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Caderno de Artigos: infâncias,

adolescências, juventudes e famílias –


desaos contemporâneos 33
A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E AS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: a criança como
sujeito histórico e de direitos

Cláudia Valente Cavalcante


Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar uma breve síntese do
nascimento do conceito de criança e do sentimento de infância a partir do
século VI e VII até os dias atuais. Pretende-se, também, evidenciar como essas
concepções perpassaram as atividades relacionadas a esses sujeitos em
diferentes esferas da sociedade, em especial, no que se refere à educação, e
mais precisamente, nas práticas pedagógicas nas escolas em diferentes
momentos. Para tanto, serão apresentadas diferentes visões em relação à
infância e a contribuição teórica da Sociologia da Infância para uma prática
pedagógica que visa assegurar o direito da criança à educação.

Palavras-chave: Criança. Infância. Sociologia da Infância. Prática pedagógica

Introdução

Este texto tem como objetivo principal apresentar as contribuições da


Sociologia da Infância na construção do sentimento de criança e de infância e
sua importância para a educação. Uma vez que é inegável a necessidade da
criança ser compreendida como sujeito histórico e de direito, e que é
impossível generalizar a infância, tendo em vista que existem diferentes
infâncias, sendo esta variedade determinada pelos contextos onde esta
categoria se constitui.
Da mesma forma que a concepção de criança e de infância determina a forma
como a sociedade lida com as crianças, a concepção dos educadores em
relação à criança e à infância conduz de que forma sua prática pedagógica
será construída e desenvolvida junto a esta categoria, determinando se será
impositiva ou colaborativa com os alunos. Para a construção de uma prática
pedagógica na perspectiva contemporânea da Sociologia da Infância, é
necessário que os professores utilizem metodologias interpretativas e
etnográficas com o objetivo de ultrapassar as barreiras do seu próprio
adultocentrismo, dispostos, de fato, a ouvir o que as crianças têm a dizer sobre
a relação pedagógica preparada para elas, estando dispostos também a
considerá-la como ator histórico na reconstrução dessa prática.
Como foi mencionado, a forma como os professores compreendem
a infância e o conceito de criança são definidores do tipo de prática
pedagógica que construirão com e para seus alunos. E como esta
construção se dá historicamente faz-se necessário apresentar um breve
histórico da elaboração do conceito de criança e de infância para que se
entenda melhor o que encontramos hoje sobre a questão. Para tanto, esse
percurso será iniciado no período da Idade Média, passando pela Idade
Moderna, até a Idade Contemporânea, destacando a importante
contribuição de estudiosos da Sociologia, mais especificamente, da
Sociologia da Infância.
Dessa maneira, a criança até os sete anos de idade é considerada na
Idade Média como incapaz de se expressar com racionalidade, tem
comportamentos inadequados; é irracional. Ou seja, infância é sinônimo de
irracionalidade. Após os sete anos, a criança é considerada um adulto,
passando a ser inserida na vida social como um adulto em miniatura (ROCHA,
2002).
Na Idade Moderna, a forte influência da Igreja Católica faz com que a
criança seja considerada de forma diferente pela sociedade. Desperta-se para
a necessidade de melhorar sua condição de vida e de organizar instituições
adequadas para o cuidado e preparo dela. Dessa forma, na Modernidade dá-se
início ao desejo de controle da infância por meio da educação em instituições
criadas, com o objetivo de formar o futuro adulto (ROCHA, 2002).
Com o intuito de controlar e formar o futuro adulto, na Idade Contemporânea,
há o aprimoramento na maneira de organizar e oferecer educação à sociedade.
A idade, e somente ela, passa a ser o critério utilizado como regulador na
organização da sociedade. Assim, os indivíduos são separados por faixa etária,
sendo crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos (ARIÉS, 1981).
Após apresentar este breve histórico da construção do conceito de
criança e de infância, algumas contribuições da Sociologia da Infância para a
educação são apresentadas e defendidas, com a finalidade de reforçar a
necessidade de se considerar a criança como sujeito histórico e de direitos,
capaz de participar da construção das relações sociopolíticas e culturais, entre
essas a educação.

A construção do conceito de criança e de infância da Idade Média à Idade


Moderna

Não existem sociedades sem infância. Nesse sentido, pode-se afirmar


que ela é uma categoria permanente. Entretanto, esta categoria é resultado de
uma construção biopsicossocial, o que significa que em diferentes
espaços/tempos existem diferentes infâncias, como pode ser atestado pelos
estudos de diferentes autores, entre eles Ariès.
Para realizar seus estudos, o historiador francês Phillip Ariès(1981)
recorreu à fonte historiográfica - a iconografia religiosa e leiga na Idade Média;
documentos que evidenciam diferentes representações sobre este período da
vida dos seres humanos por meio da produção artística, literária e cultural da
época. A partir da análise desse material, esse autor considera que o
sentimento de infância surgiu apenas na Modernidade, no século XVII, junto e
a partir do interesse em formar o adulto necessário para atender o modelo de
sociedade da época. Nesse período considerava-se que:

[...] a primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade


começa quando nasce, e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo
que nasce é chamado de enfant (criança), que quer dizer não falante,
pois nessa idade a pessoa não pode falar bem nem formar
perfeitamente suas palavras [...] (ARIÈS, 1981, p. 36).

Nessa perspectiva, as crianças eram consideradas como incapazes de


falar coerentemente sobre qualquer assunto que fosse, eram vistas como
portadoras de comportamentos irracionais, opostos aos da vida adulta, ou seja,
apenas os adultos eram capazes de pensar racionalmente e transformar a
sociedade. As crianças eram consideradas incapazes, improdutivas e a
infância uma fase a ser superada. Superação que passou a ser almejada,
segundo Ariès (1981), pelos moralistas que desejavam o mundo das crianças
separado do mundo dos adultos.
Uma vez que as crianças se vestiam como adultos e participavam de
todos os acontecimentos sociais, culturais da época, como as festas noturnas,
as brincadeiras adultas e até práticas sexuais, as pessoas não acreditavam na
inocência pueril ou que houvesse diferença entre adultos e crianças.
Criticando as ideias defendidas por Ariès (1981) de que o sentimento de
infância não existia na Idade Média ou em tempos mais antigos, Kuhlmann Jr.
(1998) argumenta que seria um equívoco pensar assim, já que outros estudos
apontam que aquele autor considerou somente as fontes de famílias
abastadas, deixando de fora as fontes históricas populares, defendendo que o
sentimento de amor pelas crianças tenha surgido primeiramente no interior
dessas famílias.

[...]mesmo em abordagens que tomam a infância em sua referência


etimológica, como os sem-voz, sugerindo uma certa identidade com
as perspectivas da história vista de baixo, a história dos vencidos,
essa visão monolítica permanece e mantém um preconceito em
relação às classes subalternas, desconsiderando a sua presença
interior nas relações sociais. Embora reconhecendo o papel
preponderante que os setores dominantes exercem sobre a vida
social, as fontes disponíveis, como, por exemplo, o diário de Luís XIII,
utilizado por Ariès, geralmente favorecem a interpretação de que
essas camadas sociais teriam monopolizado a condução do processo
de promoção do respeito à criança. (KUHJMANN, 1998, P. 24).

As crianças pobres não participavam das relações sociais daquele período?


Kuhlmann Jr.(1998) defende que sim, destacando que havia dualidade na
forma como as crianças participavam da e na sociedade. Enquanto os meninos
ricos eram enclausurados para serem preparados para a vida adulta,
aprendendo as regras de etiqueta exigidas pela sociedade. A dança, a música,
a leitura eram ensinadas por seus preceptores. As crianças pobres (filhas de
camponeses e artesãos) aprendiam convivendo em espaços compartilhados
por todos, participando de todas as ativida des sociais, ficando a sua educação
sob a responsabilidade de seus pais.
O que significa considerar que havia uma educação das crianças pobres,
mesmo que fosse de maneira diferente da educação das crianças ricas.
Segundo Kuhlmann Jr. (1998), independente da classe social, havia diferentes
formas de aprendizagem em todas as famílias. Dessa forma, não é possível
negar a existência biológica das crianças, entretanto, a consciência social não
considera a criança como uma categoria diferente de um adulto e, aos sete
anos, as crianças eram inseridas no mundo adulto. Sendo assim, na Idade
Média não havia a divisão territorial e de atividades de acordo com as idades
dos indivíduos.
Outro problema destacado por Ariès em seus estudos é a ausência de
cuidados com a higiene e a saúde das crianças. Havia alto número de
mortalidade infantil e, ainda, de infanticídios cometidos pelas famílias que
almejavam crianças mais saudáveis e resistentes, que correspondessem às
expectativas dos pais. O sentimento materno não existia, a família tinha
formação social e não sentimental, o que pode ser evidenciado com o texto a
seguir:

[...] Uma vizinha, mulher de um relator, tranquiliza assim uma mulher


inquieta, mãe de cinco ‘pestes’, e que acabara de dar à luz: ‘Antes
que eles te possam causar muitos problemas, tu terás perdido a
metade, e quem sabe todos [...] (ARIÈS, 1981, p. 56).

A morte das crianças não era considerada uma perda para a família, mas, em
muitos casos, como um alívio. Entregar as crianças para que outras famílias
educassem também era uma prática comum na época e, ao completarem sete
anos de idade, as crianças retornavam à sua família pronta para ser integrada
à vida familiar e ao trabalho, caso não morresse até esta idade. Em relação ao
cuidado com as crianças, no século XVII, o poder público, respondendo às exigências
da Igreja Católica em não aceitar mais o infanticídio passivamente, cria o sentimento de
proteção e manutenção da vida das crianças. Tarefa atribuída às mulheres (amas e
parteiras), que seriam as protetoras dos bebês. A alma da criança é descoberta.
Segundo Ariès,

é [...] como se a consciência comum só então descobrisse que a alma


da criança também era imortal. É certo que essa importância dada à
personalidade da criança se ligava a uma cristianização mais
profunda dos costumes [...] (ARIÈS, 1981, p. 61).

Para tanto, medidas foram tomadas no que se refere à higiene e à saúde das
crianças para que a mortalidade infantil fosse reduzida. A família passa a ter
maior zelo com a criança, surgindo o sentimento de infância, classificado por
Ariès em dois períodos: o da paparicação e posteriormente o do apego. Nesse
primeiro sentimento, as crianças passam a ser tratadas pelos adultos como
uma espécie de entretenimento, como um bichinho de estimação que deve ser
preservado para continuar dando satisfação aos adultos com seus gracejos,
suas brincadeiras e com seu jeito de falar.

No século XVII, surge o sentimento de apego pelas crianças como um tipo de


manifesto da sociedade moderna contra o sentimento de paparicação para com
as crianças. Inicia-se, então, o desejo de formar as crianças dentro dos
padrões culturais da sociedade adulta. A educação é o meio de se conseguir o
controle da infância, inicialmente, na família e, posteriormente, nas instituições
de ensino criadas com o objetivo de preparar o futuro adulto, o novo homem
moderno.

[...] com a evolução nas relações sociais que se estabelecem na


Idade Moderna, a criança passa a ter um papel central nas
preocupações da família e da sociedade. A nova percepção e
organização social fizeram com que os laços entre adultos e crianças,
pais e filhos, fossem fortalecidos. A partir deste momento, a criança
começa a ser vista como indivíduo social, dentro da coletividade, e a
família tem grande preocupação com sua saúde e sua educação. Tais
elementos são fatores imprescindíveis para a mudança de toda a
relação social (ROCHA, 2002, p. 57)

A partir de então, a relação entre adulto e criança é modificada. Há por parte do


adulto a preocupação em proteger a criança, considerada pela sociedade como
um sujeito fraco e dependente de cuidados. Dessa forma, só ultrapassam essa
fase, considerada a primeira idade da vida, os indivíduos que conseguissem
superar este estado de dependência (NASCIMENTO; BRANCHER; OLIVEIRA,
2011). Segundo esses autores, até o séc. XVII a ciência desconhecia a
infância, uma vez que não havia diferenciação entre ser adulto e ser criança.

Nesse contexto, o desejo pelo controle da infância surge com a necessidade de


preparar a criança para ingressar de modo satisfatório na sociedade. A palavra
de ordem é controle. Controle do corpo e da mente das crianças por meio de
uma rígida disciplina infantil, tanto no seio familiar, quanto na escola.

[...] sabemos, também que a ideia contemporânea de infância, como


categoria social, emerge com a Modernidade e tem como principal
berço a escola e a família. [...] junto com a emergência da escola de
massas, a nuclearização da família e a constituição de um corpo de
saberes sobre a criança, a Modernidade elaborou um conjunto de
procedimentos configuradores de uma administração simbólica da
infância (grifos da autora). (MÜLLER, 2006, p. 554)

Em um momento em que a sociedade anseia por igualdade, fraternidade e


liberdade, princípios da Revolução Francesa, a criança torna-se alvo de
preocupações de outros estudiosos como, por exemplo, Durkheim (1978, apud
MÜLLER, 2006), que defende o controle dos “humores endoidecidos” das
crianças, sugerindo o desenvolvimento da moral da criança inscrevendo três
elementos na subjetividade delas, quais sejam: espírito de disciplina, o espírito
de abnegação e a autonomia da vontade. Dessa forma, são elaboradas normas
e prescrições com o intuito de coagir os comportamentos das crianças na
sociedade, já que antes não havia separação.

A partir da Idade Moderna, as crianças devem obedecer à delimitação de


lugares, à alimentação considerada adequada, horas de participação da vida
coletiva e ao horário de recolhimento. Com isso, o que se observa é a
administração simbólica da infância que se configurou em um oficio de criança
(CHAMBOREDON; PRÉVOT, 1986 & SARMENTO, 2000, 2001apud MÜLLER,
2006).

Idade Contemporânea: educação, escola e conceito de infância

Como pode ser percebido, o conceito de criança e de infância está em


processo de construção histórica, identificando na Idade Média, a inexistência
social e cultural de infância. Na Idade Moderna, a modificação desse
sentimento para o de fraqueza e necessidade de proteção, e na Idade
Contemporânea, com a criação das escolas, o desenvolvimento de uma
pedagogia específica para as crianças com o objetivo de escolarizá-las.

Na esteira destas ideias, a organização da sociedade ocidental


contemporânea se dá por meio de segmentação tendo como
regulador a idade dos indivíduos. Em seus vários espaços, os
indivíduos são separados por faixa etária (crianças, adolescentes,
jovens, adultos e idosos) e somente na família há o encontro físico de

gerações. Concomitante ao processo de mo dificação do sentimento


de infância acontece a invenção do estatuto para a criança, com
valores morais e com expectativas de condutas consideradas
adequadas para esta faixa etária (MÜLLER, 2006).

Ao nascer, a criança é inserida, na maioria das vezes, em uma família.


Entretanto, desde muito cedo, é encaminhada à escolarização. Ingressam em
creches ou em maternais de escolas públicas ou particulares a partir dos seis
meses de idade, muitas vezes, para que os pais trabalhadores possam realizar
suas atividades. Outras vezes, por outros motivos. O fato é que as crianças
desde muito cedo são internadas em instituições de ensino e ali estabelecem
contato com adultos, que têm a função de cuidar e, teoricamente, educá-las.
Dessa forma, as relações sociais de outrora são agora substituídas pelas
relações profissionais e familiares. Entretanto, segundo Nascimento; Brancher
e Oliveira (2011, p. 9), é necessário destacar que

[...] esse não é um fenômeno generalizado: enquanto alguns têm sua


infância delimitada pelo ciclo escolar, outros ainda se “transformam”
em adultos sem ter condições para isso (crianças de rua, trabalho
infantil, etc).

Visando estudar esta nova configuração da sociedade e os problemas


provocados por essas mudanças, a partir da década de 1990, os estudos sobre
a infância tomam corpo, em diferentes instituições, como escolares, familiares
e jurídicas. Com os trabalhos pioneiros de Sirota (2001) e Montandon (2001), a
Sociologia da Infância se constitui como nova ramificação dentro da Sociologia

Contribuições da sociologia da infância para as práticas pedagógicas e


para assegurar o direito à educação

Não é nova a preocupação em estudar a criança a partir das possibilidades


teóricas da Sociologia. O que é consideravelmente recente é a inversão na
concepção de criança e de infância, que passam a ser percebidas como
possíveis de serem estudadas a partir de suas próprias vozes e não mais por
meio do que um adulto diz sobre ela, ou das memórias de um adulto sobre
sua infância. Dessa forma, a Sociologia da Infância defende que seja
estudado o presente, ou seja, a própria criança deve ser ouvida, uma vez
que ela é considera interlocutora competente capaz de falar sobre si, sobre o
que preparam para ela (seja na família ou na escola).
Nessa perspectiva, criança é considerada um sujeito histórico e de direitos,
uma categoria social específica que atua a partir de suas especificidades, de
sua visão de mundo, em suas experiências, em suas relações com os adultos.
Sendo que,

[...] a infância deve ser compreendida como uma construção social ou


cultural, e as diferenças entre os adultos e crianças não podem ser
interpretadas diretamente como biológicas, tais como tamanho físico
ou maturidade (PROUT, 2000 apud FINCO, 2011, p. 160).

Concordando com esse autor, Kuhlman (1997 apud DELGADO, 2011, p. 196)
afirma que é preciso “considerar a infância como uma condição de criança, pois
o conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos,
geográficos e sociais é muito mais do que uma representação dos adultos
sobre esta fase da vida”. Assim, faz-se necessário que o adulto (os
educadores) compreenda de que forma a criança aprende, uma vez que, saber
é a apropriação do conhecimento, transformada e assimilada pelo sujeito de
forma singular e intransferível. A construção do saber é um processo individual
e solitário; é o próprio sujeito que faz. Independentemente da idade do
indivíduo, “a educação é uma produção de si por si mesmo, mas essa
autoprodução só é possível pela mediação do outro e com a sua ajuda”
(CHARLOT, 2000, p. 53). Nesse sentido, o processo de aprendizagem do
aluno é individual e cada um apreende as situações propostas pelo professor
com as características que provêm do seu próprio saber, dos seus hábitos de
pensar e de agir (POSTIC, 1995, p. 16). E, ainda, aprender
é compreender, ou seja, trazer comigo parcelas do mundo exterior,
integrá-las em meu universo e assim construir sistemas de
representação cada vez mais aprimorados, isto é, que me ofereçam
cada vez mais possibilidades de ação sobre esse mundo.
Refugiando-me incessantemente em mim mesmo, não encontrarei
nem mesmo os meios para compreender-me, pois sou do mundo
tanto quanto de mim mesmo e não posso resolver os meus
problemas se não me compreender dentro do mundo (MEIRIEU,
1998, p. 37).

aderno de Artigos: infâncias, adolescências,


juventudes e famílias – desaos
contemporâneos42
Tendo isso em vista, é importante entender que as estruturas de pensamento
se organizam em um processo contínuo que inclui desde organizações
sensoriais e motoras até organizações lógicas sofisticadas, que ao longo do
desenvolvimento produzem as informações necessárias para lidar e participar
no mundo, bem como as formas de interpretar essas informações (SISTO,
2001, p. 121). Daí a compreensão de que a aprendizagem é também um
processo interno e solitário
Nessa perspectiva, Charlot (2000, p. 54) diz que os professores são os
sujeitos responsáveis na mediação de seus alunos para que estes se
mobilizem para a aprendizagem, ou seja, para que os alunos colo quem
seus recursos internos em movimento (de dentro para fora), que se
aproximem da subjetividade dos alunos com o objeto de conhecer seus
desejos, as suas histórias e a sua linguagem. Para tanto, é necessário que
o professor compreenda o processo de aprendizagem de seus alunos para
mediá-los na construção de sua autonomia e na relação que eles
estabelecem com o saber, de forma que a figura do professor seja
paulatinamente menos importante ao aluno. Charlot (2000) considera que
se o professor não tiver essa consciência ao organizar as atividades de
aprendizagem todo o restante do processo ficará comprometido, o que
significa que etapas poderão ser queimadas, fazendo com que os
obstáculos, que são necessários para o progresso da aprendizagem,
fiquem praticamente intransponíveis e, posteriormente, transformados em
dificuldades.
Segundo Müller (2006), uma prática pedagógica elaborada na
perspectiva da Sociologia da Infância considera a criança como um ator social
dotado de pensamento crítico e reflexivo, não a vê como um ser irresponsável,
irracional, a-moral, a-cultural, incompetente, imaturo, passivo receptáculo de
uma ação de socialização.
Ressalta-se, então, que a forma como o educador vê e considera
a criança determina de que forma ele se relaciona com ela. Assim, ao
reconhecer que a criança é um ser inteligente, socialmente competente, o
educador, ao ouvir sua voz, se tornará seu intérprete e tradutor.
a Sociologia da Infância com os seus estudos das crianças deseja
contribuir para o alargamento do campo das Ciências da Educação e
das Ciências Sociais, não tanto por via do seu espartilhar om o
acréscimo de mais uma disciplina e de um objeto, mas antes pelo
participar na sua recomposição, uma vez que se considera que a sua
inclusão obriga ao exercício crítico da própria sociologia, em
particular, da sociologia da educação[...]. Trata-se também de
realizar estudos não apenas sobre as crianças, de como é que os
adultos disseram as crianças, mas agora, com crianças para
descobrir o actor-criança e a sua agência “escondida”, dando-lhes
voz, isto é: reconhecê-las como produtoras de sentido, com o direito
de se apresentarem como sujeitos de conhecimento e assumir como
legítimas as suas formas de comunicação e relação (FERREIRA,
2002, p. 2)

Nessa perspectiva, ouvir as crianças pode ser uma das estratégias eficazes
para a sua permanência na escola, garantindo não apenas o acesso à
educação formal, mas também garantindo o direito à educação, à cultura, ao
esporte e ao lazer como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), pois toda criança e adolescente têm direito ao desenvolvimento pleno
de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho. A criança no ambiente escolar deve ter condições de igualdade de
condições de acesso e permanência na escola e ser respeitada pelos
educadores. Portanto, a escola, os professores e toda comunidade escolar
precisam entender o processo pedagógico compreensivo às necessidades da
criança e mantê-las inseridas na escola, primando pela qualidade do ensino a
fim de garantir o direito à educação.
E os pais devem compreender esses processos para também garantir a
essa criança a escolarização.

Considerações finais

A Sociologia da Infância contribui de forma decisiva na investigação


sobre a construção do sentimento de criança e de infância. É inegável a
necessidade de compreender a criança como um sujeito histórico e de direito, e
que é impossível generalizar a infância, uma vez que existem diferentes
infâncias, variando de acordo com os contextos onde esta categoria acontece.
A concepção dos educadores em relação à criança e à infância
determina de que forma sua prática pedagógica será construída, se impositiva
ou colaborativa com seus alunos.
Para a construção de uma prática pedagógica na perspectiva da
Sociologia da Infância, é necessário que os professores utilizem metodologias
interpretativas e etnográficas com o objetivo de ultrapassar as barreiras do seu
próprio adultocentrismo, dispostos, de fato, a ouvir o que as crianças têm a
dizer sobre a relação pedagógica preparada para ela estando dispostos
também a considerá-la como ator histórico na reconstrução dessa prática.
É preciso entender que as práticas pedagógicas pautadas na concepção
de criança como sujeito de direito são fundamentais para garantir sua
permanência na escola e prover as competências, habilidades e conteúdos
necessários para o seu desenvolvimento integral para atuar no mundo. Nesse
sentido, a escola é uma grande parceira para assegurar o direito da criança à
educação formal e os processos pedagógicos como aliados nessa luta.

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