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GUIA DO
O P T I M I S TA

DIA DA
TERRA
HÁ 50 ANOS
CELEBRÁMOS
O PRIMEIRO
DIA DA TERRA.
ONDE ESTAREMOS
DAQUI A
50 ANOS?
OS SINAIS SÃO
ANIMADORES.

Não se sinta
demasiado
optimista. Vire
a revista e
encontrará um
guia para
pessimistas
com um estudo
sobre a factura
psicológica que
as mudanças
climáticas nos
transmitem.

ILUSTRAÇÃO: ANDY GILMORE


2070
N AT I O N A L G E O G R A P H I C
ABRIL 2020

E D I TO R I A L

A S UA F OTO

I M AG E N S D E
S A LVA Ç Ã O

O CAMINHO EM LUTA PELO CINQUENTA ANOS


PARA 2070 SEU FUTURO DE PROGRESSO
Dois jornalistas da Milhões de crianças Nos países ricos, o ar,
National Geographic tornam-se adultos a água e o solo são
empreenderam uma à medida que o gelo mais limpos do que
viagem de costa a costa derrete e a temperatura eram há 50 anos. Mapa-suplemento
nos EUA utiliz2ndo média global aumenta. O desafio que temos Onde devemos concentrar os
automóveis eléctricos Cansadas dos líderes pela frente é transpor- esforços de conservação para
para descobrir se o país políticos que não tar estas melhorias sermos bem-sucedidos?
está preparado para combatem estas para todo o planeta.
se libertar dos questões, as novas Nesta cronologia, Na capa
combustíveis fósseis. gerações de activistas revisitamos os marcos Ilustração optimista de
T E XTO D E C RA I G W E LC H ambientais estão mais importantes das como será o nosso planeta
F O T O G R A F I A S D E D AV I D a fazer-se ouvir. últimas cinco décadas daqui a 50 anos.
GUTTENFELDER T E X T O D E L A U R A PA R K E R em matéria ambiental. IMAGINARY FORCES

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A B R I L | EDITORIAL

D I A DA T E R RA 2 070

O QUE ACONTECERÁ
AO PLANETA?
POR SUSAN GOLDBERG

que a
O D I TA D O É TÃ O C O N H E C I D O
maioria de nós consegue terminar a
frase. Quem não recorda o passado…
está condenado a repeti-lo.
É um lembrete adequado este mês,
enquanto comemoramos o 50.º aniver-
sário do Dia da Terra. Para a ocasião,
criámos a primeira edição “reversível”
da National Geographic (essencialmente
duas revistas numa só) para revisitar
os marcos ambientais do último meio
século e olhar para o mundo que os nos-
sos descendentes habitarão em 2070, no
100.º aniversário do Dia da Terra.
Há dois cenários possíveis.
Numa das primeiras páginas da
revista, mostramos-lhe a Terra ver-
dejante. É a visão optimista de Emma
Marris, que vê um mundo em mudança, ondas de calor mais letais, tempestades
no qual não se podem desfazer alguns mais violentas e muito mais. Elizabeth
danos já causados, mas um mundo em não encontra evidências de que essas e
que as tecnologias serão aproveitadas outras ameaças sejam abordadas com
para “alimentar uma população maior, rapidez suficiente para impedir uma
fornecer energia a todos, começar a sobrecarga fatal sobre o homem e o
inverter as alterações climáticas e evitar mundo natural.
a maior parte das extinções”, escreve Éimpossívelsaber quem está certo. As
a jornalista. “O desejo de acção por reportagens desta edição reflectem reali-
parte do público está a manifestar-se dades divergentes. Quando leio notícias
nas ruas. Tal como em 1970, estão nova- sobre a participação de muitos jovens no
mente em jogo mudanças de atitude movimento ambiental, sinto-me ani-
importantes. Acredito que iremos criar mada. Depois, vejo as fotografias de Pete
um bom 2070.” Muller que retratam paisagens com cica-
De seguida, vire a revista e encon- trizes que nunca voltaremos a recuperar.
trará uma imagem da Terra mais acas- ÀNationalGeographic compete fornecer
tanhada. Elizabeth Kolbert analisa o uma moldura factual sobre o que está a
fenómeno conhecido como “cheias acontecer, o que já mudou para sempre e
nos dias de sol”, quando a maré alta o que podemos salvar. Com informação,
inunda cidades costeiras e torna ina- podemos fazer a diferença.
bitáveis a maioria dos atóis. Este é o Obrigado por ler a revista National
mundo de secas mais prolongadas, Geographic. j
V I S Õ E S | A SUA FOTO

V Í T O R M U R TA Elemento importante na defesa do território conquistado aos mouros, no século XII, o imponente Castelo de
Leiria torna-se ainda mais belo ao final da tarde. A luz solar expõe pormenores da arquitectura.

R U I M A R T I N S A lagoa do Covão das Quelhas é uma das paisagens naturais mais impressionantes da serra da Estrela, recen-
temente distinguida pela UNESCO como geoparque. As cores de Inverno pintam a região com tons inesquecíveis.
J O Ã O M A I A Em viagem pela Austrália, o autor começou pela Tasmânia. Durante um voo de drone, encontrou esta estranha
formação geológica em forma de peixe. O nome local é Salmon Rock, a rocha-salmão.
SAIREMOS
DESTAENGENHO, COMPAIXÃO E PERSISTÊNCIA
AJUDAR-NOS-ÃO A ENCONTRAR SOLUÇÕES PARA
ALGUNS DOS MAIORES PROBLEMAS DO PLANETA.

CONSERVAR
COM CUIDADO
Um elefante órfão é
consolado por um tratador
de animais selvagens no
Santuário de Elefantes de
Reteti, no Quénia,
o primeiro santuário de
elefantes comunitário de
África. Reteti já integrou,
com sucesso, seis órfãos
em manadas selvagens.
AMI VITALE
NOVA
ENERGIA
No Sul de França,
35 países estão a construir
o ITER, um reactor
termonuclear experimen-
tal, num esforço para
controlar a fusão nuclear,
o processo que alimenta
as estrelas e é, potencial-
mente, uma fonte quase
ilimitada de energia
neutra em carbono.
ORGANIZAÇÃO ITER / EJF RICHIE
AGRICULTURA
ALTERNATIVA
Ao largo de Noli, em Itália,
um mergulhador colhe
tomate em Nemo’s Garden,
uma exploração subaquá-
tica experimental onde as
plantas são cultivadas sem
solo nem pesticidas.
Poderá ser a solução para
locais sem solo arável.
ALEXIS ROSENFELD, GETTY IMAGES
A VIDA ENCONTRA
SEMPRE SOLUÇÃO
Uma cabeça de boneca
deitada fora em Freshkills
Park, em Staten Island
(EUA) foi colonizada. Em
tempos a maior lixeira do
mundo, este espaço com
890 hectares está a ser
transformado numa zona
de recreio com quase o
triplo do tamanho de
Central Park.
LAURA WOOLEY
NO 50.º ANIVERSÁRIO DO DIA DA TERRA, PERGUNTAMOS: ONDE ESTAREMOS NÓS EM 2070?

G U I A D O O P T I M I STA

A VIDA SERÁ DIFERENTE A MINHA MÃE está a coser um fruto de eucalipto a


um vestido feito num tecido drapeado verde-pálido,
E MAIS QUENTE EM 2070. rindo-se com os seus amigos. Tem 19 anos. Estamos
em Fevereiro de 1970, poucos meses antes do pri-
MAS SABEREMOS LIMITAR meiro Dia da Terra, e os alunos da Faculdade Esta-

AS EMISSÕES DE dual de San Jose estão a organizar uma “Feira da


Sobrevivência”, durante a qual tencionam enterrar
CARBONO, ABRAÇAR A um jipe amarelo, novinho em folha. O jipe e todos
os motores de combustão vão ser declarados mortos,
NATUREZA E PROSPERAR. por vomitarem os poluentes que contribuíram para
criar a nuvem permanente de poluição que sufoca
TEXTO DE EMMA MARRIS a cidade de San Jose e outras pelo mundo fora.
G U I A D O O P T I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

Segundo o relato de Paul Avery, repórter do “San Francisco Chronicle”, o Maverick


“foi empurrado até à baixa de San Jose, num desfile liderado por três pastores, a
banda da faculdade e um simpático grupo de alunos e alunas que usavam vestidos
verdes semelhantes a mortalhas”.
A minha mãe lembra-se bem desses vestidos, mesmo passados 50 anos. Nesse
dia, os estudantes mostravam-se preocupados com a poluição da água e com a
expansão demográfica, bem como com a poluição atmosférica, mas a minha mãe
sentia-se optimista. “Eu achava que, quando fosse necessário, os seres humanos
fariam o que tinham de fazer”, afirma. E, num certo sentido, assim o fizemos: nos
EUA, os automóveis são 99% menos poluentes do que
eram naquela altura, graças às leis contra a poluição.
Eu não herdei o talento da minha mãe como costu-
reira. Aos 41 anos, ainda lhe levo as minhas roupas para
arranjar, mas partilho o seu optimismo e, nos dias que
correm, há novas estratégias a desenvolver.
Após 15 anos a escrever reportagens sobre o ambien-
te para publicações científicas e populares e um livro
sobre o futuro da conservação, ainda me sinto frequen-
temente esmagada pela teia de problemas que enfren-
tamos: alterações climáticas, extinções de plantas e ani-
mais, injustiça ambiental generalizada. São todas mais
difíceis de resolver do que as nuvens da poluição.
O que me dá esperança? Já dispomos do conheci-
mento e da tecnologia de que precisamos para alimen-
tar uma população maior, fornecer energia a todos,
começar a inverter as alterações climáticas e evitar a
maior parte das extinções. O desejo de acção por parte
do público está a manifestar-se nas ruas. Em Setembro
de 2019, cerca de seis milhões de pessoas em todo o
mundo aderiram à “greve climática”. Tal como em 1970,
estão novamente em jogo mudanças de atitude impor-
tantes. Acredito que iremos criar um bom 2070.
Não vai assemelhar-se a 2020, nem a 1970. Não pode-
mos desfazer aquilo que já está feito: não conseguimos
Um exemplo recuar no tempo. A mudança ecológica, económica e
Semanas antes do Dia da social é inevitável. Vamos perder bens que amamos: espécies, lugares, relações
Terra, em Fevereiro de 1970, com o mundo que duraram milénios. Em parte, essa mudança será difícil de pre-
estudantes da Faculdade
Estadual de San Jose ver. Os ecossistemas serão modificados e algumas espécies vão evoluir.
compraram um jipe novo,
empurraram-no até ao centro
Nós também vamos mudar. Muitos de nós aprenderemos a vermo-nos de ma-
da cidade universitária e neira diferente, como uma espécie entre outras, fazendo parte da natureza e não
enterraram-no 3,5 metros
abaixo do solo. A cerimónia agindo contra ela. Prevejo que olharemos para trás, para a transição do século XX
foi uma manifestação contra para o século XXI, como um momento doloroso, turbulento, durante o qual a hu-
a poluição atmosférica,
integrando-se numa “Feira manidade aprendeu a prosperar através de relacionamentos positivos entre os
da Sobrevivência”, que durou
uma semana e deu origem
seres humanos e com as espécies que nos rodeiam.
a um dos primeiros
departamentos de estudos
ambientais do sistema O NOSSO MAIOR DESAFIO É o combate às alterações climáticas. Se nos parecem
universitário dos EUA. agora inultrapassáveis é, em parte, porque nós, enquanto indivíduos, não somos
STAN CREIGHTON, SAN FRANCISCO
CHRONICLE/POLARIS capazes de travá-las. Mesmo que fôssemos consumidores ecológicos perfeitos (recu-
sando-nos a andar de avião, reutilizando os sacos das compras, tornando-nos vegan),
estaríamos presos numa armadilha. Para vivermos, precisamos de comer, de nos
deslocarmos para o trabalho, de nos mantermos quentes no Inverno e frescos no
Verão para conseguirmos trabalhar e dormir. Por enquanto, é impossível fazer tudo
isto na maior parte dos lugares sem emitirmos carbono.
No entanto, a mudança pode ocorrer mais depressa do que muitos imaginam.
Em muitos sítios, os automóveis substituíram os cavalos no espaço de 15 anos.
Durante milhares de anos, vivemos perfeitamente sem plástico e, no espaço de
poucas décadas, ele está em todo o lado. Ao longo da história, fomos simulta-
neamente inventores engenhosos e rápidos a adoptar novas tecnologias. Com a
vontade popular e as políticas públicas correctas, não teremos qualquer problema
em criar novas infra-estruturas de energia e de transporte, fabricar produtos sem
emitir toxinas ou de carbono e substitutos biodegradáveis para o plástico.
Como indivíduos, é muito mais eficaz gastarmos as nossas energias a exigirmos
essas políticas públicas, que transformarão a solução ecológica no caminho mais
barato e mais fácil, em vez de comprarmos as opções ecológicas, dispendiosas e
de nicho de mercado, que hoje se encontram disponíveis. Vejo cada vez mais pes-
soas a aperceberem-se disto e isso também me dá esperança. Não conseguiremos
resolver a crise climática sendo “bons” consumidores. Mas conseguiremos agir
muito melhor sendo bons cidadãos.
Um quarto das emissões é causado pela produção de electricidade e de calor.
Felizmente, havendo vontade política, estas serão as emissões mais fáceis de eli-
minar. “Poderíamos facilmente reduzi-las a meta-
de em dez anos”, afirma Jonathan Foley, director
executivo da Project Drawdown, especialista em
análises de custo-benefício de soluções para as al-
terações climáticas. As energias eólica e solar já es-
tão suficientemente amadurecidas para desenvol-
vimento em larga escala e as baterias necessárias
para armazenar a electricidade estão a tornar-se
NÃO CONSEGUIREMOS RESOLVER
melhores e mais baratas. Entretanto, as empresas A CRISE CLIMÁTICA SENDO
produtoras de carvão estão a abrir falência. “BONS” CONSUMIDORES, MAS
A agricultura, a silvicultura e o ordenamento do
território são áreas mais complicadas. Produzem
CONSEGUIREMOS AGIR MUITO
mais de um quarto das nossas emissões, sobretudo MELHOR SENDO BONS CIDADÃOS.
o óxido de azoto gerado pelo estrume ou pelos adu-
bos sintéticos, o metano expelido pelos animais
domésticos e o CO2 gerado pela queima de com-
bustível e pelos campos. Em 2070, o planeta pode-
rá ter mais de dez mil milhões de habitantes para
alimentar. Como poderemos reduzir o solo usado e
a pegada climática da agricultura e continuar a produzir calorias em quantidade
suficiente para sobrevivermos?
Uma solução consiste em extinguir os subsídios à produção de carne e incen-
tivar mudanças à escala social, no sentido de privilegiar os alimentos vegetais.
A produção de carne de vaca, em particular, consome a maior parte do solo e da
água: para obter um quilograma de carne, é preciso alimentar o animal com cerca
de seis quilogramas de plantas. Felizmente, existe esperança, sob a forma de no-
vas alternativas saborosas à carne, como o Impossible Burger ou a Beyond Meat.
Não acredito que todos seremos vegans em 2070, mas a maioria das pessoas irá
comer muito menos carne do que hoje.
E o que dizer sobre as próprias explorações agrícolas? Os ambientalistas ten-
dem a dividir-se em dois campos. Uns dizem que a agricultura deve tonar-se mais
intensiva, utilizando robots, OGM e grandes volumes de dados para produzir uma
quantidade astronómica de géneros alimentares com uma pegada ecológica mi-
núscula. Outros defendem que as explorações agrícolas deveriam ser mais “natu-
rais”, misturando culturas e reduzindo os químicos tóxicos, deixando as margens
dos campos livres como habitat para os animais selvagens.
G U I A D O O P T I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

Após muitos anos a trabalhar sobre este tema, interrogo-me: porque não ha-
vemos de tomar as duas opções? Podemos ter uma espécie de “quintas verticais”
urbanas em arranha-céus que funcionem com energias renováveis. Podemos ter
também explorações agrícolas ao ar livre, de elevado rendimento e com tecnolo-
gias avançadas, ecológicas e que armazenem activamente o carbono no solo.
O remanescente das nossas emissões de carbono provém da indústria, dos
transportes e dos edifícios. São estas que não deixam Jonathan Foley dormir de
noite. Como iremos remodelar milhares de milhões de edifícios, substituindo os
fornos a gás e as fornalhas a óleo? Como iremos empurrar para fora das estradas
cerca de 1.500 milhões de veículos sorvedores de combustível?
A única alternativa real reside numa promoção governamental da mudança
através de incentivos fiscais e regulamentação. Na Noruega, metade dos novos
carros registados são agora eléctricos, em boa medida porque o governo os isenta
de imposto sobre vendas, tornando-os tão baratos como os automóveis a gasolina.
A venda destes será proibida em 2025. Na cidade de Nova Iorque, foi implemen-
tada, na Primavera passada, uma lei que obriga os edifícios de grande e média
dimensão a reduzir as suas emissões de carbono em mais de um quarto até 2030.
A conversão de edifícios, transportes públicos e automóveis de um país inteiro
como os EUA não será barata, mas vamos encarar esta despesa com racionalida-
de. “O dinheiro de que estamos a falar não é mais do que o que gastámos para
sanear financeiramente os nossos bancos”, afirma Joanthan Foley, referindo-se à
reacção da administração federal perante a crise financeira de 2008.
Sabemos como fazê-lo: eis a mensagem essencial do Projecto Drawdown. Uma
das soluções financeiramente eficientes para as alterações climáticas, segundo
esta concepção, consiste em garantir que as raparigas e as mulheres tenham aces-
so ao ensino e ao controlo da natalidade. Por exemplo, as mulheres do Quénia pas-
saram de 8,1 filhos, em média, na década de 1970 para apenas 3,7 em 2015. Quando
esse declínio foi brevemente interrompido na década de 2000, isso relacionou-se
com uma interrupção do acesso das raparigas ao ensino. Esse esforço contribuirá
para estabilizar a população global e limitar a procura de alimentos e energia.
Para enfrentar as alterações climáticas, mesmo depois de reduzirmos as emissões
globais quase a zero, teremos de investir em métodos capazes de eliminar alguns
gases com efeito de estufa já existentes na atmosfera. As tecnologias necessárias
para o fazermos são promissoras, mas ainda se encontram numa fase incipiente,
excepto no que se refere às árvores, as quais, pelo menos a curto prazo, são boas
para absorver o carbono. As árvores têm outra vantagem: criam florestas, onde os
líquenes crescem, os lagartos dormitam e os macacos gritam uns comos outros, en-
quanto vão devorando figos selvagens. Já passei algum tempo em florestas assim
e a secura da palavra “biodiversidade” nunca será capaz de transmitir o seu valor.

tenham ouvido dizer que, neste preciso instante, está a acon-


TA LV E Z O S L E I T O R E S
tecer a sexta extinção em massa. Esta afirmação baseia-se na elevada taxa de extin-
ções verificada até à data. Há registos de menos de novecentas extinções desde o
século XVI – o que é excessivo, em termos absolutos, mas é provavelmente um valor
subestimado. No entanto, considerando que os cientistas determinaram o diagnós-
tico para mais de cem mil espécies, dificilmente se pode afirmar que se trate já de
uma extinção “em massa”, definida pelos paleontólogos como um período durante
o qual pelo menos três quartos de todas as espécies se extinguem. Se mantivermos
as taxas actuais durante alguns milhões de anos, então poderemos ser confrontados
por uma extinção em massa. Mas ainda não chegámos a esse ponto e, se não nos
deixarmos paralisar pelo desespero, ainda vamos a tempo de mudar de rumo.
Segundo investigações recentes, a maior parte das espécies pode ser salva
e o número de animais selvagens pode voltar a ser abundante caso se combi-
ne a criação de mais áreas protegidas com a recuperação de ecossistemas e a
redução da área das zonas agrícolas. A agricultura ocupa um terço do solo do
planeta. No entanto, se reduzirmos para metade a carne que comemos e os
desperdícios que geramos, se aumentarmos o rendimento das culturas e se co-
mercializarmos os géneros alimentares com maior eficiência, conseguiremos
cultivar os alimentos de que necessitamos em menos solo. Isso criará mais es-
paço para as outras espécies.
O naturalista E.O. Wilson e outros autores apelaram à abordagem da “meia-Ter-
ra”, segundo a qual metade do planeta seria reservada
para áreas bravias, nas quais a actividade humana é
cuidadosamente restringida. Os grandes parques são
necessários para algumas espécies, mas esse esforço
acarreta o risco de deslocação de muita gente. “Eles são
evidentemente necessários e precisamos, provavelmen-
te, de 20% ou mais”, afirma Georgina Mace, especialis-
ta em biodiversidade da University College de Londres
(UCL). “Também precisamos de pessoas a viver com os
animais selvagens, a seu lado e entre eles.” Na sua visão
do futuro, os seres humanos e outras espécies partilham
o espaço em quase todo o lado. “Eu sou uma pessoa da
Terra-toda, não uma pessoa da meia-Terra”, diz.
Acredito que esta forma híbrida de pensar será a
norma em 2070. As fronteiras serão mais esbatidas, os
quintais mais desorganizados. Os corredores de vida
selvagem serpentearão pelo meio das terras agrícolas e
das cidades. As planícies de aluvião armazenarão car-
bono, produzirão alimentos e controlarão as cheias. As
crianças treparão às árvores nos pomares do recreio da
escola para apanharem fruta.
As terras bravias continuarão a existir e os seres hu-
manos continuarão a apaixonar-se por elas, mas vão ter
um aspecto muito diferente do que têm hoje. À medida
que as espécies se deslocarem em resposta às altera-
Locais seguros ções climáticas, as tentativas para impedir a mudança
para os kiwis dos ecossistemas tornar-se-ão impossíveis e, nalguns lugares, contraproducen-
O kiwi, ave não-voadora
endémica da Nova
tes. Em vez disso, devemos preocupar-nos em assegurar que o planeta conserve
Zelândia, sofre com o a maioria das espécies com populações robustas. O conceito purista de que to-
aumento das secas e a
perseguição de preda- das as espécies podem ser classificadas como “nativas” ou “invasoras” deve ser
dores. As crias são bastante abandonado. Os ecossistemas estão em evolução constante e, na sua maioria, há
vulneráveis. Por isso, os
grupos locais de conserva- milhares de anos que são influenciados pelos seres humanos.
ção, como a associação
Kiwis for Kiwi, recolhem
A gestão não consistirá em deixar a vida correr naturalmente em todo o lado.
os ovos e as crias e tratam Na Nova Zelândia e noutras ilhas, onde as espécies não-nativas são a maior amea-
deles em locais seguros
até serem capazes de se ça às amadas espécies autóctones, talvez possamos utilizar armadilhas humani-
alimentarem eficiente- zadas ou engenharia genética para remover os recém-chegados. Noutros lugares,
mente e de se prote-
gerem dos predadores. as espécies ameaçadas precisarão de ajuda para se adaptarem. A gestão intensiva
JOEL SARTORE, ARCA
FOTOGRÁFICA DA NATIONAL
vai ser obrigatória para muitas espécies, a curto prazo.
GEOGRAPHIC Em 2070, enormes extensões da Terra serão geridas pelas nações indígenas,
pois a sua soberania será por fim levada a sério. Isso será benéfico para os animais
selvagens, uma vez que, em média, os territórios administrados pelos indígenas
têm mais espécies do que os parques nacionais. Nalguns casos, métodos tradicio-
nais apurados ao longo de milénios poderão ser recuperados. São os mesmos que
criaram as magníficas e prósperas paisagens que os colonizadores encontraram
aquando da sua primeira invasão, confundindo-as com natureza “selvagem”.
G U I A D O O P T I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

dediquei-me à ciência das extinções e das alterações cli-


D U RA N T E M U I TO S A N O S ,
máticas e procurei soluções na tecnologia e nas políticas públicas. Entretanto, na
minha vida privada, combati pela justiça em prol dos pobres e dos oprimidos. Demo-
rei muito tempo até interligar essas batalhas e a tomar consciência de que forças
como o colonialismo e o racismo fazem parte da crise climática e precisam de ser
abordadas como parte da solução.
Os principais beneficiários dos combustíveis fósseis não costumam ser as comu-
nidades que mais sofrem devido ao seu consumo. As centrais electroprodutoras
e os seus fumos de escape tóxicos, por exemplo, encontram-se desproporcional-
mente presentes em bairros pobres e sem habitantes caucasianos. O desequilíbrio
atravessa fronteiras: uma análise sugeriu que o fosso do PIB per capita entre os
países mais ricos e os mais pobres já é 25% maior do que seria sem as alterações
climáticas, em grande medida porque o aumento das temperaturas nos países tro-
picais diminui a sua produtividade agrícola. A ocorrência de tempestades, secas e
cheias de maior dimensão já está a afectar os mais pobres do mundo.
A verdadeira justiça climática tornaria a Terra mais resiliente e, ao mesmo tem-
po, ajudaria a humanidade a sarar o historial de traumas e sofrimento. Num certo
sentido, as alterações climáticas são uma oportu-
nidade para agirmos e evoluirmos como espécie.

na minha famí-
AG O R A H Á U M A N OVA C O S T U R E I R A
lia. A minha filha, de 10 anos, adora costurar. Gosto
de imaginar como será a sua vida quando chegar
NUM CERTO SENTIDO, aos 60. A primeira coisa em que reparará quando

AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS acordar no seu apartamento citadino em 2070 é o


canto dos pássaros: um coro ensurdecedor à alvo-
SÃO UMA OPORTUNIDADE rada, um relógio de alarme sinfónico composto por
PARA AGIRMOS E EVOLUIRMOS inúmeras espécies. É fácil de ouvir, porque já não
COMO ESPÉCIE. existe o ruído do trânsito. Vai acender a luz, produ-
zida por telhas solares que revestem praticamente
todos os telhados da cidade. O próprio edifício onde
ela vive foi construído com “blocos reutilizados”,
feitos de carbono recuperado da atmosfera.
Vai levantar-se e beber um café. Vai apanhar
um comboio com zero-emissões que pára auto-
maticamente durante dois minutos porque as câ-
maras posicionadas ao longo da linha detectam uma família de raposas a apro-
ximar-se da ferrovia. O céu apresenta-se azul e límpido, sem qualquer nuvem de
poluição, embora ligeiramente mais quente do que em 1970. Ao longe, avistará
elegantes turbinas eólicas a girar.
Receberá uma mensagem: é um convite para comemorar o 100.º Dia da Terra.
Será uma festa, não uma manifestação de protesto. Já não há políticos relutan-
tes para convencer, nem automóveis a gasolina para enterrar. Vai haver uma
banda e um baile, seis tipos de tacos sem carne e figueira-da-índia importada da
Nação Kumeyaay, nos arredores de San Diego.
Enquanto caminha pela rua, vai parar e apanhar do chão meia dúzia de fru-
tos de eucalipto, lembrando-se vagamente de que, no princípio do século XXI,
se discutiu se essas árvores deveriam ou não ser todas cortadas, por não serem
oriundas do continente americano. Pegando nelas, decide cosê-las em torno do
colarinho do vestido verde que vai usar na festa.
Depois, receberá outra mensagem: Sou eu! Tenho 91 anos e também quero
ir à festa. j
Os aillerons traseiros
apontam para a chuva
no Parque de Cadillac
Ranch RV em Amarillo,
no Texas. Ao longo de
um século, o automóvel
tem sido um totem
americano. Com um
número muito superior
a mil milhões de veículos
a agravar as alterações
climáticas em todo
o mundo, o motor
de combustão interna
enfrenta um
momento decisivo.
D I A DA T E R RA 2 070

TEXTO DE CRAIG WELCH


FOTOGRAFIAS DE
D AV I D G U T T E N F E L D E R

UMA VIAGEM ATRAVÉS DOS EUA


EM AUTOMÓVEL ELÉCTRICO
MOSTRA COMO NOVAS IDEIAS
PODERÃO CONTRIBUIR PARA
GARANTIR A NOSSA VIAGEM
RUMO A UM FUTURO
SUSTENTÁVEL.
N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Turbinas eólicas e
módulos solares revestem
o deserto de Mojave,
na Califórnia, uma das
mais densas concentra-
ções de energias
renováveis nos EUA.
As indústrias solar
e eólica cresceram
rapidamente, abaste-
cendo hoje milhões de
agregados familiares.
No entanto, ainda
produzem menos de
10% do total da energia
eléctrica dos EUA.
E S TA M O S N U M A E S T R A D A V E L H A

à beira do oceano Pacífico. A roda gigante alimentada a energia


solar gira. A cerca de cem metros de distância, um sinal marca o
fim da velha Route 66. O pontão de Santa Mónica, onde a ener-
gia verde se encontra com a história do automóvel, pareceu-me
o ponto de partida perfeito para uma viagem de carro através
dos EUA num automóvel eléctrico.
A Route 66, uma das primeiras estradas asfaltadas dos EUA,
começava em Chicago. Desde a década de 1930 até as auto-es-
tradas interestaduais a tornarem obsoleta, conduziu milhões
de migrantes do Midwest até às costas reluzentes da Califórnia.
A estrada contribuiu para reconfigurar o estado da Califórnia,
que deixou de ser um paraíso rural e transformou-se num ter-
ritório repleto de cidades em crescimento constante. Pelo ca-
minho, simbolizou muito mais: o poder transformador dos
automóveis, a liberdade da estrada desimpedida e a magia de
combinar ambas as sensações numa viagem de carro. Hoje em
dia, depois de percorrerem os 3.600 quilómetros da velha 66, os
viajantes fazem fila junto de uma cabana de madeira no pontão
de Santa Mónica para obterem certificados assinados.
O pontão também é um bom lugar para reflectir sobre o mun-
do que criámos, em parte devido ao nosso caso amoroso com o
motor de combustão interna. Para leste, fica Los Angeles, com
os seus sete milhões de devoradores de combustível, que emi-
tem mais dióxido de carbono do que doze estados em conjun-
to. Para sul, situa-se Venice Beach, onde na década de 1940 se
amontoavam as plataformas de extracção petrolífera. Para oes-
te e norte, localizam-se as colinas envolventes de Malibu, quei-
madas pelas chamas de um incêndio em Novembro de 2018,
após anos sucessivos de seca e de subida das temperaturas.

6 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O pontão de Santa
Mónica está ligado a
Chicago pela antiga
Route 66 e pela sua roda
gigante alimentada a
energia solar. A primeira
roda gigante do mundo
foi apresentada na
Exposição Mundial
de Chicago, em 1893,
juntamente com uma
nova forma de energia:
a electricidade. Para
milhões de americanos,
o futuro parecia excitante.

O C A M I N H O PA R A 2 070 7
Os ventos de Santa Ana “atiçaram aquele fogo samos de reduzir os gases com efeito de estufa a
de maneira incrivelmente rápida, fazendo-o des- zero ao longo do próximo meio século se quiser-
cer até à costa num só dia”, recordou Dean Kuba- mos evitar uma catástrofe climática. Em vez dis-
ni, enquanto conversávamos por baixo da roda so, o mundo produz cada vez mais combustíveis
gigante. Dean reformara-se recentemente como fósseis. As empresas produtoras de petróleo e gás
director de sustentabilidade de Santa Mónica, de- nos EUA, que já é o primeiro produtor mundial,
pois de 25 anos a trabalhar para a cidade: assistiu tencionam acelerar o desenvolvimento em 30%
ao incêndio a partir da praia. “A época dos fogos é até 2030. Donald Trump decidiu também retirar
normalmente em Setembro e Outubro”, afirmou. o país do acordo climático de Paris, cujo objectivo
Mas agora dura mais “porque não chove e não te- é começar a desabituar o planeta do consumo de
mos tempo fresco”. combustíveis fósseis.
Para quem se interroga sobre como será a vida No entanto, também estamos a passar por uma
no mundo em 2070, este é um momento crítico e revolução verde. A nível global, as energias reno-
confuso. Segundo o Painel Intergovernamental váveis preparam-se para aumentar o seu volume,
sobre as Alterações Climáticas da ONU, preci- para um equivalente à capacidade electroprodu-

8 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
tora dos EUA, nos próximos cinco anos. Segundo
Oatman, no Arizona Neste restaurante de
o Gabinete de Estatísticas de Emprego dos EUA, (à esquerda), uma velha Tucumcari, no Novo
a profissão que mais crescerá na próxima década cidade mineira onde México, a mesa é real,
é a de instalador de painéis solares e a segunda é os burros traziam ouro mas o casal que almoça
e prata das colinas, é um mural trompe
a de técnico de manutenção de turbinas eólicas. transformou-se numa l’oeil. O quadro mostra
Cidades e estados comprometem-se com a escala para os migrantes um cenário, antiga-
mudança. Este ano, a Califórnia começou a exigir que viajavam pela mente comum no
Route 66. Hoje, é uma Oeste, de vacas
a instalação de painéis solares nas novas habita- atracção turística, com agrupadas em torno
ções. A cidade de Berkeley proibiu o consumo de burros selvagens e de água bombeada por
gás natural em novos edifícios: Santa Mónica e “pistoleiros” do Faroeste um moinho de vento.
em exibições diárias No futuro, terão de
outras cidades estão a tomar medidas semelhan- para os turistas. Noutra existir muito mais
tes. Los Angeles pretende instalar 28 postos de zona do condado de Moha- turbinas eólicas e
recarga de electricidade para veículos nos pró- ve, encontra-se em parques solares na
construção um centro paisagem, sobretudo se
ximos oito anos: Santa Mónica planeia instalar de dados alimentado quisermos afastar-nos
trezentos este ano. a energia solar. da energia nuclear.

O C A M I N H O PA R A 2 070 9
“Quando comecei a trabalhar aqui, só havia um Foram precisas quatro décadas, até 2016, para
automóvel eléctrico na cidade e era um Ford Tau- que os EUA instalassem um milhão de sistemas
rus reconvertido”, contou Dean Kubani. Tinha alimentados a energia solar, desde telhados
painéis solares no tejadilho. “Conseguia percorrer a parques solares de escala industrial. Foram
cerca de 16 quilómetros”. Eu e o fotógrafo David precisos apenas três anos, até 2019, para que o
Guttenfelder planeávamos percorrer mais de sete segundo milhão fosse instalado. Prevê-se que o
mil quilómetros numa série de automóveis eléc- número volte a duplicar até 2023. Nos EUA, há
tricos. Carregados de bananas (para mim) e de agora energia solar suficiente para abastecer
carne de vaca seca (para Guttenfelder), partimos 13 milhões de agregados familiares. Os projec-
de Santa Mónica, rumo à Costa Leste, com uma tos estão a aumentar de tamanho: a empresa de
pergunta importante: será que nós, como país, se- Ben New anunciou a instalação de mais 400 me-
remos capazes de chegar onde precisamos? Será gawatts, com armazenamento de baterias para
que conseguimos abandonar os combustíveis fós- 300. Estes e outros projectos da 8minute forne-
seis suficientemente depressa para garantirmos cerão energia limpa a um milhão de habitantes
que seja tolerável viver em 2070? de Los Angeles.
No entanto, por muito impressionantes que
o petróleo continua a
A N O RT E D E L O S A N G E L E S , sejam, estes números não são suficientes. Hoje
ser extraído em grandes jazidas. A leste, para lá das em dia, menos de 2% do total da electricidade
montanhas Tehachapi, saindo de Bakersfield, a dos EUA provém do sol e mais 7% do vento. A ní-
capital petrolífera local, um futuro mais limpo vel mundial, os números são comparáveis. Para
reluz. Entrámos na cidade de Mojave a bordo do travar o aquecimento global no patamar de 1,5ºC,
nosso Hyundai Kauai alugado, e estacionámos no segundo estimativa de um relatório recente da
parque de uma loja de roupa, onde rajadas de vento ONU, as emissões globais têm de baixar 7,6% por
fustigavam os vestidos dos manequins sem cabeça ano durante a próxima década. No ano passado,
expostos no exterior. Do outro lado dos carris de voltaram a subir. Para que as renováveis conse-
ferro enferrujados do comboio, conseguíamos avis- guissem preencher a lacuna, segundo a mesma
tar as altas turbinas eólicas erguidas sobre os cam- fonte, teriam de crescer seis vezes mais depressa
pos de painéis solares, naquela que talvez seja a do que o ritmo actual.
maior concentração de energias renováveis exis- Isso implicaria esforços maciços de mobiliza-
tente nos Estados Unidos. ção e investimento em infra-estruturas: em ca-
Ben New, vice-presidente responsável pela fun- pacidade de fabrico de aço e cablagem, em bate-
dação da 8minute Solar Energy (cujo nome se ins- rias e linhas de transporte de electricidade. Nos
pirou no tempo que a luz solar demora a chegar EUA, onde a rede se encontra dividida em três
à Terra), conduziu-nos a um parque de 200 hec- (uma para o Leste, outra para o Oeste e outra para
tares com módulos solares responsáveis pela pro- o Texas) será necessária uma enorme reconver-
dução de 60 megawatts de energia eléctrica, sufi- são para transportar a electricidade do soalheiro
cientes para abastecer 25 mil agregados familiares Arizona para o estado da Virgínia Ocidental, rico
na Califórnia. “Há vinte anos, um painel solar era em carvão. Para já, afirmou Ben New, teríamos
tão caro que ninguém teria pensado que isto seria de produzir muitos gigawatts “em zonas do país
possível”, afirmou o responsável. onde isso nunca foi feito”. Esse esforço implica-
Agora, a energia solar é uma pechincha. O preço ria mudanças em lugares onde os combustíveis
dos módulos fotovoltaicos desceu a pique, caindo fósseis são populares. Por muito que Ben New
99% desde a década de 1970, em grande parte de- esteja empenhado numa rápida transição para
vido às políticas públicas e à investigação na Ale- a energia solar, não acredita que esta aconteça
manha, no Japão, na China e nos Estados Unidos. a tempo. O crédito fiscal de 30% concedido aos
Ao mesmo tempo que os Estados pressionavam investimentos em energia solar, em vigor desde
as empresas de serviço público para desenvol- a administração de George W. Bush, começará a
verem soluções renováveis, a procura disparava. ser gradualmente retirado este ano.
A produção tornou-se mais eficiente. Os preços Conseguirá a energia solar disseminar-se ao
baixaram. A instalação de um watt de equipa- ritmo necessário com mais incentivos? Em oca-
mento solar custa hoje a Ben New um quinto do siões anteriores, alguns peritos subestimaram o
que custava há dez anos e ocupa metade do espa- seu potencial. Em 2008, David Keith, professor
ço antigamente necessário. da Universidade de Harvard, previu que, com

10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
sorte, o preço por watt da energia solar atingiria A viagem de automóvel está hoje enraizada na
30 cêntimos em 2030. Esse preço será atingido mente dos norte-americanos como uma opor-
em 2020. “Estávamos completamente errados”, tunidade de descoberta, de recordar, esquecer,
afirmou Keith recentemente. “A energia solar ba- ultrapassar um acontecimento da vida ou de
rata é real. É impressionante.” nos perdermos. Eu e David, ambos do Midwest
À despedida de Ben New, pensei na rapidez já tínhamos feito as nossas viagens de automóvel
com que a mudança tecnológica poderá ser al- pelo país quando éramos novos.
cançada nos EUA, lembrando o progresso dos De momento, uma travessia do país num auto-
telefones inteligentes e das redes sociais e a móvel eléctrico exige um ajuste das expectativas.
recente expansão, num punhado de anos, dos O carregamento completo da bateria pode demo-
substitutos vegetais da carne nos estabeleci- rar uma hora ou 24 horas, dependendo da bateria
mentos de hambúrgueres deste país de consu- e do carregador. Com excepção dos mais de 750
midores de carne de vaca. postos de supercarga exclusivos da Tesla, há pou-
Nessa noite, eu e David entrámos no Mojave cos lugares nos EUA onde abastecer depressa, ao
Air and Space Port, uma unidade de ensaios passo que ainda existem quase 150 mil postos de
situada nas imediações do local onde o piloto abastecimento de gasolina. Mas a maior parte dos
Chuck Yeager quebrou pela primeira vez a bar- veículos eléctricos pode ser carregada durante a
reira do som, em 1947.
Esta unidade atraiu-nos porque
foi das primeiras na região a instalar
postos de abastecimento para veícu-
los eléctricos. Deixámos o automóvel
a carregar e uma mensagem surgiu
no ecrã: o abastecimento demoraria CONSEGUIRÁ A ENERGIA SOLAR
quase seis horas. Deixando lá o carro
durante a noite, partimos a pé, de ca-
DISSEMINAR-SE COM RAPIDEZ
beças protegidas contra o vento frio, SUFICIENTE? OS PERITOS
caminhando cerca de dois quilóme- SUBESTIMARAM O SEU POTENCIAL NO
tros até ao motel mais próximo. PASSADO E A TECNOLOGIA PODE
com o automóvel
O R O M A N C E D O S E UA
PROPORCIONAR UMA MUDANÇA RÁPIDA.
começou com uma aposta. Em 1903,
antes das estradas interestaduais e dos
postos de abastecimento de combustí-
vel, um cliente de um clube privado da
Califórnia apostou 50 dólares em como
o médico Horatio Jackson não seria capaz de via- noite, em casa. E a Tesla, dona da rede mais ro-
jar de automóvel até à Costa Leste. Quatro dias busta de abastecimento rápido do país, também
mais tarde, segundo o livro “Horatio’s Drive: Ame- possui 3.800 postos de abastecimento mais lento.
rica’s First Road Trip”, da autoria de Dayton Dun- Deixando Mojave para trás, atravessámos ra-
can e Ken Burns, Jackson e um mecânico partiram pidamente as planícies salgadas e entrámos no
de São Francisco aos solavancos, num veículo a estreito vale de Panamint. Em condições ideais,
motor de 20 cavalos da marca Winton. Adoptaram o nosso Kauai conseguia percorrer 415 quilóme-
um buldogue chamado Bud e puseram-lhe óculos tros com uma única carga. No entanto, tínhamos
para lhe protegerem os olhos da poeira. Transpu- de subir passagens montanhosas e de utilizar o
seram passagens montanhosas em estradas não ar condicionado contra os ventos quentes que
asfaltadas, com o motor a roncar, chapinharam faziam abanar as portas. Eu lera que opções
em ribeiros, tiveram avarias e foram rebocados dessas podem reduzir a autonomia da bateria,
por cavalos. Esperaram também que lhes trouxes- o que desencadeou em nós o primeiro de vários
sem peças suplentes por comboio. Horatio Jack- acessos de “ansiedade de distância”. O trajecto
son chegou a Nova Iorque 63 dias mais tarde, chegou ao fim, sem incidentes, no vale da Morte,
completando a primeira travessia de automó- onde encontrámos uma estalagem sumptuosa
vel do país. com um posto de carregamento.

O C A M I N H O PA R A 2 070 11
Em 2019, 40 anos após
a fusão parcial de um reactor
na central nuclear de Three
Mile Island, na Pensilvânia
(o pior acidente no sector
nuclear comercial ocorrido
nos EUA), a central foi
definitivamente encerrada.
As centrais nucleares custam
muito dinheiro a construir
e a operar, mas produzem
energia eléctrica sem agravar
as emissões de carbono
24 horas por dia. Disponibili-
zam quase 20% da electrici-
dade consumida nos EUA.
No dia seguinte, repusemos a carga máxima no se não podíamos demorar o tempo que quisés-
parque de estacionamento do Termómetro mais semos”, disse. Para ele, as viagens de automóvel
Alto do Mundo, um gigantesco pilar que come- servem para abrandar e explorar. Por agora, as pa-
mora o recorde mundial de temperatura: 56,7ºC, ragens prolongadas nos postos de carregamento
medido em 1913. Enquanto matava tempo numa “são perfeitamente adequadas a essa descrição”.
loja de recordações, lembrei-me da cabana no A atracção dos automóveis e camiões para a
pontão de Santa Mónica, onde os automobilistas rede eléctrica é uma componente fulcral da es-
viajantes obtinham os seus certificados da Rou- tratégia orientada para aliciar o mundo para o
te 66. Ian Bowen, o gerente, contou-me que cres- abandono progressivo dos combustíveis fósseis.
cera como “o miúdo aborrecido do banco de trás”, Nas próximas décadas, a procura de electricida-
enquanto a sua família fazia viagens-relâmpago de aumentará radicalmente. Noutros tempos, o
através do Nebraska e do Iowa durante as férias, mercado teria reagido com a construção de mais
passando velozmente ao lado das atracções do centrais electroprodutoras alimentadas a carvão,
caminho. “Quando era criança, nunca percebi mas isso já não acontece. O projecto 8minute, por
por que razão haveríamos de viajar de automóvel exemplo, vai fornecer energia a Los Angeles a me-

14 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
nos de dois cêntimos de dólar por kilowatt-hora –
Uma bomba de Esta armação acolherá
muito mais barata do que o carvão. extracção de petróleo (à uma das 120 turbinas do
esquerda) sobe e desce parque eólico de Sage
certo dia ao fim
E N C O N T R Á M O S R U S S E L L B E N A L LY num campo de algodão Draw. O Texas produz
perto de Lubbock, no mais energia a partir do
da tarde, quando este inspeccionava o seu cavalo Texas. A fracturação vento do que qualquer
num miradouro rochoso dos arredores de LeChee, hidráulica de xisto outro Estado, contri-
no Arizona. É uma pequena comunidade dos navajo permitiu que a região buindo para a redução
extraísse mais de um do custo. A energia
perto do lago Powell. À distância, avistava-se a Cen- terço do petróleo bruto eólica é tão barata que a
tral Electroprodutora Navajo, cuja silhueta se recor- dos EUA em 2019. Em ExxonMobil subscreveu
tava contra o sol. Com o seu trio de chaminés em Setembro, quando esta um acordo de aquisição
fotografia foi captada, os da maior parte dos
forma de coluna, a maior central a oeste do Missis- EUA foram exportadores 338MW produzidos pelo
sípi parecia um barco fluvial encalhado na praia. líquidos de petróleo parque, de forma a
Esta antiga central produziu energia eléctrica pela primeira vez desde aumentar os trabalhos
que começaram a ser de fracturação hidráulica
suficiente para abastecer dois milhões de agrega- mantidos registos para obtenção de
dos familiares durante 45 anos. mensais, em 1973. petróleo e gás.

O C A M I N H O PA R A 2 070 15
RECARREGANDO AO LONGO DA VIAGEM
Um repórter e um fotógrafo atravessaram os estados contíguos dos EUA conduzindo automóveis
eléctricos para explorarem o futuro energético do país e o futuro do transporte automóvel no
país. Fizeram a viagem sem gasolina, com uma miríade de aventuras e obtiveram novas respostas
para uma pergunta urgente: quão perto estamos de abandonar os combustíveis fósseis?

Potencial nas planícies


A energia gerada pelo vento
Região EIA Mercado nas planícies poderá
de Electricidade aumentar de 22 para 28%
SPPN do total da região até 2050.

Comício de
Greta Thunberg
Autocarros eléctricos sem e visita à
condutor em uso no unidade eólica
Laboratório Nacional de do Iowa
Energia Renovável em Des
Golden, Colorado Moines
São Turbinas eólicas
Francisco
sobre instalações
solares no deserto Golden
Mojave

Page Greensburg, Kansas


Greensburg assolada por um
tornado em 2007
torna-se neutra em
Oatman carbono.
INÍCIO
Encerramento de
Santa Mónica unidade a carvão
Tucumcari
CASO perto de Page,
Arizona
Liderança no Oeste Extensão da Lubbock
Los Angeles é uma das cem bacia do
cidades que se comprometeram Pérmico
a atingir a meta de 100% de
energias renováveis. A cidade ExxonMobil quer
aponta 2045 como objectivo. usar energia eólica
Transformação do Texas para extrair
Quando se pensa no Texas, combustíveis fósseis
pensa-se em petróleo. No entanto, na bacia do Pérmico.
este estado produz um quarto de
toda a energia eólica dos EUA.

TRE

C O N V E R S ÃO À E N E R G I A L I M PA
O governo dos EUA prevê que o contributo das QUOTA DA ENERGIA 2019
energias renováveis para o total de energia eléctrica ELÉCTRICA GERADA
produzida no país cresça de 19 para 38% até 2050. POR FONTES DE
ENERGIA RENOVÁVEIS,
Será um grande aumento, mas nem será suficiente POR REGIÃO DA AGÊNCIA
para cumprir as metas climáticas. O Oeste lidera o DE INFORMAÇÃO
movimento, em parte devido à abundância de ENERGÉTICA DOS EUA (EIA)*
energia hidroeléctrica, mas os futuros aumentos
deverão ser motivados pela expansão da energia
solar e eólica. 20 40 60 80%

16 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
POTENCIAL DA
ENERGIA RENOVÁVEL RENOVÁVEIS À
FRENTE NA CORRIDA
A
IM
Ó A
A IC
PT
BO Ó L
E

Maior
potencial Prevê-se que as energias renováveis
combinado (sobretudo solar e eólica) eclipsem
BO O L

todas as outras fontes até 2045, em


A A
S

grande parte devido a imposições


Ó
PT
R
IM

legislativas e à descida dos custos.


A

Percurso dos jornalistas


ENERGIA ELÉCTRICA PRODUZIDA NOS EUA
POR CADA FONTE, 1950–2050
em mil milhões de kilowatt-horas
Recargas dos veículos
Pico Renováveis 2.064
Estações de carga do Gás natural 1.976
carvão
em 2007

Carvão 719
Rivian, a empresa Nuclear 642
Boston
de veículos eléctricos
de Detroit assinou
um contrato com a Petróleo 27
Detroit Amazon para cem mil 1950 2019 2050
Three
carrinhas eléctricas.
Mile Nova Iorque
Island
Perrysburg
Filadélfia
Visita à First Solar, A energia eólica representa uma quota maior
a maior produtora PJME
das energias renováveis do que a energia
de painéis solares
solar, mas não por muito tempo. Prevê-se que
dos EUA, em FIM
Perrysburg, Ohio Washington, DC a energia solar triplique essa quota até 2050, trans-
formando-se na principal fonte renovável.

PRODUÇÃO DE ENERGIA RENOVÁVEL, POR FONTE

Hidroeléctrica Biomassa
1995 81% 15%

Fidelidade aos combustí- 2019 38% 15%


veis fósseis 2050 33% 46%
As renováveis crescerão na Geotermal Eólica Solar
região da Pensilvânia-Nova
Jersey, mas os combustíveis
fósseis continuarão a dominar.

ESTAÇÕES DE CARGA 78.301


Deixem entrar o sol! ELÉCTRICA NOS EUA
A Florida tem muito potencial.
Até 2050, poderá produzir 18 Na década de 1990, os
vezes mais energia solar do postos de abastecimento
200 km
que na actualidade. eram poucos e distantes
entre si. O número dispa-
rou na última década:
existem agora dezenas de
FRCC
milhares espalhados por
todo o país. Em muitos,
porém, o carregamento
dos automóveis é lento.
2050 188

1995 2019

RYAN MORRIS; SCOTT ELDER

* DADOS INDISPONÍVEIS PARA O ALASCA E O HAWAI


FONTES: VAISALA; ADMINISTRAÇÃO DA INFORMAÇÃO ENERGÉTICA
DOS EUA (EIA); GABINETE PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E A
ENERGIA RENOVÁVEL, MINISTÉRIO DA ENERGIA DOS EUA

O C A M I N H O PA R A 2 070 17
Quando lá passámos, preparava-se para o en- passámos por florestas pouco arborizadas e montes
cerramento porque já não conseguia competir de rocha branca. Atravessámos os isolados socalcos
com os preços baixos do gás natural e das reno- do Monumento Nacional Grand Staircase–Esca-
váveis. O encerramento eliminaria centenas de lante, última região cartografada dos 48 estados
postos de trabalho, quase todos atribuídos a nati- contíguos dos EUA. Depois de uma demorada para-
vos-americanos. E embora as tribos navajo e hopi gem num carregador lento em Boulder, avançámos
não fossem proprietárias da central, recebiam mi- em direcção ao Colorado.
lhões de euros em direitos de propriedade intelec- No Laboratório Nacional das Energias Renová-
tual e pagamentos de rendas – uma verba difícil veis (NREL), nos arredores de Denver, eu e David
de substituir. A central tinha um historial de po- vimos David Moore, de bata e luvas de laboratório,
luição: gerou 14 milhões de toneladas de CO2 por pincelar um líquido sobre um vidro condutor do
ano. Para os membros da Nação Navajo, era igual- tamanho de um cartão de crédito, transforman-
mente irritante que a energia causadora da po- do-o instantaneamente numa minúscula célula
luição atmosférica fosse maioritariamente para solar. O líquido continha perovskitas dissolvidas,
outros lugares. “Muitas famílias locais ainda nem um tipo de cristal semicondutor invulgarmente
sequer têm electricidade”, comentou Russell. eficiente para captar a luz solar. Segundo alguns
Seguimo-lo a casa para sermos apresentados especialistas, as perovskitas podem revelar-se tão
à sua mulher, Sharon Yazzie. Ela cresceu em Le- transformadoras como o iPhone, tornando a ener-
Chee e recorda-se da vida antes da central. Disse gia solar omnipresente e baratíssima.
que não sentia falta. “Sempre trouxe benefícios “Não há razão nenhuma que me impeça de de-
aos de fora e não a nós”, afirmou. positar todos estes materiais numa parede de tijo-
O encerramento de centrais a carvão é uma ten- los… No fundo, em qualquer superfície onde bata a
dência que parece imparável. Mais de quinhentas luz do Sol”, afirmou David. “O tejadilho de um car-
centrais a carvão fecharam nos EUA desde 2010 e ro. Peças de roupa. Mochilas.” Ele imagina células
estão previstas mais algumas dezenas de encerra- solares impressas em rolos finos de película, como
mentos. Em 2019, o consumo de carvão nos EUA jornais numa prensa, facilitando a rápida produ-
foi o mais baixo de sempre em 40 anos: em Abril, ção em massa. Os especialistas do sector mostram-
as energias renováveis geraram mais energia eléc- -se intrigados, mas cépticos. Muitas vezes, os avan-
trica do que o carvão pela primeira vez. A China e ços fracassam fora do contexto laboratorial.
a Índia ainda estão a construir centrais a carvão, Muitas inovações surgirão até 2070, mas a per-
mas há indicações de que a mudança também gunta mais importante é outra: a que velocidade
está em curso nestes países. Agora, muitas cen- os interesses instalados deixarão que as velhas
trais chinesas funcionam apenas esporadicamen- tecnologias morram?
te: em 2018, a Índia instalou mais projectos de Numa manhã lamacenta, a sudeste de
energia renovável do que a carvão. Lubbock, vimos uma carrinha de caixa aberta
A cerca de dez quilómetros de LeChee, em Page, transportar uma peça de turbina eólica através de
no Arizona, estacionámos um novo automóvel campos de algodão. Tal como nós, a carrinha aca-
que alugámos, um Tesla Model S branco, na Cur- bara de atravessar a planície do Texas para chegar
va da Ferradura, um majestoso meandro do rio a Sage Draw, um parque eólico em construção
Colorado. Centenas de turistas acotovelavam-se com 16.500 hectares. Pusemos capacetes de pro-
num miradouro. O encerramento da central a tecção e caminhámos em redor de uma cratera
carvão foi um acontecimento nefasto, comentou aberta no solo, onde uma armação de aço e betão
Judy Franz, directora da Câmara de Comércio de iria em breve acolher uma turbina eólica, uma das
Page. Em contrapartida, o turismo está a crescer. 120 que produzirão 338 megawatts no futuro.
Mais famílias navajo estavam a começar a prestar O estado do Texas, tão identificado com o petró-
serviços de guia e a abrir restaurantes. “Muitos ti- leo que a flor da bandeira estadual poderia ser uma
veram um pouco de receio no início”, disse a mi- plataforma petrolífera com o seu movimento osci-
nha interlocutora. Mas “vai correr bem”. lante, é o quinto maior produtor de energia eólica,
atrás de apenas quatro países. A assembleia legisla-
NOS DIAS SEGUINTES, percorremos uma gigantesca tiva ordenou às empresas públicas que investissem
curva em S, atravessando o futuro e o passado, milhares de milhões de euros na modernização da
enquanto ambos coexistem numa tensão descon- rede eléctrica do Estado, instalando milhares de
fortável. Chegando à região meridional do Utah, quilómetros de novas linhas de transporte para

18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
que os projectos eólicos no ventoso Oeste do Texas No Kansas, um camião que transportava uma
pudessem vender a energia às cidades do Leste, turbina eólica gigante completou mal uma cur-
como Dallas. Os resultados foram espectaculares. va, bloqueando o trânsito. Enquanto os veículos
Em 2017, o Estado da Estrela Solitária já produzia recuavam, uma carrinha acelerou a fundo e deu
um quarto da energia eólica do país. a volta, expelindo fumo negro. O condutor frus-
Ao mesmo tempo, porém, a Bacia Pérmica, no trado estava a “cuspir carvão”. Modificara o seu
Oeste do Texas e no Novo México, transformava- motor a gasóleo para emitir mais fumos de esca-
-se numa das maiores zonas de extracção petro- pe carregando num botão. Foi como um protes-
lífera do mundo, graças aos progressos de frac- to antiambientalista também conhecido como
turação hidráulica, ou fracking. O Texas produz “empoeirar Prius”.
actualmente mais do dobro do que o Alasca pro- Apesar disso, as atitudes estão a mudar: os
duzia no seu auge, em 1988. Só o excedente de gás norte-americanos aderem à transição energética
natural que as empresas queimam ou libertam, quando esta lhes é benéfica. Enquanto circula-
por não disporem de gasodutos para o vender, ul- va pelos clarões luminosos de Las Vegas, com as
trapassa 22,5 milhões de metros cúbicos diários, suas fontes de néon e holofotes a varrer o céu, fi-
segundo a Rystad Energy. É o suficiente para sa- quei boquiaberto com o desperdício de energia.
tisfazer o consumo de todo o estado de Washin- No entanto, uma nova lei exige que metade da
gton, onde eu vivo. O gás queimado li-
berta CO2. O gás natural libertado é, na
sua maior parte, metano, que aquece o
planeta com mais intensidade.
Em Sage Draw, os surtos de cresci-
mento da energia eólica e do petróleo
do Texas encontram-se. A ExxonMobil EM 2007, UM TORNADO DESTRUIU
planeia aumentar os seus empreendi-
mentos petrolíferos na Bacia Pérmica
GREENSBURG, NO KANSAS.
em 80% nos próximos quatro anos. A CIDADE RECONSTRUÍDA FUNCIONA
Para iniciar as operações, a empresa AGORA COM ENERGIA RENOVÁVEL.
petrolífera assinou um acordo de aqui-
sição da maior parte da electricidade
É UM REGRESSO À AUTO-SUFICIÊNCIA
.
renovável produzida em Sage Draw e DOS PIONEIROS DA PRADARIA.
num parque eólico próximo, ambos
pertencentes à empresa Ørsted, sedia-
da na Dinamarca. Frank Sullivan, res-
ponsável pelo negócio petrolífero ter-
restre da Ørsted nos EUA, classificou o
acordo como um “indicador importante” da nova electricidade do estado seja produzida a partir
competitividade da energia limpa. Também é um de renováveis até 2030. Na porta ao lado, no tam-
indicador dos estranhos tempos em que vivemos. bém soalheiro vizinho Arizona, uma empresa
No Texas, a energia limpa está a contribuir para pública de energia investiu 33 milhões de euros
a extracção de mais combustíveis fósseis quando, para derrotar uma proposta de lei desenvolvida
na verdade, precisa de os substituir por completo. com os mesmos objectivos. Este ano, contudo,
mudou de rumo, anunciando como objectivo
grande parte dos cidadãos ainda
C OMO É E V I D E N T E , tornar-se 100% renovável até 2050.
compram aquilo que a ExxonMobil vende. E, ao No Colorado, encontrámos o engenheiro de
atravessarmos este país dividido, tornou-se claro software Kevin Li, enquanto ele carregava o seu
que alguns norte-americanos não se mostram dese- Tesla Model 3 de 2018. Tinha acabado de ir bus-
josos de mudança. Em Tucumcari, no Novo México, cá-lo à Califórnia e conduzia-o de regresso a casa,
os condutores podem encontrar uma pequena uni- na Carolina do Norte. Quando lhe perguntei que
dade de carregamento para veículos eléctricos num influência tinham tido as alterações climáticas na
antigo posto de abastecimento da Conoco. No dia sua escolha, Kevin pareceu confuso. Repeti-lhe a
em que chegámos, alguém o bloqueara com uma pergunta: comprou um Tesla por se sentir muito
carrinha de caixa aberta Ford F-250. preocupado com o aquecimento global?

O C A M I N H O PA R A 2 070 19
Operários tratam das
pás de turbinas eólicas
na unidade de fabrico
da TPI Composites,
em Newton, no Iowa.
As energias renováveis
revitalizaram Newton
depois do encerra-
mento da fábrica
de máquinas de lavar
e secar roupa Maytag,
em 2007. Num antigo
edifício da Maytag, a TPI
produz carroçarias para
autocarros eléctricos.
Noutro, a empresa
fabrica torres eólicas.

O C A M I N H O PA R A 2 070 21
“Não”, respondeu Li.
Então porquê?
“Velocidade”, disse Li. “É muito rápido.”
No Oeste do Kansas, passámos um dia em
Greensburg, uma vila com 790 habitantes. Em
2007, um tornado destruiu mais de 90% desta
povoação rural, matando 11 pessoas. Quando foi
reconstruída, algumas pessoas sugeriram que
Greensburg se tornasse auto-suficiente. A suges-
tão pareceu bastante hippie aos ouvidos de Bob
Dixson, antigo presidente da câmara.
Nas suas próprias palavras, Bob Dixson aca-
bou por encarar o momento como um regresso
às virtudes dos antepassados que colonizaram as
pradarias. Os pioneiros do Kansas construíram
moinhos de vento para extrair água dos poços,
viveram em casas de adobe e armazenaram ali-
mentos em despensas subterrâneas. A nova esco-
la de Greensburg utiliza aquecimento solar e geo-
térmico e, depois da reconstrução, a comunidade
passou a produzir electricidade a partir do vento.
A rede eléctrica de Greensburg é agora 100% isen-
ta de emissões de carbono.

no Iowa, enquanto
C E RTA N O I T E E M D E S M O I N E S ,
nos instalávamos nos quartos de hotel, David
enviou-me uma mensagem de texto do outro lado
do corredor. Um visitante inesperado iria discursar
durante duas horas no dia seguinte: a adolescente
sueca e activista climática Greta Thunberg. Ela tam-
bém estava a atravessar o país num Tesla, mas na
direcção oposta.
Chegámos a Iowa City e vimos milhares de pes-
soas manifestando-se. Um cartaz com um dese-
nho do planeta feito à mão pedia: “Ajudem-me,
Estou a Morrer”. Greta juntou-se aos estudantes
locais no palco. “Neste momento, os líderes mun-
diais continuam a agir como se fossem crianças e
é preciso que alguém se comporte como o adulto habitável para ela. Senti-me frustrado por me
responsável”, disse. A multidão aclamou. ver forçado a escolher entre o seu presente e o
Greta viajara de barco à vela até aos EUA em vez seu futuro. Mas o objectivo tem de ser construir
de apanhar um avião: um voo pode produzir mais um mundo em que as pessoas possam viajar sem
CO2 do que algumas pessoas produzem num ano. se sentirem culpadas pelo carbono. No NREL, há
Com as preocupações climáticas e as viagens de equipas a desenvolver investigação sobre com-
avião cada vez mais populares, alguns europeus e bustíveis para aviões a jacto a partir de algas ou
norte-americanos, incluindo os cientistas, reduzi- de resíduos alimentares. Em Dezembro, o pri-
ram as viagens de avião. Eu e David aproveitámos meiro avião eléctrico comercial, um hidroavião
para conversar sobre a influência profunda dos de seis lugares, realizou um voo de ensaio bem-
combustíveis fósseis nas nossas vidas. -sucedido no Canadá.
Numa fase anterior da nossa viagem, eu viaja- No Iowa, vêem-se turbinas eólicas a girar no
ra de avião para casa para comemorar o 11.º ani- meio do milho: os créditos fiscais transforma-
versário da minha filha. Senti-me culpado por ram-nas em valiosas fontes de rendimento para
contribuir para um mundo ligeiramente menos os agricultores. O Iowa ocupa actualmente o

22 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
segundo lugar, depois do Kansas, em termos de
Brian Caltrider
percentagem de energia eléctrica gerada a par- colhe o milho na
tir de fontes renováveis. Em Newton, com 15 mil sua quinta, perto
habitantes, as turbinas eólicas são fabricadas de Adair, no Iowa.
A empresa pública local,
numa antiga fábrica das máquinas de lavar May- a MidAmerican Energy,
tag. Em Montpelier, a SSAB, fabricante de aço instalou centenas
sueca, produz peças para turbinas. O calor maci- de turbinas eólicas
desde 2018, gerando
ço provém não do carvão de coque, como acon- receitas apreciáveis para
tece na maior parte das siderurgias de aço, mas famílias de agricultores
de fornos eléctricos de arco. Dentro de dois anos, como esta. O milho da
quinta amadureceu
os fornos serão exclusivamente alimentados por tarde em 2019, devido
energia limpa, contou Chuck Schmitt, da SSAB às chuvas torrenciais
Americas. Uma siderurgia no coração dos EUA da Primavera.
As condições meteoro-
utilizando o vento para fabricar peças de turbi- lógicas tornaram-se
nas eólicas? Pareceu-nos um marco histórico. mais imprevisíveis.

O C A M I N H O PA R A 2 070 23
no Instituto Tecnológico de
Q U A N D O E S T U D AVA primeiro reactor, o outro também foi encerrado pois
Massachusetts, Robert “RJ” Scaringe instalou esten- as operações já eram demasiado caras. Sete outras
dais de roupa no seu apartamento e teve outros centrais nucleares dos EUA fecharam desde 2013,
gestos “demorados e desafiadores” para minimizar estando previsto o encerramento de mais sete até
a sua pegada de carbono. Ele achava que não bas- 2025. Grande parte da sua electricidade isenta de
tava persuadir os outros a prescindir das comodi- carbono será substituída por gás natural, rico em
dades da vida moderna. “É demasiado difícil”, disse. emissões. O debate acerca do futuro da energia
Hoje em dia, Robert dirige a empresa tecnológica nuclear é complicado e cada vez mais ideológico.
Rivian, que fabrica veículos eléctricos e planeia lan- O mesmo se aplica ao debate sobre as alterações
çar um modelo desportivo utilitário e uma carrinha climáticas. “Infelizmente, por razões difíceis de
ainda em 2020. Celebrou também um acordo com compreender, a sustentabilidade tornou-se uma
a gigante retalhista Amazon para construir 100 mil questão altamente política”, dissera-me Robert
camiões de entregas eléctricos até 2030. Scaringe. Contudo, serão necessárias mudanças
Aquilo que é válido para as renováveis também nas políticas públicas a todos os níveis da gover-
se aplica aos veículos eléctricos: a situação está a nação para acelerar a transição para uma energia
mudar rapidamente, mas não com rapidez sufi- limpa. Será possível reunir um país polarizado em
ciente. A nível mundial, existem cinco milhões de torno de soluções?
automóveis eléctricos, um aumento de aproxima- Dias antes do início da nossa viagem, visitei um
damente dois milhões num ano. Só a Volkswagen homem que se candidatara à presidência para
tem planos para construir mais 26 milhões no es- concretizar esse projecto. Conduzi um Nissan
paço de dez anos. Mas isso acontece num mundo Leaf desde a minha casa em Seattle até Olympia,
onde há cerca de 1.500 milhões de automóveis e a capital estadual, para falar com o governador de
camiões. Os veículos eléctricos representam ape- Washington, Jay Inslee. O meu interlocutor deli-
nas 2% do mercado dos EUA. neara planos para tudo, desde uma política nacio-
A Tesla não é a única empresa a esforçar-se nal de energias renováveis para as empresas públi-
por tornar os veículos eléctricos mais atraentes. cas até uma norma de construção zero-carbono.
A Ford apresentou um Mustang eléctrico e a Har- Mas a sua campanha presidencial nunca arrancou
ley-Davidson uma moto eléctrica. No entanto, os e ele acabara de desistir quando o entrevistei.
condutores de todo o mundo estão a mostrar pre- Aparentemente sem se deixar vergar, con-
ferência por SUV mais pesados e mais poluentes: tou-me uma história sobre a capacidade do país
existem agora mais de duzentos milhões na estra- para se mover depressa quando existe vontade.
da, seis vezes mais do que em 2010. Robert Scarin- Em 1940, o exército dos EUA pediu aos fabrican-
ge tem esse mercado como alvo. tes de automóveis que projectassem um veículo
Na unidade de engenharia e design da Rivian, “ligeiro de reconhecimento” novo em folha. No
em Plymouth, no Michigan, Robert concentra-se final da Segunda Guerra Mundial, cinco anos
em veículos para estilos de vida activos. Junta- mais tarde, já tinham sido construídos quase
mente com os seus sócios, planeia construir pos- 645 mil jipes. “Estamos num filme do qual ainda
tos de carregamento de alta velocidade em lugares não vimos o final”, afirmou. “E temos capacida-
com menos tráfego automóvel, perto dos “limites de para chegar a um final feliz.”
dos trilhos”. Embora os adolescentes nem sequer Um mês depois de partirmos de Santa Mónica,
consigam imaginar como era a vida antes das re- eu e David chegámos a Washington. Numa visi-
des sociais, Robert tem esperança de que os seus ta rápida ao Museu Nacional de História Ameri-
próprios filhos (todos com menos de 5 anos) nun- cana, vi o Winton vermelho de Horatio Jackson,
ca venham a conhecer um mundo “onde o carre- com uma réplica do buldogue Bud, de óculos no
gamento não seja omnipresente”. focinho. A exposição sobre viagens de carro ame-
ricanas também abordava uma árdua travessia
NOS DIAS SEGUINTES, eu e David apressámo-nos a do país, em 1919, por uma caravana de viaturas
chegar ao nosso destino: a cidade de Washington. militares que incluíra um jovem tenente-coronel,
Parámos no Ohio para uma visita guiada à First chamado Dwight Eisenhower. Mais tarde, en-
Solar, o maior fabricante norte-americano de pai- quanto presidente, Eisenhower seria o paladino
néis solares. Na Pensilvânia, passámos de carro pela do sistema de estradas interestaduais.
central nuclear de Three Mile Island. Quarenta anos Uma vitrine contava a história de como estas
depois do célebre acidente que fez encerrar o seu estradas se tinham tornado necessárias. Um

24 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
quarto de século depois da viagem de Horatio
Este sinal em Menlo,
Jackson, os automóveis tinham-se transforma- no Iowa, foi instalado em
do num elemento decisivo do estilo de vida nor- 1934, junto daquela que
te-americano. Vinte e três milhões de veículos era então a Auto-Estrada
nº 6 dos EUA. Quando
circulavam nos EUA em 1930, quando a Route era criança, o fotógrafo
66 foi asfaltada. Mais de metade das famílias David Guttenfelder
norte-americanas possuíam um automóvel, in- passava por ele de carro
a caminho de Menlo,
cluindo talvez algumas daquelas que, no início, onde viviam os seus avós.
os tinham considerado “vagões do diabo”. O posto de gasolina foi
Os norte-americanos adaptam-se depressa, encerrado quando a
Auto-Estrada I-80
quando se convencem de que a mudança é ne- desviou o tráfego para
cessária e até mesmo útil. Isso pode acontecer sul da cidade, mas o sinal,
outra vez. Em 2070, as nuvens de “carvão cus- restaurado em 2008,
voltou a acenar: Adeus à
pido” poderão ser recordadas como meros tufos velha cultura automóvel.
soprados pelo vento. j Olá à novidade!

O C A M I N H O PA R A 2 070 25
D I A DA T E R RA 2 070

À MEDIDA QUE
AS ALTERAÇÕES
CLIMÁTICAS
T E XTO D E L AU RA PA R K E R
GERAM O CAOS A
NÍVEL MUNDIAL,
ALGUNS JOVENS
FAZEM-SE OUVIR
E EXIGEM MAIS
DOS MAIS VELHOS.
DELANEY REYNOLDS,
DE 20 ANOS, MEDE 1,57 METROS.
NOS SEUS DISCURSOS, EXPLICA
QUE, QUANDO TIVER 60 ANOS,
A SUBIDA DO NÍVEL DOS MARES NO
SEU ESTADO, A FLORIDA, ELEVARÁ
A ÁGUA À ALTURA DA SUA CINTURA.
QUANDO TIVER 100, ESTARÁ MUITO
ACIMA DA SUA CABEÇA. NÃO
HÁ MAIS NADA A DIZER. “AS
CRIANÇAS COMPREENDEM”, DIZ.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A N T E S D E G R E TA , E X I S T I U S E V E R N .

As suas fotografias aparecem frequentemente lado a lado,


como ícones da longa campanha empreendida pelos jovens
para convencerem os adultos a darem passos significativos no
combate às alterações climáticas. Greta Thunberg, a activista
sueca adolescente, é a criança mais recente a fazer soar o
alarme. Severn Cullis-Suzuki, a filha de um cientista ambiental
de Vancouver, fê-lo antes dela.
Em 1992, com 12 anos, Severn deslocou-se com três ou-
tras jovens activistas à conferência sobre o clima organizada
pelas Nações Unidas no Rio de Janeiro. A ciência começara
então a fazer-se ouvir sobre o aquecimento global. Apenas
quatro anos antes, a ONU criara o Painel Intergovernamental
para as Alterações Climáticas, hoje a principal autoridade em
climatologia. Os líderes mundiais não estavam habituados a
ouvir sermões de crianças.
Severn ficou conhecida como “a menina que silenciou o
mundo durante seis minutos”, criando um precedente para
jovens activistas exprimirem a sua ideia de catástrofe imi-
nente com aquela clareza que só as crianças têm. “Vocês têm
de mudar a vossa maneira de ser”, disse ela aos delegados.
“Perder o meu futuro não é como perder uma eleição ou re-
duzir alguns pontos na bolsa de valores.”
Quando Greta apresentou o seu discurso na conferência das
Nações Unidas em Nova Iorque, em Setembro de 2019, as seme-
lhanças foram flagrantes. À primeira vista, nada foi feito, nos
27 anos entretanto decorridos, para evitar a ameaça existencial
enfrentada pela humanidade. (Continua na pg. 34)
28 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“A NOSSA
GERAÇÃO
ESTÁ A
TRANSFORMAR
A CRISE
CLIMÁTICA NO
MOMENTO MAIS
UNIFICADOR DA
HUMANIDADE.”

XIUHTEZCATL
MARTINEZ
Xiuhtezcatl nasceu
no Colorado e foi criado
segundo as tradições
do seu legado cultural
indígena. Tem 19 anos,
é artista de hip-hop
e director do
Departamento
da Juventude do Earth
Guardians, um grupo
que dá formação a
jovens activistas
ambientais. É um de 21
jovens que processararam
o governo dos EUA
para garantir o direito
constitucional à vida
e à liberdade, exigindo
medidas face às
alterações climáticas e
a redução do consumo
de combustíveis fósseis.
VICTORIA WILL
GRETA THUNBERG
Depois de captar a em público, devemos
atenção do mundo, começar por dizer
em Setembro do ano algo pessoal ou emotivo
passado, a activista, para captar a atenção”,
agora com 17 anos, comentou. “Hoje não
participou na vou fazê-lo porque, se
conferência sobre o fizer, as pessoas vão
alterações climáticas concentrar-se nessas
da ONU realizada em frases. Não vão
Dezembro, em Madrid. lembrar-se dos factos,
O seu tema principal foi que são a primeira razão
a ciência. “Já fiz muitos pela qual estou a
discursos e aprendi dizer estas coisas.”
que, quando falamos TOM JAMIESON

30 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“ACREDITO
FIRMEMENTE NUM
MUNDO MAIS VERDE
E SEM DESPERDÍCIOS.
JUNTE-SE A NÓS.
FAÇA ALGO.
FAÇA-O EM
NOME DOS SEUS
DESCENDENTES.”

GHISLAIN
IRAKOZE
Quando fazia um trabalho
para a escola, no Ruanda,
Irakoze encontrou um
aterro cheio até ao topo.
Descobriu que os
componentes eletrónicos
rejeitados representavam
mais de 45 milhões de
toneladas de resíduos
eliminados anualmente
a nível global.
Actualmente a frequentar
a universidade, fundou a
Wastezon, que usa uma
aplicação de telemóvel
para ligar os consumidores
às indústrias de recicla-
gem. A empresa já ajudou
a enviar 420 toneladas de
componentes electrónicos
para reciclar em Kigali,
a capital do Ruanda.
TOM JAMIESON
MAYUMI
SATO
Mayumi já trabalhou na
Tailândia, no Laos e no
Nepal, em actividades sobre
os impactes sociais da
deflorestação, a
recuperação da paisagem e
a mitigação do clima. Aos
25 anos, estuda no Reino
Unido. “As alterações
climáticas não dizem só
respeito ao ambiente”,
comenta. “Exacerbam a
exclusão social, o conflito,
o classismo, o racismo.
Todos temos de participar
na justiça climática.”
TOM JAMIESON

ALEXANDRIA
VILLASEÑOR
Para mostrar o seu apoio
à greve escolar de Greta
Thunberg em Estocolmo,
Alexandria, então com 13
anos, fez as suas próprias
vigílias de sexta-feira à
porta das Nações Unidas,
em Nova Iorque, onde
vive. Desse início solitário,
em Dezembro de 2018,
sob a chuva fria, ela
avançou para a fundação
do Earth Uprising, um
grupo dedicado à
educação climática.
VICTORIA WILL

32 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“AS GREVES
ESTUDANTIS
FUNCIONAM
NO MUNDO
OCIDENTAL.
NA MAIORIA
DO MUNDO,
OS PROBLEMAS
SÃO OUTROS.
SE NÃO TIVEREM
COMIDA, COMO
VÃO CONSEGUIR
FAZER GREVE?”

KEHKASHAN
BASU
Nascida em Abu Dhabi,
mas de ascendência
indiana, Kehkashan, de 19
anos, vive em Toronto.
Esta Jovem Exploradora
da National Geographic
criou a Fundação Green
Hope para dar voz aos
jovens. Ajudou crianças
a replantar mangues
na região desflorestada
das Sundarbans, na baía
de Bengala, e plantou
árvores num campo
de refugiados no
Bangladesh. O seu
optimismo em relação
ao futuro reflecte-se no
nome da sua fundação.
REBECCA HALE

E M L U TA P E L O S E U F U T U R O 33
No entanto, muito mudou e isso poderá, por Felix queria ajudar. Plantou uma árvore na esco-
fim, desencadear acção. O número crescente e a la. Agora está a fazer um doutoramento em ecolo-
intensidade de catástrofes recentes concentra- gia do clima enquanto dirige uma organização sem
ram as atenções globais naquilo que está em jogo. fins lucrativos fundada em 2007. A Plant-for-the-
De forma reveladora, a população que sentirá as -Planet plantou oito milhões de árvores em 73 paí-
consequências saiu para a rua no ano passado, ses e faz parte de um esforço global para plantar um
dando corpo a algumas das maiores manifesta- bilião. “Não há razão para este movimento ter sido
ções ambientalistas da história. contido durante tanto tempo ou para considerá-
Os jovens estão bem posicionados, pela força -lo um capricho da juventude”, diz. “É fenomenal.
dos seus números e pelo poder organizador das Talvez seja o ponto de viragem que esperávamos.”
redes sociais, para gerar acção. Em todo o mundo, No Outono passado, Felix encontrou-se e parti-
há mais de três mil milhões de pessoas com me- lhou pistas com Lesein Mutunkei, de Nairobi (Qué-
nos de 25 anos: são dois terços da população total. nia), um jogador de futebol com 15 anos que plan-
Nos Estados Unidos, durante a agitação cultural tava uma árvore por cada golo que marcava, como
de finais da década de 1960 e início da década de forma de contribuir para a recuperação das flo-
1970, o número de norte-americanos com idades restas locais. Lesein expandiu o seu projecto e en-
entre 18 e 29 anos totalizava 41 milhões. Hoje, esse volveu outros jovens, levando-os a comemorar os
grupo etário ascende a 52 milhões. O âmbito das seus feitos plantando árvores. “Se formos bons em
manifestações dos jovens também se alargou, música e atingirmos metas, podemos plantar uma
transformando-se num movimento que inclui vá- árvore por isso. Se tivermos uma boa nota numa
rias causas sociais, nomeadamente a justiça racial disciplina, podemos plantar uma árvore”, diz.
e o controlo das armas, sugerindo comparações Um dos esforços com mais repercussões está
com o activismo social de finais da década de 1960 a decorrer nos tribunais do mundo, incluindo na
que agitou países em todo o mundo. Noruega e no Paquistão, onde os jovens interpuse-
Milhões de crianças atingiram a maioridade ram acções judiciais para proteger o clima.
enquanto viram as plataformas de gelo a derreter
e as temperaturas a subir. Estão fartas de esperar de manifestações climáticas
A M A I S R E C E N T E VAG A
que os líderes governamentais tomem medidas. começou a ganhar forma há vários anos na Europa.
“A guerra do Vietname foi o gatilho que radicali- Jovens activistas alemães organizaram greves estu-
zou uma geração”, diz Stephen Zunes, professor dantis que atraíram poucas pessoas e atenção, mas
de ciência política da Universidade de São Fran- ajudaram a construir os alicerces do movimento
cisco. “Agora, o clima vai fazer o mesmo.” desencadeado pela greve escolar solitária de Greta
Delaney Reynolds, de 20 anos, residente na Flo- Thunberg em Agosto de 2018, que apanhou o
rida, um dos locais dos EUA mais vulneráveis às mundo de surpresa. Desconhecida quando se sen-
alterações climáticas, sente-se cada vez mais frus- tou à porta do Parlamento sueco em Estocolmo, a
trada com a falta de acção. “Muitos adultos que jovem de 17 anos tornou-se o rosto de um movi-
hoje detêm o poder estão demasiado preocupados mento global que já deu origem a greves estudantis
com o dinheiro e com os lucros”, diz. “Assim que na maioria dos países e em mais de sete mil cidades.
conseguirmos substituí-los, vamos substituí-los.” Quando chegou a Nova Iorque, depois de atravessar
Delaney estuda agora na Universidade de Mia- o Atlântico num iate à vela, sem produzir emissões,
mi e fundou o Projecto Sink or Swim [Afundar ou Greta alcançou o tipo de notoriedade que torna
Nadar] e começou a dar formação aos cidadãos da alguém conhecido apenas pelo seu primeiro nome
Florida sobre os riscos da subida do nível do mar. e que costuma estar reservada às estrelas da música.
Proferiu centenas de palestras. “É incrível como as Greta é directa e incisiva, talvez em parte por
crianças do pré-escolar conseguem perceber que ter síndrome de Asperger. Não usa a linguagem
isto é um problema, ao contrário dos políticos”, diz. sinuosa do discurso político. Quando prestou
Felix Finkbeiner, activista alemão de 22 anos, testemunho no Congresso dos EUA, apresentou
é outro veterano do movimento juvenil contra as o relatório do painel para o clima da ONU em vez
alterações climáticas. Ele despertou para a causa dos seus próprios comentários. “Não quero que
aos 9 anos, pois tinha um urso-polar de peluche e me ouçam. Quero que ouçam os cientistas”, disse.
ficou comovido com imagens de outros ursos es- Elizabeth Wilson, advogada especializada em
fomeados lutando por alimento, enquanto o gelo direitos humanos, tem visto os jovens activistas a
do Árctico desaparecia. ganharem força. “Acho inacreditável que nos te-

34 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
nhamos convencido de que estamos a viver num sucesso. No entanto, é mais difícil obrigar as socie-
mundo pós-verdade e que sejam estes miúdos a dades a fazerem mudanças estruturais, que podem
dizer: ‘Nós acreditamos nos factos. Acreditamos demorar anos. A remodelação do sistema energé-
na ciência. Aquilo que vocês nos dizem não é uma tico do planeta é quase como uma tarefa de Sísifo.
realidade alternativa. É mentira”, diz. “É incrível.” “Para o sucesso de um movimento, é impor-
Facilmente nos esquecemos do facto de, apesar tante que ele se mantenha coerente e que seja
dos seus conhecimentos de comunicação e capa- transformado em política pública”, diz Kathleen
cidades de organização táctica, muitos activistas Rogers, presidente da Rede do Dia da Terra e ac-
do clima ainda serem crianças. Muitos têm pro- tivista ambiental. “Se não o transformamos em
blemas de ansiedade e depressão. A sua atenção poder político, ele acabará por morrer.”
está fixada em relatórios alarmantes. Uma análi- Na Europa, os activistas mudaram a paisagem
se da ONU, de 2018, concluiu que as emissões de política mais facilmente do que nos Estados Uni-
carbono têm de ser reduzidas para metade até dos. “Na Alemanha, registou-se uma mudança
2030 para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e fundamental na política e na escala”, diz Felix
uma investigação conduzida pela Organização Finkbeiner. “Todos os políticos alemães percebe-
Meteorológica Mundial e pela revista Nature, pu- ram que as eleições já não se ganham sem políti-
blicada em 2019, avisou que a subida das tempe- cas ecológicas.”
raturas acima desse limiar conduzirá
a um agravamento da ocorrência de
furacões, cheias, secas e incêndios flo-
restais, bem como desastres agrícolas
que poderão reduzir o abastecimento
alimentar do mundo.
“Não é difícil encontrar crianças
“É INCRÍVEL VER COMO
que digam que não querem ter filhos AS CRIANÇAS DO PRÉ-ESCOLAR
por causa do caos em que acham que
o mundo vai estar”, diz Lise van Sus-
CONSEGUEM PERCEBER QUE
teren, uma psiquiatra que estuda a ISTO É UM PROBLEMA,
maneira como os jovens estão a lidar
com as alterações climáticas. “É uma
AO CONTRÁRIO DOS POLÍTICOS.
DELANEY REYNOLDS
altura conturbada para as crianças.
Têm assistido a tudo com os próprios
olhos. Viram os incêndios. Viram as
tempestades. Elas não são estúpidas
e estão zangadas.”
Jamie Margolin, de 18 anos, foi fun-
dador do grupo Zero Hour. Alexandria Villaseñor, Severn Cullis-Suzuki, actualmente com 40
de 14 anos, falta às suas aulas de sexta-feira desde anos, não teme a extinção do movimento climáti-
Dezembro de 2018 para se manifestar em frente co. “Impressiona-me que o momento actual se pa-
da sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Am- reça tanto com o que vivemos em 1992. [A cimeira
bos descreveram os seus receios face ao futuro, d]O Rio foi um sucesso. Conseguimos que todos
num simpósio no Outono passado nos escritórios os líderes se comprometessem” diz. “Houve uma
do Twitter em Washington. Alexandria teme que, consciencialização. Agora temos de traduzi-la em
quando tiver idade para votar e contribuir para a algo parecido com uma revolução.”
eleição de líderes conscientes para o problema das Severn licenciou-se em ecologia e vive com o
alterações climáticas, já seja tarde demais. Jamie, marido e dois filhos em Haida Gwaii, um aglome-
que vive em Seattle, descreveu ataques de deses- rado de ilhas ao largo da costa da Colúmbia Bri-
pero que a puseram de cama. “A ansiedade climá- tânica, no Canadá. Está a fazer um doutoramento
tica é uma realidade para mim”, disse. em antropologia linguística, estudando a lingua-
gem e a cultura dos haida, um povo indígena cuja
A história diz
S E R Á O MOV I M E N TO B E M - S U C E D I D O ? defesa do seu contexto ambiental permitiu resis-
que não. Os movimentos sociais travados contra tir durante mais de dez mil anos. Ela faz uma pau-
vilões identificáveis, como déspotas, costumam ter sa. Valerá a pena acrescentar algo mais? j

E M L U TA P E L O S E U F U T U R O 35
ROSIE MILLS
Rosie, de 19 anos, criou do Partido Verde. Perdeu,
uma petição que mas não ficou em último
convenceu o conselho de lugar. “Uma das coisas
Lancaster, em Inglaterra, a mais estranhas que me
declarar uma “emergência aconteceu foi uma
climática” após uma cheia professora dizer-me: ‘Vou
catastrófica. No ano votar em ti.’ Depois, man-
passado, concorreu a um dou-me fazer um trabalho
lugar no Parlamento para o dia seguinte.”
Europeu como candidata TOM JAMIESON

36 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
“A GERAÇÃO
MAIS NOVA PRECISA
DE APRENDER
COMO AGIR
PERANTE UMA CRISE.
VAMOS DESATAR
AOS GRITOS
E ENTRAR EM
PÂNICO?
PRECISAMOS
DE CALMA
E DE ACÇÕES
BEM DEFINIDAS
E ISSO IMPLICA
SERMOS
PARCEIROS
TRANSGERACIONAIS.”

SEVERN
CULLIS-SUZUKI
Através de palestras,
ensaios e filmes, Severn
promove o regresso a
valores compatíveis com a
Terra. O discurso proferido
na conferência do Rio de
Janeiro em 1992, quando
tinha 12 anos, ainda é
popular no YouTube. Em
2017, Severn comemorou o
25.º aniversário da cimeira,
incentivando os jovens a
fazerem o seu discurso e a
afixarem os vídeos na sua
página de YouTube: “I’m
Only a Child, but…”.
KARI MEDIG
FELIX
FINKBEINER
Em 2007, Felix então com 9
anos, fundou uma
organização sem fins
lucrativos para plantação
de árvores na sua aldeia na
Alemanha. Hoje, é Jovem
Explorador da National
Geographic.Os seminários
da Plant-for-the-Planet,
que falam às crianças sobre
o aquecimento global,
criaram um exército de mais
de 93 mil “embaixadores
da justiça climática” que
se tornaram activistas
nas suas comunidades.
DANA SCRUGGS

RABAB
ALI
Rabab, de 11 anos (acompa-
nhada do irmão, Ali Monis,
de 7 anos), processou o
governo paquistanês,
argumentando que este
violara o direito da sua
geração a viver num
ambiente saudável ao
permitir os danos causados
pela extracção mineira e
queima de combustíveis
fósseis. Uma decisão judicial
reconheceu que os jovens
têm direito a apresentar
processos. O seu pai apresen-
tou a queixa em seu nome.
HUMAYUN MEMON

38 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
D I A DA T E R RA 2 070
“OS POLÍTICOS
PREOCUPAM-SE
COM A REELEIÇÃO
E ISSO SÓ ACONTECE
COM VOTOS E
DINHEIRO.
OS JOVENS
ACTIVISTAS NÃO TÊM
MUITO DINHEIRO,
MAS TEMOS IMENSOS
JOVENS ELEITORES
QUE AINDA NÃO ESTÃO NOS PAÍSES RICOS,
RECENSEADOS.” O AR, A ÁGUA E O SOLO
SÃO AGORA MAIS
LIMPOS DO QUE
HÁ 50 ANOS.
A TAREFA QUE
SE SEGUE É ALARGAR
ESSE SUCESSO,
JEROME DESENVOLVER ENERGIA
FOSTER II
Em Novembro deste ano,
LIMPA E CONSERVAR
COMO NUNCA.
terá idade suficiente para
votar pela primeira vez
numa eleição presidencial
dos EUA e acha que o
recenseamento dos
jovens é a melhor forma
de promover a acção
face às alterações
climáticas. Com isso
em mente, Jerome
fundou a OneMillionOfUs,
uma organização que
junta o recenseamento
ao activismo contra as
alterações climáticas,
pelo controlo de armas,
as reformas de imigração
e a igualdade de
géneros e raças.
REBECCA HALE

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
1970 POPULAÇÃO
MUNDIAL
EM 1970 3.700 MILHÕES
1980
1980 ECLARAÇÃO
DE PRINCÍPIOS
É lançada a Estratégia
1987 RELATÓRIO
BRUNDTLAND
É publicado
1990
POPULAÇÃO
MUNDIAL
EM 1990 5.300 MILHÕES
Mundial para a o relatório
«O Nosso Futuro
1972 PROIBIÇÃO DE UM PESTICIDA
TRISTEMENTE CÉLEBRE
Conservação, elaborada
pela UICN e secundada Comum», da
O livro “Primavera Silenciosa” conduziu à interdição pela PNUMA, pela ex-ministra
do DDT, considerado perigoso para a vida selvagem, WWF, pela FAO e pela norueguesa Gro
o ambiente e, potencialmente, para os seres humanos. UNESCO, para impulsio- Harlem Brundtland.
nar a conservação de O relatório utiliza
recursos naturais pela primeira vez o
e de ecossistemas. conceito «desenvolvi-
mento sustentável»
POPULAÇÃO como princípio
MUNDIAL director para o
EM 1980 desenvolvimento
1990 PROIBIÇÃO DO COMÉRCIO INTERNA-
1970
4.500
PRIMEIRO DIA DA TERRA mundial a longo
No dia 22 de Abril, vinte milhões de pessoas CIONAL DE MARFIM DE ELEFANTE
prazo. O conceito
desfilam pelas ruas dos EUA para chamar a atenção Abranda, por pouco tempo, a caça furtiva do
1987 PRIMEIRA LEI DE BASES DO AMBIENTE procura conciliar o
elefante-africano. Em 2016 o Quénia começou a

MILHÕES
para a necessidade urgente de protecção ambiental. Após quatro anos de debate científico e político, progresso económico
queimar marfim para dissuadir a caça furtiva.
é aprovada na Assembleia da República a primeira Lei de e social com a
Bases do Ambiente, proposta pelo governo minoritário preservação
1972 PRIMEIRA
CIMEIRA 1972 DEFESA DOS MAMÍFEROS MARÍTIMOS
O Marine Mammal Protection Act protege as populações em declínio de mas aprovada pela generalidade da oposição. ambiental.
DA TERRA baleias, golfinhos, focas e manatins contra o abate em águas dos EUA. O número
Celebra-se em
Estocolmo a primeira
de efectivos inicia uma recuperação que se prolongará durante décadas.
energia nuclear.
1987 PROTOCOLO DE MONTREAL
Os líderes mundiais concordam em
conferência da
receios em relação à
descontinuar substâncias que afectem a camada
ONU sobre Ambiente.
escala, suscitando mais
de ozono. Todos os países assinam o tratado.
Uma delegação
uma evacuação em larga
portuguesa participa
30 pessoas e obriga a
com o estatuto de
viética. A radiação mata
observadora.
Chernobyl, na União So-
na central nuclear de
Um reactor explode

1973 CONVENÇÃO
CITES
CHERNOBYL
1986
NUCLEAR DE
É redigida a Convenção ACIDENTE
para o Comércio
Internacional de
Espécies Ameaçadas
de Fauna e Flora
Silvestres. Entra
em vigor em 1975. 1987 SALVAMENTO
DO CONDOR
Ratificada por 183 Os últimos 27 condores
países, protege mais
de 37 mil espécies.
da Califórnia são protegi-
dos em cativeiro. Inicia-se
o clorofluorcarboneto e outras substâncias químicas. 1999 RESERVA VOLUNTÁRIA DO CANEIRO
DOS MEROS
uma longa recuperação.
protectora do ozono acima da Antárctida. Culpados:
Por acordo entre pescadores e mergulhadores, é
Hoje, mais de duzentos
É descoberta uma diminuição grave da camada
estabelecida a primeira reserva voluntária do país.
média global
egistada

emperatura
ntre a
o século XX

iferença
a média

animais vivem novamen- 1985 Fica na ilha do Corvo e ajuda a preservar uma
BURACO DO OZONO
-0,5

te na natureza.
0

0,5

população relevante de meros.


DESCOBERTA DO
1

1,5

1980
1969

1986

1988

1989

1990
1984

1994
1983
1983

1985

1987

1993
1993
1982

1992
1970

1976

1978

1979
1977
1973
1973

1975
1972

1974

1981

1991
1971

1979 CONTRA A
dos mais elevados níveis de dioxinas registados. industriais. aquecer o planeta. no Koweit.
CHUVA ÁCIDA
Vapores tóxicos expõem milhares de pessoas a algun os perigos dos resíduos veis fósseis já estão a jazidas de petróleo
Depois do alarme
QUÍMICOS EM SEVESO, ITÁLIA 1976 mando a atenção para queima de combustí- deia mais de seiscentas
provocado por danos
ACIDENTE NUMA FÁBRICA DE Niagara Falls (EUA), cha- calor libertados pela Golfo, o Iraque incen-
nas florestas e pela
de Love Canal, junto de outros gases que retêm Durante a Guerra do
acidificação de lagos na
centenas de residentes o dióxido de carbono e ROS DO KOWEIT
Escandinávia na sequên-
rados fazem adoecer Congresso dos EUA que PETROLÍFE- 1991
cia de emissões de
Químicos tóxicos enter- Hansenanuncia ao INCÊNDIOS
enxofre na Europa LOVE CANAL1978 O climatologista James
continental, em 1979 é FUROR EM DE ESTUFA
assinado em Genebra o DO EFEITO1988 ção da floresta tropical.
Convénio contra a energia nuclear. DETECÇÃO pais factores de destrui-
Contaminação

1996
torna-se um dos princi-
EUA PROÍBEM
receio para os riscos da
Atmosférica Transfron-
GASOLINA
mortes, mas desperta o Príncipe Guilherme. A produção de carne
teiriça. A partir de 1980,
COM CHUMBO
Pensilvânia não provoca crude no estreito do de pastagem aumenta.
as emissões de enxofre uma central nuclear na 42 milhões de litros de ção para criar terrenos
foram reduzidas em A fusão parcial de O petroleiro derrama Culmina um longo O ritmo de desfloresta-
70 % e as de dióxido processo de retirada. AMAZÓNIA
de azoto 25 % entre
ISLAND 1979
THREE MILE
VALDEZ
EXXON
1989 A Europa proíbe-a PERDA NA
1995
1990 e 2000. em 2000.
FOTOGRAFIAS (DA DÉCADA DE 1970): NASA (TERRA); JAMES P. INCÊNDIOS NA AMAZÓNIA SÍNDROME
BLAIR (DDT); ALASKA STOCK IMAGES/COLECÇÃO DE IMAGENS 2019 Incêndios associados à desflorestação co- 2006 DO NARIZ
DA NATIONAL GEOGRAPHIC (BALEIA); MARKA, GETTY IMAGES
(FÁBRICA DE PESTICIDAS); ZACARIAS PEREIRA DA MATA/ brem o Brasil de fumo, alimentando o medo de que BRANCO
SHUTTERSTOCK (GERÊS); JOEL SARTORE, ARCA FOTOGRÁFICA partes da floresta tropical se transformem em savana. Um fungo começa
DA NAT GEO (CONDOR); AP IMAGES (CHERNOBYL); NASA a matar milhões de
(OZONO); NATALIE B. FOBES (EXXON); CHARLIE HAMILTON
JAMES (MARFIM); KAREL BARTIC/SHUTTERSTOCK (MERO);
exemplares de várias
SARAH LEEN (BOMBAS DE GASOLINA); JOEL SARTORE, ARCA espécies de morcegos
FOTOGRÁFICA DA NAT GEO (LINCE-IBÉRICO); CRAIG CUTLER americanos.
(ARROZ); JOEL SARTORE (RÃS); PARAMOUNT CLASSICS,
PHOTOFEST (AL GORE); PJ RESNICK/SHUTTERSTOCK (EÓLICA);
MUSEU NACIONAL DO MOTOR, GETTY IMAGES (TESLA); GETTY
IMAGES (PRESTIGE); INGO ARNDT (ABELHA); STEPHEN ALVAREZ COLAPSO DAS CORTE DE
(MORCEGO); LAURI PATTERSON, GETTY IMAGES (HAMBÚR- 2006 COLÓNIAS DE 2006 BARBATA-
GUER); CHARLIE RIEDEL, AP PHOTO (DERRAME PETROLÍFERO);
OBSERVATÓRIO DA TERRA DA NASA, JOHN SONNTAG
ABELHAS NAS DE TUBARÃO
(LARSEN C); MATTHEW ABBOTT, NEW YORK TIMES (AUSTRÁLIA); Apicultores começam 26 a 73 milhões de APOCALIP SE ANFÍBIO
VICTOR MORIYAMA, GETTY IMAGES (AMAZÓNIA) a relatar o misterioso tubarões são mortos 1997 Confirma-se que a quitridiomicose, um fungo
GRÁFICO DA EQUIPA DA NGM. FONTE: NASA desaparecimento de anualmente pelas suas que devora a pele e é disseminado pelos seres huma-
EXTINÇÃO DE MAMÍFEROS obreiras, que conduz barbatanas. Este número nos, tem abatido milhares de rãs e salamandras. Já se
50º DIA 2016 É a primeira causada pelas alterações climáti- ao colapso de muitas ameaça a viabilidade das extinguiram noventa espécies. É um dos agentes pa-
DA TERRA
DA TERRA colónias. populações .
50° DIA
2020 cas: o Melomys rubicola, um roedor australiano. togénicos mais destrutivos de que há conhecimento.
2020
2011
2010

2012

2017
2015
2013

2014

2019
2018
2016
2001
1997
1995

1999
1998
1996

2002

2007
2005
2003

2004

2009
2008
2006
2000

INCÊNDIOS FLORESTAIS DA AUSTRÁLIA MENOS GELO ASCENSÃO


para as gerações futuras.
FURACÃO KATRINA
2019 Queimam uma área superior à Islândia, causando a morte de um 2012 NO ÁRCTICO 2006 DA CHINA
4,5 milhões de culturas
2005 A tempestade mais cara de sempre nos EUA
Recorde mínimo em
sementes congeladas de
número de animais que pode elevar-se a mil milhões. Com o aumento do uso mata 1.833 pessoas e inunda 80% de Nova Orleães.
Setembro: perdeu-se
ga, pode armazenar as
de carvão, a China ultra-
uma área equivalente
Coordenado pela Norue-
passa os EUA, tornando-
ao dobro do Alasca. COLAPSO DA PLATAFORMA LARSEN B
de Sementes de Svalbard.
-se o principal emissor
de CO2. As suas emissões
É criado o Cofre Global 2002 Um satélite documenta a fragmentação de
FURACÃO per capita continuam
SEMENTES uma plataforma de gelo com 3.250 quilómetros qua-
2012 SANDY drados que flutuava nas águas da península Antárctica.
muito inferiores.
BANCO DE
2008
Cheias em Nova Iorque.
Os danos custam 64 mil
milhões de euros. DESASTRE DO cem exemplares para mais de oitocentos.
2002 PRESTIGE recuperação que permitiu passar de menos de
DESASTRE DE Quando o petroleiro São o primeiro passo para gizar um plano de
2011 FUKUSHIMA Prestige se afundou na censos meticulosos do lince-ibérico na Península.
Um sismo e um maremo- costa galega, Ao abrigo de programas LIFE, realizam-se os
to levam à fusão parcial derramou crude e RECUPERAÇÃO DO LINCE
1999
de três reactores de uma detonou um dos mais
central nuclear japonesa, graves desastres
causando descargas de ecológicos. As ratificam o tratado.
material radioactivo na manchas atingiram de CO2. Os EUA não
atmosfera e no mar. Portugal. a reduzir as emissões
peia comprometem-se
FRACTURA DA PLATAFORMA LARSEN C um automóvel eléctrico produzido em massa. fontes de energia renovável. e a Comunidade Euro-
2016 Após o colapso da Larsen B em 2002, outra
única carga: uma autonomia sem precedentes para –20 % de consumo, 20 % de produção a partir de ções climáticas, 37 países
plataforma de gelo na Antárctida começa a partir-
automóvel percorreu 400 quilómetros com uma –20 % de emissões de gases com efeito de estufa, Para mitigar as altera-
-se, devido às alterações climáticas.
Roadster de duas portas eléctrico. Em testes, o clima e energia para atingir metas em 2020: DE QUIOTO
A Tesla Motors lança o seu automóvel, o A UE lança um pacote de medidas sobre PROTOCOLO
1997
OS CARROS ELÉCTRICOS EM MARCHA OBJECTIVOS UE 20/20/20
2008 2008
e asiáticos. países da UE.
das dietas de africanos o ambiente pelos
melhorar a nutrição fundamentadas para
vitamina A para a adopção de políticas
modificado com O objectivo é facilitar
D E R RA M E N O G O L F O D O M É X I C O
geneticamente AMBIENTE
2010 Uma explosão na plataforma petrolífera
O arroz é EUROPEIA DO
Deepwater Horizon mata 11 operários e verte mais no combate à ameaça. DOURADO A AGÊNCIA
de 490 milhões de litros de crude para o mar.
ARROZ É CRIADA
1999 1994
gressos significativos
sem se registarem pro-
...torna-se moda. e palhinhas. Trump anuncia a retirada dos EUA. No entanto, o furor passa Alterações Climáticas. previsões concretiza-se.
SEM CARNE como pratos, talheres tes para cumprir o objectivo de dois graus. Donald “Melhor documentário”. de combustível. Nações Unidas sobre global. A maioria das
HAMBÚRGUER plástico descartáveis, anunciam cortes nas emissões, embora não suficien- um Óscar na categoria de um ícone da eficiência a Convenção das sobre aquecimento
2019
2021, de objectos de aquecimento global a 2oC. Mais tarde, outros países ções climáticas e ganha em massa, torna-se século XXI. É aprovada o primeiro relatório

MILHÕES
a venda, a partir de Líderes de 195 países concordam em limitar o pública sobre as altera- e eléctrico produzido mento sustentável no ções Climáticas divulga
europeia proibe ACORDOS DE PARIS SOBRE O CLIMA a consciencialização com motor a gasolina gurar o desenvolvi- mental para as Altera-
2015
Uma directiva niente” contribui para primeiro automóvel um programa para asse- O Painel Intergoverna-

6.100
DE USO ÚNICO EM 2010 “Uma Verdade Inconve- O Toyota Prius, o É lançada a Agenda 21, DO IPCC
EM 2000
PLÁSTICOS MUNDIAL AL GORE ÇÃO HÍBRIDA MUNDIAL TERRA NO RIO PROJECÇÃO
FIM DOS P AÇÃO O FILME DE A REVOLU- AÇÃO C I M E I R A DA PRIMEIRA
2019 7.600 MILHÕES 2006 2000 1992 1990
2010 2000
N AT I O N A L G E O G R A P H I C . P T | ABRIL 2020

50º ANIVERSÁRIO
DIA DA TE RR A
NÚMERO ESPECIAL

COMO PERDEMOS O PLANETA


Uma visão optimista
da vida na Terra
em 2070
GUIA DO
P E S S I M I S TA

DIA DA
TERRA
HÁ 50 ANOS
CELEBRÁMOS
O PRIMEIRO
DIA DA TERRA.
ONDE ESTAREMOS
DAQUI A
50 ANOS?
OS SINAIS
NÃO SÃO
ANIMADORES.

Não se sinta
demasiado
pessimista.
Vire a revista
e encontrará
um guia para
optimistas com
o relato de uma
viagem em
carro eléctrico
e a opinião
de jovens
activistas.

ILUSTRAÇÃO: ANDY GILMORE


2070
N AT I O N A L G E O G R A P H I C
ABRIL 2020

I M AG E N S DA
D E VA S TA Ç Ã O

GUIA DO
P E S S I M I S TA
Animais em risco
Alerta em Veneza

N A T E L E V I SÃO

P RÓX I M O N ÚM E RO

UM MUNDO PERDIDO O MUNDO EM 2070 CINQUENTA ANOS


A perda de uma
paisagem devido a
Ainda não sabemos
se conseguiremos
DE ESTRAGOS
alterações climáticas, uma reduzir as emissões Os incêndios
catástrofe ouaodesenvol- de gases com efeito que ocorreram
vimento industrial tem de estufa. O que recentemente na
custos emocionais. podemos afirmar é que, Austrália são um
Glenn Albrecht, professor em 50 anos, o nosso dos muitos sinais que
de estudos ambientais, ambiente terá mudado ao longo das últimas
cunhou, no início drasticamente. Que cinco décadas nos
do século XXI, um clima terão as cidades têm advertido para
neologismo para do futuro? uma situação alar- Na capa
definir esse sentimento: T E X TO D E K AYA L E E B E R N E ,
mante: a Terra e todos Ilustração da Terra
“solastalgia”. A L E JA N D R A B O RU N DA ,
os seres que a habitam afectada por mudanças
T E XTO E F OTO G RA F I A S R I L E Y D. C H A M P I N E
estão mergulhados climáticas descontroladas.
DE PETE MULLER E J A S O N T R E AT
numa crise. IMAGINARY FORCES

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A IMPORTÂNCIA
DE CONHECER
A FLORESTA
AO MILÍMETRO
Imagine que podemos saber, com precisão
milimétrica, o que se passa na floresta. Que espécies
crescem num determinado espaço; que condições
climáticas enfrentam ao longo do tempo. Ou, ainda,
que tipo de composição tem o solo e que uso lhe
está a ser dado. Não precisa de imaginar muito mais,
porque tudo isto é já uma realidade: graças aos
avanços das tecnologias de informação, a gestão
florestal é hoje uma atividade de precisão. E muito
mais eficaz.

Conhecer a floresta ao pormenor, de forma


sistemática e continuada, é fundamental para saber
como planear e intervir neste grande e complexo
ecossistema terrestre. O desenvolvimento de
tecnologias de informação e digitalização permite
hoje uma caracterização milimétrica do estado
e do uso das florestas, contribuindo para múltiplas
e variadas aplicações, como por exemplo na
definição dos locais mais propícios para as florestas
de produção ou para as de proteção e conservação.

Para além das imagens de satélite de elevada


resolução, como aquelas que são obtidas pelos
satélites Sentinel, do programa Copernicus
(promovido pela Agência Espacial Europeia),
o suporte de cartografia aérea (Airborne Laser
Scanning-ALS) e terrestre (Terrestrial Laser
Scanning-TLS) permite construir uma base de
informação espectral inferior a um centímetro.
Este manancial de dados sem precedentes é usado
para agilizar a gestão e para o reforço da eficácia
das operações no terreno, contribuindo para a
qualidade e para a sustentabilidade da floresta.

As florestas sustentáveis da The Navigator Company apoiam a


National Geographic Portugal a diminuir a sua pegada ecológica.
Fontes: My Sustainable Forest – Earth observation services for silvicuture (https://mysustainableforest.com)
Soares J.M.A. (2015). “Petróleo Verde, Floresta de equívocos”. Ex-libris.
publirreportagem
PROJETO EUROPEU
PARA MELHOR
FLORESTA
Os múltiplos benefícios ambientais, sociais
e económicos da floresta dependem
da aplicação de uma gestão sustentável
deste recurso. Foi assente nesse princípio que
a União Europeia promoveu o “My Sustainable
Forest”, projeto que envolve vários parceiros
da UE, incluindo Portugal, através do
RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta
e Papel. Esta plataforma fornece serviços de
informação para a gestão florestal, com base
em dados obtidos por satélite, o que facilita
e otimiza o planeamento de atividades
diversificadas, desde as económicas
e de produção até às ações de conservação.

A EXPERIÊNCIA
DA INDÚSTRIA
PAPELEIRA
A plantação de florestas com diferentes
espécies em Portugal tem permitido ensaiar
estratégias de gestão, monitorização
e proteção florestal, que resultaram
no desenvolvimento de conhecimento
e tecnologia sobre como interagir no solo,
nos recursos hídricos, na biodiversidade
e no controlo de riscos. Com décadas
de conhecimento e experiência científica,
a indústria papeleira nacional tem apostado
nos recursos tecnológicos para o constante
aperfeiçoamento da gestão das suas florestas,
nomeadamente no estabelecimento
de mosaicos em que coexistem as espécies
de produção, tornando estas áreas mais
eficientes e sustentáveis, e acrescentando,
assim, mais valor ambiental e socioeconómico
à fileira florestal.
REVÉS NUCLEAR
Um turista em Chernobyl,
na Ucrânia, enverga uma
máscara de gás para tirar
uma selfie perto da
estrutura de contenção em
redor do reactor nuclear
que explodiu em 1986.
A radiação (revelada
nesta imagem composta
por fotografia e imagem
por espectrómetro de
radiação gama) ainda emana
dos materiais contaminados,
mas as breves visitas ao local
são seguras. O episódio de
Chernobyl ajudou a reduzir
as perspectivas futuras da
energia nuclear, uma fonte
de energia livre de carbono.
MIKE HETTWER
(COM WILLY KAYE, H3D)
ESTAMOS
EM APUROS
O NOSSO CONSUMO IRRESPONSÁVEL E A EXPLORAÇÃO EXCESSIVA
DE RECURSOS TORNARAM O MUNDO UM LUGAR MAIS MORTAL
PARA NÓS E PARA A RESTANTE VIDA NA TERRA.
AMEAÇA PLÁSTICA
Um cardume nada
em torno de um saco de
plástico perto de Taiwan.
Estima-se que 8,8 milhões
de toneladas de resíduos
plásticos entrem
no oceano anualmente,
matando milhões
de animais marinhos.
MAGNUS LUNDGREN,
NATURE PICTURE LIBRARY
PIORES INCÊNDIOS
Homens esquivam-se de
fagulhas enquanto tentam
salvar uma casa na
Califórnia, durante um
incêndio de 2017. Foi o
maior incêndio do estado
mas o recorde durou
pouco: foi ultrapassado
por um incêndio no Verão
de 2018. Na Califórnia
e noutras regiões, o
clima mais quente e
seco alimenta incêndios
cada vez maiores.
MARCUS YAM, LOS ANGELES TIMES
PERDER O LUGAR
A imagem de um jaguar
é projectada numa cerca
ao longo da fronteira
entre os EUA e o México.
É o esforço do fotógrafo
para chamar a atenção
para o modo como
as barreiras podem
prejudicar a vida
selvagem, bloqueando
o acesso aos habitats.
Um quarto de todos
os mamíferos está
ameaçado de extinção.
ALEJANDRO PRIETO
NO 50.º ANIVERSÁRIO DO DIA DA TERRA, PERGUNTAMOS: ONDE ESTAREMOS EM 2070?

G U I A D O P E S S I M I STA

singular da his-
A INACÇÃO PARA GERIR AS “ E S TÁ A C H E G A R AO F I M U M D I A
tória americana”, disse o jornalista Walter Cronkite

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS na edição de 22 de Abril de 1970 do noticiário CBS


Evening News. A primeira comemoração do Dia
ESTÁ A DESTRUIR O PLANETA. da Terra levou cerca de vinte milhões de pessoas

A INOVAÇÃO PODE às ruas. Foi uma multidão muito maior do que a


esperada por Gaylord Nelson, o senador que con-
SALVAR-NOS, MAS O cebera o evento. Os manifestantes exprimiram a
sua preocupação com o ambiente de formas exu-
CAMINHO SERÁ PENOSO. berantes e frequentemente idiossincráticas. Can-
taram, dançaram, usaram máscaras de gás e
T E X TO D E E L I Z A B E T H KO L B E RT apanharam lixo.
G U I A D O P E S S I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

PÁ G I N A S A N T E R I O R E S : Na cidade de Nova Iorque, arrastaram peixes mortos pelas ruas. Em Bos-


O trabalho da artista californiana
Shane Grammer decora ton, encenaram um “local de morte” no Aeroporto Internacional de Logan.
as ruínas da Igreja Adventista
do Sétimo Dia em Paradise,
Em Filadélfia, assinaram uma “Declaração da Independência” gigante, com
na Califórnia. O incêndio de todas as espécies incluídas.
Novembro de 2018
destruiu quase toda a cidade. “O Dia da Terra fez exactamente aquilo que eu esperava”, diria mais tarde
À medida que o clima muda, Nelson, um democrata do Wisconsin. “Foi uma maravilhosa e genuína ex-
as temperaturas mais quentes,
a diminuição da queda de neve plosão do poder popular.”
e o degelo antecipado na
Primavera criam estações secas
Sou um produto daquele momento “singular”, com os seus locais de morte
mais longas, que perturbam encenada e declarações. Passei a década de 1970 a manifestar-me à chuva,
as plantas e as árvores.
As florestas e as matas secas tentando convencer os meus colegas de escola a reciclarem as latas de refri-
contribuem para incêndios de gerantes, a vestir calças à boca de sino com flores roxas gigantes estampadas
maiores dimensões, tornando
mais vulneráveis as comunida- e a preocupar-me com o futuro do planeta.
des que habitam regiões
propensas a incêndios.
Em adulta, tornei-me jornalista especializada em ambiente. De certa for-
STUART PALLEY ma, transformei as minhas preocupações de juventude numa profissão. Visi-
tei a Amazónia para acompanhar a desflorestação, a Nova Zelândia para ver
o impacte das espécies invasoras e a Gronelândia para acompanhar perfu-
rações científicas em camadas de gelo em fusão. Também tive filhos. Senti
orgulho quando os vi entrar para o clube ambiental da escola e contei-lhes,
talvez demasiadas vezes, as minhas memórias de tirar artigos recicláveis dos
caixotes do lixo na cantina da escola.
Hoje, vivo em Nova Inglaterra, onde o 22 de Abril pode ser um dia glorioso.
No Dia da Terra, todos os anos, esforço-me por dar um passeio na floresta
Lições a aprender perto de minha casa. Procuro girinos e admiro a beleza efémera da Primave-
Um estudante universitário com ra. E todos os anos fico mais preocupada com o futuro do planeta.
uma máscara de gás “cheira”
uma magnólia em Nova Iorque
durante a manifestação de 22 em vez de ver Walter Cronkite na CBS, tivesse
S E , N O P R I M E I RO D I A DA T E R R A ,
de Abril de 1970, o primeiro Dia
da Terra. Eventos locais foram visto a NBC, teria ouvido um dos jornalistas desse canal, Frank Blair, transmi-
organizados para informar e tir uma mensagem curiosa. No final da sua cobertura das celebrações, Blair
consciencializar a população à
medida que esta se preocupava comentou que um cientista chamado J. Murray Mitchell lançara um “aviso
mais com questões ambientais
como a poluição e a eliminação
impressionante sobre o Dia da Terra”. Blair resumiu o aviso da seguinte forma:
de resíduos químicos. Segundo se não fizéssemos algo para reduzir a poluição atmosférica, esta “criaria um
um inquérito da Casa Branca
realizado um ano mais tarde, efeito de estufa” que aqueceria todo o planeta. Por fim, o efeito seria suficiente
25% do público norte-ameri- para derreter a calota polar do Árctico e inundar “grandes áreas do mundo”.
cano defendeu que a protecção
do ambiente era um objectivo Provavelmente, muitos espectadores não faziam a mais pequena ideia do
importante. Em 1969, o número
fora perto de zero.
que Blair estava a dizer. Em 1970, a expressão “aquecimento global” ainda
AP PHOTO não fora cunhada. Os cientistas sabiam que alguns gases, incluindo o dióxido
de carbono, retêm o calor junto da superfície da Ter-
ra. É um facto conhecido desde a época victoriana.
No entanto, poucos tinham tentado calcular o im-
pacte da queima de combustíveis fósseis. A mode-
lação climática dava então os seus primeiros passos.
A partir de então, os modelos tornaram-se mui-
to mais sofisticados. E embora muitos americanos
ainda se recusem a aceitar a ciência das altera-
ções climáticas, agora todos estamos a viver com
essas consequências.
A camada permanente de gelo do Árctico (o gelo
marinho que persiste ao longo do Inverno e do Ve-
rão) está a desaparecer. Ao longo do último meio sé-
culo, encolheu mais de três milhões de quilómetros
quadrados. Os níveis do mar estão a aumentar cada
vez mais depressa, em grande parte devido ao degelo
acelerado da Gronelândia e da Antárctida.
Cada vez mais cidades costeiras localizadas ao nível do mar estão a viver
um fenómeno conhecido como “cheias dos dias de sol”: basta apenas uma
maré alta para fazer a água jorrar pelas ruas. Segundo projeções da Agência
Nacional para os Oceanos e a Atmosfera, este tipo de cheias irá, dentro de al-
gumas décadas, ser a norma em cidades como Miami e Charleston. Até 2050,
espera-se que Norfolk, no estado da Virgínia, sofra cheias causadas por ma-
rés em cerca de metade dos dias do ano.
E o tipo de subida do nível dos mares que dificultará a vida em locais
como Norfolk poderá impossibilitá-la em locais como as ilhas Marshall e as
Maldivas. Um estudo recente realizado por investigadores norte-america-
nos e holandeses previu que, até meados deste século, a maioria dos atóis
tornar-se-ão inabitáveis.
No entanto, as cheias são apenas uma das consequências infelizes de brin-
carmos com o termóstato do planeta. Um mundo mais quente também será
assolado por secas mais graves, tempestades mais violentas e monções mais
erráticas. Nesse mundo, a época dos incêndios durará mais tempo e as cha-
mas serão maiores e mais intensas.
Antes de 1970, os incêndios que consomem, pelo menos, 40 mil hectares
eram raros nos EUA. Na última década, registaram-se dezenas. No Verão de
2019, os incêndios florestais queimaram mais de sete milhões de hectares na
Degelo da
Sibéria, uma área quase do tamanho da Irlanda. O fumo cobriu a região com Gronelândia
uma bruma doentia e levou os profissionais da saúde pública a aconselha- À medida que o Verão aquece,
rem os residentes de cidades como Krasnoyarsk a só saírem à rua caso fosse os lagos com água do degelo
multiplicam-se no manto de
estritamente necessário. Entre o fim de 2019 e o início de 2020, os incêndios gelo da Gronelândia. Estas
imagens captadas por drones
ocorridos na Austrália devoraram mais de 9,5 milhões de hectares. mostram como um lago com
E não é tudo. A degradação dos solos, o branqueamento de corais, as vagas 125 hectares foi quase drenado
em 2018 quando se abriu uma
de calor cada vez mais mortíferas, a expansão das zonas mortas dos oceanos fenda no gelo. Em determinada
estão a acontecer em tempo real. Já estamos a presenciar danos enormes e altura, estava a perder um
volume de água equivalente a
estão a aumentar de ano para ano. uma piscina olímpica a cada
três segundos. A água destes
Em 2070, quando o Dia da Terra completar 100 anos, como será a Terra? lagos flui até ao fundo do
Isso depende claramente de quanto carbono viermos a emitir a partir deste manto de gelo, onde lubrifica o
leito rochoso e acelera o fluxo
momento e até lá. Nos cerca de dez minutos que demora a ler este artigo, cer- do gelo para o oceano,
ca de meio milhão de toneladas serão acrescentadas à atmosfera. E, em certa contribuindo para a subida do
nível dos mares.
medida, assustadoramente, o futuro já foi escrito. COMPOSIÇÃO: TOM CHUDLEY,
UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE

foi um movimento popular tão explosivo que pra-


O P R I M E I R O D I A DA T E R R A
ticamente todos os órgãos de comunicação social quiseram juntar-se a ele.
O programa Today emitiu informação especial durante uma semana subor-
dinada ao tema “New World or No World” [Novo Mundo ou Nenhum Mundo].
O apresentador do programa, Hugh Downs, abriu a semana com a seguinte
declaração: “A nossa Mãe Natureza está a apodrecer com os resíduos da nossa
boa vida. Os nossos oceanos estão a morrer, o nosso ar está envenenado.”
“Teremos força de vontade para mudar completamente o nosso estilo
de vida? Porque é isso que vai ser preciso”, acrescentou Downs. “Ou vamos
continuar a reproduzir-nos, exigindo cada vez mais energia, mais de tudo,
até sufocarmos ou morrermos de fome ou com uma epidemia? Provavel-
mente no próximo século, possivelmente nas próximas décadas?”
Em 1970, habitavam o planeta 3.700 milhões de seres humanos. Havia
cerca de duzentos milhões de automóveis e camiões na estrada. O consu-
mo de petróleo era de cerca de 45 milhões de barris por dia. Nesse ano, os
humanos criaram cerca de trinta milhões de toneladas de porco e cerca de
13 milhões de toneladas de aves e recolheram cerca de 65 milhões de tone-
ladas de alimentos marinhos.
G U I A D O P E S S I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

Hoje em dia, há quase oito mil milhões de pessoas e cerca de 1.500 milhões
de veículos no planeta. O consumo global de petróleo mais do que duplicou,
bem como o consumo de energia. O consumo de carne de porco per capita
quase duplicou e o consumo de carne de aves quase quadruplicou. A captura
global de pescado aumentou cerca de metade, apesar de a sobrepesca ter tor-
nado o peixe cada vez mais difícil de encontrar.
No entanto, as pessoas não se limitaram a sobreviver. Na maior parte dos
aspectos, até prosperaram. A esperança de vida
global aumentou de 59 anos em 1970 para 72
anos na actualidade. Embora o número de seres
humanos do planeta tenha mais do que duplica-
do, o número de pessoas que vive em condições
de pobreza extrema foi reduzido para metade.
Numa análise retrospectiva, alavancando o
MESMO QUE COMEÇÁSSEMOS conhecimento entretanto adquirido, é fácil ver
A REDUZIR AS EMISSÕES HOJE, como as previsões de Hugh Downs estavam er-
O PROBLEMA DAS ALTERAÇÕES radas. Não anteviram inovações como a Revolu-

CLIMÁTICAS CONTINUARIA ção Verde, que disseminou novas variedades de


plantas e técnicas agrícolas e permitiu o aumen-
A AGRAVAR-SE. to da produção de cereais nos últimos 50 anos
para acompanhar o crescimento demográfico.
Em 1970, a aquicultura mal existia. Agora, pro-
duz cem milhões de toneladas de peixe por ano.
O próprio Dia da Terra impulsionou a mudan-
ça. Escassos sete meses depois de milhões de
cidadãos terem desfilado pelas ruas, foi fundada
a Agência de Protecção Ambiental nos EUA. Muitas das principais leis am-
bientais do país, incluindo a Clean Water Act (Lei da Água Limpa), a Endan-
gered Species Act (Lei das Espécies em Perigo) e emendas essenciais à Clean
Air Act (Lei do Ar Limpo), foram aprovadas pelo Congresso nos anos se-
guintes. Estas, por sua vez, deram lugar ao desenvolvimento de tecnologias,
como escovas para limpar os gases residuais das centrais electroprodutoras.
Assim sendo, por que razão não havemos de partir do princípio de que
outras inovações do mesmo tipo nos poderão salvar de um futuro enegre-
cido pelo aquecimento global? Eu acredito firmemente que, até 2070, vão
surgir muitas inovações. Desde que trabalho sobre este tema, já conduzi
carros que só emitem vapor de água como resíduo e vi máquinas que su-
gam o dióxido de carbono do ar. Invenções que não consigo sequer imagi-
nar estão, certamente, a caminho.
Mergulho para Infelizmente, porém, as alterações climáticas são um problema especial.
a sobrevivência
O dióxido de carbono está na atmosfera há séculos, ou mesmo há milénios.
Os pinguins-imperador
costumam acasalar no gelo, Isto significa que, mesmo que começássemos a reduzir as emissões hoje, a
demorando mais de oito meses
a cuidar das crias. Quando o
quantidade de CO2 na atmosfera e o problema das alterações climáticas con-
gelo se encontra instável ou se tinuará a crescer, tal como o nível da água numa banheira continua a subir se
parte antes de as crias terem a
plumagem definitiva, os reduzirmos o caudal da água, em vez de fecharmos completamente a tornei-
pinguins mudam-se para locais ra. A Terra vai continuar a aquecer até estancarmos por completo as emissões.
mais estáveis. Consequente-
mente, as crias têm de saltar a Entretanto, ainda nos falta sentir em pleno os efeitos do CO2 que já emiti-
partir de alturas maiores para
se alimentarem no oceano.
mos, sobretudo porque os enormes oceanos demoram muito tempo a aque-
As projecções indicam uma cer face a determinado nível de carbono. As temperaturas médias globais
diminuição do gelo marinho
à medida que os oceanos aumentaram cerca de 1ºC desde a década de 1880, mas devido ao desfasa-
aquecem. Se não se mento temporal do sistema, os cientistas estimam que estamos sujeitos a,
adaptarem, o número de
pinguins poderá cair a pique. aproximadamente, mais 0,5ºC. No que diz respeito às alterações climáticas,
STEFAN CHRISTMANN é sempre mais tarde do que parece.
G U I A D O P E S S I M I S TA | O N D E E STA R E MO S E M 2 070?

Quanto mais poderá a temperatura aumentar até serem desencadeadas


mudanças verdadeiramente catastróficas? Os cientistas avisam que o limiar
é, provavelmente, cerca de 2ºC mais quente do que a época pré-industrial –
talvez mesmo 1,5 graus. Como as temperaturas subiram cerca de um grau e
estamos “sujeitos” a mais 0,5ºC, podemos ter a certeza de que vamos ultra-
passar 1,5ºC. Para manter as temperaturas abaixo do limiar de 2ºC, as emis-
sões globais teriam de descer pelo menos metade ao longo das próximas dé-
cadas, até chegarem a zero, por volta de 2070.
Isto é possível, em teoria. A maior parte da infra-estrutura de combustí-
veis fósseis do mundo poderia ser substituída por células solares, turbinas
de vento e centrais electroprodutoras nucleares. Na prática, a gigantesca ex-
plosão da energia solar e eólica em curso não reduziu o nosso consumo de
combustíveis fósseis porque exigimos cada vez mais energia. Mesmo com
as repercussões das alterações climáticas cada vez mais evidentes, as emis-
sões globais continuam a aumentar. Em 2019 atingiram um novo recorde de
43.100 milhões de toneladas. Em Madrid, em Dezembro passado, a cimeira
do clima das Nações Unidas terminou com um novo fracasso. A manterem-
-se as tendências actuais, o mundo de 2070 será um lugar muito diferente e
muito mais perigoso – um lugar onde as cheias, as secas, os incêndios e, pro-
Poderemos salvar vavelmente, a agitação social relacionada com o clima terá obrigado milhões
uma espécie num de pessoas a deixarem as suas casas.
laboratório?
Barbara Durrant extrai amostras
de células de um armazém-fri-
escrevi um obituário para um caracol chamado George em
N O A N O PA S S A D O,
gorífico no Instituto Zoológico Honolulu. Os investigadores do Departamento das Florestas e da Vida Selvagem
de San Diego para a Investiga-
ção de Conservação. Esta do Hawai tentaram arranjar-lhe uma companheira porque George era hermafro-
unidade aloja dez mil linhas de dita, mas precisava de uma parceira para se reproduzir. Quando não consegui-
células vivas de mais de 1.100
espécies e subespécies. ram, concluíram que ele deveria ser o último da sua espécie, Achatinella
Os investigadores esperam
converter as células armazena-
apexfulva. Alguns dias após a morte de George, o Departamento publicou um
das em células estaminais, elogio fúnebre com o cabeçalho “Adeus a um Caracol Amado… e a uma Espécie”.
que poderão ser usadas para
criar esperma, óvulos e, Achatinella apexfulva juntou-se assim a uma longa lista de extinções
possivelmente, embriões para ocorridas desde 1970. Outras centenas de espécies, como o golfinho do rio
salvar espécies em perigo.
Embora a conservação de Yangtzé, estão listadas como “possivelmente extintas” pela União Interna-
habitats e a interdição da caça
continuem a ser as melhores
cional para a Conservação da Natureza. A maioria não é avistada há décadas.
maneiras de salvar espécies, o A lista só inclui as espécies avaliadas pela UICN (provavelmente menos de
laboratório poderá ser a única
esperança para algumas. 2% do que existe). Os ritmos de extinção são hoje centenas de vezes mais al-
BRENT STIRTON tos do que foram ao longo da maior parte da história geológica.
E por cada espécie à beira de cair no esquecimen-
to, muitas outras parecem estar a avançar nessa di-
recção. Um estudo publicado no Outono de 2019
concluiu que existem agora aproximadamente me-
nos três mil milhões de aves na América do Norte
do que há 50 anos, um declínio de quase 30%, e que
algumas das perdas mais acentuadas ocorreram
nas espécies comuns como os melros e os pardais.
“É desconcertante”, disse Ken Rosenberg, cien-
tista especializado em conservação do Laboratório
de Cornell e autor principal do estudo. Os insectos
também parecem estar a diminuir. Um estudo rea-
lizado por investigadores europeus publicado em
2017 concluiu que a biomassa dos insectos voado-
res em várias áreas protegidas alemãs diminuíra
76% só nas últimas três décadas.
Se os seres humanos se encontram hoje numa situação melhor do que
em 1970, verifica-se exactamente o oposto em relação à maioria das outras
criaturas. Ambas as tendências remontam à mesma origem. Para alimen-
tar, alojar e produzir electricidade para a nossa população em crescimen-
to, apropriámo-nos de ainda mais recursos para nós. Os seres humanos
alteraram de forma significativa cerca de três quartos da superfície terres-
tre livre de gelo. Mais de 85% das zonas húmidas do mundo perderam-se.
A agricultura tornou-se mais intensiva em todo
o mundo, com mais hectares de monoculturas e
menos zonas bravias que alimentavam insectos
nativos, os quais, por sua vez, servem de sustento
às aves. Até em parques naturais, o habitat ade-
quado para muitas espécies está a diminuir devi-
do a factores como as alterações climáticas e as
espécies invasoras. A EXPLOSÃO DAS ENERGIAS
“Os animais selvagens, tal como os homens, RENOVÁVEIS NÃO REDUZIU O
precisam de um sítio onde viver”, observou a fa- CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS
lecida conservacionista norte-americana Rachel
Carson. Eis a grande pergunta para os próximos
FÓSSEIS PORQUE EXIGIMOS
50 anos: manter-se-á a tendência dos últimos 50 CADA VEZ MAIS ENERGIA.
anos? Os seres humanos podem, colectivamente,
decidir diminuir o seu impacte sobre as outras es-
pécies, por exemplo, pondo fim à desflorestação e
repondo as ligações entre habitats fragmentados.
No entanto, tal como com a redução das emissões
de carbono, não há provas de que isso vá aconte-
cer. Pelo contrário: o ritmo da desflorestação tropical nos últimos anos au-
mentou drasticamente.
Um relatório apresentado no ano passado pelo organismo internacio-
nal encarregado de monitorizar os ecossistemas e a biodiversidade avisou
que a humanidade não poderia continuar a prosperar enquanto tantas
criaturas sofriam. “A natureza é essencial para a existência humana”, de-
clarava. Cerca de três quartos de todas as culturas alimentares, por exem-
plo, dependem de polinizadores – aves, morcegos ou, na grande maio-
ria dos casos, insectos. Os seres humanos não podem viver facilmente
sem esses animais.
“A rede da vida interligada da Terra é essencial e está a tornar-se cada
vez mais pequena e desgastada”, disse o ecologista Josef Settele, do Centro
Helmholtz para a Pesquisa Ambiental e co-autor do relatório.
É claro que Josef Settele e os seus colegas podem estar errados, pelas
mesmas razões que Hugh Downs estava. Talvez as pessoas aperfeiçoem
drones transportadores de pólen. (Já estão a ser testados.) Talvez descu-
bramos maneiras de lidar com a subida do nível dos mares, a violência das
tempestades e a intensidade das secas. Talvez novas culturas genetica-
mente modificadas nos permitam continuar a alimentar uma população
crescente à medida que o mundo vai aquecendo. Talvez descubramos que
a “rede interligada da vida” não é essencial para a existência humana.
Para algumas pessoas, isto talvez pareça um final feliz. Para mim, é uma
possibilidade ainda mais assustadora. Significaria que continuaríamos, inde-
finidamente, a percorrer o nosso caminho actual, alterando a atmosfera,
drenando as zonas húmidas, esvaziando os oceanos e eliminando a vida do
céu. Depois de nos libertarmos da natureza, ficaremos cada vez mais sós,
salvo a possível excepção dos nossos drones-insectos. j
G U I A D O P E S S I M I S TA | SINAIS DE ALARME

Caranguejos libertam carbono


Os mangues de água salgada armazenam
milhões de toneladas de carbono,
N OT Í C I A S DA L I N H A mas os caranguejos-violinistas
podem estar a libertá-lo, criando bura-
DA F R E N T E D E C I Ê N C I A cos no solo que expõem matéria orgâ-
E TECNOLOGIA nica que, por sua vez, liberta carbono.
Outros animais escavadores, como
as amêijoas e os camarões, podem
causar danos semelhantes. — DANIEL STONE

AUMENTO DO NÍVEL
DO MAR
quase sempre
TO D O S O S A N O S , episódios ocorreu em Novembro

CHEIAS
depois de uma chuvada forte, as man- de 2019, submergindo 70% da cidade.
chetes repetem-se. Veneza está inun- A prioridade mais urgente pode
dada e a afundar-se, o que conduz ao ser salvar os tesouros de Veneza.

HISTÓRICAS mesmo resultado molhado: mais água


nas ruas da cidade. O presidente da
Após o dilúvio de Novembro,
especialistas visitaram museus e

EM VENEZA
câmara de Veneza, Luigi Brugnaro, igrejas danificados para transferir
assegura que a cidade “voltará a objectos preciosos para andares
brilhar”, mas poderá a ilha sobreviver superiores e equacionam transferên-
num mundo em aquecimento? cias para fora de Veneza.
A VA G A D E
T U R I S TA S F O I O nível do mar na lagoa de Veneza Estas acções são apenas uma
A PRIMEIRA A está dez centímetros mais elevado do panaceia enquanto se aguarda pelo
AT I N G I R A C I D A D E . que há 50 anos. O Painel Intergover- projecto de defesa MOSE do governo
O MAR PODE SER namental das Nações Unidas sobre italiano, que utilizará paredões
A Ú LT I M A E A Mudanças Climáticas calcula que os gigantes para isolar a lagoa. Progra-
M A I S D E S T R U T I VA .
episódios de cheias intensas, que anti- mado para 2011, foi atrasado por
gamente ocorriam de século a século, derrapagens orçamentais e disputas.
ocorram agora de 6 em 6 anos até 2050 As autoridades esperam que o sistema
e de 5 em 5 meses até 2100. Um desses comece a proteger Veneza em 2022.

FOTOGRAFIAS: JOEL SARTORE, ARCA FOTOGRÁFICA DA NATIONAL GEOGRAPHIC; MIGUEL MEDINA, AFP VIA GETTY IMAGES
ANIMAIS | G U I A D O P E S S I M I S TA

ESTES ANIMAIS V U L N E R ÁV E L

Coala

ESTÃO A DESAPARECER A caça nos séculos XIX e XX


teve forte impacte nas popu-
lações de coalas. Actual-
mente, estes marsupiais
felpudos enfrentam novos
perigos: alterações climáti-
FOTOGRAFIAS DE JOEL SARTORE cas, estradas que fragmentam
habitats e clamídia,
uma doença sexualmente
podem ser as figuras principais nos
PA N D A S E T I G R E S transmissível, que devastou
cartazes de conservação, mas milhares de animais mais alguns grupos com uma taxa
de infecção de 100%.
ameaçados desaparecem longe das luzes da ribalta. Os incêndios florestais torna-
ram-se uma ameaça adicional.
A maioria destes animais pode não ter charme, mas é Os coalas raramente descem
vital para cada ecossistema. Das trinta mil espécies em dos eucaliptos cujas folhas
compõem a maior parte da
risco de extinção, 28% são répteis, incluindo seis das sua dieta. Muitos não esca-
sete espécies de tartarugas marinhas. As aves estão param aos incêndios recentes
no Leste da Austrália. Estes
em declínio devido às alterações climáticas, à perda jovens coalas abraçados foram
fotografados no Zoológico
de habitat, à predação e aos pesticidas. A inversão d rália, em Queensland.
desta tendência no próximo meio século implica que
a atenção se foque muito mais nestas raridades subes-
timadas. — C H R I S T I N E D E L L’A M O R E

EM VIAS DE
E XT I N Ç ÃO

Tartaruga-de-pente
Vive em águas tropicais
e subtropicais do planeta.
A tartaruga-de-pente
é caçada pelos seus ovos,
carne e bonitas carapaças, A M E AÇ A D O
transformadas em peças
decorativas. É provável
Grou-coroado-oriental
A população deste grou
que existam menos
africano decaiu de mais
de 25 mil fêmeas
de cem mil indivíduos para
reprodutoras. A tartaruga
cerca de trinta mil nos últi-
retratada em cima foi
mos 35 anos. Com uma altura
fotografada no
média de cerca de um metro,
Zoológico e Hospital
esta ave elegante foi alvo
Veterinário de Vida
de caça furtiva e da
Selvagem da Austrália.
destruição do habitat nas
zonas húmidas onde se
reproduz e caça. O grou
retratado é um animal
em cativeiro do Parc
des Oiseaux, em França.

ARCA FOTOGRÁFICA DA NATIONAL GEOGRAPHIC


N AT I O N A L G E O G R A P H I C | NA TELEVISÃO

Especial: Dia da Terra


2 2 D E A B R I L , A PA RT I R DA S 6 H O R A S

O Dia da Terra é celebrado em todo o mundo e agora,


mais do que nunca, é necessário proteger o planeta
e a sua biodiversidade, sensibilizar e consciencia-
lizar os cidadãos e as empresas para o problema
ambiental. No dia 22 de Abril, o National Geographic
e a The Walt Disney Company vão trabalhar juntos

Pesca no Limite para proteger as espécies que correm mais riscos


de extinção nos próximos 50 anos. Será lançada
ESTREIA: 7 DE ABRIL , ÀS 23H uma campanha global, #NatGeoSalvarJuntos, para
captar a atenção para esta crise e apoiar os esforços
Na nona temporada desta série, há novos desafios de conservação. A partir das 6 horas da manhã,
em Gloucester, no Massachusetts (EUA). Continua inicia-se uma maratona de programação, que terá
o cenário competitivo da temporada de pesca do
como pontos altos a exibição dos documentários
atum-rabilho no Atlântico Norte. “Pesca no Limite:
Batalha no Atlântico” mostra-nos o drama da vida “Jane Goodall: The Hope” (estreia mundial), “Oka-
real de um grupo de pescadores no porto mais vango: Rio dos Sonhos: Viagens Divinas”, “O Melhor
antigo da América. de: Photo Ark”, “Hostile Planet” e “One Strange Rock”.

Especial No dia 15 de Abril, assinalam-se 108 anos desde o


fim do famoso Titanic, o navio que, na sua viagem
Titanic inaugural se afundou, provocando a morte de
1.500 pessoas. Emitimos no dia 15 uma série de
15 DE ABRIL, três documentários, incluindo o programa em que
A PA RT I R DA S 1 9 H 5 0 James Cameron revisita a descoberta do destroço.

NATIONAL GEOGRAPHIC (EM CIMA), PFTV (AO CENTRO)


E ATLANTIC PRODUCTIONS (EM BAIXO)
Ultimate
Predators
E S T R E I A : 4 D E A B R I L , A PA RT I R DA S 1 8 H

Dedicamos os fins-de-semana de Abril aos animais


mais perigosos do planeta, com documentários
sobre os mais curiosos predadores da Terra, sem-
pre a partir das 18 horas. Nestes programas, acom-
panhamo s le õ e s que enfrentam hienas,
Alaska Animal Rescue hipopótamos e crocodilos, as estratégias dos pre-
ESTREIA: 20 DE ABRIL , ÀS 18H dadores mais inteligentes do mundo para caçar as
suas presas e o mundo maravilhoso dos tubarões.
A nova série acompanha os heróis do Alasca Não perca “When Predator Attack”, “Crocs of the
enquanto estes resgatam, reabilitam e celebram Caribbean”, “World’s Deadliest: Lions”, “Predator
os animais selvagens da última fronteira da
Fail Compilation”, “Killer Animal Tactics”, “Hun-
América. Em três centros de conservação, esta
equipa trabalha no mar, na terra e no ar, num ter vs Hunted: Watch Out!”, “Eyewitness: Shark
dos locais mais desafiantes do planeta, para Attack: Facing Jaws”, “Wild Peru: Fight for Life” e
proteger a vida selvagem do Alasca. “Dead by Dawn Compilations”.

Especial Dia Também o National Geographic Wild celebra


o Dia da Terra no dia 22 de Abril com uma maratona
da Terra de programação especial, com o objectivo de
celebrar os esforços de conservação e sensibilizar
22 DE ABRIL , a opinião pública mundial para a perda de
TO D O O D I A biodioversidade no planeta.

MARION PÖLLMANN (NO TOPO); NATIONAL GEOGRAPHIC (AO CENTRO);


TERRA MATER FACTUAL STUDIOS /WILDLIFE FILMS PTY. LTD. (EM BAIXO)
P R Ó X I M O N Ú M E R O | MAIO 2020

O apocalipse Autistas na Um presente Acampamento


dos insectos idade adulta para a natureza no Árctico
Os insectos estão a Encontrar trabalho, Um casal de filantropos Na Primavera do Árctico
desaparecer a um ritmo parceiro e levar uma norte-americanos canadiano, os inuit
alarmante, o que vida independente conseguiu realizar o seu aproveitam para ensinar
poderá ser desastroso pode ser difícil para os sonho: converteu as crianças a acamparem
para o nosso planeta. que sofrem de transtor- milhões de hectares de sobre gelo e a viverem
Estaremos a tempo de nos do espectro autista. solo chileno e argentino na natureza, preservando
contrariar esta ruptura? Muitos conseguem-no. em áreas protegidas. deste modo a sua cultura.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C DAVID LIITTSCHWAGER
D I A DA T E R RA 2 070

TEXTO E FOTOGRAFIAS DE PETE MULLER


QUANDO OS LUGARES QUE AMAMOS MUDAM,
O EFEITO EMOCIONAL DESSA MUDANÇA SOBRE NÓS
É “SEMELHANTE A SENTIR SAUDADES DE CASA”.
PERSPECTIVA DO MAR DE CHUKCHI, ENTRE A SIBÉRIA E O ALASCA, NO VERÃO. A EXTENSÃO MÉDIA DO GELO MARINHO
EM 2019 FOI A MAIS BAIXA DESDE QUE OS SATÉLITES COMEÇARAM A MONITORIZÁ-LA EM 1978. SEM GELO, OS ALDEÃOS
DA COSTA NÃO PODEM CAÇAR OS ANIMAIS DOS QUAIS A SUA SOBREVIVÊNCIA DEPENDE HÁ MUITAS GERAÇÕES.
A mina de carvão Mount
Thorley Warkworth é
uma de várias
“superminas a céu aberto”
existentes em Hunter
Valley, na Austrália.
Funciona 365 dias por ano
e emprega cerca de 1.300
pessoas. O proprietário
está a ponderar a sua
expansão, mas muitos
moradores afirmam que
a gigantesca mina gerou
neles um sentimento
de pena. “Não sentimos
apenas tristeza pelo
que outrora existiu”,
afirma um morador.
“Também sentimos
tristeza por aquilo que
poderia ter sido e
agora já não vai ser.”
Q U A N D O A S M I N A S D E C A R VÃ O S E E S PA L H A R A M

como fendas através da paisagem de Hunter Valley, na Austrá-


lia, o telefone do escritório de Glenn Albrecht começou a tocar.
Corria o início da década de 2000 e Glenn, professor universi-
tário de Estudos Ambientais, interessava-se pelas repercussões
emocionais da extracção mineira nas comunidades locais. Du-
rante várias gerações, a região fora conhecida pelos seus bucó-
licos campos de alfalfa, quintas de criação de cavalos e vinhas.
A indústria mineira do carvão há muito que fazia parte da vida
económica, mas, de repente, crescera para satisfazer a procura
mundial e as novas tecnologias extractivas provocaram uma Hunter
Valley,
vaga de novas explorações mineiras por todo o vale. Nova
Ao tomarem conhecimento do interesse de Glenn Gales
OCEANO do Sul
Albrecht, os moradores entristecidos mostraram-se desejo- ÍNDICO

sos de partilhar as suas histórias. Descreveram explosões que


abalavam a terra, o ruído constante da maquinaria, o brilho
Glenn Albrecht e a mulher,
fantasmagórico das luzes industriais que iluminavam a noi- Jill, em Hunter Valley.
te e a poeira negra invasiva que revestia as suas casas, por Glenn inventou a palavra
dentro e por fora. Mostravam-se preocupados com o ar que “solastalgia”, no início da
década de 2000, para
respiravam e com a água que bebiam. A sua terra desaparecia descrever o sofrimento
e eles sentiam-se impotentes para travar a destruição. emocional dos moradores
Algumas pessoas do vale organizaram uma batalha jurídi- quando a extracção de
carvão aumentou
ca para manter as minas à distância, mas muitos precisavam explosivamente na região.
dos empregos criados pelas minas. Em última análise, os bol- A palavra disseminou-se
sos fundos dos interesses mineiros acabaram por prevalecer. como forma de descrever
a perda de algo que
A paisagem e boa parte do tecido social nela formado trans- se ama devido às
formou-se em danos colaterais. alterações ambientais.

6 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À medida que as minas se espalhavam, Glenn Mais de uma década depois, ouvi esta palavra
começou a reparar num tema comum às reacções invulgar enquanto assistia a um filme sobre a
emocionais de alguns habitantes do vale. Eles sa- seca. Descobri dezenas de milhares de resultados
biam que as minas eram a fonte da sua tristeza, relacionados. Encontrei artigos académicos, con-
mas tinham dificuldade em escolher as palavras ferências e reportagens e até uma exposição de
precisas para exprimir os seus sentimentos. “Era escultura em Nova Jersey, um álbum pop na Aus-
como se estivessem a sentir algo semelhante a trália, um concerto de música clássica na Estónia,
saudades de casa, só que nenhum abandonara o todos inspirados pela palavra de Glenn Albrecht.
seu lar”, explica. Ocorreu-me que o conceito de solastalgia pare-
Aquilo que estava a acontecer, pensou, era cia marcar uma nova fronteira no nosso relaciona-
que a degradação física do vale estava a minar mento com o ambiente, o reconhecimento de uma
a felicidade que as pessoas ali tinham sentido. mistura de emoções que várias pessoas sentiam, à
E, por isso, à medida que as minas transforma- medida que paisagens outrora familiares se torna-
vam o verde dos campos em cinzento, os mora- vam irreconhecíveis. Todos sabemos que os seres
dores sentiam aquilo a que Glenn chamou “so- humanos estão a mudar o planeta, mas neste caso,
lastalgia”, um sentimento definido como a dor de e nesta nova palavra, havia um traço da forma
perder a felicidade do lar. como essas alterações estão a mudar-nos.

UM MUNDO PERDIDO 7
“Se a linguagem não for suficientemente rica minha pena ao ver a beleza de tais paisagens desa-
para nos permitir descrever e compreender estes parecer tão rapidamente”, escreveu. “A devastação
fenómenos, temos de criá-la”, disse Glenn quando do machado aumenta diariamente. Os mais no-
o visitei na sua casa, em Hunter Valley. “Por que bres panoramas tornam-se desolados e, frequen-
razão não possuímos uma palavra que correspon- temente, com uma arbitrariedade e um barbaris-
da a um sentimento humano?”, perguntou. Espe- mo dificilmente credíveis numa nação civilizada.”
cialmente um sentimento “que é profundo, óbvio, A minha mãe experimentou uma versão me-
sentido em todo o mundo em diversos contextos e nos grave desse sentimento em meados do sécu-
que provavelmente já foi sentido durante milha- lo XX. Ela cresceu em Long Beach Island, ao lar-
res de anos em circunstâncias semelhantes”. go da costa meridional de Nova Jersey. Nos seus
Pareceu-me uma pergunta válida. Ao longo da pântanos intactos, ela descobriu o seu duradouro
história, as cheias, os incêndios florestais, os sis- amor pela biologia e pelo mar. Durante a década
mos e os vulcões, bem como as civilizações expan- de 1950, a construção imobiliária acelerou quando
sionistas e os exércitos conquistadores, alteraram os turistas ricos do continente compraram terra e
definitivamente paisagens amadas e perturbaram edificaram as suas casas de férias. “Percebi qua-
sociedades. Os nativos americanos tiveram esse se imediatamente o que estava a acontecer”, diz.
“Fiquei furiosa. Andei por todo o lado a
arrancar os postes dos agrimensores.”
Faz parte da nossa espécie dinâmica
reconfigurar as paisagens de maneira a
satisfazer as suas necessidades e dese-
jos, mas a escala e ritmo da transforma-
ção no século XXI não tem precedentes.
Com a nossa população a aproximar-se
“SÓ POSSO EXPRIMIR A MINHA PENA rapidamente da cota de 8.000 milhões
de pessoas, os seres humanos estão a
AO VER A BELEZA DE TAIS PAISAGENS alterar mais o planeta do que em qual-
DESAPARECER TÃO RAPIDAMENTE.” quer época histórica. Continuamos
THOMAS COLE, PINTOR DA ESCOLA DE HUDSON RIVER a abater florestas, a emitir carbono
e a despejar substâncias químicas e
plástico na terra e nos cursos de água.
E, como resultado, sofremos vagas de
calor ruinosas, incêndios florestais, sur-
tos de tempestade, glaciares em fusão,
subida do nível dos mares e outras for-
mas de destruição ecológica. Tudo isto
sentimento quando os europeus transformaram a causa rupturas políticas, logísticas e financeiras.
América do Norte. “Esta terra pertencia aos nos- E também cria desafios emocionais.
sos pais”, disse Satanta, um chefe dos kiowa do Só nos últimos anos é que os cientistas come-
século XIX. “Mas quando vou ao rio [Arkansas], çaram a dedicar recursos ao estudo da associação
vejo acampamentos de soldados nas margens. entre alterações ambientais e saúde mental. Na-
Estes soldados cortam as minhas árvores, matam quele que é o maior estudo empírico feito até à
os meus búfalos: e quando vejo isso, parece que o data, uma equipa coordenada por investigadores
meu coração vai rebentar.” do MIT e de Harvard analisou, entre 2002 e 2012,
A Revolução Industrial produziu alterações ain- os efeitos das alterações climáticas sobre a saúde
da mais radicais na paisagem, com a dissemina- mental de quase dois milhões de residentes nos
ção de metrópoles, caminhos-de-ferro e fábricas. EUA aleatoriamente seleccionados. Descobriram
Quando o vale do Hudson, em Nova Iorque, foi que a exposição ao calor e à seca aumentava o ris-
desmatado para dar lugar à agricultura e alimen- co de suicídio e o número de consultas de psiquia-
tar uma próspera indústria de curtumes, o pintor tria. Além disso, as vítimas de furacões e cheias
oitocentista Thomas Cole lamentou a destruição tinham maiores probabilidades de sofrer pertur-
das suas adoradas florestas. “Só posso exprimir a bação de stress pós-traumático e depressão.

8 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
As emoções podem ser difíceis de exprimir para Em O Meandro (em árvores. Em Nova Iorque,
cima), o pintor do século lamentou a perda das
as pessoas traumatizadas pela perda de uma paisa- XIX Thomas Cole descre- florestas do vale do rio
gem. “A dor sentida ao perder-se uma terra é com- veu o vale do rio Massa- Hudson, devido à
pletamente diferente de qualquer outra dor, por- chusetts desprovido de expansão da agricultura.
que é difícil de partilhar”, diz Chantel Comardelle,
quando visito a sua comunidade na costa do Loui- Nos últimos anos, viajei para vários locais onde
siana, onde o nível do mar está a subir a um ritmo a paisagem tem sofrido uma transformação dra-
alarmante e a inundar a terra. Chantel nasceu na mática. Quis compreender melhor as alterações
ilha de Jean Charles, uma ilha quase desaparecida físicas ocorridas no solo, mas também a forma
que perdeu 98% do seu território desde 1955. A co- como essas alterações se repercutem nas vidas
munidade fragmentou-se. “Não é igual à perda de dos habitantes. Só um punhado de pessoas ouvira
um ente querido, nem qualquer outro fenómeno a palavra solastalgia, mas muitas partilharam des-
que as outras pessoas compreendam”, afirma. crições inesquecíveis da experiência que a palavra
Nesta era de alterações climáticas globais, há pretende definir. Defrontam-se, por um lado, com
mais pessoas que compreendem bem. À medida os tremendos desafios práticos causados pela per-
que a ilha de Jean Charles se desintegrava, Chan- da de uma paisagem e, por outro, com o complexo
tel e outros líderes locais decidiram contactar ou- sofrimento emocional de perda do seu sentimen-
tras pessoas que enfrentam os mesmos desafios. to de pertença a um sítio do mundo.
“Há uma comunidade no Alasca que está a passar Por enquanto, solastalgia é uma palavra a vi-
pela mesma situação”, conta, referindo-se à aldeia brar nas margens da língua e Glenn Albrecht es-
yupik de Newtok, também confrontada com um pera que ela perdure ali. “É uma palavra que não
processo de afundamento agudo e perda de terra. deveria existir, mas teve de ser criada por cir-
“Conseguimos sentar-nos e conversar… Tínhamos cunstâncias difíceis”, afirma. “Agora tornou-se
quase os mesmos sentimentos, as mesmas emo- global. Isso é terrível… Vamos livrar-nos dela!
ções”, diz. “Percebi que não estava tão sozinha. Isto Vamos livrar-nos das circunstâncias, das forças
não é só uma invenção da minha cabeça. É real.” que criam solastalgia!” j

MUSEU METROPOLITANO DE ARTE, NOVA IORQUE/ART RESOURCE, NY UM MUNDO PERDIDO 9


À D I R E I TA

Stanislav Vykvytke arpoa


uma morsa a sul de
Lorino, na Rússia. No
passado, os caçadores
chukchi deslocavam-se
em trenós puxados por
cães sobre o gelo
marinho, mas agora o
gelo está demasiado
fino. “Foi por isso que
começámos a usar barcos
no Inverno”, explica.
A caça é fundamental
para a identidade dos chuk-
chi. “Os homens mais
velhos da família ensinam
os mais novos, numa
cadeia ininterrupta”,
diz Eduard Ryphyrgin.

E M B A I XO

Inna Tynelina alimenta a


família com carne de
baleia e sopa feita com
legumes importados.
Os mamíferos marinhos
representam a maior
parte da dieta das
comunidades costeiras
dos chukchi, onde mais
de metade das pessoas
subsiste com o que
obtém do mar. “É a carne
que nos dá energia”, diz
Teyu Nelia Vasilievna,
uma cozinheira local.
“Os alimentos nestas lojas
são muito caros… Não
conseguimos sobreviver
sem os nossos caçadores.”

6 5 , 5 0° N , 1 7 1 ,70° O

“NÃO CONSEGUIMOS CULTIVAR LEGUMES. SÓ


CONSEGUIMOS VIVER DAQUILO QUE O MAR NOS DÁ.
OS NOSSOS ANTEPASSADOS ASSISTIRAM A PERÍODOS Lorino

DE AQUECIMENTO E DE ARREFECIMENTO. ASIA


ÁSIA

PARA NÓS, É DIFÍCIL SABER O QUE ESTÁ A ACONTECER.” OCEANO


PACÍFICO
ALEXEY OTTOI, CAÇADOR

10 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Caçadores chukchi No entanto, a caça
desmancham uma poderá desaparecer em
baleia-cinzenta perto breve, à medida que a
de Lorino. A carne plataforma de gelo
será distribuída pela costeiro que se forma no
comunidade. A caça Inverno diminui devido
assegurou a sobrevivên- às alterações climáticas.
cia dos chukchi em “Os animais de que nos
muitas épocas de alimentamos precisam
dificuldade, incluindo desta plataforma”,
o colapso da União afirma Eduard Ryphyr-
Soviética, quando não gin. “ E nós precisamos
havia nada nas lojas. desta plataforma.”
À D I R E I TA

Uma comunidade de
casas móveis em
Paradise, na Califórnia, foi
um dos muitos bairros
destruídos pelo incêndio
de 2018. Este incêndio, o
mais mortífero e
destrutivo de que há
registo, matou 86
pessoas e causou a
deslocação de dezenas
de milhares na região,
queimando quase toda a
cidade de Paradise
(26 mil habitantes).

E M B A I XO
Muller captou este
retrato de Don Criswell
a tocar piano para a
mulher, Debbie, na sua
casa, uma das poucas que
sobreviveu em Paradise.
Antes do incêndio, Don
chegava a actuar cinco
noites por semana em
Paradise. “Passou a zero
noites num instante”,
diz. O casal mostra-se
grato por a sua casa não
ter ardido, mas a cidade
que conheciam desapa-
receu. Quando estão em
casa, diz Debbie, “conse-
guimos fingir que tudo
está bem. Mas quando
andamos de carro,
lembramo-nos de que o
lugar que conhecíamos
desapareceu”.

3 9,7 5 ° N , 1 2 1 , 6 1 ° O

“SE PROCURARMOS NO MAPA, ENCONTRAMOS


PARADISE, CALIFORNIA 95969, MAS TUDO O QUE AMÉRICA

LHE DIZ RESPEITO É DIFERENTE… SENTIMO-NOS


DO NORTE
Paradise,
Califórnia
PERDIDOS NA NOSSA PRÓPRIA CIDADE. EUA

E ISSO É MUITO DIFÍCIL DE INTERIORIZAR.”


KAYLA COX, DOMÉSTICA

14 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Gwen Nordgren casa de reforma”, um
senta-se para tirar uma lugar preenchido por
fotografia junto da 15 anos de recordações.
piscina, ao lado das A piscina ocupa um
ruínas carbonizadas da lugar especial nas suas
sua antiga casa em memórias. “De manhã,
Paradise, na Califórnia. vestia o fato de banho,
Dois meses após o entrava nesta bela
incêndio, Gwen piscina e sentia-me
permitiu que Muller a uma rainha. Olhava
acompanhasse neste para cima e via este
regresso, para se magnífico céu azul
despedir da “perfeita da Califórnia”, conta.
À D I R E I TA

Homens da Nação Paruro


rezam diante de um
glaciar, durante a festa
anual conhecida como
Qoyllur Riti, que quer
dizer “estrela da neve” no
idioma quechua. Na
Primavera, centenas de
milhares de peruanos
viajam para estas terras
altas, na região de Cuzco,
para cantar, dançar e
rezar, celebrando o
momento em que a
constelação das Plêiades
volta a estar visível.

E M B A I XO
Norberto Vega,
presidente do festival,
abraça um jovem após a
cerimónia. “Cada ano que
passa, vejo os glaciares
afastarem-se mais e sinto
vontade de chorar”, diz.
“Sentimo-nos impoten-
tes… Já levámos
especialistas ao glaciar,
para encontrarmos
maneiras de mantê-lo
ou de controlar o seu
desaparecimento.
Mas não conseguimos
encontrar uma solução.
Sinto grande tristeza
porque sei que, daqui
a algum tempo, não
vou poder praticar os
rituais que são feitos no
santuário, sobre o gelo.”

1 3 , 5 4° S , 7 1 , 2 3 ° O

“É UM SENTIMENTO REAL DE PREOCUPAÇÃO,


PORQUE NÓS SOMOS ÁGUA, CERTO? DIZEM-NOS ISSO
DESDE A ESCOLA. O FACTO DE OS GLACIARES AMÉRICA
DO SUL

ESTAREM A ACABAR QUER DIZER QUE, DE CERTA MANEIRA, PERU Glaciar


Colque

NÓS TAMBÉM VAMOS ACABAR.”


CLARK ASTO, DANÇARINO QUISPICANCHI
OCEANO Punku
PACÍFICO

18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Juntos à volta de velas,
antes da alvorada,
homens da Nação
Quispicanchi, do Peru,
celebram o Qoyllur Riti
por baixo de um glaciar.
Os peregrinos acreditam
que os glaciares
possuem propriedades
curativas. No entanto,
como o gelo recuou de
forma dramática, agora é
proibido cortar pedaços
do glaciar. “Antigamente
usávamos o gelo como
remédio”, diz Norberto
Vega. “Basta passarmos o
gelo por cima [do nosso
corpo] para nos sentir-
mos logo melhor e isso
tem que ver com a fé.”
À ESQUERDA

As marés e as tempesta-
des inundam frequente-
mente a única estrada
que liga a ilha de Jean
Charles ao território
continental dos EUA,
isolando as seis dezenas
de habitantes que
restam na ilha. Antiga-
mente a ilha tinha 8.900
hectares. Agora tem 130.
“Não sabíamos que a
terra à nossa volta estava
a desaparecer... Ia
desaparecendo, aos
bocadinhos, e agora já se
foi”, diz Albert Naquin,
chefe da banda da ilha,
da tribo Biloxi-Chitima-
cha-Choctaw.

E M B A I XO

Bayah Bergeron, de 8
anos, apanha bagas junto
de uma casa abando-
nada do outro lado da
rua. A família de Bayah é
uma entre muitas que
ponderam abandonar a
ilha, em busca de uma
vida nova no continente.
Mas Bayah está preocu-
pada com o seu amigo
Avery, cuja família pensa
em ficar. “Talvez a família
não se mude, mas o resto
das pessoas deve partir
e eu vou ficar muito
triste por deixar
a minha amiga.”

2 9, 4 0 ° N , 9 0 , 4 9 ° O

“É COMO SE TODAS AS ÁRVORES ESTIVESSEM MORTAS AGORA.


AMÉRICA
DO NORTE QUERIA CONTINUAR A VIVER CÁ, MAS À MEDIDA QUE VOU
FICANDO VELHO, APERCEBO-ME DE QUE NÃO É POSSÍVEL.
Ilha de
Jean Charles,
A MÃE NATUREZA ESTÁ A FICAR COM TUDO, NESTE MOMENTO.
Louisiana
OCEANO
PACÍFICO
É UMA DOR DE ALMA. É COMO A PERDA DE UM ENTE QUERIDO.”
VOSHON DARDAR, PESCADOR

UM MUNDO PERDIDO 23
Chantel Comardelle e
a família sentam-se
para tirar o retrato na casa
dos avós, na ilha de Jean
Charles. Os seus antepas-
sados chegaram aqui na
década de 1820, mas a
subida das águas no golfo
do México está a engolir
a ilha. Chantel (sentada
à mesa) ajuda os morado-
res a reinstalarem-se no
continente. Os seus
sentimentos são difíceis
de explicar. “Não consigo
dizer simplesmente: ‘Você
sabe como é a dor de
perder um ente querido.’
Este sentimento de perda
de uma terra e tudo o
que está associado a essa
terra é muito diferente.”
DIAS PERIGOSOS
Desde 1970, a temperatura média global subiu
0,17°C por década, mais do dobro da taxa de
crescimento em todo o século XX. A frequência e
duração das vagas de calor continuarão a aumen-
PHOENIX, NOS ESTADOS UNIDOS, tar, atingindo um número inédito de dias nos quais

TERÁ UM CLIMA SEMELHANTE AO serão necessárias medidas para manter a frescura.

ACTUAL BALUCHISTÃO, NO PAQUISTÃO.


Phoenix na actualidade Phoenix em 2070

Verão Inverno Verão Inverno


44,4˚C
39,8˚C (elevada)
TEMPERATURA
24,1˚ Phoenix
20,0˚ MÉDIA 27,8˚ 2005 2080
22,9˚ (baixa) terá clima similar ao de
124 186
dias acima 35°C
7,6˚
4,3˚
PLUVIOSIDADE
MÉDIA
55 mm 74 59,2 69,8

San José,
Costa Rica
0 8

O CALOR SERA MORT ÍFERO Número de dias por


ano acima de 35°C
2080–2099
365
Parauapebas
Em 2070, o clima em Phoenix, no Arizona, será 62 271
semelhante ao que hoje existe em Chowki Jamali,
270
no Baluchistão, uma região semidesértica dura-
mente atingida pela seca e por temperaturas
elevadas. Ali, os agricultores já limitam as horas 180
de trabalho a breves intervalos com temperatu- 150
120
ras suportáveis no início da manhã. Phoenix 90
bateu 34 recordes de picos de calor durante o dia 60
30
na última década: o stress de calor na cidade 15
atinge mais os bairros pobres do que os mais
Menos de um
ricos, onde frequentemente há mais árvores e
estratégias de arrefecimento para mitigar as
temperaturas elevadas. Em 2070, prevê-se que
o número de dias por ano com mais de 35°C D I F I C U L DA D E S N O S U L D O S E UA
ultrapasse 182, cerca de metade do ano. Mas não As temperaturas mais elevadas exacerbam os
serão apenas os lugares obviamente quentes que riscos de saúde nas regiões já actualmente quentes,
sofrerão aumentos dos picos de calor: as cidades em especial para as populações vulneráveis e
com baixos rendimentos. Sem novas medidas
com clima temperado, onde as infra-estruturas
para protegê-las ou para reduzir as emissões, a
de arrefecimento não existem ou são muito dis- mortalidade poderá aumentar acentuadamente.
pendiosas, terão de desenvolver esforços para
manter as suas populações frescas e seguras.

Em 2070, esta cidade terá um clima semelhante a

SAN JOSÉ, PARAUAPEBAS,


COSTA RICA BRASIL

PARIS, MONTEFIASCONE,
FRANÇA ITÁLIA

DAR-ES-SALAM, RAYONG,
TANZÂNIA TAILÂNDIA Taxa de mortalidade no final do século
(alteração em óbitos por 100.000 desde 2012)

-20 0 20 40
Média dos EUA (9,2)
Vagas de calor frequentes Limites humanos
Um estudo da vaga de calor de Com temperaturas elevadas, os nossos
2019 apurou que, em França e na corpos não conseguem libertar calor
Holanda, essas ocorrências são com rapidez para regular a tempera-
agora dez vezes mais prováveis tura interna. A humidade também
devido às alterações climáticas. torna a sudação menos eficaz.

Paris, França
0 7

Montefiascone, Itália
1 49

Diminuição da
força de trabalho
A Ásia Austral sofrerá os
efeitos mais graves. 43 milhões
de postos de trabalho,
Chowki Jamali, sobretudo no sector agrícola,
Baluchistão Rayong, perder-se-ão nos próximos
Tailândia dez anos devido ao calor.
2005 2080
24 214
181 241
dias acima 35°C

Dar es-Salam
5 118
Consumida pelas chamas
Os arbustos e as ervas secas são o
combustível ideal para incêndios
florestais de maiores proporções.
Em 2019 (o ano mais seco na
Austrália de que há registo), a
época dos fogos começou mais
cedo e tornou-se uma das mais
destrutivas de sempre no país.

T E N TA N D O R E F R E S C A R - S E 1.500
Desigualdade na Ásia
Com o aumento do calor, da população e Em 2016, só 4% dos
agregados familiares na Índia
dos rendimentos, a Agência Internacional possuíam ar condicionado.
da Energia prevê que o número de Em Singapura, a cobertura
aparelhos de ar condicionado, ventoinhas era de 85%.
e desumidificadores venha a duplicar até
2050, para mais de oito mil milhões. 1.000
Ciclo vicioso
As alterações climáticas
produzem necessidade de
Uso de energia para
arrefecimento. Mais
arrefecimento arrefecimento gasta mais
por país/região energia e agrava as
em mil milhões de kilowatts/hora alterações climáticas.
500
Energia per capita 2,000
para arrefecimento 1,000
em kilowatts/hora 100

2050
2016

0
Coreia Japão México Brasil União Indonésia Médio Estados China Índia Resto do
do Sul Europeia Oriente Unidos mundo

CHRISTINA SHINTANI. FONTES: CLIMATE IMPACT LAB; AGÊNCIA INTERNACIONAL


DA ENERGIA; SOLOMON HSIANG E OUTROS, SCIENCE, 30 DE JUNHO DE 2017
O MUNDO EM 2070 29
S T R E S S P O R F A LTA D E Á G U A
Prevê-se que a população mundial atinja
10.500 milhões de habitantes nos próximos
50 anos. A procura de água enfraquecerá os
sistemas de água doce do planeta, desenca-
MANILA, NAS FILIPINAS, deando mais competição, mais conflitos e

TERÁ UM CLIMA SEMELHANTE migrações.

AO ACTUAL DE KERALA, NA ÍNDIA.


Manila na actualidade Manila em 2070

Verão Inverno Verão Inverno


TEMPERATURA
33,3˚C (alta) 30 35,9˚C
˚ MÉDIA 32,5˚

24,5˚(baixa) 21,7 27˚ 24,3˚


˚

PLUVIOSIDADE
451
MÉDIA
168 mm 90 154

´ DO MAR VAI SUBIR


O NIVEL
Stress hídrico, 2040
Este índice, elaborado pelo
Instituto Mundial dos
Recursos, mede a procura de
água face à oferta disponível.

Em 50 anos, o perfil climático de Manila asseme-


lhar-se-á ao que existe em Idukki, na província Stress hídrico aumenta 200%
ou mais de 2020 a 2040
de Kerala, na Índia, onde em 2018 as cheias da
Elevado stress hídrico
monção foram responsáveis por mais de quatro-
centos mortos e pela deslocação de milhões de
pessoas. Manila é uma das áreas metropolitanas
Reduzido stress hídrico
com crescimento mais rápido e uma das mais
Árido, com escasso uso
húmidas. Em 2009, o tufãoKetsanadeixou Manila
submersa sob quase meio metro de água da chuva. Sem dados
Caiu um volume de água superior ao de um mês
inteiro, em apenas 12 horas. Mais de duzentas
pessoas morreram. À medida que o clima se altera, MAIS CHEIAS
as regiões húmidas serão muito mais húmidas. As antigas cheias centenárias (com
Uma atmosfera mais quente contém mais água, apenas 1% de probabilidade de
o que significa mais precipitação na época das ocorrência num determinado ano)
chuvas, mas também agrava a seca, incluindo serão mais frequentes devido ao
fora dos trópicos: o ar mais quente suga mais água aumento da precipitação. Os riscos
serão maiores nos grandes centros
das plantas e do solo, secando a terra. Escassez
populacionais da Ásia e de África.
de água em vastas extensões do planeta e excesso
de água noutras: é assim que as alterações climá-
ticas estão a reescrever a história da água na Terra.

Esta cidade em 2070 terá um clima semelhante a 2070


(estimativa)
SAN DIEGO, TAROUDANT, 52,3 milhões
ESTADOS UNIDOS MARROCOS

RIO DE JANEIRO, ARTEMISA,


Número de
BRASIL CUBA 1970 pessoas expostas a
5,6 milhões cheias em 100 anos
Utilizados dados populacionais
CHENNAI, AD DARB,
de 2005 como constante
ÍNDIA ARÁBIA SAUDITA
P ROJECÇ ÃO
1970 1990 2010 2030 2050 2070
Zonas em mudança Escassez de alimento
As regiões tropicais estão a Na Índia, os aquíferos que
alargar-se 32 quilómetros por alimentam o Ganges estão a
década, empurrando os outros diminuir mais depressa do que
climas em direcção aos pólos: quaisquer outros no mundo.
a densa região mediterrânea Os agricultores dependem desta
poderá tornar-se muito mais seca. fonte de abastecimento de água.

Mais seca e mais húmida


Por cada aumento de 1°C
da temperatura, a atmosfera
retém mais 7% de água. Isto
seca a superfície da Terra
e cria precipitação, incluindo
tempestades e ciclones,
menos frequentes, mas
mais intensos, fazendo escalar
o risco de inundações.

M A S M E N O S ÁG UA
A agricultura é responsável por
mais de dois terços da extracção Extracção histórica e projectada
de águas subterrâneas. Ecossis- de água de aquíferos
temas estão a ser postos em em quilómetros cúbicos por ano*
perigo, pois a água é extraída de
aquíferos que não podem ser
recarregados.

Estes sete países representam


74% da extracção mundial * Projecções
de água subterrânea. baseadas no RCP 6,0

NAT CASE, INCASE, LLC. FONTES: ATLAS AQUEDUCT PARA OS RISCOS DE ÁGUA, INSTITUTO MUNDIAL DOS RECURSOS; YUKIKO HIRABAYASHI, INSTITUTO DE
TECNOLOGIA DE SHIBAURA; YOSHIHIDE WADA E MARC FP BIERKENS, ENVIRONMENTAL RESEARCH LETTERS, 2 DE OUTUBRO DE 2014
M A I O R P RO B A B I L I DA D E Portos seguros
DE OS POBRES SOFREREM As cidades mais resilientes
localizar-se-ão nos países com
Muitas cidades e países pobres sofrerão os piores condições climáticas menos extrem
efeitos das alterações climáticas. Pressionadas por e maior capacidade de adaptação,
catástrofes naturais relacionadas com o clima, stress como o Reino Unido e a Holanda.
HANÓI, NO VIETNAME, ambiental e doenças, milhões de pessoas poderão

TERÁ UM CLIMA SEMELHANTE AO DE deslizar gradualmente para a pobreza.

NENHUM OUTRO LUGAR DO PLANETA. AMÉRICA


RU
Londres EUROPA
Moscovo

DO NORTE Paris
Hanói na actualidade Hanói em 2070 FRANÇA
Verão Inverno Verão Inverno Chicago Istambul
Nova Iorque TURQUIA
TEMPERATURA ESTADOS UNIDOS
36,6˚C
32,6˚C (alta) MÉDIA Bagdade Teerão
Los Angeles Iraque
20,9˚ 24,3˚ IRÃO
29,1˚ Cairo
25,6˚ (baixa)
EGIPTO
17,6˚ MÉXICO Riade
14,3˚ Cidade Lucsor
do México ARÁBIA Doha
SAUDITA Qatar
PLUVIOSIDADE C
885 mm
MÉDIA
760 ÁFRICA
67 67 SUDÃO

NIGÉRIA
Bogotá
Vulnerabilidade às Lagos

OS DANOS SERAO DESIGUAIS


COLÔMBIA
alterações climáticas, 2020 R.D.
Este índice avalia a ameaça Manaus CONGO
representada pelas Kinshasa
alterações climáticas, BRASIL
medindo os impactes físicos PERU Luanda
e a capacidade de cada país AMÉRICA ANGOLA
Há algumas cidades, como Hanói, onde as con- para se adaptar a elas. Lima
dições climáticas entrarão em terreno desco- DO SUL
nhecido em 2070. Hanói não ficará apenas mais Maior vulnerabilidade
São
quente : os padrões da precipitação vão alterar- Cidade com mais de 7
Paulo
Rio de
-se, com a pluviosidade a intensificar-se durante milhões de habitantes Janeiro
a monção, mas os períodos de tempestade terão
Menor vulnerabilidade
variações. Alguns riscos podem ser atribuídos
Sem dados
às alterações climáticas, como o stress hídrico Buenos Aires
perigoso, as cheias causadas por pluviosidade Cidade sem precedente ARGENTINA
climático em 2070
extrema e a subida do nível dos mares, mas
milhões de residentes em cidades de todo o
mundo ficarão cada vez vulneráveis. O risco de
doença disparará, à medida que o território ocu-
C I DA D E S E M R I S C O
pado pelos mosquitos se expandir. A ocorrência
de conflitos será mais provável quando as popu- A empresa Verisk Maplecroft avaliou a Baixo rendimento, grande
vulnerabilidade de 1.868 cidades às As cidades mais ricas consegue
lações forem obrigadas a deslocar-se. As infra-
EXTREMA

alterações climáticas. Os factores de absorver o crescimento demog


-estruturas desmoronar-se-ão mais depressa. risco incluem a exposição a condições mais facilmente do que as cidad
E enquanto nos dirigimos rumo a um futuro com extremas, o acesso a recursos, a Bogotá, pobres, que têm menos capaci
Colômbia para enfrentar as pressões exer
condições climáticas inéditas, é quase certo que dependência da agricultura e a sobre as infra-estruturas e os se
surgirão vulnerabilidades ainda por identificar, capacidade de resposta a crises.
ELEVADA

exercendo mais pressão sobre este frágil planeta. Istambul, Turquia


Vulnerabilidadeàs Teerão, Irão Fosha
Lima, Peru
alterações climáticas Seul, Hong Kong
Coreia do Sul Guangzhou
Esta cidade em 2070 terá um clima semelhante a Entre cidades com mais
C. México, México Wuhan
de 7 milhões de habitantes
Nanquim
MANAUS, NENHUM LUGAR 30 milhões EUA
Buenos Aires, Tianjin
MÉDIA

BRASIL EXISTENTE NO PLANETA. 20 milhões


10 milhões Argentina
Suzhou
LUCSOR, NENHUM LUGAR Moscovo, Rússia
Nagoya Shenyang
EGIPTO EXISTENTE NO PLANETA. Paris, França Osaka Hangzhou
Londres, RU
BAIXA

Rio de Janeiro, Tóquio Pequim


DOHA, NENHUM LUGAR Chicago Brasil Japão China
QATAR EXISTENTE NO PLANETA. Los Angeles São Paulo,
Nova Iorque Brasil
Europa América América
do Norte do Sul

FONTE: VERISK MAPLECROFT


Propagação das doenças
Antes de 1970, epidemias graves de
dengue transmitida por mosquitos
mas tinham ocorrido apenas em nove
países. A doença encontra-se hoje
D I A DA T E R RA 2 070
em mais de 125 países.

RÚSSIA

Á S I A

Pequim
Seul, Coreia do Sul
CHINA Xi’an Tóquio
Lahore JAPÃO
Chengdu Xangai
PAQ.
Nova Deli
Calcutá
r Hong Kong
Carachi ÍNDIA Hanói
Mumbai
VIETNAME Manila, Filipinas
Bangalore Banguecoque
Tailândia
Ho Chi
A CRISE É GLOBAL:
Kuala
MALÁSIA
Minh City
O CLIMA EM RÁPIDO
Fora deste mundo
Lumpur
AQUECI MENTO, AS
Há 67 cidades que não têm
qualquer previsão análoga no
futuro. Prevê-se que o seu clima
Jacarta
INDONÉSIA
TAXAS DE EXTINÇÃO
em 2070 não terá precedentes
nem semelhanças com qualquer CRESCENTES
lugar da Terra na actualidade.
E O CRESCIMENTO
OCEÂNIA
DEMOGRÁFICO A
SUFOCAR CADA VEZ
MAIS A NATUREZA.

Kinshasa,
Manila, Filipinas R.D. Congo
desafio
Jacarta, Indonésia
em Kuala Lumpur, Lagos,
gráfico Malásia Bagdade, Iraque Nigéria
des mais
idade
Banguecoque, Ho Chi Minh City,
rcidas Tailândia Vietname
erviços.
Bengaluru Carachi,
Riade,
Arábia Saudita Mumbai Paquistão Luanda,
n Angola
Ahmadabad Chennai
Xangai
Haiderabe

Lahore,
Chengdu Paquistão
Shenzhen Nova Deli Cairo,
Dongguan Surat Dacca, Egipto
Xi'an Calcutá Bangladesh
Chongqing Desafio de África
Índia Algumas cidades em rápido
crescimento situam-se
em África: dois terços enfrentam
a riscos extremos devido às N AT I O N A L G E O G R A P H I C
alterações climáticas.

Ásia África

O MUNDO EM 2070 33

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