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Silvio Luiz Matias da Silva

Rio de Janeiro, 02 de Fevereiro, 2018.


Resenha do livro: DOSTOIEVSKI, FIODOR. ​O Idiota​. Editora 34. 2010.

O ocidente e o oriente se mantém tão distante, que, parece que esse “outro
lado” é um outro mundo. Não só a distância quilométrica os separam, mas também a
filosofia, religião, a cultura em si, e etc. A Rússia é um país que atinge esses “dois
polos”: Ásia e a Europa. O ocidente e o oriente mesclados. Sua cidade mais
populosa é Moscou. No mais, ao extremo oriente, a cultura já muda bastante, - a
sibéria, a fronteira com Cazaquistão, a Mongólia e a China, são exemplos. Para os
ocidentais, lá, tudo parece remoto, inóspito, frio, cinza, monótono. Mas não... Pelo
menos, os autores russos, deixam qualquer leitor com as mãos suando e o coração
quente. E um deles é, um dos mais importantes, senão o maior escritor e romancista
de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski (1821 - 1881).

Racionalismo, niilismo, miséria, violência, transtornos mentais, humilhação,


sadismo, livre arbítrio e suicídio, são temas quais os personagens deste autor
enfrentam em seus livros. Existencialismo e, sempre trágico, - as vezes chega a ser
cômico - o autor nos leva a um universo literário muito bem detalhado, rico em
situações descontroladas, beirando a loucura entre um ou outro personagem. Duas
obras, de Dostoiévski, que merecem destaques, são: “Crime e Castigo” e “Irmãos
Karamázov”. Mas há uma obra, muito bem recebida pelos críticos da época, e qual é
o motivo desta resenha, se chama “O idiota”, datada de 1868.

Pois bem, como o título sugere, o que pensamos ser um idiota, o


personagem principal, na verdade é o cara mais lúcido e puro da história toda (ou
não? Cabe vossa reflexão). Na verdade, o “idiota” é um príncipe, chamado Liév
Nikoláievitch Míchkin. - Um adendo, sobre a palavra “príncipe”, o autor, denomina, lá
na Russia, àquela época, o seu personagem algo como "vossa excelência" aqui para
nós brasileiros. É uma forma honorável, ou carinhosa, de tratamento. - As vezes dá a
pensar que ele não é nada idiota, mas pelo contrário, um salafrário, usurpador (há
quem, ao ler o livro, já pensou nisso também, com certeza). Mas o desenrolar nos
mostra outro caminho. O livro nos leva a crer que o homem bom e puro, abastado de
compaixão, um verdadeiro cristão, irá sofrer numa sociedade corrompida, mesquinha
e vulgar, e que será alvo de todo revés possível, desde humilhação à inveja. Ou seja,
o jovem príncipe, torna-se um idiota, - a julgar a sociedade em que ele se encontra -
onde seus próximos possuem outros costumes e modos bem díspares dele.

A tal idiotia do príncipe é explícita, logo no início. É relatada pelo mesmo, no


trem, no rápido de varsóvia. Encontram-se mais dois passageiros, na mesma cabine,
junto à Míchkin, num cenário muito estranho, vulgar, quase que hostil. É uma Rússia,
além de fria, óbvio, bem nacionalista; dividida entre religiosos e ateus, militares
orgulhosos - que prezam a família e os negócios - e, também, outros personagens
salafrários e golpistas, pobres, niilistas, porém muito avarentos.

Ainda no trem, o Míchkin, retornando da Suíça, - onde lá recebera cuidados


de um especialista por conta de sua doença - mais os dois homens nada amistosos a
caminho de Petersburgo, combinaram de se encontrarem no futuro para uma boa
prosa, bebidas, mulheres e coisas típicas de pessoas comuns daquela época. Todos
descem do trem e, a partir daí, começam a aparecer diversos novos personagens. O
que deixa a história muito interessante e intrigante. Todos loucos, porém cada qual
com sua história e compassivos ante ao príncipe

Mais adiante, sua doença, é posta em cheque, quando o mesmo relata seu
contato com as crianças, tanto na Suíça, quanto na Rússia. Ele exalta as crianças, a
pura inocência e a verdadeira alma que elas possuem. Um dos pontos altos em sua
personalidade, indicando completa lucidez. E também não só o personagem
principal, mas como os outros, também, têm bom contato com elas, havendo,
portanto, uma notória simpatia e carisma entre um adulto e uma criança em diversas
passagens.

Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin,


Chtch (sim, não possui vogais), Nastasya Filippovna, entre outros, vão surgindo e
enfeitando a longa história do príncipe. Para nós brasileiros, é um tanto difícil até
decorar estes nomes, inclusive, pode dificultar a leitura. Sugiro se apegar a alguns
apelidos que o próprio autor adota aos personagens. No mais, se acostuma.

Sobre Nastasya Filippovna, que é uma das pivôs de todo o romance, não
quero comentar muito sobre seu caso, pois temo em fazer spoiler. Mas os que
parecem mais loucos do livro, sentem completa aversão ao dinheiro, porém possuem
uma mente brilhante e abdicados de quaisquer riquezas materiais; são ricas em
espírito. Por exemplo, esta linda jovem queima uma quantia grande de dinheiro, que
lha é oferecida; o príncipe não se importa muito com sua abastada situação ao longo
da história e acaba virando alvo dos interesseiros e o jovem príncipe não vacila em
dar, ou emprestar seu dinheiro. Outra coisa interessante é que o príncipe tem
compaixão pelo sofrimento da dama, Filippovna. Pensa-se que é amor, (pode até
ser), mas, mais tarde acaba Míchkin sentindo paixão por outra, - filha caçula de um
general.

Algo muito triste nesse livro é que o próprio Dostoiévski o escreveu em meio
a crises de epilepsia. E há uns relatos sobre as mesmas no livro que... É bom estar
preparados(as) porque, o relato é tenso; assim como a questão da pena de morte
por guilhotina, ricamente detalhada, e friamente posta em questão, fazendo-nos
refletir o que é mais atroz: o crime do condenado, ou a pena de morte em si. Tudo
isso, incrivelmente e, infelizmente, se passou com o próprio Fiódor Dostoiévski, ao
longo de sua vida, inclusive a rara suspensão à condenação sob pena de morte que
ele sofrera. É de se tirar o sono.

Então, prezados leitores, preparem um chá de camomila, de erva doce,


desliguem-se do mundo e apreciem o diferente, o estranho, o anormal, o simples, o
idiota. Uma obra prima, humanista, existencialista, da literatura russa, um clássico da
literatura. Sua leitura e posterior releitura, em tempos diversos, sempre nos trará
questões que nos atingem no âmago, não importando se estivermos no ocidente, ou
no oriente. A simplicidade e o carisma do personagem principal nos deixam ainda
com vontade de mais leituras. Apesar do título da obra, acho que cada leitor se
identificará, ​sui generis, com o querido príncipe. Com o ​príncipe​, e não com os
idiotas.

Referência bibliográfica
DOSTOIEVSKI, FIODOR.​ O Idiota​. Editora 34. 2010.
_____. ​Os irmãos Karamázov.​ Editora 34. 2008.
_____. ​Crime e Castigo​. Editora L&PM. 2016.

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