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PROPÓSITO
Entender o conceito de direito fundamental, quais são os direitos colocados nessa categoria pela
Constituição Federal e de que forma a sua compreensão é importante para a boa atuação no setor
público e para a defesa da democracia.
MÓDULO 1
Compreender o conceito de direito fundamental e as suas classificações
MÓDULO 2
Reconhecer o tratamento dado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais
PREPARAÇÃO
É importante que, ao longo do estudo, você tenha em mãos a Constituição Federal de 1988.
INTRODUÇÃO
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, conforme expresso no art. 1º da Constituição Federal de
1988. Isso significa, em primeiro lugar, que em nosso país vigora a ideia de governo da maioria, como
decorrência da soberania popular. É por isso que ocorrem eleições periódicas, por meio das quais se
escolhem os representantes do povo de acordo com a vontade da maioria manifestada nas urnas.
Entretanto, o Estado Democrático de Direito também possui outro requisito essencial: a existência de uma
Constituição que, além de definir a estrutura básica do Estado, protege os direitos fundamentais. É
justamente esse o objetivo principal buscado pela Constituição Brasileira de 1988.
Isso nos mostra que a estruturação e a atuação do Poder Público estão intimamente ligadas aos direitos
fundamentais que se busca proteger. Afinal, o fim último do Estado, por meio das suas instituições, é
promover a proteção e concretização dos direitos fundamentais. Compreendê-los, portanto, é
indispensável para uma boa gestão pública e atuação do poder público no exercício das suas mais
variadas competências. Estudar os direitos fundamentais elencados na Constituição, a partir da sua
conceituação e com a análise dos direitos em espécie, permitirá uma melhor compreensão da nossa
democracia, dos direitos que o cidadão possui em face do Estado e de que modo a Administração Pública
pode repensar a sua gestão para atuar cada vez melhor na concretização desses direitos tão importantes.
MÓDULO 1
Compreender o conceito de direitos fundamentais e as suas classificações.
BREVE HISTÓRICO DOS DIREITO FUNDAMENTAIS
Ao longo das sociedades antigas e da história, observamos períodos em que são reconhecidos direitos
pontuais a determinados grupos ou categoria de indivíduos. Vejamos:
PRIMEIRA GERAÇÃO
É formada por direitos individuais que buscavam proteger o indivíduo perante os excessos e abusos do
Estado. São direitos ligados sobretudo às liberdades. Ex.: liberdade de reunião, direito
de ir e vir etc.
SEGUNDA GERAÇÃO
Surge no século XX e caracteriza-se por direitos que exigem uma prestação do Estado. Não basta que o
Estado se abstenha de cometer abusos e violar os direitos individuais. É preciso mais: ele deve atuar
para consolidar direitos sociais e culturais. Essa é a geração dos direitos sociais e coletivos.
Ex.: direito à saúde, direitos da seguridade social.
TERCEIRA GERAÇÃO
Surge na segunda metade do século XX e está associada aos ideais de solidariedade e fraternidade. É
nesse momento que surgem os direitos difusos, como o direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da
Constituição).
ATENÇÃO
Já existem defensores de uma quarta geração de direitos fundamentais, que seriam aqueles relacionados
ao desenvolvimento tecnológico e biológico. São discussões delicadas em torno de assuntos jurídica e
moralmente controvertidos, como clonagem, eutanásia etc.
Observamos que a consolidação dos direitos fundamentais em diferentes sociedades e ordenamentos
jurídicos é fruto de um longo e complexo processo histórico, que se acentuou especialmente após a
Segunda Guerra Mundial. Os horrores causados pela guerra e pelos regimes totalitários deixaram clara
a necessidade de se reconhecer direitos inatos a todos os seres humanos, de modo a protegê-los de
abusos e autoritarismos. É nesse contexto que os diferentes Estados modernos começam a se
preocupar em elaborar um catálogo de direitos fundamentais que não seja meramente uma declaração
política, mas também uma fonte para a sua aplicação concreta à realidade.
Conceituá-los, porém, não é tarefa fácil. Além de o seu conteúdo ter variado ao longo da história e dos
diferentes contextos políticos e culturais, a sua nomenclatura muitas vezes se confunde com outras.
Vamos, aqui, pontuar as principais diferenças entre as nomenclaturas mais comuns a fim de facilitar a
compreensão da extensão e do conteúdo dos direitos fundamentais:
DIREITOS HUMANOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
São tratados de maneira diferente por cada Estado, de acordo com as suas próprias Constituições.
Como cada ordenamento jurídico dispõe diferentemente acerca do rol de direitos fundamentais, eles
nem sempre correspondem ao rol de direitos humanos.
São apenas aqueles estabelecidos pelo Estado, conforme o seu Direito Positivo interno.
explica:
É possível apontar também a diferença entre direitos e garantias fundamentais. Enquanto os direitos
fundamentais são os enunciados que estabelecem o conteúdo de um direito (ex.: direito à vida, à
liberdade religiosa), as garantias fundamentais são instrumentos previstos na Constituição para a
defesa e proteção daqueles direitos (ex.: habeas corpus , que busca proteger o direito à liberdade de
locomoção).
UNIVERSALIDADE
Significa que os direitos são de todos. O que faz alguém ser titular de um direito? Ser pessoa humana. A
sua titularidade independe de sexo, categoria ou qualquer tipo de classe ou segmentação. Todos os
seres humanos possuem igual dignidade.
A partir dessa premissa, o caput do artigo 5º da Constituição pode suscitar algumas dúvidas. Vejamos
a sua redação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
As primeiras perguntas que surgem são: o estrangeiro que não reside no país não tem direitos
fundamentais? O turista não tem direito à vida, por exemplo?
“Os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as
prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre
as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante” (HC
94.016, rel. min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, 2ª T, DJE de 27-2-2009).
Em que pese afirmarmos a universalidade como uma característica dos direitos fundamentais, há
direitos que pressupõem certos requisitos como, por exemplo, a nacionalidade no caso dos direitos
políticos. Há outros que são específicos para determinados grupos, como o direito fundamental
garantido às presidiárias.
RELATIVIDADE
Significa dizer que não há direitos absolutos. Eles podem sofrer restrições. Se o direito de propriedade
fosse absoluto, como ficaria a proteção do meio ambiente, por exemplo? Ou no caso da liberdade de
expressão, que é um direito que frequentemente se choca com outros, como ficaria a proteção da
intimidade?
Muitas vezes, a lei impõe uma restrição a um direito fundamental. É o caso das leis ambientais, que
restringem o direito de propriedade e exigem o cumprimento de uma série de regras que visa à proteção
do meio ambiente. Um exemplo é o Código Florestal (Lei n° 12.651), que possui diversas regras
restritivas ao direito de propriedade.
O legislador, entretanto, não consegue prever nem solucionar todos os possíveis conflitos entre direitos
fundamentais. Assim, muitas vezes, no caso concreto, é preciso que o Judiciário resolva essa colisão
restringindo um direito em prol de outro, buscando, um equilíbrio. Um exemplo famoso é o caso
Ellwanger, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse julgamento, o Tribunal entendeu que a
liberdade de expressão, apesar de ser um direito fundamental importantíssimo, não é um direito
absoluto.
Dessa maneira, ela não protege o discurso de ódio, o racismo nem a publicação de livros antissemitas.
Há um princípio de interpretação constitucional que norteia o intérprete diante desses casos difíceis de
conflitos entre direitos e normas constitucionais, chamado princípio da concordância prática:
"Consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais,
deparando-se com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a
solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de
nenhum." (MENDES; COELHO; BRANCO; 2007)
Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto nos dão um exemplo do emprego da concordância
prática pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Habeas Corpus 80.240 (STF, HC
80240, Relator(a): Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2001, publicado no DJ 14-10-
2005). Trata-se do caso de um líder indígena intimado para depor em uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI). Diante das normas constitucionais que garantem os poderes da CPI e os direitos dos
indígenas à sua cultura, o Tribunal, para conciliar as normas em conflito no caso, decidiu que o
depoimento poderia ser feito, mas apenas no interior das terras indígenas e na presença de antropólogo
e de representante da FUNAI.
Ou seja, considerando a relatividade dos direitos fundamentais e os seus possíveis conflitos em um caso
concreto, deve-se buscar sempre uma solução que leve ao equilíbrio entre eles.
HISTORICIDADE
Os direitos não são realidades metafísicas e sim realidades históricas e concretas. Eles foram
conquistados e ampliados ao longo da história, surgindo em diferentes etapas.
INALIENABILIDADE
Não possuem conteúdo econômico e não podem ser negociados ou transferidos:
“Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são
indisponíveis.” (SILVA, 2020)
IMPRESCRITIBILIDADE
Os direitos fundamentais não se extinguem pelo decurso do tempo e o seu exercício não se sujeita a
qualquer prazo.
IRRENUNCIABILIDADE
Não se pode renunciar aos direitos fundamentais. O titular do direito pode até não o exercer, mas isso
não implica a renúncia ao direito.
APLICABILIDADE IMEDIATA
A Constituição Federal, no art. 5º, §1º, dispõe expressamente que:
“As normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Houve aqui uma preocupação do constituinte em dar plena efetivação aos direitos fundamentais,
evitando o que acontecera sob a égide de Constituições pretéritas, em que os direitos previstos na
Constituição, muitas vezes, eram apenas retórica, uma simples proclamação política, sem qualquer
aplicação concreta.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 939 (STF, ADI 939, Relator Sidney
Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, publ. DJ 18/03/1994), decidiu que o princípio da
anterioridade tributária, apesar de não estar no rol dos direitos fundamentais elencados pela
Constituição, e sim no capítulo referente à tributação, é um direito fundamental.
CLASSIFICAÇÕES
Existem inúmeras classificações que variam conforme o autor e o critério adotado. Uma delas, por
exemplo, divide os direitos fundamentais de acordo com o conteúdo:
DIREITOS INDIVIDUAIS
(ART. 5º).
DIREITOS À NACIONALIDADE
(ART. 12).
DIREITOS POLÍTICOS
(ARTIGOS 14 A 17).
DIREITOS SOCIAIS
(ARTIGOS 6º E 193).
DIREITOS COLETIVOS
(ART. 5º).
DIREITOS SOLIDÁRIOS
(ARTIGOS 3º E 225).
ATENÇÃO
Há também os direitos econômicos, previstos na Constituição no Título da Ordem Econômica e
Financeira (artigos 170 e seguintes).
Essa noção, contudo, foi mudando ao longo do tempo, pois notou-se a existência de lesões a direitos
que não provêm somente do Estado, mas podem se originar de relações entre patrão e empresa, entre
loja e comprador, entre pai e filho, por exemplo.
São relações muito variadas nas quais nem sempre o Estado está presente.
Surge, então, a ideia da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (em contraposição à eficácia
vertical), que significa a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas. Mas, é
importante ressaltar, há o risco de comprometer a liberdade individual e a espontaneidade das relações
sociais.
Vamos supor que alguém pertença a uma associação. A associação, de maneira discriminatória, resolve
expulsar os sócios. Isso é possível? Até que ponto a liberdade e a autonomia privada protegem esse tipo
de conduta?
EXPLICAÇÃO
Vejamos outro exemplo de um caso também enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal:
Uma empresa francesa que estabelecia vantagens exclusivas para empregados franceses, criando uma
discriminação em relação a funcionários de outras nacionalidades. O fato de ser uma empresa privada,
à qual se aplica a autonomia e a livre iniciativa, protege esse tipo de conduta?
EXPLICAÇÃO
Mais uma vez, a Corte Suprema entendeu que os direitos fundamentais também devem ser
aplicados às relações privadas, declarando inconstitucional a discriminação perpetrada pela
empresa:
“(...) Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil,
não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja
aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da
igualdade: C.F., 1967, art. 153, §1º; C.F., 1988, art. 5º, caput .
(STF, RE 161243, Relator Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 29/10/1996, publ. DJ
19/12/1997)
Existe controvérsia em torno da maneira de aplicar os direitos fundamentais às relações privadas.
Um primeiro entendimento defende que essa aplicação deve ser feita pelo legislador. E se a lei, ao tratar
de direito privado, violar direitos fundamentais ou não os proteger adequadamente, será inconstitucional.
Ou seja, os direitos fundamentais não devem ser automaticamente aplicados às relações entre
particulares.
Um segundo entendimento defende que essa aplicação deve ser feita diretamente pelo juiz,
independentemente da atuação do legislador. Este, ao julgar as causas, deve levar em consideração os
direitos fundamentais, mesmo que sejam causas privadas.
A principal porta de entrada dos direitos fundamentais na atividade jurisdicional são as cláusulas gerais
de direito privado. Ex.: bons costumes, boa-fé, ordem pública. Elas devem ser concretizadas, devem ser
lidas de uma maneira que protejam e promovam os direitos fundamentais.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) O direito ao meio ambiente equilibrado foi um dos primeiros direitos fundamentais a serem
protegidos.
C) Os direitos difusos são típicos da terceira geração de direitos fundamentais, marcada especialmente
pelo ideal de solidariedade.
B) Relatividade e imprescritibilidade.
C) Historicidade e indisponibilidade.
GABARITO
A letra C está correta, pois a terceira geração de direitos fundamentais se caracteriza pelo surgimento
dos direitos difusos, como é o caso do direito ao meio ambiente, previsto no art. 225 da Constituição.
2. “Os direitos fundamentais podem sofrer restrições e não se sujeitam a qualquer prazo para
serem exercidos”.
A afirmação acima se refere a quais características dos direitos fundamentais?
A afirmativa B está correta, uma vez que, ao dizer que os direitos fundamentais podem ser restringidos,
refere-se expressamente à relatividade dos direitos fundamentais, que não são absolutos. Em seguida,
ao dizer que o seu exercício não se sujeita a prazo, faz-se clara referência à imprescritibilidade dos
direitos fundamentais.
MÓDULO 2
Reconhecer o tratamento dado pela Constituição Federal aos direitos fundamentais.
Os direitos individuais estão previstos no artigo 5º e respectivos incisos da Constituição Federal. Podem
ser conceituados, conforme ensina José Afonso da Silva (2020), como aqueles que reconhecem
autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais
membros da sociedade política e do próprio Estado.
EM RELAÇÃO AOS DESTINATÁRIOS, SERÁ QUE ELES SE APLICAM TAMBÉM ÀS
PESSOAS JURÍDICAS OU APENAS ÀS PESSOAS FÍSICAS?
RESPOSTA
“O entendimento majoritário é o de que esses direitos também se lhes aplicam desde que haja
compatibilidade com a natureza da pessoa jurídica. O direito à vida ou de ir e vir, por óbvio, não são
aplicáveis às pessoas jurídicas. Contudo, há diversos outros direitos que se estendem a elas, como o
direito de propriedade, o sigilo das correspondências, dentre outros. Há, inclusive, direitos que são
típicos de pessoas jurídicas, como o direito à propriedade das marcas e ao nome da empresa.”
No tópico relativo às características dos direitos fundamentais, nós também já vimos a controvérsia
provocada pela redação do caput do art. 5º da Constituição, que aparentemente exclui o estrangeiro
não residente no país da titularidade dos direitos fundamentais ali elencados.
Naquela oportunidade, vimos que o entendimento amplamente majoritário, inclusive agasalhado pelo
Supremo Tribunal Federal, é o de que a Constituição não excluiu os direitos fundamentais do estrangeiro
não residente no país.
ATENÇÃO
Eles são, na verdade, direitos cuja titularidade é individual, mas cujo exercício requer a participação
conjunta de diversas pessoas. Incluem-se nessa categoria os direitos de reunião, de associação, dentre
outros.
O rol de direitos elencados no art. 5º é extenso e, por isso, estudaremos mais detidamente a seguir
aqueles que são mais relevantes e que suscitam maior controvérsia:
DIREITO DE PROPRIEDADE
A partir dos dispositivos citados, vemos que a própria Constituição já define um limite para o
direito de propriedade, ao exigir que ela atenda à sua função social. Essa decisão do constituinte
supera a antiga ideia de que a propriedade é absoluta.
Uma questão que se põe diz respeito ao conceito de função social. O artigo 1228 do Código Civil
fixa alguns parâmetros:
É vital para uma democracia, que pressupõe debate público, amplo acesso a ideias e pontos de
vista divergentes. Em qualquer espaço, pressupõe-se que cada pessoa, para poder decidir sobre
algo, deva ter acesso às informações mais variadas.
A ideia subjacente a esse direito fundamental é de que a democracia exige um espaço público de
discussão robusto, plural, dinâmico no qual diferentes pontos de vista possam ser devidamente
debatidos sem a tirania de uma única ideia.
Tem por fim a autonomia, a realização pessoal de cada indivíduo, na medida em que o homem,
como um ser social, tem a necessidade de se comunicar, moldando a sua personalidade conforme
interage com os outros do seu meio.
A necessidade de se proteger a liberdade de expressão como corolário da própria democracia tem
sido reiterado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgados:
“A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de
expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que
por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático.
A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados
com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e
ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes
públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. São
inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou
mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático” (STF,
ADI 4451, Relator Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018, publ. DJ 06/03/2019).
Atenção!
Conforme visto no tópico relativo às características dos direitos fundamentais, o Supremo Tribunal
Federal não inclui discursos de ódio ou racistas no âmbito de proteção da liberdade de expressão.
LIBERDADE RELIGIOSA
Liberdade de religião não é apenas o direito de professar publicamente determinada religião, mas
também o direito de não ter nenhuma.
Tema mais polêmico diz respeito à possibilidade de, com base na liberdade religiosa, tentar
converter outras pessoas e atrair fiéis para determinada seita religiosa.
O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema e entendeu que essas atitudes estão
protegidas pela liberdade de religião:
“A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e
inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de
religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. (...) A
liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de
discurso persuasivo e o uso dos argumentos críticos. Consenso e debate público
informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações.
(...) (STF, ADI 2.566, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, julgado em 16/05/2018, publ. DJ 23/10/2018).
Outro ponto polêmico relacionado a esse direito envolve a discussão em torno da admissibilidade
ou não do sacrifício de animais como manifestação religiosa. Como se sabe, essa é uma prática
cultural presente em diversas religiões, especialmente nas de matriz africana. O debate nos coloca
um conflito entre dois direitos fundamentais: a liberdade religiosa e a proteção ao meio ambiente.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o assunto ao analisar uma
lei, do Rio Grande do Sul, que permitia o sacrifício de animais em ritos religiosos. A Corte fixou a
seguinte tese:
“É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa,
permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.
Dessa maneira, entendeu que a prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio
cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de várias comunidades religiosas,
devendo tal direito ser protegido (STF, RE 494601, Relator Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em
28/03/2019, publ. DJ 19/11/2019).
LIBERDADE DE REUNIÃO
Está prevista no art. 5º, XVI:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente”.
Da leitura do dispositivo, concluímos que se exige apenas o mero aviso à autoridade competente. Não
cabe à autoridade definir o local, nem tomar medidas para dificultar a reunião.
A Constituição, porém, ressalta que não se pode atrapalhar outra reunião anteriormente convocada para o
mesmo local. Busca- se, assim, evitar o abuso de direito que vise atrapalhar outras reuniões, além de se
evitar eventuais conflitos que coloquem em risco a ordem pública.
Na lição de José Afonso da Silva (2020), reunião é qualquer agrupamento formado em certo
momento com o objetivo comum de trocar ideias ou de receber manifestação de pensamento
político, filosófico, religioso, científico ou artístico. Ela protege passeatas e manifestações nos
logradouros públicos.
Note-se que a liberdade de reunião tem grande relevância, pois, por meio dela, é possível exercer outras
liberdades, como as de expressão e de locomoção. Assim, tal direito fundamental é instrumento para
proteção de outros direitos fundamentais.
DIREITOS SOCIAIS
Os direitos sociais são aqueles ligados à igualdade. Trata-se de prestações positivas a serem oferecidas
direta ou indiretamente pelo Estado a fim de conceder melhores condições de vida àqueles que não
possuem uma situação social digna.
Conforme vimos no módulo 1, os direitos sociais surgem na segunda geração de direitos fundamentais,
caracterizados por exigirem uma prestação positiva do Estado para atender às necessidades dos
indivíduos. Não é mais suficiente que o Estado se abstenha de violar direitos; é preciso que ele atue
para protegê-los e concretizá-los.
A consagração do direito à saúde tem provocado inúmeros debates em torno da extensão desse direito
e dos limites da interferência do Judiciário na sua aplicação. Se a Constituição garante o direito à saúde,
então é possível requerer judicialmente qualquer tratamento médico ou remédio em face do Poder
Público? Esse é um tema que tem desafiado todos os entes federados no país, que recebem
diariamente milhares de ações judiciais com demandas dessa natureza.
O STF (Supremo Tribunal Federal) , sempre que provocado, tenta estabelecer parâmetros para a
interferência do Judiciário na concretização desse direito. A Corte Suprema já entendeu que, em regra, o
Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente quando não
estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional,
do Sistema Único de Saúde (SUS).
O direito à alimentação e à moradia buscam consagrar o direito à saúde e a uma vida digna, tendo
servido de esteio para diversos programas sociais de renda mínima e de crédito à moradia
implementados nas últimas décadas. Em 2020, eles voltaram a ter destaque nacional com o auxílio
emergencial implementado pelo governo federal diante dos impactos econômicos e sociais da pandemia
de COVID-19.
Com base no direito à moradia, os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm entendido que,
no caso de construções irregulares, ainda que se reconheça o poder-dever do poder público de demoli-
las, ele é obrigado a implementar medidas para mitigar os efeitos sobre as famílias que ali se
encontram. É muito comum que o poder público, em especial o município, seja obrigado a oferecer
alguma opção de moradia ou algum benefício assistencial antes de retirar as pessoas que ocupam
áreas irregulares ou de risco.
O artigo 7º da Constituição também estabelece uma série de outros direitos sociais aos trabalhadores
urbanos e rurais, como por exemplo:
Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
Décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
C) O indivíduo é livre para escolher a sua religião, mas o Estado estabelece uma religião oficial.
D) A liberdade religiosa permite a prática de cultos religiosos, ainda que envolvam o sacrifício de
animais.
2. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA A RESPEITO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:
A) O direito de propriedade, desde que atenda à sua função social, é absoluto.
B) O direito à saúde autoriza que o brasileiro ou estrangeiro residente no país requeira judicialmente
qualquer tipo de medicamento, desde que possua receita médica.
C) O direito à moradia está no rol dos direitos sociais e exige que o poder público atue para garanti-lo.
D) O discurso racista está protegido pela Constituição, mas não o discurso de ódio.
GABARITO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do nosso estudo, vimos a trajetória de surgimento e consolidação dos direitos fundamentais e
as sucessivas gerações de direitos que ganharam espaço nas Constituições dos diferentes Estados ao
redor do mundo.
Dos direitos individuais aos difusos, passando pelos direitos sociais, nós pudemos compreender melhor
as características definidoras dos direitos fundamentais e por que eles possuem um lugar de destaque
no ordenamento jurídico, estando inclusive no rol das cláusulas pétreas.
Analisamos também as dificuldades e controvérsias que desafiam a aplicação desses direitos e vimos
alguns direitos em espécie cuja relevância exige um estudo mais aprofundado.
Tudo isso nos permite entender melhor o que podemos esperar do Estado como cidadãos e analisar
criticamente o papel que o poder público vem desempenhando na concretização dos direitos previstos
na Constituição.
REFERÊNCIAS
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção de um novo modelo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2007.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2.
ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
EXPLORE+
Para saber mais sobre os direitos fundamentais, leia o artigo O conteúdo essencial dos direitos
fundamentais e a eficácia das normas constitucionais , do professor Virgílio Afonso da Silva,
disponível no repositório da USP.
Confira o artigo sobre os direitos sociais, O reconhecimento dos direitos sociais como
fundamentais no Brasil , de autoria de José Carlos Bortoloti e Guilherme Pavan Machado,
disponível no Portal de Publicações Eletrônicas da UERJ.