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biomas

brasileiros
Retratos de um país plural
Copyright © 2012 desta edição, Casa da Palavra e Conservação Internacional
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MARTHA RIBAS
Mapas Diretora de Relações Institucionais
Direção gráfica A N G E L O allevato B O T T I N O P AT R I C I A B A I Ã O
THAIS MARQUES R I C A R D O B AC E L L A R
Diretor de Gestão do Conhecimento
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CRISTIANE DE ANDRADE REIS M A I S A R T E | JACQ U E L I N E M E N A E I
Diretora de Relações Corporativas
Assistente editorial Administração de projeto H E L E N A P AV E S E
JULIANA TEIXEIRA G U S TAV O L A C E R D A
Diretor do Programa Amazônia
Edição de fotografia ALEXANDRE BRASIL
ENRICO MARONE Conservação internacional (CI) Diretor do Programa Mata Atlântica
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MARIA DE ANDRADE FÁBIO RUBIO SCARANO
Diretor do Programa Marinho
Projeto gráfico GUILHERME DUTRA
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A N G E L O allevato B O T T I N O
CI-BRASIL
Presidente Este livro foi revisado seguindo o novo
Designers assistentes Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
JOSÉ ALEXANDRE FELIZOLA DINIZ-FILHO
F E R N A N DA M E L LO
MARCELA PERRONi Diretor Executivo

Revisão
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Av. Calógeras, 6, sala 1.001, Centro
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PENHA DUTRA L U I Z PA U LO P I N T O Tel.: (21) 2222-3167 | Fax: (21) 2224-7461
Versão em inglês divulga@casadapalavra.com.br
Diretor Sênior de Política
VICENTE PITHAN BURZLAFF www.casadapalavra.com.br
VA L M I R O R T E G A
(Mata Atlântica e Cerrado)

G L E N N H AY N E S Diretora de Comunicação
(demais textos) ISABELA DE LIMA SANTOS

patrocínio apoio realiza ç ão


Para Marcos Sá Corrêa e sua luta sempre em curso.
F M
a partir de suas paisagens e das
a z e r u m r e t r ato d o pa í s of the country from its landscapes and
a k e a p o r t r a i t
diversas culturas espalhadas por cada região significa mos- diverse cultures spread across each place means show
trar o quanto as empresas precisam se conscientizar de que how companies need to become aware that the cultural
a responsabilidade ambiental e cultural é um relaciona- and environmental responsibility is a dynamic and ethi-
mento ético e dinâmico. Grandes companhias se relacio- cal relationship. Large companies relate to the environ-
nam com o meio ambiente causando impactos de diferen- ment causing impacts of different types and intensities.
tes tipos e intensidades. The book “Biomas Brasileiros” appears with the objective to
O livro “Biomas Brasileiros” nasce com o objetivo de cons- educate individuals and companies about the valuation of natu-
cientizar pessoas e empresas sobre a valorização da natureza, re, of regional cultures and, above all, of environmental preserva-
das culturas regionais e, principalmente, da preservação am- tion. Following this line of reasoning and respect, consolidated
biental. Seguindo esta linha de raciocínio e respeito, consolidada as one of Brazil’s largest independent energy trader, and leading
como a maior comercializadora independente de energia elétri- in Energy Portfolio Management, the Ecom Energia believes
ca do Brasil, a Ecom Energia acredita que ser ambientalmente that being environmentally responsible is to seek to minimize
responsável é procurar minimizar os impactos negativos e am- the negative impacts and enhance the positives.
pliar os positivos. An environmentally responsible company supports and pro-
Uma empresa ambientalmente responsável apoia e desenvol- motes campaigns, educational projects and programs. Initiatives
ve campanhas, projetos e programas educativos. São iniciativas are such as these that strengthen environmental education wi-
como estas que fortalece a educação ambiental no âmbito da thin society as a whole.
sociedade como um todo. A Ecom Energia pretende continuar Ecom Energia intends continue growing with socioenviron-
crescendo com responsabilidade socioambiental e empresarial, mental and business responsibility, according to ethical and qua-
seguindo compromissos éticos e de qualidade. lity commitments.
A V
Va l e at uaem diferentes cenários sociais, econômicos, in different social, economic, environmen-
a l e o p e r at e s
ambientais e culturais que contribuem, em todas as eta- tal and cultural settings, helping to set its strategy at all
pas de seus projetos, para definir a estratégia da empre- stages of its projects. The company continually seeks to
sa: buscar continuamente a geração de impacto posi- generate positive impacts and share value over the long
tivo e o compartilhamento de valor de longo prazo nas term in the regions where it is present, with the ongoing
regiões onde está presente. Seu desafio permanente é a challenge of transforming natural resources into prospe-
transformação de recursos naturais em prosperidade e desenvol- rity and sustainable development.
vimento sustentável. Vale operates in biomes of great global importance. The com-
Essa atuação ocorre em regiões com significativa relevância pany believes it is vital to protect natural areas in order to con-
natural no contexto global. A Vale acredita na importância da serve species and ecosystems, as well as the ecosystem services
proteção de áreas naturais para a conservação de espécies e ecos- provided by them, considered essential to the continuity of its
sistemas, bem como dos serviços ecossistêmicos prestados por business and the maintenance of quality of life and balance on
estes, considerados essenciais para continuidade do seu negócio the planet.
e para a manutenção da qualidade de vida e equilíbrio do planeta. Contributing to the conservation and sustainable use of biodi-
Contribuir para a conservação e o uso sustentável da biodiver- versity and ecosystem services, and promoting engagement with
sidade e serviços ecossistêmicos, e promover o engajamento com communities, governments and other stakeholders is fundamen-
comunidades, governos e atores relevantes é fundamental para a tal to the achievement of sustainable development.
consolidação do desenvolvimento sustentável. Brazilian Biomes: Portraits of a Diverse Country is an im-
O livro Biomas Brasileiros: Retratos de um país plural é um impor- portant book. It will raise people’s awareness and educate them
tante trabalho de sensibilização, conscientização e educação sobre a about the relationship between humankind and the environ-
relação do homem e o meio ambiente na construção de um modelo ment in building a model for living that balances people’s well-
de vida que concilie o bem-estar dos seres humanos, a manutenção being, the maintenance of natural wealth, and the transforma-
da riqueza natural e a transformação dos recursos naturais. tion of natural resources.
A Vale tem grande satisfação em apoiar o trabalho da Conser- Vale is very pleased to support Conservation International’s
vação Internacional na publicação deste livro sobre os biomas work in publishing this book about Brazilian biomes, as well as
brasileiros, assim como em outros projetos para a conservação its other projects to promote the conservation and sustainable
e uso sustentável da biodiversidade, demonstrando que a inicia- use of biodiversity. This demonstrates that private companies
tiva privada pode atuar como protagonista e parceira no fortale- can act as leaders and partners to strengthen the sharing of in-
cimento do intercâmbio de informações e da cooperação técnica formation and technical and scientific cooperation in order to
e científica para conhecimento, proteção e conservação dos ele- understand, protect and conserve the elements that make up bio-
mentos que compõem a biodiversidade e os ecossistemas. diversity and ecosystems.
A V
Va l e at uaem diferentes cenários sociais, econômicos, en diferentes escenarios sociales, económicos,
a l e ac t ú a
ambientais e culturais que contribuem, em todas as eta- ambientales y culturales que contribuyen con la definici-
pas de seus projetos, para definir a estratégia da empre- ón de la estrategia de la empresa en todas las etapas de sus
sa: buscar continuamente a geração de impacto posi- proyectos, buscando continuamente la generación de im-
tivo e o compartilhamento de valor de longo prazo nas pacto positivo y el compartimiento de valor a largo plazo
regiões onde está presente. Seu desafio permanente é a en las regiones donde está presente con el desafío perma-
transformação de recursos naturais em prosperidade e desenvol- nente de transformar recursos naturales en prosperidad y desar-
vimento sustentável. rollo sustentable.
Essa atuação ocorre em regiões com significativa relevância Esta actuación ocurre en regiones con significativa relevancia
natural no contexto global. A Vale acredita na importância da natural en el contexto global. Vale cree en la importancia de la pro-
proteção de áreas naturais para a conservação de espécies e ecos- tección de áreas naturales para la conservación de especies y eco-
sistemas, bem como dos serviços ecossistêmicos prestados por sistemas, así como de los servicios ecosistémicos prestados por
estes, considerados essenciais para continuidade do seu negócio estos, considerados esenciales para la continuidad de su negocio y
e para a manutenção da qualidade de vida e equilíbrio do planeta. para el mantenimiento de la calidad de vida y equilibrio del planeta.
Contribuir para a conservação e o uso sustentável da biodiver- Contribuir con la conservación y el uso sustentable de la biodi-
sidade e serviços ecossistêmicos, e promover o engajamento com versidad y servicios ecosistémicos, y promover el comprometimien-
comunidades, governos e atores relevantes é fundamental para a to participativo de las comunidades, gobiernos y actores relevantes
consolidação do desenvolvimento sustentável. es fundamental para la consolidación del desarrollo sustentable.
O livro Biomas Brasileiros: Retratos de um país plural é um El libro Biomas Brasileños: Retratos de un país plural es un im-
importante trabalho de sensibilização, conscientização e educa- portante trabajo de sensibilización, concientización y educación
ção sobre a relação do homem e o meio ambiente na construção sobre la relación del hombre y el medio ambiente en la construc-
de um modelo de vida que concilie o bem-estar dos seres huma- ción de un modelo de vida que concilie el bienestar de los seres
nos, a manutenção da riqueza natural e a transformação dos re- humanos, el mantenimiento de la riqueza natural y la transfor-
cursos naturais. mación de los recursos naturales.
A Vale tem grande satisfação em apoiar o trabalho da Conser- Vale tiene gran satisfacción en apoyar el trabajo de la Conserva-
vação Internacional na publicação deste livro sobre os biomas ción Internacional en la publicación de este libro sobre los biomas
brasileiros, assim como em outros projetos para a conservação brasileños, así como en otros proyectos para la conservación y uso
e uso sustentável da biodiversidade, demonstrando que a inicia- sustentable de la biodiversidad, demostrando que la iniciativa pri-
tiva privada pode atuar como protagonista e parceira no fortale- vada puede actuar como protagonista y aliada en el fortalecimien-
cimento do intercâmbio de informações e da cooperação técnica to del intercambio de informaciones y de la cooperación técnica y
e científica para conhecimento, proteção e conservação dos ele- científica para el conocimiento, protección y conservación de los
mentos que compõem a biodiversidade e os ecossistemas. elementos que componen la biodiversidad y los ecosistemas.
Brasil: um país plural
Fa b i o R u b i o S c a r a n o, Is a b e l a S a n to s ,
A n a C e c i l i a I m p e l l i z i e r i M a r t i n s , J o s é M a r i a C a r d o s o da S i lva ,
A n d r é G u i m a r ã e s e R u ss e l l M i t t e r m e i e r

A
p r i m e i r a v i s ã o que os navegantes portugueses tive-
ram do Brasil, ao se aproximarem da costa baiana no
ano de 1500, era composta de praia, mata e montanhas.
Como Pero Vaz de Caminha viria a descrever mais tar-
de, “uma visão do paraíso”. O que ele e os demais na-
vegantes talvez não imaginassem naquele momento é
que, por trás daquela imensa cortina verde, haveria ainda mui-
tas outras visões paradisíacas. Além das praias e florestas, se
descortinariam também campos, savanas, zonas úmidas, zonas
áridas. O paraíso abrigava ainda várias nações indígenas, guar-
dava riquezas inexploradas e – isso certamente os navegantes
não imaginavam – se transformaria no lar para povos oriundos
de todos os cantos do mundo. No Brasil, estes povos encontra-
riam o ambiente adequado para se misturarem, se mesclarem
e, assim, darem origem a outro povo com cultura própria, forte
identidade nacional e – é o nosso argumento neste livro – um
destino: construir no terceiro milênio um novo e duradouro
modelo de vida no planeta. Um modelo em que o bem-estar hu-
mano e a conservação da natureza andem lado a lado e depen-
dam um do outro. Uma civilização com práticas sustentáveis e
inclusivas mas, principalmente, alegre, criativa, próspera e res-
peitosa de outras civilizações. Acreditamos que esse modelo de
civilização está em construção. Este livro descreve o pano de
fundo dessa construção em curso, ou seja, os biomas brasilei-
ros, com seus povos, sua biodiversidade e os desafios existentes
para conciliar o bem-estar das pessoas com a manutenção da
riqueza natural.
Biomas Brasileiros

Biomas são regiões biogeográficas moldadas pelo clima e que péssima distribuição de renda. Enquanto alguns poucos muni-
se distinguem uns dos outros por uma coleção única de ecossis- cípios possuem desenvolvimento humano análogo ao de países
temas e espécies.1 Os biomas, portanto, acabam por ter uma fisio- europeus ricos, uma maioria (45%) persiste em condição de po-
nomia relativamente homogênea, mas com variações internas. breza, sendo que muitos destes se encontram na Caatinga e na
O Brasil possui oficialmente seis biomas continentais, e aqui tra- Amazônia. A maior concentração de habitantes é na Mata Atlân-
tamos os ambientes marinhos como o sétimo bioma. Neste livro, tica e agora adentra o Cerrado. É justamente nestes dois biomas
a proposta é apresentar os biomas brasileiros como um proces- que se concentram também a economia, a tecnologia e grande
so de redescobrimento do Brasil, ou seja, conforme sua sequên- parte da capacidade humana, o que contrasta com a já significati-
cia de ocupação. Assim, iniciamos o percurso pela Mata Atlânti- va degradação dessas regiões. O Brasil assistiu a um crescimento
ca, por onde chegaram os portugueses, adentramos o interior do espantoso em sua produção científica e na formação de profis-
país – conhecendo a Caatinga como os sertanejos – subimos para sionais em nível de pós-graduação ao longo dos últimos 15 anos.
a Amazônia, depois passamos pelo Cerrado como os bandeirantes, Hoje o país é a 13ª ciência do mundo em produção de artigos e, só
descemos pelo Pantanal em direção aos Campos do Sul (ou Pam- em áreas ligadas à biodiversidade, forma um doutor por dia. Por
pas) e, finalmente, retornamos aos biomas Costeiro e Marinho, outro lado, estima-se que o Brasil tenha cerca de 20% de analfa-
a nova frente de crescimento para o Brasil. betos funcionais.5 Além disso, toda a grande produção científica
Em conjunto, os biomas brasileiros abrigam cerca de 20% das contrasta com uma tomada de decisão política na área socioam-
espécies do planeta, protegem 12% da água doce do mundo e dão biental no mínimo questionável, que tem resultado em desmata-
uma significativa contribuição para a estocagem de carbono e, con- mento, poluição de corpos d’água, emissão elevada de gases estu-
sequentemente, para a estabilidade do clima. Adicionalmente, a ri- fa, desrespeito aos direitos humanos e assim por diante.6
queza do solo e a amenidade climática permitem ao Brasil ser uma
das maiores produções mundiais de alimento, assim como uma das M u da n ç a s c l i m á t i c a s
maiores reservas de minério, petróleo e gás. Por outro lado, essa
fantástica riqueza natural sofre ameaças. A Mata Atlântica, onde O avanço no mau uso dos recursos naturais e a consequente de-
hoje vivem mais de 60% dos brasileiros, foi reduzida a algo em torno gradação ambiental, combinados com pobreza e desigualdade so-
de 12% da sua cobertura original,2 o que a torna um hotspot de bio- cial, compõem o mosaico socioambiental que hoje caracteriza o
diversidade, ou seja, um bioma de grande diversidade, alta taxa de Brasil. Para o futuro, o IPCC 7 projeta cenários de aumento da tem-
espécies com ocorrência restrita a esse ambiente e alto grau de de- peratura média do planeta que indicam mudanças profundas no
gradação. O Cerrado – o outro hotspot de biodiversidade brasileiro sistema vivo, catástrofes ambientais e efeitos danosos sobre as
– já tem mais da metade de sua cobertura original profundamente populações humanas. Os mais vulneráveis a essas mudanças cli-
alterada e a expansão da fronteira agrícola segue sendo uma grande máticas são justamente os mais pobres, especialmente devido ao
ameaça à integridade desse bioma. A Caatinga conta com uma das fato de hoje já não possuírem boas condições de vida, incluindo
menores extensões de área protegida entre os biomas brasileiros e saúde, educação e infraestrutura. Em outras palavras, a melhor
uma das maiores taxas de desmatamento. Os Campos do Sul têm forma de se adaptar às mudanças climáticas em curso, é se de-
sido velozmente substituídos por florestas artificiais. O Pantanal senvolver, reduzir a pobreza e manter o sistema que tampona as
apresenta índices expressivos de desmatamento. Os biomas Costei- mudanças climáticas: o sistema biológico.
ro e Marinho, historicamente aqueles menos protegidos pelo Brasil, Para se ter uma ideia da magnitude prevista dos efeitos das mu-
sofrem com cerca de 80% de suas espécies de pescado ameaçadas danças climáticas, por exemplo, a projeção de valores globais de
de extinção, e ainda terão de lidar com a expansão na exploração do extinção de espécies é de 15 a 37% de perdas até 2050, incluindo
petróleo do pré-sal nos próximos anos. A Amazônia tem visto uma os biomas Amazônia e Cerrado em diferentes cenários.8 A perda
redução nas taxas de desmatamento, mas esse segue sendo um pro- de espécies e o declínio de populações previstas estão relaciona-
blema, responsável não apenas pela perda de espécies, mas também dos às projeções de mudanças de temperatura e pluviosidade. Até
pela maior proporção de emissão de gases estufa do Brasil.3 o ano 2100 está previsto aquecimento de 4 a 6% na América do Sul
Quando examinamos sob o ponto de vista socioeconômico, o continental e redução nas chuvas com decorrente seca nas bacias
quadro também é plural e muitas vezes contraditório. O Brasil da Amazônia Oriental e do São Francisco. Esse efeito recai sobre
hoje é a sexta maior economia do planeta, mas ao mesmo tem- as espécies e, por fim, sobre as próprias populações humanas. No
po ostenta uma pífia 84ª posição no ranking global do Índice de caso do Cerrado, cenários climáticos para 2080 indicam perdas
Desenvolvimento Humano,4 em grande parte decorrente de uma expressivas de ambientes apropriados para o ­pequi (Caryocar

10
Biomas Brasileiros

brasiliense Camb. [Caryocaraceae]), planta nativa importante à riqueza natural ainda vasta, o Brasil tem a chance de adotar um
economia de municípios pobres na região.9 Outro exemplo são as modelo de desenvolvimento que concilia o bem-estar das pesso-
projeções que dão conta de que vetores de leishmaniose podem, as e a integridade da natureza, no qual as riquezas e a renda se-
com as mudanças climáticas, migrar para re­giões onde previa- jam geradas a partir dos próprios recursos naturais e de maneira
mente não existiam.10 a não degradá-los. Esse modelo é o que muitos chamam de desen-
Adaptação às mudanças climáticas são ajustes em sistemas volvimento sustentável e dá o mesmo peso aos pilares econômico,
humanos ou naturais, incluindo estruturas, processos e práti- social e ambiental do desenvolvimento.
cas, que em tese permitiriam à espécie humana lidar com os po- É significativo que o ano de publicação desse livro, 2012, seja
tenciais efeitos das alterações no clima. Como exposto acima, o também o ano no qual o Brasil sediou no Rio de Janeiro a Confe-
desenvolvimento e a redução da pobreza são duas das melhores rência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável
formas de se adaptar aos efeitos das mudanças em curso. Os vá- – a chamada Rio+20. O tema central da conferência foi o desen-
rios capítulos desse livro, entretanto, trazem alguns exemplos da volvimento sustentável e a chamada economia verde.14 Essa cú-
chamada “adaptação baseada nos ecossistemas”, isto é, o subcon- pula global se deu 20 anos depois do encontro chamado Rio 92,
junto de práticas e políticas que se baseiam na premissa de que no qual nasceram as três convenções que tratam diretamente do
serviços ambientais reduzem a vulnerabilidade das sociedades tema da sustentabilidade: a convenção da biodiversidade, a do
à mudança climática.11 Serviços ambientais são os componentes clima e a do combate à desertificação. O Brasil tem sido uma im-
dos ecossistemas usados de maneira ativa ou passiva para pro- portante voz nessas convenções e os dois eventos no Rio marcam
duzir bem-estar humano. Tais serviços podem ser classificados essa liderança. Agora, o país tem a oportunidade única de migrar,
em quatro tipos: serviços de provisão (e.g. comida, fibra, água de uma liderança por meio de discurso e negociação, para uma
doce), de regulação (e.g. estabilidade climática, evitando explo- liderança pelo exemplo.15
são populacional de vetores de doenças), serviços de suporte (e.g.
formação de solo, produção de biomassa) e serviços culturais R e t r ato s q u e a j u da m
(e.g. valores estéticos, religiosos, diversidade linguística).12 Es- a m o n ta r u m f i l m e
quemas como o pagamento por serviços ambientais e o manejo
comunitário começam a surgir no Brasil e se encaixam no con- No início deste texto afirmamos que o Brasil tem a vocação
ceito de adaptação baseada em ecossistemas. Exemplos são da- para construir, no terceiro milênio, um novo modelo de vida no pla-
dos ao longo dos capítulos desse livro. O princípio no qual esses neta; um modelo que, quando concretizado, seria análogo a um fil-
esquemas se baseiam é o da valoração dos serviços ambientais, me. Hoje, o que temos são apenas retratos, fotografias ainda frag-
que reflete os benefícios econômicos e culturais derivados da mentadas e que precisam de um encadeamento lógico para permitir
interação homem-ecossistema e a capacidade dos ecossistemas a montagem de um novo filme. Isso explica o título que escolhemos
em assegurar o fluxo desses benefícios no futuro.13 para esta obra: os capítulos aqui apresentados compõem um con-
junto de retratos desse país plural. Agora, o Brasil tem a oportuni-
U m n ovo m o d e lo dade de se transformar em um filme que projeta um novo futuro.
Ainda são poucos e pontuais, no Brasil e no mundo, os exemplos
Sabe-se que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Bra- de harmonia homem-natureza, de produção efetivamente sus-
sil (e por boa parte do mundo ocidental) até aqui não resultou em tentável, de sustentabilidade e responsabilidade no consumo, de
bem-estar para a população como um todo. Esse modelo se ba- mercados que valorizem o custo dos serviços que a natureza pres-
seia no uso não sustentável de recursos naturais para a geração ta, de financiamentos verdes e de instituições com princípios e
de renda. O resultado é que 55% do território brasileiro já foi pro- práticas baseados, de forma equânime, no tripé social-econômico-­
fundamente alterado e o desenvolvimento humano e infraestru- ambiental. Todavia, já começam a emergir no país alguns desses
tural no país ainda está abaixo do que se esperaria para a sexta exemplos, tanto em escala local quanto nacional. O estado do Ama-
economia do mundo. pá tem demonstrado crescimento no seu IDH depois de ter prote-
O Brasil se encontra em uma encruzilhada: tem a opção de se- gido mais de 70% de seu território em unidades de conservação e
guir o modelo atual (degradando mais recursos ambientais sem terras indígenas. No Amazonas, comunidades tradicionais são re-
necessariamente garantir um panorama socioeconômico justo, muneradas por protegerem florestas nativas e os serviços ambien-
equilibrado e inclusivo) ou mudar o paradigma de desenvolvi- tais por elas prestados. Alguns estados e municípios no Cerrado e
mento. Reside aí uma grande oportunidade para o país. Com uma na Mata Atlântica têm demonstrado que a produção pode ser mais

11
Biomas Brasileiros

sustentável quando áreas naturais são recuperadas ou protegidas. 2 Ribeiro, M.C., Metzger, J.P., Martensen, A.C., Ponzoni, F., Hirota, M.M.,
O Pantanal e os Campos do Sul são demonstrações seculares de que 2009. Brazilian Atlantic forest: how much is left and how is the remaining
forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation
a produção pode se dar sem prejuízo ou até em benefício ao meio
142: 1141–1153.
ambiente. A Caatinga demonstra criatividade no bom uso da água 3 Scientific American Brasil. 2010. Numero 39. Edição especial: Biodiversi-
e da lenha e na consequente melhora da condição de vida de alguns dade do Brasil.
de seus habitantes. Entre 2003 e 2008, o Brasil criou mais de 70% 4 O IDH , Índice de Desenvolvimento Humano, é uma medida do PNUD , agên-
do total da área protegida no planeta. Em 2010, o país lançou o mo- cia de desenvolvimento da ONU , que avalia o bem-estar das pessoas a partir
derno programa de agricultura de baixo carbono e agora, em 2012, de variáveis ligadas a renda, emprego, saúde e educação.
5 Analfabeto funcional é a pessoa que, apesar de compreender minimamen-
estabeleceu critérios de sustentabilidade para compras públicas
te os códigos de uma linguagem, não é capaz de desenvolvê-los a ponto de
que em muito reduzirão o incentivo a práticas danosas ao meio am- corresponder às necessidades do cotidiano (apresenta dificuldades, por
biente e incentivarão a geração de produtos e empregos verdes. exemplo, em escrever uma carta).
A grande questão para os próximos anos é: como esses bons 6 Scarano FR, Guimarães A, Silva JMC. 2012. Leading by example. Nature
exemplos podem ganhar escala, migrar do regional para o nacio- 486: 25-26.
nal, fazer parte da legislação nacional e, quem sabe, chegar até 7 IPCC –Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. 2007. Climate
change – summary for policymakers: synthesis report.
mesmo ao ponto de influenciar políticas globais? Para isso, se- 8 Thomas C.D., Cameron A., Green R.E., Bakkenes M., Beaumont L.J.,
rão necessários, cada vez mais, cidadãos e dirigentes criativos e Collingham Y.C., Erasmus B.F.N., Siqueira M.F., Grainger A., Hannah L.,
ousados, inovadores e comprometidos com o bem-estar não só Hughes L., Huntley B., van Jaarsveld A.S., Midgley G.F., Miles L., Ortega-
desta geração, mas também das que ainda estão por vir. O retra- -Huerta M.A., Peterson A.T., Phillips O.L., Williams S.E.. 2004. Extinction
to ambiental, o retrato social e o retrato econômico terão de se risk from climate change. Nature 427: 145–148.
9 Nabout J.C., Oliveira G., Magalhães M.R., Terribile L.C., Almeida F.A.S..
transformar no filme do desenvolvimento sustentável. Os retra-
2011. Global climate change and the production of “pequi” fruits (Caryo-
tos da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga, da Amazônia, do car brasiliense) in the Brazilian Cerrado. Natureza e Conservaçao 9 [doi:
Pantanal, dos Campos do Sul e dos biomas Costeiro e Marinho, 10.4322/natcon.00901001]
precisam se transformar no filme do Brasil, o qual pode vir a ser 10 Peterson AT, Shaw J. 2003. Lutzomyia vectors for cutaneous leishmania-
– assim se espera – a base para uma produção maior, para o ver- sis in Southern Brazil: ecological niche models, predicted geographic distri-
dadeiro campeão de bilheteria: o filme da nova civilização global. butions, and climate change effects. International Journal for Parasitology
33:919-931.
Este terá um cenário diferenciado, em que o homem e a natureza
11 Vignola R, Locatelli B, Martinez C, Imbach P. 2009. Ecosystem-based
não serão mais separados por cercas, e no qual não haverá barrei- adaptation to climate change: what role for policy-makers, society and
ras ou fronteiras que distanciem os homens uns dos outros., scientists? Mitigation and Adaptation Strategies to Global Change 14:
Em outro livro da Casa da Palavra,16 Flora brasileira, publicado 691–696.
há alguns anos, citávamos Saint-Exupéry para lembrar que a essên- 12 Millenium Ecosystem Assessment 2005. MEA conceptual framework
cia não está nas coisas, mas no nó que ata as coisas. Para construir- (chapter 1). In: Ecosystems and human well-being: Current state and trends,
the millennium ecosystem assessment series volume 1. [Hassan, R., R.
mos um novo cenário para novos tempos, o Brasil já tem as “coisas” Scholes, and N. Ash(eds.)]. Island Press, Washington DC , USA .
– natureza generosa, povo criativo – agora precisa dos “nós”. Esse 13 Abson DJ, Termansen M. 2011. Valuing ecosystem services in terms of
livro tem por objetivo motivá-lo, leitor, a sair em busca desses “nós” ecological risks and returns. 25(2), 250-258
e ser mais um operário na construção do novo mundo. 14 Economia verde, segundo a agência das Nações Unidas para o meio am-
biente (PNUMA ), é a economia que promove bem-estar humano e igualdade
social, enquanto reduz significativamente riscos ambientais e escassez eco-
n ota s lógica. Dessa forma, ela pode ser vista como a trajetória que leva ao desen-
volvimento sustentável.
1 Hoekstra J.M., Boucher T.M., Ricketts T.H., Roberts, C.. 2005. Confronting 15 Scarano , Guimarães e Silva ibid.
a biome crisis: global disparities of habitat loss and protection. Ecology Let- 16 Scarano F.R.. Patrimônio florístico brasileiro. In: Flora Brasileira: his-
ters 8: 23–29. tória, arte e ciência.Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

12
Biomas Brasileiros

biomas
brasileiros
Retratos de um país plural

13
1
mata atlântica
16

2
cerrado
56

3
caatinga
92

4
amazônia
128

5
pantanal
164

6
campos do sul
200

7
costeiro e marinho
236

os autores e bibliografia
272

versão
283
MATA ATLÂNTICA

1
L u i z Pa u lo P i n to • L ú c i o C a dava l B e d e
M ô n i c a Tava r e s da F o n s e c a • I va n a R e i s L a m a s
C a r lo s Alb e r to B e r n a r d o M e s q u i ta • A d r i a n o P e r e i r a Pag l i a
T i ag o C i s a lp i n o P i n h e i r o • M a r c e l e B a s to s d e S á

D
o n a d e u m a das mais impressionantes diversidades bio-
lógicas do planeta e cenário dos principais cartões-pos-
tais do país, a Mata Atlântica forma um dos dois blocos de
florestas tropicais do Brasil. Separada da Amazônia pelo
Cerrado e pela Caatinga (caracterizados por vegetações
abertas), a Mata Atlântica foi reconhecida pela UNESCO
como Reserva da Biosfera por ser um ambiente megadiverso
composto por um amplo complexo de regiões com formações ve-
getacionais e geológicas férteis e exuberantes.
Um aspecto impressionante da Mata Atlântica é que parte
expressiva da sua fauna e flora é endêmica, ou seja, não ocorre
em nenhum outro lugar do planeta. Estima-se que aproximada-
mente 946 espécies de vertebrados e 7.155 de plantas vasculares
(plantas que possuem tecidos especializados para transportar o
alimento de suas células), respectivamente 43% e 45% do total
de espécies, são restritas a esse bioma. Para alguns grupos, essa
exclusividade é ainda mais forte, como 90% das espécies de pri-
matas e 80% das espécies de bromélias.
Num total de 2.208 espécies de vertebrados registrados
pela ciência, contam-se cerca de 990 espécies de aves, 370 es-
pécies de anfíbios, 200 de répteis, 298 de mamíferos e 350
espécies de peixes. Isso significa que na Mata Atlântica, que
representa 0,8% da superfície terrestre do planeta, estão pre-
sentes mais de 5% das espécies de vertebrados do mundo. Sua
flora também é exuberante, tendo sido estimadas mais de
15.700 espécies presentes no bioma, ou seja, cerca de 5% da flo-
ra mundial.1 Como comparação, a Mata Atlântica possui mais
bioma Mata Atlântica estados abrangentes

aprox. 21 milhões de hectares / 114 milhões de habitantes


5% das espécies da flora mundial,
o que supera o total de todo o continente europeu
Biomas Brasileiros

espécies de plantas do que todos os países da Europa juntos conhecimento de parte significativa de sua biodiversidade. Para
(12.500 espécies). se ter uma ideia do potencial a ser estudado, entre 1990 e 2006,
Para entender essa enorme diversidade biológica é preciso vol- registraram-se mais de 1.190 novas espécies de plantas na Mata
tar a milhões de anos na formação do que são hoje o Nordeste, o Atlântica,4 além de várias espécies de mamíferos e de aves que fo-
Leste e o Sul do Brasil. Como as florestas eram contínuas, a Mata ram descritas ao longo da última década. Toda essa variedade ain-
Atlântica foi marcada por períodos de contatos com outras flores- da poderá ser mais evidenciada quando alguns ambientes pouco
tas do continente sul-americano, como a Floresta Amazônica, in- explorados dentro da floresta forem mais estudados. Pesquisas
tercalados por períodos de isolamento. Esta alternância de con- nessa linha, como a iniciativa da Universidade de São Paulo que
tato e isolamento com outros habitats resultou em uma intensa revelou dados impressionantes sobre diversidade e endemismo
diferenciação da fauna e flora, gerando a elevada diversidade bio- de bactérias nas superfícies das folhas de copas de árvores, têm
lógica e ocorrências únicas que encontramos hoje no bioma.2 Exis- crescido no Brasil, especialmente na Mata Atlântica.
tem evidências também de que estes eventos tiveram intensidade
e periodicidade distintos dentro da própria Mata Atlântica, oca-
sionando a formação de regiões com a riqueza de espécies ainda
mais destacada, como registrado hoje na porção central do bioma,
principalmente no sul da Bahia e no Espírito Santo.
A combinação de três eixos geográficos criou uma diversidade
única de paisagens e também ajuda a explicar essa extraordiná-
ria diversidade de espécies da região: a variação da latitude, em
uma situação compartilhada com poucas florestas tropicais do
planeta; a variação altitudinal, com seus ecossistemas ocupando
áreas desde o nível do mar até áreas a mais de 2.500 metros; e
a variação longitudinal, com as florestas interioranas diferindo
significativamente das florestas que estão localizadas mais pró-
ximas do litoral.
Outros fatores, como a formação de rios, erosão, vulcanismos
e mudanças climáticas, contribuíram para a configuração geo-
física da Mata Atlântica. Entre suas principais características
podemos incluir a espetacular cadeia de montanhas da Serra do
Mar, os mares de morros do interior, as formações tipo “pão-de- Sa í-a zul ( Dacnis c. cayana) no Nucleo Santa V irginia –
-açúcar” – montanhas de cumes arredondados e paredes abrup- Pa rque Esta dua l da Serra do Mar | SP
tas, como o principal cartão-postal do país, o Morro do Pão de
Açúcar, no Rio de Janeiro – a formação rara do Maciço do Itatiaia,
que tem como ponto culimante o Pico das Agulhas Negras, e a Quando analisamos os organismos de pequeno porte como
combinação de sucessivos derrames de lava e falhas geológicas, insetos, fungos, minhocas etc., e micro-organismos, o universo
há cerca de 120 milhões de anos, que formaram as espetaculares biológico se torna ainda mais pronunciado. Análises realizadas
cataratas do rio Iguaçu.3 entre 2008 e 2010 registraram 1.664 espécies de fungos e 1.545
Os processos geológicos e evolutivos ocorridos ao longo de espécies de algas na Mata Atlântica, o que representa cerca de
milhões de anos levaram ao surgimento de linhagens exclusivas três vezes o número de espécies de ambos os grupos conhecidos
da Mata Atlântica, como alguns primatas bastante conhecidos, a para a Amazônia.5 Isso pode dar certa dimensão do desconheci-
exemplo dos micos-leões (Leontopithecus) e os muriquis (Bra- mento da biodiversidade em sua totalidade, levando em conta o
chyteles), que representam histórias evolutivas únicas, que não que tem sido chamado de “diversidade invisível”.
se repetiram em nenhum outro lugar do planeta. Em virtude da sua riqueza biológica e dos alarmantes níveis
Ainda que a concentração de investimentos em pesquisa na de ameaça, a Mata Atlântica, ao lado de outras 33 regiões locali-
Região Sudeste torne a Mata Atlântica, em termos relativos, o zadas em diferentes partes do planeta, foi indicada por especia-
bioma com o maior conhecimento da sua diversidade biológica listas como um dos hotspots, ou seja, uma das prioridades para a
e com o mais extenso acervo científico, observa-se ainda o des- conservação de biodiversidade em todo o mundo.6

19
mata atlântica

Urbanização

A exploração do pau-brasil e o interesse na manutenção da


posse da terra resultaram na fundação das primeiras vilas no
país, entre elas: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Todas fo-
ram fundadas pelos portugueses no século XIV e permanecem
ainda hoje como importantes centros políticos, sociais e econô-
micos para o Brasil.
Desde o início da ocupação portuguesa, a região da Mata
Atlântica abriga as principais cidades brasileiras, incluindo a
capital do Brasil Colônia (Salvador) e a capital do Brasil Impé-
rio e primeira capital da República (Rio de Janeiro). Nos dias de
hoje, sete das dez cidades mais populosas do país estão na Mata
Atlântica brasileira. Em muitos casos, é a pressão pela expansão
desordenada das grandes e médias cidades, sobretudo no litoral,
que atua como o principal vetor para a perda de cobertura flores-
tal no bioma, especialmente nos seus ecossistemas associados
de restinga e manguezais.
M ata d e ar au c ár i a (A rauc a r i a a ng ustifo lia) n o Pa rque Nacion a l O crescimento extensivo das metrópoles brasileiras tem re-
dos Apa ra dos da Serra | RS presentado um dos principais fatores de degradação e perturba-
ção dos remanescentes de Mata Atlântica. Os planos diretores
destas cidades e os mecanismos de comando e controle não têm
Abrangência contribuído de maneira efetiva para normatizar a expansão ur-
bana. Como consequência da ocupação desordenada, sobretudo
A Mata Atlântica passa por 17 estados7 e mais de três mil muni- de encostas e fundos de vale (na verdade, planícies de inundação
cípios, dos quais 2.594 totalmente inseridos no bioma, constituin- naturais dos rios), temos as recorrentes tragédias associadas a
do parte importante da história e do desenvolvimento do Brasil.8 eventos climáticos extremos.
O domínio da Mata Atlântica é composto por um conjunto de Situações como as ocorridas em Santa Catarina, Rio de Janei-
formações florestais que, como o próprio nome indica, é banhado ro e Pernambuco devem servir como alertas, não apenas sobre a
pelo oceano Atlântico, ou seja, acompanha a costa leste brasileira, importância de se controlar a expansão das cidades, mas também
e se estende do nordeste do país ao Rio Grande do Sul. Esta flo- de se pensar o papel das florestas e do bioma Mata Atlântica nas
resta ainda penetra pelo interior e ultrapassa as fronteiras com a intervenções que visem a adaptação das nossas urbes ao cenário
Argentina e o Paraguai. de mudanças climáticas globais.
Estima-se que a Mata Atlântica cobria, originalmente, 1.500.000
km2, distribuídos entre esses três países, sendo 1.315.000 km2 no Demografia
Brasil, o que representa 15% do território brasileiro e corres-
ponde a duas vezes o tamanho da França ou mais de três vezes o A Mata Atlântica abriga cerca de 60% da população brasileira
da Alemanha. (calculada em 190 milhões de pessoas em 2010).
Por ser um ambiente muito fragmentado, é difícil estimar com A região foi palco da consolidação e formação histórica do país,
precisão a atual cobertura florestal da Mata Atlântica. Um amplo o que fez com que a maior parte da população brasileira se con-
estudo desenvolvido por um grupo de pesquisadores em 2009 con- centrasse nesse bioma, cujos municípios apresentam os maiores
cluiu que restam entre 11% e 16% de cobertura remanescente da índices de densidade populacional do país. Nas últimas décadas,
Mata Atlântica, ou seja, uma área em torno de 14 e 21 milhões de porém, o crescimento populacional na região tem sido inferior à
hectares.9 O monitoramento da cobertura florestal realizado pela média nacional, o que implica na redução gradativa da propor-
Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas ção da população residente no bioma em relação à população na-
Espaciais, desde 1985, revela que somente cerca de 7% dessa flo- cional. A taxa média anual foi de 1,53% entre 1991 e 2000 contra
resta remanescente está em bom estado de conservação.10 1,63% da média nacional, e de 0,98% entre 2000 e 2010 em opo-

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Biomas Brasileiros

sição à de 1,17% no país. Os municípios inseridos no bioma Mata Foi nesse bioma que se desenvolveram os principais ciclos
Atlântica apresentam um dos maiores índices de urbanização do econômicos do país, desde a cana-de-açúcar no Nordeste, que
país. Quase 90% da população do bioma (cerca de 110 milhões de se destaca na economia regional como uma atividade primordial
pessoas) vive em áreas urbanas, sendo que nas últimas décadas em nossa história agrária e como causa da transformação do am-
a população residente nas áreas rurais diminuiu em quase 2 mi- biente natural, até a silvicultura econômica no sul da Bahia, Es-
lhões de pessoas. pírito Santo, leste de Minas Gerais e Sul do país, com recordes
mundiais de produtividade.
Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o Os solos da Mata Atlântica viabilizaram também o sucesso do
café, primeiro produto de exportação do Brasil como nação inde-
Além de fauna, flora e relevos variados, há outros aspectos a se- pendente, cujo cultivo, baseado no regime de derrubada e queimada
rem observados na alta diversidade da Mata Atlântica: a multi- e no avanço contínuo de expansão da fronteira agrícola, significou
plicidade de culturas, a disparidade dos níveis de fragmentação e naquela época (fim do século XIX ) o principal fator de devastação
de degradação das florestas, e uma grande variação do Índice de da floresta. A atividade ainda é expressiva no bioma, especialmente
Desenvolvimento Humano (IDH ). no Vale do Paraíba do Sul, sul de Minas Gerais e Espírito Santo.
O IDH médio dos municípios da Mata Atlântica do Nordeste é Outras atividades agropecuárias tiveram grande influência na
de 0,630, contra 0,744 daqueles localizados no Sudeste, e 0,767 dos economia e conformação da paisagem do bioma, como o cacau
municípios da Região Sul.11 É preciso, então, considerar que os pla- no sul da Bahia e a soja e a erva-mate no Sul do país, além da pe-
nos de desenvolvimento e sustentabilidade para cada região desse cuária, que permeia todo esse território. Vale destacar também
bioma terão suas especificidades, com estratégias em diferentes as cidades mineradoras que começaram a ser criadas na busca
escalas geográficas dependendo de seus objetivos e abordagens. por metais preciosos no início do século XVIII . Essas cidades que
Pesquisadores do Instituto de Economia da Universidade Fede- se desenvolveram na fronteira com o Cerrado, tinham seus cami-
ral do Rio de Janeiro (UFRJ ) avaliaram os fatores determinantes do nhos de exploração primordialmente localizados na Mata Atlân-
desmatamento na Mata Atlântica e sua relação com a economia e o tica, especialmente em Minas Gerais.14
contexto social nos municípios inseridos nas regiões Sul e Sudeste. Nesse contexto de desenvolvimento econômico, as florestas
Os resultados mostram claramente a existência de uma dis- da região atlântica assumiram um papel importante como forne-
sociação entre desmatamento e aumento da atividade agropecu- cedoras de madeira para consumo nas cidades que cresciam e de
ária, além da correlação negativa entre desmatamento e Índice carvão para o parque siderúrgico nacional, formado ao longo da
de Desenvolvimento Humano (IDH ).12 No período avaliado, entre ferrovia Vitória-Minas (1907), que praticamente dizimou em 40
1985 e 1996, enquanto houve perda de mais de 1 milhão de hecta- anos o maciço florestal das bacias dos rios Doce e Mucuri, na Re-
res de floresta nativa na região, observou-se a diminuição da po- gião Sudeste.
pulação rural em todos os estados por causa da migração para os A sucessão de ciclos fundamentais da
centros urbanos, e ainda a redução de 2,4 milhões de empregos história econômica do país, como os cita- Além da exuberante diversidade
biológica, muitas espécies da Mata
no setor agrícola. dos ciclos do pau-brasil, do açúcar, do café, Atlântica são conhecidas por seu uso
A renda média de mais da metade dos trabalhores rurais era além da larga atividade de mineração, re- histórico ou por sua importância
abaixo do salário mínimo da época, o que indica que a qualidade sultou em um cenário de devastação e eli- econômica atual. Espécies de plantas
cujos frutos são comestíveis, como a
de vida não melhorou apesar da intensificação do uso da terra.13 minação contínua da floresta.15
pitanga (Eugenia uniflora), a jabuticaba
Em outras palavras, o desmatamento recente na Mata Atlântica A importância econômica da Mata (Plinia sp) e o palmito-jussara (Euterpe
está associado ao subdesenvolvimento, isto é, ao desemprego e Atlântica, entretanto, se mantém até os edulis), são bastante conhecidas da
baixo IDH . dias de hoje. Atualmente, o bioma con- população. Outras são fontes de matéria-
prima, como o pau-brasil (Caesalpinia
centra aproximadamente 70% do PIB na- echinata), o jacarandá (Dalbergia nigra),
Economia cional e mais de dois terços da atividade a piaçava (Attalea funifera) e a araucária
industrial do país. (Araucaria angustifolia).
Da Mata Atlântica foram obtidos os primeiros recursos explo- Sete, das nove principais bacias hi-
ráveis que sustentaram a fundação de entrepostos comerciais do drográficas do país, estão inseridas no
sistema colonial português para a extração de madeiras altamen- território do bioma e são estratégicas para o abasteci-
te rentáveis como o pau-brasil, o jacarandá e outros produtos ma- mento de água e a geração de energia para suas cida-
deireiros comercializáveis na Europa. des e negócios. Grande parte dos produtos

21
mata atlântica

agrícolas disponíveis na mesa do brasileiro é produzida e colhi- Santo, nas encostas da Serra do Mar, da Serra Geral e em ilhas
da diariamente em propriedades localizadas nessa mesma área. situadas no litoral entre os estados do Paraná e do Rio de Janeiro.
Além disso, mais da metade do território cultivado com produ- Avaliações mostram que as espécies típicas da floresta ombrófila
tos da horticultura fica na Mata Atlântica. densa ocorrem também nas demais florestas do bioma, com va-
riações causadas por regimes de chuva e temperatura.
C o m p o s i ç ã o da M ata A lt â n t i c a • floresta ombrófila mista – conhecida como floresta com
araucárias ou Mata de Araucária, ocorre nas regiões de clima
A Lei da Mata Atlântica (Lei no 11.428, de 22 de dezembro de subtropical, principalmente nos planaltos do Sul do Brasil e em
2006), que reconhece e consagra o conceito lato sensu do bioma, maciços descontínuos nas partes mais elevadas de São Paulo,
considera esse como uma composição de diferentes formações Rio de Janeiro e sul de Minas Gerais.
florestais e ecossistemas associados. • floresta ombrófila aberta – considerada um tipo de transição da
As diferentes formações florestais, ou fitofisionomias, da Mata ombrófila densa, é encontrada em regiões
Atlântica apresentam variações na altura da vegetação, densida- com clima mais seco, como em Alagoas,
de e composição de espécies. Cada floresta tem sua ocor- Pernambuco, Bahia e Espírito Santo. >>> O município de Linhares, no
Espírito Santo, abriga um relevante
rência ao longo do bioma determinada de acordo com 2 florestas estacionais, decidu- complexo de Mata de Tabuleiro sob
o clima, relevo e tipo de solo.16 A variação da fau- ais e semideciduais – possuem espé- proteção, com cerca de 50.000 hectares,
na e, sobretudo, da flora, ao longo das áreas que cies que perdem suas folhas durante a formado pela Reserva Biológica de
Sooretama, Reserva Natural Vale e duas
vão desde florestas próximas ao nível do mar estação seca em graus variados de de-
Reservas Particulares do Patrimônio
até as áreas mais altas nas serras é também ciduidade, distribuem-se a oeste da en- Natural (RPPN ) da empresa Fibria.
marcante. Com base nas altitudes, as flo- costa atlântica e avançam para dentro do
restas podem ser delimitadas em fisiono- continente até as margens do rio Paraná.
mias: florestas de terras baixas, submon- 3 brejos interioranos e encra-
tanas, baixo-montanas e alto-montanas. ves florestais – surgem no interior do
Cada um desses limites altitudinais pos- semiárido brasileiro como consequência
sui características próprias,17 além de do clima mais úmido que, por sua vez, é
A Mata de Tabuleiro é uma importante proporcionar um complexo sistema, com influenciado pelo relevo.
e muito ameaçada variação da
movimentos sazonais de deslocamentos 4 campos de altitude – constituem
tipologia de floresta ombrófíla densa,
com ocorrência principalmente no de grupos da fauna entre as regiões mais uma vegetação típica de ambientes monta-
extremo sul da Bahia e norte do estado altas e as mais baixas das florestas. no e alto-montano, com estrutura arbustiva e/
do Espírito Santo. Comparada com as Apesar de mais de 79% da região da ou herbácea, que ocorre geralmente nos cumes
outras formações de matas neotropicais,
a Mata de Tabuleiro é incomum, devido
Mata Atlântica ter sido coberta por flo- das serras com altitudes elevadas, predominando
à elevada diversidade de espécies e restas, outros tipos de vegetação são tam- em climas subtropicais ou temperados.
densidade de lianas (ou cipós). >>> bém encontrados no interior do bioma, 5 vegetação de muçununga – ainda é muito pou-
tanto na forma de encraves (campos de co conhecida pela ciência. Pode ser encontrada na região li-
altitude; campos do sul entremeados à torânea entremeada à Mata de Tabuleiro. É caracterizada pela
floresta com araucária; muçunungas; campos rupestres) como predominânica da vegetação herbáceo-arbustivo (plantas de pe-
zonas de transição para o mar (manguezais e restingas), sendo os queno porte), sendo encontradas também áreas com vegetação
Campos do Sul do Brasil um bioma em si. arbórea. A muçununga, assim como a restinga, está associada
Assim, a Mata Atlântica representa um contínuo de distribui- a solos arenosos. A ocorrência de uma camada impermeável de
ção de espécies, e permite, portanto, uma visão do domínio des- laterita – um tipo de solo alterado, com alta concentração de fer-
se bioma:18 ro e alumínio –, é o que diferencia as muçunungas das restingas,
1 Florestas sempre verdes (ombrófilas) – possuem um o que provoca acúmulo de água em épocas de chuva nesse tipo
dossel fechado de cerca de 20 a 25 metros, com árvores emergen- de ambiente.
tes que chegam a 40 metros de altura. Esse tipo de formação in- 6 Restingas e manguezais – é importante compreender
clui as seguintes florestas: as interrelações da Mata Atlântica com o bioma Costeiro e Ma-
• floresta ombrófila densa – estende-se do Ceará ao Rio Gran- rinho através dos ecossistemas associados como as restingas e
de do Sul, mas ocorre principalmente no Sul da Bahia e Espírito manguezais. São cerca de 10.800 km de costa atlântica compar-

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Biomas Brasileiros

tilhada entre a Mata Atlântica e a zona marinha. Assim, a fauna


costeira, espécies migratórias, áreas protegidas com território
costeiro-marinho, aspectos climáticos, ecossistemas de transi-
ção e poluição proveniente de atividades terrestres e marinhas
influenciam conjunta e simultaneamente o bioma Mata Atlân-
tica e os biomas Costeiro e Marinho identificados no território
marinho brasileiro.
As restingas acompanham todo o litoral da Mata Atlântica de
forma marcante. São ambientes relativamente abertos, caracte-
rizados pelo solo predominantemente arenoso. Ocupando uma
faixa estreita entre a praia e as formações florestais da Mata
Atlântica, apresentam estruturas variadas, desde vegetação ras-
teira típica de terrenos arenosos na área litorânea até formações
arbustivas e florestais (matas de restinga), que gradativamente
avançam para o interior, podendo ocorrer também brejos com
densa vegetação aquática.
Esse tipo de ambiente, ainda pouco conhecido, é um dos mais
ameaçados pelo avanço dos centros urbanos e pela especulação
imobiliária. Algumas espécies de plantas, lagartos, serpentes e
aves, como o formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis), são
endêmicas das restingas e consideradas ameaçadas de extinção.
Existem outras formações vegetacionais pouco conhecidas e
que fazem parte da Mata Atlântica. Uma delas é a vegetação de
muçununga que pode ser encontrada na região litorânea entre-
meada à Mata de Tabuleiro, e é caracterizada pela predominâ-
nica da vegetação herbáceo-arbustivo (plantas de pequeno por-
te), sendo encontradas também áreas com vegetação arbórea.19
A muçununga, assim como a restinga, está associada a solos are-
nosos. A ocorrência de uma camada impermeável de laterita nas
muçunungas é o que as diferencia das restingas, o que provoca
acúmulo de água em épocas de chuva nesse tipo de ambiente.

Subdivisão biogeográfica
As espécies da fauna e flora que compõem as florestas e ecos-
sistemas associados da Mata Atlântica não se distribuem homo-
geneamente por todo o bioma. Ao contrário, há uma grande va-
L e i 1 1 . 4 2 8 /0 6 da M ata At l â n t i c a
riação na composição das espécies de acordo com as formações
● Floresta Ombrófila Densa ●  Savana-estépica vegetacionais e com as regiões, o que levou à proposição de uma
● Floresta Ombrófila Aberta ●  Estepe subdivisão biogeográfica para a Mata Atlântica, descrita da se-
● Floresta Ombrófila Mista ● Áreas das Formações Pioneiras guinte forma:20
● Floresta Estacional Semidecidual ●  Contatos 1 Brejos Nordestinos – encraves de Mata Atlântica no interior
● Floresta Estacional Decidual ●  Refúgios Vegatacionais da Caatinga;
●  Savana ●  Massa d’água 2 Pernambuco – inclui toda a Mata Atlântica litorânea ao nor-
te do rio São Francisco, entre Alagoas e Rio Grande do Norte;
F igura 1 . IBGE, 2008. M apa de á rea de a pl ica çã o da Lei 3 São Francisco – inclui todas as florestas estacionais decidu-
N o
1 1 .4 28 d e 2006 (Dec r eto N o 6 . 6 6 0, de 21 de n ovembro de 2008 ) ais e semideciduais que acompanham o vale do rio São Francisco,
nos estados de Minas Gerais e Bahia;

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mata atlântica

4 Diamantina – inclui todas as florestas e Isso torna a restauração florestal e toda cadeia produtiva en-
vegetações associadas das encostas da Chapada Dia- volvida (viveiros, coletores de sementes, produtores de insu-
mantina e planaltos circundantes, possuindo predomi- mos, plantadores de florestas) essenciais para o resgate do bio-
nantemente floresta estacional decidual ma. Estima-se que existam pelo menos 20 milhões de hectares
e a floresta estacional semidecidual, com de pastagens de baixa produtividade na região21 que poderiam
pequenas extensões de floresta ombrófila ser utilizados para cultivos agrícolas ou serem destinados à
densa nas encostas de alguns planaltos; restauração florestal. Por um lado, a recomposição da vegeta-
5 Bahia – estende-se desde Sergipe ção nativa garantiria os preciosos serviços ambientais necessá-
até o Espírito Santo, com predominância rios para a sociedade, por outro lado, ao transformar uma área
A sub-região Floresta Interiorana é a
de floresta ombrófila densa; de pastagem que tenha pouca produtividade em área agrícola,
maior sub-região biogeográfica da Mata
Atlântica, com mais de 700.000 km2 6 Serra do Mar – estende-se desde o aumentaria-se o cultivo e reduziria-se a necessidade de aber-
e uma das que mais perdeu cobertura Rio de Janeiro até o norte do Rio Grande tura de novas áreas com mais desmatamentos. Assim, se bem
florestal devido à expansão da atividade do Sul, sendo coberta pela floresta om- manejados e executados de forma sustentável, os cultivos agrí-
pecuária e grandes culturas agrícolas
brófila densa e pequenos trechos de cam- colas, associados ao ambiente natural, também poderiam gerar
como soja, cana de açúcar, café e outros.
A estimativa é que restam apenas 7% da pos de altitude; serviços ambientais.
cobertura original desta sub-região. >>> 7 Florestas Interioranas – estende-se
desde o nordeste de Minas Gerais até o A legislação em vigor
Rio Grande do Sul, sendo dominada pela Reconhecida na Constituição Brasileira de 1988 como pa-
floresta estacional semidecidual, com porções de floresta esta- trimônio nacional, a proteção da Mata Atlântica foi também for-
cional decidual, cerrados, campos rupestres e áreas de transição; talecida através da Lei da Mata Atlântica, esse instrumento jurí-
8 Florestas com Araucária – está localizada principalmen- dico e sua regulamentação (Decreto 6.660, de 21 de novembro de
te no estado do Paraná, com extensões em Santa Catarina e Rio 2008) definem e legislam sobre a conservação, regeneração e a
Grande do Sul, onde a vegetação principal é a floresta ombrófila utilização do bioma.
mista, caracterizada pela ocorrência do pinheiro-do-paraná Nos municípios, as políticas e estratégias de conservação são
(Araucaria angustifolia), entremeada por campos e cerrados em ainda incipientes, embora alguns venham se destacando como
pequenas extensões. modelos e indutores de mudanças. A Lei da Mata Atlântica prevê
que os municípios elaborem e executem os planos de conserva-
E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o ção e recuperação florestal. A iniciativa possibilitará a organiza-
ção e estruturação dos municípios para ações e o acesso a fundos
Pa n o r a m a at u a l específicos direcionados à conservação,
A dinâmica da destruição da Mata Atlântica foi mais acen- além de proporcionar as bases para a in-
tuada durante as últimas três décadas do século XX, resultando tegração com outros setores e o desen- >>> Por outro lado, mesmo estando
entre as áreas mais populosas do Brasil,
em alterações severas nos ecossistemas que compõem o bioma, volvimento de uma governança capaz de a sub-região Serra do Mar possui a
especialmente pela alta fragmentação e degradação da vegeta- alcançar soluções para a sustentabilida- maior cobertura florestal atual (36%),
ção nativa. de local. A evolução das políticas munici- além da maior rede de unidades de
conservação. Essa situação só foi
O grau de fragmentação florestal se deu de forma heterogênea, pais pode ter um efeito imensurável para
possível pela ocorrência de extensas
dependendo dos fatores históricos de uso e ocupação do territó- a conservação da biodiversidade e o de- áreas com elevada declividade, situação
rio, mas de um modo geral a paisagem em toda a Mata Atlântica senvolvimento integrado. que limitou o acesso e resultou na
está reduzida a pequenos fragmentos florestais. Mais de 80% dos Além de constar como patrimônio na- manutenção da paisagem original.
fragmentos possuem menos de 50 hectares e a paisagem é hoje cional na Constituição Federal, a biodi-
fortemente dominada por ambientes ocupados pelo homem. versidade da Mata Atlântica é reconhe-
Atualmente, um dos principais problemas em relação ao uso e à cida também através de instrumentos
ocupação do solo reside na ocupação irregular de encostas, áreas e títulos internacionais, como Reser-
ribeirinhas e mananciais, estimulada pelo crescimento urbano va da Biosfera e os Sítios do Patrimônio
em grande parte pela especulação imobiliária. Devido ao intenso Mundial Natural, ambos concedidos pela UNESCO .
e desordenado processo de uso e ocupação, a vegetação ciliar ao A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica foi reco-
longo dos rios foi largamente degradada. nhecida em 1993 e conta atualmente com

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Biomas Brasileiros

78.465.476 hectares (62.318.723 hectares terrestres e 16.146.753 espécies que se enquadram em um ou mais dos seguintes crité-
hectares marítimos), em 16 dos 17 estados do bioma.22 rios: espécies globalmente ameaçadas; espécies de distribuição
Essa Reserva inclui todos os tipos de formações florestais restrita; espécies que formam agregações em áreas específicas
e outros ecossistemas terrestres e marinhos que compõem o em algum estágio de seu ciclo vital; assembleias de espécies
domínio da Mata Atlântica, bem como os principais remanes- restritas ao bioma.
centes florestais e a maioria das unidades de conservação, onde Foram identificadas 538 KBA na Mata Atlântica, relativas a
está protegida grande parte da diversidade brasileira. Além de 141 espécies de vertebrados ameaçados de extinção, entre aves,
ser uma área especialmente protegida, o fato de ser uma Reser- mamíferos, répteis e anfíbios.25 Somente 98 (18%) dessas áreas
va da Biosfera cria uma função aglutinadora e articuladora, o estão inseridas em unidades de conservação de proteção integral
que faz da Mata Atlântica um fórum importante de discussão (parques e reservas). Chama a atenção também que 24 KBA são
sobre o uso e ocupação do território. consideradas insubstituíveis e somente 14 dessas estão inseri-
A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é a maior dentre to- das em unidades de conservação, isto é, são as últimas áreas com
das as 564 reconhecidas pela UNESCO em 109 países. A designa-
ção de áreas como Reserva da Biosfera é uma grande responsa-
bilidade para o país e um importante instrumento de política de
conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Espécies em extinção
O pouco que restou da floresta original da Mata Atlântica
está distribuído em centenas de milhares de fragmentos flores-
tais, desconectados e pequenos demais para manter populações
viáveis de muitas das espécies animais. Esse cenário se reflete
nos números de espécies ameaçadas de extinção. São 380 es-
pécies ameaçadas, conforme a Lista Oficial da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção, o que representa mais de 60% dos ani-
mais ameaçados no Brasil.23 Quase 9% de todos os vertebrados
terrestres conhecidos da Mata Atlântica, e um em cada quatro
daqueles que são endêmicos ao bioma, estão ameaçados de
extinção. Exemplos de espécies endêmicas e ameaçadas são
as quatro de micos-leões (Leontophitecus rosalia, L. caissara,
L. chrysomelas, L. chrysopygus), as duas de muriqui (Brachyteles
arachnoides, B. hypoxanthus), e as várias de aves, como o mu-
tum-de-alagoas (Pauxi mitu), que atualmente só existe em Bromélia (Bromelia sp.) na região serrana do Rio de Janeiro | RJ
­cativeiro, a jacutinga (Aburria jacutinga), e o papagaio-chauá
(Amazona rhodocorytha).
A situação é mais preocupante se considerarmos que me- o registro de pelo menos uma espécie ameaçada de extinção, o
nos de 15% das espécies ameaçadas estão protegidas pelo atu- que significa que qualquer problema nessas localidades poderá
al sistema de unidades de conservação.24 O macaco guigó-do- levar à extinção daquelas espécies.
-nordeste (Callicebus coimbrai) e as aves saíra-apunhalada Muitas das espécies ameaçadas podem ser consideradas
(Nemosia rourei) e entufado-baiano (Merulaxis stresemanni) como indicadoras da integridade de uma dada região e como re-
estão no limiar da extinção, podendo desaparecer em poucos ferências para programas de conscientização pública e de educa-
anos se nada for feito para garantir sua preservação. Utilizan- ção, podendo ser adotadas como importantes instrumentos para
do o conceito de áreas-chave para conservação (Key Biodiver- os esforços de preservação no país.
sity Areas – KBA ) confirma-se a situação crítica para proteção Alguns dos mais evidentes exemplos desse simbolismo – conhe-
das espécies ameaçadas do bioma. As KBA são áreas de abran- cido como espécies-bandeira – são os macacos da Mata Atlântica,
gência local, definidas e passíveis de delimitação e, potencial- incluindo as duas espécies de muriqui (Brachyteles arachnoides
mente, de manejo para conservação, destinadas à proteção de e B. hypoxanthus) – os maiores mamíferos endêmicos do Brasil

25
mata atlântica

–, e as quatro espécies de micos-leões (Leontopithecus rosalia, Quando confrontamos a cobertura das unidades de conserva-
L. chrysopygus, L. chrysomelas, e L. caissara). Vários grupos conser- ção com a grande heterogeneidade ambiental, a variação latitu-
vacionistas iniciaram e evoluíram seu modo de atuação por meio de dinal e o elevado número de espécies ameaçadas e endêmicas, é
ações de proteção dessas espécies-bandeira. que temos noção da fragilidade e da necessidade de expansão do
sistema atual de proteção do bioma.
U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o Na porção norte, acima do rio São Francisco, não existe ne-
A Mata Atlântica se enquadra entre as regiões mais comple- nhuma unidade de conservação de proteção integral maior que
xas do mundo para a definição da cobertura necessária a ser 10.000 hectares e toda a biodiversidade dessa porção do bioma é
protegida na forma de unidades de conservação, por causa da protegida por menos de 50.000 hectares em unidades de conser-
sua altíssima diversidade biológica, elevado grau de endemis- vação de proteção integral. Por outro lado a Serra do Mar possui
mo e diversidade socioeconômica. O bioma possui 264 unida- o maior maciço florestal protegido da Mata Atlântica, e é onde
des de conservação públicas, entre estaduais e federais, que encontram-se mais de 500 mil hectares em unidades de conser-
somadas às 733 Reservas Particulares do Patrimônio Natural vação, formando um contínuo florestal entre as duas maiores
(RPPN) totalizam cerca de 2,8 milhões de hectares sob regime de metrópoles do Brasil.
proteção integral, ou seja, aquelas que possuem como objetivo Apesar das lacunas presentes, o número de áreas protegidas
primário a conservação da biodiversidade (parques nacionais e tem sido incrementado nos últimos 40 anos. Na última década
estaduais; reservas biológicas; estações ecológicas; refúgios de observou-se uma maior participação dos estados na criação de
vida silvestre). unidades. Como resultado, atualmente quase 50% da área total
As RPPN foram incluídas no Sistema Nacional de Unidades protegida no país está no interior de unidades estaduais, tendên-
de Conservação (SNUC ) no grupo de unidades de conservação cia que pode conferir maior capilaridade ao sistema.
de uso sustentável. Entretanto, devido ao veto presidencial, Um bom exemplo é o caso do Estado do Rio de Janeiro, que
no ano 2000, a um dos itens do artigo 21 da Lei que instituiu nos últimos 10 anos aumentou em mais de 60% a cobertura das
o SNUC , que possibilitava a extração de recursos naturais em unidades de conservação de proteção integral. Do Estado do Rio
uma RPPN , essa categoria tornou-se, de fato, de proteção inte- de Janeiro vem também o exemplo da participação dos municí-
gral. Sendo assim, as RPPN são tratadas aqui como unidades de pios no sistema de proteção. São mais de 170 unidades de con-
proteção integral. servação municipais, totalizando cerca de 113 mil hectares.26 Só
É importante destacar que apesar de parecer um número o Parque Natural Municipal Montanhas de Teresópolis possui
expressivo, em termos absolutos, as unidades de conservação 4.397 hectares, fazendo parte da conexão entre o Parque Nacio-
de proteção integral cobrem somente 2% do território da Mata nal da Serra dos Órgãos, o Parque Estadual dos Três Picos e ou-
Atlântica, dispersas pelos 17 estados inseridos no bioma. O tama- tras unidades.
nho dessas unidades também é um indicador dos desafios para Há inúmeras áreas de grande valor biológico, cultural, recreati-
a conservação da região a longo prazo, pois na Mata Atlântica o vo, científico, educacional, sem falar na importância que têm para
tamanho médio das unidades de proteção integral públicas é de a economia nacional, por meio dos serviços ambientais que prove-
10.000 hectares, com as RPPN do bioma apresentando uma área em e pelas atividades econômicas associadas a seu uso público.27
média de apenas 200 hectares. Entre as Unidades de Conservação mais populares, destacam-se:
Essa realidade, associada à elevada fragmentação da área 1 Parque Nacional Histórico do Monte Pascoal, no sul da
remanescente do bioma e à alta taxa de urbanização, deman- Bahia, onde está localizado o Monte Pascoal, marco do descobri-
dam o planejamento e a adoção de estratégias de manejo e con- mento do país;
servação diferenciadas e muito mais complexas, considerando 2 Parque Nacional da Serra dos Órgãos, na Região Serrana do
fatores e vetores que extrapolam os limites das próprias uni- Rio de Janeiro, local de enorme atração turística em Teresópolis;
dades. A preocupação com a cercania de uma unidade de con- 3 Parque Nacional da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, onde
servação é fundamental e, nesse sentido, não é errado afirmar está abrigado o monumento do Cristo Redentor no Morro do
que em nenhum outro bioma o conceito de zona de amorteci- Corcovado;
mento (área no entorno de uma unidade de conservação que 4 Parque Nacional do Iguaçu, que protege as Cataratas do Igua-
faz restrições às atividades humanas com o objetivo de mini- çu, reconhecido como um dos sítios do Patrimônio Natural da
mizar seus impactos negativos) tem tanta importância para a Humanidade pela UNESCO , além de ter sido eleita, recentemente,
proteção dessas unidades. uma das sete maravilhas naturais do mundo;

26
Biomas Brasileiros

5 Parques Nacionais da Serra Geral e Aparados da Serra, entre


Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com a beleza cênica dos seus
cânions, campos e florestas;
6 Parque Estadual do Rio Doce, no Vale do Aço, em Minas Ge-
rais, que protege um dos sistemas de lagos mais importantes do
país;
7 Parque Estadual da Serra do Mar, na porção leste do estado
de São Paulo, maior unidade de conservação da Mata Atlântica.

O uso sustentável
Parte significativa da Mata Atlântica remanescente – cerca
de nove milhões de hectares – é protegida por unidades do gru-
po de uso sustentável na forma de florestas nacionais e estaduais,
áreas de proteção ambiental, reservas extrativistas e outras ca-
tegorias. A área de proteção ambiental (APA ) é a categoria de uso
sustentável mais utilizada no bioma. Em geral, são áreas de gran-
de extensão, constituídas na sua maior parte por terras privadas,
com certo grau de ocupação humana e com o objetivo principal
de disciplinar o uso e ocupação da terra.
Vale sublinhar a existência de grande sobreposição entre as
unidades de proteção integral e as APA . Um parque nacional, por
exemplo, pode servir como núcleo de uma área de proteção am-
biental. As unidades de conservação de uso sustentável poderiam
complementar o sistema de proteção integral e cumprir um papel
fundamental na conservação do bioma, mas as APA , especialmen-
te, possuem grandes parcelas já antropizadas e ainda necessitam
de aperfeiçoamento nos modelos de gestão e governança para se
tornarem um mecanismo mais eficiente capaz de contribuir para
a sustentabilidade na Mata Atlântica.

A i m p o r t â n c i a da s r e s e r va s p r i va da s
No âmbito das ações de conservação, o setor privado vem as-
sumindo um papel cada vez mais importante, já que a maioria
dos remanescentes de vegetação nativa da Mata Atlântica en-
contra-se em propriedades particulares. A criação de RPPN tem
contribuído significativamente para a conservação da biodiver-
sidade, complementando os esforços do poder público. Embora
pequenas, as RPPN constituem uma excelente ferramenta para
as estratégias de formação de corredores e proteção de zonas
de amortecimento de grandes unidades públicas. Por outro lado,
em vários municípios da Mata Atlântica a única unidade de con-
servação existente é uma RPPN , que se constitui nesses casos
como a única forma de proteção dos remanescentes de biodiver-
sidade regionais.28
Hoje, no Brasil, existem mais de 1.000 RPPN , sendo que 733 Fragmen ta çã o da pa isagem na Zona da Mata
estão na Mata Atlântica, totalizando quase 150 mil hectares n ordestin a em Serra Grande | AL
protegidos pelo setor privado no bioma. Embora essas áreas

27
mata atlântica

sejam relativamente pequenas, elas atuam como importantes


elementos de conexão da paisagem natural e estão bem repre-
sentadas em todos os estados da União.
Um estudo recente avaliando a importância das RPPN para
conservação da biodiversidade identificou que, em uma amos-
tra de 127 RPPN da Mata Atlântica,29 estão protegidas cerca de
140 espécies de animais e 60 espécies de plantas listadas como
ameaçadas de extinção. Cerca de 25% das espécies de animais
oficialmente listados como ameaçados de extinção na Mata
Atlântica estão presentes nessas RPPN .
A Mata Atlântica foi pioneira no Brasil no estímulo e supor-
te a um sistema de proteção privado. Desde 2003, o “Programa
de Incentivo às RPPN da Mata Atlântica” apoia a criação e im-
plantação de reservas privadas no bioma. O programa, coorde-
nado pela Aliança pela Conservação da Mata Atlântica – uma
parceria estratégica entre a Conservação Internacional e a
Fundação SOS Mata Atlântica (organização da sociedade ci-
vil) – nasceu a partir da percepção de que havia muito interes-
se por parte dos proprietários em proteger remanescentes da
Mata Atlântica, mesmo com os pequenos incentivos disponí-
veis. O foco do programa é apoiar diretamente os proprietários
nas suas iniciativas de criação, planejamento e gestão de RPPN .
O programa promove ainda ações de treinamento e capacita-
ção, apoio a associações de proprietários de RPPN , desenvolvi-
mento de políticas de incentivo e reconhecimento às reservas
privadas, divulgação e publicação de informações sobre o tema.
Esse modelo de programa, até então inédito no mundo, serviu
de inspiração para a criação de programas similares em outros
biomas brasileiros.
A Mata Atlântica possui também bons exemplos na implan-
tação e gestão de unidades de conservação através dos chama-
dos “mosaicos”, um mecanismo de agrupamento de unidades
de conservação, públicas e privadas, próximas, justapostas ou
sobrepostas. Esse mecanismo é previsto no Sistema Nacional
de Unidades de Conservação e proporciona um grande avanço
ao reconhecer legalmente a possibilidade de integração entre
unidades de conservação de diferentes categorias, grupos e es-
feras de gestão, sem descaracterizar a individualidade e os ob- ●  Mata
jetivos específicos de cada uma que compõe o mosaico.30 ●  Mangue
Esforços conjuntos como esses são extremamente impor- ●  Restinga
tantes em regiões com o ambiente natural altamente fragmen- ● Áreas Urbanas
tado como ocorre na Mata Atlântica, ampliando o potencial ●  Lei 11.428/06 da Mata Atlântica
de conservação da biodiversidade e a manutenção de serviços
ambientais, além de prover benefícios para as pessoas que vi- Figura 2. Fun da çã o SOS Mata Atlântica &
vem próximas a essas áreas. In stituto Nacion a l de Pesquisas Espaciais, 2 011.
A Mata Atlântica possui nove mosaicos reconhecidos oficial- Rema n escen tes florestais da Mata Atlântica
mente, que totalizam 155 unidades e cerca de 3,5 milhões de hec-

28
Biomas Brasileiros

tares, distribuídos por 85 municípios. Entre eles estão: Lagamar, Mundial de Diversidade Biológica, por um grupo de ONG s, mostra
entre o sul de São Paulo e norte do Paraná (na região de Guara- que é preciso elevar significativamente os esforços e investimen-
queçaba); Jacupiranga, no sul de São Paulo; Mantiqueira, entre tos para garantir a sustentabilidade e proteção efetiva, em longo
Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro; Central Fluminense, prazo da Mata Atlântica.31
na Região Serrana do Rio de Janeiro; Foz do Rio Doce, no Espíri- É preocupante que a forte legislação em vigor não tem sido su-
to Santo; e extremo sul da Bahia. ficiente para evitar a degradação ambiental da Mata Atlântica e
que, apesar dos avanços no estabelecimento de um conjunto de
D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s medidas para a sua defesa e das várias iniciativas para torná-la
conhecida nacional ou internacionalmente, faltam, sobretudo,
Obviamente, estamos longe de vislumbrar um cenário onde ações efetivas e uma visão de longo prazo para sua conservação.
estarão garantidas a proteção da biodiversidade e a provisão dos O título de Patrimônio Nacional atribuído à Mata Atlântica pela
serviços ambientais essenciais ao bem-estar de toda a população. Constituição Federal, a criação de unidades de conservação, o
A Mata Atlântica continuará abrigando os principais eixos de de- tombamento da Serra do Mar, a indicação como hotspot mundial
senvolvimento do Brasil e ainda há muito a ser feito e investido de biodiversidade, o reconhecimento de áreas-chave como Sítios
para que seja possível garantir um desenvolvimento equitativo,
com base nos princípios da sustentabilidade, da economia verde
e da manutenção do capital natural.
Não resta dúvida de que a promoção de estratégias que levem
ao uso de recursos naturais renováveis de forma menos predató-
ria e à distribuição equitativa de seus benefícios entre a socieda-
de brasileira é um objetivo a ser perseguido como a mais alta das
prioridades. Isso apenas reforça que a proteção da biodiversida-
de, em seus diferentes níveis na Mata Atlântica, deve ser realiza-
da a partir da ação conjunta de toda sociedade.
Felizmente, a taxa de desmatamento foi significativamente re-
duzida na última década. A Mata Atlântica é hoje o bioma brasilei-
ro com os menores índices de desmatamento, segundo avaliação
do Ministério do Meio Ambiente, e do “Atlas dos Remanescentes
Florestais da Mata Atlântica”, fruto da parceria entre a Fundação
SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE ), um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. A expecta-
tiva é que a taxa de desmatamento e degradação florestal diminua
ainda mais, permitindo concentrar os esforços na recuperação das
áreas mais críticas para provisão dos serviços ambientais no bioma. Semen tes de a raticum-do-brejo (Annona crassiflora)
No entanto, mais de 80% da cobertura vegetal original da pa ra repl a n tio de Mata Atlântica | BA
Mata Atlântica já foi convertida. A pergunta que devemos fazer
é se essa destruição trouxe bem-estar de forma equitativa para a
sociedade brasileira, se o capital natural está protegido e sendo do Patrimônio Natural Mundial e o da Reserva da Biosfera da
utilizado de forma sustentável, e qual futuro podemos esperar. O Mata Atlântica ajudaram muito, mas não foram suficientes para
quadro de extrema fragmentação e degradação do ambiente na- garantir sua proteção.
tural, além dos abundantes focos de pressão do homem e de sua Existem limitações ocasionadas pela heterogeneidade dos ins-
necessidade de desenvolvimento, constitui um grande desafio trumentos legais, políticos e institucionais adotados pelos dife-
para a conservação da biodiversidade e dos serviços ambientais rentes estados da federação; à fragilidade política da área ambien-
em um hotspot como a Mata Atlântica. tal; à deficiência técnica e operacional dos órgãos governamentais
Estudos e análises têm proporcionado algumas sinalizações e de meio ambiente, à baixa governança em todas as esferas, e às
respostas a essas questões. Uma avaliação como a realizada em dificuldades para sensibilizar a população brasileira sobre a im-
2010 sobre os avanços da implantação das metas da Convenção portância e os benefícios diretos e indiretos que essa floresta lhe

29
mata atlântica

proporciona. Soma-se a esses fatores, sobretudo, a falta de inser- a compatibilização e alinhamento entre ações de mitigação e
ção do tema ambiental de forma integrada a outros pilares no pla- adaptação climática, como eixo estratégico de uma proposta de
nejamento do desenvolvimento para a região e o país. desenvolvimento regional sustentável.
A estes claros desafios no cenário atual somam-se ainda ou-
tros, bem mais difíceis de precisar e dimensionar, decorrentes R e s ta u r a ç ã o F lo r e s ta l
das mudanças climáticas em curso.
Há extensas áreas que necessitam ser restauradas e destina-
M u da n ç a s c l i m á t i c a s das à conservação, assim como áreas com significativos déficits
As mudanças climáticas não são novidade para a Mata Atlân- de Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente que de-
tica, que as tem experimentado no decorrer de sua longa história, veriam, pelo Código Florestal brasileiro, ter sua cobertura vege-
por vezes retraindo-se ou expandindo-se, em um rico processo de tal respeitada. Trata-se de áreas que, sem a cobertura florestal
interação com formações vizinhas, como o Cerrado e a Floresta original, não estão cumprindo sua função de protetora e forne-
Amazônica. No contexto atual, porém, em que a velocidade e in- cedora de serviços ambientais e, em muitos casos, estão geran-
tensidade das mudanças climáticas globais encontram forte rela- do problemas e prejuízos humanos e econômicos, como desliza-
ção com a ação humana, conjuntos inteiros de espécies localmen- mentos de encostas, enchentes e assoreamento dos rios.
te adaptadas, porém restritas a fragmentos isolados de seu hábitat Esforços estratégicos para a conservação e restauração da
remanescente, tendem a se tornar fortemente ameaçados diante Mata Atlântica fazem sentido, portanto, não somente em consi-
da potencial redução, deslocamento e/ou extinção de suas zonas deração ao cenário atual, mas, de forma crescente, em conside-
climáticas específicas, em um horizonte temporal não muito dis- ração aos desafios e incertezas dos cenários futuros. Merecem
tante, como já indicado para aves e plantas na Mata Atlântica.32 destaque, nesse contexto, não somente as ações de mitigação
Salienta-se, ainda, que estas alterações climáticas podem im- climática, através da restauração e controle das perdas florestais,
plicar também fortes impactos sociais (incidência e suscetibili- mas também o campo da Adaptação Baseada nos Ecossistemas
dade a doenças; gastos com saúde; redução da qualidade de vida; (ABE ) para o enfrentamento de mudanças climáticas, a melhoria
migração de populações)33 e mudanças no rearranjo espacial de das condições de vida e a conservação da biodiversidade.
limitações e aptidões para uma série de usos agrícolas – como o A ABE é um conceito novo, relacionado ao aproveitamento da
caso do café arábica, que na região da Mata Atlântica tende a se capacidade que os sistemas naturais têm para auxiliar na adap-
deslocar rumo ao sul ou para áreas mais elevadas. Tais impactos tação humana às inevitáveis mudanças climáticas. Visto que
geram perdas econômicas, por um lado, e interferem diretamen- os sistemas naturais proveem múltiplos benefícios de adapta-
te nas opções de conservação e restauração florestal. ção, em muitos casos a relação custo-efetividade envolvida é
É importante ter em vista que os efeitos das mudanças climá- potencialmente muito maior do que a de soluções obtidas por
ticas tendem a intensificar não somente as pressões sobre a con- meio de grandes obras de engenharia para este fim. Ainda as-
servação da biodiversidade, mas, de forma lógica, também sobre sim, estas opções tendem a ser negligenciadas. Para isso se con-
os serviços ambientais que a Mata Atlântica nos fornece, impac- cretizar é preciso o desenvolvimento de sistemas de governan-
tando assim, direta e indiretamente, a economia e outras várias ça apropriados e alto nível de integração entre diversos setores
dimensões do bem-estar humano. Da contenção de encostas à da sociedade.
proteção de solos e cursos d’água, da mitigação e amenização cli- Estudos indicam que seria necessário restaurar pelo menos
mática ao papel na polinização e produção agrícola, os exemplos 15 milhões de hectares na Mata Atlântica, visando proteger a
da nossa dependência dos serviços ambientais florestais são biodiversidade, assegurar a base de recursos e serviços ambien-
inúmeros, ainda que insuficientemente entendidos, dimensio- tais que sustenta a prosperidade socioeconômica do país e dar
nados e valorados. mais segurança e bem-estar às populações humanas.34 A Mata
No cenário das mudanças climáticas, no entanto, nem tudo Atlântica possui mais de 30 anos de experiências e ações de
são problemas para a Mata Atlântica. O contexto de amplas ex- restauração florestal, além de abrigar os principais centros da
tensões de pastagens marginalmente produtivas e terras com ciên­cia da restauração no país.35 Mas apenas a ciência não é
vocação florestal degradadas, a existência de importantes paisa- suficiente para enfrentar esse enorme desafio de restaurar mi-
gens agrícolas, a significativa representação de segmentos cor- lhões de hectares. Para isso, novamente, é fundamental que as
porativos, mercados consumidores e centros de excelência aca- ações sejam integradas e que exista uma mobilização da socie-
dêmica trazem à Mata Atlântica oportunidades excelentes para dade como um todo.

30
Biomas Brasileiros

Pac to p e l a R e s tau r a ç ã o da M ata At l â n t i c a


O espírito de cooperação e mobilização faz parte da essên-
cia do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica,36 uma iniciati-
va lançada em 2009 e que conta hoje com a adesão de mais de 200
instituições atuantes no bioma – organizações da sociedade civil,
governos, empresas, centros de pesquisa e outros.
O Pacto tem como objetivo integrar pessoas e instituições
para restaurar a Mata Atlântica, em larga escala, em paralelo com
os esforços de conservação dos remanescentes de Mata Atlânti-
ca. A premissa do Pacto não é apenas baseada na recuperação da
cobertura florestal, mas na execução dessa imensa tarefa promo-
vendo, simultaneamente, resultados efetivos em conservação da
biodiversidade, geração de trabalho e renda, manutenção e com-
pensação por serviços ambientais e adequação ambiental e regu-
larização da produção agropecuária.
Além disso, o Pacto está promovendo a troca de experiências
e o compartilhamento de informações para melhorar a qualida-
de e a eficiência dos projetos de restauração. Também está sendo
investido grande esforço no desenho e validação de metodologias
para o monitoramento das áreas em restauração, induzida ou na-
tural, garantindo com isso o bom uso dos recursos públicos e pri- Desmata men to il ega l de madeira no sul da Bahia | BA
vados aplicados na restauração e na proteção dos atuais e novos
remanescentes florestais.
duzido no Brasil o “Diálogo Florestal”, que teve a Mata Atlântica
O pa p e l d o s e to r p r i va d o como primeiro alvo da iniciativa.37
A participação do setor privado é condição básica para o su- O Diálogo Florestal reúne empresas do setor florestal e orga-
cesso das estratégias de conservação, restauração e desenvolvi- nizações ambientalistas, com o objetivo de construir uma visão
mento na Mata Atlântica, em qualquer panorama que se conside- comum entre esses setores que leve a ações economicamente vi-
re. Atividades industriais, agropecuárias, florestais, minerárias e áveis e aumente a escala dos esforços para a conservação do meio
de serviços dominam o cenário econômico e a paisagem do bio- ambiente, gerando benefícios para os participantes da iniciativa
ma. Nos próximos anos, os investimentos privados na região da e para a sociedade em geral. O Diálogo Florestal visa manter e
Mata Atlântica ultrapassarão US $ 500 bilhões. Somente no es- consolidar um espaço de diálogo proativo para gerar resultados
tado do Rio de Janeiro serão, até 2013, cerca de US $ 115 bilhões concretos, em campo e em larga escala, para a conservação dos
de investimentos previstos para diversas obras e instalações in- recursos naturais, ao mesmo tempo em que contribuem para a
dustriais. Os grandes investimentos portuários e seus complexos melhoria da qualidade de vida humana e influenciam a adoção de
industriais vinculados, como Suape, em Pernambuco, e Porto do políticas públicas que favoreçam a proteção e a sustentabilidade
Açu, no Rio de Janeiro, terão investimentos expressivos nos pró- dos recursos naturais.
ximos anos. Especialmente importante é a integração da proteção da bio-
Existe interesse crescente do setor privado em se adequar am- diversidade com as atividades agropecuárias. Questões relacio-
bientalmente e implantar restrições que vão além da legislação nadas à conservação e fornecimento de água, provisão de ali-
ambiental, tanto por imposição dos processos de licenciamento mentos, mudanças climáticas, proteção de espécies, serviços
e operação quanto por pressão de mercado e da sociedade em ge- ambientais, todas convergem no setor agrícola e constituem
ral que, cada vez mais, cobra mecanismos de produção e desen- elementos-­chave para o bem-estar humano.
volvimento mais limpos e menos impactantes. O setor florestal Há exemplos de projetos que buscam aproximação com empre-
no Brasil, por exemplo, tem demonstrado um importante proces- sas, cooperativas e associações de produtores rurais, procurando
so de reavaliação da forma de atuar, ocupar espaços e utilizar os minimizar os impactos dessas atividades produtivas sobre a bio-
recursos naturais. Neste contexto, desde 2005, vem sendo con- diversidade e buscando formas de melhorar a produção ao passo

31
mata atlântica

que medidas de conservação são adotadas. e a influência das decisões de proprietários particulares – deve
Tem crescido também a importância de trabalhos ser fácil compreender a necessidade de estabelecimento de um
integrados na Mata Atlântica de implantação e moni- sistema de compensações para os proprietários privados que
toramento da adequação agrícola e am- contribuam, com suas ações e decisões, para a manutenção e me-
biental de propriedades rurais, visando à lhoria da saúde ambiental da bacia hidrográfica onde se localiza
conservação e à restauração da vegetação seu imóvel.38
nativa associada ao aumento da produção Na Mata Atlântica, os serviços ambientais mais evidentes es-
O estado do Espírito Santo foi econômica da atividade agropecuária. É tão relacionados com a água, o clima e a biodiversidade. Instru-
pioneiro na implantação de um um grande desafio fazer essa integração mentos legais vêm sendo desenvolvidos e propostos em todos os
programa de PSA (Pagamento por
e conseguir mudanças em sistemas tão níveis de governo para regulamentar programas de pagamento
Serviços Ambientais) lastreado
por uma lei específica e viabilizado arraigados e tradicionais. É o que preten- por serviços ambientais. Seis estados da Mata Atlântica já pos-
por um fundo próprio. Iniciado em dem, por exemplo, o Programa Reflorestar, suem algum mecanismo legal relacionado a serviços ambientais
2009, “ProdutorES de Água” abrange no Espírito Santo, e o Programa Rio Rural e programas com investimentos e orçamentos anuais (Espírito
hoje as bacias dos rios Benevente,
no estado do Rio de Janeiro. Santo; Minas Gerais; Paraná; Rio de Janeiro; Santa Catarina; e
Guandu e São José, estas últimas
integrantes da bacia do Rio Doce, uma São Paulo). Outros, como Bahia, Pernambuco e Rio Grande do
das mais degradadas do mundo. >>> S e r v i ç o s a m b i e n ta i s Sul, estão discutindo a adoção de programas nessa linha. Em
Seguindo a tendência mundial, o avaliação sobre iniciativas relacionadas a serviços ambientais
foco de conservação no bioma tem con- realizada recentemente na Mata Atlântica,39 foram identificadas
vergido para a proteção e restauração dos serviços ambientais mais de 40 iniciativas, em fase de planejamento, implantação ou
e para o desenvolvimento de uma economia que incorpore a di- operação, relacionadas à água e/ou carbono. Os projetos associa-
mensão ambiental de maneira adequada. Nesse contexto, a ado- dos à água envolvem restauração de 40 mil hectares e beneficiam
ção de ferramentas e mecanismos para valoração e compensa- 28 milhões de pessoas, já que estão próximos a regiões metropo-
ção dos serviços ambientais apresenta-se como um instrumento litanas densamente povoadas.
promissor para uma gestão ambiental exitosa e ao mesmo tempo Existem ainda diversas experiências bem-sucedidas de pa-
geradora de novas fontes de renda, para avançar na proteção do gamento por serviços ambientais (PSA ) no Brasil. Em quase sua
meio ambiente. totalidade, as estratégias são voltadas para recuperação de áreas
Há grande potencial para aplicação de projetos de serviços degradadas e consequente melhoria da qualidade e quantidade
ambientais no bioma Mata Atlântica por vários motivos. Sua de recursos hídricos nas bacias hidrográficas. Na região do Sis-
rica biodiversidade, uma dinâmica favorável do mercado, a ele- tema Cantareira, responsável pelo abastecimento de aproxima-
vada capacidade técnica e institucional, a alta concentração de damente 50% da população da Região
recursos humanos e financeiros e a grande demanda de recursos Metropolitana de São Paulo (cerca de 9
naturais são características que favorecem a inovação e tornam milhões de pessoas), dois projetos de PSA >>> O programa adota o princípio do
“produtor-recebedor” e paga anualmente
o bioma uma região promissora para o desenvolvimento e aper- estão em andamento para implantar na a produtores rurais pela manutenção
feiçoamento de estratégias relacionadas a serviços ambientais. prática o conceito de “produtor de água” e conservação de remanescentes
Sabendo que os ecossistemas naturais, especialmente nas desenvolvido pela Agência Nacional de florestais encontrados em áreas críticas
para os recursos hídricos e já contabiliza
regiões tropicais do planeta, são fundamentais para o balanço Águas (ANA ). Este conceito pressupõe a
resultados de recuperação ambiental.
hídrico e para a disponibilidade de água, é fácil entender a im- remuneração de produtores rurais, que
portância de uma remuneração ou compensação pelos serviços através de práticas de conservação de
de proteção e salvaguarda do bom funcionamento das áreas que solo, conservação e restauração florestal
protegem ou produzam água, estejam eles sob responsabilidade prestam os serviços ambientais de me-
de indivíduos ou de instituições, públicas ou privadas. Não se lhoria da qualidade da água (através do
trata de “pagar pela água” em si, mas incorporar à contabilidade abatimento da erosão) e regularização
dos negócios e do dia a dia os investimentos e ações necessárias de vazão (pelo aumento da infiltração da
para assegurar o suprimento de água na qualidade e quantidade água no solo).
demandadas, em longo prazo. Um desses projetos acontece no município de Extre-
Ao transpor este princípio para a realidade da Mata Atlântica ma, no estado de Minas Gerais, pioneiro no pagamen-
brasileira – onde mais de 80% da área encontra-se sob o domínio to por serviços ambientais no Brasil. As ações

32
Biomas Brasileiros

Pa rque Esta dua l da Serra do Ma r - Nucl eo Sã o Sebastião | SP

33
mata atlântica

do projeto “Conservador das Águas” têm como objetivo implantar Mesmo com obstáculos e desafios, se consideramos os cená-
o pagamento por serviços ambientais por meio da adequação am- rios sociais, políticos e econômicos do Brasil e do mundo, o am-
biental das propriedades rurais das sete sub-bacias hidrográfi- biente é favorável para avançarmos na proteção e recuperação da
cas do rio Jaguari, inserido no município. O outro projeto de PSA Mata Atlântica. Vale destacar a inserção da economia verde nas
no Sistema Cantareira, realizado com apoio direto e recursos do discussões globais, a adequação às novas políticas ambientais e
Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e setoriais para a promoção da sustentabilidade, a promoção de
Jundiaí (Comitê PCJ), acontece nos municípios de Nazaré Paulis- mecanismos de restauração florestal em larga escala, o forte en-
ta e Joanópolis, no estado de São Paulo. As secretarias estaduais volvimento do setor privado na conservação da biodiversidade e
de Agricultura e de Meio Ambiente do estado de São Paulo, a The a implantação de politicas, estratégias e mercados para os servi-
Nature Conservancy (TNC ) e a ANA são parceiras dessa iniciativa, ços ambientais.
que também é tratada como um projeto para o desenvolvimento da O alto nível de desenvolvimento econômico da Mata Atlânti-
política estadual de serviços ambientais. ca demanda grandes volumes de água, o que gera problemas de
A primeira replicação do conceito “produtor de água” fora abastecimento. A Região Hidrográfica do Atlântico Sudeste (uma
do Sistema Cantareira, escorado na cobrança pelo uso da água, das regiões hidrográficas do país definidas pela Agência Nacional
tem lugar no estado do Rio de Janeiro, onde o Instituto Terra de de Águas – ANA ), por exemplo, possui uma das menores dispo-
Preservação Ambiental, em parceria com a TNC , o Instituto Es- nibilidades relativas de água do país, e é onde se concentram as
tadual do Ambiente, a Prefeitura Municipal de Rio Claro e o Co- indústrias e as maiores regiões metropolitanas do Brasil. Nesse
mitê da Bacia do rio Guandu, executa o projeto “Produtores de contexto, promover o uso sustentável dos recursos hídricos na
Água e Floresta”. O projeto está sendo realizado no município região, garantindo seu aproveitamento múltiplo e solidário, re-
de Rio Claro, e tem um papel estratégico, pois é desenvolvido na presenta um grande desafio.
bacia do rio Guandu, responsável por 80% do abastecimento de Mas para superarmos esses desafios e alcançarmos resultados
água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e que contribui efetivos de conservação e bem-estar da sociedade, é condição es-
também para a geração de energia hidrelétrica. sencial em qualquer território a integração de agendas e a con-
As iniciativas de PSA que estão sendo executadas na Mata vergência das esferas humana, institucional, política e econômi-
Atlântica vão gerar modelos que poderão, em pouco tempo, ser- ca, tendo como base a proteção e manutenção do capital natural.
vir de base para novas formas de atuação para o desenvolvimento A Mata Atlântica é considerada o berço do movimento am-
de serviços ambientais com proteção e restauração de florestas. bientalista brasileiro e nela se concentram as mais conceituadas
Muitos dos esforços para restauração em paisagens agrícolas po- universidades, diversos centros de pesquisas e importantes orga-
dem convergir com ações de programas e projetos para pagamen- nizações do terceiro setor dedicadas à agenda ambiental. O bio-
to por serviços ambientais. Arranjos de pagamento por serviços ma também possui enormes investimentos do setor empresarial,
ambientais podem também ser uma importante ferramenta para abriga os estados mais desenvolvidos do país, possuindo uma
manter as unidades de conservação. Algumas iniciativas estão economia em forte crescimento e com potencial para a inovação
avançando nesse sentido, especialmente na aplicação do princí- e empreendedorismo.
pio do “Protetor-Recebedor” em unidades de conservação prove- Agora, mais do que nunca, as milhões de pessoas que vivem e
doras de água para regiões metropolitanas na Mata Atlântica. É dependem desse bioma continuarão precisando da floresta para
o caso do Parque Estadual dos Três Picos,40 na região serrana do prover-lhes água, amenizar o clima, oferecer espaços de lazer e
Rio de Janeiro, mas com influência sobre a Região Metropolitana recreação e servir como proteção natural contra eventos climá-
da cidade do Rio de Janeiro, e o Parque Estadual de Dois Irmãos, ticos extremos.
na Região Metropolitana de Recife, em Pernambuco.

34
Biomas Brasileiros

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35
mata atlântica

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36
Biomas Brasileiros

Sa íra-sete-cores ( Tangara seledo n) n a á rea de P roteção


Ambien ta l da Serrin h a do Al a mba ri | RJ

37
mata atlântica

40
Biomas Brasileiros

acima : Cogumelos sobre tron co n a Mata Atl â n tica –


Pa rque Nacion a l de Itatia ia | RJ

pá gin a ao l a do: B á culo de sa ma mba ia ( Neph ro lepis sp. )


n o Pa rque Esta dua l Ca rlos B otel h o | SP

pá gin as 38 -39: Cata ratas n o Pa rque Nacion a l do Igua çú -


Patrimôn io Natura l da Huma n ida de | P R

41
mata atlântica

42
Biomas Brasileiros

43
mata atlântica

acima : P reguiça-de-col eira com fil h ote ( Bradypus to rq uatus),


espécie a mea ça da de ex tin çã o – Ita bun a | B A

pá gin a ao l a do: O mico-l eã o-doura do


( Leo n to pith ecus rosalia) é en dêmico da Mata Atl â n tica
de ba ixa da costeira do Rio de Ja n eiro |RJ

pá gin as 42-43: Mata Atl â n tica n o Va l e do Último Adeus –


Pa rque Nacion a l de Itatia ia | RJ

44
Biomas Brasileiros

45
mata atlântica

48
Biomas Brasileiros

acima : Tuca n o-de-bico-verde


( Ramph astos dico lo rus) – Foz do Igua çu |P R

pá gin a ao l a do: Rio Itin guçu – Esta çã o


Ecol ógica Juréia-Itatin s | SP

pá gin as 46-47: Morro do Corcova do e floresta da


Tijuca n o Pa rque Nacion a l da Tijuca | RJ

49
mata atlântica

acima : Muriqui-do-n orte ( Brach yteles h yp oxan th us)


n a Esta çã o B iol ógica de Ca ratin ga | MG

pá gin as 50-51: Mata de ta bul eiro da Reserva Natura l


Va l e em Lin h a res | ES

52
Biomas Brasileiros

acima : Mico-l eã o-de-ca ra-doura da


( Leo nto pith ecus ch ryso melas) | SP

pá gin as 54-55: P ra ia do Gua rauzin h o e do Arpoa dor


n a Esta çã o Ecol ógica Juréia-Itatin s | SP

53
O
2 cerrado
R o b e r to Br a n d ã o C ava lc a n t i • G i n a C a r d i n ot
Pa u l a C e ot to • R e n ata S . P i n h e i r o

mais ricos do
C e r r a d o é u m d o s b i o m a s t r o p i c a i s
mundo, de diversidade comparável à das florestas úmi-
das, como a Amazônica e a Atlântica. Abriga, entre mui-
tas nascentes, a do gigante rio São Francisco, além de
mais ou menos um terço de todas as espécies do Brasil.
Dentre os biomas brasileiros, é um dos mais investiga-
dos pela ciência (especialmente sob os prismas biológico e agrí-
cola)1 e constitui um dos 35 hotspots de biodiversidade do mundo:
uma região que combina uma grande diversidade e exclusividade
de espécies com um elevado grau de degradação dos seus hábi-
tats naturais.
Além da relevância do bioma por sua alta diversidade bioló-
gica, o Cerrado também é um marco referencial para a história
da Ecologia no Brasil. Apesar de sua ocupação ser considerada
tardia (se, por exemplo, comparada à da Mata Atlântica), ao des-
crever em detalhes no livro Lagoa Santa, de 1892, um trecho de
Cerrado no estado de Minas Gerais, seu autor, o botânico dina-
marquês Eugene Warming, o colocou no papel de bioma funda-
dor dessa ciência no país.
Apesar de o cerrado propriamente dito ser a forma de vegetação
que dá nome e que, em grande medida, caracteriza o bioma, este
tipo de savana é apenas uma das variedades que se alternam na
paisagem do bioma. Essa forma combina a savana com estrato de
gramíneas junto ao solo e árvores dispersas de diversos tamanhos
formando copas abertas e pouco sobrepostas. Outras formações tí-
picas são os campos limpos de gramíneas, os campos rupestres de
altitude em áreas de afloramentos rochosos, o campo cerrado, as
bioma cerrado estados abrangentes

2 milhões km2 / 28 milhões de habitantes


metade de todas as espécies de répteis brasileiros,
sendo 17% exclusivas
Biomas Brasileiros

Co br a cip ó-b icuda (Oxybelis aeneus) n o Pa rque Esta dua l do Jalapão | TO

veredas de palmeira-buriti, assim como o cerradão (um cerrado ca de metade da avifauna brasileira, sendo 30 endêmicas. Entre
denso, de porte alto, com poucas gramíneas). Embora não sejam de os mamíferos, mais de 200 espécies, com 10% de exclusivismo;
origem savânica, existem no bioma as matas mesofíticas, as matas dentre os répteis, contam-se 180 espécies, a metade do total bra-
secas, e as matas de galeria e ripárias ao longo dos rios. Estes diver- sileiro, e 17% de endemismo.
sos tipos de vegetação formam trechos de florestas que, em geral, Estudos adicionais corroboram o alto grau de riqueza do bioma
são a conexão biogeográfica entre o Cerrado e a Amazônia, e entre no âmbito local: para abelhas, das 2.385 espécies da região neotro-
o Cerrado e a Mata Atlântica, e que se distribuem tipicamente na pical, cerca de 820 ocorrem no Cerrado e, destas, 502 km2 foram
forma de mosaico, produzindo extensas bordas e contatos. registradas no Distrito Federal, que tem apenas 5 mil km2 de área.
Estima-se que na região haja mais de 12 mil espécies de plan- Diversos fatores biogeográficos e ecológicos explicam essa
tas, sendo 44% endêmicas.2 Embora sem números exatos, calcu- diversidade. Em primeiro lugar, o Cerrado beneficia-se do pró-
la-se que quase a totalidade das ervas, ou plantas herbáceas, seja prio histórico da América do Sul, continente que esteve isolado
também exclusiva da região. Quanto às aves, há 856 espécies, cer- dos demais por cerca de 65 milhões de anos, principalmente no

59
cerrado

Rio n as p rox imida des de Ba rreiras | BA

período Terciário, e que ainda hoje se conecta com a América do das gramíneas ao reduzir o avanço da vegetação lenhosa e, por-
Norte de forma bastante limitada. Existe assim uma biota anti- tanto, mantém a coexistência entre os dois estratos. Além disto, a
ga que evoluiu de forma independente. Ainda dentro da Améri- biomassa das gramíneas é o principal combustível para o fogo no
ca do Sul, as terras altas e chapadões do Planalto Central se so- Cerrado, que, ao contrário dos incêndios florestais que se propa-
ergueram ao final do Terciário, levando a uma fragmentação da gam pelas copas das árvores combustíveis e formam grandes con-
paisagem e isolamento em relação aos biomas abertos vizinhos flagrações, ocasiona queimadas mais rentes ao solo. A constante
como Caatinga e Chaco. Existe dentro do Cerrado uma notável dos incêndios é outro fator que explica a diferenciação de parte da
variação de tipos de solo, topografia, e uma dinâmica histórica flora da região. Dados recentes indicam que as espécies de plan-
de contração e expansão da distribuição de espécies e ecossis- tas lenhosas do Cerrado começaram a se diferenciar nos últimos
temas ao longo do tempo. Em termos ecológicos, os principais 10 milhões de anos e mais aceleradamente entre 5 e 2 milhões de
elementos são a presença do fogo, a formação em mosaico dos anos atrás. Essas eram oriundas de espécies florestais que ocupa-
ecossistemas, e as amplas vias de interpenetração e contato com ram as savanas e divergiram das populações originais ao desenvol-
os biomas vizinhos. ver adaptações que permitiam resistência ao fogo.3
Independente da região, a presença de fogo é considerada es- Dispostos em forma de mosaico, os ambientes do Cerrado
sencial nas savanas, pois as queimadas favorecem a persistência criam extensas bordas de contato entre ecossistemas diversos:

60
Biomas Brasileiros

de matas a campos limpos e cerrados. Essa característica tem Assim, há trabalhos que indicam a presença dos ecossistemas
especial relevância para a fauna, mais diretamente para as aves. de cerrado no Brasil Central há mais de 36.000 anos.6 A desapari-
As migrações e dispersão locais entre hábitats distintos são um ção desse cenário se deve a uma alternação de climas que se teria
fenômeno regular que, estimulado pela contiguidade e pela va- dado a partir de 22.000 anos atrás, quando iniciou-se uma fase
riação sazonal, toca a disponibilidade e oferta de alimento. Por seca que atingiu seu máximo entre 14.000 e 10.500 anos antes do
outro lado, a capacidade limitada de dispersão de muitas plantas presente, perdurando até 7.000 anos atrás. O clima voltou a ser
e de certos animais, e a microbiota são fatores que estimulam a semiúmido apenas nos últimos 5.000 anos. Tudo indica que os
heterogeneidade das comunidades, favorecendo conjuntos dis- grandes mamíferos experimentaram um período de fortes mu-
tintos de espécies que se mantêm em áreas restritas. Assim, en- danças no clima e na vegetação, e que o auge do período seco
contramos grandes variações na composição de cerrados situa- coincidiu justamente com a época de extinção desses animais.
dos a pequenas distâncias uns dos outros. Além disto, a presença de tribos humanas de caçadores na região
Finalmente, a topografia do Cerrado facilita uma extensa pode ter contribuído em maior ou menor grau para o declínio fi-
penetração do bioma nos vizinhos Mata Atlântica, Amazônia nal desta megafauna.
e Caatinga. Os grandes tributários da margem direita do Ama-
zonas, como o Tapajós, Xingu e Tocantins, nascem e percorrem Abrangência
boa parte do seu curso no Cerrado, e suas matas ribeirinhas atu-
am como corredores de conexão entre a planície amazônica e o O Cerrado ocupa cerca de 2 milhões de km2, ou 22% do terri-
planalto. Da mesma forma, as nascentes dos rios das bacias do tório brasileiro, e se situa no coração da América do Sul. Em ex-
Paraná e Paraguai se estendem até a área central dos cerrados, tensão, entre os biomas brasileiros, o Cerrado fica atrás apenas
permitindo a dispersão de espécies de Mata Atlântica ao longo da Amazônia.
destes cursos. As faunas e floras dos cerrados e da Caatinga se No Brasil, o Cerrado ocorre nos estados de São Paulo, Minas
substituem nos extensos sistemas da margem esquerda do rio Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia,
São Francisco, onde as matas secas apresentam afinidades bio- Maranhão, Piauí, e no Distrito Federal. Além disso, incorpora ain-
geográficas distintas. da partes do território de países vizinhos como Bolívia e Paraguai.
Apesar dos notáveis avanços da ciência brasileira e da gran-
de atenção que o Cerrado tem recebido por estudos biológicos, Urbanização
o bioma ainda carece de mais estudos, assim como outras tan-
tas regiões de elevada biodiversidade do Brasil. Um bom exem- Ainda no século XVI, quando os portugueses cruzaram o oce-
plo é a revisão4 sobre o período de 1988 a 2008 (um intervalo de ano Atlântico e iniciaram a ocupação do Brasil pela costa e pela
20 anos), que revelou um total de 1.300 espécies de vertebrados. Mata Atlântica, começaram as incursões ao Cerrado brasileiro,
Mais de um quarto desse total, cerca de 340 espécies, foram especialmente a busca por minerais preciosos. Os primeiros po-
descobertas em localidades do Cerrado. Ao todo, foram descri- voados permanentes se instalaram no início do século XVIII , as-
tas 222 novas espécies de peixes, 40 novos anfíbios, 57 répteis, sociados à exploração de ouro, que foi gradualmente cedendo lu-
27 mamíferos e 1 ave. Embora expressivos, tais números reve- gar à pecuária e à agricultura de subsistência, na medida em que
lam apenas uma pequena parte do que pode existir no Cerrado, as minas se exauriam.7 Assim se iniciou o ciclo de ocupação e ex-
pois grupos como os invertebrados, plantas e fungos são muito ploração desse bioma.
menos estudados do que os vertebrados. Apesar das diversas expedições de reconhecimento do sertão
Se esse painel já parece muito rico, vale imaginar que a di- do Brasil (realizadas a partir do século XVII ), até a década de 1960
versidade do Cerrado tal como a conhecemos hoje já foi ainda grande parte da região do Centro-Oeste brasileiro era habitada
maior: até 10 mil anos atrás, uma megafauna de dezenas de espé- somente por comunidades indígenas. Além das dificuldades de
cies de grandes mamíferos como preguiças-gigantes, com mais acesso e de sobrevivência nos ambientes tropicais, causa do fra-
de 3 m de altura, tatus-gigantes, pesando mais de uma tonelada, casso de muitas das tentativas de atravessamento da região, tam-
mamutes, cavalos, ursos e até camelos estavam presentes no bio- bém os conflitos com os povos indígenas resultaram na morte de
ma.5 Por meio da análise dos pólens encontrados no fundo dos la- muitos expedicionários e índios.
gos e lagoas da região, é possível obter-se uma série histórica dos A entrada do Centro-Oeste no cenário nacional é recente, e se
tipos de vegetação, e sua relativa extensão, e fazer inferências so- deve ao estabelecimento de uma política de incorporação econô-
bre os climas passados. mica da região e de sua integração ao Norte e ao Sul do país. 8 Essa

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cerrado

política gerou conflitos com diversos povos Caçadores e coletores que realizavam prolongadas excursões pela
indígenas, que precisaram ser deslocados para re- zona central do Cerrado brasileiro em busca de alimentos, os Xa-
servas hoje chamadas de Terras Indígenas, enquanto vante foram contatados na década de 1940. O período imediata-
suas terras e demais áreas circundantes mente pós-contato foi marcado por epidemias e confrontos que
eram liberadas à exploração pela socie- resultaram em acentuada redução da população. A partir das dé-
dade nacional.9 cadas de 1970 e 1980 iniciaram-se as demarcações de suas terras
O Cerrado abriga uma ampla dimensão
da miscigenação brasileira, constituindo A ocupação e a exploração de territó- e, em 2007, a tribo totalizava cerca de 13.000 indígenas, em 165
um importante reduto da diversidade rios indígenas, através de projetos de co- aldeias espalhadas de maneira bastante desigual por cada uma
cultural brasileira, com a presença lonização fomentados pelo governo, e da das nove terras Xavante. Hoje tal padrão tradicional de excursões
de dezenas de povos indígenas cujos
abertura de rodovias para viabilizar a in- praticamente desapareceu, por conta da significativa redução das
registros históricos remontam há
milhares de anos. Sob constante tegração nacional, resultaram em uma terras disponíveis e do estoque de caça ali existente, mas eles se-
ameaça, frente ao avanço da fronteira drástica redução populacional dos índios. guem realizando viagens de caça e pesca mais curtas, se ausentan-
agropecuária, do agronegócio, da As doenças trazidas pelos brancos, no do da aldeia por uma ou duas noites. Apesar do contato com a so-
produção de biocombustível e dos
grandes projetos de infraestrutura, as
contato entre os povos indígenas e os não ciedade que os cerca, a cultura Xavante continua a se manifestar
Terras Indígenas encerram hoje as indígenas, e os conflitos que se seguiram com extrema vitalidade, sendo retransmitida de geração em gera-
maiores extensões de Cerrado em pé. estão também entre as principais causas ção através da língua e de inúmeros mecanismos sociais, cosmo-
da alta taxa de óbitos dentre esses povos. lógicos e cerimoniais.11
O desmatamento tem avançado em direção às Terras Indí-
Demografia genas da região e a Maraiwatsede é um dos casos emblemáticos
deste avanço. A maior parte de sua área está ocupada ilegalmen-
As estimativas sobre a demografia indicam que existem entre te por fazendeiros e posseiros não indígenas, majoritariamente
20 e 28 milhões de habitantes no Cerrado (dependendo de quais criadores de gado e produtores de soja e arroz, que contribuem
municípios são levados em conta no cálculo), e que cerca de 75% com o desmatamento, o assoreamento dos rios, a contaminação
do total seja urbana. de solos e cursos d’água e a consequente intoxicação da popula-
Ainda que hoje cerca de 4% do bioma esteja protegido em re- ção Xavante.12
servas indígenas, a população nativa da região diminuiu de esti-
mados 500.000 habitantes no ano 1500, para cerca de 40.000 em Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o
1980, ou seja, chegaram a apenas 8% de remanescentes. Já no
final dos anos 1980, com o reconhecimento dos direitos indíge- Se considerarmos que o Cerrado responde por cerca de 30%
nas no art. 231 da Constituição Federal de 1988 e com a demar- do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas que seu Índice de
cação de muitas terras, as populações indígenas, de um modo Desenvolvimento Humano (IDH) é ainda menor que o valor na-
geral, passaram a aumentar com uma taxa de crescimento po- cional, fica nítido que o quadro socioeconômico precisa se tornar
pulacional que atingiu a média de 3,5%. Assim, o que se observa mais equitativo, inclusivo e respeitoso dos limites da natureza.
nos censos produzidos pelo IBGE de 1991 a 2010 é que a popu- Em 2008, o IDH médio dos estados ocupados predominantemen-
lação autodeclarada indígena na região do Centro-Oeste passou te pelo Cerrado era equivalente a 0,768, ou seja, estava abaixo da
de 52.735 a 130.494. No país, a população indígena total subiu então média brasileira de 0,771 (incluindo o Distrito Federal).
para 817.963.10 Um estudo realizado em 2011 comparou os municípios do
Além da marcante contribuição da cultura indígena, a mesti- Brasil quanto ao chamado Índice Firjan de Desenvolvimento
çagem com africanos e europeus, e a mistura de seus costumes Municipal, que nada mais é que um Índice de Desenvolvimen-
como danças, ritmos e ritos fazem do bioma o abrigo para um to Humano simplificado e que leva em conta quatro indicado-
conjunto de traços culturais peculiares porém variados, tornan- res: renda, emprego formal, saúde e educação. O estudo indica
do a afirmação de uma cultura típica do Cerrado motivo de con- que a região Centro-Oeste, apoiada na expansão da fronteira
trovérsia entre especialistas. agrícola e seu impacto no emprego, saiu de um patamar de de-
senvolvimento similar ao do Norte e Nordeste e se aproximou
O s í n d i o s X ava n t e àquele do Sudeste. O destaque foi a Cidade de Lucas do Rio Ver-
Alguns dos habitantes notórios do Cerrado são os povos in- de (MT ), que ficou na oitava posição, quebrando a hegemonia das
dígenas falantes de línguas do tronco Macro-Jê, como os Xavante. cidades paulistas.

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Biomas Brasileiros

Artesa n ato de ca p im doura do n a comun ida de Mumb uca | TO

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cerrado

P i ca- pau d e banda bra n ca ( D ryocopus lin eatus) – Mata cil ia r do Rio Preto, cerrado do oeste baiano | BA

Ec o n o m i a (variedades de espécies agrícolas mais bem-adaptadas e, portan-


to, mais produtivas) para o Cerrado. As vantagens naturais da re-
Hoje, o Cerrado brasileiro é um dos principais celeiros de gião com solos relativamente planos e profundos e a boa preci-
produção agropecuária no planeta. Se por um lado isso é moti- pitação, associadas a uma nova rede de rodovias, levaram a uma
vo de honra e orgulho para qualquer brasileiro, por outro lado o dramática ocupação e aumento de produtividade no Triângulo
modelo de expansão produtiva adotado vem tendo um alto custo: Mineiro, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins,
ele infelizmente tem posto em risco a rica e peculiar biodiversida- oeste da Bahia e, mais recentemente, no Maranhão e sul do Piauí.
de do Cerrado e todos os serviços ambientais que ela salvaguarda. Assim, o Cerrado produz hoje mais de 50% da safra nacional de
O uso da paisagem privilegiou as atividades extensivas, ou seja, soja, o que constitui mais de 7% da pauta exportadora do país, su-
atividades de baixa intensidade sobre grandes áreas. Os princi- perado apenas pelo minério de ferro.
pais atores desse cenário são tanto os povos indígenas caçadores- As paisagens abertas do Cerrado também facilitaram a con-
-coletores, com uso limitado da agricultura, como mais recente- versão das pastagens naturais em pastos plantados com gramí-
mente as atividades de pecuária extensiva e mineração de ouro e neas africanas exóticas, abrindo caminho para a expansão agrí-
diamantes, típicas da colonização dos séculos XVII a XIX . cola e agroindustrial. O avanço da cana-de-açúcar em São Paulo
A construção de Brasília, em 1960, representou um enorme e a demanda de carvão vegetal para as siderúrgicas de Minas
impulso no desenvolvimento de técnicas agrícolas para neutra- Gerais levaram rapidamente a perdas colossais na cobertura
lizar e fertilizar os solos do Cerrado, e a adaptação de cultivares de cerrado nativo.

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Biomas Brasileiros

U s o s d o s o lo maior expoente em produção de carne.18 Em 2010, das 22 milhões


de cabeças abatidas no Brasil, 55,4% vinham dos estados do Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás e Minas Gerais, lí-
A c u lt u r a d e s oj a deres no ranking de abate.19 Em 2011, o Mato Grosso manteve o
Ao longo das últimas cinco décadas, o Cerrado sofreu uma re- posto de principal estado em abate de bovinos, com crescimento
volução tecnológica. De números quase que irrelevantes para o de 9,6% em relação ao ano anterior.
cenário nacional, a região passou a ocupar lugar de destaque nas O sistema de criação de gado que predomina no Cerrado é
tabelas estatísticas da produção brasileira. Nos últimos 30 anos, o extensivo, ou seja, segue o padrão da pecuária brasileira, que
a cultura da soja no Cerrado do Centro-Oeste teve um aumento se caracteriza pela grande dependência de pastagens, em sua
significativo na sua produtividade média, passando de 1.200 kg/ha maioria constituída por forrageiras tropicais nativas e cultiva-
para 3.200 kg/ha.13 Dos anos 1970 a 1980, a região passou de me- das.20 Nessas grandes áreas de pasto, o gado é criado à solta. Com
nos de 2% da produção nacional de soja para 20%, e em 1990 a reduzido número de cabeças por hectare, há deficiência em adu-
colheita já superava os 40%.14 Na safra 2010/2011 os números bação e manutenção e ainda faltam práticas adequadas de for-
continuaram a crescer, sendo o Centro-Oeste o produtor de 45% mação e manejo, o que ocasiona o seu baixo rendimento. Esses
da safra de soja do Brasil, o que corresponde a 33.940 milhões de fatores denotam falta de eficiência e são determinantes para o
toneladas do grão.15 Nesta mesma safra, o estado de Mato Gros- processo de degradação dessas áreas.
so, sozinho, produziu 27% da produção nacional, ou seja, 20.412,5 Na busca por diminuir a degradação dos pastos, evitar a aber-
milhões de toneladas do grão,16 o que coloca a cultura da soja na tura de novas áreas e ao mesmo tempo aumentar a produtividade
posição de principal commodity agrícola do Brasil. nas áreas abertas já existentes, pesquisas agropecuárias apon-
Para que esta alta produção fosse atingida surgiram variedades tam algumas alternativas viáveis para associar a conservação do
mais produtivas das mesmas espécies, os cultivares, que ocuparam Cerrado à produção. Uma delas é o sistema de integração lavou-
extensas áreas do bioma. O cultivo de soja em escala comercial exi- ra-pecuária (SILP ), estudado há mais de 20 anos pela Empresa
ge, além de correção da acidez do solo, investimento tecnológico Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa.
em maquinário (utilizado para colheita, armazenamento, plantio, Nesse sistema, as produções de grãos e animal interagem e se
preparo do solo etc.), em defensivos agrícolas (agrotóxicos), em complementam nos aspectos relacionados ao solo, tanto no que
cultivares e na abertura de extensas áreas de vegetação nativa. se refere ao manejo e à fertilidade quanto naquilo que toca a físi-
ca e a biologia.21 Por meio de um processo de rotação entre áreas
A p r o d u ç ã o d e c a r v ã o v e g e ta l de pasto e de lavoura, ganha-se em produtividade e na viabilida-
A gradativa conversão da vegetação nativa em atividades de da intensificação do uso das áreas já abertas,22 o que também
agropecuárias e o consumo de carvão vegetal já levaram à per- acarreta a diminuição da pressão pela abertura de áreas de vege-
da de aproximadamente metade da área original do Cerrado. tação nativa e sua conversão em pastagens.
Estima-se que 34,5% do carvão vegetal produzido no país seja Além disso, os sistemas de integração podem ser respostas
oriundo da vegetação nativa do Cerrado.17 Isso significa que são promissoras às dificuldades da pecuária, pois são uma alterna-
utilizados 24 milhões de m2 de madeira do Cerrado. tiva de recuperação de pastagens degradadas, e servem à agri-
cultura anual e ao plantio direto, já que atuam na melhoria das
O u t r a s at i v i da d e s d e ag r i c u lt u r a e x t e n s i va propriedades do solo e permitem sua utilização plena.23
O Cerrado serve a uma grande diversidade de cadeias produ-
tivas e sistemas de produção agropecuários em diferentes paisa- Hidrelétricas
gens e ofertas ambientais. Como exemplos de agricultura exten- Ao longo da história, as represas têm sido vistas como instru-
siva além da soja, as culturas de milho, algodão, cana-de-açúcar, mentos redutores do desequilíbrio na distribuição e provisão de
arroz e café podem ser citadas como cadeias produtivas que recursos hídricos de água doce no tempo e no espaço.24 Por outro
avançam sobre o Cerrado, chegando até as áreas mais ao norte do lado, as represas são também um dos mais importantes meios de
bioma, já no Nordeste brasileiro. apropriação de escorrimento superficial das maiores bacias hidro-
gráficas do mundo,25 e nesse sentido o Cerrado não é uma exceção.26
Pecuária Mais de 75% da área do bioma drena em direção a represas,
No final da década de 1990, o Cerrado não era apenas o princi- muitas das quais ligadas à produção de energia hidrelétrica.27
pal celeiro de grãos do Brasil, mas vinha se tornando também o Uma taxa tão alta de apropriação envolve necessariamente uma

65
cerrado

grande alteração hidrológica na maior parte dos rios do Cerrado,


gerando efeitos potencialmente negativos para os ecossistemas
aquáticos e para a biodiversidade fluvial.

E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o

Uma rápida alteração ambiental tem ocorrido em função da


expansão das atividades agrícola, pecuária, agrocombustíveis, de
mineração, produção de energia e urbanização da região. Estima-
-se que até a década de 1970, a cobertura vegetal nativa do bio-
ma alcançava 63% de sua área original (aproximadamente 2,03
milhões de km2), sendo que somente as porções mais meridio-
nais estariam impactadas pelas atividades humanas.28 Em 1998,
novas estimativas indicavam um avanço na área desmatada e os
remanescentes de vegetação nativa foram reduzidos para apro-
ximadamente 51%.29 Com base em imagens de satélite MODIS
(Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), em 2002 ava-
liou-se que a área remanescente do Cerrado teria sido reduzida
para 46% de sua área original. 30
Embora as estimativas anteriores (de 1970 a 2002) tenham in-
dicado uma gradual redução na cobertura vegetal nativa do Cer-
rado, os primeiros números oficiais publicados pelo Ministério
do Meio Ambiente31 indicam um total de áreas nativas remanes-
centes correspondente a 50% do bioma, ou seja, uma estimativa
próxima à da década de 1970.
Além da redução da vegetação nativa, são preocupantes a veloci-
dade com que as alterações ambientais são promovidas e a distribui-
ção espacial dos remanescentes, já que, hoje, o Cerrado conta com
taxas de desmatamento de 2 a 3 vezes superiores às do bioma ama-
zônico.32 Aliam-se a isso uma fraca política de aumento da proteção
formal das áreas remanescentes e a baixa frequência de pesquisas
que avaliem o potencial econômico das espécies nativas da região.

U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
Atualmente, as unidades de proteção integral representam
menos de 3% da área do bioma.33 A última unidade de conserva-
ção (UC ) com tamanho expressivo criada no Cerrado foi o Parque
Nacional Chapadas das Mesas: uma área de 160 mil hectares no
estado do Maranhão, declarada UC em 2005.
Importantes unidades de conservação, como o Parque Nacio-
nal da Serra da Canastra, protetor da nascente do rio São Fran-
cisco em Minas Gerais, estão sendo reduzidas para dar lugar a
atividades econômicas (no caso, à extração de diamantes). Ou-
tra situação preocupante é a da maior unidade de conservação de
proteção integral do Cerrado, o Parque Nacional das Nascentes
Qu ei m ada no Pa rque Nacion a l das Emas | GO do Parnaíba, uma área com 729 mil hectares, que está ameaçada
por projetos de produção energética a partir de hidrelétricas.

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Biomas Brasileiros

S e mp re-viva ( Paepalanth us sp.) – Pa rque Esta dua l do Ja l a pão | TO

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cerrado

A s i t u a ç ã o da s á g u a s d o C e r r a d o
O Cerrado é conhecido como berço das águas brasileiras. É nes-
se bioma que nascem alguns dos principais rios brasileiros, como
o Xingu, o São Francisco, o Tocantins, o Araguaia, o Parnaíba, o
Tapajós, os tributários da margem direita do Paraná e todos os que
formam o Pantanal. Dados da Embrapa Cerrados indicam que o
bioma contribui com a vazão que flui em oito das 12 regiões hi-
drográficas brasileiras definidas pela Agência Nacional das Águas,
principalmente aquelas dos rios Paraguai, Parnaíba, São Francis-
co e Tocantins-Araguaia.34 Assim, a importância do bioma para a
manutenção dos recursos hídricos do país é seguramente a carac-
terística que mais determina a necessidade de preservá-lo.
A cobertura florestal desempenha a função de administração
hidrológica da água precipitada, isto é, captando, armazenando e
disponibilizando-a, lenta e gradualmente, em quantidade e qua-
lidade. Assim, a rápida transformação do uso da terra que vem
ocorrendo no bioma (com a substituição da vegetação nativa por
áreas de produção agrícola, principalmente de soja) afeta negati-
vamente a disponibilidade hídrica dessas bacias hidrográficas de
suma importância para o Brasil. Ademais, a irrigação necessária
às atividades agrícolas exercem uma pressão direta sobre os re-
cursos hídricos, tanto no próprio Cerrado como nos demais bio-
mas, sendo essa a principal fonte de consumo de água no Brasil,
responsável por 70% do mesmo.
Além de reduzir a disponibilidade hídrica, a atividade agrícola im-
pacta a qualidade do lençol freático e corpos d’água por meio do car-
reamento, pelas chuvas, e por meio de fertilizantes e agroquímicos
que contaminam a natureza, e ainda a própria população que conso-
me água proveniente das áreas contaminadas. Para salvaguardar os
serviços ecossistêmicos de água doce no Cerrado, a preservação da
qualidade e disponibilidade dos seus recursos hídricos, colocam-se
como desafios a adoção de melhores práticas como o uso eficiente
da água e a redução do uso de agroquímicos, bem como medidas
de conservação dos solos e restauração vegetal em áreas ripárias.

D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s

Como examinado, a atividade agropecuária na região im-


plicou a degradação dos recursos hídricos e do solo, bem como
a perda da biodiversidade com base na redução das áreas com
vegetação original. Assim, existe a necessidade da consolidação,
em bases sustentáveis, de modelos de desenvolvimento agro-
pecuário para o Cerrado brasileiro. Conciliar a conservação do
solo, da água e da biodiversidade com uma agricultura produtiva,
V i vei r o d e m u das par a refloresta men to do cerra do incluindo o restabelecimento da capacidade produtiva das pas-
no Parque Nacion a l das Emas | GO tagens, é o principal desafio para a sustentabilidade do bioma e
para o bem-estar da sua população.

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Biomas Brasileiros

Alguns estudos sugerem que a dinâmica de ocupação desor- Interromper esses mecanismos evolutivos é decretar o exter-
denada do Cerrado poderá provocar, em um período muito curto mínio do Cerrado, mesmo que algumas áreas nativas ainda se
de tempo, uma grande supressão da cobertura vegetal nativa. Um mantenham em pé na paisagem. As mudanças climáticas tendem
modelo baseado na dinâmica de uso da terra promovida por di- a exacerbar estes efeitos. Em termos de extinção de espécies, pre-
ferentes culturas agrícolas e pecuária35 sugere que, num cenário visões do efeito de mudanças climáticas projetam valores globais
em que se alie o aumento da produtividade a qualquer custo à au- de 15 a 37% de perdas até 2050, incluindo os biomas Amazônia e
sência de políticas públicas de salvaguardas ambientais, a cober- Cerrado em diferentes cenários,40 em grande parte relacionado
tura vegetal nativa do Cerrado seria reduzida em até 72% de sua às projeções de mudanças em temperatura e pluviosidade.
área original no ano de 2020. Até 2100,41 prevê-se o aquecimento de 4 a 6% na América do
Numa simulação semelhante,36 projeta-se para o ano de 2050 Sul continental e redução nas chuvas com decorrente seca nas
a redução da cobertura vegetal nativa para 18%, em blocos muito bacias da Amazônia oriental e do São Francisco. Exemplos do
isolados de vegetação nativa. Nesse cenário, somente as regiões efeito dessas mudanças climáticas sobre grupos taxonômicos
pouco propícias ao estabelecimento de atividades agrícolas (pla- específicos são graves no Cerrado: para 26 espécies de aves en-
nícies inundáveis, como a do Araguaia, ou regiões montanhosas, dêmicas, projeta-se uma retração em até 80% na distribuição
como a cadeia do Espinhaço ou a região da Chapada dos Veadei- geográfica e um deslocamento médio de 200 km no sentido su-
ros) permaneceriam com alguma cobertura vegetal nativa. deste.42 Resultados semelhantes também foram obtidos com a
Ainda que desde 1998 o Governo tenha, com a ajuda do setor modelagem da distribuição potencial de 162 espécies de plantas
acadêmico e de organizações não governamentais, apontado áre- vasculares (aquelas que possuem tecidos especializados para
as prioritárias para a conservação do Cerrado, 37 ações consisten- transportar o alimento para as suas células) do Cerrado indican-
tes no campo da conservação devem ser implementadas de ime- do extinções e deslocamento para sudeste e sul das regiões estu-
diato no bioma para que tais cenários sejam evitados. dadas.43 As direções sudeste e sul são justamente as regiões mais
Em uma recente revisão dessas áreas,38 foi indicado que em alteradas do bioma e com menor cobertura vegetal nativa. Os
pelo menos 37% do território coberto pelo Cerrado deveriam ser biomas Mata Atlântica e Cerrado são marcadamente sensíveis, a
adotadas ações como a expansão das áreas protegidas públicas e se julgar pelo fato de que, das 627 espécies que constam da lista
particulares. Contudo, tal iniciativa não tem avançado no senti- oficial das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção,44
do da sustentabilidade ambiental. Vale lembrar que, apesar de o mais de 72% estão concentradas nesses dois hotspots.45
bioma conter um terço da diversidade de espécies do Brasil, atu- Esse padrão irá impactar também as populações humanas
almente o Cerrado é o segundo bioma com maior número de es- mais pobres desses biomas. Modelos de cenários climáticos
pécies ameaçadas de extinção no país.39 para 2080 indicaram grandes perdas de ambientes apropria-
dos para o pequi (Caryocar brasiliense Camb. Caryocaraceae),
M u da n ç a s c l i m á t i c a s planta nativa importante à economia de municípios pobres no
O acúmulo de CO 2 na atmosfera e o consequente aumento da bioma Cerrado.46
temperatura média da Terra devem ter implicações significati- Além disto, o atual sistema de unidades de conservação já é
vas para o Cerrado brasileiro, especialmente se o padrão atual insuficiente para conservar as aves endêmicas47 e a metade do
de uso e ocupação da paisagem for mantido. Uma previsão de ce- Cerrado já está ocupada com a produção de alimentos e energia.
nário para 2040 afirma que, em apenas 60 anos após o início de O que fazer com a outra metade para evitar o cenário previsto
sua ocupação mais expressiva, o Cerrado se igualará com a atu- para o futuro depende das políticas públicas e ações tomadas na
al Mata Atlântica em termos de cobertura vegetal remanescente, atualidade. As tendências apontam para uma convergência de
ou seja, cerca de 10% do original. sérias ameaças à sobrevivência do bioma.
As consequências disso são preocupantes, pois colocam em ris-
co dois mecanismos essenciais para a evolução: o intercâmbio de Pa n o r a m a p o l í t i c o
indivíduos entre as populações e a expansão da área de ocorrência As últimas duas décadas viram avanços importantes no re-
das espécies. O primeiro assegura que a diversidade genética das conhecimento da importância dos ecossistemas nativos, na
espécies se mantenha e cresça, garantindo a sobrevivência de uma expansão do sistema de áreas protegidas e na implementação
espécie ao longo do tempo. O segundo relaciona-se com o processo de técnicas modernas para o planejamento de conservação e
de especiação (formação de novas espécies), pois a diferenciação para o desenvolvimento sustentável. Isto foi possível através
dos organismos acontece ao longo do tempo e também do espaço. de parcerias entre organizações não governamentais, socie-

69
cerrado

Vaqueiros em Gil b ués | PI

70
Biomas Brasileiros

dades locais, setor produtivo, entidades acadêmicas e científi- 17 Duboc, E. et. al.. Panorama Atual da Produção de Carvão Vegetal no Brasil
cas, e órgãos do governo. Mesmo assim, nos últimos anos este e no Cerrado. – Planaltina, DF . Documentos Embrapa Cerrados, ISSN 1517–
5111, 197, 2007, 37p.
esforço arrefeceu.
18 Vilela, L.; Barcellos, A. de O.; Sousa, D. M. G. de; Benefícios da integração
Sem parques de grande porte no Cerrado, há um risco real de entre lavoura e pecuária. Embrapa, Planaltina, DF , 2001.
perda dos predadores do topo de cadeias alimentares nas próxi- 19 Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – Assessoria de
mas décadas, o que introduziria mudanças profundas na estru- Gestão Estratégica Projeções do Agronegócio Brasil 2010/11 a 2020/21.
tura das comunidades biológicas. Desde já, com o que sabemos, 20 Agnes, E.L.; Freitas, F.C.L.; Ferreira, L.R. Situação atual da integra-
é possível conciliar a presença humana e a produção econômi- ção agricultura pecuária em Minas Gerais e na Zona da Mata Mineira. In:
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Resta apenas assumir esse compromisso com as próximas gera- 21 Macedo Manuel; Motta, Claudio. Revista Brasileira de Zootecnia v.38,
ções e com o mundo natural da Terra. p.133–146, 2009 (Supl. especial).
22 Vilela et al. 2001.Op. Cit.
n ota s 23 Macedo Manuel et. al. 2009 Op. Cit.; Gimenes, Marcelo Júnior; Dal
Pogetto,Mário Henrique Ferreira do Amaral; Prado, Evandro Pereira;
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71
cerrado

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72
Biomas Brasileiros

Coruja-b uraqueira ( Speotyto cun icularia) sob re semp re -v iva


( Paepalan th us sp.) - Esta çã o Ecol ógica da Serra Gera l | TO

73
cerrado

acima : Lob o-gua rá (Ch rysocyon brach yurus) n o Pa rque


Nacion a l da Serra da Ca n astra | MG

p á gin a ao l a do: Fruto de b uriti ( Mauritia f lexuosa) n o entorno


do Pa rque Nacion a l da Ch a pa da das Mesas| MA

p á gin as 74-75: Dun as n o Pa rque Esta dua l do Ja l a p ã o | TO

76
cerrado

acima : Ta ma n duá -b a n deira ( Myrmecoph aga tridactyla)


s ob re cup in zeiro n o Pa rque Nacion a l da Serra da Ca n astra | MG

p á gin as 78 -79: Árvore de b uriti ( Mauritia f lexuosa)


n o Pa rque Esta dua l do Ja l a p ã o | TO

80
Biomas Brasileiros

Deta l h e de flor n o Pa rque Nacion a l Ch a pa da


dos Vea deiros | GO

81
Biomas Brasileiros

83
cerrado

acima : Rio Preto, p róx imo a Ba rreiras | BA

p á gin a ao l a do: Cach oeira n o Pa rque Nacion a l


Ch a pa da dos Vea deiros | GO

p á gin as 8 2-8 3: Morro Bigorn a – Esta çã o Ecol ógica


da Serra Gera l | TO

84
cerrado

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Biomas Brasileiros

acima : Semp re-viva ( Paepalanth us sp.) –


Pa rque Nacion a l Ch a pa da dos Vea deiros | GO

págin a ao l a do: Ca p ã o de mata n o Pa rque Nacion a l das Emas | GO

p á gin as 8 6-87: Pa isagem do Cerra do n o Pa rque


Nacion a l Ch a pa da dos Vea deiros | GO

p á gin as 90-91: Morro do Fumo – Esta çã o Ecol ógica


da Serra Gera l | TO

89
M
3 Caatinga
B r á u l i o S a n to s • F e l i p e M e lo • J o s é A lv e s S i q u e i r a F i l h o
R i c a r d o R i v e l i n o Da n ta s R a m o s • M a r c e lo Ta b a r e l l i

do solo rachado do sertão brasilei-


a i s q u e a i m ag e m
ro, as condições semiáridas do nordeste do Brasil reser-
vam uma biodiversidade bastante rara e variada. Clas-
sificada como uma das 37 Grandes Regiões Naturais
do Planeta, a Caatinga é o único bioma exclusivamente
brasileiro, e constitui um grande mosaico vegetacional
que inclui desde florestas secas, com grande variação de estrutu-
ra, até tipos mais arbustivos sobre afloramentos rochosos.
De origem Tupi, o termo “caatinga” significa “mata branca”, uma
referência ao aspecto da vegetação durante a estação seca, quando a
maioria das árvores perde suas folhas e os troncos esbranquiçados e
brilhantes dominam a paisagem.1 Em tempos pré-colombianos, flo-
restas dominadas por ipês (Tabebuia), barrigudas (Cavallinesia um-
bellata), aroeiras (Myracrodruon urundeuva) e baraúnas (Schinopsis
brasiliensis) eram frequentes, mas, após a colonização, vários trechos
dessas florestas, conhecidas também como “caatinga arbórea”, foram
suprimidos para a construção de casas, cercas e fazendas de gado.
Atualmente, a caatinga arbórea é rara, esparsa, fragmentada e
ameaçada. Muitas das áreas originalmente cobertas por ela de-
ram lugar à vegetação arbustiva bastante ramificada e espinho-
sa, geralmente dominada por pinhão (Jatropha), marmeleiro
(Croton), macambira (Bromelia), facheiro (Pilosocereus), jurema
(Mimosa) e catingueira (Poincianella). Esse processo de “sava-
nização antrópica” (a transformação, em decorrência de ações
humanas, da floresta em uma vegetação do tipo savana) é uma
característica marcante do bioma e a principal ameaça à sua bio-
diversidade e à qualidade de vida das populações humanas.
bioma caatinga estados abrangentes

844.453 km2 / 24 milhões de habitantes


30 espécies de cactos e 240 espécies de peixes,
sendo mais da metade endêmicas
Biomas Brasileiros

Esse patrimônio biológico é igual ou mais rico do que aqueles


registrados em outras florestas secas do mundo. Até o ano 2000
já tinham sido registradas na Caatinga 187 espécies de abelhas,
240 de peixes, 167 de répteis e anfíbios, 510 espécies de aves e 148
de mamíferos. O nível de endemismo varia de 3% nas aves (15 das
510 espécies), cerca de 7% para mamíferos (10 de 148), 20% para
as angiospermas (espécies de plantas que dão flores e frutos) e
57% nos peixes (136 de 240).2
A espécie de mamífero mais característica da Caatinga é o
mocó (Kerodon rupestris), um parente próximo do porquinho-
-da-índia (Cavia porcellus) que vive em afloramentos rochosos e
se alimenta de folhas e botões das árvores, os quais ocorrem de
forma mais abundante nesses micro-hábitats.3 O mocó é, tam-
bém, um exemplo interessante de convergência evolutiva, com-
partilhando muitas características morfológicas, ecológicas e
comportamentais com o distante hírax (Procavia) das savanas
africanas.4 Por fim, o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), que pare-
cia estar extinto na Caatinga, foi recentemente redescoberto em
remanescentes de florestas secas baianas.5 Cactos de ma n daca ru, vegetação típica da Caatinga | SE
Nas dunas do rio São Francisco foram localizados quatro es-
pécies endêmicas de anfisbenídeos (família de répteis), 16 de la-
gartos, oito de cobras e um anfíbio. Apesar de cobrir uma área de considerada subamostrada.11 Dezenas de novas espécies de inse-
apenas 7.000 km2, ou seja, 0,8% da área total da região, esse siste- tos, principalmente de besouros, têm sido descritas recentemen-
ma de dunas abriga 37% de todas as espécies endêmicas de lagar- te.12 Além dos insetos, plantas anuais com distribuição restrita,
tos e anfisbenídeos da Caatinga.6 organismos microscópicos como fungos, vírus e bactérias estão
Informações recentes7 indicam que a Caatinga abriga 1.511 es- entre os mais desconhecidos.
pécies de plantas com sementes, sendo 318 consideradas endê-
micas, mas há registro de mais de quatro mil espécies de plantas Abrangência
considerando outros tipos de vegetação que ocorrem nos domí-
nios da Caatinga. Entre os endemismos em plantas, destacam-se Chamada de “polígono do semiárido nordestino”, a região
as cactáceas, com mais de 30 espécies endêmicas, o que torna o que a Caatinga ocupa se estende por grande parte dos estados
bioma um centro de diversidade para este grupo de plantas. da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
No entanto, estimativas indicam que a Caatinga está entre Norte, Ceará, Piauí e parte do estado de Minas Gerais e Maranhão.
os biomas mais degradados e menos protegidos do Brasil, com Limitada a leste pela Floresta Atlântica, a oeste e ao sul pelo
muitas espécies de animais em extinção. Esse é o caso da ara- Cerrado, o bioma Caatinga ocupa, principalmente, depressões
rinha-azul (Cyanopsitta spixii), que sofreu com a degradação interplanálticas com altitudes entre 300 e 500 metros, criadas
praticamente total de seu hábitat e é considerada extinta da pela erosão do escudo basal do Pré-Cambriano.13
natureza (um espécime selvagem foi visto pela última vez no Segundo dados do IBGE (2004), a Caatinga ocupa uma área de
ano 2000).8 A arara-azul-de-lear (Andorhynchus leari), também aproximadamente 844.453 km2 de extensão, algo equivalente ao
endêmica da Caatinga, está restrita a duas colônias no estado Chile ou a duas vezes o território alemão.
da Bahia, com uma população de pouco mais de duas centenas
de indivíduos9 correndo sério risco de extinção. Essa espécie é Urbanização
uma especialista de hábitat, pois nidifica em paredões de are-
nito e se alimenta, em grandes grupos, dos frutos da palmeira Achados arqueológicos indicam que os primeiros habitan-
Syagrus coronata.10 tes se concentravam nas áreas mais úmidas, tais como os vales
Ainda há muitas espécies a serem descritas na Caatinga. Até o dos rios e os brejos de altitude. Estes habitantes usaram os rios
ano 2000, 41% da região permanecia pouco investigada e 80% foi como estradas naturais, particularmente o curso perene do São

95
caatinga

Bo q u ei rã o da On ça , á rea p rop osta pa ra cria çã o de um pa rque nacional | BA

96
Biomas Brasileiros

Francisco, para o estabelecimento dos primeiros povoados e de- De um modo geral, as condições de vida
senvolvimento de atividades agropecuárias. Esse processo civili- na Caatinga são precárias. Dados publicados pelo
zatório resultou no maior adensamento populacional e na explo- IBGE em 1996 indicavam que para indivíduos com ida-
ração da terra nos vales úmidos e nos brejos de altitude. de superior a 15 anos a taxa de analfabe-
Outro aspecto importante da ocupação do espaço foi o surgi- tismo variava entre 40–60%, quando no
mento de núcleos comerciais nas vias primitivas de colonização Brasil era de 20% e no Nordeste de 37%.
e, posteriormente, ao longo das ferrovias e rodovias. A esperança de vida raramente chegava
aos 65 anos e a mortalidade infantil fica-
Demografia va acima de 100 por mil.
Longos períodos de seca tendem
O nordestino possui uma renda per
a ser mais intensos no centro do que
A população que colonizou inicialmente a Caatinga era uma capita equivalente à metade da média na periferia da Caatinga e não é raro
mistura de portugueses e de caboclos brasileiros, índios e negros. nacional. Para os que vivem na Caatinga, encontrar localidades que enfrentam
Hoje, alguns municípios concentram até 6 mil habitantes por esse valor é ainda menor já que os cálcu- 11 meses de estiagem ocasionada pela
irregularidade das chuvas. Em geral,
km2, mas na grande maioria da Caatinga a densidade populacio- los consideram cidades de fora do bioma
a escassa precipitação se dá em
nal não passa de 50 habitantes por km2.14 Considerando apenas a (como o Recife), além de atividades que 3 meses consecutivos, podendo cair
zona rural dos municípios, apenas 15 deles apresentam mais de ocorrem no perímetro urbano dos muni- na forma de granizo.
100 habitantes por km2. A partir de 1980, o crescimento popula- cípios. Na prática, um cidadão represen-
cional na região da Caatinga tem diminuído (< 1%) ou se tornado tativo da Caatinga, “o sertanejo”, recebe
negativo em alguns casos. em média menos de meio salário mínimo.16
Há pelo menos 22 grupos indígenas na região:15 Atikum, Fulni- Ainda que o Nordeste como um todo tenha crescido economi-
-ô, Kaimbé/Tupinambá, Kambiwá, Kantaruré, Kapinawá, Kariri- camente mais que a média nacional, e que muitos programas so-
-Xokó, Kiriri, Pankararé, Pankararu, Pipipan, Pitaguary, Potigua- ciais tenham sido implementados nos últimos anos, as condições
ra, Tingui Botó, Tremembé, Truká, Tucumanduba, Tuxá, Xakriabá, de vida na maior parte da Caatinga continuam precárias, princi-
Xokó, Xucuru e Xukuru Kariri. Até 2008, o reconhecimento dos palmente na zona rural.
limites de suas terras estava em uma das cinco situações: (1) ter- Apesar da insuficiência material, a diversidade cultural da
ra em identificação ou em revisão; (2) terras aprovadas pela Funai, Caatinga é fascinante, e vai muito além da típica imagem do va-
sujeitas a contestação; (3) terras declaradas; (4) terras homologa- queiro com seu gibão e chapéu de couro montando um cavalo
das; (5) terras registradas no Cartório de Registro de Imóveis e/ou pronto para enfrentar a espinhosa e ramificada vegetação da
na Secretaria de Patrimônio da União. caatin­ga. A música, a dança, a poesia e um sem-número de ma-
Em total seus territórios somam quase 210 mil hectares, ou nifestações populares emergem por toda a região, das capitais
0,25% da Caatinga, e estão espalhados pelos estados de Alagoas, às localidades mais remotas, de janeiro a janeiro. A gastrono-
Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe. As terras in- mia também é muito diversificada, e, ao contrário do que mui-
dígenas, além de garantirem o usufruto exclusivo das riquezas do tos pensam, varia muito de local para local.
solo, dos rios e dos lagos por parte dos índios, podem ser um forte
aliado da conservação da biodiversidade. Economia

Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o A Caatinga abriga uma variedade socioeconômica enorme,


parcialmente decorrente da diversidade de solos e de clima da
O índice de desenvolvimento humano (IDH ) – produto do região.17 Na ausência de atividades rentáveis, os jovens tendem
índice de longevidade (baseado na esperança de vida ao nascer), à migração, enquanto os velhos e as crianças permanecem, mui-
índice de educação (baseado na taxa de analfabetismo e no nú- tos deles dependentes da ajuda social do governo. Os que mi-
mero médio de anos de estudo) e no índice de renda (baseado na gram buscam cidades maiores na costa ou nas proximidades de
renda familiar per capita média) – é menor que 0,5 na imensa polos industriais e perímetros irrigados. Este êxodo era, no pas-
maioria dos municípios que compõe a Caatinga. Apenas 48 mu- sado, muito comum em direção ao Sul e Sudeste do ­Brasil, mas
nicípios (ou 4,6% do total) apresentam IDH superior à taxa razo- agora ocorre dentro da própria região, em resposta ao cresci-
ável de 0,5 ( já que apenas valores de IDH acima de 0,8 são consi- mento econômico experimentado recentemente por várias ci-
derados altos). dades nordestinas.

97
caatinga

Vaq u eiro da Caatin ga com vestimen ta típ ica de couro em Paulo Afonso | BA

A vulnerabilidade socioeconômica mantém o sertanejo alta- principalmente, a partir do extrativismo na Caatinga. Em resu-
mente dependente dos bens e serviços providos pelo ecossiste- mo, as econômicas regionais do semiárido brasileiro sempre de-
ma natural da Caatinga. A coleta e a comercialização dos frutos penderam da vegetação da Caatinga, mas nunca a exploraram de
do umbu, da cera de carnaúba e de materiais diversos do o ­ ricuri maneira sustentável.
(espécie de palmeira) têm certa importância na economia regio- Se 500 anos de economias predominantemente de subsistên-
nal da Caatinga. No entanto, foi a pecuária e a agricultura de sub- cia e de extrativismo deixaram 55% da Caatinga ainda em pé18, o
sistência que moldaram o ambiente da Caatinga ao longo dos úl- novo momento vivido pela região nordestina pode ameaçar for-
timos 500 anos. temente a vegetação nativa remanescente.
O sobrepastejo e o uso da lenha nativa para fins energéticos Projetos infraestruturais de grande porte, como o Projeto de In-
geraram degradação do ecossistema em diversos locais, chegan- tegração do São Francisco, popularmente conhecido como trans-
do inclusive à desertificação. Estima-se que 70% das famílias da posição do rio São Francisco, e a construção da Ferrovia Trans-
Região Nordeste ainda utilizem lenha para consumo doméstico nordestina, que integrará portos de todo o Nordeste, certamente
e que 33% da matriz energética seja suprida com lenha obtida, mudarão os padrões atuais de uso e ocupação do solo da Caatinga.

98
Biomas Brasileiros

C l a s s i f i c a ç ã o da v e g e ta ç ã o 500 anos, afetando o regime de chuvas local e regional, ocasionan-


do o assoreamento de córregos e até mesmo de grandes rios.23 Rios
Em termos fitofisionômicos, a Caatinga foi dividida de anteriormente navegáveis, que permitiam o transporte de animais
acordo com a espécie vegetal dominante em 6 unidades e 12 ti- e madeira do interior do país, estão, agora, sazonalmente secos.
pos,19 indo dos tipos de porte arbóreo até o tipo mais arbustivo. Por fim, as técnicas de irrigação desenvolvidas nas últimas dé-
Mais recentemente, foram classificadas 172 unidades geoam- cadas para a fruticultura e plantação de soja têm acelerado o pro-
bientais distribuídas em 20 grandes unidades de paisagem.20 Es- cesso de desertificação, via salinização e erosão rápida do solo.
tas unidades incluem chapadas, planaltos, depressão sertaneja, A desertificação já atinge, pelo menos, 15% da região de forma in-
dunas continentais, bacias sedimentares, superfícies cársticas termediária ou intensa24 e ameaça a biodiversidade da Caatinga.
(solos e formações calcárias), grandes áreas aluviais (áreas de
deposição de sedimentos trazidos pela chuva e pelas cheias dos E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
rios), serrotes (serras pequenas) e inselbergues (formações ro-
chosas cobertas por vegetação herbácea), entre outras. Os usos inapropriados do solo têm causado sérios danos am-
Em termos de geomorfologia, solo e clima, a vegetação é menos bientais. Uma prova disso é que mais de duas dezenas de vertebra-
heterogênea, mas ainda assim varia em composição e estrutura.21 dos se encontram, nacional ou globalmente, ameaçadas de extinção.
Das 172 unidades geoambientais, 105 apresentam cobertura vege- Em 2000, o Ministério do Meio Ambiente (MMA ) promoveu
tal e, destas, mais da metade está coberta por caatinga hiperxeró- um workshop25 que reuniu mais de 150 pesquisadores, conserva-
fila e hipoxerófila, e o restante apresenta uma mistura de caatin- cionistas, tomadores de decisão e representantes do setor priva-
ga com florestas subperenifólias, subcaducifólias ou caducifólias do para selecionar as áreas e ações mais importantes para o de-
e cerrado (florestas secas, onde predominam árvores que perdem senvolvimento sustentável da região da Caatinga.26 O resultado
totalmente as folhas durante a estação seca). No entanto, indepen- foi a identificação de 57 áreas de máxima prioridade para a con-
dente do tipo de vegetação dominante, grande parte das unidades servação da biodiversidade, 25 áreas prioritárias para investiga-
geoambientais está em estágio avançado de degradação.22 ção científica e o esboço de um grande corredor de biodiversida-
Embora já se saiba que a Caatinga compartilha muitas espé- de ao longo do rio São Francisco.
cies de plantas com outras florestas secas americanas, como as Como parte dessa iniciativa, um documento foi redigido com
florestas secas do Paraguai, Bolívia e Venezuela, o que sugere in- as principais estratégias para a conservação da biota da Caatinga
tenso intercâmbio biótico em tempos pretéritos mais secos, no- e melhoria da qualidade de vida das populações humanas.27 Esse
vos estudos são necessários para entendermos melhor a evolu- esforço conjunto resultou na implementação de novas iniciativas
ção dessa biota e sua organização biogeográfica atual. de conservação, em escala local e regional, e sensibilizou os toma-
dores de decisão sobre os valores e proble-
U s o s da t e r r a mas da biodiversidade da Caatinga.
Mais de 10 anos depois do workshop Os bovinos e caprinos, que hoje
O fato de a Caatinga ser globalmente exclusiva e ter seus limites promovido pelo MMA , foram criadas al- ultrapassam 10 milhões de cabeças
na região, foram introduzidos pelos
restritos ao território brasileiro aumenta a responsabilidade da gumas unidades de conservação em áre- europeus no início do século XVI e
sociedade brasileira, que deve se ater a esta biodiversidade única as prioritárias, como o Parque Nacional rapidamente afetaram a vegetação da
e ao uso sustentável dos recursos naturais desta região. Infeliz- do Catimbau. No entanto a Caatinga Caatinga, não adaptada à pastagem
intensiva. Há muito tempo os
mente, atividades agrícolas e pecuárias de baixa tecnologia, alia- ainda é o bioma brasileiro menos prote­
núcleos de desertificação foram
das ao clima semiárido, têm resultado, historicamente, em po- gido e com menor desenvolvimento so- associados ao sobrepastejo e ao
breza e degradação ambiental. cial e econômico. pisoteio dos caprinos na área.
Entre as práticas tradicionais mais comuns, porém pouco sus- Dados de 2008 indicam que a região
tentáveis, estão a agricultura de corte-e-queima, o uso indiscri- já perdeu cerca de 47% de sua cobertu-
minado de madeira e lenha, a caça e a contínua supressão da ve- ra original.28 As estimativas de perda de
getação para a criação de caprinos e bovinos. hábitat29 mostram que os remanescentes
Desde o começo do século XVI , com o início da colonização eu- da Caatinga não constituem um único e
ropeia, as áreas de solos mais produtivos também foram conver- grande bloco, mas estão distribuídos em muitos frag-
tidas em pastagens e culturas agrícolas. As florestas de galeria fo- mentos de diferentes tamanhos. Nas simulações de
ram largamente substituídas por formações abertas nos últimos zona de efeito de estrada30 em que se aplica

99
caatinga

um raio de 1 km em torno das estradas e fragmentos de forma a


calcular a área degradada, 243 fragmentos apresentaram tama-
nhos entre 0,03 e 41.212 km2, com um tamanho médio de 2.104
km2. Dos fragmentos, 28% eram menores que 50 km2 e somente
14 maiores que 10.000 km2. Quando uma zona de efeito de estra-
da de 10 km foi adotada, 30,2% dos fragmentos eram menores que
50 km2 e somente nove fragmentos eram maiores que 10.000 km2.
Estas estimativas perturbadoras indicam a necessidade de
cria­ção de novas unidades de conservação, principalmente de pro-
teção integral.

U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
Até 2005, a região da Caatinga tinha 47 unidades de conserva-
ção em diferentes categorias de gestão: 16 federais, 7 estaduais e
24 privadas, as quais somam 4.956 km2 ou cerca de 6,4% do bio-
ma.31 No entanto, apenas 11 áreas, cobrindo menos de 1% da re-
gião, são de proteção integral, como parques nacionais, estações
ecológicas e reservas biológicas.
A Caatinga tem o menor número e a menor extensão protegida
dentre todos os biomas brasileiros e as unidades de conservação
falham em proteger essa biodiversidade. Dentre os 13 principais
tipos de vegetação reconhecidos para a Caatinga,32 quatro não es-
tão representados em nenhum tipo de unidade de conservação.33
Da mesma forma, nenhuma das populações das 44 espécies
de aves passeriformes (pássaros e passarinhos) endêmicas ou
amea­çadas de extinção está protegida pelo atual sistema de uni-
dades de conservação.34 Além disso, somente metade das 16 uni-
dades de conservação federais tem formações exclusivas da Ca-
atinga,35 como é o caso do Parque Nacional Serra das Confusões
(502.411 ha), no Piauí, que contém áreas de Caatinga, cerrado e
outros tipos de florestas secas. Por fim, muitas das unidades de
conservação da Caatinga não estão totalmente implementadas,
ou seja, têm problemas com os proprietários de terras (desapro-
priação não efetuada), seus limites não estão adequadamente de-
marcados, nem apresentam planos de manejo.
Existem, entretanto, algumas áreas protegidas significativas
que formam a espinha dorsal de qualquer expansão futura da rede
de unidades de conservação da Caatinga. Podemos citar o Parque
Nacional da Chapada Diamantina (152.000 ha) e a Estação Ecoló-
gica do Raso da Catarina (99.772 ha) na Bahia; o Parque Nacional da
Serra da Capivara (129.140 ha) e o da Serra das Confusões (526.106
ha); e o Parque Nacional do Catimbau (62.300 ha) em Pernambu-
co. Esforços localizados e de grande importância continuam sendo
feitos, como a criação do Parque Estadual Mata da Pimenteira (887
ha) em Serra Talhada, Pernambuco, no começo de 2012.
P ovoad o d o Desejad o nas i m ed i ações da Serra Vermel h a I PI A falta de infraestrutura básica e de pessoal torna essas unida-
des vulneráveis ao desmatamento, à caça e ao fogo, o que põe em

100
Biomas Brasileiros

S í t i os ar q u eo ló g i cos n a Toca do B oqueirã o da Pedra Fura da – Pa rque Nacional Serra da Capivara I PI

perigo todos os esforços de criação de novas unidades de conser- diversidade (ICMB io) e pela Fundação Museu do Homem Ame-
vação. Conservar a biodiversidade e ao mesmo tempo reduzir a po- ricano (Fundham). O parque tem recebido considerável atenção
breza não é uma tarefa fácil. Quando isto acontece, ou pelo menos nacional e internacional, por causa de sua importância como sí-
está em processo, nos aproximamos do objetivo central da conser- tio arqueológico (é Patrimônio Mundial da Humanidade desde
vação. No entanto, a implementação de uma ampla rede de uni- 1998) e como área de proteção da paisagem natural da região.36
dades de conservação de proteção integral, e com gestão eficien- Instalado num dos estados mais pobres do Brasil, o parque é
te, continua sendo uma necessidade básica para a conservação da um dos mais visitados do país. O ecoturismo tem aquecido a eco-
biodiversidade da Caatinga, enquanto a perda da vegetação nativa, nomia local, gerando empregos e oportunidades para a popula-
seguida de desertificação, constitui a principal ameaça a esta biota. ção extremamente carente dessa região do Piauí. O parque prote-
ge um grande número de aves ameaçadas de extinção, incluindo
O c a s o d o Pa r q u e N ac i o n a l da S e r r a da a maracanã-do-buriti (Ara maracana), o pica-pau-anão-canela
C a p i va r a : u m e x e m p lo d e p r ot e ç ã o i n t e g r a l (Picumnus fulvescens), o arapaçu-do-nordeste (Xyphocolaptes
O Parque Nacional da Serra da Capivara é um excelente exem- falcirostris), o joão-chique-chique (Gyalophylax hellmaryi), o
plo de conservação que deveria ser replicado não só na Caatinga, bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae) e o pintassil-
mas também em outros biomas. Com 129.140 ha, este parque é go (Carduellis yarelli), além de populações de grandes mamíferos,
gerenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Bio- como a onça parda.37

101
caatinga

pardalis), a suçuarana (Puma concolor) e o veado-catingueiro


(Mazama gouazoubira).
O principal desafio da RPPN é enfrentar a fragmentação e a
perda de hábitat nos arredores da reserva, mas ações coordena-
das que envolvem treinamento, capacitação, educação ambiental,
geração de emprego e renda devem auxiliar a proteger a biodiver-
sidade e melhorar a qualidade de vida das populações humanas.

O P r oj e to d e I n t e g r a ç ã o
do Rio São Francisco
O projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF ) envol-
ve a construção de dois canais, denominados eixos norte (com
350 km) e leste (com 270 km), compreendendo os estados de Per-
nambuco, Paraíba e Ceará. As obras já idealizadas desde o tempo
do império se tornaram realidade em 2008. Para a execução da
obra foram exigidos, pelo órgão licenciador (IBAMA ), a realização
de 35 projetos básicos ambientais (PBA ) com um custo estimado
na ordem de R$ 120 milhões.
Dentre os PBA s, o Programa de Conservação de Flora e Fauna,
O r a r o lag arto co nhec i d o co m o pi toco ( H o plo cercus spin osus) coordenado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
n a Serra Vermel h a | PI (UNIVASF ), é responsável pelo inventário, resgate e monitora-
mento da vegetação sob a influência da obra.
De 2008 a 2012 foram investidos cerca de R$ 36 milhões nes-
R e s e r va N at u r a l S e r r a da s A l m a s : te programa, o maior investimento já feito em um programa am-
u m e x e m p lo d e u s o s u s t e n t á v e l biental no país dentro de uma universidade federal. Foram cerca
Criada há cerca de 10 anos entre o Ceará e o Piauí, a Reserva de 200 expedições de campo que permitiram ampliar a capaci-
Natural Serra das Almas possui 6.635 ha,38 e é administrada pela dade do Herbário Vale do São Francisco (HVASF ), referência em
ONG Associação Caatinga com a manutenção garantida em longo plantas da Caatinga, para cerca de 15.000 amostras que são in-
prazo por doações do setor privado. tercambiadas com várias instituições do país.
As Reservas Particulares do Patrimô- O acervo do PISF conta com 1.440 espécies, 595 gêneros e 128
nio Natural (RPPN ) são unidades de con- famílias, além de coleções de madeira (xiloteca) com 114 espé-
O “Boqueirão da Onça”, área situada servação privadas que têm como prin- cies, 88 gêneros e 29 famílias; coleção de germoplasma com mais
no centro-norte baiano, abriga as cipal objetivo conservar a diversidade de uma tonelada de sementes da Caatinga compreendendo 131
últimas populações de onças-pardas
e pintadas da bacia do São Francisco,
biológica, permitindo pesquisa científi­ espécies, 113 gêneros e 38 famílias; uma estufa para a conserva-
além de várias espécies vegetais ca e visitação com objetivos turísticos, ção ex situ de espécies endêmicas da bacia hidrográfica do rio São
endêmicas da Caatinga. Por causa da recreativos e educacionais. Essa reserva Francisco; além de espécies ameaçadas de extinção da Caatinga e
crescente urbanização da área, é conta com declaração de RPPN por par- um viveiro para produção de 100.000 mudas/ciclo.
urgente a criação do Parque Nacional
Boqueirão da Onça.
te do governo, propriedade da terra, pla- Os esforços em parceria com a Universidade Federal de Per-
no de manejo com análise das ameaças à nambuco (UFPE ) permitiram ampliar a formação de pesquisado-
biodiversidade, pessoal capacitado e in- res, com graduação e pós-graduação, através do curso de Ecolo-
fraestrutura mínima voltada para o ma- gia e Conservação da Caatinga, que treina pessoal na temática da
nejo e funções da unidade.39 Caatinga em tempo integral e em condições de campo.
Essa iniciativa de conservação garan-
te a proteção de, pelo menos, 320 espé- D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s
cies de plantas, 45 mamíferos, 237 aves, 44 répteis e 34
anfíbios, além da proteção de espécies ameaçadas Se antes o desafio era mostrar que a Caatinga era muito mais
de extinção, como a jaguatirica (Leopardus do que uma extensa mancha de solo rachado pelo clima semiári-

102
Biomas Brasileiros

Forn os pa ra p roduçã o de ca rvã o n o Morro Ca beça n o Tempo | PI

do, atualmente procura-se implementar uma agenda que conci- As sociedades de maneira geral têm se preocupado com os
lie desenvolvimento socioeconômico com conservação da diver- impactos das mudanças climáticas que se avizinham. Prever os
sidade biológica e prestação de serviços ecossistêmicos. efeitos dessas alterações sobre a economia, biodiversidade e po-
A criação de novas universidades e escolas técnicas é um sinal pulações humanas constitui hoje um dos principais desafios para
inequívoco de que o sertão brasileiro vive um novo ciclo de de- qualquer sociedade desenvolvida.
senvolvimento econômico, mas o sucesso dessa nova conjuntu-
ra vai depender dos cuidados com bens e serviços prestados pelo M u da n ç a s c l i m á t i c a s e s e r v i ç o s a m b i e n ta i s
ecossistema da Caatinga. O manejo adequado do solo e das águas As regiões de clima semiárido do mundo estão entre as mais
da Caatinga será de fundamental importância para a convivência ameaçadas pelas mudanças climáticas, já que variações negati-
entre atividades produtivas diversas e a biodiversidade regional. vas pequenas nos níveis de precipitação podem modificar dras-
Os serviços ambientais prestados pela Caatinga ainda preci- ticamente a estrutura dos ecossistemas naturais e antrópicos. As
sam ser quantificados e seu papel na economia formal melhor di- consequências para a economia e saúde da população humana
mensionado, para que fique claro quanto o sertanejo e o sertão podem ser devastadoras, uma vez que a capacidade da Caatinga
brasileiro dependem da biodiversidade desse bioma. em prestar serviços ambientais pode ser fortemente reduzida.

103
caatinga

Mo c ó (K e rodon rup estris) esp écie de ma mífero ca racterística da Caatin ga – Gruta dos Angicos | SE

Em 2008, um estudo patrocinado pelo Banco do Nordeste do A vegetação nativa da Caatinga é a própria apólice de segu-
Brasil (BNB ) e realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ro contra a severidade das mudanças climáticas. Se o enfrenta-
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG ) mostrou que até mento destas mudanças parece ser uma tarefa difícil, seria se-
2050, se nada for feito, o Nordeste pode ter uma redução de 11% guramente mais complicado sem o apoio dos serviços providos
de seu PIB em face às mudanças climáticas. Estados como Per- por um ecossistema sadio. Problemas graves de erosão e deser-
nambuco e Ceará correm o risco de perder mais de 60% de suas tificação prometem ser mais frequentes com um aumento de 2 a
terras agricultáveis por mudanças na fertilidade do solo deriva- 4 graus Celsius, como prevê o Painel Intergovernamental sobre
das de alterações no clima. Mudanças Climáticas (IPCC ), tornando os ecossistemas degra-
O mesmo estudo sugere que essas mudanças na fertilidade da dados e vulneráveis.
terra gerariam ondas migratórias para os centros urbanos, au- Em 2010, o Ministério do Meio Ambiente (MMA ) do Brasil
mentando a incidência de algumas doenças que hoje já são um constatou que o desmatamento, quase sempre associado a alguma
problema de saúde pública no Nordeste. Tomando como referên- atividade econômica dependente de energia, já tinha eliminado
cia o ano de 2005,40 estima-se que os custos da saúde pública po- cerca de 46% da vegetação nativa da Caatinga. Ou seja, a biomas-
dem crescer 49% até 2035. sa florestal nativa explorada de forma extrativista continua sendo

104
Biomas Brasileiros

um componente importante da matriz ener- belecimento de políticas efetivas de uso sustentável dos recursos
gética do semiárido brasileiro em pleno século XXI . naturais da região.44 Dentre os muitos possíveis caminhos que le-
Somente o polo gesseiro do Araripe demanda, anual­ vam ao desenvolvimento sustentável da Caatinga, é necessária a
mente, o corte de 8 mil hectares de vege- consideração de algumas questões-chaves, tais como:
tação nativa para abastecer sua indústria, 1 Pobreza e conservação não combinam: somente popula-
que emprega indiretamente mais 70 mil ções humanas que têm satisfeitas suas necessidades básicas são
pessoas. Com o ritmo do crescimento des- capazes de tomar decisões sensatas sobre seu capital natural.
sa atividade e as projeções de aumento na A longo prazo será impossível garantir a conservação dos recur-
demanda pela lenha, estima-se que em 45 sos naturais da Caatinga se o homem sertanejo continuar tendo
Pernambuco, cujo território é 80%
anos já se tenha esgotado toda a lenha num uma das menores rendas per capita do país. Enquanto a pobreza
ocupado pela Caatinga, foi o primeiro
estado brasileiro a criar um marco raio de 80 km em torno do polo gesseiro.41 se mantém generalizada, os recursos naturais do bioma conti-
legal para enfrentar a mudança do A Caatinga ainda abriga 46.979.425 nuam sendo explorados de forma predatória, ainda que para su-
clima. Em 2010 foi aprovada uma lei ha de vegetação nativa, o que represen- prir necessidades básicas e legítimas de populações humanas.
que institui o plano de enfrentamento
ta 2.419 milhões de m3 de madeira e uma 2 Áreas protegidas são necessárias: proteger, pelo menos,
às mudanças climáticas e reconhece
os “serviços ambientais” prestados biomassa vegetal acima do solo superior 10% da Caatinga através de unidades de conservação de prote-
pela natureza. a 3 milhões de toneladas.42 A gestão inte- ção integral é a meta geral fixada globalmente pela ONU para os
ligente desse enorme ativo biológico será ecossistemas terrestres. No entanto, essa meta já tem se mos-
fundamental para garantir a proteção da trado insuficiente e sabe-se que é preciso fortalecer as UC s exis-
biodiversidade, a produção de água e proteção do solo, o armazena- tentes e criar novas unidades, sejam públicas ou privadas. Uma
mento de carbono, a mitigação dos efeitos causados por extremos ampla rede de unidades de conservação é um dos principais
climáticos (como estiagens prolongadas), e o desenvolvimento componentes de qualquer política de uso sustentável de recur-
econômico, principalmente se o clima se tornar mais árido como sos naturais.
previsto para a região. 3 Conhecer para não perder: mesmo com novas universida-
des federais e a expansão dos campus já estabelecidos, o Nordes-
• • • te do Brasil ainda apresenta um número reduzido de grupos de
pesquisas e programas de pós-graduação, com fraco desempe-
Em resumo, a sociedade tem amadurecido e começa a perce- nho geral em termos de mestres e doutores formados e publica-
ber que a sustentabilidade das atividades humanas depende, em ções. O novo ritmo de crescimento do Nordeste vai exigir que um
grande parte, do funcionamento adequado dos ecossistemas na- maior contingente de pesquisadores se mobilize para atender às
turais do planeta; isto é, ecossistemas saudáveis. demandas de uso, manejo e proteção da
Sem uma Caatinga sadia, não teremos oferta de energia para biodiversidade, e também dos serviços
o polo gesseiro, nem terras agricultáveis para produzir frutas ambientais associados. Entre 1985 e 1996, apenas 4% dos
e vinhos no vale do rio São Francisco, nem água para satis­ 4 Atividades econômicas sustentá­ 2.439 projetos de biodiversidade
realizados no Brasil foram
fazer as necessidades da população humana crescente. A Caa- veis: em regiões áridas e semiáridas, ati- desenvolvidos na Caatinga,
tinga, como uma grande região natural, precisa ser reconheci- vidades econômicas de elevado valor sendo que 18 das 53 áreas
da pelo capital natural que é e representa, e como prestadora agregado (como bioprospecção, ecotu- prioritárias para a conservação
de serviços ambientais, de forma que as populações humanas rismo, produção de fármacos, polos tec- da flora foram classificadas como
insuficientemente conhecidas.
possam melhorar sua qualidade de vida tomando por base nológicos) são capazes de gerar emprego
economias sustentáveis. e renda e manter a cobertura vegetal da
Em 2011 a Caatinga foi reafirmada como a biota brasileira região. A cobertura nativa é fundamen-
com menor esforço de investigação científica, independente se tal para evitar a degradação do solo, a
o esforço é medido pelo número de publicações, pelo número de desertificação e, consequentemente, o
pesquisadores seniores devotados ao estudo do bioma ou pela colapso dos recursos hídricos e impac-
quantia de recursos financeiros aplicados em pesquisa.43 tos decorrentes para a biodiversidade e
Assim, a Caatinga, como as demais florestas secas do conti- populações humanas. Neste contexto, a vegetação, seja
nente americano, necessita de mais grupos de pesquisas e de ela arbustiva ou florestal, tem um papel fundamen-
instituições capazes de oferecer informação e fomentar o esta- tal como mitigadora dos extremos climáti-

105
caatinga

Vegeta çã o seca de caatin ga n a á rea rura l de B a rra | BA

106
Biomas Brasileiros

cos (como secas severas e prolongadas devido à possível expan- 14 Sampaio, Y. & J.E.M. Batista. 2004. Desenvolvimento regional e pressões
são da zona de aridez). O aumento de atividades redutoras da antrópicas no bioma Caatinga. Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonse-
ca & L.V. Lins (orgs.). Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias
vegetação, como extrativismo, produção primária de baixo valor
para a conservação. pp. 311–324. Ministério do Meio Ambiente, Brasília.
agregado e matriz energética dependente de lenha nativa, con- 15 MMA (Ministério do MeioAmbiente). 2008. Unidades de Conservação e
denariam a biodiversidade, os serviços ambientais, a economia Terras Indígenas do Bioma Caatinga. Secretaria de Biodiversidade e Flores-
e as populações humanas. tas. MMA , Brasília.
16 Sampaio, Y. & J.E.M. Batista. 2004. Op. Cit.
n ota s 17 Idem.
18 MMA . 2010. Monitoramento do Bioma Caatinga 2002–2008. Relatório
1 Prado, D. 2003. As caatingas da América do Sul. Em: I.R. Leal, M. Tabarelli Técnico, Centro de Sensoriamento Remoto – CSR/IBAMA , Brasília.
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2003; Rodrigues, 2003; Silva el al., 2003; Oliveira et al., 2003; Universidade R.C. Correia, A.C. Cavalcanti, F.H.B.B. Silva, A.B. Silva, J.C. Araújo Filho
Federal de Pernambuco et al., 2002. & A.P. Leite. 1994. Zoneamento agroecológico do Nordeste: diagnóstico
3 Lacher T.E., Jr. 1981. The comparative social behavior of Kerodon rupes- do quadro natural e agrossocioeconômico. 2v. EMBRAPA – CPATSA/CNPS ,
tris and Galea spixii and the evolution of behavior in the Caviidae. Bulletin Petrolina, Brasil.
of the Carnegie Museum 17: 1–71. 21 Giulietti, A.M., et al. 2004. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma
4 Mares, M.A. & T.E. Lacher Jr. 1987. Ecological, morphological and beha- Caatinga. Em: J.M.C. Silva, M. Tabarelli, M.T. Fonseca & L.V. Lins (orgs.).
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5 Silva, J.M.C. & D.C. Oren. 1993. Observations on the habitat and distribution 22 Idem.
of the Brazilian three-banded armadillo Tolypeutes tricinctus, a threatened 23 Coimbra-Filho, A.F. & I. de G. Câmara. 1996. Os limites originais do bio-
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Recife, Brasil. 25 Esse esforço foi parte do Programa Nacional da Diversidade Biológica
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107
caatinga

caatinga. Relatório do Projeto Avaliação e Ações Prioritárias para a Conser- cobertas sobre um bioma brasileiro. Ministério do Meio Ambiente (MMA ) e
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36 Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais 41 Brainer, M.S.C.P. Vidal, M. F. Ferreira, O.P. Nahuz, M.A.R. 2011. Manejo
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biente, Brasília. 44 Sánchez-Azofeifa, G.A., Kalacska, M. Quesada, M., Calvo, J., Nassar, J., &
38 Hauff, S. & R. Castro. 2007. Reserva Natural Serra das Almas: lições e Rodriguez, J.P. 2005. Need for integrated research for a sustainable future
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(MMA ) & The Nature Conservancy (TNC ). Caatinga: conhecimento e des-

108
Biomas Brasileiros

Tatu-bol a ( To lypeutes tricin ctus) , esp écie en dêmica


en con tra da n a caatin ga e n o cerra do | PI

109
Biomas Brasileiros

acima : Em Gua ribas a seca imp õe severas con dições


à p op ul a çã o loca l | PI

p á gin a ao l a do: Mora dia típ ica do sertã o ba ia n o:


pau-a-p ique e tel h a do de p edra | B A

p á gin as 110-111: Serra B ra n ca n o Pa rque Nacion a l


do Raso da Cata rin a | B A

113
caatinga

acima : Pedra Fura da n o Pa rque Nacion a l Serra da Ca p ivara | PI

p á gin a ao l a do: Árvore ba rriguda (Cavallinesia umbellata)


n a regiã o de Eucl ides da Cun h a | B A

114
Biomas Brasileiros

115
caatinga

acima : Forma çã o de cactus x ique-x ique ( Piloso cereus go u nellei)


n o sertã o dos In h a mun s – Esta çã o Ecol ógica de Aiua ba | CE

p á gin a ao l a do: Igua n a ( Iguana iguana) em cacto ma n dacarú | PB

p á gin as 116-117: Sítio a rqueol ógico n o ca riri pa ra iba n o –


La jedo do Pa i Mateus | PB

118
Biomas Brasileiros

119
caatinga

122
Biomas Brasileiros

acima : Ara ras-a zuis-de-l ea r ( Ano d o rhyn chus leari) sobre licuri
( Syagrus co ro n ata) – Serra B ra n ca | B A

p á gin a ao l a do: Flor de ma n daca ru (Cereus sp.) n a Serra


Vermel h a , uma das á reas de ma ior biodiversida de da caatinga| PI

p á gin as 120-121: Pa rque Nacion a l Serra da Ca p iva ra –


Patrimôn io Cultura l da Huma n ida de | PI

123
Biomas Brasileiros

acima : Jacucaca ( Penelo pe jacucaca) n o Pa rque


Nacion a l Serra da Ca p iva ra | PI

p á gin a ao l a do: Suçua ra n a ta mbém con h ecida como p uma


( Puma co nco lo r) | Piauí

p á gin as 126-127: Forma ções geol ógicas do B oqueirã o da Pedra


Fura da – Pa rque Nacion a l Serra da Ca p iva ra I PI

125
4 AMAZÔNIA
I m a C é l i a G u i m a r ã e s V i e i r a • P e t e r M a n n d e To l e d o
R o b e r to A r a ú j o d e O l iv e i r a S a n to s J u n i o r
A n d r e a d o s S a n to s C o e l h o • T h a í s Pac h e c o K a s e ck e r

N
Pat r ici a C a r va l h o B a i ã o

extraordinária exuberância das espé-


ã o a p e n a s p e l a
cies que contém, mas também por suas dimensões con-
tinentais, o cenário que se revela quando observamos a
Amazônia é surpreendente. Trata-se da maior floresta
tropical do mundo, e graças a sua incrível variedade de
ecossistemas a biodiversidade desse bioma é insuperável.
No total, a floresta abrange nove países da América do Sul,
mas cerca de 60% do seu território é brasileiro. Com dimensão
de aproximadamente 6,3 milhões de km2, a chamada “Amazônia
continental” se estende pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,
Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
Entre índios, quilombolas, seringueiros e quebradeiras de
coco, a Amazônia também abriga um grande número de cultu-
ras tradicionais de grande valor. O censo brasileiro de 2010 mos-
trou que, dos 34 milhões de habitantes da Amazônia continental,
24 milhões vivem na Amazônia brasileira. Além dos grupos in-
dígenas (nos nove países são 375 povos indígenas, sendo 180 mil
índios contados no Brasil), também convivem na floresta comu-
nidades extrativistas, castanheiros e ribeirinhos.1
Quanto à diversidade da fauna e flora, todos os números apre-
sentados são possivelmente subestimativas. Avalia-se que exis-
tam mais de 40 mil espécies somente de plantas vasculares, sen-
do 30 mil endêmicas, ou seja, que não ocorrem em nenhum outro
lugar do mundo.2 Esse número representa aproximadamente
10% de todas as plantas conhecidas do planeta! Só a Amazônia
brasileira abriga mais de 13 mil espécies de plantas, das quais
15% são endêmicas.
bioma amazônia estados abrangentes

4,1 milhões de km2 / 24 milhões de habitantes


13 mil espécies de plantas, sendo 15% exclusivas
Biomas Brasileiros

Lag o B ra n quin h a n a Terra In dígen a do Va le do Java ri – Alto Solimões | AM

Basicamente, esse bioma é formado por três tipos de matas: as Esse bioma, que contém um terço das florestas úmidas do pla-
matas de terra firme (que ficam distantes dos rios e onde são en- neta, reúne 20% da água doce fluvial e lacustre do mundo, 30% da
contradas espécies como a castanha-do-pará e madeiras nobres diversidade biológica mundial. Abriga em seu subsolo gigantescas
como o mogno); as matas de várzea (que são inundadas periodi- reservas minerais, ricas em minérios de grande valor comercial
camente e têm alta diversidade de espécies); e as matas de igapó como cobre, chumbo, ouro, estanho, magnésio, bauxita, níquel e
(que ficam perto do leito dos rios e abrigam espécies característi- prata, depositados em jazidas como as da região de Carajás, no les-
cas como a vitória-régia). Além das florestas, são comuns as cam- te do estado do Pará e da Calha Norte do rio Amazonas, ao norte do
pinaranas e as savanas amazônicas, conhecidas regionalmente mesmo estado, que estão entre os maiores do mundo. Além disso,
como “campos da natureza”. depósitos de gás natural e petróleo também têm sido explorados
Entre os animais, vários grupos se destacam. Nas florestas nos últimos anos.
baixas da Amazônia central e ocidental, encontra-se uma grande Além de grandes estoques de carbono que contribuem para o
diversidade de primatas: são 81 espécies de macacos dos quais 69 equilíbrio climático local, regional e mundial, esse bioma abriga
são endêmicos. Os mamíferos são representados por 427 espé- o maior e mais complexo sistema de rios do planeta, o que torna
cies descritas (das quais 158 são de morcegos), as aves, por quase imbatível também a variedade da sua fauna de peixes. Contam-se
1.300, os répteis e anfíbios, por aproximadamente 805. aproximadamente 3.000 espécies, ou 30% de todas as já descri-

131
amazônia

tas. Para se ter uma noção comparativa, em apenas um dos rios Do mesmo modo, muitas línguas indígenas já foram perdidas
da Amazônia, o rio Negro, conta-se mais que o dobro das espécies e outras correm sérios riscos de extinção. Da Amazônia conti-
descritas em toda a Europa. nental já desapareceram 21 línguas (sendo 11 no Brasil), e 84 es-
Já que a maioria das espécies tem capacidade limitada para tão em perigo crítico (36 em território brasileiro).
cruzar grandes extensões de água, o isolamento pelos grandes Entretanto, ainda há mais de 80% do bioma que permanece
rios da região compõe diferentes comunidades de fauna e flora intacto e oferece oportunidades únicas de conservação da so-
em diferentes regiões da Amazônia. Dessa forma, a floresta pode cio-biodiversidade em larga escala. Uma das estratégias para a
ser vista como um arquipélago de oito ilhas, ou centros de ende- conservação tem sido a adoção de espécies-bandeira populares
mismos: Tapajós, Xingu e Belém, Rondônia, Napo, Imeri, Guia- e carismáticas, como o sagui-leão (Cebuella pygmaea ), a arira-
na e Inambari. nha (Pteronura brasiliensis), o peixe-boi (Trichechus manatus),
araras e papagaios (Psittaciformes), que facilitam a sensibiliza-
ção do público e promovem a conservação mais ampla da floresta
através da preservação dos ecossistemas em que vivem.

Amazônia Brasileira
Abrangência

Poucas pessoas sabem que praticamente metade do território


do Brasil é floresta amazônica. Dos 8,5 milhões de km2 de extensão
do país, esse bioma constitui 4,1 milhões de km2, ocupando nove
estados brasileiros, sendo eles o Acre, Amapá, Amazonas, Pará,
Rondônia, Roraima e parte do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.
Com olhos no avanço do país e no desenvolvimento regional, o
governo brasileiro instituiu a Amazônia Legal, uma delimitação
territorial criada com base em fatores políticos e não geográficos.
Nessa demarcação legal, a Amazônia inclui partes do bioma Cer-
rado nos estados do Mato Grosso e Maranhão e é uma área maior
do que aquela ocupada pelo bioma Amazônia stricto senso. A su-
perfície definida por lei tem aproximadamente 5.217.423 km2 e
representa 59% do território brasileiro. Desse total, 3 milhões de
C i da d e d e São Gabr i el da C acho ei r a n o a lto Rio Negro | Ama zon as km2 são ocupados pela floresta e o restante por savanas (24%) e
pelo homem (15%).

Nesse sentido, as estratégias para a conservação na Amazônia Urbanização


não podem ser homogêneas para toda a região. Como se tem notí-
cia, nos últimos 30 anos partes do bioma vêm sofrendo graves al- Vários órgãos públicos foram criados para viabilizar ações
terações (como o desmatamento no sul e leste da Amazônia bra- de planejamento regional. As tentativas do Estado brasileiro
sileira), e de acordo com a lista vermelha de espécies amea­çadas para alavancar o desenvolvimento da Amazônia começam em
de extinção do mundo (IUCN ) e do Brasil (MMA ), muitas espécies 1953 com a criação da Superintendência do Plano de Valoriza-
amazônicas estão em perigo. Entre elas incluem-se as mais sen- ção Econômica da Amazônia (SPVEA) . Posteriormente, em 1966,
síveis ao desmatamento, como a onça-pintada (Panthera onca), e o governo militar criou a Superintendência de Desenvolvimento
as de grande valor comercial ou cultural, como é o caso do mog- da Amazônia (SUDAM ), que viria a ser extinta em 2006, mas rees-
no (Swietenia macrophylla), do pirarucu (Arapaima gigas) e do tabelecida em 2007, logo após um ano de vigência da Agência de
peixe-boi (Trichechus manatus). Desenvolvimento da Amazônia (ADA ).

132
Biomas Brasileiros

O incentivo governamental para encora- Com relação à Amazônia Legal, nos últimos 10 anos (1991–2010)
jar o desenvolvimento na Amazônia levou gran- nota-se que a população total quadruplicou, alcançando aproxi-
des investimentos públicos à região, mas também fez madamente 24 milhões.
a floresta e suas comunidades sofrerem Um dos fenômenos demográficos mais notáveis da Amazô-
com enormes problemas ambientais. Fo- nia Legal nos últimos 30 anos é a urbanização em ritmo acele-
ram implementados na região projetos rado e desordenado. De 1980 até 2000, as cidades amazônicas
como a Fordlândia (1947), a Indústria ampliaram seu contingente populacional em 46%, enquanto que
e Comércio de Minério – ICOMI (1957), de 2000 a 2010 essa ampliação foi de 19%. No mesmo período, a
Jari (1967), as rodovias Transamazôni- população urbana da região apresentou um crescimento de apro-
ca (1972), Manaus-Porto Velho (1973) e ximadamente 21% (em 2000 a população urbana era de aproxi-
Santarém-Cuiabá (1976), Hidroelétrica madamente 14 milhões). Atualmente são 18 milhões de pessoas
Dentre as populações indígenas, de Tucuruí (1976–1984), Programa Gran- vivendo nessas cidades.
um terço apresenta população inferior de Carajás-PGC (1979–1986) e Hidroelé-
a 200 indivíduos. O grupo dos Kayapós,
trica de Balbina (1985–1989). Tabela 1. Características demográficas do bioma Amazônia.
na bacia do rio Xingu, apresenta
aproximadamente 6.000 indivíduos Entre as consequências do crescimen-
e está entre os maiores. to urbano na Amazônia, ressaltam-se a
estados área (km ) Densidade População
2
População População Taxa de
aceleração do desmatamento, a degrada- demográfica Total Urbana Rural Urbanização
ção dos recursos naturais, a pressão sobre (hab/km2) (%)

a infraestrutura e equipamentos urbanos, a ausência de sanea- Acre 164.122 4,46 732.793 532.080 200.713 72,61
mento básico adequado (que tem como consequência a prolifera- Amapá 142.828 4,68 668.689 600.561 68.128 89,81
ção de doenças infectocontagiosas e a mortalidade infantil), a po- Amazonas 1.559.162 2,23 3.480.937 2.755.756 725.181 79,17
luição dos rios (principalmente pela falta de saneamento básico), a Maranhão 140.335 19,53 2.740.773 2.162.886 577.887 78,92
falta de destinação adequada para o lixo urbano e a ocupação irre- Mato Grosso 666.661 2,22 1.479.245 1.093.333 385.912 73,91
gular de território. Pará 1.247.950 6,08 7.588.078 5.197.118 2.390.960 68,49
Além disso, o crescimento da população urbana na Amazô- Rondônia 237.591 6,57 1.560.501 1.142.648 417.853 73,22
nia não foi acompanhado da implementação de infraestrutura Roraima 224.301 2,01 451.227 344.780 106.447 76,41
necessária para garantir condições mínimas de qualidade de Tocantins 59.511 7,42 441.364 346.004 95.360 78,39
vida. Como resultado, avolumam-se nas cidades amazônicas Total 4.442.461 6,13 (méd.) 19.143.607 14.175.166 4.968.441 69,09
problemas como baixos índices de saúde, educação e salários, Fonte: Censo demográfico – IBGE (2010a).
aliados à falta de equipamentos urbanos.3
Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o
Demografia
Nenhum Estado da Amazônia possui IDH maior do que a mé-
Contrariamente à ideia divulgada, sobretudo a partir dos dia do Brasil, o que reflete o atraso no desenvolvimento dessa
anos 1970, de que essa região seria um grande vazio demográfico, região em relação às outras do país. Entre os nove estados que
a Amazônia é habitada por quilombolas, ribeirinhos, índios, pes- compõem a Amazônia Legal, o Mato Grosso tem a melhor classi-
cadores, extrativistas, operários e agricultores familiares, que ficação, ficando o Maranhão com a última colocação no ranking
representam a diversidade histórica do povoamento da região. divulgado pelo PNUD (2010).4
Essas populações constituem aproximadamente dois milhões A porcentagem da população que vive abaixo da linha de po-
de habitantes na Amazônia brasileira que vivem relativamente breza varia bastante entre os estados, onde Maranhão e Pará des-
isolados da sociedade urbana em reservas extrativistas e de de- tacam-se por apresentarem as maiores (36,7% e 41,6%, respecti-
senvolvimento sustentável, terras quilombolas e assentamentos, vamente). Por outro lado, no Mato Grosso, 12,4% da população
além de terras devolutas. vive abaixo da linha de pobreza, sendo este valor menor do que as
Há, de fato, várias Amazônias em virtude de suas culturas, eco- médias para a Amazônia Legal e brasileira.
nomias e fatores ambientais diferenciados. A população que ha- Assim, a Amazônia reproduz duas características da desigual-
bita o bioma é de 19.143.607 habitantes, e as características popu- dade e pobreza no Brasil. A primeira é que o Brasil não é um país
lacionais que a compõem são bastante diferenciadas (Tabela 1). pobre, mas um país com muitos pobres, cuja origem da pobreza

133
amazônia

faixa que se estende pela borda sul e leste da região, onde se dá a


transição entre os biomas Cerrado e Amazônia.
De acordo com o detalhado índice IDES /FGV, 7 o Indicador de De-
senvolvimento Socioeconômico dos Estados Brasileiros, os estados
da Amazônia possuem de médio a baixo desenvolvimento, sendo
o Maranhão o menos desenvolvido. Esse indicador mostra que na
maioria desses estados o crescimento econômico não vem sen-
do acompanhado por um melhor desenvolvimento para a socie-
dade como um todo.
Historicamente, a maior participação no PIB amazônico vem do
setor de serviços, que contribui com cerca de 60%, enquanto a in-
dústria e a agropecuária contribuem respectivamente com 25% e
15%. Com relação ao país, a Amazônia responde em média por 8%
do PIB nacional.
Os valores de PIB per capita dos Estados da Amazônia Legal
apresentaram, em 2009, uma variação de 37% (Maranhão) a 113%
(Mato Grosso) quando comparados ao PIB per capita do país, de R$
16.917,66. O PIB per capita médio da Amazônia Legal foi equivalen-
Extr aç ão d e and i r o ba (Carapa sp.) em Vila Fra n ca – te a 71,5% da média registrada para o país em 2009.8
Reserva E xt r ativista Ta pa jós-Ara p iun s | PA Entre os Estados, o Pará tem 24% do PIB da região, seguido pelo
Mato Grosso com 22%, Amazonas com 19% e Maranhão com 16%.
Pode-se concluir que lidar com a diversidade regional e lo-
não reside na escassez de recursos. No caso da Amazônia brasilei- cal ainda é o maior desafio para se alcançar o desenvolvimento
ra, isso é particularmente evidente, pois essa região possui enor- regional sustentável, pois os maiores problemas de desenvolvi-
mes riquezas potenciais que representam uma fonte de recursos mento na Amazônia estão relacionados com a crise do seu mo-
muito superior ao necessário para eliminar o contingente de po- delo econômico.
bres residentes na região. A segunda é que a Amazônia também
apresenta uma relação de intimidade entre intensidade da pobre- U s o s da t e r r a e p r o du ç ã o r e g i o n a l
za e concentração de renda – tanto a renda per capita como a renda
média são muito superiores à renda que define a linha de pobreza. Estudos recentes mostram uma profunda transformação
das formas de uso da terra na região, bem como a intensifica-
Economia ção e diversificação da exploração dos recursos naturais. Segun-
do dados do projeto TerraClass,9 67% das áreas desflorestadas
A base da economia da região tem sido, tradicionalmente, os da Amazônia Legal, até 2008, estão ocupadas por pastagens, o
recursos naturais: boas terras para agricultura e pecuária e flo- que equivale a 447 mil km2. Note-se que para as áreas ligadas a
restas que oferecem grande riqueza em madeira. Mas a demanda atividades de pecuária, o TerraClass apresentou, para o ano de
excessiva por recursos florestais destinados à exportação e, em 2008, 67% das áreas desflorestadas na Amazônia, ou um total
menor escala, ao consumo local, combinada com uma estratégia de 447 mil km2 de desmatamento.
econômica que promoveu a expansão da pecuária e de commo- Os estados do Pará e Mato Grosso foram identificados com
dities agrícolas e agroindustriais a partir dos anos 1970, levou as maiores áreas ocupadas por agricultura e pecuária, e também
ao desmatamento sistemático de grandes extensões florestais.5 com maior área de vegetação secundária. Já em 2010, o desma-
Além disso, muitas das atividades florestais foram realizadas ile- tamento da floresta amazônica chegou a alcançar 742.782 km2, o
galmente, de forma que resultaram em poucos rendimentos para que representa 14,7% do território da Amazônia Legal ou 16,7%
o estado e inúmeros conflitos socioambientais.6 do bioma. Por outro lado, cerca de 150 mil km2 estão cobertos por
Assim, em geral, o maior dinamismo da economia regional é vegetação secundária, 35 mil km2 com agricultura anual e 24 mil
também onde ocorrem as áreas de ocupação consolidada corres- km2 de uso por mosaico de ocupações, o que representa, respecti-
pondentes ao “Arco do Desmatamento”. Essas áreas formam a vamente, 22%, 5% e 3,7% das áreas desflorestadas (Tabela 2).

134
Biomas Brasileiros

Tabela 2. Classes de Usos da Terra das grandes classes cúbicos produzidos no ano de 2009, sendo o estado do Pará res-
temáticas mapeadas pelo TerraClass (2010). ponsável por quase 50% da produção de madeira processada, se-
guido do Mato Grosso.10
U s o s da T e r r a É importante notar que a floresta amazônica é responsável
Classes Temáticas Área (km )
2
Área (%) quase que exclusivamente pela produção de açaí, castanha-do-
Pastagem 447.166 67,51 -pará e babaçu. Essas opções econômicas em ambientes preser-
Agricultura Anual 34.929 5,27 vados fazem um contraponto à viabilidade econômica em relação
Mosaico de ocupações 24.417 3,69 às áreas desmatadas.
Vegetação Secundária 150.819 22,77
Outros 5.027 0,76 Pecuária
TOTAL 662.358 100,00 As pastagens para suporte da pecuária situam-se como prin-
Fonte: adaptado do Projeto TerraClass/INPE, 2008 cipal tipo de paisagem rural na Amazônia, constituindo cerca de
70% das terras desmatadas. De cada quatro cabeças adicionais
O atual quadro de distribuição do uso e da cobertura da terra de gado no país, três são oriundas da Amazônia e 96% do cresci-
na Amazônia reflete as políticas implantadas na região e mostra mento nacional observado na atividade vem dessa região.11
que as mazelas sociais herdadas da história da ocupação regional O bioma apresenta, atualmente, um rebanho bovino de 77,8
ainda não foram solucionadas. milhões de cabeças e uma área de pastagens cultivadas estima-
da de 53 milhões de hectares, com taxa de lotação média de 1,4
E x t r at i v i s m o F lo r e s ta l cabeça/hectare. Os maiores rebanhos bovinos são encontrados
A Amazônia é uma região eminentemente extrativista. Os pro- no Mato Grosso (36,9%) e no Pará (22,6%), que juntos detêm cer-
dutos primários do setor florestal incluem toras, frutos, óleo, car- ca de 60% da produção agropecuária da Amazônia, seguidos de
vão e lenha, mas estes estão inevitavelmente limitados a atender Rondônia, Maranhão e Acre.12
potenciais crescimentos de demandas de mercado, uma vez que Assim, a pecuária é apontada como a atividade responsável
a oferta desses produtos pela natureza é limitada pelos processos pela maior parte do desflorestamento. A expansão da pecuária
ecológicos naturais.
O enriquecimento de florestas secundárias pode, potencial-
mente, diminuir a pressão em áreas preservadas. Esse é o desafio
da produção tecnológica de produtos não madeireiros e madei-
reiros que implicam, necessariamente, em áreas de plantio. No
caso da produção de lenha, novas téc-
nicas de manejo e opções de produção
Na década de 1980 se dá a criação igualmente rentáveis poderiam diminuir
das primeiras reservas extrativistas o desmatamento intermitente em peque-
da Amazônia. Destaca-se a
iniciativa do ativista e seringueiro
na escala, o que influenciaria na degrada-
Chico Mendes, que mobilizou a ção ambiental a médio e longo prazos.
opinião pública em defesa do uso Um grande problema ambiental as-
sustentável da floresta. sociado à exploração convencional da
madeira é a ocorrência dos incêndios
florestais. Dependendo do grau de frag-
mentação da floresta e da intensidade da
exploração madeireira, a vegetação fica
mais suscetível ao fogo e acaba sendo
atingida acidentalmente.
Nos últimos dez anos, a atividade flo-
restal madeireira na Amazônia teve uma redução de re- Pesquisa dores de h erpetologia na Reserva Extrativista
produção de madeira em tora de 28 milhões de me- Ta pa jós-Ara p iun s | PA
tros cúbicos para os 14 milhões de metros

135
amazônia

Porto em Sã o Domin gos do Ca p im | PA

não está associada somente à disponibilidade de capital para res com estabelecimentos de pequeno e médio porte (agricultura
investimento, associa-se também à expansão dos mercados in- familiar) com até 200 hectares, sobretudo nos estados do Pará e
ternos e externos, à demanda por carne bovina no exterior e aos de Rondônia.13
incentivos fiscais. Vale ressaltar que a agricultura familiar, a despeito de sua im-
A dinâmica da pecuária está associada à rentabilidade da ati- portância fundamental na produção de alimentos, representa
vidade e à dinâmica expansiva dos mercados de carne, porém, a 77% do número de estabelecimentos rurais, porém ocupa uma
especulação da terra e os créditos subsidiados são elementos im- área de apenas 27%. Assim, nota-se que as políticas de distribui-
portantes no processo de “pecuarização” da região, envolvendo ção fundiária iniciadas nos anos 1970 não parecem ter revertido
inclusive os pequenos agricultores que investem na produção a tendência à concentração fundiária que vem, pelo contrário, se
bovina como forma de diversificar a sua fonte de renda. acentuando na região.
A produção desses agricultores é destinada basicamente aos
Ag r i c u lt u r a mercados locais, regionais e nacionais (em alguns casos interna-
As atividades agrícolas totalizam 800 mil estabelecimentos cionais, como a pimenta-do-reino e o maracujá). Nesse segmento
distribuídos em 115 milhões de hectares por toda a Amazônia Le- da agricultura, que sempre foi associado a uma agricultura “mi-
gal. Grande parte da população rural da Amazônia é de agriculto- gratória” de corte e queima com pouca estabilidade territorial e

136
Biomas Brasileiros

diversidade agronômica, predomina atualmente uma tendência cário, de gipsita, de potássio e de rochas fosfáticas. Os agregados
de diversificação crescente dos sistemas de produção agrícola, minerais, utilizados na construção civil, estão distribuídos por
incluindo de forma variável culturas perenes, pequena criação, todos os estados com atividades mais intensivas concentradas
extração vegetal e até pecuária.14 nos grandes centros urbanos.
Segundo o último censo agropecuário do IBGE , as lavouras
perenes ocupam cerca de 2,57 milhões de hectares, dos quais E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
as culturas mais importantes são o café (com 31% da área total),
o cacau (16,8%), a banana (15,4%), a borracha em látex (8,5%)
e o dendê (7,5%). Pa n o r a m a at ua l
As lavouras anuais ocupam 10,41 milhões de hectares, sendo As estratégias de conservação no bioma amazônico têm
que a soja contribui com 52% da área total plantada, o milho com sido focadas na criação de áreas protegidas. Hoje essas áreas co-
21%, o arroz com 9%, a mandioca com 6% e o feijão com 2,5%. brem 1,9 milhão de km2, ou cerca de 45% da parte brasileira do
bioma. Entre 2002 e 2009, 709 mil km2 de área foram designadas
Mineração às mais diversas categorias de proteção, e acredita-se que essa
A atividade de produção mineral na Amazônia tem sido mui- expansão contribuiu em 75% na diminuição do desmatamento
to relevante no desenvolvimento econômico nacional. No entan- entre 2004–2009. Apesar de desempenhar um papel efetivo na
to, sua crescente expansão e importância mundial produziram inibição do desmatamento, as áreas protegidas são pouco efeti-
uma nova visão acerca dos impactos sociais e ambientais na re- vas na conservação de bacias hidrográficas, cujas cabeceiras se
gião. Independente da escala local da exploração mineral, os im- encontram além dos limites dessas áreas.17
pactos indiretos (questão fundiária no entorno do empreendi- Além disso, somente a manutenção das áreas protegidas não
mento, infraestrutura necessária para o escoamento do volume será suficiente para sustentar o clima da Amazônia, já que mais
de produção, demanda de energia elétrica provocando a constru- de 70% de cobertura vegetal são necessários para a manutenção
ção de usinas hidroelétricas etc.) aumentam sobremaneira os ní- do regime de chuvas. A estratégia de conservação do bioma ama-
veis de intervenção deste setor na alteração dos sistemas natu- zônico deve conter diferentes abordagens, incluindo áreas den-
rais na Amazônia. tro e fora de Unidades de Conservação e Terra Indígenas legal-
A Região Norte tem uma grande relevância em termos quanti- mente estabelecidas.
tativos e de estratégia futura de produção. Existem 7.809 empre- Hoje em dia a proteção de bacias e suas cabeceiras depende
sas mineradoras no Brasil, sendo 429 no Norte. O Pará é o segun- da manutenção de vegetação ripária, obrigatória por lei em pro-
do maior produtor de minério do Brasil, com 28% da produção priedades privadas no Brasil. Entretanto, com os instrumentos
nacional. Segundo o IBRAM (2010)15 este estado é responsável atuais de comando e controle não há garantias da efetividade e do
por 30% do saldo da balança comercial brasileira. O mercado de cumprimento da legislação.
bens minerais no Brasil movimentou R$ 38,4 bilhões em 2007, e Dos 6,3 milhões de km2 que formam o bioma Amazônia, apro-
a região amazônica respondeu por R$ 9,6 bilhões, ou seja, o equi- ximadamente 80% estão intactos. Em alguns países como o Suri-
valente a 25% do valor total. Nota-se que o caráter eminente- name e a Guiana esse número excede os 90%. No Brasil, o estado
mente exportador da matéria-prima, sem valor agregado, reduz do Amapá é um exemplo de conservação do bioma com 98% de
as chances de essa importante atividade contribuir efetivamente sua vegetação nativa preservada. Entretanto, as ameaças à Ama-
para o desenvolvimento regional.16 zônia são proporcionais à sua grandeza e riqueza.
Nos últimos anos, o desenvolvimento da atividade mineral na A população humana na Amazônia brasileira aumentou de
Amazônia tem se tornado cada vez mais dinâmico. Isso pode ser 6 milhões em 1960 para aproximadamente 24 milhões em 2010, e
observado principalmente nos estados do Pará, Amapá, Amazo- sua cobertura florestal foi reduzida a cerca de 80% da formação
nas, Rondônia e Tocantins, os quais respondem por grande par- original. Na tentativa de conter esse avanço, o governo brasileiro
te da produção mineral brasileira, representada por uma grande estabeleceu uma meta desafiadora de reduzir o desmatamento da
diversidade de substâncias minerais. Distribuem-se na região Amazônia em 80% da sua base histórica de 19.500 km2 até 2020.
minas de ouro, prata, minério de ferro, bauxita, cobre, manganês, Até agora, esses esforços levaram a um progresso de redução de
cromo, estanho, nióbio e tântalo, além de zircônio entre os metá- 28.000 km2/ ano em 2004 para menos de 7.000 km2/ ano em 2011.
licos. Por outro lado, existem as minas de substâncias minerais No entanto esse progresso ainda é considerado frágil. Ainda há
industriais, sendo três grandes minas de caulim, minas de cal- muito que se fazer para conter as principais causas do desmata-

137
amazônia

mento da região, que hoje estão especialmente ligadas à mudança curuí, a maior já construída em uma floresta tropical, emite mais
do uso da ocupação da terra. A pavimentação de rodovias e a pres- gases do efeito estufa através da decomposição de material bio-
são dos mercados nacional e internacional por commodities ali- lógico do que toda a frota automobilística da cidade de São Paulo.
mentícias, como gado e soja, além da extração de madeira, são ati- Além disso, houve significativa redução na diversidade de peixes e
vidades que estimulam o desmatamento e a degradação do bioma. modificações nas áreas de florestas.
A conversão de florestas para outros usos como a agricultura Recentemente o governo brasileiro adotou como prioridade
e a pecuária através do desmatamento continua sendo o maior a expansão da produção hidrelétrica baseada principalmente
vetor de destruição das florestas. A extração de madeira ilegal é na Amazônia. No rio Xingu, a polêmica usina de Belo Monte foi
um dos principais fatores que contribuem para o desmatamento aprovada e está em processo de construção. Um grande com-
da Amazônia. Rica em madeiras de alto valor comercial, como o plexo hidrelétrico está previsto para o rio Tapajós, com cinco
mogno, a Amazônia vem sendo explorada ilegalmente há décadas. usinas, além de planos de construção de seis represas no rio
Essa atividade teve como resultado a conversão de vastas áreas Tocantins. Outros países amazônicos, como a Guiana, também
de floresta em áreas agrícolas ou destinadas a outros usos inten- estão construindo usinas hidrelétricas para suprir suas deman-
sivos do solo. das energéticas.
Um dos grandes desafios para a região amazônica na próxima
década será incorporar tecnologia aos processos produtivos na U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o
agricultura e pecuária para que os produtores locais possam au- Em 2010, em Nagoya, no Japão, os países signatários da Conven-
mentar sua produtividade sem novos desmatamentos. Os mer- ção sobre Diversidade Biológica (CDB ) assumiram o compromis-
cados compradores de produtos agrícolas e pecuários estão cada so de proteger 17% e 10% de áreas terrestres e marinhas respecti-
vez mais exigentes e movimentos como a Moratória da Soja e a vamente globalmente. A Amazônia está à frente no cumprimento
Moratória da Carne, através dos quais grandes compradores se desse compromisso protegendo atualmente 41,2% do bioma com
recusam a adquirir produtos provenientes de áreas desmatadas, Unidades de Conservação (UC ) e Terras Indígenas. No Brasil, al-
demonstram avanços no caminho correto. guns estados, como o Amapá com 72% de seu território protegido,
Outro problema é a exploração mineral na Amazônia que teve, vão além da média do bioma. E no total, quase 40% da Amazônia
historicamente, consequências desastrosas para o meio ambien- Legal está protegida em UC e Terras Indígenas.
te. Além dos danos ambientais causados pelas operações diretas Uma das ferramentas mais eficazes para a conservação da
da mineração, essa atividade necessita de infraestrutura de esco- Amazônia é a criação de Unidades de Conservação (UC ). No
amento como estradas e portos, que abrem caminho para a entra- Brasil, existem duas categorias de UC : as de proteção integral e
da de atividades ilegais e desmatamento no interior da floresta. as de uso sustentável. As de proteção integral, como o nome já
Esse padrão de desmatamento que segue estradas abertas é co- diz, são destinadas à conservação de há-
nhecido como espinha de peixe e é responsável pela conversão de bitats naturais e da biodiversidade. Não é
grandes áreas na Amazônia. permitida qualquer atividade econômica Por iniciativa do governo federal,
Além disso, a mineração induz grandes fluxos populacionais no interior dessas UC s, assim como não é em 1943 os irmãos Villas-Bôas iniciam
a expedição Roncador-Xingu, que os
para determinadas áreas gerando o processo conhecido como permitida a permanência de populações levaria ao contato com diversas
boom colapso, no qual a economia local cresce muito durante o dentro de suas fronteiras. Já as UC s de culturas indígenas e à consequente
período de exploração do minério (boom), mas declina drastica- uso sustentável se destinam a promover criação, em 1961, da principal reserva
mente após o encerramento das atividades de mineração (colapso). o uso dos recursos naturais gerando de- indígena das Américas, o Parque
Nacional do Xingu.
Existem iniciativas recentes da indústria mineraria na Amazônia senvolvimento econômico e social, en-
para evitar o boom colapso através de investimentos locais durante quanto o capital natural é preservado e
o período de exploração, visando à sustentabilidade do desenvolvi- as culturas locais valorizadas.
mento econômico e promovendo desenvolvimento social. O estado do Pará tem as maiores UC s
A Amazônia tem também o maior potencial hidrelétrico do em ambas as categorias: a Estação Ecoló-
mundo em função de seu complexo sistema hídrico. Entretanto, gica Grão-Pará é a maior UC de proteção
por sua geografia, com pouca diferença de elevação de seus rios, as integral em florestas tropicais do mundo,
áreas inundadas em projetos hidrelétricos são geralmente muito com 4,2 milhões de hectares, e a Floresta Estadual do
grandes, causando danos ambientais e socioculturais irreversíveis. Paru, com 3,6 milhões de hectares, é a maior na cate-
Como exemplo, o lago formado pela inundação da represa de Tu- goria uso sustentável.

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Biomas Brasileiros

Frutos e semen tes do gua ra n á ( Paullinia cupana) | Ama zonas

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amazônia

Na Amazônia Legal brasileira são ao todo 72 UC s de prote-


ção integral, 152 UC s de uso sustentável e 286 Terras Indígenas.
A implementação efetiva dessas UC s e Terras Indígenas é um de-
safio para o Brasil e para os demais países amazônicos, uma vez
que requer o investimento de recursos financeiros e humanos em
grande escala. Entretanto, UC s bem implementadas podem não
só garantir a preservação do capital natural da Amazônia, mas
podem também promover o desenvolvimento econômico e social
na região, gerando melhoria de qualidade de vida para as popula-
ções que vivem na floresta e criando um novo modelo de desen-
volvimento para a Amazônia e para o mundo.
Dos países da Amazônia continental, apenas Guiana Francesa
e Suriname não têm um sistema de UC criado por lei e que deter-
mina categorias e regras de uso de cada categoria.

D e s a f i o s e O p o r t u n i da d e s

Desafios políticos
As tendências sociais e econômicas da Amazônia – expan-
são da fronteira agrícola, rápido crescimento da população, mi-
grações internas e internacionais, e ocupação ilegal de terras
públicas – são as principais ameaças à conservação da floresta
amazônica. Mas, apesar das ameaças, a Amazônia ainda oferece
oportunidades únicas para promover um novo modelo de desen-
volvimento para o mundo através da conservação da biodiversi-
dade aliada ao desenvolvimento econômico e social da região.
Esse novo modelo combate a pobreza e promove a conserva-
ção do meio ambiente para as futuras gerações. Chamamos de
Economia Verde o processo que melhora a qualidade de vida das
pessoas, gerando desenvolvimento econômico e social enquanto
o capital natural é preservado. Essa economia tem por base a pre-
servação das florestas e dos serviços ambientais que elas forne-
cem, além do uso sustentável dos recursos para gerar renda para
populações da região.
O desafio das políticas de desenvolvimento na Amazônia de-
pende da situação socioeconômica do bioma que, como se viu,
apresenta um quadro complexo: 1) um intenso crescimento po-
pulacional, bastante superior à média nacional; 2) reduzido di-
namismo econômico e baixos índices de desenvolvimento eco-
nômico; 3) inadequada e insuficiente infraestrutura regional que
passa atualmente por um processo de readequação e ampliação;
4) conflitos fundiários resultantes da limitação das políticas de
ordenamento territorial e regularização fundiária vigentes, o
que torna precária a definição de diretrizes para o uso da terra
e a exploração dos recursos naturais e expansão das atividades
Cr i anç a e m acaco - d e- c hei r o ( Saimiri sciureus) | Ama zon as produtivas; e 5) avanço do desmatamento em função do modelo
de expansão da fronteira agrícola.18

140
Biomas Brasileiros

Por outro lado, diante do paradigma de mudanças globais que de conservação da biodiversidade são:
impõe uma nova preocupação sobre cenários de impacto am- 1 Criação de um ambiente institucional mais propício para
biental no planeta, a hipótese de aquecimento global com base na ordenar o uso e a distribuição dos recursos naturais de forma
emissão de gases de efeito estufa gerada pelas atividades huma- sustentável;
nas ganhou uma conotação importante no debate mundial sobre 2 Implantação efetiva das políticas ambientais integradas
o clima. No Brasil, o desmatamento e a degradação biológica que nos diversos níveis governamentais, assegurando uma real parti-
ocorrem principalmente nos ecossistemas florestais são consi- cipação das populações locais aos benefícios institucionais.
derados os fatores que mais contribuem para a emissão desses
gases. Assim, uma redução de emissões estaria ligada diretamen- S e r v i ç o s A m b i e n ta i s n a A m a z ô n i a
te à preservação de florestas em seu estado natural. De certa for- Os serviços ambientais são considerados os benefícios dire-
ma, isso criou uma nova valoração mercantil da natureza, onde tos e indiretos que as pessoas recebem dos ecossistemas. Esses
o mercado de carbono poderia, enfim, competir com alternati- serviços proporcionam as condições e os processos que dão su-
vas de produção que usam a terra nua, desmatada, na zona rural. porte à vida e contribuem para a sobrevivência e o bem-estar hu-
Neste caso, a commodity de carbono seria usada estrategicamen- mano. Identificar e quantificar esses serviços ambientais ajuda
te como uma ação preservacionista no processo de conservação a entender o papel dos recursos naturais e sua relação com o ho-
biológica, na lógica de serviços ambientais. mem, traduzindo os ativos florestais para um sistema econômico
Neste contexto, abrem-se perspectivas de expansão do con- de mercado.
ceito de Economias Verdes19 para a Amazônia, onde as ativida- A Floresta Amazônica desempenha um importante papel
des econômicas seriam orientadas considerando a questão am- no equilíbrio do sistema climático local, regional e global, com
biental como parte importante do processo de produção. sua gama de serviços ambientais que são base para a manuten-
Assim, o marco legal do zoneamento ecológico-econômico ção de atividades antrópicas e do bem-estar humano. Apesar da
passa a ter nova importância como instrumento regulador do sua grande extensão, não se pode esquecer que a Amazônia é um
dilema entre conservação biológica e produção agrícola na ecossistema em equilíbrio, sendo que seus ciclos hídrico e de
Amazônia.20 Na mesma escala de importância, os projetos de nutrientes e seu fluxo energético levaram milhares de anos para
infraestrutura regionais, incluindo a lógica de transportes e de atingir o estado atual. Qualquer mudança na sua bacia, seja por
produção de energia pelas hidroelétricas, devem incentivar no- interferência humana ou não, tem grande potencial para alterar
vas migrações para a região, sendo esta uma das principais cau- sensivelmente o provisionamento dos serviços ambientais, afe-
sas do aumento de demandas sociais e por terras. tando o modo de vida humano e sua economia nos âmbitos local,
Marcada por cicatrizes profundas nas diversas paisagens do regional e global.
bioma, a Amazônia continua sujeita às inúmeras tendências efê- A floresta amazônica tem papel reconhecido na manutenção
meras de produção agrícola. A crescente urbanização e consoli- do equilíbrio do sistema climático quando sequestra e captura o
dação das atividades rurais cria perspectivas de aumento no nú- carbono, regula as temperaturas da superfície da terra e resfria
mero de municípios na região, o que evidencia a importância do o ar. Por ano são liberados aproximadamente 8 trilhões de tone-
fortalecimento da gestão ambiental da Amazônia.21 ladas de vapor de água para a atmosfera e uma taxa de armaze-
De certa forma, a Amazônia é uma região que requer um tra- namento de 1 tonelada de carbono absorvido da atmosfera por
tamento diferenciado quando se trata de planejar e incentivar hectare/ano. Além disso, sua biomassa florestal hoje aprisiona
seu desenvolvimento. Por um lado, tem-se uma rica biodiver- cerca de 100 bilhões de toneladas de carbono, o que é equivalente
sidade que pauta o debate nacional e internacional sobre pro- a mais de dez anos de emissão global proveniente da queima de
blemas ambientais globais com sua reconhecida contribuição combustíveis fósseis. Isso é considerado um serviço ambiental
para a regulação dos ciclos hídricos regionais e para as mudan- de regulação, desempenhando um papel fundamental no clima
ças climáticas. Por outro lado, tem-se o desafio de reverter as da América do Sul e do planeta.
taxas anuais de desmatamento, de manejar de forma susten- O sistema de rios produz cerca de 20% das descargas de água
tável os recursos naturais dessa região e de assegurar o cres- doce do mundo e o volume de água de chuva na região é apro-
cimento da economia e da melhoria da qualidade de vida da ximadamente o dobro desse volume de água que sai do rio. Isso
população residente. quer dizer que pouco mais da metade do volume de água da bacia
Considera-se, portanto, que as ações prioritárias relativas à não é drenada através do rio Amazonas porque foi devolvido à at-
uma nova Amazônia como território de produção de alimentos e mosfera por evapotranspiração.

141
amazônia

Além do serviço ambiental de manutenção da umidade na bem-estar humano, já que afetam as necessidades materiais, fí-
bacia amazônica, essa umidade é também transportada por flu- sicas e fisiológicas básicas, a segurança alimentar e a saúde, e as
xos de baixo nível atmosféricos (ou “rios aéreos”) por milhares relações sociais e culturais.
de quilômetros para as principais zonas agrícolas brasileiras na Num sistema econômico, a oferta de qualquer serviço am-
parte centro-sul do país e também para a bacia do rio da Plata. biental está diretamente relacionada à capacidade de garan-
Ainda não existem dados precisos da contribuição da água pro- tir seu provisionamento a longo prazo. É nesse contexto que se
veniente da Amazônia na agricultura do centro-sul do Brasil e dos identifica a ameaça imediata da alta degradação ambiental. Os
países vizinhos, entretanto, até mesmo se uma pequena fração efeitos ecológicos do desmatamento e alteração do equilíbrio da
dos US $ 65 bilhões anuais da safra brasileira, ou parte da renda de bacia amazônica são potencialmente grandes. Estudos mostram
US $ 1 trilhão dos cinco países da região da bacia do Plata (gerada que desmatamentos a uma escala superior a 105 km2 provocam
através de agricultura, hidrelétrica e indústria), for perdida por uma diminuição na absorção da energia solar e na taxa de evapo-
causa da diminuição do abastecimento do vapor de água, poderia transpiração, sugerindo uma queda significativa de precipitação,
se mesurar um impacto financeiro substancial na economia. levando a um clima mais quente e seco. O desmatamento poderia
A floresta amazônica é considerada um bioma megadiverso, provocar um aquecimento de mais de 4°C no leste da Amazônia e
sendo que sua biodiversidade é um tipo de serviço ambiental que as chuvas de julho a novembro poderiam diminuir até 40%.
gera benefícios locais diretos, com sua população trabalhando Dada a concentração do desmatamento histórico e projeta-
com o extrativismo florestal, por exemplo, e benefícios globais, do para região na sua porção leste, algumas bacias, ecorregiões
como estoque de material genético. A manutenção da diversi- e elementos da biodiversidade são mais vulneráveis a essa per-
dade biológica constitui um serviço ambiental pelo qual benefi- turbação. Estudos indicam que, se for mantido esse mesmo cená-
ciários em diferentes partes do mundo podem estar dispostos a rio, em 2050 pode-se chegar à perda de mais de 50% de vegetação
pagar, e é hoje pauta das prioridades globais de conservação nas de oito das 12 maiores bacias amazônicas e 97% da ecorregião de
convenções e protocolos (CDB , UNFCC ). floresta de babaçu do Maranhão. Além disso, 35 espécies de pri-
Milhares de pessoas que vivem nas áreas rurais da floresta matas podem perder de 60 a 100% de sua distribuição amazônica.
amazônica são diretamente dependentes da biodiversidade e dos Vários estudos de modelagem climática regional e global
serviços ambientais para manutenção do seu modo de vida diário apontam que, se a área do desmatamento ultrapassar 40% do bio-
e sobrevivência imediata. Até hoje existem mais de duas mil es- ma, poderemos assistir a um colapso da floresta amazônica. As
pécies conhecidamente úteis para fins alimentícios, medicinais perdas associadas a esse colapso seriam refletidas na agricultura,
e para a indústria, favorecendo o desenvolvimento de mercados silvicultura e geração de energia, além de outros setores da ativi-
e cadeias produtivas em torno de produtos florestais madeireiros dade econômica.
e não madeireiros e também da vida silvestre. O aproveitamento Uma contagem mais aproximada desse efeito precisaria in-
desse serviço ambiental pode ser especialmente importante para cluir todos os serviços ambientais que o bioma subsidia (biodi-
populações que muitas vezes não dependem de renda, mas da versidade, água doce, etc.) ou ainda o valor intrínseco da perda de
abundância, da qualidade, do acesso a esses recursos naturais em informação genética pelo colapso do sistema. Essas perdas não
sua integridade, e de sua capacidade e condições de manejá-los. são facilmente valoráveis ou quantificáveis, mas certamente ex-
Evidências da iniciativa TEEB – The Economics of Ecosystems cedem qualquer contabilidade feita com as ferramentas econô-
and Biodiversity (Economia dos ecossistemas e da biodiversida- micas atuais. Além disso, a manutenção da floresta em pé certa-
de) demonstram que, se o valor econômico da biodiversidade for mente contribuiria para uma resiliência muito maior aos efeitos
calculado, sua contribuição relativa para a população considera- das mudanças climáticas associadas a um possível clima mais
da pobre ou de baixa renda será muito maior que sua contribui- quente e seco na região.
ção para economias nacionais de maneira geral. As iniciativas com foco em serviços ambientais surgiram da
Além da regulação do clima, da umidade, da manutenção do necessidade de resolver essas questões sob outra ótica, desen-
ciclo hídrico e da sua biodiversidade, a floresta amazônica ainda cadeando uma onda de esforços para valorar esses serviços e
é responsável por outros serviços ambientais como provisão de estabelecer mercados ou programas para pagar indivíduos ou
água doce, madeira, fibras e outros bens; pela regulação de doen- comunidades para proteger ativamente ou restaurar as flores-
ças, polinização, produção primária, fertilização de solos; e ainda tas. Entretanto, essa abordagem ainda não ganhou escala, gran-
serviços culturais como benefícios recreativos, espirituais, edu- de parte em função da dificuldade de institucionalizar mercados
cativos, etc. Todos esses elementos estão diretamente ligados ao formais além do desafio de valoração dos serviços.

142
Biomas Brasileiros

Fron teira agrícola de p la n ta ções de soja n a Ama zôn ia | RO

O armazenamento e sequestro de carbono pelas florestas tropi- em 2008, projetos de REDD + têm potencial de proteger outros
cais pode ser o primeiro serviço ambiental com potencial para criar serviços ambientais que não possuem mercado e/ou financia-
um grande mercado formal em escala global. Hoje a Amazônia é mento. Os potenciais cobenefícios do REDD + são enormes e po-
uma das regiões que oferece maiores condições técnicas e políticas dem melhorar a qualidade do ar e da água, garantir a manutenção
para implementação de atividades de REDD + (Redução de Emissão e restauração de regimes hídricos e climáticos locais e regionais,
por Desmatamento e Degradação) e está sendo fortemente visada além de conservar a biodiversidade e recursos do solo.
para essas iniciativas, já que sustenta um montante gigantesco de Do ponto de vista social, esses pagamentos podem ter um im-
biomassa florestal ameaçado pelas altas taxas de desmatamento. pacto positivo sobre os meios de subsistência local dos povos
O mercado de carbono é uma das iniciativas mais avançadas amazônicos, seja por incrementar sua renda ou por trazer outros
de valoração de um serviço ambiental em curso e representa uma benefícios não monetários.
grande oportunidade para os países amazônicos acessarem fundos A maior parte dos serviços ambientais e seus benefícios são
internacionais que fortaleçam suas capacidades de implementar bens públicos, que não possuem preço ou valor de mercado. A va-
políticas efetivas de conservação e manejo florestal sustentável. loração ainda constitui um grande desafio e nem sempre é a melhor
Ao atrair a receita da rápida expansão do mercado do carbono, opção para o reconhecimento da sua importância na economia e
cujas transações globais já atingiram o nível de US $ 125 bilhões no bem-estar humano. É especialmente importante enfatizar que

143
amazônia

a valoração de serviços ambientais não é um fim em si mesmo, mas 2 Mittermeier, R.A.; Gil, P.R.; Hoffman, M.; Pilgrim, J.; Brooks, T.; Mitter-
deve ser orientada para suprir as necessidades dos “consumidores meier, C.G.; Lamoreux, J.; Fonseca, G.A.B. da; 2005. Hotspots revisited:
Earth’s biologically richest and most endangered terrestrial ecoregions.
finais”. Os atores do setor privado são também usuários significa-
Washington, DC : Cemex, 2004. 392p.
tivos desses benefícios, e isso inclui envolvimento de políticos, to- 3 Becker, B.K. 2001. Síntese das políticas de ocupação da Amazônia. Lições
madores de decisão em todos os níveis governamentais, além de do passado e desafios do presente. In: Brasil. MMA . Causas e dinâmicas do
organizações consumidoras e corporativas. desmatamento da Amazônia. MMA /SCA , Brasília.
Assim, as soluções e as estratégias de manutenção desses ser- 4 PNDU – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2010. Re-
viços também passam pelo desenvolvimento de novos mecanis- latório do desenvolvimento humano brasileiro: Políticas de valor. Rio de Ja-
neiro: Pnud. Disponível em http://www.pnud.org.br.
mos de subsídios que reflitam as prioridades de sustentabilidade
5 Toledo, P.M.; Vieira, I.C.G.; Câmara, G.; Araújo, R.; Coelho, A.; Go-
de longo prazo e pelo estabelecimento de políticas que recom- mes, S.; 2011. Biodiversity, Ecosystem and Commodities. In: The Sys-
pensem a conservação do fluxo desses bens e serviços ambien- temic Dimension of Globalization. Edited by: Piotr Pachura, Publisher
tais e penalize sua destruição, dividindo os benefícios na manei- ­InTech. Disponível em: http://www.intechopen.com/articles/show/title/
ra mais equitativa possível. bio­­­diversity­­ecosystem-and-commodities-in-amazonia
O futuro da sustentabilidade da floresta amazônica e da gera- 6 Costa, F. A. 2005. Questão agrária e macropolíticas na Amazônia. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 53, n. 19, p. 1–26.
ção de renda para sua população está em encontrar maneiras de 7 FGV . 2009. Indicador de Desenvolvimento Econômico e Social dos esta-
introduzir no mercado esses serviços que a natureza fornece. Essa dos brasileiros. Disponível em: http://fgvprojetos.fgv.br/sites/fgvprojetos.
estratégia depende de soluções a curto, médio e longo prazo, já que fgv.br/files/324.pdf
se o esforço for direcionado apenas para soluções imediatas, a sus- 8 IBGE . 2009. Contas Regionais do Brasil – 2005–2009. Disponível em: http://
tentabilidade e a resiliência em longo prazo nunca serão alcança- www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2009/con-
tasregionais2009.pdf
das. É de extrema importância que as soluções adotadas em curto
9 O projeto TerraClass foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesqui-
prazo (extrativismo, ecoturismo, etc.) não destruam a base de re- sas Espaciais (INPE ) com o objetivo de qualificar as áreas desmatadas da
cursos da estratégia em longo prazo, que é a própria floresta. Amazônia com base na leitura de imagens de satélite.
Os governos atuais se encontram nesse paradoxo entre a utili- 10 SFB e IMAZON . 2010. A atividade madeireira na Amazônia brasileira: pro-
zação imediata e a conservação. Por um lado, o bioma amazônico dução, receita e mercados. 32p. Belém.
é considerado de extrema importância para o desenvolvimento 11 Smeraldi, R.; May, P. O Reino do Gado: uma nova fase na pecuarização da
Amazônia. São Paulo: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, 2008. 40 p.
econômico dos países que o compõem, e, por outro, a Amazônia
12 IBGE . 2006. Censo Agropecuário. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/
abriga a maior floresta tropical com toda sua reconhecida impor- home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/default.shtm
tância no provisionamento de serviços ambientais cruciais para 13 Idem.
a humanidade. Apesar de intangível, tendo em vista os grandes 14 Tourrand, J.-F.; Veiga, J.B. da. 2003. Viabilidade de sistemas agrope­cuários
riscos ambientais e econômicos associados a sua perda, pode-se na agricultura familiar da Amazônia. Belém: Embrapa Ama­­­­zônia Oriental.
concluir que o valor de todos esses serviços é consideravelmente 15 IBRAM . 2010. Informações e análises da economia mineral brasileira.
5 edição. 28p. Disponível em: www.ibram.gov.br
alto. Mas é justamente por esses benefícios da conservação das 16 DNPM . 2010. Relatório Anual de Lavra. Disponível em: http://www.dnpm.
florestas ainda possuírem um valor econômico intangível que gov.br
não se consegue competir com os ganhos de curto prazo do mo- 17 Mittermeier, R.A.; C.G. Mittermeier, P.; Robles, G.; Pilgrim, J.; Fonseca,
delo de exploração predatória. G.A.B. da; Brooks, T.; Konstant, W.R.; (eds.). 2002. Wilderness: earth’s last
As funções de manutenção da biodiversidade, de armazenamen- wild places. Cemex, Agrupación Serra Madre, S.C., México.
18 Schroder, M. & Hirata, M.F. 2010. Meio ambiente, agricultura familiar
to de carbono e da ciclagem de água valem mais do que o valor da
e políticas públicas: os desafios do desenvolvimento rural na Amazônia
terra na Amazônia. Como converter os serviços ambientais da flo- Brasileira. Artigo apresentado no VIII Congresso Latino Americano de So-
resta em um fluxo de renda, e como converter esse fluxo em um ali- ciologia Rural – “América Latina: realineamientos políticos y proyectos en
cerce para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, garantin- dispu­ta”, Porto de Galinhas/PE , novembro de 2010. 22 p. Mimeo.
do qualidade na entrega desses serviços ambientais no âmbito local, 19 Marcovitch, J., 2011. A gestão da Amazônia – ações empresariais, políti-
regional e global, ainda constituem o grande desafio. cas públicas, estudos e propostas. Edusp, São Paulo.
20 Sauer, S., Almeida, W., 2011 Terras e territórios na Amazônia: demandas,
desafios e perspectivas. Editora UNB , Brasília. 426p.
n ota s 21 Araújo, S. R., Lena, P., 2010. Desenvolvimento Sustentável e Sociedades
na Amazônia. Belém, MPEG /CNP q/PPG -7.
1 IBGE . 2010. Relatório do Censo 2010. Disponível em: http://www.cen-
so2010.ibge.gov.br

144
Biomas Brasileiros

In dígen a da etn ia kaya p ó | PA

145
amazônia

O B rasil tem 6 biomas em terra firme e um bioma ma rinho

146
Biomas Brasileiros

O B rasil tem 6 biomas em terra firme e um bioma ma rinho

147
amazônia

148
Biomas Brasileiros

acima : Ma ria L eque (O n ych orh ynch us coronatus) –


Ca lh a n orte do Rio Ama zon as | AM

p á gin a ao la do: On ça-p in ta da ( Panth era onca) | Ama zonas

p á gin as 146–147: Floresta de iga p ó n o rio Aria ú


p róx imo a Ma n aus | AM

p á gin as 150–151: Ara ras-vermelh as ( Ara ch loroptera) sobrevoam


floresta a ma zôn ica n a RPPN Crista lin o | MT

149
O B rasil tem 6 biomas em terra firme e um bioma ma rinho
amazônia

acima : Produçã o de urucum ( Bixa orellana) n a comun ida de Alto


Men ta e – Reserva Ex trativista Ta pa jós-Ara p iun s | PA

p á gin as 152–153: Ciga n as  (O pisth ocomus h oazin) – Reserva


de Desen volvimen to Susten tá vel Ma mirauá | AM

154
Biomas Brasileiros

Cria n ça kaya p ó | PA

155
amazônia

O B rasil tem 6 biomas em terra firme e um bioma ma rinho

156
Biomas Brasileiros

acima : Mata de iga p ó n a ca beceira do lago Ama n ã –


Reserva de Desen volvimen to Susten tá vel Ama n ã | AM

p á gin as 156–157: Ara ras-vermelh as ( Ara ch loroptera) sobrevoam


floresta a ma zôn ica n a RPPN Crista lin o | MT

159
amazônia

160
Biomas Brasileiros

acima : Sa p o-ga rimp eiro ( D endrobates tin ctorius) –


Esta çã o Ecológica Grã o-Pa rá | PA

p á gin a ao la do: Cobra ( Siph loph is compressus)


n a RESEX Ta pa jós-Ara p iun s | PA

páginas 162–163: Floresta inundada de igapó do Arquipélago de


Anavilhanas no Rio Negro – Estação Ecológica de Anavilhanas – AM

161
O
5 PANTANAL
S a n d r o M e n e z e s S i lva

planície que atravessa o Bra-


c u pa n d o u m a g i g a n t e s c a
sil, a Bolívia e o Paraguai, o Pantanal é uma das mais im-
portantes, e a maior, área úmida do mundo. Declarado
pela Unesco como Patrimônio Natural Mundial e Reser-
va da Biosfera, as belíssimas paisagens de transição entre
os ambientes terrestre e aquático que compõem esse ter-
ritório fazem fronteira, no Brasil, com os biomas Cerrado, Ama-
zônia e Mata Atlântica.
A planície pantaneira é parte da bacia hidrográfica do Alto Pa-
raguai, e as áreas altas dessa bacia que circundam o Pantanal têm
influência fundamental na formação da região. É no entorno da
planície que se determinam muitos dos aspectos biogeográficos
do bioma e onde se encontram as nascentes dos principais rios
que são responsáveis pela gênese dessa região, que é em boa par-
te alagada. A relação existente entre as porções baixa e alta da ba-
cia estabelece uma importante dinâmica fluvial na área, elemen-
to importante na constituição da flora e da fauna desse incrível
bioma brasileiro.
Formadas sobretudo por migrações de diversos biomas vizi-
nhos, não são os altos níveis de exclusividade em espécies que
tornam a flora ou a fauna do Pantanal especial. O valor de conser-
vação da região está justamente no caráter transicional do bioma,
na mistura de elementos faunísticos e florísticos de regiões na-
turais adjacentes, pois essa região abriga populações saudáveis
de diversas espécies animais e vegetais que estão sob diferentes
níveis de ameaça nos seus biomas de origem.1
bioma pantanal estados abrangentes

aproximadamente 147 mil km2 / aproximadamente 458.061 habitantes


cerca de 600 espécies de aves e até 80 espécies de anfíbios
Biomas Brasileiros

Assim como ocorre em quase todos os biomas brasileiros, os


números de espécies inventariadas não são conclusivos. Apesar
das lacunas nos inventários de várias áreas e ambientes, sabe-se
da flora, que entre as áreas baixas e as terras altas do entorno do
Pantanal, existem quase 3.500 espécies de plantas, das quais pelo
menos metade ocorre na planície pantaneira.
Como a maior parte das espécies do Pantanal procede de ou-
tros tipos de vegetação do entorno, a quantidade de espécies ex-
clusivas da região (espécies endêmicas) é considerada muito
baixa. Por causa de um complexo conjunto de fatores, como po-
sição no terreno, distância em relação à água, tipo de substrato,
intensidade de uso pela fauna, entre outros, é possível encontrar
no Pantanal desde comunidades de plantas aquáticas (nas baí-
as com águas ácidas e margens de rios) até formações florestais,
como cerradões e florestas estacionais (nas porções livres das
inundações cíclicas que atingem a planície).
Da mesma forma que a flora, a fauna de vertebrados do Panta-
nal não apresenta elementos característicos, sendo formada por
espécies procedentes dos biomas com que faz fronteira. Apesar
de espécies com ampla distribuição geográfica e baixo nível de
endemismos, muitos vertebrados encontram nessa região con-
dições para desenvolver grandes e saudáveis populações, como é
o caso das ariranhas (Pteronura brasiliensis), araras-azuis (Ano-
dorhynchus hyacinthinus) e cervos-do-pantanal (Blastocerus di-
chotomus), ameaçadas em outros biomas brasileiros.
Segundo especialistas, ocorre uma variação na contagem
de espécies de vertebrados do Pantanal por causa de três prin-
cipais fatores. Em primeiro lugar, há diferenças na delimitação
da planície pantaneira em relação às terras altas do entorno, e
consequentemente das áreas cobertas pelos estudos disponíveis.
Em segundo lugar, faltam inventários de biodiversidade em vá-
rias regiões representativas das variações de vegetação, topogra-
fia, relevo, regime hídrico, entre outras características da região. Tuiuiú ou ja b uru (Jabiru mycteria) em ninho no ipê-rosa (Tabebuia sp. )
O terceiro fator deve-se ao constante trabalho de revisão taxonô- n a Fa zen da Ca mp o Neta – Pantanal da Nhecolândia | MS
mica empreendido pelos especialistas, ocasionando diferenças
nas identificações e circunscrição de várias espécies pertencen-
tes a alguns grupos de organismos vivos. de locais para reprodução, entre outros), alguns dos processos
Assim, considerando-se apenas a planície pantaneira, há es- ecológicos envolvendo o comportamento específico dos peixes
tudos que demonstram a existência de mais de duas centenas de do Pantanal são bastante conhecidos localmente. Entre eles es-
espécies de peixes nos rios e demais corpos d’água (como baías, tão a “piracema”, movimento migratório rio acima que algumas
salinas, vazantes e corixos), número que pode dobrar se for con- espécies realizam para o período reprodutivo; a “lufada”, que
siderada a região do entorno. consiste na saída dos peixes das lagoas para os rios com o início
A dinâmica demográfica da fauna de peixes é bastante va- da descida das águas; e a “dequada”, que ocorre quando as águas
riável e as causas de suas alterações ainda não são totalmente começam a baixar e deixam lagos isolados com grande quantida-
conhecidas. Apesar da grande variedade de especificidades am- de de matéria orgânica que, durante a decomposição, consome
bientais das centenas de espécies animais e vegetais (como tipo o oxigênio dissolvido na água e provoca a mortandade dos pei-
de alimentação, necessidade de água, necessidades de abrigo e xes por asfixia.

167
pantanal

Tal h a-ma r ( Ryn ch o ps niger) n o Rio Pa ragua i, p róx imo a Cá ceres | MT

Entre as espécies de peixes mais conhecidas do Pantanal estão tacional (florestas de clima tropical com estações bem definidas),
o pintado (Pseudoplatystoma corruscans), a cachara (Pseudopla- os anfíbios podem chegar a um total de 80 espécies.
tystoma fasciatum), o dourado (Salminus maxillosus), o curimba Quanto à fauna de répteis, contam-se aproximadamente
(Prochilodus lineatus), o pacu (Piaractus mesopotamicus), a pi- 110 espécies, sendo quase um terço desse número formado por
raputanga (Brycon microlepis) e as piranhas (Serrasalmus spp. e serpentes. As peçonhentas são uma minoria na região, com des-
Pygocentrus nattereri). taque entre as referências populares para a cascavel (Crotalus
Durante a estação das cheias, a riqueza de ambientes aquáticos durissus) e a boca-de-sapo (Bothrops neuwiedi). As sucuris, que
do Pantanal produz diversos hábitats favoráveis para as dezenas no Pantanal podem ser de duas espécies, a sucuri-amarela (Eu-
de espécies de sapos, pererecas e rãs que vocalizam praticamente nectes notaeus) e a sucuri-amazônica (Eunectes murinus), tam-
durante todo o dia, intensificando esse comportamento quando a bém se destacam pelo tamanho que podem atingir. Apesar dos
noite chega. Estudos da fauna de anfíbios realizados em diferentes relatos de que haveria indivíduos de até 12 m, o comprimento
partes do Pantanal indicam a existência de cerca de 40 espécies, máximo registrado em publicações científicas é de 9 m, um gran-
sendo a maioria característica desses ambientes aquáticos como de atrativo para os turistas que procuram atividades de observa-
margens de lagoas e rios, campos úmidos, florestas ciliares (flores- ção da vida silvestre. Além dessas espécies, o jacaré-do-Pantanal
tas que acompanham o curso dos rios)2 e áreas abertas. Somando (Caiman yacare) é um símbolo da região. Durante a estação seca,
a planície e a parte alta da bacia com as espécies mais característi- centenas desses animais podem ser vistos ao longo dos bancos de
cas de áreas florestais não inundáveis de Cerrado e de Floresta Es- areia e margens de rios e lagoas da região.

168
Biomas Brasileiros

As aves constituem um importante grupo de vertebrados no ta global (publicada pela União Internacional para Conservação
Pantanal, seja pela diversidade de espécies e de ambientes que da Natureza – IUCN ), considerando tanto Pantanal como os pla-
ocupam, seja pelas grandes populações que algumas espécies naltos do entorno. Nas duas listas destacam-se algumas espécies
apresentam na região. Existem registros de cerca de 470 espécies com alto grau de ameaça, como o cervo-do-Pantanal (Blastoce-
de aves para o Pantanal, número que pode chegar a mais de 600 se rus dichotomus), a ariranha (Pteronura brasiliensis), o cachorro-
consideradas as áreas altas da bacia hidrográfica. Como acontece -vinagre (Speothos venaticus), o rato-de-espinho (Kunsia fronto)
com outros grupos da fauna e da flora do Pantanal, a composição e o tatu-canastra (Priodontes maximus) entre os mamíferos, e o
de espécies mostra influências biogeográficas dos biomas vizi- maçarico-esquimó (Numenius borealis), a águia-cinzenta (Har-
nhos, notadamente do Cerrado, mas também do Chaco e das flo- pyhaliaetus coronatus) e os caboclinhos (Sporophila palustris,
restas andinas3 a oeste, e das florestas úmidas pelo lado brasileiro. Sporophila nigrorufa e Sporophila cinnamomea) entre as aves.
Algumas espécies de aves que vivem em ambientes aquáti-
cos costumam formar grandes agregações, como é o caso de al- Abrangência
gumas garças (Egretta,Casmerodius e Ardea), do tuiuiú (Jabiru
mycteria), do cabeça-seca (Mycteria americana) e do biguatinga O Pantanal é uma ampla superfície de sedimentação, perten-
(Anhinga anhinga), entre outras. Os “ninhais”, como são conhe- cente à bacia hidrográfica do Alto Paraguai, localizada na porção
cidas essas agregações, são bastante comuns em diversas regiões central da América do Sul. Inclui, além de partes dos territórios
do Pantanal, sendo considerados atrativos para os apreciadores do Mato Grosso (MT ) e do Mato Grosso do Sul (MS ), no Brasil,
das atividades de observação de aves. territórios da Bolívia e do Paraguai. Tão importante quanto a pla-
A fauna de mamíferos do Pantanal é formada principalmente nície do Pantanal, com 147.574 km2 de superfície, são as terras al-
por espécies procedentes do Cerrado, assim como acontece com tas dos planaltos que a circundam, onde estão as nascentes dos
outros grupos de animais e plantas da região. O número de espé- seus principais rios formadores. Essa área tem aproximadamen-
cies de mamíferos ocorrentes no Pantanal varia conforme a fonte te 214.802 km2, e a área da bacia como um todo tem aproximada-
consultada, dependendo da inclusão ou não das áreas planálticas mente 362.000 km2 em território nacional. Cerca de 52% dessa
do entorno da planície. Considerando somente a planície panta- área está no Mato Grosso do Sul e 48% no Mato Grosso.
neira, o número de espécies de mamíferos varia, conforme a re-
ferência, entre 89 e 93, chegando a mais de uma centena se con-
siderado o planalto do entorno. Embora os mamíferos de médio
e grande porte sejam mais conhecidos, Por causa da maior faci-
lidade de visualização, são os pequenos mamíferos os responsá-
veis pelos maiores valores de riqueza da mastofauna do bioma.
Destacam-se os morcegos, representados por cerca de 36 espé-
cies, e os roedores, com 15 espécies.
Uma característica que chama a atenção em relação à masto-
fauna (fauna de mamíferos) do Pantanal é a existência de gran-
des populações de espécies que em outros biomas encontram-se
sob risco, como veados-campeiros, capivaras, quatis, porcos-do-
-mato e cervos-do-Pantanal.
Alguns estudos e mapeamentos populacionais de espécies de
mamíferos pertencentes ao Pantanal podem ser encontrados na
literatura especializada, como ocorre com o veado-campeiro (Ozo-
toceros bezoarticus), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus),
capivaras (Hydrochaeris hydrochaeris) e tamanduá-bandeira
(Myrmecophaga tridactyla), e são fundamentais para definições
relacionadas à conservação in situ dessas espécies.
Existem 30 espécies de vertebrados consideradas ameaçadas
de extinção na lista nacional (publicada pelo Instituto de Meio Vista a érea do Rio Pa raguai inundado, próximo a Corumbá | MS
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ) e 38 na lis-

169
pantanal

nal, distribuídos entre os 16 municípios que têm seus territórios


na área de planície, com destaque para Cáceres, no Mato Grosso,
com 87.942 habitantes, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul, com
uma população de 103.703 moradores.
Considerando-se também o planalto, contam-se 69 muni-
cípios integralmente inseridos na bacia, sendo 44 no estado do
Mato Grosso e 25 no Mato Grosso do Sul. A maior parte das áreas
ocupadas por populações humanas nesses municípios localiza-
-se nas porções não inundáveis da bacia, justamente onde a pres-
são pela utilização dos recursos naturais é maior.
Esse é um contraste marcante da região: de um lado uma baixa
densidade demográfica na planície pantaneira, e, consequente-
mente, menor impacto ambiental, e de outro lado, uma alta con-
centração populacional na porção planáltica, justamente onde
estão as nascentes dos rios que formam o Pantanal, pressionan-
do esses ambientes, frágeis por natureza, com efeitos proporcio-
nais a seu contingente demográfico.
O processo de ocupação não indígena do Pantanal iniciou-se
no século XVII , com expedições bandeirantes em busca de pedras,
metais preciosos e indígenas. No início do séc. XVIII , a descober-
ta de ouro na região de Cuiabá (MT ) atraiu muita gente para as
áreas de mineração, onde se estabeleceram núcleos rurais, com
M art i m- pesca dor (Ceryle to rq uata) | MT engenhos de cana, áreas de lavoura e atividade pecuária, que con-
tribuíram para a ocupação territorial.
No final do séc. XIX as minas começaram a dar sinais de es-
Existem 87 municípios no lado brasileiro da bacia do Alto Pa- gotamento, e a região foi abandonada por um tempo razoável, só
raguai, sendo 53 no estado de Mato Grosso e 34 no Mato Grosso voltando a prosperar no início do século XX , com a chegada de
do Sul. Alguns destes municípios possuem somente uma peque- pecuaristas e das primeiras atividades industriais no Pantanal.
na parte do território contido na bacia. Essas atividades eram relacionadas ao beneficiamento da carne
bovina (preparação, salga e dessecação da carne) e à curtição de
Demografia couro, ambos enviados pelo rio Paraguai para outras regiões do
país, e até mesmo para outros países.
O censo demográfico do ano 2010 estima que em toda a área Na década de 1980, outra “corrida do ouro” trouxe para a re-
da bacia do Alto Paraguai exista um contingente populacional gião de Cuiabá e Poconé um grande número de migrantes, prin-
de cerca de 2 milhões de pessoas. Representando 1,2% da po- cipalmente de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e
pulação brasileira, a grande maioria desse contingente (apro- Paraná. Nessa mesma época, a região também atraiu muitos agri-
ximadamente 83% da população) está concentrado nos maiores cultores e pecuaristas do sul e sudeste do Brasil, provocando uma
centros urbanos da região, como Cuiabá, Várzea Grande, Ron- expansão da fronteira agrícola brasileira, fruto dos baixos preços
donópolis e Cáceres, no Mato Grosso, e Corumbá, no Mato das terras praticados na região. A formação das fazendas levou à
Grosso do Sul. conversão de grandes áreas naturais em áreas de cultivo, espe-
Especificamente na planície pantaneira, os registros histó- cialmente nas partes livres das inundações cíclicas, com conse-
ricos apontam para uma ocupação humana de baixa densidade, quências severas sobre os ambientes da planície pantaneira.
provavelmente fruto das restrições impostas pelos ciclos hidro-
lógicos de inundação e seca, e da própria dinâmica de ocupação Economia
do país que privilegiou as áreas costeiras e aquelas situadas ao
longo dos rios de maior extensão. Dados do IBGE mostram uma A base da economia regional é a pecuária de corte, ainda pra-
população de aproximadamente 458.061 habitantes no Panta- ticada de forma extensiva em muitas fazendas, com impactos

170
Biomas Brasileiros

ambientais relacionados principalmente ao cabeças de gado no Pantanal, estando cerca de 65% desse contin-
manejo das áreas de pastagem e à presença dos re- gente no estado do Mato Grosso do Sul.5
banhos em áreas de maior fragilidade ambiental.
A atividade turística tem sido aponta- Ag r i c u lt u r a
da como uma boa alternativa de geração DEVIDO ÀS inundações periódicas e aos solos pouco férteis,
de renda para as populações que vivem a agricultura é uma atividade pouco recomendada para a planí-
no Pantanal, mostrando uma tendência cie pantaneira. Algumas exceções são as áreas de cultivo de arroz
de expansão nos últimos 10 anos. A des- localizadas em alguns municípios de Mato Grosso do Sul e Mato
peito das dificuldades de acesso a algu- Grosso, estando as áreas agrícolas mais importantes localizadas
mas regiões, a combinação de facilidade nos planaltos que circundam a planície pantaneira.
Entre 1950 e 1960, a caça do jacaré-
do-pantanal (Caiman yacare) foi uma
para observação de fauna e flora silves- Alguns municípios que se destacam nessa atividade no âm-
atividade bem lucrativa na região, muito tres, ambientes ainda razoavelmente bito nacional, como Rondonópolis e Tangará da Serra (MT ), e
por conta do mercado internacional. íntegros e impressionantes belezas cê- São Gabriel do Oeste, Sidrolândia e Maracaju (MS ), têm parte
Mesmo com a proibição em 1967, a caça
nicas constitui o grande atrativo para de seus territórios incluídos na parte alta da bacia do Alto Para-
só cessou nos anos 1980, por causa dos
claros sinais de extinção que forçaram os turistas que procuram o Pantanal, es- guai, o que evidencia a importância dessa atividade como vetor
o mercado a exigir peles legalizadas. pecialmente estrangeiros, que vêm em de degradação dos ambientes naturais da região, especialmen-
busca de paisagens primitivas combina- te das regiões de nascentes de rios, na sua maioria localizadas
das à flora e fauna abundantes. no planalto.
A infraestrutura para recepção dos turistas no Pantanal tem
melhorado, mas ainda existem algumas regiões que não dispõem Mineração
de condições adequadas para ofertar um serviço que combine Em razão principalmente das jazidas de calcário e minério
qualidade, segurança dos visitantes e conservação ambiental. Al- de ferro, várias mineradoras, instaladas em municípios da bacia
guns municípios como Bonito e Miranda (MS ), e Nobres e Poco- do Alto Paraguai como em Corumbá e Bodoquena (MS ), têm pro-
né (MT ) têm sido os mais procurados, sendo o primeiro uma refe- duzido grande impacto ambiental na região.
rência no ecoturismo no Brasil e no exterior.

U s o s d o s o lo

Pecuária
Atraídos por espécies nativas de capim (como o capim-ca-
rona, o capim-flecha, o capim-rabo-de-burro, o capim-mimoso,
entre várias outras espécies), os pecuaristas, que viam na região
vantagens naturais para a ocupação, vêm substituindo essa vege-
tação por gramíneas exóticas de maior produção.
Essa introdução de espécies de capins exóticos trazem conse-
quências ainda pouco estudadas sobre os ambientes naturais do
Pantanal.4 Na sua maioria procedentes do continente africano,
sabe-se que essas espécies vegetais têm provocado alterações na
dinâmica de algumas populações de animais, especialmente en-
tre os ruminantes.
Quando comparada com as práticas da região de planalto, a
pecuária pantaneira mais tradicional não apresenta muitos tra-
tos culturais específicos, o que, em geral, pode ocasionar a degra-
dação do solo, queimadas e desmatamentos para limpeza de pas-
tos e estabelecimento de novas áreas de pastagem.
Estimativas feitas com base no Censo Agropecuário de 2010 Pa n ta n eiro n a regiã o do Pantanal de Cáceres | MT
apontam para um rebanho de aproximadamente 5,8 milhões de

171
pantanal

Além das alterações visuais na paisagem, a atividade minera- que algumas espécies realizam durante o período reprodutivo e
dora pode causar assoreamento e modificação na trajetória dos interferem na circulação de nutrientes, que nesse sistema tem
corpos d’água, contaminação das bacias com dejetos de diferentes um papel extremamente importante. Uma outra consequência
origens e incremento de processos erosivos, com consequente des- das barragens é o incremento do assoreamento dos leitos dos
caracterização da região. A mineração também provoca impactos rios, que em alguns pontos da bacia, como no rio Taquari, já cons-
ambientais indiretos, relacionados às necessidades de beneficia- titui o principal problema ambiental.
mento e transporte do material extraído das jazidas, como aconte-
ce com o transporte de minério por barcaças pelo rio Paraguai, por CLIMA e a d i n â m i c a da s i n u n da ç õ e s
trem, pela ferrovia que liga Corumbá a Campo Grande, e por rodo- Caracterizado por temperaturas elevadas e chuva no ve-
vias, aumentando substancialmente o trânsito de veículos pesados rão, e por seca e temperaturas mais baixas no inverno, o Panta-
na principal rodovia que corta o Pantanal no Mato Grosso do Sul. nal tem o clima tipicamente de caráter Tropical.6 A temperatura
média anual é de aproximadamente 21°C, e a média do mês mais
quente é maior que 25°C, e no mês mais frio, a média das míni-
mas é menor que 18°C.7 Assim, ocorrem verões quentes (média
em torno de 32°C) e invernos frios e secos, ocasionalmente com
geadas em julho e agosto. A precipitação pluviométrica anual
está entre 1.000 e 1.400 mm, sendo dezembro e janeiro os meses
mais chuvosos.
A dinâmica anual da inundação do Pantanal segue de perto os
ritmos climáticos, podendo ser reconhecidos os períodos de seca,
entre junho e setembro, e o da cheia, entre janeiro e março, inter-
calados pelas fases de enchente e vazante. A enchente se dá entre
outubro e dezembro, quando as águas começam a cobrir as áreas
mais baixas da planície, e o período de vazante ocorre entre abril
e maio, quando as águas baixam e retornam para os leitos dos rios,
córregos e lagoas.
Além das variações anuais nos níveis de inundação, existem
diversas evidências da ocorrência de variações supra-anuais na
dinâmica das inundações, com consequências sobre a circulação
superficial da água e nos ritmos biológicos mais diretamente de-
pendentes dos pulsos de inundação.
Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Pantanal | MS Exemplos dessas alterações podem ser observados quando,
nos picos de enchentes, as regiões secas são atingidas pela água
de rios e baías, e, dependendo do tempo de duração da cheia,
Geração de energia provocam mortandade de árvores formando as conhecidas “pa-
O estabelecimento de usinas de geração de energia hidre- liteiras” (áreas dominadas fisionomicamente por troncos des-
létrica também vem sendo apontado como um vetor de degrada- vitalizados de árvores ainda em pé). Já nos períodos de secas ex-
ção da bacia do Pantanal, já que interfere diretamente no regime tremas, as baías ficam sem água e são paulatinamente ocupadas
dos rios e, consequentemente, sobre toda a dinâmica de inunda- pela vegetação que será inundada com a próxima enchente.
ção da planície pantaneira. Existem estudos mostrando que há
a previsão de implementação de 115 barragens na bacia do Alto A s p r i n c i pa i s pa i s ag e n s pa n ta n e i r a s
Paraguai, isso somente para a década 2011–2020, sendo 75% de
pequenas centrais hidrelétricas. Essas represas ameaçam outras O relevo do Pantanal caracteriza-se como uma extensa planí-
atividades correntes na bacia, como a pesca artesanal e esportiva, cie com altitudes variando entre 100 e 200 metros, uma extensão
a agricultura familiar, a pecuária bovina e o turismo. da Planície do Chaco, localizada no Paraguai e em parte da Bolí-
As barragens interferem diretamente nas populações de pei- via. A planície pantaneira é circundada pelas bordas dos planaltos
xes que habitam os rios da região, pois impedem o deslocamento Central e Meridional (esse somente na porção sudeste), com algu-

172
Biomas Brasileiros

Cach oeira n a Ch a pa da dos Guima rã es | MT

mas formações mais altas na forma de pequenas cadeias isoladas topografia do local. Em geral são ocupadas, total ou parcialmente,
de morros, como se observa no Maciço do Urucum, em Corumbá, e por vegetação aquática, com alterações no nível de água corres-
na Serra do Amolar, na divisa do Mato Grosso com a Bolívia. pondentes aos ciclos de inundação da planície pantaneira.
Ao longo de toda a extensão da planície pantaneira, as paisa-
gens têm feições bastante peculiares, relacionadas a fatores am- Salinas
bientais variados, como a proximidade de rios e lagoas, topografia, Algumas baías, em geral de formato arredondado e fechadas,
substrato geológico, dinâmica de inundação, entre outros. É bas- contêm grande quantidade de sais de sódio, potássio e magnésio,
tante comum o uso de denominações regionais para designá-las: e são chamadas de salinas. O pH dessas águas pode ser superior a
10, constituindo importantes refúgios para a fauna e para o gado.
Baías As salinas podem suprir o sal necessário na alimentação desses
As “baías” são corpos d’água temporários ou permanentes, de animais durante a estação seca.
formato e dimensão variáveis, que podem manter contato maior Esse tipo de lagoa é exclusivo de uma região do Pantanal co-
ou menor com os rios, dependendo do regime de inundação e da nhecida como Nhecolândia. Segundo estudo realizado por pes-

173
pantanal

quisadores ligados ao Departamento de A v e g e ta ç ã o d o Pa n ta n a l


Geografia da Universidade de São Paulo, estima-
-se que existam cerca de 1.500 salinas nessa região. O A planície pantaneira e sua região de entorno são cobertas
suprimento de água para essas lagoas é por diversas fisionomias de vegetação, na sua maioria associadas
feito principalmente pela água da chuva, ao bioma Cerrado. É bastante comum o uso de expressões como
apesar de, em muitos locais, o nível de “mosaico” ou “complexo” de vegetação para se referir ao Pantanal,
fundo das salinas estar abaixo do nível o que atesta a sua grande variabilidade fisionômica, correspondi-
do lençol freático. da em certa escala por uma diversidade florística. Análises reali-
As salinas ocorrem sobre uma ca- zadas por botânicos e fitogeógrafos apontam para uma mistura
O Pantanal foi incluído pelo geógrafo
mada impermeável formada por silício de elementos florísticos dos biomas ocorrentes nas partes altas
Aziz Ab’Saber na região denominada
de “diagonal seca”, região que dissolvido em ambientes alcalinos de da bacia hidrográfica, como o Cerrado, a Amazônia, o Chaco e até
atravessa a América do Sul no sentido sedimentação, sem contato direto com mesmo, a Mata Atlântica.
sudoeste-nordeste, saindo da porção os rios durante a estação chuvosa. O si-
central do continente, justamente
lício da água origina-se da dissolução da V e g e ta ç ã o aq u á t i c a
onde situa-se o Chaco, na Argentina,
Paraguai e Bolívia, chegando até a areia no fundo das salinas e, quando a la- Presente às margens de baías, ao longo de vazantes e corixos,
Caatinga nordestina, no Brasil. >>> goa seca, esse elemento precipita-se sob e nas margens dos rios, a vegetação aquática é representada por
a forma de sílica amorfa (configuração diversas espécies de plantas que podem ser “emergentes”, quan-
assimétrica e aleatória dos cristais de si- do se enraízam no fundo do corpo d’água e mantêm as partes aé-
lício), ocupando as lacunas constituídas pelo sedimento, solidi- reas para fora, “submersas”, quando permanecem a maior parte
ficando-se e selando a camada abaixo do fundo das lagoas. Isso do tempo abaixo no nível da água, ou “flutuantes”, com ramos e
explicaria o aparente isolamento dessas salinas do lençol freáti- folhas que mantêm a planta viva na superfície da água.
co e o rebaixamento de seus fundos em relação ao nível do lençol Dentre as espécies flutuantes mais comuns no Pantanal es-
freático do entorno. tão os camalotes, que em la­goas permanentes formam grandes
agrupamentos e durante as inundações podem chegar aos cursos
Cordilheiras dos rios e formar os baceiros (ilhas de vegetação flutuante que se
As salinas mantêm-se isoladas das demais baías e rios por deslocam pelos rios durante as cheias). Nos baceiros, além dos
elevações arenosas conhecidas como cordilheiras, de aspecto camalotes, ocorrem várias outras espécies de plantas aquáticas,
mais ou menos alongado, que em geral não ultrapassam os 5 m principalmente gramíneas e ciperáceas. As plantas aquáticas são
de desnível em relação ao fundo das lagoas. As cordilheiras são importantes locais de reprodução, alimentação e abrigo para a
importantes refúgios para a fauna, durante os períodos de inun- fauna aquática, ao mesmo tempo em que
dação no Pantanal, e também são usadas pelo gado nessa mes- são os locais preferidos pelas populações
ma situação. humanas que vivem isoladas em diversas >>> Durante as alternâncias de climas
regiões do Pantanal para obtenção de is- secos e úmidos dos últimos 20 mil
anos, essa região sofreu alterações,
Va z a n t e s cas vivas para a pesca artesanal. aumentando sua área durante os ciclos
Consideradas por muitos como um curso fluvial intermiten- de seca, e retraindo-se nos períodos
te, as vazantes são os locais por onde a água escoa naturalmente C a m p o s n at u r a i s úmidos. Nesses períodos o contingente
florístico das formações mais úmidas,
na época das cheias. Uma vazante pode ter vários quilômetros Exist e m no Pantana l várias áreas
como as florestas da Mata Atlântica
de extensão e largura variável, comunicando baías e meandros onde a fisionomia campestre predomina. que acompanham a bacia do Paraná,
abandonados dos rios na planície pantaneira. Em geral são locais inundáveis, e em gran- expandiram-se sobre essa área.
de parte dos casos usados para a pecuária
C o r i xo s extensiva. Em análises da cobertura vege-
Os corixos são pequenos cursos fluviais de caráter mais tal realizadas por imagens orbitais, muitas
perene que as vazantes, em geral com leito próprio. Em muitas dessas áreas podem ser confundidas com
regiões do Pantanal comunicam baías vizinhas entre si, ou en- áreas alteradas pelo homem, resultantes
tão baías com o curso dos rios ou com seus braços isolados do da supressão da vegetação savânica ou florestal original,
leito principal. o que requer cuidado na interpretação de informações
dessa natureza para a região.

174
Biomas Brasileiros

Em geral são os campos naturais do Pantanal aqueles prefe-


rencialmente adotados para a prática da pecuária extensiva, típi-
ca da região, motivo pelo qual a atividade sempre foi considerada
de baixa produtividade. A conversão de áreas campestres nativas
em pastagens com capins mais produtivos, na sua grande maio-
ria exóticos, tem contribuído muito para a descaracterização
desse tipo de vegetação, fundamental para diversas espécies da
fauna, sobretudo dos ruminantes.

Cerrado
As várias fisionomias de Cerrado ocorrentes no Pantanal, no-
tadamente de campo cerrado, cerrado sensu strictu e cerradão, em
geral estão associadas a feições mais elevadas do terreno, como
acontece com as cordilheiras, descritas anteriormente, e com os
“capões”. Os capões são ilhas de vegetação arbórea, normalmente
cerradão, formadas em meio aos campos, que podem estar associa-
dos às diferenças de topografia do terreno e/ou à atividade humana.
Em muitas áreas do Pantanal, especialmente naquelas livres
das inundações periódicas, o Cerrado tem fisionomia e compo-
sição muito similares às áreas de entorno da planície, o que só
reforça a grande influência que essa vegetação tem na região.
Uma característica marcante da vegetação do Pantanal é a ocor-
rência de áreas dominadas por uma ou poucas espécies, resultado
ora de limitações impostas pelo regime de inundações, ora fruto de
atividades humanas, passadas ou atuais, muitas das quais usando
o fogo como forma de manejo da vegetação. Em geral são espécies
do Cerrado que se tornam dominantes em algumas áreas, confor-
me as características locais relacionadas sobretudo aos tipos de
solo, regime de inundação e histórico de ocupação humana.
Os principais agrupamentos dessa natureza são descritos su-
mariamente abaixo.
1 Cambarazais
Os cambarazais são agrupamentos florestais dominados pelo
cambará (Vochysia divergens), espécie arbórea de origem amazô-
nica, ocorrentes principalmente em locais inundáveis ao longo de
rios e lagoas de maior extensão. O cambará é uma espécie que pode
indicar mudanças no regime de inundação de um determinado lo-
cal, pois caso a água fique retida por um tempo mais prolongado,
seja por causas naturais, seja por algum desvio provocado pelo ho-
mem, os indivíduos rapidamente começam a dar sinais de perda
de vitalidade, com amarelecimento, queda das folhas e morte.
2 Caronais
Os caronais são manchas de vegetação campestre dominadas
pelo capim-carona (Elyonurus muticus) que ocorrem geralmen-
te em solos arenosos e de baixa fertilidade em diversas regiões do Ara ra-a zul-gra n de ( Anodorhynchus hyacinthinus) –
Pantanal, notadamente em parte da Nhecolândia, Paiaguás e Po- Fa zen da Rio Negro | MS
coné. Em alguns locais essas áreas são usadas para o gado, o que

175
pantanal

Ecoturismo n a Fa zen do Rio Negro | MS

demanda o uso do fogo para manejo e renovação do capim. Essa mais altas do entorno, como acontece na região de Corumbá e da
tem sido uma das causas mais importantes de incêndios ocor- Serra da Bodoquena.
rentes na região. 4 Paratudais
3 Carandazais Os paratudais também têm aspecto savânico aberto, onde o
Os carandazais são savanas inundáveis abertas, com uma mis- elemento arbóreo característico é o paratudo (Tabebuia aurea),
tura de espécies graminoides e arbustos esparsos com agrupa- uma espécie de ipê-amarelo típico do Cerrado. Assim como nos
mentos da palmeira carandá (Copernicia alba), espécie oriunda carandazais, intercalado com os paratudos, ocorre uma densa
da região do Chaco, parente da carnaúba (Copernicia prunifera) cobertura de gramíneas, dando um aspecto fisionômico bastante
encontrada no nordeste do Brasil. próprio para esse tipo de vegetação.
Algumas evidências de estudos realizados em carandazais no 5 Canjiqueirais
Mato Grosso do Sul mostram que essas áreas estão relaciona- Os canjiqueirais geralmente ocorrem em áreas de savana ocu-
das a locais inundáveis e com alta concentração de cálcio no solo, padas pelo homem, em locais com sobrepastejamento e/ou livre
provavelmente resultantes de rochas calcárias existentes em al- do fogo periódico, como bordas de cordilheiras, de capões e de
gumas partes localizadas na transição entre a planície e as áreas florestas ciliares, inclusive em áreas de campos inundáveis.

176
Biomas Brasileiros

6 Lixeirais Considerando a extensão de área ainda conservada (acima


São agrupamentos com predominância da lixeira (Curatella de 80%) e a riqueza de espécies da flora e da fauna com influ-
americana), também uma espécie característica do Cerrado, que ências marcantes dos biomas que o cercam, o Pantanal pode
ocorre principalmente nas áreas que sofrem mais intensamente ser enquadrado no conceito de área Wilderness, ou uma das
impactadas pela atividade humana. Evidências científicas mos- “grandes regiões naturais do planeta”. Áreas como essas devem
tram que a lixeira passa a ser uma espécie dominante principal- ser extensas e manter mais de 70% de sua extensão original de
mente em locais com sobrepastejo e manejo inadequado, em lo- ocorrência relativamente livre dos impactos decorrentes da
cais livres das inundações periódicas. atividade humana.
7 Babaçual Apesar das ameaças à integridade da região, ainda existem
São formações praticamente homogêneas compostas pela vastas áreas bem conservadas, com grandes populações de es-
palmeira babaçu (Orbignya oleifera), que pode atingir até 20 m pécies ameaçadas em outras regiões. Essas características per-
de altura. Ainda não se sabe ao certo quais as razões da ocorrên- mitem um planejamento de ocupação humana que considere as
cia desses agrupamentos, havendo inclusive dúvidas sobre a ori- necessidades de manutenção dos processos ecológicos que con-
gem natural desses. Alguns acreditam que tais conjuntos estão ferem ao Pantanal suas peculiaridades.
relacionados à presença do homem e do gado, apontado como um O caráter transicional da região, com contato entre conjuntos
potencial dispersor dos frutos dessa palmeira. florísticos e faunísticos de diferentes zonas da América do Sul,
8 Buritizal reforça a necessidade de proteção da área, o que inclui o estabe-
Formações arbóreas constituídas basicamente pela palmei- lecimento de um sistema eficiente e integrado de áreas protegi-
ra buriti (Mauritia vinifera), característica das veredas do Bra- das e o desenvolvimento de práticas produtivas ambientalmente
sil Central. Estão associados a regiões permanentemente inun- amigáveis, visando à sustentabilidade das atividades econômi-
dadas, especialmente várzeas situadas próximas às nascentes cas no Pantanal.
dos rios. Os frutos do buriti têm diversos usos realizados pela
população local, como na fabricação de doces e licores, além U n i da d e s d e c o n s e r va ç ã o
de servir para a fabricação de sabão devido ao teor de gorduras Um levantamento realizado em 2007 9 mostrou que, nos
presente na polpa. 87 municípios que fazem parte da bacia do Alto Paraguai exis-
tem 136 áreas protegidas, sendo 112 unidades de conservação e
E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o 24 terras indígenas. Estas áreas somam pouco mais de 3.750.000
hectares, o que representa cerca de 10% da área total da bacia. As
Dados de 2008 mostram que a maior parte da planície panta- terras indígenas correspondem a cerca de 20% do total da área,
neira mantinha até esse ano um bom grau de conservação da ve- com aproximadamente 820.000 ha. Entre as unidades de conser-
getação original.8 Estima-se que cerca de 85% da planície ainda vação de proteção integral são 46 áreas, representadas por Esta-
esteja em bom estado de conservação, mas esse valor decai para ções Ecológicas, Parques e Monumento Natural. Essas áreas pro-
cerca de 40% quando considera-se apenas o planalto da bacia, ou tegem cerca de 2,2% da área total da bacia.
seja, cerca de 60% da áreas altas encontram-se completamente As unidades de conservação de uso sustentável somam cerca
descaracterizadas. 66 áreas, distribuídas entre as Áreas de Proteção Ambiental e as
A pecuária é o principal fator de elevação desse percentual, Reservas Particulares do Patrimônio Natural, com área aproxi-
correspondendo a cerca de 11% da área degradada na planície e mada de 2.100.000 hectares, ou cerca de 5,8% da área total da ba-
pouco mais de 40% da área de planalto. A atividade agrícola res- cia do Alto Paraguai.
ponde por menos de 1% da área degradada na planície, enquanto Cerca de 70% das unidades de conservação da bacia locali-
no planalto representa quase 10% da área convertida. zam-se no planalto, o que representa pouco mais de 2 milhões
A supressão da vegetação nativa para estabelecimento des- de hectares, distribuídos em 76 áreas. As áreas na planície repre-
sas práticas tem levado a uma crescente fragmentação dos sentam cerca de 30% da área do conjunto de unidades, com cerca
ambientes naturais, o que pode ser potencializado por outras de 880.000 hectares distribuídos em 36 áreas.
atividades de menor importância em termos gerais para a ba- Declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira
cia, mas com importância localizada em algumas regiões, como de 1988, o Pantanal abriga ainda três sítios de importância inter-
o estabelecimento de hidrovias, rodovias e ferrovias, além nacional pela Convenção de Áreas Úmidas (RAMSAR) – dois no
da mineração. Mato Grosso e um no Mato Grosso do Sul –, e contempla ainda

177
pantanal

uma área de Reserva da Biosfera, assim declarada no ano 2000 Grosso do Sul contam com muitos recursos de compensação am-
pela UNESCO . A Reserva da Biosfera do Pantanal inclui os esta- biental de grandes empreendimentos, que muitas vezes são em-
dos do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte de Goiás, consi- pregados em ações que pouco, ou quase nada, revertem para a
derando, além da planície, áreas de influência das cabeceiras dos melhoria no manejo dessas áreas.
rios que formam o Pantanal.
Parques, reservas, áreas de proteção ambiental e estações eco- I n i c i at i va s d e p e s q u i s a
lógicas constituem algumas das maneiras mais eficientes de pro- e c o n s e r va ç ã o d o Pa n ta n a l
teção de espécies e hábitats, pois, independente das diferentes Dentre as várias iniciativas para conservação do Pantanal,
categorias e objetivos de manejo, têm como finalidade principal merecem destaque os projetos executados com o intuito de ma-
contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos re- pear e reconhecer os principais fatores de risco para a integridade
cursos genéticos. ambiental da região. Nesse contexto, deve-se reconhecer a impor-
tância do Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP),
D e s a f i o s e O p o r t u n i da d e s iniciativa das Secretarias de Estado do Meio Ambiente de Mato
Grosso e de Mato Grosso do Sul, que tem por finalidade o diagnósti-
Um grande desafio para a conservação do Pantanal está na de- co e a definição de diretrizes para a conservação ambiental da bacia.
vida implementação das unidades de conservação já criadas na Além do PCBAP , o Programa para o Desenvolvimento Sus-
região, independente da categoria de manejo e jurisdição admi- tentável do Pantanal, lançado em 1997 pelo Ministério do Meio
nistrativa da unidade. Ambiente e conhecido como Programa Pantanal, teve a finalida-
Somente 11 das 112 unidades de conservação existentes na ba- de de promover o uso sustentável dos recursos naturais da bacia
cia têm planos de manejo elaborados e em aplicação. A maioria do Alto Paraguai e afeta de forma direta ou indireta aproximada-
dessas áreas, oito unidades, são reservas privadas, sendo as de- mente 80 municípios e 39 comunidades indígenas. Basicamen-
mais áreas representadas por parques. te esse programa é composto por ações direcionadas às áreas
Entre a planície e o planalto, existem somente três Parques protegidas, às áreas urbanas, ao desenvolvimento de alternati-
Nacionais (PN ): o do Pantanal Mato-Grossense, o da Serra da Bo- vas econômicas e ao manejo integrado das bacias hidrográficas.
doquena e o da Chapada dos Guimarães. Desses, o único que está O “Programa Pantanal” contou com o financiamento do governo
totalmente inserido na planície pantaneira é o primeiro, que tam- brasileiro, do Banco Interamericano para o Desenvolvimento e
bém conta com um plano de manejo em operação e que se prepa- do Banco Japonês para Cooperação Internacional.
ra para iniciar o recebimento de visitação pública. Os parques da Outra iniciativa importante para a conservação do Pantanal
Chapada dos Guimarães e da Serra da Bodoquena situam-se na foi a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico do Mato
porção planáltica da bacia hidrográfica, e são importantes para Grosso do Sul, estado que detém cerca de 52% da área da bacia hi-
a proteção das regiões de nascentes dos rios que alimentam os drográfica. Com esse projeto ficou clara a aptidão da região para
ciclos hidrológicos do Pantanal. atividades de baixo impacto ambiental, assim como para conser-
O Parque Nacional da Chapada dos Guimarães possui estru- vação dos ambientes naturais.
tura para recepção de visitantes, fator que serve como um dina- Em termos institucionais, diversas organizações de pesquisa
mizador da economia local. Já o Parque Nacional da Serra da e conservação atuam na região do Pantanal, com diferentes ob-
Bodoquena, criado em 2000, até hoje sequer teve seu plano de jetivos associados, tais como as universidades, especificamente
manejo aprovado e a sua regularização fundiária caminha em a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) , a Universidade
passos lentos, o que pode comprometer a integridade da área no Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) , a Universidade Federal
médio e longo prazos por falta de ações mais consistentes de pro- da Grande Dourados (UFGD) , a Universidade Estadual do Mato
teção, pesquisa e manejo da área. Grosso (UNEMAT) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do
Quanto aos parques estaduais, mais numerosos, ainda há muito Sul (UEMS) , além de algumas instituições de ensino superior pri-
a ser feito para que sejam implantados e sejam adotadas as medi- vadas. Destacam-se ainda as unidades de pesquisa da Empresa
das de manejo necessárias. Muitos ainda estão somente no papel e Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA ), localizadas em
carecem de recursos para o devido funcionamento e consequente Corumbá e Campo Grande, ambas no estado do Mato Grosso do
alcance dos objetivos de conservação para os quais foram criados. Sul. Em todas essas instituições de ensino e pesquisa existem
Aparentemente falta vontade política para o devido funciona- grupos organizados de pesquisadores com projetos que investi-
mento dessas unidades, já que tanto o Mato Grosso como o Mato gam os diversos aspectos do Pantanal, incluindo aqueles mais di-

178
Biomas Brasileiros

G r and e con cen tra çã o de jaca rés (Caiman cro co d ilus yacare) n o Pantanal | MT

retamente relacionados à dinâmica dos processos ecológicos e à – Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos, cuja atuação é concen-
conservação da biodiversidade. trada na região da serra do Amolar, em Mato Grosso; a Fundação
Seja em parceria ou de forma isolada, as organizações do 3º Neotrópica do Brasil, atuante sobretudo na região do Planalto da
setor também têm relevância nesse contexto por promoverem Bodoquena, no Mato Grosso do Sul; a Associação de Proprietá-
diversas ações e projetos na região. Merecem atenção as organi- rios de Reservas Privadas do Mato Grosso do Sul (REPAMS) , cujo
zações com atuação mais ampla em termos geográficos com pro- foco está no estímulo à criação e gestão das Reservas Particula-
gramas regionais para o Pantanal, como é o caso principalmen- res do Patrimônio Natural (RPPN ); a Ecoa – Ecologia e Ação, com
te da Conservação Internacional (CI -Brasil), do Fundo Mundial um papel fundamental na mobilização e articulação voltadas à
da Natureza (WWF -Brasil), e da Sociedade para Conservação da conservação e uso sustentável dos recursos naturais da região.
Vida Selvagem (WCS ).
Dentre as organizações de menor porte e com atuação mais O p ot e n c i a l da s r e s e r va s pa r t i c u l a r e s
regionalizada, merecem destaque o Instituto SOS Pantanal, cujo Considerando que quase 90% da área do Pantanal está sob
principal objetivo é proporcionar informação isenta para a dis- domínio privado, uma perspectiva promissora para a conserva-
cussão das grandes questões que envolvem a região; a Ecotrópica ção do Pantanal está na criação e implementação das Reservas

179
pantanal

Particulares do Patrimônio Natural (RPPN ). A Conservação In- quais o suprimento de água e a biodiversidade, podem converter-
ternacional (CI -Brasil), em parceria com a Associação de Pro- -se em mote para o desenvolvimento de programas de conserva-
prietários de Reservas Privadas do Mato Grosso do Sul (REPA- ção da área que considerem as especificidades regionais, e, assim,
MS ), desenvolve um programa de apoio às RPPN do Pantanal, no consigam perpetuar esse que é um dos paraísos de biodiversida-
qual o proprietário pode obter recursos financeiros para apoiar de da América do Sul.
o processo de criação de novas áreas, e apoiar a implementação
das medidas de manejo definidas para cada unidade. n ota S
Apesar de serem áreas, em geral, menores que as unidades de
conservação de domínio público, as RPPN podem assumir um im- 1 As influências das partes altas e o fato de a planície pantaneira ser uma
portante papel na conservação do Pantanal, por estarem mais dis- formação geomorfologicamente mais recente que as áreas de entorno têm
sido até mesmo usados para questionar se o Pantanal é, de fato, um bioma.
tribuídas pela região e, assim, incluírem maior número de hábitats Alguns acreditam que seria mais adequado considerar o Pantanal como
e situações ambientais peculiares na planície pantaneira. As RPPN uma grande região de contato e/ou transição entre outros importantes bio-
podem desempenhar uma função relevante de complementação mas da América do Sul, e não propriamente como um bioma, com fauna e
às grandes áreas protegidas (como parques e áreas de proteção flora típicas.
ambiental), na defesa da integridade ecológica do Pantanal. 2 As florestas ciliares também são conhecidas popularmente como flores-
tas ripárias, florestas ripícolas, florestas de galeria, florestas justafluviais,
entre outras.
M u da n ç a s c l i m á t i c a s e s e r v i ç o s a m b i e n ta i s
3 O Chaco é uma grande região natural da América do Sul, localizado na
No atual cenário de aquecimento global, quaisquer altera- porção central do continente, caracterizado por áreas planas extensas, em
ções provocadas pelo homem na dinâmica hídrica do Pantanal região de clima seco, com vegetação heterogênea constituído tanto por for-
podem trazer consequências severas sobre o sistema como um mações campestres como savânicas e até mesmo florestais. Apesar de não
todo, pois a redução dos fluxos de água, com consequente altera- aparecer no mapa de biomas brasileiros do IBGE , existem várias evidências
na literatura da ocorrência desse bioma no Brasil, na região sul do Pantanal,
ção nos pulsos de inundação, pode desencadear diversas mudan-
município de Porto Murtinho (MS ). Já as florestas andinas são formações
ças nas comunidades biológicas, com reflexos inclusive nas de- florestais que acompanham a cadeia montanhosa que forma os Andes, ocor-
mais atividades empreendidas na bacia, como a própria pecuária, rendo desde as altitudes mais baixas, em torno dos 200 m (s.n.m.), chegando
a pesca e o turismo. até as porções mais elevadas, por volta dos 1.000–1.200 m (s.n.m.) Sabe-se
A construção de hidrovias e usinas a de hidrelétricas, além do muito pouco sobre a composição e estrutura dessas florestas, embora estu-
uso da água para irrigação e abastecimento humano, são fatores dos pontuais indiquem a ocorrência de algumas espécies endêmicas dessas
florestas, tanto da fauna como da flora.
que podem potencializar essas alterações, com consequências 4 Alterações como essas foram detectadas em algumas regiões costeiras do
ainda pouco entendidas pelos cientistas e pesquisadores que Brasil, onde os capins exóticos foram introduzidos principalmente para a
atuam na região. criação de búfalos em áreas inundáveis. Também na região do Cerrado es-
Além de água, a biodiversidade e a estabilidade climática são sas espécies foram introduzidas com o intuito de fornecer matéria verde
serviços que devem também ser considerados para fins de políti- para o gado durante o longo período de estiagem ao qual a região está sujeita.
cas públicas, buscando alternativas de geração de renda sem ne- 5 Dados do IBGE : www.ibge.gov.br.
6 Ou Aw, conforme a classificação de tipos climáticos de Köppen.
cessariamente degradar os ambientes e paisagens que fazem do 7 Os valores de referência de 18 e 25ºC são usados nas classificações de tipos
Pantanal uma região única no planeta. climáticos para distinguir os tipos tropical e subtropical.
Estudos que estimem a escala com que esses serviços ambien- 8 Conservação Internacional, Ecoa – Ecologia e Ação, Fundación Avina,
tais podem ser valorados, assim como da forma como esse valor Instituto SOS Pantanal, WWF -Brasil. 2009. Monitoramento das alterações
pode reverter em ações concretas de proteção da biodiversidade da cobertura vegetal e uso do solo na bacia do Alto Paraguai, porção brasilei-
ra: período de análise 2002–2008. Resumo executivo. 7 p.
em todos os seus níveis, consistem no grande desafio colocado para
9 Pinto, E. C. T.; Camargo, G.; Arcangelo, C.; Silva, S. M., Casarin, J. C. Pano-
as instituições de pesquisa e conservação que atuam na região. rama atual das unidades de conservação da bacia do Alto Rio Paraguai, Bra-
Apesar de ainda serem um assunto pouco explorado para a re- sil: planejamento, implementação e proteção à biodiversidade. In V Con-
gião, os serviços ambientais prestados pelo Pantanal, dentre os gresso Brasileiro de Unidades de Conservação, Anais. 2007.

180
Biomas Brasileiros

Ara ça ri-casta n h o ( Ptero glossus castanotis)


n a Fa zen da Ca ima n | MS

181
pantanal

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

182
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

183
pantanal

184
Biomas Brasileiros

acima : Col h ereiro ( Platalea ajaja) n o Pa n ta n a l


Matogrossen se do rio Negro | MS

p á gin a ao l a do: Ip ê-rosa ( Tabebuia sp.) com n in h o de tuiuiú


(Jabiru mycteria) n o Pa n ta n a l de Cá ceres | MT

p á gin as 18 2–18 3: Vista a érea do pa n ta n a l n a


regiã o do Rio Negro | MS

185
pantanal

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

186
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

187
pantanal

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

188
Biomas Brasileiros

acima : Mutum-de-p en ach o (Crax fascio lata)


n o Pa n ta n a l da Nh ecol â n dia | MS

p á gin a ao l a do: Borb ol etas ( Dryas julia) –


em acasa l a men to n o SES C Pa n ta n a l | MT

p á gin as 18 6–187: Ara ra-vermel h a ( Ara ch lo ro pterus) n a RPPN


Buraco das Ara ras – Pl a n a lto da Bodoquen a | MS

189
pantanal

acima : Joã o-p in to ( Icterus cro co n otus)


n o pa n ta n a l matogrossen se | MT

p á gin a ao l a do: Fêmea de vea do-ca mp eiro


(Od o n to cerus bezoarticus) a ma men ta n do fil h ote
n o Pa n ta n a l da Fa zen da Ca mp o Neta | MS

190
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

191
pantanal

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

192
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

193
pantanal

acima : Ca p iva ras ( Hid ro ch o erus h id ro ch o eris) n o Rio Negro –


Pa n ta n a l da Nh ecol â n dia | MS

p á gin as 192–193: Pa isagem da Fa zen da Rio Negro | MS

194
Biomas Brasileiros

Pavã ozin h o-do-pa rá ( Eurypyga h elias) n o pa n ta n a l


matogrossen se | MT

195
pantanal

acima : On ça-p in ta da ( Pa n th era on ca pa lustris) ca ça


jaca ré-do-pa n ta n a l (Caiman cro co d ilus yacare) n o rio Pi quiri –
Pa rque Esta dua l En con tro das Águas | MT

p á gin a ao l a do: Pira p uta n gas ( Bryco n sp.) n a RPPN


Rio da Prata – Pl a n a lto da Bodoquen a | MS

p á gin as 198 –199: Vista a érea das sa l in as e b a ias n o


Pa n ta n a l da Nh ecol â n dia | MS

196
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

197
V
6
Campos do sul
G l ays o n B e n c k e • R o s a M e d e i r o s
Va l é r i o P i l l a r • I l s i B o l d r i n i

Terrenos planos ou suavemente ondu-


a s ta s pa i s ag e n s .
lados, cobertos de pradarias e sem árvores. Esse é o sen-
tido da palavra “Pampa”, um termo de origem indígena
que denomina não só um bioma sul-americano, mas toda
a paisagem típica do cone sul desse continente. Evidên-
cias sobre o passado remoto, obtidas a partir da análise
de fósseis de animais pastadores, indicam que há cerca de 35 mi-
lhões de anos essa região da América do Sul tem sido caracteri-
zada por paisagens abertas, ou por mosaicos de campos e flores-
tas.1 Espraiando-se por vastas regiões do Uruguai e da Argentina
e pelo sul do Brasil, no seu conjunto, os campos do Rio da Prata2
representam a região mais extensa de pradarias temperadas no
continente, com aproximadamente 750 mil km2 (Fig. 1a).
No Brasil, o bioma Pampa abrange mais da metade do terri-
tório do estado do Rio Grande do Sul, mas os campos ocorrem
também nas partes mais altas do planalto sul-brasileiro (Fig. 1b),
como encraves no bioma Mata Atlântica que perpassam os ou-
tros estados da região. Além de favorecerem a criação de gado,
atividade que está na origem da cultura gaúcha, os campos do sul
são ecossistemas naturais que apresentam alta biodiversidade.
Considerando os 174 mil km2 de campos originais do estado do
Rio Grande do Sul, as 2.600 espécies3 de plantas vasculares (aque-
las que possuem tecidos especializados para transportar o alimen-
to para as suas células) campestres representam uma enorme ri-
queza desse bioma. Para efeito de comparação, veja-se a flora de
savanas mais rica do mundo, a do Cerrado brasileiro, em que há
7.000 espécies originalmente distribuídas em 2 milhões de km2.4
bioma campos do sul estado abrangente

aproximadamente 237 mil km2 / aproximadamente 9,6 milhões habitantes


2.600 espécies de plantas vasculares campestres
Biomas Brasileiros

Impressiona também o alto grau de endemismo ou de exclusi- e diversas espécies de roedores subterrâneos, conhecidos como
vidade da flora da região. Nos campos do Rio Grande do Sul ocor- tuco-tucos (Ctenomys spp.). O grupo das aves inclui espécies cul-
rem cerca de 500 espécies de plantas endêmicas, a maioria res- turalmente importantes, como a ema (Rhea americana), a perdiz
trita ao bioma Pampa.5 Em comparação, no bioma Cerrado, que ou codorna (Nothura maculosa), o quero-quero (Vanellus chilen-
ocupa uma área bem maior, as espécies endêmicas somam pouco sis) e o joão-de-barro (Furnarius rufus).
mais de 3 mil.6 Considerando apenas os campos de altitude, den- As aves migratórias se destacam tanto pela extensão de seus
tre as 1.161 espécies descritas nos estados do Rio Grande do Sul deslocamentos como pela abundância que certas espécies atin-
e de Santa Catarina,7 107 são exclusivas. No domínio do bioma gem em ambientes costeiros ou litorâneos do Rio Grande do Sul,
Mata Atlântica, foram encontradas nos mesmos tipos de campos, bem como em outras partes do Pampa. Assim, essas regiões ga-
ao todo, 296 espécies de plantas endêmicas, incluindo aquelas nham interesse mundial, pois constituem importantes áreas de
não restritas às formações campestres.8 invernagem e ganho de peso para essas espécies.
Essa alta biodiversidade florística e alto grau de endemismo
se devem à influência tanto de floras tropicais procedentes do
Brasil Central como de floras temperadas originárias do sul da
América do Sul. Estes campos estão situados na região subtropi-
cal, uma das regiões mais ricas em gramíneas no mundo, ocorren-
do associadas gramíneas de clima tropical e temperado.9 Outros
representantes de famílias como as leguminosas e as compostas
também alcançam seu limite setentrional no Pampa, ao passo
que espécies de clima tropical alcançam seu limite meridional na
Mata Atlântica. Assim, os campos do sul funcionam como uma
fronteira climática em que se desenvolvem espécies únicas desse
hábitat. Além disso, a origem geológica do Rio Grande do Sul é de
diferentes épocas e de diferentes substratos, originando tipos
de solos diversos e, consequentemente, micro-hábitats específi-
cos. Daí a presença de tantas espécies endêmicas.
Com relação à fauna atual dos campos do sul do Brasil, distingue-
-se a notável diversificação alcançada por certos grupos e a singu-
lar variedade de formas e modos de vida. Entretanto, diferente das
paisagens campestres de outros continentes, nossos campos não
abrigam manadas de grandes herbívoros pastadores como zebras
ou búfalos, e são habitados por animais nativos de porte em geral
bem mais modesto. P á sssa ros con h ecidos como gaudério ou maria-preta
Somente na porção brasileira do bioma Pampa são conheci- ( Mo loth rus bo n ariensis) em Lav ras do Sul | RS
das 480 espécies de aves e cerca de 90 de mamíferos. Entre essas
espécies, mais de uma centena das de aves e pelo menos 25 das
de mamíferos são estreitamente associadas a hábitats campes- Os prados costeiros baixos do litoral médio gaúcho, locali-
tres. No entanto,10 muitas outras ocupam também os capões de zados em torno da Lagoa do Peixe, formam uma das principais
mata (manchas isoladas de floresta), as florestas de galeria (que áreas de concentração não reprodutiva do maçarico-acanelado
se desenvolvem ao longo das margens dos rios) e os diversos ti- (Tryngites subruficollis) e do batuiruçu (Pluvialis dominica), ao
pos de áreas úmidas (banhados, turfeiras, campos inundáveis, passo que os campos do Planalto da Campanha, sobretudo ao lon-
lagoas e lagunas).11 go da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, são ocupados de for-
Entre os mamíferos mais peculiares figuram o veado-campei- ma expressiva pelo maçarico-do-campo (Bartramia longicauda),
ro (Ozotoceros bezoarticus), hoje restrito a uma pequena porção oriundo das pradarias norte-americanas.12
de sua área de distribuição original, o graxaim-do-campo (Ly- Movimentos mais discretos, mas não menos complexos, são
calopex gymnocercus), o gato-palheiro (Leopardus colocolo), o executados pelos pequenos papa-capins do gênero Sporophila
zorrilho (Conepatus chinga), o tatu-mulita (Dasypus hybridus) (caboclinhos), que se alimentam exclusivamente de sementes

203
campos do sul

de capins nativos e emigram aos capinzais tropicais do Cerrado


[A]
e regiões adjacentes durante o período não reprodutivo (março-
-abril a setembro-outubro). São cerca de nove espécies de cabo-
clinhos representadas nos campos do sul do Brasil, quase todas
endêmicas dessa região ou de uma porção mais ampla dos cam-
pos do Rio da Prata.
A diversidade de outros grupos de vertebrados terrestres tam-
bém é elevada quando comparada à de biomas vizinhos ou de
outras regiões de formações abertas da América do Sul centro-
-meridional. Ainda que estes números estejam sendo ampliados ● argentina
por estudos recentes, para o Pampa como um todo, incluindo sua ●  brasil
extensão em território argentino e uruguaio, são listadas 66 es- ● chile
pécies de anfíbios13 e 97 de répteis.14 Por causa da ausência de ● paraguai
barreiras físicas e biogeográficas na fronteira do Brasil com os ● uruguai
países vizinhos, são relativamente poucas as espécies animais
endêmicas do Pampa no país, o que pode passar a falsa ideia de
que o bioma possui uma fauna pouco peculiar. O Brasil compar- [b]

tilha com o Uruguai e a Argentina um número considerável de


espécies exclusivamente pampianas – isto é, circunscritas aos
campos do Rio da Prata – ou que se restringem a essa região e
aos campos do planalto sul-brasileiro. São exemplos o sapo Rhi-
nella achavali, a tartaruga Trachemys dorbigni (tigre-d’água), os
lagartos Anisolepis undulatus (papa-vento-do-sul), Stenocercus
azureus (lagartixa-azul) e Homonota uruguayensis (geco-do-
-campo), as serpentes Calamodontophis paucidens e Liophis ja-
egeri (cobra-verde) e o tuco-tuco (Ctenomys torquatus), além de
pelo menos 13 espécies de aves.15
Considerando tanto a parte brasileira do bioma Pampa como
os campos do planalto sul-brasileiro, são conhecidas nada me-
nos do que 21 espécies endêmicas de vertebrados, número que
tende a aumentar com a descoberta de novas espécies em grupos
que permanecem pouco amostrados na região.16 A maior parte
desses endemismos é exclusiva dos campos planálticos do bio-
ma Mata Atlântica, ocorrendo do nordeste do Rio Grande do Sul
até os Campos Gerais do Paraná. Os vertebrados endêmicos dos
campos do sul do Brasil incluem cinco espécies de peixes, oito ● mata atlântica
de anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas), quatro de répteis ● pampa
(três serpentes e um lagarto), três de aves e uma de mamífero.
Ainda que não estritamente associados à vegetação campes- Figura 1. [a] Ma pa mostrando o contorno dos campos do
tre, destacam-se nesse contexto várias espécies de peixes-anuais Rio da P rata n o sul do Brasil, Uruguai e Argentina 74
e de sapinhos do gênero Melanophryniscus, por possuírem áreas [b] Ma pa da cobertura original de campos no sul do Brasil
de distribuição extremamente reduzidas. Na metade sul do Rio ( biomas Pa mpa e Mata Atlântica), adaptado do mapa do IBGE 75 .
Grande do Sul são conhecidas 18 espécies de peixes-anuais do As á reas em bra n co n o sul do Brasil são (ou eram) florestas
gênero Austrolebias,17 que notabilizam-se por seu singular modo do b ioma Mata Atlâ n tica ou corpos d’água. As áreas em v erde
de vida. Esses animais ocupam charcos temporários rasos de correspon dem aos ca m pos de altitude, que são encrav es
várzeas ou planícies inundáveis, e subsistem ao período de va- n o b ioma Mata Atlâ n tica
zante na forma de ovos enterrados no lodo.

204
Biomas Brasileiros

Os anfíbios anuros do gênero Melanophryniscus encontram Além disso, a criação de mulas e seu deslocamento em tropas
na região o hábitat mais favorável para sua diversidade, onde até o mercado de Sorocaba, em São Paulo, a partir do século XVIII ,
ocorrem 16 espécies, a maioria endêmica dos campos do sul do marcou a consolidação econômica dessa região durante o Brasil
Brasil ou do Pampa em um sentido mais amplo.18 colonial e imperial.22 Os campos gerais de Santa Catarina e Para-
Por fim, deve-se mencionar o fato de o conhecimento sobre a di- ná constituíram os caminhos naturais dessas tropas, onde alguns
versidade dos numerosos grupos de invertebrados que compõem a núcleos urbanos surgiram associados à atividade dos tropeiros,
fauna dos campos do sul do Brasil ser ainda muito incipiente e geo­ como Lages em Santa Catarina, e Santo Antônio da Patrulha,
graficamente limitado. Pouquíssimos são os grupos que dispõem Vacaria e Cruz Alta no Rio Grande do Sul.
de um conhecimento mais amplo, entre os quais está o das borbo- Se, num primeiro momento, a ocupação da região aconteceu
letas (ou lepidópteros diurnos). O estudo desses insetos tem evi- sobre os campos e com base na atividade pecuária, a partir do sé-
denciado uma estreita associação das borboletas do gênero Pam- culo XIX foram as regiões predominantemente florestais do sul
pasatyrus (subfamília Satyrinae) com ambientes campestres bem do Brasil que passaram a ser ocupadas com a chegada de novas
preservados do Pampa e dos campos do planalto sul-brasileiro.19 ondas imigratórias, principalmente de alemães e italianos.
As abelhas solitárias das famílias Andrenidae e Colletidae, por sua
vez, exemplificam notáveis casos de coevolução entre esses poli- Demografia
nizadores especializados e certas plantas encontradas no Pampa,
com as quais mantêm uma relação mutualística exclusiva.20 Representando 35% da população da região,23 cerca de
9,6 milhões de pessoas vivem nos municípios assentados sobre
Abrangência áreas originalmente campestres nos três estados do sul do Brasil
(Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina). Entre essas, 92%
O bioma Pampa, no Brasil, ocupa as porções sul e oeste do estado estão em meio urbano, incluindo as capitais Porto Alegre (RS) e
do Rio Grande do Sul. As demais regiões originalmente campes- Curitiba (PR).
tres que ocorrem no bioma Mata Atlântica estão nas porções altas Mantendo ainda significativa atividade pecuária baseada
do planalto sul-brasileiro, ocupando os três estados que formam nos campos e uma baixa densidade demográfica (10 habitan-
a Região Sul do país: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. tes por km2), cerca de 776 mil pessoas vivem nos municípios da
A extensão total no Brasil da área originalmente campestre é es- Campanha, área situada na região sudoeste, e nas serras de su-
timada em 237 mil km2, mas a conservação dos campos vem sendo deste no Rio Grande do Sul.24 No entanto, as duas regiões, que
ameaçada nas últimas décadas por sua conversão em culturas anu- fazem parte do bioma Pampa, apresentam contraditoriamente,
ais e silvicultura e pela degradação associada ao uso inadequado e à 84% dessa população no meio urbano.
invasão de espécies exóticas. Hoje, estima-se que ainda haja 79 mil
km2 de remanescentes desses campos na Região Sul do Brasil. Í n d i c e d e D e s e n vo lv i m e n to H u m a n o

Urbanização O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH ) médio dos mu-


nicípios das regiões originalmente campestres é de 0,771, o que
Os campos foram bastante apropriados para a atividade pas- não é diferente da média dos municípios de toda a região sul do
toril que se desenvolveu no sul do Brasil no início da sua coloni- Brasil. No entanto, a amplitude de variação (0,665 a 0,865) é me-
zação. O gado bovino e equino foi trazido no século XVII 21 com nor que a da Região Sul (0,620 a 0,875).25
as primeiras missões jesuítas a leste do Rio Uruguai, e se espa- A média do IDH dos municípios da Campanha e nas serras
lhou naturalmente pelo vasto domínio campestre que se esten- de sudeste no Rio Grande do Sul é de 0,778,26 um pouco menor
de da região oeste e sul do Rio Grande do Sul até o atual Uruguai. que a dos municípios do Rio Grande do Sul (0,784). Entretanto,
A atividade pastoril foi essencial para a manutenção das missões sua amplitude de variação, de 0,715 a 0,818, é menor que a do Rio
jesuítas e está na origem das primeiras aglomerações de índios Grande do Sul (0,666 a 0,870) e da Região Sul do Brasil.
Guarani convertidos. Posteriormente, durante a ocupação colo-
nial portuguesa, esses rebanhos foram explorados como o prin- Economia
cipal recurso do território. Assim, os primeiros núcleos urbanos,
como Viamão e Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, surgiram asso- Em 2009, os municípios assentados sobre regiões campes-
ciados a essa atividade. tres produziram cerca de 37% do Produto Interno Bruto (PIB ) da

205
campos do sul

G aúch os toca n do reba n h o de ovelh as (Ovis aries) em Ma ça mbará | RS

­ egião Sul, e 22% se excluirmos as duas capitais. No mesmo ano,


R tra nas regiões sudoeste (Campanha) e serras de sudeste do Rio
a Região Sul representava cerca de 16% do PIB nacional. Grande do Sul, no bioma Pampa, com cerca de 5,5 milhões de ca-
Apesar de a maior parte da população habitar os centros urbanos, beças e uma densidade média de 73 cabeças por km2 (variando de
as principais atividades econômicas da região dos campos do sul do 35 a 131 cabeças por km2 conforme o município).
Brasil estão relacionadas ao espaço rural, por meio da pecuária, das A produtividade média de carne bovina no Rio Grande do Sul
lavouras de arroz e de soja e, mais recentemente, da silvicultura. é de 70 kg de peso vivo por hectare por ano, mas resultados de
pesquisa indicam que o potencial produtivo dos campos, ape-
U s o s d o s o lo nas com manejo pastoril adequado, pode atingir 230 kg/ha/
ano,27 o que torna a atividade pecuária economicamente com-
Pecuária petitiva em relação aos usos alternativos do solo com lavoura
Em 2010, as áreas originalmente campestres nos três esta- e silvicultura.
dos do sul do Brasil abrigavam um rebanho bovino de cerca de A pecuária, atividade tradicional, extensiva, sem grandes in-
12,1 milhões de cabeças, com uma densidade média de 51 cabe- vestimentos, foi a que menos transformou as paisagens original-
ças por km2. A maior concentração do rebanho bovino se encon- mente campestres dessa região.

206
Biomas Brasileiros

L avo u r a s com a agravação da crise da produção pecuária no Rio Grande


Desde meados do século XX , o cultivo do ar- do Sul, mais empresas produtoras de celulose e papel passaram a
roz irrigado tem sido economicamente importante no adquirir terras e a arrendar propriedades para a silvicultura, com
bioma Pampa, ao lado da pecuária. O Rio planos de plantar cerca de 1 milhão de hectares concentrados em
Grande do Sul é o maior produtor de ar- algumas regiões do estado. Houve uma forte reação de movimen-
roz do Brasil e é nessa região que ocorre a tos ambientalistas e, apesar de algumas restrições estabelecidas
maior produção. por um zoneamento da silvicultura,29 o processo de transforma-
A partir dos anos 1970, os campos de ção é fato consumado em algumas áreas do Rio Grande do Sul.
barba-de-bode que estão no noroeste do
Estudos com composição de pólen em
estado do Rio Grande do Sul foram bas- Os ecossistemas campestres
depósitos de sedimentos orgânicos
indicam que pradarias com predomínio tante impactados pelas transformações
de gramíneas já caracterizavam essa no uso da terra, principalmente pela im- No bioma Mata Atlântica são encontrados os campos de al-
região bem antes da chegada dos plantação de lavouras de soja e trigo. Es- titude e os campos de barba-de-bode. No bioma Pampa (Fig. 2),
primeiros grupos humanos, há cerca
ses cultivos foram a seguir se estenden- abaixo do paralelo 30°S, encontram-se os maiores remanescentes
de 12 mil anos atrás. As formações
florestais tiveram expansão tardia, do por outras regiões campestres do Rio de campos, constituindo formação única no Brasil, que tem conti-
há 4 mil anos. >>> Grande do Sul e atualmente ocupam par- nuidade nos países limítrofes. O relevo suavemente ondulado na
tes significativas de todo o bioma Pampa. porção central do Rio Grande do Sul passa a fortemente ondula-
As lavouras causam impacto significa- do na porção geologicamente mais antiga, a Serra do Sudeste, dali
tivo nos hábitats campestres em razão da supressão da vegetação estendendo-se em suaves colinas a perder de vista em direção su-
natural causada pelo revolvimento do solo ou pelo uso de herbici- doeste, até a fronteira com Argentina e Uruguai.
das nos sistemas de plantio direto. O cultivo do arroz irrigado tem
ocupado principalmente as várzeas, frequentemente em áreas que, C a m p o s d e a lt i t ud e
de acordo com a legislação ambiental, deveriam ser de proteção Os campos de altitude, que ocorrem entremeados à mata
permanente. Isso tem contribuído para o assoreamento de rios e com araucária, são formados por touceiras densas, onde o capim-­
consumindo quantidades significativas de água. Além disso, nos caninha (Andropogon lateralis) é a espécie principal. No ­outono/
campos com areais do centro-oeste do Rio Grande do Sul, as lavou- inverno, os campos ganham uma coloração amarelada por causa
ras têm causado a aceleração do processo de arenização.28 das gea­das frequentes do inverno.
Com o intuito de facilitar o rebrote da vegetação, é comum a
S i lv i c u lt u r a prática das queimadas no final dessa estação, ou a chamada “lim-
A silvicultura, com os cultivos de eucalipto, pinus e, em me- peza dos campos”. Nas baixadas úmidas,
nor extensão, acácia-negra, tem também causado transforma- onde há acúmulo de água e de matéria or-
ções significativas nas paisagens campestres, tanto no bioma gânica, é frequente a presença de turfeiras >>> Fósseis de mamíferos pastadores
indicam que, há cerca de 30 milhões
Pampa quan­to nos campos de altitude do bioma Mata Atlântica. (formações típicas de áreas encharcadas) de anos, grupos endêmicos de grandes
No bioma Pampa, especialmente a partir da segunda metade cobertas por um tapete contínuo de mus- pastadores, como o toxodonte,
da década de 2000, o plantio de eucalipto passou a ocupar o es- go (Sphagnum spp.), acompanhado pelo evoluíram no continente sul-americano.
Havia ainda lhamas e cavalos primitivos
paço dos campos e, sobretudo, da pecuária em regiões com solo gravatá-do-banhado (Eryngium panda-
que migraram da América do Norte
e clima menos favoráveis a uma agricultura com lavouras anuais, nifolium). Os cânions magníficos e os rios para a América do Sul há cerca de
mas bastante adequadas para a silvicultura. No Rio Grande do de águas límpidas fazem parte do cenário 3 milhões de anos.
Sul, os primeiros plantios de eucalipto datam do final do século na região de contato entre os campos e as
XIX , quando foram plantados em pequena escala formando “ca- matas com araucária.
pões” para abrigar o gado criado extensivamente no campo e for-
necer lenha e moirões para as fazendas, além de, na época, servi- C a m p o s d e b a r b a- d e - b o d e
rem de pontos de referência geográfica para o homem do campo Os chamados “campos de barba-de-
na Campanha do Rio Grande do Sul. -bode”, situados a noroeste no Rio Gran-
Entretanto, a partir da década de 1970, com a instalação de de do Sul, apresentam-se hoje em pequenas manchas
uma indústria para produção de celulose no município de Guaí- remanescentes, já que grandes extensões foram
ba, a silvicultura aumentou em larga escala. A partir do ano 2000, transformadas em lavouras de soja e trigo.

207
campos do sul

A vegetação desses campos é formada por espécies predominan- Campos graminosos


temente tropicais, onde o estrato superior é ocupado por densas ou “campos de flechilhas”
populações de “barba-de-bode” (Aristida jubata), que formam Onde os solos são mais profundos e a fertilidade é alta, a rique-
touceiras arredondadas e conferem uma fisionomia muito pecu- za de gramíneas em relação a outras famílias botânicas na com-
liar a esses campos. posição desses campos é marcante: são os campos graminosos.
Na região mais próxima à Argentina, a presença do pau-ferro Há uma grande participação de espécies hibernais, destacando-
(Myracrodruon balansae), árvore de copa verde-clara, acompa- -se entre as leguminosas espécies de Adesmia e Lathyrus. São
nhada por elementos de origem chaquenha, ocorre associada aos conhecidos regionalmente como “campos de flechilhas” em alu-
campos de barba-de-bode. são à grande participação de espécies de Stipa e ­Piptochaetium,
as quais apresentam seus frutos envoltos por estruturas que se
assemelham a flechas. Muitas espécies que penetram o sul do
Brasil pelo sul da América do Sul são endêmicas dessa grande
unidade transnacional. Considerando a produção pecuária, são
considerados os melhores campos do Rio Grande do Sul.

Campos com areais


A parte norte do Rio Grande do Sul foi formada por depósitos
de basalto sobrepostos a depósitos de arenitos. Na porção centro-
-oeste, a fina camada de basalto foi erodida por processos eólicos
e o arenito tornou-se exposto, resultando em campos regional-
mente conhecidos como campos com areais. Quando a cobertu-
ra vegetal é eliminada por processos de erosão pela água e pelo
vento, formam-se areais30 (para alguns, erroneamente, desertos).
Muitas plantas que se desenvolvem sobre esse substrato frágil
possuem estruturas subterrâneas desenvolvidas para suportar
o estresse hídrico e fixar a areia. O destaque fica com Paspalum
● Floresta Estacional lepton, uma espécie de capim que cobre o solo com seus longos
●  Campo Misto de Andropogoneas rizomas (caules subterrâneos horizontais). As partes aéreas
e Compostas apresentam-se com muita pilosidade, cerosidade e estruturas
●  Campo com Barba-de-bode ●  Campo com Areais glandulosas, adaptações para suportar altas temperaturas, falta
●  Campo Graminoso ●  Campo com Espinilho de água e ventos fortes, reduzindo a evapotranspiração. Habitam
●  Campo Arbustivo ●  Campo de Solos Rasos nesse ambiente várias espécies que produzem látex, especial-
●  Campo Litorâneo ●  Outras Formações mente das famílias euforbiáceas e apocináceas, e espécies com
óleos essenciais, como o capim-limão (Elionurus muticus). Mui-
F igura 2 . Mapa d os t i p os de ecossistemas ca mpestres tos representantes da família das compostas são endêmicos.
no b i o m a Pam pa, adapta do a pa rtir de Hasen ack 76
C a m p o s m i s to s c o m a n d r o p o g ô n e a s
e c o m p o s ta s
C a m p o s da C a m pa n h a Caracterizados por suas paisagens floridas, os campos mis-
Os campos da Campanha sobre solos rasos e pedregosos, loca- tos com andropogôneas e compostas, situados na porção cen-
lizados na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, são peculiares, tral do Rio Grande do Sul, apresentam-se em uma região de rele-
com muitas espécies endêmicas, a maioria das plantas apresenta vo rebaixado, composto por vales de rios. Há um grande número
porte ereto, deixando muito solo e rocha expostos. São encontra- de compostas nesses campos, entremeadas às gramíneas. Nos lo-
dos indivíduos esparsos de mio-mio (Baccharis coridifolia; Aste- cais secos, junto ao solo, o capim-forquilha (Paspalum notatum) é
raceae), espécie vegetal característica dessa região. Pela dificul- a espécie mais importante e nas baixadas úmidas a grama-tapete
dade de utilização de implementos agrícolas, esses são os campos (Axonopus affinis) e Paspalum pumilum são as mais comuns. Sobre
mais bem preservados do bioma Pampa no Brasil. essa matriz estão inseridas plantas subarbustivas e entouceiradas.

208
Biomas Brasileiros

C a m p o s l i to r â n e o s Capões
Nos campos litorâneos, sobre solos pouco estruturados e No bioma Pampa, entremeadas com os campos, são encontra-
com baixa retenção de água, é marcante a presença de espécies das outras formações vegetais, como as matas ripárias ao longo
prostradas (que crescem rente ao solo), estoloníferas (que apre- dos rios, compostas por arbustos, arvoretas e às vezes árvores de
sentam caules prostrados, os quais enraízam em intervalos de grande porte, como o angico. Os capões, formados por um peque-
centímetros e emitem novas ramificações) ou rizomatosas (que no número de espécies de arvoretas, compõem uma paisagem
possuem caules subterrâneos, os quais tem a propriedade de de- discreta e singular em meio às formações campestres.
senvolver novos ramos aéreos).
No entanto, em direção ao continente, onde há maior acúmulo E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
de matéria orgânica, os solos são bem cobertos. As gramíneas habi-
tam, em geral, solos medianamente drenados, ao contrário das cipe- As paisagens campestres têm-se modificado pela ação huma-
ráceas, plantas que se assemelham às gramíneas, que preferem so- na, especialmente nas últimas décadas, com a aceleração da con-
los mal drenados. Várias leguminosas são frequentes nessa região. versão dos campos para outros usos da terra. A conversão des-
A ocorrência de espécies endêmicas é baixa, possivelmente por ser sas paisagens em lavouras e silvicultura a partir dos anos 1970
uma região de formação recente. No entanto, uma espécie de gramí- fez com que, em 2002, remanescentes de vegetação campestre
nea ainda não descrita é dominante e exclusiva desses campos. natural cobrissem 63 mil km2 no Rio Grande do Sul, ou menos da
metade da cobertura original, precisamente 48,5%.33 Em Santa
C a m p o s a r b u s t i vo s Catarina, os remanescentes campestres totalizavam 13 mil km2
A área do Planalto Sul-Rio-Grandense, conhecida como ser- em 2004.34 No caso do Paraná, os remanescentes de formações
ra do sudeste, se distingue dos demais tipos de ecossistemas abertas (campos e savanas) totalizavam 3 mil km2 em 2002,35 o
pela ocorrência significativa de mosaicos de campos e manchas que representa menos de 10% da área original. O Pampa é o se-
ocupadas por subarbustos, arbustos e árvores de baixo porte. gundo bioma mais devastado do Brasil, restando apenas 36% de
A origem desses mosaicos ainda é pouco conhecida, mas dados sua área original.36
da composição de pólen obtidos de sedimentos orgânicos indi- Além da perda de hábitat, a conversão também tem gerado frag-
cam que são campos naturais.31 Além disso, tem sido observado mentação desses ecossistemas, com consequências nos padrões
o adensamento da vegetação lenhosa. O manejo desses mosaicos de biodiversidade e incremento nos riscos de extinção de espécies
com vistas à produção pecuária envolve corte e queima da vege- da flora e da fauna silvestre. Além disso, invasões de espécies, como
tação lenhosa, em pequena escala, com a finalidade de manter as a gramínea exótica Eragrostis plana37 e outras espécies lenhosas,38
áreas utilizadas como pastagens para os animais de criação.32 constituem uma ameaça à integridade desses ecossistemas.
Nesses campos, entremeados por vegetação lenhosa, encontra- Em consequência da perda de hábi-
-se uma mistura de espécies de origem predominantemente tropi- tats, do manejo inadequado das pasta-
cal, como barba-de-bode (Aristida spp.), e temperada, como flechi- gens nativas e da degradação em larga Os palmares são formações
encontradas no litoral
lhas (Stipa spp.). Talvez seja a região do Pampa com o maior grau escala de ambientes-chave para a fau- (Butia catarinensis), na região
de endemismo, de compostas, leguminosas e várias outras famí- na, como capinzais densos, margens de do Coatepe, município de
lias, o que é bastante razoável, já que é a região de formação geoló- banhados e áreas úmidas associadas a Quaraí (Butia yatay), e também
nos areais (Butia lallemantii).
gica mais antiga. formações campestres, um número ex-
pressivo de espécies animais que ha-
Campos com espinilho bitam os campos do sul do Brasil corre
risco de extinção na atualidade. Ao todo,
No oeste do Rio Grande do Sul ocorrem campos com espinilho 32 espécies ameaçadas de extinção no
(Vachellia caven), uma leguminosa arbórea associada ao estrato âmbito regional, nacional e/ou mundial
inferior, constituindo um gramado com predomínio de gramí­ dependem diretamente dos ambientes
neas. No Parque Espinilho, no extremo oeste do estado, esses campestres para a sua sobrevivência
campos apresentam uma maior riqueza de espécies no estrato ou dos mosaicos formados por campos e
superior, formado por arvoretas e árvores, incluindo outras árvo- ecossistemas florestais, a exemplo do veado-campeiro,
res leguminosas como o inhanduvá (Prosopis affinis) e o algarro- do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), da águia-
bo (Prosopis nigra). -cinzenta (Urubitinga coronata), do charão

209
campos do sul

P á ssa ro-prín cipe ( Pyro ceph alus rubin us) em L avras do Sul | RS

(Amazona pretrei), da noivinha-de-rabo-preto (Xolmis domini- U n i da d e s d e C o n s e r va ç ã o


canus), do veste-amarela (Xanthopsar flavus) e do lagartinho- Apenas 2,58% dos campos naturais do Rio Grande do Sul es-
-pintado (Cnemidophorus vacariensis). tão protegidos em unidades de conservação, o que é insuficiente
A análise da distribuição da fauna ameaçada de extinção nos para a preservação da diversidade biológica.41 Desse total, 9,78%
sete biomas brasileiros coloca os campos do sul do país na quarta estão na Mata Atlântica e 90,22% no Pampa. Considerando ape-
posição em termos de número absoluto de espécies ameaçadas, à nas o Pampa, 91% da superfície protegida corresponde à Área de
frente da Amazônia, Caatinga e Pantanal.39 Relativamente à pro- Proteção Ambiental do Ibirapuitã, unidade de conservação de
porção de espécies enquadradas na categoria indicativa do grau uso sustentável.
máximo de ameaça, os campos sul-brasileiros ficam atrás apenas Considerando somente unidades de conservação de proteção
da Mata Atlântica e da Caatinga, o que revela o elevado nível de integral, o percentual de área protegida de campos naturais no
ameaça que paira sobre a fauna do bioma.40 Rio Grande do Sul cai para apenas 0,33%.42 Ou seja, a conserva-
Constam na lista estadual de espécies ameaçadas, em diferen- ção de grande parte das áreas que ainda hoje mantêm caracterís-
tes categorias, 245 da flora campestre, das quais 91 são da Mata ticas ecossistêmicas dos campos do planalto do Rio Grande do
Atlântica e 154 do Pampa. Sul e do Pampa se deve ao manejo tradicional com uso pastoril.43

210
Biomas Brasileiros

Com relação aos campos de Santa Catarina e do Paraná, em- queimadas: por um lado, onde o pastejo é suprimido, a vegetação se
bora cerca de 20% dos Campos Gerais do Paraná estejam sob torna mais inflamável e as queimadas tendem a apresentar maior
conservação oficial em nove unidades diferentes,44 as áreas efe- extensão e intensidade; por outro lado, áreas manejadas adequa-
tivamente implantadas somam apenas 4.000 hectares. A unida- damente com pastejo são menos inflamáveis. Portanto, o manejo
de de conservação Refúgio de Vida Silvestre de Palmas protege pastoril adequado poderia reduzir a necessidade de queimadas e
16 mil hectares na divisa entre Paraná e Santa Catarina. Ainda também os riscos de incêndios catastróficos, o que seria de espe-
neste último estado, 49 mil hectares estão protegidos no Parque cial relevância em unidades de conservação, principalmente con-
Nacional de São Joaquim. siderando áreas de contato com ecossistemas florestais.
Esta realidade não é exclusiva do Brasil. Pradarias temperadas Grandes herbívoros pastadores coevoluíram com as espécies
e savanas estão entre os biomas terrestres com a situação global de gramíneas na América do Sul desde o início do Mioceno (en-
mais crítica – 45,8% de conversão e apenas 4,6% de proteção.45 tre 23 e 5 milhões de anos atrás).51 O pastejo por grandes pasta-
A falta de conservação de paisagens abertas em geral, e dos dores, portanto, não é estranho na evolução das espécies vegetais
campos em particular, tem raízes numa visão equivocada sobre dos campos, ainda que esse distúrbio possa ter-se desenvolvido
a sua natureza. Imagina-se que essas paisagens têm origem no em um grau menor do que em outros continentes, pela menor di-
trabalho humano, ocupando áreas florestais que foram desmata- versidade e abundância de herbívoros pastadores e pela notável
das. Infelizmente, a preocupação ambiental ainda tende para as ausência de um dos principais grupos de mamíferos pastadores
florestas em detrimento de outros tipos de ecossistemas e, com estritos, os bovídeos.52
efeito, uma das principais leis de conservação da biodiversidade Conjetura-se que a atividade pastoril nos campos representa
no Brasil denomina-se “Código Florestal”, reproduzindo o sen- a reintrodução de um processo ecossistêmico antes desempe-
so comum de que apenas florestas devam ser protegidas. Na re- nhado por uma megafauna pastadora, mantidas as devidas pro-
alidade, outros tipos de formações vegetais também encontram porções quanto à densidade populacional e hábitos de pastejo
proteção nessa lei, mesmo que de forma menos explícita. das espécies exóticas.53 Além disso, o cavalo primitivo (Equus
Embora ecossistemas campestres possam apresentar uma di- ferus) que se extinguiu na América há milhares de anos é da mes-
versidade biológica menor do que as florestas, a fauna e a flora ma espécie do cavalo doméstico54 e, portanto, foi reintroduzido
que esses ambientes sustentam não são amostras das comuni- durante a colonização europeia.
dades florestais adjacentes. Sua singularidade e diversidade são, Estudos sobre as consequências do manejo pastoril na biodi-
portanto, merecedoras de maiores esforços de conservação.46 versidade da fauna indicam que a ausência de distúrbios, assim
como o seu excesso (como o sobrepastejo), é prejudicial.55 A pre-
Pa s t e j o e q u e i m a da s : ta b u s da c o n s e r va ç ã o sença dos animais pastadores modifica a estrutura da vegetação
A dinâmica natural dos ecossistemas campestres está asso- pela seleção entre plantas palatáveis e não palatáveis e também
ciada à ocorrência de determinados níveis de distúrbios, como o influencia na microvariação topográfica, o que pode incremen-
pastejo animal e o fogo. Esses distúrbios geram heterogeneidade tar a heterogeneidade espacial de hábitats.56 Práticas de mane-
espacial e permitem maximizar a diversidade de espécies na co- jo que sustentam pastagens diversas e estruturalmente comple-
munidade na medida em que renovam os processos sucessionais, xas também sustentam assembleias de invertebrados terrestres
impedindo a homogeneização da comunidade por poucas espé- mais diversas e funcionais.57
cies competitivamente superiores. Assim, o uso pastoril com manejo adequado pode ser al-
Avaliações sobre esses distúrbios para os campos do sul do tamente produtivo e manter a integridade dos ecossistemas
Brasil demonstraram que sua ausência reduz a diversidade de es- campestres e demais serviços ambientais.58 Entretanto, seu
pécies vegetais e, portanto, são essenciais para a própria conser- potencial forrageiro não tem sido devidamente valorizado e a
vação.47 Apesar disso, o manejo com pastejo e/ou queimadas em pecuária tem sido substituída por outras atividades aparente-
áreas campestres de unidades de conservação ainda é um verda- mente mais rentáveis no curto prazo, como os cultivos de soja e
deiro tabu no Brasil.48 arroz e a silvicultura.
As queimadas têm ocorrido nos campos desde o início do Ho- O desafio da adoção de um manejo pastoril mais adequado
loceno (há cerca de 11,5 mil anos atrás), provavelmente por ação está na qualificação dos profissionais de assistência técnica e na
humana,49 e o pastejo pelo gado está presente desde sua introdu- educação dos pecuaristas e manejadores para a devida valoração
ção com as missões jesuítas no século XVII .50 Entretanto, há uma dos campos como provedores de valiosos recursos forrageiros
relação inversa entre a intensidade de pastejo e a frequência de para a pecuária.

211
campos do sul

Ca mpos utiliza dos pa ra pecuá ria em P edras Altas | RS

D e s a f i o s e o p o r t u n i da d e s agropecuárias. Tem havido perda das tradições, e a substituição


da cultura da criação de gado e da agricultura de subsistência já é
Nas unidades de conservação há um evidente dilema para a uma realidade. Assim, a paisagem não existe por si só, ela é resul-
definição de práticas de manejo da vegetação: por um lado, com a tante das relações que envolvem o homem e o ambiente.59
supressão ou diminuição das queimadas e do pastejo, ocorrem o Se por um lado tem sido inevitável a transformação dos cam-
avanço da floresta sobre campos e a melhora das condições para pos do sul do Brasil pelas atividades agrícolas, por outro é essen-
a conservação de espécies florestais ameaçadas, como é o caso cial encontrar meios para responder ao desafio de garantir às
da araucária; por outro lado, diminuem-se a área e a diversidade gerações futuras a manutenção de áreas extensas e conectadas
dos campos. de vegetação campestre sob manejo pastoril que compatibilize
Fora das unidades de conservação, os campos têm sido objeto produção pecuária e conservação da biodiversidade, contendo
de mudanças em sua paisagem original decorrentes das altera- (e não estando contidas em) áreas convertidas para uso agrícola
ções na organização econômica e social embasada nas atividades e silvicultural mais intensivo.

212
Biomas Brasileiros

U m s e lo pa r a a c a r n e d o Pa m pa portantes superfícies de campos naturais em sua área de ori-


Integrar o setor produtivo e distintos grupos de atuação gem e onde se preservam espécies da fauna e flora típicas desses
conservacionista para promover a conservação da biodiversida- ecossistemas. No Brasil, o selo da Alianza está em fase de im-
de e a produção rural sustentável nos campos naturais do Cone plementação e já conta com a adesão de produtores rurais e da
Sul da América do Sul é o objetivo da Alianza del Pastizal, coa- indústria frigorífica.
lizão internacional que reúne organizações e pessoas dos seto- No Brasil, a iniciativa teve início com base numa aproxima-
res público e privado da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai ção com a Apropampa, uma associação de criadores de gado ra-
em torno de uma visão comum: “Campos tão produtivos quan dicados na região da Campanha Meridional do Rio Grande do
pelas quatro organizações representantes da aliança global Bir- Sul que compartilha práticas de manejo semelhantes, como a
dLife International nos países que compartilham o Pampa: Aves criação de gado exclusivamente em pastagens nativas e em re-
Argentinas, Aves Uruguay, SAVE Brasil e Guyra Paraguay. gime extensivo.60
As principais ações do grupo visam impulsionar a pecuária
sustentável em campos naturais da região como forma de conci- S e r v i ç o s a m b i e n ta i s e m uda n ç a s c l i m á t i c a s
liar a produção com a conservação; identificar e promover boas Os campos oferecem importantes serviços ambientais para
práticas pecuárias em propriedades privadas; certificar a carne a sociedade. Em primeiro lugar são a principal fonte forragei-
produzida de forma responsável e sustentável; propor e incen- ra para a atividade pastoril, que no Rio Grande do Sul é um dos
tivar políticas públicas para promover a pecuária sustentável; e principais setores da economia.61 Em segundo lugar, os cam-
gerar informações sobre os ecossistemas da região, com foco nas pos abrigam uma alta biodiversidade, cujo conhecimento sobre
aves e seus hábitats. usos potenciais ainda é incipiente e deve ser desenvolvido.62
Com base em sólidos conhecimentos científicos ou experien- Em terceiro lugar, os campos garantem a conservação de recur-
ciais, a Alianza busca identificar, investigar e difundir práticas sos hídricos, e a beleza cênica para um potencial turístico ainda
de manejo amigáveis ao ambiente natural e reconhecidas por pouco explorado.
sua sustentabilidade e contribuição à conservação da biodiver- Nesse sentido, deve-se mencionar a importância do manejo
sidade do Pampa. A atuação da Alianza ocorre em estreita parce- pastoril nos campos com o objetivo de fixação do carbono no solo,
ria com os produtores rurais e nasceu do entendimento comum pois o processo de conversão em área de agricultura anual de grãos
de que a pecuária extensiva sobre pastagens nativas é uma ati- e silvicultura tem gerado o aumento das emissões de gases de efei-
vidade econômica compatível com a manutenção das caracte- to estufa63 por causa da aceleração da decomposição dos grandes
rísticas ecológicas essenciais do bioma e de que a conservação estoques de matéria orgânica no solo64 sob os campos naturais.
dos campos naturais do Pampa está em grande parte nas mãos O manejo pastoril sustentável, com o uso de taxas de lotação
de proprietários privados. animal adequadas, conserva a biodiversidade e ao mesmo tempo
Carnes del Pastizal é uma proposta de selo que permite iden- aumenta a produção pecuária e a fixação de carbono no solo dos
tificar as carnes cujo processo de produção contribua para a con- sistemas de produção.65 Além disso, a adoção de um manejo pas-
servação dos campos naturais da região e sua biodiversidade. toril conservativo da biodiversidade pode aumentar a resiliência
O objetivo é incrementar o valor de produtos obtidos por meio dos ecossistemas campestres, contribuindo assim para a adapta-
de práticas pecuárias ambientalmente corretas, aumentando ção dos sistemas produtivos pecuários às mudanças climáticas.66
assim a competitividade de atividades produtivas tradicionais Tem-se destacado ainda, associada às mudanças climáticas,
como a pecuária extensiva sobre campos nativos. Para tanto, um uma alteração nos mosaicos de campos com florestas. Nessas
protocolo de certificação construído por consenso estabelece as zonas de transição tem sido observado o adensamento de es-
condições sob as quais são certificadas as unidades de produ- pécies lenhosas sobre campos junto às bordas florestais.67 Essa
ção onde a atividade pecuária é desenvolvida em harmonia com expansão da floresta parece estar associada ao aumento de con-
a conservação dos campos naturais e onde o gado é criado a céu centração atmosférica de CO 2 e às mudanças climáticas68 com-
aberto e em condições de bem-estar, com base em uma dieta pre- binadas com variações locais dos regimes de pastejo e queima-
ponderantemente composta por ervas nativas. das.69 Essas alterações exigirão adaptações no manejo pastoril
O selo permitirá aos consumidores identificar e preferir um dos campos para conciliar a produção do rebanho e a conserva-
produto amigável ao Pampa, que contribui para conservar im- ção da biodiversidade.70

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campos do sul

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215
campos do sul

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Campos. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics, 2007. tural grasslands. Introduction and western hemisphere., R.T. Coupland, Editor
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70 Soussana, J.-F., Op. Cit. nas uruguaias, Centro de Ecologia UFRGS and TNC : Porto Alegre.

216
Biomas Brasileiros

Ca mpos de Altitude n a Serra da B oa Vista – Ra n ch o Queimado | SC

217
campos do sul

acima : Graxa im ( Pseudalo pex gymn o cercus)


n os ca mpos de B om Jesus | RS

pá gin as 218 –219: Ca mpo com cox ilh as e ao fun do


forma çã o roch osa den omin a da Cerro do Ja rau n a
zon a rura l de Qua ra í |RS

220
Biomas Brasileiros

Tuco-tuco (Cten o mys sp.) pequen o roedor en dêmico


do pa mpa – P ra ia do Cassin o | RS

221
Biomas Brasileiros

acima : Figueira ( F icus sp.) n a Esta çã o Ecológica do Ta im | RS

pá gin a ao la do: Forma ções de basa lto do Ca n yon Fortaleza


n o Pa rque Nacion a l da Serra Gera l | RS

pá gin as 222–223: Estra da SC 439 com n eve – Morro


da Igreja n a cida de de Urubici | SC

pá gin as 226–227: Regiã o mon ta n h osa n o Pa rque Nacional


da Serra Gera l |RS

225
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

229
campos do sul

acima : Ga úch o n as ca mpa n h as do Rio Gra n de do Sul | RS

p ág i na ao la do: Astromélia ( Alstro emeria isabelleana) em L avras do Sul | RS

p ág i nas 228–229: Ca n yon Ita imbezin h o n o Pa rque Nacion a l dos Apa rados da Serra | RS

pá gin as 232–233: Tra ba lh a dores rura is em Sã o Ga briel | RS

pá gin as 234–235: Gea da n as pastagen s em L avras do Sul | RS

230
Biomas Brasileiros

231
campos do sul

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

234
Biomas Brasileiros

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

235
S
7
COSTEIRO E MARINHO
E n r i c o M a r o n e • G u i l h e r me F r ag a D u t r a
A n a Pa u l a Le i t e P r at e s • M á r i o L u i s G o me s S oa r e s
M a r c o A n to n i o G o n ç a lv e s

o b a a d m i r á v e l i m ag e m de uma imensidão azul, supos-


tamente homogênea, os domínios oceânicos se mostram,
na realidade, inteiramente diversos e complexos. Suas ca-
racterísticas são tão singulares que nos levam a concluir a
existência não de um único, mas sim de diferentes biomas
costeiros e marinhos.1 Cobrindo 70% da superfície terres-
tre, os oceanos contêm 97% da água no globo e constituem hábi-
tats para grande parte da vida na Terra. No Brasil, não é diferente.
A Zona Costeira brasileira (uma região de transição ecológica
importante no desenvolvimento e reprodução de várias espécies
terrestres e marinhas) registra expressiva sobreposição territorial
com os biomas Amazônia e Mata Atlântica, bem como, em menor
escala, com a Caatinga, o Cerrado e os Campos do Sul. Compos-
to ainda da zona marinha, adjacente à costa, os biomas costeiros
e marinhos caracterizam-se como um complexo de ecossistemas
contíguos formadores de ambientes de alta complexidade ecológi-
ca e de extrema relevância para a sustentação da vida.
Com 10.800 km de costa atlântica, o Brasil está entre os países
com maior área litorânea do mundo. Essa abrangência latitudi-
nal, com ampla variedade climática e geomorfológica, é um dos
principais fatores para explicar a diversidade de espécies e de
ecossistemas existentes ao longo do litoral brasileiro.
Diante desta vasta biodiversidade marinha, o que a ciência já
descreveu é relativamente pouco: no caso dos grupos mais conhe-
cidos, como os peixes, as estimativas estão entre 750 e 1.209 espé-
cies, sendo que o maior número inclui as estuarinas (que vivem
em regiões transicionais entre o rio e o mar). Das sete espécies
bioma costeiro e marinho estados abrangentes

4,4 milhões de km2 / 47,5 milhões de habitantes


cinco das sete espécies de tartarugas marinhas do mundo
Biomas Brasileiros

de tartarugas marinhas do mundo, cinco vivem nas águas brasi-


leiras: cabeçuda ou amarela (Caretta caretta), verde (Chelonia
mydas); gigante, negra ou de couro (Dermochelys coriacea); tar-
taruga-de-pente (Eretmochelys imbricata); e a tartaruga pequena
(Lepidochelys olivacea). Essas espécies buscam praias do litoral e
ilhas oceânicas para a desova, abrigo, alimentação e crescimento.
No caso de invertebrados bentônicos (invertebrados que vivem
associados ao substrato e não na coluna de água), foram registra-
das pouco mais de 1.300 espécies na costa sudeste do Brasil, com
elevado grau de endemismo (que ocorre exclusivamente em de-
terminada região).
O litoral brasileiro abriga também mais de 50 espécies de mamí-
feros: há registros de 53 espécies de cetáceos (baleias, golfinhos e
botos), uma de sirênio (o peixe-boi) e duas de pinípedes (leões-ma-
rinhos e lobos-marinhos) residentes. Entre as espécies que desper-
tam preocupação quanto à sua conservação está a baleia-franca
(Eubalaena australis), a jubarte (Megaptera navaeangliae), a fran-
ciscana ou toninha (Pontoporia blainvillei) e o boto-cinza (Sotalia
fluviatilis). Além dessas, destaca-se o peixe-boi-marinho (Triche- Recifes de cora l n o B anco dos Abrolhos | BA
chus manatus), o mamífero aquático mais ameaçado do país, com
populações residuais que totalizam, no máximo, algumas centenas
de indivíduos. Atualmente, no Brasil, a área de ocorrência do peixe- que a sociedade pode tirar do ambiente marinho tornam funda-
-boi marinho abrange os estados de Alagoas até o Amapá, com áre- mental a conservação, a proteção e a restauração das zonas cos-
as de descontinuidades em Pernambuco, Ceará, Maranhão e Pará. teiras por meio de seu manejo integrado e coordenado. Assim,
Em relação à diversidade de aves, foram registradas mais de não só o futuro das sociedades, mas o funcionamento e o equi-
100 espécies associadas aos sistemas costeiros e marinhos brasi- líbrio do planeta dependem, em grande medida, de uma relação
leiros.2 Dessas, algumas são residentes, como as gaivotas (Larus justa e equilibrada entre os homens e o mar.
dominicanus) e atobás (Sula spp.), e outras são migrantes como
os maçaricos e batuíras, que realizam as maiores migrações do
planeta viajando desde o Ártico até o sul da América do Sul.
A Região Norte se destaca por ser o local de ocorrência e re-
produção de espécies ameaçadas de extinção, como o guará-ver-
Mar do Brasil
melho (Eudocimus ruber), e também por constituir corredor de Domínios Oceânicos
migração e área de reprodução para uma série de espécies. Nas
regiões Sudeste-Sul, as ilhas costeiras são abrigo do trinta-réis A constituição geomorfológica da zona marinha brasilei-
(Sterna spp.), da pardela-de-asa-larga (Puffinus lherminieri) e do ra é extremamente diversificada e compreende as margens Conti-
tesourão (Fregata magnificens). nentais situadas entre o continente e as bacias oceânicas, variando
Além do inestimável valor de sua biodiversidade, os oceanos de oito km, em frente ao Canyon de Salvador na Bahia, a 330 km, ao
também são fundamentais para a vida humana. Os biomas Cos- largo da Ilha de Marajó, na foz do Rio Amazonas.
teiros e Marinhos fornecem importantes serviços para a socie- Da terra para o mar, as margens continentais apresentam três
dade, como provisões de alimentos e medicamentos, proteção da principais províncias, conhecidas como plataforma continental,
costa contra tempestades, reciclagem de nutrientes e substân- talude e sopé. A plataforma continental constitui a faixa mais
cias poluidoras e manutenção do equilíbrio climático. rasa que circunda a maioria dos continentes e se estende em di-
A qualidade desses serviços, no entanto, é significante influen- reção ao mar, com um aumento acentuado da inclinação denomi-
ciada pelos usos humanos dados às zonas marinhas e também às nado “quebra da plataforma”, que marca seu limite externo. Sua
regiões costeiras. Além de contribuir decisivamente para a redu- configuração é mais ou menos plana, suavemente inclinada mar
ção dos efeitos do aquecimento global, os múltiplos benefícios adentro, representando o prolongamento do próprio continente.

239
costeiro e marinho

O talude continental é constituído pela pendente relativa- demográfica cinco vezes superior à média do território nacional
mente íngreme, que se estende da quebra da plataforma até o – um indicador do alto nível de pressão humana a que seus recur-
sopé continental, com uma largura que varia de 10 a 200 km. sos naturais estão submetidos.
O sopé continental é a parte representada pela cunha de sedi-
mentos que mergulha suavemente da base do talude até se con- Economia
fundir com o piso das grandes bacias oceânicas.
O fundo da bacia oceânica, onde predominam as planícies Ecossistemas costeiros saudáveis não possuem somente
abissais, desenvolve-se da base do sopé continental até a Cordi- um papel crucial no armazenamento de carbono, mas também
lheira Mesoatlântica (uma cadeia de montanhas submarinas que são extremamente importantes para a economia, a alimentação
se estende por todo o eixo norte-sul do oceano Atlântico). e o bem-estar de grande parte da humanidade. Mais de 60% da
população mundial vive em zonas costeiras,9 dependendo direta
Abrangência ou indiretamente dos oceanos.
Além de fornecerem nutrição vital para cerca de 3 bilhões de
No Brasil, a Zona Costeira e Marinha se estende da foz do rio pessoas, bem como 50% da proteína animal para 400 milhões
Oiapoque (04o52’45’’N) à foz do rio Chuí (33045’10”S); e dos limi- de habitantes nos países menos desenvolvidos, os serviços eco-
tes dos municípios que constituem a faixa costeira, a oeste, até lógicos dos ecossistemas costeiros e marinhos têm um valor esti-
as 200 milhas náuticas, incluindo as áreas em torno do Atol das mado em mais de US $ 25 bilhões anuais, sendo classificados en-
Rocas, dos arquipélagos de Fernando de Noronha, de São Pedro e tre os ecossistemas mais valiosos do planeta.10
São Paulo e das ilhas de Trindade e Martin Vaz, situadas além do A despeito de suas dimensões, grande parte da zona marinha
citado limite marítimo. Essa delimitação é definida por um con- do Brasil é caracterizada por baixa concentração de nutrientes, o
junto de leis e decretos publicados pelo Governo Federal nas úl- que resulta numa produtividade biológica reduzida, contrarian-
timas duas décadas, alguns dos quais decorrentes de acordos in- do a percepção comum de que constitui uma fonte abundante ou
ternacionais assinados pelo país, em especial, a Convenção das inesgotável de recursos.
Nações Unidas sobre o Direito do Mar.3 Embora a atividade pesqueira no Brasil tenha incontestável
Considerando também a inclusão da área identificada como importância socioeconômica como provedora de proteína ani-
Amazônia Azul4, o território marinho (que corresponde à área mal e geradora de estimados 800 mil empregos (mobilizando um
dos biomas marinhos, apesar de não figurarem nos mapas do contingente de cerca de 4 milhões de pessoas direta ou indire-
IBGE )5 abrange cerca de 4,4 milhões de km2, ultrapassando, em tamente ligadas à atividade), estudos recentes sobre os estoques
extensão, até mesmo o bioma amazônico. Já a margem continen- pesqueiros vêm apontando o equívoco da presunção da abundân-
tal brasileira, que inclui a plataforma continental, o talude conti- cia ou inesgotabilidade desses recursos.
nental e o sopé (ver tópico “Domínios oceânicos”), abrange mais
de 5 milhões de km2 submersos, área equivalente a 59% do terri- Dinâmica dos oceanos
tório brasileiro emerso.6
De largura e relevo variáveis, a faixa terrestre da Zona Cos- Com o desenvolvimento da Oceanografia e a rápida evolu-
teira e Marinha se estende por aproximadamente 10.800 km ção tecnológica de sensores via satélite e dos modernos equipa-
ao longo da costa7 e possui uma área de aproximadamente mentos de medição oceanográfica, a circulação das correntes nos
514 mil km2.8 oceanos passou a ser cada vez mais bem conhecida e monitora-
da. Atualmente, sabe-se que por assegurar o aporte de nutrien-
Demografia tes e a dispersão de larvas, tais correntes são tão fundamentais
para a manutenção da cadeia alimentar nos oceanos quanto para
No litoral brasileiro concentram-se 13 das 27 capitais do o equilíbrio climático do planeta, pois distribuem calor e energia
país, algumas das quais regiões metropolitanas onde vivem mi- entre regiões tropicais e polares.
lhões de pessoas. Em escala global, a circulação oceânica é condicionada pelos
Segundo a Comissão Interministerial para os Recursos do ventos e pela variação de densidade existente entre as massas de
Mar (CIRM ), aproximadamente 1/4 da população brasileira vive água fria e quente. Fatores como rotação da Terra, topografia
na zona costeira (segundo o IBGE , o censo de 2010 revelou um de fundo e orientação da linha de costa também exercem impor-
país com 190 milhões de pessoas), resultando numa densidade tante controle sobre as correntes marinhas.

240
Biomas Brasileiros

A circulação oceânica do litoral do Brasil está sob a influên- A área de abrangência desse ecossistema em território nacio-
cia do giro subtropical do Atlântico Sul, ou Anticiclone Subtropi- nal é de aproximadamente 5.126.363 hectares, distribuídos em
cal do Atlântico Sul, que faz parte da circulação de grande escala 13 dos estados costeiros.
que ocorre nas bacias dos oceanos mundiais. Com sentido anti-
-horário, a corrente Sul Equatorial, ao atingir a costa brasileira L ag u n a s
(5–10°S), se divide entre a corrente do Brasil, que flui para o sul, Lagunas são corpos d’água ligados ao mar por barras que
e a corrente norte do Brasil (ou corrente das Guianas), que segue permanecem fechadas durante certo período. As lagunas tropi-
em direção ao Caribe. cais podem apresentar variações sazonais de salinidade por cau-
A área marinha adjacente à costa é constituída por águas sa das chuvas. São formações alongadas, geralmente estreitas, e
quentes nas costas nordeste e norte, e por águas mais frias no que apresentam seu eixo principal paralelo à costa.
litoral sul e sudeste, dando suporte a uma grande variedade de As lagunas existentes ao longo do litoral brasileiro são parti-
ecossistemas que incluem dunas, praias, banhados e áreas alaga- cularmente importantes para a pesca artesanal e atividades de
das, estuários, restingas, manguezais, costões rochosos, bancos
de gramas marinhas, lagunas e marismas. Inúmeras espécies
animais e vegetais são abrigadas nesses ecossistemas, muitas
das quais endêmicas e várias ameaçadas de extinção.11
No extremo sul, a corrente do Brasil se encontra com a corren-
te das Malvinas, formando a Convergência Subtropical. Como
resultado, uma parte da água fria vinda do sul afunda e ocupa,
ao longo do talude continental, a camada inferior da corrente do
Brasil, dando origem a uma massa d’água rica em nutrientes, com
baixas temperaturas e menor salinidade, denominada Água Cen-
tral do Atlântico Sul.
Por causa da mudança da orientação da linha de costa na altu-
ra de Cabo Frio e Arraial do Cabo, aliada ao fenômeno da ressur-
gência,12 o litoral do Rio de Janeiro é o limite de duas ecorregiões
oceânicas no Atlântico Sul.13

Ecossistemas marinhos

Estuários
Estuários são ecossistemas ligados ao mar, onde a água sal-
gada se mistura à água doce proveniente da drenagem continental.
A mistura de águas dos rios, ricas em nutrientes, com águas costei- Ex tra çã o de ostra-do-mangue (Crassostrea rhizop horae)
ras é um dos mais importantes elementos responsáveis pela alta n a Reserva Ex trativista Marinha de Canav ieiras | BA
produtividade primária desses ambientes. Correspondendo à base
da cadeia alimentar, a produtividade primária se refere à quan­
tidade de energia solar convertida em matéria orgânica por orga- lazer e turismo. Na costa brasileira, destacam-se as lagunas de
nismos fotossintetizantes, e é ainda mais elevada quando existem Mundaú, Manguaba e Roteiro (AL ); Lagoa Feia, Araruama, Sa-
grandes áreas de manguezais ou de marismas nos estuários. quarema, Maricá e Sepetiba (RJ ); Sistema Cananeia/Iguape (SP ),
Lagoa dos Patos, Mirim, Mangueira e Tramandaí (RS ).15
B a n h a d o s e á r e a s a l ag a da s
Esse ecossistema costeiro abrange áreas conhecidas tam- Restingas
bém como brejos ou pântanos, lagoas de água doce ou de água sa- Restingas são faixas de areia, depositadas paralelamente ao
lobra ou salgada, com ou sem influência marinha direta. Também litoral, que abrigam diferentes formações de vegetais. A vegeta-
fazem parte dos banhados e áreas alagadas as várzeas, savanas, ção é utilizada como elemento de caracterização desse ecossiste-
florestas e campos periodicamente inundados.14 ma frente a outras paisagens costeiras semelhantes.

241
costeiro e marinho

vial ou marinho, apresentando uma largura variável em função


da maré. Trata-se de um ambiente frequentemente associado a
outros ecossistemas costeiros, como estuários, deltas, restingas,
manguezais, dunas, rios e lameiros intertidais.
Associadas aos principais “cartões-postais” do Brasil, as praias
acompanham todo o litoral, do Amapá ao Rio Grande do Sul, e estão
ameaçadas pela especulação imobiliária, pelo turismo descontro-
lado, pela expansão de marinas e pela poluição urbana e industrial.17

Marismas
Marismas são ambientes salobros, lagunares ou estuari-
nos, de baixa energia, pantanosos, planos, costeiros e de águas
rasas que se desenvolvem na região intermarés, permanecendo
parcialmente inundados pela maioria das preamares (maré alta).
Formam hábitats importantes para moluscos, crustáceos, inse-
Co m u n i da d e d e pesc ad o r es a b ei ra d o R i o Preguiças em Ma n daca ru | MA tos, peixes, aves e mamíferos.
Ecologicamente equivalentes aos manguezais, as marismas
brasileiras são dominadas quase em sua totalidade pelo gênero
Dunas Spartina18 (uma espécie de grama) e podem ocorrer em latitudes
As dunas costeiras são formadas a partir da interação entre tropicais e subtropicais.
sedimentos de origem marinha, o vento que transporta tais se-
dimentos em direção ao continente e a vegetação que atua como M a n g u e z a i s ( F lo r e s ta s d e M a n g u e
uma barreira física aos sedimentos transportados.16 e P l a n í c i e s H i p e r s a l i n a s A s s o c i a da s )
As dunas compõem ambientes litorâneos associados a praias Vista a forte dependência da energia das marés e da intru-
e restingas, muitas vezes na forma de extensos campos gerados são salina, os manguezais são considerados ecossistemas costei-
por ação eólica, como os Lençóis Maranhenses. Em certos am- ros-marinhos, localizados na zona entremarés de regiões tropi-
bientes, como nas barras de alguns rios do Ceará e Rio Grande do cais e subtropicais. Formando verdadeiras florestas à beira-mar,
Norte, ocorrem dunas costeiras em fase de formação. são caracterizados por vegetação arbórea/arbustiva, adaptada
às condições limitantes de salinidade, substrato inconsolidado e
Costões rochosos pouco oxigenado com frequente submersão pelas marés.
Nome dado a rochas situadas na transição entre os meios ter- No Brasil, os manguezais ocorrem desde o extremo Norte (Rio
restre e aquático. É considerado muito mais uma extensão do Oiapoque – 04o 20’ N) até Laguna, em Santa Catarina (28o 30’ S),
ambiente marinho que do terrestre, uma vez que a maioria dos sendo encontradas seis espécies de árvores nesse ecossistema:
organismos que os habitam está relacionada ao oceano. mangue-vermelho (Rhizophora mangle, R. harrisonii, R. racemo-
No Brasil, parte dos costões é formada por rochas de origem sa), mangue-preto, canoé ou siriúba (Avicennia schaueriana, A.
vulcânica e parte deriva de extensões de serras rochosas, próxi- germinans) e mangue-branco (Laguncularia racemosa).
mas ao litoral, que atingem o fundo do mar. Podem ser forma- A área ocupada por manguezais no Brasil é de 13 mil km2, o
dos por paredões verticais bastante uniformes, que se estendem que coloca o país como detentor da segunda maior área de man-
muitos metros acima e abaixo da superfície da água, como a ilha guezais do mundo. A maior área contínua de florestas de mangue
de Trindade, ou por matacões de rocha fragmentada de pequena existente é encontrada no norte do Brasil, entre os estados do
inclinação, como ocorre na costa de Ubatuba (SP ). Maranhão e Pará, perfazendo cerca de 6.500 km2, o que corres-
No Brasil, seu limite de ocorrência ao Sul se dá em Torres (RS ) ponde a 4,3% de toda a área de florestas de mangue do planeta.19
e, ao Norte, na Baía de São Marcos (MA ). Apesar da baixa diversidade de espécies arbóreas, as flores-
tas de mangue do litoral brasileiro exibem uma elevada diversida-
Praias de estrutural. Soma-se a isso uma alta diversidade funcional, em
Um dos ambientes mais conhecidos, as praias constituem de- grande parte oriunda de sua elevada produtividade biológica e das
pósitos de areias acumulados pelos agentes de transporte flu- características gerais desse ecossistema, tais como localização

242
Biomas Brasileiros

em regiões abrigadas e sua intensa conectividade com os sistemas sim como os manguezais, são locais de re-
marinho e terrestre. produção e berçário para diversas espécies de pei-
A elevada diversidade funcional dos manguezais confere a este xes não residentes.
ecossistema grande importância ecológica, social e econômica, ra- De uma lista de 34 filos (tipo de classi-
zão pela qual diversas comunidades tradicionais de pescadores e ficação dos seres vivos), 32 são encontra-
coletores existentes ao longo da costa brasileira utilizam estas áreas. dos nos recifes de coral, enquanto apenas
Por caracterizar um sistema aberto, intimamente relacionado 9 são encontrados em florestas tropicais.
aos ambientes marinho e terrestre adjacentes, e estar associado às Entretanto, o alto grau de especialização
funções de abrigo, alimentação e criadouro para uma enorme va- dos organismos recifais faz com que este
>>> Essas são conhecidas como
riedade de espécies, este ecossistema é responsável, junto com os ecossistema seja mais suscetível aos im-
importantes reservatórios e bioatratores
recifes de coral, pela manutenção da alta diversidade biológica en- pactos do uso e ocupação humana, e às naturais da biota marinha profunda,
contrada nas regiões costeiras tropicais de todo o mundo.20 mudanças climáticas. apresentando grande valor como hábitat,
A ocorrência de planícies hipersalinas associadas a florestas No Brasil, os recifes de coral distri- área de alimentação, procriação e refúgio
para inúmeras espécies.30 Entretanto,
de mangue é observada ao longo do litoral brasileiro de forma buem-se ao longo de cerca de 3.000 km
pouco se sabe sobre a localização exata,
descontínua, desde o Rio de Janeiro (23o 00’ S) até o Maranhão na costa nordeste, desde o sul da Bahia tamanho e o estado de conservação
(01o 43’ S). No Brasil as planícies hipersalinas associadas a flo- até o Maranhão25. Constituem os únicos desses hábitats.
restas de mangue recebem algumas denominações regionais, recifes coralíneos do Atlântico Sul, em-
26

como apicum, salgado, areal, espacelado. Trata-se, portanto, de bora o crescimento de corais sobre rochas
uma feição do ecossistema manguezal. seja relativamente comum até o sul do Brasil.
Essa íntima relação entre planície hipersalina e floresta de man- Das mais de 800 espécies de corais recifais existentes no
gue pode ser observada tanto sob aspectos estruturais e funcionais mundo, cerca de 20 espécies construtoras de recifes foram regis-
como sob aspectos relacionados à dinâmica da paisagem. Obser- tradas no Brasil, sendo que oito são endêmicas, ou seja, encon-
vações feitas na região de Caravelas – Nova Viçosa, na Bahia–,21 tram-se apenas nos mares brasileiros. Os recifes brasileiros são
corroboram essa afirmação ao constatarem que tanto nas planí- formados também, em grande parte, por algas calcárias, que for-
cies hipersalinas como nas áreas cobertas pelo capim-salgado mam esqueletos semelhantes aos dos corais.
(Sporobolus virginicus) ocorrem espécies de interesse social e eco- Por causa do uso desordenado ao longo dos anos, diversos re-
nômico como o guaiamum (Cardisoma guanhumi), observável na cifes, principalmente os costeiros, encontram-se em acelerado
área mais elevada dominada pela vegetação herbácea e na faixa de processo de degradação. Evidências indicam que o uso inade-
transição dessa feição para a restinga. quado desses ecossistemas pela pesca e pelo turismo, a poluição
e o mau uso da orla marítima e das margens do rio podem estar
Recifes de Coral comprometendo o futuro destes ambientes.27
Recifes profundos Os ambientes recifais são consi-
No Brasil, há indicações de recifes derados, juntamente com as florestas E s ta d o d e c o n s e r va ç ã o
profundos nas costas nordeste, sudeste
e sul, entre 272 e cerca de 1.200 metros
tropicais, uma das mais biodiversas co-
de profundidade. Dentre as 56 espécies munidades naturais do planeta.22 A im- Á r e a s d e p r ot e ç ã o
de coral azooxantelados (corais portância ecológica dos recifes de coral Um estudo sobre a representatividade dos ecossistemas cos-
desprovidos de algas simbióticas está associada à sua história geológica. teiros e marinhos no âmbito do Sistema Nacional de Unidades
fotossintetizantes chamadas
zooxantelas) que ocorrem no Brasil,28
Estudos indicam o início de sua forma- de Conservação (SNUC ), realizado pelo Ministério do Meio Am-
há evidências de colônias das seguintes ção no litoral brasileiro há cerca de 7 biente31, apontou, de forma inédita, os ecossistemas suficiente-
espécies de corais de recifes profundos: mil anos, no Período Quaternário, quan- mente representados nas Áreas Costeiras e Marinhas Protegidas
Lophelia pertusa, Madrepora oculata do o nível do mar elevou-se e inundou a (ACMP s) e os que merecem atenção dos órgãos governamentais
e Solenosmilia variabilis.29 >>>
platafor­ma continental.23 por causa de sua baixa representatividade.
A enorme quantidade de vida presen- A tabela a seguir apresenta as estimativas de áreas de cada
te nos recifes de coral pode ser medida ao ecossistema costeiro sob proteção pelas diferentes categorias
se constatar que uma em cada quatro espécies marinhas de unidades de conservação, tanto de proteção integral quan-
vive nesses ambientes, incluindo 65% das espécies de to de uso sustentável, segundo estudo feito pelo Ministério do
peixes.24 Além disso, os recifes de coral, as- Meio Ambiente.

243
costeiro e marinho

Tabela 1 . Área dos ecossistemas costeiros por UC s de proteção integral


e uso sustentável (federal e estadual) em hectares (Fonte: MMA , 2010)

banhados e costões dunas estuários lagunas manguezais Marismas Praias restingas


áreas alagadas

Área do ecossistema 4.849.671 144.475 318.312 6.696.787 1.518.426 1.225.444 12.149 82.778 469.183
UC proteção integral 252.590 45.895 117.998 12.436 33.834 160.648 77 2.200 95.783
UC uso sustentável 2.614.665 68.274 18.119 1.375.758 8.295 759.049 0 17.811 228.298
total PI+US 2.867.255 114.170 136.117 1.388.194 42.129 919.696 77 20.011 324.081
% total protegido 59,1% 79,0% 42,8% 20,7% 2,8% 75,1% 0,6% 24,2% 69,0%

Sucintamente, os resultados monstram que existem hoje 194 Em reconhecimento ao seu inestimável valor paisagístico e
unidades de conservação, tanto de uso sustentável como de pro- ecológico, o arquipélago foi decretado parque nacional marinho
teção integral na Zona Costeira e Marinha no Brasil (Mapa UC ’s). em 1988, com uma área de mais de 112 km2. Das ilhas oceânicas,
Segundo o MMA (2010), embora haja poucos ecossistemas cos- Fernando de Noronha é a única habitada por uma população fixa,
teiros sub-representados no SNUC , o bioma marinho representa que, segundo o IBGE , somava pouco mais de 2.600 habitantes no
a grande lacuna de todo o sistema, demandando medidas urgen- ano de 2010. Em 2001, o arquipélago foi reconhecido e tombado
tes visando ao planejamento de sua conservação. pela Unesco como patrimônio mundial da humanidade, junta-
Nos ecossistemas marinhos, apenas 55.716 km2 – correspon- mente com o Atol das Rocas.
dentes a somente 1,57% do bioma marinho no Brasil – estão in-
seridos nas 102 unidades de conservação existentes. A título de Ato l da s R o c a s
comparação, aproximadamente 17,34% dos biomas terrestres do
país estão hoje protegidos por unidades de conservação, de acor- O Atol das Rocas constitui a única formação de atol existente
do com cálculos do Departamento de Áreas Protegidas do Minis- no Atlântico Sul Ocidental, caracterizando-se como importante
tério do Meio Ambiente.32 área de nidificação para aves marinhas tropicais e para a repro-
dução de tartarugas marinhas. Foi objeto da primeira unidade de
Ilhas Oceânicas do Brasil conservação marinha do Brasil – a Reserva Biológica do Atol das
O Brasil possui um conjunto de ilhas oceânicas localizadas ao Rocas, criada em 1979 com 360 km2. Situado a 260 km da cidade
largo da plataforma continental que constituem importantes re- de Natal, o Atol das Rocas é circundado por um anel de recifes
fúgios para a biodiversidade marinha e estão protegidas por meio com duas ilhas e uma laguna central, possuindo 7,2 km2 de super-
de diversas ferramentas de conservação. São elas: o Atol das Ro- fície e 3,2 km de diâmetro.
cas e os arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e
São Paulo, situados na costa nordeste, e o arquipélago de Trin- S ã o P e d r o e S ã o Pau lo
dade e Martin Vaz, situados na faixa latitudinal do estado do
Espírito Santo. O arquipélago de São Pedro e São Paulo é um afloramento que
emerge de profundidades superiores a 4.000 m, constituindo o ápi-
Fernando de Noronha ce de uma falha tectônica da Cadeia Mesoatlântica; é considera-
do a única exposição mundial do manto abissal acima do nível do
A Cadeia Submarina de Fernando de Noronha representa uma mar. Desde 1998, esse ponto hospeda a estação científica do Pro-
linha de montes submarinos dos quais somente Fernando de No- grama Arquipélago de São Pedro e São Paulo (Proarquipélago), sob
ronha e o Atol das Rocas atingem a superfície. De origem vulcâ- administração da Secretaria da Comissão Interministerial para os
nica, o arquipélago de Fernando de Noronha é o topo de um mon- Recursos do Mar (SECIRM), com o objetivo de fazer pesquisa, esta-
te submarino cuja base tem um diâmetro de aproximadamente belecer a soberania brasileira e garantir os direitos de uma zona eco-
60 km que se eleva até 321 metros acima do nível do mar. nômica exclusiva num raio de 200 milhas ao redor do arquipélago.

244
Biomas Brasileiros

T r i n da d e e M a r t i n Va z

O arquipélago de Trindade e Martin Vaz emerge do assoalho


oceânico a mais de 5.000 metros de profundidade, onde ocorre-
ram vulcões formadores das duas ilhas principais (Trindade e
Martin Vaz) e de outras formações menores, perfazendo uma área
total de 10,4 km2. Constitui o extremo leste de uma cadeia de mon-
tanhas submarinas que tem início na altura da cidade de Vitória,
ES – a Cadeia Vitória-Trindade. Em 1989 foi criada a Reserva Eco-
lógica Municipal das Ilhas Oceânicas de Trindade e Arquipélago
Martin Vaz. Atualmente encontra-se em andamento a proposta
de criação de uma grande unidade de conservação marinha com
350 mil km2. Reconhecendo o valor histórico e paisagístico da ilha,
em 2011, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN) tombou provisoriamente a Ilha de Trindade.

O caso de Abrolhos: a região com a maior


b i o d i v e r s i da d e m a r i n h a n o B r a s i l
A região dos Abrolhos abriga um conjunto único de ecossis-
temas marinhos no Brasil, concentrando os mais extensos reci-
fes de corais do Atlântico Sul, um dos maiores bancos de algas
calcárias do mundo,33 bancos de gramas marinhas, manguezais,
praias e restingas, reunindo a maior biodiversidade marinha da
costa brasileira.34 A região acolhe grandes populações de espé-
cies endêmicas do Brasil, como os corais-cérebro (gênero Mus-
sismilia), peixes de grande importância comercial como badejos,
garoupas, vermelhos (famílias Serranidae e Lutjanidae), e espé-
cies ameaçadas de extinção, como o peixe budião-azul (Scarus
trispinosus), as baleias jubartes (Megaptera novaeangliae), tar-
tarugas e aves marinhas.
Por abrigarem uma parcela importante da biodiversidade ma-
rinha, os ecossistemas dos Abrolhos foram reconhecidos pelo
Governo Federal como “área de extrema importância biológica”.
Além disso, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos é reconhe-
cido pela Convenção Ramsar como Área Úmida de Importância
Internacional e, desde 2008, integra o Sistema das Reservas da
Biosfera da Mata Atlântica.
No entanto, apesar de sua importância reconhecida, Abrolhos
enfrenta um conjunto de ameaças reais que exigem medidas ur-
gentes para a conservação de seus ecossistemas. A sobrepesca é,
provavelmente, a maior delas, já que a atividade pesqueira vem
crescendo de maneira desordenada, inclusive pelo deslocamen-
to de frotas de outras regiões para lá. Outros impactos relevantes
se devem ao incremento progressivo dos sedimentos carreados
pelos rios que desembocam na região, tornando as águas cada
vez mais turvas, o que dificulta o crescimento de organismos Recifes costeiros n a Ponta de Itaquena, Tr ancoso | BA
marinhos, especialmente de corais. Merecem destaque também

245
costeiro e marinho

impactos provenientes de efeitos das mudanças climáticas, des-


truição de hábitats costeiros, poluição dos cursos d’água, e de ati-
vidades potencialmente impactantes que se projetam para a re-
gião, como a exploração de óleo e gás ou a carcinicultura marinha.
Uma das principais políticas para conter estas ameaças tem
sido a criação de unidades de conservação marinhas. O primeiro
Parque Nacional Marinho do Brasil foi criado em Abrolhos em
1983. Nos últimos anos, foram criadas na porção costeira da re-
gião três reservas extrativistas: Corumbau, Canavieiras e Cas-
surubá. Estas unidades, além de proteger hábitats e espécies
importantes que não estão representadas no parque nacional
marinho, foram criadas como parte de um importante processo
de envolvimento e discussão da importância da pesca artesanal
e do uso sustentável dos recursos marinhos na região.
A implementação de uma rede de áreas marinhas e costeiras,
que seja capaz de proteger a biodiversidade na região e manter
atividades como a pesca e o turismo de maneira sustentável, tem
sido um desafio importante, perseguido com muita persistência
por atores da sociedade civil e do governo. Seu sucesso pode re-
presentar uma importante inspiração para modelos de conserva-
ção marinha no Brasil, baseados nos serviços ecossistêmicos e
num novo paradigma de economia verde, com forte participação
de comunidades locais.
Uma avaliação rápida da biodiversidade do Banco dos Abrolhos,
coordenada pela Conservação Internacional em parceria com um
grupo de pesquisadores da área marinha no ano de 2000, resultou
no registro e compilação de cerca de 1.300 espécies nos seis grupos
biológicos inventariados.35 Esse esforço demonstrou também que
várias espécies ainda estão sendo descobertas em Abrolhos, já que
262 espécies foram registradas pela primeira vez na região e ou-
tras 25 representavam novos registros para a ciência.
Um dos principais fatores para explicar a diversidade de es-
pécies em Abrolhos é a riqueza de hábitats marinhos e costeiros,
distribuídos por extensas áreas, naturalmente interligados e re-
lativamente bem conservados.
Os recifes de coral da região ocupam uma área de aproxima-
damente 884.400 hectares36 e apresentam várias formações dis-
tintas.37 Ao longo da costa, um arco interno de recifes composto
por extensos bancos fica predominantemente exposto nas marés
baixas. Estas estruturas muitas vezes são rodeadas por formações
isoladas que ocorrem em profundidades de até 15 metros. Já nas
águas rasas no entorno das ilhas do Arquipélago dos Abrolhos
existem recifes em franja, que são os únicos deste tipo na região.
Numa faixa intermediária, em profundidades que variam de
P ei xe- b o i - mar i nho (Tr i c hech us man atus) n a ba rra do 15 a 25 metros, ocorre um conjunto de estruturas únicas da re-
r i o Tat uam u nh a em Porto das Pedras | AL gião dos Abrolhos – os chapeirões, que chegam a 25 metros de
altura e 50 metros de diâmetro, e possuem a forma de grandes

246
Biomas Brasileiros

R evoa da de gua rá s-vermel h os ( Eud o cimus ruber) n o rio Preguiças | MA

cogumelos, com a base estreita e diâmetro maior próximo à su- deste tipo no mundo.39 Nesta área há ainda formações, conhecidas
perfície.38 Encontrados também na borda externa dos Recifes pelos pescadores locais como “buracas”, que são depressões circu-
Itacolomis, na Reserva Extrativista Marinha do Corumbau, os lares na plataforma continental, com diâmetros que variam de 15 a
chapeirões compõem o Parcel dos Abrolhos e parte do Recife das 75 metros e profundidades entre 5 e 25 metros. Estas estruturas fun-
Timbebas, no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, bem como cionam como atratores de vida marinha e comumente são observa-
seus arredores. Em profundidades além de 20 metros há tam- das grandes concentrações de peixes e lagostas nos seus arredores.
bém um complexo de recifes mesofóticos ainda pouco conheci- A região costeira dos Abrolhos possui ainda importantes man-
dos. Nestas áreas existem desde estruturas isoladas em forma de guezais, restingas e remanescentes de Mata Atlântica. A conecti-
pináculos até recifes coalescido que ocupam grandes extensões. vidade entre estes ambientes é de grande importância para que
A borda externa da plataforma abriga um extenso banco de al- várias espécies possam completar seus ciclos de vida. Bancos de
gas calcárias, dispostas em forma de estruturas esféricas (3–15 cm lama, de gramas marinhas, praias e fundos arenosos são também
de diâmetro) ao longo do fundo marinho. Este banco tem uma área hábitats importantes na região, abrigando espécies que comple-
estimada de 2.090.400 hectares e é provavelmente o maior banco mentam a diversidade biológica dos Abrolhos.

247
costeiro e marinho

Pa n o r a m a h i s t ó r i c o
Durante a maior parte das últimas décadas, a preocupação
de cientistas e conservacionistas de todo o mundo se concentrou
prioritariamente na proteção dos ecossistemas terrestres, en-
tre outras razões, porque os impactos sobre tais ambientes eram
mais perceptíveis. No entanto, de forma silenciosa e menos ex-
plícita, zonas costeiras, mares e oceanos de todo o mundo tam-
bém sofriam gradativamente os efeitos da expansão da ocupação
e dos usos humanos, sem receber a devida consideração.40
Embora a superfície da terra e do oceano designadas como
áreas protegidas tenha aumentado constantemente desde 1970,
a extensão terrestre ainda é muito maior que a de áreas mari-
nhas protegidas. Porém, essas últimas têm se expandido de for-
ma promissora nos últimos anos, concentradas especialmente
em águas costeiras.
No Brasil, o histórico da conservação de ambientes costeiros
e marinhos é recente. A primeira unidade de conservação mari-
nha propriamente dita – a Reserva Biológica do Atol das Rocas
– foi criada apenas em 1979. A década de 1980 registrou os maio-
res avanços em termos de criação de unidades de conservação
de proteção integral em ambientes costeiros e marinhos. As uni-
dades de conservação de uso sustentável tiveram os primeiros
avanços entre 1983 e 1985, quando foram criadas várias áreas de
proteção ambiental (APA s) costeiras.
A primeira reserva extrativista marinha foi criada em 1992
(RESEX Pirajubaé, em Florianópolis, SC ). Em 1996 e 1997, com
a criação das APA s do Delta do Parnaíba e da Costa dos Corais,
houve significativa ampliação das áreas desse grupo. A partir de
2000 a área das unidades de uso sustentável voltou a crescer, por
causa, principalmente, da criação de uma série de reservas ex-
trativistas marinhas. Em 2002, a área abrangida pelas unidades
de conservação federais costeiras e marinhas de uso sustentável
passou a ser maior que a área das unidades de proteção integral.41

P o l í t i c a s d e c o n s e r va ç ã o
De fato, o poder público passou a dar mais atenção ao mar a
partir de 1988, quando foi instituído o Plano Nacional de Geren-
ciamento Costeiro (PNGC ), com o objetivo de “orientar a utiliza-
ção racional dos recursos na Zona Costeira”. Em dezembro do
mesmo ano, dois meses após a promulgação da Constituição Fe-
deral, o Congresso Nacional ratificou a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, principal acordo internacional
relativo ao uso dos oceanos e seus recursos naturais, que havia
sido assinado pelo Brasil em 1982.
A adesão do Brasil a convenções internacionais lideradas
P e s c a d o r a rt e sanal na R eserva Ext rat i vi sta Ma rin h a de Ca n avieiras | B A pela ONU , como a Convenção de Ramsar e a Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB ), propiciou ao país avançar na es-

248
Biomas Brasileiros

truturação de políticas destinadas à conservação e ao uso sus- ma quantidade de carbono que as florestas podem armazenar
tentável dos recursos biológicos existentes na Zona Costeira e nesse mesmo período.43 Por este motivo, os oceanos são conside-
Marinha. rados sumidouros de carbono extremamente eficientes.44
Dentre as decisões da CDB , foi aprovado o Programa de Traba- Assim, ainda que nos ecossistemas terrestres esteja uma par-
lho sobre Áreas Protegidas – com a principal meta de estabelecer te vital do ciclo global do carbono, os oceanos constituem o seu
sistemas representativos e efetivos de áreas protegidas, terres- maior sumidouro em longo prazo. Além de estocarem e redistri-
tres até 2010 e marinhas até 2012. O governo brasileiro, enten- buirem o CO 2, cerca de 93% do carbono do planeta (40 Tt) está ar-
dendo essa responsabilidade, decidiu elaborar e implementar mazenado nos oceanos. Além disso, de todo o carbono biológico
seu Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas (PNAP ). O capturado no mundo, mais de 55% é sequestrado por organismos
PNAP considera como áreas protegidas, além das unidades de marinhos45 e estocado em sedimentos marinhos, sendo por este
conservação, as terras indígenas, os territórios quilombolas e as motivo chamado de “carbono azul”.
áreas de exclusão de pesca (Decreto 5.758/2006).
Segundo o PNAP , um sistema representativo para a Zona Cos- M u da n ç a s c l i m á t i c a s
teira e Marinha pode ser entendido como: rede primária compos- Ecossistemas costeiros e marinhos, como recifes de coral
ta por áreas protegidas altamente restritivas, apoiada por uma e manguezais, são considerados especialmente vulneráveis às
rede de unidades de conservação de uso sustentável, onde as ati- mudanças climáticas por sua fragilidade, de modo que os danos a
vidades extrativas são permitidas. eles causados podem ser irreversíveis.
Uma das primeiras estratégias de planejamento integrado Pesquisadores têm divertido que caso as concentrações de CO 2
para a implementação de uma rede ou mosaico de áreas protegi- ultrapassem 450 ppm, fato passível de acontecer se aceitarmos
das foi o Projeto Corredores Ecológicos (PCE ). Em 2005, o Com- um aumento médio de 2 a 3oC de temperatura global,46 os recifes
plexo de Abrolhos, que abrange parte do litoral da Bahia e do Es- de coral podem ser o primeiro ecossistema funcionalmente ex-
pírito Santo, foi escolhido para a criação do primeiro corredor tinto em razão das mudanças climáticas globais. Segundo algu-
ecológico marinho brasileiro,42 priorizando ações em dois mini- mas previsões, isso pode começar a ocorrer em menos de 20 anos,
corredores, o de Abrolhos e o do rio Doce. se mantidas as taxas atuais.
No caso dos recifes de coral, o processo de branqueamen-
D e s a f i o s e Op o r t u n i da d e s to, ocorrido em consequência do aumento da temperatura das
águas oceânicas superficiais, atinge regiões recifais do globo de
Carbono Azul forma maciça, fenômeno que passou a ser conhecido a partir da
Além de acolher grande parte da biodiversidade animal e ve- década de 1980. O branqueamento dos corais se dá pela perda
getal do planeta, os ambientes costeiros e oceânicos controlam e de algas zooxanteladas que vivem em simbiose nos tecidos dos
regulam a temperatura e o clima global, produzem mais da meta- corais construtores dos recifes, responsáveis pela fotossíntese
de do oxigênio do planeta obtido do plâncton e reabastecem o ci- e produção de alimento para os corais. A partir de 1993 foram
clo hidrológico do planeta. Sabe-se, inclusive, que os oceanos são registrados vários eventos de branqueamento de coral na costa
relevantes sumidouros de carbono e, por conta da sua alta capa- da Bahia.47 O primeiro registro ocorreu em Abrolhos no verão de
cidade de “sequestrar” carbono, desempenham um papel funda- 1993/1994, quando o percentual de colônias branqueadas variou
mental nos processos envolvidos nas mudanças climáticas. entre 50 e 90%.
No entanto, apesar de ser conhecido há pelo menos 30 anos, o
papel dos oceanos como sumidouro de carbono tem sido pouco Desafios políticos e institucionais
discutido até o momento no debate sobre as mudanças climáticas. O estabelecimento de uma rede de áreas protegidas torna-se
As atenções têm estado voltadas prioritariamente para os ecossis- indispensável para a conservação da biodiversidade. Tais áreas,
temas terrestres, sua participação na remoção de carbono através se distribuídas de forma planejada e manejadas de modo adequa-
do mecanismo fotossintético e sua capacidade de estocar este car- do, podem assegurar a manutenção de amostras representativas
bono na vegetação e nos solos. Armazenado em áreas florestais, es- de ambientes naturais, da diversidade de espécies e de sua va-
pecialmente nos trópicos, este é o chamado “carbono verde”. riabilidade genética. Além disso, as áreas protegidas promovem
Embora a biomassa vegetal existente nos biomas costeiros e oportunidades para a pesquisa científica, educação ambiental,
marinhos seja apenas uma fração da existente em terra (apenas turismo e outras formas sustentáveis de geração de renda, junta-
0,05%), em um ano ela é responsável por armazenar quase a mes- mente com a manutenção de serviços ambientais.

249
costeiro e marinho

No caso marinho, o estabelecimento de Tomando como referência a meta de conservação da biodi-


uma rede de Áreas Costeiras e Marinhas Protegi- versidade para a Zona Costeira e Marinha – fixada pelo Conse-
das (ACMP s) deve levar em conta os múltiplos níveis de lho Nacional de Biodiversidade (Conabio), com base nas deci-
informação sobre a biodiversidade, pro- sões da CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica) –, o Brasil
cessos ecológicos (desova, recrutamen- estabeleceu um mínimo de 10% da Zona Costeira e Marinha a
Mecanismos financeiros para to, conectividade entre hábitats e ecos- serem protegidos por meio de unidades de conservação, e pelo
a conservação marinha
No âmbito nacional, ONG s e poder
sistemas, fluxo de energia, ciclagem de menos 10% da Zona Marinha, protegidos por meio de unidades
público têm discutido a importância nutrientes e matéria orgânica), além dos de conservação de proteção integral e/ou de áreas de exclusão
da criação de fundos para financiar a fatores socioeconômicos.48 de pesca, temporárias ou permanentes.
conservação de áreas protegidas na
No Brasil, o equivalente às ‘reservas Nesse contexto, é necessário avançar para uma abordagem
Zona Costeira e Marinha, assegurando
aportes de recursos complementares aos marinhas’ (no-take zones) são as unida- mais moderna, considerando os sistemas marinhos-costeiros e
governamentais de forma contínua e des de conservação de proteção integral as respectivas áreas protegidas neles localizadas como integran-
permanente. O Fundo Costa Atlântica, ou ainda as áreas de exclusão de pesca49, tes de uma paisagem mais ampla representada pela região cos-
criado pela Fundação SOS Mata
que podem ser estabelecidas dentro das teira. Nessa paisagem se inserem tanto os sistemas marinhos-
Atlântica, é o primeiro desses fundos
voltados para Áreas Costeiras e unidades de uso sustentável ou mesmo -costeiros como os sistemas terrestres-costeiros, os quais estão
Marinhas Protegidas (ACMP s), >>> fora dessas. De fato, o conceito de áreas intimamente interligados.
marinhas protegidas já foi incorporado O grande desafio da atualidade não reside apenas no estabe-
ao discurso governamental brasileiro lecimento e manutenção de redes de áreas protegidas no mar
por meio dos princípios e diretrizes contidos no Plano Estratégi- ou no continente, mas também na busca da conectividade en-
co Nacional de Áreas Protegidas (PNAP ), bem como na indicação tre essas áreas e sistemas. Em outras palavras, o conhecimento
das “Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Re- das relações existentes entre os sistemas marinhos e terrestres
partição de Benefícios da Biodiversidade”.50 Resta agora o desa- permite constatar que a unidade de território a ser manejada
fio de efetivamente criar e implementar essas áreas. é a paisagem costeira como um todo, e não compartimenta-
Mesmo contando com uma baixa representatividade de áre- da em unidades marinhas e terrestres. Sob essa ótica, devem-
as protegidas na zona marinha, já é possível apontar estudos de -se promover e incentivar o estabelecimento e a manutenção
caso nos quais medidas de gestão pesqueira dentro de unidades de áreas protegidas que garantam a conectividade transversal
de conservação de uso sustentável, ou no entorno das de prote- continente-mar.
ção integral, vêm demonstrando as possibilidades locais de uso Diante deste complexo cenário da fachada atlântica brasileira
dessa ferramenta51. Entre os projetos exitosos estão o realizado surge uma questão: será que ainda há tempo para revertermos as
pelo Projeto Recifes Costeiros e pela Universidade Federal de atuais previsões de colapso dos sistemas
Pernambuco em parceria com o Centro de Pesquisa e Gestão marinhos? Caberá a nós respondermos a
de Recursos Pesqueiros do Litoral Nordeste (Cepene) do Iba- esta pergunta através de atitudes condi- >>> contemplando inicialmente a
ma, baseado no estabelecimento de uma área fechada dentro da zentes com a conservação dos recursos Reserva Biológica de Atol das Rocas
por meio de ações conjuntas com o
Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais; e o programa de naturais e com a implementação de políti- Instituto Chico Mendes de Conservação
monitoramento dos recifes de coral brasileiros, que apresenta cas governamentais que priorizem o pla- da Biodiversidade (ICMB io). Um fundo
resultados positivos para a conservação da biodiversidade em nejamento espacial costeiro e marinho nacional para a criação e implementação
em escala nacional. Nesse sentido, cien- de ACMP s está sendo constituído pelo
áreas mais restritivas.
MMA , Banco Mundial, Funbio e Petrobras,
Do mesmo modo, são considerados animadores os resul­tados tistas, instituições de pesquisa, entida- e tem o início de sua implementação
obtidos nas áreas de exclusão à pesca na Região dos Abrolhos, mo- des da sociedade civil e órgãos do governo prevista para 2013. Iniciativas como estas
nitorados por meio de parcerias entre a Conservação Interna- têm indicado a necessidade de uma polí- são fundamentais para que o Brasil possa
alcançar as metas de conservação de seus
cional, o ICMBio e um conjunto de uni­ver­si­da­­des brasileiras.52 tica nacional de conservação dos oceanos
biomas assumidas internacionalmente.
Vale destacar o papel das comunidades tradicionais no pro- para integrar ferramentas e estratégias
cesso de gestão participativa dos recursos pesqueiros.53 Como que permitam a melhor gestão do inesti-
principais usuários e “fiscais” de zonas costeira e marinha, as mável patrimônio azul brasileiro.
comunidades pesqueiras artesanais têm sido parte fundamental
no processo de implementação e manejo das áreas protegidas e,
consequentemente, na conservação da biodiversidade marinha.

250
Biomas Brasileiros

n ota s deste, que, aliada à inflexão da orientação da linha de costa, de norte–sul


para leste–oeste, é favorável à ocorrência do fenômeno da ressurgência. O
provável enriquecimento de nutrientes, pela entrada das Águas Centrais
1 Madin, L.P. e Hamner, W. 2011. Ocean Biomes. In: Stone, G. S.; Mittermeier, do Atlântico Sul no verão, exerce influência sobre a riqueza, diversidade e
R. A.; Aburto Oropeza, O.; Campagna, C.; Carpenter, K. E.; Madin, L. P.; Obu- abundância dos organismos nessa parte do litoral brasileiro.
ra, D.; Sala, E.; Mittermeier, C. G.; Troëng, S.; Seligmann, P. A. Oceans: Heart 13 Sealey, K.; Bustamante, G. 1999. Setting geographic priorities for mari-
o four Blue Planet. Earth in Focus Editions: Arlington VA . ne conservation in Latin America and the Caribbean. Arlington (Virgínia,
2 Rossi-Wongtschowski, C. L. D. B.; Valentin, J. L.; Jablonski, S.; Amaral, eua ): The Nature Conservancy.
A. C. Z.; Ha – Zin, F. H. V.; El-Robrini, M. 2006. Ambiente Marinho. In: 14 Ministério do Meio Ambiente (MMA ). 2002a. Op. Cit.
PROGRAMA REVIZEE. Relatório Executivo: avaliação do potencial susten- 15 Diegues, A. C. (Org.). 2002. Povos e Águas – Inventário de áreas úmidas
tável de recursos vivos na Zona Econômica Exclusiva do Brasil. Brasília: brasileiras. 2a ed. São Paulo. Nupaub/USP . p. 15–18.
MMA. 279 p. 16 Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (NEMA ). 2008. Dunas
3 Essa convenção internacional estabelece os conceitos de mar territorial, costeiras – manejo e conservação. Rio Grande. 28 p.
zona econômica exclusiva e plataforma continental e confere aos países 17 Diegues, A. C. (Org.). 2002. Op. Cit.
costeiros soberania, direitos e deveres incidentes sobre a Zona Econômica 18 Idem.
Exclusiva. A CNUDM é considerada um marco para a formulação da legis- 19 Spalding, M.; Kainuma, M.; Collins, L. 2010. World atlas of mangroves.
lação ambiental internacional por conter várias diretrizes que orientam a Earthscan. London. 319 p.
conservação dos recursos naturais de mares e oceanos. 20 RAMSAR . 1996. Convention on Wetlands, Resolutions & Recommenda-
4 Em maio de 2007 a Organização das Nações Unidas (ONU ) aprovou o plei- tions. In: Proceedings of the 6th Meeting of the Conference of the Contrac-
to do Brasil pela incorporação, ao território brasileiro, de mais 712 mil km2 ting Parties. Brisbane, Australia. vol. 4. 70 p.
de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas da Zona 21 SOARES , M. L. G. (Coord.). 2006. Laudo Biológico do Sistema Caravelas
Econômica Exclusiva (ZEE ), constituindo o que a Comissão Interministe- – Nova Viçosa com vistas à criação da Reserva Extrativista do Cassurubá.
rial para os Recursos do Mar (CIRM ) denomina “Amazônia Azul”. Relatório Técnico Final para o Processo de Criação da Unidade de Conser-
5 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE ) não define o Bio- vação. Cooperação: IBAMA e Conservação Internacional. 246p.
ma Marinho como um bioma próprio. A classificação dos biomas pelo IBGE 22 WILSON , E. O. 1992. Diversidade da Vida. São Paulo: Companhia das Le-
considera apenas os seis biomas continentais brasileiros. tras. 447 p.; Reaka-Kudla, M. L. The global biodiversity of coral reefs: a com-
6 Coutinho, P.N. 1999. Levantamento do estado da arte da pesquisa dos re- parison with rain forests. In: Reaka-Kudla, M. L.; Wilson, E. D.; Wilson, E. O.
cursos vivos marinhos do Brasil. Programa REVIZEE . Oceanografia Geoló- (Ed.). Biodiversity II : understanding and protecting our biological resour-
gica. FEMAR /SECIRM . ces. Washington, D C: J. H. Press, 1997. p. 83–108. 549 p.
7 A extensão da faixa costeira varia significativamente, na literatura sobre 23 Leão, Z.M.A.N. 1996. The coral reefs of Bahia: morphology, distribution
o tema, de 7 mil a mais de 11 mil quilômetros. Tal discrepância se deve às and the major impacts. Anais da Academia Brasileira de Ciências 68 (3):
diferentes metodologias empregadas no cálculo da linha costeira. O dado 339–452.
aqui adotado, de 10.800 quilômetros, considera os recortes e reentrâncias 24 Spalding, M. D.; Ravilious, C.; Green, E. P. 2001. World atlas of coral reefs.
naturais da costa brasileira e foi obtido no âmbito dos estudos sobre repre- Berkeley, USA : Unep/ WCMC ; University of California Press. 424 p.
sentatividade dos ecossistemas costeiros no Sistema Nacional de Unidades 25 O mapeamento dos recifes rasos e uma inédita análise de representati-
de Conservação da Natureza (SNUC ), feitos pelo Ministério do Meio Am- vidade desses ambientes protegidos por unidades de conservação foram re-
biente entre 2009 e 2010. alizados por Prates em 2003, utilizando técnicas de sensoriamento remoto
8 Ministério do Meio Ambiente (MMA ). 2008. Macrodiagnóstico da Zona para mapear os topos rasos dos recifes de coral. Os resultados das análises
Costeira e Marinha do Brasil. Brasília: MMA . 242 p. estão publicados na segunda edição do Atlas dos Recifes de Coral nas Uni-
9 UNEP . 2006. Our precious coasts. Nellemann, C. and Corcoran, E. (Eds). dades de Conservação Brasileiras (Prates, 2006).
GRID Arendal Norway. 26 Maida, M; Ferreira, B.P. 1997. Coral reefs of Brazil: an overview. Proce-
10 Martínez, M.L., A. Intralawan, G. Vázquez, O. Pérez-Maqueo, P. Sut- edings of the 80 international Coral Reef Symposium, Panamá, 1:263–274.
ton and R. Landgrage. 2007. The cost of our world: ecological, ecomonic 27 Maida, M.; Paula Pontes, A.C.; Ferreira, B.P.; Castro, C.B.; Pires, D.O.;
and social importance. Ecological Economics 63: 254–272 p. Rodrigues, M.C.M. (organizers). 1997. Relatório do workshop sobre reci-
11 Ministério do Meio Ambiente (MMA). 2002a. Avaliação e ações priori- fes de corais brasileiros: pesquisa, manejo integrado e conservação. Ta-
tárias para a conservação da biodiversidade das zonas costeira e marinha. mandaré/PE. 30 p.
Brasília: Fundação Bio-Rio, Sectam, Idema, SNE. 72 p.; Ministério do Meio 28 Pires, D. O., The azooxanthellate coral fauna of Brazil. Bulletin of Marine
Ambiente (MMA). 2002b. Biodiversidade Brasileira: Avaliação e identifica- Science.Volume 81, Supplement 1, November 2007, pp. 265–272(8).
ção de áreas prioritárias para conservação, utilização sustentável e repar- 29 Kitahara, M.V. 2009. A pesca demersal de profundidade e os bancos de
tição de benefícios da biodiversidade brasileira. Brasília: MMA (Série Biodi- corais azooxantelados do sul do Brasil. Biota Neotrop. vol. 9, no. 2.
versidade, no 5). 404 p. 30 Idem.
12 A região de Arraial do Cabo e Cabo Frio apresenta algumas caracte- 31 Em 2009, o Ministério do Meio Ambiente, por meio da Gerência de Bio-
rísticas geomorfológicas, meteorológicas e oceanográficas que permitem diversidade Aquática e Recursos Pesqueiros (GBA), refinou os estudos pro-
a ocorrência da ressurgência. A região fica sob o domínio do Anticiclone duzidos no âmbito do processo de atualização das áreas prioritárias para a
Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), com predominância de ventos de nor- Zona Costeira e Marinha, visando identificar, de forma inédita, a situação

251
costeiro e marinho

da representatividade dos ecossistemas costeiros e marinhos no âmbito do 44 Nellemann, C., Corcoran, E., Duarte, C. M., Valdés, L., De Young, C., Fon-
SNUC, avaliando, inclusive, as lacunas de conservação existentes. Esse es- seca, L., Grimsditch, G. (Eds). 2009. BLUE CARBON . A Rapid Response As-
forço resultou na edição do volume Panorama da Conservação dos Ecossis- sessment. United Nations Environment Programme, GRID -Arendal . Dis-
temas Costeiros e Marinhos no Brasil, lançado no final de 2010. ponível em: www.grida.no
32 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade 45 Idem.
Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Op. Cit. 46 Parry M.L., O.F. Canziani, J.P. Palutikof, P.J. van der Linden and C.E.
33 Amado-Filho, G.M., Moura, R.L., Bastos, A.C., Salgado, L.T., Sumida, P., Hanson, Eds., 2007,Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulne-
Guth, A.Z., Francini-Filho, R.B., Pereira-Filho, G.H., Abrantes, D.P., Brasi- rability. Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Re-
leiro, P.S., Bahia, R.G., Leal, R.N., Kaufman, L., Kleypas, J.A., Farina, M. & port of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge Uni-
Thompson, F.L. (2012). Rhodolith Beds are Major CaCO 3 Bio-factories in versity Press, Cambridge, UK , 1000pp.
the Tropical South West Atlantic. PL oS ONE 7(4): e35171. 47 Leão, Z.M.A.N.; Kikuchi R.K.P; Oliveira M.D.M. 2008. Biota Neotropica.,
34 Dutra, G.F.; Allen, G.R.; Werner, T. e Mckenna, S.A. (Eds). 2005. A rapid ma- vol. 8, no. 3, jul./set. Branqueamento de corais nos recifes da Bahia e sua relação
rine biodiversity assessment of the Abrolhos Bank, Bahia, Brazil. RAP Bulletin com eventos de anomalias térmicas nas águas superficiais do oceano. p.69–81.
of Biological Assessment 38. Conservation International: Washington DC. 48 Sala, E.; Aburto-Oropeza, O.; Paredes, G.; Parra, I.; Barrera, J.C.; Dayton,
35 Idem. P.K. 2002. A general model for designing networks of marine reserves.
36 Moura, R.L., Secchin, N.A., Amado-Filho, G.M., Francini-Filho, R.B., Science, v. 298. p.1991–1993.
Freitas, M.O., Minte-Vera, C.V., Teixeira, J.B., Thompson, F.L., Sumida, P., 49 Áreas ou zonas de exclusão de pesca correspondem ao fechamento
Guth, A.Z., Dutra, G.F., e Bastos, A.C. (no prelo). Spatial patterns of benthic temporário ou permanente de áreas marinhas de forma a viabilizar a re-
megahabitats and conservation planning in the Abrolhos Bank. Continental cuperação e/ou o manejo de estoques pesqueiros de espécies sobre explo-
Shelf Research, Special Issue: Oceanography, ecology and management of tadas, visando, assim, atingir a sustentabilidade pesqueira. Essas áreas
Abrolhos Bank. são delimitadas por meio de portaria do órgão gestor do meio ambiente
37 Leão, Z.M.A.N., Kikuchi, R.K.P., Testa, V., 2003. Corals and coral reefs of integrante do Sisnama, quando dentro de unidades de conservação de uso
Brazil. In: Corte´s, J. (Ed.), Latin America Coral Reefs. Elsevier Science. 9–52 p. sustentável, ou devem ser estabelecidas conjuntamente pelo MMA e pelo
38 Idem. Ministério da Pesca e Aquicultura dentro da competência conjunta de or-
39 Moura et al. No prelo. Op. Cit. denamento pesqueiro. Sua aplicação como instrumento de ordenamento
40 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade da atividade pesqueira está prevista no Plano Nacional Estratégico de
Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Panorama da Conservação dos Ecos- Áreas Protegidas, conforme mencionado.
sistemas Costeiros e Marinhos no Brasil. Brasília: MMA /SBF /GBA . 148 p. 50 Ministério do Meio Ambiente (MMA ) – Gerência de Biodiversidade
41 Dutra, G.F., Ferreira, B.P., Moura, R.L. e Maida, M. 2010. Áreas protegidas Aquática e Recursos Pesqueiros. 2010. Op. Cit.
na gestão costeira e marinha do Brasil. pp. 200–239. In: Marone, E., Riet, D., 51 Com o intuito de apresentar e discutir essas experiências, o Ministério
e Melo, T. (Eds). Brasil Atlântico: Um país com a raiz na mata. Ibio/Mar de do Meio Ambiente organizou o volume 4 da série Áreas Protegidas do Brasil,
Ideias: Rio de Janeiro, RJ . intitulado Áreas Aquáticas Protegidas como Instrumento de Gestão Pes-
42 Marone, E. S., Mello, F.M.C., Dutra, G., Lourenço, M., Sforza, R., Chagas, queira (disponível em www.mma.gov.br).
L.P., Barroso, G.F., Prates, A.P., Barcellos, C.F., Ribeiro, S. 2009. Corredo- 52 Francini-Filho, R. e Moura, R. 2008a. Evidence for spillover of reef fi-
res ecológicos: Implementação da porção marinha do Corredor Central da shes from a no-take marine reserve: An evaluation using the before-after
Mata Atlântica. Série Corredores Ecológicos v.2 – Brasília. MMA /SBF . 80 p. control-impact approach. Fisheries Research 93: 346–356.; Francini-Filho,
43 Bouillon, S., A.V. Borges, E. Castañeda-Moya, K. Diele, T. Dittmar, N.C. R. e Moura, R. 2008b. Dynamics of fish assemblages on coral reefs subjec-
Duke, E. Kristensen, S. Y. Lee, C. Marchand, J.J. Middelburg, V.H. Rivera- ted to different management regimes in the Abrolhos Bank, Eastern Brazil.
Monroy, T.J. Smith III , and R.R. Twilley. 2008. Mangrove production and Aquatic Conservation 18: 1166–1179.
carbon sinks: A revision of global Budget estimates. Global Biogeochemi- 53 Moura, R.L.; Minte-Vera, C.V.; Curado, I.B.; Francini-Filho, R.B.; Rodri-
cal Cycles 22: GB 2013, doi:10.1029/2007 GB 003052; Houghton, R.A. 2007. gues, H.C.L.; Dutra, G.F.; Alves, D.C. e Souto, F.J.B. 2009. Challenges and
Balancing the global carbon budget. Annual Review of Earth and Planetary prospects of fisheries co-management under a Marine Extractive Reserve
Sciences 35:313–347. Framework in Northeastern Brazil. Coastal Management 37: 617–632.

252
Biomas Brasileiros

Ta rta ruga-verde ou a rua n ã (Ch elo nia mydas) n a Reserva


B iol ógica do Atol das Rocas | Rio Gra n de do Norte

253
Biomas Brasileiros

acima : On da sobre recifes da Reserva B iol ógica


do Atol das Rocas | RN

p á gin a ao l a do: Pon ta de Corumbau n a Reserva


Ex trativista Ma rin h a de Corumbau | B A

p á gin as 254–255: Il h as do a rquip él ago dos Abrol h os


(Gua rita , Sa n ta B á rba ra , Redon da , Siriba e Sueste) – Pa rque
Nacion a l Ma rin h o dos Abrol h os | B A

257
costeiro e marinho

O B rasi l tem 6 bi omas em terra fi rme e um bi oma ma ri n ho


B ra zi l h as si x bi omes on l a n d a n d a ma ri n e bi ome

260
Biomas Brasileiros

acima : Ex tra çã o de ca ra n guejo n o ma n gue da Reserva


Ex trativista Ma rin h a de Ca n avieiras | B A

p á gin a ao l a do: Árvores de ma n gue-vermel h o ( Rh izo ph ora


man gle) n a Reserva Ex trativista Ma rin h a de Ca n avieiras | BA

p á gin as 258 –259: Ca mp o de dun as n os Gra n des Len çóis –


Pa rque Nacion a l dos Len çóis Ma ra n h en ses | MA

261
A FOTO DE TRINDADE
VAI SER TROCADA?
costeiro e marinho

acima : Ca ma rã o-l impa dor-com-p in tas


(Periclimen es yucatan icus) n os ten tá culos da a n êmon a-do-mar
(Co ndylactis gigantea) n o B a n co dos Abrol h os | B A

página ao lado: Recife de corais no Banco dos Abrolhos com o


octocoral (Muricea flamma) espécie endêmica do sul da Bahia | BA

p á gin as 262–263: A Il h a de Trin da de fica n a ex tremida de


da ca deia subma rin a de Vitória-Trin da de | ES

264
costeiro e marinho

268
Biomas Brasileiros

acima : Recifes de cora l e p eix e-sa rgen to ( Abud ef d uf saxatilis)


n a Reserva B iol ógica do Atol das Rocas | RN

página ao lado: Grupo de baleias-jubarte (Megaptera


novaengliae) no Banco de Abrolhos | BA

pá gin as 266–267: Ca rdume de ba rracudas ( Sph yraen a barracuda)


n o B a n co dos Abrol h os | B A

p á gin as 270–27 1: Morro do Pico n a p ra ia do Meio - Pa rque


Nacion a l de Fern a n do de Noron h a | PE

269
Biomas Brasileiros

271

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