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SABERES TRADICIONAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL: ENTRE DOIS

SISTEMAS DE MUNDO

TRADITIONAL KNOWLEDGE AND INTELLECTUAL PROPERTY:


BETWEEN TWO WORLD SYSTEMS

Nirson Medeiros da Silva Neto

RESUMO

O texto que consta nas próximas linhas parte da necessidade de aprofundamento dos
debates teóricos referentes aos impactos da aproximação entre o sistema de mundo
capitalista e o sistema de mundo das populações tradicionais, percebendo nuances desta
relação intercultural que sugerem um caminho para além da dicotomia
proteção/desculturação. Esta oposição tem caracterizado as discussões sobre o tema da
proteção dos saberes tradicionais e da propriedade intelectual, os debates recaindo em
uma ingênua, ou talvez interessada, afirmação das fecundidades do relacionamento
entre a lógica do capitalismo e as culturas tradicionais ou em uma absoluta negação das
relações positivas entre capitalismo e populações nativas. Demonstrar-se-á que estes
posicionamentos intelectuais admitem uma falsa dualidade que nem sempre considera a
existência da vida econômica, embora muito peculiar, dos grupos tradicionais, assim
como ignoram a possibilidade de o contanto com o sistema de mundo capitalista
reafirmar os pontos de vista tradicionais e, por conseguinte, produzir desenvolvimento
da cultura local. Isto, todavia, não elimina a possibilidade de relações simbolicamente
violentas das populações nativas com a economia de mercado, também sobremodo
comuns, que, ao invés de reafirmar, descaracterizam e, não raramente, destroem o
sistema de mundo tradicional.

PALAVRAS-CHAVES: CONHECIMENTOS TRADICIONAIS; PROPRIEDADE


INTELECTUAL; CAPITALISMO.

ABSTRACT

The text that consists in the next lines begins from the necessity of deepening in the
theoretical debates to the impacts of the approach between the capitalism world system
and the traditional world populations system, perceiving nuances of this intercultural
relation that suggests a way beyond the dichotomy protection/unculture. This opposition
has characterized the quarrels onto the subject about the protection of traditional
knowledge and the intellectual propierty, the debates have fallen into an ingenuous, or
perhaps interested, affirmation of fecundates from the relationship between the
capitalism and native populations. It will demonstrate that these intellectual positions
admit a false duality that not always consider the existence of the economic life, though
so peculiar, of the traditional groups, as well as ignore the possibility of the contact with
the capitalist world system to reaffirm traditional points-of-view and, therefore, to

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produce the local culture development. This, however, does not eliminate the possibility
of symbolically violent relations of the breaking coconut babassu ladies with the market
economy, which is also very common, that, instead of reaffirming, they deprive of
characteristics the way of traditional living.

KEYWORDS: TRADITIONAL KNOWLEDGE; INTELLECTUAL PROPERTY;


CAPITALISM.

INTRODUÇÃO

O cultivo da diversidade cultural, afirmara Vandana Shiva inspirada nos preceitos de


Mahatma Gandhi, requer “uma resposta não-violenta à violência da globalização, da
homogeneização e da monocultura”[1] típica do sistema de mundo capitalista-ocidental.
As formas contemporâneas de reação às imposições da economia global têm sido tanto
mais variáveis quanto mais diversificadas são as maneiras que as estratégias
empresariais desenvolvem para, a um turno, maximizar os lucros dos setores
dominantes do capitalismo e, a outro, minimizar as possibilidades de percepção dos
arbitrários requeridos para o alcance dos fins capitalistas, ocultando, por seguimento, a
violência simbólica[2] característica de tais estratégias que apresenta o efeito de
domesticação dos grupos sociais dominados[3], isto é, de conversão destes em
cúmplices de sua própria dominação. É no âmbito do enfrentamento da ação
simbolicamente violenta e desculturante do sistema de mundo capitalista face grupos
dominados que, há cerca de duas décadas, originou-se o campo de proteção dos
conhecimentos tradicionais, um espaço de relações objetivas entre intelectuais que
concorrem pela palavra científica e jurídica mais autorizada sobre qual a melhor forma
de salvaguardar os saberes das populações – conforme denominação da Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB) – com estilo de vida tradicional e que detêm grande
sabedoria quanto à relação entre a humanidade e o meio ambiente.

A especificidade de referido campus, no ínterim das discussões acerca do cultivo da


diversidade cultural, reside justamente no objeto tomado para reflexão, qual seja, como
adequada e eficientemente proteger as obras do intelecto coletivo de grupos nativos que
possuem relevância para a conservação da biodiversidade e que, atualmente, sofrem
com a ação de indústrias biotecnológicas e instituições de pesquisa científica e
bioprospecção que apropriam-se ilegitimamente dos frutos de suas “ciências”
tradicionais visando inserir no mercado produtos e processos associados aos recursos
naturais que sejam inovadores, tenham aplicação industrial, envolvam inventividade e
despertem interesse nos consumidores – isto é, que sejam patenteáveis e rentáveis –,
especialmente por trazerem incorporado o discurso do desenvolvimento sustentável
porque originários de populações que tradicionalmente relacionam-se de maneira
harmoniosa com os ecossistemas nos quais estão inseridas.

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Os debates intelectuais acerca da proteção dos saberes nativos são, no entanto,
concomitantes ao advento de um sistema de proteção da propriedade sobre obras do
intelecto fortemente voltado à realização dos interesses do setor industrial e das
instituições de pesquisa científica e bioprospecção, o qual não prevê instrumentos
inibitórios às práticas de apropriação indevida do patrimônio genético das nações,
particularmente as periféricas e semiperiféricas, e dos conhecimentos de populações
tradicionais associados a este patrimônio: em outras palavras, a chamada biopirataria. A
fim de estruturar mecanismos jurídicos hábeis à conservação da biodiversidade e à
regulação das atividades de pesquisa envolvendo recursos naturais e conhecimentos
tradicionais, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, foi elaborada e assinada a CDB.
A partir da assinatura desta Convenção, uma série de debates efetuou-se quanto à
exigibilidade de consentimento prévio fundamentado e de contratos de repartição de
benefícios não somente entre as nações em cujo território estão situados os recursos e
saberes pesquisados e os grupos empresariais interessados, mas, de igual modo, entre
estes grupos e as populações detentoras dos conhecimentos explorados, ou seja, foram
gestadas as primeiras discussões sobre o denominado sistema sui generis de proteção
dos saberes tradicionais. A emergência da CDB veio a suscitar, nas lides eruditas sobre
a salvaguarda dos conhecimentos nativos, a problemática da associação entre o
resguardo das obras do intelecto coletivo e o direito de propriedade intelectual, dado que
as regras instituídas pela Convenção subscrita na Conferência Rio-92 não anularam as
forças de apropriação privada dos conhecimentos das populações tradicionais, senão
apenas estabeleceram formas legais para o empreendimento de privatização de tais
saberes, ainda que, agora, com o consentimento das populações afetadas e mediante a
repartição dos benefícios com estas.

Diante disso, uma controvérsia fundamental edificou-se no campus referente à


fecundidade ou não da associação entre o sistema de mundo capitalista, mediado pelo
direito de propriedade intelectual, e o sistema de mundo das populações nativas,
portadoras de sabedorias que, de forma cada vez mais difusa, passavam a interessar aos
setores dominantes do capitalismo. A possibilidade ou não de referida associação
contribuir para a realização não somente dos interesses empresariais, mas igualmente
dos projetos e pontos de vista dos nativos, tornou-se, pois, o “pomo da discórdia” entre
os intelectuais, sendo então sustentados dois posicionamentos opostos sobre a temática:
por um lado, a afirmação de que o consentimento prévio fundamentado e a repartição de
benefícios podem ser promissores aos interesses das populações tradicionais, desde que
tomados como requisitos para o patenteamento de produtos e processos atinentes aos
conhecimentos destes grupos sociais; por outro, a crítica a estes dois instrumentos
legais, sustentando que nada mais são que formas de legalização da exploração e
privatização de bens públicos que, originalmente, não possuem valor-de-troca, sendo a
apropriação privada um modo de intervenção predatória nas culturas e formas de vida
tradicionais. Esta controvérsia, entretanto, parte de um pressuposto mais profundo e
genérico segundo o qual a tradicionalidade dos conhecimentos nativos deriva
necessariamente de sua imemorialidade e natural oposição à modernidade ocidental. A
dicotomia reforça ainda a percepção de que as populações tradicionais vivem em um
estado de distanciamento do sistema de mundo capitalista, não atribuindo por isso valor
de mercadoria e monetário a seus saberes, e apenas muito superficialmente compreende
as especificidades da vida econômica dos nativos e as reais possibilidades destes se

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relacionarem de forma promissora ou desculturante com a economia de mercado de
feição capitalista. Além disso, a separação prevalecente no campo de proteção dos
conhecimentos tradicionais parece que apenas muito parcamente considera a
possibilidade de que certas tradições, ao invés de naturalmente opostas à modernidade,
resultam de processos artificiais de (re)tradicionalização que se apresentam justamente
na forma de reações às imposições do mundo moderno, afirmando alguns aspectos da
vida social, que então passam a ser percebidos como tradicionais, a fim de contrastarem
com as novas situações postas pelo universo capitalista.

1. A ESTRUTURAÇÃO DO CAMPUS DE PROTEÇÃO DOS


CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

A mencionada lide intelectual exterioriza-se, principalmente, nos debates sobre a


associação entre proteção dos “saberes tradicionais associados à biodiversidade” e
instrumentos legais relacionados à propriedade intelectual, isto é, as legislações que
dispõem sobre direito autoral (no Brasil, Lei n. 9.610/98) e propriedade industrial (Lei
n. 9.279/96), bem como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio
(OMC). Entre os direitos relativos à propriedade intelectual está o de patentear produtos
e processos resultantes das atividades técnicas e científicas, tocantes à tecnologia e ao
setor industrial[4]. Os objetos de patentes – direito de excluir quaisquer outros sujeitos,
individuais ou coletivos, da produção, utilização e venda de certos bens – foram
ampliados de sorte a abranger todas as invenções tecnológicas de produtos e processos,
desde que sejam novos, envolvam inventividade e sejam suscetíveis de aplicação
industrial (TRIPS, artigo 27.1). Isto vem a abarcar, se não as plantas e animais
(excluídos pelo artigo 27.53, b, do TRIPS), ao menos os microrganismos, que são
formas de vida, e autorizar a apropriação privada de conhecimentos de populações
tradicionais. Daí a necessidade de proteção destes saberes, pois a autorização do TRIPS
não previne práticas como a chamada biopirataria; ao contrário, segundo afirma
Vandana Shiva[5], favorece-lhes:

Quinhentos anos atrás, bastava ser uma cultura não-cristã para perder quaisquer posses e
direitos. Quinhentos anos depois de Colombo, basta ser uma cultura não-ocidental com
uma visão de mundo característica e sistemas de conhecimento diversos para perder
quaisquer posses e direitos. A humanidade dos outros foi anulada então e seus intelectos
estão sendo anulados agora. Territórios foram tratados como despovoados nas patentes
dos séculos XV e XVI. Pessoas foram naturalizadas como “nossos súditos”. Na
seqüência dessa conquista por meio da naturalização, a biodiversidade é definida como
natureza – as contribuições culturais e intelectuais dos sistemas de conhecimento não-
ocidentais são sistematicamente apagadas.

[...]

No coração da “descoberta” de Colombo, estava o tratamento da pirataria como um


direito natural do colonizador, necessário para a salvação do colonizado. No coração do
tratado do GATT e suas leis de patentes está o tratamento da biopirataria como um

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direito natural das grandes empresas ocidentais, necessário para o “desenvolvimento”
das comunidades do Terceiro Mundo[6].

A intensificação das violações aos direitos das populações tradicionais de usar, usufruir,
reaver e dispor de seus conhecimentos suscitou, desde a CDB, conflitos intelectuais em
torno da necessidade de se elaborar um sistema sui generis de proteção das obras
coletivas do intelecto. Este sistema sui generis, segundo a MP n. 2.186-16/01 (artigo
9º), deve assegurar às populações que detêm aquela forma de saber, entre outros, os
direitos de “ter indicada a origem do acesso ao conhecimento tradicional em todas as
publicações, utilizações, explorações e divulgações”, “impedir terceiros não autorizados
de: a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, relacionados ao conhecimento
tradicional associado; b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que
integram ou constituem conhecimento tradicional associado” e, ainda, receber
“benefícios pela exploração econômica por terceiros, direta ou indiretamente, de
conhecimento tradicional associado, cujos direitos são de sua titularidade”. Em outras
palavras, o regime especial de proteção das obras intelectuais coletivas há de incluir
exigências como, por exemplo, a indicação de origem, o consentimento prévio dos
detentores do conhecimento quanto ao acesso e uso deste e os contratos de repartição de
benefícios, principalmente econômicos, auferidos com a comercialização do saber
tradicional. Conforme as letras da própria CDB (artigo 8º, item j):

Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: j) Em


conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o
conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com
estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da
diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a
participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a
repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas.

A CDB, entretanto, não prevê apenas o consentimento prévio, tal como a MP brasileira
que lhe regulamentou provisoriamente, mas o consentimento prévio e fundamentado ou
informado. Tal previsão diz respeito aos Estados que subscreveram a Convenção – “o
acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado
da Parte Contratante provedora desses recursos” (artigo 15.5) –, no entanto, os
defensores do sistema jurídico sui generis a têm estendido às populações tradicionais
com fulcro no princípio de que estas populações devem participar do processo de gestão
e proteção dos recursos naturais e conhecimentos que lhes estão associados, o que há de
se dar de forma justa e eqüitativa. Tais agentes ainda fundam-se nas Diretrizes de Bonn
sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Eqüitativa de Benefícios
Derivados de seu Uso apresentada na 6ª Conferência das Partes (COP VI) da CDB, que
afirmara no Parágrafo 26 que, além do país provedor do conhecimento, deveria “ser
obtido também o consentimento de partes interessadas relevantes, como comunidades
indígenas e locais”. Neste sentido, Laurel Firestone, pesquisadora do Harvard Law
School e do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que consentimento prévio informado
significa exigir, das empresas e pesquisadores que objetivam acessar e usar

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conhecimento tradicional, a consulta às populações detentoras do saber a fim de que
estas assintam voluntariamente no que respeita ao acesso e uso, sendo fundamental que
o consentimento se dê após a informação sobre os riscos e os benefícios do projeto de
pesquisa científica e/ou bioprospecção[7].

Segundo Margarita Flórez, do Instituto Latinoamericano de Servicios Legales


Alternativos (ILSA), o consentimento prévio informado implica que o ato de
assentimento seja voluntário, livre, informado e prévio: 1) a voluntariedade do
consentimento, de acordo com a autora, inclui os direitos de proibir, controlar e
autorizar ações que estejam relacionadas a territórios de populações tradicionais e
recursos naturais a estes circunscritos, caso tais populações entendam que as pesquisas
afetam seus costumes, territorialidade, direitos ou o meio ambiente; 2) a liberdade
requer que o acordo seja obtido sem coerção, ameaças, fraude ou manipulações, as
populações tendo conhecimento das implicações do projeto e sendo possível revisar a
decisão que autoriza o acesso e uso em caso de surgimento de fatos novos; 3) o
consentimento será prévio quando outorgado antes que as atividades hajam sido
efetuadas; e 4) apresentar-se-á como informado quando todas as informações
necessárias para a tomada de decisões sejam acessadas, e desde que tais informações
estejam disponíveis em linguagem apropriada, o que quer dizer inteligível para a
população detentora do conhecimento tradicional[8]. Nas palavras de Debra Harry,
integrante do Conselho dos Povos Indígenas sobre Biocolonialismo (IPCB):

[...] o consentimento prévio informado não é só assinar na linha pontilhada. Tem que ser
feito numa linguagem completamente compreensível, e os participantes têm que
entender as implicações mais amplas, e também entender que os benefícios têm que ser
maiores do que os riscos assumidos pela comunidade. Nós falamos sobre o respeito à
confidencialidade quando exigida. Se houver informação delicada que a comunidade
acha que não deveria ser divulgada, eles têm o direito de vetar, alterar, revisar e aprovar
essas publicações antes que elas sejam lançadas no domínio público, e ter certeza que a
informação e conhecimento são protegidos[9].

O consentimento prévio e informado é um dos pilares do sistema de proteção dos


conhecimentos tradicionais instituído pela CDB. Outro, tão importante e discutido
quanto o primeiro, é a repartição de benefícios. Da mesma forma como no caso anterior,
a repartição de benefícios na CDB foi prevista objetivando beneficiar os Estados
signatários em cujo território nacional o conhecimento tradicional associado aos
recursos genéticos é apropriado. Os debates acerca do sistema sui generis, novamente
com base nos princípios de justiça e eqüidade e nas Diretrizes de Bonn, têm indicado
que a repartição de benefícios deve ser estendida às populações tradicionais detentoras
do conhecimento acessado e usado pelas pesquisas científicas e de bioprospecção. Isto
significa reconhecer, nas palavras de Juliana Santilli, pesquisadora e sócia-fundadora do
ISA, a titularidade destas populações “sobre os direitos intelectuais associados aos seus
conhecimentos tradicionais, por se reportarem a uma identidade cultural coletiva e a
usos, costumes e tradições coletivamente desenvolvidos, reproduzidos e
compartilhados”[10]. Significa também que em se identificando, nas atividades de
pesquisa, saberes tradicionais com potencial de utilização comercial, e havendo

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interesse nesta utilização, é mister o estabelecimento de contrato de repartição de
benefícios entre a empresa ou pesquisador que acessara os conhecimentos e a população
tradicional provedora do construto intelectual. De conformidade com a MP 2.186-16/01
(artigo 25), os benefícios decorrentes da exploração econômica de produto ou processo
originariamente relacionado a conhecimento tradicional, podem ser, dentre outras
possibilidades, compreendidos como “divisão de lucros”, “pagamento de
royalties”, “acesso e transferência de tecnologias”, “licenciamento, livre de ônus, de
produtos e processos” e “capacitação de recursos humanos”. No parecer de Santilli:

[...] os mecanismos mais eficientes e eqüitativos de repartição de benefícios são aqueles


que implicam a participação nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, a sua
capacitação e treinamento para uma participação efetiva e qualificada, e não apenas
formal, o acesso a tecnologias, até mesmo a biotecnologias protegidas por patentes e
outros direitos de propriedade intelectual, e a participação nos lucros auferidos com a
comercialização de produtos e processos desenvolvidos com a utilização de recursos
genéticos e conhecimentos tradicionais de que são detentores. Pagamentos pontuais e
momentâneos, como taxas de coleta e bioprospecção, que não promovem um processo
mais amplo e permanente de troca de informações e de repartição de benefícios, têm
alcance muito limitado[11].

No âmbito das discussões em torno do consentimento prévio fundamentado e da


repartição de benefícios residem disputas intelectuais respeitantes às circunstâncias em
que a titularidade dos conhecimentos tradicionais não se restringe a uma singular
população e, por seguimento, é compartilhada por mais de um ou mesmo por uma
diversidade de grupos sociais. Desta forma, o exercício dos direitos intelectuais
coletivos – conforme a lógica da CDB e da MP brasileira, leia-se: direitos de consentir
previamente e receber benefícios – “por um ou mais detentores não deve prejudicar ou
restringir os direitos de outros povos ou comunidades co-detentores”[12]. É evidente
que quando se tratar de uma população detentora singular e identificável do
conhecimento, o consentimento prévio e informado, assim como a repartição de
benefícios, deve-se dar juntamente a ela. Problemas emergem, porém, quando se estiver
a lidar com um saber detido por mais de um grupo social ou por populações não-
identificáveis. Em ocorrendo isto, no caso do consentimento, há agentes no campo de
proteção dos conhecimentos tradicionais, como Firestone, a sugerir que, dada a
dificuldade de se identificar quem deve consentir, poderia ser competente para tal
assentimento uma agência nacional, um mediador governamental ou mesmo não-
governamental capaz de garantir os direitos das populações tradicionais[13].

No Brasil, conforme o atual estado da legislação nacional, a agência que mais se


aproximaria desta atribuição é o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN),
a quem compete hoje conceder “autorização de acesso a conhecimento tradicional
associado, mediante anuência prévia de seu titular” (MP n. 2.186-16/01, artigo 11, IV,
b). No que respeita à repartição de benefícios, intelectuais como Santilli vêm propondo
a criação de fundos “geridos por conselhos compostos por representantes de órgãos
públicos, da sociedade civil e das organizações representativas de povos indígenas,
quilombolas e populações tradicionais”, fundos estes destinados a financiar tanto

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projetos de preservação da biodiversidade nos territórios tradicionalmente ocupados
quanto projetos de desenvolvimento sustentável (econômico, social e cultural) das
populações tradicionais, devendo garantir-se “acesso prioritário aos recursos para
projetos apresentados por povos e comunidades co-detentores de conhecimentos
tradicionais”, em especial daqueles que já foram acessados e utilizados[14].

Diante desta breve explanação sobre o sistema sui generis de proteção dos
conhecimentos tradicionais esboçado na CDB, visualiza-se que, ao exigir o
consentimento prévio informado e a repartição de benefícios, decerto flexibiliza o
direito de propriedade intelectual, pois a concessão de patentes, em tese, como observa
Eliane Moreira, ex-coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual do Centro
Universitário do Pará (NUPI/CESUPA), deveria estar condicionada à observância
destas duas exigências legais: consentimento informado prévio e repartição de
benefícios – condição esta que garantiria a função sócio-ambiental da propriedade
intelectual[15]. No entanto, este condicionamento certamente não anula as forças de
apropriação privada de referidos conhecimentos, embora amenize os efeitos da
privatização. Uma das razões porque isto se dá reside na relação ainda precária entre a
CDB e o TRIPS, pois, como afirma Vanessa Dolce de Faria, diplomata que atua na
Divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores, “não há
como, da forma como se estrutura o sistema patentário internacional hoje, se evitar a
concessão de uma patente” relacionada a conhecimento tradicional “se o processo ou
produto for considerado novo, inventivo e com possibilidade de aplicação industrial
pelo escritório patentário junto ao qual foi depositado o pedido da patente”[16].

Mas ainda que os escritórios de patentes exigissem comprovação de obtenção do


consentimento prévio informado e de realização do contrato de repartição de benefícios,
mesmo assim a apropriação individual ou empresarial de conhecimentos outrora apenas
coletivos e a comercialização de saberes antes não-comercializáveis não deixariam de
ocorrer. Agregar-se-ia, portanto, novas exigências à concessão de patentes, para além
daquelas já existentes (inovação, inventividade e aplicação industrial); contudo, com
isso se obteria não um impedimento da privatização de saberes tidos como “públicos”
(embora alguns não sejam de domínio geral, senão apenas de agentes que detêm
faculdades especiais como, por exemplo, pajés) e sim uma flexibilização do enrijecido
direito de propriedade intelectual incorporando a este outros requisitos para a
patenteabilidade de produtos e processos biotecnológicos.

2. CRÍTICAS AO SISTEMA SUI GENERIS DE PROTEÇÃO DOS SABERES


NATIVOS

Por esta razão, o sistema sui generis tem sofrido críticas afirmando que, por aplicar-se à
proteção de saberes de natureza não-individual e cultural, possibilita uma forma de
apropriação e privatização de bens públicos, transformando-os em mercadorias e, assim,

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sendo mais bem uma legalização da exploração dos conhecimentos tradicionais do que
uma proteção destes e de seus detentores[17]. Segundo Edna Castro, pesquisadora do
Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará
(NAEA/UFPA), o termo propriedade privada não possui significado para povos
tradicionais como os indígenas da Amazônia, sendo o estatuto da propriedade
intelectual incompatível com a proteção de saberes cuja invenção é coletiva, não-datada,
não-localizada e fundada em padrões de informalidade, a sociabilidade e os valores dos
grupos exercendo papel determinante no processo de invenção. A noção de patrimônio,
que faz referência a saberes herdados e acumulados por gerações, seria por isso mais
adequada. Daí porque Castro recorre à noção de patrimônio de François Ost:

[...] Ost pensa o patrimônio como “instituição transtemporal” e “translocal”, enquanto


um reservatório de possibilidades. Para além do estatuto da propriedade, a noção de
patrimônio requer incorporar outras dimensões plásticas, móveis, levando em conta
escalas diferentes e variáveis “segundo o tipo de recurso a proteger e segundo o tipo de
uso a favorecer... mas ao mesmo tempo esses recursos transitam através da propriedade,
a transcendem na medida em que um interesse mais geral os finaliza” [...]. Os bens
recebidos do passado devem ser remetidos ao futuro, sentido que interroga o princípio
de propriedade, a partir de uma compreensão sobre a transitoriedade das gerações e,
portanto, de serem os indivíduos e grupos guardiãs de um processo de acumulação de
saberes e práticas[18].

A associação entre proteção dos conhecimentos tradicionais e direito de propriedade


intelectual, conforme o posicionamento crítico, seria mais precisamente um meio de
inserção destes conhecimentos no mercado, permitindo assim sua utilização como
forma de agregar valor a produtos e diminuir custos e períodos de pesquisas e
bioprospecções. Tal associação, portanto, se por um lado objetiva salvaguardar os
interesses das populações tradicionais, por outro, como afirma Gysele Amanajás Soares,
ex-coordenadora do NUPI/CESUPA, traz o potencial de transformar os conhecimentos
destes grupos sociais em matéria-prima para o desenvolvimento de produtos e processos
industriais, reduzindo seus detentores tão-somente a fornecedores de matéria-prima, o
que contribui para a manutenção e ampliação das relações de opressão típicas do
universo capitalista e, com efeito, para a multiplicação da desigualdade e da
exclusão[19]. A proteção dos conhecimentos tradicionais associada ao sistema de
propriedade intelectual, por conseguinte, é um anseio que não nasceu da necessidade
sentida pelas populações detentoras de tais conhecimentos, “mas sim do desejo
ocidental de enquadrar os sistemas sociais e culturais em formas de direito de
propriedade para assim encontrarem os ‘titulares’ dos conhecimentos e estabelecerem
contratos ou acordos sobre eles”[20]. Segundo Cristiane Derani, pesquisadora da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), os saberes e tecnologias
tradicionais são produzidos fora da dinâmica do mercado, pois não possuem
originalmente valor-de-troca e valor monetário, não gerando mercadoria, senão apenas
valor-de-uso, visto que são desenvolvidos para a melhor satisfação das necessidades e
vontades de seus detentores. A associação do direito de propriedade intelectual ao
resguardo dos conhecimentos tradicionais é nada mais que um reflexo da expansão do
mercado que então dirige-se ao patrimônio sócio-ambiental a fim de inserir no mercado
“produções sociais fora-do-mercado”, e o “ingresso de comunidades tradicionais na

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atividade de troca traz como uma das conseqüências a eliminação da tradição pela
incorporação da modernidade”[21].

Em outras palavras, o que os críticos do sistema sui generis estão a denunciar é o


seguinte: quando, no campo de proteção dos conhecimentos tradicionais, tem-se trazido
à pauta pontos de vista concorrentes sobre qual a melhor forma de proteção dos saberes
nativos sem dissociá-la do direito de propriedade intelectual, o que está em jogo não é a
verdade quanto ao melhor modo de proteger as formas sócio-culturais tradicionais que
garantem as condições de possibilidade dos saberes nativos – por exemplo, a cultura, o
território, o ecossistema e a organização social tradicional. Ao contrário, o que está em
jogo é o monopólio da afirmação, pretensamente correta, sobre que direito melhor
regula o acesso e uso, por parte do setor industrial e de instituições de pesquisa, da
biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais que lhe estão associados, oferecendo
condições seguras e legais ao trato com recursos biológicos e saberes nativos
relacionados a estes, trato seguro e legal que mais interessa àqueles que desejam utilizar
legalmente os recursos naturais, diminuir os custos e aumentar a rapidez e eficiência das
pesquisas biotecnológicas, agregar valor aos seus produtos e/ou, ainda, deter a
propriedade intelectual sobre produtos e processos relacionados a tais recursos e
saberes. É por isso que se visualiza, entre os juristas que debatem a proteção dos
conhecimentos tradicionais, assertivas afirmando que a proteção dos conhecimentos
tradicionais não se justifica em razão de uma deferência aos grupos sociais nativos, mas
sim é decorrência da função social e ambiental da propriedade intelectual.

Parafraseando Bourdieu[22], o que os agentes que têm denunciado o caráter


mercadológico e colonizador da associação proteção dos conhecimentos
tradicionais/direito de propriedade intelectual poderia ainda ser traduzido desta forma: o
ethos e a doxa dos cientistas e juristas que defendem o sistema sui generis de proteção
dos conhecimentos tradicionais demonstram possuir maior probabilidade de favorecer
os estratos sociais e interesses dominantes da sociedade capitalista, em especial
instituições de pesquisa e indústrias biotecnológicas, do que de empreender uma efetiva
proteção das populações tradicionais, a despeito das tomadas de posição e, até mesmo,
das sinceras inclinações protecionistas. Este fato tende, o que corrobora a assertiva posta
acima, a gerar inconformidades e resistências por parte não somente dos críticos do
sistema, mas também dos detentores de saberes nativos.

Iza Roná dos Santos Tapuia, antropóloga indígena que atua na Coordenação das
Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), expressa bem esta indignação
quando afirma que os saberes ancestrais (ao invés de “tradicionais”) dos índios são
informações culturais e intelectuais coletivas cuja utilização, por isso, somente faz
sentido se ocorrer em função de uma coletividade, não podendo ser apropriada para
atender estritamente ao consumo privado e à “ganância de poucos”. Segundo Tapuia, a
representação indígena acerca de seus conhecimentos os percebe enquanto sabedorias
materiais e espirituais, tecnologias e ciências relacionadas desde à caça, pesca,
agricultura, metalurgia, criação dos filhos, saúde física e mental, até à ocupação do

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tempo livre, expressões musicais, danças, pinturas, preparação de alimentos, etc.[23] .
Tal inconformidade está presente, também, nas palavras de Jorge Terena, líder indígena
que compõe o Núcleo de Estudos sobre Propriedade Intelectual Indígena (NEAPI) da
Fundação Estadual de Política Indigenista do Estado do Amazonas (FEPI/AM):

Nosso meio ambiente faz parte de nossa cosmovisão e faz parte da nossa
espiritualidade, portanto a biodiversidade que existe dentro das nossas terras não é uma
coisa comercializável. Ela é para ser preservada sim, mas é para ela ser usada também,
mas ser usada dentro das necessidades dos povos indígenas. E existe muita coisa que é
usada para rituais, e essas plantas, animais, seja lá o que for, são sagrados, portanto não
é comercializável, como muitos querem que sejam[24].

Evidentemente, como assevera Fernanda Kaingang, advogada e integrante do Instituto


Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI) – composto tão-somente
por índios –, embora a perspectiva dos povos indígenas seja coletiva, geralmente não
associada a interesses econômicos, tais interesses podem existir, “pois em uma
diversidade de 230 povos há indígenas interessados em comercializar uma parte dos
seus conhecimentos tradicionais, ou apenas o produto derivado desse conhecimento,
mas não a sua totalidade”[25]. Ainda quando admita interesses econômicos, a
representação indígena do que seja a proteção dos conhecimentos nativos está sempre
muito para além destes interesses, incluindo a garantia de direitos como a participação
política, o resguardo das culturas e formas de organização sócio-jurídica tradicionais, a
demarcação de territórios, dentre outros. A Carta de São Luís do Maranhão, resultante
do I Encontro de Pajés sobre a Convenção da Diversidade Biológica e Conhecimentos
Tradicionais, é um notável indicador disso, por exemplo, ao reivindicar o direito dos
indígenas “à participação plena nos espaços de decisões nacionais e internacionais sobre
biodiversidade e conhecimentos tradicionais”, ao manifestar “oposição a toda forma de
patenteamento que provenha da utilização dos conhecimentos tradicionais”, ao requerer
a adoção, pelo governo, de “uma política de proteção da biodiversidade e
sociodiversidade destinada ao desenvolvimento econômico sustentável dos povos
indígenas”, assim como ao propor que o sistema protecionista sui generis contemple,
além do consentimento prévio informado e a repartição justa e eqüitativa de benefícios:
“o reconhecimento das terras e territórios indígenas, conseqüentemente a sua
demarcação; o reconhecimento da propriedade coletiva dos conhecimentos tradicionais
como imprescritíveis e impenhoráveis e dos recursos como bens de interesse público”; o
direito dos índios “negarem o acesso aos conhecimentos tradicionais e aos recursos
genéticos existentes em seus territórios”; o “reconhecimento das formas tradicionais de
organização dos povos indígenas”; o direito de “continuidade da livre troca entre povos
indígenas dos seus recursos e conhecimentos tradicionais”[26].

3. POPULAÇÕES TRADICIONAIS E SISTEMA CAPITALISTA: UMA


RELAÇÃO DE INTERCULTURALIDADE (IM)POSSÍVEL E (IN)DESEJÁVEL?

6935
Os tópicos anteriores clarearam o estado dos embates intelectuais acerca da proteção
dos conhecimentos tradicionais. O que, no entanto, não se apresenta suficientemente
nítido nas lutas pela palavra mais autorizada é a percepção – aliás, sobremaneira
necessária de ser compreendida – da relação entre o sistema ocidental-capitalista e o
sistema não-capitalista das populações tradicionais como uma interação entre culturas
com sistemas de mundo diferentes e que podem tanto dialogar quanto conflitar entre si.
Esta percepção deve objetivar o estabelecimento de um caminho de análise de tal
relação de interculturalidade que esteja para além da tendência de folclorização dos
conhecimentos tradicionais, de refreamento da evolução das culturas e de isolamento
dos grupos sociais nativos, bem como reconheça as possibilidades de (re)invenção de
tradições e de comunicações tanto perversas como fecundas entre os modos de vida
tradicionais e modernos. A partir de agora buscarei esboçar teoricamente referida
percepção baseando-me na obra de Marshall Sahlins. Mas antes de tratar de Sahlins,
falarei brevemente da tese da ciência do concreto, de Claude Lévi-Strauss, que
demonstra-se imperiosa para referida reflexão.

A tese lévi-straussiana considera que o saber dito “primitivo” ou mágico, o que pode ser
estendido aqui para o chamado saber tradicional, é tão familiarizado com abstrações
quanto o conhecimento científico. O conhecimento, portanto, dos povos e populações
tradicionais apresenta, tal qual a ciência, uma ânsia por objetividade que implica
diligências intelectuais e métodos de observação semelhantes aos utilizados pelos
cientistas modernos, não se tratando, pois, de uma forma de conhecimento governada
tão-somente por necessidades práticas, orgânicas ou econômicas. No dizer de Lévi-
Strauss, o objeto da ciência do concerto “não é a ordem prática”, este modo de pensar
correspondendo, ao contrário disso, “a exigências intelectuais ao invés de às
necessidades”: por exemplo, “as espécies animais e vegetais não são conhecidas porque
são úteis; elas são consideradas úteis ou interessantes porque são primeiro
conhecidas”[27]. Em outras palavras, não são as necessidades – físicas, biológicas ou
econômicas – que determinam as práticas sociais e mesmo os eventos históricos, senão
a cultura ou, no dizer de Sahlins, a razão cultural de um dado grupo humano[28].

Esta anotação é imperiosa porque a interpretação do pensamento de Sahlins aqui


apresentada partirá justamente de uma apropriação que tal autor realizara do
reconhecimento, muito caro a Lévi-Strauss, de que o pensamento dos povos que não
vivenciaram o processo civilizatório ocidental obedece a uma lógica própria e racional.
Refiro-me às pesquisas de Sahlins sobre alguns episódios de colonização, especialmente
em “Cosmologias do capitalismo: o setor transpacífico do sistema mundial”, e à análise
do modo peculiar como se dera a relação intercultural colonizadores/colonizados de
conformidade com os elementos culturais dos povos que sofreram a colonização,
recebendo de maneira muito particular as imposições do capitalismo. Sahlins afirma que
os povos colonizados não foram, ou não são, simples vítimas e testemunhas de sua
própria submissão à ordem capitalista; ao contrário, são agentes históricos, autores de
sua própria história que, quando submetidos ao encontro intercultural com o sistema
capitalista, são capazes de integrar a experiência deste sistema de conformidade com a
lógica própria de sua cultura e seu modo de viver: seu próprio sistema de mundo, nas
palavras do antropólogo americano. Sahlins visa demonstrar que as forças capitalistas

6936
são reafirmadas por diversos povos colonizados apesar de tomadas de uma forma
diferencial em relação ao modo como foram concebidas pelos colonizadores e às
finalidades a que estavam originalmente programadas[29]. Por exemplo, nas ilhas
polinésias:

[...] bens ocidentais e até pessoas são frequentemente incorporados enquanto forças
indígenas, em uma espécie de homenagem neolítica à Revolução Industrial.
Mercadorias européias aparecem como sinais de benefícios divinos e concessões
míticas, negociados em trocas e ostentações cerimoniais que são também sacrifícios
costumeiros. Assim sendo, “do ponto de vista nativo”, uma exploração pelo sistema
mundial pode representar um enriquecimento do sistema local. Apesar de haver uma
transferência lucrativa de forças de trabalho para a metrópole, através de valores de
troca desiguais, os povos das terras remotas adquirem mais bens, de extraordinário valor
social, com menos esforços do que jamais poderiam no tempo dos ancestrais. Seguem-
se então as maiores festas, trocas, e cantorias que já aconteceram. E, como isto significa
uma acumulação máxima de benefícios divinos com poderes sociais humanos, o
processo, em sua totalidade, é um desenvolvimento, nos termos da cultura em
questão[30].

As observações e interpretações de Sahlins apontam, por assim dizer, a “positividade”


que o processo de colonização pode representar ao sistema de mundo dos povos
colonizados, ou seja, a reafirmação deste sistema. Naturalmente isto nem sempre virá a
ocorrer (e não ocorreu no caso da China, também observado por Sahlins e que mais
adiante será tratado), no entanto pode ocorrer, como de fato afirma o antropólogo haver
acontecido nas ilhas polinésias. Parte das lutas internas do campo de proteção dos
conhecimentos tradicionais reside justamente na discussão sobre o caráter colonizador –
atuando na reafirmação ou descaracterização dos sistemas de mundo locais dos
colonizados – que os mecanismos da propriedade intelectual podem vir a representar à
cultura e ao modo de vida dos povos tradicionais, ao se transformar um conhecimento
antes não produzido para a comercialização em um conhecimento comercializável, de
acordo com as imposições do capitalismo. Sem embargo, o direito de propriedade
intelectual é um construto jurídico elaborado para atender às demandas e necessidades
sócio-econômicas surgidas no âmbito de uma cultura e forma de vida ordenadas pelas
regras e princípios do sistema do capital. Este direito ao associar-se à proteção dos
conhecimentos tradicionais indubitavelmente imprime relações interculturais entre um
sistema de mundo articulado conforme a lógica do capitalismo e os sistemas de mundo
locais das populações nativas, relações que, na esteira de Sahlins, podem – ao invés de
devem – gerar benefícios a estas populações, sendo tal possibilidade (que não haveria de
ser vista como necessidade) a base argumentativa dos intelectuais que defendem a
associação entre os marcos legais da propriedade intelectual ao resguardo dos
conhecimentos tradicionais.

Portanto, cabe já a pergunta: a partir de uma interpretação de Sahlins, poder-se-ia


afirmar que não há a priori, talvez somente após uma análise mais rigorosa de fatos
concretos, razões suficientes para não se associar o direito de propriedade intelectual, ou
mais amplamente os interesses comerciais e individualistas caros ao capitalismo, à

6937
proteção dos conhecimentos tradicionais? A resposta a esta pergunta requer uma análise
mais minuciosa do pensamento de Sahlins, e apenas um esboço desta análise é possível
se oferecer aqui. Este esboço segue abaixo.

A primeira reflexão que é interessante de identificar no pensamento de Sahlins respeita


às relações econômicas nas sociedades alheias ao processo civilizatório ocidental (esta
reflexão sendo especialmente relevante para o presente estudo em razão de uma certa
prevenção, declarada ou não, de alguns agentes do campo de proteção dos
conhecimentos tradicionais quanto à identificação de uma economia, ou mais
propriamente um comércio, no sistema de mundo das populações nativas). Obviamente
que não se está a falar de relações econômicas no sentido capitalista, mas sim de um
modo de produção orientado geralmente pelo parentesco. “O parentesco é, ao mesmo
tempo, ‘superestrutura’, na perspectiva do materialismo clássico, e base na estrutura da
sociedade tribal”[31]. Sahlins faz referência aos conceitos marxistas de superestrutura e
infra-estrutura, onde esta constitui a estrutura econômica da sociedade e aquela a vida
política e jurídica a que correspondem formas definidas na consciência social. Para Karl
Marx, o modo de produção da vida material, isto é, a infra-estrutura, determina o caráter
geral dos processos de vida social, política e intelectual, ou seja, a superestrutura. No
caso das sociedades tribais, porém, tal divisão estrutural não é tão clara, pensa Sahlins,
as relações sociais sendo ordenadas por um único e consistente sistema, que é o
parentesco. O antropólogo americano resgata o caso da sociedade Tale, analisado por
Peter Worsley, para clarear sua percepção:

Por volta dos nove ou dez anos, por exemplo, as crianças Tale começam a participar da
economia doméstica, sob a autoridade paterna. É “durante este período”, escreve
Worsley, “que a identificação de pai e filho, que dá forma e força ao sistema de
linhagem, começa a desenvolver-se [...]. De igual modo, é porque dividem a comida e
trabalham juntos que os irmãos desenvolvem aquela “solidariedade fraterna”, que é a
garantia da linhagem. A “base prática” da submissão e do afeto é o valor econômico da
terra, da mesma forma que é a base do desengajamento quando a terra é escassa [...].
Neste sentido, a partir de algumas observações semelhantes, Worsley conclui: “O
sistema de relações de parentesco é o sistema unificador na vida Tale. Mas ele próprio é
também a forma de expressão de atividades econômicas... Eu afirmo que o sistema
determinante significativo é o sistema econômico, incluindo produção, distribuição e
consumo”[32].

Observações como estas levam Sahlins a afirmar, no caso da sociedade Tale, que os
“agricultores tallensi não se relacionam como pai e filho pela maneira como entram na
produção”, mas sim “eles entram na produção porque se relacionam como pai e
filho”[33]. Trata-se de uma forma de relação econômica bastante peculiar e ordenada
pelo parentesco que não se encaixa, sem alguma reformulação teórica, na compreensão
marxista clássica, por ser esta uma teoria datada historicamente e situada culturalmente,
pensada para compreender fenômenos próprios a sociedades ocidentais, particularmente
européias, do século XIX. Ainda assim, não há como não perceber relações econômicas
nas sociedades tribais, mesmo que determinadas pelo parentesco. Daí a necessidade, já
ressaltada por Maurice Godelier, de a antropologia compreender a importância relativa

6938
das relações econômicas na lógica do funcionamento e da evolução das sociedades[34].
Para o caso da relação intercultural entre conhecimentos tradicionais e direito de
propriedade intelectual, a compreensão da economia local das populações detentoras
daqueles conhecimentos é particularmente importante para se averiguar que tipos de
impactos sobre o modo econômico de viver destes povos a comercialização de seu saber
vem a acarretar, já que um dos principais pontos de discórdia sobre a questão reside
justamente nos juízos que dão os agentes acerca da “positividade” – reafirmação do
sistema de mundo local – ou “negatividade” – descaracterização deste sistema – de se
tornar conhecimentos antes não-comercializados em comercializáveis. Aliás, é relevante
notar em que medida o comércio não integra a vida econômica destas populações, pois,
como afirma Sahlins, em dadas circunstâncias – qual a do chefe maori –, até mesmo
trocas rituais podem ser tomadas localmente como comércio[35].

A segunda reflexão que pode ser abstraída da obra de Sahlins diz respeito mais
propriamente às relações de interculturalidade entre povos colonizadores e povos
colonizados e a forma como estes, de acordo com seu sistema de mundo, tomam a
presença e intervenção daqueles que lhes colonizam. Sahlins parte do reconhecimento
de que cada ordem cultural tem um modelo próprio de ação, consciência e determinação
histórica, ou seja, práticas históricas peculiares, cada sociedade possuindo sua vida e
trajetória próprias[36]. Somente a partir deste reconhecimento é que se torna viável
entender os processos históricos das sociedades para as quais a colonização se dera
como reafirmação do sistema de mundo local. É o caso dos países de Fiji e o mito do
rei-estrangeiro. Para os povos de Fiji a “soberania aparece como vinda do exterior da
sociedade”, o rei sendo um estrangeiro, uma figura aterrorizante que é domesticada pela
população nativa, morta simbolicamente e ressuscitada sob a forma de um deus
local[37]. Este caso ocorrera com o capitão inglês Cook, em viagem colonizadora ao
Havaí:

Para os havaianos, Cook havia sido mito antes de tornar-se evento, já que o mito foi a
moldura para sua aparição. Cook surge nas ilhas proveniente de Kahiki, domínio celeste
e invisível do além-horizonte, fonte lendária dos grandes deuses, de antigos reis e das
coisas boas da cultura. Espaço produtivo natural, Kahiki também era o tempo original.
E, assim, os havaianos receberam Cook como o reaparecimento de seu Deus-Ano,
Lono, o deus especialmente conhecido como o padroeiro da fertilidade na agricultura.
Esse fato não os impediu de matá-lo no dia 14 de fevereiro de 1779. Tão logo morto,
Cook foi empossado como antecessor divino pelos chefes dominantes do Havaí[38].

Para as referências culturais ocidentais, a crença dos povos polinésios no rei-estrangeiro


vem a parecer sujeição ingênua a um processo de dominação (colonização), em outras
palavras, para usar os termos de Bourdieu, uma violência simbólica em que o
colonizador produz o desconhecimento dos arbitrários de sua ação (ato de dominar) e,
com isso, garante a cumplicidade dos dominados[39]. Todavia, Sahlins não está falando
de violência simbólica, embora não ignore ou desconsidere as intenções do colonizador
estrangeiro. Ao contrário, o antropólogo americano fala efetivamente de um fato social,
de uma crença, bastante comum entre os polinésios, de que os chefes e reis não são
integrantes da população que governam, mesmo que isto soe estranho aos olhos do

6939
ocidente e seus conceitos de soberania e autodeterminação dos povos. Em Fiji o chefe
ou rei é um não-nativo, não é um verdadeiro “filho da terra”, no dizer dos polinésios.
Lembra Sahlins que este fato justifica uma teoria (local) naturalística da dominação,
porque o dominante, por ser naturalmente exterior à cultura doméstica, surge em seu
interior como uma força natural, reafirmando o sistema de mundo local. Isto, porém,
não garante uma chefia ou reinado tranqüilo; diferentemente, a soberania é sempre
problemática e o rei ou chefe está sempre em perigo. Ainda assim, a dominação
permanece justificada e reafirmada culturalmente[40]. É evidente, entretanto, que
haverá quem faça interpretações destes mesmos fenômenos de maneira diversa de
Sahlins, e até o acuse de reacionismo. Mas contra as críticas, o antropólogo defende sua
teoria:

Cientistas sociais freqüentemente vêem em tudo isso uma mistificação do poder,


formulada pelos interesses dominantes. No entanto, enquanto “ideologia dominante”
esta visão é, no mínimo, equivocada, já que, no caso do Capitão Cook ou em outros
análogos antropológicos como o do sacerdote de Nemi, essa ideologia também autoriza
as pessoas a “sentarem-se no chão e contarem tristes estórias das mortes dos reis”. Falar
de uma ideologia motivada por interesses é em primeiro lugar empobrecer de forma
muito triste a descrição desses fatos[41].

Somos advertidos – por Akhil Gupta e James Ferguson, por exemplo – de que ao
celebrar a criatividade histórica dos povos indígenas em face da globalização,
ignoramos a tirania do sistema mundial e assim tornamo-nos cúmplices da dominação
ocidental. Por outro lado, é claro que, quando nos referimos à hegemonia sistemática do
imperialismo, ignoramos as lutas dos povos por sua autonomia cultural e assim
tornamo-nos cúmplices da dominação ocidental[42].

Diante das palavras anteriores, agora já é possível abordar mais detidamente


“Cosmologias do capitalismo”. Já foi dito antes que nesta conferência Sahlins apresenta
as sociedades colonizadas pelos povos capitalistas como autoras de sua própria história,
ao invés de apenas vítimas do capitalismo. A incorporação de elementos da cultura
ocidental, em especial do modo de vida capitalista, produziu nestas sociedades o que
Sahlins define como “desenvolvimento neo-tradicional” ou “develop-man”, por ser uma
forma de desenvolvimento de acordo com o que a cultura destes povos considera digno
de seres humanos. Trata-se de “uma auto realização cultural na escala material, e em
formas materiais nunca dantes conhecidas”, o que não representa uma “simples
instalação de relações de mercado capitalistas”. O antropólogo americano tem clareza
de que o que permite ao capitalismo estabelecer uma dominação na esfera cultural é
justamente sua capacidade de reduzir propriedades sociais a valores de mercado. Mas
tal redução nada impede que a cultura local dos povos colonizados seja reafirmada nesta
relação intercultural. Com a colonização, assevera Sahlins, as ilhas polinésias
conheceram um período de significativo desenvolvimento dos projetos hegemônicos
locais, favorecendo as concepções tradicionais de divindade, o que se dera justamente
pela apropriação de mercadorias ocidentais. As forças capitalistas, assim, realizaram-se
(converteram-se) em outras formas e finalidades, bastante distintas do fetichismo da

6940
mercadoria característico dos povos capitalistas, tudo de conformidade com a lógica da
cultura dos polinésios[43].

Nada garante, porém, que os povos não-ocidentais terão sempre reafirmada sua cultura e
modo de vida por meio da sujeição ao colonizador capitalista. Sahlins observa isso no
caso de uma das tentativas inglesas de colonizar a China. Esta tentativa de colonização
consistiu na apresentação, pelos ingleses, de presentes do ocidente aos mandarins,
presentes que eram mercadorias, aliás, exemplares, como diz Sahlins, “do engenho
industrial, destinados a simbolizar a ‘superioridade’ da civilização britânica e a
majestade de Jorge III”. Os presentes, portanto, deviam ser símbolos do progresso da
ciência ocidental e fornecer informações (ensinamentos) ao imperador chinês: eram
signos da preeminência da cultura ocidental, em particular da inglesa. A intenção dos
ingleses era comunicar toda uma cultura intelectual e moral e, evidentemente, colonizar.
A resposta dos chineses foi surpreendente e indignou os mandatários ocidentais:
recusando serem humilhados, os mandarins tomaram os presentes ingleses como
tributos que estavam sendo pagos como que expressando o sincero desejo dos bárbaros
(os ocidentais) de aceder à civilização (a China), as coisas inglesas sendo claramente
inferiores às chinesas (eram, no máximo, “coisas exóticas, raras e estranhas de um
mundo longínquo onde as categorias eram cruzadas, embaralhadas, invertidas e
confundidas”); os chineses admitiram, pois, “que os ingleses podem fazer coisas
extraordinárias – mas os elefantes e outros animais selvagens também podem”[44].

Este “negócio da China”, para Sahlins, confirma sua intuição de que os povos são
autores de sua própria história, autoria esta que se dá de conformidade com a lógica
cultural de cada povo, e não apenas de acordo com as imposições de outros povos. Os
fatos se deram com a China de maneira diversa do caso polinésio exatamente porque
entre os mandarins os estrangeiros não eram tomados como portadores de uma cultura
superior ou como divindade, mas sim como bárbaros que, ao presentearem os chineses,
demonstravam interesse na civilização e, com efeito, em serem colonizados. É
importante salientar que, àquela época, os mandarins tinham interesse em estabelecer
relações comerciais com outros povos, embora tão-somente de consonância com a
lógica econômica interna da sociedade chinesa e não sob imposição da lógica
econômica de outras sociedades[45].

A experiência dos colonizadores capitalistas com os Kwakiutl também foi diversa da


com os polinésios. Ao contrário da lógica capitalista ocidental, os Kwakiutl não
adquiriam poderes pela acumulação de bens de mercado, mas sim se desfazendo destes
bens. Em sendo assim, as relações comerciais com os europeus produzia um
extraordinário “develop-man” ou “desenvolvimento neo-tradicional” que se deu através
da elaboração do sistema de potlatch. No potlatch, conta Sahlins, os índios canadenses
“empilhavam mantas ‘Hudson Bay’ e outras coisas estranhas para distribuições”,
através deste ato manifestando diferentes e misteriosos poderes sagrados. Os “bens”
distribuídos eram peles de animais trabalhadas sob a forma de túnicas que, na
cosmovisão dos referidos índios, quando doadas, gerava-se uma espécie de

6941
reencarnação ritual, pois debaixo das peles os animais são humanos. A distribuição,
portanto, “de peles na forma de mantas recria as vítimas animais em forma humana
viva; e além disso, em grandes quantidades e de modo respeitoso, como bens culturais e
trabalhados”. Os Kwakiutl possuíam, destarte, um respeito ritual pelos despojos dos
animais, aliás é por isso – acreditavam eles – que os animais se lhes entregavam. As
mantas Hudson Bay foram tomadas pelos índios como possuindo poderes ocultos
especiais. No dizer de Sahlins:

Nos potlatches, eram distribuídas pelos chefes para validar seus privilégios e acrescentar
grandeza aos seus nomes. As mantas representavam o grau do chefe em nawalak, um
poder criador genérico que, dizem os mitos, permite matar inimigos sem esforço,
ressuscitar mortos e realizar milagres na caça e na busca de riquezas [...]. Assim, diz-se
que os presentes “engolem” os receptores, que são chefes de outras linhagens (numaym)
e tribos. Aqui estão em jogo certos poderes de inclusão social, ou uma tentativa de
hierarquização, que é também o transcender limites sociais. [...]

[Eis, portanto, um elemento da] política Kwakiutl: os chefes aumentam o “peso” de seus
nomes herdados apropriando-se de privilégios de outras linhagens e tribos; poderes
externos que podiam validar através das distribuições do potlatch, que novamente
“engoliam” os nomes e reivindicações dos outros-rivais[46].

A distribuição pública de mantas vinha a fornecer aos Kwakiutl comparações


quantitativas entre os poderes sagrados de tribos e chefes, o comércio com os povos
capitalistas oferecendo vastas possibilidades de reafirmação do sistema de mundo
indígena, um espetacular desenvolvimento de consonância com a cultura local. É óbvio
que este caso difere do polinésio, pois entre os Kwakiutl não existia a exaltação pelo
estrangeiro; além disso, para os havaianos a aquisição de bens do mercado capitalista
não era voltada para a distribuição, e sim para a acumulação. Dadas as peculiaridades
das ilhas polinésias, seus chefes não queriam apenas os bens europeus, mas igualmente
sua identidade, nomes e hábitos, já que os consideravam superiores e sinônimos de
dignidade: os “brancos” eram vistos como portando poderes civilizatórios e divinos.
Acontece que, como explica Sahlins, no Havaí os poderes sagrados dos ancestrais eram
únicos, não havendo diferenças qualitativas entre os chefes havaianos (todos possuíam a
mesma origem divina) – o que não ocorria com os Kwakiutl –, por isso necessitando
estes chefes se diferenciar entre si, e a colonização foi uma forma de propiciar tal
diferenciação social através do consumo e acumulação de bens de uma natureza
superior aos tradicionais da polinésia: bens europeus. A competição entre os chefes
havaianos e sua avidez tradicionais foi então reafirmada com o sistema capitalista[47].

Até aqui a discussão pode estar conduzindo a uma avaliação “positiva” da associação
entre proteção dos conhecimentos tradicionais e direito de propriedade intelectual, visto
que, se o “nó górdio” da questão é a valoração “negativa” que alguns intelectuais dão à
mercantilização daqueles conhecimentos, então a leitura ora apresentada do pensamento
de Sahlins tem, por enquanto, destacado – exceto no caso da China – a “positividade”
da relação intercultural entre populações tradicionais e sistema capitalista, quer dizer, o
quanto o sistema de mundo dos colonizados pode ser reafirmado com a economia de

6942
mercado. O próprio Sahlins, no entanto, é lúcido a respeito de alguns efeitos desastrosos
para o sistema de mundo nativo que esta relação intercultural pode gerar. Destacarei
apenas tais efeitos para os havaianos, por serem melhor tratados pelo antropólogo
americano. Ávidos por acumular bens europeus, os chefes polinésios, quando não
tinham mais sândalos (seu valor-de-troca) para pagar as mercadorias, emitiam notas
promissórias e endividavam-se. E na economia de mercado logo os nobres do Havaí
demonstraram suas fragilidades perante os comerciantes capitalistas, pois a capacidade
de acumular daqueles era maior do que a de pagar o que consumiam destes, e as dívidas
comerciais só aumentavam. Os chefes começaram a desaparecer, seu sistema
aristocrático tornou-se obsoleto, e, não sabendo valer-se dos recursos sociais
disponíveis para reproduzir seu sistema, passaram a transferir a autoridade para os
“brancos”[48].

Em outras palavras, o caso do Havaí demonstra o seguinte, embora esta não seja uma
conclusão de Sahlins – que é mais otimista do que eu quanto às “positividades” da
colonização capitalista: a curto prazo, a relação intercultural entre este povo tradicional
e o sistema capitalista tendeu a reafirmar o sistema de mundo nativo; a longo prazo,
todavia, tendeu a absorver este sistema no sistema capitalista e, conseqüentemente,
destruir parte do modo de vida e da cosmovisão daquele povo. Evidentemente que, ao
concluir isso, não estou a ignorar a criatividade dos colonizados perante as imposições
dos colonizadores, tão bem destacadas pelo antropólogo americano, nem estou acusando
este de ser cúmplice do colonialismo, mas apenas e tão-somente desejo anotar que a
própria história tem demonstrado, como no caso havaiano, que, por detrás da
criatividade e das aparentes “positividades” relatadas por Sahlins, uma cumplicidade e
um arbitrário residiam, legitimando localmente a violência simbólica[49] dos
colonizadores sobre os colonizados. Naturalmente, é possível e desejável o estudo da
criatividade dos povos periféricos e das reafirmações dos sistemas de mundo locais
promovidas pela incorporação do capitalismo, à la Sahlins – no dizer de Marcos Lanna:
“Sahlins contribui decisivamente para as ciências sociais ao mostrar que os efeitos das
forças materiais globais dependem dos diversos modos como são mediados em
‘esquemas culturais locais’ e que ‘a presente ordem global foi decisivamente moldada
pelos povos periféricos’”[50]. Contudo, não há como negar as perversidades culturais
que não raro subjazem ao processo de colonização, a despeito de toda a imaginação dos
colonizados com relação aos elementos da cultura dos colonizadores. É o que afirma
Lanna: “o capitalismo ora renova estruturas locais (através de alianças, caso dos
ingleses na Índia), ora busca destruí-las (ainda que sem sucesso, caso dos ingleses na
China), ora renova-as e posteriormente as destrói (no Havaí)”[51].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No tocante à proteção dos conhecimentos tradicionais, é possível se inferir, a partir do


que foi relatado acima, principalmente em razão do desejo – que não deve ser ignorado
nem sequer repreendido – de algumas populações tradicionais de estabelecer relações
comerciais com setores dominantes do sistema capitalista (tais como as indústrias

6943
biotecnológicas), inclusive com o intuito de reafirmar os sistemas de mundo locais, que
não se demonstra uma alternativa metodologicamente adequada o afastamento a priori
da possibilidade de relações fecundas entre populações nativas e economia de mercado,
legando aquelas ao estado de isolamento – como se fossem grupos sociais que não
conhecem valor-de-troca, senão apenas valor-de-uso de seus produtos – e confundindo
proteção com folclorização dos saberes nativos. Por outro lado, seria
metodologicamente ingênuo, da mesma forma, aprioristicamente concluir que as
interações entre os sistemas de mundo tradicionais e o capitalista sempre contribuiriam
para o desenvolvimento dos primeiros, ignorando assim as perversidades dos processos
de colonização. Os debates em torno da proteção dos saberes tradicionais, conforme
visto alhures, tendem a incorrer nestas duas extremidades de pensamento, pois a
afirmação do sistema sui generis significa, em outras palavras, que o consentimento
prévio informado e a repartição de benefícios, que só fazem sentido se considerados e
reproduzidos os direitos de propriedade intelectual, produziriam necessariamente, como
o próprio termo já insinua, benefícios às populações detentoras dos conhecimentos
apropriados; já a negação do sistema sui generis no mais das vezes é inclinada a
considerar invariavelmente depreciativas para as populações tradicionais as associações
entre seus conhecimentos e a concepção ocidental capitalista de propriedade privada,
incluindo a intelectual.

Uma alternativa mais aproximada da realidade das populações nativas parece indicar a
necessidade de se reconhecer suas relações econômicas, inclusive suas trocas
monetárias e de mercadorias, com setores capitalistas, ainda que, com isso, não percam
a característica de grupos sociais tradicionais, posto que intentam, através destas
relações, reafirmar seus projetos locais e cosmovisões diante do mundo moderno. E, de
fato, como demonstrara Sahlins, em algumas circunstâncias tal intento vem a ser bem
sucedido ao se re-significar elementos da cultura dos povos capitalistas de sorte a
produzir desenvolvimento do ponto de vista da cultura nativa. Todavia, a alternativa de
que trato também deve considerar que, apesar do reconhecimento de possíveis relações
férteis, o contato entre populações tradicionais e interesses capitalistas são sempre
tendentes a favorecer estes em detrimento daqueles, dada a vulnerabilidade das forças
locais perante a economia de mercado. Se são praticamente inevitáveis e, em certos
casos, até desejáveis aproximações entre os sistemas tradicionais e o capitalista, então o
que se deve buscar garantir é que neste contato as populações nativas não sejam apenas
compensadas pelas perdas (ou mesmo “furtos”) que sofrem – tendência do atual sistema
sui generis –, mas, muito para além disso, que seus projetos e interesses sejam
contemplados e reafirmados, isto é, que sejam resguardadas e promovidas as condições
de produção e reprodução material e simbólica das culturas e modos de viver
tradicionais. Muitos caminhos, naturalmente, podem ser pensados para atingir este
objetivo. No entanto, penso que, antes de quaisquer outras elucubrações teóricas, há que
se compreender as representações que as próprias populações nativas estruturam no que
respeita à salvaguarda de suas tradições e as práticas que têm historicamente
desenvolvido para alcançar tal fim.

REFERÊNCIAS

6944
BELAS, Carla Arouca. Gestão da propriedade intelectual e da transferência de
tecnologia nas instituições de ensino e pesquisa: a experiência do Núcleo de
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[1] SHIVAS, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento.


Petrópolis: Vozes, 2001. p. 146.

[2] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 8. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

[3] WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.


Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4. ed. Brasília, DF: UnB; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999. v. 1.

[4] BELAS, Carla Arouca. Gestão da propriedade intelectual e da transferência de


tecnologia nas instituições de ensino e pesquisa: a experiência do Núcleo de
Propriedade intelectual MPEG. In: MOREIRA, Eliane, BELAS, Carla Arouca e
BARROS, Benedita (orgs.). Saber local / interesse global: propriedade intelectual,
biodiversidade e conhecimento tradicional na Amazônia. Belém: CESUPA; MPEG,
2005.

[5] SHIVAS, Vandana. Biodiversidade, direitos de propriedade intelectual e


globalização. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Semear outras soluções: os
caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.

[6] Idem, 2001. p. 27.

[7] FIRESTONE, Laurel. Consentimento prévio informado: princípios orientadores e


modelos concretos. In: LIMA, André e BENSUSAN, Nurit (orgs.). Quem cala
consente? Subsídios para a proteção aos conhecimentos tradicionais. São Paulo: ISA,
2003.

[8] FLORÉZ, Margarita. Conocimiento tradicional: objeto o sujeto de investigación? In:


MATHIAS, Fernando e NOVION, Henry de (orgs.). As encruzilhadas das
modernidades: debates sobre biodiversidade, tecnociência e cultura. São Paulo: ISA,
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[9] HARRY, Debra. Protegendo o conhecimento os povos indígenas na pesquisa. In:


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modernidades: debates sobre biodiversidade, tecnociência e cultura. São Paulo: ISA,
2006. p. 127.

[10] SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis,


2005. p. 222.

[11] Idem, ibidem. p. 233.

6947
[12] Idem, ibidem. p. 224.

[13] FIRESTONE, 2003.

[14] SANTILLI. 2005. p. 234.

[15] MOREIRA, Eliane. Relação entre propriedade intelectual e biodiversidade. In:


MOREIRA, Eliane, BELAS, Carla Arouca e BARROS, Benedita (orgs.). Saber local /
interesse global: propriedade intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional na
Amazônia. Belém: CESUPA; MPEG, 2005.

[16] FARIA, Vanessa Dolce de. Acordos internacionais TRIPS e CDB. In: MOREIRA,
Eliane, BELAS, Carla Arouca e BARROS, Benedita (orgs.). Saber local / interesse
global: propriedade intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional na
Amazônia. Belém: CESUPA; MPEG, 2005. p. 51.

[17] SOARES, Gysele Amanajás. Proteção ou comercialização dos conhecimentos


tradicionais? Dissertação de Mestrado. Belém: UNAMA, 2006.

[18] CASTRO, Edna. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais.


In: CASTRO, Edna e FLORENCE, Pinton (orgs.). Faces do trópico úmido: conceitos
e novas questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém: Cejup; UFPA-
NAEA, 1997. pp. 230-1.

[19] SOARES, 2006.

[20] FLORÉZ, Margarita. Proteção do conhecimento tradicional? In: SANTOS,


Boaventura de Sousa (org.). Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e
dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 311.

[21] DERANI, Cristiane. Patrimônio genético e conhecimento tradicional associado:


considerações sobre seu acesso. In: LIMA, André (org.). O direito para o Brasil
socioambiental. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. pp. 157-8.

[22] BOURDIEU, 2005.

[23] TAPUIA, Iza Roná dos Santos. Coica y el consentimiento previo. In: MOREIRA,
Eliane et al (orgs.). Patrimônio cultural e propriedade intelectual: proteção do
conhecimento e das expressões culturais tradicionais. Belém: CESUPA; MPEG, 2005.
p. 18.

[24] TERENA, Jorge. A experiência do Núcleo de Propriedade Intelectual Indígena. In:


MOREIRA, Eliane, BELAS, Carla Arouca e BARROS, Benedita (orgs.). Saber local /
interesse global: propriedade intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional na
Amazônia. Belém: CESUPA; MPEG, 2005. p. 164.

[25] KAINGANG, Fernanda. À guisa... In: MATHIAS, Fernando e NOVION, Henry de


(orgs.). As encruzilhadas das modernidades: debates sobre biodiversidade,
tecnociência e cultura. São Paulo: ISA, 2006. p. 47.

6948
[26] Apud LIMA, André e BENSUSAN, Nurit (orgs.). Quem cala consente? Subsídios
para a proteção aos conhecimentos tradicionais. São Paulo: ISA, 2003. pp. 289-290.

[27] LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Trad. Tânia Pellegrini. 6. ed.


Campinas, SP: Papirus, 2006. p. 24.

[28] SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Trad. Tadeu de Niemayer


Lamarão. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

[29] Idem. Cosmologias do capitalismo: o setor transpacífico do sistema mundial.


Conferência apresentada à Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Campinas,
SP, de 27 a 30 de mar. de 1988.

[30] Idem, ibidem.

[31] Idem, 1979, p. 18.

[32] Idem, ibidem. p. 20.

[33] Idem, 1979, p. 21.

[34] GODELIER, Maurice. Antropologia e economia. In: Horizontes da antropologia.


Lisboa: Edições 70, 1973.

[35] SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Trad. Bárbara Sette. Rio de Janeiro: Zahar,
1990.

[36] Idem, ibidem.

[37] Idem, ibidem. p. 106.

[38] Idem, ibidem. pp. 106-7.

[39] BOURDIEU, 2005.

[40] SAHLINS, 1990.

[41] Idem, ibidem, p. 113.

[42] Idem, Esperando Foucault, ainda. Trad. Marcela Coelho de Souza e Eduardo
Viveiros de Castro. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 68.

[43] Idem, 1988.

[44] Idem, ibidem.

[45] Idem, ibidem.

[46] Idem, ibidem.

6949
[47] Idem, ibidem.

[48] Idem, ibidem.

[49] BOURDIEU, 2005.

[50] LANNA, Marcos. Sobre Marshall Sahlins e as “Cosmologias do capitalismo”.


Revista Mana. N. 7. 2001. p. 123

[51] Idem, ibidem. p. 125.

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