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O CORPO COMO MÁQUINA: ENVELHECER A PARTIR DO MODO

DE PRODUÇÃO CAPITALISTA.
Angela Elizabeth Ferreira de Assis¹
Liduina Farias Almeida da Costa²

¹Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados/Programa de Pós-Graduação


em Sociologia, e-mail: angelappgs@gmail.com
²Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados/Programa de Pós-Graduação
em Sociologia, e-mail: liduinafariasac@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho resulta da pesquisa bibliográfica que dará suporte à dissertação
de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Estadual do Ceará. Com o objetivo de identificar pontos de convergência entre os
autores destacados, este trabalho é também uma reflexão na tentativa de
compreender as concepções acerca do corpo que a partir da ascensão do modo de
produção capitalista, passa a ser visto como máquina, mas em determinado
momento esgota-se. Através de postulações teóricas que compreendem o
envelhecimento além da sua dimensão biológica, nos pautamos na perspectiva que
concebe esse processo como social e historicamente construído e que em diferentes
contextos possui significados e representações diversas sobre envelhecer.
Palavras-chave: Corpo. Capitalismo. Envelhecimento.

1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas observa-se o aumento da expectativa de vida da população, se
configurando como um fenômeno mundial no qual se tem o aumento da população idosa e o
declínio da taxa de natalidade.
Dada essa nova realidade demográfica, tomando como ponto de partida a cultura
ocidental pautada numa fisicalização da existência humana, percebemos que os processos em
torno do envelhecimento perpassam a dimensão fisiológica e tem suas implicações bem mais
amplas. Assim, torna-se um fator extremamente relevante que exige a atenção do poder
público e da sociedade civil, trazendo novas necessidades, demandando serviços, políticas
públicas, assistenciais e previdenciárias; para permitir um envelhecimento digno e com
qualidade de vida.
Observa-se que há também a criação de uma demanda por adaptação das famílias no
trato para com as pessoas idosas, considerando que uma parcela da população, de fato, se
depara com a impossibilidade de manter seus idosos em casa, na medida em que eles não
podem mais trabalhar; e, ao longo da vida, não tiveram condições de acumular reservas
financeiras que lhes assegurassem viver dignamente.
Nesse sentido, destacamos a modernidade e a industrialização no ocidente, como
marco histórico para a concepção do que hoje compreendemos como envelhecimento,
considerando que a ascensão do modo de produção capitalista nesse momento é capaz de
mudar não apenas as relações de trabalho, mas a forma como os indivíduos produzem
materialmente a sua existência, a sua relação com o tempo e o espaço e também a forma como
o corpo é percebido.
Se num dado momento da história da humanidade, a figura do ancião representava
uma posição de destaque para aquele que envelhecia, esse lugar de prestígio passar a
representar uma condição indesejável daquele corpo que passa a ser visto como máquina no
modo de produção capitalista; e assim, em determinado momento esgota-se, torna-se
improdutivo e não mais interessa ao sistema. Deste modo, seu papel social seria definido a
partir das relações de trabalho e o que esse corpo representa para essas relações.
É nesse contexto que constatamos que o processo de envelhecimento pode ter
implicações que, para além da dimensão fisiológica, a construção do que compreendemos
como envelhecimento humano é fruto também de múltiplos processos sociais e históricos que
atribuíram diversos significados à figura daquele que envelhece.
Os estudos contemporâneos apontam expressões sociais acerca desse processo
marcado historicamente por concepções de caráter negativo e indesejável que, por anos,
permaneceu como um assunto proibido, um tabu em parte das sociedades ocidentais.
Aqui, destacamos a velhice como uma das principais concepções em torno do processo
de envelhecimento que se deu, por vezes, pela negação dessa condição em diversas instâncias
da vida social, vista como um processo de decadência no ciclo biológico. Além disso,
devemos considerar ainda o fato de que chegar a certa idade, que atualmente consideramos
avançada, também era algo que boa parte da população não alcançava, sendo assim um
contexto relativamente novo de se trabalhar.
A constatação de tal situação e o contato com a construção teórica dessa categoria
através da revisão de literatura, foram suficientes para despertar nossa atenção para a
realização da pesquisa a fim de compreender melhor os modos de estruturação dos sentidos
atribuídos ao processo de envelhecimento. Para isso, era necessário, inicialmente,
compreender melhor as concepções em torno desse processo, o que acabou resultando neste
trabalho.

2. METODOLOGIA
Nesse estudo de natureza bibliográfica destacamos a concepção de velhice a partir da
ascensão do modo de produção capitalista, como uma categoria teórica fundamental para
compreendermos o caráter negativo atribuído a esse processo capaz de definir o lugar e o
papel social da pessoa idosa no modo de produção capitalista. Assim, pretende-se usar autores
com comprovada relevância no tema, tais como Simone de Beauvoir, David Le Breton, Ecléa
Bosi e Joel Birman, para refletir acerca das concepções que permeiam o processo de
envelhecimento e as representações em torno da figura daquele que envelhece e identificar
pontos convergentes da literatura apresentada.

3. DISCUSSÃO
Para dar início à discussão, partimos de uma perspectiva em que o envelhecimento é
compreendido como um fenômeno que, apesar de inevitável da condição humana e de seu
destino biológico, é também parte de processos culturais e históricos que se dão a partir da
interdependência de diversos fatores. A partir dos autores que veremos a seguir, é possível
conceber que tais processos são capazes de modificar relações entre indivíduos e alterar as
suas percepções de aspectos da vida social, constituindo uma nova realidade demográfica ao
passo que interfere numa dimensão individual na vivência do processo de envelhecimento.
Considerando a inexistência de unanimidade em relação à própria definição do
fenômeno, bem como atentando para sua abrangência – pois aquilo que chamamos de
envelhecimento vai muito além de uma condição cronológica e biologicamente definida –
apresentaremos alguns aspectos significativos, utilizando autores como Simone de Beauvoir,
David Le Breton, Ecléa Bosi e Joel Birman, para compreender, do ponto de vista conceitual, a
multiplicidade de aspectos envolvidos nesse processo e as representações sociais sobre a
figura do velho que, em cada sociedade, em cada época, em cada cultura, constroem
concepções diferentes a respeito do que é entendido como velhice e terceira idade.
Se anteriormente o envelhecimento dava aos indivíduos determinados papéis sociais
de prestígio e reconhecimento, para Beauvoir (1990), com a modernidade e a industrialização
no ocidente, esse lugar de prestígio passar a representar uma condição indesejável daquele
corpo que passa a ser visto como máquina, no modo de produção capitalista; e assim, em
determinado momento esgota-se, torna-se improdutivo e não mais interessa ao sistema, seu
papel social é definido a partir das relações de trabalho e o que esse corpo representa para
essas relações.
Ainda nessa perspectiva, o processo de industrialização na América, em certa medida,
teria privado as pessoas idosas das responsabilidades e das funções sociais que tinham numa
sociedade agrária e nesse processo passam a ser vistas como uma máquina, numa perspectiva
utilitarista onde o corpo se deteriora em um processo que deixa de ser parte integrante da
dinâmica da sociedade.
Ademais, tais dinâmicas passam a exigir também processos de adaptação das famílias
no trato com a chamada terceira idade, nesse sentido, a figura do velho passa a representar
também aquele que necessita de tutela, pois, considerados incapazes de cuidar de si e ao longo
da vida, também não tiveram condições de acumular “reservas financeiras” que lhes
assegurassem viver dignamente, cabe ao núcleo familiar e ao Estado garantirem um modo de
existência digno para esses indivíduos.
Em outras palavras, podemos dizer que,

A sociedade rejeita o velho, não oferece nenhuma sobrevivência à sua obra.


Perdendo a força de trabalho ele á não é produtor nem reprodutor. Se a posse, a
propriedade, constituem, segundo Sartre, uma defesa contra o outro, o velho de uma
classe favorecida defende-se pela acumulação de bens. Suas propriedades o
defendem da desvalorização de sua pessoa. O velho não participa da produção, não
faz nada: deve ser tutelado como menor. Quando as pessoas absorvem tais ideias da
classe dominante, agem como loucas porque delineiam assim o seu próprio futuro.
(BOSI, 1994 , p. 77).

Le Breton (2012) também chama atenção para essa dimensão corporal como um eixo
de ligação com o mundo, fazendo com que este seja também socialmente construído,
permitindo a compreensão do envelhecimento como um processo capaz de definir o lugar e o
papel social dos indivíduos comumente associados à incapacidade de cuidar de si e de
produzir riquezas, assim como a um processo de “involução” marcado pela diminuição das
faculdades cognitivas e de condições físicas que em nossa cultura são valorizadas,
constituindo um conjunto de representações e práticas que orientam a relação dos sujeitos
com o próprio corpo e a forma como esse corpo será percebido coletivamente.
Birman (2015) complementa essa concepção a partir de um momento de emergência
da sociedade industrial, num contexto em que o ócio passa a ser moralmente condenado e
envelhecer passa a ser entendido como um declínio da condição humana, em consequência
disso, o envelhecimento passa a representar ao negativo e aqueles que envelhecem são
progressivamente excluídos do convívio social.
Trazendo para o contexto brasileiro, o processo de envelhecimento da população
brasileira possui características específicas que, de certa forma, acentuam a condição
estigmatizada e excludente em que essas pessoas vivem, principalmente, por se tratar de uma
estrutura social marcada, historicamente, por desigualdades sociais extremas, em meio às
quais a produção da riqueza está diretamente associada à exploração e espoliação da classe
trabalhadora, tanto no contexto rural como nas grandes metrópoles.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da discussão apresentada, mesmo com as limitações se tratando de um estudo
de natureza bibliográfica, podemos compreender um pouco dos processos sociais e históricos
que, através da mediação dos conceitos, atribuíram diversos significados à figura daquele que
envelhece a partir de aspectos tanto subjetivos como estruturais.
Destacamos o envelhecimento como um processo que se dá a partir da
interdependência de diversos fatores, capaz de modificar as relações entre indivíduos e,
também, alterar as suas percepções de aspectos da vida social, constituindo concepções sobre
esse fenômeno que interfere nos modos de vida da população e em questões sociais bem mais
amplas, envolvendo, por exemplo, modos de produzir a existência, relações dos indivíduos
entre si, formas de organização da economia e relações de poder.
Em contrapartida, podemos dizer que atualmente temos um novo significante sobre
esse fenômeno. A concepção de terceira idade busca reverter o quadro negativo atribuído ao
envelhecimento, trazendo uma concepção positivada em meio às diversas mudanças sociais,
econômicas e políticas, apresentando uma tentativa de estabelecer novos sentidos e
representações à figura do velho, apesar da grande dificuldade de quebrar esse imaginário
social fruto de longos processos.
Com isso, constatamos que a concepção de velhice está relacionada, historicamente, às
representações e práticas que orientam a relação dos sujeitos com o próprio corpo durante o
envelhecimento e a forma como esse corpo será percebido coletivamente a partir da ascensão
do modo de produção capitalista. Ainda nessa perspectiva, dada à relevância que o corpo
possui nas relações de trabalho, temos a consolidação do caráter negativo e indesejável
atribuído à velhice, numa perspectiva excludente e estigmatizada forjada através de diversos
processos que interferem nas suas funções sociais que lhe serão atribuídas e na forma como
serão vistas socialmente.

5. REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone. A velhice. 2. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BIRMAN, Joel. Terceira Idade, subjetivação e biopolítica. História, Ciências, Saúde-


Manguinhos (Impresso), v. 22, 2015.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3ªed. São Paulo. Companhia das
Letras, 1994.

GROISMAN, Daniel. A infância do asilo: a institucionalização da velhice no Rio de Janeiro


da virada do século. Rio de Janeiro, UFRJ, 1999. Dissertação de mestrado em Saúde Coletiva.
LE BRETON, D. (2012). A Sociologia do corpo. 6ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes.

TEIXEIRA, I.; NERI, A. L. A fragilidade no envelhecimento: fenômeno multidimensional,


multideterminado e evolutivo. In: FREITAS, E.V.; PUL, C. F.; DOLL, J.; GORZONI, M. L.
Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed., Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, p.1.102-8,
2006.

TEIXEIRA, Solange Maria. Envelhecimento e trabalho no tempo do capital: implicações


para a proteção social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008.

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