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DIREITO PENAL

AULA 1
Prof. Francisco Fadel

CONVERSA INICIAL

A convivência em sociedade nunca foi totalmente pacífica.

Em qualquer grupamento humano, independentemente da época (remota, contemporânea ou

moderna), sempre houve conflitos e entrechoques de interesses entre as pessoas, uns mais graves,

outros nem tanto.

Antes de o Estado existir juridicamente, esses conflitos eram solucionados por aqueles que

detinham o papel de maior importância, respeito e expressão, junto à coletividade, tais como o pajé, o
cacique, o guerreiro mais forte, numa tribo, bem como o religioso ou o ancião, noutros grupos

sociais.

Pois bem, criado e estruturado, o Estado atraiu para si o monopólio da justiça, e as pessoas acima

referidas, naturalmente, deixaram de exercer a função de julgadores. Desse modo, coube ao ente

representativo da coletividade, dentre outras funções, regulamentar a convivência entre os cidadãos,

bem como por meio de determinados agentes públicos (policiais, delegados, representantes do

Ministério Público, magistrados etc.), investigar os fatos graves ocorrentes no meio social e, sendo o

caso, aplicar a punição legalmente prevista e cabível aos transgressores da lei.

Nesse contexto, toma vulto o direito penal, ramo da ciência jurídica extremamente importante e,

de alguma forma, conhecido por todos.

Na presente aula serão abordados o conceito e funções do direito penal, sua relação com os

demais ramos do direito, suas fontes e classificação, bem como seus princípios fundamentais.

TEMA 1 – CONCEITO E FUNÇÕES DO DIREITO PENAL E BEM


JURÍDICO PENAL
1.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL

Masson (2020, p. 3) conceitua direito penal como “o conjunto de princípios de regras destinados
a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal.”.

Nucci (2020a, p. 1), em seu Curso de direito penal, de maneira mais ampla, esclarece que este

ramo do direito vem a ser “o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder

punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras
atinentes à sua aplicação”.

1.2 FUNÇÕES DO DIREITO PENAL

Várias teorias buscam identificar a função do direito penal. O certo é que esse ramo do direito

possui inúmeras funções, sendo a principal, de acordo com a maioria dos estudiosos, a de proteger os

bens jurídicos mais caros à sociedade, tais como a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio
(particular e público), dentre outros.

Assim, compreende-se que sua função é a de tutelar os “valores ou interesses reconhecidos pelo

Direito e imprescindíveis à satisfação do indivíduo ou da sociedade” (Masson, 2020, p. 8).

Mas não é só.

Sendo importante ramo do ordenamento jurídico, tem o direito penal, de acordo com várias
teorias, inúmeras funções, que descreveremos a seguir.

1.2.1 FUNÇÃO DE INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL

Como suas diretrizes têm caráter geral, o direito penal acaba figurando como elemento que

almeja alcançar a paz pública, entendida como a harmonia que deve existir entre os integrantes de

uma sociedade, porém é necessário observar que há outras instâncias de controle social (família,
escola, religião), as quais devem, necessariamente, preceder à atuação do direito penal, tendo em

vista o princípio da subsidiariedade, adiante analisado.

1.2.2 FUNÇÃO GARANTIDORA


Quando se sabe quais são os comportamentos considerados proibidos pela lei e, por isso,
puníveis criminalmente, acaba-se por criar um feixe de proteção ao cidadão, uma espécie de escudo

protetor, garantindo-lhe, ao menos em tese, a possibilidade de não vir a ser submetido à sanção
penal.

1.2.3 FUNÇÃO SIMBÓLICA

Sua função simbólica relaciona-se com a mente dos governantes e dos governados, pois, para os

primeiros, traz a sensação de terem realizado algo a fim de atingir a paz pública, sendo que os
segundos se baseiam na falsa premissa de que o problema da criminalidade está sob controle das

autoridades, o que normalmente não reflete a realidade. Existe aqui o direito penal do terror, que

encontra seu nascedouro na hiperinflação de leis desnecessárias e figuras penais inúteis, além de

apenamentos totalmente desproporcionais, tudo com o objetivo de incutir à sociedade a falsa noção

de um Poder Legislativo atento e de um Poder Executivo atuante.

1.2.4 FUNÇÃO MOTIVADORA

O direito penal estimula os indivíduos a não violarem suas normas, sob pena de impor-se uma

determinada sanção.

1.2.5 FUNÇÃO DE REDUÇÃO DA VIOLÊNCIA ESTATAL

Considerando que só devem ser criminalizadas condutas quando realmente necessário, pois a

imposição de uma punição (pena), mesmo que legítima, sempre representará uma ofensa à

coletividade.

1.2.6 FUNÇÃO PROMOCIONAL DO DIREITO PENAL

Para aqueles que comungam dessa corrente, o direito penal deve funcionar como um

instrumento para promover mudanças sociais importantes, auxiliando na evolução da sociedade.

1.3 BENS JURÍDICOS


O “termo bem indica, sempre, algo positivo, como um favor, uma benesse, um proveito ou uma
ventura” (Nucci, 2020b, p. 78, grifo no original).

Há bens tutelados pelo direito, pois considerados essenciais à coexistência em sociedade (vida,

integridade corporal, honra, liberdade, patrimônio etc.), sendo, então, elevados à categoria de bens

jurídicos, justamente por demandarem maior proteção e cuidado por parte do Estado.

Como explicam Estefam e Gonçalves (2020, p. 206), Carl Binding

já no final do século XIX, trouxe a questão a um ponto que até hoje constitui, em grande parte, um

consenso, ao defender que ao Direito Penal incumbe o dever de proteger bens jurídicos. Para ele, o
bem seria o interesse juridicamente tutelado e a norma, o meio (eficaz) para sua proteção, em face

da ameaça da pena.

Noutro giro, é interessante notar, considerando a incidência do relevante princípio da

intervenção mínima, que nem todos os bens jurídicos merecem a proteção do direito penal, somente,

como afirmado, os mais importantes, aqueles considerados bens jurídicos-penais.

Por fim, ainda nos arvorando nos ensinamentos de Estefam e Gonçalves (2020, p. 207, grifo
nosso), traz-se a seguinte observação: “No novo milênio, partindo de uma visão constitucionalista do

direito penal, tendo em mente, ainda, seu caráter subsidiário e fragmentário, o bem jurídico não pode

ser outra coisa senão a expressão de um valor constitucional.”.

TEMA 2 – RELAÇÃO DO DIREITO PENAL COM OUTROS RAMOS DO


DIREITO

O direito penal, de alguma forma, se entrelaça com todos os ramos do ordenamento jurídico.

Nem poderia ser diferente, pois tão importante segmento legal, naturalmente, espraia seus efeitos a

longa distância. Por outro lado, sendo o direito uno, é fato que sua divisão em ramos atende mais a

uma função didática do que prática propriamente dita.

Vejamos quais os segmentos jurídicos mais úteis ao estudo e compreensão do direito.

2.1 DIREITO CONSTITUCIONAL

A Constituição é a lei suprema do Estado, assim as disposições penais devem, obrigatoriamente,

se amoldar a seus mandamentos. Além disso, inúmeros princípios basilares e institutos do direito
penal, ante sua importância, encontram-se expressamente previstos no corpo da Constituição Federal,
principalmente nos incisos do art. 5º, tais como os princípios da anterioridade da lei penal (XXXIX), da

irretroatividade da lei penal, da retroatividade da lei penal mais benigna (XL), da personalidade da pena
(XLV), de sua individualização e espécies (XLVI e XLVII) (Brasil, 1988). É importante notar que a CF/1988

traça as diretrizes a respeito do instituto da extradição de brasileiros e estrangeiros (art. 5º, LI e LII) e

estabelece a competência relativamente à fonte de produção da legislação penal, conforme art. 22, I

(Brasil, 1988).

2.2 DIREITO PROCESSUAL PENAL

É por meio desse ramo que se concretiza a aplicação do direito penal objetivo, em outras

palavras, o direito processual penal viabiliza, permite a incidência das normas que estabelecem as

condutas consideradas ilícitas àqueles que as infringiram, possibilitando, assim, a aplicação do jus

puniendi estatal. Na lição de Prado (2008, p. 61):

enquanto o Direito Penal enumera condutas puníveis e as respectivas sanções, o Direito Processual

Penal disciplina o processo, isto é, a atividade desempenhada pelos órgãos estatais com o escopo
de estabelecer se a lei penal foi violada e qual pena deve ser imposta ao autor dessa transgressão,

fixando a forma, os meios e os termos dessa atividade.

Por outro lado, o próprio Código Penal dispõe sobre a ação penal e institutos afins (arts. 100 a

106), todos com estreita relação com o direito processual penal (Brasil, 1940).

2.3 DIREITO CIVIL

Inúmeros institutos do direito civil são tutelados também pelo direito penal e com ele se

relacionam. Assim ocorre com a família no crime de bigamia (art. 235), a posse (art. 161, II) e o
patrimônio (arts. 155, 157) (Brasil, 1940). Ainda definições coletadas no direito civil, tais como

casamento, cônjuge (arts. 1.514, 1.517, respectivamente) (Brasil, 2002) são trazidas ao direito penal a

fim de corretamente se fazer a interpretação e aplicação dos tipos penais.

2.4 DIREITO ADMINISTRATIVO

A lei penal é aplicada por meio da atuação de agentes administrativos, dentre os quais

magistrados, integrantes do Ministério Público, delegados de polícia, serventuários da Justiça, dentre


outros, além do que as sanções penais (penas e medidas de segurança) são cumpridas em

estabelecimentos públicos, vinculados e geridos pela administração pública. Noutro giro, os ilícitos

que vitimizam a administração pública encontram-se tipificados no Código Penal, sendo objeto dos
arts. 312 a 350 daquele diploma (Brasil, 1940).

2.5 DIREITO TRIBUTÁRIO

Relaciona-se com o direito penal, principalmente, quando trata dos crimes tributários. Os crimes

contra a ordem tributária, previstos na Lei n. 8.137/1990, compreendem o que se convencionou


chamar de direito penal tributário.

2.6 DIREITO DO TRABALHO

Principalmente no que se refere aos denominados crimes contra a organização do trabalho,

previstos no Código Penal, arts. 197 a 207 (Brasil, 1940), bem como os efeitos que a sentença penal

gera na seara trabalhista (CLT, arts. 482, “d” e parágrafo único, e 483, “e” e “f”) (Brasil, 1943).

TEMA 3 – CIÊNCIAS AUXILIARES DO DIREITO PENAL, DIREITO


PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO

3.1 CIÊNCIAS AUXILIARES DO DIREITO PENAL

Há determinadas ciências que, com seu campo de atuação, complementam, traduzem e ampliam

os horizontes do direito penal (e também do direito processual penal), agregando informações e

subsídios ao estudo e desenvolvimento deste fundamental ramo do direito, bem como podem

funcionar como valioso elemento para a elucidação de infrações penais. Descreveremos cada uma

dessas ciências a seguir.

3.1.1 CRIMINOLOGIA

Trata-se de ciência causal-explicativa que se ocupa com o estudo do delito como fato social e,

bem por isso, analisa o delinquente, a vítima, os fatores internos e externos que levam à prática do

delito, bem como as maneiras de se exercer o controle social, a fim de evitar o cometimento de novas

infrações. Grosso modo, pode-se afirmar que a criminologia estuda o binômio delito-delinquente
numa interação de causa e efeito. Assim, direito penal e criminologia estudam o mesmo instituto/fato,
no caso o crime, porém sob enfoques diferentes.

3.1.2 ANTROPOLOGIA CRIMINAL

Oriunda da criminologia, também é chamada de biologia criminal e objetiva esclarecer a gênese

do delito tendo por base as características fisiopsíquicas do delinquente em associação com

elementos externos. Seu maior expoente foi Cezar Lombroso, médico italiano que escreveu, em 1875,

a obra L’uomo delinquente;

3.1.3 SOCIOLOGIA CRIMINAL

Também originária da criminologia, estuda o delito como fenômeno social e seu método é o

estatístico. Seu maior expoente foi Enrico Ferri.

3.1.4 VITIMOLOGIA

Ciência que busca estudar a contribuição da vítima para a ocorrência do fato criminoso. O art. 59

do Código Penal impõe ao juiz, quando da fixação da pena-base, considerar, dentre outros fatores, o

comportamento da vítima no que tange ao resultado danoso ocorrido. Sustentam alguns que há

pessoas que ostentam características de vítimas natas (Brasil, 1940).

3.1.5 POLÍTICA CRIMINAL

Trata-se de forma crítica de pensar e auxiliar a construção do Direito Penal. Estrutura-se em

considerações filosóficas, sociológicas e políticas para propor as alterações pertinentes ao sistema


legal vigente. Em seu Manual de direito penal, Nucci (2020b, p. 75) define a política criminal como

“uma maneira de raciocinar e estudar o direito penal, fazendo-o de modo crítico, voltado ao direito

posto, expondo seus defeitos, sugerindo reformas e aperfeiçoamentos”.

3.2 DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO

Direito penal objetivo vem a ser o corpo de leis que materializa o direito penal ou, em outras

palavras, conforme Estefam e Gonçalves (2020, p. 59, grifos do original), o “conjunto de normas
(princípios e regras) que se ocupam da definição das infrações penais e da imposição de suas

consequências (penas ou medidas de segurança”.

O direito penal subjetivo se caracteriza no direito de punir do Estado, ou seja, praticada uma

infração penal, surge para o Estado o direito de, apurada e reconhecida a responsabilidade do agente,
aplicar a sanção adequada.

Conforme Estefam e Gonçalves (2020, p. 59, grifos do original), fato é que o direito penal

subjetivo se divide em

direito de punir em abstrato ou ius puniendi in abstracto e direito de punir em concreto ou ius

puniendi in concreto. O primeiro surge com a criação da norma penal e consiste na prerrogativa de
exigir de todos os seus destinatários que se abstenham de praticar a ação ou omissão definida no

preceito primário. O segundo nasce, de regra, com o cometimento da infração penal; por meio dele,
o Estado passa a ter o poder-dever de exigir do infrator que se sujeite à sanção prevista no tipo

penal.

Fato é que o direito penal subjetivo encontra limitações no direito penal objetivo.

TEMA 4 – FONTES DO DIREITO PENAL

Fonte, em sentido comum, implica a ideia de lugar de em que se origina alguma coisa.

Juridicamente vem a ser o local de onde provém a norma jurídica. Fonte do direito penal é o local de
onde ele se origina. Por outro lado, sabe-se que a fonte remota e originária da norma jurídica é a

consciência do povo num dado momento de seu desenvolvimento histórico.

Em direito penal, as fontes podem ser classificadas em materiais (ou substantiva ou de produção)

e formais (ou de cognição ou de conhecimento).

4.1 FONTE MATERIAL, SUBSTANTIVA OU DE PRODUÇÃO

Refere-se à origem do direito penal, mais especificamente ao órgão encarregado de sua

elaboração (por isso fonte de produção). Assim, o Estado, vale dizer, a União Federal vem a ser a fonte

de produção do direito penal, conforme se percebe da redação do art. 22, I, da CF/1988 (Brasil, 1988).

Confira-se o teor da Súmula 722 do STF: “São da competência legislativa da União a definição dos
crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”
(Brasil, 2003).

4.2 FONTES FORMAIS (OU DE CONHECIMENTO OU DE COGNIÇÃO)

Equivalem aos processos de exteriorização do direito penal, que lhe conferem publicidade. São

formas pelas quais ele se revela. Podem ser:

fonte formal imediata: é a lei, de forma genérica;

fontes formais mediatas: são os costumes e os princípios gerais do direito.

Ainda como fonte formal mediata inserem-se as Súmulas Vinculantes – e outras súmulas dos

Tribunais Superiores – porque não geram o direito diretamente, mas fornecem meios adequados para

a sua interpretação. A súmula vinculante traduz-se em formato de interpretação obrigatória, o que

não retira o seu caráter de fonte mediata.

TEMA 5 – PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Princípios, conforme esclarece Masson (2020, p. 19, grifos no original),

os valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico.” Mais à frente,
informa que os princípios, tal qual vetores, “têm a função de orientar o legislador ordinário, e

também o aplicador do direito penal, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a
imposição de garantias aos cidadãos.

Encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal, sendo certo, porém, que nem

todos os princípios se encontram expressamente dispostos no texto da Carta Magna. Bem por isso se

diz haver princípios penais-constitucionais expressos e implícitos, os quais são dirigidos a todos

aqueles que têm vínculos com o sistema penal.

Vejamos, dentre a enorme gama de princípios existentes, aqueles que são considerados os mais

relevantes no âmbito do direito penal.

5.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA ESTRITA LEGALIDADE


De acordo com a CF/1988, art. 5º, XXXIX e art. 1º do Código Penal, “não há crime sem lei que o

defina; não há pena sem prévia cominação legal” (Brasil, 1940; 1988). Trata-se de cláusula pétrea.

Segundo seu postulado, uma conduta, vale dizer, um comportamento humano, somente poderá ser
considerado criminoso e, assim, passível de punição, caso esteja formal e previamente descrito na

legislação, de maneira abstrata. Ou seja, somente a lei em sentido estrito (lei ordinária e lei
complementar) pode criar infrações penais (crimes e contravenções) e a(s) respectiva(s) punição(ões).

Sua origem mais segura encontra-se na Magna Carta do Rei inglês João Sem Terra, criada em
1215, na qual, em seu art. 39, estabelecia que nenhum homem livre poderia ser submetido à pena

sem que houvesse prévia lei em vigor. Porém, o princípio se converteu em verdadeira exigência a

partir da Revolução Francesa (14 de julho de 1789).

Desenvolvido pelo jurista Paul Johan Anselm Ritter von Feuerbach, em 1810, tem como

fundamento político a proteção do ser humano contra o arbítrio do Estado no exercício de seu poder

punitivo e é representado pela expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege.

5.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Segundo a CF/1988, art. 5º, XXXIX e Código Penal, art. 1º, “não há crime sem lei anterior que o

defina; não há pena sem prévia cominação legal” (Brasil, 1940; 1988). Para que um comportamento

humano possa ser considerado ilícito penal e, dessa maneira, estar passível de sofrer uma pena, é

imperioso que o fato tenha sido praticado depois de a lei ter entrado em vigor. Ora, a lei penal

produz efeitos a partir da data em que entrar em vigor, não devendo ser aplicada a fatos já ocorridos,

salvo se for para beneficiar o agente.

5.3 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA ANALOGIA IN MALAM PARTEM

Tem estrita derivação do princípio da legalidade e proíbe que determinados fatos, não descritos

previamente junto à legislação sejam, por critério de semelhança, aproximados, vale dizer, adequados

a outros. A analogia somente pode ocorrer para beneficiar o agente acusado da prática de um ilícito
penal, jamais para puni-lo.

5.4 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS SEVERA


Conforme a CF/1988, art. 5º, XL e o art. 2º, parágrafo único do Código Penal, se, após o
cometimento do delito a conduta praticada pelo agente for objeto de nova lei, na qual a reprovação

penal seja mais severa, tem-se que referido diploma não poderá ser aplicado, prevalecendo a lei
inicial, mesmo que já revogada (Brasil, 1940; 1988).

Da mesma forma, se durante a apuração do fato criminoso lei mais benéfica é editada, esta passa

a valer e será aplicada, projetando-se para o passado.

Por fim, se após a condenação do agente, cuja sentença já tenha transitado em julgado, for
promulgada lei que o beneficie, esta terá sua aplicação ao caso concreto, conforme preceitua o

parágrafo único, do art. 2º, do Código Penal (Brasil, 1940).

5.5 PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE

Nem todo o ilícito jurídico será um ilícito penal. O direito penal não protege todos os bens

jurídicos de violações, somente os mais importantes e, dentre estes, não tutela todas as lesões,
intervém somente nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento, vale dizer, uma parcela

dos interesses jurídicos.

5.6 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Ao reconhecer a forma drástica como o direito penal se manifesta na repressão aos ilícitos

praticados, preconiza que sua aplicação somente deve ocorrer em casos excepcionais, como um

último recurso do ordenamento jurídico, quando as demais instâncias de controle social se mostrarem

falhas. Dessa forma, o direito penal somente deve intervir quando os demais ramos do Direito não

conseguirem prevenir a conduta ilícita.

5.7 PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE

O direito penal só deve ser aplicado quando a conduta praticada ofender ou ameaçar de ofensa

um bem jurídico, não bastando que seja imoral ou pecaminosa. Por outro lado, o direito penal deve

encontrar real delimitação no âmbito legislativo e no jurisdicional.

5.8 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU DA BAGATELA

EXCLUI A TIPICIDADE
Surgiu inicialmente no direito romano e foi incorporado ao direito penal somente na década de

1970, por obra do jurista Claus Roxin, para quem se entende que devem ser consideradas atípicas, ou

seja, não criminosas, as ações ou omissões que afetarem infimamente um bem jurídico penal. Assim,
somente lesões jurídicas de certa gravidade caracterizariam a adequação típica e, dessa forma, a

incidência das normas penais. Tem a natureza jurídica de causa de exclusão da tipicidade, por
exemplo, furto de objeto material insignificante, dano de pequena monta, lesão corporal ínfima.

5.9 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA

O direito penal atual encontra, como principal fundamento para a aplicação de punição, a culpa.

Noutro giro, a responsabilidade penal sempre dependerá da configuração do dolo ou da culpa do

agente envolvido no fato considerado delituoso. Ninguém pode ser punido em decorrência do

comportamento praticado por outrem – não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa).

Decorrência processual do princípio acima é o fato de que incumbirá à acusação o ônus de provar

que tenha o réu praticado a infração penal.

5.10 PRINCÍPIO DA HUMANIDADE

A CF/1988, art. 5º, III e XLIX, decorrente da dignidade da pessoa humana (CF/1988, 1º, III – um

dos fundamentos da República Federativa do Brasil), determina que o réu deve ser tratado com a

urbanidade exigível a toda pessoa humana, seja antes da instauração do processo, durante seu

trâmite e mesmo após, quando sobrevier a execução da pena. Abarca também a impossibilidade,

imposta ao legislador, de criar tipos penais ou a cominação de penas que violem a incolumidade física

ou moral de alguém.

5.11 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA PENA OU PRINCÍPIO DA


PROIBIÇÃO DO EXCESSO

Determina que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. A pena não pode ser
superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Em outras palavras, deve haver uma

proporção entre a conduta praticada pelo agente e a punição dela decorrente. Referida proporção

deve se dar no âmbito legislativo (quando se cria o dispositivo legal) e na esfera judicial (quando o

magistrado aplica a pena). O art. 59 do Código Penal traz oito circunstâncias que devem ser
consideradas pelo magistrado no momento da fixação da pena-base (Brasil, 1940). Aqui se mostra
uma aplicação concreta do princípio da proibição do excesso.

5.12 PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU DA ISONOMIA

Conforme a CF/1988, art. 5º, caput, todos são iguais perante a lei penal, não podendo as pessoas
(nem os delinquentes) serem discriminados em razão de sua cor, sexo, religião, etnia etc. Além disso,

é imperioso que se tenha como postulado a obrigação de tratar igualmente aos iguais, e

desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades. O tratamento paritário decorrente da


aplicação do princípio deve ser dispensado pelo julgador e também pelo legislador.

5.13 PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM

Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Com base neste princípio o Superior

Tribunal de Justiça editou a Súmula 241, assim redigida:” A reincidência penal não pode ser

considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial” (Brasil,

2000). O princípio irradia efeitos em duas esferas:

penal material: ninguém pode sofrer duas penas em face do mesmo delito;

penal processual: ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato, salvo

se as ações penais tramitarem em searas diferentes (por exemplo, justiça comum e justiça

militar).

5.14 PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE OU DA INTRANSCENDÊNCIA

De acordo com o art. 5º, XLV, da CF/1988, somente o autor do delito pode ser apenado.

Ninguém pode ser punido por fato praticado por outrem, vedando-se a aplicação de sanção em face

de conduta criminal alheia.

5.15 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Conforme a CF/1988, art. 5º, XLVI, o princípio da individualização da pena orienta o legislador, o

julgador e o administrador. Compete ao legislador indicar qual(is) a(s) sanção(ões) cabível(eis) ao caso

concreto, indicando sua qualidade e quantidade mínima e máxima; noutro seguimento, cabe ao
magistrado analisar o caso concreto e estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovar e
prevenir o crime; por fim, cumpre ao administrador cuidar para que a punição seja cumprida da

maneira mais adequada, tendo em vista às finalidades da pena. O princípio foi utilizado pelo STF
como fundamento quando, em relação à lei dos crimes hediondos (Lei n. 8.072/1990) e declarou

inconstitucional o dispositivo que vedava a progressão do regime de cumprimento de pena. O


julgador deve fixar a pena conforme a cominação legal e determinar a forma de sua execução.
PROGRESSÃO DO REGIME = REGIME MENOS
SEVERO.

5.16 PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO

Masson (2020, p. 51) traduziu de maneira muito feliz o significado do princípio em estudo:

O direito penal se destina à tutela de bens jurídicos, não podendo ser utilizado para resguardar

questões de ordem moral, ética, ideológica, religiosa, política ou semelhantes. Com efeito, a função
primordial do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais para a preservação e o

desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

5.17 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Sustenta que não se pode considerar criminosa um comportamento tolerado pela sociedade, por

mais que referido comportamento se enquadre em uma descrição típica (tenha tipicidade). Por mais

que a conduta se amolde a um tipo penal incriminador, fato é que, apesar de formalmente típica, é

materialmente atípica, pois estão (as condutas) em harmonia com o meio social. Não se pode

esquecer que o direito (e em especial o direito penal) é uma ciência que acompanha o grau cultural e

de desenvolvimento da sociedade.

NA PRÁTICA

Considerando o princípio da fragmentariedade, segundo o qual nem todo ilícito jurídico será

necessariamente um ilícito penal, aliado ao princípio da subsidiariedade, que advoga que o direito

penal somente deverá compor a questão quando outros ramos do direito não o fizerem de forma

satisfatória, em 2005, por meio da edição da Lei n. 11.106/2005, inúmeros tipos penais incriminadores

que se encontravam encartados no Código Penal foram revogados, dentre eles o que definia o crime

adultério (art. 240, CP) (Brasil, 1940). Entendeu o legislador (em boa hora), que deveria revogar o

dispositivo do Código Penal, vez que o direito civil já resolvia a questão de forma satisfatória, além do
que, ao direito penal deveriam ser reservados, para seu âmbito de incidência, somente os
comportamentos mais graves ocorrentes no seio social.

FINALIZANDO

Nesta aula, por meio de uma breve introdução às premissas do direito penal, restou claro, tendo
em vista sua conceituação, que este tem por missão combater a prática de crimes e contravenções,

prevendo a quantidade e qualidade da punição aplicável ao caso concreto.

Salientou-se que esse ramo do direito possui inúmeras funções, dentre elas a de atuar como

instrumento de controle social: pois quando as demais instâncias de controle (família, escola,

religião) falham, compete ao direito penal solucionar o litígio;

garantidora: pois, ao definir e estabelecer previamente quais são os comportamentos

considerados contrários à lei penal, acaba por proteger o cidadão, pois limita o poder punitivo

estatal;

simbólica: dirigida ao pensamento de governantes e governados, pois, para os primeiros, o


direito penal traz a sensação de terem cumprido sua função no afã de atingir a paz pública e

quanto aos segundos, por partirem da equivocada premissa de que o problema da

criminalidade está sob controle das autoridades, o que normalmente não reflete a realidade.

motivadora: porque estimula o indivíduo a não cometer ilicitudes, haja vista a consequência

(punição) decorrente;
cumpre-lhe reduzir a violência: pois a pena só deve ser aplicada quando realmente necessário,

haja vista materializar uma atitude hostil perante o meio social;

realizar sua promoção: tal qual um instrumento a promover evolução e desenvolvimento na

sociedade.

Conceituou-se bem jurídico penal, esclarecendo que não pode ser outra coisa senão a expressão

de um valor constitucional, caro à sociedade, cuja proteção demanda especial atenção por parte do

Estado, tamanha sua importância.

A seguir, demonstrou-se a relação do direito penal com outros seguimentos jurídicos, seus

pontos de contato e harmonia, abrangendo, também, as ciências penais auxiliares (criminologia,

antropologia, vitimologia e política criminal).


Foi esclarecido que a expressão direito penal objetivo exprime o ordenamento jurídico do Estado,

a própria legislação ao passo que a locução direito penal subjetivo relaciona-se com o poder-dever

que o Estado possui de aplicar a punição a quem transgrediu os postulados penais.

Adiante, elucidou-se que o direito penal possui duas espécies diferentes de fontes, ou seja, local
de onde se origina, de onde provém:

fonte material ou de produção: a União Federal;

fontes formais, de conhecimento ou de cognição: que exteriorizam, dão publicidade e


visibilidade ao Direito, podendo ser dividas em fonte formal imediata (lei) e fonte formal

mediata (costumes e princípios gerais do direito).

Por fim, foram pontuados princípios constitucionais implícitos e explícitos, fundamentais ao

direito penal, com breve explicação de seus efeitos e hipótese de incidência no caso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder

Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988.

_____. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,

Brasília, DF, 31 dez. 1940.

_____. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, 9 ago. 1943.

_____. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília,

DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 722, de 26 de novembro de 2003. DJ, 9 dez. 2003.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Súmula 241, de 23 de agosto de 2000. DJ, 15 set. 2000.

CUNHA, R. S. Direito penal – parte geral. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

ESTEFAM, A.; GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado – parte geral. 9. ed. São Paulo:

Saraiva, 2020.

MASSON, C. R. Direito penal – parte geral. 14. ed. São Paulo: Método, 2020. v. 1.
NUCCI, G. S. Curso de direito penal – parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

_____. Manual de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro – parte geral. 8. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008. v. 1.

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