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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 761/BA


RELATOR: MINISTRO NUNES MARQUES
REQUERENTES: DEMOCRATAS – DEM NACIONAL E PARTIDO DA SOCIAL
DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB
ADVOGADOS: FABRÍCIO JULIANO MENDES MEDEIROS E RICARDO
MARTINS
INTERESSADO: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
PARECER AJCONST/PGR Nº 239555/2021

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ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. SUBSIDIARIEDADE. DECISÃO
JUDICIAL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.
VIRAGEM JURISPRUDENCIAL. ANUALIDADE
ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Decisões judiciais enquadram-se no conceito de “ato
do poder público” de que trata o caput do art. 1º da Lei
9.882/1999, de modo que estão sujeitas ao controle
concentrado de constitucionalidade via arguição de
descumprimento de preceito fundamental.
2. A regra da subsidiariedade, contida no § 1º do art. 4º
da Lei 9.882/1999, afasta o cabimento da ADPF apenas
quando há outro meio eficaz para a solução ampla,
geral e imediata da controvérsia constitucional.
3. Cabe arguição de descumprimento de preceito
fundamental contra decisão do Tribunal Superior
Eleitoral que inaugura viragem jurisprudencial, em
descompasso com os princípios da anualidade eleitoral
e da segurança jurídica.
— Parecer pelo conhecimento e provimento do agravo,
para que se dê regular processamento à arguição de
descumprimento de preceito fundamental.

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Excelentíssimo Senhor Ministro Nunes Marques,

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental –

ADPF, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Democratas – DEM

Nacional e pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB contra o

acórdão proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE no RO-EI 0603900-

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65.2018.6.05.0000, bem como contra o Ato 10.533/2020, da Assembleia

Legislativa do Estado da Bahia.

Esclarecem os autores que os §§ 3º e 4º do art. 175 do Código

Eleitoral contêm regra segundo a qual os votos dados a candidato que haja

sido declarado inelegível ou que tenha seu registro cassado pela Justiça

Eleitoral aproveitam ao respectivo partido político ou coligação, se a sentença

for publicada depois das eleições. Argumentam que a mesma regra está

prevista no inciso IV do art. 219 da Resolução 23.554, de 18.12.2017, do

Tribunal Superior Eleitoral e sempre foi aplicada, de maneira “inconcussa”,

tanto pelo TSE quanto pelos demais órgãos da Justiça Eleitoral.

Segundo os autores, ao julgar o RO-EI 0603900-65.2018.6.05.0000, o

Tribunal Superior Eleitoral, contrariando a própria resolução e

jurisprudência, cassou o diploma de candidato a deputado estadual no

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Estado da Bahia e determinou a “execução imediata da sanção, inclusive para

fins de retotalização” dos votos.

Dizem os requerentes que, “em consequência da imediata execução

desse julgamento, com o não aproveitamento dos votos dados ao candidato cassado em

favor do partido, a Assembleia Legislativa da Bahia, após recálculo do quociente

eleitoral, procedeu a convocação do suplente, tendo o Democratas perdido um dos

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representantes de seu quadro e todas as prerrogativas decorrentes da formação de

bancada parlamentar, por não mais possuir o número mínimo de integrantes

regimentalmente exigido”.

Apontam os autores violação dos princípios da anterioridade ou

anualidade eleitoral (CF, art. 16), da segurança jurídica e da isonomia.

Requerem, ao final, a declaração de inconstitucionalidade “da aplicação, nas

Eleições de 2018, do entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral no RO-

EI nº 0603900-65.2018.6.05.0000”.

Em 16.4.2021, o Ministro Nunes Marques, Relator, indeferiu a petição

inicial, “em razão do não preenchimento do requisito da subsidiariedade”, por ter sido

a ADPF, ajuizada “contra decisão judicial em caso concreto, restrita às partes nela

envolvidas e que se refere a processo eleitoral já findo”, teria “nítido caráter recursal”.

Dessa decisão, os autores interpuseram agravo regimental. Alegaram

que, “no caso, a arguição de descumprimento de preceito fundamental não só é o

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único meio processual idôneo e capaz de afastar, de maneira efetiva e real, a situação

de lesividade ora denunciada, como é o único a proteger os preceitos fundamentais

violados com celeridade e abrangência necessárias”.

Vieram, então, os autos à Procuradoria-Geral da República, para

manifestação sobre o agravo regimental.

Eis, em síntese, o relatório.

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O recurso há de ser provido.

Em primeiro lugar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é

pacífica ao aceitar a arguição de descumprimento de preceito fundamental

contra decisões judiciais. Noutro dizer, “as decisões judiciais se enquadram na

definição de ‘ato do poder público’ de que trata o caput do art. 1º da Lei nº

9.882/1999, o que as sujeita ao controle concentrado de constitucionalidade via

ADPF” (ADPF 114, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 6.9.2019). Nesse

sentido, são numerosos os precedentes do STF: ADPF 304, Rel. Min. Luiz Fux,

DJe de 20.11.2017; ADPF 588, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 12.5.2021;

ADPF 542-MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.10.2020; ADPF 548-

MC-Ref, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 6.10.2020; ADPF 485, Rel. Min.

Roberto Barroso, DJe de 4.2.2021, entre outros.

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De outro lado, a existência de possíveis recursos contra a decisão

judicial impugnada não é, por si só, fator que afasta a subsidiariedade de uma

arguição de descumprimento de preceito fundamental. Isso porque, também

segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a regra da subsidiariedade,

contida no § 1º do art. 4º da Lei 9.882, de 3.12.1999, afasta o cabimento da

ADPF apenas quando há outro meio eficaz para a solução ampla, geral e

imediata da controvérsia constitucional. Veja-se:

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AGRAVO REGIMENTAL. ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
ADPF. EDITAL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. ENEM.
EXAME NACIONAL DO ENSINO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
SUBSIDIARIEDADE. ART. 4º, § 1º, DA LEI 9.882/99.
INEXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO EFICAZ PARA A
SOLUÇÃO AMPLA, GERAL E IMEDIATA DA
CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL. AGRAVO PROVIDO.
1. A compreensão do que deve ser “meio eficaz para sanar a
lesividade”, se interpretada extensivamente, esvaziaria o sentido da
ADPF, pois é certo que, no âmbito subjetivo, há sempre alguma ação
a tutelar – individual ou coletivamente – o direito alegadamente
violado, ainda que seja necessário eventual controle difuso de
constitucionalidade.
2. De outro lado, se reduzida ao âmbito do sistema de controle
objetivo, implicaria o cabimento de ADPF para qualquer ato do poder
público que não autorizasse o cabimento de ADI, por ação ou
omissão, ou ADC.
3. O critério deve ser intermediário, de maneira que “meio eficaz de
sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional
relevante de forma ampla, geral e imediata. No juízo de
subsidiariedade há de se ter em vista, especialmente, os demais

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processos objetivos já consolidados no sistema constitucional”


(ADPF 388, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe
01.08.2016). Especialmente os processos objetivos, porque haverá
casos cuja solução ampla, geral e imediata ocorrerá por outros
instrumentos processuais, não servindo a ADPF tampouco a tutelar
situações jurídicas individuais. Precedentes.
4. No caso concreto, impugnam-se os Editais de convocação do
Exame Nacional de Ensino, os quais, ainda que possam ser
questionados pela via individual ou coletiva, encontram na ADPF,
ante a multiplicidade de atores afetados, meio eficaz amplo, geral e
imediato para a solução da controvérsia.

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5. Agravo Regimental a que se dá provimento, assentando-se o
cabimento da presente ADPF no tocante ao atendimento do requisito
do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99.
(ADPF 673-AgR, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, DJe de
13.8.2020.)

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, inclusive, que “a

demonstração de que a discussão da questão constitucional em sede concentrada

protege o preceito fundamental violado com maior celeridade e abrangência satisfaz o

requisito da subsidiariedade” da ADPF (ADPF 762-AgR, Rel. p/ acórdão Min.

Alexandre de Moraes, DJe de 14.4.2021). Nem mesmo a existência de decisão

proferida em recurso extraordinário com repercussão geral afasta a utilidade da

arguição de descumprimento de preceito fundamental, uma vez que “não estanca,

de forma ampla e imediata, situação de lesividade a preceito fundamental resultante

de decisões judiciais” (ADPF 250, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 27.9.2019).

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É certo que consistiria em desprestígio à jurisdição constitucional

concentrada do Supremo Tribunal Federal o manejo da ADPF como sucedâneo

recursal. A resolução de casos concretos há de se dar nas instâncias ordinárias e

extraordinárias previstas na lei processual.

Acontece que os recorrentes bem demonstraram que o acórdão

proferido pelo Tribunal Superior Eleitoral no RO-EI 0603900-65.2018.6.05.0000

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consistiu em uma viragem jurisprudencial que certamente há de ser

reproduzida em outros casos pelo próprio TSE e pelos demais órgãos da

Justiça Eleitoral.

Em caso bem semelhante ao destes autos (ADPF 776-MC), assim

decidiu o Ministro Gilmar Mendes:

É importante destacar que a Arguição de Descumprimento de


Preceito Fundamental foi criada para preencher um espaço residual
expressivo no controle concentrado de constitucionalidade, que antes
só poderia ser tutelado pelo sistema de controle difuso.
Conforme já destaquei em âmbito acadêmico, a ADPF foi instituída
para suprir “esse espaço, imune à aplicação do sistema direto de
controle de constitucionalidade, que tem sido responsável pela
repetição de processos, pela demora na definição de decisões sobre
importantes controvérsias constitucionais e pelo fenômeno social e
jurídico da chamada ‘guerra de liminares’” (MENDES, Gilmar
Ferreira. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental:
comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 19).

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No âmbito da jurisprudência, registrei que a admissibilidade da ação


se encontra vinculada “à relevância do interesse público presente no
caso”, de modo que a “ADPF configura modalidade de integração
entre os modelos de perfil difuso e concentrado no Supremo Tribunal
Federal” (ADPF 33/PA, Tribunal Pleno, de minha Relatoria, j.
7.12.2005).
No caso em análise, o Partido requerente – figura legitimada para
tanto, art. 103, VIII, da CF/88; e art. 2º, I, da Lei 9.882/99 – indicou
como objeto a interpretação realizada pelo TSE a partir do
julgamento de caso concreto (AgR-RO-EI 0608809-
63.2018.6.19.0000/RJ). É cediço que a ADPF não pode funcionar

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como sucedâneo recursal. Não menos certo é que, embora a
interpretação ora guerreada tenha sido exposta por ocasião de
um caso concreto, o entendimento vazado no acórdão
acostado nos autos (eDOC 5) mostra claramente sua
pretensão normativa ao fixar a seguinte “orientação
plenária”:
(…)
Como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem
admitido o cabimento de ADPF para a impugnação de decisões
judiciais que possam causar a violação a preceitos fundamentais, de
modo a possibilitar a resolução de questão constitucional de forma
ampla, geral e irrestrita, com a produção de efeitos erga omnes
(ADPF 620-MC-Ref, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j.
em 3.4.2020; ADPF 556, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j.
em 14.2.2020; ADPF 444, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. em 14.6.2018; ADPF 387, Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. em 23.3.2017; ADPF 324, Rel. Min. Roberto Barroso,
Tribunal Pleno, j. em 30.8.2018; ADPF 275, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, Tribunal Pleno, j. em 17.10.2018; ADPF 54, Rel. Min.
Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 12.4.2012).
E de modo até mais específico, a jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal tem firme entendimento no sentido que
interpretação levada a efeito pelo Tribunal Superior Eleitoral calha

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no conceito “ato do poder público” (art. 1º, Lei n. 9.882/99) e,


quando fere preceitos fundamentais, autoriza, sim, o manejo de
ADPF: (…).

Por fim, os arguentes fundamentaram a ADPF não no descumprimento

da Resolução TSE 23.554/2017, mas na violação dos princípios constitucionais

da anterioridade eleitoral, da segurança jurídica e da isonomia.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental, portanto,

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há de ser conhecida.

No mérito, também assiste razão aos arguentes.

Preceitua o art. 16 da Constituição Federal que a lei que alterar o

processo eleitoral não se aplica “à eleição que ocorra até um ano da data de sua

vigência”. Esse dispositivo constitucional prestigia, a um só tempo, os princípios

democrático, da igualdade de chances e da segurança jurídica.

Em primeiro lugar, as regras do processo eleitoral não podem ser

alteradas quando já iniciado o processo, muito menos depois de encerrado. É

corolário da segurança jurídica que os partícipes do processo eleitoral

(partidos políticos, candidatos, eleitores) não sejam surpreendidos com

“alterações nas regras do jogo durante a partida”.

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O art. 16 da Constituição Federal vai além: ainda que o processo

eleitoral não haja iniciado, as mudanças aprovadas até um ano antes da

eleição não se aplicam a ela. Aqui, a Constituição quis evitar que eventual

maioria parlamentar alterasse as regras do processo eleitoral em seu benefício. É

um pilar fundamental dos princípios democrático e da igualdade de chances.

Embora o texto constitucional se refira apenas à lei, o princípio da

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anualidade eleitoral aplica-se igualmente às normas regulamentadoras

editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, bem como na alteração de

entendimento do Tribunal sobre a interpretação da lei e das normas

regulamentares eleitorais. Seria esvaziar a norma do art. 16 da Constituição

Federal permitir que novas interpretações da lei incidam sobre o processo

eleitoral já em andamento ou, pior, já encerrado. Nessa hipótese, conquanto o

texto da lei permaneça o mesmo, a norma jurídica altera-se.

Por isso que, como decidiu o Supremo Tribunal Federal em recurso

extraordinário com repercussão geral, “as decisões do Tribunal Superior Eleitoral

que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem

mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica),

não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros

casos no pleito eleitoral posterior”. Confira-se:

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.


REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º,
DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA
EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. I.
REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, §
5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE
TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA,
AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO. (...) II. MUDANÇA
DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL.
SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL.
NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO.

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Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser
acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas
consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica.
Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce
o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar
tais cautelas por ocasião das chamadas viragens
jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que
dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se
pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos
judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o
processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto,
têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias
repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e
candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança
jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a
estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma
participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do
princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos
processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade
eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal
Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como
uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2)
da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão

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do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados


do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem
normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir
que a Constituição também alberga uma norma, ainda que
implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como
princípio da anterioridade ou anualidade em relação à
alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do
Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral
(ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de
jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança
jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e

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somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral
posterior. (...) IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: (1)
resolver o caso concreto no sentido de que a decisão do TSE no
RESPE 41.980-06, apesar de ter entendido corretamente que é
inelegível para o cargo de Prefeito o cidadão que exerceu por dois
mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em Município
diverso, não pode incidir sobre o diploma regularmente concedido ao
recorrente, vencedor das eleições de 2008 para Prefeito do Município
de Valença-RJ; (2) deixar assentados, sob o regime da
repercussão geral, os seguintes entendimentos: (...) (2.2) as
decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito
eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem
mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata
ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos
no pleito eleitoral posterior.
(RE 637.485, Rel. Min. Gilmar Mendes Dje de 21.5.2013)

No caso em apreço, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral

era, até então, pacífica quanto ao aproveitamento, ao respectivo partido político

ou coligação, dos votos dados a candidato que haja sido declarado inelegível

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ou que tenha seu registro cassado pela Justiça Eleitoral, se a sentença fosse

publicada depois das eleições. Mas não só isso: a Resolução 23.554/2017 do

Tribunal Superior Eleitoral, que dispunha sobre os atos preparatórios para as

eleições de 2018, continha norma expressa nesse mesmo sentido. Veja-se:

Art. 218. Serão contados para a legenda os votos dados a candidato:


(…)
II – cujo registro esteja deferido na data do pleito, porém tenha sido

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posteriormente cassado por decisão em ação autônoma, caso a
decisão condenatória seja publicada depois das eleições;
Art. 219. Serão nulos, para todos os efeitos, inclusive para a legenda,
os votos dados:
(…)
IV – a candiato que, na data do pleito, esteja com o registro deferido,
porém posteriormente cassado por decisão em ação autônoma, se a
decisão condenatória for publicada antes das eleições.

Não se discute nesta ADPF a correção ou não da interpretação legal

empreendida pelo Tribunal Superior Eleitoral no RO-EI 0603900-

65.2018.6.05.0000. É certo, contudo, que consistindo ela numa viragem jurisprudencial,

não poderia se aplicar ao processo eleitoral já encerrado, sob pena de violação

dos princípios da anualidade eleitoral e da segurança jurídica.

Em caso similar, com base em idêntica compreensão, deferiu o

Ministro Gilmar Mendes medida cautelar na ADPF 776/DF para suspender o

entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que limitava efeito suspensivo

em recurso eleitoral, assentando que as mudanças na jurisprudência daquele

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tribunal, com efeitos diretos sobre os pleitos eleitorais, têm sérias repercussões

sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e dos partidos

políticos, motivo pelo qual hão de observar o princípio da anualidade eleitoral,

inscrito no art. 16 da Constituição Federal.

Em face do exposto, opina o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

pelo conhecimento e provimento do agravo, para que, dando-se regular

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processamento a esta arguição de descumprimento de preceito fundamental, seja

o pedido, ao final, julgado procedente, a fim de declarar a inconstitucionalidade

“da aplicação, nas Eleições de 2018, do entendimento firmado pelo Tribunal Superior

Eleitoral no RO-EI nº 0603900-65.2018.6.05.0000”.

Brasília, data da assinatura digital.

Augusto Aras
Procurador-Geral da República
Assinado digitalmente

[JMR]

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