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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 68

01/03/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG
ADV.(A/S) : ISABELLA VIEIRA MACHADO HENRIQUES

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


MEDIDA CAUTELAR. CONVERSÃO EM JULGAMENTO DE MÉRITO.
PORTE DE ARMA PARA AGENTE DE SEGURANÇA
SOCIOEDUCATIVO DO ESTADO (SERVIDORES NA ATIVA E
APOSENTADOS). PORTE DE ARMAS PARA AGENTE
PENITENCIÁRIO INATIVO. LEI COMPLEMENTAR Nº 472/2009.
ESTADO DE SANTA CATARINA. COMPETÊNCIA FEDERAL.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE.
1. Compete privativamente à União autorizar e fiscalizar a produção
e o comércio de material bélico, bem como legislar sobre matéria penal.
Precedente: ADI 2.729, redator p/ o acórdão Ministro Gilmar Mendes.
2. O Estatuto do Desarmamento é norma federal e, de forma nítida,
afastou a possibilidade do exercício das competências complementares e
suplementares dos Estados e Municípios para autorizar porte de arma de
fogo, ainda que a pretexto de regular carreiras ou de dispor sobre
segurança pública, seja para garanti-lo aos inativos da carreira dos
agentes penitenciários, seja para estendê-lo à dos agentes do sistema
socioeducativo.
3. As medidas socioeducativas não têm por escopo punir, mas

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Ementa e Acórdão

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ADI 5359 / SC

prevenir e educar. Permitir o porte de armas para os agentes de segurança


socioeducativos significa, em princípio, reforçar a errônea ideia do caráter
punitivo de rede de proteção e configura ofensa material à Constituição.
4. Conversão do julgamento da cautelar em mérito para declarar a
inconstitucionalidade do inciso V do art. 55 da Lei Complementar nº
472/2009 do Estado de Santa Catarina, no que autoriza o porte de arma
para agente de segurança socioeducativo; e declarar parcialmente a
nulidade sem redução de texto da expressão “inativos” constante do
caput do mesmo artigo, no que o estende aos servidores inativos da
carreira de agente penitenciário.
5. Ação direta julgada procedente.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 7 de agosto de 2019,
sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da
ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em
converter o julgamento da cautelar em julgamento definitivo de mérito.
Em Sessão Virtual do Plenário de 19 a 26 de fevereiro de 2021, o
Tribunal, sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na
conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria
de votos, julgou procedente o pedido formulado na presente ação direta
para i) declarar a inconstitucionalidade do inciso V do art. 55 da Lei
Complementar 472/2009 do Estado de Santa Catarina, no que autoriza o
porte de arma para agente de segurança socioeducativo; e ii) declarar
parcialmente a nulidade sem redução de texto da expressão “inativos”
constante do caput do mesmo art. 55, no que o estende aos servidores
inativos da carreira de agente penitenciário daquele Estado. Determinou,
ainda, que sejam comunicados: i) o Departamento de Polícia Federal para
dar integral cumprimento à presente decisão, expedindo o necessário
para a adequada ciência dos afetados; ii) o Estado de Santa Catarina para
cientificar da presente decisão todos os ocupantes do cargo de agente de
segurança socioeducativo na ativa e aposentados, assim como todos os
agentes penitenciários inativos. Tudo nos termos do voto do Relator,

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ADI 5359 / SC

vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux


(Presidente), Gilmar Mendes e Nunes Marques. Plenário, Sessão Virtual
de 19.2.2021 a 26.2.2021.

Brasília, 1º março de 2021.

Ministro EDSON FACHIN


Relator
Documento assinado digitalmente

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Relatório

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
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ADV.(A/S) : ISABELLA VIEIRA MACHADO HENRIQUES

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se de ação


direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da
República, com pedido de medida cautelar, contra a expressão “inativos”
contida no caput do art. 55, bem como contra seu inciso V, da Lei
Complementar nº 472, de 09 de dezembro de 2009, que autoriza porte de
arma para agente de segurança socioeducativo do Estado. A norma tem o
seguinte teor:

“Art. 55. Os Agentes Penitenciários e os Agentes de


Segurança Socioeducativo, ativos e inativos, gozarão das
seguintes prerrogativas, entre outras estabelecidas em lei:
I - documento de identidade funcional com validade em
todo território nacional e padronizado na forma da
regulamentação federal;
II - ser recolhido em prisão especial, à disposição da
autoridade competente, até o trânsito em julgado de sentença
condenatória e, em qualquer situação, separado dos demais
presos;

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Relatório

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ADI 5359 / SC

III - prioridade nos serviços de transporte, saúde e


comunicação públicos e privados, quando em cumprimento de
missão;
IV - porte de arma aos Agentes Penitenciários, na forma da
regulamentação federal; e
V - porte de arma aos Agentes de Segurança
Socioeducativo, reservado o uso fora do Sistema de
Atendimento ao Adolescente Infrator.
Parágrafo único. Não havendo estabelecimento específico
para o preso especial nas condições previstas no inciso II, os
agentes serão recolhidos em dependência distinta do mesmo
estabelecimento, a ser designada pela autoridade competente,
por sugestão do Departamento de Administração Prisional -
DEAP, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. ”

Alega-se que os dispositivos mencionados violam a competência


legislativa privativa da União prevista no art. 22, I e XXI, a competência
material exclusiva definida no art. 21, VI, e ultrapassam o poder
normativo atribuído às assembleias legislativas pelos arts. 27, § 3º e 32, §
3º, todos da Constituição da República.
No tocante ao pedido cautelar, afirma-se que a não suspensão da
eficácia dos atos normativos permitirá que servidores, inclusive,
aposentados, portem arma de fogo no território da unidade federativa,
contribuindo para fomentar a prática de delitos, possibilitando que sejam
vítimas de crime e permitindo que as referidas armas tenham a
potencialidade de alimentar a criminalidade.
A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (eDOC 09)
informou que o projeto de lei que culminou na lei impugnada é de
iniciativa do Governador do Estado e teve por objetivo equiparar o agente
de segurança socioeducativo ao agente penitenciário, haja vista que as
atribuições estão vinculadas diretamente a adolescentes e adultos em
privação de liberdade. Acrescentou que o disposto no art. 144 da
Constituição possibilita que o Estado-membro legisle sobre as carreiras
funcionais, suas garantias e modo de atuação do agente de segurança
socioeducativo.

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ADI 5359 / SC

A Advocacia-Geral da União (eDOC 17) manifestou-se pelo


deferimento parcial do pedido de medida cautelar. Aduz que o inciso V
do art. 55 da Lei Complementar 472/09 é incompatível com as regras de
competência do art. 21, VI e art. 22, XXI, da Constituição Federal. Por fim,
afirma que a declaração de inconstitucionalidade não pode alcançar a
expressão “inativos” prevista no caput do art. 55, tendo em vista as
demais prerrogativas previstas nos incisos desse dispositivo legal,
estranhos ao objeto desta ação direta, que se resume ao direito de porte
de arma.
O Governador do Estado de Santa Catarina (eDOC 19) reiterou os
argumentos expendidos pela Assembleia Legislativa. Afirmou que a tese
de competência exclusiva da União para legislar sobre permissão para
porte de armas não está livre de críticas e que o Estado de Santa Catarina
pode legislar acerca do regime jurídico do servidor socioeducativo do
Estado. Por fim, aduziu que se trata de medida necessária para a
segurança dos agentes.
A ação foi distribuída à minha Relatoria em 05.08.2015. Em
29.10.2015, cumpridas as diligências preliminares, indiquei a presente
ação direta à pauta, a fim de que o Plenário deliberasse sobre o pedido de
medida cautelar.
A ação foi, por diversas vezes, incluída no calendário de julgamento,
não tendo sido, porém, apreciada pela Corte. A fim de otimizar o tempo
do Plenário, solicitei do Ministério Público, o parecer conclusivo sobre a
presente demanda, ainda que pendesse a apreciação da medida cautelar.
O parecer foi assim ementado (eDOC 29):

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.


55-CAPUT E INCISO V DA LEI COMPLEMENTAR 472/2009,
DE SANTA CATARINA. PORTE DE ARMA DE FOGO A
AGENTES PENITENCIÁRIOS E AGENTES DE SEGURANÇA
SOCIOEDUCATIVO, ATIVOS E INATIVOS. COMPETÊNCIA
PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉ-
RIA. OFENSA AOS ARTS. 21-VI E 22-I E XXI DA CONSTITUI-
ÇÃO. PRESERVAÇÃO DO ART. 55-CAPUT DA LC 472/2009,

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ADI 5359 / SC

NA PARTE EM QUE CONFERE A INATIVOS


PRERROGATIVAS DIVERSAS DO PORTE DE ARMA DE
FOGO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.
1. Compete privativamente à União legislar sobre porte de
arma de fogo, seja por se tratar de “material bélico”, seja por
criar figura de isenção penal. Art. 22-I e XXI da Constituição.
2. Editada pela União com base na competência conferida
pelos arts. 21-VI e 22-I e XXI da Constituição, a Lei 10.826/2003
(Estatuto do Desarmamento) não incluiu no rol do art. 6.º a
categoria de agentes de segurança socioeducativo e tampouco
previu a possibilidade de servidores inativos, de quaisquer
categorias, continuarem a portar arma de fogo após o ato de
aposentação.
Parecer pelo deferimento parcial da cautelar.”

É o relatório.

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Antecipação ao Voto

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Senhor
Presidente, eminentes Pares, saúdo as sustentações orais proferidas.
Vou procurar fazer a síntese oral do voto, eis que a inicial da
Procuradoria-Geral da República sustenta a inconstitucionalidade formal
da lei estadual. Para concluir-se da procedência, ou não, desse
argumento, a utilização do multicitado mecanismo de hermenêutica da
interpretação conforme permitirá verificar se, de fato, há espaço para os
entes, Estados e Municípios legislarem sobre essa matéria, ou, sendo
competência privativa da União, a mesma desincumbiu-se de emitir lei
específica sobre o tempo.
Portanto, sem embargo de a matéria ter aspectos sensíveis e
dimensões relevantes no âmbito da política de segurança pública, o
julgamento está de algum modo jungido à arguição de
inconstitucionalidade formal e ao voto que trago à colocação, adiantando,
desde logo, a seguinte percepção:
Nos incisos XXI e I do art. 22, decorre nitidamente que a
competência para legislar sobre essa matéria é privativamente da União.
A União assim o fez? O fez. A edição da Lei 10.826 é a demonstração
de que não restou, aqui, latitude ou espacialidade legislativa, quer se
aplique o princípio da subsidiariedade, quer se imagine toda a construção
que haurimos da formulação anglo-saxã, que está na expressão "clear
statement rule", ou seja, que há a possibilidade de uma espacialidade
legislativa, quando não exauridos os elementos de determinada norma,
ainda que sejam de cumprimento da competência do ente maior, mas,
nessa hipótese, a União, que teve a sua competência constitucionalmente
conferida para editar a norma, assim procedeu.
Não deixa de ser interessante, porque as próprias informações deste
caso do Estado de Santa Catarina, em um determinado trecho,
reconhecem que a legislação introduziu um novo elemento para permitir

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Antecipação ao Voto

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ADI 5359 / SC

o porte de armas em tais e tais circunstâncias, reconhecendo, portanto,


nitidamente, que se projetava para onde estava a competência da União,
já objeto de legislação.
Por isso, Senhor Presidente, o voto se divide em duas partes. Eu trato
da repartição das competências no federalismo brasileiro; cito doutrina e
precedentes, em que já examinamos esta matéria; cito as obras dos
Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso sobre o tema; cito a
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.356 e a ADPF 109, nas quais este
assunto foi exaurido; examino, a partir da contribuição do saudoso
professor José Alfredo de Oliveira Baracho, da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, professor de Direito
Constitucional e um dos pioneiros no debate do princípio da
subsidiariedade entre nós; e adentro, seguramente, para este programa
do federalismo de cooperação que a Constituição incorporou em sua
dimensão normativa, desde que, quando a competência for da União, não
haja uma exclusão desse poder de complementação pelos entes menores.
E daí vem, no voto, o exame das alegações sobre a
inconstitucionalidade formal. Eu reproduzo as normas da lei que a União
editou no exercício de sua competência para legislar sobre material bélico,
bem como sobre Direito Penal, e dessa reprodução que se encontra no
voto, parece-me restar inequívoco ter sido afastada a possibilidade do
exercício das competências complementares e suplementares dos estados-
membros e dos municípios.
Trato, portanto, dessa perspectiva, para, daí, já na terceira e última
parte do voto, examinar as duas hipóteses que a Procuradoria suscita
como inconstitucionais: os agentes penitenciários inativos e os agentes
socioeducativos ativos e inativos, que são as previsões introduzidas pela
lei estadual, que, como já se percebeu, estou reputando inconstitucionais.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Assento,


inicialmente, a plena cognoscibilidade da presente ação direta, tendo em
vista ter sido proposta pelo Procurador-Geral da República em face de lei
estadual.
Tendo em vista o tempo de tramitação desta ação e a necessidade de
otimizar o tempo de pauta do Plenário, proponho, em questão de ordem,
a conversão da apreciação da presente medida cautelar em julgamento
definitivo de mérito, na esteira de diversos precedentes deste Tribunal
(v.g., ADI 5.393, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, DJe 18.02.2019).
No mérito, assiste razão jurídica ao Requerente.

A Repartição de Competências no Federalismo Brasileiro

A questão dos autos cinge-se à distribuição de competência entre os


diversos entes federativos para legislarem sobre as matérias especificadas
pela Constituição. A repartição de competências é característica essencial
em um Estado federado para que seja protegida a autonomia de cada um
dos seus membros e, por consequência, a convivência harmônica entre as
esferas, com o fito de evitar a secessão. Nesta perspectiva, esta disposição
pode se dar em sentido horizontal ou vertical, levado em conta o domínio
dos interesses envolvidos.
Repartir competências compreende compatibilizar interesses para o
reforço do federalismo cooperativo em uma dimensão de fato cooperativa
e difusa, rechaçando-se a centralização em um ou outro ente a fim de que
o funcionamento consonante das competências legislativas e executivas
otimizem os fundamentos (art. 1º, da CRFB) e objetivos (art. 3º, da CRFB)
da República.
Ao construir uma rede interligada de competências, o Estado obriga-
se a exercê-las em proveito do alcance do bem comum e da satisfação dos

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direitos fundamentais.
Ocorre que, por vezes uma mesma lei pode apresentar problemas
complexos, por envolver tema que se divide em assunto que compõe a
competência concorrente e em matéria restrita à competência legislativa
de apenas uma das esferas da Federação (MENDES, Gilmar. Curso de
direito constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 841).
Em outras oportunidades (ADI 5.356 e ADPF 109), sustentei que a
tradicional compreensão do federalismo brasileiro, que busca solucionar
os conflitos de competência tão somente a partir da ótica da prevalência
de interesses, não apresenta solução satisfatória para os casos cuja dúvida
sobre o exercício da competência legislativa decorre de atos normativos
que podem versar sobre diferentes temas.
Nestes casos, há uma multidisciplinariedade, como bem descreveu
Tiago Magalhães Pires, em trabalho já citado pelo e. Min. Luís Roberto
Barroso:

"Há também situações de concorrência de fato entre as


competências de diversos entes federativos, ainda que
privativas. São casos em que a lei editada por uma entidade
política remete simultaneamente às categorias previstas em
duas ou mais regras de competência, algumas permitidas e
outras proibidas àquela entidade política. Diante disso, o
intérprete se veria na contingência de escolher a categoria mais
saliente ou o ente a ser aquinhoado, ou simplesmente
reconhecer a realidade e admitir a validade da lei.”

A solução para esses casos não pode se distanciar do cânone da


prudência que incumbe aos órgãos de controle de constitucionalidade:
deve-se privilegiar a interpretação que seja condizente com a presunção
de constitucionalidade de que gozam os atos legislativos. Incide aqui o
que e. Min. Gilmar Mendes, em conhecida obra doutrinária, chamou de
princípio da interpretação conforme a Constituição:

“Não se deve pressupor que legislador haja querido

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dispor em sentido contrário à Constituição; ao contrário, as


normas infraconstitucionais surgem com a presunção de
constitucionalidade.”
(MENDES, Gilmar. Curso de direito constitucional. 10ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 97).

Essa deferência ao poder legislativo assume feição especial quando o


controle de constitucionalidade é feito em face de norma produzida pelos
demais entes da federação. Ela exige que o intérprete não tolha a alçada
que detêm os entes menores para dispor sobre determinada matéria.
Neste sentido, o cânone da interpretação conforme deve ser
integrado pelo que, na jurisprudência norte-americana, foi chamado de
uma presunção a favor da competência dos entes menores da federação
(presumption against pre-emption).
Assim, é preciso reconhecer, no âmbito da repartição constitucional
de competências federativas, que o Município, por exemplo, desde que
possua competência para matéria, detém primazia sobre os temas de
interesse local, nos termos do disposto no art. 30, I, da CRFB. De igual
modo, Estados e União detêm competência sobre os temas de seus
respectivos interesses, nos termos dos parágrafos do art. 24 da CRFB. Há,
dessa forma, um direcionamento das ações de governo do ente local para
o nacional, naquilo que José de Oliveira Baracho vislumbrou como sendo
o princípio da subsidiariedade do federalismo brasileiro:

“O princípio da subsidiariedade mantém múltiplas


implicações de ordem filosófica, política, jurídica, econômica,
tanto na ordem jurídica interna, como na comunitária e
internacional. Dentro das preocupações federativas, o Governo
local deve assumir grande projeção, desde que sua efetivação,
estrutura, quadros políticos, administrativos e econômicos que
se projetam na globalidade dos entes da Federação. No
exercício de suas atribuições, o governo das entidades
federativas poderá promover ações que devem, pelo menos,
mitigar a desigualdade social, criar condições de
desenvolvimento e de qualidade de vida. A Administração

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pública de qualidade, comprometida com as necessidades


sociais e aberta à participação solidária da sociedade, pode
melhorar as entidades federativas e os municípios. A partir
desse nível, concretiza-se, necessariamente a efetivação dos
direitos humanos. A descentralização, nesse nível, deverá ser
estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à
vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo
de crescimento e melhorias sociais. As burocracias centrais, de
tendências autoritárias opõem-se, muitas vezes, às medidas
descentralizadoras, contrariando as atribuições da sociedade e
dos governos locais. O melhor clima das relações entre cidadãos
e autoridades deve iniciar-se nos municípios, tendo em vista o
conhecimento recíproco, facilitando o diagnóstico dos
problemas sociais e a participação motivada e responsável dos
grupos sociais na solução dos problemas, gerando confiança e
credibilidade.”
(BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Revista da Faculdade
de Direito da UFMG, n. 35, 1995. p. 28-29)

Por evidente, não se deve confundir a maior proximidade do


governo, que naturalmente ocorre nos municípios, com mais democracia.
A Constituição é também um contraponto à captura do governo local
pelas oligarquias. É precisamente aqui que reside a fonte material de
competência dos demais entes federativos: contanto que favoreça a
realização material de direitos constitucionalmente garantidos e desde
que estejam previstas no âmbito de sua respectiva competência, podem a
União ou mesmo os Estados dispor de matérias que tangencialmente
afetam o interesse local. O federalismo torna-se, por conseguinte, um
instrumento de descentralização, não para simplesmente distribuir poder
político, mas para realizar direitos fundamentais.
Assim, seria possível superar o conteúdo meramente formal do
princípio e reconhecer um aspecto material: apenas quando a lei federal
ou estadual claramente indicar, de forma necessária, adequada e razoável,
que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação que
possuem os entes menores (clear statement rule), seria possível afastar a

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ADI 5359 / SC

presunção de que, no âmbito nacional, certa matéria deve ser disciplinada


pelo ente maior.
A clareza legislativa não se refere apenas à competência concorrente.
Em caso de dúvida sobre o título a que se dá o exercício da competência,
se comum ou concorrente, por exemplo, também cumpre à lei definir o
âmbito de atuação do ente federativo. Ressalte-se, porém, que, seja qual
for a hipótese, a assunção de competência pelo ente maior deve fundar-se
no princípio da subsidiariedade, ou seja, na demonstração de que é mais
vantajosa a regulação de determinada matéria pela União ou pelo Estado,
conforme for o caso. Trata-se, portanto, de privilegiar a definição dada
pelo legislador, reconhecendo que eventual lacuna deve ser vista como
possibilidade de atuação dos demais entes federativos, não cabendo ao
poder judiciário, à míngua de definição legislativa, retirar a competência
normativa de determinado ente da federação, sob pena de tolher-lhe sua
autonomia constitucional.

As alegações das Partes sobre a Inconstitucionalidade Formal

O argumento trazido pela Procuradoria-Geral da República é o de


que a competência para legislar sobre porte de arma de fogo é exclusiva
da União. Corrobora essa interpretação o fato de que a disciplina do porte
de arma de fogo envolve matéria penal, tema que também é da
competência privativa da União. Por isso, “ao estender porte de arma de
fogo a servidores inativos, a norma catarinense invadiu campo legislativo
constitucionalmente reservado à União”.
O Governador do Estado, por sua vez, alegou que a norma foi
editada de forma a reestruturar a carreira dos agentes penitenciários e
agentes de segurança socioeducativos, competência que, em seu entender,
é ínsita a autonomia estadual. Afirmou, ainda, que, ante a elevação dos
índices de criminalidade envolvendo adolescentes menores de 18 e ante a
inclusão dos agentes penitenciários no rol das carreiras com direito ao
porte de arma de fogo (art. 6º da Lei 10.826, de 2003), o dispositivo
impugnado limitou-se a equiparar as carreiras, nos termos da

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competência outorgadas aos Estados para legislarem sobre segurança


pública.

Análise dos Argumentos das Partes

A Constituição conferiu à União a competência para legislar sobre


material bélico (art. 22, XXI), bem como sobre direito penal (art. 22, I).
Dando vida ao mandamento constitucional, o porte de armas de
fogo foi regulamentado pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do
Desarmamento).
Como não é difícil concluir, o regramento constitucional e legal da
matéria foi desenhado de forma a dar tratamento uniforme para o tema
em todo o território nacional, à luz da preservação do interesse nacional,
como se denota, de forma nítida, do art. 6º, caput, da Lei:

“Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o


território nacional, salvo para os casos previstos em legislação
própria e para:
I – os integrantes das Forças Armadas;
II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III,
IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da
Força Nacional de Segurança Pública (FNSP); (Redação dada
pela Lei nº 13.500, de 2017)
III – os integrantes das guardas municipais das capitais
dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos
mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento
desta Lei;
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios
com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000
(quinhentos mil) habitantes, quando em serviço; (Redação dada
pela Lei nº 10.867, de 2004)
V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de
Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República; (Vide Decreto nº 9.685, de 2019)

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VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art.


51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;
VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e
guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as
guardas portuárias;
VIII – as empresas de segurança privada e de transporte
de valores constituídas, nos termos desta Lei;
IX – para os integrantes das entidades de desporto
legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem
o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei,
observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita
Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de
Auditor-Fiscal e Analista Tributário. (Redação dada pela Lei nº
11.501, de 2007)
XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da
Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos
Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros
pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de
segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo
Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional
do Ministério Público - CNMP. (Incluído pela Lei nº 12.694, de
2012)
§ 1º As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do
caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de
propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação
ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do
regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para
aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela
Lei nº 11.706, de 2008)
§ 1º-A (Revogado pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 1º-B. Os integrantes do quadro efetivo de agentes e
guardas prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação ou
instituição, mesmo fora de serviço, desde que estejam: (Incluído
pela Lei nº 12.993, de 2014)

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I - submetidos a regime de dedicação exclusiva; (Incluído


pela Lei nº 12.993, de 2014)
II - sujeitos à formação funcional, nos termos do
regulamento; e (Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014)
III - subordinados a mecanismos de fiscalização e de
controle interno. (Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014)
§ 1º-C. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.993, de 2014)
§ 2º A autorização para o porte de arma de fogo aos
integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X
do caput deste artigo está condicionada à comprovação do
requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4o desta Lei
nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei. (Redação
dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
§ 3º A autorização para o porte de arma de fogo das
guardas municipais está condicionada à formação funcional de
seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade
policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de
controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento
desta Lei, observada a supervisão do Ministério da Justiça.
(Redação dada pela Lei nº 10.884, de 2004)
§ 4º Os integrantes das Forças Armadas, das polícias
federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os
militares dos Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o
direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento
do disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do
regulamento desta Lei.
§ 5º Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e
cinco) anos que comprovem depender do emprego de arma de
fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será
concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na
categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso
permitido, de tiro simples, com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de
alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde
que o interessado comprove a efetiva necessidade em
requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes
documentos: (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

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I - documento de identificação pessoal; (Incluído pela Lei


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II - comprovante de residência em área rural; e (Incluído
pela Lei nº 11.706, de 2008)
III - atestado de bons antecedentes. (Incluído pela Lei nº
11.706, de 2008)
§ 6º O caçador para subsistência que der outro uso à sua
arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais,
responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de
arma de fogo de uso permitido. (Redação dada pela Lei nº
11.706, de 2008)
§ 7º Aos integrantes das guardas municipais dos
Municípios que integram regiões metropolitanas será
autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço. (Incluído
pela Lei nº 11.706, de 2008).”

Como se observa do caput do art. 6º, a exigência de que o porte seja


estendido a todo território federal, inequivocamente indica que a
“legislação própria” somente é que a for estabelecida pela União. À luz
do que previu a legislação federal, é inegável concluir-se que a norma
federal, de forma nítida, afastou a possibilidade do exercício das
competências complementares e suplementares dos Estados e
Municípios, ainda que a pretexto de regular carreiras ou de dispor sobre
segurança pública, seja para garanti-lo aos inativos da carreira dos
agentes penitenciários, seja para estender o porte à carreira dos agentes
do sistema socioeducativo.
Particularmente no que tange aos agentes penitenciários, a exigência
da Lei Federal é de que os servidores estejam submetidos a regime de
dedicação exclusiva, tenham formação funcional própria e que estejam
subordinados a mecanismos de fiscalização de controle interno. As
exigências previstas no Estatuto do Desarmamento não autorizam,
portanto, que o porte de armas seja estendido a servidores inativos, uma
vez que não estão submetidos a regime de dedicação exclusiva.
No que se refere aos agentes do sistema socioeducativo, a resposta
da legislação federal é inequívoca: trata-se de carreira que não foi

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contemplada entre as que excepcionalmente se admite o porte. Há, neste


ponto, até uma razão material para tanto. Nos termos da lei, a autorização
do porte se justifica apenas para pessoas cujo exercício da profissão se
sujeite a alguma periculosidade, ressalvada a hipótese esportiva prevista
no art. 6º, IX, da Lei nº 10.826/2003. E a sua necessidade tão somente se
justifica a partir do confronto com o caso concreto, ou seja, com os fins
relacionados a cada profissão.
Não obstante haja exceção legal para o porte pelos integrantes do
quadro efetivo de agentes e guardas prisionais (art. 6º, §1º), não se pode
fazer letra morta do disposto no art. 227 da Constituição da República,
em que estão estampados os deveres compartilhados da família, de toda a
sociedade e do Estado com a criança, com o adolescente e com o jovem.
Dessa forma, o agente de segurança socioeducativo trabalha sob à
égide do tratamento constitucional conferido à criança e ao adolescente,
ou seja, à luz da doutrina da proteção integral em que estes são vistos
como sujeitos de direito em desenvolvimento.
Nessa perspectiva, as medidas socioeducativas possuem caráter
pedagógico, voltado à sua preparação e reabilitação para a vida em
comunidade, formando, portanto, cidadãos.
Permitir o porte de armas para os agentes nestes casos significa,
assim, reforçar a errônea ideia do caráter punitivo de tal rede de proteção.
A medida socioeducativa não tem por escopo punir, mas prevenir e
educar.
Dessa forma, os agentes inseridos nessa realidade detêm o dever de
orientar pessoas, conforme se conclui da leitura do art. 18-A e art. 18-B,
ambos da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Assim, para além da questão formal ligada à federação e a divisão de
competências, seria possível vislumbrar até mesmo inconstitucionalidade
material da norma impugnada.
Consigno, por oportuno, que reputar que "por melhores que sejam as
medidas socioeducativas aplicadas, por mais educação, proteção, orientação que
se dê aos adolescentes que cometem atos infracionais, esses agentes lidam com
adolescentes que já optaram pelo crime, motivo pelo qual chegam a ser internados

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e a cumprir medidas socioeducativas" (eDOC 19) demonstra clara crença na


falência do projeto constitucional de ressocialização dos adolescentes
infratores, implicando a necessidade de que esta Corte não se quede
silente diante da necessária tarefa de reafirmar a diferenciação entre as
medidas socioeducativas e aquelas propriamente penais.
De todo modo, conclui-se que as medidas de prevenção e repressão
contra o crime na específica hipótese de porte não autorizado de arma de
fogo atenderão, a partir da legislação nacional, a critérios uniformes em
todo país, afastadas quaisquer discriminações odiosas entre os cidadãos.
A questão em debate é, nessa ótica, em tudo assemelhada àquela
decidida no âmbito da ADI 2.729, redator p/ o acórdão Ministro Gilmar
Mendes, DJe 11.02.2014, cuja ementa se transcreve:

“EMENTA: GARANTIAS E PRERROGATIVAS DE


PROCURADORES DO ESTADO. LEI COMPLEMENTAR
ESTADUAL. Ação direta de inconstitucionalidade. 2.
Impugnados dispositivos da Lei Complementar n. 240, de 27 de
junho de 2002, do Estado do Rio Grande do Norte. 3. Ação
julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do
inciso I e §§ 1º e 2º do artigo 86 e incisos V, VI, VIII e IX do
artigo 87. 3. Reconhecida a inconstitucionalidade da expressão
"com porte de arma, independente de qualquer ato formal de
licença ou autorização", contida no art. 88 da lei impugnada.”

Considerando o caráter didático e elucidativo do voto proferido pelo


Min. Gilmar Mendes, transcreve-se o seguinte excerto:

“A Corte acabou por aceitar tal entendimento extensivo do


art. 21, VI, segundo o qual a competência privativa da União
para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material
bélico também engloba outros aspectos inerentes ao material
bélico, como sua circulação em território nacional.
No tocante ao presente caso, entendo que
regulamentações atinentes ao registro e ao porte de arma
também são de competência privativa da União, por ter direta

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relação com a competência de autorizar e fiscalizar a produção


e o comércio de material bélico – e não apenas por tratar de
matéria penal, cuja competência também é privativa da União
(art. 22, I, da Constituição Federal).
Nesse sentido, compete privativamente à União, e não
aos Estados, determinar os casos excepcionais em que o porte
de arma de fogo não configura ilícito penal, matéria prevista
no art. 6º da Lei n. 10.826/03”.

Ou seja, conforme já decidido por esta Corte a regulamentação


referente ao registro e ao porte de arma de fogo, bem como a previsão de
exceções legais para a tipicidade penal são ambas competência privativa
da União.
Ademais, a afronta à repartição de competências se afigura clara até
mesmo a partir da leitura das informações prestadas pela Assembleia
Legislativa do Estado de Santa Catarina nos autos (eDOC 9), em que se
consignou:

"Importa ressaltar que a produção legislativa ora


vergastada, desde seu nascedouro, pretendeu equiparar estes
agentes de segurança socioeducativos aos agentes
penitenciários posto que suas atribuições estão vinculadas
diretamente a adolescentes e adultos em privação de liberdade.
É certo que o índices (sic) de criminalidade envolvendo
adolescentes menores de 18 anos é crescente - daí a discussão
em torno da redução da maioridade penal - clama por medidas
que preservem a integridade física dos servidores responsáveis
pela guarda do infrator, observado mesmo tratamento legal já
dispensado aos agentes penitenciários, especialmente com a
vigência da Lei nº 12.993/2014, que acrescentou ao art. 6º da Lei
nº 10.826/2003, o §1º-B: (...).
Com a inovação introduzida em 2014, inserindo nova
prerrogativa aos agentes e guardas prisionais na Lei do
Desarmamento, permitindo o porte de arma, mesmo fora de
serviço, a disposição ínsita no inciso V do art. 55, da LC
472/2009 aproximou, por inteiro as feições dessas categorias

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funcionais".

Para além da vigência não coincidente entre a norma estadual


impugnada e a lei nº 12.993/2014, bem como de se pretender a extensão
de exceção legal por analogia - prática hermenêutica de duvidosa
regularidade -, vê-se que a lei impugnada teve como objetivo
“aproximar” as feições de categorias funcionais (agente e guarda
prisionais e agente de segurança socioeducativo), versando, assim, sobre
matéria cujas exceções só podem ser previstas em lei de competência
privativa da União.
Em síntese, Ministro Presidente: a) entendo que o inciso V e o caput
do art. 55, no que estende o porte a inativos, da Lei Complementar nº
472/2009 do Estado de Santa Catarina, não se mostram compatíveis com a
Constituição; b) em uma dimensão formal, a Constituição conferiu à
União a competência para legislar sobre material bélico (art. 22, XXI), bem
como sobre direito penal (art. 22, I) e, de forma nítida, este ente federativo
editou lei exaustiva sobre o tema (Lei 10.826, de 2003); e c) em uma
dimensão material, permitir o porte de armas para os agentes de
segurança socioeducativo significaria reforçar a errônea ideia do caráter
punitivo da medida socioeducativa, e não o seu escopo educativo e de
prevenção, como corolário do art. 227 da CRFB.

Conclusão

Diante de todo o exposto, converto o julgamento da medida cautelar


no mérito da ação direta, para i) declarar a inconstitucionalidade do
inciso V do art. 55 da Lei Complementar nº 472/2009 do Estado de Santa
Catarina, no que autoriza o porte de arma para agente de segurança
socioeducativo; e ii) declarar parcialmente a nulidade sem redução de
texto da expressão “inativos” constante do caput do mesmo art. 55, no que
o estende aos servidores inativos da carreira de agente penitenciário
daquele Estado. Julgo, por consequência, procedente o pedido formulado
na presente ação direta.
Determino, ainda, que sejam comunicados: i) o Departamento de

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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Polícia Federal para dar integral cumprimento à presente decisão,


expedindo o necessário para a adequada ciência dos afetados; ii) o Estado
de Santa Catarina para cientificar da presente decisão todos os ocupantes
do cargo de agente de segurança socioeducativo na ativa e aposentados,
assim como todos os agentes penitenciários inativos.
É como voto.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

VOTO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente,
inicialmente cumprimento as sustentações realizadas; a Doutora Raquel
Dodge, pela Procuradoria-Geral; e as Doutoras Mayara Silva de Souza e
Thaís Nascimento Dantas, pelo amicus curiae Instituto Alana. Saúdo
também o eminente Ministro-Relator pelo voto; mas, desde logo, já digo
que irei divergir.
Em relação a alguns pontos abordados também nas sustentações
orais, inicio colocando que me parece que o núcleo da discussão foi um
pouco deslocado, seja no caput do art. 55, que diz respeito aos agentes
penitenciários, seja em seu inciso V, não se cogita, em momento algum, da
possibilidade de se ter porte de arma para utilizá-la dentro de um
estabelecimento. Não é essa a disciplina, não é essa a ratio, e não foi isso o
que ocorreu.
O agente penitenciário, seja ativo ou inativo, pelo novo decreto de
junho, pode ter o porte de arma para defender a sua segurança e a da sua
família. Ele não pode adentrar e exercer as suas funções no
estabelecimento penitenciário armado, até porque é uma regra de
segurança não poder entrar armado na penitenciária, pois a arma poderia
ser subtraída. Somente as tropas especializadas podem entrar com armas
dentro dos estabelecimentos prisionais.
O mesmo ocorre em relação aos agentes que atuam no sistema de
atendimento ao adolescente infrator. Em nenhum momento a Lei do
Estado de Santa Catarina passou a permitir que eles, estando armados,
possam exercer segurança pública fora, ou que eles possam adentrar no
estabelecimento para cumprir suas funções armados. Não foi isso o que a
lei estabeleceu! O que a legislação estadual determinou, a meu ver, de
forma constitucional, seguindo o padrão federal, foi a possibilidade de
que aqueles que atuam nas áreas principais de segurança pública, que
lidam com a privação de liberdade, tanto de indivíduos maiores - no caso
do sistema penitenciário - como os menores de dezoito anos - no caso de

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 68

ADI 5359 / SC

menores infratores -, terem porte de arma automaticamente, para que eles


possam garantir a sua segurança e de sua família.
Falo com a experiência de quem atuou na área, por ter sido
Secretário de Justiça, durante quatro anos, acumulando a presidência da
antiga Febem - hoje, Fundação Casa e, depois, Secretário de Segurança
Pública. Eu diria que 90% dos agentes que atuam no sistema do
adolescente infrator, já têm porte de arma, só que eles pedem
individualmente, mostrando os riscos. Os riscos são que eles são
constantemente ameaçados por elementos que integram quadrilhas, seja
no caso de agentes penitenciários, seja no caso de agentes que atuam com
infratores menores de 18 anos, para que eles facilitem a entrada de drogas
dentro dos estabelecimentos, para que facilitem o ingresso de outras
coisas ou até fugas. A ratio da norma é que eles não precisem solicitar caso
a caso, como fazem hoje, mas que possam ter o porte dentro de requisitos
que sigam tanto o Estatuto do Desarmamento quanto o decreto que o
regulamenta, para que possam garantir a sua segurança em virtude da
atividade que exercem.
Jamais a lei pretendeu - e não é o que ocorre - que eles passem a agir
dentro do estabelecimento, seja penitenciário, seja estabelecimento do
adolescente infrator, armados, até porque seria uma temeridade para eles
mesmos, e isso a legislação não permite.
E por que iniciei dizendo isso? Porque não se coloca em jogo a
finalidade do ECA, a proteção integral ao adolescente. Essa medida não é
voltada contra o adolescente ou seu tratamento dentro do
estabelecimento. É a possibilidade de - e leio aqui, ipsis litteris, o art. 55, V
- "porte de arma aos agentes de segurança socioeducativos, reservado o
uso fora do sistema de atendimento ao adolescente infrator".
Senhor Presidente, é bem conhecida a jurisprudência da Corte que
reconhece, por um lado, a competência legislativa concorrente da União e
estados, em matéria de segurança pública, art. 144. E, como bem
ressaltado pelo eminente Ministro Relator, identifica o interesse
preponderante da União em relação à regulamentação do porte de arma
de fogo, principalmente com base na previsão do art. 21, VI, e art. 22, XXI.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 68

ADI 5359 / SC

Nesse sentido já foi citado precedente do Plenário, ADI 3.112.


Agora, a Corte, ao identificar o interesse preponderante da União na
condução de políticas públicas destinadas ao controle e fiscalização,
produção, comércio e circulação de armas no território nacional, não
afastou a possibilidade, dentro desse federalismo de cooperação, no caso,
não só a possibilidade, mas a obrigatoriedade, de todos os entes
federativos nos termos do art. 144 da Constituição, legislarem sobre
segurança pública.
E, por essa possibilidade de legislarem, é que foi editada a recente lei
que criou um Sistema Nacional e Único de Segurança Pública. Esta
regulamentação e a possibilidade de legislação concorrente sobre
segurança pública englobam a segurança dos agentes que atuam na
segurança pública, como também melhores condições para que os agentes
que atuam no sistema lato sensu de segurança pública possam preservar a
sua incolumidade e de sua família.
Essa providência normativa - faço também, como fez o eminente
Ministro-Relator, primeiro a questão dos agentes penitenciários e depois
dos agentes do sistema da infância - do
Estado de Santa Catarina, em relação aos agentes penitenciários, nada
mais faz - a partir da edição da nova regulamentação expressa pelo
decreto presidencial - do que copiar o que a legislação federal estabelece.
A lei que acabei de citar de política nacional de segurança pública e
defesa social, conhecida como Sistema Único de Segurança Pública, Lei
federal nº 13.675/2018, foi expressa ao se referir aos órgãos do sistema
penitenciário como integrantes operacionais do Sistema Único de
Segurança Pública. É o art. 9º, caput e § 2º, inc. VIII, da Lei.
Além disso, o próprio Estatuto do Desarmamento, reconhecendo a
relevância dos órgãos estatais que lidam com a privação de liberdade e
escolta armada de indivíduos, em típicas funções de segurança pública, já
previra o porte de arma de fogo para agentes públicos em questão,
mesmo fora do efetivo exercício da função:
"Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território
nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 68

ADI 5359 / SC

...
VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas
prisionais, ...
...
§ 1º "b"- Os integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas
prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade particular ou
fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de
serviço, ..."
O recente Decreto nº 9.847/2019, que revogou os anteriores e
regulamenta o Estatuto do Desarmamento, prevê expressamente a
possibilidade de conservação do porte de arma pelos agentes
relacionados no art. 6º da Lei, os agentes e guardas prisionais, mesmo
após a inatividade. É expressa essa previsão no art. 30, cumpridos
requisitos de que, de dez em dez anos, devem se submeter aos testes de
avaliação psicológica, o que aqui se coaduna com a previsão da legislação
estadual de Santa Catarina, que devem seguir os testes psicológicos e a
forma como se concede.
O conteúdo, portanto, da norma atacada, no ponto em que previa o
porte de arma por agentes penitenciários aposentados, inativos, a meu
ver, mostra-se plenamente alinhado com a normatização editada pela
União a respeito do tema.
Em relação à previsão do porte de arma para agentes
socioeducativos, impõe destacar que, obviamente, o que as medidas
previstas pelo ECA e as medidas de todo o sistema de funcionamento
visam é a proteção integral à criança e ao adolescente. E a norma do
Estado de Santa Catarina em momento algum afeta essa proteção.
E, embora as medidas não sejam, obviamente, temas próprios do
Direito Penal, da persecução penal, é inegável, principalmente na questão
da internação, que há correlação entre a prática de atos infracionais e
comprometimento da segurança pública, da ordem e da incolumidade
pública. Basta dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente nem se
preocupou em definir quais seriam os atos infracionais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente identificou como atos

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 5359 / SC

infracionais exatamente as mesmas condutas tipificadas na legislação


penal como crime. A diferença é que, em virtude da inimputabilidade
penal para os menores de 18 anos, as elementares do tipo, que tipificam a
infração penal para os maiores de idade, para aqueles adolescentes, para
os menores de idade, tipificam atos infracionais. Então, a correlação é
idêntica porque a matéria é de segurança pública. A imputabilidade ou
inimputabilidade penal não retira o caráter ilícito do fato. E mais, não
retira a agressão à segurança pública.
Mas, numa forma como se entende, a própria Constituição, no art.
228 assim dispôs, aqueles que não completaram 18 anos, inclusive em
virtude de estudos médicos e científicos, pela maior possibilidade de
recuperação, não devem se submeter, no Brasil, à persecução penal. A
responsabilidade se dá de uma outra forma, mas o ato infracional é
equivalente ao tipo penal.
E mais, no caso de internação, aqueles que se encontram internados,
percentualmente, praticaram atos infracionais mais graves do que aqueles
que praticaram crimes. Por quê? Porque também visando à proteção
integral do adolescente, o ECA não permite a internação por atos
infracionais praticados sem violência, salvo reiteração, o que não ocorre
no caso dos maiores de idade.
Ou seja, há um sistema de proteção ao adolescente, afastando o
adolescente da persecução penal, afastando da imputabilidade penal, mas
o próprio ECA, seguindo a disposição constitucional, prevê também um
sistema de proteção à sociedade em relação aos adolescentes infratores
que praticam atos tipificados como crimes. Consequentemente, a função
exercida pelo agente penitenciário, ou duas das principais funções, são
exatamente idênticas a duas funções dos agentes socioeducativos.
Aqui, o Anexo 2 da Lei Complementar Estadual nº 472,
regulamentando quais as posições do agente socioeducativo, estabelece
expressamente: " 2 - zelar pela disciplina geral dos internos bem como
fiscalizar e acompanhar os adolescentes nas obras de maior
periculosidade". Os internos, ou seja, a mesma função do agente
penitenciário no caso do regime fechado. "9 - executar outras atividades

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 5359 / SC

compatíveis com o cargo, como escolta e transporte dos adolescentes". As


funções, nesse caso, são aquelas que o próprio ECA, no art. 125, permite.
Ou seja, as funções de organização do Estado, para que se estabeleça
medidas adequadas de contenção e segurança.
Então, ao estabelecer essas mesmas funções, ao realizar exatamente,
nesses tópicos, as mesmas funções dos guardas prisionais, os agentes
socioeducativos ingressam, a meu ver, no que o art. 6°, VII, do Estatuto
do Desarmamento permite: o porte de armas para agentes prisionais.
E volto a dizer: eles não vão utilizar jamais as armas dentro do
estabelecimento, assim como os agentes penitenciários não utilizam. A
questão é: mesmas funções, mesmo perigo externo, porque os mesmos
fatos típicos previstos em lei, as elementares que são tipificadas como
crime para maiores, são atos infracionais para os menores de idade.
Então, a proteção que se exige e a proteção garantida, a meu ver, pela
interpretação da legislação federal, e corroborada pela legislação estadual
do Estado de Santa Catarina, prevê que eles possam exercer a sua
segurança.
E, obviamente, não se afasta que há correlação entre menos armas
nas ruas, menos crimes nas ruas. É inegável isso. O Japão é um grande
exemplo disso. O Japão tem a média, aproximadamente, de 0,4
homicídios por 100 mil habitantes, e, por dois anos consecutivos, foi o
único país do mundo - daqueles que são divulgados - que não teve
nenhum homicídio com arma de fogo; teve homicídio com armas brancas.
Obviamente, até pelo fato de ser uma ilha e pela disciplina japonesa, essa
fiscalização é maior. No próprio estado de São Paulo, que é o estado que
tem o menor número de homicídios por 100 mil habitantes, uma das
causas disso são as constantes operações realizadas, já há mais de 20 anos,
para desarmamento.
Agora, nós não podemos confundir as questões. Em todas essas
operações de desarmamento, mais de 85% são armas absolutamente
ilegais e 15% são armas com porte vencido. E, no caso dos homicídios
praticados, diferentemente do que às vezes aparece na grande mídia, a
grande parte, a maioria praticada no Brasil não é por fuzil - obviamente o

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 68

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fuzil atemoriza -, são por armas furtadas ou roubadas.


Então, não é questão de se conceder porte de armas para agentes que
correm risco de vida que vai aumentar ou diminuir a criminalidade. A
questão é uma maior fiscalização, uma fiscalização mais rigorosa em
armas ilegais. Pasmem, 37% dos homicídios são cometidos com
revólveres de calibre 38, furtados ou roubados, de agências privadas de
segurança, ou de bancos, ou de agentes de segurança, em virtude de uma
alteração lá atrás na legislação federal, que não exige mais cofre, basta um
armarinho com cadeado para isso. Então, várias vezes, há roubos a
bancos, mesmo sabendo que não há muito dinheiro na agência bancária,
para se levar o revólver e o colete à prova de balas. É isso que deve ser
coibido.
Todos os estados que realizaram mais operações para coibir o porte
ilegal de armas tiveram decréscimo importantíssimo no número de
homicídios. E Santa Catarina, é importante que se diga, é o segundo
estado com o menor número de homicídios por cem mil habitantes no
Brasil.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Vossa
Excelência me permite um aparte, Ministro?
Embora já tenha utilizado a palavra como Relator, como eu me cingi
à inconstitucionalidade formal, e Vossa Excelência está trazendo alguns
dados estatísticos que adentram a discussão da matéria propriamente
dita, que se junge à substância da previsão, ou não.
O problema, como disse e peço licença a Vossa Excelência para
reiterar, é que a legislação estadual não tem conformidade com aquilo
que adveio, em termos legislativos, da União. Aliás, e Vossa Excelência
fez referência à sua experiência no Estado de São Paulo - por modéstia,
certamente, não fez a menção à função de Ministro da Justiça, em que
também esse tema foi ventilado -, em 2018, Vossa Excelência já não era
mais Ministro da Justiça, era o Doutor Torquato Jardim, foi editada a
nova Lei do Susp, à que Vossa Excelência fez referência. E, no art. 9º, IX,
expressamente retirou-se do Susp os agentes socioeducativos. E há uma
referência na mensagem de veto do Presidente da República à razão pela

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

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ADI 5359 / SC

qual os socioeducativos não deveriam constar.


De modo que eu me cingi mais a um juízo técnico da
inconstitucionalidade de natureza formal. Apenas esta observação que eu
gostaria de fazer.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Agradeço,
Ministro Fachin, mas reitero que entendo estar absolutamente em
consonância com a legislação federal, seja porque, em relação aos agentes
penitenciários, expressamente o art. 30 do Decreto nº 9.847/2019 permite
aos inativos, seja porque, ao estabelecer a "função" e não o cargo - isto é
importantíssimo -, a função de guarda prisional, de integrante de escolta,
e não o cargo específico de agente penitenciário, o inc. VII do citado art. 6º
do Estatuto do Desarmamento, estende a possibilidade a todos aqueles
que exercem essa função. É muito claro: integrantes das escoltas de
presos. Quem realiza essa escolta, no caso de menores apreendidos, são
os agentes socioeducativos.
Então, a meu ver, com toda vênia ao eminente Ministro-Relator, não
há inconstitucionalidade formal, porque aqui prevalece a competência
concorrente para legislar sobre segurança pública, estabelecida no art. 144
da Constituição e já proclamada várias vezes por esta Corte.
Dessa forma, a competência prevista no art. 22, XI, da Constituição,
acerca do armamento, da questão bélica, é para a edição das normas
gerais, ou seja, a partir do estabelecimento de quais funções que podem
ter porte de arma, dentre elas, aqueles cargos que exercem a função de
guarda de pessoas privadas e sua liberdade de escolta de pessoas
privadas de liberdade, como estabelece o inc. VII do art. 6º do Estatuto do
Desarmamento, os estados podem legislar.
Seria inconstitucional, como já declaramos aqui, a meu ver, se o
estado legislasse, como legislou, para o oficial de justiça ter porte de
arma, pois não há paralelo nas funções - não entro no mérito se seria
importante, ou não -, mas não há paralelo entre as funções descritas no
Estatuto do Desarmamento. No caso dos agentes socioeducativos, há esse
paralelo.
Pedindo então todas as vênias ao eminente Ministro-Relator, julgo

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 68

ADI 5359 / SC

improcedente o pedido.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Presidente,


a hipótese é fácil de descrever.
Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade que procura
impugnar os dispositivos de uma lei estadual de Santa Catarina que
autoriza porte de arma aos agentes de segurança socioeducativos. Os
agentes de segurança socioeducativos são aqueles que trabalham em
estabelecimentos de internação de menores infratores. Portanto, esta é a
discussão: saber se esses agentes, a exemplo de agentes penitenciários e
outros, deveriam ou não ter o direito de porte de arma.
O Ministro Luiz Edson Fachin votou simultaneamente pela
inconstitucionalidade formal e material dessa lei. Formal por entender
que se trata, aqui, de uma norma que cuida de Direito Penal e de uma
norma que cuida de material bélico, sendo que ambos esses temas são de
competência legislativa privativa da União; o Ministro Fachin foi além
para entender também presente uma inconstitucionalidade material.
Entendeu ele, em síntese, que a função desses agentes socioeducativos
deveria ser a de educar e prevenir a atuação desses menores e que o porte
de arma daria, em alguma medida, uma conotação repressiva, punitiva,
ameaçadora a esses profissionais, em violação ao art. 227 da Constituição,
que estabelece a proteção da criança e do adolescente.
Eu vou pedir todas as vênias ao eminente Relator para esposar aqui
uma posição divergente.
Em primeiro lugar, não vejo essa inconstitucionalidade formal, pois
não estamos aqui cuidando de Direito Penal, não estamos definindo tipos
penais, e, a meu ver, não é uma questão envolvendo propriamente
material bélico, nós estamos no domínio da segurança pública e da
segurança pessoal desses profissionais e, consequentemente, por ser
segurança pública, a competência tanto legislativa quanto administrativa

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 68

ADI 5359 / SC

recaem sobre os três entes federativos, União, estados e municípios.


Portanto não vislumbro a inconstitucionalidade formal.
Penso que o Estado de Santa Catarina poderia, sim, legislar sobre
essa matéria, desde que observados limites constitucionais e da legislação
federal. E a legislação federal, no Estatuto do Desarmamento, abre espaço
específico para esse tipo de providência que foi aqui determinado, porque
prevê o art. 6º da Lei nº 10.826, conhecida como Estatuto do
Desarmamento:

"Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o


território nacional," - e o faz muito bem - "salvo para os casos
previstos em legislação própria e para:"

E aí o inciso VII prevê:

"VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e


guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as
guardas portuárias;
(...)".

Sendo assim, acho que há margem na legislação federal para agentes


de segurança em geral. E esses agentes socioeducativos não deixam de ser
agentes de segurança, ao menos lato sensu, e estão contemplados nessa
legislação.
Tampouco vejo inconstitucionalidade material. E esse é um ponto
muito importante e consta expressamente do texto normativo. Eu
concordo plenamente com o Ministro Luiz Edson Fachin que seria
impensável que os agentes socioeducativos pudessem portar armas
dentro dos estabelecimentos socioeducativos.
Como observou o Ministro Alexandre de Moraes, o porte de arma
dentro do sistema penitenciário é reservado a quadros especificamente
treinados e qualificados para isso. Portanto, não há o risco do emprego de
arma de fogo dentro do ambiente de trabalho em que haja menores, salvo
por violação à lei, porque a lei é expressa ao dizer: o porte de armas aos

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 68

ADI 5359 / SC

agentes de segurança socioeducativos, reservado o uso fora do sistema de


atendimento ao adolescente infrator. Logo, a lei é expressa de que ele não
pode valer-se do porte de arma dentro do estabelecimento.
Então, o que justifica o porte de arma para um agente de segurança?
Aqui cumprimento não só a Procuradora-Geral da República,
Doutora Raquel Dodge, como as duas ilustres advogadas que estiveram
na tribuna defendendo com proficiência a tese que entendem correta,
Doutora Mayara Silva de Souza e Doutora Thaís Nascimento Dantas.
Então, se não se pode usar a arma dentro do estabelecimento
socioeducativo, o que justifica o porte de arma? O fato de que essas
pessoas, os agentes socioeducativos, fora do seu ambiente de trabalho,
como os agentes de segurança em geral, estão sujeitos, sim, a ameaças, a
intimidação e a riscos, às vezes, não apenas para eles, como para,
inclusive, sua família, logo, é preciso, infelizmente, abandonar um pouco
uma visão desenganadamente romântica para cair no mundo real.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Mas,
Ministro Barroso, permite-me Vossa Excelência?
Não há romantismo aqui, há uma Lei de 2018 que retirou os agentes
socioeducativos do sistema de segurança pública por veto expresso do
Presidente da República, de modo que, se houver romantismo, foi no veto
do Presidente da República.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Permite-me,
Ministro Luís Roberto Barroso? Eu até acabei não comentando isso.
Eu participei, junto, inclusive, com o Ministro Gilmar e o então
Presidente do Senado, Senador Eunício, e o atual Presidente da Câmara
dos Deputados Rodrigo Maia, sobre a elaboração do Sistema Único de
Segurança. Na verdade, colocou-se pelo Congresso, houve o veto muito
mais por pedidos dos governadores por questão salarial, do que
propriamente por se entender que não fariam parte.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Então
Vossa Excelência está confirmando que houve o veto.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Sim,
obviamente, jamais diria que Vossa Excelência errou, mas houve o veto

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 68

ADI 5359 / SC

para se retirar do Sistema Único, não houve o veto para se retirar da


função de segurança pública.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Pois, então,
retomando aqui, quer dizer, a visão romântica não é propriamente do
legislador, menos ainda do Ministro Fachin, mas a verdade é que nós
estamos lidando com um mundo, às vezes, de criminalidade que,
inclusive, se vale de agentes que são menores de idade no cerco externo a
essas pessoas. E essa é a dura realidade. Nós estamos falando, em última
análise, é da segurança pessoal desses indivíduos fora do ambiente onde
haja menores.
Portanto, e por essa razão, Presidente, não alcanço a incidência de
uma vedação do art. 227, que fala da proteção prioritária dos menores,
porque no ambiente em que haja menores simplesmente é interditado o
uso de armas em geral. De modo que, como disse, a lei é expressa.
Eu gostaria de dizer que sou francamente favorável ao
desarmamento geral como regra. Devo dizer que votei vencido no
plebiscito realizado subsequentemente à aprovação do Estatuto do
Desarmamento. Eu acho que o porte de arma deve ser a exceção, e não a
regra, e que somente se justifica para pessoas que estejam sujeitas,
normalmente, por dever funcional, a situações de risco e situações de
confronto com a criminalidade.
Um pouco ao contrário de algumas convicções que existem por aí,
creio que o excesso de armas é uma das causas, e é uma causa relevante,
de o Brasil ter se tornado tragicamente o país mais violento do mundo,
com mais de sessenta mil mortes por homicídio anualmente. As
estatísticas variam entre sessenta e três mil e sessenta e cinco mil,
portanto são números superiores aos países em guerra. E boa parte desses
homicídios é causado por armas de fogo. De modo que o contrabando de
armas, o furto de armas e a política de drogas, a meu ver, estão por trás
desse genocídio anual que se pratica no Brasil, mas essa é uma outra
discussão.
Eu penso que aqui nós estamos diante da exceção, alguém que, para
prestar um serviço público, se submete a uma situação de risco fora da

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 68

ADI 5359 / SC

área onde estão as instituições socioeducativas. Ele sofre risco quando ele
vai para o trabalho, ele sofre risco quando ele volta para casa, ele sofre
risco quando ele vai ao supermercado, porque o ambiente da
criminalidade, sobretudo para obter vantagens e favores, inclusive dentro
dos estabelecimentos de detenção, trabalham com a intimidação e com a
ameaça desses agentes públicos. Sendo assim, acredito que é um
instrumento de proteção de pessoas que estão servindo a sociedade, sem
oferecer nenhum risco aos menores, porque dentro do estabelecimento
onde tem menores ele não pode entrar armado.
De modo que eu peço todas as vênias ao eminente Ministro Luiz
Edson Fachin, entendo e compartilho das preocupações que motivam a
sua convicção, mas penso que essas preocupações não prevalecem nesta
situação específica.
Presidente, estou votando para assentar a seguinte tese, a seguinte
proposição jurídica:
Os agentes socioeducativos têm direito a porte de arma nos termos
do artigo 6º, VII, da Lei nº 10826/2003, reservado o uso fora dos
estabelecimentos educacionais de menores infratores.
É como voto, pela improcedência do pedido.

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 68

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : THAIS NASCIMENTO DANTAS
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber: 1. Trata-se de ação direta de


inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo
Procurador-Geral da República, na qual se questiona a validade
constitucional da expressão 'inativos', contido no caput do art. 55 da Lei
Complementar estadual nº 472/2009-SC, e do inciso V do mesmo artigo,
que autoriza o porte de arma para agentes de segurança socioeducativos
do Estado de Santa Catarina.
2. A parte requerente alega que o Estatuto do Desarmamento, lei de
caráter nacional, "deliberadamente, não incluiu no rol exaustivo de seu art. 6º -
que enumera os agentes públicos e privados aos quais defere porte de arma de
fogo - a categoria de agentes socioeducativos" e que "tampouco previu
possibilidade de servidores inativos, de quaisquer categorias, continuarem a
portar arma de fogo".
Alega que o STF entendeu que a matéria de porte de arma de fogo é
questão de segurança nacional e que a interpretação da expressão 'material
bélico', constante dos artigos 21, VI, e 22, XXI, da Constituição Federal, deve
englobar não só materiais de uso das Forças Armadas, mas também armas e
munições cujo uso seja autorizado.
Sustenta, ainda, que na ADI 2.729 assentado que, "como somente à
União foi atribuída competência para legislar sobre matéria penal (CR, art. 22,

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ADI 5359 / SC

I), apenas ela poderia dispor sobre regra de isenção de porte de arma de fogo, o
que, do contrário, seria considerado conduta penal típica pelos art. 12, 14 e 16 do
Estatuto do Desarmamento".
3. O Ministro Relator adotou o art. 10 da Lei 9.868/1999, de modo
que a questão posta para deliberação e decisão deste Plenário neste
momento se circunscreve à concessão da medida cautelar, sujeita à
configuração dos requisitos legais, a saber, o perigo da demora na
prestação jurisdicional e a plausibilidade do direito alegado.
4. A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina manifestou-
se pelo indeferimento da liminar e, ao final, pela improcedência do
pedido. Justifica sua posição jurídica no argumento principal de que o
texto normativo questionado teve por objetivo equiparar os agentes de
segurança socioeducativos aos agentes penitenciários, uma vez que suas
atribuições estão vinculadas diretamente a adolescentes e adultos em
privação de liberdade.
Em suas palavras: “Com a inovação introduzida em 2014, inserindo nova
prerrogativa aos agentes e guardas prisionais na Lei do Desarmamento,
permitindo o porte de arma, mesmo fora de serviço, a disposição ínsita no inciso
V do art. 55, da LC 472/2009 aproximou, por inteiro as feições dessas categorias
funcionais. Além do mais, a possibilidade de organizar as carreiras funcionais,
suas garantias e modo de atuação dos agentes de segurança socioeducativo no
Estado, no contexto das atividades dos agentes de segurança pública, assim
definidos no art. 144 da Carta Federal, não discrepa da interpretação de que ao
estado- membro é dada a competência de legislar sobre a matéria.”
5. O Governador do Estado de Santa Catarina defendeu a
improcedência da ação, na mesma linha argumentativa da Assembleia
Legislativa.
6. A Advocacia-Geral da União, na manifestação apresentada,
argumentou pelo deferimento parcial do pedido de medida cautelar, para
que seja suspensa a eficácia do inciso V do art. 55 da Lei Complementar
nº 472/2009-SC.
7. Tese jurídica controversa: a atribuição de porte de armas aos
agentes de segurança socioeducativos em legislação complementar

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ADI 5359 / SC

estadual implica usurpação de competência privativa da União para


legislar sobre direito penal e material bélico. Parâmetro normativo
constitucional apontado: arts. 21, VI; 22, I E XXI; 27, § 3º; E 32, § 3º.
Em outras palavras: a lide reside nos limites da repartição de
competências entre os diversos entes da federação para legislar sobre o
tema exposto, matéria nuclear do federalismo brasileiro.
8. De acordo com o desenho institucional do federalismo brasileiro,
configurado na repartição de competências legislativa, a Constituição
Federal, em seu art. 22, incisos I e XXI, respectivamente, atribui à
competência privativa da União legislar sobre direito penal e sobre
material bélico, em razão da necessidade de disciplina jurídica coerente e
uniforme a respeito.
9. À vista deste cenário normativo, a Lei 10.826 de 2003
regulamentou a matéria sobre registro, posse e comercialização de armas
de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, e
definição de crimes e outras questões correlatas.
O propósito desta competência privativa da União é dar unidade ao
direito referente à produção e comercialização de material bélico, assim
como de instituição de ilícitos penais, de modo a construir um sistema de
segurança pública unificado no país. Por esta razão, a Lei 10.826/2003,
conhecida como o Estatuto do Desarmamento, instituiu como ilícito penal
o porte de arma de fogo fora das hipóteses excepcionadas na lei.
Nesse sentido, mais especificamente em seu art. 6º, estabelece, como
norma de exceção, as hipóteses de autorização para o porte de arma:

“Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o


território nacional, salvo para os casos previstos em legislação
própria e para:
I – os integrantes das Forças Armadas;
II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III,
IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da
Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);
III – os integrantes das guardas municipais das capitais
dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos

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mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento


desta Lei (ADI 5538, ADI 5948);
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios
com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000
(quinhentos mil) habitantes, quando em serviço (ADI 5538, ADI
5948);
V – os agentes operacionais da Agência Brasileira de
Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República;
VI – os integrantes dos órgãos policiais referidos no art.
51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;
VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e
guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as
guardas portuárias;
VIII – as empresas de segurança privada e de transporte
de valores constituídas, nos termos desta Lei;
IX – para os integrantes das entidades de desporto
legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem
o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei,
observando-se, no que couber, a legislação ambiental.
X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita
Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de
Auditor-Fiscal e Analista Tributário;
XI - os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da
Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos
Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros
pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de
segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo
Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional
do Ministério Público – CNMP;
§ 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do
caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de
propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação
ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do
regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para

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aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI.


§ 1º-B. Os integrantes do quadro efetivo de agentes e
guardas prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação ou
instituição, mesmo fora de serviço, desde que estejam:
I - submetidos a regime de dedicação exclusiva;
II - sujeitos à formação funcional, nos termos do
regulamento;
III - subordinados a mecanismos de fiscalização e de
controle interno.
§ 1º-C. (VETADO).
§ 2o A autorização para o porte de arma de fogo aos
integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI, VII e X
do caput deste artigo está condicionada à comprovação do
requisito a que se refere o inciso III do caput do art. 4 O desta
Lei nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei.
§ 3o A autorização para o porte de arma de fogo das
guardas municipais está condicionada à formação funcional de
seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade
policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de
controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento
desta Lei, observada a supervisão do Ministério da Justiça.
§ 4o Os integrantes das Forças Armadas, das polícias
federais e estaduais e do Distrito Federal, bem como os
militares dos Estados e do Distrito Federal, ao exercerem o
direito descrito no art. 4o, ficam dispensados do cumprimento
do disposto nos incisos I, II e III do mesmo artigo, na forma do
regulamento desta Lei.
§ 5o Aos residentes em áreas rurais, maiores de 25 (vinte e
cinco) anos que comprovem depender do emprego de arma de
fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será
concedido pela Polícia Federal o porte de arma de fogo, na
categoria caçador para subsistência, de uma arma de uso
permitido, de tiro simples, com 1 (um) ou 2 (dois) canos, de
alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16 (dezesseis), desde

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que o interessado comprove a efetiva necessidade em


requerimento ao qual deverão ser anexados os seguintes
documentos:
I - documento de identificação pessoal
II - comprovante de residência em área rural;
III - atestado de bons antecedentes.
§ 6o O caçador para subsistência que der outro uso à sua
arma de fogo, independentemente de outras tipificações penais,
responderá, conforme o caso, por porte ilegal ou por disparo de
arma de fogo de uso permitido.
§ 7º Aos integrantes das guardas municipais dos
Municípios que integram regiões metropolitanas será
autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço.

10. Do texto normativo do art. 6º da Lei 10.826/2003, emerge que


dentre as hipóteses excepcionadas não se encontra a categoria de fato dos
agentes socioeducativos. A razão subjacente da legislação federal, bem
vistas as coisas, densifica e empresta eficácia normativa ao texto
constitucional, especificamente o art. 227, que trata dos princípios e
valores que devem ser observados na disciplina da criança e do
adolescente, com fundamento na doutrina da proteção integral, que
coloca estes atores como sujeitos em desenvolvimento.
Daí a escolha constitucional e legislativa de excluir do sistema penal
comum, fundado na lógica da punição e repressão, as crianças e
adolescentes, e incluí-las em sistema específico, conforme disciplina penal
instituída pelo ECA, fundado na lógica do caráter pedagógico.
Com fundamento, portanto, nessas razões jurídicas constitucionais, é
que a legislação federal (Estatuto do Desarmamento) excluiu da previsão
excepcional o porte de armas pelos agentes socioeducativos.
11. Ao lado dessa justificação subjacente da escolha legislativa pela
exclusão dos agentes socioeducativos do porte de armas, a partir de uma
abordagem do conteúdo material constitucional, o ato normativo
impugnado nesta ação direta de inconstitucionalidade apresenta vício de

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ordem formal.
12. A competência privativa da União para legislar sobre direito
penal e material bélico, em especial sobre o porte de arma de fogo e a
instituição de exceções legais para a tipicidade penal, já foi objeto de
deliberação e decisão por parte deste Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da ADI 2729, conforme ementa que transcrevo abaixo:

“GARANTIAS E PRERROGATIVAS DE
PROCURADORES DO ESTADO. LEI COMPLEMENTAR
ESTADUAL. Ação direta de inconstitucionalidade. 2.
Impugnados dispositivos da Lei Complementar n. 240, de 27 de
junho de 2002, do Estado do Rio Grande do Norte. 3. Ação
julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do
inciso I e §§ 1º e 2º do artigo 86 e incisos V, VI, VIII e IX do
artigo 87. 3. Reconhecida a inconstitucionalidade da expressão
"com porte de arma, independente de qualquer ato formal de
licença ou autorização", contida no art. 88 da lei impugnada.”

13. O ato normativo estadual, ao conceder o porte de arma de fogo a


agentes socioeducativos, para além das hipóteses previstas no rol fechado
do art. 6 da Lei 10.826/2003, violou competência privativa da União para
legislar sobre a matéria, nos termos do que prescreve o art. 21, VI, e 22, I e
XXI, da Constituição Federal, sobretudo porque institui hipótese de
isenção de figura penal típica nos limites territoriais do ente federado,
questão relacionada a material bélico.
Nessa quadra, entendo que os argumentos sustentados nas
informações prestadas pela Assembleia Legislativa e pelo Governador do
Estado, no sentido de que a inserção de novas prerrogativas aos agentes e
guardas prisionais na Lei do Desarmamento, com a reforma de 2014,
permitindo o porte de arma, mesmo fora de serviço, é convergente com a
disposição contida no inciso V do art. 55 da LC 472/2009, que aproximou,
por inteiro as feições dessas categorias funcionais, não tem validade
jurídico-constitucional.
Ademais, compreendo que a matéria regulada na legislação estadual

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 68

ADI 5359 / SC

não versa disciplina de organização das carreiras funcionais, suas


garantias e modo de atuação dos agentes de segurança socioeducativo no
Estado, fato que justificaria a competência estadual, nos termos do art.
144 da Carta Federal. Tal abordagem do problema jurídico posto significa
negligenciar o objetivo principal do texto normativo impugnado, que
implica autêntico inadimplemento constitucional.
14. Assim, em juízo de cognição sumária, atrelado, pois, aos
requisitos da plausibilidade do direito e do perigo da demora na
prestação jurisdicional, e considerando o precedente firmado por este
Plenário, no sentido da competência privativa da União, em situação
semelhante, concluo em um primeiro momento pelo deferimento da
medida cautelar. Adiro, ato contínuo à proposta do eminente Relator de
conversão do exame da medida cautelar em julgamento do mérito da
ação direta de constitucionalidade, acompanhando na íntegra o voto
proferido por Sua Excelência, forte nos fundamentos que expôs.
É como voto.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégia


Corte, ilustre representante do Ministério Público, Senhores Advogados e
estudantes presentes.
Senhor Presidente, assistindo aos debates, sob o ângulo formal,
fiquei efetivamente convencido de que não há essa inconstitucionalidade.
A União tem essa competência reservada para materiais bélicos, para a
proteção da criança, da adolescência, mas também é preciso proteger
aqueles que protegem a coletividade.
Eu entendo que, sob um ângulo axiológico de uma Constituição pós-
positivista, em que o ser humano ilumina o universo jurídico, não seria
justo que uma pessoa, a qual defende a vida dos integrantes da
coletividade, tivesse a sua vida legada à própria sorte. E por que sua vida
é legada à própria sorte? Porque os riscos que um agente penitenciário
corre são exatamente os mesmos que correm os agentes socioeducativos.
Isso é uma comprovação da imbricação do direito com a realidade. Não
se trata de uma mera divagação acadêmica, foi extraído de dados
empíricos da sociedade.
A título de exemplo, colhi algumas informações recentes: Agentes
socioeducativos interceptam carta com ameaça de fuga e morte. Então, nessa
carta interceptada, os menores ressaltam que os agentes socioeducativos
não usam arma e que então ficaria fácil para que eles fossem dominados,
e que seria viável o resgate de outros menores.
Por outro lado, há notícias de motins sanguinários nessas casas de
menores exatamente porque os agentes socioeducativos são comumente
feitos reféns. Aqui há até o trecho da carta em que o menor diz: "Como o
agente socioeducativo não tem arma, nós realizamos o motim, vamos ser
endereçados para o setor de crianças e adolescentes e ali conseguiremos
matar esse agente socioeducativo".
Há também aqui inúmeras notícias de motins realizados e de

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 68

ADI 5359 / SC

perseguições aos agentes socioeducativos depois que eles se afastam das


funções. Eles ficam na mira daqueles que foram objeto dos seus efetivos
cuidados.
Então, Senhor Presidente, diante desse quadro real e dessa
inexistência de inconstitucionalidade, verifico que os agentes
socioeducativos, na defesa da própria vida, na medida em que não
podem utilizar o armamento no estabelecimento, como está claro no art.
55, assim como protegem a sociedade, têm também o direito fundamental
de serem protegidos.
E o que é pior, Senhor Presidente, hoje em dia, essa clientela que é
cooptada pelo crime organizado, infelizmente, é composta exatamente
por adolescentes infratores, que adquirem uma alta periculosidade na
escola do crime. Então, entendo que entre proteger a criança, já que o
agente não usa arma dentro do estabelecimento, e proteger o agente
socioeducativo, a balança da Justiça prepondere para a tutela da vida
humana desses servidores da sociedade.
Eu também acompanho a divergência aberta, pedindo vênia ao
Ministro Edson Fachin que, como de regra, traz um voto quase
irrespondível e do qual dá muito trabalho divergir.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 68

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, inicio

também por cumprimentar a Senhora Procuradora-Geral da República e às

doutas Advogadas que assomaram à tribuna com tanta proficiência.

De pronto, peço vênia ao eminente Ministro Alexandre de

Moraes, que inaugurou a divergência, para acompanhar o Ministro-Relator. Farei

juntada de voto.

Relembro rapidamente que, quando julgamos a Ação Direta de

Inconstitucionalidade 2.729, aqui mencionada mais de uma vez, o Ministro

Ricardo Lewandowski, em seu voto, atentava para a transcendência e atualidade

do tema, que é análogo de alguma forma ao que aqui se põe. Ou seja, o direito do

cidadão à segurança pública e o dever do Estado de estabelecer quais os modos e

meios de que se pode dispor para a garantia do Estatuto do Desarmamento, da

higidez do desarmamento.

Naquela ocasião, o Ministro Lewandowski dizia exatamente da

transcendência e da atualidade do tema, que é análogo ao atual, ou seja, o que é

segurança pública, o que é armamento e desarmamento, para os fins específicos

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 68

de saber a competência constitucional atribuída aos entes da federação; e ao

cuidado material constitucionalmente estabelecido para a proteção daqueles que,

eventualmente, ficam sob a atuação, no caso específico agora, dos agentes do

sistema socioeducativo.

Como disse, Senhor Presidente, estou me encaminhando no

sentido da procedência da ação, para declarar a inconstitucionalidade, pelos

motivos que foram esposados formalmente pelo Ministro Edson Fachin, Relator,

considerando que a política criminal de âmbito nacional estabelece as regras, não

apenas sobre fabricação, comercialização, circulação, mas também sobre utilização

de armas de fogo, também englobou este tema que foi aqui tratado, e que, em

outros julgados, este Supremo disse que se estende para além das apenas

comercialização e produção de material bélico.

A interpretação que demos - até aqui, pelo menos - foi

exatamente no sentido de não se permitir que os estados pudessem cuidar desse

tema que foi tratado na lei catarinense. Essa é a razão, basicamente, pela qual

também adoto os mesmos fundamentos aproveitados pelo Ministro Edson Fachin.

Estou acompanhando Sua Excelência para julgar procedente a

presente ação.

Publicado sem revisão. Art. 95 do RISTF.

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 68

07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

OBSERVAÇÃO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, só uma


pequena observação desse dado importante que o Ministro Lewandowski
trouxe.
Hoje há estudos, sob o ângulo da economia comportamental, que
algumas medidas, como essa de defesa do agente socioeducativo, geram
uma externalidade importante que é o desincentivo às atividades
criminosas.
Cito um exemplo simples: os prédios hoje têm todos uma placa
dizendo que o prédio está sendo protegido com linha direta para a
delegacia e etc. Infelizmente, os adolescentes são cooptados por essas
organizações criminosas, por força da imputabilidade parcial, e eles são
cruéis na atividade criminosa. Há casos em que esses agentes
socioeducativos são perseguidos.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Ministro
Fux, perdão, acho que Vossa Excelência está trazendo um argumento
importantíssimo, mas eu quero crer que, se o Estado for incapaz de
proteger os agentes responsáveis pela segurança pública, incluindo os
agentes socioeducativos, é a falência do Estado. Temos que fechar o
Estado.
Se nós cogitarmos de permitir que os agentes públicos se armem
para se defender, substituindo-se ao Estado, que tem essa obrigação,
realmente nós estamos numa situação, data venia, falimentar, penso eu,
com todo o respeito.

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 68

07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : THAIS NASCIMENTO DANTAS
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG

OBSERVAÇÃO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente, só
uma observação que entendo importante e eu já tinha citado
anteriormente.
Obviamente, parece-me que todos são a favor do desarmamento.
Não é armando a população que nós vamos resolver os problemas de
segurança. Agora, os agentes que lidam diretamente com a criminalidade,
em todos os países civilizados do mundo, têm direito à utilização. O
grande problema, eu volto a insistir, é a fiscalização, porque mais de 80%
dos homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidos de morte são
praticados com armas ilegais.
Vejam que o fato de o Estatuto do Desarmamento - que foi
importantíssimo - ter sido editado não diminuiu o número de homicídios
no Brasil. O número de homicídios aumentou. É culpa do Estatuto? Claro
que não! É culpa da falta de fiscalização. Em 2003, eram 51.043
homicídios. Nós tivemos, no ano passado, 60.000 homicídios. Logo após o
Estatuto, com a grande fiscalização de armas ilegais, esse número caiu de
51 para 48-47 e logo voltou para 51 e foi aumentando pela falta de
fiscalização. Nós temos que tirar as armas ilegais. Temos que retirar as

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Observação

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 68

ADI 5359 / SC

armas, sejam contrabandeadas, sejam furtadas ou roubadas. São estas que


dão o grande problema que nós conhecemos hoje.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, já estou no


último biênio de permanência no Supremo e não sei quando o processo
será devolvido, considerada a vista. Por isso, peço para adiantar o voto.
Acompanho o ministro Luiz Edson Fachin no voto proferido tout
court.

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Esclarecimento

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07/08/2019 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

ESCLARECIMENTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):


Penso que já posso proclamar que foi convertido o julgamento da
cautelar em julgamento de mérito, como posição unânime, até aqui.
Também adiro nesse ponto, sem adiantar o voto quanto ao mérito.

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Extrato de Ata - 07/08/2019

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 68

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359


PROCED. : SANTA CATARINA
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PROC.(A/S)(ES) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : THAIS NASCIMENTO DANTAS (377516/SP)
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA (388920/SP)
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG (329833/SP)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento


da cautelar em julgamento definitivo de mérito. Após os votos dos
Ministros Edson Fachin (Relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que julgavam procedente o
pedido formulado na ação direta; e dos votos dos Ministros
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Luiz Fux, que o julgavam
improcedente, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.
Falaram: pela Procuradoria-Geral da República, a Dra. Raquel Elias
Ferreira Dodge, Procuradora-Geral da República; e, pelo amicus
curiae a Dra. Mayara Silva de Souza e a Dra. Thaís Nascimento
Dantas. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 07.08.2019.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso,
Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira


Dodge.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto Vogal

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01/03/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG
ADV.(A/S) : ISABELLA VIEIRA MACHADO HENRIQUES

VOTO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Presidente,
inicialmente cumprimento as sustentações realizadas; a Doutora Raquel
Dodge, pela Procuradoria-Geral; e as Doutoras Mayara Silva de Souza e
Thaís Nascimento Dantas, pelo amicus curiae Instituto Alana. Saúdo
também o eminente Ministro-Relator pelo voto; mas, desde logo, já digo
que irei divergir.
Em relação a alguns pontos abordados também nas sustentações
orais, inicio colocando que me parece que o núcleo da discussão foi um
pouco deslocado, seja no caput do art. 55, que diz respeito aos agentes
penitenciários, seja em seu inciso V, não se cogita, em momento algum, da
possibilidade de se ter porte de arma para utilizá-la dentro de um
estabelecimento. Não é essa a disciplina, não é essa a ratio, e não foi isso o
que ocorreu.
O agente penitenciário, seja ativo ou inativo, pelo novo decreto de
junho, pode ter o porte de arma para defender a sua segurança e a da sua
família. Ele não pode adentrar e exercer as suas funções no
estabelecimento penitenciário armado, até porque é uma regra de
segurança não poder entrar armado na penitenciária, pois a arma poderia
ser subtraída. Somente as tropas especializadas podem entrar com armas

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ADI 5359 / SC

dentro dos estabelecimentos prisionais.


O mesmo ocorre em relação aos agentes que atuam no sistema de
atendimento ao adolescente infrator. Em nenhum momento a Lei do
Estado de Santa Catarina passou a permitir que eles, estando armados,
possam exercer segurança pública fora, ou que eles possam adentrar no
estabelecimento para cumprir suas funções armados. Não foi isso o que a
lei estabeleceu! O que a legislação estadual determinou, a meu ver, de
forma constitucional, seguindo o padrão federal, foi a possibilidade de
que aqueles que atuam nas áreas principais de segurança pública, que
lidam com a privação de liberdade, tanto de indivíduos maiores - no caso
do sistema penitenciário - como os menores de dezoito anos - no caso de
menores infratores -, terem porte de arma automaticamente, para que eles
possam garantir a sua segurança e de sua família.
Falo com a experiência de quem atuou na área, por ter sido
Secretário de Justiça, durante quatro anos, acumulando a presidência da
antiga Febem - hoje, Fundação Casa e, depois, Secretário de Segurança
Pública. Eu diria que 90% dos agentes que atuam no sistema do
adolescente infrator, já têm porte de arma, só que eles pedem
individualmente, mostrando os riscos. Os riscos são que eles são
constantemente ameaçados por elementos que integram quadrilhas, seja
no caso de agentes penitenciários, seja no caso de agentes que atuam com
infratores menores de 18 anos, para que eles facilitem a entrada de drogas
dentro dos estabelecimentos, para que facilitem o ingresso de outras
coisas ou até fugas. A ratio da norma é que eles não precisem solicitar caso
a caso, como fazem hoje, mas que possam ter o porte dentro de requisitos
que sigam tanto o Estatuto do Desarmamento quanto o decreto que o
regulamenta, para que possam garantir a sua segurança em virtude da
atividade que exercem.
Jamais a lei pretendeu - e não é o que ocorre - que eles passem a agir
dentro do estabelecimento, seja penitenciário, seja estabelecimento do
adolescente infrator, armados, até porque seria uma temeridade para eles
mesmos, e isso a legislação não permite.
E por que iniciei dizendo isso? Porque não se coloca em jogo a

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ADI 5359 / SC

finalidade do ECA, a proteção integral ao adolescente. Essa medida não é


voltada contra o adolescente ou seu tratamento dentro do
estabelecimento. É a possibilidade de - e leio aqui, ipsis litteris, o art. 55, V
- "porte de arma aos agentes de segurança socioeducativos, reservado o
uso fora do sistema de atendimento ao adolescente infrator".
Senhor Presidente, é bem conhecida a jurisprudência da Corte que
reconhece, por um lado, a competência legislativa concorrente da União e
estados, em matéria de segurança pública, art. 144. E, como bem
ressaltado pelo eminente Ministro Relator, identifica o interesse
preponderante da União em relação à regulamentação do porte de arma
de fogo, principalmente com base na previsão do art. 21, VI, e art. 22, XXI.
Nesse sentido já foi citado precedente do Plenário, ADI 3.112.
Agora, a Corte, ao identificar o interesse preponderante da União na
condução de políticas públicas destinadas ao controle e fiscalização,
produção, comércio e circulação de armas no território nacional, não
afastou a possibilidade, dentro desse federalismo de cooperação, no caso,
não só a possibilidade, mas a obrigatoriedade, de todos os entes
federativos nos termos do art. 144 da Constituição, legislarem sobre
segurança pública.
E, por essa possibilidade de legislarem, é que foi editada a recente lei
que criou um Sistema Nacional e Único de Segurança Pública. Esta
regulamentação e a possibilidade de legislação concorrente sobre
segurança pública englobam a segurança dos agentes que atuam na
segurança pública, como também melhores condições para que os agentes
que atuam no sistema lato sensu de segurança pública possam preservar a
sua incolumidade e de sua família.
Essa providência normativa - faço também, como fez o eminente
Ministro-Relator, primeiro a questão dos agentes penitenciários e depois
dos agentes do sistema da infância - do
Estado de Santa Catarina, em relação aos agentes penitenciários, nada
mais faz - a partir da edição da nova regulamentação expressa pelo
decreto presidencial - do que copiar o que a legislação federal estabelece.
A lei que acabei de citar de política nacional de segurança pública e

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ADI 5359 / SC

defesa social, conhecida como Sistema Único de Segurança Pública, Lei


federal nº 13.675/2018, foi expressa ao se referir aos órgãos do sistema
penitenciário como integrantes operacionais do Sistema Único de
Segurança Pública. É o art. 9º, caput e § 2º, inc. VIII, da Lei.
Além disso, o próprio Estatuto do Desarmamento, reconhecendo a
relevância dos órgãos estatais que lidam com a privação de liberdade e
escolta armada de indivíduos, em típicas funções de segurança pública, já
previra o porte de arma de fogo para agentes públicos em questão,
mesmo fora do efetivo exercício da função:
"Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território
nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
...
VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas
prisionais, ...
...
§ 1º "b"- Os integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas
prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade particular ou
fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de
serviço, ..."
O recente Decreto nº 9.847/2019, que revogou os anteriores e
regulamenta o Estatuto do Desarmamento, prevê expressamente a
possibilidade de conservação do porte de arma pelos agentes
relacionados no art. 6º da Lei, os agentes e guardas prisionais, mesmo
após a inatividade. É expressa essa previsão no art. 30, cumpridos
requisitos de que, de dez em dez anos, devem se submeter aos testes de
avaliação psicológica, o que aqui se coaduna com a previsão da legislação
estadual de Santa Catarina, que devem seguir os testes psicológicos e a
forma como se concede.
O conteúdo, portanto, da norma atacada, no ponto em que previa o
porte de arma por agentes penitenciários aposentados, inativos, a meu
ver, mostra-se plenamente alinhado com a normatização editada pela
União a respeito do tema.
Em relação à previsão do porte de arma para agentes

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ADI 5359 / SC

socioeducativos, impõe destacar que, obviamente, o que as medidas


previstas pelo ECA e as medidas de todo o sistema de funcionamento
visam é a proteção integral à criança e ao adolescente. E a norma do
Estado de Santa Catarina em momento algum afeta essa proteção.
E, embora as medidas não sejam, obviamente, temas próprios do
Direito Penal, da persecução penal, é inegável, principalmente na questão
da internação, que há correlação entre a prática de atos infracionais e
comprometimento da segurança pública, da ordem e da incolumidade
pública. Basta dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente nem se
preocupou em definir quais seriam os atos infracionais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente identificou como atos
infracionais exatamente as mesmas condutas tipificadas na legislação
penal como crime. A diferença é que, em virtude da inimputabilidade
penal para os menores de 18 anos, as elementares do tipo, que tipificam a
infração penal para os maiores de idade, para aqueles adolescentes, para
os menores de idade, tipificam atos infracionais. Então, a correlação é
idêntica porque a matéria é de segurança pública. A imputabilidade ou
inimputabilidade penal não retira o caráter ilícito do fato. E mais, não
retira a agressão à segurança pública.
Mas, numa forma como se entende, a própria Constituição, no art.
228 assim dispôs, aqueles que não completaram 18 anos, inclusive em
virtude de estudos médicos e científicos, pela maior possibilidade de
recuperação, não devem se submeter, no Brasil, à persecução penal. A
responsabilidade se dá de uma outra forma, mas o ato infracional é
equivalente ao tipo penal.
E mais, no caso de internação, aqueles que se encontram internados,
percentualmente, praticaram atos infracionais mais graves do que aqueles
que praticaram crimes. Por quê? Porque também visando à proteção
integral do adolescente, o ECA não permite a internação por atos
infracionais praticados sem violência, salvo reiteração, o que não ocorre
no caso dos maiores de idade.
Ou seja, há um sistema de proteção ao adolescente, afastando o
adolescente da persecução penal, afastando da imputabilidade penal, mas

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ADI 5359 / SC

o próprio ECA, seguindo a disposição constitucional, prevê também um


sistema de proteção à sociedade em relação aos adolescentes infratores
que praticam atos tipificados como crimes. Consequentemente, a função
exercida pelo agente penitenciário, ou duas das principais funções, são
exatamente idênticas a duas funções dos agentes socioeducativos.
Aqui, o Anexo 2 da Lei Complementar Estadual nº 472,
regulamentando quais as posições do agente socioeducativo, estabelece
expressamente: " 2 - zelar pela disciplina geral dos internos bem como
fiscalizar e acompanhar os adolescentes nas obras de maior
periculosidade". Os internos, ou seja, a mesma função do agente
penitenciário no caso do regime fechado. "9 - executar outras atividades
compatíveis com o cargo, como escolta e transporte dos adolescentes". As
funções, nesse caso, são aquelas que o próprio ECA, no art. 125, permite.
Ou seja, as funções de organização do Estado, para que se estabeleça
medidas adequadas de contenção e segurança.
Então, ao estabelecer essas mesmas funções, ao realizar exatamente,
nesses tópicos, as mesmas funções dos guardas prisionais, os agentes
socioeducativos ingressam, a meu ver, no que o art. 6°, VII, do Estatuto
do Desarmamento permite: o porte de armas para agentes prisionais.
E volto a dizer: eles não vão utilizar jamais as armas dentro do
estabelecimento, assim como os agentes penitenciários não utilizam. A
questão é: mesmas funções, mesmo perigo externo, porque os mesmos
fatos típicos previstos em lei, as elementares que são tipificadas como
crime para maiores, são atos infracionais para os menores de idade.
Então, a proteção que se exige e a proteção garantida, a meu ver, pela
interpretação da legislação federal, e corroborada pela legislação estadual
do Estado de Santa Catarina, prevê que eles possam exercer a sua
segurança.
E, obviamente, não se afasta que há correlação entre menos armas
nas ruas, menos crimes nas ruas. É inegável isso. O Japão é um grande
exemplo disso. O Japão tem a média, aproximadamente, de 0,4
homicídios por 100 mil habitantes, e, por dois anos consecutivos, foi o
único país do mundo - daqueles que são divulgados - que não teve

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nenhum homicídio com arma de fogo; teve homicídio com armas brancas.
Obviamente, até pelo fato de ser uma ilha e pela disciplina japonesa, essa
fiscalização é maior. No próprio estado de São Paulo, que é o estado que
tem o menor número de homicídios por 100 mil habitantes, uma das
causas disso são as constantes operações realizadas, já há mais de 20 anos,
para desarmamento.
Agora, nós não podemos confundir as questões. Em todas essas
operações de desarmamento, mais de 85% são armas absolutamente
ilegais e 15% são armas com porte vencido. E, no caso dos homicídios
praticados, diferentemente do que às vezes aparece na grande mídia, a
grande parte, a maioria praticada no Brasil não é por fuzil - obviamente o
fuzil atemoriza -, são por armas furtadas ou roubadas.
Então, não é questão de se conceder porte de armas para agentes que
correm risco de vida que vai aumentar ou diminuir a criminalidade. A
questão é uma maior fiscalização, uma fiscalização mais rigorosa em
armas ilegais. Pasmem, 37% dos homicídios são cometidos com
revólveres de calibre 38, furtados ou roubados, de agências privadas de
segurança, ou de bancos, ou de agentes de segurança, em virtude de uma
alteração lá atrás na legislação federal, que não exige mais cofre, basta um
armarinho com cadeado para isso. Então, várias vezes, há roubos a
bancos, mesmo sabendo que não há muito dinheiro na agência bancária,
para se levar o revólver e o colete à prova de balas. É isso que deve ser
coibido.
Todos os estados que realizaram mais operações para coibir o porte
ilegal de armas tiveram decréscimo importantíssimo no número de
homicídios. E Santa Catarina, é importante que se diga, é o segundo
estado com o menor número de homicídios por cem mil habitantes no
Brasil.
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR) - Vossa
Excelência me permite um aparte, Ministro?
Embora já tenha utilizado a palavra como Relator, como eu me cingi
à inconstitucionalidade formal, e Vossa Excelência está trazendo alguns
dados estatísticos que adentram a discussão da matéria propriamente

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ADI 5359 / SC

dita, que se junge à substância da previsão, ou não.


O problema, como disse e peço licença a Vossa Excelência para
reiterar, é que a legislação estadual não tem conformidade com aquilo
que adveio, em termos legislativos, da União. Aliás, e Vossa Excelência
fez referência à sua experiência no Estado de São Paulo - por modéstia,
certamente, não fez a menção à função de Ministro da Justiça, em que
também esse tema foi ventilado -, em 2018, Vossa Excelência já não era
mais Ministro da Justiça, era o Doutor Torquato Jardim, foi editada a
nova Lei do Susp, à que Vossa Excelência fez referência. E, no art. 9º, IX,
expressamente retirou-se do Susp os agentes socioeducativos. E há uma
referência na mensagem de veto do Presidente da República à razão pela
qual os socioeducativos não deveriam constar.
De modo que eu me cingi mais a um juízo técnico da
inconstitucionalidade de natureza formal. Apenas esta observação que eu
gostaria de fazer.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Agradeço,
Ministro Fachin, mas reitero que entendo estar absolutamente em
consonância com a legislação federal, seja porque, em relação aos agentes
penitenciários, expressamente o art. 30 do Decreto nº 9.847/2019 permite
aos inativos, seja porque, ao estabelecer a "função" e não o cargo - isto é
importantíssimo -, a função de guarda prisional, de integrante de escolta,
e não o cargo específico de agente penitenciário, o inc. VII do citado art. 6º
do Estatuto do Desarmamento, estende a possibilidade a todos aqueles
que exercem essa função. É muito claro: integrantes das escoltas de
presos. Quem realiza essa escolta, no caso de menores apreendidos, são
os agentes socioeducativos.
Então, a meu ver, com toda vênia ao eminente Ministro-Relator, não
há inconstitucionalidade formal, porque aqui prevalece a competência
concorrente para legislar sobre segurança pública, estabelecida no art. 144
da Constituição e já proclamada várias vezes por esta Corte.
Dessa forma, a competência prevista no art. 22, XI, da Constituição,
acerca do armamento, da questão bélica, é para a edição das normas
gerais, ou seja, a partir do estabelecimento de quais funções que podem

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ADI 5359 / SC

ter porte de arma, dentre elas, aqueles cargos que exercem a função de
guarda de pessoas privadas e sua liberdade de escolta de pessoas
privadas de liberdade, como estabelece o inc. VII do art. 6º do Estatuto do
Desarmamento, os estados podem legislar.
Seria inconstitucional, como já declaramos aqui, a meu ver, se o
estado legislasse, como legislou, para o oficial de justiça ter porte de
arma, pois não há paralelo nas funções - não entro no mérito se seria
importante, ou não -, mas não há paralelo entre as funções descritas no
Estatuto do Desarmamento. No caso dos agentes socioeducativos, há esse
paralelo.
Pedindo então todas as vênias ao eminente Ministro-Relator, julgo
improcedente o pedido.

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01/03/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359 SANTA CATARINA

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


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VOTO VOGAL

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Com a devida vênia


ao eminente Relator, Ministro Edson Fachin, acompanho a divergência
inaugurada pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que impugna o


art. 55, inciso V, da Lei Complementar nº 472/2009, do Estado de
Santa Catarina, que permitiu o porte de arma a agentes penitenciários e
agentes de segurança socioeducativos, ativos e inativos, “reservado o uso
fora do sistema de atendimento ao adolescente infrator”, conforme segue:

“Art. 55. Os Agentes Penitenciários e os Agentes de Segurança


Socioeducativo, ativos e inativos, gozarão das seguintes prerrogativas,
entre outras estabelecidas em lei:
I – documento de identidade funcional com validade em todo
território nacional e padronizado na forma da regulamentação federal;
II – ser recolhido em prisão especial, à disposição da autoridade
competente, até o trânsito em julgado de sentença condenatória e, em
qualquer situação, separado dos demais presos;

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ADI 5359 / SC

III – prioridade nos serviços de transporte, saúde e comunicação


públicos e privados, quando em cumprimento de missão;
IV – porte de arma aos Agentes Penitenciários, na forma da
regulamentação federal; e
V – porte de arma aos Agentes de Segurança Socioeducativo,
reservado o uso fora do Sistema de Atendimento ao Adolescente
Infrator.”

Aos fundamentos trazidos pela divergência, acresço que não houve


restrição de lei estadual sobre a legislação federal (Lei nº 10.826/2003).
Ao contrário, houve, dentro da competência legislativa do estado-membro
quanto à segurança pública (art. 144, CF/88), paralelismo com o art. 30
do Decreto nº 9.847/2019, em harmoniosa extensão de garantia voltada
à proteção à vida e à segurança do servidor estadual (agente de
segurança penitenciário e agente socioeducativo), que é – friso – cidadão.
Nisso, não observo qualquer ofensa ao adolescente infrator, pois,
como bem destaca o eminente Ministro Alexandre de Moraes, a arma
não entrará no estabelecimento em que se encontra o adolescente
infrator, consoante expressa ressalva da parte final do inciso V.

Por esses fundamentos, acompanho a divergência inaugurada pelo


eminente Ministro Alexandre de Moraes, para julgar improcedente a ação.

É como voto.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 01/03/2021

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.359


PROCED. : SANTA CATARINA
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
AM. CURIAE. : INSTITUTO ALANA
ADV.(A/S) : MAYARA SILVA DE SOUZA (388920/SP)
ADV.(A/S) : PEDRO AFFONSO DUARTE HARTUNG (329833/SP)
ADV.(A/S) : ISABELLA VIEIRA MACHADO HENRIQUES (155097/SP)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento


da cautelar em julgamento definitivo de mérito. Após os votos dos
Ministros Edson Fachin (Relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que julgavam procedente o
pedido formulado na ação direta; e dos votos dos Ministros
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Luiz Fux, que o julgavam
improcedente, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.
Falaram: pela Procuradoria-Geral da República, a Dra. Raquel Elias
Ferreira Dodge, Procuradora-Geral da República; e, pelo amicus
curiae a Dra. Mayara Silva de Souza e a Dra. Thaís Nascimento
Dantas. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 07.08.2019.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido


formulado na presente ação direta para i) declarar a
inconstitucionalidade do inciso V do art. 55 da Lei Complementar
nº 472/2009 do Estado de Santa Catarina, no que autoriza o porte
de arma para agente de segurança socioeducativo; e ii) declarar
parcialmente a nulidade sem redução de texto da expressão
“inativos” constante do caput do mesmo art. 55, no que o estende
aos servidores inativos da carreira de agente penitenciário
daquele Estado. Determinou, ainda, que sejam comunicados: i) o
Departamento de Polícia Federal para dar integral cumprimento à
presente decisão, expedindo o necessário para a adequada ciência
dos afetados; ii) o Estado de Santa Catarina para cientificar da
presente decisão todos os ocupantes do cargo de agente de
segurança socioeducativo na ativa e aposentados, assim como todos
os agentes penitenciários inativos. Tudo nos termos do voto do
Relator, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto
Barroso, Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes e Nunes Marques.
Plenário, Sessão Virtual de 19.2.2021 a 26.2.2021.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 01/03/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 68 de 68

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio,


Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli,
Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e
Nunes Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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