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brasileiros
Retratos de um país plural
Copyright © 2012 desta edição, Casa da Palavra e Conservação Internacional
Copyright © 2012 individual dos autores
Revisão
ANDRE GUIMARÃES CASA DA PALAVRA EDITORIAL
Av. Calógeras, 6, sala 1.001, Centro
PEDRO NÓBREGA Diretor Sênior de Biomas Rio de Janeiro – RJ – 20030-070
PENHA DUTRA L U I Z PA U LO P I N T O Tel.: (21) 2222-3167 | Fax: (21) 2224-7461
Versão em inglês divulga@casadapalavra.com.br
Diretor Sênior de Política
VICENTE PITHAN BURZLAFF www.casadapalavra.com.br
VA L M I R O R T E G A
(Mata Atlântica e Cerrado)
G L E N N H AY N E S Diretora de Comunicação
(demais textos) ISABELA DE LIMA SANTOS
A
p r i m e i r a v i s ã o que os navegantes portugueses tive-
ram do Brasil, ao se aproximarem da costa baiana no
ano de 1500, era composta de praia, mata e montanhas.
Como Pero Vaz de Caminha viria a descrever mais tar-
de, “uma visão do paraíso”. O que ele e os demais na-
vegantes talvez não imaginassem naquele momento é
que, por trás daquela imensa cortina verde, haveria ainda mui-
tas outras visões paradisíacas. Além das praias e florestas, se
descortinariam também campos, savanas, zonas úmidas, zonas
áridas. O paraíso abrigava ainda várias nações indígenas, guar-
dava riquezas inexploradas e – isso certamente os navegantes
não imaginavam – se transformaria no lar para povos oriundos
de todos os cantos do mundo. No Brasil, estes povos encontra-
riam o ambiente adequado para se misturarem, se mesclarem
e, assim, darem origem a outro povo com cultura própria, forte
identidade nacional e – é o nosso argumento neste livro – um
destino: construir no terceiro milênio um novo e duradouro
modelo de vida no planeta. Um modelo em que o bem-estar hu-
mano e a conservação da natureza andem lado a lado e depen-
dam um do outro. Uma civilização com práticas sustentáveis e
inclusivas mas, principalmente, alegre, criativa, próspera e res-
peitosa de outras civilizações. Acreditamos que esse modelo de
civilização está em construção. Este livro descreve o pano de
fundo dessa construção em curso, ou seja, os biomas brasilei-
ros, com seus povos, sua biodiversidade e os desafios existentes
para conciliar o bem-estar das pessoas com a manutenção da
riqueza natural.
Biomas Brasileiros
Biomas são regiões biogeográficas moldadas pelo clima e que péssima distribuição de renda. Enquanto alguns poucos muni-
se distinguem uns dos outros por uma coleção única de ecossis- cípios possuem desenvolvimento humano análogo ao de países
temas e espécies.1 Os biomas, portanto, acabam por ter uma fisio- europeus ricos, uma maioria (45%) persiste em condição de po-
nomia relativamente homogênea, mas com variações internas. breza, sendo que muitos destes se encontram na Caatinga e na
O Brasil possui oficialmente seis biomas continentais, e aqui tra- Amazônia. A maior concentração de habitantes é na Mata Atlân-
tamos os ambientes marinhos como o sétimo bioma. Neste livro, tica e agora adentra o Cerrado. É justamente nestes dois biomas
a proposta é apresentar os biomas brasileiros como um proces- que se concentram também a economia, a tecnologia e grande
so de redescobrimento do Brasil, ou seja, conforme sua sequên- parte da capacidade humana, o que contrasta com a já significati-
cia de ocupação. Assim, iniciamos o percurso pela Mata Atlânti- va degradação dessas regiões. O Brasil assistiu a um crescimento
ca, por onde chegaram os portugueses, adentramos o interior do espantoso em sua produção científica e na formação de profis-
país – conhecendo a Caatinga como os sertanejos – subimos para sionais em nível de pós-graduação ao longo dos últimos 15 anos.
a Amazônia, depois passamos pelo Cerrado como os bandeirantes, Hoje o país é a 13ª ciência do mundo em produção de artigos e, só
descemos pelo Pantanal em direção aos Campos do Sul (ou Pam- em áreas ligadas à biodiversidade, forma um doutor por dia. Por
pas) e, finalmente, retornamos aos biomas Costeiro e Marinho, outro lado, estima-se que o Brasil tenha cerca de 20% de analfa-
a nova frente de crescimento para o Brasil. betos funcionais.5 Além disso, toda a grande produção científica
Em conjunto, os biomas brasileiros abrigam cerca de 20% das contrasta com uma tomada de decisão política na área socioam-
espécies do planeta, protegem 12% da água doce do mundo e dão biental no mínimo questionável, que tem resultado em desmata-
uma significativa contribuição para a estocagem de carbono e, con- mento, poluição de corpos d’água, emissão elevada de gases estu-
sequentemente, para a estabilidade do clima. Adicionalmente, a ri- fa, desrespeito aos direitos humanos e assim por diante.6
queza do solo e a amenidade climática permitem ao Brasil ser uma
das maiores produções mundiais de alimento, assim como uma das M u da n ç a s c l i m á t i c a s
maiores reservas de minério, petróleo e gás. Por outro lado, essa
fantástica riqueza natural sofre ameaças. A Mata Atlântica, onde O avanço no mau uso dos recursos naturais e a consequente de-
hoje vivem mais de 60% dos brasileiros, foi reduzida a algo em torno gradação ambiental, combinados com pobreza e desigualdade so-
de 12% da sua cobertura original,2 o que a torna um hotspot de bio- cial, compõem o mosaico socioambiental que hoje caracteriza o
diversidade, ou seja, um bioma de grande diversidade, alta taxa de Brasil. Para o futuro, o IPCC 7 projeta cenários de aumento da tem-
espécies com ocorrência restrita a esse ambiente e alto grau de de- peratura média do planeta que indicam mudanças profundas no
gradação. O Cerrado – o outro hotspot de biodiversidade brasileiro sistema vivo, catástrofes ambientais e efeitos danosos sobre as
– já tem mais da metade de sua cobertura original profundamente populações humanas. Os mais vulneráveis a essas mudanças cli-
alterada e a expansão da fronteira agrícola segue sendo uma grande máticas são justamente os mais pobres, especialmente devido ao
ameaça à integridade desse bioma. A Caatinga conta com uma das fato de hoje já não possuírem boas condições de vida, incluindo
menores extensões de área protegida entre os biomas brasileiros e saúde, educação e infraestrutura. Em outras palavras, a melhor
uma das maiores taxas de desmatamento. Os Campos do Sul têm forma de se adaptar às mudanças climáticas em curso, é se de-
sido velozmente substituídos por florestas artificiais. O Pantanal senvolver, reduzir a pobreza e manter o sistema que tampona as
apresenta índices expressivos de desmatamento. Os biomas Costei- mudanças climáticas: o sistema biológico.
ro e Marinho, historicamente aqueles menos protegidos pelo Brasil, Para se ter uma ideia da magnitude prevista dos efeitos das mu-
sofrem com cerca de 80% de suas espécies de pescado ameaçadas danças climáticas, por exemplo, a projeção de valores globais de
de extinção, e ainda terão de lidar com a expansão na exploração do extinção de espécies é de 15 a 37% de perdas até 2050, incluindo
petróleo do pré-sal nos próximos anos. A Amazônia tem visto uma os biomas Amazônia e Cerrado em diferentes cenários.8 A perda
redução nas taxas de desmatamento, mas esse segue sendo um pro- de espécies e o declínio de populações previstas estão relaciona-
blema, responsável não apenas pela perda de espécies, mas também dos às projeções de mudanças de temperatura e pluviosidade. Até
pela maior proporção de emissão de gases estufa do Brasil.3 o ano 2100 está previsto aquecimento de 4 a 6% na América do Sul
Quando examinamos sob o ponto de vista socioeconômico, o continental e redução nas chuvas com decorrente seca nas bacias
quadro também é plural e muitas vezes contraditório. O Brasil da Amazônia Oriental e do São Francisco. Esse efeito recai sobre
hoje é a sexta maior economia do planeta, mas ao mesmo tem- as espécies e, por fim, sobre as próprias populações humanas. No
po ostenta uma pífia 84ª posição no ranking global do Índice de caso do Cerrado, cenários climáticos para 2080 indicam perdas
Desenvolvimento Humano,4 em grande parte decorrente de uma expressivas de ambientes apropriados para o pequi (Caryocar
10
Biomas Brasileiros
brasiliense Camb. [Caryocaraceae]), planta nativa importante à riqueza natural ainda vasta, o Brasil tem a chance de adotar um
economia de municípios pobres na região.9 Outro exemplo são as modelo de desenvolvimento que concilia o bem-estar das pesso-
projeções que dão conta de que vetores de leishmaniose podem, as e a integridade da natureza, no qual as riquezas e a renda se-
com as mudanças climáticas, migrar para regiões onde previa- jam geradas a partir dos próprios recursos naturais e de maneira
mente não existiam.10 a não degradá-los. Esse modelo é o que muitos chamam de desen-
Adaptação às mudanças climáticas são ajustes em sistemas volvimento sustentável e dá o mesmo peso aos pilares econômico,
humanos ou naturais, incluindo estruturas, processos e práti- social e ambiental do desenvolvimento.
cas, que em tese permitiriam à espécie humana lidar com os po- É significativo que o ano de publicação desse livro, 2012, seja
tenciais efeitos das alterações no clima. Como exposto acima, o também o ano no qual o Brasil sediou no Rio de Janeiro a Confe-
desenvolvimento e a redução da pobreza são duas das melhores rência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável
formas de se adaptar aos efeitos das mudanças em curso. Os vá- – a chamada Rio+20. O tema central da conferência foi o desen-
rios capítulos desse livro, entretanto, trazem alguns exemplos da volvimento sustentável e a chamada economia verde.14 Essa cú-
chamada “adaptação baseada nos ecossistemas”, isto é, o subcon- pula global se deu 20 anos depois do encontro chamado Rio 92,
junto de práticas e políticas que se baseiam na premissa de que no qual nasceram as três convenções que tratam diretamente do
serviços ambientais reduzem a vulnerabilidade das sociedades tema da sustentabilidade: a convenção da biodiversidade, a do
à mudança climática.11 Serviços ambientais são os componentes clima e a do combate à desertificação. O Brasil tem sido uma im-
dos ecossistemas usados de maneira ativa ou passiva para pro- portante voz nessas convenções e os dois eventos no Rio marcam
duzir bem-estar humano. Tais serviços podem ser classificados essa liderança. Agora, o país tem a oportunidade única de migrar,
em quatro tipos: serviços de provisão (e.g. comida, fibra, água de uma liderança por meio de discurso e negociação, para uma
doce), de regulação (e.g. estabilidade climática, evitando explo- liderança pelo exemplo.15
são populacional de vetores de doenças), serviços de suporte (e.g.
formação de solo, produção de biomassa) e serviços culturais R e t r ato s q u e a j u da m
(e.g. valores estéticos, religiosos, diversidade linguística).12 Es- a m o n ta r u m f i l m e
quemas como o pagamento por serviços ambientais e o manejo
comunitário começam a surgir no Brasil e se encaixam no con- No início deste texto afirmamos que o Brasil tem a vocação
ceito de adaptação baseada em ecossistemas. Exemplos são da- para construir, no terceiro milênio, um novo modelo de vida no pla-
dos ao longo dos capítulos desse livro. O princípio no qual esses neta; um modelo que, quando concretizado, seria análogo a um fil-
esquemas se baseiam é o da valoração dos serviços ambientais, me. Hoje, o que temos são apenas retratos, fotografias ainda frag-
que reflete os benefícios econômicos e culturais derivados da mentadas e que precisam de um encadeamento lógico para permitir
interação homem-ecossistema e a capacidade dos ecossistemas a montagem de um novo filme. Isso explica o título que escolhemos
em assegurar o fluxo desses benefícios no futuro.13 para esta obra: os capítulos aqui apresentados compõem um con-
junto de retratos desse país plural. Agora, o Brasil tem a oportuni-
U m n ovo m o d e lo dade de se transformar em um filme que projeta um novo futuro.
Ainda são poucos e pontuais, no Brasil e no mundo, os exemplos
Sabe-se que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Bra- de harmonia homem-natureza, de produção efetivamente sus-
sil (e por boa parte do mundo ocidental) até aqui não resultou em tentável, de sustentabilidade e responsabilidade no consumo, de
bem-estar para a população como um todo. Esse modelo se ba- mercados que valorizem o custo dos serviços que a natureza pres-
seia no uso não sustentável de recursos naturais para a geração ta, de financiamentos verdes e de instituições com princípios e
de renda. O resultado é que 55% do território brasileiro já foi pro- práticas baseados, de forma equânime, no tripé social-econômico-
fundamente alterado e o desenvolvimento humano e infraestru- ambiental. Todavia, já começam a emergir no país alguns desses
tural no país ainda está abaixo do que se esperaria para a sexta exemplos, tanto em escala local quanto nacional. O estado do Ama-
economia do mundo. pá tem demonstrado crescimento no seu IDH depois de ter prote-
O Brasil se encontra em uma encruzilhada: tem a opção de se- gido mais de 70% de seu território em unidades de conservação e
guir o modelo atual (degradando mais recursos ambientais sem terras indígenas. No Amazonas, comunidades tradicionais são re-
necessariamente garantir um panorama socioeconômico justo, muneradas por protegerem florestas nativas e os serviços ambien-
equilibrado e inclusivo) ou mudar o paradigma de desenvolvi- tais por elas prestados. Alguns estados e municípios no Cerrado e
mento. Reside aí uma grande oportunidade para o país. Com uma na Mata Atlântica têm demonstrado que a produção pode ser mais
11
Biomas Brasileiros
sustentável quando áreas naturais são recuperadas ou protegidas. 2 Ribeiro, M.C., Metzger, J.P., Martensen, A.C., Ponzoni, F., Hirota, M.M.,
O Pantanal e os Campos do Sul são demonstrações seculares de que 2009. Brazilian Atlantic forest: how much is left and how is the remaining
forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation
a produção pode se dar sem prejuízo ou até em benefício ao meio
142: 1141–1153.
ambiente. A Caatinga demonstra criatividade no bom uso da água 3 Scientific American Brasil. 2010. Numero 39. Edição especial: Biodiversi-
e da lenha e na consequente melhora da condição de vida de alguns dade do Brasil.
de seus habitantes. Entre 2003 e 2008, o Brasil criou mais de 70% 4 O IDH , Índice de Desenvolvimento Humano, é uma medida do PNUD , agên-
do total da área protegida no planeta. Em 2010, o país lançou o mo- cia de desenvolvimento da ONU , que avalia o bem-estar das pessoas a partir
derno programa de agricultura de baixo carbono e agora, em 2012, de variáveis ligadas a renda, emprego, saúde e educação.
5 Analfabeto funcional é a pessoa que, apesar de compreender minimamen-
estabeleceu critérios de sustentabilidade para compras públicas
te os códigos de uma linguagem, não é capaz de desenvolvê-los a ponto de
que em muito reduzirão o incentivo a práticas danosas ao meio am- corresponder às necessidades do cotidiano (apresenta dificuldades, por
biente e incentivarão a geração de produtos e empregos verdes. exemplo, em escrever uma carta).
A grande questão para os próximos anos é: como esses bons 6 Scarano FR, Guimarães A, Silva JMC. 2012. Leading by example. Nature
exemplos podem ganhar escala, migrar do regional para o nacio- 486: 25-26.
nal, fazer parte da legislação nacional e, quem sabe, chegar até 7 IPCC –Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. 2007. Climate
change – summary for policymakers: synthesis report.
mesmo ao ponto de influenciar políticas globais? Para isso, se- 8 Thomas C.D., Cameron A., Green R.E., Bakkenes M., Beaumont L.J.,
rão necessários, cada vez mais, cidadãos e dirigentes criativos e Collingham Y.C., Erasmus B.F.N., Siqueira M.F., Grainger A., Hannah L.,
ousados, inovadores e comprometidos com o bem-estar não só Hughes L., Huntley B., van Jaarsveld A.S., Midgley G.F., Miles L., Ortega-
desta geração, mas também das que ainda estão por vir. O retra- -Huerta M.A., Peterson A.T., Phillips O.L., Williams S.E.. 2004. Extinction
to ambiental, o retrato social e o retrato econômico terão de se risk from climate change. Nature 427: 145–148.
9 Nabout J.C., Oliveira G., Magalhães M.R., Terribile L.C., Almeida F.A.S..
transformar no filme do desenvolvimento sustentável. Os retra-
2011. Global climate change and the production of “pequi” fruits (Caryo-
tos da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga, da Amazônia, do car brasiliense) in the Brazilian Cerrado. Natureza e Conservaçao 9 [doi:
Pantanal, dos Campos do Sul e dos biomas Costeiro e Marinho, 10.4322/natcon.00901001]
precisam se transformar no filme do Brasil, o qual pode vir a ser 10 Peterson AT, Shaw J. 2003. Lutzomyia vectors for cutaneous leishmania-
– assim se espera – a base para uma produção maior, para o ver- sis in Southern Brazil: ecological niche models, predicted geographic distri-
dadeiro campeão de bilheteria: o filme da nova civilização global. butions, and climate change effects. International Journal for Parasitology
33:919-931.
Este terá um cenário diferenciado, em que o homem e a natureza
11 Vignola R, Locatelli B, Martinez C, Imbach P. 2009. Ecosystem-based
não serão mais separados por cercas, e no qual não haverá barrei- adaptation to climate change: what role for policy-makers, society and
ras ou fronteiras que distanciem os homens uns dos outros., scientists? Mitigation and Adaptation Strategies to Global Change 14:
Em outro livro da Casa da Palavra,16 Flora brasileira, publicado 691–696.
há alguns anos, citávamos Saint-Exupéry para lembrar que a essên- 12 Millenium Ecosystem Assessment 2005. MEA conceptual framework
cia não está nas coisas, mas no nó que ata as coisas. Para construir- (chapter 1). In: Ecosystems and human well-being: Current state and trends,
the millennium ecosystem assessment series volume 1. [Hassan, R., R.
mos um novo cenário para novos tempos, o Brasil já tem as “coisas” Scholes, and N. Ash(eds.)]. Island Press, Washington DC , USA .
– natureza generosa, povo criativo – agora precisa dos “nós”. Esse 13 Abson DJ, Termansen M. 2011. Valuing ecosystem services in terms of
livro tem por objetivo motivá-lo, leitor, a sair em busca desses “nós” ecological risks and returns. 25(2), 250-258
e ser mais um operário na construção do novo mundo. 14 Economia verde, segundo a agência das Nações Unidas para o meio am-
biente (PNUMA ), é a economia que promove bem-estar humano e igualdade
social, enquanto reduz significativamente riscos ambientais e escassez eco-
n ota s lógica. Dessa forma, ela pode ser vista como a trajetória que leva ao desen-
volvimento sustentável.
1 Hoekstra J.M., Boucher T.M., Ricketts T.H., Roberts, C.. 2005. Confronting 15 Scarano , Guimarães e Silva ibid.
a biome crisis: global disparities of habitat loss and protection. Ecology Let- 16 Scarano F.R.. Patrimônio florístico brasileiro. In: Flora Brasileira: his-
ters 8: 23–29. tória, arte e ciência.Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
12
Biomas Brasileiros
biomas
brasileiros
Retratos de um país plural
13
1
mata atlântica
16
2
cerrado
56
3
caatinga
92
4
amazônia
128
5
pantanal
164
6
campos do sul
200
7
costeiro e marinho
236
os autores e bibliografia
272
versão
283
MATA ATLÂNTICA
1
L u i z Pa u lo P i n to • L ú c i o C a dava l B e d e
M ô n i c a Tava r e s da F o n s e c a • I va n a R e i s L a m a s
C a r lo s Alb e r to B e r n a r d o M e s q u i ta • A d r i a n o P e r e i r a Pag l i a
T i ag o C i s a lp i n o P i n h e i r o • M a r c e l e B a s to s d e S á
D
o n a d e u m a das mais impressionantes diversidades bio-
lógicas do planeta e cenário dos principais cartões-pos-
tais do país, a Mata Atlântica forma um dos dois blocos de
florestas tropicais do Brasil. Separada da Amazônia pelo
Cerrado e pela Caatinga (caracterizados por vegetações
abertas), a Mata Atlântica foi reconhecida pela UNESCO
como Reserva da Biosfera por ser um ambiente megadiverso
composto por um amplo complexo de regiões com formações ve-
getacionais e geológicas férteis e exuberantes.
Um aspecto impressionante da Mata Atlântica é que parte
expressiva da sua fauna e flora é endêmica, ou seja, não ocorre
em nenhum outro lugar do planeta. Estima-se que aproximada-
mente 946 espécies de vertebrados e 7.155 de plantas vasculares
(plantas que possuem tecidos especializados para transportar o
alimento de suas células), respectivamente 43% e 45% do total
de espécies, são restritas a esse bioma. Para alguns grupos, essa
exclusividade é ainda mais forte, como 90% das espécies de pri-
matas e 80% das espécies de bromélias.
Num total de 2.208 espécies de vertebrados registrados
pela ciência, contam-se cerca de 990 espécies de aves, 370 es-
pécies de anfíbios, 200 de répteis, 298 de mamíferos e 350
espécies de peixes. Isso significa que na Mata Atlântica, que
representa 0,8% da superfície terrestre do planeta, estão pre-
sentes mais de 5% das espécies de vertebrados do mundo. Sua
flora também é exuberante, tendo sido estimadas mais de
15.700 espécies presentes no bioma, ou seja, cerca de 5% da flo-
ra mundial.1 Como comparação, a Mata Atlântica possui mais
bioma Mata Atlântica estados abrangentes
espécies de plantas do que todos os países da Europa juntos conhecimento de parte significativa de sua biodiversidade. Para
(12.500 espécies). se ter uma ideia do potencial a ser estudado, entre 1990 e 2006,
Para entender essa enorme diversidade biológica é preciso vol- registraram-se mais de 1.190 novas espécies de plantas na Mata
tar a milhões de anos na formação do que são hoje o Nordeste, o Atlântica,4 além de várias espécies de mamíferos e de aves que fo-
Leste e o Sul do Brasil. Como as florestas eram contínuas, a Mata ram descritas ao longo da última década. Toda essa variedade ain-
Atlântica foi marcada por períodos de contatos com outras flores- da poderá ser mais evidenciada quando alguns ambientes pouco
tas do continente sul-americano, como a Floresta Amazônica, in- explorados dentro da floresta forem mais estudados. Pesquisas
tercalados por períodos de isolamento. Esta alternância de con- nessa linha, como a iniciativa da Universidade de São Paulo que
tato e isolamento com outros habitats resultou em uma intensa revelou dados impressionantes sobre diversidade e endemismo
diferenciação da fauna e flora, gerando a elevada diversidade bio- de bactérias nas superfícies das folhas de copas de árvores, têm
lógica e ocorrências únicas que encontramos hoje no bioma.2 Exis- crescido no Brasil, especialmente na Mata Atlântica.
tem evidências também de que estes eventos tiveram intensidade
e periodicidade distintos dentro da própria Mata Atlântica, oca-
sionando a formação de regiões com a riqueza de espécies ainda
mais destacada, como registrado hoje na porção central do bioma,
principalmente no sul da Bahia e no Espírito Santo.
A combinação de três eixos geográficos criou uma diversidade
única de paisagens e também ajuda a explicar essa extraordiná-
ria diversidade de espécies da região: a variação da latitude, em
uma situação compartilhada com poucas florestas tropicais do
planeta; a variação altitudinal, com seus ecossistemas ocupando
áreas desde o nível do mar até áreas a mais de 2.500 metros; e
a variação longitudinal, com as florestas interioranas diferindo
significativamente das florestas que estão localizadas mais pró-
ximas do litoral.
Outros fatores, como a formação de rios, erosão, vulcanismos
e mudanças climáticas, contribuíram para a configuração geo-
física da Mata Atlântica. Entre suas principais características
podemos incluir a espetacular cadeia de montanhas da Serra do
Mar, os mares de morros do interior, as formações tipo “pão-de- Sa í-a zul ( Dacnis c. cayana) no Nucleo Santa V irginia –
-açúcar” – montanhas de cumes arredondados e paredes abrup- Pa rque Esta dua l da Serra do Mar | SP
tas, como o principal cartão-postal do país, o Morro do Pão de
Açúcar, no Rio de Janeiro – a formação rara do Maciço do Itatiaia,
que tem como ponto culimante o Pico das Agulhas Negras, e a Quando analisamos os organismos de pequeno porte como
combinação de sucessivos derrames de lava e falhas geológicas, insetos, fungos, minhocas etc., e micro-organismos, o universo
há cerca de 120 milhões de anos, que formaram as espetaculares biológico se torna ainda mais pronunciado. Análises realizadas
cataratas do rio Iguaçu.3 entre 2008 e 2010 registraram 1.664 espécies de fungos e 1.545
Os processos geológicos e evolutivos ocorridos ao longo de espécies de algas na Mata Atlântica, o que representa cerca de
milhões de anos levaram ao surgimento de linhagens exclusivas três vezes o número de espécies de ambos os grupos conhecidos
da Mata Atlântica, como alguns primatas bastante conhecidos, a para a Amazônia.5 Isso pode dar certa dimensão do desconheci-
exemplo dos micos-leões (Leontopithecus) e os muriquis (Bra- mento da biodiversidade em sua totalidade, levando em conta o
chyteles), que representam histórias evolutivas únicas, que não que tem sido chamado de “diversidade invisível”.
se repetiram em nenhum outro lugar do planeta. Em virtude da sua riqueza biológica e dos alarmantes níveis
Ainda que a concentração de investimentos em pesquisa na de ameaça, a Mata Atlântica, ao lado de outras 33 regiões locali-
Região Sudeste torne a Mata Atlântica, em termos relativos, o zadas em diferentes partes do planeta, foi indicada por especia-
bioma com o maior conhecimento da sua diversidade biológica listas como um dos hotspots, ou seja, uma das prioridades para a
e com o mais extenso acervo científico, observa-se ainda o des- conservação de biodiversidade em todo o mundo.6
19
mata atlântica
Urbanização
20
Biomas Brasileiros
sição à de 1,17% no país. Os municípios inseridos no bioma Mata Foi nesse bioma que se desenvolveram os principais ciclos
Atlântica apresentam um dos maiores índices de urbanização do econômicos do país, desde a cana-de-açúcar no Nordeste, que
país. Quase 90% da população do bioma (cerca de 110 milhões de se destaca na economia regional como uma atividade primordial
pessoas) vive em áreas urbanas, sendo que nas últimas décadas em nossa história agrária e como causa da transformação do am-
a população residente nas áreas rurais diminuiu em quase 2 mi- biente natural, até a silvicultura econômica no sul da Bahia, Es-
lhões de pessoas. pírito Santo, leste de Minas Gerais e Sul do país, com recordes
mundiais de produtividade.
Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o Os solos da Mata Atlântica viabilizaram também o sucesso do
café, primeiro produto de exportação do Brasil como nação inde-
Além de fauna, flora e relevos variados, há outros aspectos a se- pendente, cujo cultivo, baseado no regime de derrubada e queimada
rem observados na alta diversidade da Mata Atlântica: a multi- e no avanço contínuo de expansão da fronteira agrícola, significou
plicidade de culturas, a disparidade dos níveis de fragmentação e naquela época (fim do século XIX ) o principal fator de devastação
de degradação das florestas, e uma grande variação do Índice de da floresta. A atividade ainda é expressiva no bioma, especialmente
Desenvolvimento Humano (IDH ). no Vale do Paraíba do Sul, sul de Minas Gerais e Espírito Santo.
O IDH médio dos municípios da Mata Atlântica do Nordeste é Outras atividades agropecuárias tiveram grande influência na
de 0,630, contra 0,744 daqueles localizados no Sudeste, e 0,767 dos economia e conformação da paisagem do bioma, como o cacau
municípios da Região Sul.11 É preciso, então, considerar que os pla- no sul da Bahia e a soja e a erva-mate no Sul do país, além da pe-
nos de desenvolvimento e sustentabilidade para cada região desse cuária, que permeia todo esse território. Vale destacar também
bioma terão suas especificidades, com estratégias em diferentes as cidades mineradoras que começaram a ser criadas na busca
escalas geográficas dependendo de seus objetivos e abordagens. por metais preciosos no início do século XVIII . Essas cidades que
Pesquisadores do Instituto de Economia da Universidade Fede- se desenvolveram na fronteira com o Cerrado, tinham seus cami-
ral do Rio de Janeiro (UFRJ ) avaliaram os fatores determinantes do nhos de exploração primordialmente localizados na Mata Atlân-
desmatamento na Mata Atlântica e sua relação com a economia e o tica, especialmente em Minas Gerais.14
contexto social nos municípios inseridos nas regiões Sul e Sudeste. Nesse contexto de desenvolvimento econômico, as florestas
Os resultados mostram claramente a existência de uma dis- da região atlântica assumiram um papel importante como forne-
sociação entre desmatamento e aumento da atividade agropecu- cedoras de madeira para consumo nas cidades que cresciam e de
ária, além da correlação negativa entre desmatamento e Índice carvão para o parque siderúrgico nacional, formado ao longo da
de Desenvolvimento Humano (IDH ).12 No período avaliado, entre ferrovia Vitória-Minas (1907), que praticamente dizimou em 40
1985 e 1996, enquanto houve perda de mais de 1 milhão de hecta- anos o maciço florestal das bacias dos rios Doce e Mucuri, na Re-
res de floresta nativa na região, observou-se a diminuição da po- gião Sudeste.
pulação rural em todos os estados por causa da migração para os A sucessão de ciclos fundamentais da
centros urbanos, e ainda a redução de 2,4 milhões de empregos história econômica do país, como os cita- Além da exuberante diversidade
biológica, muitas espécies da Mata
no setor agrícola. dos ciclos do pau-brasil, do açúcar, do café, Atlântica são conhecidas por seu uso
A renda média de mais da metade dos trabalhores rurais era além da larga atividade de mineração, re- histórico ou por sua importância
abaixo do salário mínimo da época, o que indica que a qualidade sultou em um cenário de devastação e eli- econômica atual. Espécies de plantas
cujos frutos são comestíveis, como a
de vida não melhorou apesar da intensificação do uso da terra.13 minação contínua da floresta.15
pitanga (Eugenia uniflora), a jabuticaba
Em outras palavras, o desmatamento recente na Mata Atlântica A importância econômica da Mata (Plinia sp) e o palmito-jussara (Euterpe
está associado ao subdesenvolvimento, isto é, ao desemprego e Atlântica, entretanto, se mantém até os edulis), são bastante conhecidas da
baixo IDH . dias de hoje. Atualmente, o bioma con- população. Outras são fontes de matéria-
prima, como o pau-brasil (Caesalpinia
centra aproximadamente 70% do PIB na- echinata), o jacarandá (Dalbergia nigra),
Economia cional e mais de dois terços da atividade a piaçava (Attalea funifera) e a araucária
industrial do país. (Araucaria angustifolia).
Da Mata Atlântica foram obtidos os primeiros recursos explo- Sete, das nove principais bacias hi-
ráveis que sustentaram a fundação de entrepostos comerciais do drográficas do país, estão inseridas no
sistema colonial português para a extração de madeiras altamen- território do bioma e são estratégicas para o abasteci-
te rentáveis como o pau-brasil, o jacarandá e outros produtos ma- mento de água e a geração de energia para suas cida-
deireiros comercializáveis na Europa. des e negócios. Grande parte dos produtos
21
mata atlântica
agrícolas disponíveis na mesa do brasileiro é produzida e colhi- Santo, nas encostas da Serra do Mar, da Serra Geral e em ilhas
da diariamente em propriedades localizadas nessa mesma área. situadas no litoral entre os estados do Paraná e do Rio de Janeiro.
Além disso, mais da metade do território cultivado com produ- Avaliações mostram que as espécies típicas da floresta ombrófila
tos da horticultura fica na Mata Atlântica. densa ocorrem também nas demais florestas do bioma, com va-
riações causadas por regimes de chuva e temperatura.
C o m p o s i ç ã o da M ata A lt â n t i c a • floresta ombrófila mista – conhecida como floresta com
araucárias ou Mata de Araucária, ocorre nas regiões de clima
A Lei da Mata Atlântica (Lei no 11.428, de 22 de dezembro de subtropical, principalmente nos planaltos do Sul do Brasil e em
2006), que reconhece e consagra o conceito lato sensu do bioma, maciços descontínuos nas partes mais elevadas de São Paulo,
considera esse como uma composição de diferentes formações Rio de Janeiro e sul de Minas Gerais.
florestais e ecossistemas associados. • floresta ombrófila aberta – considerada um tipo de transição da
As diferentes formações florestais, ou fitofisionomias, da Mata ombrófila densa, é encontrada em regiões
Atlântica apresentam variações na altura da vegetação, densida- com clima mais seco, como em Alagoas,
de e composição de espécies. Cada floresta tem sua ocor- Pernambuco, Bahia e Espírito Santo. >>> O município de Linhares, no
Espírito Santo, abriga um relevante
rência ao longo do bioma determinada de acordo com 2 florestas estacionais, decidu- complexo de Mata de Tabuleiro sob
o clima, relevo e tipo de solo.16 A variação da fau- ais e semideciduais – possuem espé- proteção, com cerca de 50.000 hectares,
na e, sobretudo, da flora, ao longo das áreas que cies que perdem suas folhas durante a formado pela Reserva Biológica de
Sooretama, Reserva Natural Vale e duas
vão desde florestas próximas ao nível do mar estação seca em graus variados de de-
Reservas Particulares do Patrimônio
até as áreas mais altas nas serras é também ciduidade, distribuem-se a oeste da en- Natural (RPPN ) da empresa Fibria.
marcante. Com base nas altitudes, as flo- costa atlântica e avançam para dentro do
restas podem ser delimitadas em fisiono- continente até as margens do rio Paraná.
mias: florestas de terras baixas, submon- 3 brejos interioranos e encra-
tanas, baixo-montanas e alto-montanas. ves florestais – surgem no interior do
Cada um desses limites altitudinais pos- semiárido brasileiro como consequência
sui características próprias,17 além de do clima mais úmido que, por sua vez, é
A Mata de Tabuleiro é uma importante proporcionar um complexo sistema, com influenciado pelo relevo.
e muito ameaçada variação da
movimentos sazonais de deslocamentos 4 campos de altitude – constituem
tipologia de floresta ombrófíla densa,
com ocorrência principalmente no de grupos da fauna entre as regiões mais uma vegetação típica de ambientes monta-
extremo sul da Bahia e norte do estado altas e as mais baixas das florestas. no e alto-montano, com estrutura arbustiva e/
do Espírito Santo. Comparada com as Apesar de mais de 79% da região da ou herbácea, que ocorre geralmente nos cumes
outras formações de matas neotropicais,
a Mata de Tabuleiro é incomum, devido
Mata Atlântica ter sido coberta por flo- das serras com altitudes elevadas, predominando
à elevada diversidade de espécies e restas, outros tipos de vegetação são tam- em climas subtropicais ou temperados.
densidade de lianas (ou cipós). >>> bém encontrados no interior do bioma, 5 vegetação de muçununga – ainda é muito pou-
tanto na forma de encraves (campos de co conhecida pela ciência. Pode ser encontrada na região li-
altitude; campos do sul entremeados à torânea entremeada à Mata de Tabuleiro. É caracterizada pela
floresta com araucária; muçunungas; campos rupestres) como predominânica da vegetação herbáceo-arbustivo (plantas de pe-
zonas de transição para o mar (manguezais e restingas), sendo os queno porte), sendo encontradas também áreas com vegetação
Campos do Sul do Brasil um bioma em si. arbórea. A muçununga, assim como a restinga, está associada
Assim, a Mata Atlântica representa um contínuo de distribui- a solos arenosos. A ocorrência de uma camada impermeável de
ção de espécies, e permite, portanto, uma visão do domínio des- laterita – um tipo de solo alterado, com alta concentração de fer-
se bioma:18 ro e alumínio –, é o que diferencia as muçunungas das restingas,
1 Florestas sempre verdes (ombrófilas) – possuem um o que provoca acúmulo de água em épocas de chuva nesse tipo
dossel fechado de cerca de 20 a 25 metros, com árvores emergen- de ambiente.
tes que chegam a 40 metros de altura. Esse tipo de formação in- 6 Restingas e manguezais – é importante compreender
clui as seguintes florestas: as interrelações da Mata Atlântica com o bioma Costeiro e Ma-
• floresta ombrófila densa – estende-se do Ceará ao Rio Gran- rinho através dos ecossistemas associados como as restingas e
de do Sul, mas ocorre principalmente no Sul da Bahia e Espírito manguezais. São cerca de 10.800 km de costa atlântica compar-
22
Biomas Brasileiros
Subdivisão biogeográfica
As espécies da fauna e flora que compõem as florestas e ecos-
sistemas associados da Mata Atlântica não se distribuem homo-
geneamente por todo o bioma. Ao contrário, há uma grande va-
L e i 1 1 . 4 2 8 /0 6 da M ata At l â n t i c a
riação na composição das espécies de acordo com as formações
● Floresta Ombrófila Densa ● Savana-estépica vegetacionais e com as regiões, o que levou à proposição de uma
● Floresta Ombrófila Aberta ● Estepe subdivisão biogeográfica para a Mata Atlântica, descrita da se-
● Floresta Ombrófila Mista ● Áreas das Formações Pioneiras guinte forma:20
● Floresta Estacional Semidecidual ● Contatos 1 Brejos Nordestinos – encraves de Mata Atlântica no interior
● Floresta Estacional Decidual ● Refúgios Vegatacionais da Caatinga;
● Savana ● Massa d’água 2 Pernambuco – inclui toda a Mata Atlântica litorânea ao nor-
te do rio São Francisco, entre Alagoas e Rio Grande do Norte;
F igura 1 . IBGE, 2008. M apa de á rea de a pl ica çã o da Lei 3 São Francisco – inclui todas as florestas estacionais decidu-
N o
1 1 .4 28 d e 2006 (Dec r eto N o 6 . 6 6 0, de 21 de n ovembro de 2008 ) ais e semideciduais que acompanham o vale do rio São Francisco,
nos estados de Minas Gerais e Bahia;
23
mata atlântica
4 Diamantina – inclui todas as florestas e Isso torna a restauração florestal e toda cadeia produtiva en-
vegetações associadas das encostas da Chapada Dia- volvida (viveiros, coletores de sementes, produtores de insu-
mantina e planaltos circundantes, possuindo predomi- mos, plantadores de florestas) essenciais para o resgate do bio-
nantemente floresta estacional decidual ma. Estima-se que existam pelo menos 20 milhões de hectares
e a floresta estacional semidecidual, com de pastagens de baixa produtividade na região21 que poderiam
pequenas extensões de floresta ombrófila ser utilizados para cultivos agrícolas ou serem destinados à
densa nas encostas de alguns planaltos; restauração florestal. Por um lado, a recomposição da vegeta-
5 Bahia – estende-se desde Sergipe ção nativa garantiria os preciosos serviços ambientais necessá-
até o Espírito Santo, com predominância rios para a sociedade, por outro lado, ao transformar uma área
A sub-região Floresta Interiorana é a
de floresta ombrófila densa; de pastagem que tenha pouca produtividade em área agrícola,
maior sub-região biogeográfica da Mata
Atlântica, com mais de 700.000 km2 6 Serra do Mar – estende-se desde o aumentaria-se o cultivo e reduziria-se a necessidade de aber-
e uma das que mais perdeu cobertura Rio de Janeiro até o norte do Rio Grande tura de novas áreas com mais desmatamentos. Assim, se bem
florestal devido à expansão da atividade do Sul, sendo coberta pela floresta om- manejados e executados de forma sustentável, os cultivos agrí-
pecuária e grandes culturas agrícolas
brófila densa e pequenos trechos de cam- colas, associados ao ambiente natural, também poderiam gerar
como soja, cana de açúcar, café e outros.
A estimativa é que restam apenas 7% da pos de altitude; serviços ambientais.
cobertura original desta sub-região. >>> 7 Florestas Interioranas – estende-se
desde o nordeste de Minas Gerais até o A legislação em vigor
Rio Grande do Sul, sendo dominada pela Reconhecida na Constituição Brasileira de 1988 como pa-
floresta estacional semidecidual, com porções de floresta esta- trimônio nacional, a proteção da Mata Atlântica foi também for-
cional decidual, cerrados, campos rupestres e áreas de transição; talecida através da Lei da Mata Atlântica, esse instrumento jurí-
8 Florestas com Araucária – está localizada principalmen- dico e sua regulamentação (Decreto 6.660, de 21 de novembro de
te no estado do Paraná, com extensões em Santa Catarina e Rio 2008) definem e legislam sobre a conservação, regeneração e a
Grande do Sul, onde a vegetação principal é a floresta ombrófila utilização do bioma.
mista, caracterizada pela ocorrência do pinheiro-do-paraná Nos municípios, as políticas e estratégias de conservação são
(Araucaria angustifolia), entremeada por campos e cerrados em ainda incipientes, embora alguns venham se destacando como
pequenas extensões. modelos e indutores de mudanças. A Lei da Mata Atlântica prevê
que os municípios elaborem e executem os planos de conserva-
E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o ção e recuperação florestal. A iniciativa possibilitará a organiza-
ção e estruturação dos municípios para ações e o acesso a fundos
Pa n o r a m a at u a l específicos direcionados à conservação,
A dinâmica da destruição da Mata Atlântica foi mais acen- além de proporcionar as bases para a in-
tuada durante as últimas três décadas do século XX, resultando tegração com outros setores e o desen- >>> Por outro lado, mesmo estando
entre as áreas mais populosas do Brasil,
em alterações severas nos ecossistemas que compõem o bioma, volvimento de uma governança capaz de a sub-região Serra do Mar possui a
especialmente pela alta fragmentação e degradação da vegeta- alcançar soluções para a sustentabilida- maior cobertura florestal atual (36%),
ção nativa. de local. A evolução das políticas munici- além da maior rede de unidades de
conservação. Essa situação só foi
O grau de fragmentação florestal se deu de forma heterogênea, pais pode ter um efeito imensurável para
possível pela ocorrência de extensas
dependendo dos fatores históricos de uso e ocupação do territó- a conservação da biodiversidade e o de- áreas com elevada declividade, situação
rio, mas de um modo geral a paisagem em toda a Mata Atlântica senvolvimento integrado. que limitou o acesso e resultou na
está reduzida a pequenos fragmentos florestais. Mais de 80% dos Além de constar como patrimônio na- manutenção da paisagem original.
fragmentos possuem menos de 50 hectares e a paisagem é hoje cional na Constituição Federal, a biodi-
fortemente dominada por ambientes ocupados pelo homem. versidade da Mata Atlântica é reconhe-
Atualmente, um dos principais problemas em relação ao uso e à cida também através de instrumentos
ocupação do solo reside na ocupação irregular de encostas, áreas e títulos internacionais, como Reser-
ribeirinhas e mananciais, estimulada pelo crescimento urbano va da Biosfera e os Sítios do Patrimônio
em grande parte pela especulação imobiliária. Devido ao intenso Mundial Natural, ambos concedidos pela UNESCO .
e desordenado processo de uso e ocupação, a vegetação ciliar ao A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica foi reco-
longo dos rios foi largamente degradada. nhecida em 1993 e conta atualmente com
24
Biomas Brasileiros
78.465.476 hectares (62.318.723 hectares terrestres e 16.146.753 espécies que se enquadram em um ou mais dos seguintes crité-
hectares marítimos), em 16 dos 17 estados do bioma.22 rios: espécies globalmente ameaçadas; espécies de distribuição
Essa Reserva inclui todos os tipos de formações florestais restrita; espécies que formam agregações em áreas específicas
e outros ecossistemas terrestres e marinhos que compõem o em algum estágio de seu ciclo vital; assembleias de espécies
domínio da Mata Atlântica, bem como os principais remanes- restritas ao bioma.
centes florestais e a maioria das unidades de conservação, onde Foram identificadas 538 KBA na Mata Atlântica, relativas a
está protegida grande parte da diversidade brasileira. Além de 141 espécies de vertebrados ameaçados de extinção, entre aves,
ser uma área especialmente protegida, o fato de ser uma Reser- mamíferos, répteis e anfíbios.25 Somente 98 (18%) dessas áreas
va da Biosfera cria uma função aglutinadora e articuladora, o estão inseridas em unidades de conservação de proteção integral
que faz da Mata Atlântica um fórum importante de discussão (parques e reservas). Chama a atenção também que 24 KBA são
sobre o uso e ocupação do território. consideradas insubstituíveis e somente 14 dessas estão inseri-
A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é a maior dentre to- das em unidades de conservação, isto é, são as últimas áreas com
das as 564 reconhecidas pela UNESCO em 109 países. A designa-
ção de áreas como Reserva da Biosfera é uma grande responsa-
bilidade para o país e um importante instrumento de política de
conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Espécies em extinção
O pouco que restou da floresta original da Mata Atlântica
está distribuído em centenas de milhares de fragmentos flores-
tais, desconectados e pequenos demais para manter populações
viáveis de muitas das espécies animais. Esse cenário se reflete
nos números de espécies ameaçadas de extinção. São 380 es-
pécies ameaçadas, conforme a Lista Oficial da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção, o que representa mais de 60% dos ani-
mais ameaçados no Brasil.23 Quase 9% de todos os vertebrados
terrestres conhecidos da Mata Atlântica, e um em cada quatro
daqueles que são endêmicos ao bioma, estão ameaçados de
extinção. Exemplos de espécies endêmicas e ameaçadas são
as quatro de micos-leões (Leontophitecus rosalia, L. caissara,
L. chrysomelas, L. chrysopygus), as duas de muriqui (Brachyteles
arachnoides, B. hypoxanthus), e as várias de aves, como o mu-
tum-de-alagoas (Pauxi mitu), que atualmente só existe em Bromélia (Bromelia sp.) na região serrana do Rio de Janeiro | RJ
cativeiro, a jacutinga (Aburria jacutinga), e o papagaio-chauá
(Amazona rhodocorytha).
A situação é mais preocupante se considerarmos que me- o registro de pelo menos uma espécie ameaçada de extinção, o
nos de 15% das espécies ameaçadas estão protegidas pelo atu- que significa que qualquer problema nessas localidades poderá
al sistema de unidades de conservação.24 O macaco guigó-do- levar à extinção daquelas espécies.
-nordeste (Callicebus coimbrai) e as aves saíra-apunhalada Muitas das espécies ameaçadas podem ser consideradas
(Nemosia rourei) e entufado-baiano (Merulaxis stresemanni) como indicadoras da integridade de uma dada região e como re-
estão no limiar da extinção, podendo desaparecer em poucos ferências para programas de conscientização pública e de educa-
anos se nada for feito para garantir sua preservação. Utilizan- ção, podendo ser adotadas como importantes instrumentos para
do o conceito de áreas-chave para conservação (Key Biodiver- os esforços de preservação no país.
sity Areas – KBA ) confirma-se a situação crítica para proteção Alguns dos mais evidentes exemplos desse simbolismo – conhe-
das espécies ameaçadas do bioma. As KBA são áreas de abran- cido como espécies-bandeira – são os macacos da Mata Atlântica,
gência local, definidas e passíveis de delimitação e, potencial- incluindo as duas espécies de muriqui (Brachyteles arachnoides
mente, de manejo para conservação, destinadas à proteção de e B. hypoxanthus) – os maiores mamíferos endêmicos do Brasil
25
mata atlântica
–, e as quatro espécies de micos-leões (Leontopithecus rosalia, Quando confrontamos a cobertura das unidades de conserva-
L. chrysopygus, L. chrysomelas, e L. caissara). Vários grupos conser- ção com a grande heterogeneidade ambiental, a variação latitu-
vacionistas iniciaram e evoluíram seu modo de atuação por meio de dinal e o elevado número de espécies ameaçadas e endêmicas, é
ações de proteção dessas espécies-bandeira. que temos noção da fragilidade e da necessidade de expansão do
sistema atual de proteção do bioma.
U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o Na porção norte, acima do rio São Francisco, não existe ne-
A Mata Atlântica se enquadra entre as regiões mais comple- nhuma unidade de conservação de proteção integral maior que
xas do mundo para a definição da cobertura necessária a ser 10.000 hectares e toda a biodiversidade dessa porção do bioma é
protegida na forma de unidades de conservação, por causa da protegida por menos de 50.000 hectares em unidades de conser-
sua altíssima diversidade biológica, elevado grau de endemis- vação de proteção integral. Por outro lado a Serra do Mar possui
mo e diversidade socioeconômica. O bioma possui 264 unida- o maior maciço florestal protegido da Mata Atlântica, e é onde
des de conservação públicas, entre estaduais e federais, que encontram-se mais de 500 mil hectares em unidades de conser-
somadas às 733 Reservas Particulares do Patrimônio Natural vação, formando um contínuo florestal entre as duas maiores
(RPPN) totalizam cerca de 2,8 milhões de hectares sob regime de metrópoles do Brasil.
proteção integral, ou seja, aquelas que possuem como objetivo Apesar das lacunas presentes, o número de áreas protegidas
primário a conservação da biodiversidade (parques nacionais e tem sido incrementado nos últimos 40 anos. Na última década
estaduais; reservas biológicas; estações ecológicas; refúgios de observou-se uma maior participação dos estados na criação de
vida silvestre). unidades. Como resultado, atualmente quase 50% da área total
As RPPN foram incluídas no Sistema Nacional de Unidades protegida no país está no interior de unidades estaduais, tendên-
de Conservação (SNUC ) no grupo de unidades de conservação cia que pode conferir maior capilaridade ao sistema.
de uso sustentável. Entretanto, devido ao veto presidencial, Um bom exemplo é o caso do Estado do Rio de Janeiro, que
no ano 2000, a um dos itens do artigo 21 da Lei que instituiu nos últimos 10 anos aumentou em mais de 60% a cobertura das
o SNUC , que possibilitava a extração de recursos naturais em unidades de conservação de proteção integral. Do Estado do Rio
uma RPPN , essa categoria tornou-se, de fato, de proteção inte- de Janeiro vem também o exemplo da participação dos municí-
gral. Sendo assim, as RPPN são tratadas aqui como unidades de pios no sistema de proteção. São mais de 170 unidades de con-
proteção integral. servação municipais, totalizando cerca de 113 mil hectares.26 Só
É importante destacar que apesar de parecer um número o Parque Natural Municipal Montanhas de Teresópolis possui
expressivo, em termos absolutos, as unidades de conservação 4.397 hectares, fazendo parte da conexão entre o Parque Nacio-
de proteção integral cobrem somente 2% do território da Mata nal da Serra dos Órgãos, o Parque Estadual dos Três Picos e ou-
Atlântica, dispersas pelos 17 estados inseridos no bioma. O tama- tras unidades.
nho dessas unidades também é um indicador dos desafios para Há inúmeras áreas de grande valor biológico, cultural, recreati-
a conservação da região a longo prazo, pois na Mata Atlântica o vo, científico, educacional, sem falar na importância que têm para
tamanho médio das unidades de proteção integral públicas é de a economia nacional, por meio dos serviços ambientais que prove-
10.000 hectares, com as RPPN do bioma apresentando uma área em e pelas atividades econômicas associadas a seu uso público.27
média de apenas 200 hectares. Entre as Unidades de Conservação mais populares, destacam-se:
Essa realidade, associada à elevada fragmentação da área 1 Parque Nacional Histórico do Monte Pascoal, no sul da
remanescente do bioma e à alta taxa de urbanização, deman- Bahia, onde está localizado o Monte Pascoal, marco do descobri-
dam o planejamento e a adoção de estratégias de manejo e con- mento do país;
servação diferenciadas e muito mais complexas, considerando 2 Parque Nacional da Serra dos Órgãos, na Região Serrana do
fatores e vetores que extrapolam os limites das próprias uni- Rio de Janeiro, local de enorme atração turística em Teresópolis;
dades. A preocupação com a cercania de uma unidade de con- 3 Parque Nacional da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, onde
servação é fundamental e, nesse sentido, não é errado afirmar está abrigado o monumento do Cristo Redentor no Morro do
que em nenhum outro bioma o conceito de zona de amorteci- Corcovado;
mento (área no entorno de uma unidade de conservação que 4 Parque Nacional do Iguaçu, que protege as Cataratas do Igua-
faz restrições às atividades humanas com o objetivo de mini- çu, reconhecido como um dos sítios do Patrimônio Natural da
mizar seus impactos negativos) tem tanta importância para a Humanidade pela UNESCO , além de ter sido eleita, recentemente,
proteção dessas unidades. uma das sete maravilhas naturais do mundo;
26
Biomas Brasileiros
O uso sustentável
Parte significativa da Mata Atlântica remanescente – cerca
de nove milhões de hectares – é protegida por unidades do gru-
po de uso sustentável na forma de florestas nacionais e estaduais,
áreas de proteção ambiental, reservas extrativistas e outras ca-
tegorias. A área de proteção ambiental (APA ) é a categoria de uso
sustentável mais utilizada no bioma. Em geral, são áreas de gran-
de extensão, constituídas na sua maior parte por terras privadas,
com certo grau de ocupação humana e com o objetivo principal
de disciplinar o uso e ocupação da terra.
Vale sublinhar a existência de grande sobreposição entre as
unidades de proteção integral e as APA . Um parque nacional, por
exemplo, pode servir como núcleo de uma área de proteção am-
biental. As unidades de conservação de uso sustentável poderiam
complementar o sistema de proteção integral e cumprir um papel
fundamental na conservação do bioma, mas as APA , especialmen-
te, possuem grandes parcelas já antropizadas e ainda necessitam
de aperfeiçoamento nos modelos de gestão e governança para se
tornarem um mecanismo mais eficiente capaz de contribuir para
a sustentabilidade na Mata Atlântica.
A i m p o r t â n c i a da s r e s e r va s p r i va da s
No âmbito das ações de conservação, o setor privado vem as-
sumindo um papel cada vez mais importante, já que a maioria
dos remanescentes de vegetação nativa da Mata Atlântica en-
contra-se em propriedades particulares. A criação de RPPN tem
contribuído significativamente para a conservação da biodiver-
sidade, complementando os esforços do poder público. Embora
pequenas, as RPPN constituem uma excelente ferramenta para
as estratégias de formação de corredores e proteção de zonas
de amortecimento de grandes unidades públicas. Por outro lado,
em vários municípios da Mata Atlântica a única unidade de con-
servação existente é uma RPPN , que se constitui nesses casos
como a única forma de proteção dos remanescentes de biodiver-
sidade regionais.28
Hoje, no Brasil, existem mais de 1.000 RPPN , sendo que 733 Fragmen ta çã o da pa isagem na Zona da Mata
estão na Mata Atlântica, totalizando quase 150 mil hectares n ordestin a em Serra Grande | AL
protegidos pelo setor privado no bioma. Embora essas áreas
27
mata atlântica
28
Biomas Brasileiros
tares, distribuídos por 85 municípios. Entre eles estão: Lagamar, Mundial de Diversidade Biológica, por um grupo de ONG s, mostra
entre o sul de São Paulo e norte do Paraná (na região de Guara- que é preciso elevar significativamente os esforços e investimen-
queçaba); Jacupiranga, no sul de São Paulo; Mantiqueira, entre tos para garantir a sustentabilidade e proteção efetiva, em longo
Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; Central Fluminense, prazo da Mata Atlântica.31
na Região Serrana do Rio de Janeiro; Foz do Rio Doce, no Espíri- É preocupante que a forte legislação em vigor não tem sido su-
to Santo; e extremo sul da Bahia. ficiente para evitar a degradação ambiental da Mata Atlântica e
que, apesar dos avanços no estabelecimento de um conjunto de
D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s medidas para a sua defesa e das várias iniciativas para torná-la
conhecida nacional ou internacionalmente, faltam, sobretudo,
Obviamente, estamos longe de vislumbrar um cenário onde ações efetivas e uma visão de longo prazo para sua conservação.
estarão garantidas a proteção da biodiversidade e a provisão dos O título de Patrimônio Nacional atribuído à Mata Atlântica pela
serviços ambientais essenciais ao bem-estar de toda a população. Constituição Federal, a criação de unidades de conservação, o
A Mata Atlântica continuará abrigando os principais eixos de de- tombamento da Serra do Mar, a indicação como hotspot mundial
senvolvimento do Brasil e ainda há muito a ser feito e investido de biodiversidade, o reconhecimento de áreas-chave como Sítios
para que seja possível garantir um desenvolvimento equitativo,
com base nos princípios da sustentabilidade, da economia verde
e da manutenção do capital natural.
Não resta dúvida de que a promoção de estratégias que levem
ao uso de recursos naturais renováveis de forma menos predató-
ria e à distribuição equitativa de seus benefícios entre a socieda-
de brasileira é um objetivo a ser perseguido como a mais alta das
prioridades. Isso apenas reforça que a proteção da biodiversida-
de, em seus diferentes níveis na Mata Atlântica, deve ser realiza-
da a partir da ação conjunta de toda sociedade.
Felizmente, a taxa de desmatamento foi significativamente re-
duzida na última década. A Mata Atlântica é hoje o bioma brasilei-
ro com os menores índices de desmatamento, segundo avaliação
do Ministério do Meio Ambiente, e do “Atlas dos Remanescentes
Florestais da Mata Atlântica”, fruto da parceria entre a Fundação
SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE ), um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. A expecta-
tiva é que a taxa de desmatamento e degradação florestal diminua
ainda mais, permitindo concentrar os esforços na recuperação das
áreas mais críticas para provisão dos serviços ambientais no bioma. Semen tes de a raticum-do-brejo (Annona crassiflora)
No entanto, mais de 80% da cobertura vegetal original da pa ra repl a n tio de Mata Atlântica | BA
Mata Atlântica já foi convertida. A pergunta que devemos fazer
é se essa destruição trouxe bem-estar de forma equitativa para a
sociedade brasileira, se o capital natural está protegido e sendo do Patrimônio Natural Mundial e o da Reserva da Biosfera da
utilizado de forma sustentável, e qual futuro podemos esperar. O Mata Atlântica ajudaram muito, mas não foram suficientes para
quadro de extrema fragmentação e degradação do ambiente na- garantir sua proteção.
tural, além dos abundantes focos de pressão do homem e de sua Existem limitações ocasionadas pela heterogeneidade dos ins-
necessidade de desenvolvimento, constitui um grande desafio trumentos legais, políticos e institucionais adotados pelos dife-
para a conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais rentes estados da federação; à fragilidade política da área ambien-
em um hotspot como a Mata Atlântica. tal; à deficiência técnica e operacional dos órgãos governamentais
Estudos e análises têm proporcionado algumas sinalizações e de meio ambiente, à baixa governança em todas as esferas, e às
respostas a essas questões. Uma avaliação como a realizada em dificuldades para sensibilizar a população brasileira sobre a im-
2010 sobre os avanços da implantação das metas da Convenção portância e os benefícios diretos e indiretos que essa floresta lhe
29
mata atlântica
proporciona. Soma-se a esses fatores, sobretudo, a falta de inser- a compatibilização e alinhamento entre ações de mitigação e
ção do tema ambiental de forma integrada a outros pilares no pla- adaptação climática, como eixo estratégico de uma proposta de
nejamento do desenvolvimento para a região e o país. desenvolvimento regional sustentável.
A estes claros desafios no cenário atual somam-se ainda ou-
tros, bem mais difíceis de precisar e dimensionar, decorrentes R e s ta u r a ç ã o F lo r e s ta l
das mudanças climáticas em curso.
Há extensas áreas que necessitam ser restauradas e destina-
M u da n ç a s c l i m á t i c a s das à conservação, assim como áreas com significativos déficits
As mudanças climáticas não são novidade para a Mata Atlân- de Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente que de-
tica, que as tem experimentado no decorrer de sua longa história, veriam, pelo Código Florestal brasileiro, ter sua cobertura vege-
por vezes retraindo-se ou expandindo-se, em um rico processo de tal respeitada. Trata-se de áreas que, sem a cobertura florestal
interação com formações vizinhas, como o Cerrado e a Floresta original, não estão cumprindo sua função de protetora e forne-
Amazônica. No contexto atual, porém, em que a velocidade e in- cedora de serviços ambientais e, em muitos casos, estão geran-
tensidade das mudanças climáticas globais encontram forte rela- do problemas e prejuízos humanos e econômicos, como desliza-
ção com a ação humana, conjuntos inteiros de espécies localmen- mentos de encostas, enchentes e assoreamento dos rios.
te adaptadas, porém restritas a fragmentos isolados de seu hábitat Esforços estratégicos para a conservação e restauração da
remanescente, tendem a se tornar fortemente ameaçados diante Mata Atlântica fazem sentido, portanto, não somente em consi-
da potencial redução, deslocamento e/ou extinção de suas zonas deração ao cenário atual, mas, de forma crescente, em conside-
climáticas específicas, em um horizonte temporal não muito dis- ração aos desafios e incertezas dos cenários futuros. Merecem
tante, como já indicado para aves e plantas na Mata Atlântica.32 destaque, nesse contexto, não somente as ações de mitigação
Salienta-se, ainda, que estas alterações climáticas podem im- climática, através da restauração e controle das perdas florestais,
plicar também fortes impactos sociais (incidência e suscetibili- mas também o campo da Adaptação Baseada nos Ecossistemas
dade a doenças; gastos com saúde; redução da qualidade de vida; (ABE ) para o enfrentamento de mudanças climáticas, a melhoria
migração de populações)33 e mudanças no rearranjo espacial de das condições de vida e a conservação da biodiversidade.
limitações e aptidões para uma série de usos agrícolas – como o A ABE é um conceito novo, relacionado ao aproveitamento da
caso do café arábica, que na região da Mata Atlântica tende a se capacidade que os sistemas naturais têm para auxiliar na adap-
deslocar rumo ao sul ou para áreas mais elevadas. Tais impactos tação humana às inevitáveis mudanças climáticas. Visto que
geram perdas econômicas, por um lado, e interferem diretamen- os sistemas naturais proveem múltiplos benefícios de adapta-
te nas opções de conservação e restauração florestal. ção, em muitos casos a relação custo-efetividade envolvida é
É importante ter em vista que os efeitos das mudanças climá- potencialmente muito maior do que a de soluções obtidas por
ticas tendem a intensificar não somente as pressões sobre a con- meio de grandes obras de engenharia para este fim. Ainda as-
servação da biodiversidade, mas, de forma lógica, também sobre sim, estas opções tendem a ser negligenciadas. Para isso se con-
os serviços ambientais que a Mata Atlântica nos fornece, impac- cretizar é preciso o desenvolvimento de sistemas de governan-
tando assim, direta e indiretamente, a economia e outras várias ça apropriados e alto nível de integração entre diversos setores
dimensões do bem-estar humano. Da contenção de encostas à da sociedade.
proteção de solos e cursos d’água, da mitigação e amenização cli- Estudos indicam que seria necessário restaurar pelo menos
mática ao papel na polinização e produção agrícola, os exemplos 15 milhões de hectares na Mata Atlântica, visando proteger a
da nossa dependência dos serviços ambientais florestais são biodiversidade, assegurar a base de recursos e serviços ambien-
inúmeros, ainda que insuficientemente entendidos, dimensio- tais que sustenta a prosperidade socioeconômica do país e dar
nados e valorados. mais segurança e bem-estar às populações humanas.34 A Mata
No cenário das mudanças climáticas, no entanto, nem tudo Atlântica possui mais de 30 anos de experiências e ações de
são problemas para a Mata Atlântica. O contexto de amplas ex- restauração florestal, além de abrigar os principais centros da
tensões de pastagens marginalmente produtivas e terras com ciência da restauração no país.35 Mas apenas a ciência não é
vocação florestal degradadas, a existência de importantes paisa- suficiente para enfrentar esse enorme desafio de restaurar mi-
gens agrícolas, a significativa representação de segmentos cor- lhões de hectares. Para isso, novamente, é fundamental que as
porativos, mercados consumidores e centros de excelência aca- ações sejam integradas e que exista uma mobilização da socie-
dêmica trazem à Mata Atlântica oportunidades excelentes para dade como um todo.
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mata atlântica
que medidas de conservação são adotadas. e a influência das decisões de proprietários particulares – deve
Tem crescido também a importância de trabalhos ser fácil compreender a necessidade de estabelecimento de um
integrados na Mata Atlântica de implantação e moni- sistema de compensações para os proprietários privados que
toramento da adequação agrícola e am- contribuam, com suas ações e decisões, para a manutenção e me-
biental de propriedades rurais, visando à lhoria da saúde ambiental da bacia hidrográfica onde se localiza
conservação e à restauração da vegetação seu imóvel.38
nativa associada ao aumento da produção Na Mata Atlântica, os serviços ambientais mais evidentes es-
O estado do Espírito Santo foi econômica da atividade agropecuária. É tão relacionados com a água, o clima e a biodiversidade. Instru-
pioneiro na implantação de um um grande desafio fazer essa integração mentos legais vêm sendo desenvolvidos e propostos em todos os
programa de PSA (Pagamento por
e conseguir mudanças em sistemas tão níveis de governo para regulamentar programas de pagamento
Serviços Ambientais) lastreado
por uma lei específica e viabilizado arraigados e tradicionais. É o que preten- por serviços ambientais. Seis estados da Mata Atlântica já pos-
por um fundo próprio. Iniciado em dem, por exemplo, o Programa Reflorestar, suem algum mecanismo legal relacionado a serviços ambientais
2009, “ProdutorES de Água” abrange no Espírito Santo, e o Programa Rio Rural e programas com investimentos e orçamentos anuais (Espírito
hoje as bacias dos rios Benevente,
no estado do Rio de Janeiro. Santo; Minas Gerais; Paraná; Rio de Janeiro; Santa Catarina; e
Guandu e São José, estas últimas
integrantes da bacia do Rio Doce, uma São Paulo). Outros, como Bahia, Pernambuco e Rio Grande do
das mais degradadas do mundo. >>> S e r v i ç o s a m b i e n ta i s Sul, estão discutindo a adoção de programas nessa linha. Em
Seguindo a tendência mundial, o avaliação sobre iniciativas relacionadas a serviços ambientais
foco de conservação no bioma tem con- realizada recentemente na Mata Atlântica,39 foram identificadas
vergido para a proteção e restauração dos serviços ambientais mais de 40 iniciativas, em fase de planejamento, implantação ou
e para o desenvolvimento de uma economia que incorpore a di- operação, relacionadas à água e/ou carbono. Os projetos associa-
mensão ambiental de maneira adequada. Nesse contexto, a ado- dos à água envolvem restauração de 40 mil hectares e beneficiam
ção de ferramentas e mecanismos para valoração e compensa- 28 milhões de pessoas, já que estão próximos a regiões metropo-
ção dos serviços ambientais apresenta-se como um instrumento litanas densamente povoadas.
promissor para uma gestão ambiental exitosa e ao mesmo tempo Existem ainda diversas experiências bem-sucedidas de pa-
geradora de novas fontes de renda, para avançar na proteção do gamento por serviços ambientais (PSA ) no Brasil. Em quase sua
meio ambiente. totalidade, as estratégias são voltadas para recuperação de áreas
Há grande potencial para aplicação de projetos de serviços degradadas e consequente melhoria da qualidade e quantidade
ambientais no bioma Mata Atlântica por vários motivos. Sua de recursos hídricos nas bacias hidrográficas. Na região do Sis-
rica biodiversidade, uma dinâmica favorável do mercado, a ele- tema Cantareira, responsável pelo abastecimento de aproxima-
vada capacidade técnica e institucional, a alta concentração de damente 50% da população da Região
recursos humanos e financeiros e a grande demanda de recursos Metropolitana de São Paulo (cerca de 9
naturais são características que favorecem a inovação e tornam milhões de pessoas), dois projetos de PSA >>> O programa adota o princípio do
“produtor-recebedor” e paga anualmente
o bioma uma região promissora para o desenvolvimento e aper- estão em andamento para implantar na a produtores rurais pela manutenção
feiçoamento de estratégias relacionadas a serviços ambientais. prática o conceito de “produtor de água” e conservação de remanescentes
Sabendo que os ecossistemas naturais, especialmente nas desenvolvido pela Agência Nacional de florestais encontrados em áreas críticas
para os recursos hídricos e já contabiliza
regiões tropicais do planeta, são fundamentais para o balanço Águas (ANA ). Este conceito pressupõe a
resultados de recuperação ambiental.
hídrico e para a disponibilidade de água, é fácil entender a im- remuneração de produtores rurais, que
portância de uma remuneração ou compensação pelos serviços através de práticas de conservação de
de proteção e salvaguarda do bom funcionamento das áreas que solo, conservação e restauração florestal
protegem ou produzam água, estejam eles sob responsabilidade prestam os serviços ambientais de me-
de indivíduos ou de instituições, públicas ou privadas. Não se lhoria da qualidade da água (através do
trata de “pagar pela água” em si, mas incorporar à contabilidade abatimento da erosão) e regularização
dos negócios e do dia a dia os investimentos e ações necessárias de vazão (pelo aumento da infiltração da
para assegurar o suprimento de água na qualidade e quantidade água no solo).
demandadas, em longo prazo. Um desses projetos acontece no município de Extre-
Ao transpor este princípio para a realidade da Mata Atlântica ma, no estado de Minas Gerais, pioneiro no pagamen-
brasileira – onde mais de 80% da área encontra-se sob o domínio to por serviços ambientais no Brasil. As ações
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do projeto “Conservador das Águas” têm como objetivo implantar Mesmo com obstáculos e desafios, se consideramos os cená-
o pagamento por serviços ambientais por meio da adequação am- rios sociais, políticos e econômicos do Brasil e do mundo, o am-
biental das propriedades rurais das sete sub-bacias hidrográfi- biente é favorável para avançarmos na proteção e recuperação da
cas do rio Jaguari, inserido no município. O outro projeto de PSA Mata Atlântica. Vale destacar a inserção da economia verde nas
no Sistema Cantareira, realizado com apoio direto e recursos do discussões globais, a adequação às novas políticas ambientais e
Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e setoriais para a promoção da sustentabilidade, a promoção de
Jundiaí (Comitê PCJ), acontece nos municípios de Nazaré Paulis- mecanismos de restauração florestal em larga escala, o forte en-
ta e Joanópolis, no estado de São Paulo. As secretarias estaduais volvimento do setor privado na conservação da biodiversidade e
de Agricultura e de Meio Ambiente do estado de São Paulo, a The a implantação de politicas, estratégias e mercados para os servi-
Nature Conservancy (TNC ) e a ANA são parceiras dessa iniciativa, ços ambientais.
que também é tratada como um projeto para o desenvolvimento da O alto nível de desenvolvimento econômico da Mata Atlânti-
política estadual de serviços ambientais. ca demanda grandes volumes de água, o que gera problemas de
A primeira replicação do conceito “produtor de água” fora abastecimento. A Região Hidrográfica do Atlântico Sudeste (uma
do Sistema Cantareira, escorado na cobrança pelo uso da água, das regiões hidrográficas do país definidas pela Agência Nacional
tem lugar no estado do Rio de Janeiro, onde o Instituto Terra de de Águas – ANA ), por exemplo, possui uma das menores dispo-
Preservação Ambiental, em parceria com a TNC , o Instituto Es- nibilidades relativas de água do país, e é onde se concentram as
tadual do Ambiente, a Prefeitura Municipal de Rio Claro e o Co- indústrias e as maiores regiões metropolitanas do Brasil. Nesse
mitê da Bacia do rio Guandu, executa o projeto “Produtores de contexto, promover o uso sustentável dos recursos hídricos na
Água e Floresta”. O projeto está sendo realizado no município região, garantindo seu aproveitamento múltiplo e solidário, re-
de Rio Claro, e tem um papel estratégico, pois é desenvolvido na presenta um grande desafio.
bacia do rio Guandu, responsável por 80% do abastecimento de Mas para superarmos esses desafios e alcançarmos resultados
água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e que contribui efetivos de conservação e bem-estar da sociedade, é condição es-
também para a geração de energia hidrelétrica. sencial em qualquer território a integração de agendas e a con-
As iniciativas de PSA que estão sendo executadas na Mata vergência das esferas humana, institucional, política e econômi-
Atlântica vão gerar modelos que poderão, em pouco tempo, ser- ca, tendo como base a proteção e manutenção do capital natural.
vir de base para novas formas de atuação para o desenvolvimento A Mata Atlântica é considerada o berço do movimento am-
de serviços ambientais com proteção e restauração de florestas. bientalista brasileiro e nela se concentram as mais conceituadas
Muitos dos esforços para restauração em paisagens agrícolas po- universidades, diversos centros de pesquisas e importantes orga-
dem convergir com ações de programas e projetos para pagamen- nizações do terceiro setor dedicadas à agenda ambiental. O bio-
to por serviços ambientais. Arranjos de pagamento por serviços ma também possui enormes investimentos do setor empresarial,
ambientais podem também ser uma importante ferramenta para abriga os estados mais desenvolvidos do país, possuindo uma
manter as unidades de conservação. Algumas iniciativas estão economia em forte crescimento e com potencial para a inovação
avançando nesse sentido, especialmente na aplicação do princí- e empreendedorismo.
pio do “Protetor-Recebedor” em unidades de conservação prove- Agora, mais do que nunca, as milhões de pessoas que vivem e
doras de água para regiões metropolitanas na Mata Atlântica. É dependem desse bioma continuarão precisando da floresta para
o caso do Parque Estadual dos Três Picos,40 na região serrana do prover-lhes água, amenizar o clima, oferecer espaços de lazer e
Rio de Janeiro, mas com influência sobre a Região Metropolitana recreação e servir como proteção natural contra eventos climá-
da cidade do Rio de Janeiro, e o Parque Estadual de Dois Irmãos, ticos extremos.
na Região Metropolitana de Recife, em Pernambuco.
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2 cerrado
R o b e r to Br a n d ã o C ava lc a n t i • G i n a C a r d i n ot
Pa u l a C e ot to • R e n ata S . P i n h e i r o
mais ricos do
C e r r a d o é u m d o s b i o m a s t r o p i c a i s
mundo, de diversidade comparável à das florestas úmi-
das, como a Amazônica e a Atlântica. Abriga, entre mui-
tas nascentes, a do gigante rio São Francisco, além de
mais ou menos um terço de todas as espécies do Brasil.
Dentre os biomas brasileiros, é um dos mais investiga-
dos pela ciência (especialmente sob os prismas biológico e agrí-
cola)1 e constitui um dos 35 hotspots de biodiversidade do mundo:
uma região que combina uma grande diversidade e exclusividade
de espécies com um elevado grau de degradação dos seus hábi-
tats naturais.
Além da relevância do bioma por sua alta diversidade bioló-
gica, o Cerrado também é um marco referencial para a história
da Ecologia no Brasil. Apesar de sua ocupação ser considerada
tardia (se, por exemplo, comparada à da Mata Atlântica), ao des-
crever em detalhes no livro Lagoa Santa, de 1892, um trecho de
Cerrado no estado de Minas Gerais, seu autor, o botânico dina-
marquês Eugene Warming, o colocou no papel de bioma funda-
dor dessa ciência no país.
Apesar de o cerrado propriamente dito ser a forma de vegetação
que dá nome e que, em grande medida, caracteriza o bioma, este
tipo de savana é apenas uma das variedades que se alternam na
paisagem do bioma. Essa forma combina a savana com estrato de
gramíneas junto ao solo e árvores dispersas de diversos tamanhos
formando copas abertas e pouco sobrepostas. Outras formações tí-
picas são os campos limpos de gramíneas, os campos rupestres de
altitude em áreas de afloramentos rochosos, o campo cerrado, as
bioma cerrado estados abrangentes
veredas de palmeira-buriti, assim como o cerradão (um cerrado ca de metade da avifauna brasileira, sendo 30 endêmicas. Entre
denso, de porte alto, com poucas gramíneas). Embora não sejam de os mamíferos, mais de 200 espécies, com 10% de exclusivismo;
origem savânica, existem no bioma as matas mesofíticas, as matas dentre os répteis, contam-se 180 espécies, a metade do total bra-
secas, e as matas de galeria e ripárias ao longo dos rios. Estes diver- sileiro, e 17% de endemismo.
sos tipos de vegetação formam trechos de florestas que, em geral, Estudos adicionais corroboram o alto grau de riqueza do bioma
são a conexão biogeográfica entre o Cerrado e a Amazônia, e entre no âmbito local: para abelhas, das 2.385 espécies da região neotro-
o Cerrado e a Mata Atlântica, e que se distribuem tipicamente na pical, cerca de 820 ocorrem no Cerrado e, destas, 502 km2 foram
forma de mosaico, produzindo extensas bordas e contatos. registradas no Distrito Federal, que tem apenas 5 mil km2 de área.
Estima-se que na região haja mais de 12 mil espécies de plan- Diversos fatores biogeográficos e ecológicos explicam essa
tas, sendo 44% endêmicas.2 Embora sem números exatos, calcu- diversidade. Em primeiro lugar, o Cerrado beneficia-se do pró-
la-se que quase a totalidade das ervas, ou plantas herbáceas, seja prio histórico da América do Sul, continente que esteve isolado
também exclusiva da região. Quanto às aves, há 856 espécies, cer- dos demais por cerca de 65 milhões de anos, principalmente no
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cerrado
período Terciário, e que ainda hoje se conecta com a América do das gramíneas ao reduzir o avanço da vegetação lenhosa e, por-
Norte de forma bastante limitada. Existe assim uma biota anti- tanto, mantém a coexistência entre os dois estratos. Além disto, a
ga que evoluiu de forma independente. Ainda dentro da Améri- biomassa das gramíneas é o principal combustível para o fogo no
ca do Sul, as terras altas e chapadões do Planalto Central se so- Cerrado, que, ao contrário dos incêndios florestais que se propa-
ergueram ao final do Terciário, levando a uma fragmentação da gam pelas copas das árvores combustíveis e formam grandes con-
paisagem e isolamento em relação aos biomas abertos vizinhos flagrações, ocasiona queimadas mais rentes ao solo. A constante
como Caatinga e Chaco. Existe dentro do Cerrado uma notável dos incêndios é outro fator que explica a diferenciação de parte da
variação de tipos de solo, topografia, e uma dinâmica histórica flora da região. Dados recentes indicam que as espécies de plan-
de contração e expansão da distribuição de espécies e ecossis- tas lenhosas do Cerrado começaram a se diferenciar nos últimos
temas ao longo do tempo. Em termos ecológicos, os principais 10 milhões de anos e mais aceleradamente entre 5 e 2 milhões de
elementos são a presença do fogo, a formação em mosaico dos anos atrás. Essas eram oriundas de espécies florestais que ocupa-
ecossistemas, e as amplas vias de interpenetração e contato com ram as savanas e divergiram das populações originais ao desenvol-
os biomas vizinhos. ver adaptações que permitiam resistência ao fogo.3
Independente da região, a presença de fogo é considerada es- Dispostos em forma de mosaico, os ambientes do Cerrado
sencial nas savanas, pois as queimadas favorecem a persistência criam extensas bordas de contato entre ecossistemas diversos:
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Biomas Brasileiros
de matas a campos limpos e cerrados. Essa característica tem Assim, há trabalhos que indicam a presença dos ecossistemas
especial relevância para a fauna, mais diretamente para as aves. de cerrado no Brasil Central há mais de 36.000 anos.6 A desapari-
As migrações e dispersão locais entre hábitats distintos são um ção desse cenário se deve a uma alternação de climas que se teria
fenômeno regular que, estimulado pela contiguidade e pela va- dado a partir de 22.000 anos atrás, quando iniciou-se uma fase
riação sazonal, toca a disponibilidade e oferta de alimento. Por seca que atingiu seu máximo entre 14.000 e 10.500 anos antes do
outro lado, a capacidade limitada de dispersão de muitas plantas presente, perdurando até 7.000 anos atrás. O clima voltou a ser
e de certos animais, e a microbiota são fatores que estimulam a semiúmido apenas nos últimos 5.000 anos. Tudo indica que os
heterogeneidade das comunidades, favorecendo conjuntos dis- grandes mamíferos experimentaram um período de fortes mu-
tintos de espécies que se mantêm em áreas restritas. Assim, en- danças no clima e na vegetação, e que o auge do período seco
contramos grandes variações na composição de cerrados situa- coincidiu justamente com a época de extinção desses animais.
dos a pequenas distâncias uns dos outros. Além disto, a presença de tribos humanas de caçadores na região
Finalmente, a topografia do Cerrado facilita uma extensa pode ter contribuído em maior ou menor grau para o declínio fi-
penetração do bioma nos vizinhos Mata Atlântica, Amazônia nal desta megafauna.
e Caatinga. Os grandes tributários da margem direita do Ama-
zonas, como o Tapajós, Xingu e Tocantins, nascem e percorrem Abrangência
boa parte do seu curso no Cerrado, e suas matas ribeirinhas atu-
am como corredores de conexão entre a planície amazônica e o O Cerrado ocupa cerca de 2 milhões de km2, ou 22% do terri-
planalto. Da mesma forma, as nascentes dos rios das bacias do tório brasileiro, e se situa no coração da América do Sul. Em ex-
Paraná e Paraguai se estendem até a área central dos cerrados, tensão, entre os biomas brasileiros, o Cerrado fica atrás apenas
permitindo a dispersão de espécies de Mata Atlântica ao longo da Amazônia.
destes cursos. As faunas e floras dos cerrados e da Caatinga se No Brasil, o Cerrado ocorre nos estados de São Paulo, Minas
substituem nos extensos sistemas da margem esquerda do rio Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia,
São Francisco, onde as matas secas apresentam afinidades bio- Maranhão, Piauí, e no Distrito Federal. Além disso, incorpora ain-
geográficas distintas. da partes do território de países vizinhos como Bolívia e Paraguai.
Apesar dos notáveis avanços da ciência brasileira e da gran-
de atenção que o Cerrado tem recebido por estudos biológicos, Urbanização
o bioma ainda carece de mais estudos, assim como outras tan-
tas regiões de elevada biodiversidade do Brasil. Um bom exem- Ainda no século XVI, quando os portugueses cruzaram o oce-
plo é a revisão4 sobre o período de 1988 a 2008 (um intervalo de ano Atlântico e iniciaram a ocupação do Brasil pela costa e pela
20 anos), que revelou um total de 1.300 espécies de vertebrados. Mata Atlântica, começaram as incursões ao Cerrado brasileiro,
Mais de um quarto desse total, cerca de 340 espécies, foram especialmente a busca por minerais preciosos. Os primeiros po-
descobertas em localidades do Cerrado. Ao todo, foram descri- voados permanentes se instalaram no início do século XVIII , as-
tas 222 novas espécies de peixes, 40 novos anfíbios, 57 répteis, sociados à exploração de ouro, que foi gradualmente cedendo lu-
27 mamíferos e 1 ave. Embora expressivos, tais números reve- gar à pecuária e à agricultura de subsistência, na medida em que
lam apenas uma pequena parte do que pode existir no Cerrado, as minas se exauriam.7 Assim se iniciou o ciclo de ocupação e ex-
pois grupos como os invertebrados, plantas e fungos são muito ploração desse bioma.
menos estudados do que os vertebrados. Apesar das diversas expedições de reconhecimento do sertão
Se esse painel já parece muito rico, vale imaginar que a di- do Brasil (realizadas a partir do século XVII ), até a década de 1960
versidade do Cerrado tal como a conhecemos hoje já foi ainda grande parte da região do Centro-Oeste brasileiro era habitada
maior: até 10 mil anos atrás, uma megafauna de dezenas de espé- somente por comunidades indígenas. Além das dificuldades de
cies de grandes mamíferos como preguiças-gigantes, com mais acesso e de sobrevivência nos ambientes tropicais, causa do fra-
de 3 m de altura, tatus-gigantes, pesando mais de uma tonelada, casso de muitas das tentativas de atravessamento da região, tam-
mamutes, cavalos, ursos e até camelos estavam presentes no bio- bém os conflitos com os povos indígenas resultaram na morte de
ma.5 Por meio da análise dos pólens encontrados no fundo dos la- muitos expedicionários e índios.
gos e lagoas da região, é possível obter-se uma série histórica dos A entrada do Centro-Oeste no cenário nacional é recente, e se
tipos de vegetação, e sua relativa extensão, e fazer inferências so- deve ao estabelecimento de uma política de incorporação econô-
bre os climas passados. mica da região e de sua integração ao Norte e ao Sul do país. 8 Essa
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cerrado
política gerou conflitos com diversos povos Caçadores e coletores que realizavam prolongadas excursões pela
indígenas, que precisaram ser deslocados para re- zona central do Cerrado brasileiro em busca de alimentos, os Xa-
servas hoje chamadas de Terras Indígenas, enquanto vante foram contatados na década de 1940. O período imediata-
suas terras e demais áreas circundantes mente pós-contato foi marcado por epidemias e confrontos que
eram liberadas à exploração pela socie- resultaram em acentuada redução da população. A partir das dé-
dade nacional.9 cadas de 1970 e 1980 iniciaram-se as demarcações de suas terras
O Cerrado abriga uma ampla dimensão
da miscigenação brasileira, constituindo A ocupação e a exploração de territó- e, em 2007, a tribo totalizava cerca de 13.000 indígenas, em 165
um importante reduto da diversidade rios indígenas, através de projetos de co- aldeias espalhadas de maneira bastante desigual por cada uma
cultural brasileira, com a presença lonização fomentados pelo governo, e da das nove terras Xavante. Hoje tal padrão tradicional de excursões
de dezenas de povos indígenas cujos
abertura de rodovias para viabilizar a in- praticamente desapareceu, por conta da significativa redução das
registros históricos remontam há
milhares de anos. Sob constante tegração nacional, resultaram em uma terras disponíveis e do estoque de caça ali existente, mas eles se-
ameaça, frente ao avanço da fronteira drástica redução populacional dos índios. guem realizando viagens de caça e pesca mais curtas, se ausentan-
agropecuária, do agronegócio, da As doenças trazidas pelos brancos, no do da aldeia por uma ou duas noites. Apesar do contato com a so-
produção de biocombustível e dos
grandes projetos de infraestrutura, as
contato entre os povos indígenas e os não ciedade que os cerca, a cultura Xavante continua a se manifestar
Terras Indígenas encerram hoje as indígenas, e os conflitos que se seguiram com extrema vitalidade, sendo retransmitida de geração em gera-
maiores extensões de Cerrado em pé. estão também entre as principais causas ção através da língua e de inúmeros mecanismos sociais, cosmo-
da alta taxa de óbitos dentre esses povos. lógicos e cerimoniais.11
O desmatamento tem avançado em direção às Terras Indí-
Demografia genas da região e a Maraiwatsede é um dos casos emblemáticos
deste avanço. A maior parte de sua área está ocupada ilegalmen-
As estimativas sobre a demografia indicam que existem entre te por fazendeiros e posseiros não indígenas, majoritariamente
20 e 28 milhões de habitantes no Cerrado (dependendo de quais criadores de gado e produtores de soja e arroz, que contribuem
municípios são levados em conta no cálculo), e que cerca de 75% com o desmatamento, o assoreamento dos rios, a contaminação
do total seja urbana. de solos e cursos d’água e a consequente intoxicação da popula-
Ainda que hoje cerca de 4% do bioma esteja protegido em re- ção Xavante.12
servas indígenas, a população nativa da região diminuiu de esti-
mados 500.000 habitantes no ano 1500, para cerca de 40.000 em Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o
1980, ou seja, chegaram a apenas 8% de remanescentes. Já no
final dos anos 1980, com o reconhecimento dos direitos indíge- Se considerarmos que o Cerrado responde por cerca de 30%
nas no art. 231 da Constituição Federal de 1988 e com a demar- do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas que seu Índice de
cação de muitas terras, as populações indígenas, de um modo Desenvolvimento Humano (IDH) é ainda menor que o valor na-
geral, passaram a aumentar com uma taxa de crescimento po- cional, fica nítido que o quadro socioeconômico precisa se tornar
pulacional que atingiu a média de 3,5%. Assim, o que se observa mais equitativo, inclusivo e respeitoso dos limites da natureza.
nos censos produzidos pelo IBGE de 1991 a 2010 é que a popu- Em 2008, o IDH médio dos estados ocupados predominantemen-
lação autodeclarada indígena na região do Centro-Oeste passou te pelo Cerrado era equivalente a 0,768, ou seja, estava abaixo da
de 52.735 a 130.494. No país, a população indígena total subiu então média brasileira de 0,771 (incluindo o Distrito Federal).
para 817.963.10 Um estudo realizado em 2011 comparou os municípios do
Além da marcante contribuição da cultura indígena, a mesti- Brasil quanto ao chamado Índice Firjan de Desenvolvimento
çagem com africanos e europeus, e a mistura de seus costumes Municipal, que nada mais é que um Índice de Desenvolvimen-
como danças, ritmos e ritos fazem do bioma o abrigo para um to Humano simplificado e que leva em conta quatro indicado-
conjunto de traços culturais peculiares porém variados, tornan- res: renda, emprego formal, saúde e educação. O estudo indica
do a afirmação de uma cultura típica do Cerrado motivo de con- que a região Centro-Oeste, apoiada na expansão da fronteira
trovérsia entre especialistas. agrícola e seu impacto no emprego, saiu de um patamar de de-
senvolvimento similar ao do Norte e Nordeste e se aproximou
O s í n d i o s X ava n t e àquele do Sudeste. O destaque foi a Cidade de Lucas do Rio Ver-
Alguns dos habitantes notórios do Cerrado são os povos in- de (MT ), que ficou na oitava posição, quebrando a hegemonia das
dígenas falantes de línguas do tronco Macro-Jê, como os Xavante. cidades paulistas.
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P i ca- pau d e banda bra n ca ( D ryocopus lin eatus) – Mata cil ia r do Rio Preto, cerrado do oeste baiano | BA
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E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
Atualmente, as unidades de proteção integral representam
menos de 3% da área do bioma.33 A última unidade de conserva-
ção (UC ) com tamanho expressivo criada no Cerrado foi o Parque
Nacional Chapadas das Mesas: uma área de 160 mil hectares no
estado do Maranhão, declarada UC em 2005.
Importantes unidades de conservação, como o Parque Nacio-
nal da Serra da Canastra, protetor da nascente do rio São Fran-
cisco em Minas Gerais, estão sendo reduzidas para dar lugar a
atividades econômicas (no caso, à extração de diamantes). Ou-
tra situação preocupante é a da maior unidade de conservação de
proteção integral do Cerrado, o Parque Nacional das Nascentes
Qu ei m ada no Pa rque Nacion a l das Emas | GO do Parnaíba, uma área com 729 mil hectares, que está ameaçada
por projetos de produção energética a partir de hidrelétricas.
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A s i t u a ç ã o da s á g u a s d o C e r r a d o
O Cerrado é conhecido como berço das águas brasileiras. É nes-
se bioma que nascem alguns dos principais rios brasileiros, como
o Xingu, o São Francisco, o Tocantins, o Araguaia, o Parnaíba, o
Tapajós, os tributários da margem direita do Paraná e todos os que
formam o Pantanal. Dados da Embrapa Cerrados indicam que o
bioma contribui com a vazão que flui em oito das 12 regiões hi-
drográficas brasileiras definidas pela Agência Nacional das Águas,
principalmente aquelas dos rios Paraguai, Parnaíba, São Francis-
co e Tocantins-Araguaia.34 Assim, a importância do bioma para a
manutenção dos recursos hídricos do país é seguramente a carac-
terística que mais determina a necessidade de preservá-lo.
A cobertura florestal desempenha a função de administração
hidrológica da água precipitada, isto é, captando, armazenando e
disponibilizando-a, lenta e gradualmente, em quantidade e qua-
lidade. Assim, a rápida transformação do uso da terra que vem
ocorrendo no bioma (com a substituição da vegetação nativa por
áreas de produção agrícola, principalmente de soja) afeta negati-
vamente a disponibilidade hídrica dessas bacias hidrográficas de
suma importância para o Brasil. Ademais, a irrigação necessária
às atividades agrícolas exercem uma pressão direta sobre os re-
cursos hídricos, tanto no próprio Cerrado como nos demais bio-
mas, sendo essa a principal fonte de consumo de água no Brasil,
responsável por 70% do mesmo.
Além de reduzir a disponibilidade hídrica, a atividade agrícola im-
pacta a qualidade do lençol freático e corpos d’água por meio do car-
reamento, pelas chuvas, e por meio de fertilizantes e agroquímicos
que contaminam a natureza, e ainda a própria população que conso-
me água proveniente das áreas contaminadas. Para salvaguardar os
serviços ecossistêmicos de água doce no Cerrado, a preservação da
qualidade e disponibilidade dos seus recursos hídricos, colocam-se
como desafios a adoção de melhores práticas como o uso eficiente
da água e a redução do uso de agroquímicos, bem como medidas
de conservação dos solos e restauração vegetal em áreas ripárias.
D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s
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Alguns estudos sugerem que a dinâmica de ocupação desor- Interromper esses mecanismos evolutivos é decretar o exter-
denada do Cerrado poderá provocar, em um período muito curto mínio do Cerrado, mesmo que algumas áreas nativas ainda se
de tempo, uma grande supressão da cobertura vegetal nativa. Um mantenham em pé na paisagem. As mudanças climáticas tendem
modelo baseado na dinâmica de uso da terra promovida por di- a exacerbar estes efeitos. Em termos de extinção de espécies, pre-
ferentes culturas agrícolas e pecuária35 sugere que, num cenário visões do efeito de mudanças climáticas projetam valores globais
em que se alie o aumento da produtividade a qualquer custo à au- de 15 a 37% de perdas até 2050, incluindo os biomas Amazônia e
sência de políticas públicas de salvaguardas ambientais, a cober- Cerrado em diferentes cenários,40 em grande parte relacionado
tura vegetal nativa do Cerrado seria reduzida em até 72% de sua às projeções de mudanças em temperatura e pluviosidade.
área original no ano de 2020. Até 2100,41 prevê-se o aquecimento de 4 a 6% na América do
Numa simulação semelhante,36 projeta-se para o ano de 2050 Sul continental e redução nas chuvas com decorrente seca nas
a redução da cobertura vegetal nativa para 18%, em blocos muito bacias da Amazônia oriental e do São Francisco. Exemplos do
isolados de vegetação nativa. Nesse cenário, somente as regiões efeito dessas mudanças climáticas sobre grupos taxonômicos
pouco propícias ao estabelecimento de atividades agrícolas (pla- específicos são graves no Cerrado: para 26 espécies de aves en-
nícies inundáveis, como a do Araguaia, ou regiões montanhosas, dêmicas, projeta-se uma retração em até 80% na distribuição
como a cadeia do Espinhaço ou a região da Chapada dos Veadei- geográfica e um deslocamento médio de 200 km no sentido su-
ros) permaneceriam com alguma cobertura vegetal nativa. deste.42 Resultados semelhantes também foram obtidos com a
Ainda que desde 1998 o Governo tenha, com a ajuda do setor modelagem da distribuição potencial de 162 espécies de plantas
acadêmico e de organizações não governamentais, apontado áre- vasculares (aquelas que possuem tecidos especializados para
as prioritárias para a conservação do Cerrado, 37 ações consisten- transportar o alimento para as suas células) do Cerrado indican-
tes no campo da conservação devem ser implementadas de ime- do extinções e deslocamento para sudeste e sul das regiões estu-
diato no bioma para que tais cenários sejam evitados. dadas.43 As direções sudeste e sul são justamente as regiões mais
Em uma recente revisão dessas áreas,38 foi indicado que em alteradas do bioma e com menor cobertura vegetal nativa. Os
pelo menos 37% do território coberto pelo Cerrado deveriam ser biomas Mata Atlântica e Cerrado são marcadamente sensíveis, a
adotadas ações como a expansão das áreas protegidas públicas e se julgar pelo fato de que, das 627 espécies que constam da lista
particulares. Contudo, tal iniciativa não tem avançado no senti- oficial das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção,44
do da sustentabilidade ambiental. Vale lembrar que, apesar de o mais de 72% estão concentradas nesses dois hotspots.45
bioma conter um terço da diversidade de espécies do Brasil, atu- Esse padrão irá impactar também as populações humanas
almente o Cerrado é o segundo bioma com maior número de es- mais pobres desses biomas. Modelos de cenários climáticos
pécies ameaçadas de extinção no país.39 para 2080 indicaram grandes perdas de ambientes apropria-
dos para o pequi (Caryocar brasiliense Camb. Caryocaraceae),
M u da n ç a s c l i m á t i c a s planta nativa importante à economia de municípios pobres no
O acúmulo de CO 2 na atmosfera e o consequente aumento da bioma Cerrado.46
temperatura média da Terra devem ter implicações significati- Além disto, o atual sistema de unidades de conservação já é
vas para o Cerrado brasileiro, especialmente se o padrão atual insuficiente para conservar as aves endêmicas47 e a metade do
de uso e ocupação da paisagem for mantido. Uma previsão de ce- Cerrado já está ocupada com a produção de alimentos e energia.
nário para 2040 afirma que, em apenas 60 anos após o início de O que fazer com a outra metade para evitar o cenário previsto
sua ocupação mais expressiva, o Cerrado se igualará com a atu- para o futuro depende das políticas públicas e ações tomadas na
al Mata Atlântica em termos de cobertura vegetal remanescente, atualidade. As tendências apontam para uma convergência de
ou seja, cerca de 10% do original. sérias ameaças à sobrevivência do bioma.
As consequências disso são preocupantes, pois colocam em ris-
co dois mecanismos essenciais para a evolução: o intercâmbio de Pa n o r a m a p o l í t i c o
indivíduos entre as populações e a expansão da área de ocorrência As últimas duas décadas viram avanços importantes no re-
das espécies. O primeiro assegura que a diversidade genética das conhecimento da importância dos ecossistemas nativos, na
espécies se mantenha e cresça, garantindo a sobrevivência de uma expansão do sistema de áreas protegidas e na implementação
espécie ao longo do tempo. O segundo relaciona-se com o processo de técnicas modernas para o planejamento de conservação e
de especiação (formação de novas espécies), pois a diferenciação para o desenvolvimento sustentável. Isto foi possível através
dos organismos acontece ao longo do tempo e também do espaço. de parcerias entre organizações não governamentais, socie-
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cerrado
70
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dades locais, setor produtivo, entidades acadêmicas e científi- 17 Duboc, E. et. al.. Panorama Atual da Produção de Carvão Vegetal no Brasil
cas, e órgãos do governo. Mesmo assim, nos últimos anos este e no Cerrado. – Planaltina, DF . Documentos Embrapa Cerrados, ISSN 1517–
5111, 197, 2007, 37p.
esforço arrefeceu.
18 Vilela, L.; Barcellos, A. de O.; Sousa, D. M. G. de; Benefícios da integração
Sem parques de grande porte no Cerrado, há um risco real de entre lavoura e pecuária. Embrapa, Planaltina, DF , 2001.
perda dos predadores do topo de cadeias alimentares nas próxi- 19 Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – Assessoria de
mas décadas, o que introduziria mudanças profundas na estru- Gestão Estratégica Projeções do Agronegócio Brasil 2010/11 a 2020/21.
tura das comunidades biológicas. Desde já, com o que sabemos, 20 Agnes, E.L.; Freitas, F.C.L.; Ferreira, L.R. Situação atual da integra-
é possível conciliar a presença humana e a produção econômi- ção agricultura pecuária em Minas Gerais e na Zona da Mata Mineira. In:
Manejo integrado: integração agricultura-pecuária, 1., 2004, Viçosa, MG.
ca com a manutenção dos ecossistemas naturais e suas espécies.
Anais... Viçosa: UFV , 2004. p.251–285.
Resta apenas assumir esse compromisso com as próximas gera- 21 Macedo Manuel; Motta, Claudio. Revista Brasileira de Zootecnia v.38,
ções e com o mundo natural da Terra. p.133–146, 2009 (Supl. especial).
22 Vilela et al. 2001.Op. Cit.
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15 Disponível em: http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1028&t=2 34 Lima, J.E.F.W. Situação e perspectivas sobre as águas do Cerrado. Ciên-
16 Idem. cia e Cultura, v. 63, p. 27–29, 2011.
71
cerrado
35 Smith J., Winograd M., Gallopin G., Pachico D. 1998. Dynamics of the agri- mante J.F., Tavares P. 2011. Development of regional future climate change
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36 Baseada no uso de redes neurais e cadeias de Markov, apontada por uma cisco and the Paraná river basins. Climate Dynamics no prelo [DOI 10.1007/
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72
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76
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M
3 Caatinga
B r á u l i o S a n to s • F e l i p e M e lo • J o s é A lv e s S i q u e i r a F i l h o
R i c a r d o R i v e l i n o Da n ta s R a m o s • M a r c e lo Ta b a r e l l i
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caatinga
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Biomas Brasileiros
Francisco, para o estabelecimento dos primeiros povoados e de- De um modo geral, as condições de vida
senvolvimento de atividades agropecuárias. Esse processo civili- na Caatinga são precárias. Dados publicados pelo
zatório resultou no maior adensamento populacional e na explo- IBGE em 1996 indicavam que para indivíduos com ida-
ração da terra nos vales úmidos e nos brejos de altitude. de superior a 15 anos a taxa de analfabe-
Outro aspecto importante da ocupação do espaço foi o surgi- tismo variava entre 40–60%, quando no
mento de núcleos comerciais nas vias primitivas de colonização Brasil era de 20% e no Nordeste de 37%.
e, posteriormente, ao longo das ferrovias e rodovias. A esperança de vida raramente chegava
aos 65 anos e a mortalidade infantil fica-
Demografia va acima de 100 por mil.
Longos períodos de seca tendem
O nordestino possui uma renda per
a ser mais intensos no centro do que
A população que colonizou inicialmente a Caatinga era uma capita equivalente à metade da média na periferia da Caatinga e não é raro
mistura de portugueses e de caboclos brasileiros, índios e negros. nacional. Para os que vivem na Caatinga, encontrar localidades que enfrentam
Hoje, alguns municípios concentram até 6 mil habitantes por esse valor é ainda menor já que os cálcu- 11 meses de estiagem ocasionada pela
irregularidade das chuvas. Em geral,
km2, mas na grande maioria da Caatinga a densidade populacio- los consideram cidades de fora do bioma
a escassa precipitação se dá em
nal não passa de 50 habitantes por km2.14 Considerando apenas a (como o Recife), além de atividades que 3 meses consecutivos, podendo cair
zona rural dos municípios, apenas 15 deles apresentam mais de ocorrem no perímetro urbano dos muni- na forma de granizo.
100 habitantes por km2. A partir de 1980, o crescimento popula- cípios. Na prática, um cidadão represen-
cional na região da Caatinga tem diminuído (< 1%) ou se tornado tativo da Caatinga, “o sertanejo”, recebe
negativo em alguns casos. em média menos de meio salário mínimo.16
Há pelo menos 22 grupos indígenas na região:15 Atikum, Fulni- Ainda que o Nordeste como um todo tenha crescido economi-
-ô, Kaimbé/Tupinambá, Kambiwá, Kantaruré, Kapinawá, Kariri- camente mais que a média nacional, e que muitos programas so-
-Xokó, Kiriri, Pankararé, Pankararu, Pipipan, Pitaguary, Potigua- ciais tenham sido implementados nos últimos anos, as condições
ra, Tingui Botó, Tremembé, Truká, Tucumanduba, Tuxá, Xakriabá, de vida na maior parte da Caatinga continuam precárias, princi-
Xokó, Xucuru e Xukuru Kariri. Até 2008, o reconhecimento dos palmente na zona rural.
limites de suas terras estava em uma das cinco situações: (1) ter- Apesar da insuficiência material, a diversidade cultural da
ra em identificação ou em revisão; (2) terras aprovadas pela Funai, Caatinga é fascinante, e vai muito além da típica imagem do va-
sujeitas a contestação; (3) terras declaradas; (4) terras homologa- queiro com seu gibão e chapéu de couro montando um cavalo
das; (5) terras registradas no Cartório de Registro de Imóveis e/ou pronto para enfrentar a espinhosa e ramificada vegetação da
na Secretaria de Patrimônio da União. caatinga. A música, a dança, a poesia e um sem-número de ma-
Em total seus territórios somam quase 210 mil hectares, ou nifestações populares emergem por toda a região, das capitais
0,25% da Caatinga, e estão espalhados pelos estados de Alagoas, às localidades mais remotas, de janeiro a janeiro. A gastrono-
Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe. As terras in- mia também é muito diversificada, e, ao contrário do que mui-
dígenas, além de garantirem o usufruto exclusivo das riquezas do tos pensam, varia muito de local para local.
solo, dos rios e dos lagos por parte dos índios, podem ser um forte
aliado da conservação da biodiversidade. Economia
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caatinga
Vaq u eiro da Caatin ga com vestimen ta típ ica de couro em Paulo Afonso | BA
A vulnerabilidade socioeconômica mantém o sertanejo alta- principalmente, a partir do extrativismo na Caatinga. Em resu-
mente dependente dos bens e serviços providos pelo ecossiste- mo, as econômicas regionais do semiárido brasileiro sempre de-
ma natural da Caatinga. A coleta e a comercialização dos frutos penderam da vegetação da Caatinga, mas nunca a exploraram de
do umbu, da cera de carnaúba e de materiais diversos do o ricuri maneira sustentável.
(espécie de palmeira) têm certa importância na economia regio- Se 500 anos de economias predominantemente de subsistên-
nal da Caatinga. No entanto, foi a pecuária e a agricultura de sub- cia e de extrativismo deixaram 55% da Caatinga ainda em pé18, o
sistência que moldaram o ambiente da Caatinga ao longo dos úl- novo momento vivido pela região nordestina pode ameaçar for-
timos 500 anos. temente a vegetação nativa remanescente.
O sobrepastejo e o uso da lenha nativa para fins energéticos Projetos infraestruturais de grande porte, como o Projeto de In-
geraram degradação do ecossistema em diversos locais, chegan- tegração do São Francisco, popularmente conhecido como trans-
do inclusive à desertificação. Estima-se que 70% das famílias da posição do rio São Francisco, e a construção da Ferrovia Trans-
Região Nordeste ainda utilizem lenha para consumo doméstico nordestina, que integrará portos de todo o Nordeste, certamente
e que 33% da matriz energética seja suprida com lenha obtida, mudarão os padrões atuais de uso e ocupação do solo da Caatinga.
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Biomas Brasileiros
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caatinga
U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
Até 2005, a região da Caatinga tinha 47 unidades de conserva-
ção em diferentes categorias de gestão: 16 federais, 7 estaduais e
24 privadas, as quais somam 4.956 km2 ou cerca de 6,4% do bio-
ma.31 No entanto, apenas 11 áreas, cobrindo menos de 1% da re-
gião, são de proteção integral, como parques nacionais, estações
ecológicas e reservas biológicas.
A Caatinga tem o menor número e a menor extensão protegida
dentre todos os biomas brasileiros e as unidades de conservação
falham em proteger essa biodiversidade. Dentre os 13 principais
tipos de vegetação reconhecidos para a Caatinga,32 quatro não es-
tão representados em nenhum tipo de unidade de conservação.33
Da mesma forma, nenhuma das populações das 44 espécies
de aves passeriformes (pássaros e passarinhos) endêmicas ou
ameaçadas de extinção está protegida pelo atual sistema de uni-
dades de conservação.34 Além disso, somente metade das 16 uni-
dades de conservação federais tem formações exclusivas da Ca-
atinga,35 como é o caso do Parque Nacional Serra das Confusões
(502.411 ha), no Piauí, que contém áreas de Caatinga, cerrado e
outros tipos de florestas secas. Por fim, muitas das unidades de
conservação da Caatinga não estão totalmente implementadas,
ou seja, têm problemas com os proprietários de terras (desapro-
priação não efetuada), seus limites não estão adequadamente de-
marcados, nem apresentam planos de manejo.
Existem, entretanto, algumas áreas protegidas significativas
que formam a espinha dorsal de qualquer expansão futura da rede
de unidades de conservação da Caatinga. Podemos citar o Parque
Nacional da Chapada Diamantina (152.000 ha) e a Estação Ecoló-
gica do Raso da Catarina (99.772 ha) na Bahia; o Parque Nacional da
Serra da Capivara (129.140 ha) e o da Serra das Confusões (526.106
ha); e o Parque Nacional do Catimbau (62.300 ha) em Pernambu-
co. Esforços localizados e de grande importância continuam sendo
feitos, como a criação do Parque Estadual Mata da Pimenteira (887
ha) em Serra Talhada, Pernambuco, no começo de 2012.
P ovoad o d o Desejad o nas i m ed i ações da Serra Vermel h a I PI A falta de infraestrutura básica e de pessoal torna essas unida-
des vulneráveis ao desmatamento, à caça e ao fogo, o que põe em
100
Biomas Brasileiros
perigo todos os esforços de criação de novas unidades de conser- diversidade (ICMB io) e pela Fundação Museu do Homem Ame-
vação. Conservar a biodiversidade e ao mesmo tempo reduzir a po- ricano (Fundham). O parque tem recebido considerável atenção
breza não é uma tarefa fácil. Quando isto acontece, ou pelo menos nacional e internacional, por causa de sua importância como sí-
está em processo, nos aproximamos do objetivo central da conser- tio arqueológico (é Patrimônio Mundial da Humanidade desde
vação. No entanto, a implementação de uma ampla rede de uni- 1998) e como área de proteção da paisagem natural da região.36
dades de conservação de proteção integral, e com gestão eficien- Instalado num dos estados mais pobres do Brasil, o parque é
te, continua sendo uma necessidade básica para a conservação da um dos mais visitados do país. O ecoturismo tem aquecido a eco-
biodiversidade da Caatinga, enquanto a perda da vegetação nativa, nomia local, gerando empregos e oportunidades para a popula-
seguida de desertificação, constitui a principal ameaça a esta biota. ção extremamente carente dessa região do Piauí. O parque prote-
ge um grande número de aves ameaçadas de extinção, incluindo
O c a s o d o Pa r q u e N ac i o n a l da S e r r a da a maracanã-do-buriti (Ara maracana), o pica-pau-anão-canela
C a p i va r a : u m e x e m p lo d e p r ot e ç ã o i n t e g r a l (Picumnus fulvescens), o arapaçu-do-nordeste (Xyphocolaptes
O Parque Nacional da Serra da Capivara é um excelente exem- falcirostris), o joão-chique-chique (Gyalophylax hellmaryi), o
plo de conservação que deveria ser replicado não só na Caatinga, bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae) e o pintassil-
mas também em outros biomas. Com 129.140 ha, este parque é go (Carduellis yarelli), além de populações de grandes mamíferos,
gerenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Bio- como a onça parda.37
101
caatinga
O P r oj e to d e I n t e g r a ç ã o
do Rio São Francisco
O projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF ) envol-
ve a construção de dois canais, denominados eixos norte (com
350 km) e leste (com 270 km), compreendendo os estados de Per-
nambuco, Paraíba e Ceará. As obras já idealizadas desde o tempo
do império se tornaram realidade em 2008. Para a execução da
obra foram exigidos, pelo órgão licenciador (IBAMA ), a realização
de 35 projetos básicos ambientais (PBA ) com um custo estimado
na ordem de R$ 120 milhões.
Dentre os PBA s, o Programa de Conservação de Flora e Fauna,
O r a r o lag arto co nhec i d o co m o pi toco ( H o plo cercus spin osus) coordenado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
n a Serra Vermel h a | PI (UNIVASF ), é responsável pelo inventário, resgate e monitora-
mento da vegetação sob a influência da obra.
De 2008 a 2012 foram investidos cerca de R$ 36 milhões nes-
R e s e r va N at u r a l S e r r a da s A l m a s : te programa, o maior investimento já feito em um programa am-
u m e x e m p lo d e u s o s u s t e n t á v e l biental no país dentro de uma universidade federal. Foram cerca
Criada há cerca de 10 anos entre o Ceará e o Piauí, a Reserva de 200 expedições de campo que permitiram ampliar a capaci-
Natural Serra das Almas possui 6.635 ha,38 e é administrada pela dade do Herbário Vale do São Francisco (HVASF ), referência em
ONG Associação Caatinga com a manutenção garantida em longo plantas da Caatinga, para cerca de 15.000 amostras que são in-
prazo por doações do setor privado. tercambiadas com várias instituições do país.
As Reservas Particulares do Patrimô- O acervo do PISF conta com 1.440 espécies, 595 gêneros e 128
nio Natural (RPPN ) são unidades de con- famílias, além de coleções de madeira (xiloteca) com 114 espé-
O “Boqueirão da Onça”, área situada servação privadas que têm como prin- cies, 88 gêneros e 29 famílias; coleção de germoplasma com mais
no centro-norte baiano, abriga as cipal objetivo conservar a diversidade de uma tonelada de sementes da Caatinga compreendendo 131
últimas populações de onças-pardas
e pintadas da bacia do São Francisco,
biológica, permitindo pesquisa científi espécies, 113 gêneros e 38 famílias; uma estufa para a conserva-
além de várias espécies vegetais ca e visitação com objetivos turísticos, ção ex situ de espécies endêmicas da bacia hidrográfica do rio São
endêmicas da Caatinga. Por causa da recreativos e educacionais. Essa reserva Francisco; além de espécies ameaçadas de extinção da Caatinga e
crescente urbanização da área, é conta com declaração de RPPN por par- um viveiro para produção de 100.000 mudas/ciclo.
urgente a criação do Parque Nacional
Boqueirão da Onça.
te do governo, propriedade da terra, pla- Os esforços em parceria com a Universidade Federal de Per-
no de manejo com análise das ameaças à nambuco (UFPE ) permitiram ampliar a formação de pesquisado-
biodiversidade, pessoal capacitado e in- res, com graduação e pós-graduação, através do curso de Ecolo-
fraestrutura mínima voltada para o ma- gia e Conservação da Caatinga, que treina pessoal na temática da
nejo e funções da unidade.39 Caatinga em tempo integral e em condições de campo.
Essa iniciativa de conservação garan-
te a proteção de, pelo menos, 320 espé- D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s
cies de plantas, 45 mamíferos, 237 aves, 44 répteis e 34
anfíbios, além da proteção de espécies ameaçadas Se antes o desafio era mostrar que a Caatinga era muito mais
de extinção, como a jaguatirica (Leopardus do que uma extensa mancha de solo rachado pelo clima semiári-
102
Biomas Brasileiros
do, atualmente procura-se implementar uma agenda que conci- As sociedades de maneira geral têm se preocupado com os
lie desenvolvimento socioeconômico com conservação da diver- impactos das mudanças climáticas que se avizinham. Prever os
sidade biológica e prestação de serviços ecossistêmicos. efeitos dessas alterações sobre a economia, biodiversidade e po-
A criação de novas universidades e escolas técnicas é um sinal pulações humanas constitui hoje um dos principais desafios para
inequívoco de que o sertão brasileiro vive um novo ciclo de de- qualquer sociedade desenvolvida.
senvolvimento econômico, mas o sucesso dessa nova conjuntu-
ra vai depender dos cuidados com bens e serviços prestados pelo M u da n ç a s c l i m á t i c a s e s e r v i ç o s a m b i e n ta i s
ecossistema da Caatinga. O manejo adequado do solo e das águas As regiões de clima semiárido do mundo estão entre as mais
da Caatinga será de fundamental importância para a convivência ameaçadas pelas mudanças climáticas, já que variações negati-
entre atividades produtivas diversas e a biodiversidade regional. vas pequenas nos níveis de precipitação podem modificar dras-
Os serviços ambientais prestados pela Caatinga ainda preci- ticamente a estrutura dos ecossistemas naturais e antrópicos. As
sam ser quantificados e seu papel na economia formal melhor di- consequências para a economia e saúde da população humana
mensionado, para que fique claro quanto o sertanejo e o sertão podem ser devastadoras, uma vez que a capacidade da Caatinga
brasileiro dependem da biodiversidade desse bioma. em prestar serviços ambientais pode ser fortemente reduzida.
103
caatinga
Mo c ó (K e rodon rup estris) esp écie de ma mífero ca racterística da Caatin ga – Gruta dos Angicos | SE
Em 2008, um estudo patrocinado pelo Banco do Nordeste do A vegetação nativa da Caatinga é a própria apólice de segu-
Brasil (BNB ) e realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ro contra a severidade das mudanças climáticas. Se o enfrenta-
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG ) mostrou que até mento destas mudanças parece ser uma tarefa difícil, seria se-
2050, se nada for feito, o Nordeste pode ter uma redução de 11% guramente mais complicado sem o apoio dos serviços providos
de seu PIB em face às mudanças climáticas. Estados como Per- por um ecossistema sadio. Problemas graves de erosão e deser-
nambuco e Ceará correm o risco de perder mais de 60% de suas tificação prometem ser mais frequentes com um aumento de 2 a
terras agricultáveis por mudanças na fertilidade do solo deriva- 4 graus Celsius, como prevê o Painel Intergovernamental sobre
das de alterações no clima. Mudanças Climáticas (IPCC ), tornando os ecossistemas degra-
O mesmo estudo sugere que essas mudanças na fertilidade da dados e vulneráveis.
terra gerariam ondas migratórias para os centros urbanos, au- Em 2010, o Ministério do Meio Ambiente (MMA ) do Brasil
mentando a incidência de algumas doenças que hoje já são um constatou que o desmatamento, quase sempre associado a alguma
problema de saúde pública no Nordeste. Tomando como referên- atividade econômica dependente de energia, já tinha eliminado
cia o ano de 2005,40 estima-se que os custos da saúde pública po- cerca de 46% da vegetação nativa da Caatinga. Ou seja, a biomas-
dem crescer 49% até 2035. sa florestal nativa explorada de forma extrativista continua sendo
104
Biomas Brasileiros
um componente importante da matriz ener- belecimento de políticas efetivas de uso sustentável dos recursos
gética do semiárido brasileiro em pleno século XXI . naturais da região.44 Dentre os muitos possíveis caminhos que le-
Somente o polo gesseiro do Araripe demanda, anual vam ao desenvolvimento sustentável da Caatinga, é necessária a
mente, o corte de 8 mil hectares de vege- consideração de algumas questões-chaves, tais como:
tação nativa para abastecer sua indústria, 1 Pobreza e conservação não combinam: somente popula-
que emprega indiretamente mais 70 mil ções humanas que têm satisfeitas suas necessidades básicas são
pessoas. Com o ritmo do crescimento des- capazes de tomar decisões sensatas sobre seu capital natural.
sa atividade e as projeções de aumento na A longo prazo será impossível garantir a conservação dos recur-
demanda pela lenha, estima-se que em 45 sos naturais da Caatinga se o homem sertanejo continuar tendo
Pernambuco, cujo território é 80%
anos já se tenha esgotado toda a lenha num uma das menores rendas per capita do país. Enquanto a pobreza
ocupado pela Caatinga, foi o primeiro
estado brasileiro a criar um marco raio de 80 km em torno do polo gesseiro.41 se mantém generalizada, os recursos naturais do bioma conti-
legal para enfrentar a mudança do A Caatinga ainda abriga 46.979.425 nuam sendo explorados de forma predatória, ainda que para su-
clima. Em 2010 foi aprovada uma lei ha de vegetação nativa, o que represen- prir necessidades básicas e legítimas de populações humanas.
que institui o plano de enfrentamento
ta 2.419 milhões de m3 de madeira e uma 2 Áreas protegidas são necessárias: proteger, pelo menos,
às mudanças climáticas e reconhece
os “serviços ambientais” prestados biomassa vegetal acima do solo superior 10% da Caatinga através de unidades de conservação de prote-
pela natureza. a 3 milhões de toneladas.42 A gestão inte- ção integral é a meta geral fixada globalmente pela ONU para os
ligente desse enorme ativo biológico será ecossistemas terrestres. No entanto, essa meta já tem se mos-
fundamental para garantir a proteção da trado insuficiente e sabe-se que é preciso fortalecer as UC s exis-
biodiversidade, a produção de água e proteção do solo, o armazena- tentes e criar novas unidades, sejam públicas ou privadas. Uma
mento de carbono, a mitigação dos efeitos causados por extremos ampla rede de unidades de conservação é um dos principais
climáticos (como estiagens prolongadas), e o desenvolvimento componentes de qualquer política de uso sustentável de recur-
econômico, principalmente se o clima se tornar mais árido como sos naturais.
previsto para a região. 3 Conhecer para não perder: mesmo com novas universida-
des federais e a expansão dos campus já estabelecidos, o Nordes-
• • • te do Brasil ainda apresenta um número reduzido de grupos de
pesquisas e programas de pós-graduação, com fraco desempe-
Em resumo, a sociedade tem amadurecido e começa a perce- nho geral em termos de mestres e doutores formados e publica-
ber que a sustentabilidade das atividades humanas depende, em ções. O novo ritmo de crescimento do Nordeste vai exigir que um
grande parte, do funcionamento adequado dos ecossistemas na- maior contingente de pesquisadores se mobilize para atender às
turais do planeta; isto é, ecossistemas saudáveis. demandas de uso, manejo e proteção da
Sem uma Caatinga sadia, não teremos oferta de energia para biodiversidade, e também dos serviços
o polo gesseiro, nem terras agricultáveis para produzir frutas ambientais associados. Entre 1985 e 1996, apenas 4% dos
e vinhos no vale do rio São Francisco, nem água para satis 4 Atividades econômicas sustentá 2.439 projetos de biodiversidade
realizados no Brasil foram
fazer as necessidades da população humana crescente. A Caa- veis: em regiões áridas e semiáridas, ati- desenvolvidos na Caatinga,
tinga, como uma grande região natural, precisa ser reconheci- vidades econômicas de elevado valor sendo que 18 das 53 áreas
da pelo capital natural que é e representa, e como prestadora agregado (como bioprospecção, ecotu- prioritárias para a conservação
de serviços ambientais, de forma que as populações humanas rismo, produção de fármacos, polos tec- da flora foram classificadas como
insuficientemente conhecidas.
possam melhorar sua qualidade de vida tomando por base nológicos) são capazes de gerar emprego
economias sustentáveis. e renda e manter a cobertura vegetal da
Em 2011 a Caatinga foi reafirmada como a biota brasileira região. A cobertura nativa é fundamen-
com menor esforço de investigação científica, independente se tal para evitar a degradação do solo, a
o esforço é medido pelo número de publicações, pelo número de desertificação e, consequentemente, o
pesquisadores seniores devotados ao estudo do bioma ou pela colapso dos recursos hídricos e impac-
quantia de recursos financeiros aplicados em pesquisa.43 tos decorrentes para a biodiversidade e
Assim, a Caatinga, como as demais florestas secas do conti- populações humanas. Neste contexto, a vegetação, seja
nente americano, necessita de mais grupos de pesquisas e de ela arbustiva ou florestal, tem um papel fundamen-
instituições capazes de oferecer informação e fomentar o esta- tal como mitigadora dos extremos climáti-
105
caatinga
106
Biomas Brasileiros
cos (como secas severas e prolongadas devido à possível expan- 14 Sampaio, Y. & J.E.M. Batista. 2004. Desenvolvimento regional e pressões
são da zona de aridez). O aumento de atividades redutoras da antrópicas no bioma Caatinga. Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonse-
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agregado e matriz energética dependente de lenha nativa, con- 15 MMA (Ministério do MeioAmbiente). 2008. Unidades de Conservação e
denariam a biodiversidade, os serviços ambientais, a economia Terras Indígenas do Bioma Caatinga. Secretaria de Biodiversidade e Flores-
e as populações humanas. tas. MMA , Brasília.
16 Sampaio, Y. & J.E.M. Batista. 2004. Op. Cit.
n ota s 17 Idem.
18 MMA . 2010. Monitoramento do Bioma Caatinga 2002–2008. Relatório
1 Prado, D. 2003. As caatingas da América do Sul. Em: I.R. Leal, M. Tabarelli Técnico, Centro de Sensoriamento Remoto – CSR/IBAMA , Brasília.
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Universitária, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil. Botânica 4: 149–163.
2 Dados compilados com base em: Zanella & Martins, 2003; Rosa et al., 20 Silva, F.B.R., G.R. Riché, J.P. Tonneau, N.C. Souza Neto, L.T.L. Brito,
2003; Rodrigues, 2003; Silva el al., 2003; Oliveira et al., 2003; Universidade R.C. Correia, A.C. Cavalcanti, F.H.B.B. Silva, A.B. Silva, J.C. Araújo Filho
Federal de Pernambuco et al., 2002. & A.P. Leite. 1994. Zoneamento agroecológico do Nordeste: diagnóstico
3 Lacher T.E., Jr. 1981. The comparative social behavior of Kerodon rupes- do quadro natural e agrossocioeconômico. 2v. EMBRAPA – CPATSA/CNPS ,
tris and Galea spixii and the evolution of behavior in the Caviidae. Bulletin Petrolina, Brasil.
of the Carnegie Museum 17: 1–71. 21 Giulietti, A.M., et al. 2004. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma
4 Mares, M.A. & T.E. Lacher Jr. 1987. Ecological, morphological and beha- Caatinga. Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonseca & L.V. Lins (orgs.).
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5 Silva, J.M.C. & D.C. Oren. 1993. Observations on the habitat and distribution 22 Idem.
of the Brazilian three-banded armadillo Tolypeutes tricinctus, a threatened 23 Coimbra-Filho, A.F. & I. de G. Câmara. 1996. Os limites originais do bio-
Caatinga endemic. Mammalia 57: 149–152. ma Mata Atlântica na região Nordeste do Brasil. Fundação Brasileira para
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6 Rodrigues, M.T. 2003. Herpetofauna da Caatinga. In: I.R. Leal, M. Ta- Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco. 2002. Avaliação
barelli & J.M.C. Silva (eds.). Ecologia e conservação da Caatinga. pp. e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da Caatinga. Secre-
181–236. Editora Universitária, Universidade Federal de Pernambuco, taria de Biodiversidade e Florestas, Ministério do Meio Ambiente, Brasília.
Recife, Brasil. 25 Esse esforço foi parte do Programa Nacional da Diversidade Biológica
7 Informações compiladas com base em: Queiroz, L.P., Conceição, A.A. & (PRONABIO ), criado pelo MMA com o apoio do Banco Mundial e do Fundo
Giulietti, A.M. 2006. Nordeste semiárido: caracterização geral e lista das Global para o Meio Ambiente (GEF ).
fanerógamas. In: Guilietti, .M., Conceição, A.A. & Queiroz, L.P. (eds.). Di- 26 Universidade Federal de Pernambuco, Conservation International do
versidade e caracterização das fanerógamas do semiárido brasileiro. Recife, Brasil, Fundação Biodiversitas, Embrapa Semiárido & Fundação de Apoio
APNE . v.1. // Giulietti, A. M., R. M. Harley, L.P. Queiroz, M.R.V. Barbosa, A.L. ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco. 2002. Op. Cit.
Bocage-Neta & M.A. 2002. Espécies endêmicas da Caatinga. In: Vegetação e 27 Documento redigido por Silva e colaboradores, 2004.
Flora da Caatinga. Sampaio, E. V. S. B., Giulietti, A. M., Virgínio, J. & Gamara 28 MMA . 2010. Op. Cit.
Rojas, C. F. L. (Eds). pp 103–118. Associação Plantas do Nordeste, Recife. // 29 Castelletti, C.H.M., J.M.C. Silva, M. Tabarelli & A.M.M. Santos. 2004.
http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2012 Quanto ainda resta da Caatinga? Uma estimativa preliminar. Em: J.M.C.
8 BirdLife International. 2000. Threatened birds of the world. Lynx Edi- Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonseca & L.V. Lins (orgs.). Biodiversidade da Caa-
cions, Barcelona, e BirdLife International, Cambridge, Reino Unido. tinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. pp. 91–100. Ministério
9 Nascimento, J.L.X. et al. 2001. Censos de araras-azuis-de-lear (Ano- do Meio Ambiente, Brasília.
dorhynchus leari) na natureza. Tangara 1: 135–138. 30 Idem.
10 BirdLife International, Op. Cit. 31 The Nature Conservancy do Brasil & Associação Caatinga. 2004. As uni-
11 Tabarelli, M. & Vicente, A. 2004. Conhecimento sobre plantas lenhosas dades de conservação do bioma Caatinga. Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli,
da Caatinga: lacunas geográficas e ecológicas; Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonseca & L.V. Lins (orgs.). Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações
M.T. Fonseca & L.V. Lins. Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações priori- prioritárias para a conservação. pp. 295–300. Ministério do Meio Ambien-
tárias. pp. 101–112, Ministério do Meio Ambiente, Brasília. te, Brasília.
12 Casari, S.A. 2011. New species of Horistonotus Candèze from Brazil (Co- 32 Prado, D. 2003. As caatingas da América do Sul. Em: I.R. Leal, M. Taba-
leoptera, Elateridae, Cardiophorinae). Zootaxa 3139: 1–27. relli & J.M.C. Silva (eds.). Ecologia e conservação da Caatinga. pp. 3–73. Edi-
13 Ab’Saber, A.N. 1977. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na tora Universitária, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.
América do Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários. Paleoclimas 33 Tabarelli, M., J.M.C. Silva, A.M.M. Santos & A. Vicente. 2000. Análise de
(Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo) 3: 1–19. representatividade das unidades de conservação de uso direto e indireto na
107
caatinga
caatinga. Relatório do Projeto Avaliação e Ações Prioritárias para a Conser- cobertas sobre um bioma brasileiro. Ministério do Meio Ambiente (MMA ) e
vação da biodiversidade da Caatinga, Petrolina, Brasil. The Nature Conservancy (TNC ), Brasília, Brasil.
34 Souza, M.A. 2004. Padrões de distribuição e a conservação de aves pas- 39 Idem.
seriformes na Caatinga. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do 40 UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) & Fiocruz (Fundação
Pará, Belém, Brasil. Oswaldo Cruz). 2008. Mudanças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários
35 The Nature Conservancy do Brasil & Associação Caatinga, 2004. Op. Cit. para o Nordeste 2000–2050. Relatório Técnico. 46 p.
36 Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais 41 Brainer, M.S.C.P. Vidal, M. F. Ferreira, O.P. Nahuz, M.A.R. 2011. Manejo
Renováveis). 1991. Plano de manejo: Parque Nacional Serra da Capivara. florestal: uma possibilidade de parceria entre calcinadores e apicultores na
Ibama, Brasília. Chapada do Araripe. Informe Rural – ETENE , Banco do Nordeste, Volume 7.
37 Universidade Federal de Pernambuco, Conservation International do 42 Serviço Florestal Brasileiro. 2010. Florestas do Brasil em resumo: dados
Brasil, Fundação Biodiversitas, Embrapa Semiárido & Fundação de Apoio de 2005–2010. Serviço Florestal Brasileiro, Brasília.
ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco. 2002. Ava- 43 Santos, J. C., Leal, I.R., Almeida-Cortez, J., Fernandes, G. W. & Tabarelli, M.
liação e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade da Caa- 2011. Caatinga: the scientific negligence experienced by a dry tropical forest.
tinga. Secretaria de Biodiversidade e Florestas, Ministério do Meio Am- Tropical Conservation Science 4: 276–286.
biente, Brasília. 44 Sánchez-Azofeifa, G.A., Kalacska, M. Quesada, M., Calvo, J., Nassar, J., &
38 Hauff, S. & R. Castro. 2007. Reserva Natural Serra das Almas: lições e Rodriguez, J.P. 2005. Need for integrated research for a sustainable future
desafios de um modelo de conservação. In: Ministério do Meio Ambiente in tropical dry forests. Conservation Biology 19: 1–2.
(MMA ) & The Nature Conservancy (TNC ). Caatinga: conhecimento e des-
108
Biomas Brasileiros
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Biomas Brasileiros
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caatinga
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acima : Ara ras-a zuis-de-l ea r ( Ano d o rhyn chus leari) sobre licuri
( Syagrus co ro n ata) – Serra B ra n ca | B A
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Biomas Brasileiros
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4 AMAZÔNIA
I m a C é l i a G u i m a r ã e s V i e i r a • P e t e r M a n n d e To l e d o
R o b e r to A r a ú j o d e O l iv e i r a S a n to s J u n i o r
A n d r e a d o s S a n to s C o e l h o • T h a í s Pac h e c o K a s e ck e r
N
Pat r ici a C a r va l h o B a i ã o
Basicamente, esse bioma é formado por três tipos de matas: as Esse bioma, que contém um terço das florestas úmidas do pla-
matas de terra firme (que ficam distantes dos rios e onde são en- neta, reúne 20% da água doce fluvial e lacustre do mundo, 30% da
contradas espécies como a castanha-do-pará e madeiras nobres diversidade biológica mundial. Abriga em seu subsolo gigantescas
como o mogno); as matas de várzea (que são inundadas periodi- reservas minerais, ricas em minérios de grande valor comercial
camente e têm alta diversidade de espécies); e as matas de igapó como cobre, chumbo, ouro, estanho, magnésio, bauxita, níquel e
(que ficam perto do leito dos rios e abrigam espécies característi- prata, depositados em jazidas como as da região de Carajás, no les-
cas como a vitória-régia). Além das florestas, são comuns as cam- te do estado do Pará e da Calha Norte do rio Amazonas, ao norte do
pinaranas e as savanas amazônicas, conhecidas regionalmente mesmo estado, que estão entre os maiores do mundo. Além disso,
como “campos da natureza”. depósitos de gás natural e petróleo também têm sido explorados
Entre os animais, vários grupos se destacam. Nas florestas nos últimos anos.
baixas da Amazônia central e ocidental, encontra-se uma grande Além de grandes estoques de carbono que contribuem para o
diversidade de primatas: são 81 espécies de macacos dos quais 69 equilíbrio climático local, regional e mundial, esse bioma abriga
são endêmicos. Os mamíferos são representados por 427 espé- o maior e mais complexo sistema de rios do planeta, o que torna
cies descritas (das quais 158 são de morcegos), as aves, por quase imbatível também a variedade da sua fauna de peixes. Contam-se
1.300, os répteis e anfíbios, por aproximadamente 805. aproximadamente 3.000 espécies, ou 30% de todas as já descri-
131
amazônia
tas. Para se ter uma noção comparativa, em apenas um dos rios Do mesmo modo, muitas línguas indígenas já foram perdidas
da Amazônia, o rio Negro, conta-se mais que o dobro das espécies e outras correm sérios riscos de extinção. Da Amazônia conti-
descritas em toda a Europa. nental já desapareceram 21 línguas (sendo 11 no Brasil), e 84 es-
Já que a maioria das espécies tem capacidade limitada para tão em perigo crítico (36 em território brasileiro).
cruzar grandes extensões de água, o isolamento pelos grandes Entretanto, ainda há mais de 80% do bioma que permanece
rios da região compõe diferentes comunidades de fauna e flora intacto e oferece oportunidades únicas de conservação da so-
em diferentes regiões da Amazônia. Dessa forma, a floresta pode cio-biodiversidade em larga escala. Uma das estratégias para a
ser vista como um arquipélago de oito ilhas, ou centros de ende- conservação tem sido a adoção de espécies-bandeira populares
mismos: Tapajós, Xingu e Belém, Rondônia, Napo, Imeri, Guia- e carismáticas, como o sagui-leão (Cebuella pygmaea ), a arira-
na e Inambari. nha (Pteronura brasiliensis), o peixe-boi (Trichechus manatus),
araras e papagaios (Psittaciformes), que facilitam a sensibiliza-
ção do público e promovem a conservação mais ampla da floresta
através da preservação dos ecossistemas em que vivem.
Amazônia Brasileira
Abrangência
132
Biomas Brasileiros
O incentivo governamental para encora- Com relação à Amazônia Legal, nos últimos 10 anos (1991–2010)
jar o desenvolvimento na Amazônia levou gran- nota-se que a população total quadruplicou, alcançando aproxi-
des investimentos públicos à região, mas também fez madamente 24 milhões.
a floresta e suas comunidades sofrerem Um dos fenômenos demográficos mais notáveis da Amazô-
com enormes problemas ambientais. Fo- nia Legal nos últimos 30 anos é a urbanização em ritmo acele-
ram implementados na região projetos rado e desordenado. De 1980 até 2000, as cidades amazônicas
como a Fordlândia (1947), a Indústria ampliaram seu contingente populacional em 46%, enquanto que
e Comércio de Minério – ICOMI (1957), de 2000 a 2010 essa ampliação foi de 19%. No mesmo período, a
Jari (1967), as rodovias Transamazôni- população urbana da região apresentou um crescimento de apro-
ca (1972), Manaus-Porto Velho (1973) e ximadamente 21% (em 2000 a população urbana era de aproxi-
Santarém-Cuiabá (1976), Hidroelétrica madamente 14 milhões). Atualmente são 18 milhões de pessoas
Dentre as populações indígenas, de Tucuruí (1976–1984), Programa Gran- vivendo nessas cidades.
um terço apresenta população inferior de Carajás-PGC (1979–1986) e Hidroelé-
a 200 indivíduos. O grupo dos Kayapós,
trica de Balbina (1985–1989). Tabela 1. Características demográficas do bioma Amazônia.
na bacia do rio Xingu, apresenta
aproximadamente 6.000 indivíduos Entre as consequências do crescimen-
e está entre os maiores. to urbano na Amazônia, ressaltam-se a
estados área (km ) Densidade População
2
População População Taxa de
aceleração do desmatamento, a degrada- demográfica Total Urbana Rural Urbanização
ção dos recursos naturais, a pressão sobre (hab/km2) (%)
a infraestrutura e equipamentos urbanos, a ausência de sanea- Acre 164.122 4,46 732.793 532.080 200.713 72,61
mento básico adequado (que tem como consequência a prolifera- Amapá 142.828 4,68 668.689 600.561 68.128 89,81
ção de doenças infectocontagiosas e a mortalidade infantil), a po- Amazonas 1.559.162 2,23 3.480.937 2.755.756 725.181 79,17
luição dos rios (principalmente pela falta de saneamento básico), a Maranhão 140.335 19,53 2.740.773 2.162.886 577.887 78,92
falta de destinação adequada para o lixo urbano e a ocupação irre- Mato Grosso 666.661 2,22 1.479.245 1.093.333 385.912 73,91
gular de território. Pará 1.247.950 6,08 7.588.078 5.197.118 2.390.960 68,49
Além disso, o crescimento da população urbana na Amazô- Rondônia 237.591 6,57 1.560.501 1.142.648 417.853 73,22
nia não foi acompanhado da implementação de infraestrutura Roraima 224.301 2,01 451.227 344.780 106.447 76,41
necessária para garantir condições mínimas de qualidade de Tocantins 59.511 7,42 441.364 346.004 95.360 78,39
vida. Como resultado, avolumam-se nas cidades amazônicas Total 4.442.461 6,13 (méd.) 19.143.607 14.175.166 4.968.441 69,09
problemas como baixos índices de saúde, educação e salários, Fonte: Censo demográfico – IBGE (2010a).
aliados à falta de equipamentos urbanos.3
Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o
Demografia
Nenhum Estado da Amazônia possui IDH maior do que a mé-
Contrariamente à ideia divulgada, sobretudo a partir dos dia do Brasil, o que reflete o atraso no desenvolvimento dessa
anos 1970, de que essa região seria um grande vazio demográfico, região em relação às outras do país. Entre os nove estados que
a Amazônia é habitada por quilombolas, ribeirinhos, índios, pes- compõem a Amazônia Legal, o Mato Grosso tem a melhor classi-
cadores, extrativistas, operários e agricultores familiares, que ficação, ficando o Maranhão com a última colocação no ranking
representam a diversidade histórica do povoamento da região. divulgado pelo PNUD (2010).4
Essas populações constituem aproximadamente dois milhões A porcentagem da população que vive abaixo da linha de po-
de habitantes na Amazônia brasileira que vivem relativamente breza varia bastante entre os estados, onde Maranhão e Pará des-
isolados da sociedade urbana em reservas extrativistas e de de- tacam-se por apresentarem as maiores (36,7% e 41,6%, respecti-
senvolvimento sustentável, terras quilombolas e assentamentos, vamente). Por outro lado, no Mato Grosso, 12,4% da população
além de terras devolutas. vive abaixo da linha de pobreza, sendo este valor menor do que as
Há, de fato, várias Amazônias em virtude de suas culturas, eco- médias para a Amazônia Legal e brasileira.
nomias e fatores ambientais diferenciados. A população que ha- Assim, a Amazônia reproduz duas características da desigual-
bita o bioma é de 19.143.607 habitantes, e as características popu- dade e pobreza no Brasil. A primeira é que o Brasil não é um país
lacionais que a compõem são bastante diferenciadas (Tabela 1). pobre, mas um país com muitos pobres, cuja origem da pobreza
133
amazônia
134
Biomas Brasileiros
Tabela 2. Classes de Usos da Terra das grandes classes cúbicos produzidos no ano de 2009, sendo o estado do Pará res-
temáticas mapeadas pelo TerraClass (2010). ponsável por quase 50% da produção de madeira processada, se-
guido do Mato Grosso.10
U s o s da T e r r a É importante notar que a floresta amazônica é responsável
Classes Temáticas Área (km )
2
Área (%) quase que exclusivamente pela produção de açaí, castanha-do-
Pastagem 447.166 67,51 -pará e babaçu. Essas opções econômicas em ambientes preser-
Agricultura Anual 34.929 5,27 vados fazem um contraponto à viabilidade econômica em relação
Mosaico de ocupações 24.417 3,69 às áreas desmatadas.
Vegetação Secundária 150.819 22,77
Outros 5.027 0,76 Pecuária
TOTAL 662.358 100,00 As pastagens para suporte da pecuária situam-se como prin-
Fonte: adaptado do Projeto TerraClass/INPE, 2008 cipal tipo de paisagem rural na Amazônia, constituindo cerca de
70% das terras desmatadas. De cada quatro cabeças adicionais
O atual quadro de distribuição do uso e da cobertura da terra de gado no país, três são oriundas da Amazônia e 96% do cresci-
na Amazônia reflete as políticas implantadas na região e mostra mento nacional observado na atividade vem dessa região.11
que as mazelas sociais herdadas da história da ocupação regional O bioma apresenta, atualmente, um rebanho bovino de 77,8
ainda não foram solucionadas. milhões de cabeças e uma área de pastagens cultivadas estima-
da de 53 milhões de hectares, com taxa de lotação média de 1,4
E x t r at i v i s m o F lo r e s ta l cabeça/hectare. Os maiores rebanhos bovinos são encontrados
A Amazônia é uma região eminentemente extrativista. Os pro- no Mato Grosso (36,9%) e no Pará (22,6%), que juntos detêm cer-
dutos primários do setor florestal incluem toras, frutos, óleo, car- ca de 60% da produção agropecuária da Amazônia, seguidos de
vão e lenha, mas estes estão inevitavelmente limitados a atender Rondônia, Maranhão e Acre.12
potenciais crescimentos de demandas de mercado, uma vez que Assim, a pecuária é apontada como a atividade responsável
a oferta desses produtos pela natureza é limitada pelos processos pela maior parte do desflorestamento. A expansão da pecuária
ecológicos naturais.
O enriquecimento de florestas secundárias pode, potencial-
mente, diminuir a pressão em áreas preservadas. Esse é o desafio
da produção tecnológica de produtos não madeireiros e madei-
reiros que implicam, necessariamente, em áreas de plantio. No
caso da produção de lenha, novas téc-
nicas de manejo e opções de produção
Na década de 1980 se dá a criação igualmente rentáveis poderiam diminuir
das primeiras reservas extrativistas o desmatamento intermitente em peque-
da Amazônia. Destaca-se a
iniciativa do ativista e seringueiro
na escala, o que influenciaria na degrada-
Chico Mendes, que mobilizou a ção ambiental a médio e longo prazos.
opinião pública em defesa do uso Um grande problema ambiental as-
sustentável da floresta. sociado à exploração convencional da
madeira é a ocorrência dos incêndios
florestais. Dependendo do grau de frag-
mentação da floresta e da intensidade da
exploração madeireira, a vegetação fica
mais suscetível ao fogo e acaba sendo
atingida acidentalmente.
Nos últimos dez anos, a atividade flo-
restal madeireira na Amazônia teve uma redução de re- Pesquisa dores de h erpetologia na Reserva Extrativista
produção de madeira em tora de 28 milhões de me- Ta pa jós-Ara p iun s | PA
tros cúbicos para os 14 milhões de metros
135
amazônia
não está associada somente à disponibilidade de capital para res com estabelecimentos de pequeno e médio porte (agricultura
investimento, associa-se também à expansão dos mercados in- familiar) com até 200 hectares, sobretudo nos estados do Pará e
ternos e externos, à demanda por carne bovina no exterior e aos de Rondônia.13
incentivos fiscais. Vale ressaltar que a agricultura familiar, a despeito de sua im-
A dinâmica da pecuária está associada à rentabilidade da ati- portância fundamental na produção de alimentos, representa
vidade e à dinâmica expansiva dos mercados de carne, porém, a 77% do número de estabelecimentos rurais, porém ocupa uma
especulação da terra e os créditos subsidiados são elementos im- área de apenas 27%. Assim, nota-se que as políticas de distribui-
portantes no processo de “pecuarização” da região, envolvendo ção fundiária iniciadas nos anos 1970 não parecem ter revertido
inclusive os pequenos agricultores que investem na produção a tendência à concentração fundiária que vem, pelo contrário, se
bovina como forma de diversificar a sua fonte de renda. acentuando na região.
A produção desses agricultores é destinada basicamente aos
Ag r i c u lt u r a mercados locais, regionais e nacionais (em alguns casos interna-
As atividades agrícolas totalizam 800 mil estabelecimentos cionais, como a pimenta-do-reino e o maracujá). Nesse segmento
distribuídos em 115 milhões de hectares por toda a Amazônia Le- da agricultura, que sempre foi associado a uma agricultura “mi-
gal. Grande parte da população rural da Amazônia é de agriculto- gratória” de corte e queima com pouca estabilidade territorial e
136
Biomas Brasileiros
diversidade agronômica, predomina atualmente uma tendência cário, de gipsita, de potássio e de rochas fosfáticas. Os agregados
de diversificação crescente dos sistemas de produção agrícola, minerais, utilizados na construção civil, estão distribuídos por
incluindo de forma variável culturas perenes, pequena criação, todos os estados com atividades mais intensivas concentradas
extração vegetal e até pecuária.14 nos grandes centros urbanos.
Segundo o último censo agropecuário do IBGE , as lavouras
perenes ocupam cerca de 2,57 milhões de hectares, dos quais E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
as culturas mais importantes são o café (com 31% da área total),
o cacau (16,8%), a banana (15,4%), a borracha em látex (8,5%)
e o dendê (7,5%). Pa n o r a m a at ua l
As lavouras anuais ocupam 10,41 milhões de hectares, sendo As estratégias de conservação no bioma amazônico têm
que a soja contribui com 52% da área total plantada, o milho com sido focadas na criação de áreas protegidas. Hoje essas áreas co-
21%, o arroz com 9%, a mandioca com 6% e o feijão com 2,5%. brem 1,9 milhão de km2, ou cerca de 45% da parte brasileira do
bioma. Entre 2002 e 2009, 709 mil km2 de área foram designadas
Mineração às mais diversas categorias de proteção, e acredita-se que essa
A atividade de produção mineral na Amazônia tem sido mui- expansão contribuiu em 75% na diminuição do desmatamento
to relevante no desenvolvimento econômico nacional. No entan- entre 2004–2009. Apesar de desempenhar um papel efetivo na
to, sua crescente expansão e importância mundial produziram inibição do desmatamento, as áreas protegidas são pouco efeti-
uma nova visão acerca dos impactos sociais e ambientais na re- vas na conservação de bacias hidrográficas, cujas cabeceiras se
gião. Independente da escala local da exploração mineral, os im- encontram além dos limites dessas áreas.17
pactos indiretos (questão fundiária no entorno do empreendi- Além disso, somente a manutenção das áreas protegidas não
mento, infraestrutura necessária para o escoamento do volume será suficiente para sustentar o clima da Amazônia, já que mais
de produção, demanda de energia elétrica provocando a constru- de 70% de cobertura vegetal são necessários para a manutenção
ção de usinas hidroelétricas etc.) aumentam sobremaneira os ní- do regime de chuvas. A estratégia de conservação do bioma ama-
veis de intervenção deste setor na alteração dos sistemas natu- zônico deve conter diferentes abordagens, incluindo áreas den-
rais na Amazônia. tro e fora de Unidades de Conservação e Terra Indígenas legal-
A Região Norte tem uma grande relevância em termos quanti- mente estabelecidas.
tativos e de estratégia futura de produção. Existem 7.809 empre- Hoje em dia a proteção de bacias e suas cabeceiras depende
sas mineradoras no Brasil, sendo 429 no Norte. O Pará é o segun- da manutenção de vegetação ripária, obrigatória por lei em pro-
do maior produtor de minério do Brasil, com 28% da produção priedades privadas no Brasil. Entretanto, com os instrumentos
nacional. Segundo o IBRAM (2010)15 este estado é responsável atuais de comando e controle não há garantias da efetividade e do
por 30% do saldo da balança comercial brasileira. O mercado de cumprimento da legislação.
bens minerais no Brasil movimentou R$ 38,4 bilhões em 2007, e Dos 6,3 milhões de km2 que formam o bioma Amazônia, apro-
a região amazônica respondeu por R$ 9,6 bilhões, ou seja, o equi- ximadamente 80% estão intactos. Em alguns países como o Suri-
valente a 25% do valor total. Nota-se que o caráter eminente- name e a Guiana esse número excede os 90%. No Brasil, o estado
mente exportador da matéria-prima, sem valor agregado, reduz do Amapá é um exemplo de conservação do bioma com 98% de
as chances de essa importante atividade contribuir efetivamente sua vegetação nativa preservada. Entretanto, as ameaças à Ama-
para o desenvolvimento regional.16 zônia são proporcionais à sua grandeza e riqueza.
Nos últimos anos, o desenvolvimento da atividade mineral na A população humana na Amazônia brasileira aumentou de
Amazônia tem se tornado cada vez mais dinâmico. Isso pode ser 6 milhões em 1960 para aproximadamente 24 milhões em 2010, e
observado principalmente nos estados do Pará, Amapá, Amazo- sua cobertura florestal foi reduzida a cerca de 80% da formação
nas, Rondônia e Tocantins, os quais respondem por grande par- original. Na tentativa de conter esse avanço, o governo brasileiro
te da produção mineral brasileira, representada por uma grande estabeleceu uma meta desafiadora de reduzir o desmatamento da
diversidade de substâncias minerais. Distribuem-se na região Amazônia em 80% da sua base histórica de 19.500 km2 até 2020.
minas de ouro, prata, minério de ferro, bauxita, cobre, manganês, Até agora, esses esforços levaram a um progresso de redução de
cromo, estanho, nióbio e tântalo, além de zircônio entre os metá- 28.000 km2/ ano em 2004 para menos de 7.000 km2/ ano em 2011.
licos. Por outro lado, existem as minas de substâncias minerais No entanto esse progresso ainda é considerado frágil. Ainda há
industriais, sendo três grandes minas de caulim, minas de cal- muito que se fazer para conter as principais causas do desmata-
137
amazônia
mento da região, que hoje estão especialmente ligadas à mudança curuí, a maior já construída em uma floresta tropical, emite mais
do uso da ocupação da terra. A pavimentação de rodovias e a pres- gases do efeito estufa através da decomposição de material bio-
são dos mercados nacional e internacional por commodities ali- lógico do que toda a frota automobilística da cidade de São Paulo.
mentícias, como gado e soja, além da extração de madeira, são ati- Além disso, houve significativa redução na diversidade de peixes e
vidades que estimulam o desmatamento e a degradação do bioma. modificações nas áreas de florestas.
A conversão de florestas para outros usos como a agricultura Recentemente o governo brasileiro adotou como prioridade
e a pecuária através do desmatamento continua sendo o maior a expansão da produção hidrelétrica baseada principalmente
vetor de destruição das florestas. A extração de madeira ilegal é na Amazônia. No rio Xingu, a polêmica usina de Belo Monte foi
um dos principais fatores que contribuem para o desmatamento aprovada e está em processo de construção. Um grande com-
da Amazônia. Rica em madeiras de alto valor comercial, como o plexo hidrelétrico está previsto para o rio Tapajós, com cinco
mogno, a Amazônia vem sendo explorada ilegalmente há décadas. usinas, além de planos de construção de seis represas no rio
Essa atividade teve como resultado a conversão de vastas áreas Tocantins. Outros países amazônicos, como a Guiana, também
de floresta em áreas agrícolas ou destinadas a outros usos inten- estão construindo usinas hidrelétricas para suprir suas deman-
sivos do solo. das energéticas.
Um dos grandes desafios para a região amazônica na próxima
década será incorporar tecnologia aos processos produtivos na U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
agricultura e pecuária para que os produtores locais possam au- Em 2010, em Nagoya, no Japão, os países signatários da Conven-
mentar sua produtividade sem novos desmatamentos. Os mer- ção sobre Diversidade Biológica (CDB ) assumiram o compromis-
cados compradores de produtos agrícolas e pecuários estão cada so de proteger 17% e 10% de áreas terrestres e marinhas respecti-
vez mais exigentes e movimentos como a Moratória da Soja e a vamente globalmente. A Amazônia está à frente no cumprimento
Moratória da Carne, através dos quais grandes compradores se desse compromisso protegendo atualmente 41,2% do bioma com
recusam a adquirir produtos provenientes de áreas desmatadas, Unidades de Conservação (UC ) e Terras Indígenas. No Brasil, al-
demonstram avanços no caminho correto. guns estados, como o Amapá com 72% de seu território protegido,
Outro problema é a exploração mineral na Amazônia que teve, vão além da média do bioma. E no total, quase 40% da Amazônia
historicamente, consequências desastrosas para o meio ambien- Legal está protegida em UC e Terras Indígenas.
te. Além dos danos ambientais causados pelas operações diretas Uma das ferramentas mais eficazes para a conservação da
da mineração, essa atividade necessita de infraestrutura de esco- Amazônia é a criação de Unidades de Conservação (UC ). No
amento como estradas e portos, que abrem caminho para a entra- Brasil, existem duas categorias de UC : as de proteção integral e
da de atividades ilegais e desmatamento no interior da floresta. as de uso sustentável. As de proteção integral, como o nome já
Esse padrão de desmatamento que segue estradas abertas é co- diz, são destinadas à conservação de há-
nhecido como espinha de peixe e é responsável pela conversão de bitats naturais e da biodiversidade. Não é
grandes áreas na Amazônia. permitida qualquer atividade econômica Por iniciativa do governo federal,
Além disso, a mineração induz grandes fluxos populacionais no interior dessas UC s, assim como não é em 1943 os irmãos Villas-Bôas iniciam
a expedição Roncador-Xingu, que os
para determinadas áreas gerando o processo conhecido como permitida a permanência de populações levaria ao contato com diversas
boom colapso, no qual a economia local cresce muito durante o dentro de suas fronteiras. Já as UC s de culturas indígenas e à consequente
período de exploração do minério (boom), mas declina drastica- uso sustentável se destinam a promover criação, em 1961, da principal reserva
mente após o encerramento das atividades de mineração (colapso). o uso dos recursos naturais gerando de- indígena das Américas, o Parque
Nacional do Xingu.
Existem iniciativas recentes da indústria mineraria na Amazônia senvolvimento econômico e social, en-
para evitar o boom colapso através de investimentos locais durante quanto o capital natural é preservado e
o período de exploração, visando à sustentabilidade do desenvolvi- as culturas locais valorizadas.
mento econômico e promovendo desenvolvimento social. O estado do Pará tem as maiores UC s
A Amazônia tem também o maior potencial hidrelétrico do em ambas as categorias: a Estação Ecoló-
mundo em função de seu complexo sistema hídrico. Entretanto, gica Grão-Pará é a maior UC de proteção
por sua geografia, com pouca diferença de elevação de seus rios, as integral em florestas tropicais do mundo,
áreas inundadas em projetos hidrelétricos são geralmente muito com 4,2 milhões de hectares, e a Floresta Estadual do
grandes, causando danos ambientais e socioculturais irreversíveis. Paru, com 3,6 milhões de hectares, é a maior na cate-
Como exemplo, o lago formado pela inundação da represa de Tu- goria uso sustentável.
138
Biomas Brasileiros
139
amazônia
D e s a f i o s e O p o r t u n i da d e s
Desafios políticos
As tendências sociais e econômicas da Amazônia – expan-
são da fronteira agrícola, rápido crescimento da população, mi-
grações internas e internacionais, e ocupação ilegal de terras
públicas – são as principais ameaças à conservação da floresta
amazônica. Mas, apesar das ameaças, a Amazônia ainda oferece
oportunidades únicas para promover um novo modelo de desen-
volvimento para o mundo através da conservação da biodiversi-
dade aliada ao desenvolvimento econômico e social da região.
Esse novo modelo combate a pobreza e promove a conserva-
ção do meio ambiente para as futuras gerações. Chamamos de
Economia Verde o processo que melhora a qualidade de vida das
pessoas, gerando desenvolvimento econômico e social enquanto
o capital natural é preservado. Essa economia tem por base a pre-
servação das florestas e dos serviços ambientais que elas forne-
cem, além do uso sustentável dos recursos para gerar renda para
populações da região.
O desafio das políticas de desenvolvimento na Amazônia de-
pende da situação socioeconômica do bioma que, como se viu,
apresenta um quadro complexo: 1) um intenso crescimento po-
pulacional, bastante superior à média nacional; 2) reduzido di-
namismo econômico e baixos índices de desenvolvimento eco-
nômico; 3) inadequada e insuficiente infraestrutura regional que
passa atualmente por um processo de readequação e ampliação;
4) conflitos fundiários resultantes da limitação das políticas de
ordenamento territorial e regularização fundiária vigentes, o
que torna precária a definição de diretrizes para o uso da terra
e a exploração dos recursos naturais e expansão das atividades
Cr i anç a e m acaco - d e- c hei r o ( Saimiri sciureus) | Ama zon as produtivas; e 5) avanço do desmatamento em função do modelo
de expansão da fronteira agrícola.18
140
Biomas Brasileiros
Por outro lado, diante do paradigma de mudanças globais que de conservação da biodiversidade são:
impõe uma nova preocupação sobre cenários de impacto am- 1 Criação de um ambiente institucional mais propício para
biental no planeta, a hipótese de aquecimento global com base na ordenar o uso e a distribuição dos recursos naturais de forma
emissão de gases de efeito estufa gerada pelas atividades huma- sustentável;
nas ganhou uma conotação importante no debate mundial sobre 2 Implantação efetiva das políticas ambientais integradas
o clima. No Brasil, o desmatamento e a degradação biológica que nos diversos níveis governamentais, assegurando uma real parti-
ocorrem principalmente nos ecossistemas florestais são consi- cipação das populações locais aos benefícios institucionais.
derados os fatores que mais contribuem para a emissão desses
gases. Assim, uma redução de emissões estaria ligada diretamen- S e r v i ç o s A m b i e n ta i s n a A m a z ô n i a
te à preservação de florestas em seu estado natural. De certa for- Os serviços ambientais são considerados os benefícios dire-
ma, isso criou uma nova valoração mercantil da natureza, onde tos e indiretos que as pessoas recebem dos ecossistemas. Esses
o mercado de carbono poderia, enfim, competir com alternati- serviços proporcionam as condições e os processos que dão su-
vas de produção que usam a terra nua, desmatada, na zona rural. porte à vida e contribuem para a sobrevivência e o bem-estar hu-
Neste caso, a commodity de carbono seria usada estrategicamen- mano. Identificar e quantificar esses serviços ambientais ajuda
te como uma ação preservacionista no processo de conservação a entender o papel dos recursos naturais e sua relação com o ho-
biológica, na lógica de serviços ambientais. mem, traduzindo os ativos florestais para um sistema econômico
Neste contexto, abrem-se perspectivas de expansão do con- de mercado.
ceito de Economias Verdes19 para a Amazônia, onde as ativida- A Floresta Amazônica desempenha um importante papel
des econômicas seriam orientadas considerando a questão am- no equilíbrio do sistema climático local, regional e global, com
biental como parte importante do processo de produção. sua gama de serviços ambientais que são base para a manuten-
Assim, o marco legal do zoneamento ecológico-econômico ção de atividades antrópicas e do bem-estar humano. Apesar da
passa a ter nova importância como instrumento regulador do sua grande extensão, não se pode esquecer que a Amazônia é um
dilema entre conservação biológica e produção agrícola na ecossistema em equilíbrio, sendo que seus ciclos hídrico e de
Amazônia.20 Na mesma escala de importância, os projetos de nutrientes e seu fluxo energético levaram milhares de anos para
infraestrutura regionais, incluindo a lógica de transportes e de atingir o estado atual. Qualquer mudança na sua bacia, seja por
produção de energia pelas hidroelétricas, devem incentivar no- interferência humana ou não, tem grande potencial para alterar
vas migrações para a região, sendo esta uma das principais cau- sensivelmente o provisionamento dos serviços ambientais, afe-
sas do aumento de demandas sociais e por terras. tando o modo de vida humano e sua economia nos âmbitos local,
Marcada por cicatrizes profundas nas diversas paisagens do regional e global.
bioma, a Amazônia continua sujeita às inúmeras tendências efê- A floresta amazônica tem papel reconhecido na manutenção
meras de produção agrícola. A crescente urbanização e consoli- do equilíbrio do sistema climático quando sequestra e captura o
dação das atividades rurais cria perspectivas de aumento no nú- carbono, regula as temperaturas da superfície da terra e resfria
mero de municípios na região, o que evidencia a importância do o ar. Por ano são liberados aproximadamente 8 trilhões de tone-
fortalecimento da gestão ambiental da Amazônia.21 ladas de vapor de água para a atmosfera e uma taxa de armaze-
De certa forma, a Amazônia é uma região que requer um tra- namento de 1 tonelada de carbono absorvido da atmosfera por
tamento diferenciado quando se trata de planejar e incentivar hectare/ano. Além disso, sua biomassa florestal hoje aprisiona
seu desenvolvimento. Por um lado, tem-se uma rica biodiver- cerca de 100 bilhões de toneladas de carbono, o que é equivalente
sidade que pauta o debate nacional e internacional sobre pro- a mais de dez anos de emissão global proveniente da queima de
blemas ambientais globais com sua reconhecida contribuição combustíveis fósseis. Isso é considerado um serviço ambiental
para a regulação dos ciclos hídricos regionais e para as mudan- de regulação, desempenhando um papel fundamental no clima
ças climáticas. Por outro lado, tem-se o desafio de reverter as da América do Sul e do planeta.
taxas anuais de desmatamento, de manejar de forma susten- O sistema de rios produz cerca de 20% das descargas de água
tável os recursos naturais dessa região e de assegurar o cres- doce do mundo e o volume de água de chuva na região é apro-
cimento da economia e da melhoria da qualidade de vida da ximadamente o dobro desse volume de água que sai do rio. Isso
população residente. quer dizer que pouco mais da metade do volume de água da bacia
Considera-se, portanto, que as ações prioritárias relativas à não é drenada através do rio Amazonas porque foi devolvido à at-
uma nova Amazônia como território de produção de alimentos e mosfera por evapotranspiração.
141
amazônia
Além do serviço ambiental de manutenção da umidade na bem-estar humano, já que afetam as necessidades materiais, fí-
bacia amazônica, essa umidade é também transportada por flu- sicas e fisiológicas básicas, a segurança alimentar e a saúde, e as
xos de baixo nível atmosféricos (ou “rios aéreos”) por milhares relações sociais e culturais.
de quilômetros para as principais zonas agrícolas brasileiras na Num sistema econômico, a oferta de qualquer serviço am-
parte centro-sul do país e também para a bacia do rio da Plata. biental está diretamente relacionada à capacidade de garan-
Ainda não existem dados precisos da contribuição da água pro- tir seu provisionamento a longo prazo. É nesse contexto que se
veniente da Amazônia na agricultura do centro-sul do Brasil e dos identifica a ameaça imediata da alta degradação ambiental. Os
países vizinhos, entretanto, até mesmo se uma pequena fração efeitos ecológicos do desmatamento e alteração do equilíbrio da
dos US $ 65 bilhões anuais da safra brasileira, ou parte da renda de bacia amazônica são potencialmente grandes. Estudos mostram
US $ 1 trilhão dos cinco países da região da bacia do Plata (gerada que desmatamentos a uma escala superior a 105 km2 provocam
através de agricultura, hidrelétrica e indústria), for perdida por uma diminuição na absorção da energia solar e na taxa de evapo-
causa da diminuição do abastecimento do vapor de água, poderia transpiração, sugerindo uma queda significativa de precipitação,
se mesurar um impacto financeiro substancial na economia. levando a um clima mais quente e seco. O desmatamento poderia
A floresta amazônica é considerada um bioma megadiverso, provocar um aquecimento de mais de 4°C no leste da Amazônia e
sendo que sua biodiversidade é um tipo de serviço ambiental que as chuvas de julho a novembro poderiam diminuir até 40%.
gera benefícios locais diretos, com sua população trabalhando Dada a concentração do desmatamento histórico e projeta-
com o extrativismo florestal, por exemplo, e benefícios globais, do para região na sua porção leste, algumas bacias, ecorregiões
como estoque de material genético. A manutenção da diversi- e elementos da biodiversidade são mais vulneráveis a essa per-
dade biológica constitui um serviço ambiental pelo qual benefi- turbação. Estudos indicam que, se for mantido esse mesmo cená-
ciários em diferentes partes do mundo podem estar dispostos a rio, em 2050 pode-se chegar à perda de mais de 50% de vegetação
pagar, e é hoje pauta das prioridades globais de conservação nas de oito das 12 maiores bacias amazônicas e 97% da ecorregião de
convenções e protocolos (CDB , UNFCC ). floresta de babaçu do Maranhão. Além disso, 35 espécies de pri-
Milhares de pessoas que vivem nas áreas rurais da floresta matas podem perder de 60 a 100% de sua distribuição amazônica.
amazônica são diretamente dependentes da biodiversidade e dos Vários estudos de modelagem climática regional e global
serviços ambientais para manutenção do seu modo de vida diário apontam que, se a área do desmatamento ultrapassar 40% do bio-
e sobrevivência imediata. Até hoje existem mais de duas mil es- ma, poderemos assistir a um colapso da floresta amazônica. As
pécies conhecidamente úteis para fins alimentícios, medicinais perdas associadas a esse colapso seriam refletidas na agricultura,
e para a indústria, favorecendo o desenvolvimento de mercados silvicultura e geração de energia, além de outros setores da ativi-
e cadeias produtivas em torno de produtos florestais madeireiros dade econômica.
e não madeireiros e também da vida silvestre. O aproveitamento Uma contagem mais aproximada desse efeito precisaria in-
desse serviço ambiental pode ser especialmente importante para cluir todos os serviços ambientais que o bioma subsidia (biodi-
populações que muitas vezes não dependem de renda, mas da versidade, água doce, etc.) ou ainda o valor intrínseco da perda de
abundância, da qualidade, do acesso a esses recursos naturais em informação genética pelo colapso do sistema. Essas perdas não
sua integridade, e de sua capacidade e condições de manejá-los. são facilmente valoráveis ou quantificáveis, mas certamente ex-
Evidências da iniciativa TEEB – The Economics of Ecosystems cedem qualquer contabilidade feita com as ferramentas econô-
and Biodiversity (Economia dos ecossistemas e da biodiversida- micas atuais. Além disso, a manutenção da floresta em pé certa-
de) demonstram que, se o valor econômico da biodiversidade for mente contribuiria para uma resiliência muito maior aos efeitos
calculado, sua contribuição relativa para a população considera- das mudanças climáticas associadas a um possível clima mais
da pobre ou de baixa renda será muito maior que sua contribui- quente e seco na região.
ção para economias nacionais de maneira geral. As iniciativas com foco em serviços ambientais surgiram da
Além da regulação do clima, da umidade, da manutenção do necessidade de resolver essas questões sob outra ótica, desen-
ciclo hídrico e da sua biodiversidade, a floresta amazônica ainda cadeando uma onda de esforços para valorar esses serviços e
é responsável por outros serviços ambientais como provisão de estabelecer mercados ou programas para pagar indivíduos ou
água doce, madeira, fibras e outros bens; pela regulação de doen- comunidades para proteger ativamente ou restaurar as flores-
ças, polinização, produção primária, fertilização de solos; e ainda tas. Entretanto, essa abordagem ainda não ganhou escala, gran-
serviços culturais como benefícios recreativos, espirituais, edu- de parte em função da dificuldade de institucionalizar mercados
cativos, etc. Todos esses elementos estão diretamente ligados ao formais além do desafio de valoração dos serviços.
142
Biomas Brasileiros
O armazenamento e sequestro de carbono pelas florestas tropi- em 2008, projetos de REDD + têm potencial de proteger outros
cais pode ser o primeiro serviço ambiental com potencial para criar serviços ambientais que não possuem mercado e/ou financia-
um grande mercado formal em escala global. Hoje a Amazônia é mento. Os potenciais cobenefícios do REDD + são enormes e po-
uma das regiões que oferece maiores condições técnicas e políticas dem melhorar a qualidade do ar e da água, garantir a manutenção
para implementação de atividades de REDD + (Redução de Emissão e restauração de regimes hídricos e climáticos locais e regionais,
por Desmatamento e Degradação) e está sendo fortemente visada além de conservar a biodiversidade e recursos do solo.
para essas iniciativas, já que sustenta um montante gigantesco de Do ponto de vista social, esses pagamentos podem ter um im-
biomassa florestal ameaçado pelas altas taxas de desmatamento. pacto positivo sobre os meios de subsistência local dos povos
O mercado de carbono é uma das iniciativas mais avançadas amazônicos, seja por incrementar sua renda ou por trazer outros
de valoração de um serviço ambiental em curso e representa uma benefícios não monetários.
grande oportunidade para os países amazônicos acessarem fundos A maior parte dos serviços ambientais e seus benefícios são
internacionais que fortaleçam suas capacidades de implementar bens públicos, que não possuem preço ou valor de mercado. A va-
políticas efetivas de conservação e manejo florestal sustentável. loração ainda constitui um grande desafio e nem sempre é a melhor
Ao atrair a receita da rápida expansão do mercado do carbono, opção para o reconhecimento da sua importância na economia e
cujas transações globais já atingiram o nível de US $ 125 bilhões no bem-estar humano. É especialmente importante enfatizar que
143
amazônia
a valoração de serviços ambientais não é um fim em si mesmo, mas 2 Mittermeier, R.A.; Gil, P.R.; Hoffman, M.; Pilgrim, J.; Brooks, T.; Mitter-
deve ser orientada para suprir as necessidades dos “consumidores meier, C.G.; Lamoreux, J.; Fonseca, G.A.B. da; 2005. Hotspots revisited:
Earth’s biologically richest and most endangered terrestrial ecoregions.
finais”. Os atores do setor privado são também usuários significa-
Washington, DC : Cemex, 2004. 392p.
tivos desses benefícios, e isso inclui envolvimento de políticos, to- 3 Becker, B.K. 2001. Síntese das políticas de ocupação da Amazônia. Lições
madores de decisão em todos os níveis governamentais, além de do passado e desafios do presente. In: Brasil. MMA . Causas e dinâmicas do
organizações consumidoras e corporativas. desmatamento da Amazônia. MMA /SCA , Brasília.
Assim, as soluções e as estratégias de manutenção desses ser- 4 PNDU – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2010. Re-
viços também passam pelo desenvolvimento de novos mecanis- latório do desenvolvimento humano brasileiro: Políticas de valor. Rio de Ja-
neiro: Pnud. Disponível em http://www.pnud.org.br.
mos de subsídios que reflitam as prioridades de sustentabilidade
5 Toledo, P.M.; Vieira, I.C.G.; Câmara, G.; Araújo, R.; Coelho, A.; Go-
de longo prazo e pelo estabelecimento de políticas que recom- mes, S.; 2011. Biodiversity, Ecosystem and Commodities. In: The Sys-
pensem a conservação do fluxo desses bens e serviços ambien- temic Dimension of Globalization. Edited by: Piotr Pachura, Publisher
tais e penalize sua destruição, dividindo os benefícios na manei- InTech. Disponível em: http://www.intechopen.com/articles/show/title/
ra mais equitativa possível. biodiversityecosystem-and-commodities-in-amazonia
O futuro da sustentabilidade da floresta amazônica e da gera- 6 Costa, F. A. 2005. Questão agrária e macropolíticas na Amazônia. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 53, n. 19, p. 1–26.
ção de renda para sua população está em encontrar maneiras de 7 FGV . 2009. Indicador de Desenvolvimento Econômico e Social dos esta-
introduzir no mercado esses serviços que a natureza fornece. Essa dos brasileiros. Disponível em: http://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.
estratégia depende de soluções a curto, médio e longo prazo, já que fgv.br/files/324.pdf
se o esforço for direcionado apenas para soluções imediatas, a sus- 8 IBGE . 2009. Contas Regionais do Brasil – 2005–2009. Disponível em: http://
tentabilidade e a resiliência em longo prazo nunca serão alcança- www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2009/con-
tasregionais2009.pdf
das. É de extrema importância que as soluções adotadas em curto
9 O projeto TerraClass foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesqui-
prazo (extrativismo, ecoturismo, etc.) não destruam a base de re- sas Espaciais (INPE ) com o objetivo de qualificar as áreas desmatadas da
cursos da estratégia em longo prazo, que é a própria floresta. Amazônia com base na leitura de imagens de satélite.
Os governos atuais se encontram nesse paradoxo entre a utili- 10 SFB e IMAZON . 2010. A atividade madeireira na Amazônia brasileira: pro-
zação imediata e a conservação. Por um lado, o bioma amazônico dução, receita e mercados. 32p. Belém.
é considerado de extrema importância para o desenvolvimento 11 Smeraldi, R.; May, P. O Reino do Gado: uma nova fase na pecuarização da
Amazônia. São Paulo: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, 2008. 40 p.
econômico dos países que o compõem, e, por outro, a Amazônia
12 IBGE . 2006. Censo Agropecuário. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/
abriga a maior floresta tropical com toda sua reconhecida impor- home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/default.shtm
tância no provisionamento de serviços ambientais cruciais para 13 Idem.
a humanidade. Apesar de intangível, tendo em vista os grandes 14 Tourrand, J.-F.; Veiga, J.B. da. 2003. Viabilidade de sistemas agropecuários
riscos ambientais e econômicos associados a sua perda, pode-se na agricultura familiar da Amazônia. Belém: Embrapa Amazônia Oriental.
concluir que o valor de todos esses serviços é consideravelmente 15 IBRAM . 2010. Informações e análises da economia mineral brasileira.
5 edição. 28p. Disponível em: www.ibram.gov.br
alto. Mas é justamente por esses benefícios da conservação das 16 DNPM . 2010. Relatório Anual de Lavra. Disponível em: http://www.dnpm.
florestas ainda possuírem um valor econômico intangível que gov.br
não se consegue competir com os ganhos de curto prazo do mo- 17 Mittermeier, R.A.; C.G. Mittermeier, P.; Robles, G.; Pilgrim, J.; Fonseca,
delo de exploração predatória. G.A.B. da; Brooks, T.; Konstant, W.R.; (eds.). 2002. Wilderness: earth’s last
As funções de manutenção da biodiversidade, de armazenamen- wild places. Cemex, Agrupación Serra Madre, S.C., México.
18 Schroder, M. & Hirata, M.F. 2010. Meio ambiente, agricultura familiar
to de carbono e da ciclagem de água valem mais do que o valor da
e políticas públicas: os desafios do desenvolvimento rural na Amazônia
terra na Amazônia. Como converter os serviços ambientais da flo- Brasileira. Artigo apresentado no VIII Congresso Latino Americano de So-
resta em um fluxo de renda, e como converter esse fluxo em um ali- ciologia Rural – “América Latina: realineamientos políticos y proyectos en
cerce para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, garantin- disputa”, Porto de Galinhas/PE , novembro de 2010. 22 p. Mimeo.
do qualidade na entrega desses serviços ambientais no âmbito local, 19 Marcovitch, J., 2011. A gestão da Amazônia – ações empresariais, políti-
regional e global, ainda constituem o grande desafio. cas públicas, estudos e propostas. Edusp, São Paulo.
20 Sauer, S., Almeida, W., 2011 Terras e territórios na Amazônia: demandas,
desafios e perspectivas. Editora UNB , Brasília. 426p.
n ota s 21 Araújo, S. R., Lena, P., 2010. Desenvolvimento Sustentável e Sociedades
na Amazônia. Belém, MPEG /CNP q/PPG -7.
1 IBGE . 2010. Relatório do Censo 2010. Disponível em: http://www.cen-
so2010.ibge.gov.br
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O B rasil tem 6 biomas em terra firme e um bioma ma rinho
amazônia
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Biomas Brasileiros
Cria n ça kaya p ó | PA
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O
5 PANTANAL
S a n d r o M e n e z e s S i lva
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pantanal
Entre as espécies de peixes mais conhecidas do Pantanal estão tacional (florestas de clima tropical com estações bem definidas),
o pintado (Pseudoplatystoma corruscans), a cachara (Pseudopla- os anfíbios podem chegar a um total de 80 espécies.
tystoma fasciatum), o dourado (Salminus maxillosus), o curimba Quanto à fauna de répteis, contam-se aproximadamente
(Prochilodus lineatus), o pacu (Piaractus mesopotamicus), a pi- 110 espécies, sendo quase um terço desse número formado por
raputanga (Brycon microlepis) e as piranhas (Serrasalmus spp. e serpentes. As peçonhentas são uma minoria na região, com des-
Pygocentrus nattereri). taque entre as referências populares para a cascavel (Crotalus
Durante a estação das cheias, a riqueza de ambientes aquáticos durissus) e a boca-de-sapo (Bothrops neuwiedi). As sucuris, que
do Pantanal produz diversos hábitats favoráveis para as dezenas no Pantanal podem ser de duas espécies, a sucuri-amarela (Eu-
de espécies de sapos, pererecas e rãs que vocalizam praticamente nectes notaeus) e a sucuri-amazônica (Eunectes murinus), tam-
durante todo o dia, intensificando esse comportamento quando a bém se destacam pelo tamanho que podem atingir. Apesar dos
noite chega. Estudos da fauna de anfíbios realizados em diferentes relatos de que haveria indivíduos de até 12 m, o comprimento
partes do Pantanal indicam a existência de cerca de 40 espécies, máximo registrado em publicações científicas é de 9 m, um gran-
sendo a maioria característica desses ambientes aquáticos como de atrativo para os turistas que procuram atividades de observa-
margens de lagoas e rios, campos úmidos, florestas ciliares (flores- ção da vida silvestre. Além dessas espécies, o jacaré-do-Pantanal
tas que acompanham o curso dos rios)2 e áreas abertas. Somando (Caiman yacare) é um símbolo da região. Durante a estação seca,
a planície e a parte alta da bacia com as espécies mais característi- centenas desses animais podem ser vistos ao longo dos bancos de
cas de áreas florestais não inundáveis de Cerrado e de Floresta Es- areia e margens de rios e lagoas da região.
168
Biomas Brasileiros
As aves constituem um importante grupo de vertebrados no ta global (publicada pela União Internacional para Conservação
Pantanal, seja pela diversidade de espécies e de ambientes que da Natureza – IUCN ), considerando tanto Pantanal como os pla-
ocupam, seja pelas grandes populações que algumas espécies naltos do entorno. Nas duas listas destacam-se algumas espécies
apresentam na região. Existem registros de cerca de 470 espécies com alto grau de ameaça, como o cervo-do-Pantanal (Blastoce-
de aves para o Pantanal, número que pode chegar a mais de 600 se rus dichotomus), a ariranha (Pteronura brasiliensis), o cachorro-
consideradas as áreas altas da bacia hidrográfica. Como acontece -vinagre (Speothos venaticus), o rato-de-espinho (Kunsia fronto)
com outros grupos da fauna e da flora do Pantanal, a composição e o tatu-canastra (Priodontes maximus) entre os mamíferos, e o
de espécies mostra influências biogeográficas dos biomas vizi- maçarico-esquimó (Numenius borealis), a águia-cinzenta (Har-
nhos, notadamente do Cerrado, mas também do Chaco e das flo- pyhaliaetus coronatus) e os caboclinhos (Sporophila palustris,
restas andinas3 a oeste, e das florestas úmidas pelo lado brasileiro. Sporophila nigrorufa e Sporophila cinnamomea) entre as aves.
Algumas espécies de aves que vivem em ambientes aquáti-
cos costumam formar grandes agregações, como é o caso de al- Abrangência
gumas garças (Egretta,Casmerodius e Ardea), do tuiuiú (Jabiru
mycteria), do cabeça-seca (Mycteria americana) e do biguatinga O Pantanal é uma ampla superfície de sedimentação, perten-
(Anhinga anhinga), entre outras. Os “ninhais”, como são conhe- cente à bacia hidrográfica do Alto Paraguai, localizada na porção
cidas essas agregações, são bastante comuns em diversas regiões central da América do Sul. Inclui, além de partes dos territórios
do Pantanal, sendo considerados atrativos para os apreciadores do Mato Grosso (MT ) e do Mato Grosso do Sul (MS ), no Brasil,
das atividades de observação de aves. territórios da Bolívia e do Paraguai. Tão importante quanto a pla-
A fauna de mamíferos do Pantanal é formada principalmente nície do Pantanal, com 147.574 km2 de superfície, são as terras al-
por espécies procedentes do Cerrado, assim como acontece com tas dos planaltos que a circundam, onde estão as nascentes dos
outros grupos de animais e plantas da região. O número de espé- seus principais rios formadores. Essa área tem aproximadamen-
cies de mamíferos ocorrentes no Pantanal varia conforme a fonte te 214.802 km2, e a área da bacia como um todo tem aproximada-
consultada, dependendo da inclusão ou não das áreas planálticas mente 362.000 km2 em território nacional. Cerca de 52% dessa
do entorno da planície. Considerando somente a planície panta- área está no Mato Grosso do Sul e 48% no Mato Grosso.
neira, o número de espécies de mamíferos varia, conforme a re-
ferência, entre 89 e 93, chegando a mais de uma centena se con-
siderado o planalto do entorno. Embora os mamíferos de médio
e grande porte sejam mais conhecidos, Por causa da maior faci-
lidade de visualização, são os pequenos mamíferos os responsá-
veis pelos maiores valores de riqueza da mastofauna do bioma.
Destacam-se os morcegos, representados por cerca de 36 espé-
cies, e os roedores, com 15 espécies.
Uma característica que chama a atenção em relação à masto-
fauna (fauna de mamíferos) do Pantanal é a existência de gran-
des populações de espécies que em outros biomas encontram-se
sob risco, como veados-campeiros, capivaras, quatis, porcos-do-
-mato e cervos-do-Pantanal.
Alguns estudos e mapeamentos populacionais de espécies de
mamíferos pertencentes ao Pantanal podem ser encontrados na
literatura especializada, como ocorre com o veado-campeiro (Ozo-
toceros bezoarticus), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus),
capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) e tamanduá-bandeira
(Myrmecophaga tridactyla), e são fundamentais para definições
relacionadas à conservação in situ dessas espécies.
Existem 30 espécies de vertebrados consideradas ameaçadas
de extinção na lista nacional (publicada pelo Instituto de Meio Vista a érea do Rio Pa raguai inundado, próximo a Corumbá | MS
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ) e 38 na lis-
169
pantanal
170
Biomas Brasileiros
ambientais relacionados principalmente ao cabeças de gado no Pantanal, estando cerca de 65% desse contin-
manejo das áreas de pastagem e à presença dos re- gente no estado do Mato Grosso do Sul.5
banhos em áreas de maior fragilidade ambiental.
A atividade turística tem sido aponta- Ag r i c u lt u r a
da como uma boa alternativa de geração DEVIDO ÀS inundações periódicas e aos solos pouco férteis,
de renda para as populações que vivem a agricultura é uma atividade pouco recomendada para a planí-
no Pantanal, mostrando uma tendência cie pantaneira. Algumas exceções são as áreas de cultivo de arroz
de expansão nos últimos 10 anos. A des- localizadas em alguns municípios de Mato Grosso do Sul e Mato
peito das dificuldades de acesso a algu- Grosso, estando as áreas agrícolas mais importantes localizadas
mas regiões, a combinação de facilidade nos planaltos que circundam a planície pantaneira.
Entre 1950 e 1960, a caça do jacaré-
do-pantanal (Caiman yacare) foi uma
para observação de fauna e flora silves- Alguns municípios que se destacam nessa atividade no âm-
atividade bem lucrativa na região, muito tres, ambientes ainda razoavelmente bito nacional, como Rondonópolis e Tangará da Serra (MT ), e
por conta do mercado internacional. íntegros e impressionantes belezas cê- São Gabriel do Oeste, Sidrolândia e Maracaju (MS ), têm parte
Mesmo com a proibição em 1967, a caça
nicas constitui o grande atrativo para de seus territórios incluídos na parte alta da bacia do Alto Para-
só cessou nos anos 1980, por causa dos
claros sinais de extinção que forçaram os turistas que procuram o Pantanal, es- guai, o que evidencia a importância dessa atividade como vetor
o mercado a exigir peles legalizadas. pecialmente estrangeiros, que vêm em de degradação dos ambientes naturais da região, especialmen-
busca de paisagens primitivas combina- te das regiões de nascentes de rios, na sua maioria localizadas
das à flora e fauna abundantes. no planalto.
A infraestrutura para recepção dos turistas no Pantanal tem
melhorado, mas ainda existem algumas regiões que não dispõem Mineração
de condições adequadas para ofertar um serviço que combine Em razão principalmente das jazidas de calcário e minério
qualidade, segurança dos visitantes e conservação ambiental. Al- de ferro, várias mineradoras, instaladas em municípios da bacia
guns municípios como Bonito e Miranda (MS ), e Nobres e Poco- do Alto Paraguai como em Corumbá e Bodoquena (MS ), têm pro-
né (MT ) têm sido os mais procurados, sendo o primeiro uma refe- duzido grande impacto ambiental na região.
rência no ecoturismo no Brasil e no exterior.
U s o s d o s o lo
Pecuária
Atraídos por espécies nativas de capim (como o capim-ca-
rona, o capim-flecha, o capim-rabo-de-burro, o capim-mimoso,
entre várias outras espécies), os pecuaristas, que viam na região
vantagens naturais para a ocupação, vêm substituindo essa vege-
tação por gramíneas exóticas de maior produção.
Essa introdução de espécies de capins exóticos trazem conse-
quências ainda pouco estudadas sobre os ambientes naturais do
Pantanal.4 Na sua maioria procedentes do continente africano,
sabe-se que essas espécies vegetais têm provocado alterações na
dinâmica de algumas populações de animais, especialmente en-
tre os ruminantes.
Quando comparada com as práticas da região de planalto, a
pecuária pantaneira mais tradicional não apresenta muitos tra-
tos culturais específicos, o que, em geral, pode ocasionar a degra-
dação do solo, queimadas e desmatamentos para limpeza de pas-
tos e estabelecimento de novas áreas de pastagem.
Estimativas feitas com base no Censo Agropecuário de 2010 Pa n ta n eiro n a regiã o do Pantanal de Cáceres | MT
apontam para um rebanho de aproximadamente 5,8 milhões de
171
pantanal
Além das alterações visuais na paisagem, a atividade minera- que algumas espécies realizam durante o período reprodutivo e
dora pode causar assoreamento e modificação na trajetória dos interferem na circulação de nutrientes, que nesse sistema tem
corpos d’água, contaminação das bacias com dejetos de diferentes um papel extremamente importante. Uma outra consequência
origens e incremento de processos erosivos, com consequente des- das barragens é o incremento do assoreamento dos leitos dos
caracterização da região. A mineração também provoca impactos rios, que em alguns pontos da bacia, como no rio Taquari, já cons-
ambientais indiretos, relacionados às necessidades de beneficia- titui o principal problema ambiental.
mento e transporte do material extraído das jazidas, como aconte-
ce com o transporte de minério por barcaças pelo rio Paraguai, por CLIMA e a d i n â m i c a da s i n u n da ç õ e s
trem, pela ferrovia que liga Corumbá a Campo Grande, e por rodo- Caracterizado por temperaturas elevadas e chuva no ve-
vias, aumentando substancialmente o trânsito de veículos pesados rão, e por seca e temperaturas mais baixas no inverno, o Panta-
na principal rodovia que corta o Pantanal no Mato Grosso do Sul. nal tem o clima tipicamente de caráter Tropical.6 A temperatura
média anual é de aproximadamente 21°C, e a média do mês mais
quente é maior que 25°C, e no mês mais frio, a média das míni-
mas é menor que 18°C.7 Assim, ocorrem verões quentes (média
em torno de 32°C) e invernos frios e secos, ocasionalmente com
geadas em julho e agosto. A precipitação pluviométrica anual
está entre 1.000 e 1.400 mm, sendo dezembro e janeiro os meses
mais chuvosos.
A dinâmica anual da inundação do Pantanal segue de perto os
ritmos climáticos, podendo ser reconhecidos os períodos de seca,
entre junho e setembro, e o da cheia, entre janeiro e março, inter-
calados pelas fases de enchente e vazante. A enchente se dá entre
outubro e dezembro, quando as águas começam a cobrir as áreas
mais baixas da planície, e o período de vazante ocorre entre abril
e maio, quando as águas baixam e retornam para os leitos dos rios,
córregos e lagoas.
Além das variações anuais nos níveis de inundação, existem
diversas evidências da ocorrência de variações supra-anuais na
dinâmica das inundações, com consequências sobre a circulação
superficial da água e nos ritmos biológicos mais diretamente de-
pendentes dos pulsos de inundação.
Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Pantanal | MS Exemplos dessas alterações podem ser observados quando,
nos picos de enchentes, as regiões secas são atingidas pela água
de rios e baías, e, dependendo do tempo de duração da cheia,
Geração de energia provocam mortandade de árvores formando as conhecidas “pa-
O estabelecimento de usinas de geração de energia hidre- liteiras” (áreas dominadas fisionomicamente por troncos des-
létrica também vem sendo apontado como um vetor de degrada- vitalizados de árvores ainda em pé). Já nos períodos de secas ex-
ção da bacia do Pantanal, já que interfere diretamente no regime tremas, as baías ficam sem água e são paulatinamente ocupadas
dos rios e, consequentemente, sobre toda a dinâmica de inunda- pela vegetação que será inundada com a próxima enchente.
ção da planície pantaneira. Existem estudos mostrando que há
a previsão de implementação de 115 barragens na bacia do Alto A s p r i n c i pa i s pa i s ag e n s pa n ta n e i r a s
Paraguai, isso somente para a década 2011–2020, sendo 75% de
pequenas centrais hidrelétricas. Essas represas ameaçam outras O relevo do Pantanal caracteriza-se como uma extensa planí-
atividades correntes na bacia, como a pesca artesanal e esportiva, cie com altitudes variando entre 100 e 200 metros, uma extensão
a agricultura familiar, a pecuária bovina e o turismo. da Planície do Chaco, localizada no Paraguai e em parte da Bolí-
As barragens interferem diretamente nas populações de pei- via. A planície pantaneira é circundada pelas bordas dos planaltos
xes que habitam os rios da região, pois impedem o deslocamento Central e Meridional (esse somente na porção sudeste), com algu-
172
Biomas Brasileiros
mas formações mais altas na forma de pequenas cadeias isoladas topografia do local. Em geral são ocupadas, total ou parcialmente,
de morros, como se observa no Maciço do Urucum, em Corumbá, e por vegetação aquática, com alterações no nível de água corres-
na Serra do Amolar, na divisa do Mato Grosso com a Bolívia. pondentes aos ciclos de inundação da planície pantaneira.
Ao longo de toda a extensão da planície pantaneira, as paisa-
gens têm feições bastante peculiares, relacionadas a fatores am- Salinas
bientais variados, como a proximidade de rios e lagoas, topografia, Algumas baías, em geral de formato arredondado e fechadas,
substrato geológico, dinâmica de inundação, entre outros. É bas- contêm grande quantidade de sais de sódio, potássio e magnésio,
tante comum o uso de denominações regionais para designá-las: e são chamadas de salinas. O pH dessas águas pode ser superior a
10, constituindo importantes refúgios para a fauna e para o gado.
Baías As salinas podem suprir o sal necessário na alimentação desses
As “baías” são corpos d’água temporários ou permanentes, de animais durante a estação seca.
formato e dimensão variáveis, que podem manter contato maior Esse tipo de lagoa é exclusivo de uma região do Pantanal co-
ou menor com os rios, dependendo do regime de inundação e da nhecida como Nhecolândia. Segundo estudo realizado por pes-
173
pantanal
174
Biomas Brasileiros
Cerrado
As várias fisionomias de Cerrado ocorrentes no Pantanal, no-
tadamente de campo cerrado, cerrado sensu strictu e cerradão, em
geral estão associadas a feições mais elevadas do terreno, como
acontece com as cordilheiras, descritas anteriormente, e com os
“capões”. Os capões são ilhas de vegetação arbórea, normalmente
cerradão, formadas em meio aos campos, que podem estar associa-
dos às diferenças de topografia do terreno e/ou à atividade humana.
Em muitas áreas do Pantanal, especialmente naquelas livres
das inundações periódicas, o Cerrado tem fisionomia e compo-
sição muito similares às áreas de entorno da planície, o que só
reforça a grande influência que essa vegetação tem na região.
Uma característica marcante da vegetação do Pantanal é a ocor-
rência de áreas dominadas por uma ou poucas espécies, resultado
ora de limitações impostas pelo regime de inundações, ora fruto de
atividades humanas, passadas ou atuais, muitas das quais usando
o fogo como forma de manejo da vegetação. Em geral são espécies
do Cerrado que se tornam dominantes em algumas áreas, confor-
me as características locais relacionadas sobretudo aos tipos de
solo, regime de inundação e histórico de ocupação humana.
Os principais agrupamentos dessa natureza são descritos su-
mariamente abaixo.
1 Cambarazais
Os cambarazais são agrupamentos florestais dominados pelo
cambará (Vochysia divergens), espécie arbórea de origem amazô-
nica, ocorrentes principalmente em locais inundáveis ao longo de
rios e lagoas de maior extensão. O cambará é uma espécie que pode
indicar mudanças no regime de inundação de um determinado lo-
cal, pois caso a água fique retida por um tempo mais prolongado,
seja por causas naturais, seja por algum desvio provocado pelo ho-
mem, os indivíduos rapidamente começam a dar sinais de perda
de vitalidade, com amarelecimento, queda das folhas e morte.
2 Caronais
Os caronais são manchas de vegetação campestre dominadas
pelo capim-carona (Elyonurus muticus) que ocorrem geralmen-
te em solos arenosos e de baixa fertilidade em diversas regiões do Ara ra-a zul-gra n de ( Anodorhynchus hyacinthinus) –
Pantanal, notadamente em parte da Nhecolândia, Paiaguás e Po- Fa zen da Rio Negro | MS
coné. Em alguns locais essas áreas são usadas para o gado, o que
175
pantanal
demanda o uso do fogo para manejo e renovação do capim. Essa mais altas do entorno, como acontece na região de Corumbá e da
tem sido uma das causas mais importantes de incêndios ocor- Serra da Bodoquena.
rentes na região. 4 Paratudais
3 Carandazais Os paratudais também têm aspecto savânico aberto, onde o
Os carandazais são savanas inundáveis abertas, com uma mis- elemento arbóreo característico é o paratudo (Tabebuia aurea),
tura de espécies graminoides e arbustos esparsos com agrupa- uma espécie de ipê-amarelo típico do Cerrado. Assim como nos
mentos da palmeira carandá (Copernicia alba), espécie oriunda carandazais, intercalado com os paratudos, ocorre uma densa
da região do Chaco, parente da carnaúba (Copernicia prunifera) cobertura de gramíneas, dando um aspecto fisionômico bastante
encontrada no nordeste do Brasil. próprio para esse tipo de vegetação.
Algumas evidências de estudos realizados em carandazais no 5 Canjiqueirais
Mato Grosso do Sul mostram que essas áreas estão relaciona- Os canjiqueirais geralmente ocorrem em áreas de savana ocu-
das a locais inundáveis e com alta concentração de cálcio no solo, padas pelo homem, em locais com sobrepastejamento e/ou livre
provavelmente resultantes de rochas calcárias existentes em al- do fogo periódico, como bordas de cordilheiras, de capões e de
gumas partes localizadas na transição entre a planície e as áreas florestas ciliares, inclusive em áreas de campos inundáveis.
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Biomas Brasileiros
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pantanal
uma área de Reserva da Biosfera, assim declarada no ano 2000 Grosso do Sul contam com muitos recursos de compensação am-
pela UNESCO . A Reserva da Biosfera do Pantanal inclui os esta- biental de grandes empreendimentos, que muitas vezes são em-
dos do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte de Goiás, consi- pregados em ações que pouco, ou quase nada, revertem para a
derando, além da planície, áreas de influência das cabeceiras dos melhoria no manejo dessas áreas.
rios que formam o Pantanal.
Parques, reservas, áreas de proteção ambiental e estações eco- I n i c i at i va s d e p e s q u i s a
lógicas constituem algumas das maneiras mais eficientes de pro- e c o n s e r va ç ã o d o Pa n ta n a l
teção de espécies e hábitats, pois, independente das diferentes Dentre as várias iniciativas para conservação do Pantanal,
categorias e objetivos de manejo, têm como finalidade principal merecem destaque os projetos executados com o intuito de ma-
contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos re- pear e reconhecer os principais fatores de risco para a integridade
cursos genéticos. ambiental da região. Nesse contexto, deve-se reconhecer a impor-
tância do Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP),
D e s a f i o s e O p o r t u n i da d e s iniciativa das Secretarias de Estado do Meio Ambiente de Mato
Grosso e de Mato Grosso do Sul, que tem por finalidade o diagnósti-
Um grande desafio para a conservação do Pantanal está na de- co e a definição de diretrizes para a conservação ambiental da bacia.
vida implementação das unidades de conservação já criadas na Além do PCBAP , o Programa para o Desenvolvimento Sus-
região, independente da categoria de manejo e jurisdição admi- tentável do Pantanal, lançado em 1997 pelo Ministério do Meio
nistrativa da unidade. Ambiente e conhecido como Programa Pantanal, teve a finalida-
Somente 11 das 112 unidades de conservação existentes na ba- de de promover o uso sustentável dos recursos naturais da bacia
cia têm planos de manejo elaborados e em aplicação. A maioria do Alto Paraguai e afeta de forma direta ou indireta aproximada-
dessas áreas, oito unidades, são reservas privadas, sendo as de- mente 80 municípios e 39 comunidades indígenas. Basicamen-
mais áreas representadas por parques. te esse programa é composto por ações direcionadas às áreas
Entre a planície e o planalto, existem somente três Parques protegidas, às áreas urbanas, ao desenvolvimento de alternati-
Nacionais (PN ): o do Pantanal Mato-Grossense, o da Serra da Bo- vas econômicas e ao manejo integrado das bacias hidrográficas.
doquena e o da Chapada dos Guimarães. Desses, o único que está O “Programa Pantanal” contou com o financiamento do governo
totalmente inserido na planície pantaneira é o primeiro, que tam- brasileiro, do Banco Interamericano para o Desenvolvimento e
bém conta com um plano de manejo em operação e que se prepa- do Banco Japonês para Cooperação Internacional.
ra para iniciar o recebimento de visitação pública. Os parques da Outra iniciativa importante para a conservação do Pantanal
Chapada dos Guimarães e da Serra da Bodoquena situam-se na foi a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico do Mato
porção planáltica da bacia hidrográfica, e são importantes para Grosso do Sul, estado que detém cerca de 52% da área da bacia hi-
a proteção das regiões de nascentes dos rios que alimentam os drográfica. Com esse projeto ficou clara a aptidão da região para
ciclos hidrológicos do Pantanal. atividades de baixo impacto ambiental, assim como para conser-
O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães possui estru- vação dos ambientes naturais.
tura para recepção de visitantes, fator que serve como um dina- Em termos institucionais, diversas organizações de pesquisa
mizador da economia local. Já o Parque Nacional da Serra da e conservação atuam na região do Pantanal, com diferentes ob-
Bodoquena, criado em 2000, até hoje sequer teve seu plano de jetivos associados, tais como as universidades, especificamente
manejo aprovado e a sua regularização fundiária caminha em a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) , a Universidade
passos lentos, o que pode comprometer a integridade da área no Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) , a Universidade Federal
médio e longo prazos por falta de ações mais consistentes de pro- da Grande Dourados (UFGD) , a Universidade Estadual do Mato
teção, pesquisa e manejo da área. Grosso (UNEMAT) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do
Quanto aos parques estaduais, mais numerosos, ainda há muito Sul (UEMS) , além de algumas instituições de ensino superior pri-
a ser feito para que sejam implantados e sejam adotadas as medi- vadas. Destacam-se ainda as unidades de pesquisa da Empresa
das de manejo necessárias. Muitos ainda estão somente no papel e Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA ), localizadas em
carecem de recursos para o devido funcionamento e consequente Corumbá e Campo Grande, ambas no estado do Mato Grosso do
alcance dos objetivos de conservação para os quais foram criados. Sul. Em todas essas instituições de ensino e pesquisa existem
Aparentemente falta vontade política para o devido funciona- grupos organizados de pesquisadores com projetos que investi-
mento dessas unidades, já que tanto o Mato Grosso como o Mato gam os diversos aspectos do Pantanal, incluindo aqueles mais di-
178
Biomas Brasileiros
G r and e con cen tra çã o de jaca rés (Caiman cro co d ilus yacare) n o Pantanal | MT
retamente relacionados à dinâmica dos processos ecológicos e à – Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos, cuja atuação é concen-
conservação da biodiversidade. trada na região da serra do Amolar, em Mato Grosso; a Fundação
Seja em parceria ou de forma isolada, as organizações do 3º Neotrópica do Brasil, atuante sobretudo na região do Planalto da
setor também têm relevância nesse contexto por promoverem Bodoquena, no Mato Grosso do Sul; a Associação de Proprietá-
diversas ações e projetos na região. Merecem atenção as organi- rios de Reservas Privadas do Mato Grosso do Sul (REPAMS) , cujo
zações com atuação mais ampla em termos geográficos com pro- foco está no estímulo à criação e gestão das Reservas Particula-
gramas regionais para o Pantanal, como é o caso principalmen- res do Patrimônio Natural (RPPN ); a Ecoa – Ecologia e Ação, com
te da Conservação Internacional (CI -Brasil), do Fundo Mundial um papel fundamental na mobilização e articulação voltadas à
da Natureza (WWF -Brasil), e da Sociedade para Conservação da conservação e uso sustentável dos recursos naturais da região.
Vida Selvagem (WCS ).
Dentre as organizações de menor porte e com atuação mais O p ot e n c i a l da s r e s e r va s pa r t i c u l a r e s
regionalizada, merecem destaque o Instituto SOS Pantanal, cujo Considerando que quase 90% da área do Pantanal está sob
principal objetivo é proporcionar informação isenta para a dis- domínio privado, uma perspectiva promissora para a conserva-
cussão das grandes questões que envolvem a região; a Ecotrópica ção do Pantanal está na criação e implementação das Reservas
179
pantanal
Particulares do Patrimônio Natural (RPPN ). A Conservação In- quais o suprimento de água e a biodiversidade, podem converter-
ternacional (CI -Brasil), em parceria com a Associação de Pro- -se em mote para o desenvolvimento de programas de conserva-
prietários de Reservas Privadas do Mato Grosso do Sul (REPA- ção da área que considerem as especificidades regionais, e, assim,
MS ), desenvolve um programa de apoio às RPPN do Pantanal, no consigam perpetuar esse que é um dos paraísos de biodiversida-
qual o proprietário pode obter recursos financeiros para apoiar de da América do Sul.
o processo de criação de novas áreas, e apoiar a implementação
das medidas de manejo definidas para cada unidade. n ota S
Apesar de serem áreas, em geral, menores que as unidades de
conservação de domínio público, as RPPN podem assumir um im- 1 As influências das partes altas e o fato de a planície pantaneira ser uma
portante papel na conservação do Pantanal, por estarem mais dis- formação geomorfologicamente mais recente que as áreas de entorno têm
sido até mesmo usados para questionar se o Pantanal é, de fato, um bioma.
tribuídas pela região e, assim, incluírem maior número de hábitats Alguns acreditam que seria mais adequado considerar o Pantanal como
e situações ambientais peculiares na planície pantaneira. As RPPN uma grande região de contato e/ou transição entre outros importantes bio-
podem desempenhar uma função relevante de complementação mas da América do Sul, e não propriamente como um bioma, com fauna e
às grandes áreas protegidas (como parques e áreas de proteção flora típicas.
ambiental), na defesa da integridade ecológica do Pantanal. 2 As florestas ciliares também são conhecidas popularmente como flores-
tas ripárias, florestas ripícolas, florestas de galeria, florestas justafluviais,
entre outras.
M u da n ç a s c l i m á t i c a s e s e r v i ç o s a m b i e n ta i s
3 O Chaco é uma grande região natural da América do Sul, localizado na
No atual cenário de aquecimento global, quaisquer altera- porção central do continente, caracterizado por áreas planas extensas, em
ções provocadas pelo homem na dinâmica hídrica do Pantanal região de clima seco, com vegetação heterogênea constituído tanto por for-
podem trazer consequências severas sobre o sistema como um mações campestres como savânicas e até mesmo florestais. Apesar de não
todo, pois a redução dos fluxos de água, com consequente altera- aparecer no mapa de biomas brasileiros do IBGE , existem várias evidências
na literatura da ocorrência desse bioma no Brasil, na região sul do Pantanal,
ção nos pulsos de inundação, pode desencadear diversas mudan-
município de Porto Murtinho (MS ). Já as florestas andinas são formações
ças nas comunidades biológicas, com reflexos inclusive nas de- florestais que acompanham a cadeia montanhosa que forma os Andes, ocor-
mais atividades empreendidas na bacia, como a própria pecuária, rendo desde as altitudes mais baixas, em torno dos 200 m (s.n.m.), chegando
a pesca e o turismo. até as porções mais elevadas, por volta dos 1.000–1.200 m (s.n.m.) Sabe-se
A construção de hidrovias e usinas a de hidrelétricas, além do muito pouco sobre a composição e estrutura dessas florestas, embora estu-
uso da água para irrigação e abastecimento humano, são fatores dos pontuais indiquem a ocorrência de algumas espécies endêmicas dessas
florestas, tanto da fauna como da flora.
que podem potencializar essas alterações, com consequências 4 Alterações como essas foram detectadas em algumas regiões costeiras do
ainda pouco entendidas pelos cientistas e pesquisadores que Brasil, onde os capins exóticos foram introduzidos principalmente para a
atuam na região. criação de búfalos em áreas inundáveis. Também na região do Cerrado es-
Além de água, a biodiversidade e a estabilidade climática são sas espécies foram introduzidas com o intuito de fornecer matéria verde
serviços que devem também ser considerados para fins de políti- para o gado durante o longo período de estiagem ao qual a região está sujeita.
cas públicas, buscando alternativas de geração de renda sem ne- 5 Dados do IBGE : www.ibge.gov.br.
6 Ou Aw, conforme a classificação de tipos climáticos de Köppen.
cessariamente degradar os ambientes e paisagens que fazem do 7 Os valores de referência de 18 e 25ºC são usados nas classificações de tipos
Pantanal uma região única no planeta. climáticos para distinguir os tipos tropical e subtropical.
Estudos que estimem a escala com que esses serviços ambien- 8 Conservação Internacional, Ecoa – Ecologia e Ação, Fundación Avina,
tais podem ser valorados, assim como da forma como esse valor Instituto SOS Pantanal, WWF -Brasil. 2009. Monitoramento das alterações
pode reverter em ações concretas de proteção da biodiversidade da cobertura vegetal e uso do solo na bacia do Alto Paraguai, porção brasilei-
ra: período de análise 2002–2008. Resumo executivo. 7 p.
em todos os seus níveis, consistem no grande desafio colocado para
9 Pinto, E. C. T.; Camargo, G.; Arcangelo, C.; Silva, S. M., Casarin, J. C. Pano-
as instituições de pesquisa e conservação que atuam na região. rama atual das unidades de conservação da bacia do Alto Rio Paraguai, Bra-
Apesar de ainda serem um assunto pouco explorado para a re- sil: planejamento, implementação e proteção à biodiversidade. In V Con-
gião, os serviços ambientais prestados pelo Pantanal, dentre os gresso Brasileiro de Unidades de Conservação, Anais. 2007.
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G l ays o n B e n c k e • R o s a M e d e i r o s
Va l é r i o P i l l a r • I l s i B o l d r i n i
Impressiona também o alto grau de endemismo ou de exclusi- e diversas espécies de roedores subterrâneos, conhecidos como
vidade da flora da região. Nos campos do Rio Grande do Sul ocor- tuco-tucos (Ctenomys spp.). O grupo das aves inclui espécies cul-
rem cerca de 500 espécies de plantas endêmicas, a maioria res- turalmente importantes, como a ema (Rhea americana), a perdiz
trita ao bioma Pampa.5 Em comparação, no bioma Cerrado, que ou codorna (Nothura maculosa), o quero-quero (Vanellus chilen-
ocupa uma área bem maior, as espécies endêmicas somam pouco sis) e o joão-de-barro (Furnarius rufus).
mais de 3 mil.6 Considerando apenas os campos de altitude, den- As aves migratórias se destacam tanto pela extensão de seus
tre as 1.161 espécies descritas nos estados do Rio Grande do Sul deslocamentos como pela abundância que certas espécies atin-
e de Santa Catarina,7 107 são exclusivas. No domínio do bioma gem em ambientes costeiros ou litorâneos do Rio Grande do Sul,
Mata Atlântica, foram encontradas nos mesmos tipos de campos, bem como em outras partes do Pampa. Assim, essas regiões ga-
ao todo, 296 espécies de plantas endêmicas, incluindo aquelas nham interesse mundial, pois constituem importantes áreas de
não restritas às formações campestres.8 invernagem e ganho de peso para essas espécies.
Essa alta biodiversidade florística e alto grau de endemismo
se devem à influência tanto de floras tropicais procedentes do
Brasil Central como de floras temperadas originárias do sul da
América do Sul. Estes campos estão situados na região subtropi-
cal, uma das regiões mais ricas em gramíneas no mundo, ocorren-
do associadas gramíneas de clima tropical e temperado.9 Outros
representantes de famílias como as leguminosas e as compostas
também alcançam seu limite setentrional no Pampa, ao passo
que espécies de clima tropical alcançam seu limite meridional na
Mata Atlântica. Assim, os campos do sul funcionam como uma
fronteira climática em que se desenvolvem espécies únicas desse
hábitat. Além disso, a origem geológica do Rio Grande do Sul é de
diferentes épocas e de diferentes substratos, originando tipos
de solos diversos e, consequentemente, micro-hábitats específi-
cos. Daí a presença de tantas espécies endêmicas.
Com relação à fauna atual dos campos do sul do Brasil, distingue-
-se a notável diversificação alcançada por certos grupos e a singu-
lar variedade de formas e modos de vida. Entretanto, diferente das
paisagens campestres de outros continentes, nossos campos não
abrigam manadas de grandes herbívoros pastadores como zebras
ou búfalos, e são habitados por animais nativos de porte em geral
bem mais modesto. P á sssa ros con h ecidos como gaudério ou maria-preta
Somente na porção brasileira do bioma Pampa são conheci- ( Mo loth rus bo n ariensis) em Lav ras do Sul | RS
das 480 espécies de aves e cerca de 90 de mamíferos. Entre essas
espécies, mais de uma centena das de aves e pelo menos 25 das
de mamíferos são estreitamente associadas a hábitats campes- Os prados costeiros baixos do litoral médio gaúcho, locali-
tres. No entanto,10 muitas outras ocupam também os capões de zados em torno da Lagoa do Peixe, formam uma das principais
mata (manchas isoladas de floresta), as florestas de galeria (que áreas de concentração não reprodutiva do maçarico-acanelado
se desenvolvem ao longo das margens dos rios) e os diversos ti- (Tryngites subruficollis) e do batuiruçu (Pluvialis dominica), ao
pos de áreas úmidas (banhados, turfeiras, campos inundáveis, passo que os campos do Planalto da Campanha, sobretudo ao lon-
lagoas e lagunas).11 go da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, são ocupados de for-
Entre os mamíferos mais peculiares figuram o veado-campei- ma expressiva pelo maçarico-do-campo (Bartramia longicauda),
ro (Ozotoceros bezoarticus), hoje restrito a uma pequena porção oriundo das pradarias norte-americanas.12
de sua área de distribuição original, o graxaim-do-campo (Ly- Movimentos mais discretos, mas não menos complexos, são
calopex gymnocercus), o gato-palheiro (Leopardus colocolo), o executados pelos pequenos papa-capins do gênero Sporophila
zorrilho (Conepatus chinga), o tatu-mulita (Dasypus hybridus) (caboclinhos), que se alimentam exclusivamente de sementes
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Os anfíbios anuros do gênero Melanophryniscus encontram Além disso, a criação de mulas e seu deslocamento em tropas
na região o hábitat mais favorável para sua diversidade, onde até o mercado de Sorocaba, em São Paulo, a partir do século XVIII ,
ocorrem 16 espécies, a maioria endêmica dos campos do sul do marcou a consolidação econômica dessa região durante o Brasil
Brasil ou do Pampa em um sentido mais amplo.18 colonial e imperial.22 Os campos gerais de Santa Catarina e Para-
Por fim, deve-se mencionar o fato de o conhecimento sobre a di- ná constituíram os caminhos naturais dessas tropas, onde alguns
versidade dos numerosos grupos de invertebrados que compõem a núcleos urbanos surgiram associados à atividade dos tropeiros,
fauna dos campos do sul do Brasil ser ainda muito incipiente e geo como Lages em Santa Catarina, e Santo Antônio da Patrulha,
graficamente limitado. Pouquíssimos são os grupos que dispõem Vacaria e Cruz Alta no Rio Grande do Sul.
de um conhecimento mais amplo, entre os quais está o das borbo- Se, num primeiro momento, a ocupação da região aconteceu
letas (ou lepidópteros diurnos). O estudo desses insetos tem evi- sobre os campos e com base na atividade pecuária, a partir do sé-
denciado uma estreita associação das borboletas do gênero Pam- culo XIX foram as regiões predominantemente florestais do sul
pasatyrus (subfamília Satyrinae) com ambientes campestres bem do Brasil que passaram a ser ocupadas com a chegada de novas
preservados do Pampa e dos campos do planalto sul-brasileiro.19 ondas imigratórias, principalmente de alemães e italianos.
As abelhas solitárias das famílias Andrenidae e Colletidae, por sua
vez, exemplificam notáveis casos de coevolução entre esses poli- Demografia
nizadores especializados e certas plantas encontradas no Pampa,
com as quais mantêm uma relação mutualística exclusiva.20 Representando 35% da população da região,23 cerca de
9,6 milhões de pessoas vivem nos municípios assentados sobre
Abrangência áreas originalmente campestres nos três estados do sul do Brasil
(Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina). Entre essas, 92%
O bioma Pampa, no Brasil, ocupa as porções sul e oeste do estado estão em meio urbano, incluindo as capitais Porto Alegre (RS) e
do Rio Grande do Sul. As demais regiões originalmente campes- Curitiba (PR).
tres que ocorrem no bioma Mata Atlântica estão nas porções altas Mantendo ainda significativa atividade pecuária baseada
do planalto sul-brasileiro, ocupando os três estados que formam nos campos e uma baixa densidade demográfica (10 habitan-
a Região Sul do país: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. tes por km2), cerca de 776 mil pessoas vivem nos municípios da
A extensão total no Brasil da área originalmente campestre é es- Campanha, área situada na região sudoeste, e nas serras de su-
timada em 237 mil km2, mas a conservação dos campos vem sendo deste no Rio Grande do Sul.24 No entanto, as duas regiões, que
ameaçada nas últimas décadas por sua conversão em culturas anu- fazem parte do bioma Pampa, apresentam contraditoriamente,
ais e silvicultura e pela degradação associada ao uso inadequado e à 84% dessa população no meio urbano.
invasão de espécies exóticas. Hoje, estima-se que ainda haja 79 mil
km2 de remanescentes desses campos na Região Sul do Brasil. Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o
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C a m p o s l i to r â n e o s Capões
Nos campos litorâneos, sobre solos pouco estruturados e No bioma Pampa, entremeadas com os campos, são encontra-
com baixa retenção de água, é marcante a presença de espécies das outras formações vegetais, como as matas ripárias ao longo
prostradas (que crescem rente ao solo), estoloníferas (que apre- dos rios, compostas por arbustos, arvoretas e às vezes árvores de
sentam caules prostrados, os quais enraízam em intervalos de grande porte, como o angico. Os capões, formados por um peque-
centímetros e emitem novas ramificações) ou rizomatosas (que no número de espécies de arvoretas, compõem uma paisagem
possuem caules subterrâneos, os quais tem a propriedade de de- discreta e singular em meio às formações campestres.
senvolver novos ramos aéreos).
No entanto, em direção ao continente, onde há maior acúmulo E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
de matéria orgânica, os solos são bem cobertos. As gramíneas habi-
tam, em geral, solos medianamente drenados, ao contrário das cipe- As paisagens campestres têm-se modificado pela ação huma-
ráceas, plantas que se assemelham às gramíneas, que preferem so- na, especialmente nas últimas décadas, com a aceleração da con-
los mal drenados. Várias leguminosas são frequentes nessa região. versão dos campos para outros usos da terra. A conversão des-
A ocorrência de espécies endêmicas é baixa, possivelmente por ser sas paisagens em lavouras e silvicultura a partir dos anos 1970
uma região de formação recente. No entanto, uma espécie de gramí- fez com que, em 2002, remanescentes de vegetação campestre
nea ainda não descrita é dominante e exclusiva desses campos. natural cobrissem 63 mil km2 no Rio Grande do Sul, ou menos da
metade da cobertura original, precisamente 48,5%.33 Em Santa
C a m p o s a r b u s t i vo s Catarina, os remanescentes campestres totalizavam 13 mil km2
A área do Planalto Sul-Rio-Grandense, conhecida como ser- em 2004.34 No caso do Paraná, os remanescentes de formações
ra do sudeste, se distingue dos demais tipos de ecossistemas abertas (campos e savanas) totalizavam 3 mil km2 em 2002,35 o
pela ocorrência significativa de mosaicos de campos e manchas que representa menos de 10% da área original. O Pampa é o se-
ocupadas por subarbustos, arbustos e árvores de baixo porte. gundo bioma mais devastado do Brasil, restando apenas 36% de
A origem desses mosaicos ainda é pouco conhecida, mas dados sua área original.36
da composição de pólen obtidos de sedimentos orgânicos indi- Além da perda de hábitat, a conversão também tem gerado frag-
cam que são campos naturais.31 Além disso, tem sido observado mentação desses ecossistemas, com consequências nos padrões
o adensamento da vegetação lenhosa. O manejo desses mosaicos de biodiversidade e incremento nos riscos de extinção de espécies
com vistas à produção pecuária envolve corte e queima da vege- da flora e da fauna silvestre. Além disso, invasões de espécies, como
tação lenhosa, em pequena escala, com a finalidade de manter as a gramínea exótica Eragrostis plana37 e outras espécies lenhosas,38
áreas utilizadas como pastagens para os animais de criação.32 constituem uma ameaça à integridade desses ecossistemas.
Nesses campos, entremeados por vegetação lenhosa, encontra- Em consequência da perda de hábi-
-se uma mistura de espécies de origem predominantemente tropi- tats, do manejo inadequado das pasta-
cal, como barba-de-bode (Aristida spp.), e temperada, como flechi- gens nativas e da degradação em larga Os palmares são formações
encontradas no litoral
lhas (Stipa spp.). Talvez seja a região do Pampa com o maior grau escala de ambientes-chave para a fau- (Butia catarinensis), na região
de endemismo, de compostas, leguminosas e várias outras famí- na, como capinzais densos, margens de do Coatepe, município de
lias, o que é bastante razoável, já que é a região de formação geoló- banhados e áreas úmidas associadas a Quaraí (Butia yatay), e também
nos areais (Butia lallemantii).
gica mais antiga. formações campestres, um número ex-
pressivo de espécies animais que ha-
Campos com espinilho bitam os campos do sul do Brasil corre
risco de extinção na atualidade. Ao todo,
No oeste do Rio Grande do Sul ocorrem campos com espinilho 32 espécies ameaçadas de extinção no
(Vachellia caven), uma leguminosa arbórea associada ao estrato âmbito regional, nacional e/ou mundial
inferior, constituindo um gramado com predomínio de gramí dependem diretamente dos ambientes
neas. No Parque Espinilho, no extremo oeste do estado, esses campestres para a sua sobrevivência
campos apresentam uma maior riqueza de espécies no estrato ou dos mosaicos formados por campos e
superior, formado por arvoretas e árvores, incluindo outras árvo- ecossistemas florestais, a exemplo do veado-campeiro,
res leguminosas como o inhanduvá (Prosopis affinis) e o algarro- do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), da águia-
bo (Prosopis nigra). -cinzenta (Urubitinga coronata), do charão
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P á ssa ro-prín cipe ( Pyro ceph alus rubin us) em L avras do Sul | RS
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Com relação aos campos de Santa Catarina e do Paraná, em- queimadas: por um lado, onde o pastejo é suprimido, a vegetação se
bora cerca de 20% dos Campos Gerais do Paraná estejam sob torna mais inflamável e as queimadas tendem a apresentar maior
conservação oficial em nove unidades diferentes,44 as áreas efe- extensão e intensidade; por outro lado, áreas manejadas adequa-
tivamente implantadas somam apenas 4.000 hectares. A unida- damente com pastejo são menos inflamáveis. Portanto, o manejo
de de conservação Refúgio de Vida Silvestre de Palmas protege pastoril adequado poderia reduzir a necessidade de queimadas e
16 mil hectares na divisa entre Paraná e Santa Catarina. Ainda também os riscos de incêndios catastróficos, o que seria de espe-
neste último estado, 49 mil hectares estão protegidos no Parque cial relevância em unidades de conservação, principalmente con-
Nacional de São Joaquim. siderando áreas de contato com ecossistemas florestais.
Esta realidade não é exclusiva do Brasil. Pradarias temperadas Grandes herbívoros pastadores coevoluíram com as espécies
e savanas estão entre os biomas terrestres com a situação global de gramíneas na América do Sul desde o início do Mioceno (en-
mais crítica – 45,8% de conversão e apenas 4,6% de proteção.45 tre 23 e 5 milhões de anos atrás).51 O pastejo por grandes pasta-
A falta de conservação de paisagens abertas em geral, e dos dores, portanto, não é estranho na evolução das espécies vegetais
campos em particular, tem raízes numa visão equivocada sobre dos campos, ainda que esse distúrbio possa ter-se desenvolvido
a sua natureza. Imagina-se que essas paisagens têm origem no em um grau menor do que em outros continentes, pela menor di-
trabalho humano, ocupando áreas florestais que foram desmata- versidade e abundância de herbívoros pastadores e pela notável
das. Infelizmente, a preocupação ambiental ainda tende para as ausência de um dos principais grupos de mamíferos pastadores
florestas em detrimento de outros tipos de ecossistemas e, com estritos, os bovídeos.52
efeito, uma das principais leis de conservação da biodiversidade Conjetura-se que a atividade pastoril nos campos representa
no Brasil denomina-se “Código Florestal”, reproduzindo o sen- a reintrodução de um processo ecossistêmico antes desempe-
so comum de que apenas florestas devam ser protegidas. Na re- nhado por uma megafauna pastadora, mantidas as devidas pro-
alidade, outros tipos de formações vegetais também encontram porções quanto à densidade populacional e hábitos de pastejo
proteção nessa lei, mesmo que de forma menos explícita. das espécies exóticas.53 Além disso, o cavalo primitivo (Equus
Embora ecossistemas campestres possam apresentar uma di- ferus) que se extinguiu na América há milhares de anos é da mes-
versidade biológica menor do que as florestas, a fauna e a flora ma espécie do cavalo doméstico54 e, portanto, foi reintroduzido
que esses ambientes sustentam não são amostras das comuni- durante a colonização europeia.
dades florestais adjacentes. Sua singularidade e diversidade são, Estudos sobre as consequências do manejo pastoril na biodi-
portanto, merecedoras de maiores esforços de conservação.46 versidade da fauna indicam que a ausência de distúrbios, assim
como o seu excesso (como o sobrepastejo), é prejudicial.55 A pre-
Pa s t e j o e q u e i m a da s : ta b u s da c o n s e r va ç ã o sença dos animais pastadores modifica a estrutura da vegetação
A dinâmica natural dos ecossistemas campestres está asso- pela seleção entre plantas palatáveis e não palatáveis e também
ciada à ocorrência de determinados níveis de distúrbios, como o influencia na microvariação topográfica, o que pode incremen-
pastejo animal e o fogo. Esses distúrbios geram heterogeneidade tar a heterogeneidade espacial de hábitats.56 Práticas de mane-
espacial e permitem maximizar a diversidade de espécies na co- jo que sustentam pastagens diversas e estruturalmente comple-
munidade na medida em que renovam os processos sucessionais, xas também sustentam assembleias de invertebrados terrestres
impedindo a homogeneização da comunidade por poucas espé- mais diversas e funcionais.57
cies competitivamente superiores. Assim, o uso pastoril com manejo adequado pode ser al-
Avaliações sobre esses distúrbios para os campos do sul do tamente produtivo e manter a integridade dos ecossistemas
Brasil demonstraram que sua ausência reduz a diversidade de es- campestres e demais serviços ambientais.58 Entretanto, seu
pécies vegetais e, portanto, são essenciais para a própria conser- potencial forrageiro não tem sido devidamente valorizado e a
vação.47 Apesar disso, o manejo com pastejo e/ou queimadas em pecuária tem sido substituída por outras atividades aparente-
áreas campestres de unidades de conservação ainda é um verda- mente mais rentáveis no curto prazo, como os cultivos de soja e
deiro tabu no Brasil.48 arroz e a silvicultura.
As queimadas têm ocorrido nos campos desde o início do Ho- O desafio da adoção de um manejo pastoril mais adequado
loceno (há cerca de 11,5 mil anos atrás), provavelmente por ação está na qualificação dos profissionais de assistência técnica e na
humana,49 e o pastejo pelo gado está presente desde sua introdu- educação dos pecuaristas e manejadores para a devida valoração
ção com as missões jesuítas no século XVII .50 Entretanto, há uma dos campos como provedores de valiosos recursos forrageiros
relação inversa entre a intensidade de pastejo e a frequência de para a pecuária.
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215
campos do sul
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189: p. 1–14. 73 Hasenack, H., et al., Mapa de sistemas ecológicos da ecorregião das sava-
70 Soussana, J.-F., Op. Cit. nas uruguaias, Centro de Ecologia UFRGS and TNC : Porto Alegre.
216
Biomas Brasileiros
217
campos do sul
220
Biomas Brasileiros
221
Biomas Brasileiros
225
Biomas Brasileiros
229
campos do sul
p ág i nas 228–229: Ca n yon Ita imbezin h o n o Pa rque Nacion a l dos Apa rados da Serra | RS
230
Biomas Brasileiros
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campos do sul
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Biomas Brasileiros
235
S
7
COSTEIRO E MARINHO
E n r i c o M a r o n e • G u i l h e r me F r ag a D u t r a
A n a Pa u l a Le i t e P r at e s • M á r i o L u i s G o me s S oa r e s
M a r c o A n to n i o G o n ç a lv e s
239
costeiro e marinho
O talude continental é constituído pela pendente relativa- demográfica cinco vezes superior à média do território nacional
mente íngreme, que se estende da quebra da plataforma até o – um indicador do alto nível de pressão humana a que seus recur-
sopé continental, com uma largura que varia de 10 a 200 km. sos naturais estão submetidos.
O sopé continental é a parte representada pela cunha de sedi-
mentos que mergulha suavemente da base do talude até se con- Economia
fundir com o piso das grandes bacias oceânicas.
O fundo da bacia oceânica, onde predominam as planícies Ecossistemas costeiros saudáveis não possuem somente
abissais, desenvolve-se da base do sopé continental até a Cordi- um papel crucial no armazenamento de carbono, mas também
lheira Mesoatlântica (uma cadeia de montanhas submarinas que são extremamente importantes para a economia, a alimentação
se estende por todo o eixo norte-sul do oceano Atlântico). e o bem-estar de grande parte da humanidade. Mais de 60% da
população mundial vive em zonas costeiras,9 dependendo direta
Abrangência ou indiretamente dos oceanos.
Além de fornecerem nutrição vital para cerca de 3 bilhões de
No Brasil, a Zona Costeira e Marinha se estende da foz do rio pessoas, bem como 50% da proteína animal para 400 milhões
Oiapoque (04o52’45’’N) à foz do rio Chuí (33045’10”S); e dos limi- de habitantes nos países menos desenvolvidos, os serviços eco-
tes dos municípios que constituem a faixa costeira, a oeste, até lógicos dos ecossistemas costeiros e marinhos têm um valor esti-
as 200 milhas náuticas, incluindo as áreas em torno do Atol das mado em mais de US $ 25 bilhões anuais, sendo classificados en-
Rocas, dos arquipélagos de Fernando de Noronha, de São Pedro e tre os ecossistemas mais valiosos do planeta.10
São Paulo e das ilhas de Trindade e Martin Vaz, situadas além do A despeito de suas dimensões, grande parte da zona marinha
citado limite marítimo. Essa delimitação é definida por um con- do Brasil é caracterizada por baixa concentração de nutrientes, o
junto de leis e decretos publicados pelo Governo Federal nas úl- que resulta numa produtividade biológica reduzida, contrarian-
timas duas décadas, alguns dos quais decorrentes de acordos in- do a percepção comum de que constitui uma fonte abundante ou
ternacionais assinados pelo país, em especial, a Convenção das inesgotável de recursos.
Nações Unidas sobre o Direito do Mar.3 Embora a atividade pesqueira no Brasil tenha incontestável
Considerando também a inclusão da área identificada como importância socioeconômica como provedora de proteína ani-
Amazônia Azul4, o território marinho (que corresponde à área mal e geradora de estimados 800 mil empregos (mobilizando um
dos biomas marinhos, apesar de não figurarem nos mapas do contingente de cerca de 4 milhões de pessoas direta ou indire-
IBGE )5 abrange cerca de 4,4 milhões de km2, ultrapassando, em tamente ligadas à atividade), estudos recentes sobre os estoques
extensão, até mesmo o bioma amazônico. Já a margem continen- pesqueiros vêm apontando o equívoco da presunção da abundân-
tal brasileira, que inclui a plataforma continental, o talude conti- cia ou inesgotabilidade desses recursos.
nental e o sopé (ver tópico “Domínios oceânicos”), abrange mais
de 5 milhões de km2 submersos, área equivalente a 59% do terri- Dinâmica dos oceanos
tório brasileiro emerso.6
De largura e relevo variáveis, a faixa terrestre da Zona Cos- Com o desenvolvimento da Oceanografia e a rápida evolu-
teira e Marinha se estende por aproximadamente 10.800 km ção tecnológica de sensores via satélite e dos modernos equipa-
ao longo da costa7 e possui uma área de aproximadamente mentos de medição oceanográfica, a circulação das correntes nos
514 mil km2.8 oceanos passou a ser cada vez mais bem conhecida e monitora-
da. Atualmente, sabe-se que por assegurar o aporte de nutrien-
Demografia tes e a dispersão de larvas, tais correntes são tão fundamentais
para a manutenção da cadeia alimentar nos oceanos quanto para
No litoral brasileiro concentram-se 13 das 27 capitais do o equilíbrio climático do planeta, pois distribuem calor e energia
país, algumas das quais regiões metropolitanas onde vivem mi- entre regiões tropicais e polares.
lhões de pessoas. Em escala global, a circulação oceânica é condicionada pelos
Segundo a Comissão Interministerial para os Recursos do ventos e pela variação de densidade existente entre as massas de
Mar (CIRM ), aproximadamente 1/4 da população brasileira vive água fria e quente. Fatores como rotação da Terra, topografia
na zona costeira (segundo o IBGE , o censo de 2010 revelou um de fundo e orientação da linha de costa também exercem impor-
país com 190 milhões de pessoas), resultando numa densidade tante controle sobre as correntes marinhas.
240
Biomas Brasileiros
A circulação oceânica do litoral do Brasil está sob a influên- A área de abrangência desse ecossistema em território nacio-
cia do giro subtropical do Atlântico Sul, ou Anticiclone Subtropi- nal é de aproximadamente 5.126.363 hectares, distribuídos em
cal do Atlântico Sul, que faz parte da circulação de grande escala 13 dos estados costeiros.
que ocorre nas bacias dos oceanos mundiais. Com sentido anti-
-horário, a corrente Sul Equatorial, ao atingir a costa brasileira L ag u n a s
(5–10°S), se divide entre a corrente do Brasil, que flui para o sul, Lagunas são corpos d’água ligados ao mar por barras que
e a corrente norte do Brasil (ou corrente das Guianas), que segue permanecem fechadas durante certo período. As lagunas tropi-
em direção ao Caribe. cais podem apresentar variações sazonais de salinidade por cau-
A área marinha adjacente à costa é constituída por águas sa das chuvas. São formações alongadas, geralmente estreitas, e
quentes nas costas nordeste e norte, e por águas mais frias no que apresentam seu eixo principal paralelo à costa.
litoral sul e sudeste, dando suporte a uma grande variedade de As lagunas existentes ao longo do litoral brasileiro são parti-
ecossistemas que incluem dunas, praias, banhados e áreas alaga- cularmente importantes para a pesca artesanal e atividades de
das, estuários, restingas, manguezais, costões rochosos, bancos
de gramas marinhas, lagunas e marismas. Inúmeras espécies
animais e vegetais são abrigadas nesses ecossistemas, muitas
das quais endêmicas e várias ameaçadas de extinção.11
No extremo sul, a corrente do Brasil se encontra com a corren-
te das Malvinas, formando a Convergência Subtropical. Como
resultado, uma parte da água fria vinda do sul afunda e ocupa,
ao longo do talude continental, a camada inferior da corrente do
Brasil, dando origem a uma massa d’água rica em nutrientes, com
baixas temperaturas e menor salinidade, denominada Água Cen-
tral do Atlântico Sul.
Por causa da mudança da orientação da linha de costa na altu-
ra de Cabo Frio e Arraial do Cabo, aliada ao fenômeno da ressur-
gência,12 o litoral do Rio de Janeiro é o limite de duas ecorregiões
oceânicas no Atlântico Sul.13
Ecossistemas marinhos
Estuários
Estuários são ecossistemas ligados ao mar, onde a água sal-
gada se mistura à água doce proveniente da drenagem continental.
A mistura de águas dos rios, ricas em nutrientes, com águas costei- Ex tra çã o de ostra-do-mangue (Crassostrea rhizop horae)
ras é um dos mais importantes elementos responsáveis pela alta n a Reserva Ex trativista Marinha de Canav ieiras | BA
produtividade primária desses ambientes. Correspondendo à base
da cadeia alimentar, a produtividade primária se refere à quan
tidade de energia solar convertida em matéria orgânica por orga- lazer e turismo. Na costa brasileira, destacam-se as lagunas de
nismos fotossintetizantes, e é ainda mais elevada quando existem Mundaú, Manguaba e Roteiro (AL ); Lagoa Feia, Araruama, Sa-
grandes áreas de manguezais ou de marismas nos estuários. quarema, Maricá e Sepetiba (RJ ); Sistema Cananeia/Iguape (SP ),
Lagoa dos Patos, Mirim, Mangueira e Tramandaí (RS ).15
B a n h a d o s e á r e a s a l ag a da s
Esse ecossistema costeiro abrange áreas conhecidas tam- Restingas
bém como brejos ou pântanos, lagoas de água doce ou de água sa- Restingas são faixas de areia, depositadas paralelamente ao
lobra ou salgada, com ou sem influência marinha direta. Também litoral, que abrigam diferentes formações de vegetais. A vegeta-
fazem parte dos banhados e áreas alagadas as várzeas, savanas, ção é utilizada como elemento de caracterização desse ecossiste-
florestas e campos periodicamente inundados.14 ma frente a outras paisagens costeiras semelhantes.
241
costeiro e marinho
Marismas
Marismas são ambientes salobros, lagunares ou estuari-
nos, de baixa energia, pantanosos, planos, costeiros e de águas
rasas que se desenvolvem na região intermarés, permanecendo
parcialmente inundados pela maioria das preamares (maré alta).
Formam hábitats importantes para moluscos, crustáceos, inse-
Co m u n i da d e d e pesc ad o r es a b ei ra d o R i o Preguiças em Ma n daca ru | MA tos, peixes, aves e mamíferos.
Ecologicamente equivalentes aos manguezais, as marismas
brasileiras são dominadas quase em sua totalidade pelo gênero
Dunas Spartina18 (uma espécie de grama) e podem ocorrer em latitudes
As dunas costeiras são formadas a partir da interação entre tropicais e subtropicais.
sedimentos de origem marinha, o vento que transporta tais se-
dimentos em direção ao continente e a vegetação que atua como M a n g u e z a i s ( F lo r e s ta s d e M a n g u e
uma barreira física aos sedimentos transportados.16 e P l a n í c i e s H i p e r s a l i n a s A s s o c i a da s )
As dunas compõem ambientes litorâneos associados a praias Vista a forte dependência da energia das marés e da intru-
e restingas, muitas vezes na forma de extensos campos gerados são salina, os manguezais são considerados ecossistemas costei-
por ação eólica, como os Lençóis Maranhenses. Em certos am- ros-marinhos, localizados na zona entremarés de regiões tropi-
bientes, como nas barras de alguns rios do Ceará e Rio Grande do cais e subtropicais. Formando verdadeiras florestas à beira-mar,
Norte, ocorrem dunas costeiras em fase de formação. são caracterizados por vegetação arbórea/arbustiva, adaptada
às condições limitantes de salinidade, substrato inconsolidado e
Costões rochosos pouco oxigenado com frequente submersão pelas marés.
Nome dado a rochas situadas na transição entre os meios ter- No Brasil, os manguezais ocorrem desde o extremo Norte (Rio
restre e aquático. É considerado muito mais uma extensão do Oiapoque – 04o 20’ N) até Laguna, em Santa Catarina (28o 30’ S),
ambiente marinho que do terrestre, uma vez que a maioria dos sendo encontradas seis espécies de árvores nesse ecossistema:
organismos que os habitam está relacionada ao oceano. mangue-vermelho (Rhizophora mangle, R. harrisonii, R. racemo-
No Brasil, parte dos costões é formada por rochas de origem sa), mangue-preto, canoé ou siriúba (Avicennia schaueriana, A.
vulcânica e parte deriva de extensões de serras rochosas, próxi- germinans) e mangue-branco (Laguncularia racemosa).
mas ao litoral, que atingem o fundo do mar. Podem ser forma- A área ocupada por manguezais no Brasil é de 13 mil km2, o
dos por paredões verticais bastante uniformes, que se estendem que coloca o país como detentor da segunda maior área de man-
muitos metros acima e abaixo da superfície da água, como a ilha guezais do mundo. A maior área contínua de florestas de mangue
de Trindade, ou por matacões de rocha fragmentada de pequena existente é encontrada no norte do Brasil, entre os estados do
inclinação, como ocorre na costa de Ubatuba (SP ). Maranhão e Pará, perfazendo cerca de 6.500 km2, o que corres-
No Brasil, seu limite de ocorrência ao Sul se dá em Torres (RS ) ponde a 4,3% de toda a área de florestas de mangue do planeta.19
e, ao Norte, na Baía de São Marcos (MA ). Apesar da baixa diversidade de espécies arbóreas, as flores-
tas de mangue do litoral brasileiro exibem uma elevada diversida-
Praias de estrutural. Soma-se a isso uma alta diversidade funcional, em
Um dos ambientes mais conhecidos, as praias constituem de- grande parte oriunda de sua elevada produtividade biológica e das
pósitos de areias acumulados pelos agentes de transporte flu- características gerais desse ecossistema, tais como localização
242
Biomas Brasileiros
em regiões abrigadas e sua intensa conectividade com os sistemas sim como os manguezais, são locais de re-
marinho e terrestre. produção e berçário para diversas espécies de pei-
A elevada diversidade funcional dos manguezais confere a este xes não residentes.
ecossistema grande importância ecológica, social e econômica, ra- De uma lista de 34 filos (tipo de classi-
zão pela qual diversas comunidades tradicionais de pescadores e ficação dos seres vivos), 32 são encontra-
coletores existentes ao longo da costa brasileira utilizam estas áreas. dos nos recifes de coral, enquanto apenas
Por caracterizar um sistema aberto, intimamente relacionado 9 são encontrados em florestas tropicais.
aos ambientes marinho e terrestre adjacentes, e estar associado às Entretanto, o alto grau de especialização
funções de abrigo, alimentação e criadouro para uma enorme va- dos organismos recifais faz com que este
>>> Essas são conhecidas como
riedade de espécies, este ecossistema é responsável, junto com os ecossistema seja mais suscetível aos im-
importantes reservatórios e bioatratores
recifes de coral, pela manutenção da alta diversidade biológica en- pactos do uso e ocupação humana, e às naturais da biota marinha profunda,
contrada nas regiões costeiras tropicais de todo o mundo.20 mudanças climáticas. apresentando grande valor como hábitat,
A ocorrência de planícies hipersalinas associadas a florestas No Brasil, os recifes de coral distri- área de alimentação, procriação e refúgio
para inúmeras espécies.30 Entretanto,
de mangue é observada ao longo do litoral brasileiro de forma buem-se ao longo de cerca de 3.000 km
pouco se sabe sobre a localização exata,
descontínua, desde o Rio de Janeiro (23o 00’ S) até o Maranhão na costa nordeste, desde o sul da Bahia tamanho e o estado de conservação
(01o 43’ S). No Brasil as planícies hipersalinas associadas a flo- até o Maranhão25. Constituem os únicos desses hábitats.
restas de mangue recebem algumas denominações regionais, recifes coralíneos do Atlântico Sul, em-
26
como apicum, salgado, areal, espacelado. Trata-se, portanto, de bora o crescimento de corais sobre rochas
uma feição do ecossistema manguezal. seja relativamente comum até o sul do Brasil.
Essa íntima relação entre planície hipersalina e floresta de man- Das mais de 800 espécies de corais recifais existentes no
gue pode ser observada tanto sob aspectos estruturais e funcionais mundo, cerca de 20 espécies construtoras de recifes foram regis-
como sob aspectos relacionados à dinâmica da paisagem. Obser- tradas no Brasil, sendo que oito são endêmicas, ou seja, encon-
vações feitas na região de Caravelas – Nova Viçosa, na Bahia–,21 tram-se apenas nos mares brasileiros. Os recifes brasileiros são
corroboram essa afirmação ao constatarem que tanto nas planí- formados também, em grande parte, por algas calcárias, que for-
cies hipersalinas como nas áreas cobertas pelo capim-salgado mam esqueletos semelhantes aos dos corais.
(Sporobolus virginicus) ocorrem espécies de interesse social e eco- Por causa do uso desordenado ao longo dos anos, diversos re-
nômico como o guaiamum (Cardisoma guanhumi), observável na cifes, principalmente os costeiros, encontram-se em acelerado
área mais elevada dominada pela vegetação herbácea e na faixa de processo de degradação. Evidências indicam que o uso inade-
transição dessa feição para a restinga. quado desses ecossistemas pela pesca e pelo turismo, a poluição
e o mau uso da orla marítima e das margens do rio podem estar
Recifes de Coral comprometendo o futuro destes ambientes.27
Recifes profundos Os ambientes recifais são consi-
No Brasil, há indicações de recifes derados, juntamente com as florestas E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
profundos nas costas nordeste, sudeste
e sul, entre 272 e cerca de 1.200 metros
tropicais, uma das mais biodiversas co-
de profundidade. Dentre as 56 espécies munidades naturais do planeta.22 A im- Á r e a s d e p r ot e ç ã o
de coral azooxantelados (corais portância ecológica dos recifes de coral Um estudo sobre a representatividade dos ecossistemas cos-
desprovidos de algas simbióticas está associada à sua história geológica. teiros e marinhos no âmbito do Sistema Nacional de Unidades
fotossintetizantes chamadas
zooxantelas) que ocorrem no Brasil,28
Estudos indicam o início de sua forma- de Conservação (SNUC ), realizado pelo Ministério do Meio Am-
há evidências de colônias das seguintes ção no litoral brasileiro há cerca de 7 biente31, apontou, de forma inédita, os ecossistemas suficiente-
espécies de corais de recifes profundos: mil anos, no Período Quaternário, quan- mente representados nas Áreas Costeiras e Marinhas Protegidas
Lophelia pertusa, Madrepora oculata do o nível do mar elevou-se e inundou a (ACMP s) e os que merecem atenção dos órgãos governamentais
e Solenosmilia variabilis.29 >>>
plataforma continental.23 por causa de sua baixa representatividade.
A enorme quantidade de vida presen- A tabela a seguir apresenta as estimativas de áreas de cada
te nos recifes de coral pode ser medida ao ecossistema costeiro sob proteção pelas diferentes categorias
se constatar que uma em cada quatro espécies marinhas de unidades de conservação, tanto de proteção integral quan-
vive nesses ambientes, incluindo 65% das espécies de to de uso sustentável, segundo estudo feito pelo Ministério do
peixes.24 Além disso, os recifes de coral, as- Meio Ambiente.
243
costeiro e marinho
Área do ecossistema 4.849.671 144.475 318.312 6.696.787 1.518.426 1.225.444 12.149 82.778 469.183
UC proteção integral 252.590 45.895 117.998 12.436 33.834 160.648 77 2.200 95.783
UC uso sustentável 2.614.665 68.274 18.119 1.375.758 8.295 759.049 0 17.811 228.298
total PI+US 2.867.255 114.170 136.117 1.388.194 42.129 919.696 77 20.011 324.081
% total protegido 59,1% 79,0% 42,8% 20,7% 2,8% 75,1% 0,6% 24,2% 69,0%
Sucintamente, os resultados monstram que existem hoje 194 Em reconhecimento ao seu inestimável valor paisagístico e
unidades de conservação, tanto de uso sustentável como de pro- ecológico, o arquipélago foi decretado parque nacional marinho
teção integral na Zona Costeira e Marinha no Brasil (Mapa UC ’s). em 1988, com uma área de mais de 112 km2. Das ilhas oceânicas,
Segundo o MMA (2010), embora haja poucos ecossistemas cos- Fernando de Noronha é a única habitada por uma população fixa,
teiros sub-representados no SNUC , o bioma marinho representa que, segundo o IBGE , somava pouco mais de 2.600 habitantes no
a grande lacuna de todo o sistema, demandando medidas urgen- ano de 2010. Em 2001, o arquipélago foi reconhecido e tombado
tes visando ao planejamento de sua conservação. pela Unesco como patrimônio mundial da humanidade, junta-
Nos ecossistemas marinhos, apenas 55.716 km2 – correspon- mente com o Atol das Rocas.
dentes a somente 1,57% do bioma marinho no Brasil – estão in-
seridos nas 102 unidades de conservação existentes. A título de Ato l da s R o c a s
comparação, aproximadamente 17,34% dos biomas terrestres do
país estão hoje protegidos por unidades de conservação, de acor- O Atol das Rocas constitui a única formação de atol existente
do com cálculos do Departamento de Áreas Protegidas do Minis- no Atlântico Sul Ocidental, caracterizando-se como importante
tério do Meio Ambiente.32 área de nidificação para aves marinhas tropicais e para a repro-
dução de tartarugas marinhas. Foi objeto da primeira unidade de
Ilhas Oceânicas do Brasil conservação marinha do Brasil – a Reserva Biológica do Atol das
O Brasil possui um conjunto de ilhas oceânicas localizadas ao Rocas, criada em 1979 com 360 km2. Situado a 260 km da cidade
largo da plataforma continental que constituem importantes re- de Natal, o Atol das Rocas é circundado por um anel de recifes
fúgios para a biodiversidade marinha e estão protegidas por meio com duas ilhas e uma laguna central, possuindo 7,2 km2 de super-
de diversas ferramentas de conservação. São elas: o Atol das Ro- fície e 3,2 km de diâmetro.
cas e os arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e
São Paulo, situados na costa nordeste, e o arquipélago de Trin- S ã o P e d r o e S ã o Pau lo
dade e Martin Vaz, situados na faixa latitudinal do estado do
Espírito Santo. O arquipélago de São Pedro e São Paulo é um afloramento que
emerge de profundidades superiores a 4.000 m, constituindo o ápi-
Fernando de Noronha ce de uma falha tectônica da Cadeia Mesoatlântica; é considera-
do a única exposição mundial do manto abissal acima do nível do
A Cadeia Submarina de Fernando de Noronha representa uma mar. Desde 1998, esse ponto hospeda a estação científica do Pro-
linha de montes submarinos dos quais somente Fernando de No- grama Arquipélago de São Pedro e São Paulo (Proarquipélago), sob
ronha e o Atol das Rocas atingem a superfície. De origem vulcâ- administração da Secretaria da Comissão Interministerial para os
nica, o arquipélago de Fernando de Noronha é o topo de um mon- Recursos do Mar (SECIRM), com o objetivo de fazer pesquisa, esta-
te submarino cuja base tem um diâmetro de aproximadamente belecer a soberania brasileira e garantir os direitos de uma zona eco-
60 km que se eleva até 321 metros acima do nível do mar. nômica exclusiva num raio de 200 milhas ao redor do arquipélago.
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Biomas Brasileiros
T r i n da d e e M a r t i n Va z
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costeiro e marinho
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Biomas Brasileiros
cogumelos, com a base estreita e diâmetro maior próximo à su- deste tipo no mundo.39 Nesta área há ainda formações, conhecidas
perfície.38 Encontrados também na borda externa dos Recifes pelos pescadores locais como “buracas”, que são depressões circu-
Itacolomis, na Reserva Extrativista Marinha do Corumbau, os lares na plataforma continental, com diâmetros que variam de 15 a
chapeirões compõem o Parcel dos Abrolhos e parte do Recife das 75 metros e profundidades entre 5 e 25 metros. Estas estruturas fun-
Timbebas, no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, bem como cionam como atratores de vida marinha e comumente são observa-
seus arredores. Em profundidades além de 20 metros há tam- das grandes concentrações de peixes e lagostas nos seus arredores.
bém um complexo de recifes mesofóticos ainda pouco conheci- A região costeira dos Abrolhos possui ainda importantes man-
dos. Nestas áreas existem desde estruturas isoladas em forma de guezais, restingas e remanescentes de Mata Atlântica. A conecti-
pináculos até recifes coalescido que ocupam grandes extensões. vidade entre estes ambientes é de grande importância para que
A borda externa da plataforma abriga um extenso banco de al- várias espécies possam completar seus ciclos de vida. Bancos de
gas calcárias, dispostas em forma de estruturas esféricas (3–15 cm lama, de gramas marinhas, praias e fundos arenosos são também
de diâmetro) ao longo do fundo marinho. Este banco tem uma área hábitats importantes na região, abrigando espécies que comple-
estimada de 2.090.400 hectares e é provavelmente o maior banco mentam a diversidade biológica dos Abrolhos.
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costeiro e marinho
Pa n o r a m a h i s t ó r i c o
Durante a maior parte das últimas décadas, a preocupação
de cientistas e conservacionistas de todo o mundo se concentrou
prioritariamente na proteção dos ecossistemas terrestres, en-
tre outras razões, porque os impactos sobre tais ambientes eram
mais perceptíveis. No entanto, de forma silenciosa e menos ex-
plícita, zonas costeiras, mares e oceanos de todo o mundo tam-
bém sofriam gradativamente os efeitos da expansão da ocupação
e dos usos humanos, sem receber a devida consideração.40
Embora a superfície da terra e do oceano designadas como
áreas protegidas tenha aumentado constantemente desde 1970,
a extensão terrestre ainda é muito maior que a de áreas mari-
nhas protegidas. Porém, essas últimas têm se expandido de for-
ma promissora nos últimos anos, concentradas especialmente
em águas costeiras.
No Brasil, o histórico da conservação de ambientes costeiros
e marinhos é recente. A primeira unidade de conservação mari-
nha propriamente dita – a Reserva Biológica do Atol das Rocas
– foi criada apenas em 1979. A década de 1980 registrou os maio-
res avanços em termos de criação de unidades de conservação
de proteção integral em ambientes costeiros e marinhos. As uni-
dades de conservação de uso sustentável tiveram os primeiros
avanços entre 1983 e 1985, quando foram criadas várias áreas de
proteção ambiental (APA s) costeiras.
A primeira reserva extrativista marinha foi criada em 1992
(RESEX Pirajubaé, em Florianópolis, SC ). Em 1996 e 1997, com
a criação das APA s do Delta do Parnaíba e da Costa dos Corais,
houve significativa ampliação das áreas desse grupo. A partir de
2000 a área das unidades de uso sustentável voltou a crescer, por
causa, principalmente, da criação de uma série de reservas ex-
trativistas marinhas. Em 2002, a área abrangida pelas unidades
de conservação federais costeiras e marinhas de uso sustentável
passou a ser maior que a área das unidades de proteção integral.41
P o l í t i c a s d e c o n s e r va ç ã o
De fato, o poder público passou a dar mais atenção ao mar a
partir de 1988, quando foi instituído o Plano Nacional de Geren-
ciamento Costeiro (PNGC ), com o objetivo de “orientar a utiliza-
ção racional dos recursos na Zona Costeira”. Em dezembro do
mesmo ano, dois meses após a promulgação da Constituição Fe-
deral, o Congresso Nacional ratificou a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, principal acordo internacional
relativo ao uso dos oceanos e seus recursos naturais, que havia
sido assinado pelo Brasil em 1982.
A adesão do Brasil a convenções internacionais lideradas
P e s c a d o r a rt e sanal na R eserva Ext rat i vi sta Ma rin h a de Ca n avieiras | B A pela ONU , como a Convenção de Ramsar e a Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB ), propiciou ao país avançar na es-
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Biomas Brasileiros
truturação de políticas destinadas à conservação e ao uso sus- ma quantidade de carbono que as florestas podem armazenar
tentável dos recursos biológicos existentes na Zona Costeira e nesse mesmo período.43 Por este motivo, os oceanos são conside-
Marinha. rados sumidouros de carbono extremamente eficientes.44
Dentre as decisões da CDB , foi aprovado o Programa de Traba- Assim, ainda que nos ecossistemas terrestres esteja uma par-
lho sobre Áreas Protegidas – com a principal meta de estabelecer te vital do ciclo global do carbono, os oceanos constituem o seu
sistemas representativos e efetivos de áreas protegidas, terres- maior sumidouro em longo prazo. Além de estocarem e redistri-
tres até 2010 e marinhas até 2012. O governo brasileiro, enten- buirem o CO 2, cerca de 93% do carbono do planeta (40 Tt) está ar-
dendo essa responsabilidade, decidiu elaborar e implementar mazenado nos oceanos. Além disso, de todo o carbono biológico
seu Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas (PNAP ). O capturado no mundo, mais de 55% é sequestrado por organismos
PNAP considera como áreas protegidas, além das unidades de marinhos45 e estocado em sedimentos marinhos, sendo por este
conservação, as terras indígenas, os territórios quilombolas e as motivo chamado de “carbono azul”.
áreas de exclusão de pesca (Decreto 5.758/2006).
Segundo o PNAP , um sistema representativo para a Zona Cos- M u da n ç a s c l i m á t i c a s
teira e Marinha pode ser entendido como: rede primária compos- Ecossistemas costeiros e marinhos, como recifes de coral
ta por áreas protegidas altamente restritivas, apoiada por uma e manguezais, são considerados especialmente vulneráveis às
rede de unidades de conservação de uso sustentável, onde as ati- mudanças climáticas por sua fragilidade, de modo que os danos a
vidades extrativas são permitidas. eles causados podem ser irreversíveis.
Uma das primeiras estratégias de planejamento integrado Pesquisadores têm divertido que caso as concentrações de CO 2
para a implementação de uma rede ou mosaico de áreas protegi- ultrapassem 450 ppm, fato passível de acontecer se aceitarmos
das foi o Projeto Corredores Ecológicos (PCE ). Em 2005, o Com- um aumento médio de 2 a 3oC de temperatura global,46 os recifes
plexo de Abrolhos, que abrange parte do litoral da Bahia e do Es- de coral podem ser o primeiro ecossistema funcionalmente ex-
pírito Santo, foi escolhido para a criação do primeiro corredor tinto em razão das mudanças climáticas globais. Segundo algu-
ecológico marinho brasileiro,42 priorizando ações em dois mini- mas previsões, isso pode começar a ocorrer em menos de 20 anos,
corredores, o de Abrolhos e o do rio Doce. se mantidas as taxas atuais.
No caso dos recifes de coral, o processo de branqueamen-
D e s a f i o s e Op o r t u n i da d e s to, ocorrido em consequência do aumento da temperatura das
águas oceânicas superficiais, atinge regiões recifais do globo de
Carbono Azul forma maciça, fenômeno que passou a ser conhecido a partir da
Além de acolher grande parte da biodiversidade animal e ve- década de 1980. O branqueamento dos corais se dá pela perda
getal do planeta, os ambientes costeiros e oceânicos controlam e de algas zooxanteladas que vivem em simbiose nos tecidos dos
regulam a temperatura e o clima global, produzem mais da meta- corais construtores dos recifes, responsáveis pela fotossíntese
de do oxigênio do planeta obtido do plâncton e reabastecem o ci- e produção de alimento para os corais. A partir de 1993 foram
clo hidrológico do planeta. Sabe-se, inclusive, que os oceanos são registrados vários eventos de branqueamento de coral na costa
relevantes sumidouros de carbono e, por conta da sua alta capa- da Bahia.47 O primeiro registro ocorreu em Abrolhos no verão de
cidade de “sequestrar” carbono, desempenham um papel funda- 1993/1994, quando o percentual de colônias branqueadas variou
mental nos processos envolvidos nas mudanças climáticas. entre 50 e 90%.
No entanto, apesar de ser conhecido há pelo menos 30 anos, o
papel dos oceanos como sumidouro de carbono tem sido pouco Desafios políticos e institucionais
discutido até o momento no debate sobre as mudanças climáticas. O estabelecimento de uma rede de áreas protegidas torna-se
As atenções têm estado voltadas prioritariamente para os ecossis- indispensável para a conservação da biodiversidade. Tais áreas,
temas terrestres, sua participação na remoção de carbono através se distribuídas de forma planejada e manejadas de modo adequa-
do mecanismo fotossintético e sua capacidade de estocar este car- do, podem assegurar a manutenção de amostras representativas
bono na vegetação e nos solos. Armazenado em áreas florestais, es- de ambientes naturais, da diversidade de espécies e de sua va-
pecialmente nos trópicos, este é o chamado “carbono verde”. riabilidade genética. Além disso, as áreas protegidas promovem
Embora a biomassa vegetal existente nos biomas costeiros e oportunidades para a pesquisa científica, educação ambiental,
marinhos seja apenas uma fração da existente em terra (apenas turismo e outras formas sustentáveis de geração de renda, junta-
0,05%), em um ano ela é responsável por armazenar quase a mes- mente com a manutenção de serviços ambientais.
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costeiro e marinho
da representatividade dos ecossistemas costeiros e marinhos no âmbito do 44 Nellemann, C., Corcoran, E., Duarte, C. M., Valdés, L., De Young, C., Fon-
SNUC, avaliando, inclusive, as lacunas de conservação existentes. Esse es- seca, L., Grimsditch, G. (Eds). 2009. BLUE CARBON . A Rapid Response As-
forço resultou na edição do volume Panorama da Conservação dos Ecossis- sessment. United Nations Environment Programme, GRID -Arendal . Dis-
temas Costeiros e Marinhos no Brasil, lançado no final de 2010. ponível em: www.grida.no
32 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade 45 Idem.
Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Op. Cit. 46 Parry M.L., O.F. Canziani, J.P. Palutikof, P.J. van der Linden and C.E.
33 Amado-Filho, G.M., Moura, R.L., Bastos, A.C., Salgado, L.T., Sumida, P., Hanson, Eds., 2007,Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulne-
Guth, A.Z., Francini-Filho, R.B., Pereira-Filho, G.H., Abrantes, D.P., Brasi- rability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Re-
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34 Dutra, G.F.; Allen, G.R.; Werner, T. e Mckenna, S.A. (Eds). 2005. A rapid ma- vol. 8, no. 3, jul./set. Branqueamento de corais nos recifes da Bahia e sua relação
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35 Idem. P.K. 2002. A general model for designing networks of marine reserves.
36 Moura, R.L., Secchin, N.A., Amado-Filho, G.M., Francini-Filho, R.B., Science, v. 298. p.1991–1993.
Freitas, M.O., Minte-Vera, C.V., Teixeira, J.B., Thompson, F.L., Sumida, P., 49 Áreas ou zonas de exclusão de pesca correspondem ao fechamento
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Shelf Research, Special Issue: Oceanography, ecology and management of tadas, visando, assim, atingir a sustentabilidade pesqueira. Essas áreas
Abrolhos Bank. são delimitadas por meio de portaria do órgão gestor do meio ambiente
37 Leão, Z.M.A.N., Kikuchi, R.K.P., Testa, V., 2003. Corals and coral reefs of integrante do Sisnama, quando dentro de unidades de conservação de uso
Brazil. In: Corte´s, J. (Ed.), Latin America Coral Reefs. Elsevier Science. 9–52 p. sustentável, ou devem ser estabelecidas conjuntamente pelo MMA e pelo
38 Idem. Ministério da Pesca e Aquicultura dentro da competência conjunta de or-
39 Moura et al. No prelo. Op. Cit. denamento pesqueiro. Sua aplicação como instrumento de ordenamento
40 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade da atividade pesqueira está prevista no Plano Nacional Estratégico de
Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Panorama da Conservação dos Ecos- Áreas Protegidas, conforme mencionado.
sistemas Costeiros e Marinhos no Brasil. Brasília: MMA /SBF /GBA . 148 p. 50 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade
41 Dutra, G.F., Ferreira, B.P., Moura, R.L. e Maida, M. 2010. Áreas protegidas Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Op. Cit.
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Ideias: Rio de Janeiro, RJ . intitulado Áreas Aquáticas Protegidas como Instrumento de Gestão Pes-
42 Marone, E. S., Mello, F.M.C., Dutra, G., Lourenço, M., Sforza, R., Chagas, queira (disponível em www.mma.gov.br).
L.P., Barroso, G.F., Prates, A.P., Barcellos, C.F., Ribeiro, S. 2009. Corredo- 52 Francini-Filho, R. e Moura, R. 2008a. Evidence for spillover of reef fi-
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43 Bouillon, S., A.V. Borges, E. Castañeda-Moya, K. Diele, T. Dittmar, N.C. R. e Moura, R. 2008b. Dynamics of fish assemblages on coral reefs subjec-
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VAI SER TROCADA?
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