Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CULTURA E VALOR
PREFÁCIO:
1914
1929
Considero nova a minha própria maneira de filosofar, e continuo
ainda a pensar que assim é; é por isso que tão frequentemente
necessito de me repetir. Para uma nova geração, ela ter-se-á
tornado uma segunda natureza e as repetições parecerão
ameaçadoras. Para mim as repetições são necessárias.
*
Todas as manhãs é preciso atravessar de novo o cascalho inerte,
de modo a atingir a semente viva e quente.
Muitas vezes penso que meu ideal cultural será um ideal novo,
isto é, contemporâneo, ou se promanará do templo de
Schumann. Tenho, pelo menos, a impressão de que ele dá
continuidade a esse ideal, embora de um modo diferente de
como na altura ele efectivamente se manteve. Isto é, a segunda
metade do século dezanove foi excluída. Tratou-se, devo dizê-lo,
de um desenvolvimento puramente instintivo e não do resultado
de uma reflexão.
O que é bom é também divino. Por mais estranho que tal possa
parecer, essa afirmação resume a minha ética. Só algo de
sobrenatural pode expressar o sobrenatural.
*
Não se pode levar os homens ao bem; apenas se lhes pode
indicar o caminho para qualquer lugar. O bem reside fora do
âmbito dos factos.
1930
*
Se alguém pensa ter encontrado a solução do problema da vida e
se sente disposto a dizer a si próprio que agora tudo é muito fácil,
basta-lhe, para ver que está enganado, recordar-se de uma
época em que tal ‘solução’ ainda não havia sido descoberta; teria
sido também possível viver nessa altura, e a solução agora
encontrada pareceria fortuita relativamente a esse tempo. O
mesmo se passa com o estudo da lógica. Se existisse uma
‘solução’ para os problemas da lógica (filosófica),
necessitaríamos apenas de ter em conta que houve um tempo
em que eles não estavam resolvidos (e que também então as
pessoas sabiam viver e pensar).
Esboço de um Prefácio[3]
Este livro é escrito para os que compartilham do
espírito que preside à sua escrita. Este não é, segundo creio, o
espírito da corrente mais importante da civilização americana e
europeia. O espírito desta civilização se manifesta na indústria,
na arquitetura e na música do nosso tempo, no seu fascismo e no
seu socialismo, e é estranho e desagradável ao autor. Não se
trata de um juízo de valor. Tal não quer dizer que ele aceite o que
hoje em dia passa por arquitectura cmoo se fosse arquitectura,
ou que não se aproxime do que se chama música moderna com
a maior suspeita (embora sem compreender a sua linguagem),
mas, por outro lado, o desaparecimento das artes não justifica
que se julgue depreciativamente tal tipo de humanidade. Em
épocas como esta, as naturezas genuínas e fortes põem de parte
as artes e viram-se para outras coisas e, de uma maneira ou de
outra, o valor do indivíduo encontra forma de se exprimir. Não
evidentemente da mesma maneira que numa época de elevada
cultura. Uma cultura é como uma grande organização que atribui
a cada um de seus membros um lugar em que ele pode trabalhar
no espírito do conjunto; e é perfeitamente justo que o seu poder
seja medido pela contribuição que consegue dar ao todo. Numa
época sem cultura, por outro lado, as forças tornam-se
fragmentárias e o poder do indivíduo consome-se na tentativa de
vencer forças opostas e resistências ao atrito; tal poder não é
visível na distância que percorre, mas talvez unicamente no calor
por ele produzido ao vencer o atrito. Mas a energia continua a ser
a energia, e embora o espetáculo que a nossa época nos
proporciona não seja o da formação de uma grande obra
cultural, com os melhores homens a contribuir para o mesmo fim
grandioso, mas o espetáculo mais expressivo de uma multidão
cujos melhores membros trabalham com vista à realização de
objectivos puramente pessoais, mesmo assim não nos devemos
esquecer de que o espetáculo não é o que interessa.
Mas é correcto dizer que penso que o livro nada tem
ver com a civilização progressiva a Europa e da América.
Tudo o que é ritual (tudo o que cheira, por assim dizer,
a sumo sacerdote) deve ser estritamente evitado, dado que
imediatamente apodrece.
É evidente que um beijo também é um ritual não é
podre, mas o ritual é aceitável apenas até ao ponto em que seja
tão genuíno como um beijo.
Para tratar bem alguém que não gosta de nós, é não só
necessário ter bom coração, mas também ter muito tacto.
*
Penso que seria possível ter, hoje em dia, uma forma
de teatro representado com máscaras. As personagens seriam
apenas tipos humanos estilizados. Pode ver-se isto distintamente
nos escritos de Kraus. As suas peças poderiam, ou deveriam, ser
representadas com máscaras. Tal associa-se, naturalmente, a
um certo carácter abstracto, típico destas obras. E, tal como o
vejo, o teatro representado com máscaras é, de qualquer
maneira, a expressão de um carácter espitiritual. Talvez pela
mesma razão seja uma forma teatral que apenas atrairá judeus.
Frida Schanz:
*
Na civilização ocidental, o Judeu é sempre avaliado por
escalas que não se lhe ajustam. É claro para muitos que os
pensadores Gregos não eram nem filósofos nem cientistas no
sentido ocidental, que os participantes nos jogos Olímpicos não
eram desportistas e não se ajustam a qualquer profissão
ocidental. O mesmo se passa com os Judeus. E ao aceitarmos as
palavras da nossa [língua][2]como os únicos padrões possíveis
somos constantemente incapazes de lhes fazer justiça. Assim
eles são umas vezes sobrestimados, outras subestimados. A este
respeito, Spengler está certo ao não classificar Weininger como
um dos filósofos (pensadores) do Ocidente.
*
Diz-se por vezes que a filosofia de um homem é uma
questão de temperamento, e nisso há algo de verdadeiro. A
preferência por certas analogias poderia olhar-se como uma
questão de temperamento e está na base de muito mais
desacordos do que poderia afigurar-se.
1932
Entre 1932-1934
*
O rosto é a alma do corpo.
1933
1933-1934
1934
A irresistível capacidade de Brahms.
1936
1934 ou 1937
1937
Se ofereceres um sacrifício e com ele te sentires
satisfeito, tanto tu como o teu sacrifício serão amaldiçoados.
*
O cristianismo não é uma doutrina, quero dizer, não é
uma teoria sobre o que aconteceu e virá a acontecer à alma
humana, mas uma descrição de algo que na realidade ocorre na
vida humana. Pois a ‘consciência do pecado’ é um acontecimento
real, e igualmente o desespero e a salvação pela fé. Os que
falam de tais coisas (Bunyan, por exemplo) estão simplesmente a
descrever o que lhes aconteceu, seja qual for o modo de se
expressar.
Sejamos humanos.
*
Por estranho que pareça, poder-se-ia, historicamente
falando, demonstrar a falsidade dos relatos históricos dos
Evangelhos e, apesar de tudo, a fé nada perderia por este
motivo: não, contudo, porque ela respeite as “verdades universais
da razão”! Mas antes, porque a demonstração histórica (o jogo de
demonstração histórico) é irrelevante para a fé. Esta mensagem
(Os Evangelhos) é apreendida com fé (isto é, com amor) por
homens. É esta a certeza que caracteriza esta forma particular de
persuasão, e nenhuma outra.
Longfellow:
*
A música de Bach assemelha-se mais à linguagem do
que a de Mozart ou a de Haydn. Os recitativos dos contrabaixos
no quarto movimento da nona sinfonia de Beethoven. (Compara-
se também a observação de Schopenhauer sobre a música
universal composta para um texto particular)[3].
1939
1939-1940
Até mesmo uma obra de arte superior tem algo a que
se pode chamar ‘estilo’, algo também a que se pode mesmo
chamar ‘maneirismo’. Elas têm menos estilo do que as primeiras
palavras de uma criança.
1940
*
Será que se olharmos para as coisas de um ponto de
vista etnológico, isso quer dizer que consideramos que a filosofia
é etnologia? Não, apenas significa que estamos a adoptar uma
posição totalmente exterior, de modo a sermos capazes de ver as
coisas com maior objetividade.
*
Um professor pode obter bons resultados, até mesmo
resultados surpreendentes, dos seus alunos e, contudo, não ser
um bom professor, pois pode acontecer que, enquanto os alunos
se encontram sob a sua influência direta, eles os faça subir à um
nível que lhes não é natural, sem alimentar as capacidades para
o trabalho apropriadas a este nível, ocorrendo de novo um
declínio imediato destas, logo que abandona a sala de aula.
Talvez seja o que acontece comigo; pensei por vezes que era
assim. (Quando o próprio Mahler regia os seus estudantes nos
ensaios obtinha execuções excelentes; a orquestra parecia
deteriorar-se de imediato quando ele próprio não regia).
É incrível como pode ser útil uma nova gaveta quando
instalada de modo apropriado no nosso arquivo.