento é muito... são dois mil presos que estão
ainda sem ainda estarem condenados. Depois há aquela situação dos doentes que estão
em estados muito degradados com perda de autonomia nas atividades de vida diária.
Com perda de capacidade de compreensão. Esses presos não constituem risco para a
sociedade. Estes doentes estão muitas vezes colocados nas prisões por questões sociais
ou porque a justiça ainda não lhes alterou a sua situação penal. Acho que era uma coisa
que se deveria melhorar. Era rever a situação penal dos reclusos com alguma
periocidade, sobretudo, quando são sinalizados problemas de saúde deste tipo como as
doenças de Alzheimer, as demências em geral, e as perdas de autonomia por outras
razões, pessoas que tem incapacidade em se locomover e que tem lentificação psíquica e
motora. Portanto, todas essas situações deveriam a meu ver ser reavaliadas também do
ponto de vista jurídico e do tempo de pena a ser aplicado.
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Entrevista E04
Entrevistador: Antes de começar esta entrevista tinha-me dito que não havia uma
unidade de cuidados paliativos no hospital prisional?
Entrevistado: Não existe. Nós não temos unidade de cuidados paliativos. Temos alguns
elementos de enfermagem (médicos não sei) que tem formação básica em paliativos. Eu
própria tenho um curso básico em cuidados paliativos, um curso agente em fim de vida
que fiz a relativamente pouco tempo. Como a minha especialidade é reabilitação, tem
um papel muito importante nos doentes terminais e não só terminais. Não entendendo o
doente paliativo, só na sua fase terminal, mas todo aquele doente crónico. Nós temos
muitos doentes com demências e com doença crónica, que passam aqui os seus últimos
anos de vida connosco. A reabilitação é para mantê-los o mais ativos e autónomos
possível. Eu senti necessidade de fazer este tipo de formação para acompanhar a parte
final. Sei que temos muita gente com formação em paliativos, mas não temos um
serviço de cuidados paliativos.
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Entrevistador: Como estão organizados na prisão os cuidados paliativos e de fim de
vida para reclusos?
Entrevistado: Não existe uma estrutura física para cuidados paliativos, temos vários
doentes que de uma maneira ou de outra temos que paliar, mas estão nos serviços
normais. Não há um médico em cuidados paliativos ou uma equipa de cuidados
paliativos. Não temos! Tentamos paliar com o conhecimento que todos nós temos, mas
não é uma estrutura organizada. São tratados numa enfermaria de tratamento normal.
Por exemplo, a primeira enfermaria são doentes muito dementes. São doentes que
prestamos cuidados paliativos, o conforto e bem-estar, tentamos mantê-los ocupados
dentro das suas atividades. Agora não chamamos a isto uma unidade de cuidados
paliativos.
Entrevistado O doente não deixa ser utente do serviço nacional de saúde. Por isso
quando é preciso fazer exames, um TAC ou uma ressonância nos mandamos ao exterior
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Entrevistado: Estamos a atender com aquilo que temos. Cá está volta tudo ao mesmo.
Nós não temos uma estrutura organizada. Damos o nosso melhor com as condições que
temos. Também não sei se neste momento concordo com uma estrutura organizada.
Acho que os cuidados paliativos têm que ser prestados dentro dos serviços por
profissionais que estejam habilitados a essas áreas. Não tem que ser uma estrutura física
para ter paliativos. Mas neste momento nós também não estamos assim tão organizados
em termos profissionais não temos uma equipa especifica de cuidados paliativos nos
diversos serviços. Eu sei que temos vários enfermeiros com formação. Agora não
estamos organizados cada um dá o seu melhor e o que sabe e pode dentro dos seus
conhecimentos.
Entrevistado: Penso que o facto de eles [os reclusos] ficarem fechados a partir das sete
da tarde é um grande inibidor na prestação destes cuidados eu vou quando quero, mas
estou limitada pelo guarda.
Entrevistado: Imagine que tenho um doente que vai morrer nas próximas horas ou
próximos dias. Eu posso sempre pedir uma autorização para ficar aberto e poder ir lá
mais vezes, mas não tenho um quarto para isso. Também não sei se é boa ideia isolar
estes doentes do ambiente. Segundo o que está preconizado pelos cuidados paliativos
eles também não podem ser assim afastados, por num quarto para morrer. Isso não é
assim que funciona. Por isso está é parte que nos inibe mais é o eles estarem fechados.
Durante o dia tudo muito bem. O corpo de guardas se eu pedir para lá ir várias vezes
durante a noite eu vou embora estejam fechados a partir das sete horas pela segurança.
O problema é que às vezes precisamos de estar ali de presença física. Sendo que já
houve situações em que foram feitos os pedidos e até os próprios familiares puderam
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acompanhar... muito raramente uma exceção ou outra. Mas eu sei que isto já se passou
não comigo. Sei de uma mãe que conseguiu permanecer junto do filho até final da vida.
É aqui que tem que haver um pouco mais de abertura. Nós aqui nos serviços prisionais
não estamos focados para a saúde nem para a doença. Estamos focados para a
segurança. É difícil porque quem trabalha connosco (os guardas) não têm formação
nesta área. Para eles a segurança é primordial alguns tem uma abertura que posso falar
com eles e explicar e tudo bem. Mas depois há outros que não têm esta abertura. Não é
por serem melhores ou piores é porque não têm conhecimento para isso.
Entrevistado: Eu acho fazia falta a formação. Meios físicos nós temos. Podiam ser
melhores, mas se quiser uma cama articulada para um doente ou um creme para
massajar eu tenho isso tudo. Eu solicito e tenho isso tudo isso não falta. Posso não ter as
paredes mais bonitas. O que faz falta para aquela pessoa ter conforto eu tenho. Depois
há este problema inibem-nos muito... o estarem fechados o não podermos ir quando nós
queremos. Eu vou quando quero, mas estou limitada pelo guarda. Depois é assim se o
guarda por exemplo, são poucos agora com o Covid, alguns estão de quarentena, se os
guardas são poucos estamos um pouco limitados. Só abrem o quarto piso ou só abrem o
terceiro e posso precisar de lá estar... pronto eu acho que isto é o pior, a falta de
formação dos outros profissionais em relação a esta realidade. Isto devia-se começar a
falar mais. Quando se fala em cuidados paliativos as pessoas pensam que é fim de vida.
Temos que desmistificar esta ideia e se isto fosse desmistificado também no corpo de
guardas isso ajudava-nos imenso. Em doentes em fim de vida nota-se mais esta
limitação, porque existe a necessidade de estar mais com esta pessoa e com as famílias.
Não é que não seja possível não vamos fazer aqui um bicho de sete cabeças, mas não é
fácil não é como nos outros lados. Requer autorizações. Você já viu que para entrar aqui
como é que é ... e tem que ser; mas é está articulação que cria alguma dificuldade.
107
Entrevistador: Agora que estabelecemos o que é positivo e negativo, o que,
pessoalmente, recomendaria, para melhorar ainda mais os cuidados paliativos e de fim
de vida na prisão?
Entrevistado: Não que eu saiba não. As famílias o único acompanhamento que têm é
nosso ao telefone. Às vezes ligam angustiadas a perguntar como está o doente e damos
ali um pouco de apoio, mas não é nada formal.
108
Entrevista E05
Entrevistado: Nós temos cá vários doentes com demências graves... e nós prestamos
cuidados a eles todos os dias
Entrevistado: Estão juntos. Não temos condições para separar. Temos uma enfermaria
onde nós os tentamos juntar mais, mas…
109
Entrevistado: Não está a funcionar muito bem. Neste momento não temos apoio na
neurologia que também é importante. Todas as valências têm que ser lá fora têm que
sair do meio prisional e pelo sistema nacional de saúde lá fora para serem
acompanhados. Os exames é todo lá fora. Nós tínhamos uma neurologista em regime de
avenças que vinha cá uma vez por semana. O que é muito pouco. Porque cada vez há
mais doentes a aparecer com demências. São presos já de uma idade avançada. Até às
vezes o crime tem muitas vezes a ver com a demência. Ou por violência doméstica. Já
num estado avançado de demência agridem um familiar e depois são presos nesta fase.
As consultas demoram algum tempo.
Entrevistado: Uma zona dedicada a este tipo de doentes, para não estarem junto dos
outros. Porque estes doentes depois acabam por ficar alterados. Estou a falar nas
demências, mas mesmo nas outras situações em temos algum doente em fim de vida...
ter uma zona mais resguardada para poderem estar com as famílias também.
110
Entrevistador: Do seu ponto de vista concorda com a liberdade condicional ou a
liberdade condicional?
111
Entrevista E06
Entrevistado: Sim
Entrevistado: Apoio emocional, terapêutica adequada para eles não terem dores. Acho
que é o essencial eles não terem dores, porque normalmente são neoplasias; eles estão
conscientes até ao final. Acho que o essencial é eles estarem tranquilos, não sentirem
dores e estarem confortáveis.
112
Entrevistado: É assim os nossos médicos também dão muito apoio... a doutora Mónica,
o Doutor Rui Pinto que normalmente são os doentes deles. Se temos alguma enfermeira
especialista em paliativos? Não temos. ah, mas temos algumas enfermeiras que têm pós-
graduações e que vão dando algum apoio em alguma coisa que a gente não saiba tão
bem. Há coisa muito especificas.
Entrevistado: Neste momento temos alguns doentes com demência que precisam de
algum apoio; mas temos algumas enfermeiras especialistas em saúde mental
e psiquiátrica e qualquer dúvida que a gente tenha (porque é uma área mais especifica)
tiramos dúvidas entre nós e isso é muito bom.
Entrevistado: Por vezes a falta de tempo por é preciso cuidar deles porque são
dependentes depois não temos aquele tempo que deveríamos ter para fazer algumas
atividades com eles, estimulação várias. Falta um pouco esse tempo.
113
Entrevistado: Talvez podermos entrar (nas celas) sempre há hora que a gente quer...
temos sempre um guarda disponível para entrar... mas devimos de ter mais liberdade
aqui dentro da prisão.
Entrevistado: Acho que sim. Temos aqui muitos doentes em que este não é o local
certo para eles estarem. O facto de termos doentes com demência que não sabem onde
estão ou o que estão aqui a fazer... não faz sentido eles estarem privados de liberdade
porque para eles estarem aqui dentro ao estarem noutro sítio qualquer é exatamente
igual. Eu acho que sim que pessoas em fase terminal, independentemente dos crimes
que tenham cometido. Acho que que está em fim de vida precisa do apoio da família de
alguém da mãe. Embora alguns não tenham o apoio da família. Porque aqui as visitas
são controladas os familiares não podem... há tempos tivemos um doente assim e eram
facilitadas as visitas da família para poderem vir aqui mais vezes, mas teoricamente não
é assim, conversado com os guardas eles acabam por entender e deixam vir. Nós aqui
tratamos deles como doentes não como pessoas que cometeram crimes lá fora. Para nós
aqui dentro são doentes.
114
Entrevista E07
Entrevistado: Não, aqui é mais na gestão da casa e dirigir os serviços. Não sou
profissional de saúde, entretanto, a mim compete-me apenas dirigir os serviços.
Entrevistado: Isso é uma questão cada vez mais premente nos serviços prisionais.
Sabemos que a população reclusa está cada vez mais envelhecida, e, portanto, cada vez
mais essa questão se coloca. Ao nível dos vários estabelecimentos prisionais, mas não
me vou prenunciar sobre as dificuldades dos estabelecimentos prisional normal, que
ainda são maiores nessa área. Embora eu já tenha percorrido enfim, já estive em Tires
na Carregueira. Portanto, aqui a situação é diferente, na medida em que isto é um
hospital ainda que com as suas condicionantes, dentro do sistema prisional é aqui o
melhor sítio para prestar estes cuidados. Ainda assim os nossos recursos são escassos,
quer em número de camas, quer em número de profissionais para prestar esses serviços.
Portanto, a prestação de serviços no sistema prisional desse âmbito está condicionada ao
número de vagas. O número de vagas que são poucas, e, portanto, é complicado a
gestão dessa situação.
Entrevistado: Nós temos condições que os outros colegas dos outros estabelecimentos
prisionais não têm. Portanto, são condições clínicas e de assistência 365 dias por ano,
dia e noite. Sempre podemos prestar melhor esses cuidados.
115
Entrevistador: Pessoalmente o que recomendaria para melhorar os cuidados paliativos
na prisão?
Entrevistador: Na sua opinião deveria haver uma ala especifica para prestar cuidados
paliativo dentro da prisão?
116
Entrevistado: É muito complicado, porque as famílias se não tiverem condições para
acolher essas pessoas, pois eles teriam que ser sinalizados para instituições, o que se
verifica na prática é que a segurança social não dá resposta, e, portanto, mesmo que nós
queiramos ser favoráveis a determinadas situações, pois não temos como... nós temos aí
uma pessoa que veio do funchal para modificação da pena para ir para uma instituição...
há meses, e não há respostas... e, portanto, esse é o nosso grande problema.
117
Entrevista E08
Entrevistado: Alguma. Temos tido aqui algumas utentes tanto homens como mulher
em fase terminal.
Entrevistado: Consigo. Uma senhora, jovem, tinha quarenta e tal anos. Que veio já
numa fase terminal. Tocou-me, particularmente, porque era uma senhora que tinha
suporte familiar. Era uma senhora que estava a planear tudo para ir para casa para
falecer junto dos seus. Nós cuidamos da melhor forma dela, para proporcionar conforto,
para não ter dores, para estar o mais confortável possível para ir. E a senhora faleceu na
véspera de ir.
Entrevistado: Em mim teve, enquanto profissional de saúde e também teve nas outras
utentes que estava naquele quarto.
118
não a deixava dormir bem. Andava com pensamentos ruminantes em relação aquilo que
estava a acontecer. Estava a sentir-se assoberbada com tudo que estava a acontecer, se
iria ser capaz. E pronto além dos cuidados de saúde física, dava-lhe aqui esse apoio.
Entrevistado: Esta doente estava junto com as outras senhoras, mas posemo-la na
última cama da enfermaria. Podíamos fechar as cortinas e manter a privacidade da
doente.
Entrevistado: Eu enquanto enfermeira acho que há bastantes lacunas. Não quero estar a
criticar ninguém. Em primeiro lugar temos que pensar que os cuidados paliativos é uma
filosofia de cuidar. Apesar de ser enfermeira ainda há muitos colegas que não percebem
a filosofia do que é os cuidados paliativos. Isso por vezes acaba por dificultar muito
determinados cuidados à pessoa. Isso começa com a formação. Todos mesmo quem já
fez deveria voltar a fazer porque há sempre reciclagens que se podem fazer. Portanto,
acho que devia começar por aí. Depois também pela parte dos médicos. Reconhecer que
um doente que em termos de terapias daquilo que podemos fazer por eles são cuidados
de conforto. Percebo que seja frustrante para um médico, que são muito
vocacionados para tratar, o não tratar, na minha perspetiva acaba por ser frustrante para
eles. Porque não conseguiram o fim a que se propuseram. O aceitar isso também é
muito difícil. Depois temos situações em que, eu passei uma delas também, uma doente
com uma neoplasia em estado terminal. Uma neoplasia da mama e com uma neoplasia
da amígdala. Que fez radioterapia, fez quimioterapia, fez tudo aquilo que era suposto
119
fazer. Esta senhora não tinha as medidas de conforto como prescrição, ou seja, a
senhora entrou em paragem cardiorrespiratório com uma hemorragia, que nós não
conseguimos perceber, mas era activíssima. Ah e nós tivemos que tentar reanimar a
senhora. A senhora olhou (silêncio) Eu não me vou esquecer do olhar daquela senhora.
A minha chefe estava cá nesse dia e disse: a senhora entrou em paragem e está a sangrar
por tudo quanto é sítio. Tivemos que tentar reanimar a senhora, pulseámos a senhora.
Tivemos meia hora em massagens cardíacas, e olhar daquela senhora, ela percebeu
nitidamente, ela olhou para mim e para a senhora auxiliar, ela percebeu... O que aquela
senhora precisava era de conforto naqueles momentos que nós estávamos lá. Não era
daquilo que a senhora precisava.
Entrevistado: Mas não havendo essa decisão nós não a podemos contrariar. Quem sou
eu como enfermeira dizer: não, está senhora está em estádio terminal agora não vamos
reanimar a senhora. Não, fizemos tudo direitinho, como devimos fazer. E quando veio o
INEM nós estávamos a fazer o que tínhamos a fazer, tendo em conta as circunstâncias,
tendo o historial, tendo em conta o tempo…. Foi difícil e depois falei disso com a minha
chefe. Custou-me imenso não era aquilo que a senhora precisava naqueles momentos
antes de falecer. Precisava de alguém que a acompanhasse na partida dela. Precisava de
estar confortável e que a deixassem sossegada
Entrevistado: Vejo que temos uma equipa que é bastante aberta a receber formações
neste contexto. Isso facilita muito. As pessoas perceberem que o não fazer determinadas
coisas não é incompetência, que nesta situação em particular, que é mesmo isso que se
deve fazer.
120
Entrevistado: Passava pela formação a todos os elementos da equipa multidisciplinar e
todos estarmos em sintonia nestas circunstâncias.
Entrevistado: Eu acho que sim. Tenho a certeza que sim. É verdade que podemos olhar
para a outra parte: cometeram um crime estão a pagar pelo crime que cometeram. Mas
não nos podemos esquecer que tem que haver aqui alguma humanidade. Somos todos
pessoas. Há aqui determinadas circunstâncias que me ponho a pensar: eu se não tivesse
tido, por exemplo, uma família que me tivesse dado ganhos e competência socio-
emocionais para lidar com determinadas situações na minha vida eu não sei até onde
que iria. Nós não sabemos até onde iriamos. Estas pessoas que aqui estão não têm
competências socio-emocionais. Não sabem o estado lá fora, não sabem socializar, têm
dificuldade nos relacionamentos, e que é uma situação que vai piorar com isto do
COVID. Estas crianças, estes jovens que não conviveram vão ter dificuldades. Estas
pessoas que aqui estão… a pena maior que a deles não existe. Que é uma doença
terminal. Acho que essa pena é muito pior que a outra. Portanto, poder proporcionar
isso às pessoas para que possam falecer no conforto, se possam despedir, para que as
famílias possam fazer a sua despedida. Para depois fazerem o luto que não seja
patológico. Depois estas famílias não se despedem. Muito provavelmente os lutos vão
ser patológicos com coisas que não ficaram resolvido.
Entrevistado: Penso que não. A não ser que eles tenham procurado lá fora. Agora aqui
de dentro penso que não houve
Entrevistado: Era uma senhora muito jovem. De fácil convivência. Aquilo que ela nos
pedia eram coisas tão simples. Era o ir para casa. Organizar com a irmã tudo isso foi
121
feito. Tudo planeado, e depois na véspera da senhora ir. Não pode estar com a filha, ela
tinha uma filha com 14 anos, ela não se pode despedir da menina.
Entrevistado: Sim, isso é importante e positivo. Porque há pessoas que dizem eu ponho
aquela máscara e ponho aquela capa de super-homem. Mas nós somos humanos, somos
pessoas. E há aqui circunstância que mexem connosco.
Entrevistador: Na sua opinião era importante ter apoio psicólogo a esse nível para que
cada elemento da equipa pode-se partilhar aquilo que sente?
Entrevistado: Sim, partilhar aquilo que se vai sentindo. Acho que sim fazia sentido. Se
se houve eu participaria com toda a certeza.
122
Entrevista E09
Entrevistador: Esse doente estava numa ala separada ou junto com outros reclusos?
Entrevistado: Esse doente estava num terceiro piso num quartinho que tem duas
camas... são situações mesmo terminais. Isto até foi antes do COVID... Agora a logística
é diferente
Entrevistador: Quais são os profissionais de saúde envolvidos no cuidado aos reclusos
quando estes chegam à fase de necessidade de cuidados paliativos ou de fim de vida?
Entrevistado: Aqui no hospital... vou ser sincera não estou muito a par dessa situação...
eu só sou chamada para a reunião clínica e em situações SOS. Estou a fazer psicologia
de ligação... a minha função é mesmo especifica aqui (psiquiatria) na psicologia.
123
Entrevistador: Que problemas ou barreira encontra aqui no hospital?
Entrevistado: Um doente que está lá em baixo, por exemplo numa fase aguda de uma
psicose. Ou um doente que estava muito ansioso fase alguma situação um
acontecimento de vida... um doente que não está a lidar bem quando recebe um
diagnóstico. Um doente que vai a tribunal e veio surgem alterações de comportamento
graves. Há várias situações que podemos ser chamados.
Entrevistado: Deveria haver um psicólogo no pavilhão clínico para colmatar esse tipo
de necessidades (em doentes terminais e em fim de vida). Neste momento não está a ser
possível.
Entrevistado: Eu não acho que em todos deveriam ter alteração da medida neste caso
de prisão efetiva... mesmo não havendo recursos haver instituições que acolham este
tipo de doentes para não terminaram a sua vida presa. Acho que isso é uma situação
desumana...
124
Entrevista E10
Entrevistado: sim
125
Entrevistado: Eu tenho experiência noutros hospital. Trabalho há trinta e dois anos, e
em serviços prisionais apenas há seis. Não vejo diferença do que se faz neste hospital
prisional do que se faz nos hospitais não prisionais.
126
Entrevista E11
Entrevistado: Não tenho. Com reclusos não. Mas, já estive num estágio em que estive
uma semana com abordagem a cuidados paliativos, foi a única experiência.
127
Entrevistador: Esse preconceito tem a ver com os guardas?
Entrevistado: Não. Até porque independentemente do que o próprio recluso tenha feito
lá fora, e que o traga a este estabelecimento, eu enquanto fisioterapeuta a minha
abordagem é de igual independentemente, do que a pessoa fez. Não coloco de todo
qualquer tipo de filtro ou condicionante mediante o que a outra pessoa fez. Trato de
igual modo e tento dar o meu máximo em prol daquele recluso, ou daquele utente.
Entrevistado: Agora estando numa unidade hospitalar toda a equipa médica, por
exemplo, se o recluso precisar de fazer algum exame, ou análise ser uma questão muito
mais rápida e pronta e acessível. Isto se compararmos com o sistema nacional de saúde
no exterior. Lá fora há listas de espera e tudo o mais. Na prestação de cuidados de
saúde aqui é muito mais rápido e acessível. A questão da comunicação, não digo equipa
multidisciplinar, mas entre equipa médica, ou entre equipa de enfermagem. Se precisar
de vir comunicar alguma coisa à equipa de fisioterapia, ou vice-versa acaba por ser um
facilitador.
128
Entrevistado Não sei. Mais comunicação ainda. Disse comunicação, mas sinto que
ainda está um pouco limitada. Cada um excuta a sua função e fica ali restringido. Se
houver uma abordagem mais multidisciplinar, por exemplo, agora temos o utente X
vamos ver o que as várias áreas estão a trabalhar mediante aquele utente. O que lhe
pode ser oferecido a nível terapêutico para lhe proporcionar, aquilo que o utente deseja
do profissional. Porque depois há sempre essa condicionante, por mais que o
profissional preste o tipo de cuidados é necessário o recluso querer este tipo de
cuidados. Porque se o recluso não quer ser ajudado por mais que nós tentemos trabalhar
a nível paliativo acaba por não dar.
Entrevistador: Do seu ponto de vista concorda com a liberdade condicional ou a
liberdade condicional?
Entrevistado: Acho que depende sempre da condição clínica o quão dependente aquele
recluso esteja. Vou dar um exemplo: um recluso que esteja acamado e que lhe seja
proporcionada liberdade condicional. Até ponto não acaba por ser um fardo para os
familiares. Ou de um fator limitante e isso causar ainda um impacto ainda superior aos
familiares. Não sei se é o perspetiva egoísta ou não. Pode ser um pouco confuso, mas
vai sempre depender de várias variáveis para tentar perceber se devem ser ou não.
129
Entrevista E12
Entrevistado: Isso sim. Doentes crónicos sim... são umas seis camas, cinco delas são
com síndrome demencial cada um tem o seu estádio.
Entrevistado: Passa, sobretudo, por manter os laços afetivos com a família... digamos
que é de grande responsabilidade. Nós fazemos essa mediação. Com estes pacientes que
muitas vezes já não reconhecem os familiares... é importante este manter de relação.
Temos que ir sempre trabalhando na preparação para a liberdade. É preciso sempre
trabalhar com os dois lados. Trabalhamos com os colegas da reinserção social que têm
como grande responsabilidade perceber todo o enquadramento social no exterior e
perceber se os familiares têm a capacidade de os receber em casa. O técnico superior de
reabilitação mantém o contato com o exterior. Nós fazemos essa mediação.
Entrevistado: A reinserção social tem que arranjar uma instituição que às vezes se
depara com problemas muito graves Este manter a relação com a família quer muito de
nós… queremos obter ganhos, porque sabemos a dificuldade que existe em arranjar
instituição. Para nós é importante trabalhar, ir aquela família e fazer ver que se
130
aproxima a data da libertação… ir trabalhando no sentido caso não se arranje era
importante que essa família chegasse a acolher.
Entrevistado: Eu acho que será diferente de outros sistemas prisionais. Embora acha
muitos reclusos que nesta fase acabem por vir para aqui para opé de nós. Mas de
qualquer forma aqui há um acompanhamento próximo. Desde logo o técnico de
educação que é o meu caso vai trabalhando de perto com a família mostrando que o
doente está a piorar. Trabalhamos também em parceria com a psicóloga. Ela é a única
psicóloga no hospital, portanto só a psiquiatria para ela dá e sobra.
131
Entrevistado: Escassez de recursos, especialmente na área de psicologia... são pessoas
que conseguem fazer ali holding junto do doente... que está ali para ele fazer escuta
ativa. Mas não há vagas o quadro não tem lotação para psicólogos. Depois isto é um
trabalho burocrático exige-nos muitos relatórios. Isso tira-nos tempo para estarmos com
os muitos doentes.
132
Entrevista E13
Entrevistador: Nós primeiro tínhamos no terceiro piso uma secção para estes cuidados,
mas com as obras e o COVID, passou, entretanto, para o quinto piso. Portanto, agora é
no quinto. Da nossa parte da vigilância não interferimos muito nessa situação. “Dou
conselhos técnicos quando se está para propor liberdade condicional, então somos
favoráveis, independentemente da pena, para poderem passar os últimos dias com as
famílias, caso seja possível. Ou até naqueles lares onde eles podem estar mais perto da
família. Na parte de segurança isto é mais uma questão de saúde de serviços de saúde.
Por isso a nossa participação não é muito variada quanto aos outros reclusos que cá
estão. Não há uma dedicação especifica a esse tipos de doentes.
133
Entrevistado: Vai um guarda e uma motorista e é obrigatório ir sempre um auxiliar que
neste caso chamam o ti-nó-ni, é uma nomeação que aqui têm. Quando é uma situação
mais grave vai um enfermeiro. Mas o normal é ir sempre o auxiliar. Quando é para
deslocação ao tribunal torna-se mais fácil agora com a vídeo conferência.
Entrevistado: Alguns deles estão internados no serviço E alguns estão misturados com
os outros em enfermarias, situações muito vezes terminais que estão em enfermarias
junto de outros que se movimentam muito mais. Aquilo que seria melhor era que houve
um pavilhão uma ala separa dos restantes presos. Onde só estivessem ele não é
misturado com o resto da população. E também no nosso caso escolher aqueles guardar
que tem mais cuidado com estes doentes e se adequassem mais para este tipo de
cuidados. Porque há guardas que para eles o recluso que está aqui seja muito ou pouco
doente é um recluso e o tratamento é sempre igual. Depois temos guardas que são mais
adequados. Tem outra forma de lidar com eles. Era estares num pavilhão separado com
outro tipo de vigilância com pessoas que percebessem bem do tipo de doença e do tipo
de fase terminal que esse recluso doente está. Porque aquelas quezilas ou grande parte
delas têm a ver com a reação que ele tem aos guardas que ás vezes são mais incisivos.
Entrevistado: Eu acho que sim. Eu sou sempre favorável a essas situações. A julgar
pela tipologia do crime que eles cometem temos aqui uma mistura de emoções, uma
pessoa que matou um familiar que fez crimes hediondos e depois custa-nos entender
isso. A cadeia serve essencialmente para impedir que pessoas que cometem crimes seja
de que tipologia for vão lá para fora reincidir neste tipo de crimes ou mesmo noutros.
Para uma pessoa que está numa fase terminal da vida parece a mim que já não faz
sentido estar recluso. Se tiver forma, embora muitas vezes sejam abandonados pela
134
família, não querem saber deles para nada. Por pior que a pessoa seja no final da sua
vida ter digno. Uma pessoa que já está nesta fase a cadeia já não serve para nada.
135
Entrevista E14
Entrevistado: A Z. que foi extraditada agora para o Brasil, a H. que ainda está cá. A H.
começou em psiquiatria e veio aqui para baixo.
136
Entrevistado: Eu acho que estão melhor aqui alguns do que muita gente lá fora. Aqui
tem os cuidados todos. As pessoas nem imaginam os cuidados que eles aqui têm. E não
tem preocupação com marcação de exames, de ter obrigações, de ter dinheiro para
medicamentos… percebe? eles têm tudo. As pessoas nem tem ideia disso. Se precisam
de um suplemento, preciso não sei de quê e que são caríssimos. Não vou fazer mais
comentários.
Entrevistado: Eu não sei... eles aqui estão. Eu acho que eles aqui têm tudo. Às vezes
até digo: alguns até têm mais do que merecem. Tanta gente lá fora que não tem nada e
que merecia, que não fizeram nada a ninguém e tem que estar a contar o dinheiro para ir
ao comer. Eles aqui têm tudo. Têm cinco refeições. Têm suplementos, recreios têm
direito a tudo. Direitos só!
Entrevistado: Se calhar alguns achava bem que fossem para casa, só que se calhar há o
lado de lá que a família não os quer. Enquanto estão aqui não estão a pagar lares, não
estão a pagar fraldas e não estão a pagar medicamentos. E não têm obrigações. Acredite
que há aquelas famílias que se pudessem levam-nos. Mas sei de muitas que não é bem
assim. Parece que não, mas uma pessoa idosa acamada, doente, numa casa dá muitos
gastos, e há pessoas que não têm essa possibilidade. Mas há situações, por exemplo a
Zimara, foi extraditada, antes de acabar o final e achei bem. Merecia era nova ainda
tinha 23 anos. Era uma miúda uma pessoa sempre muito educada. Muitas pessoas não
sabem como é o meio prisional. Para já há o lado são guardas são maus. Acham que o
guarda é o mau. Mas também não conhecem o que é em si as cadeias. Eu estou a falar
hospital agora. Há muita coisa que me revolta porque há coisas... por exemplo, há
pessoas que nunca vêm visitá-los aqui ou o pai ou não sei o quê. Nunca vêm visitá-los,
mas depois morrem, automaticamente, não são obrigados a fazer o funeral, fazem se
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quiserem, não é obrigação. Ou seja: o hospital é que tem que fazer o funeral, o único
senão é que tem que ir para Oeiras que é o que pertence aqui. Mas, depois se for preciso
o senhor recebia reforma essa reforma é amealhada na conta deles, ninguém mexe.
Enquanto estão aqui o dinheirinho é deles, o comer que comem os medicamentos e a
gente que paga, impostos quem paga isto é o estado. Mas depois se for preciso um dia
ou dois a seguir vêm cá para ir levantar o dinheiro. E não se pode e mesmo que têm
dinheiro amealhado não se pode ir mexer ao dinheiro, nem para o gasto do funeral. Ade
vir a família com uma habilitação de herdeiros ou a mulher, e levantam o dinheirinho
todo. Impostos zero.
138
Entrevista E15
Entrevistado: Sim.
Entrevistador: Consegue lembrar-se da sua experiência mais recente que papel teve
com esse doente?
Entrevistado: Os cuidados que a gente tem com os doentes temos que lhes dar apoio
nos seus cuidados diários. Quer em termos da sua alimentação, da sua higiene. Se são
doentes que exigem outro tipo de cuidados e por norma já estão no leite, e precisam de
ser feitas transferências na cama, para não ganharem feridas. Transferências que podem
ser entre a cama cadeirão. Para também poderem fazer o levante. Auxiliamos em todas
as tarefas que para o seu conforto e bem-estar.
Entrevistador: Esses doentes estão num ala sozinhos ou com outros doentes?
Entrevistado: É assim aqui neste piso onde trabalho temos um quarto (aquilo que
chamamos a enfermaria dos ninos que tem duas camas) que por norma quando é assim
doentes em fase mais terminal é para lá que eles iam. Neste momento como houve
alterações por causa do COVID. Era o que acontecia aquilo era um quarto de retaguarda
que, por exemplo, se tivéssemos casos assim iria para lá o doente e ficava ali mais
resguardado dos outros doentes.
139
Entrevistador: Na sua opinião como esta a funcionar o sistema para atender às
necessidades de cuidados paliativos?
Entrevistado: Desde que cá estou, aqui neste momento a equipa até está a funcionar
bem.
Entrevistado: Foi melhorada a unidade dos doentes foi melhorada, por exemplo cama,
temos os cadeirões, temos se for preciso imobilizações, por exemplo se o médico acha
que aquele doente possa estar mais agitado e possa cair a gente tem cá certas
imobilizações para segurança do próprio doente. Tem que ser prescrito. Também temos
colchões anti escaras (por exemplo, para estes doentes que estão acamados, que passam
muito tempo já na cama, são colchões mais adaptados ao corpo para evitar feridas)
Também temos almofadas. Tem havido uma melhoria nesse sentido.
Entrevistado: Se calhar. O que faz falta aqui é uma melhoria na casa de banho dos
doentes. Há ali duas partes dos duches que precisam de intervenção e de serem
adaptadas a este tipo de doentes. Com uma rampa. Para evitar quedas. Melhoria do
espaço físico para melhor conforto dos doentes.
Entrevistado: Eles têm. Eu acho que sim. Eu não estou muito dentro do campo judicial.
Sei que a partir de determinado período da pena podem pedir precária para poderem ir a
casa. Depois chega a uma altura que é concedida a liberdade condicional. Sim, eu
concordo. Acho que estás pessoas deviam ser reabilitadas e reintegradas na sociedade.
Eu acho que devia de haver mais trabalho nesse sentido. Um acompanhamento
enquanto eles estão aqui para depois quando eles se saíssem estarem integrados.
140
Entrevista E16
Entrevistado: Sim.
Entrevistador: Pode-nos falar dessa experiência e que papel teve com esse recluso?
Entrevistado: A minha experiência mais recente foi uma reclusa que estava para sair
em liberdade, era inglesa, estava para partir para Inglaterra. Dois dias antes teve uma
hemorragia interna. Ela tossiu pensei que se estava a engasgar. Quando eu a confortei
ela começou a esvair-se em sangue. Portanto, era bacias e bacias de sangue, tivemos que
prestar o último auxílio. A minha função neste caso foi segurar a paciente e acalmar um
pouco a situação. Olhei para o enfermeiro e ele fez-me assim, [o entrevistado leva a
mão à cabeça]e, portanto, os últimos minutos, ela teve noção do estava a acontecer que
ia partir. E aquele olhar dela (silêncio)… magoou-me um pouco. Nós estamos todos os
dias aqui a trabalhar e afetou-me. Ela teve mesmo noção que ia mesmo partir.
Entrevistado: Sim, nós temos uma ligação. Há uma linha que nos separa, porque nós
não nos podemos envolver, emocionalmente, com os reclusos. Neste campo eu sabia
que ela queria muito ir para Inglaterra para a família dela. Pensei até que ela chegasse
lá... ela estava toda animada para partir para lá. Fiquei triste.
Entrevistado: Senti necessidade de falar com alguém sobre isso. Nós fizemos uma
reunião com a chefe e a chefe perguntou-nos o que é que correu mal. Naquele caso
todos os cuidados que prestamos foram corretos. Só que a pessoa fica sempre um pouco
desanimada. Talvez porque queria fazer melhor.
141
Entrevistador: Quando acompanhou esta doente estava numa ala separada ou com
outros doentes?
Entrevistado: Era eu, um enfermeiro que estava de serviço, o meu colega, que agora
está de férias. Ele então ficou transtornado nunca tinha assistido a uma situação destas.
E outra enfermeira que estava também de serviço nesse dia. Chamámos o INEM,
porque quando o médico não escreve nada no relatório é para reanimar a pessoa. Os
enfermeiros têm indicação, se o médico escrever que é para reanimar, ou não puser nada
no processo. Nós temos a obrigação de reanimar.
Entrevistado: Naquele caso a hemorragia era fatal para ela, portanto, chamou-se o 112
para reanimar. O enfermeiro ainda tentou fazer manobras de reanimação. Porque neste
caso o médico não escreveu que não era para reanimar.
Entrevistado: Nós temos sempre um cuidado especial para com a pessoa. Essa pessoa
requer mais cuidados mais vigilância, quando estão mais dependentes de nós. Damos os
banhos, alimentação é tudo muito cuidado.
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Entrevistador: Na sua opinião são os principais problemas que encontra neste serviço
ou aspetos negativos?
Entrevistado: Eu não acho que acha aqui negatividade... eu trabalhei num lar, portanto,
particular, numa zona que tinha paliativos, neste estabelecimento os tratamentos são
superiores do que está a acontecer lá fora.
Entrevistado: Talvez neste caso o utente devia ter só um quarto para ele não estar com
outros reclusos. Estar mais privado não estar naquele ambiente de uns estarem a fazer
barulho e ele estar mal. Estar num espaço uma salinha só para ele.
Neste caso como são paliativos acho que os médicos se sabem que é uma situação que
vai ser uma morte, não imediata, mas a breve prazo. Acho que deviam escrever não
reanimar. Porque é um sofrimento que se está a ver (Silêncio).
Entrevistado: Não é desejável. Sinto que há um fim para eles. Tento, no meu caso, e
alguns colegas meus, tento dar-lhes o maior conforto possível, é como lhe digo, mais
atenção ir lá mais vezes.
Entrevistador: Então não é a favor da libertação compassiva?
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Entrevista E17
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Entrevistado: Ali é difícil. Habitualmente é na mesma ala. Há uma coisa que é
interessante os reclusos no caso as reclusas; mas também acontece com os homens
respeitam muito aquele espaço e eles próprios procuram se afastar ali uma curiosidade
primeira que é natural. Mas quando percebem qual é o contexto de conversa há um
afastamento. Ás vezes usamos uns pequenos gabinetes… enfim vai-se improvisando
não é a situação ideal.
Entrevistador: Na sua opinião, atualmente, como está a funcionar o sistema para
atender às necessidades de cuidados paliativos e de fim de vida dos reclusos?
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com a morte. Fazia falta um espaço onde os reclusos pudessem estar com os filhos um
espaço. É importante dialogar com as pessoas que querem morrer em casa querem ficar
no hospital, é um debate ainda tabu na nossa sociedade. Obviamente que o ambiente
mais adequado para morrer é exatamente com as pessoas que amamos e respeitamos.
Mas para isso é necessário que as próprias pessoas que amamos e respeitamos tenham
também essa disposição e tenham este trabalho feito. Então vivemos numa sociedade
que isto é tabu não se fala porque não se enquadra nos projectos de felicidade. Acho que
era um debate que deveria se tornar mais simples, mas ao mesmo tempo também mais
emergente naquilo que é a ideia que nós fazemos da sociedade e da responsabilidade da
sociedade para com os seus, particularmente, os mais fragilizados.
Entrevistado: Sim, temos muito essa dificuldade em regredir, e depois temos uma
dificuldade cultural em colocar isto como uma realidade social, não como uma coisa
que só acontece a alguns. Quando vivemos num contexto onde se privilegia a idade
juvenil o paradigma do homem feliz sendo jovem. Praticamente, quase como que se
líquida estas dimensão, que são elas também elas dimensões humanas. Obviamente em
contextos religiosos isso é feito, em alguns, não consigo dizer se outras correntes
religiosas o fazem. A corrente cristão em princípio se viver numa determinada bitola de
seriedade obviamente faz, mas habitualmente a comunidade civil não o faz e os nossos
reclusos independentemente, de alguma transversalidade, que tenhamos no ambiente
prisional, nos reclusos percebe-se que muito deles tem enormes dificuldades culturais e
relacionais e com esses é muito complicado. Um miúdo novo que tem o fígado
rebentado com uma hepatite C que viveu 22 anos... enfim.
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não está nesta triangulação. Depois o próprio crime cometido põe em causa a relação
própria da família. Lembro-me de uma situação que colocamos e hipótese do recluso vir
morrer a casa…, mas a mãe não morava sozinha e os restantes não concordaram.
Entrevistador: Por vezes têm filhos. Com lidam com essa situação?
A questão dos filhos entra nesta equação… pois há uma normalidade, é que muitos
destes reclusos têm filhos. Esse aspeto ainda está um bocadinho em bruto. Ainda não
tens um espaço para receber as crianças. Ainda não tens um espaço na cadeia onde a
criança possa visitar o pai ou a mãe em contexto infantil. Na prática a criança vai e é
colocada ali num ambiente endurecido… rígido quase militar Onde a possibilidade do
contacto afetivo com o pai acontece num contexto de quase nenhuma intimidade. Mas
isso é um debate maior, dentro daquilo que é a estrutura prisional. Mas é um debate
importante…para permitir que o recluso não perca caraterísticas e sensibilidade de
humanidade. Felizmente o hospital prisional até é contexto de humanidade há ali muito
trabalho desenvolvido há uma cultura que está conseguida… pode melhorar
obviamente. Mas notas uma diferença grande quando viajas de um estabelecimento
prisional normal para um ambiente hospitalar. É um processo de humanização mais
conseguido. Agora como qualquer processo estás sempre em movimento. Agora esta
cultura é importante para que o recluso continue a ter boas razões para a sua inserção.
Tem que acreditar na sociedade… temos que ter conseguidas relações de confiança.
Depois é complicado quando tens na sociedade um ambiente que secundariza este
processo.
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Anexo 2 – Ofício da DGRSP
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Anexo III Consentimento informado
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Anexo 3 – Protocolo do estudo
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