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inédito

A Constituição Federal de 1988 e o princípio


da solidariedade como instrumentos de
realização da dignidade humana1

Wagner de Souza Berton2

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais: contextualizando e delimitando o tema. 2.


Notas acerca dos Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3.
Fundamentos do princípio da solidariedade e da não-solidariedade. 4. O princípio
da solidariedade e a dignidade humana. 5. Conclusão. 6. Referências
bibliográficas.

RESUMO
A Constituição Federal brasileira promulgada em 1988 elencou o princípio da dignidade
da pessoa humana como um valor supremo e universal, servindo de referência para os
demais princípios. Isto ocorreu num fenômeno chamado constitucionalização do Direito,
onde a Constituição passa a receber fundamental destaque na ordem jurídica,
juntamente com seus direitos fundamentais. Nesta toada, o princípio da solidariedade
recebe o status de princípio fundamental neste processo de constitucionalização,
passando a atuar como um elemento ético de vigilância da comunidade. A questão que
se põe é: pode este princípio fomentar o desenvolvimento da dignidade humana?
Acredita-se que sim, pois o comportamento solidarista desempenha papel fundamental

1
Artigo apresentado como trabalho final da disciplina de CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO
PRIVADO, ministrada pelo Prof. Dr. JORGE RENATO DOS REIS.
2
Wagner de Souza Berton é Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e Mestrando em Direitos Humanos na
Universidade do Minho em Portugal, sob regime de dupla titulação, possui Graduação em Direito
pela Faculdade Meridional - IMED, com ênfase em Direito Empresarial. Integrante do Projeto de
Pesquisa: Os desafios para a concretização de uma educação voltada aos direitos humanos:
Considerações, obstáculos, propostas; do Programa de Pós-graduação em Direito - Mestrado e
Doutorado da Unisc, coordenado pelo professor Pós-Doutor Clovis Gorczevski. Atualmente é
servidor público militar e professor. Endereço eletrônico: wsberton@hotmail.com.
em tempos de individualismo exacerbado, colaborando não só para a realização da
dignidade humana, mas também para a realização da Democracia.
Palavras-Chave: Constituição Federal, solidariedade, dignidade humana.

RESUMEN
La Constitución Federal de Brasil, promulgada en 1988 ha incluido el principio de la
dignidad humana como valor supremo y universal que sirve de referencia para los demás
principios. Este fue un fenómeno llamado constitucionalización del derecho, cuando la
Constitución recibirá la clave resaltada en el sistema legal, junto con sus derechos
fundamentales. En esta melodía, el principio de solidaridad recibir el rango de principio
fundamental en este proceso constitucional y ahora opera como un elemento ético de
supervisión de la comunidad. La pregunta que surge es: ¿puede este principio fomentar
el desarrollo de la dignidad humana? Se cree que sí, por simpatizar comportamiento
juega un papel clave en tiempos de individualismo exacerbado, contribuyendo no sólo a
la realización de la dignidad humana, sino también para la realización de la democracia.
Palabras clave: Constitución Federal, la solidaridad, la dignidad humana.

1. Considerações iniciais: contextualizando e delimitando o tema


A Constituição Federal brasileira surgiu em 1988 preocupada, sobretudo,
com a dignidade da pessoa humana sob um viés solidário. Com o fito de
contextualizar o princípio da solidariedade e a dignidade humana, mister se faz
situá-los dentro do ordenamento jurídico, notadamente após a promulgação da
Constituição Cidadã, já que esta inovou consideravelmente no que tange aos
direitos do ser humano.

A Constituição Federal consagrou em seu conteúdo o primado da


solidariedade, que pode configurar-se em uma importante ferramenta na busca
pela dignidade da pessoa humana. Inclusive, esta é a problemática da presente
pesquisa: com a promulgação da Constituição Federal de 1988, pode o princípio
da solidariedade colaborar com a realização da dignidade humana?

Adianta-se desde já, que a solidariedade é um dos meios possíveis para se


realizar a dignidade da pessoa humana, vez que a dignidade humana só se
realiza inteiramente sob uma perspectiva coletiva do individuo agindo em
solidariedade recíproca.

Para tanto, far-se-á primeiramente uma breve abordagem acerca dos


direitos fundamentais, para, então, situar o princípio da solidariedade e a
dignidade humana dentro do ordenamento jurídico.
2. Notas acerca dos Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988

Para se adentrar no tema ora em foco, pertinente se faz uma


contextualização dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, já que
abordar-se-á a questão da solidariedade e da dignidade humana perante a ordem
constitucional, temas de grande relevância jurídica na atualidade.

Como se sabe, a Constituição Federal tem um papel fundamental em todo


o ordenamento jurídico, representando muito mais que mera limitadora da
legislação infraconstitucional e amparo para interpretações do sistema legal. A
Carta Magna aponta também as diretrizes principiológicas de avaliação dos atos,
das atividades e dos comportamentos (PERLINGIERI, 2008).

A Lei Maior atua como uma luz de interpretação sobre os dispositivos


infraconstitucionais, regulando cada instituto jurídico. Assim, a Constituição não
pode ser interpretada conforme a lei ordinária, uma vez que este é objeto
daquela. Ou seja, não existe uma via hermenêutica de mão dupla, vez que utiliza-
se apenas o viés constitucional para interpretação de todo o ordenamento
jurídico.

Tal ordenamento perfaz-se numa estrutura una e complexa, onde os


princípios constitucionais possuem especial destaque como valores guias na
pluralidade de fontes jurídicas. Isto decorre que no Direito, não pode existir ramos
autônomos, fechados e independentes, pois do contrário, ter-se-ia juristas
especialistas em determinadas temáticas, porém apáticos ao todo complexo que
é a sociedade (PERLINGIERI, 2008).

Algumas consequências destes pressupostos teóricos podem ser


vislumbradas, como o reconhecimento de que o ser humano e seus direitos
fundamentais são uma vitória alcançada. A dignidade da pessoa humana deixa de
ser tutelada tão somente no plano do direito natural, para configurar o cerne do
Direito Positivo moderno. O plano do dever ser passa a ser complementado com
conteúdos morais, transformando-se em um verdadeiro positivismo ético
(CARDOSO, 2010).

Com a destruição em massa de pessoas, ocorrida na 2ª guerra mundial


pelo movimento nazista, houve um grande anseio por uma retomada e
fortalecimento de direitos individuais do homem. Deste anseio mundial, surgiu a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Organização das
Nações Unidas (ONU), em 1948.

Os direitos humanos, universais e invioláveis, passam a ocupar


gradativamente mais espaço nas Constituições contemporâneas, mas com o
nome de direitos fundamentais. E a incorporação dos direitos humanos na lei
constitucional, ocorreu de forma mais ágil nos países que justamente sofreram
com os regimes totalitários.

Com a incorporação destes novos direitos nas Constituições, há também


uma inovação no que diz respeito à extensão dos direitos, já que os direitos
clássicos de defesa eram limitados no ordenamento jurídico. Assim, os direitos
fundamentais se vestem com uma qualificação material e objetiva, tornando-os
aplicáveis em toda a ordem jurídica (CARDOSO, 2010).

Destarte, a Constituição se veste com uma nova importância no chamado


Estado Democrático de Direito, pois representa valores definidos por sua
comunidade no contrato social. A Constituição já não é mais simples poder contra
o liberalismo clássico, mas sim a verdadeira materialização de concepções
morais, políticas, comunitárias e humanas (CARDOSO, 2010).

Os direitos fundamentais se classificam na doutrina em gerações ou


dimensões do direito, e acerca desta temática, mister se faz uma breve distinção
entre as expressões “geração” e “dimensão”.

A doutrina adota o primeiro termo para situar um direito em determinado


período histórico. Contudo, considerável parte da doutrina tem preferido o
segundo termo (dimensão), pois este não possui a ideia de revogação da
primeira, mas sim a de que as dimensões de direitos estão em sintonia entre si e
se completam.
Daí que considera-se mais correto o termo “dimensão” para situar
cronologicamente os direitos fundamentais. Bobbio (1992) idealizou a clássica
divisão história dos direitos fundamentais em três dimensões.

A dimensão inicial de direitos aparece no jusnaturalismo do século XIII e é


composta pelos direitos de liberdade, possuindo por titular o individuo
isoladamente. Tais direitos são utilizados contra o Estado, ou seja, no sistema
liberal, o Estado devia omitir-se, competindo-lhe atuar apenas na segurança da
propriedade, não intervindo na esfera privada do individuo.

Os direitos de Segunda dimensão surgem no século XX juntamente com


a Revolução Francesa e com a aprovação, em 1789, da primeira Declaração dos
Direitos do Homem. Aqui estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que
passaram a integrar quase todas as Constituições surgidas após a Segunda
Guerra Mundial, exigindo do Estado um comportamento mais ativo na busca da
realização de tais direitos.

O trio de dimensões de direitos por Bobbio completa-se com os direitos de


Terceira dimensão no final do século XX, assentados sobre o prisma da
solidariedade e direcionados à humanidade. Tais direitos se relacionam com a
defesa do meio ambiente, consumidor e com o desenvolvimento econômico
sustentável, ou seja, são direitos coletivos (também são conhecidos como direitos
transindividuais homogêneos, metaindividuais ou difusos) (CARDOSO, 2010).

Os direitos fundamentais espraiam seus axiomas de maneira objetiva


para toda a ordem infraconstitucional. O que pode desencadear alguns conflitos
entre direitos fundamentais que estão em posição de igualdade. Tal embate
necessita de uma observação equilibrada por parte do julgador, que deve
ponderar os bens jurídicos envolvidos.

Desta forma, os direitos fundamentais possuem uma dupla peculiaridade:


por um lado são direitos subjetivos de liberdade, utilizados em face do Estado, de
outro lado, são direitos objetivos que possuem validade erga omnes no
ordenamento jurídico.
Em outras palavras, ocorre uma aplicação de direitos fundamentais de
caráter objetivo na sua totalidade, pois estes incidem com seus princípios em todo
o sistema legal (CRUZ, 2006).

Portanto, os direitos fundamentais integrantes no sistema jurídico,


acabam por possuir um campo fático de incidência mais amplo, já que se
qualificam objetivamente (PEREIRA, 2006).

Os direitos fundamentais, agora dotados de supremacia legal, se voltam


não apenas na proteção do individuo no direito privado, mas também como uma
maneira de frear o poder abusivo do Estado, atuando como uma verdadeira
garantia fundamental de proteção.

Outro aspecto relevante acerca dos direitos fundamentais é seu caráter


ampliado aos mais diversos entendimentos, o que implica por parte do judiciário o
uso da “proporcionalidade em sentido estrito”, a valoração e ponderação dos bens
jurídicos envolvidos no caso concreto (PEREIRA, 2006).

Como esta valoração se dá no plano do ser, não há uma resposta pré-


definida ou acabada. Esta está em constante alteração a fim de buscar a justa
aplicação dos direitos fundamentais, caso a caso, ainda mais pelo fato de a
sociedade ser mutável e dinâmica (BERTON, 2014).

Ainda neste contexto, os direitos fundamentais, considerados apenas


como direitos subjetivos contra o Estado, possuem forte concepção valorativa. Em
outras palavras, pode se dizer que os direitos fundamentais são uma verdadeira
ordem de valores universais e abstratos (CRUZ, 2006).

Esta universalidade e abstração dos direitos fundamentais ganha ainda


mais importância quando vinculadas a uma sociedade pluralista, onde não há
apenas uma ideologia presente, mas sim um universo de ideologias muitas vezes
contraditórias (BERTON, 2014).

Devido este caráter pluralista da sociedade moderna, não se deve


restringir a amplitude da hermenêutica constitucional, pelo contrário, a
interpretação hermenêutica deve estar em constante atualização a fim de manter-
se em sintonia com a volátil realidade contemporânea político-social ( PEREIRA,
2006).
3. Fundamentos do princípio da solidariedade e da não-solidariedade
Após uma breve explanação acerca dos direitos fundamentais na
Constituição Federal, importante delimitar a pesquisa dentro deste contexto. Ou
seja, discorrer-se-á sobre o princípio da solidariedade, temática ainda incipiente
na doutrina pátria.

A prática solidarista refere-se a uma nova forma, tanto jurídica, quanto


política, de pensar o Estado, a sociedade e o indivíduo. Certamente, foi com o
cristianismo que se deu o “ponta-pé” inicial na difusão de valores como igualdade
e fraternidade, notadamente na parte ocidental do mundo. Tais valores
enalteceram o ser humano enquanto titular de dignidade (CARDOSO, 2010).

A dignidade humana e as liberdades fundamentais são respeitadas


globalmente quando sua fundamentação é identificada universalmente, por
integrar um rol de valores comuns. Em outras palavras, os valores surgem
naturalmente na humanidade, em seguida alguns desses valores são positivados
em certos locais, depois, tornam-se direitos positivos universais.

A solidariedade, enquanto paradigma ideológico, foi formulada entre o


século XIX e o XX, notadamente por Pierre Leroux. Outros autores, como August
Comte, prestaram sua colaboração ao tema. Este autor enfatizava que é no
equilíbrio dos deveres que se conquista um espaço de liberdade coletiva. Para
Proudhon, a sociedade é um ser vivo que se equipara a um concerto em intima
solidariedade entre seus membros (FARIAS, 1998).

Importante observar que no final do século XIX, o termo solidariedade já


não m ais se confunde com “caridade” ou “filantropia”, mas sim com a idéia de
democracia a serviço da sociedade e Estado com função social. Parece um
paradoxo esta assertiva, contudo, estas duas tendências trilham o mesmo
caminho paralelamente, pois fazem parte do mesmo cenário social (FARIAS,
1998).

Estes elementos refletem no próprio indivíduo, que passa a ser visto como
um ser de direito a cumprir sua função social. Suas ações devem ser dirigidas a
um dever social, qual seja, a solidariedade social, já que seu próprio
desenvolvimento enquanto um ser, está vinculado ao funcionamento do sistema
social de solidariedade.

Note-se que a concepção individualista do ser humano migrou para uma


concepção solidária, de modo que o individuo apenas se completa vivendo em
sociedade sob um contexto de solidariedade (CARDOSO, 2010).

A solidariedade possui o condão de agrupar pessoas para o bem-comum


de um todo social. Porém esta ideia fraternal veio ocorrer tão somente com o
constitucionalismo social, quando os valores definidores dos direitos fundamentais
foram positivados.

O centro do paradigma solidarista é, sem dúvida, a dignidade da pessoa


humana, calcada nos princípios constitucionais fundamentais (CARDOSO, 2010).

O princípio da solidariedade foi positivado na Constituição de 1988, em


seu artigo 3º, inciso I: “Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]”.
Como visto, já no inicio da Carta Magna, o legislador fez constar como um dos
objetivos da República brasileira uma sociedade solidária, perfazendo disso um
Princípio Fundamental.

De fato, seguindo o primado solidarista que a Constituição estabelece,


estar-se-ia ao encontro de uma real democracia, como aponta Ávila: “o
Solidarismo é um sistema que leva a democracia às suas últimas conseqüências”
(1963, p. 20).

Para o autor, a solidariedade encontra sua maior força na comunidade:

A comunidade é a grande descoberta e a grande força do


Solidarismo. Este é portador da certeza inabalável de que, à
medida em que as comunidades-reais assumirem em suas mãos
os seus próprios destinos, através de seus representantes
legitimamente e honestamente escolhidos, haverá de realizar-se
numa democracia total, política, econômica e social (1963, p. 12).

Com efeito, acredita-se que todo o potencial transformador da


solidariedade virá da força comunitária. Entretanto, uma comunidade é feita de
pessoas, e cada uma delas deverá abster-se de comportamentos desviantes e
egoístas, em prol de uma solidariedade comunitária.

Cardoso (2010) aduz que o egoísmo assola a sociedade contemporânea,


onde o sofrimento alheio em nada influencia na maioria dos indivíduos.

É terrível constatar que nos dias de hoje, o sofrimento do outro


nada representa para a consciência da grande maioria dos seres
humanos. Reduzida a um mero incômodo visual, a miséria se
banalizou ao ponto de afastar o ser humano de ser humano,
tirando-lhe a consciência social que nos primórdios motivou a
criação da sociedade (p. 104).

Por óbvio, a ausência de solidariedade, muitas vezes decorre de atitudes


egoístas e individualistas, tendo o nosso próprio inconsciente instintivo como fonte
precursora. E assim, o homem é capaz de desconsiderar o próximo para
conquistar vantagens pessoais. Tal raciocínio encontra guarida na Teoria
Psicanalítica Clássica de Sigmund Freud (1933), o pai da psicanálise e na Teoria
do cérebro trino de Paul Mac Lean (1990).

Para Freud, o comportamento humano é o resultado do enlace de três


regiões psíquicas por ele encontradas: O Id, o Ego e o Superego.

O Id é a energia básica e primitiva do indivíduo, formada pela pulsão


instintiva pura, que deseja a todo custo, manifestar-se de forma prática no mundo,
de forma a satisfazer-se imediatamente e, assim, desenvolver-se. Este desejo
quando satisfeito, fornecerá prazer. "Nós chamamos de (...) um caldeirão cheio de
excitações fervescentes. [O id] desconhece o julgamento de valores, o bem e o
mal, a moralidade" (FREUD, 1933, p. 74).

Desejo e prazer formam um ciclo psíquico infindável. O desejo quer


satisfação imediata, gerando prazer quando seu objeto é alcançado, iniciando o
ciclo novamente. Como o Id está no plano da imaginação, seu objeto de desejo
pode ser qualquer coisa, necessitando de controle para que não inunde a
consciência.

O Ego situa-se em um nível intermediário entre o Id (imaginação) e a


própria realidade. O Ego está relacionado com a razão e a realidade, atuando
como um mediador entre o impulso instintivo do Id e o controle excessivo do
Superaego. Ele forma a personalidade do homem, tornando este único, individual.
Trata-se do “eu” em latim.

Já o Superego, mostra-se como a personalidade ética e social,


desenvolvendo uma função controladora em relação ao Id. Apresenta-se então,
como uma força moral que tem por objetivo a perfeição do plano ideal.

É da relação entre estas três estruturas psíquicas que temos a


personalidade do indivíduo. Esta dinâmica está fortemente baseada na questão
do instinto, definido na Teoria Psicanalítica “como uma representação psicológica
inata de uma fonte somática interna de excitação. A representação psicológica é
chamada de desejo, e a excitação corporal da qual se origina é chamada de
necessidade” (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000, p. 55).

O instinto influência diretamente o comportamento do indivíduo, ao


aumentar a resposta a determinado tipo de estímulo. Este fenômeno faz parte da
essência humana e não tem como escapar disso, pois “sempre podemos fugir de
um estímulo externo, mas é impossível fugir de uma necessidade” (HALL;
LINDZEY; CAMPBELL, 2000, p. 56). O instinto age diretamente no
comportamento, sendo um mecanismo movido por pura energia psíquica. O Id
apresenta-se como um reservatório de toda esta energia psíquica que dará
suporte à personalidade humana.

Na Teoria dos três cérebros (cérebro triúnico) de Mac Lean, o individuo


possui o cérebro reptilário (sede de agressão), o cérebro dos antigos mamíferos
(sede da inteligência e da emoção), finalmente o neocórtex cerebral (sede das
operações lógicas ditas racionais).

Segundo Mac Lean, não existe controle por parte do racional em relação
à emoção, mas hierarquias em constante alternação, onde em determinados
momentos, os desejos humanos mais asquerosos poderão dominar a inteligência
para a persecução de um fim específico.

[...] A nossa razão não controla a nossa afectividade e as nossas pulsões


mais profundas. E, efectivamente, este desequilíbrio permanente é, ao
mesmo tempo, fonte do que há de mais horrível (destruição, assasínio) e
do que há de mais belo (invenção, criação, poesia, imaginação). Se a
racionalidade controlasse tudo, deixaria de haver inventividade na
espécie humana (MORIN; CYRULNIK, 2004, p. 56).
Assim, a dinâmica da personalidade humana está toda voltada para um
comportamento anti-solidário e para a persecução de suas necessidades por
meio da interação com os objetos do ambiente exterior, mesmo que para isso, o
indivíduo tenha de passar por cima do seu semelhante.

Acredita-se que deva ser permanente tal controle por parte do próprio
individuo, mas especialmente por parte da sociedade, uma vez que o homem está
sujeito a render-se a seus instintos primitivos de possuir uma vida fácil e, com
isso, não se conteria em ter comportamentos não-solidários.

4. O princípio da solidariedade e a dignidade humana


Superada a contextualização da importância dos direitos fundamentais no
ordenamento jurídico, bem como a fundamentação do princípio da solidariedade,
encaminha-se a pesquisa apontando a solidariedade como ferramenta de
afirmação da dignidade humana.

Neste ínterim, afirma-se, o ser humano só pode existir efetivamente


enquanto uma peça de uma engrenagem maior, chamada de comunidade. O ser
humano é um animal social por natureza, onde só consegue desenvolver toda sua
humanidade na presença dos seus semelhantes (MORAES, 2008).

Outrossim, encaixando o ser humano na teoria geral dos sistemas de


Niklas Luhmann (1983), pode-se aferir que o individuo não é um ser
hermeticamente fechado ou isolado de outros indivíduos, uma vez que existem
acoplamentos estruturais, responsáveis por manter relacionamentos entre as
pessoas.

Destarte, a ideia autopoiética enclausurada ao próprio individuo não


prospera, uma vez que possui inúmeras brechas de contato com o ambiente que
o envolve (entorno) e com seus semelhantes. Tais aberturas são imprescindíveis
para se ter comunicação, para se viver em solidariedade e para fomentar aquilo
que une e separa vidas: igual dignidade para todos os seres humanos (MORAES,
2008).
O ser humano possui dignidade por si só, devido sua própria natureza
humana. Não se pode usá-lo como ferramenta para persecução de um fim, pois a
dignidade humana lhe confere ser um fim em si mesmo.

Acerca da temática, ensina Rodrigo Pereira:

O valor intrínseco que faz do homem um ser superior às coisas (que


podem receber preço) é a dignidade; e considerar o homem um ser que
não pode ser tratado ou avaliado como coisa implica conceber uma
denominação específica ao próprio homem: pessoa. Assim, o homem,
em Kant, é decididamente um ser superior na ordem da natureza e das
coisas (2004, p.96).

Desta forma, a dignidade humana aparece como um princípio universal,


incidindo em todos os seres humanos e norteando sub-princípios, como a
liberdade, a igualdade, etc.

Na realização da dignidade humana, há inúmeros caminhos, podendo ser


um deles a via solidária, na medida em que essa se constitui em um verdadeiro
Ponto de Arquimedes, conferindo o equilíbrio necessário às mazelas sociais que
rondam a sociedade.

A dignidade humana e a solidariedade perfazem um sistema maior,


denominado por alguns de Humanismo, tendo o ser humano como protagonista
insubstituível do bem comum.

Orides Mezzaroba define Humanismo nas seguintes palavras:

O termo humanismo, em regra geral, sintetiza toda uma corrente


de pensamento voltada para o homem, em favor do homem. O
pensamento humanista advoga a defesa de comportamentos
éticos morais voltados a liberdade de pensamento e de criação, a
fraternidade e a tolerância entre os diferentes, a institucionalização
de direitos voltados ao resguardo e ao respeito do bem-estar e da
dignidade da pessoa humana. [...] Assim, pode-se concluir que
todos os homens são iguais e são sujeitos dos mesmos direitos e
deveres fundamentais (2003, p. 59).

Nesta mesma senda discorre Rogério Gesta Leal acerca do caráter moral
do Humanismo, aduzindo que este independe da vontade do Direito ou do
Estado, pois atrela-se ao caráter ético, axiológico e à natureza humana (LEAL,
2003).
A teoria Humanista talvez congregue, então, a solidariedade e a dignidade
humana, já que ambas possuem o condão de aproximar realidades distintas, pois
“o que a solidariedade coloca em discussão é exatamente o confim da solidão do
ser indivíduo, reduz-lhe a imperatividade e, portanto, favorece aproximações
solidárias” (SCHELEDER; TAGLIARI, 2008, p. 6).

De fato, a solidariedade traz em seu bojo a reafirmação da dignidade da


pessoa humana, independentemente de qualquer previsão legal, pois o caráter
solidarista vem da essência humana. Ainda, consoante o ensinamento de Maria
Celina Bodin de Moraes, o princípio da solidariedade se volta à idealização de
uma vida digna para todos, sem pobreza e sem exclusão social (MORAES, 2008).

Enfim, o ordenamento jurídico é composto pela onipresença destes dois


princípios fundamentais: a dignidade humana e a solidariedade. Tanto a
solidariedade, quanto a dignidade da pessoa humana são elementos inseparáveis
para uma existência humana adequada.

5. Conclusão
A partir do acima exposto, ainda que de forma breve, observa-se a
constitucionalização do direito, onde as normas constitucionais não podem ser
desprezadas pela normativa infraconstitucional, bem como, que ao Estado cabe
não apenas a abstenção da violação dos direitos fundamentais, mas, também, a
proteção destes mesmos direitos.

Ainda em torno da Constituição Federal, constatou-se, também, que a


dignidade da pessoa humana tem papel importantíssimo na Constituição Federal
de 1988, assim como o princípio da solidariedade, podendo ser utilizado como
ferramenta de afirmação da dignidade humana.

Sobre a solidariedade, conclui-se que este princípio se manifesta nas


pequenas atitudes responsáveis do dia-a-dia, configurando-se em um sentimento
ético que vincula os seres humanos na busca por uma existência digna. A
solidariedade, não existe ao ser humano isolado de seus pares, pois é um
princípio essencialmente coletivo, implicando uma constante interdependência
social que é própria do indivíduo.
Portanto, nestes termos, a solidariedade sugere ao ser humano um agir
individual, porém numa ação combinada com um fim maior à coletividade, cujo
resultado traga vantagens tanto de ordem privada, quanto coletiva. Isto criará um
liame e um sentimento de cooperação entre os membros de uma comunidade e
fomentará uma existência humana com maiores índices de dignidade.

6. Referências bibliográficas
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Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, Brasília, 2008.
SOLICITAÇÃO DE PRORROGAÇÃO DE PRAZO

Eu, Wagner de Souza Berton, Mestrando do Programa de Pós-Graduação


Stricto Sensu em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e
Mestrando em Direitos Humanos na Universidade do Minho em Portugal, sob
regime de dupla titulação, venho através desta solicitar à Coordenação do
Programa de Pós-Graduação, prorrogação do prazo de entrega da dissertação,
para o dia 21/01/2015, nos moldes dos colegas Felipe França e Albano Teixeira.

A solicitação se justifica devido eu e meu orientador, professor Pós-Doutor


Clovis Gorczevski, ainda não termos definido a versão final do 2º e 3º capítulos da
dissertação, já que tivemos poucos encontros de orientação no último semestre.

Agradeço a compreensão.

Passo Fundo-RS, 10 de dezembro de 2014.

______________________________
Wagner Berton

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