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Pedagogia

MÓDULO:
ESTUDO DAS INFÂNCIAS E
CULTURAS E EDUCAÇÃO

TURMA: 02

Miranorte-TO

2021
1

Curso: PEDAGOGIA

Disciplina: Estudo das Infâncias e Culturas e Educação

C.H. Total C.H. Total C.H. Total

60 60 60

EMENTA:

Estudo da infância e das questões sociais e culturais que a


atravessam.Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental –
articulações possíveis.
BIBLIOGRÁFICA BÁSICA PRELIMINAR:
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro:
LTC,1981.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a Criança, o Brinquedo, a
Educação. SãoPaulo: Summus, 1984.
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A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA NA VISÃO PHILIPPE ARIÈS E SUA
RELAÇÃO COM AS POLITICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA

Analedy Amorim Barbosa


Maria das Graças S. Dias Magalhães

RESUMO

No presente texto, desenvolve-se um esforço no sentido de apresentar a


concepção de infância por PHILIPPE ARIÈS a partir da idade média, e a forma como
sua iconografia contribuiu para conhecermos e entendermos o verdadeiro papel da
infância bem como suas necessidades e seu papel social.
A relação da obra de PHILIPPE ARIÈS com o termo políticas públicas pode ser
enfatizada como um marco precursor no que diz respeito à implementação e execução
dessas políticas para a infância. Isso se deve em virtude da sociedade ter passado a se
preocupar com a mesma a partir do momento em que houve um reconhecimento de sua
importância no meio social, no sentido de evitar a exclusão social através da
implementação de programas sociais.

Palavras-Chave: Infância, História Social e Políticas Sociais.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo fazer um panorama sobre a concepção da


infância, com aporte em PHILIPPE ARIÈS a partir da idade média. Essa visão
nos ajudará a entender as configurações das políticas públicas adotadas pelo
poder público para atender à infância, uma vez que esta é considerada excluída
em todos os sentidos, quer seja familiar, moral ou econômico.
Quando falamos em infância, não podemos nos referir a esta etapa da
vida como uma abstração, e sim como um conjunto de fatores que institui
determinadas posições que incluem a família, a escola, pai, mãe, entre outros
que colaboram para que hajam determinados modos de pensar e viver a infância.
A respeito disso, basta verificarmos que desde o século XII até início do século
XX, a sociedade vem criando conceitos e modelos para infância, além de
mecanismos que a valorizem, principalmente a infância pobre e desvalida, pois
de acordo com a obra de Ariès, o sentimento sobre a infância se dá nas camadas
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mais nobres da sociedade. Já a criança pobre continua a não conhecer o
verdadeiro significado da infância, ficando assim a mercê da própria sorte.
Embora esse quadro de desigualdade persista ao longo dos séculos, a
partir do conhecimento do verdadeiro significado da infância, a sociedade vem
buscando mecanismos através dos programas sociais, assistenciais e
filantrópicos cujo objetivo é reparar erros, desde a idade medieval, passando
pela contemporânea, até a sociedade atual, de descasos com a infância e
adolescência.

2. PHILIPPE ARIÉS E SUA ABORDAGEM

A iconografia produzida por Ariès, História Social da Criança e da Família


(1978) se apresenta como uma importante fonte de conhecimento sobre a
infância, sendo considerada por autores, a citar Del Priore (2004) e Freitas
(2001), como um trabalho pioneiro na análise e concepção da infância. Ariès
traçou um perfil das características da infância a partir do século XII, no que diz
respeito ao sentimento sobre a infância, seu comportamento no meio social na
época e suas relações com a família. Através dos textos descritos é possível
constatarmos a fragilidade da criança, bem como sua desvalorização.
Desde a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas seres
inferiores que não mereciam nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo
inclusive a duração da infância reduzida. Por volta do século XII era provável que
não houvesse lugar para a infância, uma vez que a arte medieval a desconhecia
(ARIÈS, 1978).
Foi possível constatarmos que a criança era tida como uma espécie de
instrumento de manipulação ideológica dos adultos e, a partir do momento em
que elas apresentavam independência física, eram logo inseridas no mundo
adulto. A criança não passava pelos estágios da infância estabelecidos pela
sociedade atual. Outro fator importante era que a socialização da mesma durante
a Idade Média não era controlada pela família, e a educação era garantida pela
aprendizagem através de tarefas realizadas juntamente com os adultos.
O sentimento de infância, de preocupação com a educação moral e
pedagógica, o comportamento no meio social, são ideias que surgiram já na
modernidade o que nos leva a crer na existência de todo um processo histórico
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até a sociedade vir a valorizar a infância. Ariès é bem claro em suas colocações
quando diz que a particularidade da infância não será reconhecida e nem
praticada por todas as crianças, pois nem todas vivem a infância propriamente
dita, devido às suas condições econômicas, sociais e culturais. Assim, os sinais
de desenvolvimento de sentimento para com a infância tornaram-se mais
numerosos e mais significativos a partir do fim do século XVI e durante o século
XVII, pois os costumes começaram a mudar, tais como os modos de se vestir, a
preocupação com a educação, bem como separação das crianças de classes
sociais diferentes.
Toda essa preocupação e cuidado com o comportamento de crianças e
adolescentes estava ligada ao modelo de civilidade da época, e isso significava
ter boas maneiras e regras de etiqueta. Porém, no início do século XVII, surgia
um novo conceito sobre comportamento, além de uma literatura pedagógica
destinada não somente às crianças e adolescentes, mas principalmente aos pais
e educadores. É importante mencionar que até o final do século XVIII, a escolas
não eram particularmente frequentadas por crianças de acordo com a faixa
etária. Os centros (como eram chamados) acomodavam pessoas de qualquer
faixa etária devido seu objetivo ser de caráter mais técnico que pedagógico,
dessa forma somente os jovens é que começaram a frequentar a escola.
A partir do que foi abordado, a ideia de que o ensino se estende a todos
não era defendida por alguns pensadores do século XVIII, pois estes se
propuseram desde então a fazer uma educação diferenciada de acordo com as
classes sociais, a que chamaram de primária e secundárias. A política adotada
pelas escolas de certa forma discriminava as crianças muito pequenas, as quais
eram consideras incapazes e fracas, principalmente aquelas pertencentes às
classes baixas, justificando a entrada para a escola de forma tardia.
É mister salientarmos que, com o desenvolvimento acelerado do
capitalismo, o uso da mão-de-obra infantil contribuiu para aumentar essas
desigualdades, além de que os valores dados às crianças são os mais diversos
e variam de acordo com a época e a classe social (ARIÈS,1978).
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3. INFÂNCIA DEFINIDA E A CRIAÇÃO DAS POLITICAS SOCIAIS

Embora a obra de Ariès não retrate intrinsecamente a questão da


exploração do trabalho infantil e das crianças abandonadas1, estes problemas
se intensificaram durante o século XIX, principalmente com o advento da
revolução industrial. Isso se deu em função da mão–de–obra infantil ser
considerada barata e propícia à exploração sem nenhum controle por parte das
autoridades competentes, principalmente se tratando das crianças oriundas de
famílias pobres. Este fato deu ênfase à discussão e à formulação de leis, entre
outros recursos, para inibir a exploração da mão-de-obra infantil e
consequentemente criar mecanismos para proteção da infância pobre e
desvalida com a criação das políticas sociais.
O que era tido como responsabilidade de entidades privadas, com
moldes assistencialistas e filantrópicos, passa a ser responsabilidade do poder
público. Este, por sua vez, tem como objetivo criar mecanismos para tirar das
ruas os menores considerados infratores e interná-los em instituições
apropriadas, chamadas de casa de correção, com o intuito de tirar do espaço
urbano aqueles que se encontravam sem moradia fixa e que tivessem condutas
tidas como contrárias à moral e aos bons costumes.
Como a preocupação com a infância passava a ser considerada um
problema econômico e político, os esforços para definir políticas públicas que
tinham por objetivo recuperar a infância, foram se intensificando em todas as
partes do mundo. No Brasil, essa iniciativa se deu por volta 1942 quando foi
criado o Serviço de Assistência ao Menor - SAM, que abrigavam menores
considerados em conflitos com a lei, em regime disciplinar. Esse modelo de
institucionalização, no entanto, foi criticado por conter ações consideradas
repressivas, tanto que com o golpe militar de 1964, o SAM foi extinto, e partir daí
até a década de 1970, a discussão em torno da infância passa a ser considerada
como prioridade no campo político e social. Já na década de 1980, essas
discussões passam a ter influência de caráter normativo internacional.
Diante de toda essa articulação, foi criado o Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA - que estabelece as diretrizes no campo das políticas

1 Uma vez que até então eram atos considerados normais e até mesmo casuais.
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públicas2 de atendimento à criança e adolescentes, buscando assim, descriminar
a infância e juventude pobre, para que todos sejam reconhecidos como sujeitos
de direitos.

4. CONCLUSÃO

Por fim, a obra de Ariès (1978) nos ajudou entender que os problemas
sociais atualmente existentes, e que afetam crianças e adolescentes pobres, são
os mesmos do século XII. São, no entanto, interpretados e analisados de
maneira diferente ao longo dos anos, o que proporcionou a busca de meios mais
eficazes para combater o descaso com a infância através de políticas públicas,
tendo em vista o seu reconhecimento e valorização.
Também notamos na obra de Ariès que a concepção da infância está
associada às formas de intervenção social, inseridas em práticas de regulação
e controle da segregação de classes sociais, pois os estágios da infância
propriamente dita se deram primeiramente nas classes sociais favorecidas
economicamente, enquanto as crianças advindas de famílias pobres ficavam a
mercê da própria sorte, fato este que perdura até nossos dias atuais.
Naturalmente, presenciando o quadro em que vivem atualmente
milhares de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo, é possível
constatarmos que ainda se conhece muito pouco sobre o verdadeiro significado
da infância e suas peculiaridades. Porém, apesar dos problemas enfrentados, o
quadro degradante da infância já mudou de forma significativa, principalmente
no que diz respeito à formulação e implementação de políticas públicas com
cunho social, e isso pode ser resultado de estudos à longo prazo sobre a
infância.
A princípio, em uma leitura preliminar, políticas públicas e concepção de
infância parecem estar dispersas, mas enfatizamos que a obra de Ariès (1978),
contribuiu para que pudéssemos buscar no passado, explicações para as ações
do presente, ou seja, conhecer a infância e suas necessidades foi o melhor

2 Eloisa de Mattos Höfling (2001) define políticas (públicas) sociais como ações que determinam
o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a
redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais
produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
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caminho para que se pudesse hoje desenvolver trabalhos em prol das crianças,
principalmente das mais necessitadas. Foi a partir das ideias desse autor, que a
criança veio a ocupar um espaço antes pouco perceptível, desde então,
desencadeou-se investimentos de cunho social para que crianças e
adolescentes ocupassem de fato o seu lugar na sociedade.

CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL


Angela da Silva Soares

INTRODUÇÃO

A Educação infantil sofreu grandes transformações nos últimos tempos.


O processo de aquisição de uma nova identidade para as instituições que
trabalham com crianças foi longo e difícil. Durante esse processo surge uma
nova concepção de criança, totalmente diferente da visão tradicional. Se por
séculos a criança era vista como um ser sem importância, quase invisível, hoje
ela é considerada em todas as suas especificidades, com identidade pessoal e
histórica.
Essas mudanças originaram-se de novas exigências sociais e
econômicas, conferindo à criança um papel de investimento futuro, esta passou
a ser valorizada, portanto o seu atendimento teve que acompanhar os rumos da
história. Sendo assim, a Educação Infantil de uma perspectiva assistencialista
transforma-se em uma proposta pedagógica aliada ao cuidar, procurando
atender a criança de forma integral, onde suas especificidades (psicológica,
emocional, cognitiva, física, etc.) devem ser respeitadas. Nessa perspectiva este
artigo propõe uma discussão sobre a evolução histórica da concepção de
infância e sua repercussão no atendimento destinado ás crianças em instituições
de Educação Infantil.

CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA

A concepção de infância dos dias atuais é bem diferente de alguns


séculos atrás. É importante salientar que a visão que se tem da criança é algo
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historicamente construído, por isso é que se pode perceber os grandes
contrastes em relação ao sentimento de infância no decorrer dos tempos. O que
hoje pode parecer uma aberração, como a indiferença destinada à criança
pequena, há séculos atrás era algo absolutamente normal. Por maior estranheza
que se cause, a humanidade nem sempre viu a criança como um ser em
particular, e por muito tempo a tratou como um adulto em miniatura.
De um ser sem importância, quase imperceptível, a criança num
processo secular ocupa um maior destaque na sociedade, e a humanidade lhe
lança um novo olhar. Para entender melhor essa questão, é preciso fazer um
levantamento histórico sobre o sentimento de infância, procurar defini-lo,
registrar o seu surgimento e a sua evolução. Segundo Áries: o sentimento de
infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças, corresponde à
consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue
essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem (ÁRIES, 1978, p. 99).
Nessa perspectiva o sentimento de infância é algo que caracteriza a
criança, a sua essência enquanto ser, o seu modo de agir e pensar, que se
diferencia da do adulto, e, portanto, merece um olhar mais específico.
Na Idade Média não havia clareza em relação ao período que
caracterizava a infância, muitos se baseavam pela questão física e determinava
a infância como o período que vai do nascimento dos dentes até os sete anos
de idade, como mostra a citação da descrição feita por Le Grand Propriétaire
(ARIÈS, 1978, p. 6)
A primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa
quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce
é chamado de enfant (criança), que quer dizer não-falante, pois nessa idade a
pessoa não pode falar bem nem tomar perfeitamente as palavras, pois ainda não
tem seus dentes bem ordenados nem firmes…
Até o século XVII a sociedade não dava muita atenção às crianças.
Devido às más condições sanitárias, a mortalidade infantil alcançava níveis
alarmantes, por isso a criança era vista como um ser ao qual não se podia
apegar, pois a qualquer momento ela poderia deixar de existir. Muitas não
conseguiam ultrapassar a primeira infância. O índice de natalidade também era
alto, o que ocasionava uma espécie de substituição das crianças mortas. A perda
era vista como algo natural e que não merecia ser lamentada por muito tempo,
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como pode ser constatado no comentário de Áries “…as pessoas não podiam se
apegar muito a algo que era considerado uma perda eventual…” (1978, p. 22).
Na Idade Média a criança era vista como um ser em miniatura, assim
que pudesse realizar algumas tarefas, esta era inserida no mundo adulto, sem
nenhuma preocupação em relação à sua formação enquanto um ser específico,
sendo exposta a todo tipo de experiência.
Segundo Áries, até o século XVII, a socialização da criança e a
transmissão de valores e de conhecimentos não eram assegurados pelas
famílias. A criança era afastada cedo de seus pais e passava a conviver com
outros adultos, ajudando-os em suas tarefas. A partir daí, não se distinguia mais
desses. Nesse contato, a criança passava dessa fase direto para a vida adulta.
(ÁRIES, 1978).
A duração da infância não era bem definida e o termo “infância” era
empregado indiscriminadamente, sendo utilizado, inclusive, para se referir a
jovens com dezoito anos ou mais de idade (ÁRIES, 1989). Dessa forma, a
infância tinha uma longa duração, e a criança acabava por assumir funções de
responsabilidade, queimando etapas do seu desenvolvimento. Até a sua
vestimenta era a cópia fiel da de um adulto. Essa situação começa a mudar,
caracterizando um marco importante no despertar do sentimento de infância:
No século XVII, entretanto, a criança, ou ao menos a criança de boa
família, quer fosse nobre ou burguesa, não era mais vestida como os adultos.
Ela agora tinha um traje reservado à sua idade, que a distinguia dos adultos.
Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar lançado às
numerosas representações de criança do início do século XVII (ÁRIÈS, 1978:
33).
As grandes transformações sociais ocorridas no século XVII
contribuíram decisivamente para a construção de um sentimento de infância. As
mais importantes foram as reformas religiosas católicas e protestantes, que
trouxeram um novo olhar sobre a criança e sua aprendizagem. Outro aspecto
importante é a afetividade, que ganhou mais importância no seio na família.
Essa afetividade era demonstrada, principalmente, por meio da
valorização que a educação passou a ter. A aprendizagem das crianças, que
antes se dava na convivência das crianças com os adultos em suas tarefas
cotidianas, passou a dar-se na escola. O trabalho com fins educativos foi
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substituído pela escola, que passou a ser responsável pelo processo
deformação. As crianças foram então separadas dos adultos e mantidas em
escolas até estarem “prontas” para a vida em sociedade. (ARIÈS, 1978).
Surge uma preocupação com a formação moral da criança e a igreja se
encarrega em direcionar a aprendizagem, visando corrigir os desvios da criança,
acreditava-se que ela era fruto do pecado, e deveria ser guiada para o caminho
do bem. Entre os moralistas e os educadores do século XVII, formou-se o
sentimento de infância que viria inspirar toda a educação do século XX (Áries,
1989). Daí vem a explicação dos tipos de atendimento destinados às crianças,
de caráter repressor e compensatório.
De um lado a criança é vista como um ser inocente que precisa de
cuidados, do outro como um ser fruto do pecado. Segundo kramer:
Nesse momento, o sentimento de infância corresponde a duas
atitudes contraditórias: uma considera a criança ingênua,
inocente e graciosa e é traduzida pela paparicação dos adultos,
e a outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe
à ela, tornando a criança um ser imperfeito e incompleto, que
necessita da “moralização” e da educação feita pelo adulto.
(KRAMER, 2003, p. 18).

Esses dois sentimentos são originados por uma nova postura da família
em relação à criança, que passa a assumir mais efetivamente a sua função, a
família começa a perceber a criança como um investimento futuro, que precisa
ser preservado, e, portanto, deve ser afastada de maus físicos e morais. Para
Kramer (2003. P. 18) “não é a família que é nova, mas, sim o sentimento de
família que surge nos séculos XVI e XVII, inseparável do sentimento de infância.”
A vida familiar ganha um caráter mais privado, e aos poucos a família
assume o papel que antes era destinado à comunidade. É importante salientar
que esse sentimento de infância e de família representa um padrão burguês, que
se transformou em universal. Segundo Kramer:
[...] a ideia de infância [...] aparece com a sociedade capitalista,
urbano-industrial, na medida em que mudam a sua inserção e o
papel social da criança na comunidade. se, na sociedade feudal,
a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim
que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade
burguesa ela passa a ser alguém que precisa de ser cuidada,
escolarizada e preparada para uma função futura. Este conceito
de infância é pois, determinado historicamente pela modificação
das formas de organização da sociedade. (2003, p. 19)
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No século XVIII, além da educação a família passou a se interessar pelas
questões relacionadas à higiene e à saúde da criança, o que levou a uma
considerável diminuição dos índices de mortalidade.
As mudanças beneficiaram as crianças da burguesia, pois as crianças
do povo continuaram a não ter acesso aos ganhos representados pela nova
concepção de infância, como o direito à educação e a cuidados mais específicos,
sendo direcionadas para o trabalho.
A criança sai do anonimato e lentamente ocupa um espaço de maior
destaque na sociedade. Essa evolução traz modificações profundas em relação
à educação, esta teve que procurar atender as novas demandas que foram
desencadeadas pela valorização da criança, pois a aprendizagem além da
questão religiosa passou a ser um dos pilares no atendimento à criança.
Segundo Loureiro:
[...] nesse período começa a existir uma preocupação em
conhecer a mentalidade das crianças a fim de adaptar os
métodos de educação a elas, facilitando o processo de
aprendizagem. Surge uma ênfase na imagem da criança como
um anjo, “testemunho da inocência batismal” e, por isso, próximo
de Cristo (2005, p. 36).

Percebe-se o caráter cristão ao qual a educação das crianças foi


ancorado. Com o surgimento do interesse nas crianças, começou a preocupação
em ajudá-las a adquirir o princípio da razão e a fazer delas adultos cristãos e
racionais. Esse paradigma norteou a educação do século XIX e XX.
Hoje, a criança é vista como um sujeito de direitos, situado
historicamente e que precisa ter as suas necessidades físicas, cognitivas,
psicológicas, emocionais e sociais supridas, caracterizando um atendimento
integral e integrado da criança. Ela deve ter todas as suas dimensões
respeitadas. Segundo Zabalza ao citar Fraboni: a etapa histórica que estamos
vivendo, fortemente marcada pela “transformação” tecnológico-científica e pela
mudança ético-social, cumpre todos os requisitos para tornar efetiva a conquista
do salto na educação da criança, legitimando-a finalmente como figura social,
como sujeito de direitos enquanto sujeito social” (1998:68).
Assim, a concepção da criança como um ser particular, com
características bem diferentes das dos adultos, e contemporaneamente como
portador de direitos enquanto cidadão, é que vai gerar as maiores mudanças na
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Educação Infantil, tornando o atendimento às crianças de 0 a 5 anos ainda mais
específico, exigindo do educador uma postura consciente de como deve ser
realizado o trabalho com as crianças pequenas, quais as suas necessidades
enquanto criança e enquanto cidadão.

O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNDO

Durante muito tempo, o cuidado e a educação das crianças pequenas


eram vistas como tarefas da família, principalmente das mães e de outras
mulheres. Depois do desmame, a criança era percebida como um pequeno
adulto, quando já alcançava certo grau de independência, passava a ajudar os
adultos nas atividades cotidianas e a aprender o básico para sua inserção social.
Não se considerava a identidade pessoal da criança.
Devido ao caráter familiar do atendimento à criança pequena, as
primeiras denominações das instituições infantis fazem uma referência a esse
aspecto, como o termo francês “creche” que significa manjedoura, presépio. E o
termo italiano “asilo nido” que significa um ninho que abriga.
Nas sociedades primitivas, as crianças que se encontravam em
situações desfavoráveis, como o abandono, eram cuidadas por uma rede de
parentesco, ou seja, dentro da própria família. Na Idade Antiga, os cuidados
eram oferecidos por mães mercenárias, que não tinham nenhum tipo de
preocupação com as crianças, sendo que muitas morriam sob os seus cuidados.
Na Idade Média e Moderna, existiam as “rodas” (cilindros ocos de madeira,
giratórios), construídos em muros de igrejas ou hospitais de caridade, onde as
crianças deixadas eram recolhidas. Dentro dessa perspectiva, fica evidenciado
nas palavras de Oliveira que: as ideais de abandono, pobreza, culpa e caridade
impregnam assim, as formas precárias de atendimento a menores nesse período
e vão permear determinadas concepções acerca do que é uma instituição que
cuida da Educação Infantil, acentuando o lado negativo do atendimento fora da
família (OLIVEIRA, 2002, p. 59).
Diante dessa situação, ficam claras as raízes da desvalorização do
profissional de Educação Infantil, que precisa mudar esse estereótipo, de que
para se trabalhar com crianças não é necessário qualificação profissional, pois
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grande parte dos profissionais que atuam nessa área é de leigos, o que
demonstra que, mesmo com tanto avanço no que diz respeito ao conceito de
criança, ainda persiste um tipo de atendimento que só visa os cuidados físicos,
deixando de lado os aspectos globais no atendimento das crianças.
Na Europa com a Revolução Industrial, a sociedade agrário-mercantil
transforma-se em urbano-manufatureira, num cenário de conflitos, onde as
crianças eram vítimas de pobreza, abandono e maus-tratos, com grande índice
de mortalidade. Aos poucos o atendimento às crianças torna-se mais formal,
como resposta a essa situação, foram surgindo instituições para o atendimento
de crianças desfavorecidas ou crianças cujos pais trabalhavam nas fábricas
(OLIVEIRA, 2002).
Nos séculos XVIII E XIX é originado dois tipos de atendimento às
crianças pequenas, um de boa qualidade destinado às crianças da elite, que
tinha como característica a educação, e outro que servia de custódia e de
disciplina para as crianças das classes desfavorecidas.
Dentro desse cenário aumenta-se a discussão de como se deve educar
as crianças. Pensadores como Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly,
Froebel e Montessori configuram as novas bases para a educação das crianças.
Embora eles tivessem focos diferentes, todos reconheciam que as crianças
possuíam características diferentes dos adultos, com necessidades próprias
(OLIVEIRA, 2002).
No século XX, após a primeira Guerra Mundial, cresce a ideia de respeito
à criança, que culmina no Movimento das Escolas Novas, fortalecendo preceitos
importantes, como a necessidade de proporcionar uma escola que respeitasse
a criança como um ser específico, portanto, esta deveria direcionar o seu
trabalho de forma a corresponder as características do pensamento infantil.
Na psicologia, na década de 20 e 30, Vygotsky defende a ideia de que a
criança é introduzida no mundo da cultura por parceiros mais experientes. Wallon
destaca a afetividade como fator determinante para o processo de
aprendizagem. Surgem as pesquisas de Piaget, que revolucionam a visão de
como as crianças aprendem, a teoria dos estágios de desenvolvimento. As
teorias pedagógicas se apropriam gradativamente das concepções psicológicas,
especialmente na Educação Infantil, impulsionando o seu crescimento.
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No contexto de pós-segunda Guerra mundial, surge a preocupação com
a situação social da infância e a ideia da criança como portadora de direitos. A
ONU promulga em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança, em decorrência
da Declaração dos Direitos Humanos, esse é um fator importante para a
concepção de infância que permeia a contemporaneidade, a criança como
sujeito de direitos.

O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL

A história da Educação Infantil no Brasil, de certa forma, acompanha os


parâmetros mundiais, com suas características próprias, acentuada por forte
assistencialismo e improviso. As crianças da área urbana eram colocadas nas
“rodas expostas” para serem recolhidas pelas instituições religiosas, muitas
dessas crianças eram de mães que pertenciam às famílias tradicionais.
No início do século XIX, para tentar resolver o problema da infância,
surgem iniciativas isoladas, como a criação de creches, asilos e internatos, que
eram vistos como instituições destinadas a cuidar de crianças pobres. Estas
instituições apenas encobriam o problema e não tinham a capacidade de buscar
transformações mais profundas na realidade social dessas crianças.
No final do século XIX, com o ideário liberal, inicia-se um projeto de
construção de uma nação moderna. A elite do país assimila os preceitos
educacionais do Movimento das Escolas Novas, elaboradas nos centros de
transformações sociais ocorridas na Europa e trazidas ao Brasil pela influência
americana e europeia. Surge no Brasil a ideia de “jardim-de-infância” que foi
recebida com muito entusiasmo por alguns setores sociais, mas gerou muita
discussão, pois a elite não queria que o poder público não se responsabilizasse
pelo atendimento às crianças carentes. Com toda polêmica, em 1875 no Rio de
Janeiro e em 1877 em São Paulo, eram criados os primeiros jardins-de-infância,
de caráter privado, direcionados para crianças da classe alta, e desenvolviam
uma programação pedagógica inspirada em Froebel (OLIVEIRA, 2002).
Na metade do século XX, com a crescente industrialização e
urbanização do país, a mulher começa a ter uma maior inserção no mercado de
trabalho, o que provoca um aumento pelas instituições que tomam conta de
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crianças pequenas. Começa a se delinear um atendimento com forte caráter
assistencialista.
Nos anos 70, o Brasil absorve as teorias desenvolvidas nos Estados
Unidos e na Europa, que sustentavam que as crianças das camadas sociais mais
pobres sofriam de “privação cultural” e eram colocadas para explicar o fracasso
escolar delas, esta concepção vai direcionar por muito tempo a Educação
Infantil, enraizando uma visão assistencialista e compensatória, como afirma
Oliveira: conceitos como carência e marginalização cultural e educação
compensatória foram então adotados, sem que houvesse uma reflexão crítica
mais profunda sobre as raízes estruturais dos problemas sociais. Isso passou a
influir também nas decisões de políticas de Educação Infantil (OLIVEIRA,
2002:109).
Dessa forma, pode-se observar a origem do atendimento fragmentado
que ainda faz parte da Educação Infantil destinada às crianças carentes, uma
educação voltada para suprir supostas “carências”, é uma educação que leva
em consideração a criança pobre como um ser capaz, como alguém que não
responderá aos estímulos dados pela escola.
Nos anos 80, com o processo de abertura política, houve pressão por
parte das camadas populares para a ampliação do acesso à escola. A educação
da criança pequena passa a ser reivindicada como um dever do Estado, que até
então não havia se comprometido legalmente com essa função. Em 1888, devido
à grande pressão dos movimentos feministas e dos movimentos sociais, a
Constituição reconhece a educação em creches e pré-escolas como um direito
da criança e um dever do Estado.
Nos anos 90, ocorreu uma ampliação sobre a concepção de criança.
Agora procura-se entender a criança como um ser sócio-histórico, onde a
aprendizagem se dá pelas interações entre a criança e seu entorno social. Essa
perspectiva sociointeracionista tem como principal teórico Vygotsky, que enfatiza
a criança como sujeito social, que faz parte de uma cultura concreta (OLIVEIRA,
2002).
Há um fortalecimento da nova concepção de infância, garantindo em lei
os direitos da criança enquanto cidadã. Cria-se o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente); a nova LDB, Lei nº9394/96, incorpora a Educação Infantil como
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primeiro nível da Educação Básica, e formaliza a municipalização dessa etapa
de ensino.
Em 1998, é criado RCNEI (Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil), um documento que procura nortear o trabalho realizado com
crianças de 0 a 5 anos de idade. Ele representa um avanço na busca de se
estruturar melhor o papel da Educação Infantil, trazendo uma proposta que
integra o cuidar e o educar, o que é hoje um dos maiores desafios da Educação
Infantil. É preciso afirmar que as propostas trazidas pelo RCN só podem se
concretizar na medida em que todos os envolvidos no processo busquem a
efetiva implantação das novas propostas, se não ele vai se tornar apenas um
conjunto de normas que não saem do papel.
Considerações finais
Através desse estudo histórico, pode-se constatar que o conceito de
infância repercute fortemente no papel da Educação Infantil, pois direciona todo
o atendimento prestado à criança pequena. Dessa maneira, a Educação Infantil
está intrinsicamente ligada ao conceito de infância, tendo a sua evolução
marcada pelas transformações sociais que originaram um novo olhar sobre a
criança.
A educação voltada para criança pequena só ganhou notoriedade
quando esta passou a ser valorizada pela sociedade, se não houvesse uma
mudança de postura em relação à visão que se tinha de criança, a Educação
Infantil não teria mudado a sua forma de conduzir o trabalho docente, e não teria
surgido um novo perfil de educador para essa etapa de ensino. Não seria
cobrado dele especificidade no seu campo de atuação, e a criança permaneceria
com um atendimento voltado apenas para questões físicas, tendo suas outras
dimensões, como a cognitiva, a emocional e a social despercebidas.
Não se pode perder de vista, que o conceito de infância construído pela
humanidade ocasionou uma padronização da criança, como se esta fosse um
ser universal, sem características próprias de cada sociedade e de cada contexto
histórico.
Por isso, a Educação infantil terminou sendo um bem da criança
burguesa, e uma proposta distante das crianças pobres. Apesar da Educação
Infantil no Brasil ter sido institucionalizada como direito das crianças, poucas têm
acesso a um atendimento de qualidade, com professores que desconhecem os
17
pressupostos pedagógicos que devem direcionar o trabalho com crianças
pequenas, descaracterizando a especificidade da Educação Infantil.

A INFÂNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NO PRIMEIRO ANO


DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL3
Joane Santos do Nascimento
Laís Cristina Sales da Silva
Conceição Gislâne Nóbrega Lima de Salles

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo as crianças foram esquecidas na história. Até o


século XVI o tratamento entre crianças e adultos eram similares e custou muito
para a sociedade direcionar a atenção para este ser infante. Existiam enquanto
seres biológicos, não enquanto sujeitos.
A visibilidade da infância só emerge na modernidade, entendidas
inicialmente numa perspectiva de falta, inocência, impureza. Mas, é
principalmente, no século XX que as discussões sobre a infância passam a
corroborar com o entendimento da criança enquanto sujeitos sociais
protagonistas nas relações educativas.
Muitas são as infâncias e as concepções de crianças que permeiam no
cenário social. Há os que percebem as crianças como seres incompletos,
inocentes, tal como no início da idade moderna. Há, também, os que valorizam
a infância na perspectiva do vir a ser, bem como, uma perspectiva mais
afirmativa da infância que procura compreender a criança como um outro que
ela é, que não se resume a imaturidade biológica ou a imagem e semelhança do
adulto.
A inquietação que impeliu esta investigação nasce justamente da
preocupação em como os profissionais da educação que atuam juntos a estes
sujeitos concretos, crianças, estão nomeando, enunciando e compreendendo a

3 Este texto foi adaptado para o estudo no curso de Pedagogia do Instituto Educar. Foram
retiradas as análises do estudo de caso, deixando apenas a parte teórica para nossa reflexão. O
texto original tem o título: A infância na educação infantil e no primeiro ano das séries iniciais
do ensino fundamental: o que revelam os professores da região do agreste?
18
infância e a educação das crianças? Será que a infância tem de fato espaço no
âmbito escolar? Consoante a essas questões e tomando como intensificação
desta problemática a Ampliação do Ensino Fundamental de Nove Anos, que ao
incorporar as crianças de seis anos no primeiro ano, trouxe para os anos iniciais
desta modalidade de Ensino a necessidade de uma educação da infância,
desenvolvemos a pesquisa intitulada: ―A infância na Educação Infantil e no
Primeiro Ano das Séries Iniciais do Ensino Fundamental: o que revelam os
professores da Região do Agreste?‖ Com vistas a compreender os significados
veiculados pelos docentes, ao que tange a infância no contexto escolar.
Para situar a perspectiva na qual se insere a reflexão aqui proposta,
partimos da problematização da própria noção de infância, a qual, no campo das
ciências humanas e sociais, tem sido empregada frequentemente como um
conceito não avaliado. No presente projeto, nos interessa particularmente seus
significados e as implicações destes no campo da educação. Na análise
empreendida assumimos a infância como ―categoria social, constituída por
sujeitos historicamente situados‖ (SARMENTO, 2008, p.7), nomeadamente as
crianças, as quais se constituem sujeitos sociais que produzem cultura e história.
Tomamos, ainda, como referência os estudos filosóficos empreendidos por
Walter Kohan (2003). Por meio de uma reflexão menos normativa e etapista e
mais ontológica e política, interroga sobre uma potência produtiva da infância,
sobre uma força que gera diferença e sobre uma capacidade de afirmar a
visibilidade da infância por meio de um olhar aberto, atento, à espreita,
procurando dar lugar a uma nova infância, das crianças e também da educação
infantil.

DO SURGIMENTO DA INFÂNCIA À EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA

Falar sobre a educação das crianças, implica trazer à tona a


invisibilidade histórica, a qual a categoria social crianças foi submetida ao longo
da história da humanidade. Até o século XVI, pode-se dizer, que a criança tal
qual conhecemos hoje, não existia. Vestiam-se e comportavam-se tal como
adultos, chegando a ser consideradas como adultos em miniatura (ARIÈS,
1973). Contudo, a partir deste mesmo século as crianças e a sua infância
19
começam a ganhar espaço no cenário social e as mais variadas noções da
mesma emergem neste momento.
Segundo Ariès (1973) é a partir do século XVII que ―as idades da vida‖
começam a fazer parte da tessitura social. Inicialmente fincadas em noções
etapistas, classificadas a partir de uma perspectiva cronológica. Neste contexto
era negado os demais aspectos da criança: físico, psíquico, emocionais,
afetivos, linguísticos e sociais. Todavia, paulatinamente a infância foi se situando
no centro da preocupação da produção cientifica e se constituindo um problema
social. Nesta feita os olhares voltam-se para este ser infante, marcando sua
aparição na sociedade.
Progressivamente ―criança e infância‖ ganharam espaço e atraiu a
atenção de diferentes áreas das ciências da saúde e das ciências sociais, quais
sejam, Psicologia, Sociologia, Antropologia, História, Filosofia, entre outras,
ocasionando o crescimento de estudos na área e a preocupação com a garantia
da afirmação e o reconhecimento das especificidades deste grupo no âmbito
social.
Com a criança e a sua infância em pauta na produção acadêmica, esta
temática ganha também espaço na agenda política. É neste momento que surge
a ideia de que as crianças necessitavam de um espaço especifico que
possibilitasse a garantia da realização da infância – a escola.
No Brasil, as mudanças no cenário educacional começam a acontecer,
mais especificamente, na segunda metade do século XIX, com a abolição da
escravatura. Neste momento a escola surge mais como uma solução para os
problemas da época (como as altas taxas de mortalidade do país e o frequente
abandono de crianças), que para a afirmação da infância. Creches, asilos,
jardins-de-infância ou internatos, eram as instituições que pretendiam atender as
crianças naquele período. Contudo, é valido ressaltar que nem sempre essas
instituições atendiam a todas as crianças. Os jardins-de-infância, por exemplo,
com todo um embasamento estrangeiro, era dirigido ao atendimento de crianças
pertencentes a níveis sociais mais altos, que mesmo depois, ao serem criados
os jardins-de-infância públicos continuaram a manter o privilégio das elites.
Alguns acontecimentos impulsionaram o crescimento considerável na
criação de Jardins de infância. Podemos citar o instituto de Proteção a
Assistência à infância (1899) e o Departamento da Criança (1919), instituídos a
20
partir da Proclamação da República, em 1899. O advento da Revolução
industrial, no século XX (Brasil), que trouxe consigo a urbanização e a
industrialização, foi outro acontecimento que ao implicar em uma reorganização
familiar, onde homens e mulheres ocuparam vagas de emprego sinalizaram a
necessidade de locais para guarda dos filhos dos operários.
Inicialmente as instituições eram fruto dos movimentos sociais. A
procura por mão-de-obra mais qualificada, resultou na contratação de imigrantes
europeus que chegavam ao Brasil. Politizados, esses imigrantes impulsionaram
a organização de movimentos operários que entre outras reivindicações lutavam
também pela criação de instituições apropriadas para o cuidado de seus filhos.
É neste contexto que surgem as creches, escolas maternais ou parques infantis
de iniciativa privada, como legaliza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 1961:
Art. 23 – ―A educação pré-primária destina-se aos menores de
até 7 anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins –
de- infância‖. Art. 24 – ―As empresas que tenham a seu serviço
mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e
manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes
públicos, instituições de educação pré-primária‖.

A iniciativa privada na criação de locais para guarda dos filhos dos


operários veio à tona mais como uma estratégia administrativa que como um
direito assegurado. Com a criação dessas instituições houve um aumento
significativo na produção e no controle dos trabalhadores. No entanto, o
movimento dos operários mesmo diante desta conquista continuou a lutar pelo
o cuidado de seus filhos, agora, reivindicando a criação dessas instituições pelo
Estado.
Tanto as creches e os asilos, quanto os jardins-de-infância (público ou
privado), serviam mais como um abrigo que para educação integral das crianças
que atendiam. A infância era entendida numa perspectiva de falta, e assim
obscurecia a potencialidade infantil. Todavia, a criação destes espaços
representou grande avanço na história das crianças e de sua educação.
Criadas a partir de uma necessidade, as creches, acabaram por ser
instituídas também pelos órgãos governamentais. Entretanto, ainda com o foco
assistencialista e pensada para os filhos das famílias ricas, podemos observar
na LDB de 1996:
21
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três
anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos
de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).

Essa proposição inicial representou um salto na legalização da


Educação Infantil no Brasil e fundamentou reformas educacionais para essa
categoria social, crianças, dando início a um momento de reconhecimento da
categoria infância e de suas especificidades.
Por iniciativa privada ou pública as instituições de educação pré-escolar
ganharam abrangência. A luta que até a década de 60 se resumia a um local
para abrigar os filhos dos operários, passou a incluir a qualidade educacional
como uma das suas reivindicações. Agora, não apenas almejavam o acesso,
mas a qualidade neste acesso e as condições de permanência.
Um marco histórico foi a Constituição de 1988, que reconhece a
educação como um direito de todos e um dever do Estado. A partir deste marco
diversas reformas educacionais ocorrem no intuito de assegurar a qualidade
educacional. Mas o que estamos chamando de qualidade educacional? Não
objetivamos aprofundar este assunto, mas acreditamos que desenvolver um
ensino que respeite as várias dimensões humanas e as especificidades de cada
faixa etária corresponde a um dos requisitos da qualidade educacional.
Do século XVI ao século XXI muito se tem feito com vistas a resgatar a
infância perdida de nossas crianças. Retirar a criança do esquecimento histórico
ao qual sofreu tem estado na ordem do dia de diversos debates educacionais e
políticos. Porém, a escola infantil tem demonstrado ainda uma vinculação direta
com a percepção da criança como um vir a ser adulto. Uma menoridade
duvidosa, deixando cada vez mais à margem a infância.
Há uma preocupação em voga quanto ao ―reconhecimento‖ da
infância. Enquanto de um lado vemos um discurso que aponta para a valorização
desta categoria social. Do outro, ouvimos falas denunciarem o descaso para com
as crianças na instituição educacional. Calvert, exemplifica isso, quando diz:
―As crianças são importantes e sem importância; espera-se
delas que se comportem como crianças, mas são criticadas nas
suas infantilidades; é suposto que brinquem absorvidamente
quando se lhes diz para brincar, mas não se compreende porque
não pensam em parar de brincar quando se lhes diz para parar;
22
espera-se que sejam dependentes quando os adultos preferem
a dependência, mas deseja-se que tenham um comportamento
autônomo; deseja-se que pensem por si próprias, mas são
criticadas pelas suas ‗soluções‘ originais para os problemas‖.
(cit. In Pollard, 1985:39)

O que se prega sobre a criança é totalmente paradoxal ao que se espera


da mesma. Em consequência disto torna-se necessário e urgente pensar em
como a ―escola‖, instituição que atende a menoridade, tem fornecido lugar para
a infância. Será apenas em um momento especifico, recreação por exemplo? ou
é contemplada em todo trabalho pedagógico?

AMPLIAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS E


IMPLICAÇÕES QUANTO AO LUGAR DA INFÂNCIA

A ampliação progressiva do Ensino Fundamental é produto do desejo


pela expansão e melhoria da qualidade educacional. Inicialmente com a lei Nº
4.024 de 20 de dezembro de 1961, que ampliou o Ensino Fundamental para
quatro anos, em seguida com a Lei nº 5.692, de 1971, que estendeu o mesmo
para oito anos, e finalmente, primeiro em 2005, com a Lei nº 11.114, de 16 de
maio de 2005 que torna obrigatório a matricula de crianças de seis anos no
Ensino fundamental e posteriormente em 2006, com a Lei nº 11.274, de 6 de
fevereiro de 2006 que estende a obrigatoriedade para nove anos, ocasionando
assim, a saída das crianças de seis anos da Educação infantil e sua entrada no
primeiro ano do ensino Fundamental de Nove anos.
No entanto, surgiram muitas inquietações relacionados a esta reforma
educacional. Uma das inquietações que apresentamos nesta pesquisa como
fator preocupante é o lugar da infância e de sua afirmação no primeiro ano do
Ensino Fundamental. Visto que estas saíram da Educação infantil - que mostra
focalizar a formação integral da criança, como vislumbra o Art. 29º da LDB (1996)
- para o Ensino Fundamental, que como mostra esta mesma lei, no Art. 32º
abaixo, possui finalidades diferentes da etapa anterior:
Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica,
tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até
seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade.
...
23
Art. 32º. O ensino fundamental, com duração mínima de oito
anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a
formação básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

Como pode ser percebido, a referida aprovação sugere


necessariamente repensar não só o Ensino Fundamental no seu conjunto como
a questão da própria infância, agora chamada ao Ensino Fundamental, já que a
idade cronológica não é, necessariamente, e nem pode ser na perspectiva que
estamos adotando nesse plano de trabalho, o aspecto definidor da maneira de
ser criança e do pensar a infância.

O BRINQUEDO: AS PERSPECTIVAS DE WALTER BENJAMIN E


VYGOTSKY PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL DA
CRIANÇA
Carlos Augusto Pereira Gonçalves

[...]
O brinquedo é uma atividade que proporciona o desenvolvimento psicológico e
cultural evidenciados na infância. Portanto, o brinquedo é um exemplo de instrumento
mediador que possui uma funcionalidade e um significado como objeto quando construído
socialmente e outro significado quando uma criança se propõe a utilizá-lo. Sua funcionalidade e
seu significado são peculiares, pois parte não somente da função do objeto, mas de como a
criança significará este objeto, e esta é a análise que Vygotsky (2007) se propõe, o que se verá a
seguir neste trabalho
Ignorar o brinquedo no mundo infantil é simplesmente negligenciar a imaginação e os
desejos da criança, que se desenvolvem de forma significativa pelo uso do lúdico e a relação que
possui com as motivações do mundo externo. Em outras palavras, é uma forma de atividade,
usada pela criança na interação com seu contexto. Vygotsky (2007, p. 107) escreve: “... parece-
me que as teorias que ignoram o fato de que o brinquedo preenche necessidades da criança
nada mais são do que uma intelectualização pedante da atividade do brincar.” O brinquedo não
é apenas uma atividade que proporciona prazer que possa ser prescindida, é algo que faz parte
da maioria das ações no universo que revelam as condições do desenvolvimento na infância, e
24
hoje é um meio utilizado pela educação infantil para atingir seus objetivos pedagógicos com
crianças. Vygotsky (2007) continua:
...se ignorarmos as necessidades das crianças e os incentivos
que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos
capazes de entender seu avanço de um estágio de
desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado
com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e
incentivos. (VYGOTSKY, 2007, p.108)

Para Vygotsky (2007) o que torna a atividade de brinquedo um meio de


suprir a necessidade da criança, é que dentro desta atividade a criança pode
realizar desejos que não são realizáveis em seu mundo imediato. É uma das
formas que a criança tem de se relacionar com os inúmeros fatores que lhe são
novos e curiosos. De acordo com Vygotsky (2007, p. 108), “...se as necessidades
não realizáveis imediatamente não se desenvolvessem durante os anos
escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser
inventados justamente quando as crianças começam a experimentar tendências
irrealizáveis.” A criança usará seu lúdico para realizar o que na vida real não
pode, por exemplo, brincar de estar dirigindo um carro, de ser mãe, etc.
Evidentemente, uma criança não consegue dirigir, ser mãe, montar um cavalo,
etc. Mas, para resolver este problema, segundo Vygotsky (2007, p. 109) “... a
criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde
os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que
chamamos de brinquedo.” Ou seja, o mundo do brinquedo é onde a criança terá
a liberdade para fazer o que ela não pode fazer no mundo real, usando a
imaginação e despertando seu lado lúdico. A criança usará este mecanismo para
satisfazer suas curiosidades e desejos, o que a colocará em contato com certas
regras sociais. Assim sendo, ao brincar e imaginar uma brincadeira, a criança
estabelece critérios que darão o aspecto de como será a brincadeira, criando
assim uma situação imaginária que traz elementos do mundo real, das regras e
normas sociais do conhecido ‘mundo adulto’. A criança significa a brincadeira
usando sua imaginação e criando situações no brincar em que a imaginação não
é simplesmente o oposto do mundo real (as regras). A imaginação, o lúdico vai
de encontro ao mundo real, só que, em sentido distinto, pois, é uma forma de
satisfação que a criança encontra ao lidar com os empecilhos de suas condições.
Se todo brinquedo é, realmente, a realização na brincadeira das
tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas, então
25
os elementos das situações imaginárias constituirão,
automaticamente, uma parte da atmosfera emocional do próprio
brinquedo. Consideremos a atividade da criança durante o
brinquedo. (VYGOTSKY, 2007, p. 110)

A criança estará aprendendo a lidar com situações imediatas. Por


exemplo, brincar de ser mãe, implicará que ela imagine o que é ser mãe e
signifique aquele papel social no ato de brincar. É onde a criança ligará
brinquedo e realidade, pois, segundo Vygotsky (2007, p. 111) “... o que na vida
real passa despercebido pela criança torna-se uma regra de comportamento no
brinquedo.” Uma criança não anotará no papel como é ser mãe em aspectos
ruins ou bons, a criança buscará em seu contexto se desejar, relacionar o
comportamento de ser mãe, para realizar brincando um desejo que não é
realizável no momento por sua condição biológica.
O brinquedo possui uma relação imprescindível com situações do
mundo real que exigem regras, pois, de acordo com Vygotsky (2007, p. 111); “O
que restaria se o brinquedo fosse estruturado de maneira que não houvesse
situações imaginárias? Restariam as regras.” Regras que possuem origem no
momento em que a criança está brincando, e que evidentemente podem ser
observadas em todas as brincadeiras, porque a própria criança se subordina a
estas regras, e por fim, é o que de certa forma gera prazer em criar situações de
fuga da realidade e ao mesmo tempo de proximidade, neste momento, a criança
já não se vê alheia, pois, é participante do processo mesmo que seja uma
situação de faz-de-conta do contexto social.
São dois os motivos que Vygotsky (2007) aponta como importantes na
situação do brinquedo para a criança:
No brinquedo a criança consegue o caminho do menor esforço
– ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está
unido ao prazer – e, ao mesmo tempo, aprende a seguir os
caminhos mais difíceis, subordinando-se as regras e, por
conseguinte, renunciando ao que ela quer. (VYGOTSKY, 2007,
p. 117 e 118)

Portanto, o prazer e o cumprimento de regras estão unidos na


brincadeira, são estes dois fatores que facilitam o esforço da criança na
realização de seus desejos. Dois motivos que provocam interação dos aspectos
cognitivos da criança com o meio cultural, e que são inseparáveis para a
realização da brincadeira. A regra acaba sendo a ligação que a criança procura
26
com mundo externo para realizar seus desejos, ou seja, segundo Vygotsky
(2007, p. 118); “... o atributo essencial do brinquedo é que uma regra se torna
um desejo.” A criança internaliza nas brincadeiras o papel de ser mãe ou quando
brinca de carrinho seguindo regras de trânsito, quando brinca de cavalinho
sabendo montar e galopar por campos imaginários, etc. Quando na realidade
não possui esta possibilidade de ser a referência social destas regras.
... o brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos.
Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um ‘eu’ fictício,
a seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as maiores
aquisições de uma criança são conseguidos no brinquedo,
aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação
e moralidade. (VYGOTSKY, 2007, p. 118)

As ações da criança no brinquedo a levam a subordinação de regras, a


criação de um ‘eu’ fictício para que a brincadeira dê certo, neste ‘eu’ a criança
potencializa a moralidade que passa a fazer parte deste novo ser que surge na
brincadeira. Desta maneira a criança aprende a se relacionar com o mundo a
sua volta, provocando o desenvolvimento cognitivo, por isso Vygotsky (2007)
menciona que pelo brinquedo a criança terá aquisições significativas de ação
moral para o futuro.
Para Vygotsky (2007), o brinquedo é um dos fatores de mediação entre
criança e sociedade. O indivíduo (ontogenético) é inseparável dos processos
sociais que o envolve (sociogenético), o desenvolvimento do indivíduo depende
desta interação, e a situação de brinquedo na infância é fluente na mediação que
provoca esta interação. Segundo Vygotsky (2007, p. 119): “As ações internas e
externas são inseparáveis: a imaginação, a interpretação e a vontade são
processos internos conduzidos pela ação externa.” Os desafios externos
motivam a criança a desejar, imaginar, interpretar e significar a situação que a
envolve culturalmente. Para tanto, a criança no brinquedo precisa significar suas
ações, este comportamento é característico das ações humanas, é o início do
desenvolvimento social para a criança.
Tentando entender a infância, pode-se constatar pelas ideias de
Benjamin (2004) que uma das formas das crianças interagirem com o mundo a
sua volta é a situação imaginária. A situação imaginária, liberta a criança das
dificuldades que a cercam, pois, é pela imaginação que a criança pode criar uma
espécie de mundo próprio. Esta ação é característica da situação lúdica que
27
envolve o brinquedo. Para Benjamin (2004, p.85); “Não há dúvida que brincar
significa sempre libertação. Rodeadas por um mundo de gigantes, as crianças
criam para si um pequeno mundo próprio...” O momento de criação para a
criança é o prazer de brincar, de sentir-se livre nas regras da brincadeira em que
a própria criança se deu. Benjamin (2004) afirma que até mesmo o adulto em
situações difíceis na vida também procura um pouco de fantasia similar a da
criança. Pois, segundo Benjamin (2004, p.85); “... o adulto, que se vê acossado
por uma realidade ameaçadora, sem perspectivas de solução, liberta-se dos
horrores do real mediante a sua reprodução miniaturizada.” Na segunda guerra
mundial, por exemplo, Benjamin pôde constatar que foi o período em que houve
mais interesse por livros e jogos infantis. Em seu relato, podemos entender a
importância que é a situação lúdica para o ser humano: “A banalização de uma
existência insuportável contribuiu consideravelmente para o crescente interesse
que jogos e livros infantis passaram a despertar... (BENJAMIN, 2004, p. 85).” O
brinquedo e a atividade de brincar são inseparáveis na situação imaginária que
tem por fim, dar justamente este sentimento para criança, que é o de libertação
no ato de imaginar.
A grande crítica de Benjamin (2004) à sociedade é que os homens do
mundo moderno, após a revolução industrial, transferiram a lógica das relações
dos adultos para o brinquedo. A inovação na fabricação de brinquedos com a
preocupação de vendê-los, e o uso de novos materiais com a preocupação de
produzi-los em massa, ou seja, de produzir capital, fizeram com que os
brinquedos ganhassem patentes, e que seu sinônimo de diversão fosse poder
comprá-lo. O que antes os adultos jogavam fora para de chamar a atenção da
criança; como um pedaço de madeira, uma caixa velha, um cabo de vassoura,
uma espiga de milho, etc. Até mesmo os adultos que antes brincavam com esses
materiais rudes quando crianças, agora passam a olhar com estranheza para a
forma como concebiam a atividade de brincar. Este é o homem moderno.
Segundo Benjamin (2004), é comum a seguinte situação; “‘Já não se tem mais
isso’, ouve-se com freqüência o adulto dizer ao avistar um brinquedo. Na maior
parte das vezes isso é mera impressão dele, já que se tornou indiferente a essas
mesmas coisas que por todo canto chamam a atenção da criança.” Há um
relacionamento profundo entre o mundo infantil e o adulto, é nesta relação que
acontece a educação, pois a criança não se educa sozinha. É preciso observar
28
a linguagem do mundo infantil, e as situações imaginárias do brinquedo nos
mostram muitas nuances de como se comporta a criança. Por isso, Benjamin
(2004, p. 86) argumenta que; “... jamais são os adultos que executam a correção
mais eficaz dos brinquedos – sejam eles pedagogos, fabricantes ou literatos -,
mas as crianças mesmas, no próprio ato de brincar.” Se observamos essa
situação, podemos muito bem entender a visão da realidade que a criança tem
a sua volta. Benjamin (2004, p. 87) dá um exemplo interessante sobre este
aspecto, dizendo que; “Uma vez extraviada, quebrada e concertada, mesmo a
boneca mais principesca transforma-se numa eficiente camarada proletária na
comuna das crianças.” Pensando de forma contemporânea, a criança pode
muito bem pegar uma boneca ‘Barbie’ e torná-la a boneca mais feia, ou a mais
suja de sua coleção. Porém, será que não olharíamos com espanto para tal
cena? A maioria das “Barbies” são bonitinhas, limpinhas e caras para serem
sujas ou quebradas e até mesmo deixadas de lado, eis uma situação provável.
Benjamin (2004) defende que a criança deve dominar a relação
brinquedo-criança. Para entendermos esta crítica, precisamos evidenciar a
forma como os brinquedos são produzidos. Assim sendo:
Quando no decorrer do século XVIII, afloraram os impulsos
iniciais de uma fabricação especializada, as oficinas chocaram-
se por toda parte contra as restrições corporativas. Estas
proibiam o marceneiro de ele mesmo pintar as suas
bonequinhas; para a produção de brinquedos de diferentes
materiais obrigavam várias manufaturas a dividir entre si os
trabalhos mais simples, o que encarecia sobremaneira a
mercadoria. (BENJAMIN, 2004, p.90)

No início da era industrial as fabricações passaram ser especializadas e


pertencerem a uma lógica de produção em massa, para atingir um sucesso
econômico. Foi o que aconteceu com o brinquedo, que antes era fabricado por
pequenas oficinas artesanais. Graças à produção em massa e a divisão do
trabalho os brinquedos ganharam um valor de mercadoria, então a venda de
brinquedos passou a ser feita por comerciantes específicos. Que por sua vez,
vendiam brinquedos específicos também. Enfim, o que antes era considerada
como uma atividade de brincar, a construção do brinquedo com a própria criança,
deixou de ser no momento em que se criou a necessidade de que os brinquedos
já viessem prontos em prateleiras. O que antes os pais poderiam construir com
os filhos, passou a ser feito por especialistas da indústria de brinquedos. Assim,
29
o brinquedo antigo feito com materiais rudes, passou a ser visto com estranheza
pelos adultos que educam suas crianças. E a normalidade da brincadeira passou
ser comprada, a própria situação imaginária passou a ser vendida juntamente
com o brinquedo. A conseqüência deste fenômeno aparece claramente nas
palavras de Benjamin (2004, p. 91) ao dizer que; “Uma emancipação põe-se a
caminho; quanto mais a industrialização avança, tanto mais decididamente o
brinquedo se subtrai ao controle da família...” e dos educadores. Um brinquedo
completamente pronto e com situação imaginária comprada é emancipado da
criação da criança. Um exemplo muito comum é o brinquedo com várias versões,
ou seja, para brincar mais, a criança tem que ter (comprar) a versão ‘dois’ de
determinado brinquedo. O que faz o brinquedo é a situação imaginária. Porém,
quanto mais a industrialização controla a fabricação dos brinquedos, mais a
situação imaginária que antes era uma criação livre da criança, põe-se a serviço
da imitação do mundo adulto. Com isso, a própria atividade de brincar, que é
livre, fica refém desta situação.
Com estas observações Benjamin (2004, p.93) deixa claro que o mais
importante é deixar que a criança em uma situação imaginária da brincadeira
resolva seus conflitos, pois:
... talvez se possa esperar uma superação efetiva daquele
equívoco básico que acreditava ser a brincadeira da criança
determinada pelo conteúdo imaginário do brinquedo, quando,
na verdade, dá-se o contrário. A criança quer puxar alguma
coisa e torna-se cavalo, que brincar com areia e torna-se
padeiro... (BENJAMIN, 2004, p.93)

Então, em uma suposta lógica de relação: ‘Brinquedo-criança ou


Criança-brinquedo’, é evidente que a posição de Benjamin é dialética em que
prevaleça a possibilidade imaginária. Por conseguinte, podemos afirmar que
quanto mais o brinquedo imita, por si só (como vem sendo produzido) a lógica
das relações dos adultos, no caso de países capitalistas a lógica do capital e da
indústria, mas deixa de ser fruto da imaginação. O que é equivalente a
brincadeira é a criação e liberdade da criança, o que ultimamente vem perdendo
espaço para os brinquedos industrializados.
[...]

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