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tores, emergindo nas lutas sociais, para tável e incindível base ética de toda no-
levar à criação duma sociedade em que matividade, não obstante a pretensão
cessem a exploração e opressão do ho- cientificista de separação entre Ética e
mem pelo homem; e o Direito não é Direito, conveniente a uma conjuntura
mais, nem menos, do que a expressão de localização e de isolamento do poder
daqueles princípios supremos, enquanto político numa determinada instituição- o
modelo avançado de legítima organiza- Estado- e de fetichização de seu instru-
ção social da liberdade. Direito é proces- mento privilegiado de intervenção- o
so, dentro do processo histórico: não é direito positivo estatal.
uma coisa feita, perfeita e acabada; é Numa recuperação histórica e
aquele vir-a-ser que se enriquece nos filosófica de uma experiência então ain-
movimentos de libertação das classes e da irredutível ao arbitrário da separacão
grupos ascendentes e que definha nas entre Estado e Sociedade, entre Público
explorações e opressões que o contradi- e Privado, o que se poderia configurar
zem, mas de cujas próprias contradições como caracterização de campo ético,
brotarão as novas conquistas. À injusti- identificava, perfeitamente, a identidade
ça, que um sistema institua e procure concreta entre eticidade e moralidade e
garantir, opõe-se o desmentido da Justi- direito.
ça Social conscientizada; às normas, em
Marilena Chauí registra bem esta
que aquele sistema verta os interesses de identidade, partindo de uma constatação
classes e grupos dominadores, opõem-se de ordem etimológica. Vale dizer, na sua
outras normas e instituições jurídicas,
dupla derivação, a palavra ethos signifi-
oriundas de classes e grupos dominados, ca, num aspecto, o caráter, a constituição
e também vigem, e se propagam, e ten-
interior, seja psíquica ou física, e as dis-
tam substituir os padrões dominantes de posições interiores de um ser humano
convivência, impostos pelo controle so- para a ação e para uma ação determina-
cial ilegítimo; isto é, tentam generalizar- da, a ação virtuosa; noutro aspecto, sig-
se, rompendo dos diques da opressão nifica o conjunto de costumes do grupo
estrurural. As duas elaborações entrecru-
social, aquilo que vai corresponder em
zam-se, atritam-se, acomodam-se mo- latim a mores, isto é, aos costumes, po-
mentaneamente e afinal chegam a novos rém não a qualquer costume, mas aos
momentos de rupura, integrando e mo- costumes enquanto costume de uma co-
vimentando a dialética do Direito. Uma munidade, que oferece a si mesma certos
ordenação se nega para que outra a subs-
fins que considera bons.
titua no itinerário libertador. O Direito,
em resumo, se apresenta como positiva- Assim, na origem, a constituição
ção da liberdade conscientizada e con- do campo ético é, simultaneamente, a
quistada nas lutas sociais e formula os constituição da normatividade, sem que
princípios supremos da Justiça Social a dimensão subjetiva deste processo im-
que nelas se desvenda”. plique em isolar a moralidade enquanto
consciência subjetiva da eticidade en-
Vê-se, logo, nesta ordem de con- quanto moralidade coletiva.
sideração, que a reposição do tema dos
direitos humanos referidos ao contexto É verdade que este caminho, aqui
de práticas sociais emancipatórias, re- negado, foi sustentado com vigor filosó-
põe, por sua vez, o problema da inafas- fico e consequências jurídicas, na formu-
lação kantiana da autonomia moral e da
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cessária, num tal conjuntura, não conduz cimento de suas formações contra-
à possibilidade de construção e ordena- institucionais e contraculturais, classes e
ção de uma sociedade solidária e homo- grupos emergentes, por meio de suas
gênea, sem contradições e sem antago- formas organizativas, alcançam novas
nismos, como, aliás, o demonstra o pro- quotas de emancipação, instrumentali-
cesso de desconstitucionalização corren- zando-se política e juridicamente para
te. O que se tem é a possibilidade de instituir o seu projeto histórico de orga-
determinação dos instrumentos de supe- nização social.
ração das estruturas de espoliação e o- A construção democrática é,
pressão, num aprendizado de negocia- pois, o imaginário social que se formu-
ções, entendimentos, composição de lou como novidade e busca de autono-
interesses divergentes e antagônicos. mia na Constituição, que, ao menos
Neste aprendizado, a reorganiza- quanto à cidadania e à dignidade da pes-
ção de forças sociais já não contidas nos soa humana, começou a consolidar no
esquemas tradicionais das elites, logrou processo a dimensão coletiva e solidária
trazer para o processo constituinte, por para a determinação de seu espaço civil.
meio do debate que ele proporcionou, Por isso se diz que a democracia
reivindicações claras e específicas que designa o sentido de permantente ampli-
aspiravam transformar-se em direitos e ação dos espaços de emergência de no-
liberdades básicos, ao mesmo tempo que vas liberdades e novos direitos, como
em instrumentos de organização, repre- obra inconclusa. Na alusão à fórmula
sentação e participação ativa na estrutura Estado democrático de direito, pois, o
econômico-social e política da socieda- que se deve ter em mente é assinalar os
de. estágios e superações necessárias para
Se a transição é, conjunturalmen- acentuar na etapa corrente a exigência de
te, uma mediação entre o autoritarismo e novas concepções de Justiça capazes de
a democracia, a possibilidade de associ- assegurar, através do exercício da demo-
ações livres favorece as condições efeti- cracia, a criação permanente de direitos
vas de ruptura na esfera do político, libe- novos no processo de reinstituição con-
rando o exercício de um poder contido tínua da sociedade.
na ação de outros setores sociais. Instau- Nesta medida, quando se coloca
rando novos espaços ideológicos e novos a questão de saber o que a Nação espe-
instrumentos políticos de participação, rava da Constiuinte em relação ao tema
as chamadas organizações populares de da cidadania, não há como resolvê-la
base expandem, como prática histórica, a senão avaliando as condições pelas quais
dimensão democrática da construção se postula a construção de uma socieda-
social de uma cidadania contemporânea, de alternativa que seja a expressão da
representativa da intervenção consciente legitimidade recuperada através do rotei-
de novos sujeitos sociais neste processo. ro histórico das lutas sociais do homem
E, em arranjo constituinte, materializam, pela sua condição de cidadania. Lem-
não apenas a experiência acumuladada brando a afirmação do filósofo Castoria-
de organização dos movimentos sociais dis, se “uma sociedade justa não é uma
na direção de um papel determinante sociedade que adotou leis justas de uma
ativo e soberano de seu próprio destino. vez por todas, mas sim uma sociedade
Mas, no processo de busca de reconhe- onde a questão da justiça permanece
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