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JÁ
CONHECE
AS NOSSAS Viagens Cosmo
EDIÇÕES
ESPECIAIS?
Cultura Arqueologia
Desafios Caminhos
Matemáticos da Ciência
GUIA DO
O P T I M I S TA
DIA DA
TERRA
HÁ 50 ANOS
CELEBRÁMOS
O PRIMEIRO
DIA DA TERRA.
ONDE ESTAREMOS
DAQUI A
50 ANOS?
OS SINAIS SÃO
ANIMADORES.
Não se sinta
demasiado
optimista. Vire
a revista e
encontrará um
guia para
pessimistas
com um estudo
sobre a factura
psicológica que
as mudanças
climáticas nos
transmitem.
E D I TO R I A L
A S UA F OTO
I M AG E N S D E
S A LVA Ç Ã O
A National Geographic Society é uma organização global sem fins lucrativos que procura novas fronteiras da
exploração, a expansão do conhecimento do planeta e soluções para um futuro mais saudável e sustentável.
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AUREA DIAZ ESCRIU, Directora-geral
membro da
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE
CONTROLO DE TIRAGEM
D I A DA T E R RA 2 070
O QUE ACONTECERÁ
AO PLANETA?
POR SUSAN GOLDBERG
que a
O D I TA D O É TÃ O C O N H E C I D O
maioria de nós consegue terminar a
frase. Quem não recorda o passado…
está condenado a repeti-lo.
É um lembrete adequado este mês,
enquanto comemoramos o 50.º aniver-
sário do Dia da Terra. Para a ocasião,
criámos a primeira edição “reversível”
da National Geographic (essencialmente
duas revistas numa só) para revisitar
os marcos ambientais do último meio
século e olhar para o mundo que os nos-
sos descendentes habitarão em 2070, no
100.º aniversário do Dia da Terra.
Há dois cenários possíveis.
Numa das primeiras páginas da
revista, mostramos-lhe a Terra ver-
dejante. É a visão optimista de Emma
Marris, que vê um mundo em mudança, ondas de calor mais letais, tempestades
no qual não se podem desfazer alguns mais violentas e muito mais. Elizabeth
danos já causados, mas um mundo em não encontra evidências de que essas e
que as tecnologias serão aproveitadas outras ameaças sejam abordadas com
para “alimentar uma população maior, rapidez suficiente para impedir uma
fornecer energia a todos, começar a sobrecarga fatal sobre o homem e o
inverter as alterações climáticas e evitar mundo natural.
a maior parte das extinções”, escreve Éimpossívelsaber quem está certo. As
a jornalista. “O desejo de acção por reportagens desta edição reflectem reali-
parte do público está a manifestar-se dades divergentes. Quando leio notícias
nas ruas. Tal como em 1970, estão nova- sobre a participação de muitos jovens no
mente em jogo mudanças de atitude movimento ambiental, sinto-me ani-
importantes. Acredito que iremos criar mada. Depois, vejo as fotografias de Pete
um bom 2070.” Muller que retratam paisagens com cica-
De seguida, vire a revista e encon- trizes que nunca voltaremos a recuperar.
trará uma imagem da Terra mais acas- ÀNationalGeographic compete fornecer
tanhada. Elizabeth Kolbert analisa o uma moldura factual sobre o que está a
fenómeno conhecido como “cheias acontecer, o que já mudou para sempre e
nos dias de sol”, quando a maré alta o que podemos salvar. Com informação,
inunda cidades costeiras e torna ina- podemos fazer a diferença.
bitáveis a maioria dos atóis. Este é o Obrigado por ler a revista National
mundo de secas mais prolongadas, Geographic. j
V I S Õ E S | A SUA FOTO
V Í T O R M U R TA Elemento importante na defesa do território conquistado aos mouros, no século XII, o imponente Castelo de
Leiria torna-se ainda mais belo ao final da tarde. A luz solar expõe pormenores da arquitectura.
R U I M A R T I N S A lagoa do Covão das Quelhas é uma das paisagens naturais mais impressionantes da serra da Estrela, recen-
temente distinguida pela UNESCO como geoparque. As cores de Inverno pintam a região com tons inesquecíveis.
J O Ã O M A I A Em viagem pela Austrália, o autor começou pela Tasmânia. Durante um voo de drone, encontrou esta estranha
formação geológica em forma de peixe. O nome local é Salmon Rock, a rocha-salmão.
SAIREMOS
DESTAENGENHO, COMPAIXÃO E PERSISTÊNCIA
AJUDAR-NOS-ÃO A ENCONTRAR SOLUÇÕES PARA
ALGUNS DOS MAIORES PROBLEMAS DO PLANETA.
CONSERVAR
COM CUIDADO
Um elefante órfão é
consolado por um tratador
de animais selvagens no
Santuário de Elefantes de
Reteti, no Quénia,
o primeiro santuário de
elefantes comunitário de
África. Reteti já integrou,
com sucesso, seis órfãos
em manadas selvagens.
AMI VITALE
NOVA
ENERGIA
No Sul de França,
35 países estão a construir
o ITER, um reactor
termonuclear experimen-
tal, num esforço para
controlar a fusão nuclear,
o processo que alimenta
as estrelas e é, potencial-
mente, uma fonte quase
ilimitada de energia
neutra em carbono.
ORGANIZAÇÃO ITER / EJF RICHIE
AGRICULTURA
ALTERNATIVA
Ao largo de Noli, em Itália,
um mergulhador colhe
tomate em Nemo’s Garden,
uma exploração subaquá-
tica experimental onde as
plantas são cultivadas sem
solo nem pesticidas.
Poderá ser a solução para
locais sem solo arável.
ALEXIS ROSENFELD, GETTY IMAGES
A VIDA ENCONTRA
SEMPRE SOLUÇÃO
Uma cabeça de boneca
deitada fora em Freshkills
Park, em Staten Island
(EUA) foi colonizada. Em
tempos a maior lixeira do
mundo, este espaço com
890 hectares está a ser
transformado numa zona
de recreio com quase o
triplo do tamanho de
Central Park.
LAURA WOOLEY
NO 50.º ANIVERSÁRIO DO DIA DA TERRA, PERGUNTAMOS: ONDE ESTAREMOS NÓS EM 2070?
G U I A D O O P T I M I STA
Após muitos anos a trabalhar sobre este tema, interrogo-me: porque não ha-
vemos de tomar as duas opções? Podemos ter uma espécie de “quintas verticais”
urbanas em arranha-céus que funcionem com energias renováveis. Podemos ter
também explorações agrícolas ao ar livre, de elevado rendimento e com tecnolo-
gias avançadas, ecológicas e que armazenem activamente o carbono no solo.
O remanescente das nossas emissões de carbono provém da indústria, dos
transportes e dos edifícios. São estas que não deixam Jonathan Foley dormir de
noite. Como iremos remodelar milhares de milhões de edifícios, substituindo os
fornos a gás e as fornalhas a óleo? Como iremos empurrar para fora das estradas
cerca de 1.500 milhões de veículos sorvedores de combustível?
A única alternativa real reside numa promoção governamental da mudança
através de incentivos fiscais e regulamentação. Na Noruega, metade dos novos
carros registados são agora eléctricos, em boa medida porque o governo os isenta
de imposto sobre vendas, tornando-os tão baratos como os automóveis a gasolina.
A venda destes será proibida em 2025. Na cidade de Nova Iorque, foi implemen-
tada, na Primavera passada, uma lei que obriga os edifícios de grande e média
dimensão a reduzir as suas emissões de carbono em mais de um quarto até 2030.
A conversão de edifícios, transportes públicos e automóveis de um país inteiro
como os EUA não será barata, mas vamos encarar esta despesa com racionalida-
de. “O dinheiro de que estamos a falar não é mais do que o que gastámos para
sanear financeiramente os nossos bancos”, afirma Joanthan Foley, referindo-se à
reacção da administração federal perante a crise financeira de 2008.
Sabemos como fazê-lo: eis a mensagem essencial do Projecto Drawdown. Uma
das soluções financeiramente eficientes para as alterações climáticas, segundo
esta concepção, consiste em garantir que as raparigas e as mulheres tenham aces-
so ao ensino e ao controlo da natalidade. Por exemplo, as mulheres do Quénia pas-
saram de 8,1 filhos, em média, na década de 1970 para apenas 3,7 em 2015. Quando
esse declínio foi brevemente interrompido na década de 2000, isso relacionou-se
com uma interrupção do acesso das raparigas ao ensino. Esse esforço contribuirá
para estabilizar a população global e limitar a procura de alimentos e energia.
Para enfrentar as alterações climáticas, mesmo depois de reduzirmos as emissões
globais quase a zero, teremos de investir em métodos capazes de eliminar alguns
gases com efeito de estufa já existentes na atmosfera. As tecnologias necessárias
para o fazermos são promissoras, mas ainda se encontram numa fase incipiente,
excepto no que se refere às árvores, as quais, pelo menos a curto prazo, são boas
para absorver o carbono. As árvores têm outra vantagem: criam florestas, onde os
líquenes crescem, os lagartos dormitam e os macacos gritam uns comos outros, en-
quanto vão devorando figos selvagens. Já passei algum tempo em florestas assim
e a secura da palavra “biodiversidade” nunca será capaz de transmitir o seu valor.
na minha famí-
AG O R A H Á U M A N OVA C O S T U R E I R A
lia. A minha filha, de 10 anos, adora costurar. Gosto
de imaginar como será a sua vida quando chegar
NUM CERTO SENTIDO, aos 60. A primeira coisa em que reparará quando
6 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O pontão de Santa
Mónica está ligado a
Chicago pela antiga
Route 66 e pela sua roda
gigante alimentada a
energia solar. A primeira
roda gigante do mundo
foi apresentada na
Exposição Mundial
de Chicago, em 1893,
juntamente com uma
nova forma de energia:
a electricidade. Para
milhões de americanos,
o futuro parecia excitante.
O C A M I N H O PA R A 2 070 7
Os ventos de Santa Ana “atiçaram aquele fogo samos de reduzir os gases com efeito de estufa a
de maneira incrivelmente rápida, fazendo-o des- zero ao longo do próximo meio século se quiser-
cer até à costa num só dia”, recordou Dean Kuba- mos evitar uma catástrofe climática. Em vez dis-
ni, enquanto conversávamos por baixo da roda so, o mundo produz cada vez mais combustíveis
gigante. Dean reformara-se recentemente como fósseis. As empresas produtoras de petróleo e gás
director de sustentabilidade de Santa Mónica, de- nos EUA, que já é o primeiro produtor mundial,
pois de 25 anos a trabalhar para a cidade: assistiu tencionam acelerar o desenvolvimento em 30%
ao incêndio a partir da praia. “A época dos fogos é até 2030. Donald Trump decidiu também retirar
normalmente em Setembro e Outubro”, afirmou. o país do acordo climático de Paris, cujo objectivo
Mas agora dura mais “porque não chove e não te- é começar a desabituar o planeta do consumo de
mos tempo fresco”. combustíveis fósseis.
Para quem se interroga sobre como será a vida No entanto, também estamos a passar por uma
no mundo em 2070, este é um momento crítico e revolução verde. A nível global, as energias reno-
confuso. Segundo o Painel Intergovernamental váveis preparam-se para aumentar o seu volume,
sobre as Alterações Climáticas da ONU, preci- para um equivalente à capacidade electroprodu-
8 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
tora dos EUA, nos próximos cinco anos. Segundo
Oatman, no Arizona Neste restaurante de
o Gabinete de Estatísticas de Emprego dos EUA, (à esquerda), uma velha Tucumcari, no Novo
a profissão que mais crescerá na próxima década cidade mineira onde México, a mesa é real,
é a de instalador de painéis solares e a segunda é os burros traziam ouro mas o casal que almoça
e prata das colinas, é um mural trompe
a de técnico de manutenção de turbinas eólicas. transformou-se numa l’oeil. O quadro mostra
Cidades e estados comprometem-se com a escala para os migrantes um cenário, antiga-
mudança. Este ano, a Califórnia começou a exigir que viajavam pela mente comum no
Route 66. Hoje, é uma Oeste, de vacas
a instalação de painéis solares nas novas habita- atracção turística, com agrupadas em torno
ções. A cidade de Berkeley proibiu o consumo de burros selvagens e de água bombeada por
gás natural em novos edifícios: Santa Mónica e “pistoleiros” do Faroeste um moinho de vento.
em exibições diárias No futuro, terão de
outras cidades estão a tomar medidas semelhan- para os turistas. Noutra existir muito mais
tes. Los Angeles pretende instalar 28 postos de zona do condado de Moha- turbinas eólicas e
recarga de electricidade para veículos nos pró- ve, encontra-se em parques solares na
construção um centro paisagem, sobretudo se
ximos oito anos: Santa Mónica planeia instalar de dados alimentado quisermos afastar-nos
trezentos este ano. a energia solar. da energia nuclear.
O C A M I N H O PA R A 2 070 9
“Quando comecei a trabalhar aqui, só havia um Foram precisas quatro décadas, até 2016, para
automóvel eléctrico na cidade e era um Ford Tau- que os EUA instalassem um milhão de sistemas
rus reconvertido”, contou Dean Kubani. Tinha alimentados a energia solar, desde telhados
painéis solares no tejadilho. “Conseguia percorrer a parques solares de escala industrial. Foram
cerca de 16 quilómetros”. Eu e o fotógrafo David precisos apenas três anos, até 2019, para que o
Guttenfelder planeávamos percorrer mais de sete segundo milhão fosse instalado. Prevê-se que o
mil quilómetros numa série de automóveis eléc- número volte a duplicar até 2023. Nos EUA, há
tricos. Carregados de bananas (para mim) e de agora energia solar suficiente para abastecer
carne de vaca seca (para Guttenfelder), partimos 13 milhões de agregados familiares. Os projec-
de Santa Mónica, rumo à Costa Leste, com uma tos estão a aumentar de tamanho: a empresa de
pergunta importante: será que nós, como país, se- Ben New anunciou a instalação de mais 400 me-
remos capazes de chegar onde precisamos? Será gawatts, com armazenamento de baterias para
que conseguimos abandonar os combustíveis fós- 300. Estes e outros projectos da 8minute forne-
seis suficientemente depressa para garantirmos cerão energia limpa a um milhão de habitantes
que seja tolerável viver em 2070? de Los Angeles.
No entanto, por muito impressionantes que
o petróleo continua a
A N O RT E D E L O S A N G E L E S , sejam, estes números não são suficientes. Hoje
ser extraído em grandes jazidas. A leste, para lá das em dia, menos de 2% do total da electricidade
montanhas Tehachapi, saindo de Bakersfield, a dos EUA provém do sol e mais 7% do vento. A ní-
capital petrolífera local, um futuro mais limpo vel mundial, os números são comparáveis. Para
reluz. Entrámos na cidade de Mojave a bordo do travar o aquecimento global no patamar de 1,5ºC,
nosso Hyundai Kauai alugado, e estacionámos no segundo estimativa de um relatório recente da
parque de uma loja de roupa, onde rajadas de vento ONU, as emissões globais têm de baixar 7,6% por
fustigavam os vestidos dos manequins sem cabeça ano durante a próxima década. No ano passado,
expostos no exterior. Do outro lado dos carris de voltaram a subir. Para que as renováveis conse-
ferro enferrujados do comboio, conseguíamos avis- guissem preencher a lacuna, segundo a mesma
tar as altas turbinas eólicas erguidas sobre os cam- fonte, teriam de crescer seis vezes mais depressa
pos de painéis solares, naquela que talvez seja a do que o ritmo actual.
maior concentração de energias renováveis exis- Isso implicaria esforços maciços de mobiliza-
tente nos Estados Unidos. ção e investimento em infra-estruturas: em ca-
Ben New, vice-presidente responsável pela fun- pacidade de fabrico de aço e cablagem, em bate-
dação da 8minute Solar Energy (cujo nome se ins- rias e linhas de transporte de electricidade. Nos
pirou no tempo que a luz solar demora a chegar EUA, onde a rede se encontra dividida em três
à Terra), conduziu-nos a um parque de 200 hec- (uma para o Leste, outra para o Oeste e outra para
tares com módulos solares responsáveis pela pro- o Texas) será necessária uma enorme reconver-
dução de 60 megawatts de energia eléctrica, sufi- são para transportar a electricidade do soalheiro
cientes para abastecer 25 mil agregados familiares Arizona para o estado da Virgínia Ocidental, rico
na Califórnia. “Há vinte anos, um painel solar era em carvão. Para já, afirmou Ben New, teríamos
tão caro que ninguém teria pensado que isto seria de produzir muitos gigawatts “em zonas do país
possível”, afirmou o responsável. onde isso nunca foi feito”. Esse esforço implica-
Agora, a energia solar é uma pechincha. O preço ria mudanças em lugares onde os combustíveis
dos módulos fotovoltaicos desceu a pique, caindo fósseis são populares. Por muito que Ben New
99% desde a década de 1970, em grande parte de- esteja empenhado numa rápida transição para
vido às políticas públicas e à investigação na Ale- a energia solar, não acredita que esta aconteça
manha, no Japão, na China e nos Estados Unidos. a tempo. O crédito fiscal de 30% concedido aos
Ao mesmo tempo que os Estados pressionavam investimentos em energia solar, em vigor desde
as empresas de serviço público para desenvol- a administração de George W. Bush, começará a
verem soluções renováveis, a procura disparava. ser gradualmente retirado este ano.
A produção tornou-se mais eficiente. Os preços Conseguirá a energia solar disseminar-se ao
baixaram. A instalação de um watt de equipa- ritmo necessário com mais incentivos? Em oca-
mento solar custa hoje a Ben New um quinto do siões anteriores, alguns peritos subestimaram o
que custava há dez anos e ocupa metade do espa- seu potencial. Em 2008, David Keith, professor
ço antigamente necessário. da Universidade de Harvard, previu que, com
10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
sorte, o preço por watt da energia solar atingiria A viagem de automóvel está hoje enraizada na
30 cêntimos em 2030. Esse preço será atingido mente dos norte-americanos como uma opor-
em 2020. “Estávamos completamente errados”, tunidade de descoberta, de recordar, esquecer,
afirmou Keith recentemente. “A energia solar ba- ultrapassar um acontecimento da vida ou de
rata é real. É impressionante.” nos perdermos. Eu e David, ambos do Midwest
À despedida de Ben New, pensei na rapidez já tínhamos feito as nossas viagens de automóvel
com que a mudança tecnológica poderá ser al- pelo país quando éramos novos.
cançada nos EUA, lembrando o progresso dos De momento, uma travessia do país num auto-
telefones inteligentes e das redes sociais e a móvel eléctrico exige um ajuste das expectativas.
recente expansão, num punhado de anos, dos O carregamento completo da bateria pode demo-
substitutos vegetais da carne nos estabeleci- rar uma hora ou 24 horas, dependendo da bateria
mentos de hambúrgueres deste país de consu- e do carregador. Com excepção dos mais de 750
midores de carne de vaca. postos de supercarga exclusivos da Tesla, há pou-
Nessa noite, eu e David entrámos no Mojave cos lugares nos EUA onde abastecer depressa, ao
Air and Space Port, uma unidade de ensaios passo que ainda existem quase 150 mil postos de
situada nas imediações do local onde o piloto abastecimento de gasolina. Mas a maior parte dos
Chuck Yeager quebrou pela primeira vez a bar- veículos eléctricos pode ser carregada durante a
reira do som, em 1947.
Esta unidade atraiu-nos porque
foi das primeiras na região a instalar
postos de abastecimento para veícu-
los eléctricos. Deixámos o automóvel
a carregar e uma mensagem surgiu
no ecrã: o abastecimento demoraria CONSEGUIRÁ A ENERGIA SOLAR
quase seis horas. Deixando lá o carro
durante a noite, partimos a pé, de ca-
DISSEMINAR-SE COM RAPIDEZ
beças protegidas contra o vento frio, SUFICIENTE? OS PERITOS
caminhando cerca de dois quilóme- SUBESTIMARAM O SEU POTENCIAL NO
tros até ao motel mais próximo. PASSADO E A TECNOLOGIA PODE
com o automóvel
O R O M A N C E D O S E UA
PROPORCIONAR UMA MUDANÇA RÁPIDA.
começou com uma aposta. Em 1903,
antes das estradas interestaduais e dos
postos de abastecimento de combustí-
vel, um cliente de um clube privado da
Califórnia apostou 50 dólares em como
o médico Horatio Jackson não seria capaz de via- noite, em casa. E a Tesla, dona da rede mais ro-
jar de automóvel até à Costa Leste. Quatro dias busta de abastecimento rápido do país, também
mais tarde, segundo o livro “Horatio’s Drive: Ame- possui 3.800 postos de abastecimento mais lento.
rica’s First Road Trip”, da autoria de Dayton Dun- Deixando Mojave para trás, atravessámos ra-
can e Ken Burns, Jackson e um mecânico partiram pidamente as planícies salgadas e entrámos no
de São Francisco aos solavancos, num veículo a estreito vale de Panamint. Em condições ideais,
motor de 20 cavalos da marca Winton. Adoptaram o nosso Kauai conseguia percorrer 415 quilóme-
um buldogue chamado Bud e puseram-lhe óculos tros com uma única carga. No entanto, tínhamos
para lhe protegerem os olhos da poeira. Transpu- de subir passagens montanhosas e de utilizar o
seram passagens montanhosas em estradas não ar condicionado contra os ventos quentes que
asfaltadas, com o motor a roncar, chapinharam faziam abanar as portas. Eu lera que opções
em ribeiros, tiveram avarias e foram rebocados dessas podem reduzir a autonomia da bateria,
por cavalos. Esperaram também que lhes trouxes- o que desencadeou em nós o primeiro de vários
sem peças suplentes por comboio. Horatio Jack- acessos de “ansiedade de distância”. O trajecto
son chegou a Nova Iorque 63 dias mais tarde, chegou ao fim, sem incidentes, no vale da Morte,
completando a primeira travessia de automó- onde encontrámos uma estalagem sumptuosa
vel do país. com um posto de carregamento.
O C A M I N H O PA R A 2 070 11
Em 2019, 40 anos após
a fusão parcial de um reactor
na central nuclear de Three
Mile Island, na Pensilvânia
(o pior acidente no sector
nuclear comercial ocorrido
nos EUA), a central foi
definitivamente encerrada.
As centrais nucleares custam
muito dinheiro a construir
e a operar, mas produzem
energia eléctrica sem agravar
as emissões de carbono
24 horas por dia. Disponibili-
zam quase 20% da electrici-
dade consumida nos EUA.
No dia seguinte, repusemos a carga máxima no se não podíamos demorar o tempo que quisés-
parque de estacionamento do Termómetro mais semos”, disse. Para ele, as viagens de automóvel
Alto do Mundo, um gigantesco pilar que come- servem para abrandar e explorar. Por agora, as pa-
mora o recorde mundial de temperatura: 56,7ºC, ragens prolongadas nos postos de carregamento
medido em 1913. Enquanto matava tempo numa “são perfeitamente adequadas a essa descrição”.
loja de recordações, lembrei-me da cabana no A atracção dos automóveis e camiões para a
pontão de Santa Mónica, onde os automobilistas rede eléctrica é uma componente fulcral da es-
viajantes obtinham os seus certificados da Rou- tratégia orientada para aliciar o mundo para o
te 66. Ian Bowen, o gerente, contou-me que cres- abandono progressivo dos combustíveis fósseis.
cera como “o miúdo aborrecido do banco de trás”, Nas próximas décadas, a procura de electricida-
enquanto a sua família fazia viagens-relâmpago de aumentará radicalmente. Noutros tempos, o
através do Nebraska e do Iowa durante as férias, mercado teria reagido com a construção de mais
passando velozmente ao lado das atracções do centrais electroprodutoras alimentadas a carvão,
caminho. “Quando era criança, nunca percebi mas isso já não acontece. O projecto 8minute, por
por que razão haveríamos de viajar de automóvel exemplo, vai fornecer energia a Los Angeles a me-
14 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
nos de dois cêntimos de dólar por kilowatt-hora –
Uma bomba de Esta armação acolherá
muito mais barata do que o carvão. extracção de petróleo (à uma das 120 turbinas do
esquerda) sobe e desce parque eólico de Sage
certo dia ao fim
E N C O N T R Á M O S R U S S E L L B E N A L LY num campo de algodão Draw. O Texas produz
perto de Lubbock, no mais energia a partir do
da tarde, quando este inspeccionava o seu cavalo Texas. A fracturação vento do que qualquer
num miradouro rochoso dos arredores de LeChee, hidráulica de xisto outro Estado, contri-
no Arizona. É uma pequena comunidade dos navajo permitiu que a região buindo para a redução
extraísse mais de um do custo. A energia
perto do lago Powell. À distância, avistava-se a Cen- terço do petróleo bruto eólica é tão barata que a
tral Electroprodutora Navajo, cuja silhueta se recor- dos EUA em 2019. Em ExxonMobil subscreveu
tava contra o sol. Com o seu trio de chaminés em Setembro, quando esta um acordo de aquisição
fotografia foi captada, os da maior parte dos
forma de coluna, a maior central a oeste do Missis- EUA foram exportadores 338MW produzidos pelo
sípi parecia um barco fluvial encalhado na praia. líquidos de petróleo parque, de forma a
Esta antiga central produziu energia eléctrica pela primeira vez desde aumentar os trabalhos
que começaram a ser de fracturação hidráulica
suficiente para abastecer dois milhões de agrega- mantidos registos para obtenção de
dos familiares durante 45 anos. mensais, em 1973. petróleo e gás.
O C A M I N H O PA R A 2 070 15
RECARREGANDO AO LONGO DA VIAGEM
Um repórter e um fotógrafo atravessaram os estados contíguos dos EUA conduzindo automóveis
eléctricos para explorarem o futuro energético do país e o futuro do transporte automóvel no
país. Fizeram a viagem sem gasolina, com uma miríade de aventuras e obtiveram novas respostas
para uma pergunta urgente: quão perto estamos de abandonar os combustíveis fósseis?
Comício de
Greta Thunberg
Autocarros eléctricos sem e visita à
condutor em uso no unidade eólica
Laboratório Nacional de do Iowa
Energia Renovável em Des
Golden, Colorado Moines
São Turbinas eólicas
Francisco
sobre instalações
solares no deserto Golden
Mojave
TRE
C O N V E R S ÃO À E N E R G I A L I M PA
O governo dos EUA prevê que o contributo das QUOTA DA ENERGIA 2019
energias renováveis para o total de energia eléctrica ELÉCTRICA GERADA
produzida no país cresça de 19 para 38% até 2050. POR FONTES DE
ENERGIA RENOVÁVEIS,
Será um grande aumento, mas nem será suficiente POR REGIÃO DA AGÊNCIA
para cumprir as metas climáticas. O Oeste lidera o DE INFORMAÇÃO
movimento, em parte devido à abundância de ENERGÉTICA DOS EUA (EIA)*
energia hidroeléctrica, mas os futuros aumentos
deverão ser motivados pela expansão da energia
solar e eólica. 20 40 60 80%
16 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
POTENCIAL DA
ENERGIA RENOVÁVEL RENOVÁVEIS À
FRENTE NA CORRIDA
A
IM
Ó A
A IC
PT
BO Ó L
E
Maior
potencial Prevê-se que as energias renováveis
combinado (sobretudo solar e eólica) eclipsem
BO O L
Carvão 719
Rivian, a empresa Nuclear 642
Boston
de veículos eléctricos
de Detroit assinou
um contrato com a Petróleo 27
Detroit Amazon para cem mil 1950 2019 2050
Three
carrinhas eléctricas.
Mile Nova Iorque
Island
Perrysburg
Filadélfia
Visita à First Solar, A energia eólica representa uma quota maior
a maior produtora PJME
das energias renováveis do que a energia
de painéis solares
solar, mas não por muito tempo. Prevê-se que
dos EUA, em FIM
Perrysburg, Ohio Washington, DC a energia solar triplique essa quota até 2050, trans-
formando-se na principal fonte renovável.
Hidroeléctrica Biomassa
1995 81% 15%
1995 2019
O C A M I N H O PA R A 2 070 17
Quando lá passámos, preparava-se para o en- passámos por florestas pouco arborizadas e montes
cerramento porque já não conseguia competir de rocha branca. Atravessámos os isolados socalcos
com os preços baixos do gás natural e das reno- do Monumento Nacional Grand Staircase–Esca-
váveis. O encerramento eliminaria centenas de lante, última região cartografada dos 48 estados
postos de trabalho, quase todos atribuídos a nati- contíguos dos EUA. Depois de uma demorada para-
vos-americanos. E embora as tribos navajo e hopi gem num carregador lento em Boulder, avançámos
não fossem proprietárias da central, recebiam mi- em direcção ao Colorado.
lhões de euros em direitos de propriedade intelec- No Laboratório Nacional das Energias Renová-
tual e pagamentos de rendas – uma verba difícil veis (NREL), nos arredores de Denver, eu e David
de substituir. A central tinha um historial de po- vimos David Moore, de bata e luvas de laboratório,
luição: gerou 14 milhões de toneladas de CO2 por pincelar um líquido sobre um vidro condutor do
ano. Para os membros da Nação Navajo, era igual- tamanho de um cartão de crédito, transforman-
mente irritante que a energia causadora da po- do-o instantaneamente numa minúscula célula
luição atmosférica fosse maioritariamente para solar. O líquido continha perovskitas dissolvidas,
outros lugares. “Muitas famílias locais ainda nem um tipo de cristal semicondutor invulgarmente
sequer têm electricidade”, comentou Russell. eficiente para captar a luz solar. Segundo alguns
Seguimo-lo a casa para sermos apresentados especialistas, as perovskitas podem revelar-se tão
à sua mulher, Sharon Yazzie. Ela cresceu em Le- transformadoras como o iPhone, tornando a ener-
Chee e recorda-se da vida antes da central. Disse gia solar omnipresente e baratíssima.
que não sentia falta. “Sempre trouxe benefícios “Não há razão nenhuma que me impeça de de-
aos de fora e não a nós”, afirmou. positar todos estes materiais numa parede de tijo-
O encerramento de centrais a carvão é uma ten- los… No fundo, em qualquer superfície onde bata a
dência que parece imparável. Mais de quinhentas luz do Sol”, afirmou David. “O tejadilho de um car-
centrais a carvão fecharam nos EUA desde 2010 e ro. Peças de roupa. Mochilas.” Ele imagina células
estão previstas mais algumas dezenas de encerra- solares impressas em rolos finos de película, como
mentos. Em 2019, o consumo de carvão nos EUA jornais numa prensa, facilitando a rápida produ-
foi o mais baixo de sempre em 40 anos: em Abril, ção em massa. Os especialistas do sector mostram-
as energias renováveis geraram mais energia eléc- -se intrigados, mas cépticos. Muitas vezes, os avan-
trica do que o carvão pela primeira vez. A China e ços fracassam fora do contexto laboratorial.
a Índia ainda estão a construir centrais a carvão, Muitas inovações surgirão até 2070, mas a per-
mas há indicações de que a mudança também gunta mais importante é outra: a que velocidade
está em curso nestes países. Agora, muitas cen- os interesses instalados deixarão que as velhas
trais chinesas funcionam apenas esporadicamen- tecnologias morram?
te: em 2018, a Índia instalou mais projectos de Numa manhã lamacenta, a sudeste de
energia renovável do que a carvão. Lubbock, vimos uma carrinha de caixa aberta
A cerca de dez quilómetros de LeChee, em Page, transportar uma peça de turbina eólica através de
no Arizona, estacionámos um novo automóvel campos de algodão. Tal como nós, a carrinha aca-
que alugámos, um Tesla Model S branco, na Cur- bara de atravessar a planície do Texas para chegar
va da Ferradura, um majestoso meandro do rio a Sage Draw, um parque eólico em construção
Colorado. Centenas de turistas acotovelavam-se com 16.500 hectares. Pusemos capacetes de pro-
num miradouro. O encerramento da central a tecção e caminhámos em redor de uma cratera
carvão foi um acontecimento nefasto, comentou aberta no solo, onde uma armação de aço e betão
Judy Franz, directora da Câmara de Comércio de iria em breve acolher uma turbina eólica, uma das
Page. Em contrapartida, o turismo está a crescer. 120 que produzirão 338 megawatts no futuro.
Mais famílias navajo estavam a começar a prestar O estado do Texas, tão identificado com o petró-
serviços de guia e a abrir restaurantes. “Muitos ti- leo que a flor da bandeira estadual poderia ser uma
veram um pouco de receio no início”, disse a mi- plataforma petrolífera com o seu movimento osci-
nha interlocutora. Mas “vai correr bem”. lante, é o quinto maior produtor de energia eólica,
atrás de apenas quatro países. A assembleia legisla-
NOS DIAS SEGUINTES, percorremos uma gigantesca tiva ordenou às empresas públicas que investissem
curva em S, atravessando o futuro e o passado, milhares de milhões de euros na modernização da
enquanto ambos coexistem numa tensão descon- rede eléctrica do Estado, instalando milhares de
fortável. Chegando à região meridional do Utah, quilómetros de novas linhas de transporte para
18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
que os projectos eólicos no ventoso Oeste do Texas No Kansas, um camião que transportava uma
pudessem vender a energia às cidades do Leste, turbina eólica gigante completou mal uma cur-
como Dallas. Os resultados foram espectaculares. va, bloqueando o trânsito. Enquanto os veículos
Em 2017, o Estado da Estrela Solitária já produzia recuavam, uma carrinha acelerou a fundo e deu
um quarto da energia eólica do país. a volta, expelindo fumo negro. O condutor frus-
Ao mesmo tempo, porém, a Bacia Pérmica, no trado estava a “cuspir carvão”. Modificara o seu
Oeste do Texas e no Novo México, transformava- motor a gasóleo para emitir mais fumos de esca-
-se numa das maiores zonas de extracção petro- pe carregando num botão. Foi como um protes-
lífera do mundo, graças aos progressos de frac- to antiambientalista também conhecido como
turação hidráulica, ou fracking. O Texas produz “empoeirar Prius”.
actualmente mais do dobro do que o Alasca pro- Apesar disso, as atitudes estão a mudar: os
duzia no seu auge, em 1988. Só o excedente de gás norte-americanos aderem à transição energética
natural que as empresas queimam ou libertam, quando esta lhes é benéfica. Enquanto circula-
por não disporem de gasodutos para o vender, ul- va pelos clarões luminosos de Las Vegas, com as
trapassa 22,5 milhões de metros cúbicos diários, suas fontes de néon e holofotes a varrer o céu, fi-
segundo a Rystad Energy. É o suficiente para sa- quei boquiaberto com o desperdício de energia.
tisfazer o consumo de todo o estado de Washin- No entanto, uma nova lei exige que metade da
gton, onde eu vivo. O gás queimado li-
berta CO2. O gás natural libertado é, na
sua maior parte, metano, que aquece o
planeta com mais intensidade.
Em Sage Draw, os surtos de cresci-
mento da energia eólica e do petróleo
do Texas encontram-se. A ExxonMobil EM 2007, UM TORNADO DESTRUIU
planeia aumentar os seus empreendi-
mentos petrolíferos na Bacia Pérmica
GREENSBURG, NO KANSAS.
em 80% nos próximos quatro anos. A CIDADE RECONSTRUÍDA FUNCIONA
Para iniciar as operações, a empresa AGORA COM ENERGIA RENOVÁVEL.
petrolífera assinou um acordo de aqui-
sição da maior parte da electricidade
É UM REGRESSO À AUTO-SUFICIÊNCIA
.
renovável produzida em Sage Draw e DOS PIONEIROS DA PRADARIA.
num parque eólico próximo, ambos
pertencentes à empresa Ørsted, sedia-
da na Dinamarca. Frank Sullivan, res-
ponsável pelo negócio petrolífero ter-
restre da Ørsted nos EUA, classificou o
acordo como um “indicador importante” da nova electricidade do estado seja produzida a partir
competitividade da energia limpa. Também é um de renováveis até 2030. Na porta ao lado, no tam-
indicador dos estranhos tempos em que vivemos. bém soalheiro vizinho Arizona, uma empresa
No Texas, a energia limpa está a contribuir para pública de energia investiu 33 milhões de euros
a extracção de mais combustíveis fósseis quando, para derrotar uma proposta de lei desenvolvida
na verdade, precisa de os substituir por completo. com os mesmos objectivos. Este ano, contudo,
mudou de rumo, anunciando como objectivo
grande parte dos cidadãos ainda
C OMO É E V I D E N T E , tornar-se 100% renovável até 2050.
compram aquilo que a ExxonMobil vende. E, ao No Colorado, encontrámos o engenheiro de
atravessarmos este país dividido, tornou-se claro software Kevin Li, enquanto ele carregava o seu
que alguns norte-americanos não se mostram dese- Tesla Model 3 de 2018. Tinha acabado de ir bus-
josos de mudança. Em Tucumcari, no Novo México, cá-lo à Califórnia e conduzia-o de regresso a casa,
os condutores podem encontrar uma pequena uni- na Carolina do Norte. Quando lhe perguntei que
dade de carregamento para veículos eléctricos num influência tinham tido as alterações climáticas na
antigo posto de abastecimento da Conoco. No dia sua escolha, Kevin pareceu confuso. Repeti-lhe a
em que chegámos, alguém o bloqueara com uma pergunta: comprou um Tesla por se sentir muito
carrinha de caixa aberta Ford F-250. preocupado com o aquecimento global?
O C A M I N H O PA R A 2 070 19
Operários tratam das
pás de turbinas eólicas
na unidade de fabrico
da TPI Composites,
em Newton, no Iowa.
As energias renováveis
revitalizaram Newton
depois do encerra-
mento da fábrica
de máquinas de lavar
e secar roupa Maytag,
em 2007. Num antigo
edifício da Maytag, a TPI
produz carroçarias para
autocarros eléctricos.
Noutro, a empresa
fabrica torres eólicas.
O C A M I N H O PA R A 2 070 21
“Não”, respondeu Li.
Então porquê?
“Velocidade”, disse Li. “É muito rápido.”
No Oeste do Kansas, passámos um dia em
Greensburg, uma vila com 790 habitantes. Em
2007, um tornado destruiu mais de 90% desta
povoação rural, matando 11 pessoas. Quando foi
reconstruída, algumas pessoas sugeriram que
Greensburg se tornasse auto-suficiente. A suges-
tão pareceu bastante hippie aos ouvidos de Bob
Dixson, antigo presidente da câmara.
Nas suas próprias palavras, Bob Dixson aca-
bou por encarar o momento como um regresso
às virtudes dos antepassados que colonizaram as
pradarias. Os pioneiros do Kansas construíram
moinhos de vento para extrair água dos poços,
viveram em casas de adobe e armazenaram ali-
mentos em despensas subterrâneas. A nova esco-
la de Greensburg utiliza aquecimento solar e geo-
térmico e, depois da reconstrução, a comunidade
passou a produzir electricidade a partir do vento.
A rede eléctrica de Greensburg é agora 100% isen-
ta de emissões de carbono.
no Iowa, enquanto
C E RTA N O I T E E M D E S M O I N E S ,
nos instalávamos nos quartos de hotel, David
enviou-me uma mensagem de texto do outro lado
do corredor. Um visitante inesperado iria discursar
durante duas horas no dia seguinte: a adolescente
sueca e activista climática Greta Thunberg. Ela tam-
bém estava a atravessar o país num Tesla, mas na
direcção oposta.
Chegámos a Iowa City e vimos milhares de pes-
soas manifestando-se. Um cartaz com um dese-
nho do planeta feito à mão pedia: “Ajudem-me,
Estou a Morrer”. Greta juntou-se aos estudantes
locais no palco. “Neste momento, os líderes mun-
diais continuam a agir como se fossem crianças e
é preciso que alguém se comporte como o adulto habitável para ela. Senti-me frustrado por me
responsável”, disse. A multidão aclamou. ver forçado a escolher entre o seu presente e o
Greta viajara de barco à vela até aos EUA em vez seu futuro. Mas o objectivo tem de ser construir
de apanhar um avião: um voo pode produzir mais um mundo em que as pessoas possam viajar sem
CO2 do que algumas pessoas produzem num ano. se sentirem culpadas pelo carbono. No NREL, há
Com as preocupações climáticas e as viagens de equipas a desenvolver investigação sobre com-
avião cada vez mais populares, alguns europeus e bustíveis para aviões a jacto a partir de algas ou
norte-americanos, incluindo os cientistas, reduzi- de resíduos alimentares. Em Dezembro, o pri-
ram as viagens de avião. Eu e David aproveitámos meiro avião eléctrico comercial, um hidroavião
para conversar sobre a influência profunda dos de seis lugares, realizou um voo de ensaio bem-
combustíveis fósseis nas nossas vidas. -sucedido no Canadá.
Numa fase anterior da nossa viagem, eu viaja- No Iowa, vêem-se turbinas eólicas a girar no
ra de avião para casa para comemorar o 11.º ani- meio do milho: os créditos fiscais transforma-
versário da minha filha. Senti-me culpado por ram-nas em valiosas fontes de rendimento para
contribuir para um mundo ligeiramente menos os agricultores. O Iowa ocupa actualmente o
22 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
segundo lugar, depois do Kansas, em termos de
Brian Caltrider
percentagem de energia eléctrica gerada a par- colhe o milho na
tir de fontes renováveis. Em Newton, com 15 mil sua quinta, perto
habitantes, as turbinas eólicas são fabricadas de Adair, no Iowa.
A empresa pública local,
numa antiga fábrica das máquinas de lavar May- a MidAmerican Energy,
tag. Em Montpelier, a SSAB, fabricante de aço instalou centenas
sueca, produz peças para turbinas. O calor maci- de turbinas eólicas
desde 2018, gerando
ço provém não do carvão de coque, como acon- receitas apreciáveis para
tece na maior parte das siderurgias de aço, mas famílias de agricultores
de fornos eléctricos de arco. Dentro de dois anos, como esta. O milho da
quinta amadureceu
os fornos serão exclusivamente alimentados por tarde em 2019, devido
energia limpa, contou Chuck Schmitt, da SSAB às chuvas torrenciais
Americas. Uma siderurgia no coração dos EUA da Primavera.
As condições meteoro-
utilizando o vento para fabricar peças de turbi- lógicas tornaram-se
nas eólicas? Pareceu-nos um marco histórico. mais imprevisíveis.
O C A M I N H O PA R A 2 070 23
no Instituto Tecnológico de
Q U A N D O E S T U D AVA primeiro reactor, o outro também foi encerrado pois
Massachusetts, Robert “RJ” Scaringe instalou esten- as operações já eram demasiado caras. Sete outras
dais de roupa no seu apartamento e teve outros centrais nucleares dos EUA fecharam desde 2013,
gestos “demorados e desafiadores” para minimizar estando previsto o encerramento de mais sete até
a sua pegada de carbono. Ele achava que não bas- 2025. Grande parte da sua electricidade isenta de
tava persuadir os outros a prescindir das comodi- carbono será substituída por gás natural, rico em
dades da vida moderna. “É demasiado difícil”, disse. emissões. O debate acerca do futuro da energia
Hoje em dia, Robert dirige a empresa tecnológica nuclear é complicado e cada vez mais ideológico.
Rivian, que fabrica veículos eléctricos e planeia lan- O mesmo se aplica ao debate sobre as alterações
çar um modelo desportivo utilitário e uma carrinha climáticas. “Infelizmente, por razões difíceis de
ainda em 2020. Celebrou também um acordo com compreender, a sustentabilidade tornou-se uma
a gigante retalhista Amazon para construir 100 mil questão altamente política”, dissera-me Robert
camiões de entregas eléctricos até 2030. Scaringe. Contudo, serão necessárias mudanças
Aquilo que é válido para as renováveis também nas políticas públicas a todos os níveis da gover-
se aplica aos veículos eléctricos: a situação está a nação para acelerar a transição para uma energia
mudar rapidamente, mas não com rapidez sufi- limpa. Será possível reunir um país polarizado em
ciente. A nível mundial, existem cinco milhões de torno de soluções?
automóveis eléctricos, um aumento de aproxima- Dias antes do início da nossa viagem, visitei um
damente dois milhões num ano. Só a Volkswagen homem que se candidatara à presidência para
tem planos para construir mais 26 milhões no es- concretizar esse projecto. Conduzi um Nissan
paço de dez anos. Mas isso acontece num mundo Leaf desde a minha casa em Seattle até Olympia,
onde há cerca de 1.500 milhões de automóveis e a capital estadual, para falar com o governador de
camiões. Os veículos eléctricos representam ape- Washington, Jay Inslee. O meu interlocutor deli-
nas 2% do mercado dos EUA. neara planos para tudo, desde uma política nacio-
A Tesla não é a única empresa a esforçar-se nal de energias renováveis para as empresas públi-
por tornar os veículos eléctricos mais atraentes. cas até uma norma de construção zero-carbono.
A Ford apresentou um Mustang eléctrico e a Har- Mas a sua campanha presidencial nunca arrancou
ley-Davidson uma moto eléctrica. No entanto, os e ele acabara de desistir quando o entrevistei.
condutores de todo o mundo estão a mostrar pre- Aparentemente sem se deixar vergar, con-
ferência por SUV mais pesados e mais poluentes: tou-me uma história sobre a capacidade do país
existem agora mais de duzentos milhões na estra- para se mover depressa quando existe vontade.
da, seis vezes mais do que em 2010. Robert Scarin- Em 1940, o exército dos EUA pediu aos fabrican-
ge tem esse mercado como alvo. tes de automóveis que projectassem um veículo
Na unidade de engenharia e design da Rivian, “ligeiro de reconhecimento” novo em folha. No
em Plymouth, no Michigan, Robert concentra-se final da Segunda Guerra Mundial, cinco anos
em veículos para estilos de vida activos. Junta- mais tarde, já tinham sido construídos quase
mente com os seus sócios, planeia construir pos- 645 mil jipes. “Estamos num filme do qual ainda
tos de carregamento de alta velocidade em lugares não vimos o final”, afirmou. “E temos capacida-
com menos tráfego automóvel, perto dos “limites de para chegar a um final feliz.”
dos trilhos”. Embora os adolescentes nem sequer Um mês depois de partirmos de Santa Mónica,
consigam imaginar como era a vida antes das re- eu e David chegámos a Washington. Numa visi-
des sociais, Robert tem esperança de que os seus ta rápida ao Museu Nacional de História Ameri-
próprios filhos (todos com menos de 5 anos) nun- cana, vi o Winton vermelho de Horatio Jackson,
ca venham a conhecer um mundo “onde o carre- com uma réplica do buldogue Bud, de óculos no
gamento não seja omnipresente”. focinho. A exposição sobre viagens de carro ame-
ricanas também abordava uma árdua travessia
NOS DIAS SEGUINTES, eu e David apressámo-nos a do país, em 1919, por uma caravana de viaturas
chegar ao nosso destino: a cidade de Washington. militares que incluíra um jovem tenente-coronel,
Parámos no Ohio para uma visita guiada à First chamado Dwight Eisenhower. Mais tarde, en-
Solar, o maior fabricante norte-americano de pai- quanto presidente, Eisenhower seria o paladino
néis solares. Na Pensilvânia, passámos de carro pela do sistema de estradas interestaduais.
central nuclear de Three Mile Island. Quarenta anos Uma vitrine contava a história de como estas
depois do célebre acidente que fez encerrar o seu estradas se tinham tornado necessárias. Um
24 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
quarto de século depois da viagem de Horatio
Este sinal em Menlo,
Jackson, os automóveis tinham-se transforma- no Iowa, foi instalado em
do num elemento decisivo do estilo de vida nor- 1934, junto daquela que
te-americano. Vinte e três milhões de veículos era então a Auto-Estrada
nº 6 dos EUA. Quando
circulavam nos EUA em 1930, quando a Route era criança, o fotógrafo
66 foi asfaltada. Mais de metade das famílias David Guttenfelder
norte-americanas possuíam um automóvel, in- passava por ele de carro
a caminho de Menlo,
cluindo talvez algumas daquelas que, no início, onde viviam os seus avós.
os tinham considerado “vagões do diabo”. O posto de gasolina foi
Os norte-americanos adaptam-se depressa, encerrado quando a
Auto-Estrada I-80
quando se convencem de que a mudança é ne- desviou o tráfego para
cessária e até mesmo útil. Isso pode acontecer sul da cidade, mas o sinal,
outra vez. Em 2070, as nuvens de “carvão cus- restaurado em 2008,
voltou a acenar: Adeus à
pido” poderão ser recordadas como meros tufos velha cultura automóvel.
soprados pelo vento. j Olá à novidade!
O C A M I N H O PA R A 2 070 25
D I A DA T E R RA 2 070
À MEDIDA QUE
AS ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
T E XTO D E L AU RA PA R K E R
GERAM O CAOS A
NÍVEL MUNDIAL,
ALGUNS JOVENS
FAZEM-SE OUVIR
E EXIGEM MAIS
DOS MAIS VELHOS.
DELANEY REYNOLDS,
DE 20 ANOS, MEDE 1,57 METROS.
NOS SEUS DISCURSOS, EXPLICA
QUE, QUANDO TIVER 60 ANOS,
A SUBIDA DO NÍVEL DOS MARES NO
SEU ESTADO, A FLORIDA, ELEVARÁ
A ÁGUA À ALTURA DA SUA CINTURA.
QUANDO TIVER 100, ESTARÁ MUITO
ACIMA DA SUA CABEÇA. NÃO
HÁ MAIS NADA A DIZER. “AS
CRIANÇAS COMPREENDEM”, DIZ.
N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A N T E S D E G R E TA , E X I S T I U S E V E R N .
XIUHTEZCATL
MARTINEZ
Xiuhtezcatl nasceu
no Colorado e foi criado
segundo as tradições
do seu legado cultural
indígena. Tem 19 anos,
é artista de hip-hop
e director do
Departamento
da Juventude do Earth
Guardians, um grupo
que dá formação a
jovens activistas
ambientais. É um de 21
jovens que processararam
o governo dos EUA
para garantir o direito
constitucional à vida
e à liberdade, exigindo
medidas face às
alterações climáticas e
a redução do consumo
de combustíveis fósseis.
VICTORIA WILL
GRETA THUNBERG
Depois de captar a em público, devemos
atenção do mundo, começar por dizer
em Setembro do ano algo pessoal ou emotivo
passado, a activista, para captar a atenção”,
agora com 17 anos, comentou. “Hoje não
participou na vou fazê-lo porque, se
conferência sobre o fizer, as pessoas vão
alterações climáticas concentrar-se nessas
da ONU realizada em frases. Não vão
Dezembro, em Madrid. lembrar-se dos factos,
O seu tema principal foi que são a primeira razão
a ciência. “Já fiz muitos pela qual estou a
discursos e aprendi dizer estas coisas.”
que, quando falamos TOM JAMIESON
30 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“ACREDITO
FIRMEMENTE NUM
MUNDO MAIS VERDE
E SEM DESPERDÍCIOS.
JUNTE-SE A NÓS.
FAÇA ALGO.
FAÇA-O EM
NOME DOS SEUS
DESCENDENTES.”
GHISLAIN
IRAKOZE
Quando fazia um trabalho
para a escola, no Ruanda,
Irakoze encontrou um
aterro cheio até ao topo.
Descobriu que os
componentes eletrónicos
rejeitados representavam
mais de 45 milhões de
toneladas de resíduos
eliminados anualmente
a nível global.
Actualmente a frequentar
a universidade, fundou a
Wastezon, que usa uma
aplicação de telemóvel
para ligar os consumidores
às indústrias de recicla-
gem. A empresa já ajudou
a enviar 420 toneladas de
componentes electrónicos
para reciclar em Kigali,
a capital do Ruanda.
TOM JAMIESON
MAYUMI
SATO
Mayumi já trabalhou na
Tailândia, no Laos e no
Nepal, em actividades sobre
os impactes sociais da
deflorestação, a
recuperação da paisagem e
a mitigação do clima. Aos
25 anos, estuda no Reino
Unido. “As alterações
climáticas não dizem só
respeito ao ambiente”,
comenta. “Exacerbam a
exclusão social, o conflito,
o classismo, o racismo.
Todos temos de participar
na justiça climática.”
TOM JAMIESON
ALEXANDRIA
VILLASEÑOR
Para mostrar o seu apoio
à greve escolar de Greta
Thunberg em Estocolmo,
Alexandria, então com 13
anos, fez as suas próprias
vigílias de sexta-feira à
porta das Nações Unidas,
em Nova Iorque, onde
vive. Desse início solitário,
em Dezembro de 2018,
sob a chuva fria, ela
avançou para a fundação
do Earth Uprising, um
grupo dedicado à
educação climática.
VICTORIA WILL
32 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“AS GREVES
ESTUDANTIS
FUNCIONAM
NO MUNDO
OCIDENTAL.
NA MAIORIA
DO MUNDO,
OS PROBLEMAS
SÃO OUTROS.
SE NÃO TIVEREM
COMIDA, COMO
VÃO CONSEGUIR
FAZER GREVE?”
KEHKASHAN
BASU
Nascida em Abu Dhabi,
mas de ascendência
indiana, Kehkashan, de 19
anos, vive em Toronto.
Esta Jovem Exploradora
da National Geographic
criou a Fundação Green
Hope para dar voz aos
jovens. Ajudou crianças
a replantar mangues
na região desflorestada
das Sundarbans, na baía
de Bengala, e plantou
árvores num campo
de refugiados no
Bangladesh. O seu
optimismo em relação
ao futuro reflecte-se no
nome da sua fundação.
REBECCA HALE
E M L U TA P E L O S E U F U T U R O 33
No entanto, muito mudou e isso poderá, por Felix queria ajudar. Plantou uma árvore na esco-
fim, desencadear acção. O número crescente e a la. Agora está a fazer um doutoramento em ecolo-
intensidade de catástrofes recentes concentra- gia do clima enquanto dirige uma organização sem
ram as atenções globais naquilo que está em jogo. fins lucrativos fundada em 2007. A Plant-for-the-
De forma reveladora, a população que sentirá as -Planet plantou oito milhões de árvores em 73 paí-
consequências saiu para a rua no ano passado, ses e faz parte de um esforço global para plantar um
dando corpo a algumas das maiores manifesta- bilião. “Não há razão para este movimento ter sido
ções ambientalistas da história. contido durante tanto tempo ou para considerá-
Os jovens estão bem posicionados, pela força -lo um capricho da juventude”, diz. “É fenomenal.
dos seus números e pelo poder organizador das Talvez seja o ponto de viragem que esperávamos.”
redes sociais, para gerar acção. Em todo o mundo, No Outono passado, Felix encontrou-se e parti-
há mais de três mil milhões de pessoas com me- lhou pistas com Lesein Mutunkei, de Nairobi (Qué-
nos de 25 anos: são dois terços da população total. nia), um jogador de futebol com 15 anos que plan-
Nos Estados Unidos, durante a agitação cultural tava uma árvore por cada golo que marcava, como
de finais da década de 1960 e início da década de forma de contribuir para a recuperação das flo-
1970, o número de norte-americanos com idades restas locais. Lesein expandiu o seu projecto e en-
entre 18 e 29 anos totalizava 41 milhões. Hoje, esse volveu outros jovens, levando-os a comemorar os
grupo etário ascende a 52 milhões. O âmbito das seus feitos plantando árvores. “Se formos bons em
manifestações dos jovens também se alargou, música e atingirmos metas, podemos plantar uma
transformando-se num movimento que inclui vá- árvore por isso. Se tivermos uma boa nota numa
rias causas sociais, nomeadamente a justiça racial disciplina, podemos plantar uma árvore”, diz.
e o controlo das armas, sugerindo comparações Um dos esforços com mais repercussões está
com o activismo social de finais da década de 1960 a decorrer nos tribunais do mundo, incluindo na
que agitou países em todo o mundo. Noruega e no Paquistão, onde os jovens interpuse-
Milhões de crianças atingiram a maioridade ram acções judiciais para proteger o clima.
enquanto viram as plataformas de gelo a derreter
e as temperaturas a subir. Estão fartas de esperar de manifestações climáticas
A M A I S R E C E N T E VAG A
que os líderes governamentais tomem medidas. começou a ganhar forma há vários anos na Europa.
“A guerra do Vietname foi o gatilho que radicali- Jovens activistas alemães organizaram greves estu-
zou uma geração”, diz Stephen Zunes, professor dantis que atraíram poucas pessoas e atenção, mas
de ciência política da Universidade de São Fran- ajudaram a construir os alicerces do movimento
cisco. “Agora, o clima vai fazer o mesmo.” desencadeado pela greve escolar solitária de Greta
Delaney Reynolds, de 20 anos, residente na Flo- Thunberg em Agosto de 2018, que apanhou o
rida, um dos locais dos EUA mais vulneráveis às mundo de surpresa. Desconhecida quando se sen-
alterações climáticas, sente-se cada vez mais frus- tou à porta do Parlamento sueco em Estocolmo, a
trada com a falta de acção. “Muitos adultos que jovem de 17 anos tornou-se o rosto de um movi-
hoje detêm o poder estão demasiado preocupados mento global que já deu origem a greves estudantis
com o dinheiro e com os lucros”, diz. “Assim que na maioria dos países e em mais de sete mil cidades.
conseguirmos substituí-los, vamos substituí-los.” Quando chegou a Nova Iorque, depois de atravessar
Delaney estuda agora na Universidade de Mia- o Atlântico num iate à vela, sem produzir emissões,
mi e fundou o Projecto Sink or Swim [Afundar ou Greta alcançou o tipo de notoriedade que torna
Nadar] e começou a dar formação aos cidadãos da alguém conhecido apenas pelo seu primeiro nome
Florida sobre os riscos da subida do nível do mar. e que costuma estar reservada às estrelas da música.
Proferiu centenas de palestras. “É incrível como as Greta é directa e incisiva, talvez em parte por
crianças do pré-escolar conseguem perceber que ter síndrome de Asperger. Não usa a linguagem
isto é um problema, ao contrário dos políticos”, diz. sinuosa do discurso político. Quando prestou
Felix Finkbeiner, activista alemão de 22 anos, testemunho no Congresso dos EUA, apresentou
é outro veterano do movimento juvenil contra as o relatório do painel para o clima da ONU em vez
alterações climáticas. Ele despertou para a causa dos seus próprios comentários. “Não quero que
aos 9 anos, pois tinha um urso-polar de peluche e me ouçam. Quero que ouçam os cientistas”, disse.
ficou comovido com imagens de outros ursos es- Elizabeth Wilson, advogada especializada em
fomeados lutando por alimento, enquanto o gelo direitos humanos, tem visto os jovens activistas a
do Árctico desaparecia. ganharem força. “Acho inacreditável que nos te-
34 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
nhamos convencido de que estamos a viver num sucesso. No entanto, é mais difícil obrigar as socie-
mundo pós-verdade e que sejam estes miúdos a dades a fazerem mudanças estruturais, que podem
dizer: ‘Nós acreditamos nos factos. Acreditamos demorar anos. A remodelação do sistema energé-
na ciência. Aquilo que vocês nos dizem não é uma tico do planeta é quase como uma tarefa de Sísifo.
realidade alternativa. É mentira”, diz. “É incrível.” “Para o sucesso de um movimento, é impor-
Facilmente nos esquecemos do facto de, apesar tante que ele se mantenha coerente e que seja
dos seus conhecimentos de comunicação e capa- transformado em política pública”, diz Kathleen
cidades de organização táctica, muitos activistas Rogers, presidente da Rede do Dia da Terra e ac-
do clima ainda serem crianças. Muitos têm pro- tivista ambiental. “Se não o transformamos em
blemas de ansiedade e depressão. A sua atenção poder político, ele acabará por morrer.”
está fixada em relatórios alarmantes. Uma análi- Na Europa, os activistas mudaram a paisagem
se da ONU, de 2018, concluiu que as emissões de política mais facilmente do que nos Estados Uni-
carbono têm de ser reduzidas para metade até dos. “Na Alemanha, registou-se uma mudança
2030 para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e fundamental na política e na escala”, diz Felix
uma investigação conduzida pela Organização Finkbeiner. “Todos os políticos alemães percebe-
Meteorológica Mundial e pela revista Nature, pu- ram que as eleições já não se ganham sem políti-
blicada em 2019, avisou que a subida das tempe- cas ecológicas.”
raturas acima desse limiar conduzirá
a um agravamento da ocorrência de
furacões, cheias, secas e incêndios flo-
restais, bem como desastres agrícolas
que poderão reduzir o abastecimento
alimentar do mundo.
“Não é difícil encontrar crianças
“É INCRÍVEL VER COMO
que digam que não querem ter filhos AS CRIANÇAS DO PRÉ-ESCOLAR
por causa do caos em que acham que
o mundo vai estar”, diz Lise van Sus-
CONSEGUEM PERCEBER QUE
teren, uma psiquiatra que estuda a ISTO É UM PROBLEMA,
maneira como os jovens estão a lidar
com as alterações climáticas. “É uma
AO CONTRÁRIO DOS POLÍTICOS.
DELANEY REYNOLDS
altura conturbada para as crianças.
Têm assistido a tudo com os próprios
olhos. Viram os incêndios. Viram as
tempestades. Elas não são estúpidas
e estão zangadas.”
Jamie Margolin, de 18 anos, foi fun-
dador do grupo Zero Hour. Alexandria Villaseñor, Severn Cullis-Suzuki, actualmente com 40
de 14 anos, falta às suas aulas de sexta-feira desde anos, não teme a extinção do movimento climáti-
Dezembro de 2018 para se manifestar em frente co. “Impressiona-me que o momento actual se pa-
da sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Am- reça tanto com o que vivemos em 1992. [A cimeira
bos descreveram os seus receios face ao futuro, d]O Rio foi um sucesso. Conseguimos que todos
num simpósio no Outono passado nos escritórios os líderes se comprometessem” diz. “Houve uma
do Twitter em Washington. Alexandria teme que, consciencialização. Agora temos de traduzi-la em
quando tiver idade para votar e contribuir para a algo parecido com uma revolução.”
eleição de líderes conscientes para o problema das Severn licenciou-se em ecologia e vive com o
alterações climáticas, já seja tarde demais. Jamie, marido e dois filhos em Haida Gwaii, um aglome-
que vive em Seattle, descreveu ataques de deses- rado de ilhas ao largo da costa da Colúmbia Bri-
pero que a puseram de cama. “A ansiedade climá- tânica, no Canadá. Está a fazer um doutoramento
tica é uma realidade para mim”, disse. em antropologia linguística, estudando a lingua-
gem e a cultura dos haida, um povo indígena cuja
A história diz
S E R Á O MOV I M E N TO B E M - S U C E D I D O ? defesa do seu contexto ambiental permitiu resis-
que não. Os movimentos sociais travados contra tir durante mais de dez mil anos. Ela faz uma pau-
vilões identificáveis, como déspotas, costumam ter sa. Valerá a pena acrescentar algo mais? j
E M L U TA P E L O S E U F U T U R O 35
ROSIE MILLS
Rosie, de 19 anos, criou do Partido Verde. Perdeu,
uma petição que mas não ficou em último
convenceu o conselho de lugar. “Uma das coisas
Lancaster, em Inglaterra, a mais estranhas que me
declarar uma “emergência aconteceu foi uma
climática” após uma cheia professora dizer-me: ‘Vou
catastrófica. No ano votar em ti.’ Depois, man-
passado, concorreu a um dou-me fazer um trabalho
lugar no Parlamento para o dia seguinte.”
Europeu como candidata TOM JAMIESON
36 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“A GERAÇÃO
MAIS NOVA PRECISA
DE APRENDER
COMO AGIR
PERANTE UMA CRISE.
VAMOS DESATAR
AOS GRITOS
E ENTRAR EM
PÂNICO?
PRECISAMOS
DE CALMA
E DE ACÇÕES
BEM DEFINIDAS
E ISSO IMPLICA
SERMOS
PARCEIROS
TRANSGERACIONAIS.”
SEVERN
CULLIS-SUZUKI
Através de palestras,
ensaios e filmes, Severn
promove o regresso a
valores compatíveis com a
Terra. O discurso proferido
na conferência do Rio de
Janeiro em 1992, quando
tinha 12 anos, ainda é
popular no YouTube. Em
2017, Severn comemorou o
25.º aniversário da cimeira,
incentivando os jovens a
fazerem o seu discurso e a
afixarem os vídeos na sua
página de YouTube: “I’m
Only a Child, but…”.
KARI MEDIG
FELIX
FINKBEINER
Em 2007, Felix então com 9
anos, fundou uma
organização sem fins
lucrativos para plantação
de árvores na sua aldeia na
Alemanha. Hoje, é Jovem
Explorador da National
Geographic.Os seminários
da Plant-for-the-Planet,
que falam às crianças sobre
o aquecimento global,
criaram um exército de mais
de 93 mil “embaixadores
da justiça climática” que
se tornaram activistas
nas suas comunidades.
DANA SCRUGGS
RABAB
ALI
Rabab, de 11 anos (acompa-
nhada do irmão, Ali Monis,
de 7 anos), processou o
governo paquistanês,
argumentando que este
violara o direito da sua
geração a viver num
ambiente saudável ao
permitir os danos causados
pela extracção mineira e
queima de combustíveis
fósseis. Uma decisão judicial
reconheceu que os jovens
têm direito a apresentar
processos. O seu pai apresen-
tou a queixa em seu nome.
HUMAYUN MEMON
38 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
D I A DA T E R RA 2 070
“OS POLÍTICOS
PREOCUPAM-SE
COM A REELEIÇÃO
E ISSO SÓ ACONTECE
COM VOTOS E
DINHEIRO.
OS JOVENS
ACTIVISTAS NÃO TÊM
MUITO DINHEIRO,
MAS TEMOS IMENSOS
JOVENS ELEITORES
QUE AINDA NÃO ESTÃO NOS PAÍSES RICOS,
RECENSEADOS.” O AR, A ÁGUA E O SOLO
SÃO AGORA MAIS
LIMPOS DO QUE
HÁ 50 ANOS.
A TAREFA QUE
SE SEGUE É ALARGAR
ESSE SUCESSO,
JEROME DESENVOLVER ENERGIA
FOSTER II
Em Novembro deste ano,
LIMPA E CONSERVAR
COMO NUNCA.
terá idade suficiente para
votar pela primeira vez
numa eleição presidencial
dos EUA e acha que o
recenseamento dos
jovens é a melhor forma
de promover a acção
face às alterações
climáticas. Com isso
em mente, Jerome
fundou a OneMillionOfUs,
uma organização que
junta o recenseamento
ao activismo contra as
alterações climáticas,
pelo controlo de armas,
as reformas de imigração
e a igualdade de
géneros e raças.
REBECCA HALE
N AT I O N A L G E O G R A P H I C
1970 POPULAÇÃO
MUNDIAL
EM 1970 3.700 MILHÕES
1980
1980 ECLARAÇÃO
DE PRINCÍPIOS
É lançada a Estratégia
1987 RELATÓRIO
BRUNDTLAND
É publicado
1990
POPULAÇÃO
MUNDIAL
EM 1990 5.300 MILHÕES
Mundial para a o relatório
«O Nosso Futuro
1972 PROIBIÇÃO DE UM PESTICIDA
TRISTEMENTE CÉLEBRE
Conservação, elaborada
pela UICN e secundada Comum», da
O livro “Primavera Silenciosa” conduziu à interdição pela PNUMA, pela ex-ministra
do DDT, considerado perigoso para a vida selvagem, WWF, pela FAO e pela norueguesa Gro
o ambiente e, potencialmente, para os seres humanos. UNESCO, para impulsio- Harlem Brundtland.
nar a conservação de O relatório utiliza
recursos naturais pela primeira vez o
e de ecossistemas. conceito «desenvolvi-
mento sustentável»
POPULAÇÃO como princípio
MUNDIAL director para o
EM 1980 desenvolvimento
1990 PROIBIÇÃO DO COMÉRCIO INTERNA-
1970
4.500
PRIMEIRO DIA DA TERRA mundial a longo
No dia 22 de Abril, vinte milhões de pessoas CIONAL DE MARFIM DE ELEFANTE
prazo. O conceito
desfilam pelas ruas dos EUA para chamar a atenção Abranda, por pouco tempo, a caça furtiva do
1987 PRIMEIRA LEI DE BASES DO AMBIENTE procura conciliar o
elefante-africano. Em 2016 o Quénia começou a
MILHÕES
para a necessidade urgente de protecção ambiental. Após quatro anos de debate científico e político, progresso económico
queimar marfim para dissuadir a caça furtiva.
é aprovada na Assembleia da República a primeira Lei de e social com a
Bases do Ambiente, proposta pelo governo minoritário preservação
1972 PRIMEIRA
CIMEIRA 1972 DEFESA DOS MAMÍFEROS MARÍTIMOS
O Marine Mammal Protection Act protege as populações em declínio de mas aprovada pela generalidade da oposição. ambiental.
DA TERRA baleias, golfinhos, focas e manatins contra o abate em águas dos EUA. O número
Celebra-se em
Estocolmo a primeira
de efectivos inicia uma recuperação que se prolongará durante décadas.
energia nuclear.
1987 PROTOCOLO DE MONTREAL
Os líderes mundiais concordam em
conferência da
receios em relação à
descontinuar substâncias que afectem a camada
ONU sobre Ambiente.
escala, suscitando mais
de ozono. Todos os países assinam o tratado.
Uma delegação
uma evacuação em larga
portuguesa participa
30 pessoas e obriga a
com o estatuto de
viética. A radiação mata
observadora.
Chernobyl, na União So-
na central nuclear de
Um reactor explode
1973 CONVENÇÃO
CITES
CHERNOBYL
1986
NUCLEAR DE
É redigida a Convenção ACIDENTE
para o Comércio
Internacional de
Espécies Ameaçadas
de Fauna e Flora
Silvestres. Entra
em vigor em 1975. 1987 SALVAMENTO
DO CONDOR
Ratificada por 183 Os últimos 27 condores
países, protege mais
de 37 mil espécies.
da Califórnia são protegi-
dos em cativeiro. Inicia-se
o clorofluorcarboneto e outras substâncias químicas. 1999 RESERVA VOLUNTÁRIA DO CANEIRO
DOS MEROS
uma longa recuperação.
protectora do ozono acima da Antárctida. Culpados:
Por acordo entre pescadores e mergulhadores, é
Hoje, mais de duzentos
É descoberta uma diminuição grave da camada
estabelecida a primeira reserva voluntária do país.
média global
egistada
emperatura
ntre a
o século XX
iferença
a média
animais vivem novamen- 1985 Fica na ilha do Corvo e ajuda a preservar uma
BURACO DO OZONO
-0,5
te na natureza.
0
0,5
1,5
1980
1969
1986
1988
1989
1990
1984
1994
1983
1983
1985
1987
1993
1993
1982
1992
1970
1976
1978
1979
1977
1973
1973
1975
1972
1974
1981
1991
1971
1979 CONTRA A
dos mais elevados níveis de dioxinas registados. industriais. aquecer o planeta. no Koweit.
CHUVA ÁCIDA
Vapores tóxicos expõem milhares de pessoas a algun os perigos dos resíduos veis fósseis já estão a jazidas de petróleo
Depois do alarme
QUÍMICOS EM SEVESO, ITÁLIA 1976 mando a atenção para queima de combustí- deia mais de seiscentas
provocado por danos
ACIDENTE NUMA FÁBRICA DE Niagara Falls (EUA), cha- calor libertados pela Golfo, o Iraque incen-
nas florestas e pela
de Love Canal, junto de outros gases que retêm Durante a Guerra do
acidificação de lagos na
centenas de residentes o dióxido de carbono e ROS DO KOWEIT
Escandinávia na sequên-
rados fazem adoecer Congresso dos EUA que PETROLÍFE- 1991
cia de emissões de
Químicos tóxicos enter- Hansenanuncia ao INCÊNDIOS
enxofre na Europa LOVE CANAL1978 O climatologista James
continental, em 1979 é FUROR EM DE ESTUFA
assinado em Genebra o DO EFEITO1988 ção da floresta tropical.
Convénio contra a energia nuclear. DETECÇÃO pais factores de destrui-
Contaminação
1996
torna-se um dos princi-
EUA PROÍBEM
receio para os riscos da
Atmosférica Transfron-
GASOLINA
mortes, mas desperta o Príncipe Guilherme. A produção de carne
teiriça. A partir de 1980,
COM CHUMBO
Pensilvânia não provoca crude no estreito do de pastagem aumenta.
as emissões de enxofre uma central nuclear na 42 milhões de litros de ção para criar terrenos
foram reduzidas em A fusão parcial de O petroleiro derrama Culmina um longo O ritmo de desfloresta-
70 % e as de dióxido processo de retirada. AMAZÓNIA
de azoto 25 % entre
ISLAND 1979
THREE MILE
VALDEZ
EXXON
1989 A Europa proíbe-a PERDA NA
1995
1990 e 2000. em 2000.
FOTOGRAFIAS (DA DÉCADA DE 1970): NASA (TERRA); JAMES P. INCÊNDIOS NA AMAZÓNIA SÍNDROME
BLAIR (DDT); ALASKA STOCK IMAGES/COLECÇÃO DE IMAGENS 2019 Incêndios associados à desflorestação co- 2006 DO NARIZ
DA NATIONAL GEOGRAPHIC (BALEIA); MARKA, GETTY IMAGES
(FÁBRICA DE PESTICIDAS); ZACARIAS PEREIRA DA MATA/ brem o Brasil de fumo, alimentando o medo de que BRANCO
SHUTTERSTOCK (GERÊS); JOEL SARTORE, ARCA FOTOGRÁFICA partes da floresta tropical se transformem em savana. Um fungo começa
DA NAT GEO (CONDOR); AP IMAGES (CHERNOBYL); NASA a matar milhões de
(OZONO); NATALIE B. FOBES (EXXON); CHARLIE HAMILTON
JAMES (MARFIM); KAREL BARTIC/SHUTTERSTOCK (MERO);
exemplares de várias
SARAH LEEN (BOMBAS DE GASOLINA); JOEL SARTORE, ARCA espécies de morcegos
FOTOGRÁFICA DA NAT GEO (LINCE-IBÉRICO); CRAIG CUTLER americanos.
(ARROZ); JOEL SARTORE (RÃS); PARAMOUNT CLASSICS,
PHOTOFEST (AL GORE); PJ RESNICK/SHUTTERSTOCK (EÓLICA);
MUSEU NACIONAL DO MOTOR, GETTY IMAGES (TESLA); GETTY
IMAGES (PRESTIGE); INGO ARNDT (ABELHA); STEPHEN ALVAREZ COLAPSO DAS CORTE DE
(MORCEGO); LAURI PATTERSON, GETTY IMAGES (HAMBÚR- 2006 COLÓNIAS DE 2006 BARBATA-
GUER); CHARLIE RIEDEL, AP PHOTO (DERRAME PETROLÍFERO);
OBSERVATÓRIO DA TERRA DA NASA, JOHN SONNTAG
ABELHAS NAS DE TUBARÃO
(LARSEN C); MATTHEW ABBOTT, NEW YORK TIMES (AUSTRÁLIA); Apicultores começam 26 a 73 milhões de APOCALIP SE ANFÍBIO
VICTOR MORIYAMA, GETTY IMAGES (AMAZÓNIA) a relatar o misterioso tubarões são mortos 1997 Confirma-se que a quitridiomicose, um fungo
GRÁFICO DA EQUIPA DA NGM. FONTE: NASA desaparecimento de anualmente pelas suas que devora a pele e é disseminado pelos seres huma-
EXTINÇÃO DE MAMÍFEROS obreiras, que conduz barbatanas. Este número nos, tem abatido milhares de rãs e salamandras. Já se
50º DIA 2016 É a primeira causada pelas alterações climáti- ao colapso de muitas ameaça a viabilidade das extinguiram noventa espécies. É um dos agentes pa-
DA TERRA
DA TERRA colónias. populações .
50° DIA
2020 cas: o Melomys rubicola, um roedor australiano. togénicos mais destrutivos de que há conhecimento.
2020
2011
2010
2012
2017
2015
2013
2014
2019
2018
2016
2001
1997
1995
1999
1998
1996
2002
2007
2005
2003
2004
2009
2008
2006
2000
MILHÕES
a venda, a partir de Líderes de 195 países concordam em limitar o pública sobre as altera- e eléctrico produzido mento sustentável no ções Climáticas divulga
europeia proibe ACORDOS DE PARIS SOBRE O CLIMA a consciencialização com motor a gasolina gurar o desenvolvi- mental para as Altera-
2015
Uma directiva niente” contribui para primeiro automóvel um programa para asse- O Painel Intergoverna-
6.100
DE USO ÚNICO EM 2010 “Uma Verdade Inconve- O Toyota Prius, o É lançada a Agenda 21, DO IPCC
EM 2000
PLÁSTICOS MUNDIAL AL GORE ÇÃO HÍBRIDA MUNDIAL TERRA NO RIO PROJECÇÃO
FIM DOS P AÇÃO O FILME DE A REVOLU- AÇÃO C I M E I R A DA PRIMEIRA
2019 7.600 MILHÕES 2006 2000 1992 1990
2010 2000
N AT I O N A L G E O G R A P H I C . P T | ABRIL 2020
50º ANIVERSÁRIO
DIA DA TE RR A
NÚMERO ESPECIAL
DIA DA
TERRA
HÁ 50 ANOS
CELEBRÁMOS
O PRIMEIRO
DIA DA TERRA.
ONDE ESTAREMOS
DAQUI A
50 ANOS?
OS SINAIS
NÃO SÃO
ANIMADORES.
Não se sinta
demasiado
pessimista.
Vire a revista
e encontrará
um guia para
optimistas com
o relato de uma
viagem em
carro eléctrico
e a opinião
de jovens
activistas.
I M AG E N S DA
D E VA S TA Ç Ã O
GUIA DO
P E S S I M I S TA
Animais em risco
Alerta em Veneza
N A T E L E V I SÃO
P RÓX I M O N ÚM E RO
A EXPERIÊNCIA
DA INDÚSTRIA
PAPELEIRA
A plantação de florestas com diferentes
espécies em Portugal tem permitido ensaiar
estratégias de gestão, monitorização
e proteção florestal, que resultaram
no desenvolvimento de conhecimento
e tecnologia sobre como interagir no solo,
nos recursos hídricos, na biodiversidade
e no controlo de riscos. Com décadas
de conhecimento e experiência científica,
a indústria papeleira nacional tem apostado
nos recursos tecnológicos para o constante
aperfeiçoamento da gestão das suas florestas,
nomeadamente no estabelecimento
de mosaicos em que coexistem as espécies
de produção, tornando estas áreas mais
eficientes e sustentáveis, e acrescentando,
assim, mais valor ambiental e socioeconómico
à fileira florestal.
REVÉS NUCLEAR
Um turista em Chernobyl,
na Ucrânia, enverga uma
máscara de gás para tirar
uma selfie perto da
estrutura de contenção em
redor do reactor nuclear
que explodiu em 1986.
A radiação (revelada
nesta imagem composta
por fotografia e imagem
por espectrómetro de
radiação gama) ainda emana
dos materiais contaminados,
mas as breves visitas ao local
são seguras. O episódio de
Chernobyl ajudou a reduzir
as perspectivas futuras da
energia nuclear, uma fonte
de energia livre de carbono.
MIKE HETTWER
(COM WILLY KAYE, H3D)
ESTAMOS
EM APUROS
O NOSSO CONSUMO IRRESPONSÁVEL E A EXPLORAÇÃO EXCESSIVA
DE RECURSOS TORNARAM O MUNDO UM LUGAR MAIS MORTAL
PARA NÓS E PARA A RESTANTE VIDA NA TERRA.
AMEAÇA PLÁSTICA
Um cardume nada
em torno de um saco de
plástico perto de Taiwan.
Estima-se que 8,8 milhões
de toneladas de resíduos
plásticos entrem
no oceano anualmente,
matando milhões
de animais marinhos.
MAGNUS LUNDGREN,
NATURE PICTURE LIBRARY
PIORES INCÊNDIOS
Homens esquivam-se de
fagulhas enquanto tentam
salvar uma casa na
Califórnia, durante um
incêndio de 2017. Foi o
maior incêndio do estado
mas o recorde durou
pouco: foi ultrapassado
por um incêndio no Verão
de 2018. Na Califórnia
e noutras regiões, o
clima mais quente e
seco alimenta incêndios
cada vez maiores.
MARCUS YAM, LOS ANGELES TIMES
PERDER O LUGAR
A imagem de um jaguar
é projectada numa cerca
ao longo da fronteira
entre os EUA e o México.
É o esforço do fotógrafo
para chamar a atenção
para o modo como
as barreiras podem
prejudicar a vida
selvagem, bloqueando
o acesso aos habitats.
Um quarto de todos
os mamíferos está
ameaçado de extinção.
ALEJANDRO PRIETO
NO 50.º ANIVERSÁRIO DO DIA DA TERRA, PERGUNTAMOS: ONDE ESTAREMOS EM 2070?
G U I A D O P E S S I M I STA
singular da his-
A INACÇÃO PARA GERIR AS “ E S TÁ A C H E G A R AO F I M U M D I A
tória americana”, disse o jornalista Walter Cronkite
Hoje em dia, há quase oito mil milhões de pessoas e cerca de 1.500 milhões
de veículos no planeta. O consumo global de petróleo mais do que duplicou,
bem como o consumo de energia. O consumo de carne de porco per capita
quase duplicou e o consumo de carne de aves quase quadruplicou. A captura
global de pescado aumentou cerca de metade, apesar de a sobrepesca ter tor-
nado o peixe cada vez mais difícil de encontrar.
No entanto, as pessoas não se limitaram a sobreviver. Na maior parte dos
aspectos, até prosperaram. A esperança de vida
global aumentou de 59 anos em 1970 para 72
anos na actualidade. Embora o número de seres
humanos do planeta tenha mais do que duplica-
do, o número de pessoas que vive em condições
de pobreza extrema foi reduzido para metade.
Numa análise retrospectiva, alavancando o
MESMO QUE COMEÇÁSSEMOS conhecimento entretanto adquirido, é fácil ver
A REDUZIR AS EMISSÕES HOJE, como as previsões de Hugh Downs estavam er-
O PROBLEMA DAS ALTERAÇÕES radas. Não anteviram inovações como a Revolu-
AUMENTO DO NÍVEL
DO MAR
quase sempre
TO D O S O S A N O S , episódios ocorreu em Novembro
CHEIAS
depois de uma chuvada forte, as man- de 2019, submergindo 70% da cidade.
chetes repetem-se. Veneza está inun- A prioridade mais urgente pode
dada e a afundar-se, o que conduz ao ser salvar os tesouros de Veneza.
EM VENEZA
câmara de Veneza, Luigi Brugnaro, igrejas danificados para transferir
assegura que a cidade “voltará a objectos preciosos para andares
brilhar”, mas poderá a ilha sobreviver superiores e equacionam transferên-
num mundo em aquecimento? cias para fora de Veneza.
A VA G A D E
T U R I S TA S F O I O nível do mar na lagoa de Veneza Estas acções são apenas uma
A PRIMEIRA A está dez centímetros mais elevado do panaceia enquanto se aguarda pelo
AT I N G I R A C I D A D E . que há 50 anos. O Painel Intergover- projecto de defesa MOSE do governo
O MAR PODE SER namental das Nações Unidas sobre italiano, que utilizará paredões
A Ú LT I M A E A Mudanças Climáticas calcula que os gigantes para isolar a lagoa. Progra-
M A I S D E S T R U T I VA .
episódios de cheias intensas, que anti- mado para 2011, foi atrasado por
gamente ocorriam de século a século, derrapagens orçamentais e disputas.
ocorram agora de 6 em 6 anos até 2050 As autoridades esperam que o sistema
e de 5 em 5 meses até 2100. Um desses comece a proteger Veneza em 2022.
FOTOGRAFIAS: JOEL SARTORE, ARCA FOTOGRÁFICA DA NATIONAL GEOGRAPHIC; MIGUEL MEDINA, AFP VIA GETTY IMAGES
ANIMAIS | G U I A D O P E S S I M I S TA
ESTES ANIMAIS V U L N E R ÁV E L
Coala
EM VIAS DE
E XT I N Ç ÃO
Tartaruga-de-pente
Vive em águas tropicais
e subtropicais do planeta.
A tartaruga-de-pente
é caçada pelos seus ovos,
carne e bonitas carapaças, A M E AÇ A D O
transformadas em peças
decorativas. É provável
Grou-coroado-oriental
A população deste grou
que existam menos
africano decaiu de mais
de 25 mil fêmeas
de cem mil indivíduos para
reprodutoras. A tartaruga
cerca de trinta mil nos últi-
retratada em cima foi
mos 35 anos. Com uma altura
fotografada no
média de cerca de um metro,
Zoológico e Hospital
esta ave elegante foi alvo
Veterinário de Vida
de caça furtiva e da
Selvagem da Austrália.
destruição do habitat nas
zonas húmidas onde se
reproduz e caça. O grou
retratado é um animal
em cativeiro do Parc
des Oiseaux, em França.
N AT I O N A L G E O G R A P H I C DAVID LIITTSCHWAGER
D I A DA T E R RA 2 070
6 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À medida que as minas se espalhavam, Glenn Mais de uma década depois, ouvi esta palavra
começou a reparar num tema comum às reacções invulgar enquanto assistia a um filme sobre a
emocionais de alguns habitantes do vale. Eles sa- seca. Descobri dezenas de milhares de resultados
biam que as minas eram a fonte da sua tristeza, relacionados. Encontrei artigos académicos, con-
mas tinham dificuldade em escolher as palavras ferências e reportagens e até uma exposição de
precisas para exprimir os seus sentimentos. “Era escultura em Nova Jersey, um álbum pop na Aus-
como se estivessem a sentir algo semelhante a trália, um concerto de música clássica na Estónia,
saudades de casa, só que nenhum abandonara o todos inspirados pela palavra de Glenn Albrecht.
seu lar”, explica. Ocorreu-me que o conceito de solastalgia pare-
Aquilo que estava a acontecer, pensou, era cia marcar uma nova fronteira no nosso relaciona-
que a degradação física do vale estava a minar mento com o ambiente, o reconhecimento de uma
a felicidade que as pessoas ali tinham sentido. mistura de emoções que várias pessoas sentiam, à
E, por isso, à medida que as minas transforma- medida que paisagens outrora familiares se torna-
vam o verde dos campos em cinzento, os mora- vam irreconhecíveis. Todos sabemos que os seres
dores sentiam aquilo a que Glenn chamou “so- humanos estão a mudar o planeta, mas neste caso,
lastalgia”, um sentimento definido como a dor de e nesta nova palavra, havia um traço da forma
perder a felicidade do lar. como essas alterações estão a mudar-nos.
UM MUNDO PERDIDO 7
“Se a linguagem não for suficientemente rica minha pena ao ver a beleza de tais paisagens desa-
para nos permitir descrever e compreender estes parecer tão rapidamente”, escreveu. “A devastação
fenómenos, temos de criá-la”, disse Glenn quando do machado aumenta diariamente. Os mais no-
o visitei na sua casa, em Hunter Valley. “Por que bres panoramas tornam-se desolados e, frequen-
razão não possuímos uma palavra que correspon- temente, com uma arbitrariedade e um barbaris-
da a um sentimento humano?”, perguntou. Espe- mo dificilmente credíveis numa nação civilizada.”
cialmente um sentimento “que é profundo, óbvio, A minha mãe experimentou uma versão me-
sentido em todo o mundo em diversos contextos e nos grave desse sentimento em meados do sécu-
que provavelmente já foi sentido durante milha- lo XX. Ela cresceu em Long Beach Island, ao lar-
res de anos em circunstâncias semelhantes”. go da costa meridional de Nova Jersey. Nos seus
Pareceu-me uma pergunta válida. Ao longo da pântanos intactos, ela descobriu o seu duradouro
história, as cheias, os incêndios florestais, os sis- amor pela biologia e pelo mar. Durante a década
mos e os vulcões, bem como as civilizações expan- de 1950, a construção imobiliária acelerou quando
sionistas e os exércitos conquistadores, alteraram os turistas ricos do continente compraram terra e
definitivamente paisagens amadas e perturbaram edificaram as suas casas de férias. “Percebi qua-
sociedades. Os nativos americanos tiveram esse se imediatamente o que estava a acontecer”, diz.
“Fiquei furiosa. Andei por todo o lado a
arrancar os postes dos agrimensores.”
Faz parte da nossa espécie dinâmica
reconfigurar as paisagens de maneira a
satisfazer as suas necessidades e dese-
jos, mas a escala e ritmo da transforma-
ção no século XXI não tem precedentes.
Com a nossa população a aproximar-se
“SÓ POSSO EXPRIMIR A MINHA PENA rapidamente da cota de 8.000 milhões
de pessoas, os seres humanos estão a
AO VER A BELEZA DE TAIS PAISAGENS alterar mais o planeta do que em qual-
DESAPARECER TÃO RAPIDAMENTE.” quer época histórica. Continuamos
THOMAS COLE, PINTOR DA ESCOLA DE HUDSON RIVER a abater florestas, a emitir carbono
e a despejar substâncias químicas e
plástico na terra e nos cursos de água.
E, como resultado, sofremos vagas de
calor ruinosas, incêndios florestais, sur-
tos de tempestade, glaciares em fusão,
subida do nível dos mares e outras for-
mas de destruição ecológica. Tudo isto
sentimento quando os europeus transformaram a causa rupturas políticas, logísticas e financeiras.
América do Norte. “Esta terra pertencia aos nos- E também cria desafios emocionais.
sos pais”, disse Satanta, um chefe dos kiowa do Só nos últimos anos é que os cientistas come-
século XIX. “Mas quando vou ao rio [Arkansas], çaram a dedicar recursos ao estudo da associação
vejo acampamentos de soldados nas margens. entre alterações ambientais e saúde mental. Na-
Estes soldados cortam as minhas árvores, matam quele que é o maior estudo empírico feito até à
os meus búfalos: e quando vejo isso, parece que o data, uma equipa coordenada por investigadores
meu coração vai rebentar.” do MIT e de Harvard analisou, entre 2002 e 2012,
A Revolução Industrial produziu alterações ain- os efeitos das alterações climáticas sobre a saúde
da mais radicais na paisagem, com a dissemina- mental de quase dois milhões de residentes nos
ção de metrópoles, caminhos-de-ferro e fábricas. EUA aleatoriamente seleccionados. Descobriram
Quando o vale do Hudson, em Nova Iorque, foi que a exposição ao calor e à seca aumentava o ris-
desmatado para dar lugar à agricultura e alimen- co de suicídio e o número de consultas de psiquia-
tar uma próspera indústria de curtumes, o pintor tria. Além disso, as vítimas de furacões e cheias
oitocentista Thomas Cole lamentou a destruição tinham maiores probabilidades de sofrer pertur-
das suas adoradas florestas. “Só posso exprimir a bação de stress pós-traumático e depressão.
8 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
As emoções podem ser difíceis de exprimir para Em O Meandro (em árvores. Em Nova Iorque,
cima), o pintor do século lamentou a perda das
as pessoas traumatizadas pela perda de uma paisa- XIX Thomas Cole descre- florestas do vale do rio
gem. “A dor sentida ao perder-se uma terra é com- veu o vale do rio Massa- Hudson, devido à
pletamente diferente de qualquer outra dor, por- chusetts desprovido de expansão da agricultura.
que é difícil de partilhar”, diz Chantel Comardelle,
quando visito a sua comunidade na costa do Loui- Nos últimos anos, viajei para vários locais onde
siana, onde o nível do mar está a subir a um ritmo a paisagem tem sofrido uma transformação dra-
alarmante e a inundar a terra. Chantel nasceu na mática. Quis compreender melhor as alterações
ilha de Jean Charles, uma ilha quase desaparecida físicas ocorridas no solo, mas também a forma
que perdeu 98% do seu território desde 1955. A co- como essas alterações se repercutem nas vidas
munidade fragmentou-se. “Não é igual à perda de dos habitantes. Só um punhado de pessoas ouvira
um ente querido, nem qualquer outro fenómeno a palavra solastalgia, mas muitas partilharam des-
que as outras pessoas compreendam”, afirma. crições inesquecíveis da experiência que a palavra
Nesta era de alterações climáticas globais, há pretende definir. Defrontam-se, por um lado, com
mais pessoas que compreendem bem. À medida os tremendos desafios práticos causados pela per-
que a ilha de Jean Charles se desintegrava, Chan- da de uma paisagem e, por outro, com o complexo
tel e outros líderes locais decidiram contactar ou- sofrimento emocional de perda do seu sentimen-
tras pessoas que enfrentam os mesmos desafios. to de pertença a um sítio do mundo.
“Há uma comunidade no Alasca que está a passar Por enquanto, solastalgia é uma palavra a vi-
pela mesma situação”, conta, referindo-se à aldeia brar nas margens da língua e Glenn Albrecht es-
yupik de Newtok, também confrontada com um pera que ela perdure ali. “É uma palavra que não
processo de afundamento agudo e perda de terra. deveria existir, mas teve de ser criada por cir-
“Conseguimos sentar-nos e conversar… Tínhamos cunstâncias difíceis”, afirma. “Agora tornou-se
quase os mesmos sentimentos, as mesmas emo- global. Isso é terrível… Vamos livrar-nos dela!
ções”, diz. “Percebi que não estava tão sozinha. Isto Vamos livrar-nos das circunstâncias, das forças
não é só uma invenção da minha cabeça. É real.” que criam solastalgia!” j
E M B A I XO
6 5 , 5 0° N , 1 7 1 ,70° O
10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Caçadores chukchi No entanto, a caça
desmancham uma poderá desaparecer em
baleia-cinzenta perto breve, à medida que a
de Lorino. A carne plataforma de gelo
será distribuída pela costeiro que se forma no
comunidade. A caça Inverno diminui devido
assegurou a sobrevivên- às alterações climáticas.
cia dos chukchi em “Os animais de que nos
muitas épocas de alimentamos precisam
dificuldade, incluindo desta plataforma”,
o colapso da União afirma Eduard Ryphyr-
Soviética, quando não gin. “ E nós precisamos
havia nada nas lojas. desta plataforma.”
À D I R E I TA
Uma comunidade de
casas móveis em
Paradise, na Califórnia, foi
um dos muitos bairros
destruídos pelo incêndio
de 2018. Este incêndio, o
mais mortífero e
destrutivo de que há
registo, matou 86
pessoas e causou a
deslocação de dezenas
de milhares na região,
queimando quase toda a
cidade de Paradise
(26 mil habitantes).
E M B A I XO
Muller captou este
retrato de Don Criswell
a tocar piano para a
mulher, Debbie, na sua
casa, uma das poucas que
sobreviveu em Paradise.
Antes do incêndio, Don
chegava a actuar cinco
noites por semana em
Paradise. “Passou a zero
noites num instante”,
diz. O casal mostra-se
grato por a sua casa não
ter ardido, mas a cidade
que conheciam desapa-
receu. Quando estão em
casa, diz Debbie, “conse-
guimos fingir que tudo
está bem. Mas quando
andamos de carro,
lembramo-nos de que o
lugar que conhecíamos
desapareceu”.
3 9,7 5 ° N , 1 2 1 , 6 1 ° O
14 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Gwen Nordgren casa de reforma”, um
senta-se para tirar uma lugar preenchido por
fotografia junto da 15 anos de recordações.
piscina, ao lado das A piscina ocupa um
ruínas carbonizadas da lugar especial nas suas
sua antiga casa em memórias. “De manhã,
Paradise, na Califórnia. vestia o fato de banho,
Dois meses após o entrava nesta bela
incêndio, Gwen piscina e sentia-me
permitiu que Muller a uma rainha. Olhava
acompanhasse neste para cima e via este
regresso, para se magnífico céu azul
despedir da “perfeita da Califórnia”, conta.
À D I R E I TA
E M B A I XO
Norberto Vega,
presidente do festival,
abraça um jovem após a
cerimónia. “Cada ano que
passa, vejo os glaciares
afastarem-se mais e sinto
vontade de chorar”, diz.
“Sentimo-nos impoten-
tes… Já levámos
especialistas ao glaciar,
para encontrarmos
maneiras de mantê-lo
ou de controlar o seu
desaparecimento.
Mas não conseguimos
encontrar uma solução.
Sinto grande tristeza
porque sei que, daqui
a algum tempo, não
vou poder praticar os
rituais que são feitos no
santuário, sobre o gelo.”
1 3 , 5 4° S , 7 1 , 2 3 ° O
18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Juntos à volta de velas,
antes da alvorada,
homens da Nação
Quispicanchi, do Peru,
celebram o Qoyllur Riti
por baixo de um glaciar.
Os peregrinos acreditam
que os glaciares
possuem propriedades
curativas. No entanto,
como o gelo recuou de
forma dramática, agora é
proibido cortar pedaços
do glaciar. “Antigamente
usávamos o gelo como
remédio”, diz Norberto
Vega. “Basta passarmos o
gelo por cima [do nosso
corpo] para nos sentir-
mos logo melhor e isso
tem que ver com a fé.”
À ESQUERDA
As marés e as tempesta-
des inundam frequente-
mente a única estrada
que liga a ilha de Jean
Charles ao território
continental dos EUA,
isolando as seis dezenas
de habitantes que
restam na ilha. Antiga-
mente a ilha tinha 8.900
hectares. Agora tem 130.
“Não sabíamos que a
terra à nossa volta estava
a desaparecer... Ia
desaparecendo, aos
bocadinhos, e agora já se
foi”, diz Albert Naquin,
chefe da banda da ilha,
da tribo Biloxi-Chitima-
cha-Choctaw.
E M B A I XO
Bayah Bergeron, de 8
anos, apanha bagas junto
de uma casa abando-
nada do outro lado da
rua. A família de Bayah é
uma entre muitas que
ponderam abandonar a
ilha, em busca de uma
vida nova no continente.
Mas Bayah está preocu-
pada com o seu amigo
Avery, cuja família pensa
em ficar. “Talvez a família
não se mude, mas o resto
das pessoas deve partir
e eu vou ficar muito
triste por deixar
a minha amiga.”
2 9, 4 0 ° N , 9 0 , 4 9 ° O
UM MUNDO PERDIDO 23
Chantel Comardelle e
a família sentam-se
para tirar o retrato na casa
dos avós, na ilha de Jean
Charles. Os seus antepas-
sados chegaram aqui na
década de 1820, mas a
subida das águas no golfo
do México está a engolir
a ilha. Chantel (sentada
à mesa) ajuda os morado-
res a reinstalarem-se no
continente. Os seus
sentimentos são difíceis
de explicar. “Não consigo
dizer simplesmente: ‘Você
sabe como é a dor de
perder um ente querido.’
Este sentimento de perda
de uma terra e tudo o
que está associado a essa
terra é muito diferente.”
DIAS PERIGOSOS
Desde 1970, a temperatura média global subiu
0,17°C por década, mais do dobro da taxa de
crescimento em todo o século XX. A frequência e
duração das vagas de calor continuarão a aumen-
PHOENIX, NOS ESTADOS UNIDOS, tar, atingindo um número inédito de dias nos quais
San José,
Costa Rica
0 8
PARIS, MONTEFIASCONE,
FRANÇA ITÁLIA
DAR-ES-SALAM, RAYONG,
TANZÂNIA TAILÂNDIA Taxa de mortalidade no final do século
(alteração em óbitos por 100.000 desde 2012)
-20 0 20 40
Média dos EUA (9,2)
Vagas de calor frequentes Limites humanos
Um estudo da vaga de calor de Com temperaturas elevadas, os nossos
2019 apurou que, em França e na corpos não conseguem libertar calor
Holanda, essas ocorrências são com rapidez para regular a tempera-
agora dez vezes mais prováveis tura interna. A humidade também
devido às alterações climáticas. torna a sudação menos eficaz.
Paris, França
0 7
Montefiascone, Itália
1 49
Diminuição da
força de trabalho
A Ásia Austral sofrerá os
efeitos mais graves. 43 milhões
de postos de trabalho,
Chowki Jamali, sobretudo no sector agrícola,
Baluchistão Rayong, perder-se-ão nos próximos
Tailândia dez anos devido ao calor.
2005 2080
24 214
181 241
dias acima 35°C
Dar es-Salam
5 118
Consumida pelas chamas
Os arbustos e as ervas secas são o
combustível ideal para incêndios
florestais de maiores proporções.
Em 2019 (o ano mais seco na
Austrália de que há registo), a
época dos fogos começou mais
cedo e tornou-se uma das mais
destrutivas de sempre no país.
T E N TA N D O R E F R E S C A R - S E 1.500
Desigualdade na Ásia
Com o aumento do calor, da população e Em 2016, só 4% dos
agregados familiares na Índia
dos rendimentos, a Agência Internacional possuíam ar condicionado.
da Energia prevê que o número de Em Singapura, a cobertura
aparelhos de ar condicionado, ventoinhas era de 85%.
e desumidificadores venha a duplicar até
2050, para mais de oito mil milhões. 1.000
Ciclo vicioso
As alterações climáticas
produzem necessidade de
Uso de energia para
arrefecimento. Mais
arrefecimento arrefecimento gasta mais
por país/região energia e agrava as
em mil milhões de kilowatts/hora alterações climáticas.
500
Energia per capita 2,000
para arrefecimento 1,000
em kilowatts/hora 100
2050
2016
0
Coreia Japão México Brasil União Indonésia Médio Estados China Índia Resto do
do Sul Europeia Oriente Unidos mundo
PLUVIOSIDADE
451
MÉDIA
168 mm 90 154
M A S M E N O S ÁG UA
A agricultura é responsável por
mais de dois terços da extracção Extracção histórica e projectada
de águas subterrâneas. Ecossis- de água de aquíferos
temas estão a ser postos em em quilómetros cúbicos por ano*
perigo, pois a água é extraída de
aquíferos que não podem ser
recarregados.
NAT CASE, INCASE, LLC. FONTES: ATLAS AQUEDUCT PARA OS RISCOS DE ÁGUA, INSTITUTO MUNDIAL DOS RECURSOS; YUKIKO HIRABAYASHI, INSTITUTO DE
TECNOLOGIA DE SHIBAURA; YOSHIHIDE WADA E MARC FP BIERKENS, ENVIRONMENTAL RESEARCH LETTERS, 2 DE OUTUBRO DE 2014
M A I O R P RO B A B I L I DA D E Portos seguros
DE OS POBRES SOFREREM As cidades mais resilientes
localizar-se-ão nos países com
Muitas cidades e países pobres sofrerão os piores condições climáticas menos extrem
efeitos das alterações climáticas. Pressionadas por e maior capacidade de adaptação,
catástrofes naturais relacionadas com o clima, stress como o Reino Unido e a Holanda.
HANÓI, NO VIETNAME, ambiental e doenças, milhões de pessoas poderão
DO NORTE Paris
Hanói na actualidade Hanói em 2070 FRANÇA
Verão Inverno Verão Inverno Chicago Istambul
Nova Iorque TURQUIA
TEMPERATURA ESTADOS UNIDOS
36,6˚C
32,6˚C (alta) MÉDIA Bagdade Teerão
Los Angeles Iraque
20,9˚ 24,3˚ IRÃO
29,1˚ Cairo
25,6˚ (baixa)
EGIPTO
17,6˚ MÉXICO Riade
14,3˚ Cidade Lucsor
do México ARÁBIA Doha
SAUDITA Qatar
PLUVIOSIDADE C
885 mm
MÉDIA
760 ÁFRICA
67 67 SUDÃO
NIGÉRIA
Bogotá
Vulnerabilidade às Lagos
RÚSSIA
Á S I A
Pequim
Seul, Coreia do Sul
CHINA Xi’an Tóquio
Lahore JAPÃO
Chengdu Xangai
PAQ.
Nova Deli
Calcutá
r Hong Kong
Carachi ÍNDIA Hanói
Mumbai
VIETNAME Manila, Filipinas
Bangalore Banguecoque
Tailândia
Ho Chi
A CRISE É GLOBAL:
Kuala
MALÁSIA
Minh City
O CLIMA EM RÁPIDO
Fora deste mundo
Lumpur
AQUECI MENTO, AS
Há 67 cidades que não têm
qualquer previsão análoga no
futuro. Prevê-se que o seu clima
Jacarta
INDONÉSIA
TAXAS DE EXTINÇÃO
em 2070 não terá precedentes
nem semelhanças com qualquer CRESCENTES
lugar da Terra na actualidade.
E O CRESCIMENTO
OCEÂNIA
DEMOGRÁFICO A
SUFOCAR CADA VEZ
MAIS A NATUREZA.
Kinshasa,
Manila, Filipinas R.D. Congo
desafio
Jacarta, Indonésia
em Kuala Lumpur, Lagos,
gráfico Malásia Bagdade, Iraque Nigéria
des mais
idade
Banguecoque, Ho Chi Minh City,
rcidas Tailândia Vietname
erviços.
Bengaluru Carachi,
Riade,
Arábia Saudita Mumbai Paquistão Luanda,
n Angola
Ahmadabad Chennai
Xangai
Haiderabe
Lahore,
Chengdu Paquistão
Shenzhen Nova Deli Cairo,
Dongguan Surat Dacca, Egipto
Xi'an Calcutá Bangladesh
Chongqing Desafio de África
Índia Algumas cidades em rápido
crescimento situam-se
em África: dois terços enfrentam
a riscos extremos devido às N AT I O N A L G E O G R A P H I C
alterações climáticas.
Ásia África
O MUNDO EM 2070 33