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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 165

08/05/2019 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. MARCO AURÉLIO
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO
GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO

PARLAMENTAR ESTADUAL – GARANTIAS FORMAIS E


MATERIAIS – CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A teor do disposto no artigo
27 da Constituição Federal, os deputados estaduais estão protegidos pelas
regras de inviolabilidade previstas em relação aos parlamentares federais,
sendo constitucional preceito da Constituição do Estado que dispõe sobre
o tema.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal em indeferir a medida cautelar, nos termos do
voto do ministro Marco Aurélio e por maioria, em sessão presidida pelo
Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata do julgamento e das
respectivas notas taquigráficas.

Brasília, 8 de maio de 2019.

MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR

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Relatório

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06/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. MARCO AURÉLIO
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO
GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): A Associação dos


Magistrados Brasileiros interpõe ações diretas de inconstitucionalidade.
Na ação autuada sob o número 5.824, requer que este Tribunal
declare a inconstitucionalidade dos §§ 2º ao 5º do art. 102 da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, na redação dada pela Emenda
Constitucional 53, de 26 de junho de 2012, e, por arrastamento, da
Resolução 577 de 2017 da Assembleia Legislativa.
Na autuada sob o número 5.825, requer que este Tribunal declare a
inconstitucionalidade dos §§ 2º ao 5º do art. 29 da Constituição do Estado
do Mato Grosso, na redação dada pela Emenda Constitucional 42, de
2006, e, por arrastamento, da Resolução 5221 de 2017 da Assembleia
Legislativa.
Os dispositivos têm o seguinte teor:

ADI 5.824
“Constituição do Estado do Rio de Janeiro
Art. 102 Os Deputados são invioláveis, civil e penalmente,
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (NR)
(...)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros da

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Relatório

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ADI 5825 MC / MT

Assembleia Legislativa não poderão ser presos, salvo em


flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Assembleia
Legislativa, para que, pelo voto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.”

Resolução 495 de 2017 da Assembleia Legislativa do


Estado do Rio de Janeiro
“Art. 1º Esta Resolução dispõe, nos termos do art. 53, § 2º,
da Constituição Federal, 102, § 2º, da Constituição Estadual e,
especialmente, o decidido pelo egrégio plenário do colendo
Supremo Tribunal Federa na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 5526-DF sobre a revogação de prisão
de parlamentares e retorno ao pleno exercício de seus mandatos
parlamentares.
Art. 2º Ficam revogadas as prisões cautelares, preventivas
e provisórias dos Excelentíssimos Senhores Deputados JORGE
PICCIANI, PAULO MELO e EDSON ALBERTASSI, decretadas
pela 1º Seção Especializada do TRF2, na Sessão de 16 de
novembro de 2017.
Art. 3º Fica determinado o pleno retorno aos respectivos
mandatos parlamentares, com todos os seus consectários, dos
Excelentíssimos Senhores Deputados JORGE PICCIANI,
PAULO MELO e EDSON ALBERTASSI.
Art. 4º Esta Resolução entre em vigor na data de sua
publicação.”

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ADI 5825 MC / MT

ADI 5.825
“Constituição do Estado do Mato Grosso
Art. 29 Os Deputados Estaduais são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
(...)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os Deputados
Estaduais não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Assembleia Legislativa, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.”

Resolução 5.221 de 2017 da Assembleia Legislativa do


Estado do Mato Grosso
“Art. 1º Fica revogada a prisão preventiva e todas as
medidas cautelares impostas ao Deputado Gilmar Donizete
Fabris decretadas pela Petição nº 7261/STF, atualmente em
tramitação no colendo Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
Processo nº 0052465-25.2017.4.01.0000. Parágrafo único A
presente deliberação está consubstanciada nos arts. 27, § 1º, e
53, § 2º, ambos da Constituição Federal, e no art. 29, § 2º, da
Constituição Estadual, em consonância com a conclusão do
julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na ADI
5526.
Art. 2º Atribui-se força executiva a esta Resolução,
servindo como alvará de soltura ou qualquer outro instrumento

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ADI 5825 MC / MT

que se fizer necessário para a liberação do Deputado Estadual.


Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua
publicação.”

Sustenta, em síntese, que esses dispositivos são inconstitucionais,


porque violam o princípio republicano e a separação de poderes, nos
termos dos arts. 1º e 2º da Constituição Federal.
Alega que o constituinte estadual não poderia conceder aos
deputados estaduais as mesmas imunidades formais que foram
conferidas aos deputados federais e senadores.
Afirma não desconhecer o teor do art. 27, §1º, da CRFB e dos
precedentes firmados por este Tribunal, no sentido de que seriam
aplicáveis aos membros do poder legislativo estadual as mesmas regras
dos federais. Defende, porém, que o motivo que justifica a aplicação das
imunidades aos parlamentares federais não estaria presente para os
deputados estaduais, razão pela qual não se lhes poderia aplicar as
mesmas regras.
Invoca o precedente firmado na ADI 5.526, cuja redação do acórdão
coube ao e. Ministro Alexandre de Moraes, para embasar seu pedido.
Aduz que há, no voto proferido por Sua Excelência, expressa referência à
restrição do alcance das regras de imunidades, apenas para os
parlamentares federais.
Alega que “a referida imunidade formal se faz necessária para os
Deputados Federais e Senadores da República -- e somente para eles --, diante de
eventual prisão arbitrária ou processo temerário, porque aí, seria prisão
determinada por essa Corte e processo penal instaurado igualmente por essa
Corte, em face dos quais somente restaria aos membros do Parlamento recorrer às
suas casas legislativas para obter a proteção quanto ao exercício do mandato”.
Assim, porque os deputados estaduais poderiam recorrer a outras
instâncias do Poder Judiciário, não seria justificável estender-lhes igual
imunidade.
Ademais, ainda de acordo com a requerente, o exercício da
competência prevista na Carta Estadual para sustar ação penal em curso
implicaria subtrair competência do próprio Poder Judiciário.

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ADI 5825 MC / MT

Defende que a alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal, no sentido de se restringir a extensão das imunidades do
Presidente da República aos Governadores, deve ser aplicada à hipótese
dos autos. Aduz, para tanto, que a extensão a deputados estaduais
contrariaria o princípio republicano, a separação de poderes e a
competência privativa da União para legislar sobre direito penal e
processual penal.
Por essas razões, requer, em sede de cautelar, na ADI 5.824, a
suspensão da eficácia dos §§ 2º a 5º do art. 102 da Constituição do Estado
do Rio de Janeiro, aduzindo, como fundamento do receio quanto ao
perigo na demora do provimento, a recentemente aprovada Resolução
495 de 2017, a qual decretou a revogação de prisão de parlamentares
estaduais.
Ainda em sede de cautelar, requer, na ADI 5.825, a suspensão dos §§
2º ao 5º do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso, na redação
dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 2006, e, por arrastamento, da
Resolução n. 5221 de 2017 da Assembleia Legislativa.
No mérito, requer a declaração de inconstitucionalidade dos
dispositivos atacados e, por arrastamento, das Resoluções aprovadas
pelas respectivas Assembleias Legislativas.
É, em síntese, o relatório.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.824


Rio de Janeiro
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.825
Rio de Janeiro

VOTO

O Senhor Ministro Edson Fachin (Relator): Conheço,


integralmente, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.824 e 5.825
ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, forte em
precedentes desta Suprema Corte. Por todos, cito a seguinte ementa, cujos
grifos não correspondem ao original:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


N. 5.913/1997, DO ESTADO DE ALAGOAS. CRIAÇÃO DA
CENTRAL DE PAGAMENTOS DE SALÁRIOS DO ESTADO.
ÓRGÃO EXTERNO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE
PODERES. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA
DO PODER JUDICIÁRIO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1.
A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB tem
legitimidade para o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade em que se discute afronta ao princípio
constitucional da autonomia do Poder Judiciário. 2. A
ingerência de órgão externo nos processos decisórios relativos à
organização e ao funcionamento do Poder Judiciário afronta
sua autonomia financeira e administrativa. 3. A presença de
representante do Poder Judiciário na Central de Pagamentos de
Salários do Estado de Alagoas - CPSAL não afasta a
inconstitucionalidade da norma, apenas permite que o Poder
Judiciário interfira, também indevidamente, nos demais
Poderes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 5825 MC / MT

procedente.”
(ADI 1578, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j.
04.03.2009).

Por ora, a análise se circunscreve ao pedido de medida cautelar, cuja


provisoriedade que lhe é própria desafiará nova análise enriquecida pelos
debates que advirão após o pleno exercício do contraditório.
Atento às características próprias do juízo em sede cautelar, observo
que se alega na inicial, com razão, que a Resolução 495/2017 da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro afronta o princípio da
separação dos poderes.
Com efeito, ao revogar prisão preventiva decretada pelo Tribunal
Regional Federal da 2ª Região em desfavor de parlamentares estaduais, a
pretexto de exercer a competência prevista no art. 53, § 2º, da
Constituição da República, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, segundo compreendo, usurpou competência atribuída pela Carta
Magna exclusivamente ao Poder Judiciário, violando o princípio da
separação de poderes.
Nessa linha, a despeito de compreender que as imunidades
constitucionais conferidas aos parlamentares federais são extensíveis aos
parlamentares estaduais por expressa previsão na Constituição Federal,
ao dispor, em seu art. 27, § 1º, que “será de quatro anos o mandato dos
Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre
sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”, não
depreendo na regra imunizante do art. 53, § 2º, da CRFB a amplitude que
lhe foi conferida pelas Assembleias Legislativas do Rio de Janeiro e Mato
Grosso por ocasião da edição das Resoluções que revogaram prisões
preventivas decretadas pelo Poder Judiciário.
Sobre a incidência das imunidades constitucionais a parlamentares
estaduais e distritais, a jurisprudência tradicional desta Suprema Corte
assim se pronuncia:

“Parlamentar distrital: imunidade formal: CF, art. 53, § 2º

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c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º: incidência.


Com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, § 1º), que
tornou aplicáveis, sem restrições, aos membros das Assembleias
Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, as normas sobre
imunidades parlamentares dos integrantes do Congresso
Nacional, ficou superada a tese da Súmula 3/STF ("A imunidade
concedida a Deputados Estaduais é restrita à Justiça do Estado"), que
tem por suporte necessário que o reconhecimento aos
deputados estaduais das imunidades dos congressistas não
derivava necessariamente da Constituição Federal, mas
decorreria de decisão autônoma do constituinte local.”
(RE 456679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno,
j. 15.12.2005)

Diferentemente do que alegado nas iniciais das Ações Diretas de


Inconstitucionalidade, não depreendo razão para compreensão
diferenciada entre o alcance das imunidades atribuídas pela Constituição
Federal aos parlamentares estaduais e federais, em razão da expressa
regra de extensão do art. 27, § 1º.
Os textos das Cartas Estaduais, ao repetirem o texto da Constituição
da República, nada mais fazem do que conferir aplicabilidade à própria
normatividade que emana diretamente do art. 27, § 1º, da CR/88.
Nem mesmo compreendo que se possa estender aos casos em mesa a
compreensão que resultou na alteração do entendimento deste Supremo
Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 5.540, sobre a
possibilidade de as Constituições Estaduais, por simetria, em razão do
disposto no art. 51, I, e art. 86, ambos da Constituição Federal, exigirem
autorização prévia às Assembleias Legislativas para que o Superior
Tribunal de Justiça possa instaurar processo penal em face dos
Governadores dos Estados.
Ocorre que, diversamente do que se passa quanto aos chefes do
Poder Executivo, a Constituição Federal expressamente estende as
imunidades erigidas em favor dos parlamentares federais aos estaduais.
No que toca aos Governadores dos Estados, não há regra similar na
Constituição Federal.

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Sendo assim, a compreensão alargada da normatividade que se


extrai dos textos constitucionais estaduais, sob minha ótica, encontra
remédio na técnica de interpretação conforme.
Isso porque, na linha do que sustentei quando do julgamento da ADI
5.526, apesar de o art. 27, § 1º, da Constituição estender aos deputados
estaduais a aplicabilidade das regras de imunidade previstas para os
membros do Congresso Nacional, compreendo que: (i) a regra do art. 53,
§ 2º, da CRFB não impede o Poder Judiciário, presentes os requisitos
constitucionais e legais, de decretar medidas cautelares penais em
desfavor de integrantes do Poder Legislativo; e (ii) referida regra não
confere atribuição ao Poder Legislativo para revisar juízos técnico-
jurídicos emanados do Poder Judiciário.
Ainda, como tive a oportunidade de expor perante este Plenário por
ocasião do julgamento do referendo da AC 4.070, compreendo que a
regra do art. 53, § 2º, da Constituição, se lida à luz do princípio
republicano, consoante interpretação sistemática, teleológica, histórica e
evolutiva do Texto Constitucional, não impede nem mesmo a decretação
de medidas cautelares restritivas da liberdade de parlamentares por parte
do Poder Judiciário. Com efeito, na oportunidade, assim me manifestei:

“Como se sabe, as medidas cautelares penais são pautadas


pelo binômio necessidade e adequação. Constatada a
necessidade para a salvaguarda dos interesses processuais, no
caso, para a garantia da ordem pública e conveniência da
instrução criminal, é o gradiente da adequação que balizará o
Judiciário ao definir, dentre as cautelares previstas em lei, qual
a mais apropriada para a preservação dos interesses
processuais.
Quiçá fosse o momento para uma discussão mais ampla a
respeito do alcance da imunidade parlamentar prevista no art.
53, § 2º, da Constituição, para que enfrentássemos o tema da
possibilidade da decretação da própria prisão preventiva. Esta
Suprema Corte tem jurisprudência tradicional e sólida,
iluminada pelo princípio republicano, apontando a direção da
necessidade de se interpretarem restritivamente as regras que

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ADI 5825 MC / MT

preveem prerrogativas de todas as ordens.


Cito como exemplo a interpretação que prevalece sobre a
inviolabilidade prevista no art. 53, caput, da CR/88, a qual, a
despeito dos termos genéricos da dicção textual (“...são
invioláveis (...) por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”), só
é reconhecida em relação às manifestações in officio e propter
officium ( v.g. Inq 1.400-QO, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno,
DJU 10.10.2003) .
A previsão de foro por prerrogativa de função,
igualmente, tem recebido compreensão restritiva, também com
fundamento no princípio republicano (vg. ADI 2.587, Rel. Min.
Maurício Corrêa, Pleno, j. 01.12.2004).
Digo isso en passant, pois o que se tem em mesa é medida
cautelar que não implica a restrição da liberdade, mas a
suspensão do exercício das funções do mandato parlamentar,
nos termos do art. 319, VI, do Código de Processo Penal, que
prevê a ´suspensão do exercício de função pública ou de
atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo
receio de sua utilização para a prática de infrações penais´.

Reiterei esse posicionamento por ocasião de decisão monocrática


proferida no âmbito da AC 4.327.
Uma vez que, no presente feito, está em causa atos emanados dos
Poderes Legislativos Estaduais, com fundamento nos artigos 27, § 1º e 53,
§ 2º, ambos da Constituição Federal, revogador de prisão preventiva
decretada em desfavor de parlamentares estaduais pelo Poder Judiciário,
faz-se necessário explicitar as razões pelas quais compreendo, como em
assentadas anteriores mencionei, que a regra do art. 53, § 2º, da
Constituição da República não impede o Poder Judiciário de, desde que
presentes os requisitos constitucionais e legais, decretar prisão preventiva
em desfavor de parlamentares.
Sabe-se que a prisão preventiva e as demais medidas cautelares
substitutivas regem-se por premissas comuns previstas na legislação
processual penal, as quais são pautadas pela necessidade e adequação.
Além da exigência de indícios de autoria e materialidade delitiva,

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ADI 5825 MC / MT

prisão preventiva e medidas cautelares alternativas têm em comum o


requisito da necessidade (art. 282, I, do CPP). Não se prende
preventivamente nem se decreta cautelares substitutivas sem a presença
dos elementos que configurem a necessidade da restrição do direito, o
que se traduz em garantir a aplicação da lei penal, a ordem pública vista
em seu sentido lato ou, ainda, a tutela da instrução penal.
Quanto à adequação (art. 282, II, do CPP), diferem as medidas
cautelares alternativas da prisão preventiva. É o gradiente da adequação
que vai diferenciar a atuação do magistrado, diante da manifesta
necessidade. Como a prisão preventiva é a mais grave das medidas
cautelares previstas no Código de Processo Penal, sendo necessária a
aplicação de uma medida cautelar, por estarem presentes os indícios de
autoria, materialidade delitiva e a indispensabilidade de se preservar a
ordem pública, garantir a aplicação da lei penal ou a conveniência da
instrução, é a análise da adequação que guiará o juiz a decidir, dentre as
cautelares, qual é a mais apropriada à preservação desses valores. Por
critério de proporcionalidade, só se admite a prisão preventiva se
nenhuma das alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo
Penal for suficiente.
A regra do art. 310, inciso II, do CPP deixa claro o caráter subsidiário
da prisão preventiva (ultima ratio) quando estabelece que o juiz, ao
receber o auto de prisão em flagrante, não sendo o caso de relaxamento
ou concessão de liberdade provisória, deverá “converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art.
312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão”. A subsidiariedade da prisão preventiva,
ademais, vem reforçada no art. 282, § 6º, do CPP, ao dispor que a “prisão
preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por
outra medida cautelar (art. 319)”.
Feita essa inicial consideração, necessário investigar os limites
textuais do art. 53, § 2º, da Constituição da República, segundo o qual
“desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão
ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos

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serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
A primeira percepção, advinda da literalidade do dispositivo, daria a
entender que a única e exclusiva exceção à possibilidade de
encarceramento do parlamentar é a situação de flagrante delito de crime
inafiançável. Essa primeira percepção, todavia, não resiste a uma análise
mais aprofundada da Constituição como um todo, considerados seus
princípios e, em especial, a própria ratio da instituição da imunidade
parlamentar.
Sendo assim, pretendo demonstrar que a percepção literal segundo a
qual, apenas e tão somente quando o parlamentar estiver em flagrante
delito de crime inafiançável é que pode ser preso, não resiste a uma
interpretação evolutiva, sistemática, histórica e teleológica do Texto
constitucional.
Ao contrário, opção hermenêutica pela percepção mais literal parece
ser fruto de uma interpretação retrospectiva da dicção do art. 53, § 2º, da
CR/88, que desconsidera a alteração do regime das prisões cautelares
ocorrida a partir da entrada em vigor da atual Constituição.
Com efeito, Luis Roberto Barroso, sem grifos no original, sustenta
que "deve o intérprete fiar-se no pressuposto de que, quando a nova Constituição
mantém em algum dispositivo a mesma linguagem da antiga, presume-se que
não desejou modificar a interpretação que se dava ao preceito no regime anterior.
Essa é uma regra generalizadamente aceita, que deve, contudo, ser aplicada cum
grano salis. É preciso confirmar se permanecem, ainda, o mesmo espírito,
os mesmos valores do Texto anterior. Aplicar uma nova Constituição sem
atenção a isso gera uma das patologias do constitucionalismo nacional, que é a
interpretação retrospectiva", ou seja, quando "se procura interpretar o texto
novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido
quanto possível com o antigo". (Interpretação e aplicação da constituição. 5
ed. São Paulo : Saraiva, 2003, pp. 131 e 71).
Do ponto de vista sistemático, importa ter em mente que a
Constituição de 1988, ao constituir uma República (art. 1º, caput, da CR),
impõe uma interpretação das imunidades e prerrogativas por ela própria

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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instituídas, rigidamente circunscrita às razões pelas quais foram


concebidas, sem que possam ser tidas por privilégios pessoais ou
símbolos de distinção entre cidadãos, passíveis de serem agrupados em
classes ou categorias distintas.
Trata-se o princípio republicano de um dos pilares fundamentais da
Constituição, pois porta uma decisão estruturante do Estado constituído.
Princípio constitucional considerado sensível pelo art. 34, VII, “a”, da
CRFB, a ele se confere a função primordial de interpretação do Texto
Constitucional.
Com muito mais razão do que em relação a todos os demais, ao
princípio republicano se confere a função hermenêutica apontada por
Ingo Wolfgang Sarlet aos princípios constitucionais em geral, sem grifos
no original: "temos o que talvez seja o feito mais relevante e e próprio dos
princípios fundamentais, qual seja, o de servirem como critério material para a
interpretação e integração do direito infraconstitucional, mas também,
especialmente no caso dos princípios fundamentais, para a interpretação da
própria constituição. Nesse sentido, o intérprete/aplicador, no âmbito de
suas respectivas limitações funcionais, deverá sempre privilegiar uma
interpretação o mais conforme possível aos princípios fundamentais,
afastando as opções interpretativas incompatíveis. (SARLET, Ingo
Wlfgang; MARINONI, Luiz Guilherme & MITIDIERO, Daniel. Curso de
direito constitucional. São Paulo : Saraiva, 2016, p. 256).
O princípio republicano encontra na proibição de tratamentos
discriminatórios, na vedação da instituição de privilégios e na
responsabilização dos agentes públicos por seus atos, as suas mais
importantes emanações.
O art. 19 da Constituição, densificando-o, veda “à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si”. É, portanto, princípio de caráter
normativo vinculante e informador do caminho hermenêutico a ser
percorrido pelo intérprete na aplicação da norma.
Em razão disso, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal
tem, tradicional, e repetidamente, assentado que as hipóteses

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constitucionais que empecem a responsabilização de agentes políticos e


membros de poder devem ser interpretadas nos estritos limites em que
postas no Texto Constitucional, não se permitindo alargamentos via
interpretação extensiva.
Sob essa ótica, o Supremo Tribunal Federal, há longa data, interpreta
a imunidade material, erigida em favor de Deputados e Senadores, no art.
53, caput, da CR, repelindo concepções literalistas que impliquem
conceder ao parlamentar alguma espécie de privilégio injustificado. É um
luminoso exemplo de interpretação constitucional que revela o preceito
contido na norma.
A despeito da redação instituída pela Emenda 35/2001, que
substituiu a expressão “Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas
opiniões, palavras e votos” pela expressão "Os Deputados e Senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e
votos”, a Suprema Corte, forte no princípio republicano, continuou a
conceber a imunidade instituída no art. 53, caput, da CR como suscetível
de reconhecimento apenas quando as opiniões, palavras e votos dos
parlamentares, eventualmente subsumíveis a algum tipo penal, fossem
proferidas com alguma vinculação ao exercício do mandato. Ao assim
proceder, o STF, no limite legítimo de seu papel de intérprete, aplicador e
guardião da CR, deu significado ao significante (imunidade) no devido
contexto normativo e histórico.
Independentemente da expressão literal, indicativa da percepção
segundo a qual qualquer palavra proferida pelo parlamentar está coberta
pela imunidade material, o Supremo Tribunal Federal reconhece a
imunidade material apenas quando as palavras forem proferidas em
conexão com o mandato, dado que a imunidade é erigida justa, e tão
somente, para viabilizar o livre exercício da representação popular
outorgada aos deputados e senadores.
Ou seja, se as palavras forem proferidas num contexto desvinculado
do exercício do mandato, não há razão para conferir imunidade, eis que a
finalidade justificadora do tratamento constitucional diferenciado ao
parlamentar não se faz presente. Como a imunidade não foi instituída

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para criar um segmento privilegiado não sujeito à responsabilização por


crimes, mas apenas para garantir o livre e independente exercício do
mandato, quando a manifestação estiver desvinculada do respectivo
exercício, não se faz presente a imunidade. A dimensão teleológica do
princípio republicano incide por inteiro nessa direção chancelada pelo
STF.
O seguinte trecho, do voto condutor proferido pelo eminente
Ministro Celso de Mello no Inq 1.400-QO, Pleno, DJU 10.10.2003, bem
resume a concepção do Supremo Tribunal Federal sobre a imunidade
parlamentar material prevista no art. 53, caput, da CRFB, cujos grifos não
correspondem ao original:

“Cabe assinalar que a teleologia inerente à cláusula de


inviolabilidade prevista no art. 53, caput, da Constituição da
República revela a preocupação do constituinte em dispensar
efetiva proteção ao congressista, em ordem a permitir-lhe, no
desempenho das múltiplas funções que compõem o ofício
parlamentar, o amplo exercício da liberdade de expressão,
qualquer que seja o âmbito espacial em que concretamente se
manifeste (RTJ 133/90), ainda que fora do recinto da própria
Casa legislativa (RTJ 131/1039 – RTJ 135/509-510 – RT 648/318),
desde que - cumpre insistir - as afirmações e os
pronunciamentos emanados do membro do Poder Legislativo
da União guardem conexão com o desempenho do mandato
(prática in officio) ou tenham sido proferidos em razão dele
(prática propter officium), conforme esta Suprema Corte tem
assinalado em diversas decisões.”
(RTJ 155/396-397, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno,
v.g.).

Igualmente significativo o seguinte trecho da ementa do julgado


referido, com grifos que não correspondem ao original:

“- O postulado republicano – que repele privilégios e


não tolera discriminações – impede que o parlamentar-

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candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem


de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade
parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos
pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento
diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do
processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade
que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não,
disputam mandatos eletivos.”

Razões similares têm sido tradicionalmente declinadas por esta


Suprema Corte para repelir a ampliação de outras prerrogativas e
imunidades que não estejam expressamente previstas na Constituição
Federal.
Cito, por exemplo, decisão proferida no âmbito do Inq 1.376 AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, que julgou inaplicável a ex-ocupantes de cargos
públicos o foro por prerrogativa de função, por contrastar com o
princípio republicano.
No que interessa ao caso em desate, cito o seguinte trecho da ementa
daquele julgado:

“Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos


da República. O reconhecimento da prerrogativa de foro,
perante o Supremo Tribunal Federal, nos ilícitos penais
comuns, em favor de ex-ocupantes de cargos públicos ou de
ex-titulares de mandatos eletivos transgride valor
fundamental à própria configuração da idéia republicana, que
se orienta pelo vetor axiológico da igualdade.”
(Inq 1376 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j.
15.02.2007).

São fartas as decisões desta Suprema Corte que assentam a


impossibilidade de se estenderem as cláusulas constitucionais
exorbitantes do direito comum, consequências derrogatórias do
postulado republicano, às hipóteses que não estejam expressamente
previstas na Constituição da República.

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No âmbito das imunidades formais, em especial no âmbito da


denominada freedom from arrest, a despeito de significativos julgados de
seus órgãos fracionários em que se concebeu possível a decretação da
prisão preventiva em face de parlamentares estaduais (HC 89.417, Rel.
Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ 15.12.2006) e federais (AC
4.039Ref, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 12.05.2016), não
tem o Supremo Tribunal Federal farta jurisprudência, como sucede em
relação à imunidade material.
Ainda assim, tanto quanto ocorre com a imunidade material,
também no tema referente à imunidade formal do art. 53, § 2º, da CR, não
há porque prevalecer uma interpretação literalista, quando da própria
Constituição emanam regras e princípios que impõem uma compreensão
repelente da conclusão segundo a qual se teria instituído uma casta
privilegiada de cidadãos que, por estar no exercício da nobre missão de
representação popular, estaria acima das consequências usualmente
impostas àqueles que se veem envolvidos em supostas transgressões de
caráter penal.
Essa concepção restritiva a respeito das imunidades parlamentares,
registre-se, encontra eco no Relatório elaborado pela Comissão de
Veneza, sobre a Finalidade e o Afastamento das Imunidades
Parlamentares. O Relatório foi feito a pedido do Secretário-Geral do
Conselho da Europa que requisitou à Comissão “a elaboração de critérios
e diretrizes para afastar a imunidade parlamentar de modo a evitar o
abuso da imunidade assim como a seletividade e abusividade de decisões
e para garantir a transparência adequada ao procedimento” (CDL-
AD(2014)011, pár. 171).
Após levantamento acerca do funcionamento das imunidades em
diversas jurisdições, a Comissão concluiu que CDL-AD(2014)011, pár. 184
e 185):

“(...) as regras sobre a inviolabilidade parlamentar


[proteção contra a prisão e detenção; investigação e busca e
apreensão; denúncias; sanções criminais; procedimentos civis; e
ações administrativa] não são uma parte necessária da

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democracia moderna. Em um sistema político em bom


funcionamento, membros do parlamento têm proteção
adequada por meio de outros mecanismos, e não precisam de
uma imunidade desse tipo.
A Comissão de Veneza, no entanto, reconhece que as
regras e inviolabilidade podem em alguns países preencher a
função democrática de proteger o parlamento como instituição,
e em particular a oposição parlamentar, contra a pressão
indevida ou o assédio do executivo, das cortes ou de outros
oponentes políticos. Regras sobre a inviolabilidade parlamentar
podem portanto ser justificadas quando outras formas de
proteção aos membros do parlamento não forem adequadas.
Mas elas devem ser sempre construídas e aplicadas de maneira
restrita. Tais regras devem estar sujeitas a limitações e
condições, e deve sempre haver a possibilidade de afastar a
imunidade a partir de procedimentos limpos e imparciais.”

A Comissão concluiu, ainda, que, mesmo nos casos em que os países


optaram por manter as regras de imunidade, elas não poderiam ser
invocadas para proteger parlamentares contra investigações preliminares,
nem para a proteção de ofensas mais graves. Além disso, entre os critérios
fixados para afastar a imunidade, a Comissão indica expressamente os
casos em que a ofensa não estiver diretamente relacionada com a atuação
parlamentar ou quando houver risco de obstrução à Justiça.
Sendo assim, também no que diz respeito à imunidade formal
prevista no art. 53, § 2º, da CR, não pode prevalecer uma compreensão
que, desconsiderando a plena eficácia do princípio republicano, dissocie
a atribuição da imunidade à própria ratio de sua instituição. O telos
constitucional deve estar presente na mente do intérprete ao desvelar a
norma constante do texto do art. 53, § 2º, da CR, o que aponta para um
resultado restritivo da literalidade que dele emana.
Afinal, "impõe-se uma interpretação restritiva (ou estrita), onde a
expressão literal da norma precisa ser limitada para exprimir seu verdadeiro
sentido" (...) já que "há certo consenso de que se interpretam restritivamente
as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as

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punitivas em geral e as de natureza fiscal" (BARROSO, Luis Roberto. op. cit.,


121-122).
Dizer que a primeira percepção, advinda da literalidade do art. 53, §
2º, da Constituição da República, não pode prevalecer em face do
princípio republicano, não exonera o intérprete de apontar, então, a exata
normatividade extraível do texto objeto da interpretação, seus limites e
possibilidades.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ao afirmar que a
imunidade material, a despeito do sintagma “... são invioláveis (...) por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” não é absoluta, não se
exonerou da tarefa de delimitar a exata normatividade extraível do texto
do art. 53, caput, da CR, fixando a compreensão segundo a qual as
palavras precisam ser proferidas in officium ou propter officium para que
a imunidade material possa ser reconhecida.
Por evidente, essa mesma conclusão não pode ser transposta para a
denominada freedom from arrest, até porque fundada na teleologia da
própria imunidade material, a qual não se confunde com a finalidade
daquela.
Não se pode dizer, similarmente, embora em alguns países esta
tenha sido a opção política de suas Constituições, que parlamentares só
estão protegidos pela imunidade formal que proíbe a prisão
relativamente a atos supostamente criminosos praticados no exercício de
suas funções parlamentares.
Como mencionado, a ratio da instituição da imunidade material é
garantir ao parlamentar o exercício desembaraçado de suas funções,
proclamando palavras sem o receio de ser questionado criminalmente
quando porventura desborde para o uso desmedido da linguagem.
Confira-se o que restou assentado no voto proferido no Inq 4.177,
(Rel. Min. Edson Fachin, 1ª Turma, j. 12.04.2016), com grifos que não
correspondem ao original:
Para esse efeito, importa ter em mente que a atividade parlamentar,
para além da típica função legislativa, engloba o controle e fiscalização da
Administração Pública. Afinal, a Constituição da República dispõe ser da

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competência exclusiva do Congresso Nacional ´fiscalizar e controlar,


diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo,
incluídos os da administração indireta (art. 49, X, da CF)´.
Ademais, presente também a função investigativa, eis que a
Constituição Federal confere aos congressistas, por meio de comissões
parlamentares de inquérito, poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, cujas conclusões devem ser encaminhadas, se for o
caso, “ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou
criminal dos infratores” (art. 58, § 3º, da CF). (...)
Há uma evidente tolerância por parte da Constituição Federal com o
uso, que normalmente seria considerado abusivo, do direito de expressar
livremente suas opiniões, quando quem o estiver fazendo forem
parlamentares no exercício de seus respectivos mandatos.
Essa tolerância se justifica para assegurar um bem maior que é a
própria democracia. Entre um parlamentar acuado pelo eventual receio
de um processo criminal e um parlamentar livre para expor, mesmo de
forma que normalmente seria considerada abusiva e, portanto,
criminosa, as suspeitas que pairem sobre outros homens públicos, o
caminho trilhado pela Constituição é o de conferir liberdade ao
congressista.
Quando não está no exercício de suas funções, entretanto, para a
salvaguarda dos valores democráticos, o parlamentar não precisa estar
respaldado pela imunidade material que o exonera de responsabilização
penal pelo uso abusivo de sua liberdade de expressão.
Quanto à imunidade formal, a proibição da prisão dos
parlamentares surge no contexto histórico das tensões entre o parlamento
inglês e o soberano, com as vicissitudes da paulatina desconcentração do
poder, próprias da forma como, na Inglaterra, superou-se o absolutismo.
A existência de prisões arbitrárias impostas a congressistas com a
nítida finalidade de impedir o livre exercício de seus poderes, fez com
que se instituísse a proibição da prisão dos parlamentares justamente
para imunizá-los de eventual atividade ilegal dos aparelhos de
persecução penal, tradicionalmente controlados pelo Poder Executivo.

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Essa concepção acaba por se tornar regra instrumental garantidora


do princípio da separação dos Poderes - a qual, com variações próprias de
cada sistema, passa a integrar as constituições de diversos países -, na
medida em que neutraliza eventual uso abusivo dos poderes inerentes à
persecução penal, como forma de impedir ou embaraçar o exercício do
mandato de representação popular outorgado pelo sufrágio.
Todavia, a percepção da necessidade de se garantir aos
parlamentares meios de não serem submetidos a prisões embasadas em
fundamentos forjadas, prisões arbitrárias ou mesmo ilegais, esteve
sempre acompanhada da noção segundo a qual a imunidade não pode
se tornar um privilégio pessoal ou um escudo para subtrair o
mandatário das consequências, a todos impostas, da prática efetiva de
atos que justifiquem as prisões.
Assim, as imunidades relativas à prisão, historicamente, vêm
instituídas de forma excepcional e com salvaguardas que buscam evitar o
uso abusivo da prerrogativa que conferem.
O dilema histórico das nações que adotam as imunidades relativas à
prisão é proteger o parlamentar de prisões forjadas, executadas com a
finalidade de lhe coartar o livre e desembaraçado exercício do mandato,
sem impedir prisões justas, fundadas em razões fidedignas.
A análise da evolução histórica do instituto no direito brasileiro
demonstra que foi adotado desde a Constituição do Império e, com
algumas poucas variações, repetido nas sucessivas constituições, até
adquirir a redação atual.
A Constituição do Império (1824) a previa no art. 27, ressalvando o
flagrante de crime sujeito à pena capital. A Constituição de 1891, em seu
art. 20, exigia prévia licença da Casa para prisão e processo do
parlamentar, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, texto que
se repetiu no art. 32 da Constituição de 1934 e no art. 42 da Constituição
de 1937. Com pequena variação, a Constituição de 1946, igualmente,
previu a proibição de prisão do parlamentar no seu art. 45, também
ressalvando o flagrante de crime inafiançável em texto posteriormente
repetido no art. 34, § 1º, da Constituição de 1967. Com a Emenda de 1969,

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o instituto sofreu aguda restrição, diante da redação dada ao art. 32, §1º.
A imunidade formal em causa voltou a recobrar redação praticamente
idêntica a das anteriores Cartas Constitucionais que vigoraram no
período republicano, com o advento da Constituição de 1988, que no
atual art. 53, § 2º, voltou a proibir a prisão do parlamentar salvo em
flagrante de crime inafiançável.
Percebe-se que o dilema consistente em proteger o parlamentar do
arbítrio, sem imunizá-lo nas hipóteses em que a prisão seja realmente
necessária e justa, no direito brasileiro, foi historicamente resolvido pela
enunciação da proibição da prisão, com a ressalva de sua possibilidade
quando em flagrante delito, nas hipóteses de crimes graves, assim
enunciados na Constituição do Império como aqueles sujeitos à pena de
morte e nas demais Constituições como aqueles inafiançáveis, já que
tradicionalmente a legislação processual penal ressalvava a fiança a
crimes mais leves.
Barbosa Lima Sobrinho, ao discorrer sobre a imunidade dos
deputados estaduais, após asseverar que as imunidades parlamentares
são erigidas em favor do povo e não no favor individual do titular do
mandato, assim justifica a ressalva da possibilidade de prisão em caso de
flagrante delito:

“Tanto não têm cunho pessoal as imunidades, que não


existem no caso de flagrante delito. Por que? Porque a
flagrância prova o crime e o que se procura evitar, com as
imunidades, são os processos forjados, a prova fabricada com
fins políticos, a urdidura de planos, que representem
vinganças ou o propósito de afastar do campo da luta um
adversário perigoso, ou eficiente” (LIMA SOBRINHO, Barbosa.
As imunidades dos deputados estaduais. Belo Horizonte :
Editora UFMG, 1966, p. 102).

A histórica, mas hoje ultrapassada, concepção segundo a qual o


flagrante delito implica a inversão do princípio da presunção de inocência
para o da presunção de culpabilidade acabou por ser a pedra de toque a

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pautar a solução, no direito pátrio, do dilema consistente na necessidade


de proteção ao parlamentar com a salvaguarda para que a prerrogativa
não fosse abusivamente exercida.
A lógica subjacente às sucessivas previsões constitucionais esteve
sempre ligada à ideia segundo a qual a imunidade tem por finalidade
neutralizar o uso abusivo da prisão processual contra o parlamentar.
Como esse risco era considerado mínimo quando do flagrante delito, já
que evidenciador, nas palavras de José Frederico Marques, “...da grande
probabilidade de ser a captura, em tais casos, legítima antecipação do resultado
final do processo penal que irá instaurar-se contra o autor da infração”
(Elementos de direito processual penal. v 4. Rio de Janeiro : Forense,
1965, p. 62), nos crimes graves, a imunidade parlamentar não se
justificaria, restando permitida a prisão.
Observa-se que a concepção segundo a qual era o flagrante delito
informador de presunção de culpabilidade dominou a dogmática
processual penal brasileira por longo período.
Encontra-se dentre os julgados mais antigos do Supremo Tribunal
Federal a remissão expressa à concepção segundo a qual a situação de
flagrância conferia presunção de culpabilidade ao flagrado. Nesse
sentido:

"PRISÃO EM FLAGRANTE. AUTO DEFEITUOSO.


CONFISSÃO DO CRIME.
Sendo o objetivo essencial da flagrância a segurança da
culpabilidade, excluindo qualquer eiva de injustiça quanto à
medida detentiva liminar do processo, aparecem como
irrelevantes os defeitos do auto de prisão em flagrante, quando
o preso confessa livremente o crime. Recurso não provido".
(RHC 45974, Rel. Min. Adaucto Cardoso, Segunda Turma, j.
10/09/1968)

Nessa toada, a prisão em flagrante era doutrinariamente catalogada


como uma das hipóteses de prisão cautelar, suficiente por si só, quando
imposta em razão de crime inafiançável, de submeter o flagrado ao

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processo penal integralmente sob custódia.


Tamanha era a força da presunção de culpabilidade recaindo sobre o
flagrado que, mesmo diante de sentença absolutória proferida em
primeiro grau de jurisdição, o atual Código de Processo Penal, na redação
original de seu art. 596, chegou a proibir a imediata libertação do réu se o
crime a ele imputado tivesse pena máxima cominada por tempo igual ou
superior a oito anos de reclusão, impondo-lhe aguardar o julgamento da
apelação do Ministério Público encarcerado.
Conferia-se ao flagrante delito mais aptidão a justificar o
encarceramento do flagrado do que ao próprio juízo absolutório de
mérito proferido em primeiro grau de jurisdição.
A redação original do atual Código de Processo Penal previa a
liberação do flagrado apenas em três hipóteses: (i) quando o flagrante
fosse nulo e a prisão ilegal, oportunidade em que deveria ser relaxada; (ii)
quando o crime fosse afiançável ou nas hipóteses da antiga redação do
art. 321 do CPP (flagrado, não reincidente, praticando infração não sujeita
à privação de liberdade ou à pena máxima não excedente a três meses de
privação de liberdade); (iii) ou quando houvesse evidência de ter sido o
fato praticado sob uma das excludentes da antijuridicidade, tais como
legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever
legal ou exercício regular de direito.
Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira resume a quadra
histórica da regulamentação da prisão processual e liberdade provisória
até o advento da Lei n 6.416/77, sublinhando que a "fiança, como visto, era,
ao tempo do CPP e até 1977 (Lei n. 6.416), a única modalidade de liberdade
provisória então existente, à exceção daquelas do art. 321 (que não configura
uma medida cautelar) e do caput do art. 310 (constatação imediata da presença
de excludentes de ilicitude), daí resultando a seguinte consequência: se afiançável
o crime, fosse esta prestada, o réu era posto em regime de liberdade provisória,
devendo cumprir algumas exigências. Sendo inafiançável o crime,
permanecia ele preso até o julgamento final, como regra". (Curso de
processo penal. 3 ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2004, p. 548).
A partir da vigência da Lei 6.416/77, à única hipótese de liberdade

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provisória passível de ser concedida a quem fosse preso em flagrante por


crime inafiançável, acrescentou-se o parágrafo único, ao art. 310 de então,
para impor a concessão de liberdade provisória ao flagrado sempre que
não estivessem presentes os requisitos para a decretação da prisão
preventiva.
Na legislação infraconstitucional, somente quando da entrada em
vigor da Lei 6.416/77, é que se rompe a lógica do flagrante delito
enquanto elemento de inversão da presunção de inocência para
presunção de culpabilidade.
A partir de 1977, ainda que preso em flagrante por crime
inafiançável, o cidadão só deveria permanecer preso caso presentes os
requisitos da prisão preventiva, inaugurando-se uma nova hipótese de
liberdade provisória sem fiança. Antes de 1977, só havia liberdade
provisória sem fiança na hipótese de evidenciar-se ter sido o fato
praticado sob excludente da ilicitude. Depois disso, a liberdade
provisória sem fiança passou a ser prevista também “...quando o juiz
verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das
hipóteses que autorizam a prisão preventiva...” (art. 310, parágrafo único, CPP,
com a redação dada pela Lei 6.416/77, hoje revogado).
A despeito da previsão do art. 310, parágrafo único, do CPP, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, anterior à Constituição de
1988, entendia desnecessária decisão judicial expressa, reconhecendo os
pressupostos da prisão preventiva, para manter o encarceramento
decorrente do flagrante delito.
Nesse sentido, entendia-se que "...o parágrafo único do art. 310 do
C.P.P. não impõe ao juiz o dever de, "ex officio", fundamentar a
manutenção da prisão em flagrante; a fundamentação só é necessária se ele
nega a concessão de liberdade provisória que lhe é requerida" (RHC 62.166/SP,
Rel. Min. Moreira Alves, Segunda Turma, j. 31/08/1984) e que "o juiz não
está obrigado a proferir despacho de manutenção da prisão em flagrante.
Não se aplica ao caso o parágrafo único do art. 310 do cod. processo penal" (RHC
65.467/ES, Rel. Min. Djaci Falcão, Segunda Turma, j. 11/09/1987). No
mesmo sentido: RHC 60.649/SC, Rel. Min. Cordeiro Guerra, Segunda

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Turma, j. 10/02/1983; RHC 58.973/SP, Rel. Min. Djaci Falcão, Segunda


Turma, j. 16/06/1981; RHC 58.480/MG, Rel. Min. Thompson Flores,
Primeira Turma, j. 25/11/1980; e RHC 56.250/SC, Rel. Min. Xavier de
Albuquerque, j. 15/08/1978.
Em 1988, contudo, a vinculação da manutenção da prisão em
flagrante à presença dos requisitos da prisão preventiva foi alçada à
categoria de direito fundamental, quando se inscreveu no art. 5º, LXVI, da
Constituição da República a regra segundo a qual “ninguém será levado à
prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com
ou sem fiança”.
A Constituição de 1988, nesse particular, inaugurou um regime
completamente diferenciado do até então vigente nas Constituições que a
precederam. Até então, as Constituições brasileiras limitavam-se a proibir
prisão sem ordem escrita de autoridade competente, fosse judiciária ou
não, sempre ressalvando a possibilidade de prisão sem mandado em caso
de flagrante delito. Algumas delas, todavia, obrigavam a liberação do
flagrado quando a lei admitisse fiança.
Nessa linha: a Constituição de 1824 (art. 179, X); a Constituição de
1891 (art. 72, § 13), embora proibindo a manutenção da prisão se o
flagrado "prestar fiança idônea" (art. 72, § 14); a Constituição de 1937 em
seu art. 122, § 11; a Constituição de 1946, igualmente, mas prevendo no
seu art. 141, § 21, que "ninguém será levado à prisão ou nela detido se
prestar fiança permitida em lei"; a Constituição de 1967, em seu art. 150, §
12, também admitia a prisão em flagrante sem ordem escrita da
autoridade competente, mas estabelecia que "a lei disporá sobre a prestação
de fiança", redação que foi mantida pela Emenda de 1969, no art. 153, § 12.
A partir da vigência da atual Constituição, estabeleceu-se uma
vinculação da manutenção da prisão em flagrante, não apenas à
inexistência dos pressupostos da fiança, mas, além disso, à presença dos
pressupostos da própria prisão preventiva. A partir de então, a prisão em
flagrante, para se protrair no tempo (em tese para além de 24 horas
previstas no art. 306, §1º, CPP), passou a exigir a constatação, além dos
requisitos próprios do flagrante e da possibilidade de prestação de fiança,

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da presença dos requisitos da prisão preventiva.


Isso significa que, hodiernamente, são os requisitos da prisão
preventiva que sustentam o encarceramento do flagrado e não a
situação, em si, de flagrância.
Se dúvida ainda pudesse existir sobre se o art. 5º, LXVI, da
Constituição da República permitia que se protraísse no tempo a prisão
em flagrante sem a constatação dos requisitos da prisão preventiva, a
reforma do Código de Processo Penal, promovida pela Lei nº 12.403/2011,
deu nova redação ao art. 310 do CPP, impondo enfaticamente a análise
dos requisitos da prisão preventiva, tão logo o auto de prisão em
flagrante seja encaminhado a juízo, verbis:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz


deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos
constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da
prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem
fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão
em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições
constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá,
fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade
provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos
processuais, sob pena de revogação.

A Constituição de 1988, portanto, inverteu uma lógica que vigorou


por muito tempo no ordenamento jurídico brasileiro, segundo a qual o
estado de flagrância, por configurar presunção de culpabilidade, era a
justificativa por excelência, ensejadora do encarceramento prévio à
condenação.
A partir da Constituição de 1988, passa a ser a confirmação da
presença dos requisitos da prisão preventiva o que justifica a manutenção
de alguém preso antes da condenação. O enunciado do art. 5º, LXVI, da

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Constituição da República (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido,


quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”), a
contrario sensu, impõe essa conclusão pois, na pior das hipóteses, só se
mostra descabida a concessão da liberdade provisória, quando presentes
os requisitos da prisão preventiva.
O flagrante delito, após o advento da Constituição da República de
1988, deixa de poder ser considerado uma espécie de prisão cautelar
processual penal, passando a mera medida de sub cautela.
Com efeito, como bem exposto pela doutrina de Luiz Antônio
Câmara "...sempre foi desconforme o Estado de direito o fato de a prisão em
flagrante, além de manifestar-se como autorizativa do encarceramento do
provável agente, pudesse também autorizar a sua custódia cautelar. A
manutenção da cautela - em decorrência inclusive de mandamento constitucional
- só podia se dar quando presentes os pressupostos da custódia preventiva,
devendo a manutenção ser fundamentada. (...) O legislador de 2011 agiu bem ao
promover a correção e deixar expressa (pois clara ela sempre foi) a
subcautelaridade da medida: hoje os efeitos da prisão em flagrante não
persistem indefinidamente no tempo. (Medidas cautelares pessoais. 2 ed.
Curitiba : Juruá, 2011, p. 198).
Na mesma linha, explicitando a atual razão de ser do flagrante delito
no ordenamento constitucional e processual penal, Eugênio Pacelli de
Oliveira, esclarece que se pretende "... com a prisão em flagrante impedir a
consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (art. 302,
I), ou de seu exaurimento, nas demais situações, isto é, quando a infração acabou
de ser praticada (art. 302, II), ou o encontro do presumido autor (art. 302, IV)
(Curso de processo penal. 3 ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2004, p. 548).
Tendo em vista a modificação da disciplina do flagrante delito
promovida pela Constituição de 1988, que deixa de ser circunstância
ensejadora da inversão da presunção de inocência para a presunção de
culpabilidade do flagrado, inarredável interpretar a regra do art. 53, § 2º,
da Constituição da República de forma consentânea com essa nova
realidade normativa constitucional.
É certo que o texto do art. 53, § 2º, da CR/88, ao dispor que "desde a

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expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser


presos, salvo em flagrante de crime inafiançável" não deixa de ser, com as
variações já apontadas, a reprodução dos textos de todas as Constituições
que vigoraram no Brasil.
Já as hipóteses em que a prisão poderia ser levada a efeito contra
qualquer cidadão, historicamente, sofreram larga alteração. O cidadão
não agraciado com a imunidade parlamentar formal esteve sujeito, nos
regimes constitucionais anteriores, a um número muito mais significativo
de hipóteses de prisão, se comparadas àquelas imponíveis ao detentor da
imunidade, do que ocorre na atualidade.
Como as Constituições anteriores à de 1988, em geral, previam, verbi
gratia, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita
da autoridade competente, nos casos expressos em lei" (art. 141, §21, da
Constituição de 1946), ao passo que a Constituição vigente prevê que
"ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (art. 5º,
LXI), desde logo se percebe que o âmbito de restrição à liberdade do
cidadão passou por uma forte restrição após o advento da Constituição
de 1988.
Apenas para exemplificar, o atual Código de Processo Penal, tomado
por sua redação original, previa hipóteses de prisão muito mais
numerosas do que as hoje presentes.
O art. 319 do Código de Processo Penal, em sua redação original,
previa, por exemplo, prisão administrativa: "I- contra remissos ou omissos
em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-
los a que o façam; II - contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou
mercante, surto em porto nacional; e III - nos demais casos previstos em
lei".
O art. 219, do CPP, atualmente revogado, possibilitava ao juiz "impor
à testemunha faltosa prisão até 15 dias, sem prejuízo do processo penal por crime
de desobediência...". Regra similar permitia prisão de até 5 (cinco) dias à
testemunha recalcitrante, conforme prescrevia o art. 243 do Código de

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Processo Civil de 1939 (Decreto-lei 1.608/1939).


Os casos de prisão civil também eram mais numerosos do que a
única hipótese hoje permitida de "inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII, da CR/88). Além das hoje
inadmissíveis - tendo em vista as normas do Pacto de São José da Costa
Rica -, hipóteses de prisão por infidelidade do depositário, a anterior Lei
de Falências (Decreto-lei 7.661/45), em seu art. 69, § 7º, previa prisão por
até 60 (sessenta) dias do síndico destituído ou substituído que se
recusasse a prestar contas e, em seu art. 35, ao falido que faltasse ao
cumprimento de qualquer dos deveres impostos pela lei.
Enfim, o regime jurídico das prisões, anterior à atual Constituição da
República de 1988, permitia muito mais hipóteses de restrição à liberdade
para o cidadão em geral do que o regime jurídico constitucional vigente.
A interpretação mais estrita e literal dos textos similares ao do atual
art. 53, § 2º, da CR/88, que vedava a imposição de qualquer prisão ao
parlamentar, que não fosse rigorosamente a hipótese de prisão em
flagrante por crime inafiançável, tinha muito maior razão de ser no
regime jurídico anterior ao de 1988.
Primeiro, porque a possibilidade de prisão decorrente do flagrante
delito de crime inafiançável guardava coerência com a concepção jurídica
reinante, segundo a qual se tinha na hipótese uma presunção de culpa.
Segundo, porque proteger o parlamentar, restringindo a essa única
hipótese a possibilidade de sua prisão, significava protegê-lo de uma
ampla gama de possíveis detenções arbitrárias, advindas de variadas
autoridades, que poderiam lhe impor diversas modalidades de prisão,
com base num leque amplo de possibilidades.
A disciplina constitucional vigente, todavia, é radicalmente diversa,
de modo que continuar a interpretar o texto do art. 53, § 2º, da CR/88,
ainda que se o tenha como reprodução de sucessivos dispositivos
constitucionais que, com algumas variações, estavam presentes desde a
Constituição do Império, significa adotar uma concepção hermenêutica
retrospectiva, dissociada dos novos valores introduzidos pela
Constituição de 1988.

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O atual regime jurídico-constitucional da privação da liberdade


permite a decretação da prisão preventiva de parlamentar por norma
extraível da própria conjugação do art. 53, § 2º, com o art. 5º, LXVI, ambos
da CR/88, iluminados pelo princípio republicano, que repele privilégios,
não tolera discriminações, nem permite que se institua uma categoria de
cidadãos dotados de prerrogativas que não sejam instrumentais aos
próprios fins da República, impondo, por conseguinte, uma interpretação
restritiva do texto do art. 53, § 2º, da CR/88. É, pois, como aliás tem sido,
garantia parlamentar, mas sob limites e possibilidades hauridas no
contexto normativo e histórico da própria CR/88.
Importa assentar que não cabe depreender do art. 53, § 2º, da CR/88,
uma regra conformadora de direitos fundamentais. Não se trata de uma
regra que busca antecipar-se a um eventual conflito entre o direito
fundamental à liberdade do detentor da imunidade parlamentar e outros
interesses constitucionalmente tuteláveis pela imposição de uma prisão
preventiva.
A regra do art. 53, § 2º, da CR/88, não pode ser vista como
instituidora de um direito pessoal do parlamentar, mas como uma regra
erigida em favor da sociedade, em favor da democracia e da própria
República, pois busca dotar os parlamentares das garantias necessárias ao
desempenho desembaraçado do mandato, que é exercido em favor
daqueles que o elegeram via sufrágio. Regras que protegem mandatários
enquanto tais, são regras, em verdade, erigidas em favor dos outorgantes
do mandato.
Não é despiciendo lembrar que parlamentares não são agraciados
pelas normas constitucionais com determinadas prerrogativas porque
seriam cidadãos de categoria distinta, mas porque exercem, e para que
continuem a exercer de forma desembaraçada, uma função essencial à
democracia e à república.
A esse respeito, Rui Barbosa, ao comentar o art. 19 da Constituição
de 1891, já advertia que “não são, logo, as imunidades parlamentares esse
privilégio dos membros do Congresso, figurado pelos amigos do estado de sítio.
Privilégio constituem elas, sim, mas da Câmara, do Senado, do

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Congresso, da nação, cujas vontades ele exprime no exercício do Poder


Legislativo, e não poderia exprimir com a sobranceria precisa sem esse escudo
para a consciência de seus membros. O Congresso é um poder inerme. O
Presidente da República, um poder armado. Que liberdade, nas hostilidades entre
um e outro, poderá ter o primeiro, se uma inviolabilidade constitucional não o
garantisse contra a força do segundo? (...) O privilégio, de que se trata, é,
portanto, um privilégio a favor do povo, um privilégio a favor da lei, um
privilégio a favor da Constituição” (Comentários à constituição federal
brasileira. v 2. São Paulo : Saraiva, 1933, p. 41).
Sendo assim, não se pode pretender aplicar à compreensão desse
texto as regras de hermenêutica próprias dos direitos fundamentais,
segundo as quais, "em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que,
conforme os casos, restrinja menos o direito fundamental, lhe dê maior proteção,
amplie mais seu âmbito, o satisfaça em maior grau" (CANOTILHO, Joaquim
José Gomes & MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra :
Coimbra, 1991, p. 143).
Ao contrário, pelas mesmas razões, deve-se repelir interpretações
que não se ajustem à teleologia da regra imunizante.
Retomando, a decretação da prisão preventiva de parlamentar está
permitida por norma extraível da própria conjugação do art. 53, § 2º, com
o art. 5º, LXVI, ambos da CR/88, iluminados pelo princípio republicano.
Como visto, qualquer cidadão preso em flagrante, na atualidade, em
razão do que dispõe o art. 5º, LXVI, da CR/88, não será "levado à prisão ou
nela mantido quando a lei admitir liberdade provisória com ou sem fiança". A
contrario sensu, ninguém, mesmo que preso em flagrante, será mantido
em custódia, na pior das hipóteses, se não estiverem presentes os
requisitos da prisão preventiva, hoje previstos no art. 312 do Código de
Processo Penal, ou seja, se não for necessária à "garantia da ordem pública,
da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar
a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria".
Em verdade, também como antes já referido, sempre que alguém for
preso em flagrante, a autoridade deverá, em vinte e quatro horas no

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ADI 5825 MC / MT

máximo (art. 306, § 1º, do CPP), encaminhar o auto de prisão em flagrante


ao juiz natural que, nos termos do art. 310 do CPP, "deverá
fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312
deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com
ou sem fiança".
Evidentemente, essas regras se aplicam também ao parlamentar
preso em flagrante nas hipóteses de crime inafiançável. A despeito da
redação da segunda parte, do art. 53, § 2º, da CR/88 - que determina a
remessa, em vinte e quatro horas, dos autos de flagrante à Casa
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva
sobre a prisão -, não teve o constituinte, por certo, o escopo de dar ao
parlamentar uma condição jurídica inferior, em termos de garantias
individuais, à conferida ao cidadão em geral.
Não se deve supor que o parlamentar preso em flagrante terá a
análise jurisdicional de compatibilidade da permanência no cárcere, tal
como prevista no art. 310 do CPP, substituída pela análise a ser efetuada
pela Casa legislativa a que pertencer.
O juízo a ser realizado pela Casa respectiva, a respeito da prisão do
parlamentar, é de outra ordem. Trata-se de um legítimo e constitucional
juízo político, sujeito ao posterior controle político dos eleitores e pautado
por critérios estritamente políticos.
Além do juízo político a ser exercido no prazo de 24 horas pela Casa
do Congresso Nacional a que pertence, o parlamentar federal tem,
igualmente, como qualquer cidadão preso em flagrante delito, o direito a
um juízo técnico-jurídico, a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal
(art. 53, § 1º, CR/88), que verse sobre a legalidade formal da prisão em
flagrante e a presença dos requisitos para a decretação da prisão
preventiva (art. 312 do CPP), única hipótese que a Constituição considera
suficiente para a manutenção do encarceramento do flagrado.
Todo cidadão preso em flagrante, a partir da Constituição de 1988,
tem o direito de ter sua prisão em flagrante revisada pelo juiz

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 5825 MC / MT

competente, quer no que diz respeito à legalidade formal, quer no que diz
respeito à análise da presença dos requisitos necessários à concessão da
liberdade provisória; e esse direito não foi subtraído dos parlamentares
pela Constituição.
Convencido da presença dos requisitos para a concessão da
liberdade provisória, o juiz natural da causa concede-a, com ou sem a
imposição de cautelares alternativas (art. 321 do CPP), dentre elas a fiança
(art. 319, VIII, do CPP), ou se verificar que não são suficientes ou
inadequadas, decretará a prisão preventiva (art. 282, § 6º e 310, II, ambos
do CPP).
A análise jurisdicional que se sucede obrigatoriamente à prisão em
flagrante, após o advento da regra do art. 5º, LXVI, da CR/88, passa
necessariamente pela análise jurisdicional da presença ou ausência dos
requisitos da prisão preventiva.
Por essa razão, jungida à permissão de prisão em flagrante por crime
inafiançável, prevista no art. 53, § 2º, da CR/88, está a possibilidade de
decretação da prisão preventiva do parlamentar federal pelo Supremo
Tribunal Federal.
A se entender que não tem o Supremo Tribunal Federal poderes para
decretação da prisão preventiva do parlamentar preso em flagrante por
crime inafiançável, coerentemente, deve se entender que ao parlamentar
foi sonegada a garantia do art. 5º, LXVI, da CR/88 (não ser mantido na
prisão quando a lei permite liberdade provisória) ou que lhe foi sonegada
a inafastabilidade da apreciação jurisdicional de sua situação flagrancial
(art. 5º, XXXV, da CR/88) e de ter eventual prisão em flagrante ilegal
contra si imposta a condição e ser “...imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária” (art. 5º, LXV, da CR/88), que são direitos fundamentais de todo
cidadão, os quais teriam sido substituídos por um juízo exclusivamente
político a ser exercido pelo Parlamento.
O juízo político previsto na segunda parte do §2º, do art. 53, da
CR/88, em verdade, não é substitutivo das garantias próprias que são
previstas a todo cidadão preso em flagrante. Ao contrário, é um plus.
Percebe-se, então, que a regra do art. 53, § 2º, da CRFB nem de longe

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ADI 5825 MC / MT

confere ao Poder Legislativo o poder de revisar juízos técnico-jurídicos


emanados do Poder Judiciário. Ao Poder Legislativo, a Constituição
outorgou, pela regra de seu art. 53, § 2º, apenas o poder de relaxar a
prisão em flagrante, forte num juízo político.
Estender essa competência para permitir a revisão, por parte do
Poder Legislativo, das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares
penais, significa ampliar referida imunidade para além dos limites da
própria normatividade que lhe é própria, em ofensa ao postulado
republicano e à própria independência do Poder Judiciário.
Sendo certa a necessidade da análise jurisdicional da possibilidade
de a prisão decorrente de flagrante do parlamentar protrair-se no tempo,
certa também é a possibilidade de a prisão preventiva lhe ser decretada
como consequência dessa análise.
Poder-se-ia objetar que, ao permitir a prisão em flagrante por crime
inafiançável de parlamentar, o art. 53, § 2º, da CR/88, estaria permitindo
implicitamente, apenas e tão somente, a decretação, pelo Supremo
Tribunal Federal, da prisão preventiva nas hipóteses em que houvesse a
prévia prisão em flagrante do parlamentar. Em outras palavras, para o
parlamentar, só seria possível a prisão preventiva por conversão da prisão
em flagrante por crime inafiançável, desde que mantida pelo parlamento,
mas não a hipótese de prisão preventiva autonomamente decretada.
Essa interpretação, mais focada na literalidade do texto do art. 53, §
2º, da CR/88, todavia, não se mostra adequada se confrontada com o ideal
republicano, que impõe interpretação restritiva a prerrogativas,
especialmente quando a imposição do regime comum, a todos aplicável,
se mostrar suficiente à obtenção dos objetivos buscados com a instituição
da regra imunizante. Daí porque a resposta à pergunta inicial se impõe
afirmativa. E isso se explica.
O Supremo Tribunal Federal, como mencionado, tem sólida e
reiterada jurisprudência no sentido de impor interpretação restritiva às
imunidades e prerrogativas constitucionalmente previstas, sempre com
os olhos voltados ao princípio republicano. Além da já citada restrição ao
alcance aparentemente mais amplo que a literalidade da Constituição

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procurou empregar às imunidades materiais dos parlamentares, tem


prevalecido interpretação restritiva quanto ao alcance do art. 86, § 4º, da
CR/88, que prevê imunidade do Presidente da República por atos
estranhos ao exercício de suas funções, e do foro por prerrogativa de
função, o qual não pode ser ampliado fora das hipóteses estritas previstas
na própria Constituição.
Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Inquérito
3.983/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, Pleno, j. 02.03.2016, assentou,
conforme trecho da ementa a seguir transcrito, cujos grifos não constam
do original:

4. A previsão constitucional do art. 86, § 4º, da


Constituição da República se destina expressamente ao Chefe
do Poder Executivo da União, não autorizando, por sua
natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie sua
incidência a outras autoridades, nomeadamente do Poder
Legislativo. Precedentes.

Do corpo do acórdão, colhe-se o seguinte trecho, com grifos que,


igualmente, não constam do original:

Tal previsão constitucional se destina expressamente ao


Chefe do Poder Executivo da União, não autorizando, por sua
natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie sua
incidência a outras autoridades, notadamente do Poder
Legislativo. Conforme já assentou esta Corte, “a norma
consubstanciada no art. 86, § 4º, da Constituição, reclama e
impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese estrita
(…)” (Inq 672 QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Tribunal Pleno, DJ 16/4/1993). Na mesma linha de compreensão,
ao decidir pela inconstitucionalidade de normas da
Constituição do Estado de São Paulo que reproduziam o
conteúdo dos arts. 86, §§ 3º e 4º, da Carta Magna, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que “as
prerrogativas contempladas nesses preceitos da Lei Fundamental – por

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serem unicamente compatíveis com a condição institucional de Chefe


de Estado – são apenas extensíveis ao Presidente da República” (ADI
1021, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ acórdão:
Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ 17/11/1995). É
inaplicável ao denunciado, portanto, a imunidade penal
temporária conferida pela Carta Magna ao Presidente da
República.

Quanto ao foro por prerrogativa de função, outorgado pela


Constituição da República a algumas autoridades, igualmente é sólida a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de, com base no
princípio republicano, considerar as regras a ele relativos de interpretação
estrita. Tome-se o exemplo do decidido na ADI 2.587, Rel. Min. Maurício
Corrêa, Pleno, j. 01.12.2004, que refutou a possibilidade de Constituições
Estaduais conferirem foro por prerrogativa de função a Delegados de
Polícia. Do corpo do voto do eminente relator, colhe-se o seguinte trecho,
que não leva grifos no original:

31. Penso que o artigo 125 não outorgou às constituições


estaduais uma verdadeira carta em branco para assegurar o
privilégio a quem bem entendesse, conferindo ao Tribunal de
Justiça competências que não encontram paralelo na Carta
Política. A questão refoge a uma simples opção política, mas
retrata um sistema rígido de jurisdição excepcional, que por
diferir postulados basilares do Estado de Direito Democrático
exige uma interpretação restritiva e expressa.

Conforme referiu o Ministro Carlos Velloso no julgamento do citado


Inq 687, ‘o princípio da igualdade é inerente à República e ao regime
democrático. Não é à-toa, aliás, que o princípio isonômico é acentuado, mais de
uma vez, na Constituição: assim, por exemplo, art. 5º, caput, art. 5º, I, art. 150,
II, art. 7º, XXX, XXXi, XXXII, XXXIV, art. 3º, III, art. 43, art. 170, VIII’.
Nesse contexto, as hipóteses que excepcionam sua aplicação somente
podem ser admitidas se veiculadas pela própria Constituição Federal e
devem, nesses termos, merecer a mais limitada interpretação.

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Mais recentemente, também com fundamento, dentre outros, no


princípio republicano, ao julgar a ADI 4.764, este Plenário reviu sua
jurisprudência e assentou a impossibilidade de as Constituições Estaduais
exigirem prévia licença das Assembleias Legislativas para a submissão de
Governadores dos Estados e do Distrito Federal a processo penal perante
o Superior Tribunal de Justiça.
Ainda, como se disse, com o advento da Constituição de 1988, a
centralidade da prisão antes da sentença condenatória exequível, deixa de
ser a evidência da culpabilidade antecipadamente considerada pela
situação flagrancial, e passa a ser o juízo fundamentado da autoridade
judiciária competente, embasado na necessidade e adequação.
Dessa forma, pelo regime instituído pela Constituição de 1988, como
é decorrência lógica da permissão da prisão em flagrante, a permissão da
decretação da prisão preventiva, deve-se concluir que no valor subjacente
à permissão da prisão em flagrante está contido o valor permissivo da
prisão preventiva, esta considerada independentemente da existência de
prévia situação de flagrante delito.
Afinal, repita-se, pela regra do art. 5º, LXVI, da CR/88, é a afirmação
pela autoridade judiciária competente dos requisitos da prisão preventiva
que garante a permanência da prisão pré-processual.
Essa interpretação é a que melhor se coaduna com o princípio
republicano, eis que, se a ratio da instituição da imunidade formal resta
atendida quando o parlamentar é preso em flagrante, submetido ao juízo
técnico-jurídico do Supremo Tribunal Federal que confirmará a
possibilidade de manutenção da prisão, desde que presentes os
pressupostos que justifiquem a decretação da prisão preventiva.
Afinal, reitere-se, o que pretende a Constituição é imunizar o
parlamentar contra prisões arbitrárias, que tenham por exclusiva
finalidade subtrair-lhe os poderes de representação conferidos pelos
eleitores. Contra prisões justas, que não tenham a finalidade espúria de
tisnar o regular exercício do mandato conferido pelos eleitores, a
Constituição não se levantou.

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Diante disso, a compreensão que tenho a respeito da regra


imunizante do art. 53, § 3º, da CR/88 não comporta proibição de
decretação de prisão preventiva. Com redobradas vênias de quem
entende de forma diversa, entendo que a todo cidadão a Constituição
assegura o direito de não ser preso, “...senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo
nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei
(art. 5º, LXI, CF).
Aos parlamentares, pela regra do art. 53, § 2º, da CFRB, segundo
compreendo, conferiu-se uma garantia extra de só ser preso, sem ordem
escrita e fundamentada de autoridade judicial, em flagrante por crime
inafiançável. Quanto à prisão decorrente de decisão judicial, ao contrário,
parlamentares estão sujeitos ao regime jurídico aplicável a todos os
cidadãos, como decorre do princípio republicano.
A afirmação da possibilidade de se decretar a prisão preventiva
contra o parlamentar implica, necessariamente, o cabimento da
decretação das cautelares alternativas à prisão preventiva.
Como referido, ainda que presentes os pressupostos de necessidade
da prisão preventiva, previstos no art. 312 do Código de Processo Penal,
ou seja, ainda que a decretação da prisão preventiva seja necessária à
"garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indício suficiente de autoria", a partir da reforma
implementada pela Lei 12.403/2011, que introduziu no art. 319 do CPP
medidas cautelares alternativas, a prisão preventiva foi erigida à
categoria de ultima ratio, somente sendo passível de decretação quando
presentes requisitos de adequação, ou, nos termos do art. 282, § 6º, do
CPP “quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art.
319)”, regra que vem reforçada no art. 310, II, do CPP, o qual permite ao
juiz “converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”.
Desde que adequadas à situação do parlamentar em relação ao qual

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se formou um juízo positivo a respeito da necessidade de decretação da


prisão preventiva, se forem suficientes para se atingir o mesmo objetivo
processual buscado pela prisão preventiva, o Supremo Tribunal Federal
deve, em substituição, decretar uma das cautelares alternativas à prisão.
As regras introduzidas pela Lei 12.403/2011, ao submeterem a prisão
preventiva à categoria de ultima ratio, dentre as medidas cautelares
processuais penais, são conformadoras do princípio da
proporcionalidade, o qual impõe, sempre que ordenamento jurídico
ofereça mais de um meio para o atingimento de um mesmo fim, a opção
pelo menos gravoso dos meios.
A partir da vigência das regras introduzidas pela Lei 12.403/2011,
passa a ser requisito para a decretação da prisão preventiva, verificar
previamente se as medidas cautelares alternativas não são suficientes e
adequadas ao atingimento do mesmo objetivo persequível com a
custódia. Trata-se de direito subjetivo do suspeito da prática de um crime,
não ser submetido à prisão preventiva se os objetivos de necessidade
desta última puderem ser alcançados com as medidas cautelares menos
restritivas.
Nessa linha, as mesmas razões que justificam a possibilidade de
decretação da prisão preventiva de parlamentar quando em causa crime
inafiançável, com muito mais razão estão presentes para justificar a
decretação das medidas cautelares alternativas, previstas no art. 319 do
Código de Processo Penal.
Sendo assim, concluo pela possibilidade, a partir da interpretação
que faço da regra do art. 53, § 2º, da Constituição da República, de
decretação, por parte do Poder Judiciário, de medidas cautelares penais
em desfavor de integrantes do Poder Legislativo, desde que – seria
despiciendo dizer, mas convém enfatizar -, estejam presentes os
requisitos constitucionais e legais.
Saliento, ainda, com a devida vênia de concepções diversas, na
esteira do que assentei quando proferi voto por ocasião do julgamento da
ADI 5.526, que a regra do art. 53, § 3º, da Constituição, bem como aquela
inscrita em seu art. 55, § 2º, igualmente, não conferem ao Poder

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Legislativo poder revisional quanto aos atos emanados do Poder


Judiciário.
A regra do art. 55, § 2º, da Constituição, nas hipóteses que enuncia,
confere competência ao Congresso Nacional para decretar a perda do
mandato parlamentar.
Dessa competência não se pode extrair, com a devida vênia da
maioria que se formou quando do julgamento da ADI 5.526, igual
competência para sustar medidas cautelares decretadas pelo Poder
Judiciário.
Por certo, há uma diferença marcante e significativa entre a
decretação da perda do mandato, medida definitiva e irreversível, e a
suspensão temporária da função pública ínsita no exercício do mandato
parlamentar, decretada pelo Poder Judiciário, fundada nos juízos de
adequação e de necessidade “para aplicação da lei penal, para a investigação
ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a
prática de infrações penais”, conforme dicção literal do art. 282, I, do Código
de Processo Penal.
Como a decretação da perda de mandato é medida drástica e
irreversível, o constituinte conferiu maiores garantias ao mandato
parlamentar condicionando a cassação à manifestação do Poder
Legislativo.
Disso não se pode extrair competência, mesmo implícita, para
subtrair a submissão de parlamentar à medida cautelar penal, decretada
pelo Poder Judiciário, cuja transitoriedade e provisoriedade é de sua
essência. A tal conclusão só se poderia chegar se fosse possível interpretar
referida regra extensivamente, o que, como visto, não é o caso.
A esse respeito, importa, fazer referência ao voto condutor do
referendo da medida cautelar deferida na AC 4070, julgado à
unanimidade por este Plenário, no trecho em que o saudoso Ministro
Teori Zavascki, de forma lapidar, como era de seu feitio, enfrentou os
temas ora em discussão:

“Como prerrogativas que são, naturalmente


reivindicarão interpretação restritiva.

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Fora dessas hipóteses, as investigações e processos


criminais deflagrados contra parlamentares haverão de
transcorrer ordinariamente, sem qualquer interferência do
Poder Legislativo, inclusive quanto à execução das demais
medidas cautelares previstas no ordenamento, que ficam à
disposição da jurisdição, podendo ser acionadas a tempo e a
modo, isto é, quando forem necessárias e adequadas. Não há,
nesse aspecto, qualquer fragilização da independência para o
exercício do mandato. Afinal, a plenitude das prerrogativas de
representação popular são garantidas, no ponto, pela
prerrogativa de foro, que atribuem necessariamente a um
colegiado de magistrados a competência pela direção dos
procedimentos de persecução penal eventualmente instaurados
contra parlamentares. Assim, a partir de quando um
parlamentar passa a ser alvo de investigação por crime comum,
perante o foro apropriado, também esses agentes políticos
haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função,
desde que existam elementos concretos, de particular
gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida para a
hígida sequência dos trabalhos judiciários.”

O mesmo se diga a respeito da regra do art. do art. 53, § 3º, da CRFB,


que confere competência à Casa respectiva para sustar o andamento de
processo penal instaurado em desfavor do parlamentar federal,
igualmente, com redobradas vênias de quem entenda de forma diversa,
sua invocação para sustentar a tese de que as medidas cautelares penais
estariam sujeitas à mesma sorte, importa em ampliação interpretativa
incompatível com o princípio republicano.
Perceba-se, de saída, que o artigo 53, § 3º, da CRFB vem redigido da
seguinte forma:

“§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado,


por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal
Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de
partido político nela representado e pelo voto da maioria de

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seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento


da ação.

A regra, de fato, permite às Casas do Poder Legislativo sustar o


andamento de processo penal instaurado contra um dos seus membros.
Entretanto, essa mesma regra impõe requisitos indeclináveis, cuja
presença e teleologia não podem ser desconsideradas.
Primeiro, a regra impõe que já tenha havido o recebimento da
denúncia por parte do Supremo Tribunal Federal. Nitidamente o
dispositivo constitucional se refere à ação. O juízo de admissibilidade
prévio, técnico-jurídico, realizado pelo Supremo Tribunal Federal, por
certo, não implica juízo de culpa formada. Todavia, confere certa
plausibilidade à acusação deduzida contra o parlamentar.
Uma vez realizado juízo de admissibilidade positivo pelo Supremo
Tribunal Federal, já não se pode mais ter uma suspeita que recaia sobre a
conduta de um parlamentar como absolutamente destituída de
fundamento, ainda que não se possa, em nenhuma hipótese, afirmar sua
culpabilidade.
O recebimento da denúncia, portanto, pressupõe a afirmação da
existência de indícios mínimos de autoria, de materialidade, de ser a
conduta ainda punível pela inexistência de uma evidente causa extintiva
da punibilidade, bem como a afirmação de que a conduta é
aparentemente típica.
O juízo de incerteza próprio de suspeitas que recaem sobre
investigados em geral, após o recebimento da denúncia pelo Supremo
Tribunal Federal, embora não se convole em juízo de culpabilidade,
confere ao menos a presunção de que a submissão do suspeito a um
processo penal não é fruto de constrangimento ilegal.
Há precedência do juízo de admissibilidade da acusação, exigida
pela regra do artigo 53, § 3º, da CR/88 para que a Casa do Congresso
Nacional possa realizar o juízo político voltado a sustar o trâmite do
processo penal instaurado.
Juízos políticos realizados pelos representantes do povo, em geral,
são politicamente controlados pelos respectivos representados.

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Tal prerrogativa conferida ao Poder Legislativo só pode ser exercida


em relação a supostos crimes praticados após a diplomação, o que exclui
sua aplicação a supostos crimes praticados anteriormente.
Com isso, pretendeu o constituinte impedir que o mandato eletivo,
com as imunidades dele decorrentes, sirva de escudo à persecução penal.
Tratando-se de fato praticado antes da diplomação, incabível a incidência
da regra do art. 53, § 3º, da CRFB.
Por fim, a deliberação da Casa Legislativa deve ser dar pela maioria
de seus membros e por iniciativa de partido político nela representado.
Como se vê, referida regra, tanto quanto se dá com qualquer
prerrogativa ou imunidade constitucional, em razão do postulado
republicano, que repele privilégios e não tolera discriminações, não
pode ter seu âmbito de normatividade ampliado para permitir a revisão
de medidas cautelares penais decretadas pelo Poder Judiciário, fundadas
em nos juízos de adequação e necessidade “para aplicação da lei penal, para
a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para
evitar a prática de infrações penais”, conforme dicção literal do art. 282, I, do
Código de Processo Penal.
O poder conferido pela Constituição às Casas Legislativas para
sustar processos penais, nem de longe, abarca o poder de sustar medidas
cautelares penais, ainda que estas últimas sejam instrumentais.
Isso porque referidas medidas cautelares penais não visam apenas à
tutela do processo penal. Como literalmente descrito, podem ser
decretadas para a garantia da aplicação da lei penal, para a investigação
e instrução criminal e para evitar a prática de novas infrações penais.
Sendo assim, são instrumentos de tutela da ordem pública, da
aplicação da lei penal, bem como das investigações em curso. A outorga
constitucional de poder para sustar um processo penal, portanto, não
compreende a concessão de poderes para impedir a adoção de
providências necessárias à tutela da ordem pública (visando a impedir
nova delinquência), bem como obstar a completa elucidação dos fatos sob
investigação.
Essa, aliás, é a razão pela qual o Supremo Tribunal Federal tem

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jurisprudência tradicional restritiva a respeito da imunidade prevista no


art. 86, § 4º, da CR/88, que impede a responsabilização do Presidente da
República por atos estranhos ao exercício do mandato, excluindo do seu
âmbito de abrangência a possibilidade de instauração de investigações
voltadas a uma futura responsabilização. Nesse sentido: Inq 672/DF, Rel.
Min. Celso de Mello, DJU 16.04.93 e Inq 567/DF QO, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, RTJ 144/136-145.
Nessa linha, com todas as vênias de quem compreende de forma
diversa, inaplicável o recurso à interpretação enunciativa, pela via do
argumento a maiori ad minus.
Como se sabe, a partir de regras explícitas, pela via de processos
lógico-argumentativos, pode-se chegar a regras implícitas, o que
caracteriza o recurso à interpretação enunciativa.
Dentre os processos lógicos de enunciação de regras implícitas a
partir de regras explícitas, costuma-se lançar mão de argumentos, tais
como, o argumento a maiori ad minus, segundo o qual quem pode o mais,
pode o menos.
Tal argumento, todavia, pressupõe a constatação de hierarquias
entre as premissas envolvidas na construção lógica, sob pena de o
silogismo transformar-se em paralogismo.
Assim, para que de uma regra que permite “o mais” se possa extrair
uma regra implícita que permite “o menos”, é preciso que a regra tida
como viabilizadora de um poder maior, efetivamente abarque o poder
menor viabilizado pela regra supostamente implícita que se enuncia. É
preciso, pois, que a regra implícita desvelada pelo argumento a maiori ad
minus esteja efetivamente incluída no âmbito de normatividade da regra
explícita, sobre a qual se realizou o raciocínio lógico.
Dito isso, ao se afirmar que se o Congresso Nacional pode sustar um
processo penal instaurado contra um de seus membros (o que seria o
mais), com muito mais razão poderia sustar medidas cautelares penais, se
está, com o devido respeito, incorrendo em paralogismo, na medida em
que não há correspondência hierárquica entre os poderes conferidos pela
Constituição ao Congresso para paralisar processos penais em curso e os

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 165

ADI 5825 MC / MT

alegados poderes para obstar medidas cautelares penais.


Como demonstrado, ao contrário, os poderes conferidos ao
Congresso para sustar processos penais em curso são estritos,
circunscritos às hipóteses especificamente limitadas na CRFB, pois as
medidas cautelares penais não são instrumentais apenas ao processo
penal, mas também meios de tutela da fase pré-processual investigativa
e da ordem pública.
A outorga constitucional de poder para sustar um processo penal,
portanto, não compreende a concessão de poderes para impedir a adoção
de providências cautelares necessárias à tutela da ordem pública (visando
a impedir reiteração delitiva), bem como, à tutela da investigação e
completa elucidação dos fatos.
Sendo assim, proponho a esse colegiado a compreensão segundo a
qual (i) a regra do art. 53, § 2º, da CRFB não impede o Poder Judiciário,
presentes os requisitos constitucionais e legais, de decretar medidas
cautelares penais em desfavor de integrantes do Poder Legislativo; e (ii) a
Constituição da República não confere atribuição ao Poder Legislativo
para revisar juízos técnico-jurídicos emanados do Poder Judiciário, ainda
que se trate da decretação de medida cautelar penal em desfavor de um
de seus integrantes.
Consequentemente, voto por conceder a medida cautelar na ADI
5.824 para fixar interpretação conforme à constituição, assentando que as
regras dos §§ 2º a 5º, do art. 102, da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro não vedam ao Poder Judiciário decretar medidas cautelares de
natureza penal em desfavor de deputados estaduais, nem conferem
poderes à Assembleia Legislativa para revogar ou sustar os atos judiciais
respectivos.
Da mesma forma, voto por conceder a medida cautelar na ADI 5.825
para fixar interpretação conforme à constituição, assentando que as
regras dos §§ 2º a 5º, do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso
não vedam ao Poder Judiciário decretar medidas cautelares de natureza
penal em desfavor de deputados estaduais, nem conferem poderes à
Assembleia Legislativa para revogar ou sustar os atos judiciais

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 165

ADI 5825 MC / MT

respectivos. Consequentemente, por arrastamento, voto por suspender a


eficácia da Resolução 5.211 de 2017 da Assembleia Legislativa do Estado
do Mato Grosso.
É como voto.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

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06/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, posso


adiantar o voto em dois minutos?
Reporto-me ao proferido na ação direta de inconstitucionalidade nº
5.823, da qual sou relator, que farei juntar aos processos sob a relatoria do
ministro Luiz Edson Fachin.
Quanto à arguição de descumprimento de preceito fundamental nº
497, faço um comentário à margem do que está sendo realmente
discutido nesse processo.
Tenho que a Assembleia do Rio de Janeiro cometeu um pecadilho,
no que ela própria, em vez de comunicar ao Tribunal Regional Federal a
superação das prisões preventivas, como que expediu alvará de soltura
em benefício dos deputados. Mas não está em jogo na arguição essa
expedição. Nela se ataca e diz-se descumprido o preceito fundamental, no
que houve a resolução quanto ao afastamento das prisões preventivas
implementadas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Também, no tocante à arguição de descumprimento de preceito
fundamental, indefiro a liminar, pelas razões veiculadas no voto que
proferi no início desta Sessão.

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Extrato de Ata - 06/12/2017

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 165

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.825


PROCED. : MATO GROSSO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO (07077/DF)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE MATO GROSSO

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator),


concedendo a medida cautelar, para fixar interpretação conforme a
Constituição e suspender a eficácia da Resolução 5.211 da
Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, nos termos de seu
voto, e o voto do Ministro Marco Aurélio, que, preliminarmente,
entendia pela carência da ação por ilegitimidade ativa da
requerente, e indeferia a medida cautelar, o julgamento foi
suspenso. Ausentes, justificadamente, os Ministros Roberto Barroso
e Ricardo Lewandowski. Falaram: pela requerente, Associação dos
Magistrados Brasileiros, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; pela
interessada, Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o
Dr. Carlos Antonio Dornellas Filho, Procurador da Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso; e, pela Procuradoria-Geral
da República, a Drª. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora-
Geral da República. Presidência da Ministra Cármen Lúcia.
Plenário, 6.12.2017.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira


Dodge.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Boa tarde;


Presidente; Ministra Rosa; Ministros; Procuradora-Geral, Doutora Raquel;
quero cumprimentar os Ministros-Relatores também, Ministro Marco
Aurélio e Ministro Fachin.
Presidente, eu vou tentar ser, dentro do possível, o mais breve
possível para que nós possamos prosseguir.
Obviamente, nas três ações, quanto à questão da legitimidade da
AMB, estendo o que já votei na primeira ação. E em relação à concessão
da cautelar, inicio pela análise do fumus boni juris.
Não entendo, inicialmente, possível que, mesmo analisando
independentemente da votação individual final, nós possamos, na análise
dessas cautelares, alterar o posicionamento já fixado por maioria - por
seis a cinco, mas por maioria - em controle concentrado que foi a ADI
5.526, que tratou - e por isso eu faço questão de salientar - tanto do art.
319, ou seja, das medidas cautelares substitutivas à prisão preventiva,
quanto do art. 312, que também, por maioria, se colocou que não cabe a
aplicação do art. 312 aos congressistas.
Eu acabei me tornando o Redator para o acórdão. Lá, nós analisamos
somente a questão dos congressistas, porque realmente é o que estava no
pedido, mas salientamos e deixamos, por maioria decidido, até como
colocou o voto vencido do ilustre Relator Ministro Fachin, que indagado
por Vossa Excelência, Presidente, sobre o art. 312, nos debates, colocou
que julgava também improcedente. E disse: "por razão básica, a única
exceção que a Constituição abre para submeter à Casa Legislativa é o caso
de prisão em flagrante por crime inafiançável, § 2º do art. 57. Portanto,
também nisso fico vencido".
Por que eu inicio colocando essa questão? Todo o principal raciocínio
do voto do Ministro Edson Fachin - me corrija se eu tiver errado, apesar

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 165

ADI 5825 MC / MT

de ter salientado que um outro raciocínio também levaria à mesma


conclusão - foi no sentido de que o art. 27, § 1º, da Constituição não seria
afastado. O Ministro Edson Fachin não afastou a incidência do art. 27, §
1º. Seria aplicado, nos termos do entendimento de Sua Excelência, na ADI
5.526, em que restou vencido, porque, para a maioria, em relação aos
congressistas parlamentares federais, não é possível a prisão provisória, e
no caso do art. 319 é aquela - inclusive a solução, o verbete, o enunciado
da solução dada pelo nosso Ministro Decano - que o Judiciário pode, por
autoridade própria, impor as medidas cautelares substitutivas; e se direta
ou reflexamente isso impedir o exercício do mandato, se aplica o art. 53, §
2º.
Eu parto, portanto, para votar aqui nessas três ADIs, dessas
premissas que ficaram fixadas no controle concentrado da ADI 5.526.
Eventualmente, se durante os debates houver necessidade, voltarei a citar
a questão ou os trechos do voto que proferi àquela época, mas parto
dessas premissas.
A partir dessas premissas, a questão que se coloca, ao meu ver, e
também foi ressaltado pelo Ministro Marco Aurélio, é que o art. 27, §1º,
da Constituição, ao colocar que será de quatro anos o mandato dos
deputados estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre
sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda do
mandato, licença, impedimentos e incorporação, estaria se referindo à
aplicação do chamado estatuto dos congressistas do art. 53.
Já adianto que entendo pela plena aplicabilidade do art. 27, § 1º,
mesmo porque, como foi colocado da tribuna, fazendo um paralelo, se
nós verificarmos o § 1º do art. 27, para cada palavra que coloca o § 1º é o
equivalente a um dos parágrafos do art. 53, então houve, inclusive, essa
equivalência. Quando coloca "aplicando-se inviolabilidade", é o caput do
art. 53; quando fala "imunidades", é o § 1º até o § 5º. E fala inclusive na
questão de incorporação das Forças Armadas, que é o § 7º do art. 53,
exatamente para determinar a aplicação aos parlamentares estaduais das
imunidades formais que detêm os parlamentares federais,
independentemente de qualquer previsão da Constituição estadual. Não

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 165

ADI 5825 MC / MT

haveria, a meu ver, nem a necessidade desta previsão.


Na ADI 5.540/MG, julgada em 03/05/2017, onde o Plenário julgou a
possibilidade ou não de extensão automática aos Governadores daquelas
previsões excepcionais que o Presidente da República tem, se seria seria
possível as Constituições estaduais estabelecerem as mesmas previsões - a
necessidade de prévia licença da Assembleia a partir do recebimento da
denúncia ou afastamento -, naquele momento, analisei aquela questão em
relação aos governadores a partir de normas-obstáculos estabelecidas
pela Constituição e a comparação dessas normas-obstáculos para que o
processo seguisse, que, no caso dos parlamentares, são as imunidades
formais, mas processualmente são normas-obstáculos, analisadas perante
o princípio republicano, o princípio da igualdade na aplicação e
responsabilização. E coloquei - por isso estou citando a época - que todas,
a meu ver, absolutamente todas as previsões excepcionais do legislador
constituinte originário que afastam a ideia da aplicação igual da lei, que
afastam a ideia que baseia o princípio republicano, todas as previsões
excepcionais devem ser expressas, porque, ao legislador constituinte
originário, a Assembleia Nacional Constituinte, é possível - como foi
sempre na história constitucional brasileira - excepcionar algumas
hipóteses. Em relação aos governadores, não o fez. Por isso, votei pela
inexistência da simetria, porque previu para o Presidente da República e
não estabeleceu nenhuma norma de extensão. As Constituições estaduais,
ao estabelecerem, aí, sim, porque não são poder constituinte originário,
estariam desrespeitando o princípio republicano, o princípio da
igualdade.
Agora, em relação aos membros do Poder Legislativo - e salientei já à
época, na ADI 5.540 -, o legislador constituinte originário estendeu
expressamente aos deputados estaduais, no § 1º do art. 27, essas normas-
obstáculos, ou seja, as imunidades; fez questão, inclusive, de colocar
primeiro inviolabilidades - ou seja, a imunidade material - e, na
sequência, as demais imunidades, que são as imunidades formais; fez
questão - e nos debates constituintes isso ficou muito claro - de colocar
duas palavras para que não pairasse dúvida de que aos parlamentares

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ADI 5825 MC / MT

estaduais estava sendo estendido expressamente a imunidade material,


na palavra inviolabilidade, e as imunidades formais, quando diz
imunidades; adotou essa metodologia porque, lá no art. 29, não estendeu
nenhuma imunidade formal aos vereadores. No art. 29, coloca só
inviolabilidade. Ou seja, foi a metodologia do legislador constituinte, não
foi uma palavra solta na Constituição. E a metodologia, como eu disse é
que, para cada palavra do § 1º do art. 27, há um parágrafo correspondente
do art. 53 da Constituição. Então, houve previsão expressa de se estender,
assim como, lá atrás, no anteprojeto da Comissão Afonso Arinos, havia
previsão expressa para estender aos governadores as imunidades do
Presidente da República, mas a Assembleia Constituinte retirou para os
governadores essa previsão expressa; manteve, didaticamente, ao meu
ver, com respeito a todas as posições em contrário, para os deputados
estaduais, separando o que é inviolabilidade, a chamada imunidade
material, que é uma cláusula de irresponsabilidade total, penal e civil, das
imunidades formais, que são normas-obstáculos que não vão impedir a
aplicação da lei, mas colocam obstáculos durante o exercício do mandato.
Então, no caso dos deputados estaduais, o Poder Constituinte
derivado decorrente de cada estado-membro e, diga-se, também do
Distrito Federal, porque o art. 32 manda aplicar o art. 27 também aos
parlamentares distritais, cada estado, ao se auto-organizar, deve fiel
observância aos chamados aqui princípios constitucionais estabelecidos,
que, além de organizarem a Federação, e são princípios federativos,
estabelecem preceitos de observância obrigatória. Por isso que eu digo:
havendo ou não previsão na Constituição estadual - e é um preceito de
observância obrigatória, o princípio constitucional estabelecido -, e todas
previram, mas, mesmo que não houvessem, o art. 27, § 1º, da Constituição
Federal continua valendo. O art. 27 foi denominado pelo saudoso e
grande constitucionalista mineiro, o Professor Raul Machado Horta,
como uma norma de pré-ordenação, de aplicação obrigatória aos estados-
membros. Vejam que, ao colocar os exemplos de normas de pré-
ordenação, aquelas que o legislador constituinte originário estabeleceu
para a União e determinou expressamente o estabelecimento para os

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 165

ADI 5825 MC / MT

estados, o primeiro exemplo dado pelo Professor Raul Machado Horta foi
exatamente o art. 27, as normas de pré-ordenação, mandando aplicar aos
deputados estaduais todo o estatuto dos congressistas, que foi previsto
em nível federal para o deputados e senadores.
Não há, a meu ver - e principalmente a partir do julgamento da ADI
anterior, sobre os congressistas, onde se deu a interpretação do art. 53 -,
nenhuma antinomia interpretativa, porque nós teríamos - e esse é o
grande problema - de declarar a inconstitucionalidade parcial do § 1º do
art. 27 se quisermos não estender as imunidades.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me
permite?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Por favor.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Esse artigo foi
emendado duas vezes, e busquei saber o teor das emendas
constitucionais; versaram apenas o § 2º, que dispõe sobre remuneração
dos deputados estaduais. Portanto, o § 1º é da redação primitiva da Carta
de 1988.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Exatamente!
Dentro dessa perspectiva, o sistema constitucional brasileiro, nós
sabemos - pode ser que algum dia se altere -, ao consagrar a incondicional
supremacia das normas constitucionais, não adota a teoria alemã - no
livro de Otto Bachof vem bem colocado isso - de normas constitucionais
inconstitucionais. Ou seja, ao Supremo Tribunal Federal, cuja precípua
missão é ser o guardião da Constituição, não se possibilita declarar a
inconstitucionalidade de uma norma originária, colocada pelo legislador
constituinte originário, em virtude da aplicação de princípios também
presentes na Constituição.
Nós estaríamos aqui, pela primeira vez no Supremo, declarando a
inconstitucionalidade de uma norma originária - parcialmente, é verdade
-, do § 1º do art. 27, que estabelece a aplicação dessa norma de pré-
ordenação expressa, o emprego do estatuto dos congressistas aos
parlamentares estaduais.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Vossa Excelência me

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 165

ADI 5825 MC / MT

permite?
Ontem, eu ouvi com bastante proveito o voto do Ministro Fachin, e
se colocou de forma muito enfática - de quando em vez, nós temos
lançado mão - o argumento do princípio republicano.
Se nós cotejarmos as Constituições todas do mundo democrático,
nós vamos encontrar cláusulas idênticas, porque isso está na origem do
constitucionalismo: a ideia de que se tem uma proteção especial para
essas pessoas que exercem funções especiais. Veja que até mesmo quando
se trata - e isso já é uma norma tradicional do constitucionalismo
brasileiro - das situações dos estados excepcionais: estado de defesa ou
estado de sítio.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Não é
possível afastar as imunidades.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso.
Então, é preciso, porque se faz um pouco de certo panfletismo com
essa coisa da República, quando interessa. Os juízes também têm regras
específicas para a prisão, os promotores também têm; "mas, quanto ao
parlamentar, eu quero revogar, fazer interpretação ablativa". Cria-se um
Estado autoritário. Se nós começarmos a invadir competências do próprio
Congresso Nacional e a proteção dos representantes parlamentares,
pouco importa quem esteja no Congresso ou nas Câmaras estaduais. A
questão não é desse tipo. O problema é sobre um tipo de garantia que vai
estimular toda sorte de autoritarismo.
(...)
Então, nós estamos discutindo o tema e aí nós dizemos: "Claro, a
política neste momento passa por um grande descrédito, vamos
aproveitar, então, esta ocasião para quebrarmos a ideia".
Essas garantias são pensadas historicamente, inclusive nos embates
que havia com o soberano em dado momento. Pode ser que, daqui a
pouco, você tenha o fenômeno que a gente está vivendo hoje. Quem
acompanha o constitucionalismo europeu, por exemplo, sabe que nas
repúblicas do Leste, onde se instalou uma democracia por decreto, hoje
você tem virtualmente um modelo populista autoritário. Tribunais

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 165

ADI 5825 MC / MT

constitucionais estão sendo fechados ou sendo cooptados. Modelos


venezuelanos estão acontecendo na Hungria, estão acontecendo na
Polônia.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Ministro Gilmar, Vossa
Excelência me permite? Eu não generalizaria isso em relação à classe
política. Eu acho que nós estamos julgando casos concretos em que houve
uma revogação ex officio, manu militari de uma decisão judicial. Eu quero
até já destacar para a Vossa Excelência que não vou falar de Mato Grosso,
porque Vossa Excelência falou do Rio, absolutamente. Mas tenho que
citar esse exemplo, porque esse exemplo é expressivo; eu senti na minha
própria pele.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - O que eu falei do Rio
pode valer para o Mato Grosso, nenhum problema. Na verdade, pode
valer para o Brasil todo.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas eu não quero que Vossa
Excelência imagine...
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu não faço esse tipo
de patriotada.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Pois é. Eu também não faço.
Então, nós temos um bom diálogo.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - A única coisa é que o
Mato Grosso é um Estado progressista, e o Rio está em falência.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - É verdade; bom, um Estado
progressista eu não sei, sinceramente, depois de ler a delação daquele
Governador Sinval Barbosa. Mas deixa eu só explicar o caso, senão nós
vamos começar a lutar pela nossa naturalidade e não vamos chegar a
nada.
Pois bem, então, o que ocorreu? Quer dizer, o que nós estamos
discutindo? Estamos discutindo algumas situações absurdas. O Direito
não pode proteger iniquidades. Então, o que ocorreu? por exemplo, o que
eu vivenciei: O Ministério Público pediu uma busca e apreensão em
várias residências de deputados que apareceram recebendo propinas
publicamente. E, então, o deputado conseguiu ludibriar a portaria:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 58 de 165

ADI 5825 MC / MT

"Espera, avisa que eu já não venho aqui há muito tempo". Quando houve o
arrombamento, havia ali café ainda quente, recém preparado, mas ele já
não ia lá há muito tempo... E aí o que fez ele? Ele fugiu por um outro
elevador e saiu numa Land Rover, atentando contra aquela decisão. Ele
foi preso por isso. Uma vez que preso por isso, a Assembleia se reuniu e o
liberou.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas não é justificativa
para se colocar em segundo plano o Poder Legislativo do Estado
federado. Em Direito, o meio justifica o fim e não o inverso.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Por isso é que digo que acho
que deveríamos julgar casos concretos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Agora, se a maioria
entender que o Poder Legislativo local é menor, em termos de
prerrogativas dos integrantes, do que o Federal, paciência, é o Supremo
que temos.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - A prerrogativa se usa para
isso? Essa é a questão.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Ministro Alexandre, só
para encerrar, desculpe-me, porque não contava com essa intervenção.
Mas aqui há um problema que nós temos que considerar. E ontem,
inclusive, nós discutíamos na bancada, a partir de um voto da Ministra
Cármen Lúcia, naquele caso de Rondônia, em que claramente não era
possível deixar de aplicar o decreto de prisão, até porque não tinha como
submeter à câmara, uma vez que 22 dos 24 deputados estavam
envolvidos. Foi um tipo de pensamento do possível diante da
impossibilidade.
O Ministro Celso aventava a necessidade de que, mantida a ideia da
imunidade e da inviolabilidade, se faça a análise - acho que o Ministro
Alexandre também antecipava no voto - dos casos concretos, tal como
Vossa Excelência está dizendo. (...) Eu sei que é um juízo generalizado de
que há um problema crônico nas assembleias. Se a gente conversar,
inclusive, com os congressistas, eles dizem que é sistemático, como
acontece no Judiciário estadual, o descumprimento do teto que está

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 165

ADI 5825 MC / MT

estabelecido. Se nós olharmos a Emenda nº 1 do Brasil, a Emenda nº 1 do


Brasil não tem nada a ver com a Emenda nº 1 Americana. É uma regra -
acho que de iniciativa de Nelson Carneiro - para bloquear os excessos nas
câmaras de vereadores e nas assembleias legislativas. Estabeleceram-se
uma vinculação e uma gradação. Então, é claro que nós temos problemas
aqui. Agora, o problema é que a desvalorização do sistema legislativo e
do sistema de proteção vai trazer como consectário violação clara ao
processo democrático.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Nisso eu concordo com Vossa
Excelência.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Então, é essa a
questão. E aqui, realmente, na verdade, não há como discutir a situação
dos Estados. Realmente há um problema sério no contexto político geral.
E, se aprofundar, inclusive no Judiciário. É que a imprensa está voltada
para as mazelas do Legislativo, da política. Mas, se se olhar, por exemplo,
todo esse festival de fura-teto que ocorre hoje, será que isso se explica? É
razoável? Um tribunal pagando cem mil reais para um desembargador,
enquanto o teto é de trinta e três mil? E como esses salários são
negociados? São negociados com Assembleia Legislativa. É ela que
aprova. Então, é preciso que a gente tenha consciência - e aí me irrita
realmente a história do republicanismo -, porque aqui não se trata de
nada republicano, no sentido de que, de fato, o parlamentar não é igual
ao cidadão comum nesse sentido. Ele tem riscos às vezes inclusive de
prisão. Por exemplo, por que a Constituição coloca que ele não é
convocável para as Forças Armadas? Porque se usava esse tipo de
situação - aí é norma-resposta da Constituição - para desqualificar um
parlamentar. Então, é isso que nós precisamos apanhar. Não se trata de
discutir situações específicas. Situações específicas nós temos que discutir
nas situações específicas.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, se tivesse
constatado a origem por emenda do § 1º do artigo 27, talvez não estivesse
longe de atender aos anseios dos leigos e glosar a inviolabilidade. Mas
acontece que o preceito – vou repetir mais uma vez – é primitivo. E, ao

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 165

ADI 5825 MC / MT

versar as inviolabilidades, remete às constantes da própria Lei Maior, da


própria Constituição Federal. Não posso potencializar os desvios de
conduta que ocorreram no Rio de Janeiro e colocar em plano secundário a
Constituição Federal. O dever é de guarda desse documento.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Agradeço os
apartes, e fica até mais fácil e claro eu concluir o voto pelo seguinte: o
Ministro Gilmar colocou a questão do Rio de Janeiro, o Ministro Fux
colocou a questão de Mato Grosso, se quiserem colocar uma questão de
São Paulo também, não vou ficar magoado, mas colocaram questões
específicas. Já no julgamento anterior, eu disse - e debatemos isso - que
nós não podemos confundir o conteúdo com o continente. Nós não
podemos confundir eventuais parlamentares que pratiquem atividades
ilícitas com a importância do Poder Legislativo. São coisas diversas.
Dentro dessa ideia de conteúdo e continente, nós aqui também - com a
devida vênia das posições em contrário - não podemos confundir controle
concentrado de constitucionalidade com a possibilidade de um controle
jurisdicional posterior para os casos concretos. São coisas diversas.
Diferentemente do que se discute na ADPF, aqui o que se discute é se
normas das Constituições de três Estados, que obedecem essa norma de
pré-ordenação do § 1º do art. 27, estendendo as imunidades, se essas
normas são constitucionais ou não. Os casos concretos nós devemos
discutir nos processos específicos. E é isso que o Supremo Tribunal
Federal vem fazendo desde 88. Como salientou bem o Ministro Marco
Aurélio, essa norma é originária.
Trago uma série de habeas corpus em que o Supremo sempre afirmou
e reafirmou que o art. 27, § 1,º é uma norma que estende as imunidades
formais aos parlamentares estaduais, ou seja, a questão do continente.
Quando houve necessidade - e foi inclusive de relatoria da Ministra
Cármen Lúcia, numa questão específica, até por três a dois, na Turma -,
excepcionou-se o caso concreto. Aqui não é mais o continente, o Supremo
estava discutindo o conteúdo. E, mesmo naquele habeas corpus, essa
excepcionalidade não afastou a aplicação do art. 27, § 1º. Pelo contrário,
manteve, disse que o art. 27, § 1º, se aplica, mas a excepcionalidade do

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 165

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caso - eram vinte e dois deputados de vinte e quatro, quase toda a


Assembleia - merecia um tratamento também diferenciado.
Esse caso mostra bem a necessidade de diferenciarmos o continente
do conteúdo, a norma geral da sua aplicação, que eventualmente pode ser
desvirtuada, Ministro Fux. Aí, todos nós concordamos.
E no desvirtuamento, no abuso de poder, no desvio de finalidade,
porque as imunidades têm determinadas finalidades. No caso concreto,
no conteúdo, sempre haverá, a meu ver - e vai ser a conclusão do meu
voto -, a possibilidade de revisão judicial. Mas não podemos, eu volto a
dizer, com respeito às posições em contrário, confundir, aqui, as ADI's
com a ADPF - para exemplificar o que estamos julgando hoje à tarde.
Aqui, nós estamos analisando o continente. O art. 27, § 1º, por ser norma
de pré-ordenação, garante aos Deputados Estaduais as imunidades?
Parece-me claro e, até agora, o Supremo, depois de quase trinta anos de
Constituição, sempre disse que sim.
Seria possível ao Supremo Tribunal Federal declarar a
inconstitucionalidade de uma norma originária? Porque não é só declarar
a inconstitucionalidade ou, no caso, conceder a cautelar, afastando as
normas estaduais. As normas estaduais nada mais fizeram do que,
obrigatoriamente, repetir o art. 27, § 1º, estendendo ao art. 53 e, aí,
repetindo. E volto a dizer: nós, no Brasil, pelo menos até o momento, não
adotamos a teoria das normas constitucionais originárias
inconstitucionais.
Lá no caso de Minas e nos outros casos, em relação aos
governadores, foi possível por quê? Não havia essa norma de pré-
ordenação expressa na Constituição. Então, a maioria entendeu que o
princípio republicano prevalece sobre normas meramente estaduais.
Aqui, nós estaríamos entendendo que genericamente o princípio
republicano prevalece sobre outra norma originária. Concentradamente,
abstratamente falando de controle de constitucionalidade, não há uma
norma constitucional originária que valha mais do que a outra. Então, do
que adiantaria suspender a norma estadual se o art. 27, § 1º, continua
prevendo a questão das imunidades?

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ADI 5825 MC / MT

Vejam que Supremo Tribunal Federal não admite o controle de


norma originária nem em confronto com as cláusulas pétreas do art. 60, §
4º. Analisar uma norma originária e apontar que eventualmente ela está
em desacordo com uma cláusula pétrea não é possível. O próprio
Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 815, de relatoria do Ministro
Moreira Alves, desde 96, coloca essa impossibilidade, porque normas
originárias têm a mesma estatura. O que eu volto a dizer: não impede a
análise do caso concreto; agora, impede, ao meu ver, a possibilidade de
maneira indireta, ao se suspender as constituições estaduais, na verdade,
estaremos suspendendo uma parte do art. 27, § 1º, que expressamente
fala das imunidades aos deputados estaduais. Estaríamos, pela primeira
vez, declarando a inconstitucionalidade de uma norma originária. Nesse
sentido, Ministra-Presidente, entendo que não é possível, não estando
presente o fumus boni iuris, uma vez que, reflexamente, estaríamos
suspendendo o próprio art. 27, § 1º, mesmo que parcialmente, mas
estaríamos suspendendo a palavra "imunidades".
Mas isso não impede - e esse é o segundo tópico do meu voto - o
controle jurisdicional da aplicação específica, no caso concreto, das
imunidades, porque me parece - e foi reforçado hoje pela discussão - que
a indignação é com o abuso - não o uso -, com o desvio de finalidade das
imunidades, nos casos concretos.
Eu, portanto, inverto aqui - e acho que essa é a previsão que a
Constituição fez, que as normas originárias fizeram - a lógica da inicial
proposta pela AMB. Não se trata, em momento algum, de obstaculizar o
exercício do poder de revisão judicial do Poder Judiciário; é plenamente
compatível nós aplicarmos as duas questões. Só que não é um controle
preventivo. Ou seja, o Judiciário pode afastar, no caso concreto, a
aplicação da norma originária, por desvio de finalidade ou por abuso de
poder. É um controle posterior, ou seja, sobre o caso específico.
Dentro da lógica democrática, deve-se dar a possibilidade à
Assembleia Legislativa de exercer as suas funções, inclusive mantendo
eventuais medidas, não se deve partir sempre da ideia de que haverá má-
fé ou compadrio, deve-se cumprir o art. 27, § 1º, da Constituição, e aos

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 165

ADI 5825 MC / MT

parlamentares vai caber essa análise. Agora, isso não impede, após a
edição da resolução - e aí saímos de novo do continente (Legislativo) e
vamos para o conteúdo (parlamentares), para o individual -, que aquele
ato administrativo, porque não é um ato legislativo, na verdade, a
resolução da Assembleia Legislativa, confirmando ou não confirmando, é
um ato administrativo de efeitos concretos travestido de resolução, mas é
um ato administrativo de efeitos concretos de um órgão colegiado. Esse
ato administrativo, como todos os atos administrativos de efeitos
concretos dos Três Poderes são passíveis de controle jurisdicional. O
controle jurisdicional, Ministro Fux, seria feito a posteriori, não se estaria
retirando da Assembleia, nem retirando abstratamente o que a
Constituição prevê pela Assembleia Nacional Constituinte nem retirando
a possibilidade de a própria Assembleia poder afastar o seu membro. E,
ficando muito claro que o poder revisional judicial estará presente, nós
vamos verificar que as próprias Assembleias vão tomar mais cuidado ao
analisar essa questão, porque, se verificado abuso de poder, desvio de
finalidade, o Judiciário poderá rever essa decisão, porque impedir algo
que ainda nem se sabe se será a favor ou contra é um controle preventivo
sobre o Poder, não sobre o fato concreto. Rever é um controle sobre o ato
administrativo concreto; e nada impede, absolutamente nada, o exercício
da jurisdição. Aguarda-se e, aí, posteriormente, decide-se.
Sem entrar no mérito da questão do Rio de Janeiro, Ministro Fux, é
exatamente o que lá ocorreu. Sem entrar no mérito se foi certo ou errado,
o Tribunal Regional Federal enviou à Assembleia; a Assembleia decidiu; e
ele realizou um controle jurisdicional posterior. Ele não se recusou a
enviar à Assembleia Legislativa. Veja, houve o respeito a uma imunidade
do Poder Legislativo, ao continente; realizou-se o ato administrativo
concreto, que foi a resolução; posteriormente, foi controlado pelo Poder
Judiciário.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Ministro Alexandre, só um
dado de fato que veio do próprio Supremo. Nós julgamos, de acordo com
o material que o Supremo nos remete, que a deliberação da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro foi cumprida antes de ser

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 165

ADI 5825 MC / MT

comunicada ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Se não me falha a


memória, o Ministro Marco Aurélio ontem...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não. Ontem, disse
que a Assembleia havia cometido um pecadilho, mas esse pecadilho não
está envolvido nos processos que estamos apreciando. Qual foi o
pecadilho? Em vez de comunicar ao Tribunal Regional a derrubada da
prisão preventiva, ela própria expediu os alvarás de soltura e determinou
que servidores fossem à penitenciária cumprir esses alvarás. Aí é que está
o pecadilho.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Mas esse é um dado concreto e, como diz, não está em jogo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não houve resolução.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Nós
estamos julgando realmente em controle abstrato.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Nós estamos
falando absolutamente a mesma coisa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Agora, Ministro, a esta
altura, ante os votos muito mais longos, talvez tenha que recolher o
proferido para aditá-lo!
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - O Tribunal
Regional Federal - mas, Ministro Marco Aurélio, o meu voto é longo em
virtude dos apartes que são longos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência sabe
que gosto muito de ouvi-lo.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - É, mas os
apartes são longos, eu peço então a recontagem do meu tempo
novamente.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Vossa Excelência até
cronometra.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Eu já parto
para conclusão, Ministro Fux. Nós estamos falando absolutamente a
mesma coisa. Veja, o TRF remeteu, respeitando a imunidade; a
Assembleia decidiu; e o TRF, posteriormente, entendeu que houve um

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 165

ADI 5825 MC / MT

desvio de finalidade, uma ilegalidade no ato concreto. Ou seja, a revisão


judicial posterior sempre deve ser possível.
Em virtude disso e concluindo, Presidente, aqui, no caso, ainda é a
medida cautelar, eu acompanho o Ministro Marco Aurélio.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Indefiro no caso em
que sou relator, alusivo à Constituição do Estado do Rio Grande do
Norte; nas ações contra a Constituição do Estado de Mato Grosso e
também do Rio de Janeiro, divirjo do Relator para indeferir a liminar, o
mesmo fazendo na arguição de descumprimento de preceito
fundamental.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - A
ADPF não foi apregoada. São apenas as ações diretas.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Então, quando Vossa
Excelência apregoar, votarei dessa forma.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Acompanho
o Ministro Marco Aurélio nas três.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Então, Ministro, na ADI 5.823, Vossa Excelência acompanha o Relator,
Ministro Marco Aurélio, e nas ADIs 5.824 e 5.825, Vossa Excelência
acompanha a divergência do Ministro Marco Aurélio.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Exato, mas
deixando claro, porque aqui se trata de controle concentrado, que o art.
27, §1,º ao permitir as normas estaduais, admite ser possível, sempre, a
revisão judicial posterior ao ato editado, para que se analise desvio de
poder ou de finalidade.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 66 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber: Senhora Presidente, uma boa


tarde a todos e uma saudação especial à Senhora Procuradora-Geral da
República e aos senhores advogados que na tarde de ontem ocuparam a
tribuna com competentes sustentações orais.
Meus cumprimentos se estendem também aos Relatores das ADIs
em julgamento, Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, e ainda ao
Ministro Alexandre de Morais, que, com o seu voto, reavivou os temas
que foram objeto de debate.
O pedido cautelar, nas três ADIs propostas pela AMB, como ficou
bem claro, é de suspensão da eficácia de dispositivos das Constituições
dos Estados do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro e do Estado do
Mato Grosso, relativos às garantias ou ao dito “estatuto” dos deputados
estaduais e, por arrastamento, do Decreto Legislativo nº 003/2017, da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, da Resolução
nº 495/2017, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, e da
Resolução nº 5.521/2017, da Assembleia Legislativa do Estado de Mato
Grosso.
Não me pronuncio, porque já votei, com relação à legitimidade ad
causam ativa da AMB, no caso, matéria já superada.
Faço brevíssimas considerações, apenas para destacar que, no
julgamento da ADI nº 5526 esta Suprema Corte não emitiu tese jurídica
quanto à extensão das imunidades formais objeto do art. 53, §§ 2º e 3º, da
CF aos parlamentares estaduais. Em julgamento de parcial procedência,
por maioria – e, destaco, integrei a corrente vencida –, houve o
acolhimento parcial do pedido de interpretação conforme, tendo-se
assentado que a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão se
sujeita ao rito do art. 53, § 2º, da Carta Política quando tais medidas
implicarem embaraço ao regular exercício do mandato parlamentar.

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 67 de 165

ADI 5825 MC / MT

E o que se põe a julgamento nestas ADIs, em última análise, é se a


imposição pelo Poder Judiciário, a Deputados Estaduais, de prisão
cautelar, provisória ou preventiva, e de medidas cautelares diversas, com
repercussão no exercício do mandato, exige, considerada a norma do art.
27, § 1º, da Constituição Federal, a submissão do ato jurisdicional às
Assembleias Legislativas, nos moldes do art. 53, § 2º, da CF.
Os eminentes relatores, Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin,
expuseram ontem, com o necessário detalhamento, os primorosos
fundamentos que amparam suas conclusões, agora sintetizados, reitero,
pelo Ministro Alexandre de Moraes. Eu, seguindo a metodologia que
tenho propugnado, não vou ler ou detalhar o meu voto, porque já lancei
todo o meu entendimento e as minhas posições, pedindo vênia às
compreensões contrárias, com relação a este tema que diz com o art. 53, §
2º, da CF. O tema, embora de delicadeza ímpar, já foi extremamente
debatido.
Reportando-me aos fundamentos que externei ao julgamento da
ADI 5526, peço vênia ao Min Marco Aurélio e, porque comungo com os
fundamentos externados pelo Ministro Edson Fachin na interpretação
conforme que propõe aos preceitos impugnados das constituições
estaduais, eu, em juízo de delibação, tenho por presentes o fumus boni
juris e o periculum in mora a que se condiciona a concessão da tutela de
urgência, e acompanho Sua Excelência no deferimento parcial das
liminares requeridas nos termos propostos nas três ADIs.
É o meu voto e juntarei voto escrito.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 68 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber: 1. Como visto, nas três ADIs,


todas propostas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a
de nº 5823, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, e as de nº 5824 e nº
5825, da relatoria do Ministro Edson Fachin, impugnam-se os
dispositivos, respectivamente, da Constituição do Estado do Rio Grande
do Norte (com a redação dada pela EC nº 35/2001), da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro (com a redação dada pela EC 53/2012) e da
Constituição do Estado do Mato Grosso (com a redação dada pela EC
42/2006), relativos às garantias ou ao dito “estatuto” dos deputados
estaduais.
Eis o teor das normas impugnadas:

Arts. 33, § 3º, e 38, §§ 1º, 2º, e 3º da Constituição do Estado


do Rio Grande do Norte

“Art. 33. (...)


§ 3°. É de quatro (4) anos o mandato dos Deputados
Estaduais, aplicando-se-lhes as regras da Constituição Federal
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,
remuneração, perda do mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.”

“Art. 38. Os Deputados são invioláveis, civil e penalmente,


por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§1°. Desde a expedição do diploma, os Deputados
Estaduais não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Neste caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Assembleia Legislativa, para que, pelo

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 69 de 165

ADI 5825 MC / MT

voto da maioria de seus membros, em votação nominal,


resolva sobre a prisão.
§ 2º Recebida a denúncia contra Deputado Estadual, por
crime ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça ou o
Órgão Judiciário competente darão ciência à Assembleia
Legislativa, que, por iniciativa de partido político nela
representado, ou no Congresso Nacional, e pelo voto nominal
da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final,
sustar o andamento da ação.
§ 3°. A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.” (destaquei)

Art. 102, §§ 2º a 5º, da Constituição do Estado do Rio de


Janeiro

“Art. 102. (...).


§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros da
Assembleia Legislativa não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Assembleia
Legislativa, para que, pelo voto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.” (destaquei)

Art. 29, §§ 2º a 5º, da Constituição do Estado de Mato


Grosso

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 70 de 165

ADI 5825 MC / MT

“Art. 29 (...).
§ 2º Desde a expedição do diploma, os Deputados
Estaduais não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Assembleia Legislativa, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.” (destaquei)

A tese esposada pela AMB é a da inviabilidade da extensão aos


deputados estaduais, a despeito do disposto no art. 27, § 1º, da CF, das
imunidades formais asseguradas aos deputados federais. Aos deputados
estaduais seriam suficientes as imunidades materiais contidas no art. 53,
caput, da CF, sob pena de se coibir a atuação do Poder Judiciário, em
afronta ao princípio da separação dos poderes e à garantia de
intangibilidade das decisões judiciais.
Enumero, para maior clareza, os atos das Assembleias Legislativas
dos Estados citados no sentido da suspensão dos decretos prisionais e
processos penais em curso, contra deputados estaduais:
a) deliberação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande
do Norte, em 24.10.2017 mediante a edição do Decreto Legislativo nº
003/2017, no sentido de rejeitar a decisão de Desembargador que
determinara a suspensão, por 180 dias, do exercício do mandado do
Deputado Estadual Ricardo Motta, vedado o seu acesso às dependências
da Assembleia;
b) deliberação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, em 17.11.2017, mediante a Resolução nº 495/2017, no sentido da

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revogação das prisões cautelares, preventivas e provisórias dos


Deputados Estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi,
decretadas pela 1ª Sessão Especializada do TRF da 2ª Região, com
determinação de plena retomada do exercício dos respetivos mandatos
parlamentares; e
c) deliberação da Assembleia Legislativa do Estado de Mato
Grosso, em 24.10.207, mediante a Resolução nº 5.521/2017, no sentido de
revogar a prisão preventiva e todas as medidas cautelares impostas pelo
Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao Deputado Estadual Gilmar
Donizete Fabris.
O pedido cautelar, nas três ADIs, é de suspensão da eficácia dos
dispositivos das Constituições estaduais impugnados e, por
arrastamento, do Decreto Legislativo nº 003/2017, da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, da Resolução nº 495/2017,
da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, e da Resolução nº
5.521/2017, da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

2. Na esteira da jurisprudência desta Casa, reconheço a legitimidade


ativa ad causam da associação requerente, consabido que a Lei nº
9.868/1999, disciplinadora do processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade, reproduz, no seu art. 2º, IX, o art. 103, IX, da
Constituição Federal, pelo qual assegurada às entidades de classe de
âmbito nacional, legitimidade ativa para impugnar, mediante ação
direta, a constitucionalidade de dispositivos de lei ou de ato normativo.
Há que examinar, contudo, em atenção à jurisprudência
sedimentada desta Casa, a presença da chamada pertinência temática:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal erigiu o


vínculo de pertinência temática a condição objetiva de requisito
qualificador da própria legitimidade ativa ad causam do Autor,
somente naquelas hipóteses de ação direta ajuizada por
confederações sindicais, por entidades de classe de âmbito
nacional, por Mesas das Assembleias Legislativas estaduais ou
da Câmara Legislativa do Distrito Federal e, finalmente, por

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Governadores dos Estados-membros e do Distrito Federal.


Precedentes.” (ADI 1096 MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello,
Julgamento: 16.03.1995, Tribunal Pleno)

Como já me manifestei em processos outros, tal requisito “deve ser


examinado com largueza em atenção aos fins do controle concentrado”
(ADPF 97/PA, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgamento
em 21.08.2014). Definida, a pertinência temática, no dizer sempre preciso
do eminente Ministro Decano desta Suprema Corte, como relação de
congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou
as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma
questionada em sede de controle abstrato (ADI 1157-MC, Rel. Min. Celso de
Mello, Plenário, DJ de 17-11-2006), tenho-o por atendido na espécie.
A jurisprudência desta Casa evoluiu para superar a visão redutora
de legitimidade das associações de classe exclusivamente quanto à defesa
de interesses corporativos. Tenho presente, na espécie, a correlação entre
a norma impugnada e as finalidades institucionais da associação autora,
na esteira do julgamento da ADI 5458/GO (Relator Ministro Luiz Fux,
Tribunal Pleno, julgamento em 30.5.2016, DJe 02.8.2017), pertinente à
limitação do orçamento da Justiça do Trabalho:

“LEGITIMIDADE ATIVA DA ENTIDADE POSTULANTE,


DIANTE DA HOMOGENEIDADE DE SEUS MEMBROS, A
REPRESENTATIVIDADE NACIONAL E A PERTINÊNCIA
TEMÁTICA ENTRE A IMPUGNAÇÃO E OS FINS
INSTITUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO REQUERENTE
(Anamatra). (…) A interpretação pluralista da Constituição
implica uma interpretação que legitime a entidade postulante
quando presentes a homogeneidade entre seus membros, a
representatividade nacional e a pertinência temática, aspectos
que se verificam, em conjunto, no caso sub examine, de modo a
tornar apta a Anamatra a veicular o pleito de fiscalização
abstrata de norma que limita o orçamento da justiça laboral.
(...)”

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Nessa ordem de ideias, não se revela apenas legítimo, mas assume a


expressão de verdadeiro imperativo ético, o compromisso, daqueles que
têm como dever funcional a aplicação da lei e a fiscalização do seu
cumprimento, com a constitucionalidade do direito que lhes cabe
diuturnamente observar e fazer observar, aqui manifestado por entidade
que os representa. Reconheço, pois, a legitimidade da autora para o
ajuizamento das presentes ações diretas, e passo ao exame dos pedidos de
medidas cautelares.

3. Anoto, de início, que, segundo compreendo, não decorre do


julgamento da ADI 5526 a extensão das imunidades formais objeto do art.
53, §§ 2º e 3º, da CF aos parlamentares estaduais.
Na ocasião, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria – e,
registro, integrei a corrente vencida –, julgou parcialmente procedente o
pedido veiculado de interpretação conforme a Constituição dos arts. 312
e 219 do Código de Processo Penal, para assentar que a aplicação de
medidas cautelares diversas da prisão se sujeita ao rito do art. 53, § 2º, da
Carta Política quando implicarem elas embaraço ao regular exercício do
mandato parlamentar.
Afirmou-se naquele julgamento tão somente que a garantia ali
expressamente prevista para a hipótese de prisão em flagrante de crime
inafiançável reclama observância, também, quando aplicadas, aos seus
destinatários, medidas cautelares outras, diversas da prisão (que
repercutam no regular exercício do mandato).
Ainda que a questão relativa a eventual efeito dessa decisão sobre
membros de Assembleias Legislativas tenha sido levantada, lateralmente,
em reforço desse ou daquele argumento, num ou noutro sentido, o fato é
que o STF não emitiu, no julgamento da ADI 5526, tese jurídica sobre a
extensão, ou não, aos Deputados Estaduais, das imunidades formais
asseguradas a Deputados Federais e Senadores no art. 53, § 2º, da CF,
porque essa questão, simplesmente, não fazia parte do objeto em causa.
4. Diferentemente, o que se põe a julgamento nestas ADIs é se a
imposição pelo Poder Judiciário, a Deputados Estaduais, de prisão

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cautelar, provisória ou preventiva, e de medidas cautelares diversas, com


repercussão no exercício do mandato, exige, considerada a norma do art.
27, § 1º, da Lei Fundamental, a submissão do ato jurisdicional às
Assembleias Legislativas, nos moldes do art. 53, § 2º, da CF.
Há, pois, que definir se, do sistema constitucional – em especial do
disposto nos arts. 53, §§ 2º e 3º, e 55 da Constituição da República,
interpretados teleologicamente e de forma sistêmica –, decorre
necessariamente a exegese dos arts. 312 e 319 do Código de Processo
Penal reivindicada pelos autores, qual seja, a submissão da decretação de
prisão preventiva, bem como de qualquer medida cautelar aplicada a
detentor de mandato eletivo, no âmbito da persecução penal, à
deliberação da Casa Legislativa respectiva, em especial quando
supostamente implicarem embaraço ao pleno e regular exercício da
atividade parlamentar.
O tema é de delicadeza ímpar e sem dúvida enseja diferentes
compreensões diante do sistema constitucional de prerrogativas
parlamentares, do postulado da separação entre os Poderes e dos
princípios democrático e republicano informadores da nossa Lei
Fundamental. Dissensos hermenêuticos frente a textos normativos, como
o que se apresenta, são não só inevitáveis, como até benéficos, na medida
em que ensejam o aprofundamento das reflexões e o aprimoramento da
prestação jurisdicional, ao mesmo tempo em que revelam as diferentes
visões de mundo de cada um dos intérpretes.
5. Na minha compreensão, os preceitos das constituições estaduais
impugnados, com a vênia dos que pensam de modo diverso, ofendem o
sistema federativo, o postulado da separação entre os poderes e a
garantia do devido processo legal. É que não potencializo o sentido do
art. 27, § 1º, da Carta Política ao ponto de nele visualizar comando, ao
poder constituinte decorrente, para reproduzir, no tocante aos membros
das Assembleias Legislativas, as imunidades formais asseguradas aos
Deputados Federais e aos Senadores na Constituição da República em
toda sua extensão. Reproduzo o teor dos dispositivos constitucionais em
comento:

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“Art. 27. (...).


§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados
Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,
remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas.” (destaquei)

“Art. 53. (...).


§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado,
por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal
Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de
partido político nela representado e pelo voto da maioria de
seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento
da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de
2001)”

Do art. 27, § 1º, da CF extraio a obrigação de reprodução, nas ordens


constitucionais estaduais, tão somente das garantias que, além de
necessárias ao exercício do mandato parlamentar com independência, se
mostrem compatíveis com a prevalência do princípio republicano, do
Estado democrático de direito e da independência e harmonia entre os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Tomada a Constituição como
unidade textual, a exegese desse preceito exige seja ele conciliado com o
imperativo de se preservar a forma federativa do Estado brasileiro, o
postulado da separação de poderes, o princípio republicano e o devido
processo legal. A esse respeito, pontuo que a simples transposição de uma
norma jurídica de uma esfera a outra com a qual muitas vezes não
compatível (como, no caso, da federal para estadual), ainda que

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aparentemente inócua em um primeiro momento, mostra-se suscetível de


produzir efeitos desestabilizantes do regular funcionamento das
instituições.
Daí porque, sem desconhecer a existência de precedente em sentido
diverso (cf.: RE 456679, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal
Pleno, DJ 07.4.2006), excluo, de plano, como incompatível com primados
básicos da ordem jurídica pátria, a exegese do art. 27, § 1º, da CF que lhe
empresta o sentido de demandar absoluta simetria entre os regimes de
prerrogativas dos parlamentares federais e estaduais.
Por outro lado, o preceito tampouco impede – uma vez identificada
a inconsistência da reprodução, no plano interno dos entes federados, de
determinada regra prevista no ordenamento constitucional federal –, que
se reconheça a vedação desse deslocamento, sob pena de afronta a valores
e princípios caros à ordem constitucional estabelecida.
E, de fato, considerados (i) o sentido e o alcance do princípio
republicano tal como hoje se compreende o seu conteúdo; (ii) a evidência
de que a reprodução, nas Constituições estaduais, das imunidades
formais asseguradas pelo Texto Magno a Deputados e Federais e
Senadores da República tem operado como verdadeiro fator de estímulo
à repetição de episódios de anomalia institucional; e (iii) que nenhum
prejuízo ao pleno e regular funcionamento dos poderes legislativos
estaduais, no marco do Estado democrático de direito, decorre desta
orientação; concluo que, a despeito do que sugere a leitura mais
apressada do art. 27, § 1º, da CF, as garantias do art. 53, §§ 2º e 3º, da CF
não se estendem, em sua plenitude, aos Deputados Estaduais, sob pena
de violação do princípio republicano.
Com base em semelhante compreensão, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, em 04.05.2017, no julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade nºs 4764/AC, 4797/MT e 4798/PI, reconhecendo
hipótese de mutação constitucional, diante (i) das modificações na
realidade fática subjacente à espécie, (ii) da evolução na percepção do
conteúdo e na compreensão do sentido e do alcance do princípio
republicano e (iii) das consequências práticas negativas da

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jurisprudência anteriormente firmada, concluiu ser vedado aos Estado e


ao Distrito Federal instituírem normas que condicionem a instauração
de ação penal contra governador, por crime comum, à prévia
autorização da Casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça
dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares
penais, inclusive afastamento do cargo. In verbis:

“Direito Constitucional. Ação Direta de


Inconstitucionalidade. Governador de Estado. Normas da
Constituição Estadual sobre Crimes de Responsabilidade.
Licença Prévia da Assembleia Legislativa para Instauração de
Processos por Crimes Comuns. (...). 2. A Constituição Estadual
não pode condicionar a instauração de processo judicial por
crime comum contra Governador à licença prévia da
Assembleia Legislativa. A república, que inclui a ideia de
responsabilidade dos governantes, é prevista como um
princípio constitucional sensível (CRFB/1988, art. 34, VII, a), e,
portanto, de observância obrigatória, sendo norma de
reprodução proibida pelos Estados-membros a exceção
prevista no art. 51, I, da Constituição da República.” (ADI
4764/AC, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno,
julgamento em 04.5.2017, DJe 15.8.2017)

Entendeu-se, no caso, que, não obstante guarde aparente relação de


simetria com o modelo adotado na Constituição Federal, o mecanismo da
autorização prévia, aplicado aos Estados, tem impedido a manifestação
de um conteúdo essencial do princípio republicano (art. 1º da Carta
Política), que é a responsabilização dos governantes.
De relevância ímpar ao deslinde adequado do caso ora em análise, a
prevalência do princípio republicano desautoriza confundir prerrogativa
institucional com privilégio pessoal. Não há, em um Estado
Democrático de Direito qualificado pelo princípio republicano espaço
para privilégios voltados à satisfação do interesse pessoal dos seus
beneficiários. Incabível, portanto, conceber ou interpretar como
privilégios as prerrogativas ligadas a determinados cargos ou funções –

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como as imunidades parlamentares – ao perquirir sobre seu sentido e


alcance, quer consideradas em seu aspecto material, quer sob a ótica
processual ou formal. O que o direito republicano respalda é a
preservação da instituição, e não o interesse pessoal do indivíduo
ocupante do cargo.
E dúvida não há de que as prerrogativas parlamentares, como
amplamente reconhecido pela teoria política contemporânea, não
configuram direitos cuja finalidade seja a proteção dos próprios
parlamentares, e sim da representação popular que detêm e na medida
em que se façam para isso indispensáveis.
Registro, porquanto pertinente, que, assim como documentada
consistente evidência empírica no sentido de que a presença dos
institutos das prerrogativas, inviolabilidades e imunidades
parlamentares, em geral, se mostra não apenas desejável, mas
verdadeiramente necessária,1 em países de democratização recente, ainda
não consolidada ou em que ainda não completados os processos de
democratização, há recentes trabalhos de envergadura sugerindo que o
elastecimento excessivo das provisões de imunidade e inviolabilidade
parlamentar, no sentido amplo dessas expressões, pode ter consequências
perniciosas para a qualidade da governança e o nível de corrupção nas
sociedades democráticas.2
Reitero, aqui, minha compreensão de que as normas instituidoras
de regimes excepcionais, como as definidoras de regimes de
prerrogativas, não comportam exegese extensiva. Proclamada pelo
princípio republicano a igualdade de todos perante a lei, somente são
legítimos os regimes especiais e de prerrogativas expressamente
determinados pela própria Constituição. Esse mesmo princípio veda
seja conferida exegese ampliativa a tais regimes. Também sobre o ponto

1 WIGLEY, Simon. Parliamentary Immunity in Democratizing Countries: The Case of


Turkey. Human Rights Quarterly 31: The Johns Hopkins University Press, 2009.
2 Cfr.: MAINGOT, Joseph & DEHLER, David. Politicians Above the Law: a case for
abolition of parliamentary inviolability. Ottawa, ON: Baico Publishing, 2010. Os dados
quantitativos são corroborados por REDDY, Karthik; SCHULARICK, Moritz; SKRETA,
Vasiliki. Immunity. NYU Working Paper, October 2012.

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não foi outra a compreensão manifestada por este Plenário no já


mencionado referendo à medida cautelar deferida na AC 4070:

“A última palavra sobre a prisão e a avaliação a respeito da


suspensão do processo penal são garantias institucionais
deferidas pela Constituição em favor do Poder Legislativo – e
que ressoam no desenvolvimento da persecução penal. Como
prerrogativas que são, naturalmente reivindicarão
interpretação restritiva.
Fora dessas hipóteses, as investigações e processos
criminais deflagrados contra parlamentares haverão de
transcorrer ordinariamente, sem qualquer interferência do
Poder Legislativo, inclusive quanto à execução das demais
medidas cautelares previstas no ordenamento, que ficam à
disposição da jurisdição, podendo ser acionadas a tempo e a
modo, isto é, quando forem necessárias e adequadas. Não há,
nesse aspecto, qualquer fragilização da independência para o
exercício do mandato. Afinal, a plenitude das prerrogativas de
representação popular são garantidas, no ponto, pela
prerrogativa de foro, que atribuem necessariamente a um
colegiado de magistrados a competência pela direção dos
procedimentos de persecução penal eventualmente instaurados
contra parlamentares. Assim, a partir de quando um
parlamentar passa a ser alvo de investigação por crime comum,
perante o foro apropriado, também esses agentes políticos
haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função,
desde que existam elementos concretos, de particular
gravidade, que revelem a indispensabilidade da medida para a
hígida sequência dos trabalhos judiciários.” (AC 4070-Ref/DF,
Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 21.10.2016)

6. A noção de democracia em absoluto, é consabido, se esgota no


voto. O voto é sua condição necessária, mas de modo algum suficiente.
Inseparáveis do conceito de democracia são as ideias de
responsabilidade e de primazia das instituições. As garantias,
prerrogativas e imunidades inerentes ao exercício desse ou daquele cargo

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devem ser dimensionadas tendo em vista a sua finalidade de preservação


institucional. Devem servir à realização da democracia, e não o
contrário. E também não há democracia sem observância das formas e
sem o respeito às instituições acima dos interesses individuais. Estes
somente são articulados legitimamente, na vida pública, quando
inseridos nos limites determinados pela proeminência das instituições.
7. Lado outro, no cerne da controvérsia que se apresenta está o
devido equacionamento do art. 53 da Lei Maior, que dispõe sobre o
regime das imunidades – material e formal – de Deputados e Senadores, a
que se tem emprestado interpretação restritiva e comedida, consentânea
com a prevalência do princípio republicano, vetor hermenêutico
inafastável, como bem sublinhou o Ministro Fachin, a cujos fundamentos
me reporto, para subscrevê-los na íntegra. E nessa linha de interpretação
restritiva, relembro o Inq. 1400-QO/PR (Relator Ministro Celso de Mello,
Tribunal Pleno, DJ 10.10.2003):

“IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO


MATERIAL (CF, ART. 53, "CAPUT") - ALCANCE,
SIGNIFICADO E FUNÇÃO POLÍTICO-JURÍDICA DA
CLÁUSULA DE INVIOLABILIDADE - GARANTIA
CONSTITUCIONAL QUE NÃO PROTEGE O
PARLAMENTAR, QUANDO CANDIDATO, EM
PRONUNCIAMENTOS MOTIVADOS POR PROPÓSITOS
EXCLUSIVAMENTE ELEITORAIS E QUE NÃO GUARDAM
VINCULAÇÃO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO
LEGISLATIVO - PROPOSTA DE CONCESSÃO, DE OFÍCIO,
DA ORDEM DE "HABEAS CORPUS", QUE SE REJEITA. - A
garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido
material (CF, art. 53, "caput") - destinada a viabilizar a prática
independente, pelo membro do Congresso Nacional, do
mandato legislativo de que é titular - não se estende ao
congressista, quando, na condição de candidato a qualquer
cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira
pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento
motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não

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guarda qualquer conexão com o exercício das funções


congressuais. Precedentes. - O postulado republicano - que
repele privilégios e não tolera discriminações - impede que o
parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes,
qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da
garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se,
ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade
legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar,
no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da
essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que,
parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.” (INq.
1400-QO/PR, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno,
DJ 10.10.2003)

A letra do caput do art. 53, aliás, orienta teleologicamente o regime


de inviolabilidades de Deputados e Senadores às imputações
relacionadas a atos e fatos que conservem liame com o exercício do
mandato eletivo, como consagra a jurisprudência desta Casa.
A Constituição proclama ainda, não é demais frisar, a observância do
postulado da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, inciso
XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”. O preceito legitima o Poder Judiciário a adotar as medidas
necessárias para fazer valer o império do direito, observados, por óbvio,
o devido processo legal, as demais normas da Constituição e a
legalidade.
Há de ser levada em consideração, ademais, a circunstância de que,
diferentemente dos parlamentares federais, que, a teor do art. 53, § 1º, da
CF, desde a expedição do diploma estão submetidos a julgamento perante
este Supremo Tribunal Federal, os Deputados estaduais estão sujeitos,
conforme o caso, à competência dos Tribunais de Justiça, da Justiça
Eleitoral e da Justiça Federal, cujas decisões desafiam recursos para os
TREs, os TRFs, o TSE, o STJ e este STF.
E a atribuição de competência às Assembleias Legislativas para
sustar ordens de prisão e suspender o trâmite de ações penais, além de
traduzir, como já enfatizado, subtração da competência do Poder

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 82 de 165

ADI 5825 MC / MT

Judiciário, gera um quadro insustentável, do ponto de vista do modelo


federativo, em que não apenas os Tribunais de Justiça do respectivo
Estado federado, mas tribunais da Federação – TRFs, TREs, TSE, STJ e até
mesmo este STF – ficam sujeitos à deliberação das Assembleias
Legislativas.
Acresço, por fim, que submeter ato que é próprio do Poder Judiciário
ao escrutínio de outro Poder, no caso o Legislativo, à revelia de qualquer
comando constitucional a respeito, é que implicaria, com a devida vênia,
corromper o equilíbrio do delicado sistema de separação entre os
Poderes. Em absoluto o Poder Legislativo, detentor de poder político,
pode atuar como revisor dos juízos técnicos do Poder Judiciário, no
exercício da jurisdição cautelar que a este e ínsito.
Por esta razão, reafirmo, ao impedir o exercício da jurisdição pelo
Poder Judiciário, a extensão de tais imunidades formais aos
parlamentares estaduais não se coaduna com a forma federativa do
Estado brasileiro, o princípio republicano, a separação de poderes e o
princípio democrático, que não toleram a concessão de privilégios
excessivos e sem causa.
8. Reportando-me, portanto, aos fundamentos que externei ao
julgamento da ADI nº 5526, em juízo de delibação, tenho por presentes o
fumus boni juris e o periculum in mora a que se condiciona a concessão da
tutela de urgência, acompanho o Ministro Edson Fachin no deferimento
parcial das liminares requeridas nos termos propostos nas três ADIs, a
partir de exegese sistemática da nossa Lei Fundamental, priorizando os
princípios republicano, da separação dos poderes e do devido processo
legal.
9. Ante o exposto, presentes os requisitos necessários ao deferimento
das tutelas de urgência, concedo as liminares requeridas nas ADIs nºs
5823, 5824 e 5825 para suspender os efeitos do arts. 33, § 3º, e 38, §§ 1º, 2º,
e 3º da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte (com a redação
dada pela EC nº 35/2001), do art. 102, §§ 2º a 5º, da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro (com a redação dada pela EC 53/2012) e do art.
29, §§ 2º a 5º, da Constituição do Estado do Mato Grosso (com a redação

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 83 de 165

ADI 5825 MC / MT

dada pela EC 42/2006), no que estendem aos membros das respectivas


Assembleia Legislativas as imunidades formais previstas no art. 53, §§ 2º
e 3º, da Constituição da República e, por arrastamento, suspender a
eficácia do Decreto Legislativo nº 003/2017, da Assembleia Legislativa
do Estado do Rio Grande do Norte, da Resolução nº 495/2017, da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, e da Resolução nº
5.521/2017, da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso.
É como voto.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 84 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhora Presidente, ilustre


representante do Ministério Público, Senhores Ministros, advogados
presentes, estudantes!
Senhora Presidente, pelo que eu pude entrever aqui neste debate, se
nós estivéssemos só na sede da ADPF, conforme destacou o Ministro
Alexandre, e incidenter tantum o Ministro Marco Aurélio, realmente, essa
resolução se baseou, teoricamente, numa decisão do Supremo e, sem
obediência ao devido processo, revogou uma decisão judicial. Então, num
primeiro momento, eu entendo que, por força da regra básica da
inafastabilidade...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Vossa
Excelência me permite? Embora não seja costume, evocaram a decisão do
Supremo como um reforço.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Pois é!
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Como um
reforço! Daí ter dito, logo que saiu a deliberação da Assembleia – porque
me trouxeram que o fundamento único seria esse, a decisão relativa ao
senador Aécio –, que estava pasmo. Imaginaram que seria contra a
inviolabilidade dos senhores deputados estaduais. Mas não foi bem isso
que se colocou e manifestei-me no que me trouxeram a notícia de que o
fundamento da Assembleia seria unicamente o pronunciamento do
Supremo, o qual ficou estrito à situação do Senador da República.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Eu até tive interesse de ler a
resolução...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A esta
altura, deve haver gente imaginando a minha incongruência! Não há
incongruência alguma!
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Não, Ministro, Vossa

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 85 de 165

ADI 5825 MC / MT

Excelência tem toda a razão!


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Não!
Vossa Excelência, não, porque me conhece há muitos anos e sabe que sou
um Juiz coerente.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – Claro. Esta resolução,
especialmente em razão do decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal ...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Sim,
Ministro, foi em reforço.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Ela resolve sobre a revogação,
ela se baseou só na nossa decisão, não tem nenhum outro fundamento
diferente. Bom, na verdade, nós não estamos decidindo sobre a resolução.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Ministro,
vamos voltar atrás. Penso que a razão está comigo. Vou ler o artigo 1º da
Resolução: Esta Resolução dispõe, nos termos do artigo 53, § 2º, da
Constituição Federal, artigo 102, § 2º, da Constituição estadual – e vem o
reforço – e, especialmente, o decidido pelo egrégio Plenário do colendo
Supremo. Quer dizer, foi um reforço, mas a base para decidirem, para
editarem a Resolução, foi única. Em primeiro lugar, o Texto Maior, a Lei
das leis, a Constituição Federal, e, em segundo lugar, a Constituição do
próprio Estado.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então, Senhora Presidente,
houve isso, que gerou a indignação da Procuradoria quando se referiu a
uma crise sem limites no Estado, mas isso é questão da ADPF. Então,
evidentemente que não se poderia dizer aqui que o que está escrito no art.
53 não é o mesmo que está escrito no art. 27. Aqui, o que há é a
interpretação que se deu a esse dispositivo.
Então, como é que eu cheguei àquela posição que exteriorizei
quando fiquei vencido aqui no Plenário e que não invoquei nada,
nenhuma razão inerente a republicanismo? Aqui eu fiz - o que é
importante que se faça sempre - uma interpretação histórica. Então,
historicamente, sempre houve, em todas as Constituições, inclusive na
Emenda Constitucional nº 11, que, desde a expedição do diploma, os

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 86 de 165

ADI 5825 MC / MT

membros do Congresso não poderiam ser presos, salvo em flagrante de


crime inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia licença da
Câmara. Isso sempre existiu. Então, qual foi a troca que o constituinte
fez? "Não precisa mais de licença, mas quando a ação penal chegar aqui,
nós temos o poder de suspender a ação penal e, a fortiori, todos os atos
praticados no curso da ação penal". Qual foi o raciocínio que eu plasmei
aqui, fiquei vencido, mas ainda estou convencido dele? “Até a denúncia, é
autoridade do Poder Judiciário”, que atua para viabilizar o oferecimento
da denúncia - porque não há possibilidade de viabilizar o oferecimento
de uma denúncia sem diligências. Suponhamos, por exemplo, que o
crime esteja sendo praticado, com coautoria e no bojo do órgão
legislativo, como é que se vai impedir, para poder apurar esse fato ilícito,
sem o afastamento? Esse, para mim, é um exemplo que já demonstra que
é possível o afastamento.
Aliás, se não me falha a memória, o Supremo Tribunal Federal,
baseando-se no fato de que um determinado parlamentar usara o seu
gabinete para remeter ofícios ameaçando pessoas, o afastou da atividade.
Na época, se eu não me engano, foi até uma decisão da lavra do saudoso
e querido amigo Ministro Teori Zavascki.
Então, evidentemente que, se o delito está sendo praticado ali e se o
Judiciário tem que preparar todo o processo até a denúncia se curvando
ao Poder Legislativo, que pode suspender a ação penal, é claro que, antes,
nós temos de deter o poder de realizarmos todos os atos necessários e
preparatórios para o oferecimento da denúncia.
Isso implica dizer que o art. 53, § 2º, aplicável textualmente, por uma
simetria explícita da Constituição, aos deputados estaduais, deve ser
interpretado no sentido de que, até a denúncia, ninguém mete a mão
nisso, está com o Poder Judiciário. Se o Poder Judiciário entender que é
necessária a decretação de uma prisão preventiva, não há possibilidade
de se revogá-la através de um ato do Poder Legislativo, por quê? Porque
o Poder Legislativo poderá muito mais. Ele poderá, depois do
oferecimento da denúncia, suspender toda a ação penal. Mas, antes, essa
competência do Poder Judiciário, que está levando a efeito o inquérito

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 87 de 165

ADI 5825 MC / MT

para viabilizar o oferecimento da denúncia, é insindicável por outro


Poder.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) –
Verdadeira petição de princípio!
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Sim, mas acontece que cada
um aqui tem uma visão. Eu estou me valendo de uma interpretação
histórica, de uma lógica bastante razoável.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Ministro Fux,
dentro da lógica de Vossa Excelência: E no caso dos crimes praticados
antes da diplomação, para os quais não há essa possibilidade de
suspensão da ação penal? Aí, o parlamentar não teria mais nenhuma
imunidade? Porque é só para os crimes praticados após a diplomação que
há possibilidade de suspensão.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Vossa Excelência entende que
aqui é o caso de antes da diplomação?
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Não. Aqui é
abstrato.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Então, vamos discutir o caso.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Não, mas o
caso é geral. Abstratos são os dois casos.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Eu estou discutindo a hipótese
que está posta nos autos.
Então, o que se está fazendo aqui, de alguma maneira, é uma
declaração parcial de constitucionalidade, porque a interpretação
conforme encerra uma declaração parcial de constitucionalidade.
Portanto, com esses fundamentos, Senhora Presidente, para não me
alongar mais, eu vou reiterar a posição que aqui já firmei, com a devida
vênia das opiniões em contrário, dos profundos votos que já foram
proferidos, pois eu entendo que independência jurídica de um
magistrado é insindicável por qualquer outro.
Eu mantenho, então, a minha decisão anterior e acompanho o
eminente Relator.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 88 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Presidente, ciente da posição do Ministro Marco Aurélio de negar a
liminar na ação direta de sua relatoria e nas ações de relatoria do Ministro
Edson Fachin, que foi acompanhada pelo Ministro Alexandre de Moraes,
e ciente, ainda, da dimensão do voto do Ministro Luiz Edson Fachin, que
foi acompanhado pela Ministra Rosa Weber e pelo Ministro Luiz Fux,
devo dizer, desde logo, que tenho um terceiro posicionamento. Ele se
distingue do posicionamento daqueles que negam a liminar e se
distingue, em dimensão, do posicionamento do eminente Relator Luiz
Edson Fachin. Vou ao meu voto de maneira resumida, Senhora
Presidente, porque todos nós aqui já debatemos e sabemos qual é o tema.
É bom lembrar aquilo que o Ministro Marco Aurélio me lembrou:
estamos em sede de medida cautelar. Então, não é questão de procedência
ou improcedência; é de deferimento ou indeferimento da medida
cautelar.
Gostaria de lembrar que é a primeira vez que este tema vem ao
Plenário. Não localizei nenhum precedente específico deste caso. Em
controle abstrato, é a primeira vez que nos deparamos com um caso como
este. Isso é importante, porque se diz: "Ah, há decisões assim etc." É a
primeira vez que estamos tratando disso de maneira abstrata.
Recentemente fiquei vencido, na honrosa companhia do Ministro
Celso de Mello, em relação às licenças das assembleias para apresentação
de denúncia contra governador de estado. Fiquei vencido porque havia
mais de uma dezena de ações diretas já julgadas, com jurisprudência
vintenária deste Supremo Tribunal Federal.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Por maioria
acachapante, sou o único vencido no Plenário.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 89 de 165

ADI 5825 MC / MT

Mas Vossa Excelência é um profeta. Quantos votos vencidos de


Vossa Excelência ao longo dessa longa jornada de judicatura na Corte
Constitucional brasileira não viraram de minoria a maioria, como o da
fidelidade partidária, entre tantos outros?
Pois bem, formei com a minoria, respeitando a jurisprudência da
Corte, e ela foi mudada. E eu já me adaptei e passei a votar de acordo com
a maioria. Mas só registro que, naquele caso, já havia decisões em mais de
uma dezena de ações diretas. E, mesmo assim, a Corte entendeu não ser
possível submeter às assembleias as denúncias apresentadas no Superior
Tribunal de Justiça contra governador de estado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Era tão pacífica a
matéria que o caso que implicou a virada veio em lista.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
E vejam Vossas Excelências, então, que aqui estamos, pela primeira
vez, abordando essa questão. E estudando, então, mais a fundo essa
questão, embora estejamos num juízo provisório de medida cautelar, digo
que não desconheço, evidentemente, o art. 27, § 1º, da Constituição, que
assim dispõe:

"Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,


aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema
eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças
Armadas."

Então, vamos ao art. 53 da Constituição, Senhora Presidente, no qual


estão colocadas as inviolabilidades e as imunidades:

"Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e


penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

A quem o art. 53 faz referência?? A deputados e senadores.


Inviolabilidade quanto a suas manifestações e seus votos. Deputados e
Senadores.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 90 de 165

ADI 5825 MC / MT

"§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do


diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal."

Propositadamente vou deixar por último o § 2º. Vou ao § 3º:


“Recebida denúncia contra o Senador ou Deputado” - mais uma vez se
refere ao parlamentar: senador ou deputado -.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Ao
congressista, parlamentar congressista.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Por que a Seção só
versa deputados e senadores.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Mas estou a votar seguindo um raciocínio. Vossa Excelência quer
votar por mim? Fique à vontade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não. Mas sei que
Vossa Excelência me permitiria, com satisfação, votar por si. E a recíproca
é verdadeira.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Sem dúvida. Admiro a judicatura.
Senhora Presidente, vou ao § 3º, pulando o 2º. Depois explico. E o §
3º, assim como a cabeça do artigo, assim como o nome da seção, fala em
denúncia contra senadores e deputados por crime:

"Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por


crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal
dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido
político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da
ação."

O § 4º fala sobre o pedido de sustação, como será seu andamento,


qual será o prazo para sua apreciação.
"§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 91 de 165

ADI 5825 MC / MT

o mandato."
Aí vem o § 6º, o qual novamente se refere a parlamentares:

"Os Deputados e Senadores não serão obrigados a


testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em
razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações."

Vamos agora ao § 7º:

"A incorporação às Forças Armadas de Deputados e


Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra,
dependerá de prévia licença da Casa respectiva."

E o último parágrafo, § 8º: "as imunidades de Deputados ou


Senadores subsistirão durante o estado de sítio (...)".
Agora vou ao § 2º, do qual omiti a leitura para que fosse lido agora.
É o que trata especificamente de prisão:

"§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do


Congresso Nacional" - aqui não se fala deputados e senadores -
"não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da
maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."

Aqui a prerrogativa é da instituição Congresso Nacional, está


evidente isso, não é uma imunidade, seja formal ou material, do
parlamentar deputado ou senador, a qual está em todos os outros
dispositivos do artigo. Volto a ler - desculpem a repetição:

"§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do


Congresso Nacional (…)"

Em todos os outros casos, fala-se de senador e deputado; e, aqui de

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 92 de 165

ADI 5825 MC / MT

"membros do Congresso Nacional".


A vedação à prisão preventiva estabelecida pela constituição
brasileira se aplica, respeitando-se as ópticas diferentes, exclusivamente a
membros do Congresso Nacional, leia-se deputados federais e senadores
da República. Portanto, essa vedação da prisão diz respeito
exclusivamente ao parlamento federal e é uma defesa da instituição, não
uma defesa do mandato. As inviolabilidades de pensamento, de voto, de
palavras e de manifestações são necessárias ao exercício do mandato, não
à instituição. As imunidades referentes à prerrogativa de foro (§ 1º do art.
53) dizem respeito àquele parlamentar que está sendo acusado, dizem
respeito ao mandato. A possibilidade de suspensão do processo por
deliberação da respectiva Casa também diz respeito ao parlamentar.
Agora, a Constituição deixou claro que a vedação a prisão é uma
prerrogativa da instituição, até porque - e isso está posto na inicial das
ações - não haveria para quem se recorrer da prisão. Se é o Supremo
Tribunal Federal, em razão do foro, que decreta uma prisão, a quem se
recorreria dessa prisão? Já nas assembleias locais, há toda a possibilidade
de se recorrer da prisão para o próprio tribunal respectivo, indo ao
Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, como todo e
qualquer cidadão o faz.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - E para reforçar o seu
argumento brilhante, Ministro Toffoli, que acrescenta um dado
completamente diferente de tudo que se afirmou aqui, o tratamento
diferenciado dos Legislativos é algo assimilável pela Constituição. Foi
dito ontem aqui. Isso só se aplica às assembleias legislativas dos Estados,
não à câmara dos vereadores. Por quê? Porque foi uma opção do
constituinte.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Não, mas aí é expresso
no texto constitucional.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Mas por quê?
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - O texto diz, o Ministro
Alexandre chamou atenção para a imunidade de vereadores.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 93 de 165

ADI 5825 MC / MT

Mas não nego isso.


O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Não, mas são todos os
Poderes Legislativos.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Por que estou dizendo que a inviolabilidade e a imunidade dos
parlamentares estão descritas no art. 53 exatamente com as palavras
"deputados e senadores" e, no caso da prisão, a Constituição menciona
"membros do Congresso Nacional"? Por que ali não se usou "deputados e
senadores"? Por alguma coisa será. Nada está na Constituição por acaso.
Não é assim que aprendemos? Nada está na Constituição por acaso. Se,
ao longo desse dispositivo, sempre se fala em deputados e senadores, por
que, nesse caso de prisão, só se fala em membros do Congresso? Temos
que fazer aí a leitura sistêmica, não só a gramatical, porque se usa uma
expressão diferenciada. Mas membros do Congresso Nacional são
parlamentares, são deputados e senadores. O que muda então, na leitura?
Quando se diz isso, ressalta-se, em primeiro lugar, a defesa da instituição
e, em segundo lugar, que não há a quem recorrer, na medida em que, com
a prerrogativa de foro, o Supremo Tribunal Federal passa a ser aquele que
vai deliberar sobre a prisão desses membros do Congresso Nacional. E aí
não há recurso, não há recurso ao Papa, não há recurso ao bispo, e aí,
então, há o impedimento da prisão preventiva e a possibilidade, mesmo
em crime inafiançável e em flagrante, mesmo em um homicídio, de
suspensão da deliberação de prisão por parte do Senado da República,
em caso de Senador, e por parte da Câmara dos Deputados, no caso de
Deputado Federal.
Por isso que eu disse, Senhora Presidente, que meu voto vai por uma
terceira via. Por quê? Vou fazer juntada de voto escrito, no qual
desenvolvo argumentos com elementos teóricos, com votos que já proferi
etc. Não vou tomar o tempo das Senhoras e dos Senhores. Neste caso, vou
fazer a juntada, mas é uma terceira via em relação ao que já foi votado.
E mais: só mais um elemento. Apenas para reforço, Ministro Celso.
Pode mesmo a Constituição estadual, em um dispositivo originário, tratar
de prisão? Vamos lá ao art. 22: "compete privativamente à União (...)

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ADI 5825 MC / MT

Direito Civil, Comercial, Penal, Processual". Prisão é matéria de Direito


Processual Penal.
Este Tribunal, Senhora Presidente, eminentes colegas, já deliberou,
dezenas de vezes, suspender a eficácia ou declarar inconstitucionais
normas de constituições estaduais que tratavam do processo de
impeachment, ou de crimes de responsabilidade contra governadores de
estado. Por quê? Porque é matéria legislativa exclusiva da União,
exclusiva da União.
Pois não, Ministro Gilmar.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - O Ministro Alexandre
já tinha chamado atenção para esse dado, ao falar que o art. 27, §1º,
dispensaria qualquer norma da Constituição estadual, segundo, inclusive,
o entendimento pacífico, até aqui, do Supremo Tribunal Federal nos
vários casos que remontam aos anos 90.
Por outro lado, se nós olharmos a historicidade da construção - e eu
depois vou falar sobre isso no meu voto - nós vamos ver que o tema da
imunidade é tratado conjuntamente com a questão da prisão, elas são
inseparáveis, se nós olharmos historicamente, isto desde a Constituição
de 1791, a Constituição francesa, portanto, na verdade, não há essa
separação. Claro, Vossa Excelência pode fazer a leitura que entender;
mas, ao falar de deputado e senadores, claro que o texto constitucional,
nesse caso, no art. 53, está se referindo aos congressistas, é a mesma
consideração. (...)
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Meu esforço foi muito simples, é só ler a Constituição.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Mas é isso que eu
estou dizendo.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Muito simples. Simples leitura.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Membros do
Congresso são deputados e senadores. (...)
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Por alguma coisa será. Essa é minha óptica. Tem algum significado.

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Supremo Tribunal Federal
Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 95 de 165

ADI 5825 MC / MT

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Pois é. Por isso que eu


digo. Mas no art. 27, § 1º, o que se quis fazer ali quanto a critério de
eleição, quanto a critério de remuneração e tudo o mais? Foi abarcar o
regime. No fundo, o § 1º do art. 27 nada mais é do que o estatuto do
parlamentar estadual e traz tudo aquilo que estava ali garantido.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Senhora Presidente, como disse, vou fazer a juntada de um voto
mais alentado e forte quanto a esses argumentos, todos de natureza
abstrata. Para mim, pouco importam os substratos fáticos que possam ter
sido trazidos em informações, em memoriais, ou ter sido divulgados
pelos meios de comunicação. Estou julgando aqui abstratamente, esta é a
leitura que faço, de tal sorte que, na primeira ação direta apregoada, de
relatoria do Ministro Marco Aurélio, o dispositivo de meu voto,
diferentemente dos demais votos proferidos, é o seguinte: defiro, em
parte, a Medida Cautelar na Ação Direta 5.823, para suspender a eficácia
do art. 38, § 2º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Em
relação às ações de relatoria do Ministro Luiz Edson Fachin: defiro, em
parte, a medida cautelar na Ação Direta 5.824 para suspender a eficácia
do art. 102, § 2º, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro; bem como
defiro, em parte, a medida cautelar na Ação Direta 5.825 para suspender a
eficácia do art. 29, § 2º, da Constituição de Mato Grosso.
Ou seja, cinjo-me tão somente ao tema da prisão, porque, na leitura
que faço do art. 53, § 2º, ali se trata da defesa da instituição. Em relação à
suspensão de ação penal, mantenho os dispositivos em vigor, que
também foram atacados. Daí, divirjo, em parte, do Ministro Luiz Edson
Fachin, assim como divirjo, em parte, do Ministro Relator, Marco
Aurélio.
É como voto, Senhora Presidente.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 96 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Para o adequado deslinde da controvérsia posta nestas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade nº 5.824/RJ e 5.825/MT, da relatoria do eminente
Ministro Edson Fachin, há que se compreender a natureza da norma
prevista no art. 53, § 2º, da Constituição Federal:

“Art. 53. […]


[...]
§ 2º. Desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

No voto que proferi no julgamento da ADI nº 5.526/DF, Pleno,


Relator o Ministro Edson Fachin, julgado em 11/10/17, observei que

“[a] Constituição Federal, no art. 53, § 2º, veda, de forma


peremptória, a submissão dos membros do Congresso
Nacional a qualquer tipo de custódia cautelar, como a prisão
temporária ou a prisão preventiva, e somente admite sua prisão
em flagrante delito quando se tratar de crime inafiançável.
Trata-se de uma norma com estrutura de regra que
formula uma proibição.
De acordo com Robert Alexy, “se uma regra vale, então,
deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem
menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito
daquilo que é fática e juridicamente possível”1.

1 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso


da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 90-91.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 97 de 165

ADI 5825 MC / MT

O Supremo Tribunal Federal, no Inq nº 510, Pleno, Relator


o Ministro Celso de Mello, DJ de 19/4/91, ao tratar da
imunidade parlamentar formal, já asseverou que uma de suas
emanações é a inarrestabilidade: salvo flagrante de crime
inafiançável, o membro do Congresso Nacional não poderá ser
submetido à prisão cautelar (freedom from arrest).
Como destacado pelo Ministro Celso de Mello no voto
condutor desse acórdão, ‘a Constituição só autoriza a prisão
provisória ou cautelar do congressista numa única e singular
hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável”.

Salientei, no voto em questão, que

“(...) diante da vedação constitucional para a decretação da


prisão preventiva de parlamentar no exercício do mandato,
descabe argumentar-se, com base em fundamentos de índole
infraconstitucional, com a adequação e necessidade da medida
no caso concreto, para garantia da ordem pública, conveniência
da instrução ou para se assegurar a futura aplicação da lei
penal.
Nicolas Gonzalez-Cuellar Serrano assevera que o
princípio da proporcionalidade se assenta sobre dois
pressupostos: um formal, constituído pelo princípio da
legalidade, e outro material, o princípio da justificação
teleológica (Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal. Madrid : Colex, 1990, p. 69).
De acordo com o citado autor, o primeiro pressuposto, de
natureza formal, exige que toda medida limitadora de direitos
fundamentais se encontre prevista em lei, postulado básico para
sua legitimidade democrática e para garantia da previsibilidade
de atuação dos poderes públicos (Op. cit, p. 69).
Para Maurício Zanoide de Moraes,

‘[a] noção de legalidade processual penal deriva,


indubitavelmente, de todo o desenvolvimento da regra da
legalidade para o campo penal material. Se não se discute

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 98 de 165

ADI 5825 MC / MT

mais a impositividade da parêmia nulla poena nullum


crimen sine lege, o mesmo se dá com sua correspondente
projeção processual (nulla coactio sine lege) e pela qual
devem ser 'tipificadas' tanto as condições de aplicação,
como o conteúdo das intervenções processuais no âmbito
dos direitos fundamentais dos cidadãos’ (Presunção de
inocência no processo penal brasileiro: análise de sua
estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a
decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
315).

Neste particular, a Convenção Americana de Direitos


Humanos, ao assegurar o direito à liberdade pessoal, estatui
que ‘ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo
pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas
constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de
acordo com elas promulgadas’ (art. 7.2).
Com efeito, de acordo com a melhor doutrina,

’[o] constituinte originário, ao dispor somente sobre


a possibilidade de prisão em flagrante de parlamentar,
por óbvio não ignorava as diversas modalidades de
prisão cautelar então existentes, tanto que prescreveu, no
art. 5º da Constituição Federal, que ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente (inciso
LXI) e que ninguém será levado à prisão ou nela mantido,
quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem
fiança (inciso LXVI).
Também não ignorava que, no processo penal, é
permanente a tensão entre o direito de liberdade e o
direito à segurança da coletividade e que, nas hipóteses
estrita e legalmente previstas, aquele direito individual
deve ceder em face do interesse coletivo em se garantir o
resultado ou os meios do processo.
A Constituição Federal, todavia, fez explícita opção

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 99 de 165

ADI 5825 MC / MT

por vedar a prisão cautelar do Presidente da República e


dos membros do Congresso Nacional (...).
O conflito entre o direito individual à liberdade e
os interesses da persecução penal, portanto, já foi objeto
de sopesamento por parte do constituinte originário, de
modo que não é dado ao intérprete, a pretexto de realizar
ponderação de valores, contornar a vedação
constitucional.
Virgílio Afonso da Silva, embora tratando de questão
diversa (dignidade da pessoa humana e vedação da
tortura e de tratamento degradante - art. 5º, III, CF), bem
esclarece que quando a própria Constituição, em normas
com estrutura de regra, define condutas absolutamente
vedadas em determinado âmbito, impõe-se uma barreira
intransponível, ou seja, imune a relativizações a partir de
sopesamentos, no conteúdo essencial desse direito
fundamental’”.2

Nesse contexto, por reputar ser vedada constitucionalmente a


possibilidade de imposição de prisão preventiva a parlamentar federal,
ao votar na ADI nº 5.526/DF, assentei que não cabia

“conferir-se a pretendida interpretação conforme à


Constituição ao art. 312 do Código de Processo Penal, para o
fim de se submeter sua decretação, em 24 horas, ao controle
político da respectiva Casa Legislativa”.

Por sua vez, conforme for destacado no voto condutor do acórdão


proferido na ADI nº 4.764/AC, Pleno, Redator do acórdão o Ministro Luís
Roberto Barroso, DJe de 15/8/17,

“a autonomia dos entes federativos (art. 18 da


CRFB/19883) corresponde ao poder de autodeterminação
2 CAPEZ, Rodrigo. Prisão e medidas cautelares diversas: a individualização da
medida cautelar no processo penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 130.
3 CRFB/1988, art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 100 de 165

ADI 5825 MC / MT

exercido dentro de um círculo pré-traçado pela Constituição,


que assegura a cada um deles o poder de auto-organização,
autogoverno e auto-administração. Nesse sentido, o art. 25 da
Constituição da República prevê que 'Os Estados organizam-se
e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados
os princípios desta Constituição'.
A vinculação das Cartas estaduais à Constituição da
República determina que os Estados: (i) adotem as normas de
observância obrigatória; (ii) optem pela previsão ou não de
normas de reprodução facultativa; e (iii) não editem normas de
reprodução proibida. Essas três implicações do dever de
obediência à Constituição Federal – obrigação, permissão e
proibição – levaram a doutrina constitucional a procurar
sistematizar as possibilidades e os limites do poder constituinte
estadual”.

No julgado em questão, distinguiram-se nitidamente:


i) normas de reprodução obrigatória, “conjunto expressivo de
normas que são de observância obrigatória pelos Estados-membros. Tais
disposições, referidas pela doutrina como 'normas centrais'4, podem ser
expressas ou implícitas. Delas se extraem mandamentos ou proibições,
vale dizer: elas limitam a capacidade de auto-organização dos Estados
impondo ou interditando determinados arranjos institucionais”;
ii) normas de reprodução vedada, representadas por preceitos da
Constituição Federal que o poder constituinte decorrente não está
autorizado a transplantar para as Constituições Estaduais; e
iii) normas de reprodução facultativa, que se situam “no espaço
entre as normas de observância obrigatória e as normas de reprodução
proibida, em que o ente federativo exerce sua autonomia decidindo
adotar ou não uma previsão para ele opcional”.
Exemplificativamente, no voto condutor do acórdão proferido na
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.

4 HORTA, Raul Machado. Normas centrais da Constituição Federal. In: Revista de


Informação Legislativa, v. 34, n. 135. p. 175-178. jul/set. 1997.

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 101 de 165

ADI 5825 MC / MT

ADI nº 374/DF, Pleno, de minha relatoria, DJe de 21/8/14, assentei que há


regras da Constituição Federal que são “de absorção obrigatória pelos
Estados-membros, ainda que não haja reprodução expressa nas
Constituições Estaduais”, tais como as que dispõem sobre a composição
dos tribunais de contas dos estados, as quais derivam diretamente dos
arts. 73, § 2º, e 75 da Constituição Federal.
Como bem observado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo
Gonet Branco,

“a imposição da simetria por vezes é consequência de


norma explícita do texto da Constituição Federal, como se nota
no seu art. 75, que impõe o desenho normativo do Tribunal de
Contas da União às Cortes congêneres estaduais” (Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 12. ed., 2017. p. 867).

Nesse contexto, há que se perquirir se a norma do art. 53, § 2º, da


Constituição Federal, é de mandatória observância pelos estados-
membros e pelo Distrito Federal – haja ou não reprodução obrigatória nas
constituições estaduais -, ou se, ao revés, é norma de reprodução vedada
a esses entes federativos.
Como anota Léo Ferreira Leoncy, há normas que

“não só não se aplicam aos Estados-membros, como


também a estes é vedado que adotem em suas Constituições
normas de teor formal o materialmente idêntico. Porque
representam, via de regra, exceção a princípios constitucionais
de observância obrigatória para os Estados, a destinação de tais
normas aos órgãos e entes da União não autoriza a
extensibilidade da disciplina oferecida pela Constituição
Federal, em caráter excepcional, também aos organismos e
entidades estaduais”.5

5 LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de


observância obrigatória e a defesa da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 28.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 102 de 165

ADI 5825 MC / MT

Dentre essas normas de reprodução vedada aos estados-membros e


ao Distrito Federal, destaco as que buscam conferir a governador a
imunidade formal reservada pela Constituição Federal ao Presidente da
República, por se tratar de uma exceção ao princípio republicano, o qual é
de observância obrigatória pelos Estados (art. 34, VII, a, da Constituição
Federal).
Com efeito, o Presidente da República, na vigência de seu mandato,
não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções e, enquanto não sobrevier sentença condenatória, não estará
sujeito a prisão, razão por que a ele não se poderá impor prisão em
flagrante, temporária ou preventiva (art. 86, §§ 3º e 4º, da Constituição
Federal).
Quanto a Governador de Estado ou do Distrito Federal, é pacífico,
no Supremo Tribunal Federal, o entendimento segundo o qual

“[o] Estado-membro, ainda que em norma constante de


sua própria Constituição, não dispõe de competência para
outorgar ao governador a prerrogativa extraordinária da
imunidade à prisão em flagrante, à prisão preventiva e à prisão
temporária, pois a disciplinação dessas modalidades de prisão
cautelar submete-se, com exclusividade, ao poder normativo da
União Federal, por efeito de expressa reserva constitucional de
competência definida pela Carta da República. A norma
constante da Constituição estadual – que impede a prisão do
governador de Estado antes de sua condenação penal definitiva
– não se reveste de validade jurídica e, consequentemente, não
pode subsistir em face de sua evidente incompatibilidade com o
texto da CF” (ADI nº 978/PB, Pleno, Relator para o acórdão o
Ministro Celso de Mello, DJ de 17/11/95).

Vide, ainda, ADI nº 1.020/DF, Pleno, Relator para o acórdão o


Ministro Celso de Mello, DJ de 24/11/95, e HC nº 102.732/DF, Pleno,
Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 7/5/10.
Ainda dentre as normas de reprodução vedada aos Estados-
membros, sobreleva a do art. 51, I, da Constituição Federal:

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 103 de 165

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“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos


Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a
instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente
da República e os Ministros de Estado.”

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da


mencionada ADI nº 4.764/AC, Pleno, Relator para o acórdão o Ministro
Luís Roberto Barroso, DJe de 15/8/17, assentou que

“[a] Constituição Estadual não pode condicionar a


instauração de processo judicial por crime comum contra
Governador à licença prévia da Assembleia Legislativa. A
república, que inclui a ideia de responsabilidade dos
governantes, é prevista como um princípio constitucional
sensível (CRFB/1988, art. 34, VII, a), e, portanto, de observância
obrigatória, sendo norma de reprodução proibida pelos
Estados-membros a exceção prevista no art. 51, I, da
Constituição da República”.

Conforme foi ressaltado no voto condutor desse julgado,

“(...) se a jurisprudência desta Corte (ADI 978) considera


violado o princípio republicano quando as Constituições
Estaduais adotam regras semelhantes às dos §§ 3º e 4º do art.
866, não há razão suficientemente convincente para não
estender o mesmo raciocínio no que diz respeito ao art. 51, I, da
Constituição Federal. Em ambos os casos é flagrante a violação
ao princípio republicano, tendo em vista que todas essas
normas são de extensão proibida aos Estados-membros.
Entendo, portanto, que a condição de procedibilidade prevista
6 CRFB/1988, art. 86, § 3º. Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações
comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. § 4º. O Presidente da República,
na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 104 de 165

ADI 5825 MC / MT

no art. 51, I, da Constituição Federal é norma de caráter


igualmente excepcionalíssimo, não podendo ser estendida aos
Governadores”.

Em meu sentir, essa mesma ratio decidendi se aplica à imunidade


formal dos parlamentares federais em relação à prisão.
Trata-se, indubitavelmente, de uma exceção ao princípio
republicano, razão por que deve ser interpretada restritivamente.
Corroborando essa assertiva, a Constituição Federal, no art. 53,
caput, determina que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”,
estabelecendo ainda, em seu § 1º, que “os Deputados e Senadores, desde
a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o
Supremo Tribunal Federal”.
Diversamente, em seu § 2º, o art. 53 da Constituição Federal
estabeleceu que

“desde a expedição do diploma, os membros do


Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

O recurso à expressão “membros do Congresso Nacional”, a meu


ver, de peculiar e relevante significação constitucional, teve o nítido
propósito de circunscrever exclusivamente ao âmbito do Congresso
Nacional a prerrogativa da inarrestabilidade.
Como bem anota Léo Ferreira Leoncy, é inconstitucional a extensão
a hipóteses diversas de um regime jurídico restrito a determinadas
hipóteses de incidência.7
Na espécie, a hipótese de incidência da inarrestabilidade exige a
condição de parlamentar federal, razão por que reputo inconstitucional a
extensão a parlamentares estaduais do regime jurídico específico da

7 LEONCY, Léo Ferreira. Op. cit., p. 28.

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imunidade formal à prisão.


Não me olvido de que o art. 27, § 1º, da Constituição Federal
determina que sejam aplicadas aos Deputados Estaduais “as regras desta
Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,
remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação
às Forças Armadas.”
Em meu sentir, contudo, as imunidades aplicáveis aos deputados
estaduais, às quais se refere o art. 27, § 1º, da Constituição Federal, são:
i) a imunidade material, prevista no art. 53, caput, da Constituição
Federal, segundo a qual “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil
e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”;
ii) imunidade formal em relação ao processo quanto aos crimes
praticados após a diplomação, prevista no art. 53, § 1º, da Constituição
Federal, segundo a qual,

“recebida a denúncia contra o Senador ou


Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o
Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva,
que, por iniciativa de partido político nela representado e
pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a
decisão final, sustar o andamento da ação”.

Não bastasse a regra do art. 53, § 2º, da Constituição Federal,


constituir prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional, relembre-se
que, de acordo com pacífica jurisprudência do Plenário do Supremo
Tribunal Federal, os estados-membros não têm competência para legislar
sobre direito processual, por ser essa matéria privativa da União (art. 22,
I, da Constituição Federal).
Nesse sentido, vide ADI nº 1.807/MT, DJe de 6/2/15, e nº 3.483/MA,
DJe de 14/5/14, ambas de minha relatoria.
Na espécie, dispõe o art. 102 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro:

“Art. 102. Os Deputados são invioláveis, civil e

10

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penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.


§ 1º Os Deputados, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a julgamento perante o Tribunal de Justiça.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros da
Assembleia Legislativa não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Assembleia
Legislativa, para que, pelo voto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político
nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.”

Por sua vez, dispõe o art. 29 da Constituição do Estado do Mato


Grosso:

“Art. 29 Os Deputados Estaduais são invioláveis, civil e


penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados Estaduais, desde a expedição do
diploma, serão submetidos a julgamento perante o Tribunal de
Justiça.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os Deputados
Estaduais não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Assembleia Legislativa, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
§ 3º Recebida a denúncia contra o Deputado, por crime
ocorrido após a diplomação, o Tribunal de Justiça dará ciência à
Assembleia Legislativa, que, por iniciativa de partido político

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 107 de 165

ADI 5825 MC / MT

nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,


poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Assembleia
Legislativa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do
seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato.
§ 6º Os Deputados Estaduais não serão obrigados a
testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em
razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações.
§ 7º A incorporação às Forças Armadas de Deputados,
embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá
de prévia licença da Assembleia Legislativa.
§ 8º As imunidades dos Deputados Estaduais subsistirão
durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o
voto de dois terços dos membros da Assembleia Legislativa, nos
casos de atos praticados fora do recinto do Parlamento
Estadual, que sejam incompatíveis com a execução da medida.”

Uma vez assentada a premissa de que a imunidade formal à prisão


prevista no art. 53, § 2º, da Constituição Federal é restrita,
institucionalmente, aos membros do Congresso Nacional, conclui-se
que se trata de norma de reprodução vedada às Assembleias Legislativas.
Nesse contexto:
i) os deputados estaduais podem ser presos em flagrante delito, seja
o crime afiançável ou inafiançável, e essa prisão não está sujeita ao
controle político da Assembleia Legislativa;
ii) os deputados estaduais estão sujeitos à prisão temporária ou à
preventiva, bem como às medidas cautelares diversas da prisão previstas
nos arts. 319 e 320 do Código de Processo Penal, inclusive aquelas que
possam interferir, de qualquer modo, no exercício do mandato, sem que
haja a possibilidade, uma vez mais, de seu controle político pela
Assembleia Legislativa.
Assim, são inconstitucionais as normas das Constituições Estaduais

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Voto - MIN. DIAS TOFFOLI

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ADI 5825 MC / MT

dos Estados do Rio de Janeiro (art. 102, § 2º), e de Mato Grosso (art. 29, §
2º) as quais, reproduzindo indevidamente o disposto no art. 53, § 2º, da
Constituição Federal, estenderam a imunidade formal à prisão aos
deputados estaduais.
Por outro lado, por estarem ao abrigo da simetria e do regime
jurídico estatuído pelo art. 27, § 1º, da Constituição Federal, na medida
em que não constituem prerrogativas institucionais exclusivas do
Congresso Nacional, reputo não ser o caso de se suspender a eficácia dos
demais dispositivos da Constituições dos Estados do Rio de Janeiro e de
Mato Grosso que dispõem sobre a prerrogativa de foro, a imunidade
material e a imunidade formal ao processo.
Com essas considerações, defiro, em parte, a medida cautelar na
ADI nº 5.824, para suspender a eficácia do art. 102, § 2º, da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, bem como defiro, em parte, a medida
cautelar na ADI nº 5.825, para suspender a eficácia do art. 29, § 2º, da
Constituição de Estado do Mato Grosso.
É como voto.

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Antecipação ao Voto

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07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -

Presidente, ouvi com todo interesse o debate, também dele participei, e

quero destacar também os belos votos já proferidos, especialmente dos

relatores, Ministro Marco Aurélio e Ministro Edson Fachin.

Estamos discutindo um tema de vital importância,

como já disse, para o próprio processo democrático. E também acredito

que é importante destacarmos a questão quanto a padrões hermenêuticos.

Eu sei - eu sou um pouco estudioso dessa temática -

que a toda hora nós somos chamados a refletir sobre técnicas de

interpretação. E é óbvio que nós temos que ter muito cuidado para não

começarmos, a partir de uma dada ideologia, a adotar um tipo de

interpretação ablativa, que suprime o sentido de dados textos, textos

originários da Constituição. É preciso que nós tenhamos esse cuidado,

porque, claro, o nosso papel, a partir desse voluntarismo, acaba por

produzir casuísmo e o nosso completo descrédito.

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Antecipação ao Voto

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ADI 5825 MC / MT

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (ADIS 5823, 5824 e 5825):


Trata-se de ações direta de inconstitucionalidade contra normas das
Constituições Estaduais do Rio de Janeiro (art. 102, §§ 2º a 5º), Mato
Grosso (art. 29, §§ 2º a 5º) e Rio Grande do Norte (art. 33, § 3º e art. 38, §§
1º a 3º), que reproduzem as imunidades dos membros do Congresso
Nacional, constantes dos parágrafos do art. 53 da CF.
Imunidades dos Deputados Estaduais e Distritais. A Constituição
Federal de 1.988 dispõe que “os membros do Congresso Nacional não
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” e que, em
caso de prisão em flagrante, “os autos serão remetidos dentro de vinte e
quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus
membros, resolva sobre a prisão” (art. 53, § 2º). Também estabelece o
poder da Casa respectiva de sustar o andamento de eventual ação penal
(art. 53, § 3º).
Trata-se de imunidade parlamentar formal, também denominada
incoercibilidade pessoal relativa (HC 94.059, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 6.5.2008), ou inarrestabilidade
(Inq 510, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 1.2.1991)
A inviolabilidade formal torna o membro do parlamento “livre de
certos constrangimentos previstos no ordenamento processual penal”
(BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Estatuto do Congressista. In MENDES,
Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 969). É referente às
prisões no curso do processo, e “não obsta, observado o due process of law,
a execução de penas privativas da liberdade definitivamente impostas ao
membro do Congresso Nacional” (Inq 510, Rel. Min. Celso de Mello,
Tribunal Pleno, julgado em 1.2.1991).

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 112 de 165

ADI 5825 MC / MT

O Supremo Tribunal Federal definiu que o art. 53, § 2º, da


Constituição Federal, não impede a aplicação de medidas cautelares
pessoais diversas da prisão aos parlamentares. No entanto, a Corte deu
interpretação conforme à Constituição ao art. 319 do Código de Processo
Penal, estabelecendo que sempre que a execução da medida cautelar
diversa da prisão “impossibilitar, direta ou indiretamente, o exercício
regular de mandato parlamentar”, a decisão judicial será comunicada à
Casa Legislativa respectiva, que deliberará sobre sua manutenção – ADI
5.526, Rel. Min. Edson Fachin, Redator para acórdão Min. Alexandre de
Moraes, julgada em 11.10.2017.
Após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, três
Assembleias Legislativas suspenderam prisões ou medidas cautelares
impostas a seus membros – Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Mato
Grosso –, gerando certa celeuma sobre a interpretação da decisão do STF
e, em última análise, sobre a aplicabilidade das mesmas regras de
inviolabilidade a outros parlamentares. Na esteira da controvérsia, foram
propostas ações diretas de inconstitucionalidade impugnando normas
das constituições desses três Estados que reproduziram parágrafos do art.
53 da Constituição Federal – ADIs 5.823, 5.824 e 5.825.
A Constituição Federal estende a “inviolabilidade” e as
“imunidades” dos membros dos Congresso Nacional aos Deputados
Estaduais (art. 27, § 1º) e Distritais (art. 32, § 3º). Trata-se, portanto, de um
dos “princípios constitucionais estabelecidos”, os quais consistem em
normas que ”além de organizarem a própria federação, estabelecem
preceitos centrais de observância obrigatória aos Estados-membros em
sua auto-organização” (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil
Interpretada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 697).
O texto constitucional não deixa espaço para dúvidas quanto à
aplicabilidade das imunidades formais aos congressistas dos Estados e do
Distrito Federal. O art. 27, § 1º, da Constituição, faz referência tanto à
inviolabilidade, no singular, quanto a imunidades, no plural.
Inviolabilidade remete ao art. 53, caput, da CF – “Os Deputados e
Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 113 de 165

ADI 5825 MC / MT

opiniões, palavras e votos”. Também é denominada imunidade material.


A referência a imunidades diz com as imunidades formais, normas
que tornam o congressista excluído da incidência de certas normas gerais
previstas na legislação processual. São previstas nos §§ do art. 53, as quais
subsistirão mesmo durante o estado de sítio, na forma do § 8º.
Anteriormente à Constituição de 1.988, a jurisprudência do STF era
no sentido de que as imunidades formais não se aplicavam aos deputados
estaduais, salvo se previsto na Constituição estadual. Mesmo nesse caso,
não prevaleciam perante o Poder Judiciário da União. Nesse sentido, era a
Súmula 3 do STF: “A imunidade concedida a deputados estaduais é
restrita à Justiça do Estado”.
No entanto, o entendimento sumulado foi superado após a vigência
da Constituição atual, justamente porque as imunidades dos Deputados
Estaduais e Distritais passaram a decorrer diretamente da Constituição
Federal, como princípio estabelecido. O paradigma, da lavra do Min.
Sepúlveda Pertence, concluiu que o art. 27, § 1º, da Constituição de 1.988
“tornou aplicáveis, sem restrições, aos membros das Assembleias
Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, as normas sobre
imunidades parlamentares dos integrantes do Congresso Nacional”.
Acrescentou-se que, ao contrário do regime anterior, as imunidades dos
congressistas estaduais derivavam “necessariamente da Constituição
Federal” – RE 456.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno,
julgado em 15.12.2005.
Especificamente quanto à prisão, os precedentes existentes afirmam
a inviolabilidade formal de Deputados Estaduais e Distritais (HC 91.435,
Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 1º.4.2008; Inq
3.842, Rel. Min. Dias Toffoli, decisão de 15.5.2014). Mesmo no Caso
Rondônia, no qual o STF manteve prisão de Deputado Estadual, a
imunidade à prisão foi reconhecida, mas excepcionada – HC 89.417, Rel.
Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 22.8.2006.
Pelo contrário, a extensão da inviolabilidade formal a vereadores,
ainda que por Constituição Estadual, é reputada contrária à Constituição
Federal (ADI 371, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgada em

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 114 de 165

ADI 5825 MC / MT

5.9.2002; HC 94.059, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma,


julgado em 6.5.2008).
Algumas Constituições Estaduais preveem imunidades formais aos
Deputados. Dentre elas, as Constituições do Rio de Janeiro (art. 102, §§ 2º
a 5º), Mato Grosso (art. 29, §§ 2º a 5º) e Rio Grande do Norte (art. 33, § 3º e
art. 38, §§ 1º a 3º). Trata-se de normas obrigatórias para os Estados. Sua
reprodução nas Constituições Estaduais é perfeitamente adequada à
Constituição Federal, mas nem sequer é obrigatória.
Se há mudança no regime de imunidades no plano federal, o novo
quadro se aplica, imediatamente, aos deputados estaduais,
independentemente de não ter havido ainda a adaptação formal da
Constituição estadual. Por exemplo, o voto secreto para a perda do
mandato, que era determinado pelo art. 55, § 2º, da CF, deveria ser
adotado pelas Assembleias Legislativas. Em novembro de 2013, foi
aprovada a Emenda à Constituição n. 76, que deixou de aludir a votação
secreta para essa decisão, bem como para a deliberação sobre o veto do
Presidente da República. Esta última disposição do constituinte há de
também se impor aos Estados, como já decidiu o STF (STF, ADI 2.461, DJ
de 7.10.2005, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Por isso também não pode a Constituição estadual ser mais generosa
que a Federal no momento de definir as imunidades dos parlamentares
locais.
A questão é radicalmente diferente daquela relativa à
responsabilidade penal dos Governadores. A Constituição Federal não
determina a aplicação aos Governadores das normas relativas à
responsabilidade penal do Presidente da República, notadamente a
necessidade de autorização do parlamento para instauração da ação
penal e o afastamento obrigatório no curso do mandato.
No julgamento da ADI 5.540, Rel. Min. Edson Fachin, julgada em
3.5.2017, o Tribunal fixou o seguinte entendimento, sobre a autorização
para ação penal contra o Governador:

“Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia


Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa-crime e

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 115 de 165

ADI 5825 MC / MT

instauração de ação penal contra o governador de estado, por


crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento da
denúncia ou no curso do processo, dispor fundamentadamente
sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive
afastamento do cargo”.

Considerou-se que a “regra do art. 51, I, CRFB, prevista de forma


expressa apenas para o Presidente da República, não comporta
interpretação extensiva aos Governadores de Estado, visto que
excepciona a regra geral que estabelece a ausência de condição de
procedibilidade política para o processamento de ação penal pública”.
Além disso, a “exigência de autorização prévia de Assembleia Estadual
para o processamento e julgamento de Governador do Estado por crime
comum perante o Superior Tribunal de Justiça ofende o princípio
republicano (art. 1º, caput, CRFB), a separação de Poderes (art. 2º, caput ,
CRFB) e a cláusula geral de igualdade (art. 5º, caput , CRFB)”.
Dessa forma, são inconstitucionais as normas das Constituições
Estaduais que preveem a necessidade de autorização da Assembleia
Legislativa para o processo do Governador por crime comum, bem como
as que preveem a suspensão do exercício do mandato de Governador do
Estado como medida automática no curso do processo.
Portanto, não paira dúvida de que a inviolabilidade formal e a
prerrogativa da Casa Legislativa é aplicada aos Deputados Estaduais e
Distritais.
Neste ponto, uma observação é relevante. É difícil avaliar a
motivação pessoal dos parlamentares em seus votos. Mas é fácil ver que o
clima atual no parlamento é de animosidade com o Ministério Público e o
Poder Judiciário. Hoje, não surpreenderia que a Casa Legislativa soltasse
um deputado flagrado invadindo o cofre de um banco de madrugada.
Não há ato ou pauta do Judiciário ou Ministério Público bem
recebido do outro lado da praça. As 10 Medidas Contra a Corrupção,
projeto de lei escrito e apoiado pelo Ministério Público Federal,
apresentado como oriundo de iniciativa popular, acabou reescrito com
outro enfoque no Congresso Nacional. Demandas apoiadas por juízes e

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ADI 5825 MC / MT

promotores, como o reajuste anual de subsídios, foram abandonadas.


Outras tantas pautas contrárias aos seus interesses, como a tipificação do
abuso de autoridade, ganharam força.
Neste último ano, todos os Senadores e Deputados presos ou
afastados foram reintegrados pela Casa respectiva.
A questão não se restringe ao campo penal ou corporativo. Também
decisões sobre organização do Estado e direitos fundamentais vem sendo
superadas por deliberações do parlamento. Dentre elas, a Emenda
Constitucional 96, a Emenda da Vaquejada. Mais recentemente, o
Congresso delibera sobre o reconhecimento de direitos ao embrião, em
clara reação à decisão da Primeira Turma que pronunciou a atipicidade
do aborto – HC 124.306, Rel. Min. Marco Aurélio, redator para acórdão
Min. Roberto Barroso, julgado em 29.11.2016.
Esse contexto de animosidade entre os Poderes parece ter muito
mais relevância nas diversas decisões que suspendem prisões e medidas
cautelares contra parlamentares do que uma “anomalia institucional”.
Bem pesadas as coisas, hoje essa é a normalidade.
Interpretação evolutiva do flagrante. O Min. Edson Fachin propõe a
adoção de adoção evolutiva do art. 53, § 3º, da CF, para dizer que a prisão
preventiva é a nova prisão em flagrante.
Quero assentar que a imunidade à prisão preventiva segue em
vigor, tanto ou mais que em 1988.
Inicio lembrando que, de um modo geral, os textos constitucionais e
convencionais mencionam a prisão em flagrante como exceção à
imunidade parlamentar. Vários deles entraram em vigor em momento em
que os respectivos ordenamentos jurídicos já adotavam processo penal no
qual a prisão em flagrante não rompe a presunção de inocência e é
prontamente controlada pelos juízes, tanto ou mais do que as prisões
decorrentes de mandado judicial.
A exceção de flagrante está tanto em textos relativamente antigos,
como a Constituição da França (artigo 26 §§ 2 e 3), a Constituição da Itália
(art. 68 (1)), a Lei Fundamental de Bonn (art. 46) e a Constituição de
Portugal (art. 157). Mais recentes, menciono a Constituição Argentina, de

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

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ADI 5825 MC / MT

1994 (art. 69) e a regra de imunidade dos membros do parlamento


europeu, quando fora de seu território nacional, conforme Protocolo
relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia, com versão
atual pelo Protocolo 7/2008. Transcrevo:

“Artigo 9º (ex-artigo 10º)


Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os
seus membros beneficiam:
a) No seu território nacional, das imunidades
reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.
b) No território de qualquer outro Estado-Membro, da não
sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer
procedimento judicial.
Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem
para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.
A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante
delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o
Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus
membros.”

Além de não corresponder à práxis constitucional mundial, a


proposta interpretação evolutiva, amparada na mudança do perfil da
prisão em flagrante em nosso direito, só reforçaria à imunidade à prisão
processual.
Ao defender a interpretação evolutiva, Douglas Fischer lembra que a
prisão em flagrante era uma prisão não judicial que mantinha o
encarceramento até o julgamento. Logo, a imunidade teria surgido
porque “era necessário um ‘controle’ pelo Legislativo de uma prisão ‘não
judicial’”. Como atualmente a prisão em flagrante é controlada
jurisdicionalmente, sustenta que a imunidade estaria obsoleta –
FISCHER, Douglas. Caber Prisão ou Afastamento de Parlamentares. In
Zero Hora. Porto Alegre: 6.10.2017.
A despeito de toda a consideração que o articulista merece, o
raciocínio é contraditório. A prisão de parlamentar por ordem judicial
sempre foi impossível, tendo em vista a imunidade à prisão preventiva.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 118 de 165

ADI 5825 MC / MT

Se hoje o flagrante não mais sustenta a prisão, necessitando ser


convertido em prisão preventiva por ordem judicial, a conclusão aparente
seria que não cabe mais a prisão em flagrante de parlamentar, não de que
a prisão preventiva cabe.
É necessário esforço interpretativo atualizador para reposicionar a
prisão de parlamentar em flagrante.
Ao comentar o flagrante como exceção à imunidade sob a
Constituição de 1891, Rodrigo Octavio e Paulo Vianna afirmam que o
flagrante afasta, “pela evidência da culpabilidade, as suspeitas ou receio
de abuso e perseguição”, pelo que “os interesses superiores da ordem
social não poderão ser illididos pela inviolabilidade do membro do
Congresso”, visto que a responsabilidade penal “se torna provada e
indiscutível desde o primeiro momento” (OCTAVIO, Rodrigo; VIANNA,
Paulo. Elementos de Direito Público e Constitucional Brasileiro. 33. ed.
Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1927. p. 182).
A função da prisão em flagrante delito mudou na nossa legislação
processual. No sistema do Código de Processo Penal de 1.941, a prisão em
flagrante era razão suficiente para manter o acusado preso
automaticamente, salvo na hipótese de “se livrar solto” (art. 309), assim
considerada a acusação de delitos com apenamento reduzido. A lógica
era de que o flagrante revelava a existência do crime e sua autoria,
invertendo a presunção de inocência.
Entretanto, já em 1.977, a Lei 6.416/77 previu a libertação do
flagrado, caso ausentes os requisitos da prisão preventiva (art. 310,
parágrafo único).
Ou seja, quando a Constituição de 1988 entrou em vigor, já havia
previsão de análise jurisdicional da manutenção da prisão do flagrado.
De lá para cá, houve a valorização da liberdade e da não-
culpabilidade. O flagrante passou a ser imediatamente comunicado ao
juiz, que a converte em prisão preventiva ou determina a libertação do
flagrado, com ou sem outras medidas cautelares.
Em suma, nem mesmo o flagrante delito tem força para legitimar a
prisão, se não for acompanhada dos requisitos de cautelaridade, previstos

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 119 de 165

ADI 5825 MC / MT

no art. 312 do CPP – garantia da ordem pública, da ordem econômica,


assegurar a aplicação da lei penal, conveniência da instrução criminal.
Essa evolução do sistema não levou a um reforço da prisão
preventiva; levou a uma valorização da liberdade no curso do processo.
Logo, a interpretação evolutiva não deve ser no sentido de que onde
se lê prisão em flagrante, pode-se ler prisão preventiva. A interpretação é
no sentido de que nem mesmo a prisão em flagrante do parlamentar
garante que ele responderá o processo preso automaticamente.
Nesse contexto, quero comparar a primeira e a última vez em que o
STF deparou-se com prisões em flagrante de parlamentares sob a
Constituição de 1988, para ilustrar o acerto da evolução da prática da
Corte.
Na primeira, o Deputado Federal Remi Abreu Trinta fora preso em
flagrante sob a imputação de racismo (CM 23). Em 5.2.1999, logo após
receber a comunicação do flagrante, o Relator, Min. Néri da Silveira deu
ciência à Câmara, que deliberou pela libertação do parlamentar,
encerrando o incidente. Não houve qualquer decisão judicial sobre a
prisão em si.
Na segunda, o Tribunal cercou a prisão em flagrante de garantias
jurisdicionais não diretamente previstas na Constituição Federal. O Min.
Teori Zavascki determinou a prisão em flagrante do Senador Delcídio do
Amaral, pelo crime permanente de integrar organização criminosa (art. 2º
da Lei 12.850/13). A Segunda Turma reuniu-se imediatamente após o
cumprimento do mandado, apreciando a prisão em flagrante e afirmando
a necessidade da prisão preventiva. Comunicado de imediato, o Senado
deliberou, mantendo o encarceramento (ACs 4036, Rel. Min. Teori
Zavascki, Segunda Turma, julgado em 25-11-2015).
Note-se que, no caso Remi Trinta, a Corte nem sequer deliberou. Já
no Caso Delcídio do Amaral, avaliou a prisão, afirmou a necessidade da
prisão preventiva e, só então, encaminhou-a ao Senado. Esse
procedimento corresponde perfeitamente à evolução da prisão em
flagrante em nosso ordenamento jurídico, hoje de caráter pré-cautelar.
Em novo acerto, em um segundo momento, o próprio Relator, Min.

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 120 de 165

ADI 5825 MC / MT

Teori Zavascki, revogou a prisão, por não mais vislumbrar sua


necessidade.
Entre um e outro precedente, a valorização da liberdade levou a um
controle maior da prisão em flagrante pelo Poder Judiciário, sem prejuízo
da atividade da Casa parlamentar.
Afirmar que a nova posição da prisão em flagrante no ordenamento
jurídico permitiria prender parlamentares preventivamente seria usar a
valorização da liberdade para desvalorizar a liberdade.
Em idêntico sentido é a avaliação de Pacelli, que, ao comentar a
prisão de parlamentares abrangidos pela imunidade, afirma que “a
prisão em flagrante somente poderia ser mantida se presentes as razões
da preventiva, e se em caso de crime inafiançável” (PACELLI, Eugênio.
Curso de Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 551).
Ressalto que as menções à prisão em flagrante como exceção à
imunidade parlamentar não são exclusividade brasileira. Como já
demonstrado acima, trata-se de um lugar comum nos textos
constitucionais.
A peculiaridade brasileira foi a demora em valorizar o direito do
flagrado à presunção de inocência e a ter a necessidade da prisão no
curso do processo avaliada de imediato por um juiz, o qual, em regra,
deve restituir a liberdade. Tais direitos são reconhecidos como direitos
humanos no Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de 1966 (artigo 9), no
Pacto de San José da Costa Rica, de 1969 (artigo 7) e na Convenção
Europeia de Direitos Humanos, de 1950 (artigo 5).
Textos constitucionais recentes, adotados sob tais marcos de direitos
humanos, mantém a prisão em flagrante como a exceção à imunidade.
Dentre eles, destaco o texto constitucional francês, revisado quanto à
imunidade parlamentar em 1995, e o texto sobre a imunidade dos
membros do Parlamento Europeu, com redação pelo Protocolo 7/2008.
Lembro que, no Brasil, leis anteriores e posteriores à Constituição de
1.988 contêm limitações à prisão processual. A Lei Orgânica da
Magistratura (art. 32, II, da Lei Complementar 35/79), a Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (art. 40, III, da Lei 8.625/93) e a Lei

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Voto - MIN. GILMAR MENDES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 121 de 165

ADI 5825 MC / MT

Orgânica Nacional da Defensoria Pública (art. 44, II da Lei Complementar


80/94) preveem que os membros dessas carreiras só podem ser presos em
flagrante ou por ordem judicial. O Estatuto da Advocacia estabelece que,
no exercício da profissão, o advogado só pode ser preso em flagrante por
crime inafiançável (art. 7º, § 3º, da Lei 8.906/94).
Essas disposições atualmente têm pouco valor prático, na medida
em que o conceito de crime inafiançável tornou-se obsoleto e a garantia
de ordem escrita para a prisão preventiva foi generalizada. Mas,
comparadas à imunidade dos parlamentares, fica mais clara a dimensão
desta, que protege também contra o decreto judicial de prisão processual.
Ou seja, a vedação à prisão processual de parlamentares, fora das
hipóteses de flagrante delito, tem tanta força ou mais do que tinha na
data da promulgação da Constituição Federal.
Nessa esteira, as normas de Constituições estaduais e da Lei
Orgânica do Distrito Federal que reproduzem as imunidades
parlamentares previstas nos parágrafos do art. 53 da CF são
constitucionais.
Ante o exposto, voto pela denegação da medida cautelar.

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Incidências ao Voto

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07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

INCIDÊNCIAS AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Criou-se um clima de


conflagração e de ataque geral, que é muito estimulado pela mídia, em
relação ao parlamento. É muito curioso que haja um tipo de ânimo geral,
tipo de delenda política e delenda políticos.
Se nós olharmos a estabilidade institucional que logramos até aqui,
inclusive a transição que se fez no Brasil, sem guerra civil, sem
confrontos, foi graças à habilidade de políticos. Não consta que isso tenha
sido construído pelo Ministério Público ou pelo Judiciário. Foi gente que
ficou na oposição, e que ganhou uma eleição indireta altamente
improvável, e que celebrou uma transição. Gente como Paulo Brossard,
como Marcos Freire, como Ulysses Guimarães, como Franco Montoro,
Sarney, Marco Maciel, Jarbas Passarinho, Petrônio Portella. Em suma,
foram esses que construíram esse modelo. O papel do Ulysses Guimarães,
no processo constituinte, conseguindo construir aquilo que parecia
impossível.
Não obstante, nós fazemos um discurso, em geral, de ataque aos
políticos, em nossas práticas também, aproveitando-nos de um momento
de debilidade institucional, inclusive do parlamento. Isso nós precisamos
saber ler! Estamos contribuindo, seriamente, para a estabilidade
institucional ao desvalorizarmos as instituições, ao banalizarmos leituras
heterodoxas do texto constitucional? "Ah, mas o parlamento é composto
por figuras não muito respeitáveis". Ao nosso juízo, certamente haverá
pessoas respeitáveis.
Se nós olharmos o quadro que tínhamos em 2014, 2015 e olharmos
agora as medidas que o parlamento aprovou - emenda do teto, discussão
sobre reforma trabalhista -, o que está fazendo o país que decresceu 4% e
voltou a crescer? E a gente diz: "Bom, isso não tem nenhuma relevância,
nós é que somos os bons no cenário". E por que isso? Porque a própria

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 123 de 165

ADI 5825 MC / MT

mídia ajuda nesse contexto. Nós somos os bons porque nós estamos
fazendo o que eles querem. Se nós assumirmos o papel de algozes da
política e dos políticos, claro, nós vamos ser aplaudidos e nossos
pecadilhos vão ser escondidos, até algum momento.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -
Ministro, Vossa Excelência me permite um aparte de um minuto? Apenas
para lembrar e prestando toda a atenção e relevo ao que Vossa Excelência
afirma, que eu acho que este Supremo Tribunal Federal, até porque não é
seu papel e nem poderia, e nem nós individualmente, não vejo a
demonização da política, até porque fora da política sobra muito pouco
para uma salvação.
Eu acho que o que pode acontecer, às vezes, é uma interpretação
incorreta de algumas decisões que são tomadas, até porque aqueles que
devem, qualquer cidadão, mesmo os parlamentares, que tenham dívida
com a sociedade e que estejam sendo processados, têm encontro marcado
com a lei em um Estado de Direito. Então, apenas para enfatizar que o
Supremo Tribunal nem tem o papel nem poderia, absolutamente,
demonizar a política. É neste sentido que eu realço o que Vossa
Excelência afirma, exatamente porque somos instituições compostas,
todas elas, de homens. Vossa Excelência acaba de lembrar grandes nomes,
como o do Ulysses Guimarães, por exemplo.
Então, apenas para deixar isso que Vossa Excelência parece que
afirma exatamente neste sentido.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sim.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - É
apenas para enaltecer que não há uma demonização da política.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - E não estou falando do
Supremo Tribunal Federal, mas estou falando das instituições como um
todo, se nós olharmos os discursos.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) - Sim,
sim. Apenas para dizer isto: quem deve à sociedade, contra o direito, tem
encontro marcado, necessariamente será julgado, seja ele do Judiciário, do
Executivo e do Legislativo. E apenas para realçar o que Vossa Excelência

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Incidências ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 124 de 165

ADI 5825 MC / MT

afirma, mas eu agradeço o aparte.

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Aditamento ao Voto

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07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Eu encerro, Presidente,


chamando a atenção, então, para esse dado. É claro, no ambiente que se
criou, é muito fácil ser herói na leitura de que nós estamos adotando uma
posição punitivista. Mas a gente tem que ter compromisso com a
Constituição. "Ah, nós somos severos." Sejamos severos, sim, mas com
respeito à Constituição. "Ah, se trata de parlamentares com mau
comportamento." Já lembrei aqui que as garantias processuais penais -
Didion, nos Estados Unidos, Miranda Rules -, elas não se estabeleceram,
Vossa Excelência até se lembrava esses dias do caso Dickerson, chamando
a atenção de uma tentativa por lei de ferir parcialmente o precedente
Miranda. Estes casos, as garantias processuais penais, em geral, haverá
inocentes evidentemente que são trazidos à barra dos tribunais, inclusive
por essas narrativas, mas é evidente, Presidente, que, em geral, essas
garantias penais se aplicam a pessoas que cometeram crimes de fato, que
podem ter perdido a liberdade, inclusive em prisão preventiva, mas que
não perderam os outros direitos, a célebre frase de Frankfurter, lembrada
aqui muitas vezes por Pertence, em que dizia: "Em geral, as pessoas que
vindicam e reivindicam esses direitos não são tipos angelicais." O
processo penal, em geral, não tem como alvo Madre Teresa de Calcutá.
Agora, se nós formos fazer aqui a seleção de adversários do processo,
criar um especial Direito Penal do inimigo, certamente nós estamos
rasgando a Constituição, ainda que esses eleitos sejam parlamentares com
má fama hoje no ambiente político.
Temos que ter muito cuidado e respeito a essas garantias, porque é
através do Parlamento - gostemos ou não - que se realiza a democracia. Se
hoje o Parlamento passa por essa crise, e há problema certamente, nem
por isso nós devemos aproveitar da debilidade evidente institucional que
se coloca para infirmarmos garantias seculares e fazermos extravagância,

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Aditamento ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 126 de 165

ADI 5825 MC / MT

até porque o processo é dialético, e isso provoca obviamente reaction,


reação. É evidente. Nós precisamos estar atentos a isso. É evidente. Há
problemas nas assembleias legislativas. E, como disse o Ministro Fux, não
só no Rio de Janeiro, não só no Mato Grosso, em geral, e talvez maiores,
segundo atestados de testemunhas oculares, do que no próprio
Congresso Nacional, muito provavelmente por conta das cooperações e
das distorções (...).
Nós lembramos aqui, por exemplo, de episódios envolvendo
presidentes de assembleias legislativas que renovam seus mandatos por
anos a fio. Houve o caso do Espírito Santo, que inclusive teve
repercussão, teve decisões nossas. Mas é preciso realmente que, a
despeito de todos os problemas, nós tenhamos a dimensão de que há
normas que são interpretadas pelo Supremo, mas não são só
interpretadas pelo Supremo, são praticadas no mundo todo como
sustentáculos da democracia e que precisam ser respeitadas.
Por isso eu vou pedir todas as vênias ao Ministro Fachin para
indeferir integralmente a cautelar, acompanhando o voto do Ministro
Alexandre de Moraes, e também a manifestação do Ministro-Relator no
caso da ADI 5.823.

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Voto - MIN. CELSO DE MELLO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 127 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para,


acompanhando o eminente Ministro MARCO AURÉLIO, indeferir o
pedido de medida cautelar, eis que não vislumbro a eiva de
inconstitucionalidade sustentada pela autora da presente ação direta,
notadamente em face do que dispõe o art. 27, § 1º, da Constituição da
República, a cujo modelo se ajusta, com perfeita exatidão, a norma
impugnada.

É o meu voto.

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Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 128 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

APARTE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É curioso que


aceitemos, neste caso, a prisão provisória, por um fundamento que
decorre daquilo que Vossa Excelência está considerando: a separação dos
Poderes.
Admitindo esse superpoder do Ministério Público e do Judiciário - e
nós sabemos que, às vezes, isso assume característica incontrolável -,
caberá ao Ministério Público e ao Judiciário definir quem compõe uma
assembleia legislativa.
É muito curioso que convivamos com esse tipo de absurdo, porque
ele vai definir que alguém fica afastado do parlamento e define inclusive
a composição do parlamento; é muito curioso. Realmente eu fico perplexo
que façamos essa tresleitura do texto constitucional, porque de fato é isso.
Se amanhã o Ministério Público decidir pedir a prisão de 15
parlamentares e os afastar, vai dizer: "Agora chama o suplente, sei lá, ou
fica composto como está."
Seja lá uma solução, seja lá outra, está se interferindo num outro
Poder. (...)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: É por tal razão que


entendi que a discussão em torno da presente controvérsia constitucional
envolve o exame de dois aspectos temáticos da maior importância, um
dos quais concernente ao princípio da separação de Poderes.

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Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 129 de 165

07/12/2017 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. MARCO AURÉLIO
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO
GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO

APARTE
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É curioso que isso tem
uma influência muito grande no debate brasileiro, o texto do Otto Bachof,
sobre normas constitucionais e inconstitucionais, escrito exatamente no
imediato pós-guerra, em 1951, logo após a promulgação da Constituição.
E ele fazia, então, referências à existência de direitos suprapositivos,
exatamente como já fizera Radbruch naquela ideia de pensamento de
filosofia de Direito natural, e dizia que há elementos suprapositivos que
justificariam essa concepção.
Na prática, hoje, a massiva doutrina alemã mais antiga e também
mais moderna considera isso uma hipótese teórica longínqua, sem
nenhuma cogitação, até porque se diz - e (...) tem um estudo muito
interessante sobre isso -, vários dos valores ditos do juízo natural, ou mais
precisamente do Direito natural, estão incorporados à Constituição,
como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. Mas um
outro dado importante é que o chamado de controle de
constitucionalidade de normas constitucionais, inclusive das emendas, é
em geral praticado com muito self-restrained. Praticamente nós somos, eu
acho, na constelação das cortes constitucionais, talvez a única que
procede na prática esse controle de constitucionalidade de emendas
constitucionais, embora todo discurso seja quanto à possibilidade.

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Supremo Tribunal Federal
Aparte

Inteiro Teor do Acórdão - Página 130 de 165

ADI 5825 MC / MT

Na Alemanha, há um caso célebre sobre interceptação telefônica e


controle das atividades da polícia, que praticava atos contra os terroristas,
pelo Parlamento. Há um texto de Günter Dürig dizendo que é um
absurdo que a Corte tenha aceito essa emenda constitucional, porque
violava o núcleo central do Estado de direito, a proteção judicial efetiva.
Mas é muito difícil, na prática, se realizar, mesmo o controle
constitucionalidade. Na prática. Na teoria há muitos estudos sobre o
controle de constitucionalidade de emenda constitucional.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 131 de 165

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -

Senhores Ministros, tentarei fazer um resumo, na medida do possível, do voto -

tenho voto escrito, que farei juntar.

Cumprimento, inicialmente, os senhores advogados e, em

especial, a Associação dos Magistrados Brasileiros, autora destas ações, que trazem

uma questão, como enfatizado pelo Ministro Dias Toffoli, nova neste Plenário, com

os contornos aqui trazidos, dando-nos a oportunidade de tratar de um tema de

maior importância.

Mais uma vez, o Supremo Tribunal é convocado para solucionar

questão constitucional de inegável importância, de muita sutileza, que diz respeito

aos princípios constitucionais fundamentais da própria Federação, da República,

tangenciando a matéria dos direitos fundamentais dos cidadãos, como aqueles que

se relacionam, de um lado, à higidez e prerrogativas das instituições e dos seus

integrantes e, de outro lado, como posto na petição inicial e nos votos que aqui já

foram proferidos, aqueles que dizem respeito à ampla defesa, aos recursos

inerentes e, portanto, ao desempenho e à eficácia das decisões judiciais.

O Ministro Gilmar Mendes muito enfatizou em seu voto que

estes temas acabam ficando candentes para todo o Poder Judiciário, como se viu até

Publicado sem revisão, Art. 95 RISTF.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 132 de 165

mesmo nas sustentações orais de todos os lados. Talvez isso se deva porque a

corrupção está sangrando o País. Embora isso não seja o tema principal do objeto,

evidentemente, o sistema jurídico-constitucional impõe a ética como princípio. E o

princípio da Administração Pública expresso é o da moralidade - improbidade

administrativa tipifica crime de responsabilidade das autoridades. No entanto, a

cada dia, o cidadão vê a sangria de dinheiros públicos por dutos alargados, escusos,

ilegais de corrupção, que persiste e deixa em situação de anemia até mesmo

sistemas de direitos fundamentais sociais - saúde, educação, segurança pública,

apenas para citar alguns.

Esta ineficiência de serviços públicos essenciais é cada vez mais

acintosa e, claro, torna questões jurídicas constitucionais cada vez mais próximas

do cidadão. E não há sinal, inclusive, de que os autores dessas práticas de

corrupção estejam receando a jurisdição penal, seguindo suas práticas de

corrupção.

Por isso, mesmo em controle abstrato, as ações agora julgadas

tratam de princípios que haverão de ser ponderados, na minha compreensão e com

todas as vênias aos que pensam em sentido contrário, no sentido de orientar a

interpretação e a aplicação das normas constitucionais. Isso é exatamente o que

torna a Constituição viva: é a sua interpretação de acordo com a dinâmica de cada

sociedade. O Direito não é um instrumento que possa impedir que se torne eficiente
Publicado sem revisão, Art. 95 RISTF.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 133 de 165

o conjunto de princípios e direitos fundamentais, menos ainda que leve a qualquer

desestruturação do Estado.

Sobre isso nós temos nos manifestado em diversas ocasiões. Um

mês atrás ou um pouco menos, foi exatamente sobre a garantia das instituições que

tratamos em outro julgamento. E fiz constar, por isso mesmo, em um voto recente,

que é preciso que os princípios constitucionais digam respeito à higidez das

instituições, aos princípios democráticos, aos princípios garantidores dos direitos

fundamentais; não permitam, no entanto, que a imunidade se torne impunidade, o

que tornaria o Direito inócuo. Pior ainda, o Direito deixaria de cumprir o papel de

instrumento de restauração de ordem jurídica eventualmente afrontada.

Não quero que a minha geração tenha que viver o paradoxo, que

reputo inexistente neste caso, entre o Estado Democrático de Direito e o combate à

corrupção. O Ministro Gilmar enfatizou bem isso ao afirmar que não se há de

demonizar a política por um momento de fragilidade institucional, mas também

não acho que haja a possibilidade de se cogitar que o princípio da separação de

Poderes impeça o combate à corrupção, nem acho que o combate à corrupção tenha

de parar diante de um sistema que deva ser sempre interpretado e aplicado para

garantir que todos os direitos, inclusive o direito ao governo honesto, sejam

devidamente compreendidos e aplicados.

Publicado sem revisão, Art. 95 RISTF.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

Inteiro Teor do Acórdão - Página 134 de 165

Compartilho não apenas da conclusão a que chegou, embora por

outros fundamentos, o Ministro Edson Fachin, neste caso da interpretação do § 1º

do art. 27, que pela primeira vez é trazido, para afirmar, então, o que me parece se

conter como objeto destas três ações diretas de inconstitucionalidade. Isso porque

considero que o deferimento de medida cautelar para dar interpretação conforme

às normas, exatamente considerando que as imunidades parlamentares atribuídas a

deputados estaduais haverão de se conter de acordo com a finalidade, a teleologia

das normas e, principalmente, numa interpretação sistemática, a eficácia dos

direitos.

Tenho pra mim que tem toda razão a ilustre entidade autora, no

sentido de que, em primeiro lugar, não se tem aqui matéria cuidada em outras

ocasiões pelo Plenário, o que, aliás, o Ministro Dias Toffoli, de uma forma especial

enfatizou; estamos enfrentando essa interpretação em controle abstrato pela

primeira vez. Em outras ocasiões, como há pouco tempo, cuidamos de medidas

cautelares diversas da prisão. Aqui, estamos tratando de um caso de aplicação das

normas constitucionais relativas à prisão para deputados estaduais.

Em segundo lugar, em outras ocasiões, cuidamos de

prerrogativas de congressistas e, por isso mesmo, aqui, a matéria diz respeito, em

parte, ao Legislativo estadual e, portanto, de alguma forma, sujeita à questão

federativa. Embora se pudesse afirmar, num relance breve, que a referência a


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Inteiro Teor do Acórdão - Página 135 de 165

imunidades estabelecidas no § 1º do art. 27 da Constituição da República não

poderia ter sido restringida, não se poderia restringir, não foi restrito pelo

constituinte, não se poderia fazê-lo pela nossa interpretação constitucional, tenho

que, aqui, estamos num caso exatamente de jurisdição constitucional, a cuidar da

interpretação das normas. E a interpretação a ser adotada será sempre a que

assegure o cumprimento da finalidade das normas e, sistemicamente, da finalidade

do sistema.

No caso de senadores e de deputados federais, os princípios

federativos da separação de Poderes e o direito fundamental à ampla defesa com os

recursos a ela inerentes impõem sempre que se realce a circunstância de que no

atual modelo de foro especial, pelo menos enquanto persistir, a medida adotada

nesta Sede Suprema não permite que a Instituição Legislativa ou o próprio

representante do povo possa ter revista judicialmente a decisão que o afaste do

mandato, por exemplo. Mais ainda em caso de prisão.

Anote-se que esse afastamento pode gerar e, em geral,

compromete e altera a estrutura institucional e o funcionamento do Poder o que, a

toda evidência, afetaria a dinâmica e a independência da Casa Legislativa.

Entretanto, neste caso, diferentemente de outros, não há recursos

a serem adotados, uma vez que o foro é, como também enfatizado já em outros

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 136 de 165

votos, este Supremo Tribunal Federal. Logo, o direito à ampla defesa e aos recursos

a ela inerentes não tem como ser exercitado, sequer pela instituição. Diversamente,

no que se refere ao Legislativo estadual, o deputado ou a própria Casa dispõe de

todos os recursos processuais que o sistema de Justiça oferece, nada havendo a

ponderar quanto à garantia da separação de Poderes, nem ao cumprimento das

funções pela carência de instrumentos possibilitadores de questionamento da

decisão judicial tomada em diversas instâncias.

Daí a distinção que conduzo aqui. Somente as imunidades

materiais diriam respeito ao mandato que, resguardado, garante o eleitor e a

instância legislativa independente, como posto na Constituição da República, no

art. 2º.

A interpretação restritiva, portanto, que levou o

Ministro-Relator, nos dois casos, e à divergência, no caso relatado pelo Ministro

Marco Aurélio, parece-me melhor atender à finalidade das normas constitucionais,

ao contrário do que ocorreria se para aquela outra situação diversa se adotasse

idêntica interpretação. Ou seja, faço a distinção, que já foi feita em outros votos, do

que nós já votamos quanto às medidas cautelares, sobre as quais dez de nós

concordamos que poderiam ser adotadas e que seriam adotadas pelo Poder

Judiciário sem qualquer restrição. E quanto a uma delas, que comprometeria o

exercício do mandato, houve, então, a divergência, prevalecendo, por seis votos,


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quanto a este ponto específico daquelas medidas cautelares. No mais, prevaleceu,

por dez votos, a inteligência, a compreensão de que a decisão judicial prevaleceria

sem qualquer nova revisão.

Neste caso, tenho para mim que a necessidade de interpretar a

norma que trata das imunidades formais dos deputados estaduais no sistema em

que inserida tem, de alguma forma, alguns elementos que eu aproveito, dos

fundamentos que apresentei naquele Habeas Corpus 89.417, no qual afirmei que

duas ordens de cuidados devem presidir a interpretação das normas

constitucionais na matéria em causa, na presente ação. A Constituição garante a

imunidade relativa de parlamentares e proíbe a impunidade absoluta de quem

quer que seja.

Dito pela palavra de Black, em sua obra sobre a interpretação de

leis, há que se enfatizar:

"Uma lei deve ser interpretada em consonância com seu espírito


e razão; as Cortes" - afirmou Black - "têm poder para declarar que um caso
conformado à letra da lei não é por ela alcançado quando não esteja
conformado ao espírito e à razão da lei e da plena intenção legislativa"
(BLACK, Henry Campbell. Handbook on the Construction and Interpretation of
the Laws. West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896. p. 48).

Ainda citando decisão da Suprema Corte americana, aquele

grande jurista transcreve as seguintes considerações:

"É uma regra cediça a de que algo pode estar conforme à letra de
uma lei e, entretanto, não com a própria lei, porque não está conforme ao seu
espírito nem com o de seus fatores. Isto tem sido frequentemente afirmado e
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os repertórios estão repletos de casos ilustrativos de sua aplicação. Isto não é


a substituição da intenção do juiz pela do legislador; pois, frequentemente,
palavras de sentido geral são usadas em uma lei, palavras amplas o bastante
para abarcar atos em questão, e, todavia, a consideração da legislação em sua
totalidade, ou das circunstâncias que envolvem sua produção ou dos
resultados absurdos que promanariam de se atribuir tal sentido amplo às
palavras, fazem com que seja descabido admitir que o legislador pretendeu
nelas abranger o caso específico e que leve ao absurdo" (Rector of Holy
Trinity Cherch v. U.S.).

Lembro, ainda, tal como já foi lembrado por votos, até mesmo os

votos contrários, a lição de Ruy Barbosa, que em seus Comentários à Constituição

de 1891 anotava:

"A lei política de um País não se interpreta com essa rigidez, não
está subordinada, permita-se-lhe a expressão, à mesma literalidade que um
regimento militar. Não são disposições que principiem e acabem cada uma
em si mesmo; debaixo da lei política de cada País, existe uma substrutura de
ideias gerais que ela propõe, uma finalidade de relações imanentes que ela
não define, uma base comum, uma rede intrincada e sutil de princípios, que
a apoiam, que a orientam, mas que ela não particulariza. Esse conjunto de
princípios constitui, a respeito da lei fundamental do País, a fonte superior
de sua interpretação e às conclusões que dela decorrem estão subordinadas,
em sua inteligência, todas as cláusulas constitucionais" (Comentários à
Constituição Federal Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1933, v. III, p. 411).

Portanto, a Constituição não diferencia o parlamentar - já se

disse aqui - para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imune ao processo judicial, e

no caso do legislador, do congressista, até mesmo à prisão, para que os princípios

do Estado Democrático desta República sejam cumpridos, jamais para que eles

possam ser desvirtuados. Afinal, o que se garante é a imunidade, não a

impunidade, esta incompatível com a democracia, com a República e com o próprio

Estado de Direito.

Eu ainda citei, em mais de uma ocasião, aqui neste Plenário,


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Inteiro Teor do Acórdão - Página 139 de 165

afirmativa de Geraldo Ataliba, que, ao pensar que a impunidade pudesse ser

acolhida no Estado de Direito sob qualquer disfarce, afirmava que seria como

imaginar que se pode construir uma fortaleza - a Constituição do Estado

Democrático de Direito - para dar segurança e nela instalar um portão de papelão.

Isso teria sido construído constitucionalmente, se se admitisse

que a Constituição estabeleceu os princípios magnos fundamentais, com os

consectários principiológicos que lhe são próprios, a garantia da liberdade do

eleitor, mas a fim de que ele crie o direito que possa atender as demandas sociais, a

garantia da moralidade e a obrigação da probidade dos representantes para a

segurança ética do Estado e de todos os cidadãos.

Se, paralelamente, se tivesse permitido que se pudesse trair o

eleitor e fraudar a Constituição, ruiria todo o Estado Democrático, afundar-se-ia a

Constituição, sossegar-se-ia o juiz constitucional, calar-se-ia o Direito, porque nada

haveria a fazer diante de uma regra que se sobreporia a toda e qualquer outra, a

garantir que uma pessoa pudesse se ressalvar de qualquer regra jurídica em face da

regra proibitiva de seu processamento e de sua prisão em qualquer caso.

Também tenho para mim que as imunidades parlamentares não

são - como já foi aqui acentuado em várias ocasiões e agora realçado pelo Ministro

Celso de Mello, nosso Decano - privilégios individuais, mas garantias destinadas

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unicamente à proteção das instituições pelo que, quando a Constituição se refere a

congressistas, a parlamentares, leva em consideração a finalidade. E como muito

bem posto na petição inicial destas ações, isto foi dirigido a garantir uma instituição

que não teria a quem recorrer, nem, neste caso, o representante teria a quem

recorrer. Não é o que se passa com o membro do Poder Legislativo estadual.

O cidadão brasileiro submete-se às normas de processo penal

quanto à prisão e à tramitação da ação penal. As imunidades formais

constitucionalmente previstas para membros do Congresso Nacional tratam,

portanto, de exceções ao princípio da isonomia pela desigual condição em que se

põem. Não dispõem eles do direito fundamental ao duplo grau de jurisdição,

porque são julgados, atualmente, pelo Supremo Tribunal Federal, e a sociedade

pode ver a extinção de um mandato sem outro dado que não decisão judicial

precária e, às vezes, monocrática de um julgador.

As pessoas são obrigadas a se submeterem à jurisdição estatal

exercida, entre outros, pela aplicação da lei penal e do direito processual penal.

Portanto, na esteira da melhor hermenêutica jurídica, as regras constitucionais que

estabelecem essas prerrogativas, que não são benefícios conferidos à população em

geral, haverão de ser interpretadas de forma estrita, sem possibilidade de se buscar

alargamento de seu significado.

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Em perspectiva de interpretação extensiva do § 1º do art. 27 da

Constituição, aplicar-se-ia aos deputados estaduais todas as imunidades previstas

para os membros do Congresso Nacional. A hermenêutica restritiva diria somente

com as imunidades que resguardam opiniões, palavras e votos materiais, e teriam

aplicabilidade apenas aos legisladores estaduais e seria somente isso.

Dessa forma, a norma, em razão do seu caráter excepcional,

impõe, a meu ver, exegese estrita, com as vênias dos que pensam em contrário, do

que se conclui que a sua aplicação deve ocorrer unicamente quando o parlamentar

estadual emite aquelas opiniões, palavras e votos no exercício do seu mandato.

As regras do sistema de imunidades dos legisladores -

excepcionais - devem, portanto, na minha compreensão, serem interpretadas

restritivamente. Para que a prerrogativa, portanto, se atenha tão somente à proteção

da função pública, em especial daquela desempenhada como mandato popular, e

não se transforme em privilégio de ocupante, importante é estabelecer como

adequada e proporcional ao texto constitucional a interpretação restritiva do

instituto da imunidade formal dos deputados estaduais.

Essa necessidade de interpretação restritiva da norma que trata

das imunidades não é nova neste Supremo Tribunal Federal. Cito aqui alguns

precedentes não específicos, porque a matéria do § 1º do art. 27 realmente é nova.

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 142 de 165

E trago em meu voto que se coadunam com essa tendência de

interpretação mais restritiva os dispositivos constitucionais que permitam que

todos os direitos e deveres dos parlamentares estaduais possam gozar de todos os

direitos fundamentais iguais a todos os cidadãos. Portanto, essa hermenêutica é que

haverá de prevalecer para as imunidades parlamentares estaduais, porque

interpretação outra - reitere-se - privilegiaria a pessoa e não a instituição ou o

mandato, nem guardaria, de alguma forma, o princípio da separação de Poderes,

que, neste caso, não vejo como poderia estar, de alguma forma, desguardado.

Não se pode privilegiar a autoridade em detrimento dos

princípios magnos e fundamentais, como o da isonomia que é um dos mais

importantes do nosso constitucionalismo positivado. Portanto, a interpretação

constitucional que considero mais acertada - reitero, com as vênias dos alentados

votos em sentido contrário - é a da restrição das imunidades dos parlamentares

estaduais a situações quanto às imunidades formais. Esse é o fundamento principal,

ainda que com alguns pontos de diferença daqueles que votaram no sentido de dar

interpretação conforme às normas questionadas.

Concluo votando no sentido exatamente feito pelo Ministro

Edson Fachin nas ações diretas de inconstitucionalidade em que atua como Relator,

ou seja, nas ADIs 5.824 e 5.825, para deferir as cautelares e, ainda com o Ministro

Edson Fachin, na divergência iniciada por Sua Excelência na ADI 5.823, relatada
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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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pelo Ministro Marco Aurélio, deferindo as cautelares pedidas.

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Extrato de Ata - 07/12/2017

Inteiro Teor do Acórdão - Página 144 de 165

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.825


PROCED. : MATO GROSSO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO (07077/DF)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
MATO GROSSO

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), concedendo


a medida cautelar, para fixar interpretação conforme a Constituição e
suspender a eficácia da Resolução 5.211 da Assembleia Legislativa do
Estado do Mato Grosso, nos termos de seu voto, e o voto do Ministro Marco
Aurélio, que, preliminarmente, entendia pela carência da ação por
ilegitimidade ativa da requerente, e indeferia a medida cautelar, o
julgamento foi suspenso. Ausentes, justificadamente, os Ministros Roberto
Barroso e Ricardo Lewandowski. Falaram: pela requerente, Associação dos
Magistrados Brasileiros, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; pela interessada,
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o Dr. Carlos Antonio
Dornellas Filho, Procurador da Assembleia Legislativa do Estado de Mato
Grosso; e, pela Procuradoria-Geral da República, a Drª. Raquel Elias
Ferreira Dodge, Procuradora-Geral da República. Presidência da Ministra
Cármen Lúcia. Plenário, 6.12.2017.

Decisão: Após os votos dos Ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen
Lúcia (Presidente), acompanhando o voto do Ministro Edson Fachin
(Relator), no sentido de deferir a medida cautelar, para fixar
interpretação conforme a Constituição e para suspender a eficácia da
Resolução 5.211 da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, nos
termos de seu voto, e os votos dos Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar
Mendes e Celso de Mello, acompanhando o voto do Ministro Marco Aurélio,
no sentido de indeferir a medida cautelar, e após o voto do Ministro Dias
Toffoli, deferindo em menor extensão a medida cautelar, para suspender a
eficácia do art. 29, § 2º, da Constituição do Estado do Mato Grosso, o
julgamento foi suspenso para colher, em assentada posterior, os votos dos
Ministros ausentes. Ausentes, justificadamente, os Ministros Roberto
Barroso e Ricardo Lewandowski. Plenário, 7.12.2017.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Dias
Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge.

p/ Doralúcia das Neves Santos


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 145 de 165

08/05/2019 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Vou


proferir o meu voto às três ações diretas, então, que questionam
dispositivos da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, da
Constituição do Estado de Mato Grosso e da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro. São esses os três Estados cujas leis estão em discussão.
O julgamento, Presidente, teve início, como Vossa Excelência já
apregoou, e votou o Ministro Marco Aurélio pelo indeferimento da
medida cautelar na ADI 5.823. O fundamento de Sua Excelência foi a
interpretação do art. 27, § 1º, da Constituição, que tem a seguinte dicção:

“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados


Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre
sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração,
perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às
Forças Armadas.”

Sua Excelência entendeu que aquelas previsões do art. 53, § 2º e § 3º,


da Constituição Federal aplicar-se-iam automaticamente aos deputados
estaduais por força do art. 27, § 1º – as previsões de submissão da prisão
em flagrante e a possibilidade de sustação do processo.
O Ministro Luiz Edson Fachin votou contrariamente, no sentido de
conceder a medida cautelar, para fixar interpretação conforme à
Constituição, assentando que as regras dos §§ 2º a 5º do art. 102 da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro e das outras Constituições que
lhe sejam análogas não vedam ao Poder Judiciário decretar medidas
cautelares de natureza penal em desfavor de deputados estaduais, nem
conferem poderes às assembleias legislativas para sustar ou revogar os
atos respectivos.
E houve uma terceira posição. A primeira posição é a do Ministro

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 146 de 165

ADI 5825 MC / MT

Marco Aurélio no sentido de que, por força do 27, § 1º, aplicam-se aos
Estados as disposições da Constituição Federal relativas a parlamentares
federais. A posição do Ministro Luiz Edson Fachin é a de que as medidas
cautelares não estão sujeitas a esta submissão à assembleia legislativa. E
houve uma terceira posição, que foi a do Ministro Dias Toffoli, com o voto
intermediário, no sentido de que a vedação da prisão prevista no art. 53, §
2º, da Constituição Federal seria restrita única e exclusivamente aos
membros do Congresso Nacional. A interpretação que Sua Excelência deu
é que no art. 53, § 2º, a Constituição fala em membros do Congresso
Nacional, portanto somente se aplicaria no plano federal, ao passo que
outros dispositivos se refeririam a Deputados e Senadores e, portanto, no
conceito geral, no termo “deputados” estariam também incluídos os
deputados estaduais.
Nós temos esse quadro, em que existem cinco votos favoráveis à
posição de concessão de medida cautelar e quatro votos pela negativa da
medida cautelar.
Eu acho, Presidente, que a questão aqui se cinge a saber se medidas
cautelares, inclusive de prisão, devem ou não ser submetidas às
assembleias legislativas. De modo que eu não vou avançar mais
longamente num debate acerca do sentido e alcance das imunidades
formais no plano estadual, porque considero desnecessário para a
resolução da questão que se põe aqui.
E aqui devo dizer, Presidente, coerente com o que já tenho decidido,
que me parece que a assembleia legislativa não tem o poder quer de
sustar prisão cautelar, quer de sustar o processo penal em curso.
Essa minha posição é coerente com o que já tem decidido, inclusive
neste Plenário, no caso da Ação Cautelar 4.070, de relatoria do saudoso
Ministro Teori Zavascki, que era o caso Eduardo Cunha, e foi assim que
votei na Ação Cautelar 4.327, no caso Aécio e, depois, aqui, neste
Plenário, na ADI 5.526, em que eu entendia que sequer o Congresso
Nacional desfrutava dessa competência.
As razões pelas quais entendo nessa linha, Presidente, são as
seguintes. A primeira: o Direito deve ser interpretado à luz da realidade

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 147 de 165

ADI 5825 MC / MT

fática. Não é o exercício de volições abstratas. Existe para repercutir sobre


a realidade, tem uma pretensão normativa, uma pretensão de conformar
a realidade. E, portanto, o intérprete tem sempre o dever – e eu acho isso
desde que comecei a escrever sobre direito constitucional – de aferir o
impacto que suas decisões produzem no mundo real, na realidade fática.
E o mundo real e a realidade fática brasileira são a da revelação de
um quadro de corrupção estrutural, sistêmica e institucionalizada. E,
portanto, acho que dentro dos limites e possibilidades semânticas da
Constituição, o intérprete deve optar pelas soluções que permitam, da
melhor forma possível e dentro do devido processo legal, enfrentar essas
disfunções que acometeram a sociedade brasileira.
Portanto, eu penso que a Constituição não pretendeu instituir um
regime de privilégios ou de imoralidade protegida por ela, para impedir
que o Direito Penal, inclusive, interrompa crimes quando estejam sendo
praticados. A Constituição, a meu ver, quis assegurar o Estado
democrático de Direito, a separação de Poderes, o princípio republicano,
a inafastabilidade da jurisdição e a moralidade e probidade
administrativa. Portanto, onde haja interpretações possíveis e razoáveis, o
intérprete deve, sim, escolher aquela que melhor realiza o interesse
público, que melhor realiza o interesse da sociedade.
Em segundo lugar, Presidente, o modelo constitucional de
imunidades previsto na Constituição só permite ao Congresso resolver
sobre a prisão de seus membros em situação de flagrante de crime
inafiançável. E aqui é preciso compreender, a meu ver, a teleologia da
Constituição quando diz:

“Art. 53.......................
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável”.

O que a Constituição cogita aqui é da hipótese de prisão de um


parlamentar federal em flagrante. E aí prevê-se que ele só pode ser preso
se houver flagrante e se o crime pelo qual ele esteja sendo preso for

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ADI 5825 MC / MT

inafiançável. Mas é preciso ter em conta que a prisão em flagrante pode


ser feita – e normalmente é feita – pela autoridade policial ou por
qualquer do povo, que pode deter alguém no momento em que esteja
cometendo um determinado delito. Esse dispositivo, com todas as vênias
e respeitando o entendimento diverso, não se aplica à prisão
regularmente decretada por decisão judicial, ordem escrita e
fundamentada da autoridade competente. Portanto, também eu me
alinho a este entendimento e não acho que este artigo se aplique às
hipóteses em que a prisão tenha sido determinada, como nesses casos
que, embora sejam ações diretas, há casos concretos subjacentes, como
nós bem sabemos, foram decretadas pelos tribunais regionais federais
para interromper a prática continuada de delitos por determinados
parlamentares.
Presidente, o terceiro fundamento eu já enunciei. Acho que medidas
cautelares não precisam ser submetidas. E o Supremo Tribunal Federal
tem um precedente muito importante e emblemático, que foi na Ação
Cautelar 4.070, sobre o afastamento do mandato e da presidência da
Câmara dos Deputados de um parlamentar, sem que ninguém tivesse
cogitado que aquela decisão devesse ser previamente submetida ao
Congresso Nacional ou à Câmara dos Deputados.
E eu devo dizer que o próprio Congresso Nacional tem se
manifestado, e penso que em sintonia com a sociedade brasileira. Há no
Congresso Nacional projetos, inclusive, de emenda constitucional de
redução drástica do foro por prerrogativa de função, que é uma iniciativa
importante tomada do Poder Legislativo. Foi o próprio Congresso
Nacional, diga-se de passagem, que aprovou a Emenda Constitucional nº
35, que suprimiu a prévia exigência de licença da Casa legislativa para
instauração de ação penal contra parlamentares. E, veja, o Congresso, em
linguagem particularmente eloquente, na justificativa dessa proposta de
emenda que veio a ser aprovada, diz: a eliminação da imunidade referida
é necessária se se pretende pôr termo à impunidade no país. A exigência
de prévia licença combinada com as reações corporativas se choca com a
vontade política do povo. Este repudia mais e mais o fato de que cidadãos

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 149 de 165

ADI 5825 MC / MT

cercados de imunidade ou privilégios se coloquem acima da lei.


Entendo, pois, que, ao suprimir a necessidade de prévia licença para
processar criminalmente parlamentares, o Congresso Nacional estará
respondendo ao grande clamor do país por justiça, além de dispensar os
seus membros do constrangimento desnecessário, a meu juízo, de decidir
tais questões.
Esta é a justificativa apresentada pelo próprio Congresso Nacional,
em sintonia com as demandas da sociedade brasileira. Presidente, se eu
entendo que não cabe ao Congresso Nacional confirmar ou revogar
medida cautelar, mesmo que se trate de parlamentar federal, com mais
razão ainda eu acho que não cabe essa providência para ser tomada pela
Assembleia Legislativa.
No caso específico do Estado do Rio de Janeiro, em que a assembleia
sustou a prisão e determinou diretamente à autoridade policial, sem
sequer passar pelo Poder Judiciário, a reincorporação dos parlamentares
ao mandato, o quadro era dantesco, e a não sustação do processo
permitiu que se julgassem aquelas pessoas - devido processo legal.
E vejam o resultado: Jorge Sayed Picciani, condenado à pena total de
21 anos de reclusão, em regime fechado, mais 564 dias-multa e à perda
dos bens adquiridos com os ilícitos, tendo-se reconhecido a prática dos
crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização
criminosa; Paulo César Melo de Sá, condenado a um total de 12 anos, 5
meses e 10 dias de reclusão, em regime fechado, mais 350 dias-multa e à
perda de bens adquiridos com os ilícitos pela prática dos crimes de
corrupção passiva e organização criminosa; Edson Albertassi, condenado
à pena de 13 anos, 4 meses de reclusão, em regime fechado, mais 392 dias-
multa e à perda dos bens adquiridos com os ilícitos pela prática dos
crimes de corrupção passiva e de organização criminosa.
Fica bem claro o que está em discussão aqui. Essas pessoas estariam
livres e no exercício do mandato se prevalecesse o entendimento de que a
Assembleia Legislativa pode sustar o processo ou impedir a prisão.
Portanto, eles poderiam continuar na prática dos crimes que envolvem
subjacentemente extorsão e achaques para recebimento de dinheiros pelo

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exercício do mandato, e cada uma dessas pessoas documentadas recebeu


muitos milhões de reais em propinas. Se não entendermos que é possível
punir essas pessoas, nós transformaremos o Poder Legislativo, que é
possivelmente o espaço mais importante de uma democracia, em um
reduto de marginais, o que, evidentemente, ninguém deseja, nem muito
menos os parlamentares honestos e de bem que lá se encontram.
Logo, Presidente, a questão posta, ao meu ver, é mais do que uma
mera interpretação abstrata de normas. É saber qual é o papel da
interpretação constitucional, no seu dever de interferir com a realidade,
para aprimorar os costumes do país e elevar a ética pública e também a
ética privada na sociedade brasileira. Esse é o esforço imenso que nós
todos estamos fazendo, com as dificuldades que se veem. Mas o que há,
hoje, de importante e de emocionante é essa imensa demanda da
sociedade brasileira por integridade, por idealismo e por patriotismo.
E, aqui, também considero muito importante esclarecer, e em
seguida concluir o meu voto, porque se criou, no país, uma cultura em
que as pessoas são presas, às vezes, em flagrante; você tem o vídeo, o
áudio, a mochila de dinheiro, todas as provas; e as pessoas dizem que
estão sendo perseguidas e acusam o juiz, o procurador e o delegado.
Ninguém reconhece erro. Ninguém pede desculpas. Todo mundo está
sendo perseguido.
E eu queria aqui dizer, Presidente, porque tem sido reiterado e não é
verdadeiro, que eu jamais disse e muito menos acho que alguém deva ser
punido em razão de clamor das ruas. Absolutamente ninguém. As
pessoas devem ser punidas no processo penal, se houver prova
inequívoca do cometimento do crime. Desafio qualquer pessoa a
demonstrar que eu tenha votado pela condenação de quem quer que seja
sem a existência de prova cabal e inequívoca. O que tenho dito, mas não
vale para interpretação criminal, porque a interpretação criminal que o
Supremo Tribunal Federal faz é uma interpretação atípica – nenhuma
Corte constitucional do mundo julga processo criminal em primeiro grau
como nós julgamos aqui com frequência. Portanto, é uma prática jurídica
totalmente diferente do exercício da jurisdição constitucional.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

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Na jurisdição constitucional, como tenho dito e assim me comporto


desde que entrei aqui, o primeiro papel do juiz é identificar qual é a
norma aplicável e não há interpretação que possa contrariar os sentidos
possíveis da norma. O juiz não tem o direito de inventar. O juiz tem o
direito de explorar as potencialidades interpretativas daquela norma.
Uma vez identificada a norma e vistas as possibilidades semânticas dela,
o juiz deve verificar se existe algum direito fundamental em jogo. Se
existir o direito fundamental em jogo, seja de um preso, de uma mulher,
de um índio, de um negro ou de um gay, não importa quão minoritário
seja o direito fundamental, tem que ser preservado contra a vontade de
qualquer maioria. A Constituição existe para proteger direitos
fundamentais, inclusive das minorias, e não se decide para atender
sentimento social contra direito fundamental de ninguém.
No terceiro capítulo, aí sim, identificadas as possibilidades
semânticas da norma e respeitados os direitos fundamentais, o juiz deve
produzir a decisão que melhor atenda ao interesse da sociedade. Este é o
seu dever, porque numa democracia ninguém exerce poder em nome
próprio. Numa democracia todo poder é representativo, todo poder é
exercido em nome e no interesse da sociedade. Se o interesse da
sociedade não passar no filtro da Constituição, o juiz não pode atendê-lo
e vai produzir uma decisão contramajoritária. Mas, superado o filtro da
Constituição, o juiz deve introduzir a decisão que melhor realize o
interesse da sociedade, porque este é o seu papel e este é o seu dever, tal
como eu o compreendo.
Isso tudo que eu falei vale para a jurisdição constitucional. No crime,
para condenar alguém por corrupção passiva, lavagem dinheiro, como se
verificou nesses casos que citei, é preciso olhar as provas. Se tem prova,
condena-se; se não tem prova, não se condena. Não há virtude alguma
em condenar alguém que não seja culpado. Mas é papel também do
Estado proteger os bons e os honestos, condenando os que se comportem
desonestamente.
Eu entendo as posições divergentes e acho que é razoável sustentar a
possibilidade de mais de uma interpretação. Tanto é razoável que o

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 152 de 165

ADI 5825 MC / MT

Relator tem uma posição, o Ministro Fachin tem outra e Vossa Excelência
tem outra. Logo, existem algumas interpretações razoáveis e a minha
opção aqui, Presidente, é pela interpretação que a meu ver melhor realiza
a vontade constitucional, que é promover o princípio republicano, o
princípio democrático, para que o Legislativo não seja esconderijo de
quem a gente não quer que esteja lá, e a probidade administrativa.
De modo que a minha posição nesta matéria, Presidente, é
sintetizada na seguinte tese: “Os §§ 2º e 3º do art. 53 da Constituição não
conferem poderes à Casa Legislativa para confirmar ou revogar prisões
cautelares ou outras medidas cautelares determinadas pelo Judiciário,
mesmo quando interfiram sobre o exercício do mandato dos seus
membros”.
É como voto.

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

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08/05/2019 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski: A discussão central


cinge-se à possibilidade de as constituições estaduais estabelecerem para
os deputados estaduais as mesmas imunidades prisional e processual
previstas para os deputados federais e senadores da República.

Como é de conhecimento geral, desde a expedição do diploma, os


membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de
seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2°, da CF).

Trata-se de imunidade absoluta, voltada ao livre exercício do


mandato popular, excepcionada apenas pela hipótese de prisão em
flagrante delito de crime inafiançável, ancorada no pressuposto de que
nenhuma prerrogativa funcional se presta a servir de escudo para a
prática de crimes.

Mas não só. O Texto Constitucional estabelece que “recebida a


denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a
diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva,
que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da
maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento
da ação” (art. 53, § 3°, da CF).

A bem da verdade, o tema das imunidades parlamentares suscita,


desde seu longínquo surgimento histórico, inúmeros debates e
controvérsias, tanto sob seu aspecto formal como material. A origem de
ambas as formas de imunidade é comum, remontando à Inglaterra das

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 154 de 165

ADI 5825 MC / MT

Monarquias Tudor e Stuart, quando se percebeu que havia circunstâncias


históricas concretas que justificavam a proteção do Legislativo diante de
um Executivo forte que, valendo-se de um Judiciário complacente,
abusava de sua posição injustamente.

Sobre o tema, trago à colação a ementa da ADI 5.526/DF, Redator


para o acórdão Ministro Alexandre de Moraes, na qual ficou consignado
o seguinte:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL.


INAPLICABILIDADE DE PRISÃO PREVENTIVA PREVISTA
NO ARTIGO 312 DO CPP AOS PARLAMENTARES FEDERAIS
QUE, DESDE A EXPEDIÇÃO DO DIPLOMA, SOMENTE
PODERÃO SER PRESOS EM FLAGRANTE DELITO POR
CRIME INAFIANÇAVEL. COMPETÊNCIA PLENA DO
PODER JUDICIÁRIO PARA IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS
CAUTELARES PREVISTAS NO ARTIGO 319 DO CPP AOS
PARLAMENTARES, TANTO EM SUBSTITUIÇÃO A PRISÃO
EM FLAGRANTE DELITO POR CRIME INAFIANÇÁVEL,
QUANTO EM GRAVES E EXCEPCIONAIS
CIRCUNSTANCIAS. INCIDÊNCIA DO §2º, DO ARTIGO 53
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL SEMPRE QUE AS MEDIDAS
APLICADAS IMPOSSIBILITEM, DIRETA OU
INDIRETAMENTE, O PLENO E REGULAR EXERCÍCIO DO
MANDATO PARLAMENTAR. AÇÃO PARCIALMENTE
PROCEDENTE.
1. Na independência harmoniosa que rege o princípio da
Separação de Poderes, as imunidades do Legislativo, assim
como as garantias do Executivo, Judiciário e do Ministério
Público, são previsões protetivas dos Poderes e Instituições de
Estado contra influências, pressões, coações e ingerências
internas e externas e devem ser asseguradas para o equilíbrio
de um Governo Republicano e Democrático.
2. Desde a Constituição do Império até a presente
Constituição de 5 de outubro de 1988, as imunidades não
dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por

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Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 155 de 165

ADI 5825 MC / MT

ele exercidas, no intuito de preservar o Poder Legislativo de


eventuais excessos ou abusos por parte do Executivo ou
Judiciário, consagrando-se como garantia de sua
independência perante os outros poderes constitucionais e
mantendo sua representação popular. Em matéria de garantias
e imunidades, necessidade de interpretação separando o
CONTINENTE (Poderes de Estado) e o CONTEÚDO (eventuais
membros que pratiquem ilícitos), para fortalecimento das
Instituições.
3. A imunidade formal prevista constitucionalmente
somente permite a prisão de parlamentares em flagrante
delito por crime inafiançável, sendo, portanto, incabível aos
congressistas, desde a expedição do diploma, a aplicação de
qualquer outra espécie de prisão cautelar, inclusive de prisão
preventiva prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal.
[...]
6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada
parcialmente procedente” (grifei).

Essa importante garantia, não só do parlamentar, mas da cidadania,


estende-se aos deputados estaduais por força do art. 27, § 1°, da Carta
Magna. E encontra-se repetida nos dispositivos das Constituições
estaduais aqui atacados. De acordo com o art. 27, § 1°, da CF:

“§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados


Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição
sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,
remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas” (grifei).

Os dispositivos tratam da imunidade formal - constante do art. 53 da


CF, com a redação dada pela EC 35/2011 - a qual não isenta o parlamentar
da sanção pela prática da infração penal, “mas estabelece regras especiais
sobre a prisão e processo penal de parlamentares” (ALMEIDA. Roberto
Moreira de. Curso de Direito Constitucional. Coordenadores Eduardo

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ADI 5825 MC / MT

Arruda Alvim, George Salomão Leite e Lênio Streck. 1 ed. Florianópolis:


Tirant lo Blanch, 2018, p. 378):

“As regras da imunidade formal se aplicam aos deputados


estaduais (CF, art. 27, § 1.°) e aos deputados distritais (CF, art.
32, § 3.°), mas não se estendem aos vereadores” (idem, p. 379).

Ao tratar do Estatuto dos Congressistas e comentar sobre a


imunidade à prisão, Roberto Moreira de Almeida diz que:

“As mesmas prerrogativas gozam os deputados estaduais


e deputados distritais, ou seja, em havendo prisão por crime
inafiançável de algum deles, os autos relativos à custódia
devem ser encaminhados, no prazo de 24 horas, à respectiva
Casa Legislativa (Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital)
para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre
a prisão” (ibidem, p. 379).

Ao comentar o art. 27 da CF/1988, Léo Ferreira Leoncy afirma que

“[a] densificação do estatuto funcional dos Deputados


Estaduais (art. 27, § 1°, segunda parte) somente pode ser
realizada com a extensão a esses parlamentares dos regimes
constitucionais previstos para os congressistas em relação a
sistema eleitoral (art. 45, caput), inviolabilidade (art. 53, caput),
imunidades (art. 53, §§ 2º ao 5º), remuneração (art. 57, § 7º,
parte final), perda de mandato (art. 55), licença (art. 56),
impedimentos (art. 54) e incorporação pelas Forças Armadas
(art. 53, § 7º)” (LEONCY, Léo Ferreira. Comentários à
Constituição do Brasil. Coordenadores J. J. Gomes Canotilho,
Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet, Lênio Luiz
Streck. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 823).

Nessa esteira, observo que, ao analisar o RE 457.514-AgR/MT, de


minha relatoria, a Primeira Turma entendeu aplicável ao parlamentar

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 157 de 165

ADI 5825 MC / MT

estadual a imunidade constante do art. 52, § 3°, da CF:

“EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO


REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IMUNIDADE PROCESSUAL. SUSPENSÃO DE AÇÃO PENAL.
SOMENTE EM RELAÇÃO A CRIMES COMETIDOS NA
LEGISLATURA VIGENTE. PRECEDENTES. AGRAVO
IMPROVIDO.
I – A Casa Legislativa somente pode suspender as ações
contra parlamentares que tiverem como objeto de apuração
crimes cometidos após a diplomação do mandato em curso, o
mesmo não sendo possível em relação aos mandatos de
legislaturas pretéritas.
II - Agravo regimental improvido”.

No mesmo sentido:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE


PROCESSUAL. CF, ART. 53, § 3º, NA REDAÇÃO DA EC
35/2001. DEPUTADO ESTADUAL. MANDATOS SUCESSIVOS.
EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
LIMINAR INDEFERIDA. AGRAVO REGIMENTAL.
O Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades,
firmou o entendimento de que a Emenda Constitucional nº 35,
publicada em 21.12.2001, tem aplicabilidade imediata, por
referir-se a imunidade processual, apta a alcançar as situações
em curso.
Referida emenda ‘suprimiu, para efeito de
prosseguimento da persecutio criminis, a necessidade de licença
parlamentar, distinguindo, ainda, entre delitos ocorridos antes e
após a diplomação, para admitir, somente quanto a estes
últimos, a possibilidade de suspensão do curso da ação penal’
(Inq. 1.637, Ministro Celso de Mello).
Em face desta orientação, carece de plausibilidade
jurídica, para o fim de atribuir-se efeito suspensivo a recurso
extraordinário, a tese de que a norma inscrita no atual § 3º do

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art. 53 da Magna Carta se aplica também a crimes ocorridos


após a diplomação de mandatos pretéritos.
Agravo regimental desprovido” (AC 700 AgR/RO, Rel.
Min. Ayres Britto).

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.


PRISÃO DECRETADA EM AÇÃO PENAL POR MINISTRA DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEPUTADO
ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA
AUTORIDADE COATORA E NULIDADE DA PRISÃO EM
RAZÃO DE NÃO TER SIDO OBSERVADA A IMUNIDADE
PREVISTA NO § 3º DO ART. 53 C/C PARÁGRAFO ÚNICO
DO ART. 27, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
COMUNICAÇÃO DA PRISÃO À ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA
DO ESTADO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO À ESPÉCIE DA NORMA
CONSTITUCIONAL DO ART. 53, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
CONFIGURADO.
[...]
2. Os elementos contidos nos autos impõem
interpretação que considere mais que a regra proibitiva da
prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no art. 53,
§ 2º, da Constituição da República. Há de se buscar
interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do
sistema constitucional como um todo. A norma constitucional
que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão
do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua
literalidade, menos ainda como regra isolada do sistema
constitucional.
Os princípios determinam a interpretação e aplicação
corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se
destina.
A Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia,
composta de vinte e quatro deputados, dos quais, vinte e três
estão indiciados em diversos inquéritos, afirma situação

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ADI 5825 MC / MT

excepcional e, por isso, não se há de aplicar a regra


constitucional do art. 53, § 2º, da Constituição da República,
de forma isolada e insujeita aos princípios fundamentais do
sistema jurídico vigente.
3. Habeas corpus cuja ordem se denega” (HC 89.417/RO,
Rel. Min. Cármen Lúcia; grifei).

Como se vê na última ementa transcrita, naquela assentada, a


Primeira Turma desta Suprema Corte teria reconhecido a aplicabilidade
do art. 53, § 2°, ao parlamentar estadual, como decorrência do que
estipula o art. 27, § 1°, da CF, em que pese, dada a excepcionalidade do
caso concreto - o indiciamento de quase todos os membros da Assembleia
Legislativa – tenha levado à denegação da ordem.

Ora, ao que parece, a norma constante do art. 27, § 1°, da CF é


expressa ao fazer referência às imunidades formais constantes do
Estatuto dos Congressistas (art. 53 da CF). De modo diverso, o art. 29 da
Constituição não traz a mesma referência aos vereadores, de modo que a
esses não seriam aplicadas as mencionadas imunidades. Nesse sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONSTITUÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE, ARTIGO 13,
INCISO XVII, QUE ASSEGURA AOS VEREADORES A
PRERROGATIVA DE NÃO SEREM PRESOS, SALVO EM
FLAGRANTE DE CRIME INAFIANÇÁVEL, NEM
PROCESSADOS CRIMINALMENTE SEM A DEVIDA
AUTORIZAÇÃO DA RESPECTIVA CÂMARA LEGISLATIVA,
COM SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO ENQUANTO DURAR O
MANDATO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
1. O Estado-membro não tem competência para
estabelecer regras de imunidade formal e material aplicáveis a
Vereadores. A Constituição Federal reserva à União legislar
sobre Direito Penal e Processual Penal.
2. As garantias que integram o universo dos membros do

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Congresso Nacional (CF, artigo 53, §§ 1º, 2º, 5º e 7º), não se


comunicam aos componentes do Poder Legislativo dos
Municípios. Precedentes.
Ação direta de inconstitucionalidade procedente para
declarar inconstitucional a expressão contida na segunda parte
do inciso XVII do artigo 13 da Constituição do Estado de
Sergipe” (ADI 371/SE, Rel. Min. Maurício Corrêa; grifei).

Ainda, oportuno mencionar que estou de acordo com a manifestação


do Ministro Alexandre de Moraes (Sessão Plenária de 7/12/2017) no
sentido de que o art. 27, § 1°, seria plenamente aplicável aos
parlamentares estaduais, independentemente de previsão nas respectivas
Constituições estaduais, de modo que tenho até dúvidas sobre a
necessidade da reprodução das normas constantes do art. 53 da CF nas
respectivas Cartas estaduais. Essa é a inteligência do seguinte julgado:

“EMENTA: Parlamentar distrital: imunidade formal: CF,


art. 53, § 2º c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º: incidência.
Com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, § 1º), que
tornou aplicáveis, sem restrições, aos membros das
Assembléias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal, as
normas sobre imunidades parlamentares dos integrantes do
Congresso Nacional, ficou superada a tese da Súmula 3/STF
(A imunidade concedida a Deputados Estaduais é restrita à Justiça do
Estado), que tem por suporte necessário que o reconhecimento
aos deputados estaduais das imunidades dos congressistas não
derivava necessariamente da Constituição Federal, mas
decorreria de decisão autônoma do constituinte local” (RE
456.679/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; grifei).

Suspender ou declarar inconstitucional os dispositivos das


Constituições estaduais atacadas, a meu ver, ao menos neste juízo
perfunctório, importaria em deixar de aplicar o que dispõe o art. 27, § 1°,
da CF, sem declarar a inconstitucionalidade, ao menos em parte, da
mencionada disposição constitucional.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Inteiro Teor do Acórdão - Página 161 de 165

ADI 5825 MC / MT

Nesse sentido, reputo conveniente dar máximo relevo à informação


dada pelo Eminente Ministro Marco Aurélio, na assentada de 7/12/2017,
segundo a qual o art. 27, § 1°, da CF, é norma que foi inserida no mundo
jurídico pelo Constituinte Originário de 1988, de modo que não se
poderia nem falar sobre a sua inconstitucionalidade, já que o nosso
ordenamento não admite a existência de norma constitucional originária
inconstitucional.

Assim, pelo que foi até aqui exposto, filio-me ao posicionamento já


externado pelos eminentes Ministros Marco Aurélio, Alexandre de
Moraes, Gilmar Mendes e Celso de Mello e, nesse juízo perfunctório, voto
pelo indeferimento das medidas cautelares formuladas nas ADIs
5.823/RN, 5.824/RJ e 5.825/MT.

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Retificação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 162 de 165

08/05/2019 PLENÁRIO

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


5.825 MATO GROSSO

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):


No voto médio que proferi naquela oportunidade, antes de estar
aqui na cadeira de Presidente, levei em consideração a dicção do § 2º do
art. 53, no que se refere à questão da prisão dos membros do Congresso
Nacional:

"§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do


Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante
de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão".

Ou seja, segundo essa dicção, os membros do Congresso Nacional -


deputados federais e senadores - não podem ser presos por ordem
judicial, só podem ser presos em caso de flagrante de crime inafiançável.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Vossa
Excelência me permite? A previsão está no § 1º do artigo 38. Leio: "Desde
a expedição do diploma, os deputados estaduais não poderão ser presos,
salvo” – aí vem a ressalva – “em flagrante de crime inafiançável".
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):
Reproduz o dispositivo da Constituição Federal.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Não sei se
o voto médio teria sentido. Seria para quê?
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):
Ainda não proclamei o resultado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Estou
apenas querendo conhecer o seu voto, porque não me lembro como foi
prolatado quando Vossa Excelência estava na bancada.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):

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Retificação de Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 163 de 165

ADI 5825 MC / MT

Por isso estou fazendo essa referência a meu voto anterior.


O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Sim.
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (PRESIDENTE):
No momento em que votei, na qualidade de voto vogal e não na
qualidade de voto de desempate, sentava na cadeira em que hoje senta
nossa querida e sempre Presidente Cármen Lúcia e votei no sentido de
estabelecer que a Constituição Federal, no § 2º do art. 53, faz referência
aos membros do Congresso quanto à prisão. Em outros dispositivos, em
relação a outras imunidades e inviolabilidades, ela fala em deputados e
senadores. Daí derivei que essa questão relativa à prisão abrangeria
exclusivamente parlamentares federais, e não parlamentares estaduais.
Esse voto restou isolado. Temos dez votos com entendimento
diverso. Então, não vou insistir em minha posição. Na medida em que há
dez colegas que não admitem a possibilidade de se estabelecer uma
diferenciação entre parlamentares federais e parlamentares estaduais,
curvo-me àquilo que entendo estar na Constituição: a imunidade da
prisão, a não ser no caso de flagrante de crime inafiançável, é extensível
aos parlamentares estaduais. Não vou fazer prevalecer minha posição
pessoal estando na cadeira de Presidente deste Tribunal.
Por isso, retifico meu voto para acompanhar, na Medida Cautelar em
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.823, o Relator, Ministro Marco
Aurélio.

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Extrato de Ata - 08/05/2019

Inteiro Teor do Acórdão - Página 164 de 165

PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.825


PROCED. : MATO GROSSO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS
ADV.(A/S) : ALBERTO PAVIE RIBEIRO (07077/DF, 53357/GO)
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE MATO GROSSO

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator),


concedendo a medida cautelar, para fixar interpretação conforme a
Constituição e suspender a eficácia da Resolução 5.211 da
Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, nos termos de seu
voto, e o voto do Ministro Marco Aurélio, que, preliminarmente,
entendia pela carência da ação por ilegitimidade ativa da
requerente, e indeferia a medida cautelar, o julgamento foi
suspenso. Ausentes, justificadamente, os Ministros Roberto Barroso
e Ricardo Lewandowski. Falaram: pela requerente, Associação dos
Magistrados Brasileiros, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; pela
interessada, Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o
Dr. Carlos Antonio Dornellas Filho, Procurador da Assembleia
Legislativa do Estado de Mato Grosso; e, pela Procuradoria-Geral
da República, a Drª. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora-
Geral da República. Presidência da Ministra Cármen Lúcia.
Plenário, 6.12.2017.

Decisão: Após os votos dos Ministros Rosa Weber, Luiz Fux e


Cármen Lúcia (Presidente), acompanhando o voto do Ministro Edson
Fachin (Relator), no sentido de deferir a medida cautelar, para
fixar interpretação conforme a Constituição e para suspender a
eficácia da Resolução 5.211 da Assembleia Legislativa do Estado do
Mato Grosso, nos termos de seu voto, e os votos dos Ministros
Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Celso de Mello, acompanhando
o voto do Ministro Marco Aurélio, no sentido de indeferir a medida
cautelar, e após o voto do Ministro Dias Toffoli, deferindo em
menor extensão a medida cautelar, para suspender a eficácia do
art. 29, § 2º, da Constituição do Estado do Mato Grosso, o
julgamento foi suspenso para colher, em assentada posterior, os
votos dos Ministros ausentes. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski. Plenário,
7.12.2017.

Decisão: O Tribunal, por maioria, indeferiu a medida cautelar,


nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio, Redator para o
acórdão, vencidos os Ministros Edson Fachin, Relator, Rosa Weber,

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Extrato de Ata - 08/05/2019

Inteiro Teor do Acórdão - Página 165 de 165

Luiz Fux, Cármen Lúcia e Roberto Barroso. Nesta assentada, o


Ministro Dias Toffoli (Presidente) retificou seu voto para
acompanhar o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o
Ministro Celso de Mello, que já havia proferido voto em assentada
anterior. Plenário, 08.05.2019.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso,
Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Luciano Mariz Maia.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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