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O REALISMO E O MELODRAMA

O Drama, por sua pretensão às ideias elevadas pelo seu fundo pretensamente filosófico, pela sua
linguagem versificada, pelo tom enfático de seus diálogos, era considerado o gênero nobre dos
séculos XVIII e XIX. Ao lado dele, seu “primo pobre” se desenvolvia, o Melodrama. Enquanto o
primeiro estava destinado às elites, o segundo destinava-se ao público maior e menos exigente.
Ambos os gêneros, porém, tinham em comum predileção pelos enredos supostamente históricos,
pelos lugares distantes no tempo e no espaço. O Melodrama carregava dentro de si todos os
ingredientes que hoje nos são familiares: tramas simples com a indisfarçável pretensão de fazer o
público chorar. Seria este feitio popular que levaria o Melodrama a dar o primeiro passo em direção
ao Realismo. Como já vimos anteriormente, todos os gêneros populares são mais facilmente
influenciáveis. O Melodrama captou no ar a tendência realista que se insinuava quando um
espectador reclamava uma maior verossimilhança entre ele e a personagem que estava assistindo.
A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, é considerada a primeira peça realista. Mas o que
essa peça tem de realista? O Melodrama pretendeu tornar-se Realismo por meio dessa peça. Para
isso, abandonou os temas históricos e os lugares distantes no tempo e no espaço, utilizou os
figurinos de sua atualidade, substituiu os painéis pintados por móveis de verdade e tudo o que
havia de artificialidade quanto à parte visual do espetáculo, mas a vida de suas personagens
continuava idealizada, os jovens continuavam morrendo de amor e a fatalidade continuava a
perseguir os protagonistas. A interpretação dos atores ainda era romântica, baseada nos princípios
do homem maior do que a realidade. A esse estilo, intermediário entre o Romantismo e o Realismo,
convencionou-se chamar Drama de Casaca, ou seja, romântico no conteúdo e na interpretação e
realista no visual, na roupa de que o espetáculo se vestia. Contra esse “Realismo” é que o
Naturalismo vai insurgir-se, exigindo que não só os figurinos e os cenários fossem reais, mas que as
personagens e a interpretação também o fossem. O fracasso do Naturalismo está em querer a
cópia absoluta da realidade no palco, negando que o teatro no fim das contas é um meio de
expressão artística. O exagero chegou a tal ponto que em uma apresentação de Srta Júlia, de
August Strindberg, a cabeça de um passarinho era arrancada de verdade, sem qualquer truque. A
interpretação era monótona e quase ninguém ouvia o que os atores diziam, em contrapartida aos
urros característicos do Romantismo, mas nem por todo esse excesso de verdade o drama de
muitos dos naturalistas deixa de ser romântico. O Naturalismo foi um estilo que não sobreviveu aos
bons dramaturgos que lançou. O austríaco August Strindberg permanece na galeria dos grandes
nomes da dramaturgia mundial, mas não pelos ideais naturalistas, que ele mesmo acabou por
abandonar, mas pela qualidade de suas peças. Haveria de vir alguém para desfazer a confusão e
codificar o verdadeiro Realismo: Stanislavski. No final do século XIX, prenunciavam-se grandes
modificações na Rússia. Greves nos centros industriais eram apoiadas pelos estudantes das
universidades por meio de ruidosas manifestações, e, paralelamente, um movimento de oposição
pressionava o governo pedindo reformas na arcaica estrutura social russa. Tentando contornar a
crise que se avolumava, o governo russo anunciou, a 12 de dezembro de 1904, a concessão de
liberdade de imprensa, independência do poder judiciário e tolerância religiosa.

Não foi o suficiente e logo reivindicações sindicais foram feitas. Na manhã de 9 de janeiro de 1905
trabalhadores marcharam em direção ao Palácio de Inverno com o intuito de apresentar as
exigências do operariado. Na frente do Palácio, onde se reunira uma multidão de simpatizantes e
curiosos, as autoridades militares resolveram dispersar os manifestantes a bala. O resultado foi um
terrível massacre, e em pouco tempo muitos mortos e feridos jaziam sobre a neve. Os
acontecimentos de 9 de janeiro conhecidos desde então como “o domingo de sangue” abreviaram
a revolução. Manifestações de rua nas principais cidades foram acompanhadas por greves nos
meios de comunicação e alguns levantes surgiram nas províncias. A repressão do governo foi
violenta e numerosas sentenças de morte foram executadas. Neste mesmo ano, porém, foi
convocada uma assembleia na qual estariam representadas as mais diversas tendências políticas. O
czarismo cedia, assim, no século XX, ao regime constitucional e parlamentar que outros governos
europeus haviam adotado no século XIX. Foi dentro deste clima que o Teatro Russo saiu da sombra
dos teatros francês e alemão (teatros estes, até então, sempre voltados para atender aos anseios
das classes dominantes) e desenvolveu um teatro genuinamente russo, que mostrava por um lado
uma aristocracia decadente e por outro a sede de revolução de jovens, operários e intelectuais, em
que os dois lados da moeda são a essência de seus dois principais dramaturgos: Tchekov e Górki.
Grandes romancistas e contistas como Pushkin, Tolstoi, Turgueniev, Dostoieveski, Gogol, que,
apesar de incomparáveis no gênero épico, também escreveram algumas peças de excelente
qualidade, as quais contribuíram para formação da dramaturgia russa. Os teatros começaram a se
proliferar com muita rapidez, principalmente em São Petersburgo e Moscou. Em 1898 foi fundado o
Teatro de Arte de Moscou por Constantin Stanislavski e Nemirovitch Dantchenko, diretor, professor
e teórico de teatro. Resultado de uma conversa de dezessete horas em um restaurante de Moscou,
o novo teatro abrigaria o grupo de amadores de Stanislavski e os alunos de Dantchenko. A esse
núcleo inicial se juntariam atores profissionais de Moscou, São Petersburgo e das províncias.
Stanislavski deu uma unidade e um novo espírito à representação de seu país, buscando um
realismo que ele chamou mais tarde de Realismo Espiritual, um despojamento de falsas convenções
e a criação sob o palco de uma vida mais verdadeira e emocionante. Da experiência de Stanislavski
como ator e diretor, resultou o desenvolvimento de um sistema de trabalho que foi adotado pelos
atores de sua Companhia, a princípio com certa relutância. Essa sistematização não foi um fato
isolado, foi o resultado do interesse e da busca de muitos artistas que tentaram fazer uma revisão
sobre os princípios básicos da arte de representar, não só na Rússia, mas em toda a Europa. O
problema da formação técnica dos atores constituía uma parte relevante na questão da
representação. Os manuais dos séculos XVII e XVIII tinham-se tornado obsoletos. Neles procurava-
se aplicar os princípios da oratória ao trabalho de criação e interpretação dos atores. A oposição a
esse tipo de forma de atuação partiu para o extremo oposto, em que nada do que se fazia no palco
era teatral ou sequer audível. Coube a ele, Stanislavski, sistematizar os conhecimentos intuitivos de
grandes atores que captaram no ar o que se pretendia do novo estilo, em especial os atores
italianos, Tomaso Salvini e Eleonora Duse. É importante observar que Stanislavski não criou um
método, mas codificou na forma de um sistema os caminhos percorridos por esses dois atores,
considerados geniais, na criação de suas personagens. Informação não oficial é de que Duse haveria
cedido seu diário de trabalho para Stanislavaski estudá-lo. Para entender seu Sistema é preciso
refletir sobre a seguinte frase de Stanislavski: “A Arte Dramática consiste em representar a vida do
Espírito Humano, em público e de forma artística”.

Ao contrário da antiga escola, Stanislavski propunha que o mais importante no tea tro não eram as
formas exteriores, mas a vida do espírito humano, por outro lado, contrapunha-se aos naturalistas
ao pedir a seus atores que jamais deixassem de ter em mente que eles deviam representar de
forma artística e não esquecer que o deviam fazer em público.

Casamento perfeito

Em 17 de outubro de 1896, Anton Pavlovitch Tchekov estreava a sua peça A Gaivota, no Teatro
Alexandre de São Petersburgo. Apesar de possuir um elenco formado por grandes nomes da cena
russa, a encenação foi um enorme fracasso. Até então, Tchekov só havia escrito peças curtas, na
maioria farsas. Esse insucesso em sua primeira incursão por uma peça de quatro atos o levou a se
decepcionar com o teatro. Dois anos se passaram até Stanislavski, apaixonado pela leitura do texto,
procurar Tchekov disposto a convencê-lo a lhe conceder os direitos de sua peça. Tchekov a
princípio mostrou-se relutante, mas acabou cedendo ante os argumentos de Stanislavski. A
montagem da peça marcou o verdadeiro alvorecer do Teatro de Arte de Moscou. A obra de
Tchekov ofereceu a Stanislavski todos os elementos para a nova concepção teatral: exigia um
conjunto homogêneo, no qual todos os papéis, sem exceção, deveriam merecer a mesma
dedicação atenta, obrigando o ator a criar sua personagem da maneira mais verdadeira possível, a
fim de captar a verdade interior, aquilo que se diz sem ser falado. O que era poesia no texto, em
Tchekov passava a ser poesia no silêncio: a personagem que diz hoje não está chovendo não se vale
de nenhuma metáfora para dizer algo tão simples, mas quando se conhece melhor essa
personagem, vemos que nenhuma metáfora seria tão bem empregada para mostrar o que ia na
alma dessa mesma personagem: a metáfora em Tchekov é a simplicidade da fala cotidiana. Nada de
extraordinário acontece em suas peças: cada personagem é envolvida e isolada por uma zona de
silêncio. O verdadeiro drama é a inação. É o fim (ainda que temporário) das divisões protagonista,
antagonista e coadjuvante: o homem, produto do meio, não é mais considerado como bom ou
mau, mas ambivalente. Na primeira apresentação de A Gaivota em 1896, o público ficou entre a
indiferença e o escárnio. Em 1898, quando o mesmo universo estreito e mesquinho foi mostrado
por Stanislavski, foi um sucesso estrondoso. Disse Stanislavski sobre Tchekov:

Tchekov trouxe à arte do teatro aquela verdade profunda que serviu de fundamento ao que mais
tarde veio a se chamar o Método Stanislavski. Ninguém compreendeu tão lúcida e definitivamente
como ele a tragédia das trivialidades da vida, ninguém antes dele mostrou aos homens, com tão
impiedosa verdade, o retrato terrível e vergonhoso de suas vidas no turvo caos da existência
cotidiana da burguesia.

Outro dramaturgo que teria grande importância para o Teatro de Arte de Moscou seria Máximo
Gorki. Quando Os Pequenos Burgueses de Gorki foi editado, o sucesso estrondoso gerou grande
expectativa sobre a montagem da peça (graças, em parte, à proibição de sua leitura em regiões do
Império por ordem do Czar). O dia da estreia da peça causou grande movimentação entre
revolucionários e czaristas. Os atores do Teatro de Arte de Moscou pediram, antes do início, à
plateia que se contivesse para que o espetáculo pudesse chegar ao final. O sucesso deste episódio
marcou o início da linha político-social no teatro russo. Tchekov escreveu a Gorki sobre a peça Ralé:
Li sua peça Ralé. É nova, e sem dúvida, excelente. Quando eu lia, especialmente o final, quase
dancei de alegria. O tema é escuro e opressivo; talvez a plateia, não acostumada com essas coisas,
saia do teatro e você tenha que dar adeus à sua reputação de otimista.

De fato, Ralé é a mais negativa das peças de Gorki, talvez, por isso mesmo, a que mais agradou
Tchekov. Essa era a grande diferença entre os dois: o pessimismo de Tchekov, que descrevia a
sociedade russa sem esperanças, e o otimismo de Gorki (em que pese seu nome significar
“amargo”) ante a expectativa da Revolução Russa. Porém, esse otimismo faz de Gorki um autor
inferior a Tchekov. Sua visão revolucionária o faz entrar no discursivo, suas peças não perdem o
tom realista, mas caem no panfletário. Além de A Gaivota (cujo sucesso fez com que o Teatro de
Arte de Moscou adotasse uma gaivota como seu símbolo), Tchekov escreveu mais três grandes
sucessos: As Três Irmãs, O Jardim das Cerejeiras e Tio Vânia.

Conclusões

O objetivo fundamental das pesquisas de Stanislavski era o de estabelecer a total identificação


entre o ator e a personagem. Cada comportamento em cena deveria visar à reprodução da
psicologia da personagem. A ação requerida do ator identifica-se ao conceito de intenção, uma
norma íntima de atingir determinado fim. E esse fim era o de mostrar ao público não o ator que
representa o papel e seus maneirismos pessoais, por mais virtuosos que fossem, mas dar ao público
a ilusão de ver como age, pensa e o que sente a personagem. Para Stanislavski uma emoção sincera
porém ilógica era tão desprezível quanto os piores clichês. Em suma, o ator nunca poderia aparecer
mais do que a personagem. Não queria Stanislavski com isso dizer que o ator deveria desaparecer
para dar lugar à personagem. Ao contrário disso, o ator nunca deveria esquecer que estava no
palco, ele devia apenas pensar, agir e falar como se fosse a personagem, emprestando a esta suas
próprias emoções, dentro do que ele chamava de circunstâncias propostas, criando situações
análogas com a própria experiência vivida pelo ator, porque para Stanislavski o ator jamais poderia
vivenciar no palco um sentimento que ele não experimentara na vida real, ao mesmo tempo exigia
que esse sentimento fosse expresso de forma artística. Quando a emoção era sincera e lógica, mas
inartística, Stanislavski dizia: Cortem 95%. Stanislavski foi o homem que soube levar o ideal realista
ao máximo de perfectibilidade. Suas viagens pela Europa e Estados Unidos acabaram por difundir
seu método por todo o mundo. A despeito de ter realizado experiências de tipo abstrato junto com
o diretor e produtor Meyerhold, um dos homens mais importantes para a revolução do teatro
moderno, Stanislavski sempre foi um tradicionalista. Seu método de trabalho para o ator é, de
longe, o mais completo, portanto Stanislavski foi um homem de seu tempo, tempo em que se
buscava o realismo como única verdade artística. Tchekov é seu parceiro ideal e suas peças, o
parâmetro perfeito para a aplicação do Método. Sua concepção de arte não poderia ser diferente.
Característica, porém, do século XX é a multiplicidade de estilos e os movimentos de vanguarda,
buscando, por um lado, o novo, e por outro revalorizando certos aspectos esquecidos da tradição
teatral. Eis aí o impasse que levou o velho mestre ao purgatório: associado ao realismo, seu método
foi considerado obsoleto e incompatível com as tendências modernas e arqueológicas do século XX.
O resgate do trabalho de Stanislavski surgiria do outro lado do mundo, não só pela obra fecunda
dos dramaturgos norte-americanos, mas pela criação do Actor’s Studio, adaptando o método à
realidade dos Estados Unidos. O professor Robert Lewis iria ainda mais fundo ao defender que o
método, em se tratando de uma técnica feita para o ator e não de um estilo, poderia ser aplicado a
qualquer estilo teatral, desde Sófocles até Ionesco. Por esses motivos, a melhor dramaturgia
realista do século XX viria dos Estados Unidos.

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