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No texto “O Tempo do Direito”, como o próprio nome sugere, Ost faz uma análise e

uma relação entre tempo e Direito. No subtítulo “Passados Compostos” o autor explica que a
memória é a primeira forma do tempo jurídico, memória esta que conta e até mesmo confere
um sentido para a existência da sociedade. Por meio da memória é que a sociedade tenta
responder questões fundamentais, como, por exemplo, “de onde vêm?”. Ou seja, o passado –
memorável – acaba por enraizar a identidade coletiva e, por conseqüência desta, uma
consciência coletiva.

Com base nessa necessidade de relembrar, guardar tal memória, para que a sociedade
não fique em uma eterna busca de sua identidade, o autor afirma que os juristas, desde
sempre, tiveram a missão de serem guardiões da memória social. Essa função de guardião que
o direito desempenha se desvalorizou, já que, como escreveu François Furet, nas sociedades
anteriores às democráticas, havia uma ligação natural à tradição e às sequências de gerações.
Já nas sociedades democráticas, há a tendência natural de esquecer o passado e renegá-lo a
cada geração. Sendo assim, a maior dificuldade do texto trata-se de falar sobre memória e
tradições quando o contexto social afirma que pode dispensá-los.

Portanto, essa primeira temporalidade jurídica, que envolve a memória, a primeira


vista se mostra um tempo simples de se abordar, mas depois se vê que é provável que esse
tempo simples jamais tenha existido. Esse passado é composto, pois é construído de maneira
ampla e escrito a partir do presente e das perguntas do presente. É composto, também, pois
pode-se identificar não menos que quatro dimensões: o tempo genealógico das fundações, o
tempo repetitivo das tradições, o tempo cronológico da história dos acontecimentos e o
tempo intemporal das invariantes jurídicas. Ou seja, interrogaremos memória, tradição,
fundação e genealogia.

No subtítulo “O Direito, escrivão da memória social” o autor afirma que, após ter
analisado o funcionamento da memória coletiva, deve-se analisar a maneira como o direito
assume, no cotidiano e em todos os domínios da vida coletiva, o papel de guardião social. Para
que se consiga entender a dimensão deste papel, Ost trata, primeiramente, sobre a hierarquia
das funções que o Direito assegura na sociedade, que seriam a orientação das condutas e a
resolução de conflitos. A primeira trata-se de responder às exigências da vida pública por meio
de normas de comando, já a segunda, trata-se de exprimir o Direito através de um julgamento
com caráter de autoridade. Ambas as funções estão associadas ao comando e implicam em um
tempo curto, ou seja, necessitam de execução imediata, não permitindo uma relação com a
memória.

É importante ressaltar que o direito só é comando em termos secundários, e que as


funções de orientação das condutas e de resolução de conflitos, derivam de um papel muito
mais essencial exercido pelo jurídico. Para o jurídico, antes de estabelecer as regras, normas,
leis, definir o que é proibido e permitido; é fundamental que se construa um quadro geral de
interação. O autor, quando trata de tal tema, faz uma analogia com o edifício, afirmando que,
antes de definir o uso das divisões do edifício, é preciso construí-lo, a partir da base. Essa
função é definida como instituinte e possui uma relação com o tempo totalmente diferente
das funções de comando já mencionadas, pois a função instituinte pressupõe tempo para que
possa produzir efeitos.
As ordens jurídicas utilizam de algumas técnicas para instituir a sociedade e conservar
os vestígios de sua memória. Uma dessas técnicas, observadas pelo autor, é a ação do direito
sobre a linguagem. O autor descreve a linguagem como um dos elos nacionais mais sólidos,
pois, estando de acordo que a língua é uma expressão da cultura, a mesma torna-se uma
forma importante de preservação do patrimônio nacional.

Outra maneira de preservar a memória consiste no trabalho de registro e difusão das


informações relativas aos fatos mais importantes da vida social. Simples registros como o de
leis, decretos, regulamentos, e até mesmo da vida privada, como nascimentos, falecimentos e
casamentos, são formas de uma conservação oficial que vêm a continuar e constituir a
autoridade pública no futuro. Essa lista de formas de memorização das informações úteis para
a sociedade é virtualmente infinita; e ao oficializar tais informações, o direito confere-lhes uma
credibilidade superior à da informação vulgar. Além disso, em certos casos, essa memorização
não consiste apenas em um registro de dados, mas sim na própria formação do dado
memorizado.

Da identificação de pessoas e coisas, passa-se ao exercício da função constitutiva-


memorizante, que é a atribuição dos estatutos e dos papéis correspondentes. Quando atribui-
se uma personalidade moral a determinado grupo, o direito acaba por definir um conjunto de
direitos e deveres, que é atribuído a esse papel recentemente definido. Ou seja, quando
consagra a qualidade de nacional a um indivíduo, o direito, ao mesmo tempo, atribui um
estatuto a ele. Sendo assim, faz-se a analogia que o direito é um encenador, que identifica os
atores e lhes atribui papéis. Quando faz tais atribuições de direitos e deveres, o direito
contribui, de maneira eficaz, para a estabilização dos ataques sociais e na garantia da
segurança jurídica, pois cada indivíduo passa a conhecer o lugar que ocupa dentro da
sociedade, bem como o papel das pessoas que com ele se relacionam.

Por fim, a contribuição mais essencial do direito para a fixação da memória social e
para a manutenção de uma tradição nacional, consiste na afirmação dos valores fundamentais
da coletividade. Esses valores estão afirmados da maneira mais clara na Constituição, de modo
positivo, e no Código Penal, de modo negativo.

Nos diversos aspectos abordados no texto, a respeito das contribuições do direito para
a constituição de uma memória social, é ressaltado que a ordem jurídica possui um caráter
seletivo, pois existem coisas que escapam à memória jurídica – o que consiste num fato
positivo, já que uma instituição que coloca tudo em memória torna-se inoperante. Relativo a
isso, o autor define que a organização da memória é, também, a organização do
esquecimento. Ou seja, o direito filtra o que é útil para a memória nacional e o que não o é,
pois o esquecimento de certos dados é a base estável dos dados memorizados e regularmente
rememorados pela instituição jurídica.
Pontifícia Universidade Cató lica do Rio Grande do Sul

Faculdade de Direito

VICTÓ RIA ZANK CARDOSO

FICHA DE LEITURA
OST, François. O tempo do Direito. Traduçã o de Maria Fernanda Oliveira.
Lisboa: Piaget, 1999. p.68-94.

Porto Alegre

2011

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