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Nicodemos Batista Borges Fernando Albregard Cassas e colaboradores Clinica analitico- -comportamental aspectos tedricos e praticos Reimpressio 2014 © 2012 Assoc.agao Unificada Paulista ¢ K ysvade por Operagoes motivadoras awa Nicodem Teter) Batista Borges ASSUNTOS DO CAPITULO Definigao de ambiente. Estimulos antecedentes e consequentes. Operagées motivadoras e suas funcdes. Vibe incondicionais. Funges (papéis) de estimulos: evocativo ou alterador de funcao. Historia da motivacao na anélise do comportamento. Tipos de operagées motivadoras: estabelecedoras versus abolidoras, condicionais versus Ao estudarmos 0 conceito de operacao moti- vadora, continuamos a discutir fndamental- mente como os fatores ambientais influen- ciam nossas ages, ntimentos € pensamen tos. Sendo assim, antes de entrarmos nessa questao, vale a pena dedicarmos este inicio do capitulo para esc biente na determinago do repertério com portamental dos individuos. Se perguntarmos para alguém “o que é ambiente?”, a provavel resposta serd “tudo aquilo que nos cerca” ou “o lugar onde as coi- larecet 0 papel do am sas acontecem”,, que coincide com a definigao do diciondrio Aurélio (Ferreira, 2008). C siderando essa definigao, ambiente é entendi- do como algo que existe independentemente i do fenémeno comportamental. No entanto, Behaviorismo Radical propée outra defini- cao para ambiente, contrapondo-se & visio sta (Tourinho, 1997). Este autor dis lo que cerca 0 organismo de modo geral é universo, reservando ambiente para aquela parcela do universo que afeta 0 organismo. Assim, o ambiente é a parcela do universo que deverd ser considerada junta- mente com 0 responder que ele afeta para se falar de comportamento. Dado que ambiente é parte do fendme- no comportamental, podemos comegar a dis- cutir de que maneiras esses eventos ambien- tais afetam o responder de um organismo. Se- gundo Michael (1983), tais eventos exercem duas possiveis fungoe: ) evocativas ¢ b) alteradoras de repertério. Em suas palavra As diversas relagées ou fungées comportamen: tais podem ser chamadas de “evocativas” quan: do nos re imos a uma mudanga imediata, po rém temporéria, no comportamento produzide “squsiquze n3s 0 wWoD onpyaipul op oeSeps ap euoasty eu epenuosus 9 visodsau sso anb sour -szip ‘owusurensoduio,) op asipuy & eieg “ou -Pumny 498 0 J9puadud 9p vaneiUD) vu vFo}OD sd vp oiusureuonsonb op aseq v 9 sestou Du sepeuruusrap ap wroze1s0dui0> 9s seossod sep gnbsod 0 aaqos orSeordxs vjod vosnq y OLI39NO9 OG OVSNTOAa AVIOLSIH € “ousouod assap oFSnjoaa ep ovdudsap 24219, vu sowrrey ‘ssoStuyap 2 sodn snas sounes -uosorde 9 soummfassoid 9p samy “ousted -10 um ap [erusueUOduO> oLIadas 0 21G0s sao19x9 wapod ‘sesopeanour sooSesado se $999 anuap ‘srequaiqure soauaaa so anb opSuny 2p sodn so sownnosip pf wipquiey, “sopesyrpour aiuaiquie 2 owstueBi0 um oxSesaur eisop sopei[nss1 owo> opuar ‘oulstueBi0 0 wo> aSezoiuy anb auaique op aued oes sep “01 -usureuioduio> 9p soureye opuenb sopezopis -U0D UIDI9s B SOIUAD OFS seIOPEANOUT sa05eI -ado se ‘susuoLDUe soUIDssIp OWO) “ovises0 ep s9puadap e ‘siaded stop sassa 19919x9 oBrap -od sexopeanour saoseiado se soine © opun -a8 “g “eupisty ens wa napuaide ef onpyarpur © anb seisodsax ovze> -OAa BIO {9IUDIOJIP O- -opurusos ‘onpyaIpul op ouguads: 0 ov -epnur eo :yeuusurer -soduroo ovSejai euin wo soueuodun sipd -ed stop 301 wopod sojnuipas so anb aod -o1d (€861) PEYPIN ‘opou assoqq “sreuororpuoo sesopeannour sogse -odo se 2 soxoprund ‘sa1opesiopas :ovs orSuny Je weo19x9 anb sopmupiso sunSpy “ourstue8s0 op ougueda: ou SyYNOCVUNC seSuep “nu 2p 2s-ueIeN ‘sose> so soqure wry EE — Iweyodusod-oonyeue esa -repuodsas 0 wapanaiue anb ster -uaiquue sa10rey & jpajsuas a1usuizefnoned o-opueuior ‘elas no \ seisodsos sepeu -tuniaiop ered Squsiqure — oss9arun op soa -padse ppajsuas owustue$i0 0 zeus01 ap e (@ 2 ‘ouisrue810 um ap o1sgu1ad3 0 a1gos 2019x9 a1usiqure 0 anb wopeuo!s|9s ap e (e ssoiuriodurr ssoSury senp sousw opd zeomsop sonb (£361) PEPIN ‘srauarquae soiusas sop oupusds1 ap tiopeisiye opSumg ep spy ov Ef z(Sauexado s905e] 01 seu) sreuorrpuos 2 sreuorsrpuoout sex -opeanour sooSeiodo 2 soaneunuosip 2 (sauspuodsar sso5ey -21 seu) steuorrpuod 2 steuompuods tors vanesoaa ovSuny uporxa anb sopnur “PS sO Touaiqure ‘onus 0 woo opiose ap — jaapaoid sousus no sew e-opurusor ~ epemye LL NIWVANVINAWOW 9p apeprriqeqoud ens psoi oustues0 wm. -ouraday ou aiuaistxo pf wasodsoz eum senno wry -o1uss> aissp siuerp eisodsar eur ap e510} ep orsex -onye v eoeIsop 2] ‘1 -uaiquie op eane>0s> ogSuny 2u2ja4 9s 102 -ne 0 opuend) so (74 “€961 “PeysyA) -uassid a1uauresou o8Is> uresapacaid © anb 995 -tpuoo se opuenb opeasss qo soypsut 428 apod anb oiuas> ouyp oF som -uayai sou opuenb ug -1ado1 ap eiopesoye, 2 “ea -uaiqure oyu2a2 wn 0d 34 Borges, Cassas & Cols. Estudiosos do fendmeno motivacio- nal de diferentes refe- renciais tém tentado responder a pergun- tas do tipo: “o que faz com que alguém se comporte de uma determinada maneira?” e “seré que o valor dos eventos é sempre o mesmo em todas as si- tuagoes?”. No nosso referencial tedrico nao foi diferente. Keller e Schoenfeld (1950/1974) afirmavam que uma descrigéo do comportamento que nao le- vvasse em conta esta outra espécie de fator [que no 86 0 reforgamento ¢ © controle por esti- mulos], que hoje se chama motivacio, estaria incompleta. (Keller e Schoenfeld, 1950/1974, p. 277). O primeiro material que encontramos para falar de motivagéo em Andlise do Com- portamento foi escrito por Skinner (1938). Nele, 0 autor se refere a drives como um gru- po especifico de varidveis que atuam no forta- lecimento ou enfraquecimento do comporta- mento, Vale atentar que Skinner defendia o drive ndo como estado interno do organismo, mas sim como operagdes ambientais, desta- cando privagao e saciagao. Todavia, como essa nao parecia ser sua maior preocupacdo na época, esse conceito foi pouco explorado. Em 1950, Keller e Schoenfeld dedicam um capftulo inteiro para discutir os eventos motivacionais. A esse capitulo os autores atri- buem o titulo “Motivagao”, mas tratam o fe- némeno utilizando o termo impulso para se referirem a modi- ficages no respon- der ¢ as suas opera- 6es ambientais cor- respondentes. Dessa forma, os autores de- fendem que o impul- so no pode ser entendido como um estado interno, mas sim como produto da relagio entre organismo ¢ ambiente, nao podendo ser atribuido a apenas um dos lados. Essa pro- posta jd se aproximava em muitos aspectos & posteriormente apresentada por Michael (1983). ‘Trés anos apés a publicagao de Keller € Schoenfeld, Skinner (1953/1998) dedica um capitulo de seu livro sobre comportamento humano para discutir a motivagao. Destaca- -se nessa obra 0 abandono do termo drive ¢ a inclusao de estimulacao aversiva como fator motivacional. Neste momento, Skinner de- fende uma visio semelhante & de Keller e Schoenfeld (1950/1974). Outro autor que apresentou o conceito de motivacdo apontando para as varidveis ambientais foi Millenson (1967/1975). Em seu manual, o autor também se refere & moti- vagio como operagées de impulso, com fun- go de alterar o valor da consequéncia, aumentando-a (por meio de operagao de pri- vacio) ou diminuindo-a (por meio de opera- 40 de saciagao). Nota-se, entao, que esses autores (Skin- ner, 1938, 1953/1998; Keller ¢ Schoenfeld, 1950/1974, e Millenson, 1967/1975), apesar de nao utilizarem a nomenclatura operacio motivadora (que foi cunhada mais tarde), en- fatizaram o papel das varidveis ambientais na compreensao do fenémeno motivacio, além de destacarem a importancia de entender esse conceito como produto da relagio entre 0 or ganismo ¢ os eventos ambientais, negando, portanto, qualquer carter mediador interno. Em artigo dedicado 2 distinggo entre estimulos com fungao discriminativa e moti- vacional, Michael (1982) propds 0 termo operacao estabelecedora? para se referir aos estimulos antecedentes envolvidos numa re- lagdo comportamental ¢ que estio relaciona- dos aos aspectos motivacionais. Este autor aponta para a necessidade de se utilizar um termo mais geral, que pudesse abarcar even- ‘ses como: ingestio de sal, mudangas de tem- pentura, estimulacio aversiva (dentre ou- tos), € seus efeitos sobre os organismos, além das operacées de privagio ¢ sacia- io, jé extensamente analisadas por outros autores. Todos os eventos menciona- dos tém em comum dois efeitos sobre 0 ortamento: am a efetividade de algum objeto ou “exato como reforcador (positivo ou nega- “Seo) ou punidor (positivo ou negativo) ¢ eram a probabilidade de respostas que “ge passado tenham produzido tal conse- a. Michael foi um dos autores que mais se ao estudo desse conceito, fazendo di- seformulagées para refind-lo (Michael, Michael, 1993 e Michael, 2000), até artigo intitulado Motivative opera- seed terms to describe them: some further (Laraway, Snycerski, Michael e 2003), ele apresenta, juntamente com eetros autores, uma ultima versio do 5. Neste artigo, os autores incluem nulo “operacao motivadora’, nao sé as. estabelecedoras - que se tratam de que fortalecem a efetividade da con- como reforcadora ou punidora — ‘as operacées abolidoras — que dimi- fetividade da consequéncia como re- sz ou punidora. DEFINICOES DE (PERACOES MOTIVADORAS Genco de operacées motivadoras todo e “gestions evento ambiental (seja uma opera- 35 Clinica analitico-comportamental cdo ou condigao de estimulo) que afeta um. operante de duas maneiras: 1, alterando a efetividade dos estimulos con- sequentes (reforsadores ou punidores) ¢ 2. modificando a frequéncia da classe de res- postas que produzem essas consequéncias. Quando dize- mos que as operages motivadoras alteram aefetividade dos estf- mulos consequentes (item 1 da defini- g40), devemos aten- tar para as duas pos- sibilidades: tar ou diminuir tal efetividade. Dessa forma, uma subdivisio se torna necessdria, Restringiremos 0 termo ope- ragdo estabelecedora para nos referitmos aos eventos ambientais que aumentam a efetivi dade reforcadora ou punidora da consequén- cia. Por outro lado, utilizaremos o termo opera- ¢do abolidora para nos referirmos aqueles even- tos que diminuem a efetividade reforgado- 1a ou punidora da consequéncia. Em ou- tras palavras, os ter- mos estabelecedora ou abolidora referem- se aos seus efeitos so- bre as consequéncias. Como plos de operagées estabelecedoras, podemos analisar a resposta de uma crianga de pedir colo para sua mae. Em uma situacao em que a mie fica longe da crianga durante muitas horas, devido ao seu trabalho, esse tempo tem 0 efeito de aumentar o valor reforcador da presenga da mae e aumentard a frequén- cia de toda uma classe de respostas que pto- duz a aproximacao com a me, como o pedir colo. Em outra situagéo, suponhamos que aumen- exem- 36 Borges, Cassas & Cols. uma garota esteja na praia com sua familia ¢, conforme as horas passam, o calor vai fican- do cada vez maior, fazendo com que a garota comece a ir mais vezes tomar banho de mar, refrescar-se na ducha ¢ até mesmo a pedir dinheiro para 0 seu pai para comprar um sorvete, Podemos considerar que esse au- mento da temperatura foi uma operagio es- tabelecedora que aumentou a frequéncia de respostas que tinham como consequéncia produzir refrescancia. ‘Como exemplos de operagées abolido- ras, podemos analisar a resposta de um rapaz propor aos amigos uma feijoada no sibado e, apés comerem a feijoada, os amigos agitam um encontro no dia seguinte para continua- rem se confraternizando. Nessa ocasiéo, nao mais observamos o rapaz propor a feijoada; isso porque comer a feijoada se constituiu como uma operacio abolidora que a tornou menos atrativa ¢ diminui respostas que te- nham como consequéncia produzir feijoada — pois, além de no propor a feijoada para o dia seguinte, o rapaz nem mais vai ao bufé fazer outro prato. Em outra situacio uma mga que faz regime, evitando comer doces ¢ gorduras, para manter-se magra e conse- Aumenta o valor quentemente afastar a possibilidade de ga- nhar peso poderé quebrar o regime e comer um docinho apés ter malhado mais que o costume; desta forma, diz-se que este tempo a mais de malhagao exerceu fungao de opera 40 motivadora abolidora para a consequén- cia aversiva de ganhar peso ¢ levou a moca a abrir esta excegao. Com os exemplos, verificamos que te- mos dois tipos de operagdes motivadoras: as estabelecedoras e as abolidoras. Todavia, ou- tra classificagao dessas operagées ainda se faz necessdria. Tratam-se das operages motiva- doras incondicionais e condicionais. > OPERACOES MOTIVADORAS INCONDICIONAIS E CONDICIONAIS Para completarmos a definigao de opera- goes motivadoras, precisamos discutir os seus diferentes tipos. Se observarmos dife- rentes organismos, concluiremos que exis- tem operages ou condigées que alteram o valor de alguns estimulos sem que, para isso, haja a necessidade de uma histéria de Aumenta a frequéncia da classe operante fc ‘forego co Iara some Estabelecedoras ¢ 4, Diminui a frequénci Aumenta 0 valor gue da classe operante punidor do estimulo relacionada a esse Operagées motivadoras Diminui o valor reforgador do estimulo Abolidoras ou Diminui o valor Punidor do estimulo estimulo Diminui a frequéncia mem 2850 operante relacionada a esse estimulo Aumenta a frequéncia > % closse operante relacionada a esse estimulo FIGURA 3.1 Representacao gréfica da defini¢&o de operagdes motivadoras. asprendizagem especial. Assim, estamos di- ‘s=ado que todos os organismos nascem sen- Seeis a eventos aversivos ¢ apetitivos, que podero se tornar reforcadores ou punido- res, a depender da relagéo que apren- dem ao longo da sua histéria_parti- cular. A esas ope- ragdes, Michael (1993) deu o nome de operagies moti- vadoras incondicio- nadas, como sao exemplos a. priva- Gio, a saciagio ¢ a estimulacio aversi- va. Michael (1993) apresenta a seguin- te passagem para tratar desta classifi- cagio: és nascemos prova- vvelmente com a capaci- dade de nosso compor- ‘sesetkado de privagio de comida, e mais refor- "iv pela cessacio da dor como resultado da | speseragio da dor, mas temos que aprender {=== maioria dos comportamentos que pro- Seem comida ¢ 0 término da dor sio tipica- evocados por essas operacdes estabele- “geteess [operacio motivadora] (Michael, BS p 194). ‘Des forma, é importante compreen- {gee © termo incondicional é atri- ‘@ natureza de alguns eventos, como ‘ou aversivos, para os quais os or- jd nascem sensiveis — ou seja, si0 & afexar o organismo. No entanto, tos em relagdo a tais even- gee See = partir de uma aprendizagem cs- geet Pox exemplo, quando nos referimos “eeencio de gua, estamos nos referindo a 37 Clinica analitico-comportamental uma condigéo que afeta oo individuo. Todavia, ela ainda nao deve receber o qualificador opera- ao motivadora, pois até aqui nao falamos dela em relago a ne- nhuma resposta. Por outro lado, quando essa condico for re- lacionada com algu- ma resposta que tenha como resultado a sa- ciagéo dessa privagao de 4gua — por exem- plo, a presséo a barra do rato, pedir um copo com Agua ou dirigir-se ao bebedouro ~ a pri- vagio de dgua passari a receber o rétulo de operacio motivadora incondicional. Por outro lado, ao longo da nossa his- t6ria, tornamo-nos sensiveis a outros eventos aos quais no éramos, como, por exemplo, o di- nheiro. Essa sensi- bilidade € adquiri- daa partir de apren- dizagens que rela- cionaram tais outros eventos a eventos _aversivos ou apetitivos de al- guma forma. Esses eventos, assim como 05 incondicionais, poderio exercer diferentes fungées em relagdes comporta- mentais, inclusive de operagées motivado- ras condicionais. Por exemplo, andar de énibus lotado diariamente (opera¢ao esta- belecedora) é uma condi¢o que leva a pes- soa a aplicar parte de seu salério na poupan- a (resposta) visando & compra de um carro (reforgador). Vamos considerar outro exem- plo: andando no shopping, uma moga avista 38 Borges, Cassas & Cols. uma vitrine com varias roupas interessan- tes, mas com valores bastante altos. A partir desse episédio, essa moga comegou a traba- Ihar mais, fazendo horas extras e acumulan- do outras atividades. Dessa maneira, ela acumulou dinheiro suficiente para adquirir as roupas da vitrine. Neste exemplo, se ana- lisarmos as respostas da moga de trabalhar mais, podemos inferir que o dinheiro con- seguido como consequéncia dessa resposta ¢ reforcador (para a resposta de trabalhar). No entanto, o valor reforcador do dinheiro, nessa situagao, foi estabelecido pelo episd- dio de ela ter avistado objetos que, para se- rem adquiridos, precisariam de dinheiro. Nessa relacao, chamamos de opera¢io mo- tivadora condicional essa condigéo de avis- tar tal vitrine. ichael (1993) apresenta outras propos- tas de classificagao das operagées motivadoras condicionais que nao serio abordadas neste ca- pitulo, isso porque nosso objetivo foi apresen- tar 0 conceito de operacio motivadora, bem como um breve histérico de sua evolugio e al- gumas classificagées. Para os interessados, suge- rimos a leitura de Michael (1993), da Cunha ¢ Isidro-Marinho (2005) e Pereira (2008). Para finalizar, gostarfamos de destacar quea evolugao do conceito de operages mo- tivadoras nao descarta a necessidade de con- tinuarmos a estudé-lo a partir de diferentes objetivos: seja o de entender cada vez melhor © ptéprio conceito e como ele influencia o comportamento, seja com o objetivo de compreender suas implicagGes em situagdes de aplicagéo, como na clinica analitico- -comportamental. eedem dos autores ¢ meramente alfabética. “Gs sermos empregados no artigo foram: incondi- “Geaados, condicionados ¢ operagdes estabelecedo- ‘me incondicionadas ¢ condicionadas. Todavia, a ‘sence dos termos visou & atualizacio da linguagem sexpregada na drea. Assim como ocorrerd ao longo Bede capitulo. ‘Besecsiormente, o termo “operacio estabelecedora” Ge mexervado 2 um tipo especifico de operacio, ssendo empregado o termo “operagio motivadora” ‘ges « referir As operagées motivacionais &s quais| Gee refere nesse artigo. “Tetecio: “Operagies Motivadoras e termos para dexcevé-las: alguns refinamentos”, Clinica analitico-comportamental 39 > REFERENCIAS Da Cunha, R. N., & Isidro-Marinho, G. (2005). Opera- ‘es estabelecedoras: Um conceito de motivagio. In J. Abreu-Rodrigues, & M. R. Ribeiro (Orgs. Analise do com- portamento: Pesquisa, teoria e aplicacdo (pp. 27-44). Porto ‘Alegre: Artmed. Ferreira, A. B. H. (2008). Miniaurélio: O minidiciondrio da lingua porvuguesa (7. ed,). Curitiba: Positivo. Kalle, F.S., 8¢ Schoenfeld, W. N. (1974). Principios de pi- cologia (5. reimp.). Sio Paulo: E.R, (Trabalho original publicado em 1950) Laraway, S., Snycerski, S., Michael, J., & Poling, A. 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As emogées costumam ser bons exemplos de sas internas do comportamento, ¢ afirma- es como “eles brigaram porque estavam com raiva” ou “eu nao consigo falar em puibli- co porque fico ansioso” sio comumente ob- servadas na sociedade atual. Deacordo com Skinner (1974), 0 Beha- viorismo Radical postula que a natureza da quilo que ocorre den- tro da pele nao difere de qualquer compor- observavel ¢, por isso, considera ‘Apesar de nfo ser vista como “causa a emogdo ndo 6 negligenciads pela anélise do comporta- ‘mento. Ao contrério, tamento que a emogio nao & compreendida deve ter stat i cravmnta-fenbmeno d¢¥¢ tet starus causa complexe” De qualquer forma, apesar de no ser vis- ra como “causa”, a emogio nao é negligencia- 4a pela Andlise do Comportamento, Ao con- rio, € compreendida enquanto fendmeno complexo, a partir dos pressupostos dessa ci éncia. Para compreender a emogao do ponto de vista da Andlise do Comportamento, é im- portante identi portamento respondente e operante, e, por isso, uma breve defini cionados a estes se faz necessdria.! car a interagio entre com- 10 de conceitos rela- O comportamento respondente refere- do entre organismo ¢ ambien- te, denominada “reflexo”, na qual a apresen- tago de um estimulo clicia uma resposta Neste, a resposta ¢ controlada exclusiv pelo estimulo antecedente, eliciador, ou seja, uma vez que o estimulo é apresentado, a res- posta ocorrerd. Essa relacio pode ser incondi- cional (inata) ou condicional, produto de condicionamento respondente. Ja 0 comportamento operante refere-se a uma relacao entre organismo e ambiente na mente qual a emissio de uma resposta produz uma ), a qual por sua vez, altera a probabilidade futura de alteracao no ambiente (consequén de respostas da mesma classe fun- ‘A consequéncia de uma resposta que 2 probabilidade fucura de respostas a classe é chamada de estimulo re- O reforgamento de uma resposta cos- ‘ocorrer na presenca de determinados — que pertencem a uma classe de antecedentes especifica — e nao em Esse reforcamento diferencial stas sob controle de estimulos ante- € denominado treino discriminati- com que, futuramente, estimulos de estimulos antecedentes pas- ‘evocar respostas funcionalmente se- es aquelas que foram reforcadas em enca. Situagées frente as quais as res- contingentemente reforcadas entao, a exercer controle discrimi- evocando respostas funcionalmente es aquelas que foram reforcadas do Todorov (1985), essa relagio ncia entre a situagio em que a res- la, a resposta € a consequéncia € de triplice contingéncia. Um esti- ite teria, entao, trés fungGes: evocando respostas reforcadas esenca; reforcadora condicionada, 5 a probabilidade furura de res- S°1 RI SE2 antecedente 4 resposta operante; ‘eperante; SE1: estimulo elic ‘$1: estimulo discr jor incondicional ou condi /0 presente no ambiente externo; SE2: 'S°2: estimulo discriminativo presente no ambiente interno 41 Clinica analitico-comportamental postas que 0 antece- dem; ¢ eliciadora, em uma relagio respon- dente, uma vez que, conforme _afirmam Darwich e Tourinho (2005), 0 reforga- mento de uma res- posta na presenca de um estimulo nao sé 0 faz. adquirir fungao discriminativa como também a de elicia~ dor — condicionado das alteracées corpo- rais produzidas incondicionalmente pelo esti- mulo reforcador. Também, a resposta respon- dente eliciada pelo estimulo consequente pode tornar-se estimulo discriminativo para a classe de respostas operante, por acompanhar contingentemente 0 estimulo _reforgador, conforme sugere Tourinho (1997). O esquema a seguir, proposto por Da- rwich e Tourinho (2005), pode ilustrar essas relag6es (Figura 4.1). De acordo com Miguel (2000), hé, também, eventos que aumentam momenta- neamente a efetividade reforgadora de esti- mulos, bem como a probabilidade de ocor- réncia de todas as respostas reforgadas por es- ——> scons | SE1 SE1 af s°2 resposta operante; SCor : estimulo consequente nal; R2: respostas fisiolégicas timulo eliciador Ul ie- EMOCAO E ANALISE DO COMPORTAMENTO Para a Anélise do Comportamento, a emosao nao se refere a um estado do organismo e sim a uma alteragio na predisposigio para agio (Skinner, 1953; Holland e Skinner, 1961), ou seja, a uma altera- ao na probabilidade de uma classe de res- postas sob controle de uma classe de esti- mulos. Um estimulo, antecedente ou con- sequente, também elicia respostas responden- tes. As respostas respondentes presentes em uma emogio so aquelas dos muisculos lisos e glindulas, afirma Skinner (1953). Portanto, © episddio emocional? refere-se a relacio en- tre eventos ambientais ¢ todas as alteragdes em um conjunto amplo de diferentes classes de respostas, nao sendo redutivel a uma tinica classe de respostas ou atribuivel a um tinico conjunto de operagées. Como exemplo, suponha-se que uma pessoa perdeu um jogo em fungao de um erro do juiz. Ela diré que “est com raiva”. Do ponto de vista de um analista do comporta- mento, isso possivelmente significa que . respostas que produzam dano a0 outro, como xingar, reclamar, gritar e socar terao sua probabilidade aumentada; respostas reflexas, como aumento dos bati- mentos cardiacos, enrubescimento, 0 ofe- gar serio eliciadas pela punicao/extingao caracteristica da condigao da perda do jogos 3. a efetividade reforgadora de outros esti mulos, como a presenga da familia, pode- 4 diminuir, e a pessoa poderd relatar que “precisa ficar sozinha”, ‘A raiva, entio, nao seria somente o que @ pessoa sente, mas toda esta alteragio no re- pertério total do individuo. Essa situacao pode ser ilustrada como mostra a Figura 4.2 a seguir. Skinner (1953) sugere que algumas emo- es, como “simpatia” e “embaraco”, envolvem alteraso somente em parte do repertério de ‘um organismo, enquanto outras, como “raiva” , alteram-no totalmente. Entre- sugere que esses termos cotidianos de- vem ser usados com parciménia, pois po- dem mascarar o fend- meno que deveria ser considerado em um episédio emocional, uma vez que 0 mes- mo nome pode ser usado sob controle de diferentes contingén- cias. Além disso, con- digées corpora fisio- logicamente iguais es- tdo presentes em. =: episédios emocionais, o que as torna cates para caracterizé-los. Por exemplo, “eeeme “iva” poderia ser usado tanto por “gms pessoa que nao consegue escrever uma “Geese por nfo ter caneta quanto por outra que a Clinica analitico-comportamental 43 TODA ESTA RELAGAO = EPISODIO EMOCIONAL DENOMINADO RAIVA 42 Representacdo de inter-relagdo entre processos respondents e operantes num exemplo de raiva. sofreu intimeras pu- nig6es no trabalho e interage de forma agressiva com esposa filhos ao chegar em casa, No entanto, es- sas so relagoes dife- rentes; agrupé-las sob 0 mesmo nome pode fazer com que as des- crigées no corres- pondam as contin- géncias. Com relagio a isso, Darwich e Tou- rinho (2005) suge- rem que a definigao ‘ou nomeagao de um episédio emocional de- veria set produto nao sé da discriminacao das condig&es corporais _momentaneas como também da relacdo de contingéncia entre os 44 Borges, Cassas & Cols. estimulos (piiblicos e privados) ¢ as respostas, isto é, da predisposigao para ago. De qualquer forma, os episédios emo- cionais que implicam o repertério comporta- mental geral, nos quais as condicdes ambien- tais alteram 0 organismo como um todo de cal forma que hd uma interagao entre 0 com- portamento operante e respondente, referem- se a um episédio emocional descrito como “emogio total” (Skinner, 1953, p. 166). Ge- ralmente, essas so as emogGes que aparecem como queixa clinica, e, por isso, parece im- portante ao clinico analitico-comportamental saber analisar essas contingéncias de forma a identificar toda a alteragio comportamental presente em um episédio emocional. ‘A “ansiedade” é um exemplo de episé- dio emocional que implica todo o repertério comportamental ¢, por isso, seré discutida a seguir.’ > ANSIEDADE Na Anélise do Comportamento, termo an- siedade se refere a um episédio emocional no qual hd interago entre comportamento ope- rante € respondente. Zamignani e Banaco (2005) afirmam que © episédio emocio- nal denominado an- siedade refere-se nao 86 a respostas respon- dentes de taquicardia, sudorese, alteracdo na pressio sanguinea, etc., eliciadas por estimu- los condicionais, como também a respostas operantes de fuga e esquiva de estimulos aver- sivos condicionados ¢ incondicionados, ¢ a uma interago dessas contingéncias respon- dentes ¢ de fuga/esquiva com outro compor- tamento operante que poderia estar ocorren- do no momento em que se apresenta o estf- mulo aversivo/condicional. Sugere-se que, quando sua emissao € possivel, as respostas de fuga e esquiva aumentam de probabilidade e, quando nao o é, 0 efeito do estimulo condi- cional cessa a emissao de outras respostas ope- rantes. Esse tiltimo caso se refere & “supressio condicionada”, proposta inicialmente por Es- tes ¢ Skinner (1941). No estudo desses auto- res, ratos privados de alimento foram ex- postos a uma condi- ‘do operante na qual respostas de pressio A barra foram conse- quenciadas com ali- mento em esquema de reforgamento in- termitente (intervalo fixo). Paralelamente, choques inescapaveis eram antecipados por um som, desligado si- multaneamente & apresentagio do choque. Inicialmente, observou-se que as apresenta- ges do som e/ou do choque nao alteraram padrao operante, mas, apds sucessivas ex ges, a taxa de respostas durante a apresent ‘do do som foi reduzida e, aps o choque, mentada. Os dados iniciais indicaram que tanto som quanto 0 choque, isoladamente, nao taram a frequéncia de respostas de pressio barra (desempenho operante) mantidas alimento. Com o passar do tempo, 0 estimt aversivo condicional — a sinalizagio do choque (e nao 0 esti- mulo aversivo incon- dicional - 0 choque) foi capaz de afetar 0 desempenho operan- te mantido por refor- amento positivo, de- monstrando como o desempenho oj pode ser comprometido pela apresentagao um estimulo aversivo condicionado. O que, em uma relacdo respondente, elicia & meras respostas incondicionais. A partir condicionamento respondente entre som ¢ -choque, 0 som se tornou um estimulo condi onal, sendo capaz de cliciar respostas con ‘Gonais que possivelmente interferiram no de- sempenho operante. Esse paradigma parece destacar aquilo importante na compreensio de um ‘emocional: a interagao entre o compor- ato respondente ¢ 0 comportamento fe, uma vez que demonstra experi- mente 0 fato de que um estimulo (no ‘© som), 0 mesmo tempo, elicia respos- tes € compromete 0 desempe- Amorapanth, Nader ¢ LeDoux (1999) que a supressio do comportamento ‘em vigor, apesar de ser considerada indireta de paralisagio (freezing) estimulos condicionais (CS), po- eduto também de outro processo Para provar essa hipétese, ratos 20 procedimento classico -condicionada e, posteriormente, ma regiao Periaqueductal Gray ebro.” Como resultado, esses ym que os animais subme- 20 condicionamento choque ‘apresentaram maior freezing do que aqueles submeti esto na rea PAG. A partir Amorapanth, Nader ¢ Le- que processos distin- islvsdos na cliciacio de free- os condicionais ¢ na supres- ‘operantes. “pesquisa de Amorapanth, Nader ¢ 299) parece indicar que a apre- ‘== estimulo aversivo condicio- @ som — nio sé cliciaria res- es como também alteraria mmementinea de reforcadores. ‘ecorre, € possivel que a apre- em stimulo aversivo condicio- SeeGene como uma operacao bumentando as relacées organis- 45 Clinica analitico-comportamental mo/ambiente a ser consideradas em um epi- sédio emocional. De qualquer forma, o paradigma da su- pressio condicionada parece indicar que, a0 se analisar um episédio emocional, nao se pode considerar somente respostas respon- dentes; hé outras al- teragées no desem- penho operante do organismo que de- vem ser considera- das na anilise. Para ilustrar as relagées aqui pro- postas, suponha que uma pessoa diz ficar muito ansiosa para falar em puiblico que tem que apre- sentar um seminério no trabalho no final do dia. Ela afirmard que, com 0 passar do tempo, sente-se cada vez mais ansio- sae que iria embora, se pudesse. Relata taquicardia, sudorese, res- piragio ofegante ¢, na hora do almogo, diz que nao vai comer porque perdeu o apetite. Quando seus colegas vém conversar com ela e contar piadas, nao se diverte com a compa- nhia deles ¢ quer distincia de pessoas. Na hora do seminério, gagueja, treme e olha para baixo. Nesse episédio, pode-se supor que ocorram 1. uma alteragao na predisposigao para res- ponder ~ respostas que reduzam ou evi- tem contato com ptiblico terio maior pro- babilidade de ocorréncia, enquanto res- postas que produzam aproximacio de pessoas teréo menor probabilidade de ocorréncia; 2. eliciago de respostas respondentes, suar, ofegar e ter taquicardia; 46 Borges, Cassas & Cols. 3, uma diminuigao na efetividade reforgado- ra de outros estimulos, como alimento € companhia dos amigos. Para um analista do comportamento, a ansiedade nao seria aquilo que ocorre dentro da pele do sujeito, mas sim toda a relagio que envolve tanto a situagéo “ansiégena” quanto as alterag6es no repert6rio do sujeito produ- zidas nesta situacio. A relacdo exposta anteriormente pode ser ilustrada como mostra a Figura 4.3 a se- gui. Em situagées “ansidgenas”, observa-se, quando possivel, além do descrito anterior- mente, maior incidéncia de respostas de fuga e/ou esquiva. Na fuga, a resposta ocorre sob controle de eliminar 0 estimulo aversivo (no caso, a situagio “an- siégena”) e, na esqui- ya, sob controle de adiélo (ou evité-lo). O estimulo que ante- cede a resposta de es- quiva € considerado também um aversivo condicional. Zamignani Banaco (2005) des- tacam que um esti- mulo pode tornar-se aversivo condicional no sé via condicionamento direto com 0 es- timulo aversivo incondicional. Isso seria pos- sivel também por meio de transferéncia de funcdo de estimulos, por generalizacao de es- timulos e/ou via formagio de classes de esti TODA ESSA RELAGAO = EPISODIO EMOCIONAL DENOMINADO ANSIEDADE FIGURA 43 Representacio de inter-relagdes entre processos respondentes e operantes num exemplo de ansiedade. mulos equivalents. Também, — respostas do episédio emocio- nal podem passar a fazer parte de outras classes de respostas (mantidas por aten- sao social, por exem- plo) e passarem a ser controladas pelos es- ‘emalos que controlam estas outras classes. “Assim, é preciso considerar toda a complexi- do episédio emocional quando a ideia © @opesente capitulo nao tem por objetivo aprofun- ee cenceitas teéricos. Para definigoes € Clinica analitico-comportamental 47 mais detalhadas sobre estes temas, veja 0s Capitulos 1 €2 deste livro e Skinner (1953). 2. Para um maior aprofundamento, sugere-se a leitura do Capitulo 3. 3. O termo “episédio emocional” seré aqui utilizado como sindnimo de emocio ¢ refere-se 4 alteracio no repert6rio comportamental que envolve interagGes entre desempenho operante ¢ respondente. 4. O presente capftulo nao tem por objetivo esgorar 2 discussio a respeito da ansiedade. Esta aparece aqui como um exemplo de possibilidade de andlise de episédio emocional. Para uma discussio mais por- menorizada do tema, veja Banaco (2001); Zamig- nani e Banaco (2005). 5. Lesoes na érea PAG, de acordo com Amorapanth ¢ colaboradores (1999), costumam bloquear 0 freezing © manter outras respostas operantes inalteradas. 6. Essa é uma hipétese ainda incipiente levantada pelo presente capitulo, Hé necessidade de mais investi- gages experimentais para que sea fortalecida. > REFERENCIAS Amorapanth, P, Nader K., & LeDoux J. E. (1999). Lesions of periqueductal gray dissociateconditioned freezing from conditioned supression behavior in. rats. Learning Memory (5), 491-499. Banaco, R. A. (2001). Alternativas ndo aversivas para trata- mento de problemas de ansiedade. In M. L. Marinho, 8 V. E. Caballo (Orgs.), Paicologia clinica e da saiide (pp. 192- 212), Londrina: Atualidade Académica. Catania, C. (1998). Aprendizagem: Comportamento lingua- gem e cognicdo, Porto Alegre: Artmed. Darwich, R. A., 8 Tourinho, E. Z. (2005). Respostas emo- cionais& luz do modo causal de selecios por consequéncias, Revista Brasileira de Terapia Comportamental Cognitiva, 71), 107-118 Estes, W. K., & Skinner, B. F, (1941). Some quantitative properties of anxiety. journal of Experimental Psychology, 29, 390-400. Holland, J. G., & Skinner B. E. (1961). The anabpis of beha- vior: A program for selfinstruction. Nova York: McGraw-Hill Laraway, S., Snycerski, S., Michael, J., & Poling, A. (2003) Motivating operations and terms to describe them: some further refinements. Journal of Applied Behavior Analysis, 36, 407-414. Miguel, C. B. (2000). O conceito de operagio estabelece- dora na anlise do comportamento. Psicologia: teoria¢ pes- quisa, 1613), 259-267. Sidman, M. (1995). Coersio ¢ suas implicacdes. Sa0 Paulo: Editorial Psy. Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Nova York: Macmillan. Skinner, B. F (1974). About behaviorism. New York: Vin- tage Books USA. 48 Borges, Cassas & Cols. Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingéncia triplice na andlise do comportamento humano. Pricologia: teoria ¢ ‘pesquisa, 1, 140-146, Tourinho, E. Z. (1997). Privacidade, comportamento € 0 conceito de ambiente interno. In R.A. Banaco (Org,), Sobre comportamento ¢ cognigao (vol. 1). Santo André: Arbytes. Zamignani, D. R., & Banaco, R. A. (2005). Um panorama analit al sobre os transtornos de ansie- dade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Coggi- tina, 71), 77-92. Selecao por consequéncias como modelo de causalidade e a clinica analitico-comportamental SSUNTOS DO CAPITULO PT VCUCW ae eae Nae Ur apy jo de causalidade, spulacdes ou classes de resposta = = - - - - - > Paula tem “um citime doentio” do do, mesmo que ele nao the dé m? O que teria levado Rodrigo a sair com 0s amigos ¢ praticar espor- amar constantemente que sua vida Be == sentido ¢ de que nada Ihe dé mais Se O que fazer com toda a preocupacio Liss com sua dicta e seus repetidos episs- Sex & “compulsio alimentar” seguidos da tetiacso de vomitos postas a essas per- = serio certamente diferentes entre si, specificos das vidas de st Rodrigo ¢ Ligia. Uma tnica e mesma = ndo serd adequada a todas as pergun- do aspectos s Glinicos —analitico-comportamentais, scurarao responder estas questoes jos de causalidade mecanica ou teleolégica. modelo de causalidade da Analise do Comportamento: modelo de selego por consequéncias. icagao do comportamento como multideterminado, histérico e inter-relacionado. jo de selecdo natural e selecdo por consequéncias. ces selecionadora e instanciadora do ambiente Weriecdo € selegdo nos diferentes niveis: filogenético, ontogenético e cultural. investigando varidveis semelhantes. As res- postas também serio formuladas de modo parecido e, consequentemente, suas interven- Bes nos trés casos rerdo semelhancas. Essas emelhangas devem-se ao sistema expli ao modelo de causalidade (ou modo causal, que fundamentam a clinica analitico-compc tamental > O QUE EE PARA QUE SERVE UM MODELO DE CAUSALIDADE Na ciéncia, sistemas explicativos (ou teorias sio 0 conjunto de leis ¢ descrigées sobre dado fenémeno (um objeto Os je estudo) 78 Borges, Cassas & Cols. clinicos analitico-comportamentaisbasciam sua intervengo no sistema explicativo conhe- cido como Andlise do Comportamento. ‘Todo sistema explicativo, por sua vez, fundamenta-se em um modelo de causa- lidade. Modelos de causalidade compre- endem, basicamente, as suposig6es do cientista ou do pro- fissional sobre: + como 0s eventos, e principalmente os ob- jetos de estudo, séo constitufdos; * as “causas” desses eventos ¢ objetos de es- tudos ¢ + as relagées entre os eventos de interesse. Isto é, modelos de causalidade tratam de como “causas ¢ efeitos” estariam relacionados onde e como as “causas” de eventos particula- res deveriam ser pro- curadas. Sé0 os mo- delos de causalidade, portanto, que orien- tam a construcio de conhecimento em tum sistema explicativo ou teoria. Daf sua im- portincia. O modelo de causalidade assumido pela Anilise do Comportamento é 0 modelo de se- lecdo por consequéncias (Skinner, 1981/2007) , como seria de se esperar, € fundamental, pois: a) integra de modo abrangente ¢ dé sentido pleno aos conceitos da Andlise do Com- portamento; b) distingue a Andlise do Comportamento de outros sistemas explicativos do com- portamento humano individual; e ¢) sintetiza como analistas do comportamen- to, dentre eles os clinicos analitico-com- portamentais e outros prestadores de ser- vigo, estabelecem relagées entre eventos (ambientais e comportamentais) ¢ onde e como procuram as explicagées para os problemas que tém que resolver. > O MODELO DE SELEGAO POR CONSEQUENCIAS: DESENVOLVIMENTO, PRINCIPAIS CARACTERISTICAS. EXPLICAGOES SUBSTITUIDAS O modelo de selegao por consequéncias ve presente na obra de B, F. Skinner (1 1990) pelo menos desde o livro Ciéncia comportamento humano, de 1953. Mas apenas no artigo “Selegio por con cias”, de 1981, que Skinner apresentou-o pliciamente como modelo de causali que seria mais adequado a todo com; mento (Andery, 2001). A proposicao de Skinner de que 0 portamento seria desctito pelo modelo de lecdo por consequéncias fundamentou-se proposigdes de Char- les R. Darwin (1809- 1882) sobre a evolu ao das espécies. Tan- to a teoria de selegao natural de Darwin (1859/2000) como o modelo de selegio por consequéncias de Skinner substituem, entre outras, a) explicagées baseadas em agentes ini res auténomos ¢ b) explicagses teleoldgicas, que apelam: um propésito ou intengio como nais. No primeiro caso, evolugio € tamento seriam empurrados por suas no segundo, seriam puxados, iriam 2 causas. A teoria da selegao natural de por exemplo, substitui baseadas na criagio divina das teleolégicas como a ideia de ‘as girafas desenvolveram um pescoco ‘com 0 objetivo de alcancar folhas no das érvores. ‘explicagio da evolucao das espécies por Darwin ¢ hoje generalizada- ‘aceita pelos bidlogos (por exemplo, 2009) envolve, resumidamente, dois variaggo € selegao.' O primeiro 0 de variagao: organismos indivi- de uma espécie tém variagies genéticas micas) em relacao a outros individuos da mesma espécie, particularmente, em relagio a seus proge- nitores. Tais varia- bes sio de pequena magnitude, se com- paradas com as de- mais tentes, € so muitas vezes chamadas de ‘mas apenas ndo sio orientadas em iregao (por exemplo, a adapta- -variagGes “se expressam” ou “cons- “aos organismos individuais caracte- es (fenotipicas) que sio ana- Ssiolégicas ou comportamentais. variagdes promovem a sobre- seja, uma interacao diferencia fente daqueles individuos que as =e, assim, sua reproducao. Neste de sucessivas geracSes, mais da espécie “apresentarao” a ipica e fenotipica). Diz-se, en- se variagSes foram selecionadas pe- as (sobrevivéncia e repro- & xeproducao dos individuos com “eeinado genétipo/fendtipo (em “versdes” exis- 79 Clinica analitico-comportamental maior frequéncia do que individuos com ou- tros gendtipos/fenstipos) torna mais frequen- te a presenga deles em uma populagao e dize- mos que houve selegdo daquele genétipo/fe- nétipo — o segundo processo envolvido na selecéo natural Assim, as girafas apresentam pescogos grandes porque, em uma populacio de gira- fas, os comprimentos de pescogo tinham di- ferentes tamanhos (variagao) e, em um deter- minado ambiente estavel, aquelas girafas com pescogos maiores alimentaram-se melhor que as girafas de pescogos mais curtos, ¢ assim so- breviveram por mais tempo ¢ se reproduzi- ram mais, deixando mais descendentes (sele- ao). Dentre esses descendentes (com pesco- os na média um pouco maiores que o grupo de girafas da geracao precedente), 0 proceso se repetiu e se estendeu: algumas girafas, com um pescoco ainda um pouco maior (varia- a0), tiveram, consequentemente, mais filho- tes, deixando mais descendentes (selegao). E assim sucessivamente, até a selecao de popu- laces de girafas com pescogos bem maiores do que as de geracées anteriores. Skinner aplicou este mesmo paradig- ma ao comportamento, E assim, informada por um modelo de causalidade andlogo 20 da evolugao das espécies, a Andlise do Com- portamento, especialmente a partir do con- ceito de condicionamento operante, tam- bém substitui: a) explicagées (do comportamento) baseadas em agentes iniciadores auténomos (uma vontade, desejo, forca psiquica e/ou men- tee b) explicagées teleoldgicas (do comporta- mento), que apelam para um propésito ou intengao como causas finais (Skinner, 1981/2007). A existéncia de um operante (entendido como conjunto de interagdes organismo- -ambiente que envolvem especialmente ages 80 Borges, Cassas & Cols. e suas consequéncias) ~ é explicada pela exis- téncia de certas variagées (que ocorrem sem. diregao certa) nas respostas emitidas por um. individuo e pela selegdo de tais variag6es por consequéncias comportamentalmente rele- vantes (fundamentalmente, estimulos refor- cadores), ou seja, pela aumentada recorréncia de tais respostas e de suas consequéncias. Um conjunto de explicagdes que foram substituidas por explicagGes baseadas no mo- delo de selecdo por consequéncias, portanto, apela para agentes iniciadores auténo- mos. Essas_explica- gdes substituidas sdo associadas a modelos de causalidade inspi- rados pelo sistema ex- plicativo, desenvolvi- do na fisica, chamado de mecinica cléssica. E importante desta- car que 0 modelo de selegio por conse- quéncias difere marcadamente desses modelos mecanicistas por nio enfatizar ou supor que eventos unitdrios, temporalmente anteriores € imediatamente préximos causariam outros eventos considerados seus efeitos necessdrios. Em seu lugar, 0 modelo de selegao por consequéncias supée que os seres vivos ¢ os eventos que sio ca- racteristicos dos seres vivos — como 0 com- portamento — sé po- dem ser explicados considerando-se que tais fendmenos tém muiltiplas “causas” que sio sempre histéricas inter-relacionadas, E. que tratar de “causas”, neste caso, significa tratar da constituigao his- sérica do fendmeno e das mudangas de proba- bilidade do fendmeno de nosso interesse em selac3o a um universo de fenémenos possi vis, Ou seja, ao menos dois pontos sao fun- damentais para esclarecer melhor 0 modelo de selecdo por consequéncias (especialmente quando tratamos do comportamento): 1, a énfase na andlise de unidades que sio compostas por vérias instincias distribul- das no tempo, ou seja, unidades popula- cionais e hist6ricas; € 2. a perspectiva da inter-relagao entre dife- rentes “causas” que afetam a probabilida- de de certos eventos (multideterminagao) ~e que, no caso da explicagao do compor- tamento, pode implicar, de fato, que o comportamento é ele mesmo uma inter- -relagdo, que em certa medida separamos quando 0 estudamos. > AENFASE EM UNIDADES POPULACIONAIS E HISTORICAS E SUAS IMPLICAGOES PARA A CLINICA ANALITICO- -COMPORTAMENTAL A principal unidade de andlise na evolu bioldgica é a espécie, definida como uma pulagao de organismos capazes de se rept duzir entre si (incluindo seus ancestrais j falecidos). Assim, por exemplo, a es humana é composta por todas as pessoas vas hoje que podem gerar descendentes teis ¢ também por seus pais, avds, bis etc. ~ ¢ incorporaré também as pessoas nascerem futuramente (filhos, netos, bis tos, etc.) € que possam gerar descenden fértcis. Na evolugéo comportamental, que da sempre no ambito da vida de um tinico ® dividuo, a principal unidade de anilise € operante, definido como uma populagio respostas individuais que produzem (ou duziram) certa consequéncia.” O operante para casa”, que é parte do repert6rio de , € composto por todas as respos- "Paula que produzcm a chegada em casa ir a pé, de énibus, de bicicleta, ‘© que ocorreram semana passada ou ‘¢ incorporard também aquelas respos- ocorrerio no futuro e que possam a mesma consequéncia, Tanto na evo- lucao biolégica quan- to na comportamen- tal, portanto, as uni- dades com as quais tratamos sido entida- des fluidas e evanes- centes, nao sio coisas que podem ser imo- bilizadas. Envolvem que se distribuem no tempo € no es- -m organismos e respostas que jé no passado em diferentes locais, momentaneamente, nesse exato ¢ local, e que ocorrerao também no “Além disso, sio unidades que se mis- ¢recorrem em meio a outras unidades semelhante (outras espécies ¢ ido o modelo de selegao por . desta forma, descrevemos o de origem ¢ as mudancas de unida- ) compostas por instancias que se distribuem no tempo € no (histricas): as espécies, no caso da biolégica, e 0s operantes, no caso da ‘comportamental ao longo da vida de uma pessoa. E se no caso da evolucao biolégica sua expli- cagao envolve enten- det 0 processo de va- riagdo genética © se- lesio ambiental que Darwin chamou de natural, no caso do comportamento sua compreensio depende de enten- como respostas individuais variam ¢ 81 Clinica analitico-comportamental como conjuntos de respostas so selecio- nados através do pro- cesso de reforgamen- to, 0 processo bisico de selecao comporta- mental. Essa énfase em unidades populacio- nais ¢ histéricas, caracter(stica do modelo de selegio por consequéncias, ¢ fundamental também na atuago do clinico que, afinal, lida com operantes (¢ respondentes) na clini- ca analitico-comportamental. © “citime do- entio” de Paula sé poderd ser adequadamente “trabalhado” na clinica se diversas instincias a0 longo do tempo e do espaco (respostas particulares) forem analisadas ¢ se as conse- quéncias produzidas por tais instincias forem identificadas. Também, “o citime” de Paula nao pode ser tomado como uma entidade em si mesma, mas deve ser encarado como inte- ragio que se constituiu no curso das intera- gies dela, ¢ que ocorre hoje tenderd a conti- nuar ocorrendo, caso o ambiente seleciona- dor nao mude, porque foi selecionado pelas consequéncias que produziu. Mais ainda, foi selecionado jd como interagao que envolve as ages de Paula e suas consequéncias selecio- nadoras e mantenedoras. E esse enfoque que permitird ao clinico analitico-comportamental, por exemplo, ter confianga de que é possivel promover a sele- a0 de comportamento operante através de estratégias de intervengao baseadas no pro- cesso de reforco diferencial. Por outro lado, tal enfoque pode pare- cer pouco titil, uma vez que sé permitiria tra- tar de eventos considerados como unidades miiltiplas ¢ extensas no tempo. Como expli- car, prever ¢ (talvez, principalmente, no caso da clinica) controlar instincias particulares de comportamento, isto é, respostas que ocorrem em um momento ¢ local especificos? Tal pergunta é frequentemente a pergunta- 82 Borges, Cassas & Cols, -chave para um clinico, mas a resposta a ela envolve tratar de outro papel que eventos am- bientais exercem em relagao aos eventos com- portamentais.Tal pergunta também pode ser respondida sem deixar 0 ambito do modelo de selecao por consequéncias. Pelo contrario, € esse modelo exatamente que permite que a respondamos de maneira a dar sustentacao conceitual e ferramentas de atuacao a0 analis- ta do comportamemto, Na evolugao de operantes, 0 ambien- te tem um papel sele- cionador. As conse- quéncias_ambientais (estimulos reforgado- res) selecionam clas- ses (populagées) de respostas com certas caracteristicas, isto é, tornam mais provaveis em certas circunstancias. Na ocorréncia de res- postas particulares de um operante jé instalado/selecionado, contu- do, 0 ambiente tem um papel instanciador. Isto é, o ambiente torna manifesta uma unida- de operante que jé foi selecionada, ou melhor, o ambiente evoca uma instancia de comporta- mento. Essa é a fungao dos eventos ambientais antecedentes (estimulos discriminativos, esti- mulos condicionais ¢ operagées motivadoras) sobre uma resposta (Andery € Sério, 2001; Glenn ¢ Field, 1994; Michael, 1983). Mesmo “sabendo como” jogar futebol, isto é mesmo que tal operante jé tenha sido selecionado por suas consequéncias, Rodrigo nao joga futebol a qualquer hora. Ele emite a resposta de jogar futebol (tal instancia é evo- cada) apenas quando algum colega o convida. convite do colega nao é um evento am- biental selecionador, mas sim um evento ins- tanciador, um evento que torna manifesta a unidade selecionada “jogar futebol”. as classes Ou seja, se 0 foco de uma intervengia: for a ocorréncia de instancias parti pode ser suficiente re- arranjar aqueles even- tos ambientais que tém fungao instancia- dora com relagio a0 repertério comporta- mental do cliente. Yor exemplo, se o foco de uma inter- vengo for fazer com colegas a convidé-lo mais. Caso o foco ctiagao (ou extinggo) ou a mudanga de rantes, por sua vez, eventos ambientais que assumir novas fungées — através do selecionador do ambiente. E importante destacar que esta dis- tingao entre fungoes do ambiente chama- das selecionadoras ¢ instanciadoras é ela mesma possivel apenas & luz do modelo de se- lego por consequéncias. Ou seja, as fungdes instanciadoras do ambiente sao elas mesmas selecionadas na historia de reforcamento ope- rante. Apenas quando algum colega convi- dou Rodrigo, no passado, o “jogar futebol” teve como consequéncia de fato realizar a partida, marcar gols e interagir com os cole= gas, e foram experiéncias como essa que tor- naram os convites dos colegas eventos que agora evocam respostas desta classe em Ro- drigo (Glenn e Field, 1994). Essa distingdo permitiria afirmar que 2 intervengao analitico-comportamental ter dois “niveis”: em certos momentos, a meta. &a selegao de comportamentos, e, em out a meta € promover a instanciaggo (ou mu dangas na instanciagéo) de operantes, Dito outro modo, esses “niveis” de intervencéo relacionariam a uma regra pritica des por Glenn e Field (1994): “Descubra se a pessoa sabe o que fazer ¢ como fazé-lo, mas nao 0 faz; ou se ela nao sabe 0 que fa- zer ou nao sabe como fazé-lo” (p. 256). Es- ses diferentes objeti- vos implicaréo pa- péis diferentes do ambiente que preci- = alterados na intervengio. IDETERMINAGAO ‘COMPORTAMENTO 0 E SUAS. \COES PARA A CLINICA CO-COMPORTAMENTAL ado ponto importante pata uma adequada do modelo de selecio éncias em sua relagio com a in- analitico-comportamental trata da eo entre diversas causas (ou da eminacio) do comportamento hu- er (1981/2007) resumiu esse as- do que “o comportamento hu- produto conjunto de de sobrevivéncia responséveis o natural das espécies, ¢ gacias de reforgamento responsiveis s=pertérios adquiridos por seus mem- a especiais mantidas por um social evoluido” (p. 502). Em outros ter- ‘mos, 0 comportamen- to humano é multide- terminado por hist6- rias nos niveis 83 Clinica analitico-comportamental a) filogenético, b) ontogenético ¢ ©) cultural. E os processos de evolugio envolvidos nesses trés niveis seriam andlogos, sempre en- volvendo a selecao de unidades populacionais ¢ histéricas pelas suas consequéncias passa- das. No nivel filogenético, a selecdo natural explicaria a evolucao de: 1. caracteristicas fisiolégicas e anatémicas das espécies; 2. relagdes comportamentais espectficas (ina- tas); 3. 0s préprios processos envolvidos na apren- dizagem (ou scja, a sensibilidade ao condi- cionamento respondente ¢ operante que esto na base da capacidade de aprender novas relages comportamentais); ¢ 4, um repertério no comprometido com padrées inatos que poderia ser modelado pelo condicionamento operante (Andery, 2001; Skinner, 1981/2007, 1984). No nivel ontogenético, o reforgamento operante explicaria em grande parte a evolu- 40 de repertérios comportamentais especifi- cos de cada individuo,? desde os aparente- mente mais simples, como andar em uma su- perficie plana, até os complexos padroes de “comportamento simbélico” tipicos dos hu- manos. O surgimento desse nivel ontogenético de selecao de comportamentos por suas con- sequéncias permitiu, ainda, segundo Skinner, a adaptacéo de individuos particulares (e, em certa medida, das espécies a que pertencem tais individuos) a ambientes em constantes mudangas, possibilitou a selecdo de padrées complexos de comportamento em espagos curtos de tempo (de uma vida individual e no de sucessivas geragées) e também propi- ciou a modificagao mais répida do ambiente. 84 Borges, Cassas & Cols. ‘Trocas maiores e mais intensas entre indivi- duos ¢ ambientes se desenvolveram e sé com aemergéncia da selegao ontogenética de com- portamentos a individuacio teria se tornado efetivamente possivel. Os repertérios com- portamentais passaram a se constituir tam- bém a partir de histérias individuais e nao mais apenas pela histéria da espécie (Andery, 2001). ‘Ademais, como outros membros de uma mesma espécie so parte constante € fundamental do ambiente de qualquer orga- nismo (por exemplo, para reproducio e cui- dado com a prole), estes se tornaram ambien- te comportamental relevante para os indivi- duos de muitas espécies. A sensibilidade as consequéncias do comportamento operante favoreceu ainda mais a emergéncia do outro como parte relevante do ambiente comporta- mental ¢, assim, favoreceu, em algumas espé- cies, a ampliagio dos comportamentos so- ciais. No caso da espécie humana, esse pro- cesso foi intenso e extenso, e, em ultima instincia, foi parte fundamental para a sele- cdo de um tipo especial de comportamento social, o comportamento verbal. Com estes acontecimentos, 0 palco esta- va montado para 0 aparecimento do nivel cul- tural de selegéo por consequéncias (Skinner, 1957/1978). Operantes. selecionados por reforcamento (no nf- vel de um individuo particular) passaram a ser propagados en- te diferentes indivi- duos, gerando priti- cas culeurais, ou seja, a reproducio de comportamentos em diferentes individuos € em sucessivas gera- gies de individuos. E préticas culturais passaram a ser sele- cionadas por suas consequéncias para 0 grupo como um todo (Glenn, 2003, 2004; Skinner, 1981/2007, 1984). © nivel cultural de selegao por conse- quéncias o comportamento verbal permiti- ram que os individuos pudessem se beneficiar de interages que nem sequer viveram ¢ que pudessem acessar ¢ conhecer seu prdprio mundo privado. E através da comunidade verbal que se cons- e6i uma parte importante do repertério dos seres humanos: sua subjetividade. Se o condi- cionamento operante permite a individuacio, permite a construcio, para cada individuo de uma espécie, ainda que dentro de certos pari metios, através de uma histéria de interagio com o ambiente particular, de uma singulari- dade que nio pode ser idéntica a qualquer ou- tra, O conhecimento desta individualidade ea ‘consequente reacio a cla, na forma de com- portamento operante, de autoconhecimento de autogoverno, sé é possivel com a emergén- cia do comportamento verbal ¢ seu conse- quente © necessitio resultado: a evolugao de ambientes sociais ~ em uma palavra, a cultura (Andery, 2001, p. 188). Uma implicagao dessa andlise é que, para compreender a subjetividade, seria ne- cessirio compreender como individuo e cul- tura se relacionam ¢ por que ¢ como operam as contingéncias sociais que caracterizam 2 cultura (Andery, 2001; Tourinho, 2009). De fato, Skinner (1981/2007) propés que cada nivel de selegdo por consequéncias do comportamento seria objeto de estudo de uma disciplina cien- tifica especifica, A ‘Anilise do Compor- tamento, por exem- plo, seria responsivel pelo nivel ontogené- tico. Mas a adogéo do mesmo modelo de causalidade per- mitiria uma melhor entre as disciplinas que se ocupam selecio de comportamentos e poderia au- Sat a realizacéo de analogias (sujeitas & ve- Jo) entre os principios desenvolvidos 08 trés niveis de sclegao. ‘Além disso, compreender e intervir mente sobre © comportamento, € fente sobre o campo da “subjetivi- ", s6 seria possivel considerando-se as Bes entre os trés niveis. Na pritica, implica que um clinico analitico- portamental precisa conhecer nao sé Asilise do Comportamento, mas também Sefluéncias biolégicas e culturais sobre o comportamento individual. O comporta- mento “bulimico” de Ligia s6 seria adequa- damente compreendido considerando-se a ‘Sereragio entre: '2) varidveis biolégicas relacionadas, por exemplo, a0 modo como 0 corpo (e 0 comportamento) reage a dietas severas € sucessivamente interrompidas; 5) varidveis propriamente comportamentais como, por exemplo, os efeitos das conse- quéncias sociais produzidas pelos epis6- dios de “compulsio alimentar” e de indu- sao de vomitos; ¢ ©) varidveis culturais como, por exemplo, a “imagem corporal” valorizada pela midia com a qual Ligia interage. > CONSIDERACGES FINAIS Em sintese, os operantes em um repertério comportamental individual, assim como as espécies ¢ as priticas culturais, so produtos de um processo de selegao por consequéncias ‘que explica seu surgimento, sua manutengio, extingao ou mudanga. Se 0 objetivo de uma intervengao analitico-comportamental é rea- lizar qualquer uma dessas coisas, nao hi esca- patéria: € preciso atuar sobre a interacto en- tre variagdo e selegao, a qual explica e permite Clinica analitico-comportamental 85 em algum grau prever e controlar um reper- trio comportamental. Desse modo, o clinico analitico-com- portamental nao deveria buscar as causas do “citime doentio” de Paula em agentes inicia- dores auténomos como um “desejo incons- ciente de ser abandonada pelo namorado”. Nao deveria também apelar para a falta de propésito de Rodrigo para compreender seus problemas “depressivos” — uma explica- Gio teleoldgica. Esses problemas clinicos, as- sim como a relagéo “bulimica” com a comi- da ¢ toda a “subjetividade” de Ligia, deve- iam ser analisados como operantes (ou conjuntos de operantes). Ou seja, a énfase do clinico analitico-comportamental deve- ria ser em unidades necessariamente popula- cionais, com miiltiplas “causas” histéricas, que atuam nos niveis filogenético, ontoge- nético ¢ cultural de modo inter-relacionado ¢ com efeitos probabilisticos, As propostas de intervengao, ademais, deveriam ser for- muladas, junto com o cliente, levando em conta se a prioridade seria a selegao de novos comportamentos ou a instanciagao de ope- rantes jé selecionados. > NOTAS 1, Um terceiro proceso, algumas vezes tomado como tum subprocesso da selegio, € a retengdo. Na evolu- sfo biolégica, 0 processo de retencio se dé no nivel genético. Este processo nao seré discutido aqui por- que alongaria demasiadamente o texto. 2. Skinner (1935, 1938) utilizou 0 termo claste para tratar deste conjunto. Glenn (2003, 2004), fazendo analogia com a biologia, propds 0 termo linhagem. No livro, o termo estd sendo tratado como classe por se tratar do termo mais difundido na érea. 3. Ainda no nivel ontogenético, 0 condicionamento respondente explica a formacio de reflexos condi- cionados. A sensibilidade aprendida a reforgadores, ou sefa, 0 estabelecimento de reforgadores condi nados, é cambém produto de selegio ontogenética e envolve, além do processo de reforgamento, possi- velmente processos andlogos a0 condicionamento respondente. 86 Borges, Cassas & Cols. > REFERENCIAS Andery, M. A. R.A. (2001). O modelo de selegao por con- sequéncias ¢ a subjtividade. In R. A. Banaco (Org,), Sobre comportamento e cognigdo: Aspects tebrcos, metodelégicas ¢ de formagio em andlise de comportamento ¢ serapia cogniti- vista (vol. 1, pp. 182-190). Santo André: ESETec. Andery, M. A. B.A. & Sério, M. T. A. B (2001). Behavio- rismo radical ¢ os determinantes do comportamento. In H. J. Guilhardi, M. B. B. Nadi, P. P. Queitoz, & M. C. Seo (Orgs.), Sabre o comportamento e cognigéo (vol. 7. pp. 159- 163). Santo André: ESETec. Darwin, C. (2000). A origem das espécies. Sao Paulo: Hers. (Trabalho original publicado em 1859) Glenn, S. S. (2003). Operant contingencies and the origins of culture. In K. A. Lattal, & PN, Chase (Eds.), Behavior theory and philosophy (pp. 223-242). New York: Klewer Academic/Plenum. Glenn, S.S. (2004). Individual behavior, culture, and social change. The Behavior Analyt, 27(2), 133-151 Glenn, S. S., & Field, D. P. (1994). Functions ofthe envi ronment in behavioral evolution. The Behavior Analyt 72), 241-259. Mayr, E. (2009), O que éevolupto, Rio de Janeiro: Roce. Michael, J. (1983). Evocative and repertoire-altering, ‘ofan environmental event. The Analysis of Verbal 2.1921, Skinner, B. F.(1935). The generic nature of the co stimulus and response. Journal of General Pychology, 40-65. Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms: An ‘mental analyz, New York: Appleton-Century-Crofes. Skinner, B. F. (1970). Ciéncia ¢ comportamento Brastlia: UnB. (Trabalho original publicado em 1953) ‘Skinner, B. E. (1978). O comporsamento verbal. Sto ‘Culrix. (Trabalho original publicado em 1957) Skinner, B. F. (1984). Some consequences of Behavior and Brain Sciences, (4), 502-509. Skinner, B. F. (2007). Selegio por consequéncias. Brasileira de Terapia Comportamentale Cognitive, 9). 37. (Originalmente publicado em 1981, em 21314057), 501-504) Tourinho, E. Z. (2009). Subjerividade e relagbes ‘mentais. Sio Paulo: Paradigma. O conceito de liberdade e suas implicag6es para a clinica Alexandre Dittrich TOS DO CAPITULO mo busca de relagdes de determinagao. de comportamento. causais em psicologia. determinista do Behaviorismo Radical. seenegens de uma posicdo determinista para 0 psicélogo. Jes 22s principais significados de “liberdade” como o analista do comportamento os Seereende: como sentimento, como diminuigao ou eliminacao da coergao, como autocontrole. ist do comportamento como profissional que busca a “liberdade” para a sociedade, © os seus clientes. > ANALISE DO COMPORTAMENTO: =

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