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AS FACES DAS RESTRIÇÕES ÀS LIBERDADES INDIVIDUAIS SOB A

PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL

GT 7

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo versará acerca das restrições às liberdades na sociedade brasileira,


como também da figura do Estado ante toda a demanda da liberdade individual sendo uma
manifestação da legitimidade soberana do ser enquanto cidadão. Bem como, visando uma
abordagem da autonomia pública e privada do indivíduo a partir de aspectos democráticos
adquiridos com a tutela dos direitos fundamentais tão relevantes hodiernamente.

Desse modo, pode-se citar Celso Ribeiro Bastos 1 em que o mesmo denomina os direitos
fundamentais como “liberdades públicas” (BASTOS, 1999, p. 165). Todavia, ao tratar da
efetividade da condição individual de não se submeter a coerções, e das permissões que o
cidadão possui para exprimir sua própria natureza, tem-se uma certa utópica projeção desse
direito fundamental.

Destarte, é possível destacar que ao longo do desenvolvimento do constitucionalismo


liberal e com a estruturação do sistema civil law no Brasil, os conceitos de liberdade individual
e sua tutela foram sendo transferidos para o Estado como provedor de direitos diante da
necessidade de uma igualdade material a partir de um constitucionalismo social.

Entretanto, vale evidenciar as próprias restrições, que vão além das normativas por parte
do Estado brasileiro em nome da segurança, da coletividade, do controle social e de outros
aspectos que diante da lógica filosófica clássica apresenta-se como uma espécie de contradição
performativa2.

Ademais, enfatizando os direitos fundamentais no âmbito legislativo e sócio


democrático, a sua efetividade vai muito além do que propõe o seu conceito de atuação jurídica

1BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 165.
2Ocorre quando a própria declaração do argumento contradiz as afirmações as quais ele se propõe. Nesse caso
seriam os textos normativos infraconstitucionais do ordenamento que manifestam, muitas vezes oposição aos
princípios dos direitos fundamentais.
indispensável à pessoa humana. Dessa maneira, e devido a toda relevância atual dos mesmos
perante o ordenamento brasileiro, em que cinco capítulos da Carta Magna vigente são dedicados
a esses direitos e garantias fundamentais individualmente e coletivamente.

Vale destacar também, alguns preceitos dessas garantias supracitadas, que estão
juridicamente acima de qualquer ideal autônomo de liberdade, como a inalienabilidade,
irrenunciabilidade e principalmente a limitabilidade que nega qualquer caráter absoluto dos
mesmos em caso de colisão.

Diante tais precedentes dos direitos fundamentais e conforme sua historicidade pautada
na evolução social de conceitos humanos, o Brasil inovara com a Constituição Federal de 1988,
postulando-os antes mesmo de qualquer regulamentação de organização estatal enfatizando sua
relevância para a democracia. Mas também, a necessidade social de tais postulações envolve,
mais uma vez, aspectos históricos de violações, até mesmo legais, e da liberdade, em que
manifestara por ser recorrentemente maculada, como no período escravocrata brasileiro, ou no
ditatorial.

Outrossim, para que se traga à tona alguns princípios do individualismo liberal e da não
intervenção estatal, pode-se ressaltar também os “direitos negativos” (CANOTILHO, 2003, p.
57)3 como um conceito doutrinário abordado na perspectiva de direitos e garantias
fundamentais que têm como objetivo a abstenção do Estado ou de terceiros de violá-las.

Portanto, e visando especificar as restrições ocorrentes às liberdades fundamentais já


garantidas sob à égide da Constituição Federal de 1988, este artigo irá ponderar as violações
cotidianas na sociedade brasileira muitas vezes presentes até nos textos legislativos, enfatizando
aspectos jurídicos-penais e políticos-criminais em contraposição ao estirpe da condição humana
e constitucional de ser “livre” em sociedade e para com as responsabilidades públicas.

2. AS LIBERDADES INDIVIDUAIS SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS NO BRASIL

Mormente, é preciso destacar que a liberdade é inerente ao homem e concebida a ele


desde sua formação, e assim antecede a sociedade e as organizações de Estado. Pode-se dizer
também, que se caracteriza como a manifestação mais legitima do ser em seu âmbito social.

3CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3º edição. Coimbra: Editora
Almedina.1997, p.57
Ademais, a liberdade é imanente à natureza humana, e o Estado ao longo da história vem para
reconhecê-la, regulamenta-la e ao mesmo tempo restringi-la.

Desse modo e para que se aborde a questão das liberdades individuais ante à uma
afirmação mais precisa e segura dos direitos fundamentais na Constituição vigente, pode-se
ressaltar a presença de tais conceitos já em constituições anteriores, como na de 1934 4 com
quesitos democráticos centrados em tais garantias, e a de 1946 5, em que já previa em seu texto
legal aspectos de liberdade a serem assegurados, principalmente sua inviolabilidade de modo
similar à anterior.

Todavia, mesmo que tais preceitos já estivessem vigentes em um certo caráter


constitucional, a sociedade brasileira passara por momentos de extrema negação daquilo que já
se entendia por garantias fundamentais. Porquanto, é possível definir que a obrigatoriedade
normativa de respectivos direitos a partir de toda a especialidade e soberania da Constituição
Federal de 1988 é o resultado de uma maturação histórica e democrática do Brasil.

Por conseguinte, faz-se necessário afirmar as condições do que se entende por direitos
fundamentais, e pode-se enfatizar o que explica Rodrigo César Pinho:

Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à


pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência
digna livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente;
deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e
seus agentes. (PINHO, 2008, p. 69) 6

E assim, os mesmos possuem algumas concepções filosóficas justificadoras como


discorre Gilmar Ferreira Mendes:

Intenta-se estabelecer uma justificação filosófica que os torne


necessários e os reforce. Verifica-se, contudo, uma disputa de variadas

4 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil - (Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946 (Art. 141 - A Constituição assegura aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes[...])
6 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2008. p. 69
vertentes filosófico-jurídicas quando se trata de expor a razão definitiva
dos direitos humanos. (MENDES, 2018, p. 138)7

Em sentido formal, tem-se para os jusnaturalistas a visão de que as garantias


fundamentais do indivíduo advêm de imperativos dos direitos naturais, anteriores e superiores
às noções Estatais, e de caráter e domínio unicamente humano. Como também pode-se apontar
que toda a ética da liberdade giraria em torno dessas concepções jus naturais. E contrapondo-
se às tais, tem-se as questões positivistas de que os direitos fundamentais seriam apenas as
faculdades humanas outorgadas pela lei e reguladas por ela.

E assim, há no ordenamento jurídico hodierno influências desses dispositivos jus


naturais, centrados na natureza humana- ideal advindo das ideologias cristãs, em que a vida é
bem supremo, como também todos aspectos positivados em norma para uma maior segurança
jurídica, como em Carta Magna.

Por outro lado, tendo em vista que a Constituição de uma nação seria a lei fundamental
com o objetivo estrito de organização Estatal, as revoluções nos séculos XVII e XVIII, baseadas
no advento da doutrina liberal clássica trouxeram outras configurações para a mesma, e novas
normativas incluíam e asseguravam direitos primordiais para a condição humana. Desse modo,
vale evidenciar o processo de constitucionalismo liberal que instituíra os princípios da não
agressão por parte do Estado e propagara, no século XIX, e a destituição do poder absoluto.

De acordo com a doutrina liberal clássica, os direitos


fundamentais limitar-se-iam à regência das relações públicas, que
tinham o Estado como um dos seus pólos. Tais direitos eram vistos
como limites ao exercício do poder estatal, que, portanto, não se
projetavam no cenário das relações jurídico-privadas. (SARMENTO,
2008. p. 193) 8

Com isso, um marco inicial que representa o enfraquecimento do Totalitarismo em


benefício dos homens foi a Carta Magna do Rei João Sem Terra. Ademais, neste mesmo
período, outra importante colaboração foi a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão,
em 1789, em decorrência da Revolução Francesa, chamados de direitos de primeira geração,

7MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 138
8
SARMENTO, Daniel. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações
privadas/ Luís Roberto Barroso (organizador). 3. ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 193
por terem sido os primeiros a serem positivados, sendo o paradigma de titular desses direitos o
homem individualmente considerado. (MENDES, 2018, p.137) 9

E ainda, após a segunda guerra mundial, surgira a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, 1948, um atenuante para o constitucionalismo social que não mais correspondiam ao
domínio da abstenção do Estado. A partir daí, tem-se, os chamados direitos de segunda geração,
para que haja uma liberdade real e igual para todos.

Entretanto, e no que busca este artigo ressaltar, é justamente as incidências dessa função
de liberdade real e igual para todos - direitos de segunda geração, até que se atingisse os de
terceira geração, pautados na coletividade, em que na sociedade atual, com características
extremamente plurais e que perante essas condições, conflitos de direitos são gerados, e muitas
vezes relativizados, dificultando assim, uma efetividade em âmbito social e propícias para a
manutenção das restrições às liberdades.

Outrossim, trazendo à tona a incidência dos direitos fundamentais a partir da


implementação dos valores constitucionais, em uma era “pós-moderna” 10através dos processos
históricos supracitados, em que há pretensões cada vez mais regulatórias por parte do Estado a
11
partir dos reflexos dos textos constitucionais perante as relações privadas.

Haja vista algumas funcionalidades e incidências, tem-se no tocar de Canotilho, quando


em sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição consagra tais funções dos direitos
fundamentais sobre o prisma de que eles têm:

Primeiramente, a função de defesa ou de liberdade, proibindo o


poder público de ingerir na vida jurídica individual do cidadão e de
proporcionar positivamente os direitos fundamentais. Em segundo, a
função de prestação social, isto é, o Estado deve proporcionar ao
particular saúde, educação e segurança, em sentido estrito. A terceira se
dá pela função de proteção do indivíduo perante terceiros, como o asilo
inviolável e o direito à vida que deve ser protegido em face de eventuais
agressões de outros indivíduos. E finalmente, a função de não

9 MENDES, op. cit., p. 137


10CANOTILHO, J. J. Gomes. Civilização do Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.p. 113
11 Para ALEXY, Robert, são basicamente duas questões que devem ser equacionadas a propósito da incidência

dos direitos fundamentais nas relações privadas: o ”como” e o ”em que medida”.
discriminação, que nasce do princípio da isonomia, ou seja, o Estado
deve tratar igualmente seus cidadãos. (CANOTILHO, 1997. p. 359) 12

E partindo da funcionalidade de defesa e liberdade das garantias fundamentais e suas


incidências na sociedade pós-moderna, em que a autonomia humana é de grande demanda, tem-
se a grandeza democrática da Constituição Federal de 1988. Portanto, é preciso versar acerca
do que a mesma dispõe em seu artigo 5º dos direitos individuais e coletivos, visando defender
o âmbito pessoal do indivíduo, assim como afirma Dirley da Cunha que o indivíduo possa
desenvolver suas potencialidades e gozar de sua liberdade sem interferência do Estado e de
particulares. (CUNHA, 2012, p. 695) 13

Dessa maneira, o direito à liberdade ou às liberdades 14 (PINHO, 2008, p. 86) são


manifestados, descritos e tutelados em vários foros sociais e individuais no texto constitucional
brasileiro. E tendo em vista todos os alcances democráticos que a Constituição vigente adquiriu
a partir da realização dos direitos humanos fundamentais em suas normativas, vale dizer, que é
na democracia que a liberdade encontra seu campo de expansão. Quanto mais o processo de
democratização avança, mais o homem vai se libertando dos obstáculos que o constrangem,
mais liberdade conquista. (SILVA, 2017, p. 236) 15
16
Mormente cabe considerar o que consta no artigo 5º, inciso II, da Constituição da
República Federativa do Brasil, em que a liberdade de ação e legalidade decorre do mesmo,
visto que há esse direito como uma espécie de conteúdo das garantias fundamentais que perante
suas diversas classificações, pode-se destacar as de foro íntimo, absoluto e indevassável, como
a liberdade de pensamento e suas manifestações de consciência, crença e ideologia.

Ademais, tem-se, em si um caráter absolutamente livre, totalmente desprovido de


condições de ser controlado. Entretanto, a tutela e a limitação se iniciam a partir de sua
exteriorização, sendo a sua manifestação passível de punições, assim como estabelece o Art.
5º, IV. 17

12CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina,
1997. p. 359.
13 CUNHA, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2012. p. 695
14 PINHO, op. cit., p. 86
15 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 236
16 Art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
17
Art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Uma vez que, a democracia depende dessa ampla manifestação de pensamento, e após
anos de sistema ditatorial no Brasil, o poder constituinte de 1988, quis evidenciar e reiterar essa
liberdade, assim reforçando sua segurança jurídica mais especificamente, no inciso IX do Art.
5º. 18 Outrossim, há a presença constitucional das liberdades da pessoa física em suas noções e
formas, como afirma José Afonso da Silva exemplificando que foram as primeiras que o homem
teve que conquistar. Porém, as formas de oposição à liberdade da pessoa física, seriam a
19
detenção, a prisão ou qualquer impedimento à locomoção da pessoa. (SILVA, 2017, p. 239)
No tocante ao que a Constituição reserva para em dispositivo, diferentemente das anteriores,
tem no art. 5º, inciso XV 20, instituindo a livre locomoção em todo o território nacional.

Dessa maneira, para que se apresente a liberdade sendo um direito fundamental para a
manifestação ativa do ser em sociedade, contribuindo com a democracia e com a coletividade,
pode-se ressaltar certas discrepâncias entre a normatividade e a realidade social para serem
abordados em seguida.

2.1 AS FACES DAS RESTRIÇÕES ÀS LIBERDADES NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Haja vista, que a liberdade é um direito fundamental e assim possui sua aplicabilidade
de forma direta e imediata, sendo independente de normas reguladoras.21 Conforme fora
abordado, que a tutela e a providência da mesma cabem ao Estado, é preciso estabelecer e
ressaltar o processo histórico de relevância da liberdade como fator democrático e inclusive da
sua restrição para caráter punitivo ao longo do tempo.

Além disso, o Estado e todos os meios materiais propícios para o controle social, como
por exemplo o direito penal, esbarram nos princípios constitucionais de liberdade, e é daí que
vêm os sistemas de restrições das liberdades (SILVA, 2017, p. 271).22 Neste caso, das
sistemáticas, afirma José Afonso da Silva que:

[...] o legislador ordinário, quando expressamente autorizado


pela Constituição, intervém para restringir o direito de liberdade

18 Art. 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,


independentemente de censura ou licença;
19 SILVA, op. cit., p. 238
20 Art. 5º, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos

termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
21 SILVA, op. cit., p. 271
22 SILVA, 2017, loc. cit.
conferido. Algumas normas constitucionais, conferidoras de liberdades
e garantias individuais, mencionam uma lei limitadora (art. 5º, VI, VII,
XIII, XV, XVIII). Outras limitações podem provir da incidência de
normas constitucionais [...] (SILVA, 2017, p. 271) 23

Diante disso, cabe ressaltar que daí partem diversos modos de restrições que incidem
em caráter social e na moral formadora dos indivíduos em seu âmbito de convivência. Além do
mais, para que se compreenda os fatores que decorreram nas limitações atuais, muitas vezes
exacerbadas, vale analisar a história formadora da liberdade - como uma das protagonistas dos
direitos fundamentais.

Ademais, é de importante ressalva que algumas limitações normativas de liberdade e


direitos de autonomia individual fazem-se, sim, necessárias e importantes em meio social, mas
só possuem cabimento quando dizem respeito ao bem-estar coletivo, fora desse alcance, se
consideraria uma atuação estatal arbitrária. E é nesse ponto que é preciso abordar, os
comportamentos, muitas vezes, abusivos do Estado.

Com o escopo de retratar o desenvolvimento histórico paulatino da liberdade perante o


Estado e seu povo, e tendo em vista que a mesma assumiu o papel de bem jurídico24 relevante
em segunda instância para a maioria das sociedades em virtude da destituição da pena capital
de morte em lugar da sanção privativa de liberdade. Destarte, as penas que infringiam a
positivação do direito à vida foram abolidas, todavia, surgira a partir de então a necessidade de
reforma no sistema punitivo, já que os direitos que tutelavam os aspectos de natureza humana
adquiriram relevância normativa, como fora visto anteriormente. Desse modo, a liberdade
passou a ser o bem jurídico afetado na criminalização de condutas e a prisão ou pena privativa
de liberdade surgira como caráter de sanção.

Já que o papel de controle social, - a partir da limitação da liberdade imanente do


indivíduo, está concentrada no Estado, vale abordar o quão é abrangente esse caráter de
contenção por parte do poder punitivo estatal. Apresentando então, tais manifestações ao longo
da história formativa brasileira, em que, criminalizar condutas, inclusive para apenas uma
parcela da sociedade, se tornou uma forma de violação da legitima liberdade do cidadão.

23 SILVA, 2017, passim.


24 Assim como afirma DIAS, Jorge de Figueiredo, bem jurídico seria a expressão de um interesse, da pessoa ou
da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente
relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso. (DIAS, Jorge de Figueiredo.Direito Penal - Parte
Geral 12. ed. Coimbra: Editora eds. 2007)
Consoante ao que afirma Benjamin Constant que todas as constituições francesas reconheciam
a liberdade individual; contudo, esta nunca deixara de ser constantemente violada, "e isso
porque uma simples declaração não basta; são necessárias salvaguardas positivas”
(CONSTANT, 1872). 25

À medida que, legitimar a liberdade seria também resultado de um processo de


maturação ao longo da história, faz-se importante mencionar aqui neste artigo uma das maiores
violações aos direitos humanos ocorrentes em território brasileiro: o período escravocrata e
como as tais transgressões perduraram em estigmas sociais mesmo após a abolição.

Desse modo, tem-se a evidência de um aspecto normativo legal, como a escravidão dos
negros que ocorrera de 1530 até 1888 no Brasil, e como se não bastasse os recorrentes afrontes
à dignidade humana dos negros, libertá-los, com a instituição da Lei Áurea não era suficiente e
efetiva para a livre vivência dos mesmos em uma sociedade dominada por brancos, europeus e
seus descendentes. Contradição, seria toda a incidência e relevância que tomara, na mesma
época, os estigmas da Revolução Francesa e do Iluminismo com a instituição da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão26 que previa em seus artigos a isonomia, a liberdade e a
preservação dos direitos naturais humanos. 27

25 CONSTANT, Benjamin. Cours de Politique Constitutionnelle. Paris: Guillaume. 1872


26Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1798- Os representantes do povo francês, reunidos em
Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são
as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros
do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder
Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a
instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante
fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade
geral.

27 Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na
utilidade comum.

Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.
Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.

Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos
naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o
gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado
e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Além disso, a conquista da liberdade através da lei sancionada pela Princesa Isabel
realmente não bastara, trazendo tal fato para a ideia da constituição atual, ou mesmo para com
o estabelecimento da cidadania perante a Constituição de 1824, os negros- devido a sua
condição de escravos, não possuíam pleno exercício de crença, pensamento e locomoção, já
que havia um segregacionismo para localidades e até mesmo onde eles pudessem adentrar e
exercer suas manifestações individuais. E mais uma vez a letra fria da lei não basta, o texto
positivado servira apenas como ideal norteador, que na prática não era efetivo, principalmente
por conta da jurisdição estatal. O mesmo para Lola Aniyar de Castro:

“não passa da predisposição de táticas, estratégias e forças para


a construção da hegemonia, ou seja, a busca da legitimação ou para
assegurar o consenso; em sua falta, para a submissão forçada daqueles
que não se integram à ideologia dominante.” (CASTRO, 1987, p.119) 28

Ademais, as restrições se agravaram, pois, muitas condutas atreladas aos negros


chegaram a ser criminalizadas, ou seja, era vedada a possibilidade de eles exercerem a
liberdade. Destarte, é que se pode ressaltar um análogo reflexo disso para outros grupos sociais
criminalizados ou postos historicamente em um papel de submissão, em que os tais não têm
suas liberdades constitucionais reconhecidas e efetivadas socialmente até os dias atuais.

No tocante a criminalização de condutas, e colocando a postos um sistema criminal atual


com mais de 1.800 tipos penais, tem-se alguns aspectos em oposição a constitucionalidade da
liberdade, tendo em vista que o direito penal tem todo o caráter de controle social, além do
“efeito intimidador” da pena - sob cuja égide sistemas inteiros foram construídos como discorre
29
Nilo Batista. (BATISTA, 2017, p. 21) Dessa forma, o mestre italiano Beccaria 30, ao tratar
sobre o direito do Estado de punir, leciona que fora a necessidade que impeliu os homens de
ceder parte da própria liberdade. Uma vez que, toda essa potencialidade concedida ao poder
punitivo do Estado, através do direito penal, viola um dos seus próprios princípios, o da
intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio31 que orienta e limita uma suposta
ocorrência de arbitrariedade que o Estado possa cometer em seus termos legislativos.

28
CASTRO, Lola Aniyar. Criminologia de la Liberación. Ed. Un. Del Zulia, 1987, p. 119.
29 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Revan. 2017. p. 21
30
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cratella Júnior e Agnes Cratella. 2. ed. 2. ir. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 28-29
31 sig.:última opção de controle, tendo em vista o fracasso dos outros meios formais de controle social em relação

à proteção dos bens da vida relevantes. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Direito Penal como ultima ratio .
Antes, portanto, de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar
todos os meios extrapenais de controle social, e somente quando tais
meios se mostrarem inadequados à tutela de determinado bem jurídico,
em virtude da gravidade da agressão e da importância daquele para a
convivência social, justificar-se-á a utilização daquele meio repressivo
de controle social. (BITENCOURT, 2018, p. 56) 32

E assim, mesmo que tal princípio tenha sido consagrado pela revolução francesa e pelas
influências iluministas do século XVIII, Luiz Luisi aborda que a partir da segunda década do
século XIX, as leis penais cresceram desmedidamente a ponto de alarmar os penalistas dos mais
diferentes parâmetros culturais. (LUISI, 1991, p. 27)33 Diante disso, a liberdade do ser de
exprimir-se em sociedade e de praticar condutas, ou para que haja o exercício da sua autonomia,
são devidamente restringidos pelo direito penal que, têm se comportado, como um grande
limitador das liberdades, além de instituir penas que privam o indivíduo do usufruto da mesma.

À medida que todo esse domínio estatal sob o indivíduo fora crescendo em sociedade,
e que o controle social estivesse pautado em criminalizações e na tutela de garantias
fundamentais na Carta Magna da nação, as sociedades pós-modernas, como a brasileira,
encontram impasses legislativos, morais e até mesmo religiosos, diante do exercício da
liberdade em contraposição de outros direitos do ser, e a manifestação de suas vontades. Desse
modo, José Afonso da Silva, em seu livro Curso de direito constitucional positivo, aborda, a
questão do abordo perante três tendências do seio do constituinte, as quais, vale ressaltar a
segunda e a terceira:

[...] a condição de sujeito de direito se adquiria a partir do nascimento com vida, sendo
que a vida intrauterina inseparável do corpo que a concebesse é de responsabilidade da mulher,
o que possibilitaria o aborto. A terceira, entendia que a constituição não deveria tomar partido
34
na disputa, nem vedando, nem admitindo o aborto. (SILVA, 2017, p. 203)

Tais considerações do jurista brasileiro supracitado, revelam a estima das liberdades


configuradas constitucionalmente, e que há uma certa ausência de necessidade de se abordar,
uma questão, tão específica, como o aborto na seara da Constituição, tendo em vista, que a

32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 56
33 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1991, p. 27
34 SILVA, 2017, op. Cit. p. 203
mesma já assegura o exercício da liberdade do ser ante diversas questões. E criminalizar uma
conduta como tal seria a manifestação plena da restrição ao que José Afonso cita como a
liberdade-matriz35 do ordenamento. Desse modo, cabe citar aqui que muitas vezes o legislador
assume um comportamento abusivo, no que diz respeito à elaboração de leis para a retenção de
condutas, e acabam violando, muitas vezes as garantias fundamentais de liberdade.

Partindo desse ponto, o texto constitucional é claro e não pode, sem relativizado ou
propício de violações, a não ser perante princípios legais já estabelecidos. Dessa maneira, e
colocando a postos o pensamento e sua manifestação a partir da sua exteriorização tutelada pela
liberdade de expressão constitucional, em que veda, expressamente, a censura, seja de natureza
política, ideológica ou artística.

Entretanto, em foco na realidade social atual, tem-se muitas vezes restrições à essa
expressão de pensamento e de condição individual, ressaltando assim a “Marcha da maconha”,
- movimento em defesa da descriminalização do respectivo entorpecente ilícito, que já teve todo
o seu caráter constitucional reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal 36. Todavia, mesmo
com o reconhecimento de que tal marcha não se confundiria com a prática de incitação ao crime,
nem com a apologia de fato criminoso, a sociedade, muitas vezes, marginaliza essa ação, não
possibilitando um pleno exercício social dessa garantia fundamental, visto que, tais
manifestantes, são descriminados, por estarem apenas exprimindo seu direito de expressão
coletiva do pensamento. 37

No tocante à exemplos de restrição à liberdade de consciência, tem-se, o serviço de


alistamento militar obrigatório e o voto como realidades sociais que se operam em contradição
à determinados textos constitucionais, como destacara o jurista Dirley da Cunha que a
constituição assegura assim a chamada escusa de consciência, como um direito individual que
investe a pessoa de recusar prestar ou aceitar determinada obrigação que contrarie suas crenças
e convicções, mais, ainda afirma que a legitimidade da escusa depende do cumprimento da
prestação alternativa fixada em lei. (CUNHA, 2012, p. 716) 38 Desse modo, a lei limita a
liberdade, prevista constitucionalmente, de que haja, uma alternativa perante suas próprias
convicções, limitando o exercício de sua consciência.

35 SILVA, 2017, op. Cit. p. 235


36
ADPF 187 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 15.06.2011, 8 votos a 0.
37 Art. 5º, Constituição Federal, XVI- todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao

público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para
o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
38
CUNHA, 2012, op. Cit. p. 716
Ademais, no tratar da questão da liberdade individual de escolha de um cidadão perante
uma morte digna ou piedosa para si e seus entes, a proibição da eutanásia seria, mesmo que
com preceitos de comunidade, uma restrição imanente à autonomia do cidadão. Dessa maneira,
Maria Helena Diniz conceitua a eutanásia como:

[...]a deliberação de antecipar a morte de doente irreversível ou


terminal, a pedido seu ou de seus familiares, ante o fato da
incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu sofrimento
e da inutilidade de seu tratamento. (DINIZ, 2011, p. 438)39

Destarte, o exercício da liberdade individual perante os direitos fundamentais do


cidadão vai além das noras reguladoras, e muitas vezes sua aplicabilidade e efetividade não são
reconhecidas.

3. CONCLUSÃO

Tendo em vista que a liberdade é um dos pilares para a efetivação do Estado


Democrático de Direito, adjunto do reconhecimento normativo dos direitos fundamentais, faz-
se, portanto necessário que a mesma seja reconhecida como a manifestação da legitimidade do
ser em sociedade.

Dessa maneira, as normativas que preveem e tutelam os direitos fundamentais adjunto


a liberdade, por ser incluída nesse âmbito, fica imprescindível que seu potencial normativo
precisa incidir de forma efetiva no meio social.

Ademais, mesmo que tais normas estejam positivadas na Carta Magna do Brasil, suas
concretudes em realidade são esparsas, devido que o próprio meio estigmatiza práticas e
condutas de expressão da liberdade imanentes ao indivíduo. Em suma, as restrições se
manifestam de várias maneiras perante o âmbito social e deve ser combatida à luz dos princípios
constitucionais.

Entretanto, mesmo que haja a co-dependência das normas com o exercício do direito à
liberdade, José Afonso já destaca que a expressão falta de norma reguladora que torne inviável

39
DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 8ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011
o exercício de direitos e liberdades constitucionais [...] do inciso LXXI 40 do art. 5º não podem
induzir a que as liberdades dependam de normas reguladoras para serem viáveis.

Vale lembrar que o presente artigo não atribui um caráter absoluto à liberdade, e que se
leva em consideração a limitabilidade em hipótese de colisão. Todavia, o que não deve
prevalecer ante esses direitos é a arbitrariedade do Estado, e dos poderes que regulem a
convivência e a autonomia democrática do ser em sociedade, visando assim assegurar aquilo
que é previsto em texto legal, como o exercício efetivo das diversas liberdades.

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46.pdf acesso em 18 de agosto de 2018

40 Art. 5, Constituição Federal- LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes
à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
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