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Copyright © 2019 by Dr.

Steve Turley
Publicado originalmente em inglês sob o título:
The Abolition of Sanity: C.S. Lewis on the Consequences of Modernism
1ª edição 2020
ISBN: 978-65-990583-5-6
Impresso no Brasil
 
Tradução: Ulisses Teles
Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Wirley Correa
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias
 
 
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T941a
Turley, Steve
Abolição da sanidade : as consequências do modernismo de acordo com C.S. Lewis /
Steve Turley ; [tradução: Ulisses Teles]. – São Paulo: Trinitas, 2020.
    53 p. ; 21cm
    Tradução de: The abolition of sanity :
               C.S. Lewis on the consequences of modernism.
    Inclui referências bibliográficas.   
    ISBN 978-65-990583-5-6

            1. Lewis, C. S. (Clive Staples), 1898-1963. The abolition of man 2. Educação –


Filosofia. I. Título.
CDD: 370.1
 
Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477
 
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Todos os direitos reservados à:
 

Editora Trinitas LTDA


São Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
 
Sumário
 
Introdução
Quem Foi C.S. Lewis
O Mundo em Volta
A Abolição do Homem: o que Outros Disseram a seu Respeito
A Abolição do Homem: Resumo
A Abolição do Homem: Análise
Citações Conhecidas
Conteúdo Bônus: Perguntas para Discussão em Grupo
Considerações Adicionais
Sobre o TurleyTalks
Sobre o Autor
 
Introdução

Nesta obra magistral, A Abolição do Homem, C. S. Lewis observa como


a educação está de fato mudando nossa concepção do que significa ser
humano. Ao subtrair do aluno os valores objetivos que formaram a base
para a formação da virtude, as práticas da educação moderna perpetuam
uma visão mecanicista do mundo como compreendido mediante o controle
cientificamente inspirado sobre a natureza e, como consequência
necessária, sobre o ser humano. A Abolição do Homem é o convite de C. S.
Lewis para redescobrir a doutrina dos valores objetivos e, ao fazê-lo,
redescobrir o que significa ser verdadeiramente humano.
 
Quem Foi C.S. Lewis

Clive Staples Lewis, ou “Jack” como ele preferia, nasceu em 29 de


novembro de 1898, em Belfast, Irlanda do Norte, filho de Albert J. Lewis e
Florence Augusta Hamilton. Tinha um irmão mais velho, Warren, nascido
alguns anos antes. Pouco depois de a sua mãe ter sucumbido ao câncer, em
1908, Lewis foi matriculado na Wynyard School, em Watford,
Hertfordshire, e dois anos depois foi para um internato em Campbell
College, Belfast. Devido a uma doença respiratória, matriculou-se em uma
escola preparatória perto da Malvern College, a qual ele cursaria mais tarde,
em setembro de 1913. Em 1916, Lewis foi aceito na Universidade de
Oxford, mas logo em seguida alistou-se voluntariamente no Exército
Britânico durante a Primeira Guerra Mundial.
Lewis regressou à Oxford e, em 1925, formou-se com ênfase em
literatura grega e latina e filosofia. Lewis aceitou o cargo como professor de
inglês na Magdalen College, Oxford, onde permaneceu por vinte e nove
anos, até se tornar professor de literatura medieval e renascentista em
Cambridge, em 1954. Foi durante esse tempo que Lewis redescobriu a fé
cristã, boa parte por meio da influência de seu amigo J. R. R. Tolkien. E
também foi nesse período que publicou muitas de suas maiores obras, tais
como O Regresso do Peregrino (1933), O Grande Abismo (1945) e O Leão,
a Feiticeira e o Guarda-Roupa (1950).
Em 1956, casou-se com a escritora americana Helen Joy Davidman, que
logo adoeceu e morreu de câncer, em julho de 1960. Lewis faleceu pouco
depois, em 22 de novembro de 1963, e foi sepultado na Holy Trinity
Church, em Oxford. Ele é lembrado como um dos mais amados escritores e
apologetas cristãos de todos os tempos.
 
O Mundo em Volta

Em 1928, poucos anos depois do término da Primeira Guerra Mundial,


iniciava-se um ciclo de palestras na Inglaterra, ocasião para, talvez, a mais
importante série de palestras proferidas no século XX. Conhecido como
Riddell Memorial Lectures, esse ciclo de palestras foi organizado em
memória de Sir John Buchanan Riddell, cristão devoto, com a intenção de
explorar o ponto de contato entre a religião e o pensamento contemporâneo.
Apesar de as palestras terem persistido por mais um tempo, foi a décima
quinta série dessas palestras que deixou uma marca indelével no mapa da
história intelectual.
24 de fevereiro de 1943. A Grã-Bretanha batalhava no quarto ano da
Segunda Guerra Mundial, conflito que envolvia, de acordo com o então
Primeiro-Ministro Winston Churchill, nada menos que a sobrevivência da
civilização cristã. C. S. Lewis e seu irmão Warren viajaram de Oxford para
a pequena cidade medieval de Durham. Em seu diário, Warren registrou que
a visita deles a Durham foi como “um pequeno oásis na tristeza da vida, um
escape do racionamento de comida diário do cotidiano britânico urbano em
meio à guerra”. Esse contexto, triste, sitiado e quase clichê, serviu ao
conteúdo das palestras de Lewis nas então três noites durante a Epifania do
período letivo universitário, em que Lewis contrastou dois futuros
antitéticos: um em que a doutrina de valores objetivos seria abraçada,
resultando no inevitável florescimento humano; o outro em que tal doutrina
seria abandonada em favor do utilitarismo científico, tendo por resultado a
abolição da humanidade como a conhecemos.
 
A Abolição do Homem:  o que Outros Disseram a
seu Respeito

Ironicamente, em 1955, quase uma década depois de ter sido publicado,


Lewis escreveu que A Abolição do Homem “é, dentre meus livros, quase o
favorito, mas, em geral, tem sido praticamente ignorado pelo público”.
Bom, como sabemos, a obra, apesar de tudo, não foi esquecida. O
próprio executor do espólio literário de Lewis, Walter Hooper, afirmou que
a obra é “uma introdução indispensável ao corpus literário de Lewis”.1 A
revista National Review a colocou como número sete entre seus “100
Melhores Livros Não Ficcionais do Século XX”. O Intercollegiate Studies
Institute classificou o livro como a segunda obra mais importante do século
XX. E Peter Kreeft, professor de filosofia na Faculdade de Boston e do
King’s College, considerou a obra A Abolição do Homem um dos seis livros
que, se lidos, salvariam a civilização ocidental.2 Palavras de Kreeft:
[A Abolição do Homem] é profético: escrito em linguagem erudita; na
verdade, sua abundância de erudição e referências em latim assombra até
mesmo alunos universitários, uma vez que esta é a primeira geração na
história americana que prova ser menos educada do que a geração de seus
pais. O conteúdo da obra, contudo, é uma terrível profecia de mortalidade, e
não só a mortalidade da civilização ocidental [...] mas a mortalidade da
própria natureza humana, se não retomarmos a crença no [que Lewis chama
de] Tao, a lei natural, a doutrina dos valores objetivos.
 
A Abolição do Homem: Resumo

Publicado em 1944, a maior preocupação de Lewis em A Abolição do


Homem era o estado da educação britânica em meados dos anos 1940. Suas
preocupações foram originalmente apresentadas em três palestras ao longo
de três noites do mês de fevereiro no Physics Lecture Theatre, da King’s
College, Newcastle, as quais abrangeram os três capítulos do livro. O
primeiro capítulo, intitulado “Homens Sem Peito”, baseia-se na imagem
clássica da pessoa humana como composta de capacidades intelectuais,
representadas pela cabeça; capacidades morais, representadas pelo peito; e
capacidades emocionais e estéticas, representadas pelo estômago. Na
imaginação clássica, o que nos faz unicamente humanos não é o intelecto,
uma vez que os seres celestiais partilham de tais capacidades, nem os
nossos apetites, que compartilhamos com as mais vis bestas da terra; ao
contrário, o que nos torna verdadeiramente humanos é o peito, o que
poderíamos chamar de tertium quid, uma terceira coisa que interliga, ou que
faz mediação entre duas coisas diferentes. A cabeça e o estômago, céu e
terra, unem-se no peito, aqueles sentimentos morais que melhor
caracterizam o que significa ser humano.
No entanto, Lewis observou que a educação moderna, isto é, a educação
que caracterizou muito da Grã-Bretanha na metade do século XX, estava,
na verdade, desmembrando a cabeça dos apetites ao redefinir o
conhecimento unicamente a fatos cientificamente verificados. Porque o
pressuposto era o de que em fatos como ‘2 + 2 = 4’ não havia valores, cuja
validade transcenderia o sistema de valores de qualquer pessoa ou cultura,
eles não têm significado moral. Não há significado ou propósito objetivo,
não há integridade moral no mundo dos fatos; há, no entanto, apenas fatos,
nada mais.
Nessa redução moderna de um mundo cognoscível unicamente mediante
fatos, Lewis temia que ensinar nossos alunos com a ideia de que o mundo é
inerentemente sem significado destruiria o conceito de virtude. Virtude,
para Lewis e os filósofos do mundo clássico, envolve ordenar nossos
amores, organizando nossos sentimentos para refletirem a ordem criacional
de autoria divina. No entanto, a preocupação de Lewis era ver como a
educação que nega tal ordem criacional, na verdade, nega a base para a
formação da virtude. Portanto, para Lewis, a educação britânica estava
criando uma geração de jovens destituídos de um mecanismo capaz de unir
a cabeça repleta de fatos com o estômago cheio de sentimentos e instinto;
em poucas palavras, o que estavam criando na época eram “homens sem
peito”.
O segundo capítulo, intitulado ‘O Caminho’, examina três teorias éticas
que Lewis considera alternativas à noção clássica de uma ordem criacional
divina. Para demonstrar a significância intercultural dos valores objetivos,
Lewis usa o termo chinês Tao (pronuncia-se Dao) para indicar a concepção
do significado e do valor intrínsecos no mundo. Ao longo do capítulo,
Lewis aplica o mesmo ceticismo às três alternativas seculares que os
secularistas modernos aplicam à noção dos valores objetivos. Prosseguindo
assim, Lewis, na verdade, “relativiza o relativizador”; ele acusa os céticos
modernos de serem seletivos em seu ceticismo.
No terceiro capítulo, “A Abolição do Homem”, Lewis estabelece sua
visão de como seria o mundo se completamente governado pelos fatos
cientificamente verificados e vazio de qualquer concepção do Tao. Aqui, ele
cuidadosamente leva as premissas às suas conclusões lógicas. Para Lewis,
uma sociedade enraizada na manipulação inspirada pela tecnologia deve,
por definição, organizar-se em duas classes de pessoas: manipuladores e
manipulados, ou, nas palavras do próprio Lewis, condicionadores e
condicionados. Lewis reconheceu que sociedades tecnológicas são bem-
sucedidas quando convencem as massas que sua maior alegria e liberdade
estão em confiar numa classe de especialistas e técnicos que têm a
competência especializada de conformar o mundo aos seus desejos e
ambições. Lewis, contudo, também reconheceu que se toda a realidade
fosse reduzida à mera natureza, sendo entendida unicamente mediante fatos
científicos, então até mesmo a própria humanidade seria vista como nada
mais que mera natureza. E se a natureza existe para ser manipulada a bel-
prazer e segundo o desejo alheio, então, inevitavelmente, a maioria da
humanidade está vulnerável à manipulação científica e tecnológica de
acordo com as necessidades da elite tecnológica. É aí então, quando a
humanidade tiver pensado que finalmente conquistou a natureza, que a
natureza terá conquistado a humanidade, porque a humanidade como tal já
teria deixado de existir; uma nova ordem social teria surgido, a qual
subordinaria a maioria da humanidade sob a categoria de natureza
impessoal, e, na verdade, redefiniria a humanidade como sem significado
inerente; portanto, o título do terceiro capítulo e da própria obra em si, A
Abolição do Homem.
 
 
A Abolição do Homem: Análise

Homens Sem Peito


“Sinceramente, tenho duvidado se temos dado a devida atenção à
importância de livros didáticos do ensino fundamental”.3 (17) Assim Lewis
começa sua obra monumental, A Abolição do Homem. Em meio às suas
profundezas teológicas, filosóficas, civilizacionais e culturais, não podemos
perder de vista o fato de que A Abolição do Homem permanece um livro
preocupado sobretudo com a educação. Lewis reconheceu que a educação,
em última instância, não é meramente informativa, mas altamente
formativa; a educação não transmite meramente dados e fatos, mas molda e
forma um ideal cultural particular.
Lewis tem esse ideal cultural em mente quando começa o primeiro
capítulo, “Homens sem Peito”, chamando nossa atenção para um episódio
que ele mesmo leu em um livro didático de inglês do Ensino Médio, cujo
nome da obra não informa, chamando-o de O Livro Verde, escrito por dois
autores cujos nomes também não revela, referindo-se a eles como Gaio e
Tito.4 Os autores deste livro contam a famosa visita às Cachoeiras do
Clyde, na Escócia, realizada pelo poeta Samuel Taylor Coleridge, no início
de 1800. Em dado momento, diante de uma delas, Coleridge ouviu a reação
de dois turistas: um observou que a cachoeira era “sublime”, enquanto o
outro a descreveu como “agradável”. Coleridge endossou mentalmente a
primeira opinião mas rejeitou a segunda com desgosto. Então, Gaio e Tito
fazem seu próprio comentário acerca do ocorrido:
Quando o homem disse Isto é sublime, ele parecia estar fazendo uma observação sobre a
cachoeira... Na verdade... ele não estava fazendo uma observação sobre a cachoeira, mas
uma análise acerca dos próprios sentimentos. O que ele na verdade estava dizendo era Eu
tenho em minha mente sentimentos associados à palavra ‘Sublime’, ou, em poucas
palavras, Eu tenho sentimentos sublimes... Essa confusão está continuamente presente na
língua conforme a usamos. Parece que estamos dizendo algo muito importante acerca de
algo: mas, na realidade, só estamos dizendo algo a respeito de nossos próprios sentimentos.
(18)

Gaio e Tito querem que seus leitores entendam que, na verdade, a


avaliação estética de Coleridge era a errada. Para eles, Coleridge estava
errado quando não percebeu que ambos os comentários sobre a cachoeira
eram meramente expressões de sentimentos subjetivos. Ele, portanto, não
tinha o direito, ou, melhor, não tinha fundamento para dizer que uma
opinião deveria ser preferida à outra, desde que tal avaliação requereria uma
correspondência verdadeira entre o valor que a pessoa humana confere a
algo, neste caso, uma cachoeira, e o valor que tal coisa tem nela e em si
mesma, valor este objetivo ou que independe da opinião de alguém. E tal
valor-correspondência não existe.
Educação e Virtude
Lewis passou pouco tempo fazendo objeção à avaliação de Gaio e Tito;
na verdade, ele parece completamente enfurecido por perceber que uma
filosofia fútil e imbecil, tão em desacordo com a herança humana poderia
ser tão insensivelmente inserida sorrateiramente na vida dos alunos. Ao
contrário, Lewis apela para a filosofia educacional clássica como seu
antídoto para tal pedagogia descaradamente irresponsável. Lewis escreve:
A tarefa do educador moderno não é derrubar florestas, mas irrigar o
deserto. A correta defesa contra os sentimentos falsos é inculcar apenas
sentimentos. Ao matar de fome a sensibilidade de nossos pupilos, tão só os
tornamos presas mais fáceis do propagandista quando este aparece. A
natureza faminta será vingada, e o coração endurecido não é proteção
infalível contra o homem tolo. (27)
Lewis argumenta que é aqui, na verdadeira tarefa do educador, que a
educação moderna como representada por Gaio e Tito não pode fazer outra
coisa senão conduzir o aluno ao fracasso. Para defender tal afirmação,
Lewis fornece uma exploração ampla de dois projetos humanos
fundamentalmente diferentes representados por duas eras ou civilizações
distintas, o que poderíamos chamar de era clássica de um lado, e a era
moderna de outro.
“Até tempos bem modernos”, Lewis explica, “todos os professores e até
mesmo todas as pessoas em geral acreditavam que o universo era tal que
certas reações emocionais de nossa parte poderiam ser apropriadas ou
inapropriadas diante de sua existência — acreditavam, na verdade, que tais
objetos não meramente recebem, mas merecem nossa aprovação ou
desaprovação, nossa reverência ou nosso desprezo”. (27–8)
Lewis então invoca algumas das maiores mentes da história como
testemunhas de tal visão de mundo. Em particular, ele cita o conceito de
virtudes como ordo amoris esposado por Agostinho, a correta ordenação de
nossos amores. Agostinho parte de uma tradição semelhante à de
Aristóteles, que define a educação como ensinar o aluno a gostar e não
gostar devidamente. E tais disposições bem treinadas levam a uma vida de
virtudes. Portanto, do mesmo modo Platão em sua República, escrevendo
que a juventude devidamente preparada é aquela que ama o que é
verdadeiramente amável e deseja aquilo que é verdadeiramente desejável.
Para transmitir a universalidade histórica desse conceito, Lewis apela
para a concepção chinesa chamada Tao, a saber, a ideia de que o mundo ao
nosso redor é repleto de significado, propósito e integridade divinos, e,
portanto, nós, como parte desse cosmo, somos todos obrigados a conformar
nossa vida a uma relação harmoniosa com o propósito cósmico. A saber,
Lewis argumenta que essa piedade cósmica é verdadeira para todas as
grandes cosmovisões do mundo clássico: platônica, aristotélica, estoica,
cristã e asiática. Agora, as referidas culturas podem operar a piedade
cósmica de maneiras diferentes, com variáveis distintas e constituintes
culturais específicos, mas o fato de que as pessoas pertencem a uma ordem
moral divina parece onipresente em todo o mundo antigo.

Rejeitando o Tao
Agora, contra essa visão clássica do mundo está o mundo moderno
representado por Gaio e Tito. E neste mundo, Lewis nota, há apenas “o
mundo dos fatos, sem traços de valor, e o mundo dos sentimentos, sem
traços de verdade ou falsidade, justiça ou injustiça [...] e nenhuma
repreensão é possível”. (32) Para Lewis, reduzir todo o conhecimento à
mera verificação científica transforma todas as afirmações de valor em
mera preferência pessoal e sentimento subjetivo. Porque não podemos
colocar o significado sob um microscópio ou o valor em um tubo de ensaio,
esses sentimentos estéticos são extirpados do campo de conhecimento e,
assim, considerados unicamente pertencentes à esfera da opinião pessoal.
Logo, no que a educação se transforma num mundo assim? Lewis
salienta que se fosse exortar seu filho a morrer pela nação, um pai romano
poderia suscitar no filho a sensibilidade de honra e nobreza envolvidas em
tão altruísta sacrifício. Tal morte é boa e certa porque está em harmonia
com a ordem criacional divina, que abrange o mundo em que vivemos. Há
dignidade intrínseca no bem, de modo a nos convocar a uma resposta
apropriada.
Mas como Gaio e Tito exortam seus filhos a morrerem pelo seu país?
Perceba que ambos não podem apelar a qualquer bem objetivo, uma vez
que seu significado não pode ser analisado sob a lente de um microscópio.
Lewis escreve: “Ou eles devem ser totalmente coerentes e desacreditar este
sentimento como qualquer outro”, ou toda honra associada a sacrificar-se
pela própria nação nada mais é que sentimento de honra, “ou devem se
esforçar por produzir exteriormente [o Tao], sentimento que eles creem ser
de nenhum valor ao pupilo e que pode custar-lhe a vida, porque é útil para
nós (os sobreviventes) que nossos jovens assim pensem”. (34)

Castrados Fecundos
Além disso, Lewis vê outro defeito inerente neste projeto de educação
moderna. Na estrutura clássica da realidade, a pessoa humana era vista
como detentora de uma alma tripartida composta de capacidades
intelectuais (representadas pela cabeça), capacidades morais (representadas
pelo peito) e capacidades emocionais e estéticas (representadas pelo
estômago). O que nos torna unicamente humanos não é o intelecto, uma vez
que os seres celestiais dele partilham, nem nossos apetites, que
compartilhamos com as mais vis bestas da terra; pelo contrário, o que faz de
nós verdadeiramente humanos é o peito, o qual podemos chamar de tertium
quid, uma terceira coisa que liga tudo ou faz mediação entre duas coisas
diferentes. A cabeça e o estômago, céu e terra, unem-se no peito, aqueles
sentimentos morais que mais caracterizam o que significa ser humano.
Aqui, Lewis retoma um conceito de pessoa humana que remete a Platão,5
no mínimo. O objetivo do educador clássico era trazer essas dimensões da
alma para o interior dos alunos em correto equilíbrio mútuo, ensinando-os a
alinhar suas afeições com a ordem criacional.
No entanto, ao rejeitar o Tao, a doutrina dos valores objetivos, o
educador moderno subtrai o aluno da ordem criacional divina pela qual
poderia ordenar seus amores. Se não há valores objetivos aos quais meus
sentimentos devem se conformar, então simplesmente não há base para a
formação da virtude que faz a pessoa amar o que deve ser amado e desejar o
que deve ser desejado. E o perigo aqui, que a civilização clássica
reconheceu, é que sem se conformar ao Tao, à doutrina dos valores
objetivos, a alma humana afunda-se ou no racionalismo antiético, ou no
sensualismo irracional. Assim, por um lado, temos professores
universitários como Peter Singer em Princeton, que defende o infanticídio
(o que ele chama de aborto pós-parto) até a idade de dois anos; por outro
lado, temos hoje a pornificação da cultura pop.
No entanto, como Lewis bem percebe, 2.200 anos de precedentes
culturais e educacionais não somem da noite para o dia. Há uma forma de
permanecerem em nossa consciência e em nossas expectativas. Assim,
Lewis observa a estranha ironia de que nós, da era moderna, ainda
esperamos que essas virtudes operem em nossa sociedade. Esperamos
honestidade, coragem, compromisso com o bem comum e o florescimento
humano, mas temos removido o próprio fundamento objetivo sobre o qual
cultivar tais sentimentos. Lewis escreve:
E o tempo todo — tal é a nossa situação tragicômica — continuamos a
clamar por aquelas mesmas qualidades que tornamos impossíveis. Você mal
pode abrir um jornal sem se deparar com a afirmação de que a nossa
civilização precisa é de mais “impulso”, ou dinamismo, ou sacrifício, ou
“criatividade”. Numa espécie de ingenuidade medonha, removemos o órgão
e exigimos seu funcionamento. Criamos pessoas sem peito e delas
esperamos virtude e iniciativa. Rimos da honra, mas ficamos chocados
quando encontramos traidores em nosso meio. Castramos e dos castrados
exigimos fecundidade. (36–7)

O Caminho
Lewis estabelece em seu próximo capítulo, “O Caminho”, aquilo que ele
considera o problema fundamental a assediar qualquer sistema de ética ou
valores que os intelectuais tentam construir à parte do Tao. Se rejeitamos
um mundo de significância moral objetiva, logo temos de apresentar um
sistema de valor alternativo e que, ao mesmo tempo, evoque uma espécie de
senso de dever na pessoa enquanto ela reconhece que tal dever de fato não
existe no mundo. É uma tarefa bastante difícil, e Lewis desafia Gaio e Tito
a cumpri-la.
Lewis começa notando o ceticismo seletivo de Gaio e Tito: ambos
aparentam ser céticos sobre todos os sistemas de valores, exceto o deles
próprios. Lewis não fará nada senão simplesmente aplicar aos sistemas de
valores seculares o mesmo escrutínio que o cético aplica ao Tao. Lewis
destaca três alternativas ao Tao: utilitarismo, instinto evolucionário e valor
econômico. Embora dê a cada um o seu valor, ele percebe que há um
defeito essencial em todos os três: são fundamentados sobre a suposição de
que nos cabe construir nossos próprios sistemas éticos. Mas de onde
obtemos tal obrigação moral se todas as obrigações morais estão contidas
dentro de uma construção alternativa de valores?
Por exemplo, Lewis percebe que se alguém diz que devemos fazer assim
e assado porque a atitude em questão preservará a sociedade, tal espécie de
exortação só evocará um senso de dever se primeiro houver o pressuposto
de que a sociedade deve ser preservada. Lewis nota que todos os sistemas
éticos são construídos precisamente sobre tal pressuposto; todos eles
pressupõem um dever ético moralmente anterior ao próprio sistema. E
precisamente é isso o Tao, a doutrina de que todos os sistemas de valores
estão enraizados em um mundo moralmente definido, cujo sistema de
valores é meramente uma manifestação ex post facto.
Aqui, Lewis extrai o significado da teoria da lei natural, cujos exemplos
ele cataloga no Apêndice. De acordo com um dos principais acadêmicos
sobre a teoria da lei natural, J. Budziszewski, a tradição da lei natural
considera os princípios fundamentais da moralidade como “os mesmos para
todos, tanto em retidão quanto em conhecimento” — em outras palavras,
não só são garantidos a todos, mas, em certa medida, são também de
conhecimento geral.6 A teoria da lei natural reconhece que ser humano
significa ser dotado de uma consciência moral que tem o conhecimento
inato da ordem do universo como criado por Deus.
O Tao define e retrata os deveres, as obrigações morais necessárias à
inteligibilidade da vida de forma semelhante ao modo como as leis da
lógica definem e retratam a forma como devemos pensar. Assim que
argumentamos que deveríamos encontrar um sistema de ética externo ao
Tao, dele nós já estamos nos valendo; já estamos pressupondo que
deveríamos criar um conjunto de ética alternativo.

A Abolição do Homem
No entanto, o que acontece se, deliberadamente, afirmarmos que o Tao
já desapareceu por completo, e agora o homem pode seguir em frente,
definindo a si mesmo e a seus deveres como bem quiser? O que então
acontece com a humanidade? O capítulo final de Lewis, “A Abolição do
Homem”, traça as implicações lógicas de uma sociedade que vive sem o
Tao de forma autoconsciente. Se não mais nos preocupássemos com
conformar nossos desejos aos valores objetivos presentes no mundo ao
nosso redor, mas, ao invés disso, nossa preocupação fosse conformar o
mundo aos nossos próprios desejos, que tipo de sociedade emergiria?
Ao responder essa pergunta, penso ser importante observar que Lewis
não faz mera especulação, mas, a bem da verdade, traça premissas e as
conduz às suas consequências lógicas. E a premissa básica que Lewis
expande é uma concepção distintamente moderna, o summum bonum, ou
bem maior do ser humano, que envolve o controle cientificamente inspirado
sobre a natureza. Nosso bem maior, nosso maior objetivo imaginável é a
habilidade de conformar a natureza aos nossos próprios desejos,
necessidades e preferências. E, Lewis pergunta, se o controle do ser humano
sobre a natureza fosse nosso bem maior, quais são as implicações lógicas de
tal compromisso absoluto?
Agora, Lewis de imediato observa que, entre a população, parece haver
uma discrepância de poderes retidos sobre a natureza. Ele escreve: “O que
poderíamos chamar de poder do Homem é, na realidade, a medida de poder
que alguns homens possuem, e uma vez donos de tal poderio, podem ou não
permitir que outros homens tirem proveito [...] desse ponto de vista”, e “o
que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza acontece de ser um
poder exercido por alguns homens sobre outros homens, cujo instrumento
acaba por ser a Natureza”. (66) Agora, Lewis rapidamente deixa claro que
não está se referindo a meros abusos de poder; ele não está preocupado com
as formas como o poder nas mãos de alguns pode ser usado erroneamente.
Ao invés disso, Lewis se foca nas consequências lógicas de orientar-se
diante do mundo como objeto de manipulação. Se fosse para o mundo ser
controlado e manipulado, a competência para tal controle e manipulação
necessariamente se estenderia a todos os homens?
Lewis dá outro passo aqui: se nosso objetivo último de conquistar a
natureza envolvesse conquistar até mesmo o Tao, neste caso em virtude de
seu abandono, então a humanidade simplesmente não pode ser entendida de
outra forma a não ser como um produto da natureza e, portanto, um
legítimo objeto de manipulação. Lewis vê isso particularmente evidenciado
pela contracepção, em que gerações anteriores exercitam controle sobre as
posteriores. Assim, Lewis basicamente argumenta que em um mundo
governado pela manipulação, controle e dominação, duas classes de pessoas
naturalmente emergem: manipuladores e manipulados, ou condicionadores
e condicionados, como ele os denomina. Haverá aqueles que têm
competências técnicas de controlar a natureza, e então haverá os supostos
beneficiários de tais competências, que, meros produtos da natureza, são, no
entanto, vulneráveis à objetificação desse controle. O que preocupa Lewis
é: se o Tao, o qual distingue a humanidade da mera natureza e nutre a
virtude e o autocontrole, deixasse de existir, estaríamos, inevitavelmente,
sujeitos ao controle e à manipulação de outros.
Lewis, então, escrevendo no século XX, aplica essa mesma lógica a
muitos séculos adiante; ele quer que imaginemos a vida no século C d.C.,
era a qual ele imagina como a vanguarda de uma sociedade niilista. Tal a
sua natureza que, por um lado, é altamente sofisticada tecnologicamente
mas completamente vazia de qualquer doutrina de valores objetivos por
outro. Se traçarmos o padrão discrepante inerente nas sociedades
tecnológicas, será um tempo quando “o poder será exercido por uma
minoria ainda mais restrita. A conquista da Humanidade sobre a Natureza
[...] significa o domínio de algumas centenas sobre bilhões e bilhões de
pessoas. Não há nem pode haver, por menor que seja, aumento sobre o
poder da Humanidade. Cada novo poder conquistado pelo ser humano é
também poder exercido sobre outro ser humano. Cada avanço o deixa tão
mais fraco quanto mais forte”. (69) Em resumo, quanto mais controlamos a
natureza, mais somos, inevitavelmente, controlados por terceiros.
Agora, a objeção imediata a tudo isso certamente é a seguinte: por que
pressupor que pessoas do futuro, os poucos governando as massas, serão tão
más? Por que pensar o pior delas? Lewis responde que tal objeção
simplesmente não segue o argumento. Ele escreve: “Não é que sejam
homens maus. Na verdade, eles não são homens (na acepção antiga) em
nenhum sentido”. (73) Verdadeiros seres humanos exercem poder para o
bem apenas se houver um bem verdadeiro a ser exercido, apenas se houver
um valor objetivo real ao qual podem e, na verdade, devem aspirar. Esse é o
mundo governado pela virtude, derivado da palavra em latim que designa
homem, vir. Tal mundo, porém, morreu sob a tutela de Gaio e Tito. O
mundo, o mundo repleto de significado e propósito divino, detentor do
direito de fazer exigências sobre nós, o qual merece determinadas reações
positivas e negativas de nossa parte, não existe mais, nem as pessoas
daquele mundo. Elas também morreram.
Lewis argumenta que, porque, de forma autoconsciente, temos
abandonado o mundo de valor e virtude por um mundo de ciência e
tecnologia, substituímos a definição certa do que significava ser humano
com outra definição de humanidade, ou o que Lewis chamaria de pós-
humanidade. Falando dessa nova raça, Lewis escreve: “Não é que sejam
homens maus; eles não são homens em nenhum sentido. Saindo do Tao,
eles entraram no vazio. E os objetos do condicionamento não serão
necessariamente homens infelizes. Eles não são homens em nenhum
sentido: são artefatos. A conquista final do homem provou ser a abolição do
Homem”. (74)
A Ironia da Idolatria
Lewis conclui com a cruel ironia por trás de tudo isso. Em sua obra O
Grande Abismo, conhecemos uma personagem que acaba por se tornar seu
próprio pecado; de murmuradora, passou a transformar-se na murmuração
em si. A natureza desumanizadora da idolatria consiste em nos
transformarmos naquilo que adoramos. Lewis conclui A Abolição do
Homem com essa mesma observação: a obsessão da humanidade por
conquistar a natureza tem, por redução, transformado a humanidade integral
em mera natureza. Na verdade, ao reduzir a humanidade a processos
meramente biológicos e químicos, reduzimos a humanidade apenas a outro
subproduto natural. Até mesmo os Condicionadores podem então
simplesmente tomar suas decisões de acordo com os desejos e impulsos
dados pela natureza. Daí, no momento da vitória total da Humanidade sobre
a Natureza, encontramos toda a raça humana, incluindo os próprios
Condicionadores, operando unicamente pelos impulsos naturais de causa e
efeito. Quando tentou conquistar a natureza, a Natureza conquistou o ser
humano.
Assim, Lewis arremata convocando a única solução possível para tão
inevitável abolição de nossa humanidade:
Temos tentado, como Lear, ter ambas as coisas: abandonar nossa
prerrogativa humana e, ao mesmo tempo, retê-la. Impossível. Ou somos
espíritos racionais obrigados a obedecer para sempre aos valores absolutos
do Tao, ou não passamos de mera natureza a ser moldada e cortada em
pedaços conforme os prazeres dos mestres que devem, por essa lógica, não
ter motivos além dos seus próprios impulsos “naturais”. Apenas o Tao
fornece uma lei de ação humana comum que pode incluir governantes e
governados da mesma forma. É necessária a crença dogmática no valor
objetivo para a própria ideia de um governo que não é tirania, ou da noção
de que obediência que não é escravidão. (80–81)
A solução que Lewis tem para nós é outra vez abraçar o Tao, a doutrina
dos valores objetivos, como única fonte de verdadeira humanidade. O ser
humano científico que acredita ter evoluído para além do nosso passado
infantil é intimado por Lewis: tornem-se outra vez como bebês, nascidos de
novo.
 
Citações Conhecidas

1. “O dever do educador moderno não é derrubar florestas, mas irrigar


desertos. A defesa certa contra sentimentos falsos é inculcar apenas
sentimentos. Ao matarmos de fome a sensibilidade de nossos pupilos
apenas os tornamos presas mais fáceis do propagandista quando este
chega. Pois a natureza faminta será vingada e o coração duro não é
proteção infalível contra uma cabeça de vento.” (27)
 
2. “Santo Agostinho define virtude como ordo amoris, a condição
ordenada das afeições na qual cada objeto recebe o grau de amor que
lhe é devido. Aristóteles diz que o objetivo da educação é fazer o
aprendiz gostar do que deve gostar e não gostar do que não deve
gostar.” (28–29)
 
3. “Numa espécie de ingenuidade medonha, removemos o órgão e
exigimos seu funcionamento. Criamos homens sem peito e deles
esperamos virtude e iniciativa. Rimos da honra e ficamos chocados
quando encontramos traidores em nosso meio. Castramos e dos
castrados exigimos fecundidade.” (37)
 
4. “Muitos daqueles que “desmerecem” os valores [...] tradicionais têm
como contexto valores próprios que, acreditam eles, são imunes ao
processo de desmerecimento.” (43)
 
5. “O Tao, que outros podem chamar de Lei Natural, ou Moralidade
Tradicional, ou Primeiros Princípios da Razão Prática, ou Primeiro
Lugar Comum não é mais um sistema de valor entre muitos outros
possíveis. O Tao é a única fonte de todos os juízos de valor. Se for
rejeitado, todo valor é rejeitado. Se qualquer valor permanece, o Tao
permanece. O esforço por refutá-lo e substituí-lo com um novo sistema
de valores é autocontraditório. Jamais houve e nunca mais haverá um
julgamento de valores radicalmente distinto na história do mundo.”
(55)
 
6. “Não é que sejam homens maus; eles não são homens em nenhum
sentido. Saindo do Tao, eles entraram no vazio. E os objetos do
condicionamento não serão necessariamente homens infelizes. Eles
não são homens de forma alguma: são artefatos. A conquista final do
homem provou ser a abolição do Homem.” (74)
 
7. “É necessária a crença dogmática no valor objetivo para a própria ideia
de um governo que não é tirania, ou da noção de que obediência que
não é escravidão.” (81)
 
8. “Para os sábios do passado, o âmago do problema era de que maneira
conformar a alma à realidade, e a solução provou ser o conhecimento,
a autodisciplina e a virtude. Para a mágica e as ciências aplicadas, o
problema é como subjugar a realidade aos desejos dos homens: a
solução é uma técnica; e ambas, na prática dessa técnica, estão prontas
para fazer coisas até então consideradas horríveis e ímpias — tais
como desenterrar e mutilar os mortos.” (83–84)
 
Conteúdo Bônus: Perguntas para Discussão em
Grupo

1. Os autores da obra que Lewis chama de O Livro Verde recontam a


famosa visita às Cachoeiras do Clyde, na Escócia, citada pelo poeta
Samuel Taylor Coleridge, no início dos anos 1800. Para Coleridge,
qual era a diferença entre sublime e agradável?
Resposta: agradável era uma afirmação do gosto e da preferência
pessoal de alguém, enquanto sublime afirmava a Beleza como um valor
objetivo contido na ordem cósmica criada.
 
2. Qual a diferença entre objetivo e subjetivo?
Resposta: objetivo refere-se àquilo que existe fora de mim e
independentemente de minha existência. Subjetivo refere-se àquilo que
é específico para mim. O ar é objetivo, meus pulmões são subjetivos.
 
3. Quais são as opiniões de Gaio e Tito quanto à diferença entre sublime e
agradável?
Resposta: Gaio e Tito negaram o valor objetivo da natureza impessoal
e creditaram todas as concepções de Beleza e sublimidade à mente
humana e à preferência pessoal. A Beleza não passa de um valor
subjetivo construído pela pessoa humana e superimposta em um
mundo impessoal.
 
4. Você consegue se lembrar de passagens bíblicas que apresentam
valores como parte objetiva desse mundo?
Resposta: Gênesis 1 e o refrão: “e viu [Deus] que era bom”. Perceba
particularmente Gênesis 1.31: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e
eis que era muito bom”. A Septuaginta, tradução grega antiga das
Escrituras hebraicas, traduziu a palavra hebraica tov, “bom”, pelo
termo grego kallos, que significa “belo”. A Bíblia fala de certas
mulheres sendo na verdade “belas” (cf. Dt 21.11; 1Sm 25.3; 2Sm
14.27; Pv 11.22). E Paulo nos chama a refletir sobre “tudo o que é
verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é
puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama,” e a contemplar
tudo o que possui “virtude” e tudo que é digno de “louvor” (Fp 4.9).
 
5. Lewis escreve: “O dever do educador moderno não é derrubar
florestas, mas irrigar desertos”. O que Lewis quer dizer com isso?
Resposta: ao educar o aluno no ceticismo científico, Gaio e Tito estão
o reorientando a enxergar o mundo por meio da hermenêutica da
dúvida: aos alunos é permitido duvidar e desconfiar de tudo aquilo que
não for verificável pelo método científico. No entanto, a verdadeira
educação procura estimular a admiração e o deslumbramento no aluno,
capacitando-o a enxergar o propósito e o significado divino no mundo.
 
6. Qual o entendimento de Agostinho de ordo amoris?
Resposta: a ordenação de nossos amores envolve relacionar nossos
sentimentos de acordo com a ordem criacional divina. Deus ordenou os
valores do mundo na forma de uma hierarquia que merece nossas
afeições em proporção à ordem objetiva de sua criação. Assim,
aprendemos a amar algo de acordo com sua posição na hierarquia
divina. Logo, embora seja bom amar um sanduíche de presunto, não é
bom valorizar o sanduíche acima da vida de um bebê. Virtude é, na
prática, a correta ordenação de nossas afeições, cuja consequência é
desejar aquilo que é verdadeiramente desejável.
 
7. Por que Lewis usa o termo Tao para indicar a doutrina dos valores
objetivos?
Resposta: Lewis deseja demonstrar a universalidade do conceito de
valores objetivos. Conforme vimos, ele apresenta uma variedade de
fundamentos — platônico, aristotélico, judeu, cristão, confuciano, etc.
—, e então basicamente formula uma definição de para-choques de
caminhão para um termo que encapsula essa ampla variedade de
fundamentos.
 
8. Diferentemente do mundo clássico, como o mundo moderno define
conhecimento?
Resposta: o conhecimento no mundo clássico incluía compreensões
teológicas e morais do Tao, a doutrina dos valores objetivos. De modo
geral, o conhecimento no mundo moderno foi reduzido ao
racionalismo científico, que não consegue enxergar o mundo senão em
termos de processos causais biológicos, químicos e físicos.
 
9. À luz do compromisso da educação clássica com o Tao, por que Lewis
se preocupa com a educação moderna?
Resposta: ao ensinar o aluno que o mundo é composto unicamente de
processos causais biológicos, químicos e físicos, a educação moderna
remove qualquer sistema de valor objetivo pelo qual possamos ordenar
nossos amores. A educação moderna é, portanto, vazia de qualquer
alicerce para a formação da virtude.
 
10. O que Lewis quer dizer quando afirma que a educação moderna cria
“homens sem peito”?
Resposta: na imaginação clássica, o que nos torna verdadeiramente
humanos não é o intelecto, uma vez que os seres celestiais dele
partilham, nem são os nossos apetites, que compartilhamos com as
mais vis bestas da terra; ao invés disso, o que nos torna
verdadeiramente humanos é o peito, o que poderíamos chamar de
tertium quid, uma terceira coisa que liga ou faz mediação entre as
outras duas coisas. A cabeça e o estômago, céu e terra, unem-se no
peito, aqueles sentimentos morais que mais caracterizam o que
significa ser humano. Sem um alicerce para a formação da virtude, a
educação moderna é vazia daquilo que pode unir a cabeça ao
estômago.
 
11. Lewis começa o capítulo dois, “O Caminho”, escrevendo: “Por mais
subjetivos que sejam quanto ao valor tradicional, Gaio e Tito mostram
pelo próprio ato de escrever O Livro Verde que deve haver outros
valores sobre os quais eles próprios não sejam subjetivos”. O que ele
quer dizer com isso?
Resposta: quer dizer que só podemos dispensar um sistema de valores
se nos valermos de outro sistema de valores.
 
12. Como Lewis “relativiza o relativizador” no segundo capítulo?
Resposta: ele aplica o mesmo ceticismo ao sistema de valor proposto
pelo cético, sistema esse que o cético aplica à doutrina de valores
objetivos. Se a crítica do cético aos valores objetivos fosse realmente
válida, isso minaria igualmente qualquer sistema de valores que ele
próprio estabelecesse.
 
13. O que é utilitarismo e a crítica de Lewis a isso?
Resposta: o utilitarismo é a noção de atribuir maior valor a algo
somente se for útil para um ou mais indivíduos. Se inútil, não tem
compulsão moral válida. Lewis percebe que não há nada inerentemente
obrigatório no utilitarismo. O utilitário precisa assumir que deveríamos
definir nossos valores de acordo com normas utilitárias.
 
14. O que é a teoria da lei natural, e como Lewis a emprega em seu
argumento?
Resposta: a teoria da lei natural reconhece que ser humano significa
que somos dotados de uma consciência moral e de um conhecimento
inerente sobre a ordem moral do universo como Deus o criou. As
obrigações morais que servem como imperativos à conduta humana
são discerníveis racionalmente independentemente da tradição
religiosa. Lewis observa que todo sistema de valores proposto é
construído sobre o pressuposto de que devemos ter sistemas de valores.
Assim, nossos sistemas de valores são sempre derivados de algum tipo
de obrigação moral que existe fora desses sistemas.
 
15. Qual é a crítica de Lewis ao instinto evolucionário?
Resposta: primeiramente, devemos assumir que nossas disposições
instintivas são de fato boas. Mas como somos obrigados a obedecer ao
instinto? Todos os instintos são igualmente válidos? Do contrário,
então como podem instintos que excluem um ao outro serem julgados
por apenas outro instinto? Além do mais, se os instintos são árbitros
inevitáveis das escolhas éticas, por que então, para começo de
conversa, Livros Verdes são escritos?
 
16. Ao longo desse mesmo capítulo, Lewis argumenta que não podemos
extrapolar um deve a partir de um é. O que ele quer dizer com isso?
Resposta: só porque uma situação existe não quer dizer que essa
mesma situação necessariamente deveria existir. “É” não implica
“deveria”; ambos são conceitualmente bem diferentes. Tal raciocínio é
conhecido como um argumento non sequitur, ou uma conclusão que
não segue da premissa.
 
17. Como Lewis descreve a diferença entre a concepção clássica do mundo
e a concepção moderna?
Resposta: Lewis resume a diferença entre a concepção clássica do
mundo e a concepção moderna do mundo da seguinte forma: para o ser
humano clássico, a pergunta fundamental era: como posso conformar
minha alma ao mundo que me cerca e, assim, ser conduzido à vida
divina? E a resposta era: por meio da oração, da virtude e do
conhecimento. No entanto, para o ser humano moderno, a pergunta se
inverte: o ser humano moderno não está interessado em como
conformar a alma à realidade; ao invés disso, o ser humano moderno
pergunta: como posso conformar o mundo aos meus próprios desejos e
ambições? E a resposta envolve tocar naquelas instituições que operam
por mecanismos de poder e manipulação, isto é, ciência, tecnologia e o
Estado.
 
18. Lewis argumenta que uma sociedade fundamentada na ciência e na
tecnologia deve, por definição, evoluir e transformar-se em duas
classes de pessoas. Quais são essas duas classes e por que sua
existência acaba por surgir?
Resposta: as duas classes de pessoas são o que Lewis chama de
condicionadores e condicionados. Lewis acreditava que quanto mais as
pessoas se tornam dependentes do conhecimento tecnológico, mais
surgem tecnocracias inevitavelmente governadas por especialistas
técnicos que convencem as massas que tais competências são a base da
liberdade e da prosperidade.
 
19. Qual é o perigo de uma sociedade construída dessa forma?
Resposta: se não mais houvesse o Tao pelo qual distinguir a
humanidade da mera natureza e encorajar a virtude e o autocontrole,
inevitavelmente estaríamos sujeitos ao controle e à manipulação de
terceiros. Por definição, em nada seríamos diferentes da natureza; e
visto que a natureza deve ser controlada e manipulada, logo os seres
humanos são objetos legítimos de controle e manipulação.
 
20. Referindo-se aos condicionadores, Lewis escreve: “Não é que sejam
homens maus. Na verdade, eles não são homens (na acepção antiga)
em nenhum sentido”. O que ele quer dizer com isso?
Resposta: a concepção clássica de ser humano envolvia o cultivo da
virtude, derivada da palavra em latim para homem, vir. Mas tal mundo
morreu sob a tutela de Gaio e Tito. Esse mundo, o mundo repleto de
significado e propósito divino, que tinha o direito de nos fazer
exigências e que merecia determinadas reações e desprezos, deixou de
existir, nem existem hoje as pessoas desse mundo. Elas também
morreram.
 
21. Lewis reflete sobre a relação entre quatro práticas: ciência, tecnologia,
religião e mágica. Como e por que o mundo medieval equiparava essas
práticas de maneira tão distinta quando comparado ao mundo
moderno?
Resposta: o mundo medieval definia conhecimento como composto da
revelação natural e da revelação especial, ou ciência e religião. Tanto a
ciência quanto a religião procuravam entender o mundo, enquanto a
mágica e a tecnologia procuravam manipular o mundo de alguma
forma. A era moderna, uma vez devota a usar o conhecimento como
meio de manipular a natureza, tem casado a ciência com a tecnologia e
as tornado suas duas formas primárias por meio das quais seu novo
summum bonum é então conhecido. A mágica e a religião são
impenetráveis na busca moderna por controle.
 
Considerações Adicionais

“Sinceramente, tenho duvidado se temos dado a devida atenção à


importância de livros didáticos do ensino fundamental”. É assim que Lewis
começa sua obra monumental, A Abolição do Homem. Reflita sobre a
afirmação de Lewis à luz do projeto de educação clássica conhecido por
paideia, que procurou iniciar os estudantes em uma cultura. É possível ter
educação sem alguma espécie de paideia?
Por que Lewis começa sua discussão toda com a cena das Cachoeiras do
Clyde? De que maneira esse cenário representa o microcosmo do livro
todo?
O que é “educação”? A visão de mundo secular fornece verdadeira
educação?
Qual é a sua avaliação da lei natural? Ela é bíblica? Se sim, como?
Como você explicaria a coerência racional do dever moral sem apelar à
Bíblia?
Reflita sobre a relação entre o compromisso do ensino público em
ensinar aos alunos que a verdade é relativa e a desonestidade pressuposta
dos políticos. Como isso é um exemplo da preocupação de Lewis sobre
“remover o órgão, mas ainda exigir sua função”? Consegue também pensar
em outros exemplos?
Quanto ao Tao, pense em outras alternativas construídas pela sociedade,
além das três apresentadas por Lewis. Elas são vítimas da mesma crítica
oferecida no segundo capítulo? Por quê?
Lewis defende que não podemos derivar o deve de um simples é. Você
concorda? Por que sim ou por que não?
Você concorda com a perspectiva sombria de Lewis sobre o que seria o
futuro sem um Tao? Como a visão de Lewis pode ser comparada ao
Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e ao 1984, de George Orwell?
 
Sobre o TurleyTalks

Estamos presenciando a revitalização da civilização cristã?


Há décadas o mundo tem sido dominado por um processo conhecido
como globalização, sistema político e econômico que esvazia e erode as
tradições, os costumes e as religiões de uma cultura, e tudo isso  enquanto
condiciona as populações e os povos a confiarem na experiência de uma
pequena classe de tecnocratas para cada aspecto da vida social e do âmbito
econômico.
Até agora.
No mundo todo está surgindo um enorme golpe contra os processos
anticulturais da globalização e sua aristocracia secular. Da Rússia à Europa
e, agora, nos EUA, os cidadãos estão se levantando e reafirmando sua
religião, cultura e nação como mecanismos de resistência contra as
tendências desumanizadoras do secularismo e do globalismo.
E isso tudo é apenas o começo.
O mundo secular está à beira de um colapso enquanto uma nova era
tradicionalista surge.
Junte-se a mim enquanto examinamos essas tendências mundiais,
descobrimos respostas para os desafios mais difíceis de hoje e, unidos,
aprendemos a viver no presente à luz de coisas ainda melhores.
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Muito obrigado pelo apoio e por tomar parte nesta renovação cultural.
 
Sobre o Autor

Steve Turley (PhD, Durham University) é um acadêmico, palestrante e


violonista clássico reconhecido no cenário internacional. Autor de diversos
livros, Steve também escreve sobre a igreja, a sociedade e a cultura, a
educação e as artes pelo site TurleyTalks.com. Ele é membro do corpo
docente da Escola Clássica Tall Oaks em Bear, Delaware, onde ensina
teologia, grego e retórica, além de ser professor de Belas-Artes da Eastern
University. Steve palestra em universidades, conferências e igrejas por todo
os EUA e no exterior. Suas pesquisas e artigos apareceram em revistas
como a Christianity and Literature, Calvin Theological Journal, First
Things, Touchstone e The Chesterton Review. Ele e sua esposa, Akiko, têm
quatro filhos e moram em Newark, EUA, onde juntos gostam de pescar,
jardinar e assistir a maratonas de Duck Dynasty.
 
Notas
 
A Abolição do Homem
1 Citado em Michael Travers, The Abolition of Man: C.S. Lewis’ Philosophy of History, in Bruce
Edwards, ed., C.S. Lewis: Life, Works, and Legacy, volume 3: Apologist, Philosopher, and
Theologian (Westport, CT: Praeger, 2007), p. 108.
 
2 http://www.intellectualtakeout.org/blog/boston-college-prof-6-books-i-would-assign-save-western-
civilization
 
A Abolição do Homem: Análise
 
3 Todas as citações e a paginação [do original em inglês] foram extraídas da obra C.S. Lewis, The
Abolition of Man (New York: Simon and Schuster, 1996).
 
4 Hoje, sabemos que a obra que Lewis intitulou de O Livro Verde era, na verdade, o livro de nome
The Control of Language [O Controle da Linguagem], escrito por Alek King & Martin Ketley. Veja
Jerry Root, C.S. Lewis and a Problem of Evil: An Investigation of a Pervasive Theme (Cambridge:
James Clarke & Co., 2010), p. 29.
 
5 Veja a República de Platão, 435 e8-9, 439 e3-4, e 439 d5-7.
 
6 http://www.acton.org/pub/religion-liberty/volume-13-number-3/natural-law-what-we-naturally-
know
A Abolição do Homem: Análise

 
 
 
 
 

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