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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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09/10/2021 SEGUNDA TURMA

AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 38.061


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL - CPI DA
PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO

Ementa: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. COVID-19.


QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA.
MEDIDA INSERIDA NA ESFERA DE COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I- As comissões parlamentares de inquérito não são dotadas de
quaisquer competências sancionatórias, quer dizer, não têm o poder de
punir quem quer que seja. No entanto, desempenham um relevantíssimo
papel institucional na elucidação de fatos de interesse da coletividade,
sobretudo daqueles que, em condições normais, não viriam ao
conhecimento da sociedade ou das autoridades competentes para avaliá-
los, segundo as óticas política e jurídica, respectivamente.
II- Bem por isso a Constituição Federal, no seu art. 58, § 3º, investiu
as CPIs de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”,
facultando-lhes “a realização de diligências que julgar necessárias”,
porquanto atuam em nome do povo soberano do qual são representantes,
não sendo possível, por isso mesmo, opor a elas quaisquer limitações no
exercício desse importante múnus público, salvo, como é evidente, se
vulnerarem direitos e garantias fundamentais dos investigados, o que não
é o caso, na espécie.
III- A reserva de jurisdição, apesar de incidente sobre as hipóteses de

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busca domiciliar (art. 5º, XI, da CF), de interceptação telefônica (art. 5º,
XII, da CF) e de decretação da prisão, salvo a determinada em flagrante
delito (art. 5º, LXI, da CF), não se estende às quebras de sigilo – inclusive
fiscal e bancário -, por tratar-se de medida abrigada pela Constituição, em
seu art. 58, § 3º.
IV- É longevo – e continua firme - o entendimento consolidado nesta
Corte segundo o qual as comissões parlamentares de inquérito têm como
ponto de partida elementos indiciários, longe ficando de revelar, ao
primeiro exame, a convicção a respeito de práticas ilícitas de autoridades
públicas ou privadas, empreendendo investigações de natureza política,
não sendo exigível delas fundamentação exaustiva às diligências que
determinam no curso de seus trabalhos, tal como ocorre com as decisões
judiciais (vide MS 24749/DF, relator Ministro Marco Aurélio).
V – Para a configuração de ato abusivo apto a embasar a concessão
da medida requerida seria preciso ficar inequivocamente demonstrada a
falta de pertinência temática entre os atos aqui questionadas e os fatos
investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Tal descompasso,
contudo, não foi devidamente demonstrado.
VI- Agravo regimental a que se nega provimento.

AC ÓRDÃ O

Acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão


virtual da Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos, por
maioria, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do
Relator, com ressalvas dos Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin,
vencido o Ministro Nunes Marques.

Brasília, 9 de outubro de 2021.

RICARDO LEWANDOWSKI – RELATOR

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RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL - CPI DA
PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO

RE LAT Ó RI O

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Trata-se de


agravo regimental interposto contra decisão monocrática de minha lavra,
por meio da qual deferi em parte o pedido de concessão de liminar
relativamente às quebras de sigilos praticadas no âmbito da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia da Covid-19, presidida pelo
Senador Omar Aziz, suspendendo, no ponto, as medidas discriminadas
nos itens b.1, b.4 e b.5 do Requerimento 1.037/2021, quanto aos dados de
geolocalização.

A autoridade agravada manifestou-se pela rejeição das alegações


recursais (doc. eletrônico 20).

A Procuradoria-Geral da República, ao se manifestar sobre o mérito


da impetração – tema que escapa ao objeto do presente recurso,
interposto contra a decisão de natureza cautelar – requereu a concessão
da ordem (doc. eletrônico 25).

É o relatório.

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VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator):


Preliminarmente, verifico que a representação judicial do impetrante pela
Advocacia-Geral da União encontra respaldo no art. 22 da Lei 9.028/1995
e na Portaria 428/2019, conforme destacado na exordial. No mais, as
alegações meritórias – inclusive aquelas aduzidas pela Procuradoria-
Geral da República – serão analisadas quando julgado o mérito da
impetração.

Bem examinados os autos, verifico que a pretensão recursal não


merece acolhida.

Por oportuno, transcrevo trechos da decisão ora combatida:

“Pois bem. Antes de analisar o pedido de concessão da


cautelar, transcrevo, naquilo que interessa, a disciplina
constitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito,
‘Art. 58. [...]
§ 3° - “As comissões parlamentares de inquérito,
que terão poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em
conjunto ou separadamente, mediante requerimento de
um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se
for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos
infratores’ (grifei).
Na esteira dos precedentes desta Suprema Corte, observo
que a instauração de inquérito parlamentar há de atender,

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portanto, os três requisitos definidos, de modo taxativo e


expresso, no referido artigo da Constituição da República, quais
sejam: (i) a subscrição do requerimento de constituição da CPI
por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (ii) a
determinação de fato a ser objeto da apuração; e (iii) a
delimitação temporal (MS 26.441/DF, Rel. Min. Celso de Mello).
De sua parte, o Regimento Interno do Senado Federal,
quanto ao tema, estabelece o seguinte:
‘Art. 148. No exercício das suas atribuições, a
comissão parlamentar de inquérito terá poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais,
facultada a realização de diligências que julgar
necessárias, podendo convocar Ministros de Estado,
tomar o depoimento de qualquer autoridade, inquirir
testemunhas, sob compromisso, ouvir indiciados,
requisitar de órgão público informações ou documentos
de qualquer natureza, bem como requerer ao Tribunal de
Contas da União a realização de inspeções e auditorias
que entender necessárias’ (grifei).
Portanto, por expressa autorização constitucional, a
Comissão Parlamentar de Inquérito, legalmente formalizada,
dispõe de poderes para determinar, entre outras medidas, a
quebra de sigilo telefônico e telemático, conferidas às
autoridades judiciais, observadas as balizas legais a que se
sujeitam as autoridades judiciárias.
Feitos estes registros, reproduzo, para melhor exame da
controvérsia, a justificação apresentada pelo Senador Renan
Calheiros no requerimento de quebra do sigilo telefônico e
telemático do impetrante, aprovado pelos integrantes da CPI,
litteris:
‘JUSTIFICAÇÃO
A presente Comissão Parlamentar de Inquérito,
batizada como CPI DA PANDEMIA, foi criada pelos
Requerimentos 1371 e 1372, ambos de 2021, com a
finalidade de apurar, no prazo de 90 dias, as ações e
omissões do Governo Federal no enfrentamento da

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Pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no


agravamento da crise sanitária no Amazonas com a
ausência de oxigênio para os pacientes internados; e as
possíveis irregularidades em contratos, fraudes em
licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos,
assinatura de contratos com empresas de fachada para
prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros
ilícitos, se valendo para isso de recursos originados da
União Federal, bem como outras ações ou omissões
cometidas por administradores públicos federais,
estaduais e municipais, no trato com a coisa pública,
durante a vigência da calamidade originada pela
Pandemia do Coronavírus ‘SARS-CoV-2’, limitado apenas
quanto à fiscalização dos recursos da União repassados
aos demais entes federados para as ações de prevenção e
combate à Pandemia da Covid-19, e excluindo as matérias
de competência constitucional atribuídas aos Estados,
Distrito Federal e Municípios. Com vistas à justificação do
requerimento, cujo objeto é a quebra, bem como a
transferência, dos sigilos bancário, telefônico e telemático
da pessoa qualificada, imprescindível, previamente ao
mérito, traçar breve escorço histórico e jurisprudencial a
esse respeito, o que se passa a fazer articuladamente.
[…]
Os depoimentos colhidos até o presente momento,
somados às informações e aos documentos
disponibilizados a esta Comissão Parlamentar de
Inquérito, apontam existência de um ‘gabinete do ódio’,
que defendia a utilização de medicação sem eficácia
comprovada e apoiava teorias como a da imunidade de
rebanho.
Conforme notícias recentes divulgadas na grande
mídia, a referida pessoa é protagonista na criação e/ou
divulgação de conteúdos falsos na internet, classificada até
mesmo como verdadeira ‘militante digital’, por sua
intensa atuação na escalada da radicalização das redes

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sociais por meio de fake news.


A pessoa contra quem se busca a quebra e a
transferência de sigilo é (ou foi) assessora especial do
Poder Executivo. Porém atua no chamado ‘gabinete do
ódio’, como a imprensa vem denominando. Segundo
consta, a mencionada pessoa está instalada próxima ao
Presidente, em sintonia com seus assessores diretos, com
objetivo de executar estratégias de confronto ideológico e
de radicalização dos ataques nas redes sociais contra
adversários.
Ainda de acordo com as notícias, o grupo
influenciou fortemente na radicalização política adotada
pelo Palácio do Planalto, interferindo e influenciando
ações políticas por meio da divulgação de informações
falsas em redes sociais.
Além de tudo, a pessoa envolvida com as
investigações desta CPI pode ser uma das mais conhecidas
propagadoras de fake news na internet.
Com efeito, sua atuação como redatora de conteúdo
é questionada, investigada e perquirida desde o início do
mandato do Presidente Jair Bolsonaro, por conta de
inúmeras notícias falsas veiculadas em páginas
específicas, outrossim, distribuídas a esmo por meio de
grupos em aplicativos de mensagens.
Aquela pessoa também ficou conhecida por atuar
durante a campanha eleitoral de 2018, próxima ao então
candidato Jair Bolsonaro, seus filhos, correligionários e
apoiadores. Segundo notícias da imprensa, tendo como
principal característica a prática da divulgação de notícias
falsas e usando extrema hostilidade para seus adversários,
incluindo políticos e jornalistas.
Portanto, trata-se da quebra e transferência de sigilo
de atores conhecidos pela imprensa, pelo público em geral
da internet e por grande parcela da população brasileira,
como atuantes na fabricação e divulgação de conteúdo
falso, e cujos dados telefônicos e telemáticos serão

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extremamente válidos para a avaliação dessa Comissão


Mista’ (págs. 4-6 do documento eletrônico 3).
Como já afirmei, o País enfrenta uma calamidade pública
sem precedentes, decorrente da pandemia causada pelo novo
coronavírus, tendo superado a lamentável marca de 532 mil
mortes. Diante disso, mostram-se legítimas as medidas de
investigação tomadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito
em curso, que tem por fim justamente apurar eventuais falhas e
responsabilidades de autoridades públicas ou, até mesmo, de
particulares, por ações ou omissões no enfrentamento dessa
preocupante crise sanitária, aparentemente ainda longe de
terminar.
No caso sob exame, para a configuração de ato abusivo
apto a embasar a concessão integral da cautelar requerida seria
preciso estar inequivocamente demonstrada a falta de
pertinência temática entre a medida aqui questionada e os
fatos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito.
Tal descompasso, contudo, a meu sentir, não ficou devidamente
comprovado.
Confira-se abaixo o objeto da CPI da Pandemia, ipsis
verbis:
‘Apurar, no prazo de 90 dias, as ações e omissões do
Governo Federal no enfrentamento da Pandemia da
Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise
sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os
pacientes internados; e as possíveis irregularidades em
contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos,
desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com
empresas de fachada para prestação de serviços genéricos
ou fictícios, entre outros ilícitos, se valendo para isso de
recursos originados da União Federal, bem como outras
ações ou omissões cometidas por administradores
públicos federais, estaduais e municipais, no trato com a
coisa pública, durante a vigência da calamidade originada
pela Pandemia do Coronavírus 'SARS-CoV-2', limitado
apenas quanto à fiscalização dos recursos da União

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repassados aos demais entes federados para as ações de


prevenção e combate à Pandemia da Covid-19 , e
excluindo as matérias de competência constitucional
atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios.’
(págs. 3 e 4 do documento eletrônico 1, em referência aos
Requerimentos SF/21139.59425-24 e SF/21259.95668-45).
Como se sabe, as comissões parlamentares de inquérito
não são dotadas de quaisquer competências sancionatórias,
quer dizer, não têm o poder de punir quem quer que seja. No
entanto, desempenham um relevantíssimo papel institucional
na elucidação de fatos de interesse da coletividade, sobretudo
daqueles que, em condições normais, não viriam ao
conhecimento da sociedade ou das autoridades competentes
para avaliá-los, segundo as óticas política e jurídica,
respectivamente.
Bem por isso a Constituição investiu as CPIs, como visto,
de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’,
facultando-lhes ‘a realização de diligências que julgar
necessárias’, porquanto atuam em nome do povo soberano do
qual são representantes, não sendo possível, por isso mesmo,
opor a elas quaisquer limitações no exercício desse importante
múnus público, salvo, como é evidente, se vulnerarem direitos
e garantias fundamentais dos investigados.
Assinalo, ainda, que, como as comissões parlamentares de
inquérito empreendem investigações de natureza política, esta
Suprema Corte entende que não precisam fundamentar
exaustivamente as diligências que determinam no curso de seus
trabalhos, diferentemente do que ocorre com as decisões
judiciais. Veja-se:
‘CPI - ATO DE CONSTRANGIMENTO -
FUNDAMENTAÇÃO. A fundamentação exigida das
Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra
de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático não
ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos
órgãos investidos do ofício judicante. Requer-se que
constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser

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determinada a medida.’ (MS 24.749/DF, Rel. Min. Marco


Aurélio; grifei).
Destaco, por pertinente à questão aqui debatida, o
seguinte trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no MS
24.749/DF:
‘[...] Parte, assim, de elementos precários, longe
ficando de revelar, ao primeiro exame, a convicção a
respeito da participação de cada qual. Medidas que visem
à elucidação dos acontecimentos hão de ser tomadas, é
certo, de maneira segura, consciente, sem, no entanto,
partir-se para impor a robustez dos elementos
autorizadores das deliberações’ (grifei).
Lembro que a nossa Carta Política não detalhou – e nem
poderia tê-lo feito, sob o ponto de vista técnico, dada a
dinâmica da realidade política – a forma como devem ser
motivadas as diligências determinadas pelas CPIs, mesmo
porque são integradas por parlamentares de origens e
ocupações profissionais heterogêneas, e não apenas por
profissionais do direito. Não obstante, devem observar os
requisitos formais, legal e regimentalmente definidos,
apresentar fundamentação idônea e guardar relação de
pertinência com os fatos investigados. Precisam, ademais, como
é óbvio, ser aprovadas por seus integrantes.
Conforme já assentei em outras oportunidades, em um
regime republicano há uma partilha horizontal do poder entre o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2° da CF),
denominada pelo jurista português Gomes Canotilho de ‘núcleo
essencial (Kernbereich) dos limites de competências,
constitucionalmente fixado’ (CANOTILHO, Joaquim José
Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Almedina, 1998, pág. 247; grifos do autor). Tendo em
vista esse princípio constitucional básico, a orientação
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é sólida no
sentido de que as matérias relativas à interpretação de atos
deliberativos Congresso Nacional, sejam oriundos do plenário
das respectivas Casas, sejam provenientes de suas comissões

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internas, devem ser escrutinadas cum grano salis, pois, exceto se


maculados por ilegalidade flagrante, tais manifestações
refogem à revisão judicial.
É antigo - e continua firme – o entendimento do STF no
sentido de que a reserva de jurisdição, apesar de incidente
sobre as hipóteses de busca domiciliar (art. 5º, XI, da CF), de
interceptação telefônica (art. 5º, XII, da CF) e de decretação da
prisão, salvo aquela determinada em flagrante delito (art. 5º,
LXI, da CF), não se estende às quebras de sigilo, por se tratar de
medida abrigada na Constituição, em seu art. 58, § 3º. Confira-
se:
‘COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO -
QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE
FUNDAMENTADA - VALIDADE - EXISTÊNCIA
SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTO PENAL EM
CURSO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL -
CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A
INSTAURAÇÃO, SOBRE FATOS CONEXOS AO EVENTO
DELITUOSO, DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO
PARLAMENTAR - MANDADO DE SEGURANÇA
INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO
SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES
PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do
sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa
sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente
decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito,
desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação
adequadamente fundamentada e na qual indique a
necessidade objetiva da adoção dessa medida
extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min.
CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO E
QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O
princípio constitucional da reserva de jurisdição - que
incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º,

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XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de


decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância
penal (CF, art. 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra
de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa
autorização dada pela própria Constituição da República
(CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comissão
Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato
necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa
esfera de privacidade das pessoas. AUTONOMIA DA
INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito
parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se
como procedimento jurídico-constitucional revestido de
autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância
esta que permite à Comissão legislativa - sempre
respeitados os limites inerentes à competência material
do Poder Legislativo e observados os fatos determinados
que ditaram a sua constituição - promover a pertinente
investigação, ainda que os atos investigatórios possam
incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a
acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a
processos judiciais que guardem conexão com o evento
principal objeto da apuração congressual. Doutrina’ (MS
23.639/DF, Rel. Min. Celso de Mello; grifei).
Ainda nessa linha de cognição, no tocante ao controle
judicial dos atos de outros Poderes da República, transcrevo
trecho do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, nos autos
do MS 33.751/DF, de sua relatoria, no qual consignou o quanto
segue:
‘[...] o controle jurisdicional a ser empreendido, ao
meu sentir, legitima-se apenas quanto à eventual prática
de abuso de poder ou ilegalidade, de modo que
elementos relacionados à conveniência de determinadas
medidas apuratórias, desde que razoavelmente
fundamentadas, não se submetem à revisão judicial. Há,
portanto, espaço para que o Parlamento se movimente
com certa discricionariedade nos quadrantes das diversas

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possíveis linhas investigativas a serem traçadas.


[…]
Sendo assim, os poderes das Comissões
Parlamentares de Inquérito são limitados pela jurisdição
constitucional quanto aos seguintes aspectos: a) análise da
constituição da CPI de acordo com o estipulado pela
Constituição, quanto à forma e ao alcance da apuração; b)
controle formal das atividades por elas desenvolvidas,
inclusive juízo acerca da legalidade da fundamentação das
medidas que afetem a esfera jurídica individual’ (grifei).
É que se está diante de atos políticos ou de governo, os
quais, segundo Hely Lopes Meirelles,
‘[...] são os que, praticados por agentes do Governo
no uso de competência constitucional, se fundam na
ampla liberdade de apreciação da oportunidade e
conveniência de sua realização, sem se aterem a critérios
jurídicos preestabelecidos. São atos governamentais por
excelência, e não apenas de administração. São atos de
condução de negócios públicos, e não simplesmente de
execução de serviços públicos. Daí seu maior
discricionarismo e, consequentemente, as maiores
restrições para o controle judicial’ (MEIRELLES, Hely
Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro. 41ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 840; grifei).
No caso em tela, a justificação apresentada para a quebra
dos sigilos do impetrante dispõe que ele, na qualidade de
integrante do ‘gabinete do ódio’, propalava ‘a utilização de
medicação sem eficácia comprovada e apoiava teorias como a
da imunidade de rebanho’, o que se vincula, diretamente, aos
objetivos da CPI da Pandemia e ao objeto investigado (pág. 5 do
documento eletrônico 3; grifei).
Segundo suspeitam os integrantes da Comissão
Parlamentar de Inquérito, com essa atuação, o assessor especial
do Presidente da República poderia ter figurado, ao menos em
tese, como ‘protagonista na criação e/ou divulgação de
conteúdos falsos na internet’, ‘com objetivo de executar

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estratégias de confronto ideológico e de radicalização dos


ataques nas redes sociais contra adversários’ (pág. 5 do
documento eletrônico 3, acima citado; grifei).
[...]
De resto, cumpre afastar a suposta ilegalidade da votação
em bloco do Requerimento 1.037/2021 da CPI da Pandemia,
uma vez que ficou demonstrada, de forma individualizada, a
suficiência da fundamentação e a necessidade da medida.
Muito embora o impetrante alegue que não tenha sido
sequer convocado para depor na Comissão, destaco que tal
condição não configura pressuposto para inviabilizar a quebra
dos sigilos determinados pelos parlamentares, nem constitui
requisito para idêntica diligência no âmbito judicial. Portanto,
demonstrados presentes os elementos legalmente autorizadores
da medida adotada in casu, não há determinação legal a impor
prévia oitiva do investigado para que possa ela ser adotada
legitimamente, observadas as disposições da Lei 1.579/1952, que
rege a matéria.
Além disso, na justificativa da CPI da Pandemia, foi
indicado prazo determinado que coincide com a crise da
pandemia, ou seja, ‘de abril de 2020 até o presente’, estando
correta e precisa a delimitação temporal, uma vez que o
impetrante ocupa desde então o cargo de Assessor Especial da
Assessoria Especial do Presidente da República (grifei).
Diante disso, e considerando que as medidas
determinadas pela CPI em relação ao impetrante guardam
plena pertinência com o escopo da investigação, e não se
mostraram abusivas ou ilegais, não vislumbro, ao menos nesse
juízo precário, a existência de argumentação relevante que
possa ensejar a suspensão cautelar integral do ato combatido.
No mais, mesmo quanto às informações que digam
respeito à investigação – não sendo, pois, de cunho privado -,
apenas poderão ser acessadas por Senadores da República,
integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito, e pelo
próprio impetrante e seus advogados, só devendo vir a
público, se for o caso, por ocasião do encerramento dos

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trabalhos, no bojo do relatório final, aprovado na forma


regimental.
Saliento, por oportuno, que o próprio Regimento Interno
do Senado Federal revela a preocupação com o sigilo de
documentos por parte de suas comissões, in verbis:
‘Art. 144. Quanto ao documento de natureza
sigilosa, observar-se-ão, no trabalho das comissões, as
seguintes normas:
I - não será lícito transcrevê-lo, no todo ou em parte,
nos pareceres e expediente de curso ostensivo;
II - se houver sido encaminhado ao Senado em
virtude de requerimento formulado perante a comissão, o
seu Presidente dele dará conhecimento ao requerente, em
particular;
III - se a matéria interessar à comissão, ser-lhe-á dada
a conhecer em reunião secreta;
IV - se destinado a instruir o estudo de matéria em
curso no Senado, será encerrado em sobrecarta, rubricada
pelo Presidente da comissão, que acompanhará o processo
em toda a sua tramitação; V - quando o parecer contiver
matéria de natureza sigilosa, será objeto das cautelas
descritas no inciso IV.
Parágrafo único. A inobservância do caráter secreto,
confidencial ou reservado, de documentos de interesse
de qualquer comissão sujeitará o infrator à pena de
responsabilidade, apurada na forma da lei’ (grifei).
Diante desse cenário, mesmo em um exame ainda
prefacial da matéria, tudo indica cingir-se o ato impugnado
nesta ação mandamental a uma medida implementada pela
supracitada Comissão Parlamentar de Inquérito, nos limites de
seus poderes constitucionais e regimentais, o qual, por
constituir matéria de competência exclusiva do Poder
Legislativo, escapa à censura do Judiciário, ao menos neste
momento inaugural, e considerados, especialmente, os
elementos juntados aos autos.
Ante o exposto, defiro em parte o pedido liminar, para

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permitir o acesso aos dados do impetrante, determinado pela


CPI da Covid, com as ressalvas acima declinadas quanto ao
trato dos documentos confidenciais, bem como à proteção de
elementos de natureza eminentemente privada, estranhos ao
objeto da investigação, concernentes ao impetrante ou a
terceiras pessoas, os quais deverão permanecer cobertos por
rigoroso sigilo, sob as penas da lei. Suspendo, contudo, as
medidas discriminadas nos itens b.1, b.4 e b.5 do
Requerimento 1.037/2021, quanto aos dados de geolocalização.
Dados sigilosos eventualmente já encaminhados em
cumprimento, ainda que parcial, à ordem relativa ao
Requerimento 1.037/2021, devem ser lacrados e mantidos sob
guarda e responsabilidade do Presidente da Comissão
Parlamentar de Inquérito, até deliberação final deste writ,
ficando vedada a qualquer título a sua divulgação.” (doc.
eletrônico 12, grifos no original).

Feitos estes registros, observo que os argumentos lançados no


regimental não são capazes de afastar os fundamentos da decisão
combatida, que, por tal razão, deve ser mantida.

Como afirmando alhures, para a configuração de ato abusivo apto a


embasar a concessão da cautelar requerida seria preciso, como tenho dito,
ficar inequivocamente demonstrada a falta de pertinência temática entre
as medidas aqui questionadas e os fatos investigados pela Comissão
Parlamentar de Inquérito. Tal descompasso, contudo, a meu sentir, não
foi devidamente demonstrado.

No que toca à motivação dos atos questionados nesta impetração, e


partindo da premissa de que não se deve exigir das decisões
parlamentares o mesmo nível de fundamentação típico de decisões
judiciais – mas, ao mesmo tempo, sendo impositiva a observância dos
princípios constitucionais aplicáveis à espécie – entendo compatível a
medida aqui atacada com a linha investigativa da CPI.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

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MS 38061 MC-A GR / DF

A conduta das Comissões Parlamentares de Inquérito deve,


portanto, equilibrar os interesses investigatórios pleiteados – eventuais
condutas comissivas e omissivas do Poder Público que possam ter
acarretado o agravamento da terrível pandemia causada pelo COVID-19
–, certamente de grande interesse público, com as garantias
constitucionalmente consagradas, preservando a segurança jurídica e
utilizando-se dos meios jurídicos mais razoáveis e práticos em busca de
resultados satisfatórios, garantindo a plena efetividade da justiça, sob
pena de desviar-se de sua finalidade constitucional.

Neste panorama, verifica-se que o decisum ora atacado não merece


reforma, visto que a agravante não aduz argumentos capazes de afastar
as razões nele expendidas, devendo, assim, ser mantido por seus próprios
fundamentos.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto

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Voto Vogal

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09/10/2021 SEGUNDA TURMA

AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 38.061


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL - CPI DA
PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Acolho o relatório do e. Min.


Ricardo Lewandowski e o acompanho também na conclusão do seu voto,
considerando tratar-se a decisão agravada de medida analisada em juízo
de cognição sumária.
Ressalvo, no entanto, que o argumento do agravante acerca da
extensão dos poderes da CPI em relação a dados telemáticos, tendo em
vista a sua atual coincidência como meio de comunicação, demandará
enfrentamento verticalizado pelo Plenário por ocasião do julgamento do
mérito.
Feita essa sinalização, acompanho, por ora, o e. relator.
É como voto.

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Voto Vogal

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09/10/2021 SEGUNDA TURMA

AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 38.061


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL - CPI DA
PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: José Matheus Salles


Gomes interpôs agravo interno contra pronunciamento mediante o qual
indeferido pedido de liminar voltado à suspensão dos efeitos de decisão
que resultou na quebra de seus sigilos telefônico e telemático no âmbito
da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia.

Alega inamissível, a título de fundamentação para ser requerida e


deferida tal quebra, a existência de um “‘gabinete do ódio’, que defendia
a utilização de medicação sem eficácia comprovada e apoiava teorias
como a da imunidade de rebanho”, do qual o impetrante faria parte pelo
simples fato de ser ocupante do cargo de Assessor Especial da Assessoria
Especial do Presidente da República.

Frisa não ter sido investigado, convidado ou convocado para prestar


esclarecimentos à CPI, tampouco participado na condição de testemunha,
de modo que a decisão da Comissão seria destituída de justificativa e,
assim, claramente ilegal.

Ressalta que o afastamento dos sigilos teria sido motivado por

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Voto Vogal

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MS 38061 MC-A GR / DF

“depoimentos colhidos até o presente momento, somados às informações


e aos documentos disponibilizados a esta Comissão Parlamentar de
Inquérito”, embora não exista nenhuma indicação concreta de quais
depoimentos, informações e documentos são esses.

Sustenta que a justificativa para a quebra dos sigilos foi genérica e


inespecífica, consubstanciando-se “devassa indiscriminada violadora da
dignidade e intimidade individual do impetrante”.

Foram prestadas as informações e oferecidas contrarrazões ao


agravo interno.

A Procuradoria-Geral da República opina pela concessão da ordem,


sem prejuízo de repetição de novo requerimento pela CPI da Pandemia,
com o emprego de fundamentação adequada para tanto.

É o relatório. Passo ao voto.

A respeito das CPIs, a Constituição Federal dispõe em seu art. 58, §


3º:

Art. 58. [...]


[...]
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,
além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração
de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões,
se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
(Grifei)

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Voto Vogal

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Nada obstante conste do dispositivo que a Comissão terá poderes


próprios das autoridades judiciais, a Carta Magna não os discrimina.

A legislação também não tratou do tema.

Coube, assim, à doutrina e a este Tribunal, ante os questionamentos


e debates decorrentes da omissão, delinear o sentido da expressão
inserida no preceito.

A óptica desta Corte firmou-se, então, no sentido de a frase “poderes


de investigação próprios das autoridades judiciais” ser compreendida
restritivamente, com exclusão daqueles atos que são atribuições
específicas de magistrados e tribunais. Desse modo, deferiu-se às CPIs
poderes instrutórios, que lhes permitem atuação ativa na produção de
provas com vistas ao atingimento dos objetivos pretendidos, ainda que as
conclusões sejam políticas em vez de jurídicas (MS 23.452, Plenário,
Relator o ministro Celso de Mello, DJ de 12 de maio de 2000).

O Regimento Interno do Senado Federal, por seu turno, repete a


previsão transcrita ao dispor, no art. 148, que “a comissão parlamentar de
inquérito terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,
facultada a realização de diligências que julgar necessárias”.

Em outras palavras, as CPIs têm poderes de investigação próprios


das autoridades judiciais, entre os quais a competência para acessar
dados sigilosos (CF, art. 58, § 3º, e Lei n. 1.579/1952, art. 2º).

Cumpre, porém, ressaltar que tal permissão não é ilimitada, na


medida em que há direitos tão importantes quanto esse conferido às CPIs
igualmente protegidos pela Constituição Federal. É o caso das liberdades
e garantias previstas nos incisos X e XII do art. 5º, que conferem proteção
especial à intimidade e à vida privada dos indivíduos, assegurando-lhes
inclusive a inviolabilidade e o sigilo de correspondências e comunicações

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MS 38061 MC-A GR / DF

telegráficas, de dados e telefônicas:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação;
[...]
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;

A proteção constitucional transcrita veio a ser reforçada pelo art. 7º


da Lei n. 12.965/2014, que estabeleceu princípios, garantias e deveres para
o uso da internet no Brasil, com o seguinte teor:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da


cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua
proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação;
II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações
pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações
privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

Outra norma que inaugurou significativas mudanças na segurança


de dados foi a Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais (LGPD) –, na qual também foram encerrados

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MS 38061 MC-A GR / DF

princípios, garantias e deveres acerca da proteção de dados pessoais, tais


como a privacidade e a inviolabilidade da intimidade, entre outros. É o
que se lê do seu art. 2º:

Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem


como fundamentos:
I – o respeito à privacidade;
II – a autodeterminação informativa;
III – a liberdade de expressão, de informação, de
comunicação e de opinião;
IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da
imagem;
V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a
inovação;
VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do
consumidor; e
VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da
personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas
pessoas naturais.

Desse modo, em que pese ser possível a quebra dos sigilos


telefônico e telemático por determinação de CPI (MS 23.556, Plenário,
Relator o ministro Octavio Gallotti, DJ de 7 de dezembro de 2000), a
jurisprudência do Supremo tem sido pela viabilidade do controle judicial
dessas deliberações, notadamente a fim de avaliar-se a existência de
fundamentação adequada para a medida excepcional.

Nessa linha, ao apreciar o MS 24.817, Relator o ministro Celso de


Mello, DJe de 5 de novembro de 2009, o Colegiado prolatou acórdão que
ficou assim resumido:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO –


PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, § 3º) –
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS – LEGITIMIDADE DO
CONTROLE JURISDICIONAL – POSSIBILIDADE DE A CPI

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ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA


DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO –
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO – QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE
FUNDAMENTADA – VALIDADE – MANDADO DE
SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA DO SIGILO
CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO. – A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico
de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser
legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de
Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante
deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a
necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária.
Precedentes. – O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo
telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros
telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das
comunicações telefônicas) – ainda que representem projeções
específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da
Carta Política – não se revelam oponíveis, em nosso sistema
jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato
que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes
de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição
da República, aos órgãos de investigação parlamentar. As
Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para
decretar, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do
sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico,
relativamente a pessoas por elas investigadas, devem
demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta
de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura
da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação),
justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento
de ampla investigação dos fatos determinados que deram
causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de
ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art.
5º, XXXV). As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar

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de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as


decisões judiciais, quando destituídas de motivação, mostram-
se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma
medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder
Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente
fundamentado pela autoridade estatal. PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. – O princípio da colegialidade traduz
diretriz de fundamental importância na regência das
deliberações tomadas por qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, notadamente quando esta, no desempenho de sua
competência investigatória, ordena a adoção de medidas
restritivas de direitos, como aquelas que importam na revelação
(“disclosure”) das operações financeiras ativas e passivas de
qualquer pessoa. A legitimidade do ato de quebra do sigilo
bancário, além de supor a plena adequação de tal medida ao
que prescreve a Constituição, deriva da necessidade de a
providência em causa respeitar, quanto à sua adoção e
efetivação, o princípio da colegialidade, sob pena de essa
deliberação reputar-se nula. MANDADO DE SEGURANÇA E
TERMO INICIAL DO PRAZO DE SUA IMPETRAÇÃO. – O
termo inicial do prazo decadencial de 120 dias começa a fluir,
para efeito de impetração do mandado de segurança, a partir da
data em que o ato do Poder Público, formalmente divulgado no
Diário Oficial, revela-se apto a gerar efeitos lesivos na esfera
jurídica do interessado. Precedentes.
(Grifei)

O Tribunal vem enfatizando a necessidade de o afastamento do


sigilo ser proporcional à sua finalidade, vedada a concessão de
indiscriminada devassa da vida privada do investigado. A título de
exemplo, destaco as seguintes ementas:

Comissão Parlamentar de Inquérito. Quebra de sigilo


bancário e fiscal. – Esta Corte, em julgamentos relativos a
mandados de segurança contra a quebra de sigilo bancário e
fiscal determinada por Comissão de Inquérito Parlamentar

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(assim, entre outros, nos MSs 23.452, 23.454, 23.851, 23.868 e


23.964), já firmou o entendimento de que tais Comissões têm
competência para isso desde que essa quebra tenha
fundamentação adequada, que não só há de ser
contemporânea ao ato que a ordena, mas também que se
baseie em fatos idôneos, para que não seja ela utilizada como
instrumento de devassa indiscriminada sem que situações
concretas contra alguém das quais possa resultar suspeitas
fundadas de suposto envolvimento em atos irregulares
praticados na gestão da entidade em causa. – No caso, a
determinação da quebra de sigilo em causa está fundamentada
na forma em que, tratando-se de decretação por parte de C.P.I.,
se admite que ela se dê. Mandado de segurança indeferido,
cassada a liminar.
(MS 23.843, Plenário, Relator o ministro Moreira Alves, DJ
de 1º de agosto de 2003 – grifei)

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO –


QUEBRA DE SIGILO – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO
CONCRETA DE CAUSA PROVÁVEL – NULIDADE DA
DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR – MANDADO DE
SEGURANÇA CONCEDIDO. A QUEBRA DE SIGILO NÃO
PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE
DEVASSA INDISCRIMINADA, SOB PENA DE OFENSA À
GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE. – A
quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-
constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão
revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio
concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do
ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de
qualquer pessoa – quando ausente a hipótese configuradora de
causa provável – revela-se incompatível com o modelo
consagrado na Constituição da República, pois a quebra de
sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder
Público ou por seus agentes. Não fosse assim, a quebra de sigilo
converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca

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generalizada, que daria, ao Estado – não obstante a ausência de


quaisquer indícios concretos – o poder de vasculhar registros
sigilosos alheios, em ordem a viabilizar, mediante a ilícita
utilização do procedimento de devassa indiscriminada (que
nem mesmo o Judiciário pode ordenar), o acesso a dado
supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em
função dos elementos informativos que viessem a ser
eventualmente descobertos. A FUNDAMENTAÇÃO DA
QUEBRA DE SIGILO HÁ DE SER CONTEMPORÂNEA À
PRÓPRIA DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA QUE A DECRETA. –
A exigência de motivação – que há de ser contemporânea ao ato
da Comissão Parlamentar de Inquérito que ordena a quebra de
sigilo – qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da
própria deliberação emanada desse órgão de investigação
legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento
ulterior, quando da prestação de informações em sede
mandamental. Precedentes.
(MS 23.851, Plenário, Relator o ministro Celso de Mello,
DJ de 21 de junho de 2002)

Esse ponto precisa receber o devido destaque, visto que, nos tempos
que correm, o modo de vida das pessoas está cada vez mais ligado ao
uso de tecnologias das comunicações. Os computadores pessoais e
telefones inteligentes (smartphones) servem, na atualidade, para registros
os mais diversos, desde aspectos ligados aos chamados “dados sensíveis”
(informações pessoais sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa,
opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, além de dados de saúde e vida sexual e relativos à
genética e à biometria), em princípio sem interesse para investigação
parlamentar, até questões ligadas ao trabalho e aos negócios, essas, sim,
de possível interesse no âmbito de uma CPI.

A grande convergência de informações para esses mecanismos


implica o dever das autoridades investigativas de minimizar o acesso aos
dados pessoais do investigado, de forma a limitá-lo ao estritamente

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necessário à investigação, sob pena de violação irreparável do direito à


intimidade e à privacidade.

O direito fundamental à privacidade (CF, art. 5º, X), entendido como


“o direito de manter o controle sobre suas próprias informações e de
determinar a maneira de construir sua própria esfera particular”, 1 está na
ordem do dia das discussões constitucionais justamente pela
circunstância de as tecnologias da informação terem induzido à
hiperdocumentação do dia a dia das pessoas. Da mais simples rotina
doméstica aos deslocamentos físicos, passando pelas manifestações
públicas nas redes sociais, tudo é registrado. Isso, associado à facilidade
de manipulação e recuperação das informações por meio de mecanismos
apropriados, torna vulneráveis aspectos sensíveis da vida íntima dos
cidadãos.

Nesse contexto, a quebra do sigilo das comunicações deve ser


providência excepcionalíssima, e, ainda mais, recair sobre o mínimo
possível para o desenvolvimento da investigação (seja ela judicial ou
legislativa). A citada Lei Geral de Proteção de Dados, aliás, embora não se
dirija especificamente à disciplina das medidas de investigação, deixou
clara, no art. 4º, § 1º, a necessidade de serem sempre proporcionais e
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público,
observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e
os direitos do titular previstos na própria norma.

Na hipótese dos autos, e sem entrar no mérito da possibilidade de a


CPI determinar o afastamento dos sigilos telefônico e telemático, verifico
que o requerimento formulado à Comissão não está adequadamente
fundamentado. Dele não consta indicação concreta de conduta ilegal ou
suspeita de ilicitude atribuída à parte impetrante.

A jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que devem ser


1 RODOTÁ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Tradução de
Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 15.

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apontadas situações concretas aptas a dar origem a suspeitas de


envolvimento da parte investigada em atos irregulares, conforme se vê do
seguinte julgado:

Comissão Parlamentar de Inquérito. Quebra de sigilo


bancário e fiscal.
– Esta Corte, em julgamentos relativos a mandados de
segurança contra a quebra de sigilo bancário e fiscal
determinada por Comissão de Inquérito Parlamentar (assim,
entre outros, nos MS's 23.452, 23.454, 23.851, 23.868 e 23.964), já
firmou o entendimento de que tais Comissões têm competência
para isso desde que essa quebra tenha fundamentação
adequada, que não só há de ser contemporânea ao ato que a
ordena, mas também que se baseie em fatos idôneos, para que
não seja ela utilizada como instrumento de devassa
indiscriminada sem que situações concretas contra alguém
das quais possa resultar suspeitas fundadas de suposto
envolvimento em atos irregulares praticados na gestão da
entidade em causa.
– No caso, a determinação da quebra de sigilo em causa
está fundamentada na forma em que, tratando-se de decretação
por parte de C.P.I., se admite que ela se dê. Mandado de
segurança indeferido, cassada a liminar.
(MS 23.843, Plenário, Relator o ministro Moreira Alves, DJ
de 1º de agosto de 2003 – grifei)

A Comissão não indicou em que termos as informações e os dados


obtidos com a quebra dos sigilos telefônico e telemático seriam úteis e
necessários, tampouco discriminou quais fatos ou omissões seriam
esclarecidos com base nos registros coletados, em consonância com os
fins fixados pela CPI da Pandemia.

Corroborando aludido entendimento, veja-se parecer da


Procuradoria-Geral da República, assim ementado:

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MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO


PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. AFASTAMENTO DOS
SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO.
CONSTITUCIONALIDADE. NATUREZA PENAL DA
MEDIDA. REQUISITOS LEGAIS PARA A ADOÇÃO.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA NA
ESPÉCIE. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
1. É pacífica a jurisprudência do STF no sentido da
possibilidade de comissões parlamentares de inquérito
decretarem o afastamento de sigilos constitucionalmente
assegurados, desde que não sejam sujeitos a reserva de
jurisdição, em atenção à sua elevada relevância para o
desempenho das funções fiscalizatória e contramajoritária pelo
Poder Legislativo.
2. Em razão da natureza criminal das medidas cautelares
de afastamento de sigilos telefônico e telemático, a
jurisprudência do STF é no sentido de que as comissões
parlamentares de inquérito estão sujeitas aos mesmos requisitos
previstos na legislação para a adoção de tais medidas pelo
Poder Judiciário.
3. É nulo ato de comissão parlamentar de inquérito que
aprova requerimento de afastamento de sigilos telefônico e
telemático sem a indicação de fatos concretos e específicos que
justifiquem a adoção da indispensabilidade, como única
providencia cabível, com exclusão de outras menos graves, para
a produção de provas da pratica do fato supostamente
delituoso apurado.
‒ Parecer pela concessão da segurança.

Transcrevo, por oportuno, trechos do citado parecer:

[...]
Percebe-se que para o (abrangente) afastamento dos
sigilos do impetrante foram apresentados motivos genéricos,
basicamente relacionados ao cargo por ele desempenhado,
indicativo de uma maior proximidade com o Presidente da

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República, e a supostos elementos informativos de posse da CPI


que apontariam para a existência do chamado “gabinete do
ódio”, responsável pela disseminação de informações falsas na
internet, do qual faria parte o impetrante.
Muito embora conste da justificação que haveria
depoimentos, informações, documentos e notícias que
apontariam para o envolvimento do impetrante na propagação
de informações inverídicas acerca do emprego de
medicamentos e terapias sem comprovação científica, não se
procedeu a precisa indicação desse suposto lastro indiciário,
apenas referido de forma perfunctória, sem maior
pormenorização.
Não se demonstrou a existência de causa provável capaz
de autorizar a quebra de sigilo nem se procedeu a
individualização de condutas potencialmente ilícitas atribuídas
ao impetrante, as quais pudessem estar abrangidas pela
investigação.
A esse propósito, acrescenta-se que a justificação do
requerimento faz menção a períodos muito anteriores a própria
eclosão da epidemia de COVID-192, a corroborar a ausência de
motivos pertinentes para a quebra dos sigilos, os quais devem
ser contemporâneos a deliberação legislativa.
[...]
Para além da ausência de indicação concreta e pertinente
de causa provável de envolvimento do impetrante com o objeto
da investigação, também não se apontou satisfatoriamente
quais fatos poderiam vir a ser provados com a determinação da
medida cautelar, constando do requerimento parlamentar,
apenas e tão somente, que os “dados telefônicos e telemáticos serão
extramente válidos para a avaliação dessa Comissão Mista”.
Sabe-se que das comissões parlamentares de inquérito são
exigidos, rigorosamente, os mesmos pressupostos para o
afastamento de sigilos que devem ser observados pelo Poder
Judiciário ao decretar a medida acauteladora, que ostenta
caráter excepcionalíssimo.
[...]

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Ademais, segundo disposto no art. 151 do Regimento


Interno do Senado Federal, cuja norma que veicula e análoga a
contida no art. 37 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, os elementos coligidos por comissão parlamentar
de inquérito podem ser encaminhados ao Ministério Público,
para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos
infratores.
[...]
Dadas as graves repercussões que as provas produzidas
pelas CPIs podem ter sobre a esfera de interesses de potenciais
investigados, tem-se como imperativo que tais colegiados
submetam-se, nessas atividades, aos mesmos parâmetros de
validade de decisões impostos aos órgãos jurisdicionais.
Nesses termos, tem-se que a “causa provável exigível para
a decretação de afastamento de sigilo por CPI configura,
efetivamente, os mesmos condicionantes aplicáveis ao Poder
Judiciário para adoção de medidas análogas, quais sejam:
i) a indicação de fatos concretos a serem comprovados
com a adoção da medida de afastamento de sigilo, a partir de
fundados indícios da pratica de ilícitos;
ii) a indispensabilidade da medida para a obtenção da
prova;
iii) a individualização das condutas imputáveis aos alvos
da medida; e
iv) a delimitação temporal do afastamento de sigilo.
No caso dos autos, entende-se ausente a indicação de fato
concreto e ilegal a ser provado, assim como a demonstração do
objeto de prova, a revelar a inadequação da medida adotada.
Ainda que o levantamento esteja delimitado no tempo e
haja a individualização do alvo do afastamento de sigilos
telefônico e telemático, a atenta leitura da justificação do
Requerimento 1.037/2021, como exposto anteriormente, permite
constatar que não foi atribuída a pratica de fato típico, ainda
que em tese, ao impetrante.
Dito de outra forma, inexiste a indicação de fato típico
certo e concreto a ser provado com os dados eventualmente

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obtidos mediante o afastamento dos sigilos.


Mesmo que se reconheça a extrema relevância do objeto
da investigação parlamentar, a mera referência a ele e
insuficiente para justificar a adoção do afastamento dos sigilos
telefônico e telemático, sendo imprescindível para a validade da
medida a especificação dos fatos em tese delituosos, o que não
ocorreu na espécie.
Afigura-se insuficiente a mera referência, sem uma maior
individualização ou particularização de condutas especificas, ao
suposto envolvimento do impetrante no chamado “gabinete do
ódio”, que teria influenciado a política sanitária adotada pelo
Palácio do Planalto, bem como a proximidade do impetrante
com o Chefe do Poder Executivo, decorrente do cargo por ele
ocupado.
Carece de demonstração, ademais, a impossibilidade de
produção da prova por meios menos gravosos, tais como a
oitiva de testemunhas e a convocação do impetrante para
prestar esclarecimentos, que poderiam contribuir com os
trabalhos desenvolvidos pela CPI, sem que houvesse a
imposição de grave constrangimento.
[...]
Em suma, são frágeis os elementos indicados para
justificar a adoção da medida de afastamento dos sigilos
telefônico e telemático em desfavor do impetrante, cuja relação
com os fatos apurados, ao menos no presente momento, deriva
de ilação carente de suporte em fundados indícios de pratica
delitiva.
Irregular, portanto, a adoção de medida grave como o
afastamento dos sigilos telefônico e telemático, com escopo de
cautelar penal, na ausência de indicação precisa de qual fato
delituoso, em tese, está sob apuração pela CPI, bem como de
demonstração de sua adequação e necessidade para a produção
da prova pretendida.
[...]
Frente a essas considerações, e devida a concessão da
segurança na hipótese, para que seja invalidado o afastamento

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dos sigilos telefônico e telemático do impetrante decorrente da


aprovação do Requerimento 1.037/2021 pela CPI da Pandemia,
sem prejuízo da renovação do ato pela Casa Legislativa, desde
que mediante o emprego de fundamentação adequada, com a
indicação de fatos específicos, possivelmente ilícitos,
imputáveis ao impetrante, a serem comprovados com a adoção
da medida extrema.
Em face do exposto, o PROCURADOR-GERAL DA
REPUBLICA manifesta-se pela concessão da ordem pleiteada,
sem prejuízo de que a CPI da Pandemia proceda a repetição do
ato mediante o emprego de fundamentação adequada para
tanto.

O ministro Roberto Barroso, em casos fronteiriços, tem


implementado medida liminar para impedir a quebra de sigilo. Sua
Excelência parte da premissa de que os requerimentos de providências
investigativas direcionados a CPIs precisam ser fundamentados de forma
adequada, com individualização das condutas investigadas, apresentação
de indícios de autoria, justificativa da utilidade e delimitação do objeto da
medida (decisões monocráticas proferidas nos MS 38.036, 38.130, 38.031,
37.975 e 37.972).

Com a devida vênia do eminente Relator, dele divirjo por considerar


insuficiente a fundamentação da decisão do Presidente da CPI da
Pandemia por meio da qual determinado o afastamento dos sigilos
telefônico e telemático da parte impetrante. Entendo indispensável, em
relação a ato de CPI que defere quebra de sigilo, que a decisão inclua a
discriminação, no caso concreto, da conduta ilícita imputada ao
investigado, a utilidade do uso das informações e dados pleiteados e a
delimitação do objeto da medida invasiva.

Ante o exposto, pedindo vênia ao Relator e aos Ministros que o


acompanhem, dou provimento ao agravo interno para implementar a
medida liminar pleiteada, com a consequente suspensão dos efeitos da

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decisão do Presidente da CPI da Pandemia por meio da qual determinada


a quebra dos sigilos telefônico e telemático da parte impetrante.

É como voto.

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09/10/2021 SEGUNDA TURMA

AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 38.061


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI


AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DO SENADO FEDERAL - CPI DA
PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Trata-se de agravo


regimental interposto contra decisão monocrática, na qual indeferido
pedido de concessão de liminar relativo a quebras de sigilo praticadas
pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal concernente
ao enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil (CPI da Pandemia).

Registro, desde já, que acompanharei o Ministro relator, que


encaminha voto no sentido de negar provimento ao agravo.

Todavia, entendo ser necessário tecer algumas considerações quanto


ao tema apreciado neste mandado de segurança.
Isso porque penso que o momento é adequado para que o Supremo
Tribunal Federal lance balizas sólidas e homogêneas para o controle dos
atos praticados pelas comissões parlamentares de inquérito, de modo que
parlamentares e sociedade vislumbrem com transparência a seara
relevante da fiscalização operacionalizada pelo Poder Legislativo.
Mostra-se necessário harmonizar as premissas do debate
constitucional, sob pena de as Comissões Parlamentares de Inquérito

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alcançarem poderes que extrapolam os limites impostos pela reserva


constitucional de jurisdição.
No caso em tela – assim como em processos análogos que estão a
chegar a esta Corte –, depreende-se que o afastamento do sigilo
telemático determinado é amplo e abrange não apenas simples registros
de comunicações telefônicas, mas também, por exemplo, registros de
conexão à internet, conteúdos de conversas, registros de atividades,
dados de localizações atuais e pretéritas, dados multimídias (fotos,
vídeos, áudios) e outros.
De início, considero que os referidos registros de conexão, dados de
acesso e conteúdos de comunicações privadas são claramente albergados
por proteção constitucional, seja essa proteção entendida a partir da
cláusula de inviolabilidade do sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII,
da Constituição Federal), seja tal proteção entendida, de forma mais
ampla e consentânea com a evolução jurisprudencial, a partir da cláusula
geral de proteção à intimidade (art. 5º, inciso X).
Se em uma perspectiva mais tradicional da compreensão do direito à
privacidade, a doutrina e a jurisprudência entendiam que a proteção
constitucional expressa no art. 5º, inciso XII não abrangia o conteúdo dos
dados pessoais e dizia respeito tão somente ao fluxo de informações em
meios comunicacionais (RE 418.416, Relator Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 10.5.2006, DJ 19.12.2006 PP-00037
EMENT VOL-02261-06 PP-01233), não há dúvidas de que esse
entendimento foi superado a partir de decisões do Supremo Tribunal
Federal que alargaram o âmbito de proteção do art. 5º, incisos X e XII,
para afirmar a autonomia do um direito fundamental à proteção de
dados (RE 673.707, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em
17.6.2015, DJe 30.9.2015).
Mais recentemente, no julgamento da paradigmática ADI 6389 MC,
o STF conferiu autonomia a esse direito fundamental, sagrando que a
proteção constitucional envolve, em uma perspectiva subjetiva, a
proteção do indivíduo contra os riscos que ameaçam a sua personalidade
em face da coleta, processamento, utilização e circulação dos dados

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pessoais e, em uma perspectiva objetiva, a atribuição ao indivíduo da


garantia de controlar o fluxo de seus dados. O acórdão restou assim
ementado:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. REFERENDO. MEDIDA
PROVISÓRIA Nº 954/2020. EMERGÊNCIA DE SAÚDE
PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL
DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19).
COMPARTILHAMENTO DE DADOS DOS USUÁRIOS DO
SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO E DO SERVIÇO
MÓVEL PESSOAL, PELAS EMPRESAS PRESTADORAS, COM
O INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
FUMUS BONI JURIS. PERICULUM IN MORA.
DEFERIMENTO. 1. Decorrências dos direitos da personalidade,
o respeito à privacidade e à autodeterminação informativa
foram positivados, no art. 2º, I e II, da Lei nº 13.709/2018 (Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais), como fundamentos
específicos da disciplina da proteção de dados pessoais. 2. Na
medida em que relacionados à identificação – efetiva ou
potencial – de pessoa natural, o tratamento e a manipulação de
dados pessoais hão de observar os limites delineados pelo
âmbito de proteção das cláusulas constitucionais
assecuratórias da liberdade individual (art. 5º, caput), da
privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade (art.
5º, X e XII), sob pena de lesão a esses direitos. O
compartilhamento, com ente público, de dados pessoais
custodiados por concessionária de serviço público há de
assegurar mecanismos de proteção e segurança desses dados.
(ADI 6387 MC-Ref, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno,
julgado em 07/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-270
DIVULG 11-11-2020 PUBLIC 12-11-2020)

No caso em tela, portanto, tenho clareza de que os dados pessoais


que são objeto de Requerimento formulado pela CPI são
inequivocamente protegidos pelo direito fundamental à privacidade (art.

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5º, inciso X, da CF).


A partir dessa premissa, há dois questionamentos relevantes para a
compreensão da controvérsia. Em primeiro lugar, existe fundamento
legal que obrigue empresas como Google, WhatsApp, Facebook e Apple
a fornecerem acesso aos registros de conexão à internet e ao conteúdo das
comunicações? Em segundo lugar, nessa hipótese específica, a Comissão
Parlamentar de Inquérito deteria poderes investigativos suficientes para
afastar o sigilo constitucional que recai sobre esses dados?
Conforme será discutido a seguir, esses dois questionamentos
suscitam divergências importantes no âmbito doutrinário e estão sob a
luz de uma jurisprudência ainda em desenvolvimento acerca do alcance
das garantias constitucionais individuais no contexto de investigações
criminais baseadas em dados.

- Fundamentação legal do dever de disponibilização de dados


pessoais armazenados por aplicações de internet

Como mencionado acima, uma vez que os dados de registros e de


comunicações pessoais indubitavelmente são albergados pelo direito
fundamental à privacidade (art. 5º, incisos X e XII, da Constituição
Federal), é importante perquirir se existe previsão legal que define sob
quais circunstâncias esse sigilo constitucional pode ser afastado.
A rigor, a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei nº 9.926/1996),
aplica-se tão somente às empresas prestadoras de serviços de
telecomunicações. Embora no dia a dia possamos ter a impressão de que
algumas aplicações de internet como Facebook, WhatsApp e Telegram,
assemelham-se a um prestador de serviço de telecomunicações, do ponto
jurídico, essas empresas estão sujeitas a um enquadramento legal e
regulatório totalmente distinto.
A Lei Geral de Telecomunicações brasileira reflete uma dicotomia
entre os serviços de telecomunicações, definidos no art. 60 da LGT, e os
chamados serviços de valor adicionado legalmente definidos como “a
atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e

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com o qual não se confunde novas utilidades relacionadas ao acesso,


armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.
Como destacado na doutrina, aplicações de internet como Skype,
WhatsApp, Youtube, Netflix, etc., conhecidas na literatura como Serviços
Over-The-Top (OTT) são enquadrados no direito brasileiro dentro da
categoria de Serviços de Valor Adicionado. Nessa lógica, “os serviços OTT,
redutíveis ao conceito de SVA constituem uma categoria que abrange todo e
qualquer conteúdo, aplicativo e serviço que seja acessado por usuários finais por
meio da internet e que sejam prestados por um agente de mercado que não detém
o controle da respectiva rede de telecomunicações”. (FERNANDES, Victor
Oliveira. Regulação de Serviços de Internet: desafios da regulação de
aplicações Over-The-Top (OTT), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p.
154 e 161).
A consequência dessa diferenciação é que as aplicações de internet
constituem meros usuários dos serviços de telecomunicações, estando,
portanto, fora do âmbito de incidência da LGT e da própria Lei de
Interceptações Telefônicas (Lei nº 9.926/1996), cujo art. 7º, caput, estabelece
que, para que a interceptação seja realizada, a autoridade policial poderá
“requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço
público”.
Não existindo dever de fornecimento dos dados acima mencionados
no regime da Lei de Interceptação telefônica, seria possível cogitar ainda
da aplicação da Lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet. Para os fins
dessa lei, serviços OTT como o WhatsApp, Facebook e Google são
considerados aplicações de internet (art. 5º, inciso VII).
Nesse diploma, o regime de proteção aos registros, aos dados
pessoais e às comunicações privadas é disciplinado nos arts. 10 a 12, cujo
teor transcrevo abaixo:

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de


conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta
Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de
comunicações privadas, devem atender à preservação da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes

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direta ou indiretamente envolvidas.


§ 1º O provedor responsável pela guarda somente será
obrigado a disponibilizar os registros mencionados no
caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a
outras informações que possam contribuir para a identificação
do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma
do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto
no art. 7º .
§ 2º O conteúdo das comunicações privadas somente
poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto
nos incisos II e III do art. 7º .
§ 3º O disposto no caput não impede o acesso aos dados
cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e
endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas
que detenham competência legal para a sua requisição.
§ 4º As medidas e os procedimentos de segurança e de
sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de
serviços de forma clara e atender a padrões definidos em
regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade
quanto a segredos empresariais.

Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento,


guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de
comunicações por provedores de conexão e de aplicações de
internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território
nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação
brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados
pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
§ 1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em
território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que
pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.
§ 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as
atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no
exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo
menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua

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estabelecimento no Brasil.
§ 3º Os provedores de conexão e de aplicações de internet
deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que
permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação
brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao
tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à
privacidade e ao sigilo de comunicações.
§ 4º Decreto regulamentará o procedimento para apuração
de infrações ao disposto neste artigo.

Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais


ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10
e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções,
aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I - advertência, com indicação de prazo para adoção de
medidas corretivas;
II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do
grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os
tributos, considerados a condição econômica do infrator e o
princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a
intensidade da sanção;
III - suspensão temporária das atividades que envolvam os
atos previstos no art. 11; ou
IV - proibição de exercício das atividades que envolvam os
atos previstos no art. 11.
Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira,
responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata
o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento
situado no País.

A partir de uma interpretação sistemática desses dispositivos,


percebe-se que os arts. 10 e 11 prescrevem obrigações aos provedores de
conexão e de aplicações que estão relacionadas tanto ao regime de guarda
e tratamento quanto ao regime de disponibilização dos dados.
O caráter atécnico da redação dos dispositivos legais sem dúvida
dificulta a interpretação legal. Todavia, bem examinados, depreende-se

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que o único dispositivo que impõe alguma obrigação de disponibilização


dos dados é o art. 10, já que o art. 11 refere-se tão somente às operações
de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados
pessoais ou de comunicações.
O art. 10 entabula um dever de disponibilização dos registros de
conexão e de acesso a aplicações de internet, bem como de dados pessoais
e do conteúdo de comunicações privadas. Todavia, fica claro da leitura da
lei que tanto o escopo do dever de disponibilização quanto as
condicionantes dessa disponibilização assumem limites e critérios
diferenciados quando se trata de registros de conexão e de acesso vis a vis
os conteúdos das comunicações privadas em si.
Os registros de conexão à internet equivalem, na forma da lei,
simplesmente ao “conjunto de informações referentes à data e hora de início e
término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo
terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados” (art. 5º, inciso VI).
Trata-se, portanto, dos chamados metadados, os quais podem ser
tecnicamente acessados por empresas de aplicativos sem que seja
necessário violar o padrão de criptografia ponta-a-ponta. Esses dados, no
entanto, não revelam qualquer elemento do conteúdo da comunicação.
Para esse subconjunto, registros de conexão, o dever de guarda e
disponibilização imposto pelo Marco Civil da Internet é autoaplicável.
Isso porque a lei deixa claro no art. 10, § 1º, que o “provedor responsável
pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no
caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações
que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante
ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o
disposto no art. 7º”. Assim, satisfeita a condição sagrada no dispositivo,
qual seja, “ordem judicial”, é inafastável o dever de disponibilização dos
registros de conexão à autoridade.
Já o § 2º do art. 10, por sua vez, trata do conteúdo das comunicações
privadas. Ocorre que esse parágrafo, diferente do anterior, não é
autoaplicável, mas claramente carece de regulamentação. Depreende-se
da sua redação que “o conteúdo das comunicações privadas somente poderá

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ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º”. Ao prever que o
conteúdo poderá (e não deverá) ser disponibilizado, o Marco Civil da
Internet remete o dispositivo a uma eventual regulamentação futura
(“que a lei estabelecer”).
O objetivo dessa regulamentação seria justamente o de estabelecer
um regime seguro de interceptação que preservasse a inviolabilidade e
sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem
judicial, como se consagra no art. 7º, inciso II. Contudo, como já
destacamos, a Lei de Interceptações telefônicas não é aplicável para o
tratamento dos conteúdos de comunicações privadas no âmbito de
aplicações de internet.
A interpretação do Marco Civil da Internet aqui desenvolvida
encontra amparo extenso na doutrina. Como bem destacado por
Jaqueline Souza de Abreu ao tratar do tema:

“O Marco Civil da Internet não institui, explicitamente, a


obrigação de que aplicações de internet tenham habilidade de
quebrar sigilo. Quando obriga que empresas retenham
informações, o dever se estende apenas a registros (IP, data e
hora de acesso), o que as obriga a, necessariamente, ser capazes
de atender a pedidos de quebra de sigilo apenas desses
metadados (art. 15). Portanto, o dever jurídico, extraído do
direito brasileiro vigente, de que aplicações de internet sejam
capazes de quebrar sigilo de conteúdo de comunicações não é
evidente; carece de fundamentação — e pode muito bem ser
que a conclusão seja de que não exista” (ABREU, Jacqueline de
Souza. Passado, presente e futuro da criptografia forte:
desenvolvimento tecnológico e regulação. Revista Brasileira de
Políticas Públicas, vol. 7, n. 3, 2017, p. 34).

Destaca-se ainda que se encontra pendente de julgamento neste STF


a ADPF 403 e a ADI 5.527, ações em que se discute, em última análise, se
o poder judiciário determinar a suspensão dos serviços de mensagens
pela internet, como o aplicativo WhatsApp, pelo suposto

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descumprimento de ordens judiciais que determinem a quebra de sigilo


das comunicações. Em seu voto-relator na ADPF 403, o Min. Edson
Fachin concluiu que “não há como obrigar que as aplicações de internet que
ofereçam criptografia ponta-a-ponta quebrem o sigilo do conteúdo de
comunicações, ao menos à luz das informações que traduzem o consenso
científico atual sobre a matéria” (ADPF 403, rel. Min. Edson Fachin). O
julgamento dessas ações foi suspenso por pedido de vista em 28/05/2020.
Assim, podemos afirmar que, pelo menos no âmbito do Marco Civil
da Internet, é discutível, ao menos em tese, se os provedores de aplicações
podem ou não ser obrigados, e sob em que circunstâncias, a
disponibilizarem o acesso a dados pessoais e ao conteúdo de
comunicações privadas armazenadas.
Destaca-se, ainda, que essa discussão sobre o art. 10, § 2º, do MCI
não se confunde com o debate sobre a necessidade de autorização judicial
para acesso a registros e informações contidos em aparelho de telefone
celular apreendido pela autoridade policial ou em posse da vítima, qual
discutido no julgamento do ARE 1.042.075, rel. Min. Dias Toffoli,
pendente de julgamento (Tema 977 da Repercussão Geral).
Inexistindo resposta clara no Marco Civil da Internet, poder-se-ia
cogitar ainda do endereçamento da questão no regime da Lei Geral de
Proteção de Dados.
A despeito do claro avanço obtido com a sua promulgação, a Lei
13.709/2018 previu, no seu art. 4º, inciso III, que as suas disposições não
seriam aplicáveis aos tratamentos de dados pessoais realizados para fins
exclusivos de “segurança pública”, “defesa nacional”, “segurança do
estado” ou “atividades de investigação e repressão de infrações penais”.
Além disso, a LGPD expressamente consignou um dever ao
legislador ordinário de editar legislação específica para o tratamento de
dados pessoais nessas hipóteses. Destaca-se o teor do § 1º do art. 4º:

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados


pessoais:

III - realizado para fins exclusivos de:

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a) segurança pública;
b) defesa nacional;
c) segurança do Estado; ou
d) atividades de investigação e repressão de infrações
penais; ou
§ 1º O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III
será regido por legislação específica, que deverá prever
medidas proporcionais e estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público, observados o devido
processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do
titular previstos nesta Lei.

O motivo de a LGPD se escusar a reger essas formas de tratamento


de dados pelo Poder Público tem relação não apenas com as mencionadas
particularidades do tratamento de dados pessoais pelo Poder Público,
mas principalmente com o contexto de edição da norma.
É que, do ponto de vista da sua própria estrutura, a LGPD foi
bastante influenciada pela positivamente das normas de proteção de
dados no Direito Europeu, em especial pelo chamado Regulamento Geral
de Proteção de Dados, o GDPR, e pela Diretiva que o antecedia. O artigo
2º do GDPR (Regulamento EU 2016/679), de forma semelhante,
excepciona da sua aplicação o tratamento de dados pessoas “efetuado
pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação,
detecção e repressão de infrações penais ou da execução de sanções
penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança
pública”.
Ocorre que, no contexto Europeu, antes mesmo de a GDPR ser
sancionada, exarou-se a Diretiva EU 2016/680 do Parlamento Europeu e
do Conselho de 26 de abril de 2016, que dispõe justamente sobre o
regramento aplicável às operações de tratamento de dados para fins de
persecução penal. Essa última diretiva estabelece, por exemplo, um
conjunto de princípios relativos a essas modalidades de tratamento
voltado à proteção dos direitos e das liberdades fundamentais das
pessoas investigadas.

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Esse é um exemplo paradigmático de como podem ser fixadas


balizas normativas para o tratamento de dados pessoais para fins de
investigação criminal.
De todo modo, a discussão candente no nosso ordenamento jurídico
é justamente o que deve ser feito diante dessa lacuna normativa
intencionalmente deixada pelo Marco Civil da Internet e pela LGPD.
Destaque-se que essa vertente específica do acesso a dados e
comunicações pessoais para fins de segurança pública e investigação
criminal foi objeto de projeto de lei recentemente apresentado ao
Congresso Nacional, no qual são traduzidas as preocupações e as
garantias acima descritas (Anteprojeto de lei disciplina proteção de
dados em investigações criminais. Portal Jurídico Conjur. 31.10.2020.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-out-31/anteprojeto-
disciplina-protecao-dados-investigacoes-criminais).
Apelidado de Anteprojeto de Lei Geral de Proteção de Dados para
fins Penais (Anteprojeto de LGPD Penal), o referido projeto destaca, já em
seu art. 2º, que a proteção de dados no âmbito da segurança pública
objetiva proteger a dignidade da pessoa humana, a intimidade e a vida
privada dos cidadãos, bem como a garantia “devido processo legal, da
ampla defesa, do contraditório, da motivação e da reserva legal”
(Anteprojeto de lei disciplina proteção de dados em investigações
criminais. Portal Jurídico Conjur. 31.10.2020. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2020-out-31/anteprojeto-disciplina-protecao-
dados-investigacoes-criminais).
No que se refere à definição de dados pessoais sigilosos, o referido
projeto densifica esse conceito para esclarecer que ele se aplica a
operações financeiras, registros e conteúdo de comunicações privadas e
geolocalização (art. 5º, III, do anteprojeto de lei), dados que integram o
Requerimento da CPI impugnado neste mandado de segurança.
Destarte, embora o referido projeto de lei ainda não tenha sido
objeto de deliberação e aprovação pelo Congresso, de modo que não há
de se falar em norma vigente e vinculativa, não se pode deixar de
considerar que referida proposta traz relevantes diretrizes interpretativas,

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em especial se considerarmos que a proposta foi formulada com base no


trabalho de um conjunto de especialista sobre o tema.
Pois bem. Diante de todas essas considerações, verifico que é
discutível, ao menos em tese, a extensão do dever jurídico de provedores
de aplicações de disponibilizarem o acesso a registros de conexão, dados
de comunicação e conteúdos de comunicações privadas dos seus
usuários.
Ainda que entendamos que as aplicações de internet podem ser
compelidas a conceder o acesso a esses dados para fins de instrução
criminal quando houver ordem judicial expressa, remanesceria ainda a
questão de saber se as Comissões Parlamentares de Inquérito também
deteriam o poder investigativo de ordenar essa disponibilização.

- Poderes investigativos das CPI e acesso a registros de conexão,


dados pessoais e comunicações privadas armazenados pelas aplicações
de internet

Mesmo que consideremos que há obrigação legal de


disponibilização dos conteúdos das comunicações por ordem judicial,
essa obrigação poderia ser imposta por ato de Comissão Parlamentar de
Inquérito, no contexto dos seus poderes investigativos próprios de
autoridades judiciais?
Ao meu ver, o estado atual do debate não nos permite dar uma
resposta definitiva. É que a tradicional jurisprudência do STF assenta que,
embora as Comissões Parlamentares de Inquérito detenham poderes
investigativos para afastar o sigilo telefônico, tais poderes não são
absolutos e, em alguma medida, são até mais restritos do que aquele
detido pela autoridade judicial.
Nesse sentido, há diversas decisões da Corte que ressaltam que as
CPI não podem determinar a interceptação de comunicações telefônicas
em si. Destaco, a esse respeito, os seguintes precedentes:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO -


PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, § 3º) -

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LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO


CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI
ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS
SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO -
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE
FUNDAMENTADA - VALIDADE - MANDADO DE
SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA DO SIGILO
CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO. (...) - O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo
telefônico (sigilo este que incide sobre os dados/registros
telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das
comunicações telefônicas) (MS 24817, Relator(a): CELSO DE
MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2005, DJe-208
DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-03
PP-00571).

No mesmo sentido, citem-se ainda os seguintes julgados: MS 234512,


Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1992, DJ
12-05-2000 e HC 75232, Rel. Min. Carlos Velloso, Redator p/ Acórdão:
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, Julgado em 07/05/1997, DJ 24-08-2001.
O entendimento de que as CPIs não podem ter acesso ao conteúdo
de comunicações telefônicas decorre de uma interpretação restritiva do
art. 5º, inciso XII, do texto constitucional, o qual somente autoriza o
excepcional afastamento do sigilo das comunicações “por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual penal”.
Fora dessas duas finalidades expressas, que se referem tão somente a
procedimentos investigatórios conduzidos por autoridade judiciária, o
texto constitucional preserva o sigilo do conteúdo das comunicações. Tal
entendimento encontra também assento na doutrina:

O inciso XII do art. 5° somente contempla a hipótese


excepcional de violação das comunicações telefônicas "para fins

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de investigação criminal ou instrução processual penal", o que


não valeria para uma investigação conduzida por comissão
parlamentar de inquérito. (BARROSO, Luís Roberto.
Comissões Parlamentares de Inquérito e suas Competências:
Política, Direito e Devido Processo Legal. Revista Jurídica
Virtual - Brasília, vol. 2, n. 15, ago. 2000, p. 11).

Nesse ponto, portanto, só seria possível afirmar que a CPI detém


legitimidade para requisitar os dados de comunicações de aplicações de
internet se se entendesse que referidos dados não restariam protegidos
pelo direito constitucional ao sigilo encartado no art. 5º, inciso XII, da
Constituição Federal.
Ante à impossibilidade de as CPIs afastarem o direito constitucional
ao sigilo que recai sobre as comunicações telefônicas, somente uma
interpretação jurídica estagnada no tempo poderia chegar à conclusão
de que essas comissões poderiam legitimamente ter acesso ao conteúdo
de conversas privadas armazenadas em aplicativos de internet.
De fato, a ausência de parâmetros objetivos e consentâneos com o
contexto tecnológico vigente fragiliza a proteção de direitos fundamentais
relacionados à comunicação social, inclusive, para abordar um aspecto do
caso concreto, o sigilo da fonte, assegurado pelo inciso XIV do art. 5º da
Constituição Federal. Por tais razões, penso que esta Corte precisa refletir
melhor sobre esse tema.

Feitas essas ressalvas e considerações sobre a temática que ora se


aprecia, acompanho o voto do Ministro relator e nego provimento ao
agravo regimental.

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Extrato de Ata - 09/10/2021

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 38.061


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
AGTE.(S) : JOSÉ MATHEUS SALLES GOMES
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AGDO.(A/S) : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO
SENADO FEDERAL - CPI DA PANDEMIA
ADV.(A/S) : EDVALDO FERNANDES DA SILVA (19233/DF, 94500/MG)
ADV.(A/S) : FERNANDO CESAR DE SOUZA CUNHA (40645/BA, 31546/DF)
ADV.(A/S) : THOMAZ HENRIQUE GOMMA DE AZEVEDO (18121/DF)

Decisão: A Turma, por maioria, negou provimento ao agravo


regimental, nos termos do voto do Relator, com ressalvas dos
Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, vencido o Ministro Nunes
Marques. Segunda Turma, Sessão Virtual de 1.10.2021 a 8.10.2021.

Composição: Ministros Nunes Marques (Presidente), Gilmar


Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.

Hannah Gevartosky
Secretária

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