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Tatiane Amorim Lima

Prevenção de broncoaspiração em pacientes em cuidados paliativos internados no


Hospital Federal de Ipanema: a elaboração e aplicação de um protocolo

Rio de Janeiro
2024
Tatiane Amorim Lima

Prevenção de broncoaspiração em pacientes em cuidados paliativos internados no


Hospital Federal de Ipanema: a elaboração e aplicação de um protocolo

Projeto de intervenção apresentado como


Trabalho de Conclusão do Curso de
Especialização em Cuidados Paliativos com
Ênfase na Atenção Primária da Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio Arouca, na Fundação
Oswaldo Cruz.

Orientadora: Profª. PhD. Christiane Gouvêa


dos Santos

Rio de Janeiro
2024
Tatiane Amorim Lima

Prevenção de broncoaspiração em pacientes em cuidados paliativos internados no


Hospital Federal de Ipanema: a elaboração e aplicação de um protocolo

Projeto de intervenção apresentado como


Trabalho de Conclusão do Curso de
Especialização em Cuidados Paliativos com
Ênfase na Atenção Primária da Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio Arouca, na Fundação
Oswaldo Cruz.

Banca Examinadora

____________________________________

____________________________________

____________________________________
Christiane Gouvêa dos Santos
Orientadora: Dra. em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva

Rio de Janeiro
2024
AGRADECIMENTOS

Ao meu marido Fabio pelo apoio e incentivo diário, por estar comigo em todos os
momentos, seja na alegria e nas dificuldades.
Às minhas filhas Marina e Luana, meus tesouros de vida, que me mantêm de pé todos
os dias!
Aos meus pais, Gilberto e Alda, minha base, sempre me incentivando em todas as
minhas escolhas.
Aos queridos professores Ernani e Valeria, por todo aprendizado adquirido ao longo do
curso.
À querida orientadora Christiane, que contribuiu muito para o desenvolvimento deste
trabalho, sempre com sugestões valiosas. Aprendi muito com você também!
Aos colegas do Hospital Federal de Ipanema, que me ajudaram e incentivaram a realizar
este projeto.
Aos meus colegas de turma da ENSP, especialmente à Luciana, Katty e Marcelo, por
tornarem minhas terças mais animadas e produtivas, com tantas trocas de conhecimento e
experiências.
RESUMO

A disfagia é um distúrbio da deglutição decorrente de causas neurológicas e/ou estruturais. Pode


ocasionar desnutrição, desidratação, pneumonias, isolamento social, aumentar o tempo de
internação hospitalar, bem como acelerar o processo de morte. Alguns pacientes em cuidados
paliativos podem evoluir com disfagia. O fonoaudiólogo na equipe de cuidados paliativos
auxilia no manejo da disfagia e na comunicação mais efetiva, quando esta também encontra-se
alterada, ajudando o paciente, familiares e equipes nas tomadas de decisões relacionadas à
disfagia, respeitando sempre a autonomia do paciente, seus valores e crenças. Objetivos:
elaborar e aplicar um protocolo de identificação de risco para disfagia e/ou broncoaspiração,
bem como elaborar um Manual de alimentação por via oral segura. Metodologia: trata-se de
um Projeto de Intervenção, no qual foi elaborado um protocolo de identificação de fatores de
risco para disfagia e/ou broncoaspiração e um manual de alimentação por via oral segura, para
ser aplicado em todos os pacientes em cuidados paliativos internados no Hospital Federal de
Ipanema. Resultados: o protocolo foi aplicado em 30 pacientes, no período entre 18 de
dezembro de 2023 e 31 de janeiro de 2024. Observou-se que a maioria dos pacientes em
cuidados paliativos são do sexo feminino e a maioria apresenta como diagnóstico, o câncer.
Foram identificados fatores de risco para disfagia e/ou broncoaspiração em 63,33% dos
pacientes. Conclusão: Com a elaboração desse protocolo e do manual de alimentação segura,
espera-se minimizar os impactos da disfagia e garantir uma alimentação por via oral de forma
segura e prazerosa por maior tempo possível e com melhor qualidade. Como meta futura,
pretende-se expandir este protocolo para ser aplicado pelos demais profissionais de saúde que
assistem os pacientes em cuidados paliativos.

Palavras-chave: cuidados paliativos, fonoaudiologia, disfagia, dieta de conforto,


broncoaspiração, protocolo, manual.
ABSTRACT

Dysphagia is a swallowing disorder resulting from neurological and/or structural causes. It can
cause malnutrition, dehydration, pneumonia, social isolation, increase hospital stay, and
accelerate the death process. Some patients in palliative care may develop dysphagia. The
speech therapist in the palliative care team assists in the management of dysphagia and in more
effective communication, when this is also altered, helping the patient, family members and
teams in making decisions related to dysphagia, always respecting the patient's autonomy and
values. and beliefs. Objectives: to develop and apply a risk identification protocol for dysphagia
and/or bronchoaspiration, as well as to develop a safe oral feeding manual. Methodology: this
is an Intervention Project, in which a protocol was developed to identify risk factors for
dysphagia and/or bronchoaspiration and a safe oral feeding manual, to be applied to all patients
in hospitalized palliative care at the Federal Hospital of Ipanema. Results: the protocol was
applied to 30 patients, in the period between December 18, 2023 and January 31, 2024. It was
observed that the majority of patients in palliative care are female and the majority have cancer
as their diagnosis. Risk factors for dysphagia and/or bronchoaspiration were identified in
63.33% of patients. Conclusion: With the development of this protocol and the safe feeding
manual, it is expected to minimize the impacts of dysphagia and ensure safe and pleasurable
oral feeding for as long as possible and with better quality. As a future goal, we intend to expand
this protocol to be applied by other health professionals who assist patients in palliative care.

Keywords: palliative care, speech therapy, dysphagia, comfort food, bronchoaspiration,


protocol, manual.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Modelo integrado de cuidados paliativos ..............................................18


Figura 2 - Fluxograma para a aplicação do protocolo ............................................25
Gráfico 1 - Gênero.....................................................................................................27
Gráfico 2 - Idade........................................................................................................27
Gráfico 3 - Diagnóstico.............................................................................................28
Gráfico 4 - Fator de risco para disfagia.....................................................................28
Gráfico 5 - Conduta fonoaudiológica........................................................................29
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Cuidados Paliativos
INCA Instituto Nacional do Câncer
OMS Organização Mundial de Saúde
PARD Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do Risco para Disfagia
PPB Protocolo Preventivo de Broncoaspiração
VO Via Oral
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 9
2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................................. 12
3 OBJETIVOS ..................................................................................................................................... 13
3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................................... 13
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ...................................................................................................... 13
4 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................................... 14
4.1 DISFAGIA E CUIDADOS PALIATIVOS ................................................................................. 14
4.2 TOMADA DE DECISÃO EM DISFAGIA ................................................................................ 16
4.3 DIETA DE CONFORTO ............................................................................................................ 18
4.4 PROTOCOLOS DE PREVENÇÃO DE BRONCOASPIRAÇÃO ............................................. 19
4.5 CARTILHAS E ORIENTAÇÕES .............................................................................................. 21
5 METODOLOGIA ............................................................................................................................ 23
6 CRONOGRAMA ............................................................................................................................. 26
7 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................................... 27
8 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 32
APÊNDICE A: Protocolo de Identificação de Risco para Disfagia e/ou Broncoaspiração em
Pacientes em Cuidados Paliativos internados no Hospital Federal de Ipanema ........................... 35
APÊNDICE B: Manual para uma alimentação segura ................................................................... 37
9

1 INTRODUÇÃO

O ato de alimentar-se envolve diversas questões, entre elas, emocionais, sociais,


culturais e biológicas (SILVA, 2023; CAMARGO; SANTOS; COSTA, 2023). É um momento
que pode ser valioso para as pessoas, trazendo lembranças afetivas de ocasiões em família e/ou
entre amigos, bem como nos remeter a lembrança de um alimento específico consumido na
infância. Segundo Camargo et al. (2023), a comida proporciona afetos e pode conectar emoções
e memórias. Esse caráter simbólico da alimentação está relacionado ao potencial que um
alimento tem para trazer à tona lembranças carregadas de simbologias que podem estar ligadas
a momentos marcantes. Segundo Silva (2016), a relação emocional não é com o alimento
concreto, mas com o que ele representa, com o significado atribuído a ele em tempos mais
remotos. A alimentação envolve complexas simbologias, valores e crenças, em razão dessas
dimensões supracitadas (INCA, 2023).
Contudo, a alimentação em alguns casos pode causar dor e sofrimento psíquico, devido
à dificuldade em se alimentar (SILVA et al., 2023). Estes autores também afirmam que a
disfagia, em sua maioria, está presente nos pacientes em cuidados paliativos.
A disfagia é um distúrbio da deglutição decorrente de causas neurológicas e/ou
estruturais. Pode ser decorrente de traumas de cabeça e pescoço, de acidente vascular encefálico
de doenças neuromusculares degenerativas, de câncer de cabeça e pescoço, de demências e
encefalopatias (PADOVANI, et al., 2007). Constitui o sintoma de uma doença de base, que
pode acometer qualquer parte do trato digestivo, desde a boca até o estômago (SANTOS;
MITUUTI; LUCHESI, 2020).
Essa alteração da deglutição pode ocasionar déficits nutricionais, de hidratação e
implicações pulmonares como no caso de pneumonias broncoaspirativas, aumentando o tempo
de internação hospitalar e diminuindo a qualidade e expectativa de vida e além disso, gerando
muito desconforto aos pacientes (PADOVANI, et al., 2007; SANTOS; MITUUTI; LUCHESI,
2020). Silva et al. (2023) relatam que a disfagia pode acarretar uma perda da qualidade de vida
dos pacientes, aumentando as internações hospitalares e elevando assim, o risco de morte.
Segundo Carmo et al. (2018), a broncoaspiração ocorre pela infiltração de partículas
alimentares, fluidos da orofaringe ou conteúdos gástricos em vias aéreas inferiores, podendo
desencadear pneumonia infecciosa, pneumonite química e síndrome da angústia respiratória.
10

Diante disso, para que seja possível uma alimentação prazerosa e confortável, é
fundamental pensar na segurança do paciente, objetivando minimizar os riscos, especialmente
em pacientes em cuidados paliativos, que dependendo do estágio em que se encontra a doença
ou da presença de comorbidades, podem evoluir com disfagia e estarem mais suscetíveis à
episódios de broncoaspiração, comprometendo a qualidade de vida tanto dos pacientes como
dos familiares (PADOVANI, et al., 2007; LIMA et al. 2020).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (2002), cuidados paliativos são uma
abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e famílias que enfrentam problemas
associados a doenças que ameaçam a vida, prevenindo e aliviando o sofrimento por meio da
identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos,
psicossociais ou espirituais.
Tendo em vista que os cuidados paliativos baseiam-se em princípios que afirmam o
processo de morrer como algo natural, que prioriza o controle impecável de sintomas e alívio
da dor (HERMES; LAMARCA, 2013) é fundamental observar o paciente em sua integralidade,
dando atenção a todas as suas dimensões, para que seja possível definir a melhor abordagem
terapêutica pela equipe multiprofissional, buscando atender as necessidades dos pacientes e
seus familiares (MATSUMONO, 2012). Importante ressaltar que as tomadas de decisões
devem sempre ser compartilhadas entre paciente, família e profissionais de saúde, tendo o
paciente como o protagonista, respeitando suas preferências, escolhas, a fim de garantir a sua
autonomia (INCA, 2023).
As alterações de deglutição geram grande impacto na qualidade de vida do paciente e
de seus familiares (GABRIEL et al., 2021). O fonoaudiólogo é um dos profissionais que deve
compor a equipe interdisciplinar de cuidados paliativos. Sua atuação é de fundamental
importância na tomada de decisão quanto à indicação de vias alternativas de alimentação ou
quanto à suspensão ou manutenção da alimentação por via oral, adequação de consistências
alimentares, manobras posturais e de deglutição, utensílios utilizados durante as refeições,
objetivando uma alimentação por via oral prazerosa, confortável e segura, minimizando assim
os riscos de broncoaspiração (SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020; GABRIEL et al., 2021;
SILVA et al., 2023; INCA, 2023).
O fonoaudiólogo também auxilia no processo de comunicação, proporcionando maior
interação com os familiares e a equipe e auxiliando o mesmo nas tomadas de decisões (CARRO;
MORETI; PEREIRA, 2017). O paciente deve ser o protagonista do processo e a comunicação
é o ponto de partida, permitindo que o sujeito realize desejos, faça suas despedidas, resolva as
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pendências, ou seja, que ele conduza sua própria vida com dignidade e respeito à sua autonomia
(INCA, 2023).
O objetivo do atendimento ao paciente paliativo é manter a alimentação por via oral de
forma segura e prazerosa pelo máximo de tempo possível, bem como promover uma
comunicação eficiente, possibilitando que suas decisões à cerca do seu tratamento, sejam
respeitadas, promovendo assim uma melhor qualidade de vida e um atendimento mais
humanizado (MENDES et al. 2022).
Em cuidados paliativos, tem se discutido muito sobre o termo dieta de conforto ou
Comfort Food, que tem o significado de “comida confortável” ou “comida que conforta”. Foi
criado em 1977 nos Estados Unidos, sendo definido como um alimento que seja gratificante
porque tem potencial para remeter às lembranças de casa, da família ou de amigos, dando razão
a um momento, a uma vida e a uma memória afetiva simbólica pela alimentação, o que provoca
conforto emocional (SILVA, 2016; CAMARGO; SANTOS; COSTA, 2023).
Caso o paciente não apresente contraindicação, a dieta de conforto pode ter qualquer
consistência, não existindo uma regra acerca do aspecto da refeição e deve ser individualizada,
respeitando suas preferências, seus valores e seu significado cultural. Para a indicação da dieta
de conforto, leva-se em consideração o prognóstico, os desejos expressados pelo paciente, a
avaliação dos riscos e benefícios da conduta, a causa primária que originou a dificuldade
alimentar, priorizando a qualidade de vida do paciente e seus familiares (CAMARGO;
SANTOS; COSTA, 2023). Em casos de disfagia, o fonoaudiólogo prescreve a consistência
mais segura, seguindo os princípios da dieta de conforto.
Sendo assim, a alimentação para esses pacientes deve proporcionar prazer, diminuição
da ansiedade e aumento da autoestima, bem como garantir maior interação e comunicação com
os familiares (SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020). A alimentação não deve trazer
angústias para o paciente e seus limites devem ser respeitados, inserindo o paciente nas tomadas
de decisões relacionadas à disfagia, que devem ser compartilhadas com o mesmo, bem como
com os seus familiares (MENDES et al. 2022; SILVA et al. 2023).
A proposta deste trabalho é elaborar e aplicar um protocolo de identificação de risco
para disfagia e/ou broncoaspiração em pacientes em cuidados paliativos internados no Hospital
Federal de Ipanema, bem como elaborar um manual para uma alimentação segura.
12

2 JUSTIFICATIVA

Pacientes em cuidados paliativos podem ser acometidos pela disfagia, seja pela
progressão natural da doença ou pela presença de comorbidades. Essas alterações na deglutição
podem levar ao isolamento social, desnutrição, desidratação, pneumonia por broncoaspiração e
até mesmo acelerar o processo de morte.
Levando em consideração que as sequelas da disfagia podem gerar desconforto e
sofrimento ao paciente e sua família, e tais questões vão contra os princípios dos cuidados
paliativos, que buscam o alívio da dor e sofrimento, a não realização de medidas fúteis e a
melhora na qualidade de vida, a atuação do fonoaudiólogo dentro de uma unidade hospitalar,
irá auxiliar o paciente e os demais envolvidos no manejo das disfagias e no processo de tomadas
de decisões quanto à manutenção da alimentação por via oral, quanto às consistências
alimentares seguras e quanto à indicação de vias alternativas de alimentação.
Nesse contexto, a justificativa do presente trabalho é proporcionar uma alimentação com
mais conforto, prazer e menos riscos, conforme desejos e valores do paciente na consistência
mais adequada e segura, maximizando a qualidade de vida e garantindo assim sua dignidade.
13

3 OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Elaborar e aplicar um protocolo de identificação de risco para disfagia e/ou


broncoaspiração, bem como elaborar um Manual de alimentação por via oral segura.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Minimizar episódios de broncoaspiração em pacientes em cuidados paliativos


internados no Hospital Federal de Ipanema.

• Identificar precocemente pacientes em cuidados paliativos com risco para


broncoaspiração e/ou disfagia.

• Informar a equipe, os pacientes em cuidados paliativos e seus cuidadores sobre a


alimentação por via oral segura e confortável.
14

4 REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 DISFAGIA E CUIDADOS PALIATIVOS

Segundo Silva et al. (2023), a disfagia pode acarretar diversas complicações na saúde
dos pacientes, como a desnutrição, desidratação, a pneumonia, acarretando uma piora clínica,
elevando o risco de morte, consequentemente levando ao aumento do número do tempo das
internações. A disfagia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço aumenta a probabilidade
de ansiedade, depressão, dor e perda de peso, diminuindo a sobrevida. Além disso, o distúrbio
da deglutição foi descrito como preditor de um prognóstico mais desfavorável (SILVA et al.,
2023).
Nas disfagias graves, a tosse, a asfixia, os problemas pulmonares podem ser
consequências da entrada de alimentos e/ou líquidos na via aérea, e podem resultar em déficits
nutricionais, de hidratação, pneumonias e até levar a morte. (PADOVANI et al., 2007).
A disfagia pode contribuir para uma piora da qualidade de vida dos pacientes em
cuidados paliativos, comprometendo sua saúde física e mental, levando ao isolamento social.
Isto ocorre porque pacientes com disfagia apresentam medo e vergonha de se alimentar em
público e ir em eventos sociais, devido às limitações e restrições alimentares (INCA, 2023).

As alterações de deglutição geram grande impacto na qualidade de vida dos pacientes e


seus familiares, ressaltando a importância da fonoaudiologia na participação na tomada de
decisão compartilhada quanto a via alternativa de alimentação ser mantida ou suspensa, bem
como a manutenção de uma via oral segura e eficaz, adequando postura, utensílios utilizados
durante as refeições, manobras de deglutição e adaptação de consistências alimentares
(SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020; GABRIEL et al., 2021; SILVA et al., 2023; INCA,
2023).
Sabe-se que em alguns casos de disfagia grave, a alimentação por via oral é
contraindicada, devido aos riscos de pneumonia broncoaspirativa, desnutrição, desidratação,
aumento do tempo de internação hospitalar e risco de morte. Mas segundo Mendes et al. (2022),
alguns pacientes em cuidados paliativos optam por manter alimentação por via oral. Neste caso,
é importante discutir com o paciente, familiares e a equipe multiprofissional, informando sobre
os riscos e respeitando a decisão do paciente, cabendo ao fonoaudiólogo minimizar a
possibilidade de broncoaspiração, através de educação continuada para os familiares e para a
rede de apoio, estratégias compensatórias para uma deglutição segura, manejo dos riscos de
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broncoaspirações, modificação e adaptação de volumes e consistências alimentares


(MOREIRA et al., 2020).
Em caso de recusa alimentar, baixa aceitação, que é comum nas doenças avançadas, e
nas disfagias graves, pode ser difícil manter uma alimentação por via oral de forma segura.
Assim, o fonoaudiólogo irá atuar para garantir conforto ao paciente, possibilitando realizar suas
escolhas e expressar seus desejos por meio da alimentação, de acordo com seus valores e
crenças (INCA, 2023).
Algumas vezes, a alimentação por via oral pode trazer mais malefícios do que
benefícios, podendo causar desconforto e acelerar a morte. As tomadas de decisões não devem
ser feitas apenas pela equipe multiprofissional, devendo sempre considerar as escolhas e
preferências do paciente em cuidados paliativos e sua família, respeitando também a sua
autonomia e garantindo que o paciente esteja no centro do cuidado, sendo capaz de tomar as
decisões em conjunto com todos os envolvidos (INCA, 2023).
Além de atuar no manejo das disfagias, o fonoaudiólogo na equipe de cuidados
paliativos, também auxilia no processo de comunicação, proporcionando maior interação com
os familiares e a equipe e auxiliando o mesmo nas tomadas de decisões (CARRO; MORETI;
PEREIRA, 2017). O paciente deve ser o protagonista do processo e a comunicação é o ponto
de partida, permitindo que o sujeito realize desejos, faça suas despedidas, resolva as pendências,
ou seja, que ele conduza sua própria vida com dignidade e respeito à sua autonomia (INCA,
2023).
Um estudo realizado em 2021 por Gabriel et al. (2021), em um hospital na região sul do
Brasil, mostrou que 59% dos 41 pacientes em cuidados paliativos internados, apresentavam
sintomas de risco para disfagia, dentre elas: alteração de mobilidade, sensibilidade e força de
órgãos fonoarticulatórios e elevação laríngea reduzida. Todos os pacientes em cuidados
paliativos passavam pela avaliação da equipe de fonoaudiologia, porém apenas 65% estavam
em condições de receber avaliação funcional de deglutição. As características mais encontradas
no aspecto da deglutição foram: dificuldade em alguma consistência, tosse e/ou engasgo e uso
de manobras protetoras de vias aéreas inferiores. A consistência alimentar mais utilizada era a
pastosa liquidificada.
Em outro estudo realizado em um hospital público de Florianópolis a equipe de
fonoaudiologia realizou avaliação fonoaudiológica em todos os pacientes em cuidados
paliativos internados. Os pacientes identificados com disfagia, passaram por intervenções
terapêuticas, que mostraram efeitos positivos, sendo as mais utilizadas, a modificação de
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consistência, deglutições múltiplas e deglutição com esforço (SANTOS; MITUUTI;


LUCHESI, 2020).
Nos casos de terminalidade, o foco deixa de ser somente minimizar riscos de
broncoaspiração, ou mesmo reabilitar com vistas a ganhos funcionais de deglutição, mas o
grande objetivo passa a ser o conforto (CARRO; MORETI; PEREIRA, 2017).
A reabilitação fonoaudiológica com a realização de exercícios, deve ser criteriosa em
pacientes em cuidados paliativos, para que não gere algum tipo de malefício. O papel do
fonoaudiólogo nesses casos, é manter a via oral de forma prazerosa e o mais segura possível,
através de condutas que reduzam os riscos de aspirações, como modificação de consistências,
manobras posturais e orientações (SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020).
Deve-se sempre considerar as necessidades e desejos dos pacientes, prevenindo
desconfortos relacionados à alimentação.

4.2 TOMADA DE DECISÃO EM DISFAGIA

Seguindo esse contexto de tomadas de decisão em cuidados paliativos, conforme


abordado no item anterior, alguns artigos abordaram sobre tomadas de decisão em disfagia em
pacientes em cuidados paliativos.

Santos (2022) relata que as tomadas de decisões devem considerar as crenças, valores e
concepções do paciente, devendo ser compartilhadas com todos os envolvidos: pacientes,
familiares e profissionais de saúde, porém ficando atento para não haver transferência de
responsabilidade para o paciente nas tomadas de decisões.

Em Carro et al., (2017), a indicação de via alternativa de alimentação deve ser criteriosa.
Na possibilidade de se manter a alimentação por via oral, esta deve ser na consistência de menor
risco para broncoaspiração, sugerindo o fracionamento de volumes para evitar desconfortos
respiratórios. Além disso, deve-se considerar as preferências alimentares do paciente, podendo
muitas vezes ser alimentos trazidos pela família, cabendo ao fonoaudiólogo orientar quanto ao
preparo desse alimento em uma consistência de melhor adaptação para o paciente naquele
momento.

De acordo com Moreira et al. (2020), o fonoaudiólogo deve participar na tomada de


decisão compartilhada que envolvam a deglutição e a alimentação. Quando estas encontram-se
17

comprometidas, reduzem a autonomia do paciente. Sendo assim, a atuação do fonoaudiólogo


ajuda no manejo do paciente em cuidados paliativos e possibilita o paciente realizar suas
escolhas e expressar seus desejos no fim de vida.

Segundo Santos et al. (2020), medidas invasivas devem ser evitadas em pacientes em
cuidados paliativos e a indicação de via alternativa de alimentação deve ser ponderada, podendo
ser indicada apenas se visarem garantir conforto e qualidade de vida, aliviando os sintomas e o
sofrimento do paciente e seus familiares. Ressalta também que há evidências na literatura de
que os malefícios da alimentação por via alternativa superam os benefícios. Santos et al. (2020),
citou outros estudos em seu artigo, mostrando que em cuidados paliativos não há mais o
objetivo de adequação nutricional, e que apesar de reduzir as chances de penetração e ou
aspiração laringotraqueal, a sonda nasoenteral não previne a pneumonia aspirativa. Contudo, a
decisão deve ser tomada em equipe, respeitando a escolha do paciente e da família.

Segundo Santos (2022), a liberação ou suspensão da via oral, modificações nas


consistências alimentares em decorrência da disfagia e a indicação de vias alternativas de
alimentação, são condutas realizadas pelo fonoaudiólogo, em acordo com a equipe
multidisciplinar. Importante considerar que o desejo do paciente em manter uma alimentação
oral deve ser respeitado e validado, levando-se em consideração o que isso representa para ele.

Em Castro et al. (2017), quando o paciente em cuidados paliativos é diagnosticado e


está em tratamento, a oferta de nutrientes visa restaurar ou manter o estado nutricional, reparar
tecidos, prevenir infecções e promover uma sensação de bem-estar. Porém, à medida que a
doença avança e o fim de vida se aproxima o objetivo principal da oferta de dieta por via oral
está direcionado à qualidade de vida, ao conforto e ao alívio do sofrimento, e não mais promover
a adequação nutricional. Ressalta também que terapias nutricionais agressivas podem tornar o
tratamento árduo e estressante.
Castro et al. (2017) também citaram um estudo realizado na Espanha sobre via
alternativa de alimentação em pacientes idosos com demência avançada. Concluiu-se que a
sonda nasogástrica nesses pacientes, não melhorou o estado nutricional e contribuiu para a
redução da sobrevivência.
Se considerarmos, por exemplo, o modelo integrado de cuidados paliativos, no qual a
integração dos cuidados paliativos com o tratamento modificador da doença, deve ser precoce,
ou seja, a partir do diagnóstico, e que a medida que a doença avança, o cuidado paliativo tende
a ampliar, conforme mostrado na figura 1 (INCA, 2022), é importante levar em consideração o
18

estágio em que a doença se encontra, a fim de auxiliar a equipe, paciente e familiar nas tomadas
de decisões (SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020).

Figura 1 - Modelo Integrado de Cuidados Paliativos

Fonte: (INCA, 2022)

De acordo com Santos (2022), o fonoaudiólogo nas tomadas de decisão compartilhada


tem o desafio de estabelecer suas condutas considerando a autonomia do paciente, buscando
resultados positivos e que reduzam riscos. Devendo entender também que as preferências
pessoais do paciente e a cultura alimentar devem ser centrais e decisivas para a sua atuação.

4.3 DIETA DE CONFORTO

Seguindo esta ideia de que os objetivos principais da alimentação dos pacientes em


cuidados paliativos devem ser priorizar o conforto e minimizar o sofrimento, recentemente tem
se abordado o assunto sobre dieta de conforto.
Comfort Food ou dieta de conforto, é definido como momento de aconchego e bem-
estar durante a alimentação. Refere ao lado afetivo que o alimento pode transferir ao ser
ingerido (COSTA; TAVARES, 2019).
Segundo Silva (2016), o conceito de comfort food refere-se à uma resposta
emocional à comida e que esta relação emocional não é com o alimento concreto, mas com o
que ele representa, com o significado atribuído a ele em tempos mais remotos.
Camargo et al. (2023) acrescentam também que a dieta de conforto pode ter qualquer
consistência, porém pode-se adequar com dietas menos consistentes, podendo aliviar sintomas,
facilitar a alimentação e otimizar o gasto de energia.
19

Ela deve ser indicada levando-se em consideração o prognóstico, os desejos do paciente,


a avaliação dos riscos e benefícios, a causa primária que originou a dificuldade alimentar e
priorizar a qualidade de vida do paciente e seus familiares (CAMARGO; SANTOS; COSTA,
2023).
Segundo Inca (2023), a dieta de conforto é bastante utilizada em cuidados paliativos,
especialmente em pacientes que apresentam baixa aceitação da dieta oral ou recusa, em razão
de disfagia grave ou de doença avançada, onde não há indicação de oferecer grandes volumes.
Nesse caso, o alimento deve fazer algum sentido para o paciente e remeter alguma lembrança.

4.4 PROTOCOLOS DE PREVENÇÃO DE BRONCOASPIRAÇÃO

Carro et al. (2017) ressaltam que a disfagia merece uma atenção especial pelo
fonoaudiólogo que atua em cuidados paliativos, já que a alteração da deglutição pode colocar
em risco sua saúde física, podendo acelerar seu processo de morte por pneumonia ou
insuficiência respiratória, indo contra a filosofia de atendimento de cuidados paliativos.
Com o objetivo de prevenir episódios de broncoaspiração, alguns hospitais já possuem
protocolos de prevenção de broncoaspiração.
A identificação precoce dos riscos de disfagia e broncoaspiração, reduz o risco de
pneumonia, além dos impactos negativos que isto pode causar nos pacientes em cuidados
paliativos, onde o atendimento da equipe multiprofissional deve priorizar conforto e qualidade
de vida (PADOVANI et al., 2007; FÉLIX; VIANA, 2021).
De acordo com Pereira et al. (2023), medidas preventivas no ambiente hospitalar são de
fundamental importância e a fonoaudiologia auxilia na precaução dos riscos de broncoaspiração
e da incidência da disfagia, diminuindo a incidência de pneumonias aspirativas, o tempo de
internação e custos hospitalares.
Segundo Lima et al. (2020), uma ferramenta de triagem deve ser simples, rápida e
minimamente invasiva, e deve ser capaz de determinar fatores como: risco de penetração e/ou
aspiração, necessidade de avaliação funcional da deglutição e segurança da ingestão oral do
paciente.
Carro et al. (2017) em seu estudo, realizava visita fonoaudiológica em todos os leitos
de pacientes em cuidados paliativos internados em um hospital localizado no estado de São
Paulo. Durante essas visitas, caso fossem identificados fatores de risco para disfagia e/ou
broncoaspiração, esses pacientes recebiam avaliação fonoaudiológica completa e se estes
20

apresentassem disfagia orofaríngea, eram acompanhados pelo fonoaudiólogo com condutas


visando a reabilitação e/ou minimização dos riscos de broncoaspiração.
A equipe de fonoaudiologia de um hospital público no Piauí, elaborou um Protocolo
Preventivo de Broncoaspiração (FÉLIX; VIANA, 2021). Esse estudo abordou a importância da
fonoaudiologia e da equipe multiprofissional na identificação precoce da disfagia e que as
intervenções preventivas no âmbito hospitalar são fundamentais para melhorar a qualidade do
cuidado e a segurança do paciente, melhorando o manejo nas alterações de deglutição,
reduzindo o tempo de internação e os custos hospitalares.
Padovani et al. (2007), elaboraram um Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação do
Risco para Disfagia (PARD) visando auxiliar o fonoaudiólogo a identificar e interpretar as
alterações na dinâmica de deglutição, caracterizar os sinais clínicos sugestivos de penetração
laríngea ou aspiração laringotraqueal, definir a gravidade da disfagia e estabelecer condutas a
partir dos resultados.
Medeiros et al. (2019) desenvolveram o Protocolo de Prevenção de Broncoaspiração
(PPB) objetivando aumentar a segurança do paciente em risco, ou com sinais de
broncoaspiração. Esse protocolo indica o uso de uma pulseira na cor cinza/prata como
identificador de segurança para o paciente, caso o mesmo seja identificado como em risco de
broncoaspiração. A aplicação deste protocolo enfrentou várias dificuldades, como equipes
resistentes, inconsistência nos cuidados aos pacientes e negligência na adoção do uso da
pulseira.
Lima et al. (2020) utilizaram em seu estudo o PARD, já citado aqui anteriormente, para
aplicar em pacientes internados em um hospital público de São Paulo, objetivando validar a
aplicação do mesmo para detectar penetração e/ou aspiração. Concluiu-se que o PARD possui
sensibilidade de 92,9%, quando comparado com a videofluoroscopia da deglutição, e
especificidade de 75%. Acrescentam ainda que os objetivos de uma ferramenta de triagem de
deglutição é identificar maior número possível de casos de disfagia antes que ocorra penetração
e/ou aspiração, que podem causar impactos negativos, incluindo a morte.
Carmo et al. (2018) realizaram um estudo no Hospital Universitário de Sergipe,
objetivando gerenciar o risco de broncoaspiração em pacientes com disfagia orofaríngea por
meio de placas sinalizadoras no leito. Nesse estudo, todos os pacientes passavam por um
rastreio fonoaudiológico. Aqueles que falhavam no rastreio passavam por avaliação estrutural
e funcional de deglutição. Sendo confirmada a disfagia orofaríngea, a equipe aplicava a placa
sinalizadora do risco de broncoaspiração.
21

Conforme mencionado nos estudos acima, alguns protocolos eram aplicados pela
própria equipe de fonoaudiologia, enquanto outros, pela equipe de enfermagem.

4.5 CARTILHAS E ORIENTAÇÕES

Santos et al. (2020) citaram um estudo, mostrando que muitos familiares insistem para
que o paciente aceite a dieta, e quando questionados, muitos diziam que a alimentação era
necessária para manter o indivíduo forte e não deixá-lo morrer de fome ou sede.
Em outro estudo, também citado por Santos et al. (2020), foi realizada uma entrevista
com pacientes oncológicos em cuidados paliativos e seus cuidadores sobre sentidos e
significados sobre alimentação. A maioria referiu que precisava se alimentar para manterem-se
vivos, mesmo sem apresentar desejo.
Segundo Castro et al. (2017), na fase terminal da doença, alguns pacientes em cuidados
paliativos sofrem com a alimentação por via oral devido a desconfortos abdominais e náuseas,
mas continuam se alimentando apenas para agradar ou tranquilizar seus familiares.
Sendo assim, diante dessa ansiedade em querer ver seus familiares se alimentando e da
falta de informação quanto aos aspectos alimentares, seja sobre dieta de conforto ou sobre
alimentação com segurança e sem riscos de broncoaspiração, foi elaborada uma cartilha,
conforme apêndice B, abordando todos esses aspectos, possibilitando assim, esclarecer as
dúvidas, reduzir a angústia e tranquilizar os pacientes e seus cuidadores.
Esse manual foi elaborado com o objetivo de informar os pacientes em cuidados
paliativos e seus cuidadores quanto a alimentação por via oral de forma segura, minimizando
riscos de broncoaspiração, mesmo para os pacientes que não apresentam disfagia. Contribuindo
assim, para uma alimentação mais prazerosa, confortável e segura.
Segundo Pereira et al. (2023), as cartilhas foram criadas para promover o acesso à
informação por pessoas de diferentes classes sociais e graus de escolaridade.
Freitas et al. (2011) afirmam que materiais impressos, como cartazes, panfletos,
cartilhas, entre outros, possuem o objetivo de divulgar conteúdos importantes para a prevenção,
reforçam orientações repassadas oralmente e contribuem para a implementação dos cuidados
durante o tratamento pelo próprio indivíduo.
Pereira et al. (2023) elaboraram uma cartilha educativa para realizar uma alimentação
segura e prevenir os riscos de broncoaspiração para cuidadores de pacientes em cuidados
paliativos. Eles concluíram que a cartilha obteve alta aprovação pelo público pesquisado e foi
22

considerada válida para ser utilizada pelos cuidadores ou acompanhantes de pacientes em


cuidados paliativos.
De acordo com Camargo et al. (2023, é importante reforçar aos familiares que a ingestão
oral reduzida é esperada no estágio avançado da doença e faz parte do processo natural de
morte. Importante esclarecer também que pacientes em cuidados de fim de vida não costumam
apresentar fome, e pequenas quantidades de alimentos desejados podem proporcionar conforto
adequado. Esses aspectos também são abordados no manual de alimentação segura elaborado
neste projeto.
23

5 METODOLOGIA

Trata-se de um Projeto de Intervenção, no qual foi elaborado um protocolo de


identificação de fatores de risco para disfagia e/ou broncoaspiração (Apêndice A) e um manual
de alimentação por via oral segura (Apêndice B), para ser aplicado em todos os pacientes em
cuidados paliativos internados no Hospital Federal de Ipanema.
Foram usadas as seguintes ferramentas de busca: Scielo, Lilacs, Pubmed e livros de
referência na área de pesquisa. Os descritores utilizados foram: cuidados paliativos;
fonoaudiologia, disfagia, broncoaspiração, dieta de conforto, protocolo, manual.
Os critérios de inclusão foram: pacientes inseridos em cuidados paliativos pela
Comissão de Cuidados Paliativos e internados no Hospital Federal de Ipanema. Os critérios de
exclusão foram: pacientes em ventilação mecânica e pacientes em processo ativo de morte.
O protocolo de identificação de fatores de risco para disfagia e/ou broncoaspiração é
formado por duas partes: a primeira é composta pela identificação do paciente, com os dados
pessoais, bem como o diagnóstico, comorbidades apresentadas e situação atual do paciente, via
de alimentação que o paciente se encontra e aspectos respiratórios, que foram preenchidos pela
equipe de fonoaudiologia do Hospital e pelos enfermeiros da clínica médica. A princípio, além
dos fonoaudiólogos, somente os enfermeiros dessa unidade foram treinados e orientados quanto
à aplicação do protocolo, já que não houve tempo hábil para treinar os demais setores do
hospital que assistem os pacientes em cuidados paliativos.
Foi feito um teste piloto durante dois dias, e a partir do terceiro dia foi iniciada a
aplicação do mesmo. A enfermagem aplicou o protocolo nos pacientes da clínica médica,
enquanto a fonoaudiologia aplicou nos pacientes das demais enfermarias.
A segunda parte do protocolo envolve sinais associados à alimentação por via oral, ou
seja, se apresenta engasgos, falta de ar, fadiga, acúmulo de resíduos em cavidade oral, entre
outros, que deverão ser respondidos pelo paciente ou pelo cuidador.
Cada item apresenta pontuação de 0 ou 1. Caso haja pontuação ≥ 1 (um), considera-se
que o paciente apresenta risco para disfagia e/ou broncoaspiração, então, a equipe de
fonoaudiologia realizará uma avaliação fonoaudiológica.
A partir da avaliação, são estabelecidas as condutas fonoaudiológicas, dentre as quais:
gerenciamento fonoaudiológico, fonoterapia e orientações gerais. Estes pacientes e seus
cuidadores também receberão o manual com orientações quanto a oferta de alimentação por via
oral segura.
24

Caso haja pontuação 0, considera-se que o paciente não apresenta risco para disfagia
e/ou broncoaspiração, não havendo indicação para avaliação fonoaudiológica. Contudo, os
pacientes e seus cuidadores também receberão o manual com as orientações.
Esse manual foi desenvolvido através da ferramenta Word, contendo conceitos de
disfagia e broncoaspiração, dieta de conforto e orientações quanto uma alimentação segura, e
apresenta linguagem simples e de fácil entendimento para que pessoas leigas possam
compreender as orientações.
O protocolo e o manual foram apresentados por meio de Power Point para a chefia
imediata e para a equipe multidisciplinar na reunião da Comissão de Cuidados Paliativos do
Hospital Federal de Ipanema. Essa Comissão é composta por médicos, enfermeiros,
fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas e nutricionistas. As reuniões
ocorrem uma vez por semana com duração de aproximadamente uma hora, onde são discutidos
todos os pacientes que estão em cuidados paliativos, e/ou que serão inseridos no mesmo.
A identificação dos pacientes em cuidados paliativos é feita semanalmente durante as
reuniões da Comissão de Cuidados Paliativos. A partir da identificação desses pacientes, o
protocolo foi aplicado em até 24 horas pela equipe de fonoaudiologia ou de enfermagem.
25

Figura 2 – Fluxograma para a aplicação do protocolo.


26

6 CRONOGRAMA

2023/2024
ATIVIDADES
AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR
Pesquisa Bibliográfica X X X X X X X

Reunião com a chefia imediata X

Elaboração do protocolo X X X
Apresentação do protocolo para a
X
equipe multidisciplinar
Treinamento das equipes de
X
fonoaudiologia e enfermagem
Aplicação do protocolo X X X
Apresentação do TCC X
27

7 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O Protocolo de identificação de risco para disfagia e broncoaspiração, foi aplicado em


30 pacientes em cuidados paliativos internados no Hospital Federal de Ipanema, no período
entre 18 de dezembro de 2023 à 31 de janeiro de 2024, dos quais, 19 eram do sexo feminino
(63,33%) e 11 do sexo masculino (36,67%).

Gráfico 1: gênero

Feminino

Masculino

Com relação a idade, 22 tinham mais de 60 anos (73,33%) e 8 entre 45 e 59 anos


(26,67%). Segundo a Organização Mundial de Saúde (2020), estima-se que em todo o mundo,
67,1 % dos adultos maiores que 50 anos necessitam de cuidados paliativos.

Gráfico 2: idade

>60 anos

45-59 anos

Do total, 26 apresentavam diagnóstico de câncer (86,67%) e 4 apresentavam doença de


Alzheimer (13,33%). Esses dados corroboram com os dados publicados pela OMS (2020), no
28

qual o maior grupo de doenças responsáveis pelos cuidados paliativos em adultos, é o câncer,
com a estimativa de 28,2%. As demências ficaram em 4º lugar, representando 12,2%.
Gráfico 3: diagnóstico

Câncer

Alzheimer

Em 19 pacientes (63,33%) foram identificados fatores de risco para disfagia e/ou


broncoaspiração, porém 4 (21,05%) destes pacientes com fatores de risco não apresentavam
queixas relacionadas à alimentação/deglutição. Após avaliação fonoaudiológica, esses
pacientes relataram que negaram as queixas por receio de ter a alimentação suspensa pela
equipe. Este dado corrobora com estudos que abordam sobre a relação do alimento com o
significado que este representa para os indivíduos, de acordo com seus valores, cultura e crenças
(COSTA; TAVARES, 2019; MOREIRA, 2020; SANTOS, 2022; CAMARGO; SANTOS;
COSTA, 2023; INCA, 2023). Um estudo mostrou que pacientes em cuidados paliativos e seus
familiares acreditam que a alimentação é necessária para manter o indivíduo forte e não deixá-
lo morrer de fome ou sede decisões (SANTOS; MITUUTI; LUCHESI, 2020).
.

Gráfico 4: fator de risco para disfagia

Sim

Não
29

Em estudo realizado por Santos et al. (2020), 66% dos pacientes em cuidados paliativos
apresentavam tempo de trânsito oral aumentado na consistência néctar e 50% apresentavam
resíduos em cavidade oral após deglutição na consistência sólida. Também foi observado sinal
de “voz molhada” após deglutição em todas as consistências, e ausculta cervical positiva nas
consistências líquida e néctar. Todos os pacientes apresentavam algum grau de disfagia.
Após a identificação dos fatores de risco para disfagia e/ou broncoaspiração, esses 19
pacientes passaram por avaliação estrutural e funcional de deglutição e receberam o manual de
alimentação por via oral segura. O restante dos pacientes que não foram identificados fatores
de risco (36,67%), não passaram pela avaliação fonoaudiológica, porém receberam o manual.
Com relação à conduta fonoaudiológica após a realização da avaliação fonoaudiológica
nos pacientes com fatores de risco, 63,33% necessitaram apenas de gerenciamento
fonoaudiológico (modificação de consistência e volume, manobras posturais, modificação de
utensílios), 23,33% necessitaram de orientações, mas sem necessidade de acompanhamento
fonoaudiológico e 13,33% necessitaram de fonoterapia, incluindo exercícios oromiofuncionais
e estimulação sensorial.

Gráfico 5: Conduta fonoaudiológica

Gerenciamento

Orientações

Fonoterapia

Esses dados corroboram com alguns estudos já citados aqui anteriormente, como Santos
et al. (2020), que em seu trabalho mostrou que apenas pequena amostra dos pacientes em
cuidados paliativos realizou exercícios para a melhora da função de deglutição, já que algumas
medidas terapêuticas podem aumentar o gasto energético e gerar algum desconforto. Neste
trabalho, 13,33% dos pacientes necessitaram de fonoterapia, possivelmente pelas comorbidades
associadas (acidente vascular encefálico previamente ao câncer).
No estudo de Santos et al. (2020), observou-se que as indicações terapêuticas mais
utilizadas foram: modificação de consistência (55%), múltiplas deglutições (45%) e deglutição
30

com esforço (15%), mostrando que essas estratégias contribuíram para minimizar os sinais
clínicos relacionados à disfagia.
31

8 CONCLUSÃO

A disfagia pode causar grandes impactos na vida dos pacientes em cuidados paliativos,
como desnutrição, desidratação, pneumonias, aumento do tempo de internação hospitalar,
isolamento social, podendo ainda acelerar o processo de morte.
Com a elaboração desse protocolo e do manual de alimentação segura, espera-se
minimizar esses impactos, diminuir a incidência de broncoaspiração, reduzir desnutrição e
desidratação, o tempo de internação hospitalar, diminuir as indicações desnecessárias de vias
alternativas de alimentação e garantir uma alimentação por via oral por mais tempo e com
qualidade, de acordo com a biografia do paciente, respeitando sua autonomia, valores, crenças
e cultura, aliando as condutas com os princípios dos cuidados paliativos.
Tendo em vista que o protocolo é aplicado pela equipe de fonoaudiologia e pela equipe
de enfermagem da clínica médica apenas, já que não houve tempo hábil para realizar o
treinamento de todas as equipes, estabeleço como meta futura a expansão deste protocolo para
ser aplicado pelos demais profissionais de saúde que assistem os pacientes em cuidados
paliativos.
32

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• WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global Atlas of Palliative Care. 2ª


ed. Londres, 2020.
35

APÊNDICE A: Protocolo de Identificação de Risco para Disfagia e/ou Broncoaspiração


em Pacientes em Cuidados Paliativos internados no Hospital Federal de Ipanema

Identificação do paciente

Nome completo: ______________________________________ Leito: ______________ Nascimento:


___/___/___
Tempo de internação: _________
Diagnóstico: ________________
Data da aplicação: ___/___/___ Prontuário: ______________

Obs.: As questões 1, 2 e 3 deverão ser respondidas pelo fonoaudiólogo. A questão 4 deverá


ser respondida pelo paciente.

1. O paciente apresenta algum dos itens abaixo?

( ) Idoso frágil (1)


( ) Doença neurológica (1)
( ) Demência (1)
( ) DPOC descompensado (1)
( ) Pneumonia de repetição (1)
( ) Tumores de cabeça e pescoço (1)
( ) Rebaixamento do nível de consciência (1)

2. O paciente está com dieta VO liberada?

( ) Sim (0) → Consistência: ______________


( ) Não (1) → Motivo: _____________
( ) Via alternativa de alimentação: ________ (1)

3. Aspectos respiratórios:

( ) Ar ambiente (0)
( ) Macronebulização (1)
( ) VNI (1)
( ) TQT (1)
36

4. Você apresenta algum desses sinais associados a alimentação por VO?

( ) Engasgo (1)
( ) Tosse antes, durante e/ou após engolir os alimentos ou líquidos (1)
( ) O alimento ou líquidos saem pelo nariz (1)
( ) O alimento fica na boca mesmo depois de engolir (1)
( ) Fica muito tempo com o alimento na boca antes de engolir (1)
( ) Sente falta de ar durante ou após as refeições (1)
( ) Outras queixas? Quais? ___________________________________

Pontuação: ____

Conclusão:

( ) Avaliação Fonoaudiológica
( ) Sem indicação de Avaliação Fonoaudiológica

Conduta Fonoaudiológica (caso o paciente tenha indicação de Avaliação Fonoaudiológica):

( ) Gerenciamento fonoaudiológico
( ) Fonoterapia
( ) Orientações gerais, mas sem necessidade de acompanhamento fonoaudiológico

Observação 1: Caso haja pontuação mínima de 1 (um), considera-se que o paciente apresenta
risco para disfagia e/ou broncoaspiração, sendo assim, realizar avaliação fonoaudiológica de
deglutição e estabelecer conduta específica. Além disso, o paciente e seu cuidador receberão
um manual com orientações gerais sobre alimentação por via oral segura.

Observação 2: Caso a pontuação seja 0 (zero), o paciente não é considerado de risco para
disfagia e/ou broncoaspiração, contudo, ele e o seu cuidador receberão um manual com
orientações gerais sobre alimentação por via oral segura.
37

APÊNDICE B: Manual para uma alimentação segura


38

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