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1. Introdução
1
Parafraseando a frase cunhada por Eros Grau, no recebimento da medalha Teixeira
de Freitas, no Instituto dos Advogados Brasileiros, com sede no Rio de Janeiro, sobre a
supremacia do Direito Constitucional: – “ontem os Códigos; hoje as Constituições. A revanche
de Grécia contra Roma”. A primeira parte da frase fora concebida por Paulo Bonavides, ao
assinalar que as Constituições prevalecem sobre os códigos. O Direito Civil-Constitucional
concretiza a reunião com técnica e aplicabilidade.
dos quais tradicionalmente concebidos como do direito privado. Bom exemplo
ante a desproteção do direito de intimidade, consequente da detecção da
carência em reiterados e diversos setores privados, foi a política pública
resultante, que justificou na Espanha a agência de proteción de dados
personales, a qual também foi adotada na Itália, com igual teor. É resposta
pública aos interesses individuais fundamentais e concretização da
transposição privado-público garantizadora; verdadeira ferramenta a serviço
do direito civil-constitucional.
O novo Código Civil, para muitos não acompanhou a Constituição,
limitando-se a algumas cláusulas abertas, que revelam certa socialização do
direito e, ainda, um pequeno capítulo referente aos direitos da personalidade,
porém desatualizado, em relação à Constituição Federal de 1988. Deveria, pelo
ano que foi promulgado ter avançado mais; porém o longo trâmite fez com que
já nascesse velho. O novo Código Civil sofre diversas críticas, resumidamente,
porque não se orientou a partir de um pensamento teórico do Direito Civil-
Constitucional, o único a condicionar o Direito Privado às exigências do direito
constitucional contemporâneo. Tais críticas podem ser notadas na autoridade
de Gustavo Tepedino, um ano antes do projeto do novo Código Civil ser
aprovado:
2
Cf. Gustavo Tepedino, o Novo Código Civil: duro golpe na recente experiência
constitucional brasileira, p. 57.
A leitura dogmática do novo Código Civil Brasileiro inclui muito e muito
pouco – uma excessiva regulamentação e proteção do interesse da
propriedade minunciosamente regulado, por um lado e, por outro uma proteção
insuficiente dos interesses dos idosos, dos deficientes, dos analfabetos e
hipossufientes culturalmente, juridicamente e financeiramente e que são partes
em diversas situações em que a lei (direito privado) se projeta na sociedade
civil.
A terceira, e principal mudança, entretanto não foi sentida pelas normas
infraconstitucionais de direito civil, mas pelos direitos fundamentais, irradiados
para a órbita civil, metaforicamente falando, um novo centro de gravidade entra
na órbita do planeta (o direito privado) e o sol (a Constituição), em que a luz
que irradia corresponde aos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais
com aplicação direta e imediata, expressamente estabelecida (§1º do art. 5º), e
de forma imutável – pois são cláusulas pétreas –, reordenaram a matéria civil.
Essa invasão dos direitos fundamentais nas relações entre particulares3 é a
questão de primeiro plano do Direito Civil-Constitucional. Civilista ou
constitucionalista que seja adepto as transformações ocorridas no direito
constitucional dos últimos anos há de trabalhar o tema. As múltiplas
possibilidades concretas podem ser resumidas a uma finalidade só: transformar
a ordem privada, exigindo uma postura constitucional de todos os indivíduos,
em especial respeito aos direitos fundamentais. Isso não quer dizer que todos
serão controlados pelo Estado, muito pelo contrário, todos serão livres, desde
que respeitem, integralmente, os direitos fundamentais de terceiros. É essa a
nova – e correta – leitura da liberdade. A noção que abarcava o Estado liberal,
de que ao particular tudo é lícito, desde que não seja proibido por lei, e, ao
administrador e seus agentes só é lícito fazer o que a lei proclama, acabou.
Todos – públicos e privados – no seu agir devem fazê-lo com uma postura
compatível com os direitos fundamentais. Essa é a medida e o fim da liberdade
no direito constitucional contemporâneo.
3
Cf. Para saber por que entre particulares e não relações privadas, bem como a
questão terminológica, consultar nosso primeiro livro, ‘Obtenção dos Direitos Fundamentais
nas Relações entre Particulares, p. 132-134’.
As relações verticais, de autoridade entre o poder público e o particular
são cada vez mais reduzidas (limitando-se as relações especiais de poder,
como militar em serviço sujeito ao comando militar). Os direitos fundamentais
são as pautas a guiarem as relações jurídicas, por isso, hoje, fala-se de
horizontalidade dos direitos fundamentais, como uma aplicação eqüitativa, para
todas as relações, sem implicar primazia a uma relação desigual. Essa
igualdade manifesta-se no recebimento dos direitos fundamentais. A vinculação
dos particulares entre si aos direitos fundamentais é (I) plena, pois não tem
relação de autoridade ou verticalidade; (II) direta, pois não tem necessidade de
intermediação legislativa, e, conseqüentemente, o direito fundamental pode ser
usado diretamente da Constituição; (III) e irradiante, atuando em todos os
campos jurídicos indistintamente, com força invasora e preenchendo o
conteúdo dos direitos fudamentais nas relações empresariais, civis,
consumistas, trabalhistas4, advindas do biodireito, só para citar a interação do
Direito Privado a partir da Constituição.
Dois avisos, um dirigido aos civilistas e o outro a constitucionalistas. Aos
civilistas, que exploram muito bem as normas de Direito Civil na Constituição, o
Código Civil, com suas potentes cláusulas gerais e a multidisciplinariedade do
Direito, é importante que a todo o momento remontem a obtenção dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares. É essa teoria-elemento5 do
neoconstitucionalismo, que maximiza os direitos fundamentais e pode
transformar a ordem social. Tanto se fala que o Direito muito discute e pouco
consegue mudar a ordem social de fato – essa é uma das críticas do
movimento norte-americano critical legal studies – que quando ocorre uma
4
O Direito do Trabalho ora é classificado como ramo do Direito Privado, ora
considerado, por uns, ramo do direito misto e, ora considerado por outros, ramo do Direito
Público. Fato é, que independentemente dessa discussão as relações trabalhistas são
compostas por partes privadas, geralmente repartidas entre empregador e empregado e,
portanto, aplicáveis, plenamente a teoria dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares com eficácia direta e imediata.
5
Riccardo Guastini, considera a vinculação das partes privadas aos direitos
fundamentais um dos principais (7) elementos do Neoconsitucionalismo. Cf. Riccardo Guastini,
La Constitucionalización del Ordenamiento Jurídico, p. 55.
potente teoria capaz de transformar a sociedade, não se valoriza quanto se
deveria. Estamos a falar da potencialidade da vinculação direta dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares, como teoria apta a desenvolver
mudanças na sociedade (I). Conseguir penetrar os direitos fundamentais,
fartamente previstos pela Constituição, em todas as relações sociais, de forma
direta e imediata é possibilitar, por meio do Poder Judiciário, mais liberdade e
igualdade no mundo da vida. Um dos seus maiores fatores é acabar com a
desigualdade discriminatória, muitas vezes escamoteada pela lei (II).6 As
outras inovações do Direito Civil Constitucional têm de ter esse ponto de
encontro, os direitos fundamentais nas relações entre particulares, interação
vital junto com a transposição e redução entre o espaço privado e o espaço
público, garantizador (III). Dois pontos basilares do direito civil-constitucional
que funcionam em prol da dignidade humana7 (IV). Outro ponto a ser
destacada, que apesar de partir do direito civil italiano, o direito civil-
constitucional brasileiro se reformou e, hoje, é uma expansão e produção
autenticamente nacional.
Gustavo Tepedino, chama à atenção que o ordenamento, hoje, não se
resume ao direito positivo, pois é sistemático, axiológico e centralizado em
torno da Constituição, com seus princípios jusfundamentais conformando a
unidade jurídica8 e a fusão dos horizontes privados se materializa através dos
direitos fundamentais, por isso mesmo incide a teoria com irradiação.
Outros temas, de reconhecida importância, operam em uma dimensão
secundária. Primeiro a Constituição, com sua abertura irradiante, invade o
Direito Privado – aí incluídos os direitos fundamentais implícitos, como o direito
à solidariedade ou as ações existenciais – depois em uma segunda dimensão,
o civilista parte para trabalhar os dispositivos do Direito Civil, mesmo aqueles
principiológicos não deduzidos do texto constitucional. A revisão das fontes e a
6
Cf. Juan Maria Ubillos, Proibição de Discriminação e Relações entre Particulares, p.
399.
7
Cf. Maria Celina Bodin de Moraes, A Constitucionalização do Direito Civil e seus
Efeitos sobre a Responsabilidade Civil, p. 439.
8
Cf. Gustavo Tepedino, Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária
do Ordenamento, p. 315.
multidisciplinariedade do Direito Privado – seria melhor falar em
intercomunicabilidade, como no caso do biodireito – completam as mudanças9
que o neoconstitucionalismo causou no Direito Privado, agora conhecido e
respeitado como Direito Civil-Constitucional. Sim, o termo criticado por parte da
doutrina constitucional é preciso. Primeiro transmite a idéia de correlação e
comunicação entre Direito Civil e constitucional, não é mais primazia de uma e
isolamento do outro. Segundo, é exatamente a leitura do Direito Civil, em todo
o momento, à luz da Constituição, sem possibilidade de contornar essa
conexão. A neomenclaura civil-constitucional é o maior atestado dessa
realidade.
Virgílio Afonso da Silva crítica a expressão Direito Civil-Constitucional
por entender que as normas de Direito Civil não deixam de ser de Direito Civil,
pelo simples fato de estarem consagradas no texto constitucional.10 Também
entende equivocada a expressão porque remete a uma parte do Direito Civil
constitucionalizado, entendendo que outra não constitucionalizada poderia
subexistir, alegando, ainda, que se visto o Direito Civil como um todo
constitucionalizado a expressão perde o sentido, porque aí só existiria um
Direito Civil, o constitucionalizado.
Não parece que seja assim, a sutileza da linguagem não afasta o uso
correcional da expressão Direito Civil-Constitucional. É todo Direito Civil
constitucionalizado e não só uma parte, e, ainda que continuem de natureza
civil, ao terem sido constitucionalizadas, muda-se o paradigma, de
interpretação e aplicação do Direito. É a mudança de enfoque, de espírito
interpretativo que a expressão civil-constitucional tenta assinalar. A serem
9
O primeiro tema, em importância, de direito civil-constitucional é a obtenção dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares, logo seguido pela transposição entre
espaço privado para política pública garantizadora, então, depois, vem a revisão das fontes do
direito, matéria que afeta intensamente o direito privado, para depois relacionar-se a
multidiciplinariedade dos campos privados, bem como o preenchimento das cláusulas gerais, e,
dos conceitos indeterminados no direito privado, e, por último, as teorias que relacionam as
regras de direito privado. Essa é a leitura do direito civil-constitucional, onde o último momento
é aquele que era tido como o único e principal, as regras de direito civil.
10
Cf. Virgílio Afonso da Silva, a Constitucionalização do Direito, p. 170-171
seguidas as críticas de Virgílio Afonso da Silva, qualquer terminologia
acrescentada (civil constitucional), que deixasse a passada ter efeitos somente
de Direito Civil, estar-se-ia a radicalizar os usos dos termos jurídicos, sempre
no sentido de superação completa do paradigma anterior, e, sabemos que não
é assim. A expressão civil-constitucional tem propriedade jurídica inestimável,
pois coloca o Direito Civil conectado, a toda causa a toda interpretação, à
Constituição, e, o Direito Constitucional coloca-se mais presente na sociedade.
Os motivos que levaram ao desenvolvimento não são novos; potências
privadas que muitas vezes não realizam atos frontalmente à lei, mas induzem a
uma situação de fato que atinge a um direito fundamental, pela realidade
demonstrada. Quem mais pode produzir prejuízo à vida alheia, o Estado ou
outros entes particulares? Bancos, organizações sindicais, grupos de pressão,
a mídia, clubes privados, têm, conjuntamente, muito mais poder do que o
Estado, já limitado nas suas atribuições11. Vincular os particulares as mesmas
limitações é matéria constitucional por essência e finalidade, e os direitos
fundamentais representam a pauta objetiva para alcançar tal telos,e,
11
A grande conquista do positivismo jurídico foi limitar os poderes do Estado, além de
dar cientificidade ao direito. Para dar garantias, trabalhar o conteúdo material dos direitos
fundamentais, e, limitar o particular, o positivismo se mostrou ineficaz.
12
Cf. Carlos Roberto Siqueira Castro, Aplicação dos Direitos Fundamentais às Relações
Privadas, p. 41.
3. Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares
13
Cf. Carlos Roberto Siqueira Castro, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais,
p. 258.
14
Cf. Alexei Estrada, La Eficácia de los Derechos Fundamentales Entre Particulares, p.
95.
desconstrutivas para que a alternativa, a eficácia indireta, fosse adotada. É
oportuno verificar, em um primeiro momento, as principais objeções à eficácia
direta e imediata, que já apareceram com força em 1958.
15
Cf. Gustavo Tepedino, Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária
do Ordenamento, p. 316.
jurídicas postas na sociedade. A causa não pode servir de escusa a própria
torpeza. Ainda assim, o núcleo essencial da autonomia continua preenchível
via ponderação e sempre que não violar direito fundamental. Assim, a prática
constitucional acolheu a segunda objeção mitigando seus efeitos.
16
A eficácia indireta opera por meios de cláusulas gerais do Direito Privado, costumes e
boa-fé, que fazem o intercambio entre Direito Constitucional e Direito Privado, o que poderia,
no Brasil, levar, perigosamente, a uma inversão do Direito Civil-Constitucional, isto é,
interpretar o Direito Constitucional à luz dos valores civis, o que é claramente indesejado.
Ficaria até surpreendente, aplicar os direitos fundamentais travestidos de princípios do Direito
Privado, ainda mais sem termos por aqui cultura constitucional de apontar uma omissão
(inconstitucional) do legislador, termo essencial na teoria indireta.
17
Cf. Ricardo Guastinni. La “constitucionalizacíon” del ordenamiento jurídico: el caso
italiano.
Constitucional seria revisor máximo de toda a matéria de direito privado,
consequentemente, toda a matéria seria submetível a ele. A questão
constitucional, quando relevante, seria submetida ao único órgão que pode
decidir a matéria. Aqui todos os juizes decidem sobre a matéria civil-
constitucional. Por isso, artifícios, – como os observados pela teoria dos
deveres de proteção, que remete a questão civil, pela via da ação de
inconstitucionalidade por omissão, ao Tribunal Constitucional18 –, não seriam
necessárias e nem viáveis no Brasil. O reconhecimento da omissão legislativa
encontra, em solo brasileiro, sérias dificuldades de reconhecimento e plena
efetividade.
18
Para ver mais sobre a teoria dos deveres de proteção, Cf. Daniel Sarmento, A
Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil, p.
237.
constitucional plena e incondicionada, como o recurso de amparo espanhol ou
o recurso de proteción chileno. Nosso mandado de segurança é velho, em
idade e espírito, pois traz muitas condicionantes – prazo de 120 dias, limitação
da matéria probatória, necessidade de apontar autoridade coatora do poder
público ou delegada, entre outras –, que não se coadunam com nossa
Constituição axiológica e democrática. A justificativa de uma ação nos moldes
do recurso de amparo é derradeira: os direitos fundamentais são os direitos
mais especiais do ordenamento, então merecem um tratamento especial. Uma
ação que impeça qualquer violação ou ameaça a direito fundamental, com rito
célere e especial é, sem duvida concretizadora de tais direitos e completa a
teoria dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Vale lembrar,
que na Espanha, a teoria da eficácia direta teve grande recepção pela
facilidade do seu uso, e, especial atenção para a resposta processual,
chegando à teoria a ser confundida com a própria potencialidade do instituto
processual do recurso de amparo.19 Superadas essas duas questões, de
controle de constitucionalidade e de acesso à justiça e proteção processual, a
opção, no Brasil, pela eficácia direta não é mais uma questão de escolha, mas
de correta interpretação constitucional.
Não acreditamos que no Brasil, se possa defender, como se faz até hoje
nos Estados Unidos, que as normas constitucionais não se aplicam
diretamente às relações entre particulares. Com o passar da história norte-
americana essa vedação foi gradativamente atenuada, mas até hoje, mostra-se
presente. Resumidamente e simplificadamente, caso os particulares não
pratiquem racismo, nem estejam tratando de prévias eleitorais, e, sobretudo,
não se valham do Estado para nada, nem mesmo para um benefício fiscal, ou
para uma autorização da Administração Pública, então eles são livres para
atuar respeitando apenas seus precedentes e Statutes20. Nesse espaço
privado, sem qualquer relação com os poderes públicos norte-americanos, as
normas constitucionais não penetram nas relações entre particulares. Só há
vinculação das normas constitucionais se ficar provado, no caso concreto, que
19
Cf. Juan Maria Ubillos, la Eficácia de los Derechos Fundamentales Frente a
Particulares, p. 77. Sem dúvida alguma, é o livro mais completo e dinâmico sobre o tema.
20
Cf. Jane Reis, Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 476.
o particular se utilizou de alguma ligação com o Estado. Caso o contrário, não
poderá a Constituição ser invocada – e ainda não se tratar de racismo ou de
casos sobre partidos políticos. O espaço público e privado será decisivo, para
saber se há de fato ou de direito, ligação do particular com o Estado. Essa
teoria tem reconhecimento em um país com grande respeito a autonomia da
vontade, cunhado no liberalismo, no capitalismo de mercado, no sistema dos
precedentes, e nas statutes estaduais, em respeito ao peculiar federalismo
norte-americano – em que Estados-Membros da federação do tamanho de
países europeus e de muitos dos nossos vizinhos sul-americanos, legislam
autonomamente em diversas matérias civis –; fatores ligados a condição de
formação dos Estados-membros dos Estados Unidos. Esses não são valores
brasileiros, nem práticas comuns aqui. Somente por isso a State Action
doctrine deve ser descartada para o Brasil, além dos óbvios motivos já
referidos.
21
Cf. Wilson Steinmetz, a Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais, p.
169.
Os três graus de intensidade podem ser resumidos, segundo a minha
percepção, da seguinte maneira. A eficácia direta fraca verifica-se quando for
atribuída eficácia direta nas relações entre particulares somente nos casos em
que esteja presente a hipossuficiente de uma das partes, técnica, financeira ou
intelectual, funcionando nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Para
as partes que operam em condição de igualdade, como contratantes
equivalentes, não poderiam ser invocadas as normas constitucionais. É uma
tentativa de se mitigar a teoria, sem fugir do reconhecimento da eficácia direta,
como opção constitucional inafastável. Traz, contudo, um inconveniente, de
complicar a questão processual, ao exigir mais um requisito, o da verificação
da hipossuficiência. Como não existem condicionamentos na Constituição ao
§1º do artigo 5º, essa não parece ser a melhor opção teórica. Tampouco
parece ser compatível com o neoconstitucionalismo, com princípios sempre
presentes, independentemente da fraqueza da parte, pois a pretensão de
correção age conduzindo os direitos fundamentais. Em suma, não há que se
primeiro averiguar desigualdade fática entre os particulares para se aplicar a
teoria.
Por fim, a eficácia direta forte é aquela sem barreiras; se violado o direito
fundamental, o mesmo é protegido de plano, sem restrições, em respeito a
tutela da máxima efetividade. É essa a busca do neoconstitucionalismo;
maximizar os direitos fundamentais para corrigir as falhas do sistema.
22
Cf. André Tavares, Fronteiras da Hermenêutica Constitucional, p. 88.
imediata, muitos vezes sem menção explícita sobre a intensidade da eficácia
direta. A simples opção pela eficácia direta, não significa, a contrário senso,
que em outra oportunidade ela pode mudar de opinião e se manifestar pela
eficácia indireta; acredito que a menção a eficácia direta, seja para estar em
acordo com a doutrina constitucionalista; se, por sua vez, a jurisprudência
constitucional fica silente sobre o tema, recebe críticas de que não faz uso das
técnicas avançadas de interpretação constitucional – o que não acontece no
Brasil, pois o Supremo Tribunal Federal tem mencionado em suas decisões, as
técnicas mais atuais de interpretação constitucional –, então o Supremo
Tribunal Federal23, discorre sobre o tema da eficácia direta, e o tem feito com
todo o acerto.
4. Conclusão
23
Casos em que o Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre a matéria: Re 201.819-
8 (sobre o direito da ampla defesa e do contraditório de associado expulso de associação civil.
Destaque-se que a Ministra Relatora Ellen Grecie votou contra a eficácia direta e ao que tudo
indica pela não aplicabilidade das normas constitucionais nas relações entre particulares,
sendo voto vencido); Re 158.215-4 (sobre a exclusão de associado da cooperativa aplicando-
se no caso concreto o devido processo legal e a ampla defesa); Re 161.243-6 (em que
trabalhadores brasileiros tiveram seus direitos equiparados a trabalhadores franceses
favorecidos na mesma empresa francesa, por sua nacionalidade). Esses casos em que uma
norma constitucional processual (como o devido processo legal) invocada como direito
fundamental age no caso concreto, não há que se falar em autonomia da vontade para efeito
de ponderação. A eficácia direta dos princípios constitucionais satisfaz sozinha a resolução do
caso, nestes exemplos, não há que realizar juizo de ponderação. Por isso defendemos acima
que nem sempre a autonomia da vontade terá de se invocada inaugurando juízo de
ponderação. A norma fundamental agirá, em casos como esses, sozinha, concretizando a
eficácia direta das normas constitucionais nas relações entre particulares.
direito civil constitucional que permitam uma base para expansão dos temas
correlatos. Uma sintética menção às principais teorias encontrada e que não é
reproduzidas pela doutrina – ao menos na ordem e na enumeração posta – foi
tarefa que tentamos preencher na primeira parte.
Na segunda parte trabalhamos o tema da eficácia direita dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares, o tema de maior articulação entre
constitucionalistas e civilistas, sendo também de grande aplicabilidade prática e
de projeção da doutrina civil-constitucional.
A defesa da eficácia direta e imediata é um dos elementos do direito civil
constitucional que mais possibilita a transformação no plano social. Com a
aceitação, relativa do Direito Civil-Constitucional no Brasil, é hora de
aprofundar as opções e materialidade da obtenção dos direitos fundamentais
nas relações entre particulares com a defesa, irrestrita, da eficácia direta e
sempre que possível forte – somente quando presente direito fundamental à
autonomia privada (no seu núcleo essencial) deve-se admitir a eficácia direta
média – nunca a fraca. O neoconstitucionalismo total propugna pela
intensidade forte da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações
jurídicas particulares e com isto intenta alcançar aprimoramentos signficativos
nas relações sociais; basta para tanto aaprofundar esta ferramente jurídica: a
eficácia direta forte como teoria de mudança social.
5. Bibliografia