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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 156

22/08/2021 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. GILMAR MENDES
ACÓRDÃO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO
ADV.(A/S) : PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO

Penal e processo Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida


pelo crime de obstrução de justiça. Preliminar de incompetência do
Relator para supervisionar as investigações. Rejeição. Alegação de
inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013. Não acolhimento.
Rejeição da preliminar de nulidade das interceptações telefônicas.
Alegação defensiva de inépcia da inicial pela ausência de
individualização das condutas. Requisitos do art. 41 do CPP. Doutrina.
Precedentes. Acolhimento. Excesso acusatório. Não demonstração do
vínculo direto dos parlamentares denunciados com os fatos descritos.
Impossibilidade de acolhimento da denúncia com base apenas nas
palavras de investigado que adota postura colaborativa. Atipicidade da
conduta de obstrução de justiça ocorrida após o oferecimento da
denúncia. Princípio da legalidade penal e da proibição de analogia in
malam partem. Proibição da alteração da classificação jurídica do crime,
por parte do órgão judicial, em desfavor do réu. Violação ao princípio da
inércia e da imparcialidade. Doutrina e precedentes. Nulidade das provas
produzidas por agente infiltrado sem prévia autorização judicial.

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Ausência de crime nos casos de condutas provocadas. Doutrina.


Precedentes. Súmula 145 do STF. Rejeição da denúncia, nos termos do art.
395, I, II e III, do Código de Processo Penal.
AC ÓRDÃ O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do
Senhor Ministro Nunes Marques, na conformidade da ata de julgamento
e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, rejeitar a denúncia
formulada pela Procuradora-Geral da República em desfavor de Ciro
Nogueira Lima Filho, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e
Márcio Henrique Junqueira Pereira, com fundamento no art. 395, I, II e
III, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Redator para o
acórdão.
Brasília, Sessão Virtual de 13 a 20 de agosto de 2021.
Ministro GILMAR MENDES
Redator para o acórdão
Documento assinado digitalmente

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06/11/2018 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. GILMAR MENDES
ACÓRDÃO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO
ADV.(A/S) : PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Em 15.6.2018, a


Procuradoria-Geral da República ofertou denúncia (fls. 4-27) em desfavor
do Senador da República Ciro Nogueira Lima Filho, Deputado Federal
Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Márcio Henrique
Junqueira Pereira, atribuindo a todos a prática do crime previsto no art.
2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.
De acordo com a incoativa, no ano de 2016, José Expedito Rodrigues
Almeida, pessoa ligada por vínculos profissionais aos parlamentares
federais Ciro Nogueira Lima Filho e Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, prestou 4 (quatro) depoimentos perante a Polícia
Federal, nos quais revela a prática de diversos delitos por parte desses
políticos, presenciados pela referida testemunha ao longo do período em
que lhes prestou serviços.
Rememora a Procuradoria-Geral da República que, no âmbito deste
Supremo Tribunal Federal, Ciro Nogueira, em conjunto com outros

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parlamentares filiados ao Partido Progressista (PP), foi denunciado nos


autos do INQ 4.074 em 16.11.2016, sob a acusação de ter solicitado e
recebido “vantagem indevida de R$ 2 milhões da UTC Engenharia para
favorecer esta empreiteira em obras públicas de responsabilidade do Ministério
das Cidades e do Estado do Piauí” (fl. 6). Nos autos do INQ 3.989, tanto Ciro
Nogueira como Eduardo da Fonte, em conjunto com outros 10 (dez)
parlamentares do Partido Progressista (PP), foram denunciados, no mês
de setembro de 2017, pela suposta prática do delito de organização
criminosa, previsto no art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013. Por fim, os
mesmos parlamentares também são alvos de apurações realizadas nos
autos do INQ 4.631, que se trata de desmembramento do objeto do INQ
3.989.
Esclarece o Ministério Público Federal que, em razão desses
precitados depoimentos, José Expedito foi incluído no programa de
proteção a testemunhas do Ministério da Justiça, no qual permaneceu até
o mês de agosto de 2017, momento em que passou a ser assediado pelo
denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira, ex-deputado federal pelo
Estado de Roraima e pessoa de confiança dos coacusados.
Em continuidade, assevera a acusação que almejando alterar a
versão dada à Polícia Federal por José Expedito, acerca dos fatos
atribuídos a Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, a mando destes últimos,
conforme a acusatória, Márcio Henrique Junqueira Pereira passou a
“prometer-lhe cargo público, casa, pagou-lhe despesas e fez entregas de dinheiro
-, tudo para comprar seu silêncio e, assim, prejudicar investigações em curso
perante o Supremo Tribunal Federal” (fl. 9).
Relata o órgão acusador, na sequência, que diante dessas investidas
de Márcio Junqueira e sentindo-se ameaçado, José Expedito voltou a
procurar a Polícia Federal em 20.2.2018, manifestando sua intenção de
retornar ao programa de proteção a testemunhas, reafirmando as
declarações prestadas no ano de 2016 e detalhando as abordagens até
então ocorridas.
Informa a Procuradoria-Geral da República que, de acordo com o
apurado no decorrer das investigações, a primeira das investidas ocorreu

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no dia 17.10.2017, no aeroporto de Guarulhos/SP, oportunidade na qual


Márcio Junqueira questionou José Expedito acerca do teor dos
depoimentos prestados à Polícia Federal, prometendo ajudá-lo e lhe
entregando R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para custear
pequenas despesas.
No mês de novembro de 2017, José Expedito deslocou-se até
Brasília/DF para encontrar Márcio Junqueira, oportunidade em que
recebeu outros R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), além do valor da
passagem de ônibus, sendo instruído a “desaparecer” (fl. 10). Nessa mesma
ocasião, Márcio Junqueira teria prometido a José Expedito a quantia de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para que permanecesse silente sobre os fatos
outrora relatados, conforme orientação dos codenunciados Eduardo da
Fonte e Ciro Nogueira.
Um novo encontro foi realizado no dia 14.12.2017, também na cidade
de Brasília/DF, ocasião em que José Expedito recebeu R$ 1.500,00 (mil e
quinhentos reais) de Márcio Junqueira, bem como “a orientação
intimidatória para ficar calado e desaparecer, a mando dos dois parlamentares”
(fl. 11). Na oportunidade, também por determinação de Ciro Nogueira e
Eduardo da Fonte, Márcio Junqueira prometeu a José Expedito um
emprego com salário de cerca de R$ 8.000,00 (oito mil reais) “logo que os
processos da Lava Jato acabassem” (fl. 11), bem como a resolução de questão
relacionada à indenização trabalhista em razão dos serviços prestados por
quase 20 (vinte) anos. No decorrer do diálogo surge a ameaça à vida de
José Expedito, quando Márcio Junqueira teria afirmado que “se o
declarante falasse alguma coisa ou gravasse, ele mesmo iria matá-lo, que não
aguardaria sequer ordem dos parlamentares (fl. 19)” (fl. 11).
No fim de dezembro do ano de 2017 foi registrado o quinto
encontro, na cidade de Brasília/DF, quando Márcio Junqueira deu a José
Expedito a quantia de R$ 2.200,00, “pela mesma razão e a mando dos dois
parlamentares denunciados” (fl. 11).
O sexto encontro deu-se entre os dias 10 e 11.2.2018, na cidade de
Campinas/SP, ocasião em que José Expedito e Márcio Junqueira
hospedaram-se no Hotel Meliá, nos apartamentos 228 e 301,

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respectivamente, conforme comprova documentação apreendida nos


autos da AC 4.375. De acordo com as declarações prestadas por José
Expedito, “a conversa com Márcio foi bastante dura, tendo ele reforçado para o
declarante ficar em silêncio, desaparecer e terminantemente proibido de voltar a
Brasília ou Recife” (fl. 12), tendo recebido a quantia de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais).
O sétimo encontro entre José Expedito e Márcio Junqueira ocorreu
em 26.2.2018 e foi monitorado pelas autoridades policiais, em decorrência
de decisões proferidas por este relator nos autos da AC 4.375
(interceptação telefônica) e da AC 4.376 (gravação ambiental e ação
controlada).
Nos diálogos gravados, conforme a Procuradoria-Geral da
República, surgem evidências de que a atuação de Márcio Junqueira na
intimidação a José Expedito dá-se em nome dos parlamentares
codenunciados, que tinham a estratégia de desqualificar os 4 (quatro)
depoimentos prestados à Polícia Federal no ano de 2016 - os quais
instruem as denúncias oferecidas nos autos dos INQ 4.074 e 3.989 -,
“imputando aos policiais a prática de coação” (fl. 14), como se infere do
seguinte trecho colacionado na incoativa:

“(...)
Em dezembro a Federal mandou pra juntar no processo o
teu depoimento. (…) Nós vamos fazer o seguinte, nós vamos
fazer um termo [declaração em cartório], que você foi na
federal, que você está sendo coagido e o caralho, que tão te
pressionando. E deixa essa porra pra lá. E tu resolve se vai ficar
com a Land Rover. (…) Bom, vamos fazer pra acabar (fl. 222)”
(fl. 14).

Na continuidade dessa conversa, Márcio Junqueira faz menção aos


demais codenunciados, Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte; à necessidade
de produção de documento em cartório para a alteração da versão dos
fatos dada por José Expedido à Polícia Federal; promete como
recompensa a sua nomeação a cargo público na Assembleia Legislativa

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do Estado de Roraima, bem como o pagamento de dívidas contraídas por


José Expedito; e, por fim, questiona detalhes das declarações dadas à
Polícia Federal em relação a Elias Manoel da Silva, Marcos José Santos
Meira e Daividson Tolentino de Almeida, pessoas também ligadas aos
parlamentares acusados.
Revela a Procuradoria-Geral da República que o monitoramento
realizado pela autoridade policial (interceptação telefônica) demonstra,
ainda, que no dia 27.2.2018 o denunciado Márcio Junqueira informou que
estaria se deslocando “para a casa do Eduardo lá na trezentos e dois” (fl. 18),
sendo confirmada a sua presença no endereço do denunciado Eduardo da
Fonte - SQN 302, Bloco A, apto 302, Brasília/DF - por meio de pesquisa
em estações de rádio base. No mesmo dia, Márcio teria combinado com
José Expedito a ida ao cartório para a elaboração de documento
infirmando as declarações outrora prestadas à Polícia Federal.
No último encontro, realizado no dia 28.2.2018 em Shopping Center
localizado nesta Capital Federal, os agentes policiais registram a entrega,
por parte de Márcio Junqueira, da quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) a José
Expedito que, por sua vez, lhe entregou 2 (dois) boletos de cobrança,
posteriormente apreendidos, nos valores de R$ 64.450,38 (sessenta e
quatro mil, quatrocentos e cinquenta reais e trinta e oito centavos) e R$
38.615,22 (trinta e oito mil, seiscentos e quinze reais e vinte e dois
centavos). De acordo com a hipótese acusatória, o adimplemento de tais
boletos de cobrança demandaria prévia autorização dos codenunciados
Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, conforme teor de conversa
interceptada no dia 5.3.2018.
Ressalta o Ministério Público Federal que todos os fatos relatados
por José Expedito à Polícia Federal no ano de 2016 revelam atuações
criminosas por parte de Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, pontuando
que foram colhidos elementos de informação sobre “a) a remessa de cem
mil reais da UTC Engenharia (fl. 119 da AC n. 4.383); b) o uso compartilhado de
imóvel para guarnecimento de dinheiro (fl. 123); c) o recebimento de R$ 1,25
milhão pelo advogado Marcos Meira (fl. 124); d) a busca de cinquenta mil reais
junto a Daivdson Tolentino (fl. 126), pessoa indicada por Ciro Nogueira para

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cargo de Diretor de Logística e Saúde do Ministério da Saúde; e) transporte de


seiscentos mil reais pela Pajero blindada (fl. 132), veículo esse pertencente a
Eduardo e a Ciro (fl. 133); e f) a busca de pelo menos R$ 450 mil junto a Julio
Arcoverde, a mando de Ciro e Eduardo” (fl. 20).
Ainda, de acordo com a proposta acusatória, elementos de
informação obtidos por ocasião de busca e apreensão realizada na
residência do denunciado Márcio Junqueira evidenciam a sua
incapacidade financeira para suportar as liberalidades realizadas em
favor de José Expedito, as quais seriam honradas pelos codenunciados
Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte.
Ademais, em cumprimento de busca e apreensão autorizada em
endereço ligado ao denunciado Ciro Nogueira, a autoridade policial
logrou arrecadar “uma folha de papel (item 1) com uma pesquisa sobre JOSÉ
EXPEDITO RODRIGUES DE ALMEIDA” (fl. 22), a qual teria sido
realizada por Marcelo Lopes da Fonte, chefe de gabinete do parlamentar.
Afirma a acusação que a autoridade policial encontrou, ainda, no
telefone celular de Márcio Junqueira, uma conversa mantida com o
denunciado Ciro Nogueira, na qual, dentre outros assuntos, lhe envia os
dados do contato de José Expedito, a evidenciar que o Senador da
República, na visão do órgão acusatório e ao contrário do afirmado à
autoridade policial, ainda mantinha vínculos com a referida testemunha.
Ao final, sustenta a Procuradoria-Geral da República que os
denunciados, Senador da República Ciro Nogueira Lima Filho, Deputado
Federal Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Márcio
Henrique Junqueira Pereira, incorreram na prática do delito previsto no
art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013, requerendo as suas notificações para a
oferta de resposta escrita, bem como o posterior recebimento da incoativa.

2. Regularmente notificados, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990,


os acusados apresentaram tempestivas defesas preliminares.
Por meio de petição protocolizada em 24.8.2018 (fls. 104-113), a
defesa técnica do denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira tece
considerações acerca da relação de amizade mantida com a testemunha

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José Expedito Rodrigues Almeida ao longo de aproximadamente 14


(catorze) anos, a qual justificaria as liberalidades realizadas em seu favor.
Argumenta, de outro lado, que a referida testemunha teria
procurado a Polícia Federal motivada por interesses materiais no âmbito
do Programa de Proteção do Ministério da Justiça, razão pela qual suas
declarações não seriam dignas de credibilidade, assentando que maiores
considerações sobre o teor das acusações serão declinadas “com o deslinde
de futura ação penal” (fl. 113).
Na sequência, em petição protocolizada em 16.9.2018 (fls. 185-220), a
defesa de Eduardo Henrique da Fonte de Albuquerque Silva sustenta,
preliminarmente, a incompetência desta relatoria, diante da inexistência
de conexão entre o crime de organização criminosa e o delito aqui
denunciado, previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.
Alega que a conduta descrita na exordial acusatória é atípica, pois, à
época dos fatos (outubro de 2017 a março de 2018), nos autos dos INQ
4.074 e INQ 3.989, a Procuradoria-Geral da República já teria ofertado
denúncia em relação aos fatos neles apurados, não se subsumindo ao tipo
penal invocado eventual embaraço praticado na fase processual da
persecutio criminis. No tocante ao INQ 4.631, destaca que a própria
autoridade policial esclarece em seu relatório final que os atos atribuídos
aos denunciados não se voltaram contra o seu objeto, sendo impossível se
falar, portanto, em ação ilícita.
Afirma, ademais, que a Procuradoria-Geral da República, ao deixar
de incluir na denúncia José Expedito, firmou o entendimento pela
atipicidade da sua conduta. Defende, nessa linha, que como o único capaz
de alterar o conteúdo do depoimento prestado perante a Polícia Federal
seria o próprio José Expedito, eventual ação de obstrução às
investigações, na modalidade denunciada, se constituiria em delito de
mão própria, nos quais não se admite a coautoria.
Partindo da mesma premissa, no sentido de que a conduta de José
Expedito foi considerada atípica pelo órgão acusatório, sustenta que a
ação da aludida testemunha voltou-se apenas a provocar conversas e
encontros com o denunciado Márcio Junqueira, o que indicaria a

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existência de flagrante preparado, não admitido no ordenamento jurídico


pátrio, a demandar o desentranhamento dos autos das provas produzidas
nos respectivos encontros.
A defesa impugna, ainda, a prova produzida por intermédio de
interceptação telefônica, diante da alegada não observância do seu caráter
subsidiário, conforme preconiza o art. 2º, II, da Lei 9.296/1996, porque a
medida foi requerida de forma concomitante com a ação controlada,
circunstância que revelaria a existência de outros meios disponíveis à
elucidação dos fatos.
Defende, ademais, que a ação controlada, deferida a pedido da
autoridade policial, revestiu-se de caracteres próprios da medida de
infiltração de agentes, porquanto existiu interação por parte de José
Expedito com o investigado Márcio Junqueira, e não um mero “esperar”
(fl. 202) por parte dos investigadores. Nesse sentido, sustenta que o
procedimento foi ilegal, pois a infiltração deve se dar por agentes
policiais, o que não ocorreu no caso.
Tece considerações, ainda, sobre a relação mantida entre Eduardo da
Fonte e José Expedito, o teor dos depoimentos por este prestados à Polícia
Federal, atribuindo-lhe a qualidade de colaborador da justiça,
circunstâncias que, aliadas ao seu perfil traçado na peça defensiva,
denotariam a ausência de justa causa à deflagração da ação penal, diante
da fragilidade dos elementos de informação colhidos no decorrer das
investigações.
Enfatiza que José Expedito seria analfabeto funcional, razão pela
qual não seriam válidas as declarações prestadas em sede policial sem a
assistência de um advogado ou de um intérprete, diante da
impossibilidade de se “atestar que efetivamente narrou o conteúdo consignado
nos documentos” (fl. 205).
Por fim, renova o argumento da atipicidade das condutas narradas
na exordial, perante alegada falta de início da execução do crime
imputado, pois “a testemunha que alteraria sua narrativa não chegou sequer a
cogitar de praticar o ato, dirigindo-se à Polícia Federal para relatar o ocorrido”
(fl. 217).

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Pelas razões expostas, requer a defesa técnica de Eduardo Henrique


da Fonte de Albuquerque Silva, preliminarmente, a livre redistribuição
dos autos. No mérito, pugna pela rejeição da denúncia, seja em razão da
sustentada atipicidade da conduta ou da ausência de suporte indiciário
mínimo. Subsidiariamente, pretende o desentranhamento destes autos
das AC 4.375 e AC 4.376, diante da nulidade das provas nelas produzidas,
bem como dos termos de declarações prestados por José Expedito à
autoridade policial sem a assinatura de advogado.
A resposta à acusação promovida pela defesa técnica de Ciro
Nogueira Lima Filho, protocolizada em 14.9.2018 (fls. 223-293), argui,
como preliminar, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei
12.850/2013, por disciplinar tipo penal indeterminado, o que violaria o
princípio da legalidade estrita previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituição
Federal.
Ainda em sede prefacial, afirma que a exordial acusatória é
formalmente inepta, já que não descreveria de forma individualizada a
conduta delituosa atribuída ao denunciado.
Aventa, na sequência, a inépcia material da incoativa, pois,
repisando o acusado Eduardo da Fonte, à época dos fatos (outubro de
2017 a março de 2018), nos autos dos INQ 4.074 e INQ 3.989, a
Procuradoria-Geral da República já teria ofertado denúncia em relação
aos fatos neles apurados, não se subsumindo ao tipo penal invocado
eventual embaraço praticado na fase processual da persecutio criminis. Da
mesma forma, no tocante ao INQ 4.631, destaca que a própria autoridade
policial esclareceu em seu relatório final que os atos atribuídos aos
denunciados não se voltaram contra o seu objeto.
Alega, também, a ausência de justa causa à deflagração da ação
penal, aduzindo que os elementos indiciários coletados no decorrer da
investigação criminal não se revelam suficientes para afirmar a prática de
atos atribuíveis ao denunciado tendentes a obstruir os trabalhos
investigativos voltados à apuração de infrações penais envolvendo
organização criminosa.
Tece considerações acerca dos depoimentos prestados por José

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Expedito, a quem atribui a qualidade de colaborador, bem como pelo


denunciado Márcio Junqueira para defender que não há nos autos
qualquer indício de sua vinculação aos fatos narrados na denúncia.
Sustenta, como tese subsidiária, que o delito previsto no art. 2º, § 1º,
da Lei 12.850/2013 só pode ter como sujeito ativo um terceiro que não
tenha incorrido em algum dos núcleos do próprio crime de organização
criminosa, previsto no caput do aludido dispositivo, porquanto em
relação a estes, eventuais práticas visando ao embaraço das investigações
se dariam sob o manto da garantia à não autoincriminação, tratando-se,
portanto, de conduta atípica ou de “post factum impunível” (fl. 286).
Por essas razões, requer, preliminarmente, a declaração incidental de
inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013, com a
consequente rejeição da denuncia por atipicidade da conduta.
Subsidiariamente, pretende o reconhecimento da inépcia formal ou
material da incoativa, seja em razão da ausência de descrição detalhada
da conduta atribuída ao denunciado, seja pela apontada falta de justa
causa para a deflagração da ação penal. Ainda, de forma subsidiária,
postula sua absolvição sumária, em função “do reconhecimento do exercício
regular de direito, fundado no direito à não autoincriminação e não dupla
imputação” (fl. 293), reservando-se o direito de enfrentar o mérito da
acusação em caso de recebimento da exordial.

3. Por meio de petição protocolizada em 15.10.2018 (fls. 310-346), a


Procuradoria-Geral da República refuta todos os argumentos declinados
pelos denunciados nas respectivas peças defensivas, requerendo o
integral recebimento da denúncia.
Em 31.10.2018 foi publicado o relatório do feito, nos termos e para
fins do art. 87, IV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
É o relatório.

10

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06/11/2018 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Principio


rememorando que a incoativa ofertada nestes autos pela Procuradoria-
Geral da República atribui ao Senador da República Ciro Nogueira Lima
Filho, ao Deputado Federal Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque
Silva e a Márcio Henrique Junqueira Pereira a prática do crime previsto
no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013, norma penal que tipifica a conduta de
impedir ou embaraçar investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.
Nas respectivas peças defensivas, os denunciados suscitam diversas
questões preliminares ao juízo de mérito proposto neste momento da
persecutio criminis, qual seja, o de viabilidade das acusações expostas na
denúncia, as quais passo ao exame por ordem de prejudicialidade.

2. Preliminares.

2.1. Ausência de prevenção e incompetência deste Relator.


O denunciado Eduardo Henrique da Fonte de Albuquerque Silva
afirma, de início, a inexistência de conexão entre a imputação do delito de
obstrução às investigações de infração penal que envolva organização
criminosa com o próprio ilícito previsto no caput do art. 2º da Lei
12.850/2013, circunstância que, a seu ver, afastaria a prevenção registrada
nestes autos e demandaria a sua livre distribuição.
Conforme destacado, inclusive, pela defesa técnica, em despacho
proferido aos 21.6.2018 (fls. 42-47), submeti essa referida questão, atinente
à distribuição destes autos, à então Presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ministra Cármen Lúcia, que, em decisão proferida em 28.6.2018
(fls. 56-63), definiu pela existência de conexão dos fatos narrados na
denúncia aqui ofertada com o objeto dos INQ 3.989, INQ 4.074 e INQ

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4.631, nos seguintes termos:

“(...)
6. Assim, no presente inquérito se imputa aos denunciados
eventual prática delito de obstrução à investigação de infração
penal que envolva organização criminosa (art. 2º, § 1º, da Lei n.
12.850/2013), no que se refere aos Inquéritos n. 3.989, 4.074 e
4.631, todos de relatoria do Ministro Edson Fachin.
7. Portanto, neste momento, com os fatos que até aqui
esclarecidos, deve incidir o definido como competência por
conexão, prevista no art. 76, inciso II, do Código de Processo
Penal:
(…)
Assim, esses autos deverão permanecer com o Ministro
Edson Fachin, por conexão aos Inquéritos nº 3989/STF, 4074/STF
e 4631/STF, de Relatoria de Sua Excelência, nos termos do
disposto no art. 69 do Regimento Interno deste Supremo
Tribunal” (fls. 61-62).

Assentada, portanto, a correção na distribuição dos autos por


prevenção, relembro que a jurisprudência da Corte compreende que
questões dessa natureza associam-se à organização interna do Tribunal,
tendo conteúdo de mera deliberação de expediente. Desse modo,
reconhece a irrecorribilidade do pronunciamento da Presidência do
Supremo Tribunal Federal no que se refere a temas pertinentes à
distribuição por prevenção, em que a parte questiona a competência entre
Ministros. Cito: AP 493-AgR-segundo, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário,
DJe 12.11.2012; HC 115.468-AgR-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
Plenário, DJe 19.11.2013. E ainda:

“Agravo regimental no agravo regimental em petição.


Despacho que reconhece a existência, ou não, de prevenção a
determinado ministro para relatoria de processos. Inexistência
de lesividade ao interesse das partes. Manutenção das
circunstâncias fáticas. Decisão agravada fundamentada na

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jurisprudência desta Corte. Agravo improvido. I - O despacho


que reconhece a existência, ou não, de prevenção a
determinado Ministro para relatoria de processos, em respeito
às normas regimentais de organização interna e à legislação
processual, não possui conteúdo capaz de lesar direito da
parte. II - O agravo regimental que não impugna todos os
fundamentos da decisão agravada e se limita a reiterar os
argumentos apresentados anteriormente. III - Agravo
regimental a que se nega provimento” (PET 5.614 AgR-AgR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski (Presidente), Tribunal Pleno,
julgado em 19.8.2015) (g.n.).

“RECURSO. Agravo Regimental. Habeas Corpus. Decisão


que não reconhece a existência de prevenção. Ato de mero
expediente. Falta de lesividade. Ato processual insuscetível
de causar gravame às partes. Incidência do art. 504 do CPC.
Agravo regimental não conhecido. É inadmissível agravo
regimental contra despacho que não reconhece a existência de
prevenção” (HC 89.965 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso
(Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 7.12.2011 (g.n.).

Do exposto, uma vez reconhecida pela Presidência desta Corte a


conexão entre os fatos tratados neste inquérito com o objeto de outros
procedimentos que tramitam sob esta relatoria, não há espaço para a
reanálise dos fundamentos declinados na aludida decisão, o que afasta
qualquer alegação de ofensa ao princípio do juiz natural, previsto no art.
5º, LIII, da Constituição Federal.
Por tais razões, rejeito a preliminar suscitada.

2.2. Inépcia formal da incoativa.


A defesa técnica do acusado Ciro Nogueira Lima Filho suscita,
também em sede preliminar, a inépcia formal da denúncia ofertada pela
Procuradoria-Geral da República, assentando em apertada síntese, que a
peça objurgada não descreve de forma individualizada a conduta que lhe
é atribuída, desatendendo ao comando normativo previsto no art. 41 do

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Código de Processo Penal, o que impediria ou dificultaria o exercício do


direito de defesa em juízo.
Afirma, nesse sentido, que a incoativa não expõe qualquer vínculo
entre os denunciados, tampouco indica circunstâncias concretas aptas a
sustentar eventual ordem para impedir ou embaraçar as investigações em
curso perante este Supremo Tribunal Federal, aduzindo que o seu “nome
foi usado por terceiros” (fl. 236).
Ao reverso dessa hábil argumentação, tenho que a denúncia
apresenta descrição suficiente das condutas supostamente ilícitas
atribuídas aos acusados, demonstrando-se formalmente apta ao exercício
do direito à ampla defesa garantido pelo art. 5º, LV, da Carta Política.
Com efeito, no introito da peça acusatória, a Procuradoria-Geral da
República identifica os procedimentos investigativos que tramitam
perante este Supremo Tribunal Federal e que têm como alvos os
parlamentares Ciro Nogueira Lima Filho e Eduardo Henrique da Fonte
de Albuquerque Silva, a saber, os INQ 4.074, INQ 3.989 e INQ 4.631.
Destaco, desde logo, que no INQ 3.989 a Procuradoria-Geral da
República ofertou denúncia no mês de setembro de 2017, atribuindo a
Ciro Nogueira, Eduardo da Fonte e mais outros 10 (dez) parlamentares
filiados ao Partido Progressista (PP), atualmente denominado
Progressistas, a prática do crime de organização criminosa, previsto no
art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013.
Pontua a exordial acusatória, ainda, que esses 3 (três)
procedimentos indicados detêm, como elemento comum, o testemunho
de José Expedido Rodrigues Almeida, o qual prestou serviços aos
aludidos parlamentares e, nessa qualidade, “observou a prática de diversos
crimes (…) todos relacionados à atividade política dos dois” (fl. 8).
Afirma a denúncia que, a partir do dia 27.9.2016, José Expedito
prestou 4 (quatro) depoimentos à Polícia Federal, detalhando os delitos
atribuídos aos parlamentares e apresentando provas de corroboração
dessas afirmações, material que foi juntado aos autos do INQ 3.989, no
qual foi arrolado como testemunha, assim como o foi na denúncia
ofertada nos autos do INQ 4.074.

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Narra a acusatória que, após essas declarações, a vida de José


Expedito passou a ser ameaçada pelos parlamentares Ciro Nogueira e
Eduardo da Fonte, razão pela qual foi aquele incluído no Programa de
Proteção a Vítimas e Testemunhas do Ministério da Justiça ainda no ano
de 2016, permanecendo até o segundo semestre de 2017.
A partir desse ponto, a incoativa especifica os fatos praticados pelo
denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira, a mando, segundo a
Procuradoria-Geral da República, dos coacusados, tudo com intento de
modificar os depoimentos prestados por José Expedito à Polícia Federal,
os quais instruem as mencionadas apurações que tramitam nesta
Suprema Corte. Tal tarefa, esclarece-se, teria sido incumbida ao acusado
Márcio Junqueira, ex-Deputado Federal pelo Estado de Roraima, pelo
vínculo partidário formado com os outros parlamentares denunciados,
destacando a Procuradoria-Geral da República, ainda, que já trabalhara
como assessor de Eduardo da Fonte.
Na sequência, o Ministério Público Federal descreve um total de 8
(oito) abordagens feitas pelo denunciado Márcio Junqueira a José
Expedito, nas quais procurou inteirar-se do teor das declarações
prestadas à Polícia Federal no ano de 2016, entregando-lhe quantias em
dinheiro, fazendo promessas de emprego e de investidura em cargo
público, bem como de quitação de dívidas, ameaçando-lhe, inclusive, a
vida. Em contrapartida, o referido acusado exigiu de José Expedito a
alteração dos aludidos depoimentos, por meio de escritura pública a ser
lavrada em cartório, além do compromisso de não mais aparecer nas
cidades de Brasília/DF ou Recife/PE.
Aduz a denúncia que, diante de todas essas investidas por parte do
acusado Márcio Junqueira, em 20.2.2018 José Expedito voltou a procurar
a Polícia Federal, oportunidade em que externou detalhes acerca dos 6
(seis) encontros já ocorridos. A partir desse contexto, foram autorizadas
por esta relatoria a interceptação de comunicações telefônicas, bem como
a gravação ambiental e a medida de ação controlada, por meio das quais
se tornou possível o registro, em detalhes, das últimas abordagens.
Como se deflui dessa síntese, possível se constatar que o Ministério

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Público Federal desincumbiu-se do ônus de expor as condutas que


entende por delituosas, descrevendo-as de forma detalhada, indicando as
ações de cada um dos denunciados que se amoldariam ao tipo penal
capitulado.
Atendidos, portanto, os requisitos mínimos exigidos pelo art. 41 do
Código de Processo Penal, pressuposto básico ao exercício da ampla
defesa, anotando-se que a lei impõe tão só a descrição lógica e coerente
do contexto fático, a fim de permitir aos acusados a compreensão das
imputações e o exercício amplo do contraditório, o que, insisto, ocorre na
hipótese.
Ressalto, aliás, que a ordem constitucional vigente impõe ao dominus
litis a indicação de modo nítido e preciso dos fatos penalmente relevantes
que possam ser atribuídos aos acusados e suas respectivas circunstâncias,
não podendo ser considerada, então, “inepta a denúncia que, em respeito ao
art. 41 do Código de Processo Penal, descreve o fato imputado ao réu com todas
as circunstâncias que possibilitem a individualização da conduta e o exercício da
ampla defesa” (AP 971, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe
11.10.2016). Outros precedentes:

“Ação penal. Inexigência de licitação (art. 89, caput e


parágrafo único, da Lei nº 8.666/93). (…) 5. Denúncia. Inépcia
não configurada. Descrição suficiente do fato criminoso e de
suas circunstâncias, a ensejar o pleno exercício do direito de
defesa (…)” (AP 560, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma,
julgado em 25.8.2015).

“Inquérito. Competência originária. Penal e Processual


Penal. (…) 9. Inépcia da denúncia. São aptas as denúncias que
descrevem suficientemente os fatos e a contribuição dos
imputados (...)” (INQ 3.204, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda
Turma, julgado em 23.6.2015).

Com arrimo nos fundamentos expostos, indefiro a proemial de


inépcia formal da denúncia.

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2.3. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.


Argui a defesa do acusado Ciro Nogueira Lima Filho que o tipo
penal indicado como incurso pelos fatos narrados na denúncia seria
inconstitucional, por ofensa ao princípio da legalidade estrita, previsto no
art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal.
Afirma, nessa direção, que o núcleo “embaraçar” constante no § 1º do
art. 2º da Lei 12.850/2013 “pode abranger quaisquer condutas que o Juízo
entenda reprováveis” (fl. 229), tratando-se, por isso, de norma penal
indeterminada não admitida pela ordem constitucional vigente.
Nada obstante os argumentos defensivos, não visualizo que o delito
de obstrução às investigações de infração penal que envolva organização
criminosa padeça do vício apontado.
Com efeito, não se olvida que o postulado da determinação, como
corolário do princípio da legalidade estrita que vige no âmbito do Direito
Penal pátrio, é destinado ao Poder Legislativo no processo de eleição e
tipificação das condutas que ofendem os bens jurídicos mais sensíveis ao
convívio em sociedade e que exigem, pela sua importância, a imposição
de sanções que interferem no direito de locomoção do infrator.
Logo, em nome da segurança jurídica na responsabilização criminal,
ultima ratio no ordenamento jurídico em vigor, exige-se do legislador o
maior grau de determinação possível nas ações que, verificadas no plano
dos fatos, amoldam-se ao tipo penal criado à incidência do seu respectivo
preceito secundário.
A par disso, mesmo no âmbito do Direito Penal, não está o
magistrado dispensado do processo de interpretação dos dispositivos
legais incidentes em determinado caso submetido à prestação
jurisdicional, devendo extrair dos seus termos os significados que se
coadunam com o objeto de tutela da norma penal.
Na espécie, o legislador ordinário estendeu a reprimenda prevista
para o delito de organização criminosa ao agente que “impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa”, visando, assim, resguardar a administração da
justiça no seu múnus de elucidar e prestar a jurisdição sobre os fatos que

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se adequam ao referido tipo penal.


Tendo a administração da justiça como o objeto de tutela do delito
em análise, o emprego do verbo “embaraçar” na redação do respectivo
dispositivo legal não causa qualquer confusão na obtenção do seu
significado quando interpretado em conjunto com as garantias
constitucionais dispostas em favor do acusado, das quais, aliás, não pode
se desvencilhar o intérprete.
Nesse sentido, a norma penal em análise proíbe a prática de atos
tendentes a obstar, ao arrepio do devido processo legal, os atos
investigativos voltados à elucidação de crimes de organização criminosa,
excluindo-se do seu âmbito de proteção as condutas que representam
exercício legítimo do direito de defesa.
A partir dessa constatação, o tipo penal previsto no art. 2º, § 1º, da
Lei 12.850/2013 não é eivado pela alegada indeterminação, porquanto
possibilita ao seu destinatário o prévio conhecimento do comando
proibitivo nele contido, mormente porque o direito de defesa, assim como
qualquer outra garantia e mesmo na amplitude prevista na Constituição
Federal, não é absoluto e não comporta excessos que interfiram na
escorreita prestação jurisdicional.
Desse modo, afasto eventual pecha de inconstitucionalidade do tipo
penal capitulado na incoativa.

2.4. Nulidade das provas.


Insurge-se a defesa de Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque
Silva em face das provas produzidas por meio de interceptações
telefônicas e de ação controlada, apontando ilicitudes que as tornariam
imprestáveis à formação do juízo de admissibilidade da denúncia
ofertada nestes autos.
Tratando-se de temas prejudiciais à análise da questão de mérito da
viabilidade do recebimento da peça acusatória, examino a argumentação
ainda em sede preliminar.

2.4.1. Interceptação telefônica.

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Sustenta o denunciado Eduardo da Fonte que o deferimento da


interceptação telefônica, nos autos da AC 4.375, não observou o princípio
da subsidiariedade, nos termos do art. 2º, II, da Lei 9.296/1996, ao
fundamento da existência de outro meio disponível à produção da prova
pretendida pela autoridade policial, consubstanciado na medida cautelar
de ação controlada, autorizada, inclusive, nos autos da AC 4.376.
De fato, não se olvida que o caráter subsidiário da interceptação
telefônica volta-se para a tutela do sigilo previsto no art. 5º, XII, da
Constituição Federal, cuja violação é admitida apenas excepcionalmente e
desde que respeitados os requisitos previstos na Lei 9.296/1996. Dentre
esses, como sabido, encontra-se a vedação à interceptação telefônica
quando a prova pretendida possa ser angariada por outros meios
disponíveis.
A par dessa premissa, tal subsidiariedade não deve ser examinada
apenas no contexto global de determinada investigação, de modo a
interpretar-se o dispositivo em análise como uma proibição da sua
utilização caso qualquer outro meio de obtenção de prova seja possível de
ser empregado, ainda que não visem o esclarecimento das mesmas
nuances fáticas que permeiam as apurações.
Em outras palavras, dentre o espectro de fatos que devem ser objeto
de apuração pelas autoridades com atribuição ao combate à
criminalidade, mormente nas hipóteses que contam com pluralidade de
agentes ou de condutas praticadas, como ocorre no caso, a interceptação
telefônica pode, e deve, ser direcionada à coleta de provas acerca de
circunstâncias sobre as quais não seria possível o descortinamento
mediante a utilização dos meios ordinários.
Na hipótese, a utilização concomitante da interceptação telefônica e
da ação controlada não pode ser vista como violação ao primado da
subsidiariedade, uma vez que cada um dos meios empregados tinha a
finalidade de busca de elementos probatórios sobre circunstâncias
específicas dos fatos investigados.
Nessa linha, o objeto de apuração por parte da autoridade policial
não se resumia às abordagens do acusado Márcio Junqueira sobre José

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Expedito, para estimular a alteração das declarações dadas à Polícia


Federal no ano de 2016. Também se desejava, de outro lado,
esclarecimentos e coleta de provas sobre o vínculo de Márcio Junqueira
com os demais denunciados, Eduardo da Fonte e Ciro Nogueira, os quais,
segundo a linha de investigação adotada, seriam os verdadeiros
interessados e os mandantes dos atos tendentes a obstruir as
investigações.
Logo, diante da notícia de que um novo encontro entre o
denunciado Márcio Junqueira e José Expedito aconteceria nos dias
subsequentes, a autoridade policial representou postulando autorização
para adotar a ação controlada, visando a obtenção de detalhes sobre o
teor das abordagens e de provas acerca dos pagamentos que eram
realizados e do seu real motivo. Nada ostante, ainda no contexto desses
encontros iminentes, representou também pela interceptação telefônica
de determinados alvos, visando justamente demonstrar e esclarecer,
repiso, as circunstâncias sobre os vínculos mantidos entre o acusado
Márcio Junqueira e os parlamentares denunciados. Infere-se excerto
extraído da respectiva peça policial:

“(...)
Os últimos diálogos telefônicos mantidos com MÁRCIO
JUNQUEIRA, ocorridos na manhã de ontem, ficou acertado que
JOSÉ EXPEDITO o encontraria em um hotel na cidade de São
Paulo/SP. Neste próximo encontro, que está previsto para os
próximos dias, há indicação que JOSÉ EXPEDITO receberá mais
um pagamento; serão tratados novos termos para que
mantenha o absoluto silêncio nas investigações da Operação
Lava Jato e muito possivelmente será reforçada a orientação
para que permaneça afastado de Brasília e Recife. Segundo o
próprio declarante, existe ainda a possibilidade de que seja
novamente recrutado para missões de transporte de valores em
espécie, uma vez que, na visão dos criminosos, o envolvimento
direto do declarante nesse tipo de ação ilícita, sempre
acompanhado e observado por pessoas de confiança dos
superiores, reforça a garantia de silêncio frente às autoridades.

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Importa registrar que as tratativas entre JOSÉ EXPEDITO e


MÁRCIO JUNQUEIRA, conforme dados apresentados, estão
avançando para agendamento de local e data precisa para
entrega de valor destinado a compra do silêncio do nominado
colaborador, exsurgindo desta iminente ocasião a possibilidade
de registro do encontro, visando a materialização de
pagamentos, confirmação de vínculos e atividade ilícita de
parlamentares já investigados, o que pode caracterizar crime de
obstrução de justiça (Art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº
12.850/2013)” (fls. 10-11, do apenso 1 - destaquei).

Conclui-se, desse modo, que os dois meios de obtenção de prova -


ação controlada e interceptação telefônica -, embora de forma
concomitante, foram utilizados para finalidades distintas, com intuito de
esclarecer diferentes circunstâncias fáticas que compunham a linha de
investigação da autoridade policial, demonstrando-se imprescindível a
utilização de ambas à revelação do vínculo existente entre o denunciado
Márcio Junqueira e os parlamentares Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte,
providência para a qual apenas a ação controlada não se mostraria eficaz.
Averbou esta Suprema Corte:

“HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.


PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE
OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. (…) Não configuração de
desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96. 2. A interceptação
telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos
fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos,
oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento
investigatório normal da polícia. Ademais, a interceptação
telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio
dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias
que envolverem os denunciados (…)” (HC 83.515, Rel. Min.
Nelson Jobim (j. 16.9.2004).

Com essas considerações, afasto a alegação de nulidade das

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interceptações telefônicas.

2.4.2. Ação controlada.


Sustenta a defesa de Eduardo da Fonte, ainda, que as diligências
concebidas como ação controlada revelaram o caráter de infiltração de
agentes, embora a decisão que a autorizou não tenha observado os
respectivos requisitos legais a essa modalidade de providência cautelar
penal.
O raciocínio defensivo parte do pressuposto de que a atividade
policial não se limitou à observação e acompanhamento das supostas
práticas delituosas, adotando uma “interação ativa” mediante intervenções
de José Expedito, as quais não se coadunariam com a natureza jurídica da
ação controlada.
Todavia, essa tese sucumbe à percepção de que José Expedito, além
de não se tratar de agente policial, já vinha sendo alvo de aliciamento por
parte do acusado Márcio Junqueira desde o momento em que deixou o
Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas do Ministério da Justiça,
no mês de outubro de 2017, até procurar a Polícia Federal para relatar as
abordagens e solicitar, pela segunda vez, a sua inclusão no referido
programa, diante das ameaças recebidas.
À luz dessa perspectiva exposta na exordial acusatória, a autoridade
policial, ciente da iminente ocorrência de um novo encontro com o
denunciado Márcio Junqueira, no qual, provavelmente, seriam realizadas
novas investidas para incentivar José Expedito a alterar o teor de suas
declarações, representou pela ação controlada visando a postergação da
prisão em flagrante em benefício da eficácia probatória, nos termos do
art. 8º da Lei 12.850/2013.
Portanto, não há, no caso, qualquer confusão entre os institutos
processuais penais, já que as condutas supostamente delituosas eram
direcionadas ao próprio José Expedito, a quem a defesa pretende atribuir
a condição de infiltrado, embora se trate, na verdade, da pessoa que
suportou os atos tendentes à obstrução das investigações.
Rechaço a arguição de invalidade das provas obtidas por intermédio

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da ação controlada, trazendo à baila precedente antigo da lavra do Min.


Marco Aurélio que já defendia o instituto:

“AÇÃO CONTROLADA – AMBIVALÊNCIA -


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. A denominada ação controlada
surge ambivalente, não devendo ser glosada em se tratando do
dia a dia da Administração Pública, em que os desvios de
conduta são escamoteados (...)” (Primeira Turma, j. 5.4.2011).

3. Mérito.
Superadas as prefaciais suscitadas pelas defesas de Eduardo
Henrique da Fonte de Albuquerque Silva e Ciro Nogueira Lima Filho,
volta-se à análise da viabilidade da proposta acusatória à luz do
ordenamento jurídico pátrio, das circunstâncias fáticas delineadas na
denúncia e dos elementos de informação obtidos no decorrer dos
trabalhos investigativos.
Como visto, a Procuradora-Geral da República atribui aos aqui
denunciados a prática do delito previsto no art. 2º, § 1º, da Lei
12.850/2013, verbis:

“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem
prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa” (g. n.).

Como já assentei a constitucionalidade do dispositivo em tela,


cumpre perquirir se, a partir da descrição fática exposta na denúncia, há
justa causa à deflagração da ação penal, consubstanciada na aptidão de
subsunção dos fatos à norma incriminadora e na existência de elementos
indiciários mínimos e suficientes à atribuição da autoria delitiva aos
denunciados.

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3.1. Atipicidade dos fatos.


Nessa ambiência, as defesas técnicas dos acusados Eduardo da Fonte
e Ciro Nogueira afirmam que os fatos descritos na incoativa seriam
atípicos, tendo em vista que os atos de embaraço não se deram no curso
de investigação de infração penal que envolvia organização criminosa,
mas sim, na fase processual da persecutio criminis, não abarcada, segundo
seus argumentos, pelo tipo penal invocado.
Para tanto, sustentam que, à época dos fatos, delimitados na exordial
em análise como ocorridos entre outubro de 2017 a março de 2018, a
Procuradoria-Geral da República já havia oferecido denúncia sobre o
objeto de apuração nos autos dos INQ 4.074 e INQ 3.989, em 16.11.2016 e
4.9.2017, respectivamente. Ao lado disso, a autoridade policial consignou,
de forma expressa, que os atos denunciados não se voltaram contra as
investigações realizadas nos autos do INQ 4.631.
Concluem, portanto, que tendo o legislador utilizado o termo
“investigação” ao tipificar a conduta em análise, não seria possível,
segundo as técnicas de interpretação de leis aplicáveis ao Direito Penal, a
consumação do crime na fase posterior, em que judicializada a pretensão
punitiva estatal, o que redundaria no juízo de atipicidade das condutas
narradas nestes autos.
Nada obstante esse respeitável raciocínio, a melhor exegese do art.
2º, § 1º, da Lei 12.850/2013 não comporta tal interpretação externada pelas
defesas técnicas, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade,
na acepção da proibição da proteção deficiente do bem jurídico tutelado
pela norma penal em comento.
Com efeito, à medida em que o crime de organização criminosa,
previsto no caput do art. 2º da Lei 12.850/2013, destina-se a tutelar a paz
pública, cuidando-se, por isso, de delito de perigo abstrato, o tipo penal
contido no seu § 1º é voltado à tutela da administração da justiça, visando
a escorreita apuração e, consequentemente, responsabilização de agentes
que, dolosamente, se organizam de forma estruturada para a prática de
ilícitos.

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Ao selecionar a administração da justiça como bem jurídico sensível


aos anseios da sociedade brasileira e apto, portanto, a ser tutelado como
ultima ratio pelo Direito Penal, o legislador ordinário visa a tipificação de
condutas para a proteção da prestação jurisdicional como um todo,
viabilizando-a, assim, como legítimo instrumento de pacificação social, a
qual deve incidir de forma ampla sobre a integralidade dos atos que
dizem respeito à parcela do poder estatal atribuído pelo Constituinte
Originário ao Poder Judiciário.
Ademais, não se pode olvidar que no âmbito do processo penal
pátrio a jurisdição estatal é prestada sobre a completude do acervo
probatório produzido nos autos, não sendo vedada ao magistrado a
utilização dos elementos de informação produzidos no decorrer das
investigações policiais à formação do seu convencimento, desde que deles
não se valha de forma exclusiva, conforme norma expressa do art. 155,
caput, do Código de Processo Penal.
Assim, destinando-se o art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013 a tutelar a
administração da justiça, e sendo certo que os elementos de informação
obtidos no curso das investigações serve-se à formação do convencimento
do magistrado no exercício da prestação jurisdicional, eventuais condutas
dolosas tendentes ao embaraçamento dos atos de investigação já
praticados também se incluem no âmbito de proteção da norma penal,
diante da amplitude conceitual que deve ser emprestada ao bem jurídico
protegido.
Confira-se a lição de Luiz Regis Prado:

“(...)
Insta, porém, investigar o conteúdo da expressão
‘administração da justiça’, que não deve ser entendida de forma
restrita, mas, sim, em sentido amplo, como atividade da justiça
teleologicamente considerada. À vista disso, os delitos contra a
administração da justiça não têm como endereço somente a
atividade judiciária. Tanto é que estão arrolados no capítulo
próprio do Código, fatos que atacam a atividade judiciária
(falso testemunho ou falsa perícia); a autoridade das decisões

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judiciais (reingresso de estrangeiro expulso) e a tutela jurídica


(exercício arbitrário das próprias razões e poder).
A diretiva conferida pelo legislador ao termo justiça é,
nesse passo, bem mais abarcante, extrapolando os tapumes da
mera noção de jurisdição. É o que Manzini enfatiza ao dizer que
o objeto genérico da tutela penal reside no interesse da
administração da justiça em sentido latíssimo” (Curso de Direito
Penal Brasileiro, v. 2. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2017. p. 881).

Desse modo, o crime em análise também tutela o produto das


investigações, o qual integra, insisto, os elementos de conhecimento sobre
os quais o juiz formará o seu convencimento, motivo pelo qual, ainda que
deflagrada a fase processual, eventuais condutas tendentes a embaraçar
os atos investigativos já produzidos amoldam-se ao tipo penal, que tem
por bem jurídico tutelado, como visto, a administração da justiça.
Convém ressaltar, de passagem, que embora seja certo que o Direito
Penal pátrio é regido pelo princípio da legalidade estrita, que serve como
limite à atuação jurisdicional na responsabilização criminal, o recurso à
técnica da interpretação extensiva não é proibido, em absoluto, no juízo
de subsunção do fato à norma penal incriminadora, podendo o
magistrado dela valer-se desde que guarde fidelidade à mens legis.
Nesse sentido, aliás, colaciono o seguinte precedente:

“CONSTITUCIONAL E PENAL. ACESSÓRIOS DE


CELULAR APREENDIDOS NO AMBIENTE CARCERÁRIO.
FALTA GRAVE CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA AO ART.
50, VII, DA LEI 7.210/84, COM AS ALTERAÇÕES
INTRODUZIDAS PELA LEI 11. 466/2007. INEXISTÊNCIA DE
OFENSA AO PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTE. 1. Pratica infração grave, na forma prevista no
art. 50, VII, da Lei 7.210/84, com as alterações introduzidas pela
Lei 11.466/2007, o condenado à pena privativa de liberdade que
é flagrado na posse de acessórios de aparelhos celulares em

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unidade prisional. 2. A interpretação extensiva no direito


penal é vedada apenas naquelas situações em que se
identifica um desvirtuamento na mens legis. 3. A punição
imposta ao condenado por falta grave acarreta a perda dos dias
remidos, conforme previsto no art. 127 da Lei 7.210/84 e na
Súmula Vinculante nº 9, e a conseqüente interrupção do lapso
exigido para a progressão de regime. 4. Negar provimento ao
recurso” (RHC 106.481, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira
Turma, julgado em 8.2.2011( g.n.).

Na mesma direção, trago à baila a lição do precitado professor


paranaense, que bem diferencia os institutos da interpretação extensiva e
do argumento analógico, esse, sim, vedado em sede de Direito Penal:

“(...)
No tocante à interpretação extensiva, é preciso registrar
que se aplica a todas as espécies de normas, inclusive às de
caráter penal. Esse método nada mais é do que uma reintegração
do pensamento legislativo, visto que as omissões dos textos
legais ‘nem sempre significam exclusão deliberada, mas pode
tratar-se de silêncio involuntário, por imprecisão de linguagem.
Todavia, tendo em vista o primado do princípio da
legalidade (art. 1º, CP), é força destacar que toda interpretação
encontra limites na letra da lei, de modo que a interpretação
extensiva somente deverá ser empregada para incluir no âmbito
de um preceito penal comportamentos que o seu teor literal
admita.
Não é possível transpor os limites assinalados pela lei,
mas é lícito chegar até eles - e a interpretação extensiva trata,
precisamente, de alcançá-los.
A interpretação extensiva, que não se confunde com o
argumento analógico, exige sempre uma norma jurídica ainda
que com expressões ambíguas ou imprecisas. A hipótese, não
estando prevista na literalidade legal, o está, contudo, em seu
espírito. Todavia, em sede de procedimento analógico, como há
lacuna, omissão legal, ela não está em nenhum lugar, nem na

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letra, nem no espírito da lei posta” (Curso de Direito Penal


Brasileiro, v. 1. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p.
116).

Destinando-se o delito previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013,


reafirmo, a tutelar a administração da justiça, não se encontra justificativa
razoável para asseverar que o legislador, ao utilizar o termo “investigação”
na redação do dispositivo, pretendeu que o juízo de desvalor da conduta
do agente que impede ou embaraça a atuação os órgãos responsáveis pela
persecutio criminis incida, tão somente, na fase pré-processual, cujos
elementos de informação, como é cediço, não se prestam de forma
exclusiva a embasar a eventual sentença condenatória.
Por isso, não vejo como se excluir do âmbito de proteção da norma
penal em apreço as ações nucleares desencadeadas mesmo após o
oferecimento formal da acusação e deflagrada a fase judicial do processo
de responsabilização criminal, porque é nessa ambiência em que deverão
ser observadas as garantias constitucionais à ampla defesa e ao
contraditório, no seio do qual serão produzidas e reproduzidas as provas
requeridas pelas partes e que formarão o acervo probatório válido à
formação do convencimento do magistrado.
Trata-se, ademais, do momento em que o bem jurídico tutelado pela
norma penal em apreço detém potencialidade de ser afetado de forma
mais aguda e grave pelas condutas descritas no tipo penal, não sendo
crível que o legislador o tenha deixado desprotegido de forma deliberada.
De outro lado, merece registro que mesmo eventualmente acolhida a
argumentação defensiva, sequer tal conclusão levaria ao pretendido juízo
de atipicidade das condutas atribuídas aos denunciados, tendo em vista
que, como sabido, os acusados defendem-se dos fatos, e não da
capitulação jurídica que lhes é atribuída na incoativa. Encontra-se
sedimentado neste Supremo Tribunal Federal:

“HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA PELO


CRIME PREVISTO NO ART. 155, § 4º, II, DO CÓDIGO PENAL.
PEDIDO DE EMENDATIO LIBELLI PARA DAR-SE

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DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DA QUE FOI INDICADA


NA DENÚNCIA. PRELIMINAR AFASTADA POR DECISÃO
SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. ORDEM
DENEGADA. I - A assertiva de ausência de fundamentação da
decisão que rejeitou o pedido de emendatio libelli, com a
declaração de prescrição da pretensão punitiva, não deve ser
acolhida, pois o magistrado processante examinou, ainda que
de forma concisa, as teses defensivas apresentadas e concluiu
pelo prosseguimento da ação penal por não vislumbrar
nenhuma das hipóteses de absolvição sumária, previstas no art.
397 do CPP. II - Eventual equívoco ocorrido na capitulação
penal dos fatos apontados na denúncia poderá ser corrigido
pelo juiz na sentença, e não no exame preliminar sobre a
viabilidade da ação penal. III - Ausência de violação do art. 93,
IX, da Constituição Federal, que impõe ao magistrado o dever
de motivar e fundamentar toda decisão judicial. IV – Habeas
corpus denegado” (HC 113.169, Rel.: Min. Ricardo
Lewandowski, Segunda Turma, j. 12.3.2013).

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL


PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE PESSOAS.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO
E DE DENÚNCIA ALTERNATIVA. IMPROCEDÊNCIA.
ORDEM DENEGADA. 1. Fato descrito na denúncia em sintonia
com o fato pelo qual o réu foi condenado. 2. A circunstância de
não ter a denúncia mencionado o art. 13, §2°, a, do Código
Penal é irrelevante, já que o acusado se defende dos fatos
narrados e não da capitulação dada pelo Ministério Público. 3.
O juiz pode dar aos eventos delituosos descritos na inicial
acusatória a classificação legal que entender mais adequada,
procedendo à emenda na acusação (emendatio libelli), sem que
isso gere surpresa para a defesa. 4. A peça inicial acusatória, na
forma redigida, possibilitou ao Paciente saber exatamente os
fatos que lhe eram imputados, não havendo que se falar em
acusação incerta, que tivesse dificultado ou inviabilizado o
exercício da defesa. 5. Ordem denegada”

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(HC 102.375, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j.


29.6.2010).

No caso em tela, mesmo se excluindo do âmbito de proteção da


norma em análise os fatos praticados no curso da fase processual, as
condutas atribuídas aos denunciados na peça acusatória também se
amoldariam, a princípio e especialmente para fins de admissibilidade da
denúncia, ao tipo previsto no art. 343 do Código Penal, com a incidência
da causa de aumento prevista no seu parágrafo único, verbis:

“Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer


outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade
em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um
terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada
a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em
que for parte entidade da administração pública direta ou
indireta” (g.n.).

Dessa forma, por qualquer dos fundamentos expostos, não há falar,


neste momento, em atipicidade dos fatos descritos na incoativa.
Em um segundo momento, a defesa do denunciado Eduardo
Henrique da Fonte Albuquerque Silva articula, ainda, que o suposto
crime narrado na exordial sequer chegou a ser tentado, pois a testemunha
José Expedito não prestou novas declarações aptas a alterar o teor
daquelas dadas à Polícia Federal no ano de 2016, circunstância que
também redundaria em juízo de atipicidade das condutas.
Entretanto, ao empregar o verbo “embaraçar” como um dos núcleos
do tipo penal, o legislador ordinário introduziu em nosso ordenamento
jurídico um crime formal, cuja consumação independe da efetiva
neutralização dos atos investigativos de infração penal que envolva
organização criminosa, bastando que o agente pratique ações tendentes a
tal desiderato.

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Lecionam Cleber Masson e Vinícius Marçal:

“(...)
A consumação do núcleo do tipo impedir se perfaz com a
efetiva cessação da persecução penal, sendo, portanto, crime
material; por seu turno, na modalidade de embaraçar, o delito é
formal (de consumação antecipada ou de resultado cortado),
porquanto restará consumado se, de qualquer modo, o sujeito
atrapalhar ou perturbar o andamento normal da investigação
ou do processo, ainda que não alcance a sua interrupção
propriamente dita” (Crime Organizado. 4ª ed. São Paulo:
Método, 2018. p. 121)

Na situação vertente, existindo descrição na exordial de que os


denunciados, entre outros atos, disponibilizaram quantias em dinheiro,
fizeram oferta de investidura em cargos públicos e ameaçaram de morte a
testemunha José Expedito no contexto de investigação de infração penal
envolvendo organização criminosa, como estímulo para que modificasse
depoimento prestado perante a Polícia Federal no ano de 2016, não há
como se falar, em tese, na ausência de início de atos executórios do crime
em questão, devendo ser rejeitada a alegação de atipicidade das condutas
também por tal fundamento.
A defesa do denunciado Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque
Silva sustenta, ainda, que apenas José Expedito, na qualidade de
depoente, teria aptidão material para ofender o bem jurídico tutelado
pela norma penal em apreço, anotando que, diante das peculiaridades do
caso concreto, se trataria de delito de mão própria, já que somente ele -
José Expedito - poderia alterar o teor das declarações prestadas à
autoridade policial. Ainda de acordo com o raciocínio defensivo, tendo a
Procuradoria-Geral da República deixado de denunciá-lo, formou-se o
convencimento no sentido da atipicidade dos seus atos, o que impediria
o reconhecimento da coautoria atribuída aos demais denunciados.
Nesse mesmo tópico, enfatiza que os encontros mantidos por José
Expedito com o denunciado Márcio Junqueira tiveram por finalidade

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única “instigar expressões que pudessem levar à conclusão de uma tentativa de


obstrução de investigação de sua parte” (fl. 193), concluindo que tal modo de
agir se equipararia ao vedado flagrante preparado.
Com a devida vênia, a perspectiva dos fatos narrados na denúncia
não comporta a conclusão de que descreve um crime de mão própria,
tampouco atos que configuram o flagrante preparado repudiado pela
jurisprudência.
Com efeito, o delito de obstrução às investigações de infração penal
que envolva organização criminosa é considerado delito comum, que
admite qualquer pessoa como seu sujeito ativo, porquanto não exige
qualidade alguma específica do agente.
E conforme já assinalado, cuida-se de crime formal, em que a
consumação independe da efetiva interrupção dos trabalhos
investigativos, bastando que a atuação do agente volte-se, ao menos, a
causar-lhes embaraço.
No caso, a hipótese acusatória afirma que o denunciado Márcio
Henrique Junqueira Pereira, a mando dos coacusados Eduardo Henrique
da Fonte Albuquerque Silva e Ciro Nogueira Lima Filho, teria aliciado a
testemunha José Expedito Rodrigues Almeida visando a alteração dos
depoimentos que havia prestado à Polícia Federal no contexto de
investigação sobre suposta organização criminosa integrada pelos
aludidos parlamentares, tratando-se de condutas materialmente aptas a
configurar, ao menos em tese, a figura típica sugerida na capitulação dos
fatos, sendo prescindível perquirir, para tal desiderato, se a testemunha
agiu ou não de acordo com as intenções dos denunciados.
Em outras palavras, ao contrário do que aqui ventilado pela defesa
técnica, a consumação do crime não se daria somente com a alteração do
teor das declarações prestadas pela testemunha à Polícia Federal, sendo
viável a sua configuração com a prática de atos tendentes a tal objetivo,
conforme narra de forma clara a denúncia.
Também não procede a assertiva de que os encontros mantidos pelo
acusado Márcio Junqueira com José Expedito se caracterizaram como
hipóteses de flagrante preparado.

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É que, consoante narra a incoativa, antes da testemunha José


Expedito ter procurado novamente a Polícia Federal, o denunciado
Márcio Junqueira passou a abordá-lo assim que se desligou do Programa
de Proteção a Vítimas e Testemunhas do Ministério da Justiça, o fazendo
em 6 (seis) ocasiões até o momento em que, sentindo-se ameaçado,
requereu o seu retorno ao referido programa.
Como frisei anteriormente, apenas a partir dessa oportunidade é que
os últimos encontros foram monitorados por agentes da Polícia Federal,
com a adoção de medidas investigativas autorizadas por esta relatoria.
Diante dessas peculiaridades, é possível concluir pela inexistência de
flagrante preparado, uma vez que não se tem notícia de que nem José
Expedito, tampouco algum integrante dos órgãos de persecução estatal,
tenham induzido a conduta do denunciado Márcio Junqueira, não se
visualizando, então, a ocorrência do delito putativo por obra de agente
provocador.
Não fosse isso, a hipótese fática exposta na denúncia assenta a
consumação do delito de obstrução às investigações de infração penal
envolvendo organização criminosa, cuja ocorrência, ou não, tão só deve
ser analisada após a atividade probatória a ser desenvolvida no decurso
da instrução criminal, por ocasião do juízo de mérito da acusação.
Assenta a defesa técnica de Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, ainda, que ao não denunciar José Expedito, a
Procuradoria-Geral da República teria ofendido o princípio da
obrigatoriedade da ação penal, diante da inexistência de qualquer causa
que justifique a sua exclusão da peça acusatória.
Esse raciocínio defensivo, entretanto, também parte da premissa de
que a conduta de José Expedito seria igualmente típica, embora tal não
tenha sido declinado nas respectivas razões escritas.
A esse respeito, cumpre asseverar que, pelo fato de ter prestado
depoimentos à Polícia Federal em detrimento dos parlamentares
denunciados e, por consequência, ter sido arrolado como testemunha em
denúncias ofertadas perante este Supremo Tribunal Federal, José
Expedito acabou se tornando o objeto material da conduta dos acusados,

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que teriam atuado, conforme a hipótese acusatória, no sentido de obter a


reforma do teor de suas declarações dadas no ano de 2016, com o intuito
de prejudicar a elucidação de infrações penais praticadas no contexto de
organização criminosa.
Assim, embora seja possível extrair dos elementos de informação
produzidos no decorrer das apurações que José Expedito teria anuído à
ideia da elaboração de documento em cartório para alterar as declarações
outrora prestadas à Polícia Federal, é certo que tal fato não ocorreu,
circunstância que permite concluir que, em relação a ele, a conduta
tendente a atingir o bem jurídico tutelado pelo não passou da fase da
cogitação, tratando-se, portanto, de fato impunível.
Diversa é a conclusão, como já visto nesta decisão, no que diz
respeito à conduta atribuída aos denunciados, que, em tese, se subsome
ao delito formal capitulado na exordial pela prática de atos tendentes a
embaraçar as investigações ou mesmo o produto destas, mediante
abordagens e promessas feitas à aludida testemunha.
Nesse contexto deve ser rejeitada, ainda, a alegação formulada pela
defesa do denunciado Ciro Nogueira Lima Filho, no sentido de que as
condutas narradas na exordial teriam sido praticadas no exercício do
direito à não autoincriminação, o que redundaria igualmente em juízo de
atipicidade.
Embora ao acusado deva ser assegurado o direito de não produzir
provas que o incriminem, tal garantia não se estende para condutas
comissivas visando a destruição de provas já produzidas com o intuito de
se evitar a responsabilização criminal, sendo limitada ao espectro de
atuação do denunciado no papel que lhe cabe no âmbito do processo
penal, eminentemente defensivo.
Todavia, sendo ônus da acusação a prova dos fatos alegados, nos
termos do art. 156 do Código de Processo Penal, eventuais ações
tendentes a embaraçar ou desfazer o produto dos trabalhos
investigativos, além de violarem a boa-fé pela qual deve ser guiada a
prestação jurisdicional, encontram óbice no ordenamento jurídico por
meio de normas proibitivas e sancionadoras, como se vê, por exemplo,

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além do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013, no art. 343, art. 344 e
art. 347, todos do Código Penal.
No caso em tela, as condutas atribuídas aos denunciados,
consubstanciadas em intervenções junto a José Expedito para a garantia
do seu silêncio, do seu distanciamento dos locais de apuração dos fatos e
alteração do teor das declarações prestadas à Polícia Federal não podem,
em tese, ser interpretadas como legítimo exercício do direito à não
autoincriminação, diante da viabilidade de ofensa ao bem jurídico
tutelado pela norma penal prevista no art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.
Isso porque, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, no
seu artigo 8º, 2, “g”, prevê como garantia judicial o direito do acusado não
depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado, norma da qual não se
extrai qualquer autorização para o assédio a testemunhas visando à
impunidade.
Por tal razão, inviável a conclusão apresentada pela defesa técnica
no sentido de que eventual integrante de organização criminosa não
poderia ser sujeito ativo do delito de obstrução às respectivas
investigações, já que a garantia da não autoincriminação é destinada a
assegurar a amplitude dos meios de defesa no processo penal adequado
aos valores ínsitos de um Estado Democrático de Direito, não se
prestando a atuar como uma causa supralegal de excludente de ilicitude
em relação a condutas comissivas que atentem contra a administração da
justiça.
Relembro ensinamentos de Luigi Ferrajoli:

“(...)
Ao contrário, no modelo garantista do processo
acusatório, informado pela presunção de inocência, o
interrogatório é o principal meio de defesa, tendo a única
função de dar vida materialmente ao contraditório e de permitir
ao imputado contestar a acusação ou apresentar argumentos
para se justificar. Nemo tenetur se detegere é a primeira máxima
do garantismo processual acusatório, enunciada por Hobbes e
recebida desde o século XVII no direito inglês. Disso

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resultaram, como corolários: a proibição daquela ‘tortura


espiritual’, como a chamou Pagano, que é o juramento do
imputado; o ‘direito ao silêncio’, nas palavras de Filangieri,
assim como a faculdade do imputado de responder o falso; a
proibição não só de arrancar a confissão com a violência, mas
também de obtê-la mediante manipulação da psique, com
drogas ou com práticas hipnóticas, pelo respeito devido à
pessoa do imputado e pela inviolabilidade de sua consciência; a
consequente negação do papel decisivo da confissão, tanto pela
refutação de qualquer prova legal como pelo caráter
indisponível associado às situações penais; o direito do
imputado à assistência e do mesmo modo à presença de seu
defensor no interrogatório, de modo a impedir abusos ou ainda
violações das garantias processuais” (Direito e razão. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002. p. 486).

Não constatada, portanto, a aludida atipicidade dos fatos narrados


na denúncia, passo à aferição da sua viabilidade frente aos elementos de
informação colhidos no decorrer das investigações e a sua idoneidade à
deflagração da ação penal proposta pelo órgão acusatório.

3.2. Viabilidade da denúncia.


Descreve a exordial que José Expedito Rodrigues Almeida, na
condição de ex-funcionário do Deputado Federal Eduardo Henrique da
Fonte Albuquerque Silva e do Senador da República Ciro Nogueira Lima
Filho, relatou à Polícia Federal, no ano de 2016, uma série de fatos
delituosos atribuídos a esses parlamentares federais, disponibilizando
diversos elementos de corroboração das respectivas declarações.
Tais narrativas dizem respeito, em síntese, ao transporte e
armazenamento de valores por ordem e no interesse dos mencionados
congressistas, sendo especificados, conforme sumário apresentado pela
Procuradoria-Geral da República, “a remessa de 100 mil reais da UTC
Engenharia”; “o uso compartilhado de imóvel para guarnecimento de dinheiro”;
“o recebimento de R$ 1,25 milhão pelo advogado Marcos Meira”; “a busca de
cinquenta mil reais junto a Davidson Tolentino (fl. 126), pessoa indicada por

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Ciro Nogueira para o cargo de Diretor de Logística e Saúde do Ministério da


Saúde”; “transporte de seiscentos mil reais pela Pajero blindada (fl. 132), veículo
esse pertence [sic] a Eduardo e a Ciro”; e “a busca de pelo menos R$ 450 mil
junto a Julio Arcoverde, a mando de Eduardo e Ciro” (fl. 330).
Essas declarações e os respectivos elementos de corroboração foram
tratados no Relatório de Análise de Material Apreendido n. 107/2017, o
qual foi juntado aos autos do INQ 3.989. Além disso, José Expedito foi
arrolado como testemunha nas denúncias ofertadas no citado inquérito,
bem como no INQ 4.074, cujos objetos abrangem fatos também por ele
relatados.
Como já frisei, em razão desses testemunhos, José Expedito
Rodrigues Almeida foi inserido no Programa de Proteção a Vítimas e
Testemunhas do Ministério de Justiça no ano de 2016, nele permanecendo
até o mês de junho de 2017.
No dia 21.2.2018, José Expedito dirigiu-se novamente à Polícia
Federal para relatar que, após ter deixado o programa protetivo, passou a
ser procurado pelo denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira, ex-
parlamentar filiado ao Partido Progressista (PP) e pessoa de confiança dos
demais coacusados, o qual lhe fez ofertas de investidura em cargo
público, de moradia, de pagamento de despesas e de entregas de quantias
em espécie como contraprestação não só ao seu silêncio e
desaparecimento do local de apuração dos fatos delituosos, mas
especialmente à pretendida alteração do teor das declarações prestadas à
Polícia Federal no ano de 2016, como forma de garantir a impunidade dos
investigados.
Para melhor elucidar o contexto em que se iniciaram tais abordagens
do denunciado Márcio Junqueira, reproduzo o seguinte excerto das
declarações prestadas por José Expedito à Polícia Federal neste ano de
2018:

“(...)
QUE logo que se desligou do referido programa recebeu
uma mensagem de MÁRCIO JUNQUEIRA questionando onde
o declarante estava, perguntando se poderiam se encontrar;

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QUE esclarece que saiu do programa de proteção a testemunha


em junho de 2017; QUE após alguns contatos marcou encontro
com MÁRCIO JUNQUEIRA em 11/10/2017 no aeroporto de São
Paulo; QUE sabe esta data com precisão porque neste mesmo
período foi recepcionar sua namorada no aeroporto de
Guarulhos; QUE neste momento apresenta registro fotográfico
armazenado em seu telefone celular alusivo ao deslocamento
da sua namorada MARIA ELBA CARVALHO, considerando
que neste mesmo dia marcou um encontro com MÁRCIO no
aeroporto, pois iria recepcionar a sua namorada; QUE neste
encontro tratou com MÁRCIO JUNQUEIRA sobre sua situação
e sobre os depoimentos prestados na polícia federal, ocasião em
que MÁRCIO disse que iria ajudar o declarante falando
pessoalmente com o Deputado EDUARDO DA FONTE e
SENADOR CIRO NOGUEIRA; QUE o declarante alegou para
MÁRCIO que tinha que receber uma indenização trabalhista
pelos quase vinte anos que trabalhou para referidos
parlamentares; QUE nesta mesma ocasião MÁRIO reforçou que
iria ajudá-lo, inclusive lhe deu R$ 2.500,00 para custear
pequenas despesas; QUE o dinheiro foi repassado em espécie
na mesa do restaurante dentro do próprio aeroporto” (fls. 17-18,
do apenso 1 – destaquei).

Conforme consignado na incoativa, as declarações de José Expedito


acerca da ocorrência deste primeiro encontro são corroboradas não só
pelo registro fotográfico alusivo ao deslocamento de sua namorada ao
Aeroporto de Guarulhos/SP, mas pelo próprio denunciado Márcio
Junqueira, que, em depoimento à autoridade policial, assentou:

“(...) QUE teve conhecimento das declarações prestadas


por JOSÉ EXPEDITO à Polícia Federal no ano de 2016 pelo
próprio JOSÉ EXPEDITO, que lhe relatou detalhes destes
depoimentos no aeroporto de Guarulhos, em outubro de 2017
(...)” (fl. 228, do apenso 3 – destaquei).

O posterior encontro entre o acusado Márcio Junqueira e José

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Expedito, a pedido do primeiro, ocorreu nesta Capital Federal, cujos


detalhes foram assim declarados à Polícia Federal:

“(...)
QUE no mês de novembro de 2017 veio a Brasília
chamado por MÁRCIO JUNQUEIRA para receber mais um
pagamento; QUE nesta ocasião se deslocou de ônibus
desembarcando na rodoviária de Brasília de onde pegou um
Uber para casa de MÁRCIO JUNQUEIRA no Lago Norte; QUE
neste dia recebeu R$ 2.500,00, mais o valor da passagem de
ônibus; QUE utilizou esse valor para pagar despesas com
oficina mecânica; QUE neste período recebeu orientação de
MÁRCIO JUNQUEIRA para ‘desaparecer’, inclusive não vindo
mais a Brasília e nem a Recife; QUE foi prometido ao declarante
um recurso mensal na ordem de R$ 5.000,00 para que
permanecesse calado em relação aos fatos denunciados e
desaparecesse” (fl. 18, do apenso 1 – destaquei).

A Procuradoria-Geral da República reporta, ainda, intimidações por


parte de Elias Manuel da Silva, pessoa ligada ao denunciado Eduardo da
Fonte e que teria requisitado a presença de José Expedito na cidade de
Recife/PE, em encontro que ocorreu no dia 6.12.2017, ocasião em que este
recebeu a soma de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Como elemento de
corroboração, José Expedito apresentou registro fotográfico do bilhete
aéreo utilizado para deslocamento entre as cidades de São Paulo/SP e
Recife/PE nessa data.
No quarto encontro mantido com Márcio Junqueira, realizado na
cidade de Brasília/DF, José Expedito declarou ter recebido a quantia de R$
1.500,00 (mil e quinhentos reais), ocasião em que lhe “foi prometido um
emprego com salário de R$ 8.000,00 logo que os processos da Lava Jato
acabassem” (fl. 11), sendo orientado, de forma intimidatória, a desaparecer
e ficar calado. Nessa mesma oportunidade, José Expedito afirmou ter
recebido ameaça à sua vida, conforme se infere do seguinte trecho de seu
depoimento prestado à autoridade policial:

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“(...) QUE afirma o declarante que de Recife seguiu para


Maceió onde permaneceu por alguns dias; QUE de Maceió se
deslocou para Brasília para um novo encontro com MÁRCIO
JUNQUEIRA; QUE neste ato apresenta registro fotográfico do
localizador da passagem aérea utilizada para esse encontro em
Brasília, onde indica a data de 14/12/2017; QUE nesta ocasião
recebeu R$ 1.500,00 para custear pequenas despesas e um
dívida com oficina; QUE reitera que sempre nesses encontros
recebia orientação para permanecer calado e desaparecer; (…)
QUE reitera que tais orientações eram repassadas por MÁRCIO
JUNQUEIRA e ELIAS a mando do Deputado EDUARDO DA
FONTE e SENADOR CIRO NOGUEIRA; QUE questionado se
recebeu alguma ameaça de morte nesse período, disse que em
um dos últimos encontros MÁRCIO JUNQUEIRA afirmou que
se o declarante falasse alguma coisa ou gravasse, ele mesmo iria
matá-lo, que não aguardaria sequer ordem dos parlamentares;
(...)” (fls. 18-19, do apenso 1 - destaquei).

Novo encontro na cidade de Brasília/DF ocorreu no final de


dezembro de 2017, ocasião em que José Expedito recebeu de Márcio
Junqueira a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com o reforço da
contraprestação de permanecer calado e desaparecer. Nessa última
ocasião em que esteve com o acusado Márcio Junqueira sem o
acompanhamento dos agentes policiais, a testemunha José Expedito
revelou detalhes das abordagens, que foram se mostrando cada vez mais
incisivas e agressivas. Extraio:

“(...)
QUE o último encontro se deu na cidade de Campinas/SP,
onde a convite de MÁRCIO JUNQUEIRA se hospedou no hotel
MELIÁ de Campinas, especificamente no apartamento 228,
conforme cartão de acesso que ora apresenta; QUE MÁRCIO
JUNQUEIRA se hospedou no mesmo hotel no apartamento 301;
QUE ficou hospedado no hotel do dia 10 para o dia 11/02/2018;
QUE a conversa com MÁRCIO foi bastante dura, tendo ele
reforçado para o declarante ficar em silêncio, desaparecer e

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terminantemente proibido de voltar a Brasília/DF ou Recife/PE;


QUE recebeu R$ 5.000,00 e mais o valor das passagens de
ônibus; QUE ficou ajustado um novo encontro para os
próximos dias onde receberá mais valores; QUE o novo
encontro ficou previamente agendado entre o dia 19 a
22.02.2018, ocasião em que receberia mais R$ 5.000,00; QUE
neste ato apresenta cartão de acesso a apartamento no Hotel
MELIÁ, comprovante de bilhete aéreo, cupons fiscais de
despesas pessoais; QUE também apresenta parte do dinheiro
recebido no último encontro, considerando que usou parte do
recurso para pagar hospedagem em Brasília” (fl. 19, do apenso
1 – destaquei).

A partir desse último episódio, os demais foram monitorados pela


Polícia Federal, por meio de ação controlada, interceptações telefônicas e
gravações ambientais autorizadas por esta relatoria, com base nos sólidos
elementos de informação apresentados pela testemunha José Expedito e
outros obtidos pela própria autoridade policial que corroboraram a
veracidade das declarações, como, repito, cópias de bilhetes aéreos e a
confirmação, junto ao Hotel Meliá em Campinas/SP, de que denunciado
Márcio Junqueira também ali havia se hospedado no período indicado.
O resultado dessas diligências policiais também se mostram aptos a
embasar a tese acusatória, no sentido de que o acusado Márcio Junqueira,
nas abordagens, promessas e até ameaças feitas a José Expedito, atuava
como preposto dos parlamentares codenunciados Eduardo da Fonte e
Ciro Nogueira.
Com efeito, no encontro subsequente, ocorrido na residência do
acusado Márcio Junqueira nesta Capital Federal em 26.2.2018, foi possível
captar o teor do diálogo mantido com José Expedito, o qual confirma a
temática das abordagens anteriores relatadas por este à autoridade
policial, conforme exaustivamente sumariado no Auto Circunstanciado n.
01/2018:

“(...)
Na ação controlada há a indicação de que MÁRCIO

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JUNQUEIRA acorda com o colaborador JOSÉ EXPEDITO que o


mesmo irá elaborar documento constando a negativa de todas
as informações que prestou à Polícia Federal, referentes aos
Parlamentares CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE
(‘DUDU’).
MÁRCIO JUNQUEIRA instrui o colaborador na estratégia
a ser utilizada para tentar anular a sua versão inicial. JOSÉ
EXPEDITO afirma que irá acatar todas as diretrizes que lhe for
apresentada.
Ademais, é de fácil percepção que tal atitude está sendo
elaborada com a ciência do Deputado EDUARDO DA FONTE,
e que terá como contrapartida, além dos pagamentos já
efetuados ao colaborador (que totalizam R$ 10.000,00), um novo
pagamento e um trabalho para JOSÉ EXPEDITO no Estado de
Roraima.
Salienta-se que o novo pagamento aparenta ser de um
valor superior aos anteriores, uma vez que segundo MARCIO
JUNQUEIRA, o Deputado EDUARDO DA FONTE informou
que esse dilema teria que acabar (‘Acaba. Pra acabar’).
Há a indicação, por parte de JUNQUEIRA, de que o
colaborador deverá permanecer em Brasília, para resolverem a
situação ainda ‘nessa semana’ e que isso facilitaria o desenrolar
dos fatos, uma vez que os mesmos não poderiam se comunicar
por meio de ligações telefônicas. Há, portanto, uma
preocupação em tratar sobre tais pagamentos em virtude de sua
ilegalidade e possibilidade de interceptação dos terminais
utilizado pelos interlocutores” (fl. 168, do apenso 2 – destaquei).

Nessa ocasião, Márcio Junqueira entregou à José Expedito a quantia


de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em espécie, cujas cédulas foram
apreendidas pela autoridade policial.
O último encontro mantido entre José Expedito e Márcio Junqueira
deu-se no dia 28.2.2018, quando foram registradas condutas análogas a
todas as outras relatadas pela aludida testemunha. Infere-se:

“(...)

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Um segundo encontro entre MÁRCIO JUNQUEIRA e


JOSÉ EXPEDITO ocorreu na noite de quarta-feira, 28 de
fevereiro de 2018, evento que também foi objeto de
monitoramento da Polícia Federal. Às 18:00hs, MÁRICIO [sic]
JUNQUEIRA estava na Terceira Secretaria, anexo da Câmara
dos Deputados, onde permaneceu até aproximadamente as
21:hs, iniciando deslocamento ao Shopping Conjunto Nacional.
O encontro ocorreu em uma lanchonete e durou cerca de
35 minutos. Nesta oportunidade, trataram inicialmente do
pagamento dos boletos bancários apresentados por JOSÉ
EXPEDITO (um do Banco do Brasil, no valor de R$ 64.450,38;
outro do Itaú, no valor de R$ 38.615,22 (trinta e oito mil,
seiscentos e quinze reais, vinte e dos centavos).
Posteriormente, MÁRCIO JUNQUEIRA insiste em saber se
a Polícia Federal novamente o intimara. Caso fosse intimado no
futuro, questiona como JOSÉ EXPEDITO explicaria às
autoridades a origem do dinheiro utilizado para pagamento
daquelas dívidas. Tal abordagem ratifica a preocupação de
MÁRCIO JUNQUEIRA com outros possíveis depoimentos
prestados por JOSÉ EXPEDITO à Polícia Federal.
(…)
Ao término do segundo encontro, MÁRCIO JUNQUEIRA
entrega outros R$ 1.000,00 (mil reais) a JOSÉ EXPEDITO, valor
posteriormente apresentado à autoridade policial para
apreensão (auto de apreensão no. 7, em anexo). Despedem-se
com a promessa de um terceiro pagamento, desta vez em
valores maiores, a se efetivar nos próximos dias” (fls. 219-220,
do apenso 2 – destaquei).

Calha destacar que tais encontros foram registrados por meio de


fotografias, o que evidencia a veracidade da ocorrência dos diálogos
captados pela autoridade policial, bem como a dinâmica da atuação dos
denunciados em relação à testemunha José Expedito.
Ainda logrou a autoridade policial identificar, por meio da quebra
do sigilo de dados telefônicos e interceptações das comunicações
realizadas entre os alvos, que após José Expedito questionar o

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denunciado Márcio Junqueira sobre a ida ao cartório para formalizar a


almejada alteração das declarações dadas à Polícia Federal, este se
deslocou até a residência do coacusado Eduardo da Fonte para tratar do
assunto, conforme se infere do seguinte trecho extraído do Auto
Circunstanciado n. 2/2018, encartado nos autos da AC 4.375:

“Conforme relato do colaborador, um dos pontos focais


nessas tratativas é o Deputado EDUARDO DA FONTE, a quem
provavelmente MÁRCIO JUNQUEIRA se reporta. Os diálogos
7090814, 7091338 e 7091400, entre JUNQUEIRA e VERAS
(VANDE ou VANDEC), JUNQUEIRA diz que está indo para a
casa de EDUARDO, na 302 norte e ordena que VERAS o pegue.
No diálogo de índice 7090846, EXPEDITO chama
JUNQUEIRA para ir ao cartório formalizar o documento objeto
do acordo entre eles. JUNQUEIRA diz que não tinha falado
ainda, mas que iria falar nesse dia e que estava saindo naquele
momento. Este diálogo coincide com a visita de MÁRCIO
JUNQUEIRA à residência de EDUARDO DA FONTE.
(…)
O endereço de EDUARDO DA FONTE, que foi alvo de
mandado de busca e apreensão na Operação Politeia (RE
008/2015), fica situado na SQN 302, bloco A, apto. 302,
Brasília/DF, conforme Mandado de Busca e Apreensão 3 da AC
3908, fl 01.
Corroborando isso, tem-se que no período dos diálogos
7091338 e 7091400 acima as ERBs utilizadas por MÁRCIO
JUNQUEIRA apontam para o referido endereço constante na
cautelar 3908, conforme figura abaixo:
(...)” (fls. 200-202, do apenso 1 – destaquei)

Como se pode concluir, os autos encontram-se instruídos com


elementos de informação consistentes a fundamentar a tese acusatória
exposta na incoativa.
Registro, de outra parte, que, ao menos para essa fase de
recebimento da denúncia, o fato de José Expedito ter se declarado

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analfabeto funcional em nada altera o panorama indiciário aqui


produzido, porque, ao contrário do alegado pela defesa do denunciado
Eduardo da Fonte, não lhe é aplicável a norma prevista no art. 192 do
Código de Processo Penal, que disciplina o interrogatório do acusado,
mas a do art. 216 do mesmo diploma legal, que exige tão somente a
leitura do termo de depoimento com posterior assinatura por outrem,
caso a testemunha não saiba assinar, o que, como visto, não ocorre na
hipótese.
Ademais, eventual dúvida acerca do teor das declarações prestadas
sem a assistência ora exigida pela defesa restou dirimida pelas próprias
diligências investigativas levadas a efeito pela autoridade policial, as
quais, repiso, ratificam os fatos narrados por José Expedito.
Ressalto, também, que não há nos autos qualquer notícia de que José
Expedito tenha firmado acordo de colaboração premiada, seja com a
autoridade policial ou com o Ministério Público Federal, razão pela qual
sobre a cooperação prestada de forma espontânea no caso em exame não
incide a restrição probatória prevista no art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013.
Em arremate à análise dos elementos de informação produzidos pela
autoridade policial nestes autos, rememoro que todos os denunciados
confirmam em seus depoimentos que José Expedito prestou serviços de
motorista aos parlamentares Eduardo da Fonte e Ciro Nogueira.
Por fim, embora Márcio Junqueira, na tentativa de isentar os
codenunciados, tenha afirmado que nos diálogos com José Expedito
utilizou os nomes dos aludidos parlamentares para este “não se sentir
excluído” (fl. 231, do apenso 3), os demais indícios produzidos não
suportam a afirmação de que a disponibilização de quantias em dinheiro
se dava por sua conta e risco, já que, conforme anotado pela
Procuradoria-Geral da República, afirmou aos agentes policiais
responsáveis pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão em
sua residência que “tem como uma de suas remunerações um salário de
aproximadamente R$ 6.000,00 proveniente de partido político” (fl. 21),
consignando que conta com ajuda de terceiros para complementar a sua
renda, embora somente o aluguel de sua residência alcance o valor de R$

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6.400,00 (seis mil e quatrocentos reais) mensais (fl. 21).


Constato, volto a insistir, que os elementos de informação colhidos
no decorrer da atividade investigativa dão o suporte suficiente à tese
acusatória, de modo a autorizar o recebimento da denúncia e a
consequente deflagração da ação penal, pois atendidos os requisitos
legais e as garantias constitucionais dispostas em favor dos acusados,
diante da viabilidade do pleno exercício do direito de defesa.
Nesse pensar, realço que as considerações defensivas a respeito da
personalidade da testemunha José Expedito e da credibilidade das suas
afirmações perdem força diante das condutas comissivas retratadas no
caderno investigativo, já que promessas de pagamento de quantias em
dinheiro e ameaças em troca do silêncio da testemunha não se coadunam
com a sugerida falta de idoneidade das declarações prestadas à
autoridade policial, cuja verificação deve ser realizada nos respectivos
procedimentos em que encartadas.
Ademais, chancelada a viabilidade da denúncia, a aferição
verticalizada dos elementos de informação, em conjunto com as provas
que serão produzidas no decorrer da instrução criminal com observância
às garantias processuais, é própria do juízo de mérito da ação penal.
Assentou o Supremo Tribunal Federal em acórdão da lavra do
saudoso Min. Teori Zavascki:

“INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS


NOS ARTS. 317 E 333 DO CÓDIGO PENAL E NO ART. 1º, V,
DA LEI 9.613/1998. CERCEAMENTO DE DEFESA.
INOCORRÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.
CISÃO DO PROCESSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADOS. SUBSTRATO PROBATÓRIO MÍNIMO
PRESENTE. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA
RECEBIDA. (…) 3. O juízo de recebimento da denúncia é de
mera delibação, jamais de cognição exauriente. Não se pode,
portanto, confundir os requisitos para o recebimento da
denúncia, delineados no art. 41 do Código de Processo Penal,

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com o juízo de procedência da imputação criminal. 4. No caso, a


denúncia contém a adequada indicação das condutas delituosas
imputadas, a partir de elementos aptos a tornar plausível a
acusação, o que permite o pleno exercício do direito de defesa.
(…)” (g.n.) (INQ 3.984, Segunda Turma, julgado em 6.12.2016).

Outro precedente, com o mesmo entendimento:

“Inquérito. Denúncia oferecida pelo Ministério Público


Federal contra Deputado Federal. Suposta prática de uso de
documentos falsos (arts. 304 c/c 297, ambos do Código Penal). 2.
Inicial que atende aos requisitos do art. 41 do CPP. 3.
Apresentação de documentos falsos no bojo de processo
administrativo em curso no Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro (TCE-RJ nº 106.777-0/00). Falsidade atestada por
exame grafotécnico. 4. Existência de lastro probatório mínimo
para a instauração de persecução penal. Presença de indícios de
autoria e materialidade delitiva. 5. Denúncia recebida” (g.n.)
(INQ 2.984, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
21.3.2013).

Nesse último julgado, o eminente Relator averba que “há, portanto,


prima facie, demonstração de liame subjetivo hábil para a admissibilidade da
acusação, cuja efetiva existência ou não deve ser dirimida na instrução, segundo
orientação da jurisprudência da Corte (Inq 3016, rel. Min. Ellen Gracie; Inq.
2126 e1512, rel. Min. Sepúlveda Pertence)”
O Ministro Ricardo Lewandowski, ainda que em sede de Recurso
Ordinário, também já sustentou que “o juízo de recebimento da peça
acusatória é de mera delibação, jamais de cognição exauriente. Não se pode,
portanto, confundir os requisitos para o recebimento da denúncia com o juízo de
procedência da imputação criminal” (RHC 140.008, Segunda Turma, julgado
em 4.4.2017).

4. Dispositivo.
Ante o exposto, recebo a denúncia ofertada pela Procuradoria-Geral

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da República em face de Ciro Nogueira Lima Filho, Eduardo Henrique da


Fonte Albuquerque Silva e Mário Henrique Junqueira Pereira.
É como voto.

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Vista

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06/11/2018 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : ROBERTO BERTHOLDO E OUTRO(A/S)

VISTA
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, tenho voto
escrito e tendo o Ministro-Relator sido tão percuciente e primorosamente
profundo neste caso, com alguns itens que não cuidei no meu voto,
gostaria de pedir vista, prometendo trazer o quanto antes para a
continuidade deste julgamento, se os Ministros estiverem de acordo.

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Extrato de Ata - 06/11/2018

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 4.720
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (4107/DF) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI (25350/DF, 163657/SP) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : ROBERTO BERTHOLDO (13316/PR) E OUTRO(A/S)

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, recebendo a


denúncia, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia. Falaram, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco; pelo
denunciado Ciro Nogueira Lima Filho, o Dr. Antônio Carlos de
Almeida Castro; pelo denunciado Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; e, pelo
denunciado Marcio Henrique Junqueira Pereira, o Dr. Luís Henrique
Machado. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma, 6.11.2018.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Edson
Fachin. Compareceu à Turma o Senhor Ministro Marco Aurélio a fim
de julgar processos a ele vinculados. Ausente, justificadamente, o
Senhor Ministro Celso de Mello.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet


Branco.

Marcelo Pimentel
Secretário

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Voto Vista

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INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : ROBERTO BERTHOLDO E OUTRO(A/S)

V O T O - VOGAL

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA:

1. Em 15.6.2018, a Procuradora-Geral da República denunciou o


Senador da República Ciro Nogueira Lima Filho, o Deputado Federal
Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Márcio Henrique
Junqueira Pereira, atribuindo a eles a prática do crime previsto no art. 2º,
§1º, da Lei 12.850/2013 (“impedir ou embaraçar investigação criminal que
envolva organização criminosa”).

2. Regularmente notificados, nos termos do art. 4º da Lei nº


8.038/1990, os acusados apresentaram, tempestivamente, suas defesas
preliminares.

3. Em 15.10.2018, a Procuradoria-Geral da República contestou os


argumentos defensivos e requereu o integral recebimento da denúncia.

4. Na sessão da Segunda Turma deste Supremo Tribunal, realizada


em 6.11.2018, o Relator, Ministro Edson Fachin, votou no sentido de
receber a denúncia.

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Pedi vista dos autos para melhor análise.

5. Como preceitua a Constituição da República, este Supremo


Tribunal dispõe de competência originária para processar e julgar os
membros do Congresso Nacional acusados de cometer infrações penais
comuns (al. b, inc. I do art. 102).

Essa competência pode apresentar-se em casos de corréus sem


prerrogativa de foro, como, por exemplo, pela prática da mesma infração
penal, em concurso de pessoas, como se tem na espécie vertente quanto
ao denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira.

Nesse sentido é o enunciado da Súmula n. 704 do Supremo Tribunal


Federal:
“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo
de co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.

Preliminares

I - Da distribuição deste inquérito por prevenção ao Ministro


Edson Fachin

6. A defesa do acusado Eduardo da Fonte alega ausência de


prevenção do Ministro Edson Fachin para relatar o presente Inquérito,
argumentando que "a competência para conhecer e julgar determinados feitos
não implica prevenção para conhecer e julga acusação de obstrução destes
mesmos feitos”.

Razão não lhe assiste, contudo.

A matéria relativa à distribuição deste inquérito, por prevenção, ao


Ministro Edson Fachin foi submetida à Presidência deste Supremo
Tribunal.

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INQ 4720 / DF

Em 28.6.2018, decidi, com fundamento no art. 69 do Regimento


Interno deste Supremo Tribunal, manter este inquérito sob a relatoria do
Ministro Edson Fachin, por concluir haver conexão entre o presente
processo e os Inquéritos n. 3.989, n. 4.074 e n. 4.631, todos de relatoria de
Sua Excelência.

Naquela decisão, anotei que os arts. 76 e 77 do Código de Processo


Penal preveem as hipóteses de competência por conexão ou continência,
institutos cuja finalidade é racionalizar a apuração dos fatos, facilitar a
colheita de provas e seu exame, evitar decisões contraditórias e permitir a
análise do processo com maior amplitude e celeridade.

Entre as hipóteses legalmente previstas de conexão, o inc. II do art.


76 do Código de Processo Penal define aquela em que, “no mesmo caso,
houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas”.

Guilherme de Souza Nucci esclarece:


“Conexão objetiva: chamada pela doutrina de consequencial,
lógica ou teleológica, demonstra que há vários autores cometendo
crimes para facilitar ou ocultar outros, bem como para garantir a
impunidade ou a vantagem do que já foi feito. (...) Pensamos que,
nesta hipótese, também se exige a existência de várias pessoas, pois o
inciso II menciona expressamente ‘se, no mesmo caso, houverem sido
praticadas...’. Mesmo caso que dizer a existência de várias pessoas
cometendo delitos no mesmo lugar e ao mesmo tempo ou em lugares
diversos e diferente tempo” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
de processo penal comentado. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. p. 234. Grifos nossos).

Na espécie, a Procuradora-Geral da República narra na denúncia:


“A partir de agosto de 2017 e até março de 2018, Ciro Nogueira
Lima Filho (senador da República), Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva (deputado federal) e Márcio Henrique Junqueira
Pereira (ex-deputado federal) praticaram diversos atos de

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embaraçamento a investigações (art. 2º, §1° da Lei nº 12.850/2013) de


crimes investigados em relação a Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte
em unidade de desígnios. Ameaçaram a testemunha JOSÉ
EXPEDITO RODRIGUES ALMEIDA, deram-lhe dinheiro, pagaram
despesas pessoais e prometeram cargos públicos e uma casa para que
este ex-secretário parlamentar desmentisse depoimentos que prestou
em 2016 à Polícia Federal nos inquéritos sobre a organização
criminosa integrada por membros do Partido Progressista (atual
Progressistas') no Congresso Nacional, que tramitam sob a supervisão
do Supremo Tribunal Federal.
Pela prática de crimes no contexto amplo da Operação Lava Jato,
o Senador da República Ciro Nogueira e outros políticos do Partido
Progressista foram denunciados ao Supremo Tribunal Federal em
16/11/2016, com base no Inquérito nº 4.074, por solicitação e
recebimento de vantagem indevida de R$ 2 milhões da UTC
Engenharia para favorecer esta empreiteira em obras públicas de
responsabilidade do Ministério das Cidades e do estado do Piauí.
Além desta denúncia, cujas provas foram coligidas no INQ.
4.074, o PGR denunciou, em setembro de 2017, com base no INQ. nº
3.989, Ciro Nogueira, Eduardo da Fonte e outros dez parlamentares
do Partido Progressista (atual Progressistas) no Supremo Tribunal
Federal por crime da Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa)
também no âmbito da ‘Operação Lava Jato’. Ciro Nogueira Lima
Filho, Eduardo Henrique da Fonte de Albuquerque Silva, Aguinaldo
Velloso Borges Ribeiro, Arthur César Pereira de Lira, Benedito de
Lira, Francisco Oswaldo Neves Dornelles, João Alberto Pizzolatti
Junior, José Otávio Germano, Luiz Fernando Ramos Faria, Mário
SÍivio Mendes Negromonte, Nelson Meurer e Pedro Henry Neto
compuseram, entre 2006 e 2015, organização criminosa voltada à
prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em face da
Petrobras Distribuidora S/A- BR DISTRIBUIDORA.
Além dos dois inquéritos que resultaram em ações penais (4.074
e 3.989), Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte são investigados em um
terceiro inquérito, o de nº 4.631, ainda sem denúncia, que, tal como o
4.074, é também desdobramento do 3.989. Estes esclarecimentos
mostram um elemento comum aos três inquéritos e às quatro ações

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cautelares referidas nesta denúncia: a existência de uma testemunha-


chave contra a organização criminosa, JOSÉ EXPEDITO
RODRIGUES ALMEIDA, que tem sido ameaçada de morte e
recebido dinheiro e ordens para embaraçar investigações (JNQ' s
4.074, 3.989 e 4.631) sobre crimes atribuídos a Ciro Nogueira,
Eduardo da Fonte e à organização criminosa. O objeto desta denúncia,
portanto, é especificamente a imputação pelo crime de obstrução de
justiça (embaraçamento a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa), tipificado no art. 2º, §1 ° da Lei nº
12.850/2013”.

Como se verifica, a Procuradoria-Geral da República imputa aos


denunciados a prática do crime previsto no § 1º do art. 2º da Lei n.
12.850/2013, por terem supostamente obstruído investigações de infrações
penais envolvendo organização criminosa promovidas nos Inquéritos n.
3.989, n. 4.074 e n. 4.631, todos da relatoria do Ministro Edson Fachin.

Portanto, deve incidir o definido como competência por conexão,


prevista no art. 76, inciso II, do Código de Processo Penal. Assim,
mantenho o entendimento de ser prevento o Ministro Edson Fachin para
a relatoria deste inquérito, por conexão aos Inquéritos n. 3.989, n. 4.074 e
n. 4.631, todos de relatoria de Sua Excelência, nos termos do art. 69 do
Regimento Interno deste Supremo Tribunal.

7. Ademais, como ponderado pelo Relator, Ministro Edson Fachin, a


decisão sobre a competência, proferida pela Presidência, não está sujeita
a recurso ou revisão.

Tem-se do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:


“Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento,
caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do
Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que
causar prejuízo ao direito da parte” (grifos nossos).

É de competência exclusiva da Presidência deste Supremo Tribunal

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decidir sobre distribuição de processos, por se cuidar de questão de mero


expediente, matéria interna, insuscetível de causar prejuízo às partes ou a
terceiros, sendo incabível recurso processual ou pleito de revisão sobre a
deliberação.

Neste sentido, por exemplo:


"É manifestamente inadmissível o recurso de agravo regimental
contra decisão da Presidência pela qual definida a competência de um
dos Ministros. Nos termos da firme jurisprudência deste Supremo
Tribunal, a fixação da competência de um, dentre todos os ministros
igualmente competentes desta Corte para relatar causas e recursos, é
assunto atinente à organização interna deste Tribunal e, portanto,
indisponível ao interesse das partes. Trata-se de ato privativo da
Presidência como órgão supervisor da distribuição, e, como tal, é de
mero expediente, insuscetível de causar gravame às partes ou a
terceiros e contra o qual não cabe recurso. Nesse sentido, destaco os
seguintes precedentes: Pet 5614 AgR, AI 748.144-AgR, HC 89.965-
AgR, MS 28.847-AgR, Rcl 9.460-AgR e RE 627.276-AgR” (HC n.
134.442-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Presidente, DJe
6.6.2016)".

“RECURSO. Agravo Regimental. Habeas Corpus. Decisão que


não reconhece a existência de prevenção. Ato de mero expediente.
Falta de lesividade. Ato processual insuscetível de causar gravame às
partes. Incidência do art. 504 do CPC. Agravo regimental não
conhecido. É inadmissível agravo regimental contra despacho que não
reconhece a existência de prevenção” (Ação Penal n. 493-
AgRsegundo, Rel. Min. Ayres Britto, Presidente, Plenário, DJe
12.11.2012).

Nesse mesmo sentido, entre outros, HC n. 89.965-AgR, Rel. Min.


Cezar Peluso, Presidente, DJe 7.12.2011; HC n. 115.468-AgR-AgR, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, Plenário, DJe 19.11.2013; Pet n. 5.614-AgR-AgR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 11.9.2015 e HC n. 139.601-AgR, de
minha relatoria, DJe 18.8.2017.

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Assim, como o ato que determina a competência não acarreta


prejuízo à parte, afastado está o interesse recursal ou revisional, devendo
os autos permanecerem sob a relatoria do Ministro Edson Fachin.

II - Da alegada inépcia formal por ausência de individualização


das condutas delituosas

8. Quanto à preliminar suscitada pela defesa de Ciro Nogueira Lima


Filho de “inépcia da denúncia ofertada contra o ora defendente, em razão da
ausência de descrição individualizada da suposta conduta delituosa atribuída ao
Senador Ciro Nogueira” (fl. 234), razão jurídica não assiste à defesa daquele
denunciado.

Assevera aquela defesa que, “em relação ao defendente, não se colhe da


exordial qualquer descrição direta e específica, tampouco a indicação de
circunstâncias concretas que pudessem sustentar qualquer ordem, no sentido de
‘impedir’ ou ‘embaraçar’ a investigação, de qualquer um dos inquéritos, muito
menos que este tipo de orientação tenha partido do defendente, cujo nome foi
usado por terceiros” (fl. 236).

A descrição da conduta individualizada do denunciado é


indispensável para a propositura de ação penal, integrando o rol das
garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da
dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, por exemplo:


“PENAL E PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. CRIME DO
ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI 201/67 (CRIME DE
RESPONSABILIDADE DE PREFEITO). MATERIALIDADE E
INDÍCIOS DE AUTORIA DEMONSTRADOS.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. 1. A denúncia na fase de seu recebimento demanda tão
somente cognição sumária, isto é, independe de maiores

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aprofundamentos sobre o lastro probatório, bastando que haja


materialidade na conduta e indícios de autoria. Precedente: Inq 3979-
DF, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Julgado em
27/09/2016, Dje de 15/12/2016. 2. A inicial acusatória deve alicerçar-
se em elementos probatórios mínimos que demonstrem a materialidade
do fato delituoso e indícios suficientes de autoria, em respeito aos
princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e
da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV da Constituição). 3. Os
parâmetros legais para a admissão da acusação estão descritos nos
artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. O primeiro, de
conteúdo positivo, estabelece as matérias que devem constar da
denúncia, já o segundo, de conteúdo negativo, estipula que o libelo
acusatório não pode incorrer nas impropriedades a que se reporta. 4.
Presente a justa causa, isto é, havendo prova da materialidade e
indícios suficientes de autoria, nada há de ilegal no constrangimento
que representa responder a um processo crime. (...) (d) Inicialmente,
cumpre observar, que a alegada inépcia da inicial acusatória não
convence. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
fixou-se no sentido de que ‘a denúncia que contém condição efetiva
que autorize o denunciado a proferir adequadamente a defesa não
configura indicação genérica capaz de manchá-la com a inépcia’ (HC
94.272, Primeira Turma, Relator o Ministro Menezes de Direito, DJe
de 27.03.09). Daí o correto apontamento feito pelo Parquet Federal de
que ‘da própria peça defensiva é possível extrair a compreensão do
acusado sobre as condutas a ele atribuídas’ (...) 6. Ex positis,
atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, recebo
a denúncia oferecida contra o Deputado Federal Adilton Domingos
Sachetti” (Inq n. 4.210, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, DJe 25.4.2018).

“INQUÉRITO. DENÚNCIA. DEPUTADO FEDERAL.


CRIMES DE RESPONSABILIDADE, DISPENSA ILEGAL DE
LICITAÇÃO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. PROVA
EMPRESTADA: POSSIBILIDADE. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL
DE GRAVAÇÕES: DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE
DEFESA AFASTADO. INÉPCIA: INOCORRÊNCIA.

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OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO


DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DO
ART. 395 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INDÍCIOS
SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DAS
CONDUTAS. DENÚNCIA RECEBIDA. (...) 3. É apta a denúncia
que preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal,
individualiza as condutas do denunciado no contexto fático da fase
pré-processual, expõe pormenorizadamente os elementos
indispensáveis à ocorrência, em tese, dos crimes nela mencionados,
permitido o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 4. Para
o recebimento da denúncia, analisa-se a presença de indícios
suficientes da materialidade e da autoria dos delitos imputados ao
Denunciado. 5. A denúncia é proposta da demonstração de prática de
fatos típicos e antijurídicos imputados à determinada pessoa, sujeita à
efetiva comprovação e à contradita. 6. Ausência de situação prevista
no art. 395 do Código de Processo Penal. 7. Denúncia recebida” (Inq
n. 4.023, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 1º.9.2016).

Diferente do alegado pela defesa de Ciro Nogueira Lima Filho, na


espécie vertente, tem-se na denúncia a descrição de todas as
circunstâncias que identificam os fatos narrados e insere o denunciado no
ambiente de ocorrência desses fatos, descrevendo detalhadamente a ação
empreendida e individualizando as condutas a ele imputadas.

Tem-se na peça inicial acusatória haver “um elemento comum aos três
inquéritos e às quatro ações cautelares referidas nesta denúncia: a existência de
uma testemunha-chave contra a organização criminosa, JOSÉ EXPEDITO
RODRIGUES DE ALMEIDA, que tem sido ameaçado de morte e recebido
dinheiro e ordens para embaraçar investigações (INQ’s 4.074, 3.989 e 4.631)
sobre crimes atribuídos a Ciro Nogueira, Eduardo da Fonte e à organização
criminosa” (fl. 7).

Identifica-se, na inicial acusatória, que essa “testemunha-chave” seria


“pessoa próxima e de confiança dos parlamentares”, que “na qualidade de
assessor parlamentar e motorista por mais de dez anos, observou a prática de

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diversos crimes, em passado recente, por parte de Ciro Nogueira e Eduardo da


Fonte, todos relacionados à atividade política dos dois” (fl. 8).

Relata-se que José Expedito Rodrigues de Almeida “prestou quatro


importantes depoimentos à Polícia Federal (fls. 28 a 44 da AC nº 4.375) em que
detalhou estes crimes e apresentou uma séria de provas que corroboram o que
disse”, pelo que teria sido “destinatário da atuação ilícita de Ciro Nogueira e
Eduardo da Fonte. Bem por isso, sua vida foi ameaçada pelos dois parlamentares”
(fls. 8-9).

Na sequência, aponta-se na denúncia que Márcio Henrique


Junqueira Pereira, “pessoa de confiança dos dois parlamentares”, “ameaçou
JOSÉ EXPEDITO de morte, exigiu dele uma retratação em Cartório do conteúdo
dos depoimentos que prestou à PF em 2016 (declaração ideologicamente falsa),
prometeu-lhe cargo público, casa, pagou-lhe despesas e fez entregas de dinheiro -,
tudo para comprar seu silêncio e, assim, prejudicar investigações em curso
perante o Supremo Tribunal Federal” (fl. 9).

Constata-se, nos termos da denúncia, “fica[r] claro que Márcio trabalha


para os parlamentares na compra do silencia de EXPEDITO” (fl. 14),
observando-se que, “ouvido após sua prisão preventiva, Márcio confirmou (...)
a citação dos nomes dos dois parlamentares” (fl. 18).

Consta da narrativa apresentada na inicial que, “a partir da farta


documentação acostada, é possível afirmar que Ciro Nogueira e Eduardo da
Fonte mantiveram relações criminosas biunívocas durante anos, as quais foram
testemunhadas presencialmente por José Expedito”, pelo que, “não por
coincidência, justamente todos esses temas compuseram a pauta da conversa do
mensageiro Márcio Junqueira com a testemunha” (fl. 20).

A denúncia, portanto, é clara, explicitando satisfatoriamente os


motivos pelos quais o denunciado Ciro Nogueira Lima Filho é parte na
acusação criminal.

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Na denúncia se desenvolve relato suficiente das ações investigadas,


com a indicação das provas produzidas e a descrição individualizada dos
fatos reputados criminosos e as circunstâncias em que praticados,
revelando-se passível de contraposição pela defesa, nos termos do inc. LV
do art. 5º da Constituição da República.

O conteúdo e a extensão da resposta apresentada pela defesa de Ciro


Nogueira Lima Filho, na qual contrasta os termos da acusação, revela
plena ciência e compreensão dos fatos imputados, inexistindo a alegada
generalidade e abstração que autorizaria, se ocorresse, o reconhecimento
da inépcia da denúncia.

Assim, é inadmissível o pleito de inépcia formal formulado pela


defesa técnica de Ciro Nogueira Lima Filho.

III - Da validade da interceptação das comunicações telefônicas


promovida nos autos da Ação Cautelar n. 4.375

9. A defesa de Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva


sustenta a nulidade das interceptações telefônicas realizadas nos autos da
Ação Cautelar n. 4.375, ao argumento de que as provas então pretendidas
poderiam ser obtidas por meio da ação controlada deferida pelo Ministro
Edson Fachin nos autos da Ação Cautelar n. 4.376.

Dentre os requisitos legalmente estabelecidos para a interceptação


das comunicações telefônicas está a impossibilidade de a prova ser obtida
por outros meios disponíveis, conforme dispõe-se no inc. II do 2º da Lei n.
9.296/1996:
“Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações
telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
(...)
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis”.

Conforme pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal, “a

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interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser determinada


quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos
termos do art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296/1996” (HC n. 108.147, de minha
relatoria, Segunda Turma, DJe 1º.2.2013).

Nesse mesmo sentido:


“(...) É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão
judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova,
à apuração de fato delituoso. (...)” (Inq n. 2.424, Relator o Ministro
Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26.3.2010).

“(...) a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre


que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou
circunstâncias que envolverem os denunciados. (...)”. (HC n. 83.515,
Relator o Ministro Nelson Jobim, Tribunal Pleno, DJ 4.3.2005).

A denúncia narra que, desde 27.9.2016, José Expedito teria prestado


quatro depoimentos à Polícia Federal detalhando crimes supostamente
praticados pelos parlamentares Ciro Nogueira e Eduardo Henrique da
Fonte Albuquerque Silva entre os anos de 2006 e 2015. Após esses
depoimentos, José Expedito teria sido ameaçado de morte pelos
congressistas, razão pela qual teria sido inserido no Programa de
Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, da Secretaria de Direitos
Humanos do Ministério da Justiça em 2016, dele saindo em agosto de
2017.

Nos autos da Ação Cautelar n. 4.375, a autoridade policial informou


que, em 21.2.2018, José Expedito teria comparecido à Polícia Federal e
relatado que, logo após se desligar do programa de proteção a
testemunhas, teria sido procurado por Márcio Junqueira, suposto
preposto de Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, passando a ser pago por
ele mensalmente para que permanecesse calado sobre os fatos ilícitos dos
quais tinha conhecimento. José Expedido alegou ainda que, para ser
coagido a manter o silêncio sobre esses fatos, teria sido ameaçado de

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morte por Márcio Junqueira.

Consta da petição da Procuradoria-Geral da República que requereu


a interceptação das comunicações telefônicas de José Expedito, Márcio
Junqueira e Elias Manoel da Silva:
“José Expedito afirmou que esteve inserido no Programa de
Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, da Secretaria de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça, até 2017. Logo ao se
desligar do programa, foi procurado por Márcio Junqueira no
aeroporto de Guarulhos/SP e dele recebeu dinheiro e orientação de
ficar calado sobre fatos relativos aos referidos senador e deputado, e
que esperasse até ser nomeado em cargo comissionado.
Em novembro de 2017, Márcio Junqueira chamou-o em sua
residência no Lago Norte, Brasília/DF, e o alertou para que
desaparecesse e se mantivesse calado sobre investigações sobre Ciro
Nogueira e Eduardo da Fonte. A partir de então, seu silêncio foi
comprado por cinco mil reais mensais, valores sempre entregues em
cidades diferentes conforme orientações que recebia.
Outros encontros com Márcio Junqueira e Elias Manoel da
Silva, segundo José Expedito Rodrigues, ocorreram em 2017, em
Brasília, São Paulo e Recife. O motivo: receber dinheiro para manter-
se calado em relação a investigações da Operação Lava Jato.
Porém, o teor dos diálogos entre eles evoluiu da compra do
silêncio para sérias ameaças de morte, como revelam os detalhes da
oitiva de José Expedito (...)”.

Esses mesmos fatos foram narrados pela autoridade policial e pela


Procuradoria-Geral da República nos autos da Ação Cautelar n. 4.376, na
qual se requereu a realização de ação controlada para acompanhamento
desses fatos.

Em 23.2.2018, o Ministro Edson Fachin deferiu as medidas


requeridas nas Ações Cautelares n. 4.375 e 4.376. Argumenta a defesa de
Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva que o deferimento da
ação controlada demonstraria a desnecessidade da realização da

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interceptação das comunicações telefônicas e, assim, o não preenchimento


do requisito do inc. II do art. 2º da Lei n. 9.296/1996.

Porém, o relato dos fatos pela Procuradoria-Geral da República


indica que José Expedito não havia se encontrado diretamente com Ciro
Nogueira ou Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva, mas com
Márcio Junqueira, supostamente a mando daqueles parlamentares. O
Ministério Público narrou, ainda, que “as conversas entre os prepostos dos
parlamentares e José Expedito têm ocorrido pela via telefônica, inclusive com o
uso de aplicativos de conversa instantânea”, concluindo que “dessa mesma
maneira devem estar ocorrendo os contatos dos prepostos com os parlamentares”.

A ação controlada e a interceptação das comunicações telefônicas


tinham, portanto, objetivos diversos: a primeira medida teve a finalidade
precípua de acompanhar o encontro entre José Expedito e Márcio
Junqueira; a segunda medida objetivava o monitoramento das
comunicações telefônicas entre os envolvidos, visando especialmente
apurar se haveria liame entre Ciro Nogueira e Eduardo Henrique da
Fonte Albuquerque Silva, de um lado, e Márcio Junqueira, de outro.

Portanto, pelo que se tinha naquele momento processual, a


interceptação das comunicações telefônicas era o único meio eficaz para a
obtenção de elementos que vinculassem os parlamentares às ações de
Márcio Junqueira, razão pela qual comprova-se preenchido o requisito do
inc. II do art. 2º da Lei n. 9.296/1996.

IV - Da alegada nulidade das provas obtidas mediante ação


controlada e superveniente alegação de flagrante preparado

10. Quanto à suposta nulidade das provas obtidas mediante ação


controlada, deferida na Ação Cautelar n. 4.376, conclui-se do exame do
que nos autos se contém não assistir razão jurídica à defesa de Eduardo
Henrique da Fonte Albuquerque Silva.

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Sustenta a defesa que “a prova somente se produziu diante da interação,


do protagonismo do agente” (fl. 202 v.), asseverando ser “inequívoco, portanto,
que as diligências empreendidas na AC 4376 representam, em verdade, a medida
prevista nos artigos 10 e seguintes da Lei Federal 12.850/2013: infiltração de
agente” (fl. 203 v).

Argumenta que, “embora as diligências empreendidas na AC 4376


tenham sido concebidas como ação controlada, elas têm o caráter de infiltração de
agente e, por terem usado particular, contrariam o disposto em lei” (fl. 204).

Diverso do alegado pela defesa técnica de Eduardo Henrique da


Fonte Albuquerque Silva, a medida cautelar de ação controlada, deferida
pelo Relator deste Inquérito nos autos da Ação Cautelar n. 4.376, não
objetivou a infiltração de qualquer agente, policial ou não, na organização
criminosa, senão o acompanhamento monitorado das reuniões mantidas
entre Márcio Henrique Junqueira Pereira e José Expedito Rodrigues de
Almeida, ambos previamente integrados ao esquema investigado.

No julgamento do Habeas Corpus n. 102.819, Relator o Ministro


Marco Aurélio, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal assentou que a
prevalência do interesse público na elucidação de fato supostamente
criminoso, notadamente quando dissimulado no “dia a dia da boa
administração pública”, conduz à legitimidade da utilização da ação
controlada como meio de produção de provas:
“AÇÃO CONTROLADA – AMBIVALÊNCIA –
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. A denominada ação controlada
surge ambivalente, não devendo ser glosada em se tratando do dia a
dia da Administração Pública, em que os desvios de conduta são
escamoteados. INQUÉRITO – PUBLICIDADE. Norteia a
Administração Pública – gênero – o princípio da publicidade no que
deságua na busca da eficiência, ante o acompanhamento pela
sociedade. Estando em jogo valores, há de ser observado o coletivo em
detrimento, até mesmo, do individual” (DJe 30.5.2011).

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Consta da representação, formulada pelo Delegado de Polícia


Federal para realização da ação controlada, que José Expedito Rodrigues
Almeida “compareceu ao edifício-sede da Polícia Federal (...), noticiando ações
criminosas consumadas e outras em vias de consumação” (fl. 4 da Ação
Cautelar n. 4.376) e afirmando que, “além do regular pagamento pelo silêncio,
MÁRCIO JUNQUEIRA e ELIAS MANOEL passaram a ameaçar de morte o
declarante (...). Por este motivo, o JOSÉ EXPEDITO solicitou a reintegração ao
programa de proteção a testemunhas do Ministério da Justiça” (fl. 10 da Ação
Cautelar n. 4.376).

Assim, a medida cautelar ação controlada decorreu de circunstância


específica, a saber: o autor dos testemunhos que se buscavam alterar
procurou previamente a Polícia Federal relatando ter recebido
oferecimento de dinheiro e ameaças de morte, solicitando, por isso, ser
reintegrado ao programa de proteção. Ao contrário, pois, do alegado pela
defesa, não se há cogitar de infiltração de agente particular, mas coação
praticada contra testemunha para embaraçar as investigações. Daí terem
sido monitorados pela polícia os encontros supervenientes, tudo feito
com base em autorização judicial.

Tem-se, ainda, no relatório circunstanciado apresentado pela Polícia


Federal que a medida cautelar efetivou-se com o monitoramento de “dois
eventos ocorridos em Brasília/DF: o primeiro, aos 26 de fevereiro de 2018, na
residência de MÁRCIO HENRIQUE JUNQUEIRA FERREIRA, situada no
Lago Norte; o segundo, aos 28 de fevereiro de 2018, no Shopping Conjunto
Nacional” (fl. 213 da Ação Cautelar n. 4.376), os quais teriam
características análogas aos outros seis encontros narrados na inicial
acusatória, pelo que não se vislumbra qualquer inovação, ou inclusão de
terceiro associado, aos padrões das condutas investigadas.

De se concluir que a ação controlada realizada na espécie: a) partiu


de informação apresentada por José Expedito Rodrigues Almeida, sobre o
qual os denunciados aparentemente buscavam exercer influência, com o

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alegado intuito de embaraçar o curso de ações investigativas; b) não


inovou no quadro subjetivo das ações apuradas, tampouco tendo incluído
agente diverso, policial ou não, na organização criminosa com o intuito
de coligir provas das práticas criminosas.

Verifica-se, portanto, que a medida cautelar de ação controlada foi


conduzida nos estritos limites previstos no art. 8º da Lei n. 12.850/2013.

Ademais, descabe cogitar, como alegado pela defesa de Eduardo


Henrique da Fonte Albuquerque Silva, que “não havia um delito em
andamento que foi esperado pelas autoridades com ajuda do colaborador
(flagrante esperado), mas o uso de um agente privado que induziu seu
interlocutor a agir de certa maneira” (fls 193 v-194).

11. Assevera a defesa técnica tratar-se, na espécie, de flagrante


preparado, sendo que “a consequência de tal encenação provocada não poderia
ser outra senão a atipicidade da conduta e invalidade das provas colhidas, diante
da (i) impossibilidade de afetação do bem jurídico protegido pela norma – crime
impossível, e (ii) ausência de vontade livre e espontânea do agente”.

No específico ponto, tem-se na denúncia que José Expedito


Rodrigues Almeida, ao sair de programa de proteção a testemunhas, “no
segundo semestre de 2017, (...) passou a ser assediado por um emissário de Ciro
Nogueira e Eduardo da Fonte: Márcio Henrique Junqueira Ferreira”.

A inicial acusatória relata que em oito encontros, dos quais apenas os


dois últimos foram monitorados em ação controlada, teria ocorrido o
mesmo padrão de entrega de dinheiro a José Expedito Rodrigues
Almeida com orientação “para que permanecesse calado em relação aos fatos
denunciados” (fl. 10). A partir do quarto encontro, José Expedito Rodrigues
Almeida teria passado, segundo informa a denúncia, a ter a vida
ameaçada, pois “MÁRCIO JUNQUEIRA afirmou que se o declarante falasse
alguma coisa ou gravasse, ele mesmo iria matá-lo, que não aguardaria sequer

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ordem dos parlamentares” (fl. 11).

Prossegue a denúncia, asseverando que, “diante das investidas dos


parlamentares por intermédio de Márcio Junqueira e temendo pela sua própria
vida, JOSÉ EXPEDITO procurou a Polícia Federal (fl. 15 da AC nº 4.357) e
manifestou seu desejo de voltar ao Programa de Proteção a Testemunhas do
Ministério da Justiça” (fl. 9).

Depreende-se, ao menos nesta fase preliminar, não haver notícia nos


autos de induzimento ou qualquer influência de José Expedito Rodrigues
Almeida, ou mesmo de agente policial, sobre a conduta de Márcio
Henrique Junqueira Ferreira ou dos outros denunciados, inclusive quanto
à iniciativa das conversas realizadas com a testemunha, sendo relatado na
denúncia que “Márcio Junqueira instou EXPEDITO a ir à sua casa no Lago
Norte de Brasília/DF”.

Ao contrário, quando da notificação do crime à Polícia Federal, seis


encontros já teriam ocorrido entre os dois, supostamente para tratar de
temas correlatos à “remessa de cem mil reais da UTC Engenharia (...), o uso
compartilhado de imóvel para guarnecimento de dinheiro (...), o recebimento de
R$ 1,25 milhão pelo advogado Marco Meira (...), a busca de cinquenta mil reais
junto a Daividson Tolentino (...), o transporte de seiscentos mil reais pela Pajero
blindada (...), a busca de pelo menos R$ 450 mil junto a Julio Arcoverde”,
assuntos que aparentemente envolveriam os parlamentares Ciro
Nogueira Lima Filho e Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva (fl.
20).

A manutenção dos padrões de conduta adotados em cada qual dos


encontros realizados entre Márcio Henrique Junqueira Ferreira e José
Expedito Rodrigues Almeida aparentemente pressupõe a estabilização
das reuniões e dos interesses discutidos, os quais se reiterariam nos
eventos realizados sob supervisão da Justiça, mediante ação controlada.

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Assim, tem-se por inocorrente, do que se demonstra nesta fase


preliminar, o alegado flagrante preparado a macular as provas
produzidas no presente inquérito.

V - Da tipicidade das condutas imputadas aos acusados

12. Em suas respostas à acusação, Ciro Nogueira e Eduardo


Henrique da Fonte Albuquerque Silva defendem a atipicidade da
conduta descrita pela Procuradoria-Geral da República, pois na data de
sua prática, não haveria investigação sobre os fatos criminosos
envolvendo a suposta organização criminosa integrada por eles.

Nessa linha, argumentam que a) as denúncias nos Inquéritos n. 4.074


e n. 3.989 foram oferecidas pela Procuradoria-Geral da República,
respectivamente, em novembro de 2016 e setembro de 2017; b) “a própria
autoridade policial informa – em Relatório nº 82/2018 – que os supostos atos
descritos na Inicial não tinham o escopo de embaraçar as investigações no
Inquérito 4631, de forma que a menção a tal expediente se tratou de erro
material”.

Essas alegações não podem ser acolhidas.

O § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013 tipifica a conduta daquele que


“impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa”.

O oferecimento da denúncia nos Inquéritos n. 4.074 e n. 3.989


inaugurou a fase processual desses procedimentos, que não mais
poderiam ser enquadrados como meros procedimentos de investigação.

Tal circunstância não é suficiente, contudo, para impedir que a


conduta daqueles que subornam e ameaçam pessoa cujos depoimentos
serviram de substrato para a apresentação da inicial acusatória seja

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enquadrada nesse tipo penal.

O bem jurídico tutelado pelo crime do § 1º do art. 2º da Lei n.


12.850/2013 é a administração da justiça, pelo que seria despojado de
sentido interpretar o dispositivo de modo a tutelar apenas os
procedimentos de investigação.

A expressão “investigação de infração penal que envolva organização


criminosa” deve ser interpretada de forma a abranger não apenas a fase
pré-processual da persecução penal, mas também os processos judiciais
em curso.

Como anota Guilherme de Souza Nucci, “(...) impedir ou embaraçar


processo judicial também se encaixa nesse tipo penal, valendo-se de interpretação
extensiva. Afinal, se o menos é punido (perturbar mera investigação criminal), o
mais (processo instaurado pelo mesmo motivo) também deve ser” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 24-25).

No julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 106.481


(de minha relatoria, DJe 3.3.2011), a Primeira Turma deste Supremo
Tribunal assentou que “a interpretação extensiva no direito penal é vedada
apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens
legis”.

Nesse mesmo sentido, prelecionava Aníbal Bruno:


“10. Algumas vêzes, o texto da lei traduz exatamente a vontade
que nela se quis exprimir, não a restringe nem a amplia. A
interpretação que esclarece essa vontade diz-se, então, declarativa. É
uma simples declaração do sentido da lei, por mais afanosos que
tenham sido os meios e métodos empregados para êsse fim.
Outras vêzes, torna-se claro que o texto legal não exprime a
vontade legislativa em tôda a sua extensão. Diz menos do que queria
dizer. A interpretação restabelece êsse conteúdo efetivo em tôda a sua

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amplitude. Diz-se, nesse caso, extensiva.


(...)
Admite-se a intepretação extensiva, como a restritiva. A
interpretação extensiva é interpretação, não analogia. Aplica-se
também às leis penais, mesmo em sentido estrito, se essa extensão é
que está conforme com a vontade descoberta na lei. Dêsse modo, a
moderna Hermenêutica pôs fim ao antigo princípio de que em relação
às normas incriminadoras só é legítima a interpretação restritiva”
(BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. t. 1. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1967 p. 205-207).

É também o que defendia Heleno Cláudio Fragoso:


“A interpretação extensiva é perfeitamente admissível em
relação à lei penal, ao contrário do que afirmavam autores antigos.
Nestes casos não falta a disciplina normativa do fato, mas, apenas,
uma correta expressão verbal. Há interpretação extensiva quando se
aplica o chamado argumento a fortiori, que são casos nos quais a
vontade da lei se aplica com maior razão. É a hipótese do argumento a
maiori ad minus (o que é válido para o mais, deve necessariamente
prevalecer para o menos) e do argumento a minori ad maius (o que é
vedado ao menos é necessariamente no mais). Exemplo deste último
argumento: se o Código Penal incrimina a bigamia, logicamente
também pune o fato de contrair alguém mais de dois casamentos
(Manzini)” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito
Penal: a nova parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.
85).

Essa orientação mantém-se aceita na doutrina especializada atual:


“(...) a interpretação quanto aos resultados também pode ser
extensiva, e, nesse caso, ocorre uma situação inversa à que acabamos
de abordar: as palavras do texto legal dizem menos do que sua
vontade, isto é, o sentido da norma fica aquém de sua expressão literal.
Essa interpretação ocorre sempre que o intérprete amplia o sentido ou
alcance da lei examinada. Enfim, como reconhecia Washington de
Barros Monteiro, ‘nem sempre é feliz a expressão usada pelo
legislador. Acontece algumas vezes que ele diz menos ou mais do que

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pretendia dizer (minus dixit quam voluit – plus dixit quam


voluit)’” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito
penal: parte geral 1. 21. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 196).

“No tocante à interpretação extensiva, é preciso registrar que se


aplica a todas as espécies de normas, inclusive às de caráter penal.
Esse método nada mais é do que uma reintegração do pensamento
legislativo, visto que as omissões dos textos legais ‘nem sempre
significam exclusão deliberada, mas pode tratar-se de silêncio
involuntário, por imprecisão de linguagem’.
Todavia, tendo em vista o primado do princípio da legalidade
(art. 1º, CP), é força destacar que toda interpretação encontra limites
na letra da lei, de modo que a interpretação extensiva somente deverá
ser empregada para incluir no âmbito de um preceito penal
comportamentos que o seu teor literal admita.
Não é possível transpor os limites assinalados pela lei, mas é
lícito chegar até eles – e a interpretação extensiva trata, precisamente,
de alcançá-los.
A interpretação extensiva, que não se confunde com argumento
analógico, exige sempre uma norma jurídica ainda que com expressões
ambíguas ou imprecisas.
A hipótese, não estando prevista na literalidade legal, o está,
contudo, em seu espírito. Todavia, em sede de procedimento analógico,
como há lacuna, omissão legal, ela não está em nenhum lugar, nem na
letra, nem no espírito da lei posta” (PRADO, Luiz Regis. Curso de
direito penal brasileiro: volume 1. 16. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 115).

13. Como destacou o Ministro Relator, é firme neste Supremo


Tribunal o entendimento de que o acusado defende-se dos fatos descritos
na denúncia, e não de sua capitulação jurídica. Assim, por exemplo:
“Direito Penal e Processual Penal. Inquérito. Crime de
responsabilidade dos Prefeitos.
1. O exame da admissibilidade da denúncia se limita à existência
de substrato probatório mínimo e à validade formal da inicial

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acusatória.
2. O acusado se defende dos fatos descritos na denúncia e não de
sua classificação jurídica. Precedentes.
3. Não é inepta a denúncia que, ao descrever fato certo e
determinado, permite ao acusado o exercício da ampla defesa.
Precedentes.
4. Denúncia recebida” (Inq n. 4.093, Relator o Ministro
Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 18.5.2016).

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL


PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE PESSOAS.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO E
DE DENÚNCIA ALTERNATIVA. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM
DENEGADA.
1. Fato descrito na denúncia em sintonia com o fato pelo qual o
réu foi condenado.
2. A circunstância de não ter a denúncia mencionado o art. 13, §
2º, a, do Código Penal é irrelevante, já que o acusado se defende dos
fatos narrados e não da capitulação dada pelo Ministério Público.
3. O juiz pode dar aos eventos delituosos descritos na inicial
acusatória a classificação legal que entender mais adequada,
procedendo à emenda na acusação (emendatio libelli), sem que isso
gere surpresa para a defesa.
4. A peça inicial acusatória, na forma redigida, possibilitou ao
Paciente saber exatamente os fatos que lhe eram imputados, não
havendo que se falar em acusação incerta, que tivesse dificultado ou
inviabilizado o exercício da defesa.
5. Ordem denegada”. (HC n. 102.375, de minha relatoria,
Primeira Turma, DJe 20.8.2010)

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL


E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL
CULPOSOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
DENÚNCIA RELATANDO IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA.
ACÓRDÃO DO TJ/RS QUE RECONHECEU TER HAVIDO
NEGLIGÊNCIA. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA.

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O réu defende-se de imputação fática; não da capitulação


jurídica do crime. No caso, o paciente dirigindo em alta velocidade,
sob condições de visibilidade adversas, não efetuou manobra
necessária para evitar o atropelamento das vítimas. Quem dirige
nessas condições age, induvidosamente, com imprudência, imperícia e
negligência. Daí a improcedência da alegação de que, tendo a denúncia
relatado a ocorrência de imprudência e imperícia, o acórdão do TJ/RS
não poderia considerar a negligência. Ausência de reformatio in
pejus.
Recurso em habeas corpus não provido” (RHC n. 97.669,
Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe 12.2.2010).

Na espécie, o afastamento da incidência do § 1º do art. 2º da Lei n.


12.850/2013 às condutas descritas pela acusação não seria suficiente para
importar a rejeição da denúncia, pois elas poderiam ser enquadradas, em
tese, no crime previsto no art. 343 do Código Penal:
“Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra
vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para
fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia,
cálculos, tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um
terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a
produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for
parte entidade da administração pública direta ou indireta”.

14. Ademais, ainda em relação à tipicidade da conduta, o § 1º do art.


2º da Lei n. 12.850/2013 descreve o ato de “impedir” ou, “de qualquer forma,
embaraçar” a investigação de infração penal envolvendo organização
criminosa. Na figura “embaraçar”, o tipo penal não exige que a
investigação seja efetivamente impedida de se realizar, bastando, para a
configuração do delito, a prática de qualquer investida, não abrangida
pelo regular exercício do direito de defesa, que objetive prevenir, obstruir
ou neutralizar a condução dos atos investigatórios.

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Assim, conquanto se trate de crime material na figura “impedir”,


deve-se reconhecer tratar-se de crime formal na figura “embaraçar”,
consumando-se o crime independente da produção do resultado
naturalístico.

Nesse sentido, por exemplo:


“O crime é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa;
formal, não exigindo para a consumação qualquer resultado
naturalístico, consistente no efetivo impedimento da investigação na
forma embaraçar, mas material, quando se refere ao verbo impedir,
pois demanda a cessação da referida investigação por ato do agente;
(...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2.
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 25).

“A consumação do núcleo do tipo impedir se perfaz com a


efetiva cessação da persecução penal, sendo, portanto, crime material;
por seu turno, na modalidade de embaraçar, o delito é formal (de
consumação antecipada ou de resultado cortado), porquanto restará
consumado se, de qualquer modo, o sujeito atrapalhar ou perturbar o
andamento normal da investigação ou do processo, ainda que não
alcance a sua interrupção propriamente dita” (MASSON, Cleber;
MARÇAL, Vinicius. Crime organização. 2. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 70).

Na espécie, a Procuradoria-Geral da República narra que, desde


outubro de 2017, Márcio Junqueira, supostamente agindo a mando de
Ciro Nogueira e Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva, “(...)
ameaçou José Expedito de morte, exigiu dele uma retratação em Cartório do
conteúdo dos depoimentos que prestou à PF em 2016 (declaração ideologicamente
falsa), prometeu-lhe cargo público, casa, pagou-lhe despesas e fez entregas de
dinheiro –, tudo para comprar seu silêncio e, assim, prejudicar investigações em
curso perante o Supremo Tribunal Federal”.

As condutas descritas na denúncia são, em tese, hábeis e eficazes a


impedir o andamento regular de investigações envolvendo organização

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criminosa, pois tinham por fim silenciar pessoa cujos depoimentos foram
essenciais para o esclarecimento dos fatos delituosos, enquadrando-se,
ainda em tese, no tipo penal do § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013.

Por se tratar aquele delito de crime formal na modalidade


“embaraçar”, as ações descritas na denúncia, no sentido de assediar
testemunha considerada chave para o esclarecimento dos fatos, são
suficientes para a consumação do delito.

Não importa, para esse fim, que José Expedito não tenha
efetivamente alterado os depoimentos antes prestados à autoridade
policial. A oferta de vantagem para manter em silêncio quanto aos fatos
dos quais tinha conhecimento bastou para se consumar o embaraço da
investigação e, portanto, para a consumação do crime.

15. A defesa de Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva vale-


se, ainda, da não inclusão de José Expedito entre os denunciados como
argumento de atipicidade das condutas descritas na inicial acusatória.

Sem razão, no entanto.

Ao contrário do que ocorre com os demais acusados, a narrativa


fática delineada na denúncia não descreve ato concreto de José Expedito
direcionado a impedir ou embaraçar investigação sobre crimes
envolvendo organização criminosa. No máximo, ter-se-ia a cogitação do
cometimento do crime, sem que sua execução tivesse sequer sido iniciada.

Não se há cogitar, portanto, de ofensa ao princípio da


indivisibilidade da ação penal, pois, pelo que se tem nestes autos, inexiste
notícia da prática de atos executórios do crime tipificado no § 1º do art. 2º
da Lei n. 12.850/2013 por José Expedito.

16. Também não é possível acolher a alegação defensiva de que, no

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caso dos autos, o delito previsto no § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013


seria de mão própria, ao argumento de que “como Expedito foi quem
prestou os depoimentos anteriores, ele seria o único capaz de alterá-los”.

Na lição de Heleno Cláudio Fragoso, são crimes de mão própria


“aqueles que não admitem autoria mediata, ou seja, os crimes em que o sujeito
ativo deve necessariamente realizar a ação típica, não podendo utilizar para isso
interposta pessoa. Nestes casos, o desvalor da conduta delituosa e a ofensa ao bem
jurídico tutelado dependem da realização pessoal da conduta típica”
(FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: a nova parte geral. 4.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 271).

O crime tipificado no § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013 pode ser


praticado por qualquer pessoa que, dolosamente, impeça ou embarace
investigação de infração penal que envolva organização criminosa, não se
exigindo do agente qualquer qualidade pessoal específica. Trata-se,
portanto, de crime comum, como defende a doutrina (NUCCI, Guilherme
de Souza. Organização Criminosa. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 25; MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicius. Crime
organização. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2016. p. 69).

Nas palavras de Nucci:


“O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo é o
Estado, pois o bem jurídico tutelado é a administração da justiça.
Pune-se a título de dolo, não se admitindo a forma culposa. Não
há elemento subjetivo específico.
O crime é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 25).

Na espécie, como antes destacado, descreve-se na denúncia que os


acusados teriam adotado práticas para silenciar pessoa cujos
depoimentos teriam sido essenciais para o esclarecimento de fatos
delituosos envolvendo organização criminosa e, diante do exposto, essa

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conduta pode, em tese, ser enquadrada no delito do § 1º do art. 2º da Lei


n. 12.850/2013.

VI - Da suposta inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n.


12.850/2013

17. Quanto à alegação de que, ao definir crime “absolutamente


indeterminado, pois o núcleo ‘embaraçar’ pode abranger quaisquer condutas que
o Juízo entenda reprováveis” (fl. 229), o tipo penal previsto no § 1º do art. 2º
da Lei n. 12.850/2013 contrariaria o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição
da República, razão jurídica não assiste à defesa de Ciro Nogueira Lima
Filho.

Argumenta a defesa do denunciado que “a excessiva indeterminação


contida no preceito penal pode conduzir a interpretações demasiadamente
extensivas, colocando em risco também o princípio da segurança jurídica,
chegando-se a situações extremas de se estender o tipo penal a situações
corriqueiras, republicanas ou que simplesmente dizem respeito ao exercício de
atividade profissional” (fl. 231).

Afirma ser “imperioso reconhecer o prejuízo ao ora requerente ao ser


denunciado por tipo penal manifestamente inconstitucional, em franco
descumprimento ao princípio da legalidade estrita, que norteia todo o direito
penal e confere segurança jurídica aos cidadãos sobre os quais recaem as
investidas acusatórias do Estado” (fl. 233).

Contudo, no julgamento do Habeas Corpus n. 70.389/SP, Redator para


o Acórdão o Ministro Celso de Mello, este Supremo Tribunal reconheceu
a legitimidade constitucional de tipos penais abertos suscetíveis de
“integração pelo magistrado”:
“TORTURA CONTRA CRIANÇA OU ADOLESCENTE -
EXISTÊNCIA JURÍDICA DESSE CRIME NO DIREITO PENAL
POSITIVO BRASILEIRO - NECESSIDADE DE SUA
REPRESSÃO - CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

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SUBSCRITAS PELO BRASIL - PREVISÃO TÍPICA CONSTANTE


DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI Nº
8.069/90, ART. 233) - CONFIRMAÇÃO DA
CONSTITUCIONALIDADE DESSA NORMA DE TIPIFICAÇÃO
PENAL - DELITO IMPUTADO A POLICIAIS MILITARES -
INFRAÇÃO PENAL QUE NÃO SE QUALIFICA COMO CRIME
MILITAR - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM DO
ESTADO-MEMBRO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE.
PREVISÃO LEGAL DO CRIME DE TORTURA CONTRA
CRIANÇA OU ADOLESCENTE - OBSERVÂNCIA DO
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA TIPICIDADE. - O crime
de tortura, desde que praticado contra criança ou adolescente,
constitui entidade delituosa autônoma cuja previsão típica encontra
fundamento jurídico no art. 233 da Lei nº 8.069/90. Trata-se de
preceito normativo que encerra tipo penal aberto suscetível de
integração pelo magistrado, eis que o delito de tortura - por comportar
formas múltiplas de execução - caracteriza- se pela inflição de
tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral ou
psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima por
atos de desnecessária, abusiva e inaceitável crueldade. - A norma
inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90, ao definir o crime de tortura
contra a criança e o adolescente, ajusta-se, com extrema fidelidade, ao
princípio constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. 5º,
XXXIX). A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE
OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. A simples referência
normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no
art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um
universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o
sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes
que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa
à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação
arbitrária dos direitos humanos, pois reflete - enquanto prática
ilegítima, imoral e abusiva - um inaceitável ensaio de atuação estatal
tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia
e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível,
pelo ordenamento positivo. NECESSIDADE DE REPRESSÃO À

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TORTURA - CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - O Brasil, ao


tipificar o crime de tortura contra crianças ou adolescentes, revelou-se
fiel aos compromissos que assumiu na ordem internacional,
especialmente àqueles decorrentes da Convenção de Nova York sobre
os Direitos da Criança (1990), da Convenção contra a Tortura adotada
pela Assembléia Geral da ONU (1984), da Convenção Interamericana
contra a Tortura concluída em Cartagena (1985) e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
formulada no âmbito da OEA (1969). Mais do que isso, o legislador
brasileiro, ao conferir expressão típica a essa modalidade de infração
delituosa, deu aplicação efetiva ao texto da Constituição Federal que
impõe ao Poder Público a obrigação de proteger os menores contra
toda a forma de violência, crueldade e opressão (art. 227, caput, in
fine). (...)” (HC n. 70.389, Plenário, DJ 10.8.2001 – grifos nossos).

A diversidade de meios cabíveis para a consecução do crime de


embaraço à investigação de infração penal que envolva organização
criminosa não leva ao reconhecimento da alegada indeterminação
daquele tipo penal, o qual tem definidos no § 1º do art. 2º da Lei n.
12.850/2013 os sujeitos passivo e ativo, o objeto jurídico tutelado e o
núcleo da conduta ilícita.

Nesse sentido, tem-se, no Artigo 23 da Convenção das Nações


Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de
Palermo), promulgada pelo Decreto n. 5.015/2004:
“Artigo 23
Criminalização da obstrução à justiça
Cada Estado Parte adotará medidas legislativas e outras
consideradas necessárias para conferir o caráter de infração penal aos
seguintes atos, quando cometidos intencionalmente:
a) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação, ou a
promessa, oferta ou concessão de um benefício indevido para obtenção
de um falso testemunho ou para impedir um testemunho ou a
apresentação de elementos de prova num processo relacionado com a
prática de infrações previstas na presente Convenção;

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b) O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação para


impedir um agente judicial ou policial de exercer os deveres inerentes
à sua função relativamente à prática de infrações previstas na presente
Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos
Estados Partes de disporem de legislação destinada a proteger outras
categorias de agentes públicos”.

O princípio da legalidade estrita, no qual se indica o postulado da


determinação, não afasta a análise interpretativa exercida pelo
magistrado, o qual, vinculado aos princípios determinantes do Estado de
Direito, tem como função primordial dar concretude aos desígnios
delineados na norma.

Revela-se plenamente compreensível da locução “quem impede ou, de


qualquer forma, embaraça” constante do § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013
ser esse preceito normativo voltado à defesa da administração da Justiça
contra qualquer investida que, distanciando-se do regular exercício do
direito de defesa, busque prevenir, obstruir ou neutralizar a regular
condução de atos investigativos voltados à apuração de infrações penais
atinentes à atuação de organização criminosa.

Assim, afastada a suposta indeterminação do tipo penal na espécie e


considerada a derivação hermenêutica da Lei n. 12.850/2013 dos conceitos
estatuídos na Convenção de Palermo, assenta-se a harmonia do § 1º do
art. 2º da Lei n. 12.850/2013 com o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição
da República.
Mérito

18. Como relatado, a Procuradora-Geral da República ofertou


denúncia em desfavor dos investigados, a eles atribuindo a prática do
crime previsto no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013 (impedir ou embaraçar
investigação criminal que envolva organização criminosa).

19. Nesta fase do procedimento, deve-se analisar a existência, ou

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não, de indícios suficientes da materialidade e da autoria do delito


imputado aos denunciados, para que, então, a denúncia possa ou não ser
recebida.

20. A materialidade da infração penal está suficientemente


demonstrada, nesta fase de cognição sumária, pelos depoimentos e
diversos documentos juntados aos autos, em especial aqueles que
resultaram da interceptação telefônica, da ação controlada e da
interceptação ambiental.

Apenas para situar o contexto em que está inserida a testemunha


suejeita dos atos investigados, deve ser lembrado que o acusado Ciro
Nogueira, em conjunto com outros políticos do Partido Progressista, foi
denunciado neste Supremo Tribunal Federal, nos autos do Inquérito nº
4.074, em 16.11.2016, por supostamente ter solicitado e recebido
indevidamente a quantia de dois milhões de reais da empresa UTC
Engenharia, com o finalidade de favorecer a empreiteira em obras no
Estado do Piauí, tudo no contexto da denominada “Operação Lava Jato”.

Além dessa denúncia, em setembro de 2017, o acusado Ciro


Nogueira e outros dez parlamentares do Partido Progressista, entre eles o
igualmente acusado Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva,
também foi denunciado, nos autos do Inquérito nº 3.989, pela eventual
prática do crime de participação em organização criminosa, ainda na
denominada “Operação Lava Jato”, sob a acusação da prática dos delitos
de corrupção e lavagem de dinheiro desviado da empresa Petrobras
Distribuidora S/A.

Tem-se no presente inquérito que uma importante testemunha das


infrações antes mencionadas José Expedito Rodrigues Almeida, logo após
ter saído do Programa de Proteção à Testemunha, do Ministério da
Justiça, passou a ser ameaçada de morte e a receber dinheiro e promessas,
para frustrar a instrução das ações em curso.

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Aquela testemunha, então, procurou a Polícia Federal e narrou os


fatos, afirmando estar sendo procurada pelo denunciado Márcio
Junqueira.

Asseverou ter tido um primeiro encontro com aquele acusado em


11.10.2017 e, posteriormente, encontraram-se novamente em novembro
de 2017. Alegou ter havido mais um encontro em 6.12.2017, em Recife/PE
e outros dois em Brasília, o primeiro no dia 14.12.2017 e o último no final
do mês de dezembro de 2017. Finalmente, teria havido novo encontro, em
Campinas/SP, entre os dias 10 e 11 de fevereiro de 2018.

Informou ter sido ameaçado nesses encontros, sendo-lhe exigido que


ficasse em silêncio e desaparecesse. Afirma ele que, em troca, recebeu
valores e promessas.

Consta dos autos que, após esse último encontro, ocorrido em


Campinas/SP, a testemunha José Expedito Rodrigues Almeida, com seu
consentimento, passou a ser monitorada pela Polícia Federal, tendo sido
autorizado pelo Relator, Ministro Edson Fachin, o uso de meios de prova
consistentes em ação controlada (Ação Cautelar nº 4.376), interceptações
telefônicas (Ação Cautelar nº 4.375) e gravações ambientais (Ação
Cautelar nº 4.376).

Assim, no encontro subsequente, realizado em 26.2.2018, na casa do


acusado Márcio Junqueira, foi captado o teor da conversa, conforme se
tem do Auto Circunstanciado da Polícia Federal, acostado à fl. 168 do
apenso 2:
“(...)
Na ação controlada há a indicação de que Márcio Junqueira
acorda com o colaborador José Expedito que o mesmo irá elaborar
documento constando a negativa de todas as informações que prestou
à Polícia Federal, referentes aos Parlamentares Ciro Nogueira e
Eduardo da Fonte (‘Dudu’).
Márcio Junqueira instrui o colaborador na estratégia a ser

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utilizada para tentar anular a sua versão inicial. José Expedito afirma
que irá acatar todas as diretrizes que lhe for apresentada.
Ademais, é de fácil percepção que tal atitude está sendo
elaborada com a ciência do Deputado Eduardo da Fonte, e que terá
como contrapartida, além dos pagamentos já efetuados ao colaborador
(que totalizam R$10.000,00), um novo pagamento e um trabalho para
José Expedito no Estado de Roraima.
Salienta-se que o novo pagamento aparenta ser de um valor
superior aos anteriores, uma vez que segundo Márcio Junqueira, o
Deputado Eduardo da Fonte informou que esse dilema teria que
acabar (‘Acaba. Pra acabar’).
Há a indicação, por parte de Junqueira, de que o colaborador
deverá permanecer em Brasília, para resolverem a situação ainda
‘nessa semana’ e que isso facilitaria o desenrolar dos fatos, uma vez
que os mesmos não poderiam se comunicar por meio de ligações
telefônicas. Há, portanto, uma preocupação em tratar sobre tais
pagamentos em virtude de sua ilegalidade e possibilidade de
interceptação dos terminais utilizados pelos interlocutores”.

A Polícia Federal confirmou o encontro também pelas Estações


Rádio Base dos celulares, fotografou a chegada e a saída de José Expedito
do local e arrecadou o montante de cinco mil reais, recebido, em espécie,
por José Expedito durante o ato (AC 4383 e AC 4384).

Dois dias depois, em 28.2.2018, em um shopping em Brasília, durante


novo encontro, Márcio Junqueira entregou mil reais a José Expedito e
recebeu dele dois boletos, um do banco do Brasil, no valor de R$64.450,38
(sessenta e quatro mil quatrocentos e cinquenta reais e trinta e oito
centavos) e outro do Banco Itaú, no valor de R$38.615,22 (trinta e oito mil
seiscentos e quinze reais e vinte e dois centavos).

Esse encontro foi fotografado pela Polícia Federal e o dinheiro e os


boletos foram apreendidos.

Com estes dados, conclui-se pela existência de indícios suficientes de

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terem sido praticados atos concretos de embaraçamento da investigação


criminal que envolve organização criminosa, dirigidos contra testemunha
chave das investigações.

21. Quanto à autoria, estão presentes nos autos elementos suficientes


que demonstram, pelo menos em princípio, recair sobre os Denunciados
Ciro Nogueira Lima Filho, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque
Silva e Márcio Henrique Junqueira Pereira acusações que precisam ser
esclarecidas e comprovadas ou afastadas para a conclusão do processo.

Consta dos autos que a testemunha José Expedito Rodrigues


Almeida é ex-funcionário dos denunciados Ciro Nogueira Lima Filho e
Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva, fato confirmado pelos
próprios denunciados em seus depoimentos.

Tem-se, ainda, que, em 2016, aquela testemunha teria relatado à


Polícia Federal prática de atos ilícitos envolvendo os denunciados e
fornecido diversos elementos de colaboração.

Esses elementos de prova foram utilizados nos Inquéritos nº 3.989 e


4.074, que, respectivamente, tramita e tramitou neste Supremo Tribunal
Federal.

Em razão de seus testemunhos naqueles Inquéritos, José Expedito


Rodrigues Almeida ingressou, em 2016, no Programa de Proteção a
Vítimas e Testemunhas do Ministério da Justiça, no qual permaneceu até
junho de 2017.

Tais fatos demonstram que José Expedito Rodrigues Almeida tinha


relação antiga com os acusados Ciro Nogueira Lima Filho e Eduardo
Henrique da Fonte Albuquerque Silva e ao imputar-lhes graves infrações
penais traz indícios de que isso poderia justificar o interesse desses
denunciados no embaraço da investigação, questão apurada nos

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presentes autos.

Corroborando essa lógica tem-se, ainda, que o acusado Márcio


Henrique Junqueira Pereira, que procurou diversas vezes a testemunha
José Expedito Rodrigues Almeida para ameaçá-la, entregar dinheiro e
fazer promessas, é pessoa de confiança dos denunciados Eduardo
Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Ciro Nogueira Lima Filho, tendo
mencionado o nome dos parlamentares em diversos áudios captados, o
que, em tese, fecharia o circulo do provável concurso de pessoas.

Tanto não fosse bastante – e é -, tem-se que a quebra do sigilo de


dados telefônicos e interceptações das comunicações realizadas entre os
alvos demonstrou que, após o encontro ocorrido entre a testemunha José
Expedito e o acusado Márcio Junqueira, no dia 26.2.2018, esse se dirigiu
para a residência do denunciado Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, como se tem no Auto Circunstanciado nº 2/2018,
juntado na Ação Cautelar nº 4.375, em apenso.

Confirmando aqueles elementos de prova que fazem a ligação entre


os acusados, tem-se que, em 24.4.2018, após decisão do Relator, Ministro
Edson Fachin, foram realizadas buscas e apreensões em endereços
ligados aos três denunciados.

Na oportunidade, foi apreendida na sala da chefia de gabinete do


acusado Ciro Nogueira uma folha de papel com uma pesquisa sobre a
testemunha José Expedito (fl. 253 da Ação Cautelar nº 4.383, em apenso).

Estão presentes nos autos elementos suficientes a demonstrar, nesta


fase, a possível autoria delitiva imputada na denúncia.

22. Os fatos atribuídos aos denunciados estão narrados de forma


clara e objetiva, na peça inicial acusatória, em consonância com os
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, que exige, para tanto,

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“a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação


do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do
crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que:


“Se a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos
delituosos, vale dizer, a narrativa do crime em tese, possibilitando
citada narrativa a defesa do acusado, deve ser recebida” (Inq 1.622,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.05.2004).

23. A defesa de Ciro Nogueira Lima Filho alega que “o cidadão


acusado de supostamente integrar organização criminosa não pode ser também
acusado de obstruir a própria investigação da infração penal, sob pena de se
incorrer em dupla violação constitucional: (a) ao princípio da não auto
incriminação; e (b) ao princípio da não dupla incriminação (ne bis in idem)” (fl.
282).

Razão jurídica não assiste à defesa.

O direito ao silêncio remonta ao brocardo do nemo tenetur se detegere


(ninguém é obrigado a se descobrir), originado no direito canônico
medieval e afirmado durante o iluminismo, com a finalidade de
resguardar o direito do acusado de se manter em silêncio durante o
interrogatório, em oposição ao emprego da tortura para a obtenção da
confissão.

Maria Elizabeth Queijo relata que


“Nessa época, marcada pela construção e reconhecimento das
garantias penais e processuais penais, que nos dias de hoje parecem
tão sedimentadas, o princípio do nemo tenetur se detegere revela-se
como garantia relativa ao resguardo do acusado no interrogatório. Isso
decorre do fato de o acusado, nesse período, já não ser visto
exclusivamente como objeto da prova.
Os luministas combateram o emprego da tortura e o juramento

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imposto ao acusado, observando que qualquer declaração


autoincriminativa era antinatural. Além disso, consideravam imoral
os meios utilizados para fazer com que ele falasse, ou seja, confessasse,
autoincriminando-se” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não
produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se
detegere e suas decorrências no processo penal. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 32).

O princípio deu origem ao privilege against self-incrimination do


direito anglo-americano, positivado na Quinta Emenda à Constituição
norte-americana, segundo a qual “nenhuma pessoa (…) pode ser compelida
em processo criminal a ser uma testemunha contra si mesma, nem ser privada da
vida, da liberdade ou da propriedade sem o devido processo legal (…)”.

Marcelo Schirmer Albuquerque leciona:


“(…) em seu nascedouro, a Quinta Emenda à Constituição dos
Estados Unidos não se vinculava à ideia de direito ao silêncio, mas à
importância de se vedar a extração forçada de informações. Pelo menos
é o que dizem fontes fidedignas mencionadas por Albert Alschuler.
Segundo esse autor, o privilege against self incrimination, de
início, restringia-se à proibição de interrogatórios sob juramento, de
tortura e de outras formas coercitivas de interrogatório, inclusive
aqueles levados a cabo por meio de ameças de punições futuras ou
promessas de leniência” (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A
garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008. p. 28).

Em 1992, foram promulgadas a Convenção Americana sobre Direitos


Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto
n. 592/1992), os quais também contemplaram o direito ao silêncio:
Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
“Artigo 8
Garantias Judiciais
(…)
2. Toda pessoa acusada tem direito a que se presuma sua

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inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o


processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
(…)
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a
declarar-se culpada”.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos:


“Artigo 14
(…)
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena
igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias:
(…)
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a
confessar-se culpada”.

Na espécie, o delito imputado caracteriza-se por tutelar a


administração da justiça e, quanto a essa finalidade, abriga condutas que
visam inabilitar ou turbar a ação investigativa, notadamente quando a
prática recai sobre a atuação de terceiros, como aparentemente teria
ocorrido.

Nesse sentido, Antônio Wellington Brito Júnior leciona:


“Certamente, quando o legislador concebeu o aludido parágrafo
o fez pensando na conveniência de obstar que as organizações
criminosas, valendo-se do poderio que ostentam, pudessem refrear
qualquer tentativa do Estado em angariar elementos probatórios
passíveis de minar sua sobrevivência. Para fazer valer suas pretensões,
agremiações criminosas são capazes de recorrer a atos de violência ou à
influência de determinados membros para minar a ação das
autoridades públicas, inviabilizando o êxito da investigação e do
processo.
Tudo leva a entender que não se trata aqui de desapreço do
legislador ao princípio da vedação à autoincriminação, mas de
compromisso legislativo em estabelecer censura penal àquele que,
valendo-se da organização criminosa, ou querendo de algum modo

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favorecê-la, lance mão de estratégias que impeçam a escorreita fluência


da persecução penal, prevalecendo-se de expedientes astuciosos não
admitidos em direito.
Portanto, parece crível que, excepcionalmente, o investigado
possa ser sujeito ativo do tipo enfocado” (BRITO JÚNIOR. Antônio
Wellington. Comentários à Lei 12.850/2013. 1 ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2017, p. 41-42).

Sendo necessário a preservação da garantia da não


autoincriminação, não se revela correto extrair do inc. LXIII do art. 5º da
Constituição da República finalidade que busque impedir a apuração de
condutas delituosas vinculadas a organizações criminosas.

Guilherme de Souza Nucci explicita que “o delito previsto no art. 2º, §


1º, da Lei 12.850/2013 não se liga ao mesmo bem jurídico do crime de
organização criminosa, que é a paz pública, mas se volta contra a administração
da justiça. Cuida-se de um tipo penal de obstrução à justiça” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Organização Criminosa. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 24).

Cleber Masson e Vinícius Marçal igualmente ressaltam que “por meio


desse tipo penal tutela-se a Administração da Justiça, não mais a paz pública
(como no art. 2º, caput, da LCO)” (MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius.
Crime Organizado. 2ª ed. São Paulo: Método, 2016, p. 69).

Nesse sentido, não se revelam cabíveis as alegações de violação aos


princípios da não autoincriminação e da não dupla incriminação.

24. Afastados os argumentos defensivos, suficiente é para o


recebimento da denúncia a presença de indícios da autoria e da
materialidade delitiva, os quais, conforme fundamentação acima, estão
presentes. A prova definitiva dos fatos será produzida no curso da
instrução, não cabendo, nesta fase preliminar, discussão sobre o mérito da
ação penal.

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A denúncia é uma proposta da demonstração de prática de um fato


típico e antijurídico imputado a determinada pessoa, sujeita à efetiva
comprovação e à contradita, e, como assentado na jurisprudência, apenas
deve ser repelida quando não houver indícios da existência de crime;
quando, de início, seja possível reconhecer, indubitavelmente, a inocência
do acusado; ou, ainda, quando não houver, pelo menos, indícios de sua
participação.

Descrito na denúncia comportamento típico, ou seja, sendo factíveis


os indícios de autoria e materialidade delitiva, a ação penal deve ser
instaurada com o recebimento da denúncia.

25. Pelo exposto, tendo a peça inicial acusatória atendido aos


requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e ausentes as hipóteses
do art. 395 do mesmo diploma legal, voto no sentido de receber a
denúncia formulada pela Procuradora-Geral da República em desfavor
de Ciro Nogueira Lima Filho, Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva e de Márcio Henrique Junqueira Pereira, que a eles
imputa a prática do crime previsto no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013
(impedir ou embaraçar investigação criminal que envolva organização
criminosa).

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Extrato de Ata - 13/11/2018

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 4.720
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (4107/DF) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI (25350/DF, 163657/SP) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : ROBERTO BERTHOLDO (13316/PR) E OUTRO(A/S)

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, recebendo a


denúncia, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia. Falaram, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco; pelo
denunciado Ciro Nogueira Lima Filho, o Dr. Antônio Carlos de
Almeida Castro; pelo denunciado Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; e, pelo
denunciado Marcio Henrique Junqueira Pereira, o Dr. Luís Henrique
Machado. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma, 6.11.2018.

Decisão: Após o voto da Ministra Cármen Lúcia, que recebia a


denúncia, acompanhando o Relator, pediu vista o Ministro Gilmar
Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma,
13.11.2018.

Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Presentes


à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes,
Cármen Lúcia e Edson Fachin.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de


Almeida.

Marcelo Pimentel
Secretário

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22/08/2021 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de


denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República, em face do
Senador CIRO NOGUEIRA, do Deputado Federal EDUARDO
HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE SILVA e de MÁRCIO
HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA, em face da possível prática do crime
previsto no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013.
Segundo a peça inicial, no período de agosto de 2017 a março de
2018, os denunciados, de forma organizada e com unidade de desígnios,
praticaram diversos atos de embaraço às investigações realizadas nos
autos dos INQ 4.074, INQ 3.989 e INQ 4.631, inclusive por meio de
tentativas de suborno, ameaças de morte e condutas assemelhadas, com o
objetivo de influir e alterar os depoimentos prestados pela testemunha
JOSÉ EXPEDITO RODRIGUES ALMEIDA, o que configuraria o delito
previsto no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013.
Antes de passar à análise da denúncia, entendo ser importante fazer
um breve registro sobre o objeto e a situação dos inquéritos mencionados.
Em relação ao INQ 4.074, a PGR ofereceu denúncia contra CIRO
NOGUEIRA e outros réus pelos crimes de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Nesse inquérito, o Sr. JOSÉ EXPEDITO foi arrolado como
testemunha. Em 14.8.2018, a Segunda Turma do STF rejeitou a denúncia
apresentada, constatando que a acusação lastreava-se tão somente na
palavra do colaborador e em documentos unilateralmente produzidos
que não indicavam indícios de autoria em relação ao Senador Ciro
Nogueira Lima Filho quanto aos fatos imputados, “carecendo, portanto, de
justa causa as imputações de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro
subjacentes a essa narrativa, pela ausência de lastro mínimo probatório quanto ao
liame subjetivo”. (Inq 4.074, Relator Min. EDSON FACHIN, Relator do
acórdão Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 14.8.2018,

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INQ 4720 / DF

ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 16.10.2018 PUBLIC


17.10.2018).

Já o INQ 3.989 apura o delito de organização criminosa (Orcrim)


supostamente cometido por CIRO NOGUEIRA, EDUARDO DA FONTE e
demais parlamentares do Partido Progressista. Segundo a PGR, essa
Orcrim foi criada e mantida pelos réus para fins de arrecadação de
supostos valores ilícitos decorrentes de crimes cometidos no âmbito da
Administração Pública.
A testemunha JOSÉ EXPEDITO também prestou depoimento, que
foi juntado aos autos do referido inquérito. Posteriormente, a PGR
requereu a sua inclusão no rol de testemunhas, conforme esclarecido
nestes autos pela própria acusação (fl. 08).
A denúncia apresentada no INQ 3.989 foi recebida pela Segunda
Turma, em 11 de junho de 2019. Houve a interposição de embargos de
declaração, cujo julgamento se iniciou em ambiente virtual, na data 22 de
maio de 2020. Iniciado o julgamento, pedi vista dos autos, que já se
encontram prontos para retomada do julgamento.
A denúncia também menciona o suposto embaraço às investigações
do INQ 4.631. Contudo, os réus desta ação penal não foram investigados
nem denunciados naqueles autos. Portanto, o INQ 4.631 somente foi
incluído nesta denúncia por equívoco do MPF e da autoridade policial,
conforme será demonstrado adiante.
Feito esse breve registro, observo que, após o oferecimento da
denúncia, os réus apresentaram suas peças defensivas, nas quais suscitam
diversas questões que ensejariam a nulidade das provas colhidas, a
atipicidade dos fatos denunciados e a rejeição da exordial acusatória.
Iniciado o julgamento sobre a admissibilidade desta acusação, o
Ministro Edson Fachin rejeitou as questões suscitadas pela defesa dos
denunciados e votou pelo recebimento da denúncia.
Após o voto do Ministro Edson Fachin, a Ministra Cármen Lúcia
pediu vista dos autos, tendo posteriormente devolvido o feito para
julgamento, oportunidade na qual acompanhou o voto do relator.

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Pedi vista dos autos para melhor analisar as questões e teses


discutidas nestes autos, as quais passo a apreciar em seguida.

Da preliminar de incompetência do relator para supervisionar as


investigações

A defesa do Deputado Eduardo da Fonte alega incompetência do


Ministro Edson Fachin para relatar o presente Inquérito, argumentando
que "a competência para conhecer e julgar determinados feitos não implica
prevenção para conhecer e julgar acusação de obstrução destes mesmos feitos. (fls.
187).
Não assiste razão à defesa, uma vez que, em 28.6.2018, a então
Presidente do Supremo Tribunal, Ministra Cármen Lúcia, decidiu, com
fundamento no art. 69 do Regimento Interno desta Corte, manter este
Inquérito sob a relatoria do eminente Ministro Edson Fachin, por concluir
haver conexão entre este feito e os Inquéritos 3.989, 4.074 e 4.631.
Naquela ocasião, entendeu a Presidente desta Corte que haveria
uma estreita vinculação entre os fatos apurados em todos os Inquéritos
acima mencionados, com fatos e provas comuns que gerariam a
prevenção do Ministro Fachin.
É certo que esta Corte já decidiu, nos precedentes mencionados pela
defesa, no sentido de ausência de necessária conexão entre os crimes de
organização criminosa e de obstrução da justiça (art. 2º, caput, e §1º, da
Lei 12.850/2013) com outros crimes concretamente cometidos pela
organização (Inquérito 4.243, Rel. Min. Edson Fachin, j. 8.8.2016).
Esse entendimento encontra amparo na autonomia desses crimes
formais contra a paz pública e a administração da Justiça em relação aos
delitos concretamente praticados.
Não obstante, as circunstâncias do caso concreto recomendam a
tramitação conjunta dos feitos sob a mesma relatoria, por questões de
coerência, celeridade e economia processual, em especial à luz do art. 76,
III, do CPP, que prevê a prorrogação da competência nos casos em que
um dos crimes for praticado para “facilitar ou ocultar” outros delitos, ou

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para conseguir “impunidade ou vantagem”.


Nessa linha, considerando que o crime de obstrução de justiça,
objeto destes autos, foi praticado para supostamente impedir a apuração
dos crimes investigados nos INQ 3.989, INQ 4.074 e INQ 4.631, não há
qualquer reparo na decisão que determinou a distribuição por prevenção.
Acresça-se que compete à Presidência do STF decidir sobre questões
de ordem e dúvidas suscitadas na distribuição dos processos, nos termos
do art. 13, III e VII, c/c art. 69, todos do Regimento Interno desta Corte.
Ainda de acordo com o Regimento, apenas o Plenário pode rever ato
jurisdicional praticado pelo Presidente, em sede de agravo regimental
(art. 6º, II, “d”, do RISTF), não sendo esse o caso dos autos.
Por todos esses motivos, rejeito a alegação de incompetência do
relator.

Da alegada inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei


12.850/2013

Pugna a defesa de Ciro Nogueira que a denúncia seja rejeitada em


razão da inconstitucionalidade do crime previsto no § 1º do art. 2º da Lei
12.850/2013, que possui a seguinte redação:

“Art. 2º. Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: [...]
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa;”

Sustenta a defesa que as expressões “embaraçar” e “de qualquer


forma” são vagas e indeterminadas e, portanto, incompatíveis com os
princípios da legalidade estrita, da ampla defesa, do contraditório e do
devido processo legal.
A despeito das alegações da defesa, entendo estar correto o
entendimento do relator no sentido de que:

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“o legislador ordinário estendeu a reprimenda prevista


para o delito de organização criminosa ao agente que ‘impede
ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração
penal que envolva organização criminosa’, visando, assim,
resguardar a administração da justiça no seu múnus de elucidar
e prestar a jurisdição sobre os fatos que se adequam ao referido
tipo penal.
Tendo a administração da justiça como o objeto de tutela
do delito em análise, o emprego do verbo ‘embaraçar’ na
redação do respectivo dispositivo legal não causa qualquer
confusão na obtenção do seu significado quando interpretado
em conjunto com as garantias constitucionais dispostas em
favor do acusado, das quais, aliás, não pode se desvencilhar o
intérprete.
Nesse sentido, a norma penal em análise proíbe a prática
de atos tendentes a obstar, ao arrepio do devido processo legal,
os atos investigativos voltados à elucidação de crimes de
organização criminosa, excluindo-se do seu âmbito de proteção
as condutas que representam exercício legítimo do direito de
defesa.
A partir dessa constatação, o tipo penal previsto no art. 2º,
§ 1º, da Lei 12.850/2013 não é eivado pela alegada
indeterminação, porquanto possibilita ao seu destinatário o
prévio conhecimento do comando proibitivo nele contido,
mormente porque o direito de defesa, assim como qualquer
outra garantia e mesmo na amplitude prevista na Constituição
Federal, não é absoluto e não comporta excessos que interfiram
na escorreita prestação jurisdicional.”

Destarte, embora reconhecendo certa abertura do tipo e a


necessidade de se estabelecerem critérios rígidos para fins de delimitação
das condutas criminosas, acompanho o relator neste ponto e afasto a
alegação de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.

Da nulidade da interceptação telefônica

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A defesa de Eduardo da Fonte alega que o deferimento da


interceptação telefônica, nos autos da AC 4.375, não observou o princípio
da subsidiariedade, nos termos do art. 2º, II, da Lei 9.296/1996, ao
fundamento da existência de outro meio disponível à produção da prova
pretendida pela autoridade policial, consubstanciado na medida cautelar
de ação controlada, que inclusive foi autorizada nos autos da AC 4.376.
Inicialmente, verifico que, nos autos da AC 4.376, foram deferidas as
diligências de interceptação telefônica e ação controlada. Feito esse
registro, passo a analisar a legalidade da interceptação telefônica no caso
concreto.
O art. 3º, inciso V, da Lei 12.850/2013 dispõe que a interceptação de
comunicações telefônicas e telemáticas é meio de obtenção de provas
aplicável às investigações pelos crimes de organização criminosa.
No que se refere aos requisitos legais, a Lei 9.296/1996 rege a matéria
que impacta diretamente no direito ao sigilo das comunicações
telefônicas estabelecido pelo art. 5º, XII, da CF/88.
Nessa linha, a lei estipula que a medida, para fins de prova em
investigação criminal e em instrução processual penal, somente pode ser
decretada se: a) houver indícios razoáveis de autoria ou de participação
em infração penal punida com pena de reclusão; b) se a prova não puder
ser feita por outros meios.
Veja-se o texto da Constituição Federal e da lei:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL
“Art. 5º […]
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal;”

LEI 9.296/96
“Art. 2° Não será admitida a interceptação de
comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das

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seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou
participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no
máximo, com pena de detenção.”

No caso em análise, observa-se que o suposto crime de obstrução de


justiça era praticado mediante comunicações privadas mantidas entre os
denunciados, o que justifica a deflagração da medida de interceptação
telefônica.
Ou seja, filio-me, nesse ponto, ao voto do eminente Relator, quando
considera preenchido o requisito da subsidiariedade, mesmo diante da
autorização simultânea da ação controlada.
Isso porque a ação controlada não seria capaz de elucidar
circunstâncias do crime ocorridas a partir de contatos telefônicos entre os
denunciados, mas apenas os encontros presenciais entre a testemunha
JOSÉ EXPEDITO RODRIGUES ALMEIDA e o codenunciado MÁRCIO
HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA.
É importante destacar que existia, à época da prolação da decisão
que autorizou as interceptações, indícios concretos da prática de condutas
de obstrução praticadas através de contatos telefônicos entre os
denunciados e a testemunha, o que constitui uma circunstância relevante
para fins de justificação da medida, à luz dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade.
Portanto, entendo que essas circunstâncias justificam a deflagração
da medida, ainda que ela não tenha obtido os resultados esperados.
Ou seja, entendo que a realização das interceptações telefônicas
encontra amparo legal e acabou sendo parcialmente favorável aos
denunciados, já que nenhuma prova relevante, nenhum diálogo
comprometedor envolvendo os denunciados CIRO NOGUEIRA e
EDUARDO DA FONTE foi obtido.
Destaque-se que a jurisprudência do STF tem se filiado à teoria do
juízo aparente e à observância dos requisitos procedimentais, de acordo

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com as provas existentes à época do pedido, para fins de análise da


legalidade das interceptações telefônicas, independentemente do
resultado obtido, senão observe-se:

“Habeas Corpus. 2. Prisão em flagrante. Denúncia. Crimes


de rufianismo e favorecimento da prostituição. 3. Interceptação
telefônica realizada pela Polícia Militar. Nulidade. Não
ocorrência. 4. Medida executada nos termos da Lei 9.296/96
(requerimento do Ministério Público e deferimento pelo Juízo
competente). Excepcionalidade do caso: suspeita de
envolvimento de autoridades policiais da delegacia local. 5.
Ordem denegada”. (STF, HC 96.986, Segunda Turma, Rel. Min.
Gilmar Mendes, j. 15.5.2012).

“INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS


NOS ARTS. 20 DA LEI 7.492/1986, 1°, VI, DA LEI 9.613/1998, E
288, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. LICITUDE DOS ELEMENTOS
PROBATÓRIOS COLHIDOS NA FASE INVESTIGATÓRIA.
PRELIMINARES REJEITADAS. INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE DEMONSTRADOS. SUBSTRATO
PROBATÓRIO MÍNIMO PRESENTE. ATENDIMENTO DOS
REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DENÚNCIA RECEBIDA . 1.
O conteúdo dos autos, incluídos os áudios das interceptações
telefônicas utilizadas pela acusação, foi disponibilizado para a
defesa, o que basta para que sejam garantidos o contraditório e
a ampla defesa. [...] 3. O Supremo Tribunal Federal possui
clara orientação no sentido de que são válidos os elementos
probatórios indicativos da participação de pessoas detentoras
de prerrogativa de foro no evento criminoso colhidos
fortuitamente no curso de interceptação telefônica
envolvendo indivíduos sem prerrogativa de foro. A validade
dos elementos colhidos estende-se até mesmo em relação à
identificação de outras práticas criminosas que não eram
objeto da investigação original, desde que licitamente
realizada e devidamente autorizada por juízo competente ao

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tempo da decisão. Precedentes. [...]” (STF, INQ 2.725, Segunda


Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 8.9.2015)

Por todos esses motivos, rejeito a alegação de nulidade das


interceptações telefônicas.

Da inépcia formal da denúncia por ausência de individualização


das condutas e da ausência de justa causa

As defesas de CIRO NOGUEIRA e de EDUARDO DA FONTE


alegam a inépcia formal da denúncia e a ausência de justa causa, sob a
alegação de que a inicial acusatória não descreve de forma
individualizada as supostas condutas delituosas, não estando amparada
em lastro probatório mínimo que possibilite o recebimento da inicial.
Para que se examine a higidez da denúncia, deve-se fazer a leitura
do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, verbis:

“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato


criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do
acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a
classificação do crime e, quando necessário, o rol das
testemunhas”.

Sobre a denúncia, ensina o clássico João Mendes de Almeida Júnior,


verbis:

“É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa,


porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias,
isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou
(quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que
produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a
maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou
(ubi), o tempo (quando). (Segundo enumeração de Aristóteles, na
Ética a Nincomac, 1. III, as circunstâncias são resumidas pelas
palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando,

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assim referidas por Cícero (De Invent. I)). Demonstrativa,


porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de
convicção ou presunção e nomear as testemunhas e
informantes”. (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O
processo criminal brasileiro, v. II. Rio de Janeiro/São Paulo:
Freitas Bastos, 1959, p. 183)

O não preenchimento dos requisitos estabelecidos pelo art. 41 do


CPP deve acarretar a rejeição da denúncia, por inviabilizar a garantia do
devido processo legal e o exercício do contraditório e da ampla defesa
(art. 5º, LIV e LV, da CF/1988).
Sobre o tema, deve-se rememorar o relevante voto proferido pelo
Ministro Celso de Mello no julgamento do Habeas Corpus 84.580, no
qual Sua Excelência registra que o sistema jurídico vigente impõe ao
Parquet “a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva
e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática
delituosa”.
Há diversos outros precedentes no mesmo sentido, dentre os quais
pode-se destacar: HC 105.953/MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, j. 5.11.2010, DJe 11.11.2010; HC 80.549/SP, Rel. Min. Nelson
Jobim; HC 85.948/PA, Rel. Min. Carlos Britto; RHC 856.658/ES, Rel. Min.
Cezar Peluso; HC 73.590/SP, Rel. Min Celso de Mello; HC 70.763/DF, Rel.
Min. Celso de Mello; HC 86.879/SP, em que designado redator do
acórdão.
No que se refere à existência de justa causa, trata-se de uma das
condições da ação. Nos termos do art. 395, III, do CPP, sua ausência leva à
rejeição da denúncia e a doutrina compreende essa condição da ação
como a existência de um lastro probatório mínimo de autoria e
materialidade que dê sustentação à acusação descrita na denúncia.
De acordo com Aury Lopes Jr.:

“[...] a justa causa exerce uma função mediadora entre a


realidade social e a realidade jurídica, avizinhando-se dos
‘conceitos-válvula’, ou seja, de parâmetros variáveis que

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consistem em adequar concretamente a disciplina jurídica às


múltiplas exigências que emergem da trama do tecido social.
Mais que isso, figura como um ‘antídoto, de proteção contra o
abuso de Direito’. [...]
Está relacionada, assim, com dois fatores: existência de
indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e, de
outro, com o controle processual do caráter fragmentário da
intervenção penal”. (LOPES JR., Aury. Direito Processual
Penal).

A jurisprudência do STF segue a mesma linha de raciocínio,


registrando que deve existir um lastro probatório mínimo relativo a um
fato penalmente típico. Destaca, ainda, o significativo encargo processual
do Ministério Público na demonstração do preenchimento desse requisito
legal (STF, INQ 3.982, voto do Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j.
7.3.2017).
No caso em análise, a exordial descreve atos praticados pelo
denunciado Márcio Henrique Junqueira Pereira, em especial 8 (oito)
encontros que teriam ocorrido entre este e José Expedito. O objetivo
desses encontros, conforme consta da denúncia, seria o de possibilitar que
Márcio Henrique Junqueira Pereira se inteirasse do teor das declarações
prestadas por José Expedito à Polícia Federal no ano de 2016, entregando-
lhe quantias, fazendo promessas de emprego e de investidura em cargo
público, bem como de quitação de dívidas, ameaçando-lhe, inclusive, a
vida. Em contrapartida, o referido acusado teria exigido de José Expedito
a alteração dos aludidos depoimentos, por meio de escritura pública a ser
lavrada em cartório, além do compromisso de não mais aparecer nas
cidades de Brasília/DF ou Recife/PE.
Ao expor a narrativa dos diversos encontros e elementos de
informação colhidos a partir das diligências judicialmente autorizadas, a
premissa estruturante da denúncia é de que as condutas praticadas pelo
ex-parlamentar MÁRCIO JUNQUEIRA e por ELIAS MANUEL DA
SILVA teriam ocorrido com a ciência e com a participação de CIRO
NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE.

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Diante da narrativa fática complexa, a peça acusatória não descreve


de forma satisfatória as circunstâncias, a forma e os meios pelos quais
CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE teriam participado dos atos
criminosos, deixando de indicar os elementos de prova que sustentariam,
de forma adequada, a participação dos denunciados.
Veja-se que a denúncia afirma, às fls. 8/9, que CIRO NOGUEIRA e
EDUARDO DA FONTE teriam sido responsáveis pelas ameaças de morte
que levaram JOSÉ EXPEDITO a ingressar no programa de proteção do
Ministério da Justiça. Apesar disso, a peça acusatória não indica, sequer
in status assertionis, as provas que justificariam essa afirmação ou os meios
e modus operandi concretamente utilizado pelos parlamentares para tal
prática. Transcrevo o trecho mencionado para fins ilustrativos (fls. 08/09):

“A partir de 27 de setembro de 2016, JOSÉ EXPEDITO


prestou quatro importantes depoimentos à Polícia Federal (fls.
28 a 44 da AC nº4.375) em que detalhou estes crimes e
apresentou uma série de provas que corroboraram o que disse.
Este material compôs o Relatório de Análise de Material
Apreendido n.º 107/2017 e foi juntado ao Inq. 3.989/DF. Além
disto, a PGR requereu ao Exmo. Min. Edson Fachin a inclusão
de JOSÉ EXPEDITO no rol de testemunhas da denúncia
embasada no Inquérito 3.989. Ele já foi indicado como
testemunha na denúncia oferecida com base no Inq. 4.074.
Assim, a gravidade das declarações de 2016, os
documentos entregues por JOSÉ EXPEDITO e sua condição
formal de testemunha judicial tomaram-no um ‘arquivo vivo’ e,
como tal, foi destinatário da atuação ilícita de Ciro Nogueira e
Eduardo da Fonte.
Bem por isso, sua vida foi ameaçada pelos dois
parlamentares, razão pela qual foi necessário ser inserido no
Programa de Proteção do Ministério da Justiça em 2016, dele
saindo no ano seguinte, em agosto.
Ao sair do Programa, no segundo semestre de 2017, JOSÉ
EXPEDITO passou a ser assediado por um emissário de Ciro
Nogueira e Eduardo da Fonte: Márcio Henrique Junqueira

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Ferreira.”

Não se duvida da gravidade das ameaças sofridas pela testemunha e


colaborador. Contudo, a peça acusatória não descreve, minimamente, a
atuação dos parlamentares nessas ameaças prévias nem os elementos de
prova capazes de vincular tais atos aos parlamentares denunciados.
Não só nessa parte das ameaças prévias, mas também nos demais
fatos narrados, a denúncia se limita a narrar atos praticados pelo
denunciado MÁRCIO JUNQUEIRA, amparando-se em inferências
indiretas para vincular tais atos aos demais réus.
Consta da denúncia, por exemplo, que “a mando dos parlamentares, a
partir de outubro de 2017, nos termos retratados nesta denúncia, Márcio
Junqueira ameaçou JOSÉ EXPEDITO de morte”. A acusação também
menciona que o referido denunciado teria promovido novas tentativas de
intimidação e compra do silêncio nos anos de 2017 e 2018.
Destaque-se que essas tentativas de embaraço à justiça teriam
ocorrido em encontros presenciais entre JOSÉ EXPEDITO e MÁRCIO
JUNQUEIRA. Sobre esse ponto, entendo ser importante ressaltar que
não há nenhum elemento probatório dos autos que possa sugerir que
CIRO GOMES e EDUARDO DA FONTE tenham se encontrado ou
mesmo se comunicado com a testemunha.
As diversas gravações e interceptações telefônicas deflagradas nos
autos da Ação Cautelar 4376 comprovam essa conclusão.
A rigor, os seus nomes apareceram apenas a partir de declarações
unilaterais da testemunha, no sentido de que MÁRCIO agiria em nome
dos parlamentares, ou então em breves referências nas conversas
realizadas entre ambos.
Uma breve síntese das circunstâncias e intercorrências desses
encontros, extraídas a partir da descrição fática contida na denúncia (fls.
9/21), é capaz de ilustrar a conclusão acima exposta:

“I) Em 17.10.2017, Márcio e Expedito se encontram no


aeroporto de Guarulhos. Márcio questiona sobre os
depoimentos prestados por Expedito à Polícia Federal. Diz que

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vai ajudar a testemunha pessoalmente e que iria conversar com


os demais parlamentares denunciados, para quem Expedito
trabalhou, sobre suas dificuldades financeiras. Márcio
supostamente entrega a expedito R$ 2.500,00 (dois mil e
quinhentos reais);
II) em novembro de 2017, Expedito vai à casa de Márcio
Junqueira em Brasília, onde teria recebido R$ 5.000,00 (cinco
mil reais). O motivo, segundo declarações da testemunha, seria
a suposta compra de silêncio. Márcio atuaria a suposto mando
dos parlamentares, embora inexistam provas mínimas dessa
circunstância;
III) Na data de 6.12.2017, Expedito teria se encontrado em
Recife com o advogado Elias, oportunidade na qual teria
recebido o valor aproximado de R$ 1.200,00 (mil e duzentos
reais). Esse é o único encontro que não conta com a
participação do corréu Márcio;
IV) Em 14.12.2017, Márcio e Expedito se encontram
novamente. Expedito alega ter recebido R$ 1.500,00 (um mil e
quinhentos reais). Márcio promete um emprego a Expedito e
diz que irá conversar com os parlamentares denunciados sobre
a suposta indenização trabalhista que Expedito acreditava ter
direito. A testemunha José Expedito declarou que as orientações
dadas por Márcio no encontro eram repassadas por Eduardo da
Fonte e Ciro Nogueira, embora não exista nenhuma prova ou
indício concreto colhido durante esse encontro. Márcio
supostamente ameaça Expedito de morte.
V) no final de dezembro de 2017, Expedito recebeu de
Márcio Junqueira R$ 2.200,00, supostamente a mando dos
parlamentares.
VI) No período de 10.2.2018 a 11.2.2018, Expedito
hospedou-se no hotel Melliá em Campinas, a convite de Márcio
Junqueira. Márcio entregou R$ 5.000 (cinco mil reais) a
Expedito e a testemunha disse que ele pediu, nesse encontro,
para que ele não fosse mais a Brasília ou Recife. As provas do
comparecimento de José Expedito e de Márcio Junqueira no
referido hotel são juntadas aos autos. No que se refere à

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menção aos parlamentares, consta dos autos apenas as


declarações da testemunha.
VII) Em 26.2.2018, Expedito e Márcio Junqueira se
encontram na casa de Márcio, em Brasília. Expedito recebeu
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de Márcio Junqueira. Mesmo com
a interceptação ambiental, há apenas breves referências a
Eduardo da Fonte e Ciro Nogueira, conhecido de ambos.
Márcio oferece emprego e um local para moradia a Expedito
em Roraima, onde o primeiro reside e trabalha.
VIII) Na data de 28.2.2018, Márcio e Expedito se
encontram em um café, no shopping Conjunto Nacional.
Márcio entregou R$ 1.000,00 (um mil reais) à testemunha,
além de dois boletos. Em diálogos mantidos posteriormente,
por telefone, Márcio disse que iria falar com “eles”, os
parlamentares, sobre o pagamento de outros boletos, o que a
PGR entende ser suficiente para colocar CIRO NOGUEIRA e
EDUARDO DA FONTE na cena do crime”.

É importante que se diga que nos seis primeiros encontros acima


descritos, a realização dos pagamentos indevidos, com o suposto objetivo
de obstruir as investigações empreendidas no INQ 4.074 e 3.989, encontra
amparo apenas nas palavras e na narrativa construída pela testemunha e
colaborador JOSÉ EXPEDITO.
Com efeito, JOSÉ EXPEDITO afirma que todos esses pagamentos
foram efetuados para obstruir as investigações. Contudo, não constam
dos autos provas da entrega ou do recebimento desses valores.
Além disso, mesmo nos casos em que o denunciado MÁRCIO
JUNQUEIRA confirmou o pagamento das despesas de hotel e a entrega
de dinheiro, o que ocorreu nos encontros realizados no Hotel Meliá e no
Aeroporto de Guarulhos (AC 4.383, Apenso 1, fl. 288), há indefinição
sobre o elemento subjetivo dessas condutas, uma vez que o corréu afirma
que praticou tais atos para prestar auxílio financeiro à testemunha, e não
com o objetivo de comprar o seu silêncio ou a modificação de seus
depoimentos.
Anote-se que meros comprovantes de bilhetes aéreos ou de

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hospedagem são insuficientes para tal fim, já que não comprovam


minimamente as alegações do colaborador, que não podem ser
simplesmente consideradas como verdadeiras, sob pena de violação à
regra da presunção de inocência que impõe ao colaborador o ônus de
comprovar suas imputações.
Portanto, verifico, desde já, nítido excesso acusatório na imputação
de seis atos de obstrução aos denunciados com base apenas em relatos
do colaborador não amparados em elementos externos e idôneos de
corroboração.
Outrossim, em relação aos dois últimos encontros que foram
acompanhados pela Polícia Federal, verifico que nas interceptações
telefônicas autorizadas, não há nenhum diálogo direto de EXPEDITO
com CIRO NOGUEIRA ou EDUARDO DA FONTE, mas apenas
referências esparsas, incertas e indiretas.
Vejam-se, a título de exemplo, os seguintes diálogos narrados na
denúncia (fls. 14/15):

“MÁRCIO: Nós tem quem que se desfazer de tudo. Tu


tem coragem pra isso?
EXPEDITO: O quê?
MÁRCIO: pra desfazer.
EXPEDITO: Juca, eu tô aqui, como você disse pra mim.
Falou pra ele. Eu tô aqui. (..)
MÁRCIO: nós vamos no cartório ... (...) No cartório,
entendeu? E depois você me encaminha o AR (fl. 223). ( ... )
Aos 45'19":
MÁRCIO: Eu disse a eles: 'olha, eu não acredito nisso aqui.
Assim, pra mim esses caras pegaram, foram juntando as coisas,
puseram isso aí e ele assinou. Ele assinou porque isso aqui não é da
cabeça dele". Até juntaram ... ( ... ) Esses papeis ficaram presos?
EXPEDITO: ficou tudo lá, pô. Ficou tudo lá, rapaz. O
original, Tudinho.
MÁRCIO: vamos resolver.
EXPEDITO: vai dar certo, ele vai ser o deputado mais
votado do Estado. Vai dar certo.

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[...]
MARCIO: Ele deve chegar hoje, chegar amanhã. Mas aí eu
vou falar com ele, pra juntar esse negócio, aí eu vou trazer o teu.
[...]
Aos 48'08":
MÁRCIO: tem que sair como 'eu não li, não sei ler' (fl.
224).
Aos 49'38": [...]
MÁRCIO: E não adianta que com eles, mesmo que
quisessem, não tinha como você ficar perto deles. ( ... ) Agora
comigo tu pode ficar. Não tem problema nenhum. Tu pode ser
funcionário da Assembleia até nós ver o que que acontece. Nós
vamos ganhar a eleição lá, se Deus quiser (fl. 225).”

Observe-se que há apenas a menção genérica a “ele” ou a “eles”. Nos


outros trechos em que o nome ou o apelido dos parlamentares são
mencionados, há a descrição de meras conversas laterais, fatos
irrelevantes, como a ida de MÁRCIO JUNQUEIRA à casa de EDUARDO
DA FONTE, desvinculada de qualquer ato de obstrução, e informações
recebidas de terceiros, o que é insuficiente para que se possa concluir pela
coautoria ou participação de CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE
nos fatos descritos na denúncia.
Além da ausência de indicação de ação ou omissão juridicamente
relevante por parte dos parlamentares denunciados, o próprio
codenunciado MÁRCIO JUNQUEIRA, ao ser ouvido no âmbito deste
Inquérito, afirmou que não tinha conversado com CIRO NOGUEIRA e
EDUARDO DA FONTE sobre os encontros e acertos mantidos com
JOSÉ EXPEDITO, com exceção de uma única oportunidade em que
mencionou, brevemente, com o segundo parlamentar, sobre as
dificuldades financeiras da testemunha, senão observe-se (AC 4.383,
eDOC 61, fls. 230/231):

"QUE nunca falou com o Deputado EDUARDO DA


FONTE a respeito de dívidas de JOSÉ EXPEDITO, salvo a
situação específica da LAND ROVER acima relada; QUE nunca

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houve do Deputado EDUARDO DA FONTE qualquer


interesse no sentido de resolver questões referentes a JOSÉ
EXPEDITO, seja no que se refere a quitações de dívidas, seja
no que se refere a elaboração do citado termo para ‘desdizer’
as declarações prestadas à Polícia Federal"; QUE ao afirmar
que trataria dos boletos com ‘eles' se referia a EDUARDO DA
FONTE e a CIRO NOGUEIRA, mas desde já deixa claro que
apenas utilizou o nome dos parlamentares neste diálogo como
forma de JOSÉ EXPEDITO não se sentir excluído. QUE os
parlamentares não tinham conhecimento de que o declarante
usara os seus nomes nesses diálogos com JOSÉ EXPEDITO no
Conjunto Nacional. […]
QUE em nenhum momento atuou no sentido de
convencer JOSÉ EXPEDITO a contrariar declarações prestadas à
Policia Federal; QUE em nenhum momento foi procurado por
CIRO NOGUEIRA ou por EDUARDO DA FONTE para tentar
convencer JOSÉ EXPEDITO a silenciar ou a contrariar seus
depoimentos prestados à Policia Federal."

A suposta tentativa de intimidação e de compra de silêncio


praticada por intermédio de ELIAS MANUEL DA SILVA é ainda mais
lacônica e evasiva. Observe-se o que consta da denúncia (fls. 10/11):

“Além de Márcio, as intimidações a JOSÉ EXPEDITO a


mando dos dois parlamentares denunciados foram feitas
também por ELIAS MANUEL DA SILVA, contador do Partido
Progressista (PP). Em 06/12/2017, foi marcado um encontro em
Recife com o advogado ELIAS. Recebeu dele duzentos reais e
mais mil reais, quando já estava no aeroporto para pegar o voo
de volta”.

A imputação contida na denúncia, relativa a esse ponto, se resume a


esse parágrafo. No que se refere à participação dos parlamentares CIRO
NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE nesses fatos, consta da denúncia
duas notas de rodapé.

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A primeira diz que “ELIAS ocupa um cargo na Receita Estadual ou


Federal em Juazeiro do Norte/CE por indicação de EDUARDO DA FONTE.”
(fl. 10, nota de rodapé 19). Já, na segunda, consta que Elias seria contador
do PP e pessoa ligada a EDUARDO DA FONTE, que mantinha contato
telefônico com o denunciado e realizava atividades de contadoria para as
empresas do parlamentar (fl. 11, nota de rodapé 22).
Reforço que a denúncia não pode se basear em meras relações
pessoais ou presunções, sem a descrição mínima, fundamentada em
provas idôneas, das circunstâncias indicativas da participação dos
acusados.
Do contrário, tem-se não apenas a admissão de uma acusação com
base em peça inepta e destituída de justa causa, mas também a adoção de
um modelo de responsabilidade penal objetiva incompatível com os
direitos e garantias fundamentais dos acusados.
Portanto, conclui-se que não há, na peça acusatória, a descrição
suficiente de ação ou omissão juridicamente relevante imputável aos
denunciados CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE.
Em verdade, a denúncia baseia-se precipuamente nas palavras da
testemunha JOSÉ EXPEDITO que, embora não tenha celebrado acordo,
adotou a postura de colaborador, razão pela qual foi inclusive exonerado
de qualquer responsabilidade.
Sobre esse tema, reforço que a nova redação do art. 4-A, §16, II, da
Lei 12.850/2013, proíbe o recebimento da denúncia com base apenas nas
palavras do colaborador:

“Art. 4º-A
[…]
§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou
proferida com fundamento apenas nas declarações do
colaborador:
[...]
II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;”

Portanto, a descrição genérica e desamparada em idôneos elementos

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de prova incorre nos vícios da inépcia e ausência de justa causa para a


instauração da ação penal em relação aos denunciados CIRO NOGUEIRA
e EDUARDO DA FONTE.
Por esse motivo, também voto pela rejeição da denúncia em virtude
da inépcia formal e da ausência de justa causa da peça inicial
acusatória, nos termos do art. 395, I e III, do CPP.

Da atipicidade das condutas imputadas aos acusados pela ausência


de elementar

A defesa de Ciro Nogueira e de Eduardo da Fonte alega que os fatos


descritos na denúncia seriam atípicos. A atipicidade decorreria: a) da
ausência da prática de qualquer ato concreto de embaraço, como a
retificação do depoimento prestado pela testemunha JOSÉ EXPEDITO, o
que indicaria que o crime não passou da fase de cogitação; b) porque os
atos de obstrução e embaraço não ocorreram no curso de investigação de
infração penal que envolvia organização criminosa, mas sim na fase
processual da persecutio criminis.
Em relação à primeira alegação, entendo que ela deve ser afastada,
uma vez que o crime de embaraço às investigações é comum e de mera
conduta (BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César.
Comentários à Lei de Organização Criminosa. Livro eletrônico (e-book).
Posição 1.956), de modo que qualquer ato material que busque atingir
essa finalidade já é suficiente para fins de consumação,
independentemente da ocorrência do resultado naturalístico.
No que se refere ao segundo argumento, é importante transcrever
novamente o teor da norma contida no art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013,
para melhor compreensão da controvérsia:

“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
[…]
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal

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que envolva organização criminosa.”

De acordo com a defesa, não seria possível, segundo as técnicas de


interpretação de leis aplicáveis ao Direito Penal, a consumação do crime
na fase posterior, em que judicializada a pretensão punitiva estatal.
Entendo que assiste razão à defesa dos denunciados.
Isso porque, de acordo com os autos, os supostos crimes de
obstrução à justiça ocorreram entre outubro de 2017 e março de 2018.
Nesse período, a Procuradoria-Geral da República já havia oferecido
denúncia relativa ao objeto da investigação dos autos dos INQ 4.074 e
INQ 3.989, o que se deu em 16.11.2016 e 4.9.2017, respectivamente.
Em relação ao INQ 4.631, também mencionado na denúncia, é
importante registrar que não houve tentativa de obstrução em relação a
essas investigações, conforme corretamente observado pela autoridade
policial.
Nessa linha, o Delegado responsável pelo caso esclareceu que a
indicação do referido inquérito, enquanto objeto da obstrução, ocorreu
por mero erro material:

“[...] nos documentos policiais que instruem as ações


cautelares nos. 4375, 4376,4383 e 4384 (objeto deste relatório),
afirmo que as condutas de MÁRCIO JUNQUEIRA e dos
parlamentares CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE
tinham como propósito o embaraço às investigações
formalizadas no Inq. 4631/DF. Existe, portanto, erro material,
uma vez que as declarações prestadas por JOSÉ EXPEDITO à
Policia Federal em outubro de 2016 foram de fato juntadas aos
Inqs. 3989/DF e 4074/DF. Portanto, nas repetidas investidas a
JOSÉ EXPEDITO, o ex-deputado federal MÁRCIO
JUNQUEIRA, agindo por determinação de CIRO NOGUEIRA
e de EDUARDO DA FONTE, na verdade embaraçou as
investigações formalizadas nos Inqs. 3989/DF e 4074/DF,
procedimentos nos quais foram juntados os termos de
declarações de JOSÉ EXPEDITO e os respectivos relatórios de
análise da Policia Federal. Importante consignar que tal

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correção não modifica em absolutamente nenhum aspecto as


conclusões e análises policiais. Apenas fica esclarecido que as
condutas de CIRO NOGUEIRA, EDUARDO DA FONTE e
MÁRCIO JUNQUEIRA não se destinavam ao embaraço do
Inq. 4631/DF, mas sim dos Inqs. 3989/DF e 4074/DF.” (AC
4.383, Apenso 2, p. 412, eDOC 71)

Diante desse contexto, é possível concluir com absoluta segurança


que à época dos fatos inexistia qualquer investigação em curso sobre
crimes praticados por organização criminosa, já que os dois inquéritos
que teriam sido objeto de obstrução se encontravam na fase de
recebimento da denúncia.
Essa circunstância é suficiente para se concluir pela atipicidade do
crime de obstrução de justiça, uma vez que o tipo legal restringe
expressamente o âmbito de alcance da norma penal incriminadora aos
atos de impedimento ou obstrução praticados na fase pré-processual de
investigação.
Nessa linha, destaco o entendimento de Cezar Roberto Bittencourt e
Paulo Busato sobre o tema:

“A terminologia do direito penal, e, particularmente, do


processo penal são precisas e conhecidas de todos os
operadores especializados, isto é, têm sentido e significado
próprios. ‘Investigação criminal’ ou ‘investigação de infração
penal’ têm significado específico e limitado, referindo-se à fase
pré-processual, isto é, à fase preliminar, puramente
administrativa, anterior ao processo penal ou judicial
propriamente dito. Quando o legislador quer dar-lhe
abrangência maior usa outros termos, tais como processo judicial,
processo criminal, fase processual ou simplesmente processo, como
ocorre, por exemplo, no crime de ‘coação no curso do processo’
(art. 344 do CP), pois, nesse dispositivo do Código Penal, o
legislador refere-se expressamente a ‘processo judicial, policial
ou administrativo, ou em juízo arbitral’. […] Aliás, a própria Lei
n. 12.850, ao tipificar o crime do art. 21, reconhecendo a

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distinção entre investigação e processo, estabelece “no curso de


investigação ou de processo”. (BITTENCOURT, Cezar Roberto;
BUSATO, Paulo. Comentários à Lei de Organização
Criminosa. Livro eletrônico (e-book). Posição 1.845).

José Paulo Baltazar Jr. compartilha o mesmo entendimento, ao


afirmar que “o objeto da ação (do crime de obstrução de justiça) será a
investigação de infração penal que envolva organização criminosa, não podendo
ser reconhecido o delito quando a conduta se der na fase de ação penal”
(BALTAZAR JR., José Paulo. Crimes Federais. Livro eletrônico (e-book).
Posicão 37.293)
Anote-se que entendimento em sentido contrário acarretaria
violação do princípio da legalidade penal estrita, também conhecido
como princípio da tipicidade, que está previsto no artigo 5º, inciso XXXIX,
e no artigo 1º do Código Penal.
De acordo com essas normas: a) não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal; b) a interpretação dos tipos
penais deve ser realizada de forma estrita, sendo proibido o uso da
analogia in malam partem ou da interpretação extensiva para fins penais.
Corroborando esse raciocínio, Cezar Roberto Bittencourt destaca
que:

“Com a interpretação extensiva […] criam-se, a rigor,


novos crimes, quais sejam, embaraçar ou impedir processo
judicial, condutas, evidentemente, não contempladas no tipo
penal. Nessas hipóteses, o intérprete estaria substituindo o
próprio legislador, criminalizando novas figuras penais que não
constam do ordenamento jurídico, violando os princípios da
legalidade e da reserva legal, insculpidos na Constituição
Federal” (BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo.
Comentários à Lei de Organização Criminosa. Livro eletrônico
(e-book). Posição 1.919).

O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência pacífica nesse


sentido. Nessa toada, no julgamento do RHC 121.835-AgRg, a Corte

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assentou a impossibilidade de que réus sejam processados e condenados


pelo crime de lavagem de dinheiro decorrente de organização criminosa
por fatos anteriores ao advento das Leis 12.683/2012 e Lei 12.950/2013,
tendo em vista o princípio da legalidade formal e estrita e a proibição da
analogia in malam partem.
Veja-se a ementa do acórdão:

“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’ –


LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA –
INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE – QUADRILHA
(ATUALMENTE DESIGNADA ‘ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA’) –
CONDUTAS PRATICADAS ENTRE 1998 E 1999, MOMENTO
QUE PRECEDEU A EDIÇÃO DA LEI Nº 12.683/2012 E DA LEI
Nº 12.850/2013 – IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL
DE SUPRIR-SE A AUSÊNCIA DE TIPIFICAÇÃO DO
DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, COMO
INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE, PELA INVOCAÇÃO
DA CONVENÇÃO DE PALERMO – INCIDÊNCIA, NO
CASO, DO POSTULADO DA RESERVA
CONSTITUCIONAL ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO
FORMAL (CF, art. 5º, inciso XXXIX) – DOUTRINA –
PRECEDENTES – INADMISSIBILIDADE, DE OUTRO LADO,
DE CONSIDERAR-SE O CRIME DE FORMAÇÃO DE
QUADRILHA COMO EQUIPARÁVEL AO DELITO DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARA EFEITO DE
REPRESSÃO ESTATAL AO CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO COMETIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº
12.683/2012 E DA LEI Nº 12.850/2013 – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. – Em matéria penal, prevalece o dogma da
reserva constitucional de lei em sentido formal, pois a
Constituição da República somente admite a lei interna como
única fonte formal e direta de regras de direito penal, a
significar, portanto, que as cláusulas de tipificação e de
cominação penais, para efeito de repressão estatal,
subsumem-se ao âmbito das normas domésticas de direito
penal incriminador, regendo-se, em consequência, pelo

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postulado da reserva de Parlamento. Doutrina. Precedentes


(STF). – As convenções internacionais, como a Convenção de
Palermo, não se qualificam, constitucionalmente, como fonte
formal direta legitimadora da regulação normativa concernente
à tipificação de crimes e à cominação de sanções penais.
(RHC 121.835 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda
Turma, julgado em 13.10.2015)

Portanto, argumentos sobre a desproporcionalidade da não punição


de atos de embaraço praticados no curso do processo, sobre a finalidade
da norma penal incriminadora do art. 2º, §1º, da Lei 12.850/2013 ou
relativos à interpretação extensiva de tipos penais não devem ser
admitidos, ainda que apresentem, de lege ferenda, críticas pertinentes à
atuação do legislador.
Do contrário, tem-se a adoção de um modelo de Direito Penal
infenso aos fundamentos básicos do garantismo penal e do Estado
Democrático de Direito, que passa a admitir a criminalização de condutas
fluidas, abertas ou determinadas a posteriori, o que contraria não só o
princípio da legalidade penal, mas também a segurança jurídica e a
própria concepção de justiça.
Destaque-se que a apresentação de denúncia por fato atípico deve
ensejar a rejeição da inicial acusatória por inépcia ou a absolvição sumária
dos acusados (art. 395, I e art. 397, III, do CPP, art. 6º da Lei 8.038/90 e art.
231, §4º, “c”, do RISTF), não sendo papel do Judiciário a correção da
tipificação para poder “salvar” a peça inicial dotada de vício insanável.
Nessa linha, a jurisprudência do STF é pacífica quanto à
impossibilidade de modificação da classificação jurídica contida na
denúncia por parte do Poder Judiciário, ressalvados os excepcionais casos
em que essa alteração seja mais favorável ao réu em termos de
procedimento ou de suspensão condicional do processo, por exemplo, ou
nas hipóteses em que a desclassificação impactar na definição da
competência.
Vejam-se os seguintes precedentes:

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“[…] 4. De um lado, não pode o órgão jurisdicional,


liminarmente, substituir-se ao Ministério Público - titular
exclusivo da ação penal - e, a fim de retificar-lhe a
classificação jurídica proposta, aditar à denúncia
circunstância nela não contida, ainda que resultante dos
elementos informativos que a instruam. 5. Por outro lado,
carece de justa causa a denúncia, tanto quando veicula
circunstância essencial desamparada por elementos mínimos
de suspeita plausível da sua realidade, quanto se omite
circunstância do fato, igualmente essencial à sua qualificação
jurídica, cuja realidade os mesmos elementos de informação
evidenciem. 6. Verificada essa última hipótese, não podia ser
recebida a denúncia, nem sob a capitulação que formula - fruto
da omissão de circunstância do fato, que a inviabiliza -, nem
mediante desclassificação que a ajustasse aos dados unívocos
do inquérito, solução que implicaria inadmissível aditamento,
pelo juízo, de fato não constante da imputação formulada pelo
Ministério Público. 7. HC deferido para rejeitar a denúncia, sem
prejuízo de que outra seja adequadamente oferecida”.
(HC 84.653, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Primeira Turma, julgado em 2.8.2005, DJ 14.10.2005 PP-00011
EMENT VOL-02209-02 PP-00275)

“HABEAS CORPUS. CRIME DE APROPRIAÇÃO


INDÉBITA. IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DA
CAPITULAÇÃO NO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
CONCESSÃO DE SURSIS PROCESSUAL: IMPOSSIBILIDADE.
NÃO- APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 168-A, § 2º, DO
CÓDIGO PENAL. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. PEDIDO
DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS
DENEGADO. 1. Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da
denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da
acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na
peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento
da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a
emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal

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assim o indicar. 2. Não-aplicação, por analogia, do § 2º do art.


168-A, do Código Penal, à espécie, quanto à extinção da
punibilidade do Paciente, em razão de ter ele restituído a
quantia devida à vítima antes do oferecimento da denúncia. 3.
O trancamento da ação penal, em habeas corpus, apresenta-se
como medida excepcional, que só deve ser aplicada quando
evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre quando a
denúncia descreve conduta que configura crime em tese. 4.
Ordem de Habeas corpus denegada”.
(HC 87.324, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira
Turma, julgado em 10.4.2007, DJe-018 DIVULG 17.5.2007
PUBLIC 18.5.2007 DJ 18.5.2007 PP-00082 EMENT VOL-02276-02
PP-00217 RJSP v. 55, n. 356, 2007, p. 177-186)

Idêntico posicionamento é seguido pelo STJ, que destaca a violação


ao princípio da inércia da jurisdição na decisão do magistrado que busca
alterar, na fase de recebimento da denúncia, a classificação jurídica dos
fatos estabelecida pela acusação:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME


CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO I, DA
LEI 8.137/1990). MAGISTRADO DE ORIGEM QUE ALTERA
A CAPITULAÇÃO JURÍDICA DADA AOS FATOS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO NO MOMENTO DO
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA INÉRCIA, À TITULARIDADE DA AÇÃO
PENAL E ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO DE MÉRITO DA
AÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE DAS
CONDIÇÕES DA AÇÃO A PARTIR DOS PARÂMETROS
FORNECIDOS PELO ÓRGÃO ACUSATÓRIO NA PEÇA
INAUGURAL. EXISTÊNCIA DE MOMENTO ADEQUADO
PARA O JUIZ CORRIGIR A TIPIFICAÇÃO ELABORADA
PELO PARQUET. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.
PROVIMENTO DO RECURSO.

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1. Um dos princípios que rege a jurisdição criminal é o da


inércia, pelo qual o Estado-juiz só atua quando provocado, não
podendo instaurar ações penais de ofício, característica que se
revela evidente no processo penal, já que é incumbência do
ofendido a promoção da ação penal privada, ao passo que a
ação penal pública compete privativamente ao Ministério
Público, consoante os artigos 129, inciso I, da Constituição
Federal, e 24 e 257, inciso I, do Código de Processo Penal.
2. Considerando-se que a persecução criminal é iniciada,
via de regra, a partir da denúncia formulada pelo órgão
ministerial ou da queixa apresentada pelo ofendido, não se
pode olvidar que é a partir do exame das referidas peças
processuais que o magistrado analisará a presença das
condições da ação, a fim de que acolha, ou não, a inicial
acusatória.
3. A verificação da existência de justa causa para a ação
penal, vale dizer, da possibilidade jurídica do pedido, do
interesse de agir e da legitimidade para agir, é feita a partir do
que contido na peça inaugural, que não pode ser corrigida ou
modificada pelo magistrado quando do seu recebimento.
Doutrina.
4. Ainda que se trate de mera retificação da capitulação
jurídica dos fatos descritos na vestibular, tal procedimento não
pode ser realizado no momento do recebimento da inicial,
sendo cabível apenas quando da prolação da sentença, nos
termos do artigo 383 do Código de Processo Penal. Precedentes
do STJ e do STF.
[...].
10. Recurso provido para anular a decisão que alterou a
capitulação jurídica dos fatos dada pelo Ministério Público,
declarando-se a extinção da punibilidade do recorrente pela
prescrição da pretensão punitiva estatal”.
(RHC 27.628/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 13.11.2012, DJe 3.12.2012)

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.

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FALSIDADE IDEOLÓGICA EM DOCUMENTO PARTICULAR,


INVASÃO DE TERRAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DE
QUADRILHA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA POR CRIME
DIVERSO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM
RELAÇÃO AO CRIME DE FALSIDADE. ORDEM
CONCEDIDA.
1. Por ser mero juízo de admissibilidade, não pode o
julgador, na decisão prelibatória da ação penal, alterar a
capitulação jurídica apresentada pelo órgão acusador.
2. Precedentes do STJ e do STF.
3. Ordem concedida para reconhecer a prescrição da
pretensão punitiva em relação, apenas, ao delito de falsidade
ideológica em documento particular atribuído ao paciente”.
(HC 142.099/AC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES
LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 17.12.2009, DJe 1º.2.2010)

Portanto, reputo inviável a solução proposta pelo relator de


eventualmente se receber a denúncia pelo crime de falso testemunho,
previsto pelo art. 343 do Código Penal.
Destaque-se que a alteração da classificação jurídica dos fatos
denunciados somente pode ocorrer na fase de sentença, nos termos do
art. 383 do CPP, quando a instrução demonstrar a inadequação da
capitulação inicialmente estabelecida.
Ou seja, é possível que o magistrado, ao final do processo, corrija o
enquadramento legal do fato criminoso, após apreciar, em cognição
exauriente, todas as provas produzidas pelas partes que sejam capazes de
influenciar o seu convencimento.
Por outro lado, quando a inadequação típica é vislumbrada no início
do processo, na fase de oferecimento da denúncia, deve o juiz reconhecer
a atipicidade ou o vício da peça acusatória, abstendo-se de modificar ou
aditar a denúncia, sob pena de violação ao princípio da inércia da
jurisdição.
Corroborando esse raciocínio, Guilherme de Souza Nucci destaca
que a retificação da denúncia ex officio, pelo magistrado, representa
“indevido prejulgamento, tornando parcial o juízo”. (NUCCI, Guilherme de

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Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª ed. São Paulo: Revista


dos Tribunais, 2009, p. 713).
Por todos esses motivos, concluo pela atipicidade da imputação de
obstrução de justiça, tendo em vista a ausência da elementar típica da
existência de investigações em andamento, com a consequente rejeição da
denúncia, nos termos do art. 395, II, do CPP.

Da nulidade das provas produzidas pela testemunha e obtidas


através da ação controlada

Também entendo que assiste razão à defesa em relação à alegação de


nulidade das provas produzidas pela testemunha e colaborador JOSÉ
EXPEDITO RODRIGUES ALMEIDA.
Em relação a essa questão, a defesa dos denunciados afirma que
houve verdadeira infiltração de agentes, com incitação a crimes, em
hipótese não permitida pela legislação, o que entendo ter ocorrido.
Com efeito, a representação pela ação controlada formulada pela
autoridade policial, com base no artigo 8º da Lei Federal 12.850/2013,
tinha como objetivo acompanhar as atividades de JOSÉ EXPEDITO,
MÁRCIO JUNQUEIRA, ELIAS MANOEL, CIRO NOGUEIRA e
EDUARDO ALBUQUERQUE DA FONTE.
Destaque-se que a representação formulada pela autoridade policial
foi corroborada pela Procuradoria-Geral da República. Em 23.2.2018, a
solicitação foi deferida pelo Ministro Edson Fachin, nos autos da Ação
Cautelar 4.376.
Anote-se que os institutos da ação controlada e da infiltração de
agentes estão dispostos na Lei 12.850/2013, nos seguintes termos:

“Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a


intervenção policial ou administrativa relativa à ação
praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde
que mantida sob observação e acompanhamento para que a
medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação
de provas e obtenção de informações.”

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“Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de


investigação, representada pelo delegado de polícia ou
requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do
delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito
policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa
autorização judicial, que estabelecerá seus limites.”

As normas legais deixam claro que se trata de institutos distintos


que seguem, portanto, requisitos e procedimentos diferenciados.
Pelo que se extrai da norma, a ação controlada objetiva retardar a
intervenção policial ou administrativa em relação a ação da organização
criminosa. A partir da observação sobre a forma de funcionamento da
organização criminosa, a medida legal deve se concretizar no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
Nessa linha, Geraldo Prado e William Douglas definem ação
controlada como uma vigilância da polícia sobre a atividade criminosa,
que é acompanhada até o momento mais adequado/eficaz do ponto de
vista da formação das provas e da obtenção de informações (PRADO,
Geraldo e DOUGLAS, William. Comentários à Lei do Crime
Organizado. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1995, p. 49-50).
De acordo com Cezar Roberto Bittencourt e Paulo César Busato, “a
observação e acompanhamento permanentes são elementos essenciais da ação,
desde o momento da primeira situação de flagrante até quando efetivamente ele
ocorrerá” (BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César.
Comentários à Lei de Organização Criminosa. Livro eletrônico (e-book).
Posição 3.060).
Portanto, a norma autoriza que a autoridade policial observe,
monitore e aguarde o momento da formação de provas e informações,
sem interação direta ou qualquer tipo de instigação ou induzimento à
prática de crimes com os membros da Orcrim.
Ou seja, a lei é clara ao definir a ação controlada como uma hipótese
de flagrante retardado, prorrogado ou diferido, que não pode ser
confundido com o flagrante esperado e nem com o flagrante preparado.

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Nessa linha, Cézar Roberto Bittencour e Paulo César Busato


destacam que:

“No flagrante esperado, o que ocorre é que a autoridade,


que detém uma informação privilegiada a respeito de algo que
irá ocorrer, monitora a situação, aguardando que ocorra a
situação de flagrante, em princípio, inexistente. A prisão ocorre,
então, imediatamente em relação à configuração do estado de
flagrância. No flagrante prorrogado, a situação deve ser de
permanência do delito […] e a vigilância policial também se
protrai no tempo, aguardando o momento mais apropriado
para realizar a captura onde a comprovação delitiva esteja mais
evidente. […]
As duas situações são obviamente diferentes do flagrante
preparado, que nulifica a prisão segundo o enunciado sumular
n. 145 do Supremo Tribunal Federal, uma vez que, neste caso, o
autor do crime é induzido ardilosamente a praticar o delito”
(BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César.
Comentários à Lei de Organização Criminosa. Livro eletrônico
(e-book). Posição 3.130)

Por outro lado, a infiltração de agentes é mais complexa. Nela o


agente possui tarefas (art. 11), há a prática de condutas ativas de
infiltração, previamente autorizadas (art. 12, § 1º), com a exclusão de
eventuais crimes praticados quando se caracterizar situação de
inexigibilidade de conduta diversa (artigo 13, parágrafo único).
Vinícius Gonçalves destaca que o agente infiltrado é compreendido
como “o funcionário de investigação criminal ou um terceiro (subordinado à
polícia) que atua ocultando sua qualidade, visando conquistar a confiança dos
possíveis criminosos e, consequentemente, à obtenção de provas que possam
incriminá-los”. (GONÇALVES, Vinícius. O Agente Infiltrado Frente ao
Processo Penal Constitucional. Ed. Arraes, 2014, p. 12).
Portanto, na infiltração de agentes, o agente interage com os
membros da organização criminosa de forma ativa e constante.

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Ainda assim, a interação deve se limitar à obtenção de informações e


identificação dos agentes da Orcrim, não podendo acarretar no
induzimento ou na incitação para a prática de crimes que serão
posteriormente denunciados, sob pena de atipicidade do fato e nulidade
das provas obtidas.
Nesse sentido, no precedente do caso Teixeira de Castro v. Portugal,
julgado em 1998, a Corte Europeia de Direitos Humanos assentou a
nulidade das provas obtidas por dois agentes policiais disfarçados que
provocaram e instigaram o Sr. Francisco Teixeira de Castro a promover a
venda de haxixe e heroína (MACHADO, Luís Henrique. Os limites para
uso de agentes infiltrados nas investigações. Portal Eletrônico Jota. 9 jun.
2016. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/artigos/reflexoes-sobre-o-agente-infiltrado-09062016).
A Corte reconheceu a atuação dos policiais como circunstância
determinante para a ocorrência do crime, já que a infração ocorreu a
partir da exclusiva incitação realizada pelas autoridades públicas,
inexistindo provas suficientes da sua ocorrência sem essa indevida
interferência (CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS, Caso
Teixeira de Castro x Portugal, disponível em:
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"itemid":["001-58193"]}, p. 9, tradução livre).
Ao considerar a ocorrência dessa incitação, o Tribunal reconheceu a
violação do direito do cidadão a um julgamento justo, nos termos
estabelecidos pelo art. 6º, §1º, da Convenção Europeia de Direitos
Humanos, que prevê que “Na resolução de qualquer acusação criminal,
assegura-se a todos o direito a um contraditório justo perante um tribunal”
(CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS, Caso Teixeira de Castro
x Portugal, disponível em: https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"itemid":["001-
58193"]}, p. 9, tradução livre).
Ressalte-se que o debate sobre a ilicitude da incitação de crimes
também permeia as discussões doutrinárias existentes no Brasil. Ao tratar
da figura do agente infiltrado, Wellington Cabral Saraiva escreve que:

“Uma das principais cautelas que deve haver na utilização


da prova oriunda do agente infiltrado diz respeito à ocorrência

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de induzimento ao crime por parte daquele. Na teoria e na


prática dos países de língua inglesa, em que o uso de agente
encoberto é mais disseminado, o induzimento à perpetração de
crime que de outra forma não ocorreria é conhecido como
entrapment, termo que poderia ser traduzido como ‘armadilha’
ou ‘cilada’, ou, de forma livre, como ‘induzimento malicioso’.
Dá-se quando o indivíduo é levado a cometer delitos por agente
provocador, o que no Brasil costuma ser designado como
flagrante preparado ou flagrante forjado. […]”

Devem o Ministério Público e juiz atentar para a ocorrência dessa


forma de induzimento, a fim de não se gerar acusação e condenação
injustas. Doutrina e jurisprudência não consideram ocorrer delito nesse
caso e o diferenciam do chamado flagrante esperado, em que a polícia
toma conhecimento antecipadamente do cometimento do ilícito e se
prepara para realizar a prisão nesse momento.” (SARAIVA, Wellington
Cabral. Obtenção de prova decorrente de agente infiltrado. In:
SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. A Prova no
Enfrentamento à Macrocriminalidade. 3ª ed. Salvador: Editora
JusPodivm. p. 404-405).

A existência de flagrante provocado também já foi reconhecida pelos


tribunais pátrios.
No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, essa situação ocorreu
durante o julgamento de representação eleitoral baseada em provas
obtidas por agentes infiltrados que instigaram a compra de votos por
parte de então candidato a vereador pelo Município de Porto Velho/RO.
Nesse caso, o Tribunal acabou por reconhecer a ilicitude das provas,
conforme se observa da ementa:

“RECURSO ESPECIAL E AÇÃO CAUTELAR.


REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.
CARGO VEREADOR. INFILTRAÇÃO DE AGENTES
POLICIAIS. FLAGRANTE PREPARADO. PROVA ILÍCITA.
[...]

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2. De acordo com as informações registradas no acórdão


recorrido, houve infiltração, autorizada judicialmente, de
agente policial em turma de formandos, o qual foi responsável
por estabelecer contatos com o candidato e por marcar
reuniões, inclusive a que resultou no flagrante da suposta
captação ilícita de sufrágio.
3. A atuação do agente infiltrado não se resumiu à de mero
observador dos acontecimentos, participando ele ativamente no
desenrolar dos eventos que culminaram na prática do ilícito
eleitoral, de modo a ficar caracterizado o flagrante preparado.
Ilicitude da prova colhida e daquelas derivadas.
Recurso especial provido. Ação cautelar julgada
prejudicada. [...]
(Recurso Especial Eleitoral 67.604, Acórdão, Relator Min.
Henrique Neves Da Silva, Publicação DJE - Diário da Justiça
eletrônica, Tomo 218, Data 19.11.2014, Página 25-26)

A jurisprudência do STF possui entendimento consolidado quanto à


configuração de crime impossível na hipótese de flagrante preparado ou
crime provocado:

SÚMULA 145 - Não há crime, quando a preparação do


flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Essa posição foi reafirmada no julgamento do HC 84.723, de relatoria


do Ministro Celso de Mello.
Nesse precedente, o ilustre relator destacou a absoluta nulidade das
provas e do processo decorrente de crimes provocados, ao aduzir que a
“alegada ocorrência de ‘delito de ensaio’ não se mostra superável com a mera
prolação da sentença penal condenatória, mesmo porque a eventual constatação
do ‘flagrante preparado’ terá como conseqüência a própria invalidação da
‘persecutio criminis’ (Súmula 145/STF)”. (STF, HC 84.723, Segunda Turma,
Rel. Min. Celso de Mello, j. 21.2.2006).
Nesse mesmo julgado, o Ministro Celso de Mello registrou ainda
outros precedentes mais antigos deste Tribunal, ao afirmar que “A

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jurisprudência desta Suprema Corte já firmou entendimento no sentido de que a


comprovada ocorrência de ‘flagrante preparado’ constitui situação apta a ensejar
a nulidade radical do processo penal (RTJ 130/666, Rel. Min. Carlos Madeira -
RTJ 140/936, Rel. Min. Ilmar Galvão – RTJ 153/614, Rel. Min. PAULO
BROSSARD, v.g.)” (STF, HC 84.723, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de
Mello, j. 21.2.2006).
Assentadas essas premissas, no caso em análise, observo que as
provas dos autos dão conta à existência de, pelo menos, oito encontros
entre a testemunha e o codenunciado Márcio Junqueira, com diversas
interações ativas e a acerto sobre a possível prática de crimes entre
ambos.
Nessa linha, observa-se que a testemunha José Expedito atuou, em
diversas oportunidades, para incitar e instigar a prática dos crimes, ao
exigir o recebimento de valores e demandar a realização de reuniões com
o denunciado MÁRCIO JUNQUEIRA.
Destarte, entendo que assiste razão à defesa quando aduz que a
referida testemunha atuou como verdadeiro agente infiltrado e
provocador dos crimes denunciados, embora sem a existência de prévia
decisão judicial autorizativa, já que o eminente relator deferiu apenas a
realização da ação controlada em 23.2.2018, o que se restringe ao
procedimento de flagrante diferido.
O próprio depoimento da testemunha reforça essa conclusão. Com
efeito, José Expedito destaca a sua participação ativa, a partir de outubro
de 2017, ou seja, bem antes da autorização judicial concedida nestes
autos, para a obtenção de provas e a incitação da prática de possíveis atos
criminosos por parte de MÁRCIO JUNQUEIRA:

“QUE esclarece que saiu do programa de proteção a


testemunha em junho de 2017; QUE após alguns contatos
marcou encontro com MÁRCIO JUNQUEIRA em 11/10/2017
no aeroporto de São Paulo; QUE sabe esta data com precisão
porque neste mesmo período foi recepcionar sua namorada no
aeroporto de Guarulhos; [...]; QUE neste encontro tratou com
MÁRCIO JUNQUEIRA sobre sua situação e sobre os

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depoimentos prestados na polícia federal, ocasião em que


MÁRCIO disse que iria ajudar o declarante falando
pessoalmente com a Deputado EDUARDO DA FONTE e
SENADOR CIRO NOGUEIRA; QUE o declarante alegou para
MÁRCIO que tinha que receber uma indenização trabalhista
pelos quase vinte anos que trabalhou para referidos
parlamentares; QUE nesta mesma ocasião MÁRCIO reforçou
que iria ajudá-lo, inclusive lhe deu R$ 2.500,00 para custear
pequenas despesas; QUE o dinheiro foi repassado em espécie
na mesa do restaurante dentro do próprio aeroporto; QUE a
partir desse encontro passou a manter contato com MÁRCIO
JUNQUEIRA e ELIAS; [...] QUE no mês de novembro de 2017
veio a Brasília chamado por MÁRCIO JUNQUEIRA para
receber mais um pagamento; QUE nesta ocasião se deslocou de
ônibus desembarcando na rodoviária de Brasília de onde pegou
um Uber para casa de MÁRCIO JUNQUEIRA no Lago Norte;
QUE neste dia recebeu R$ 2.500,00, mais o valor da passagem
de ônibus; QUE utilizou esse valor para pagar despesas com
oficina mecânica; QUE neste período recebeu orientação de
MÁRCIO JUNQUEIRA ‘para desaparecer’, inclusive não vindo
mais a Brasília e nem a Recife; QUE foi prometido ao
declarante um recurso mensal na ordem de R$ 5.000,00 para
que permanecesse calado em relação aos fatos denunciados e
desaparecesse; QUE após questionado, reitera que as
tratativas com MÁRCIO JUNQUEIRA e ELIAS eram sempre
nesse sentido, chegando os mesmos a afirmar que seria a
orientação dada pelos parlamentares EDUARDO DA FONTE
e CIRO NOGUEIRA; QUE foi marcado um outro encontro em
Recife desta feita com o advogado ELIAS para receber mais
pagamentos; QUE neste ato exibe registro fotográfico
armazenado em seu celular contendo a foto do bilhete aéreo
utilizado no deslocamento de São Paulo/Recife o qual indica a
data de 06/12/2017; QUE nesta ocasião marcou o encontro com
ELIAS em seu escritório na revenda Mitsubishi; QUE no
escritório recebeu o valor de R$ 200,00 e depois em um outro
momento já no aeroporto de Recife ELIAS lhe repassou mais R$

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1.000,00; QUE as despesas de deslocamento foram pagas por


ELIAS; [...] QUE afirma o declarante que de Recife seguiu para
Maceió onde permaneceu por alguns dias; QUE de Maceió se
deslocou para Brasília para um novo encontro com MÁRCIO
JUNQUEIRA; QUE neste ato apresenta registro fotográfico do
localizador da passagem aérea utilizada para esse encontro em
Brasília, onde indica a data de 14/12/2017; QUE nesta ocasião
recebeu R$ 1.500,00 para custear pequenas despesas e uma
dívida com oficina; QUE reitera que sempre nesses encontros
recebia orientação para permanecer calado e desaparecer;
QUE foi prometido ao declarante um emprego com salário de
R$ 8.000,00 logo que os processos da lava jato acabasse; QUE
igualmente era prometido resolver a situação da indenização
trabalhista dos quase vinte anos de serviços prestados; QUE
reitera que tais orientações eram repassadas par MÁRCIO
JUNQUEIRA e ELIAS a mando do Deputado EDUARDO DA
FONTE e SENADOR CIRO NOGUEIRA; [...] QUE o novo
encontro com MÁRCIO JUNQUEIRA se deu no final do mês
de dezembro de 2017, em Brasília, ocasião em que recebeu o
pagamento de R$ 2.200,00, mais as despesas de passagens de
ônibus; QUE o último encontro se deu na cidade de
Campinas/SP, onde a convite de MÁRCIO JUNQUEIRA se
hospedou no Hotel MELIÁ de Campinas, especificamente no
apartamento 228, conforme cartão de acesso que ora apresenta;
[...] QUE a conversa com MÁRCIO foi bastante dura, tendo ele
reforçado para o declarante ficar em silêncio, desaparecer e
terminantemente proibido de voltar a Brasília/DF ou Recife/PE;
QUE recebeu R$ 5.000,00 e mais o valor das passagens de
ônibus; QUE ficou ajustado um novo encontro para os
próximos dias onde receberá mais valores; QUE o novo
encontro ficou previamente agendado entre o dia 19 a
22.02.2018, ocasião em que receberia mais R$ 5.000,00; QUE
neste ato apresenta cartão de acesso a apartamento no Hotel
MELIÁ, comprovante de bilhete aéreo, cupons fiscais de
despesas pessoais; QUE também apresenta parte do dinheiro
recebido no último encontro, considerando que usou parte do

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recurso para pagar hospedagem em Brasília; QUE


disponibiliza seu aparelho celular pessoal e que neste ato
autoriza a extração dos dados armazenados; QUE igualmente
autoriza o afastamento do seu sigilo telefônico incluindo
acesso a comunicação através do aplicativo whatsapp visando
colaborar com o investigação; […]" (Termo de Declarações 5 de
José Expedito Rodrigues Almeida, AC 4375, Apenso 1, fls.
17/19).”

Veja-se que não se trata de uma testemunha que estava sendo


perseguida pelos denunciados. Pelo contrário, os relatos indicam
claramente que era o Sr. JOSÉ EXPEDITO que buscava o contato com
MÁRCIO JUNQUEIRA para exigir valores que entendia serem
devidos.
Nesses encontros marcados por JOSÉ EXPEDITO em diversas
oportunidades, a testemunha não só recebeu valores sem causa jurídica
identificada, mas também foi colhendo provas e registros que foram
posteriormente apresentados à Polícia Federal.
Portanto, não há dúvidas que a testemunha JOSÉ EXPEDITO
atuou efetivamente como agente infiltrado e provocador, uma vez que
se manteve em contato próximo com o codenunciado MÁRCIO
JUNQUEIRA por relevante período de tempo, tendo instigado a
realização de encontros e a prática de crimes por parte do acusado.
Ressalte-se que as condutas praticadas pela testemunha e agente
infiltrado possuíam objetivos pré-determinados: obter ganhos financeiros
e excluir-se de qualquer responsabilidade penal a partir da colaboração
espontânea e da colheita de provas que seriam posteriormente
recompensadas com benefícios concedidos pelo Ministério Público
Federal.
Nessa linha, a estratégia da testemunha foi exitosa, já que José
Expedito não foi denunciado pelo crime de obstrução de justiça, mesmo
após ter recebido dinheiros e valores mediante o ajuste ilícito e o objetivo
declarado de se esconder dos órgãos de investigação e modificar os
depoimentos já prestados.

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Embora essa posição da PGR não seja suficiente para se concluir pela
atipicidade da conduta imputada a todos os denunciados, tal como
suscitado pela defesa do réu EDUARDO DA FONTE (fls. 192/193), uma
vez que o crime de obstrução de justiça é comum e de mera conduta em
relação ao núcleo do tipo “embaraçar” (BITTENCOURT, Cezar Roberto;
BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa.
Livro eletrônico (e-book). Posição 1.956), trata-se de uma circunstância
relevante para fins de análise da postura e dos benefícios obtidos por
JOSÉ EXPEDITO no presente caso, com as respectivas repercussões sobre
a licitude das provas e a tipicidade dos fatos narrados.
Reitere-se que a situação em análise não se assemelha à conduta
passiva e de observação típica da ação controlada.
Outrossim, a ausência de prévia autorização judicial para a
infiltração de agentes não constitui mera formalidade, uma vez que se
exige a prolação de decisão que não só autorize a medida, mas também
defina o seu alcance e os limites, de modo a inclusive afastar a
ocorrência de atos de incitação, tal como ocorreu.
Desta feita, concluo pela ocorrência da nulidade das provas
obtidas a partir desses encontros provocados, bem como das que foram
obtidas após a decisão de ação controlada proferida pelo eminente
Relator, tendo em vista a violação ao art. 5º, LVI, da CF/88 e à Súmula
145 desta Corte.
Por todos esses motivos, acolho a alegação de nulidade das provas
suscitada pela defesa, o que também leva à rejeição da denúncia, nos
termos do art. 395, II, do CPP.

Conclusão

Ante o exposto, nos termos do art. 395, I, II e III, do Código de


Processo Penal, voto pela rejeição da denúncia, formulada pela
Procuradora-Geral da República, em desfavor de Ciro Nogueira Lima
Filho, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e de Márcio
Henrique Junqueira Pereira.

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É como voto.

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22/08/2021 SEGUNDA TURMA

INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. GILMAR MENDES
ACÓRDÃO
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO
ADV.(A/S) : PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO

VOTO-VOGAL

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: A Procuradoria-


Geral da República ofereceu denúncia contra Ciro Nogueira Lima Filho,
Senador, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva, Deputado
Federal, e Márcio Henrique Junqueira Pereira pela prática do crime
previsto no art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013 (“impedir ou embaraçar
investigação criminal que envolva organização criminosa”).

O Relator, ministro Edson Fachin, recebeu a denúncia, no que foi


acompanhado pela ministra Cármen Lúcia.

Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista, após o que


votou pela rejeição da denúncia.

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Voto Vogal

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Eis o relatório. Passo ao voto.

1. Preliminar de ausência de prevenção e incompetência do Relator

A defesa de Eduardo da Fonte sustenta a ausência de prevenção e a


incompetência do Relator, ante a falta de conexão entre a imputação do
delito de obstrução das investigações a envolverem organização
criminosa e os demais inquéritos.

A eminente ministra Cármen Lúcia, com fundamento no art. 69 do


Regimento Interno, na condição, à época, de Presidente desta Corte,
decidiu manter o inquérito sob a relatoria do ministro Edson Fachin, “por
concluir haver conexão entre o presente processo e os inquéritos n. 3.989,
n. 4.074 e n. 4.631”.

Observo que, em sendo tal decisão da competência exclusiva da


Presidência, somente o Plenário do Supremo pode modificá-la, o que não
veio a ocorrer (RISTF, art. 6º, II, “d”).

Rejeito, pois, essa preliminar.

2. Inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013

A defesa de Ciro Nogueira aponta a inconstitucionalidade do art. 2º,


§ 1º, da Lei n. 12.850/2013, no tocante às expressões “embaraçar” e “de
qualquer forma” constantes dos dispositivos, ao argumento de serem elas
vagas e indeterminadas, portanto incompatíveis com os princípios da
legalidade estrita, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo
penal.

Eis o teor do dispositivo impugnado:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa

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[...].
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação penal que envolva
organização criminosa.

Como se depreende da transcrição, o texto legal questionado não


contém expressões vagas ou imprecisas. Pelo contrário, o tipo penal
apresentado é preciso: comete o delito nele previsto quem impede ou de
qualquer forma embaraça a investigação criminal.

Ante a clareza da disposição legal ao penalizar quem atrapalha as


investigações, não há falar em violação dos direitos constitucionais da
ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da legalidade
estrita.

O bem jurídico tutelado pelo § 1º do art. 2º da Lei n. 12.850/2013 é a


administração da Justiça, a quem compete elucidar crimes e prestar
jurisdição sobre os fatos que lhe são apresentados.

Dessa forma, acompanho o eminente Relator ao concluir que o tipo


penal impugnado “não é eivado pela alegada indeterminação, porquanto
possibilita ao seu destinatário o prévio conhecimento do comando
proibitivo nele contido, mormente porque o direito de defesa, assim como
qualquer outra garantia e mesmo na amplitude prevista na Constituição
Federal, não é absoluto e não comporta excessos que interfiram na
escorreita prestação jurisdicional”.

Rejeito a preliminar.

3. Nulidade da interceptação telefônica

Os defensores de Eduardo da Fonte afirmam ser a decisão que


deferiu a interceptação telefônica nos autos da AC 4.375 eivada de
nulidade, porquanto deixou de observar o princípio da subsidiariedade,

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nos termos do art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996. Sustentam, ainda, que,
existindo outro meio disponível para produção de prova, no caso a ação
controlada também deferida pelo Relator nos autos da AC 4.376, não
poderia ser autorizada a quebra do sigilo das comunicações.

A norma legal determina que a medida, para fins de prova em


investigação criminal e instrução processual penal, somente pode ser
decretada se (i) houver indícios razoáveis de autoria ou de participação
em infração penal punida com pena de reclusão; e (ii) se a prova não
puder ser feita por outros meios.

Conforme consta do voto do Relator, a Procuradoria-Geral da


República arguiu que o colaborador José Expedito não se encontrou
pessoalmente com Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte, mas somente com
Márcio Junqueira, o qual supostamente agia a mando dos parlamentares
investigados e manteve contato com os prepostos deles. Daí teria vindo a
conclusão de que “dessa mesma maneira devem estar ocorrendo os
contatos dos prepostos com os parlamentares”.

Assim, entendo que só a ação controlada não seria capaz de elucidar


as circunstâncias do crime que estaria ocorrendo a partir dos contatos
telefônicos entre os denunciados.

Dessa forma, acompanho o Relator no sentido de estar preenchido o


requisito da subsidiariedade, mesmo diante da autorização simultânea da
ação controlada.

Rejeito a preliminar.

4. Da nulidade das provas produzidas pela testemunha e obtidas


mediante a ação controlada

Em relação à ação controlada, essa foi deferida nos termos do art. 8º

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da Lei n. 12.850/2013, com o objetivo de acompanhar as atividades do


colaborador José Expedito, com os denunciados Márcio Junqueira, Elias
Manoel, Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte.

Para melhor entendimento, transcrevo o referido dispositivo:

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a


intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada
por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a
medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação
de provas e obtenção de informações.
(Grifei)

Ainda no mesmo diploma legal, eis a dicção do art. 10, que versa
sobre infiltração de agentes:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de


investigação, representada pelo delegado de polícia ou
requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do
delegado de polícia quando solicitada no curso do inquérito
policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa
autorização judicial, que estabelecerá seus limites.
(Grifei)

Como se vê, são dois institutos distintos que seguem requisitos e


procedimentos diferentes, ou seja, um determina o monitoramento dos
membros de determinada organização criminosa, sem interação direta ou
qualquer tipo de induzimento ou instigação à prática de crime, sendo
definido como hipótese de flagrante retardado, prorrogado ou diferido.

Já quanto ao outro, há referência a tarefas específicas realizadas pelo


agente, à prática de condutas ativas de infiltração, previamente
autorizadas, com exclusão de eventuais crimes praticados quando ficar
caracterizada situação de inexigibilidade de conduta diversa (arts. 11; 12,

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§ 1º; e 13, parágrafo único), sendo vedado a esse agente induzir ao


cometimento de crimes que poderão ser posteriormente denunciados, sob
pena de atipicidade do fato e nulidade das provas obtidas.

Em caso de induzimento ou incitação à prática de crimes, considera-


se como flagrante preparado, o que é rechaçado pela jurisprudência.
Nesse sentido, entre outros, o HC 84.723, Relator o ministro Celso de
Mello, de cujo voto destaco o seguinte trecho:

A jurisprudência desta Suprema Corte já firmou


entendimento no sentido de que a comprovada ocorrência de
flagrante preparado constitui situação apta a ensejar a nulidade
radical do processo penal.
(Grifei)

Consta dos autos que o colaborador José Expedito, após sair do


programa de proteção à testemunha, atuou, em diversas oportunidades,
de modo a incitar e instigar a prática de crimes. É dizer, exigiu o
recebimento de valores, mediante coação do denunciado Márcio
Junqueira, ao atuar como agente infiltrado e provocador dos crimes
denunciados, sem a prévia autorização judicial para tanto, com o único
intuito de auferir valores sem causa jurídica identificada e ficar livre de
qualquer imputação penal.

Dessarte, entendo nulas as provas obtidas a partir dos encontros


provocados pelo colaborador, bem como as que foram obtidas após
decisão de ação controlada pelo eminente Relator, uma vez ofendidos o
art. 5º, LVI, da Constituição Federal e o enunciado n. 145 da Súmula do
Supremo:

Art. 5º [...]
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
por meios ilícitos; [...]

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Enunciado n. 145
Não há crime, quando a preparação do flagrante pela
polícia torna impossível a sua consumação.

Assim, acolho a preliminar de nulidade das provas suscitadas pela


defesa, com a consequente rejeição da denúncia, nos termos do art. 395, II,
do Código de Processo Penal.

Com efeito, consta da denúncia, em síntese, que:

A partir de 27 de setembro de 2016, JOSÉ EXPEDITO


prestou quatro importantes depoimentos à Polícia Federa (fls.
28 a 44 da AC n. 4.375) em que detalhou estes crimes e
apresentou uma série de provas que corroboram o que disse.
Este material compôs o Relatório de Análise de Material
Apreendido n. 107/2017 e foi juntado ao Inq 3.989/DF. Além
disso, a PGR requereu ao Exmo. Min. Edson Fachin a inclusão
de JOSÉ EXPEDITO no rol de testemunhas da denúncia
embasada no Inquérito 3.989. Ele já foi indicado como
testemunha na denúncia oferecida com base no Inq 4.074.
Assim, a gravidade das declarações de 2016, os
documentos entregues por JOSÉ EXPEDITO e sua condição
formal de testemunha judicial tomaram-no um “arquivo vivo
e, como tal, foi destinatário da atuação ilícita de CIRO
NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE”.
Bem por isso, sua vida foi ameaçada pelos dois
parlamentares, razão pela qual foi necessário ser inserido no
Programa de Proteção do Ministério da Justiça em 2016, dele
saindo no ano seguinte, em agosto.
Ao sair do Programa, no segundo semestre de 2017, JOSÉ
EXPEDITO passou a ser assediado por um emissário de CIRO
NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE: MÁRCIO
JUNQUEIRA.
(Grifei)

Como se vê, a denúncia não descreve a atuação dos parlamentares

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denunciados: como ameaçaram a vida do colaborador; quando o


encontraram; onde; e em que circunstâncias. Simplesmente narra atos
praticados por Márcio Junqueira, por meio de ilações para vincular esse
comportamento aos demais réus.

Ainda, narra a denúncia que, “A mando dos parlamentares, a partir


de outubro de 2017, nos termos retratados nesta denúncia, MÁRCIO
JUNQUEIRA ameaçou JOSÉ EXPEDITO de morte” e que esse
denunciado teria promovido novas tentativas de intimidação e compra
do silêncio do colaborador, em encontros presenciais em que jamais
estavam presentes os parlamentares denunciados, bem como que essa
testemunha jamais falou, por telefone, com eles.

Inexiste, também, qualquer diálogo direto dessa testemunha com


Ciro Nogueira ou Eduardo da Fonte, mas apenas referências incertas e
indiretas como “eles” ou “ele”, em diálogos interceptados entre o
colaborador e Márcio Junqueira.

Ademais, consta da denúncia que:

Além de Márcio, as intimidações a JOSÉ EXPEDITO a


mando dos dois parlamentares denunciados foram feitas
também por ELIAS MANUEL DA SILVA, contador do Partido
Progressista (PP). Em 06/12/2017, foi marcado um encontro em
Recife com o advogado ELIAS. Recebeu dele duzentos reais e
mais mil reais, quando já estava no aeroporto para pegar voo de
volta.

Novamente, observo que nada é dito sobre a participação de Ciro


Nogueira e Eduardo da Fonte. Apenas se afirma que a intimação foi “a
mando dos dois parlamentares denunciados”, sem nenhum fato concreto
que corrobore o depoimento de José Expedito – meras ilações, sem a
mínima descrição de conduta que indique a participação efetiva dos
parlamentares.

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Verifica-se que a denúncia está embasada tão somente em


testemunho de José Expedito, o qual, embora não tenha feito acordo,
adotou postura de colaborador, razão pela qual foi exonerado de
qualquer responsabilidade criminal.

Desse modo, sem nenhuma prova lícita que corrobore suas


declarações, não há como ser recebida a peça acusatória, em virtude da
inépcia formal e ausência de justa causa, nos termos do art. 395, I e III, do
Código de Processo Penal.

Finalmente, em relação à arguição de atipicidade das condutas


imputadas aos acusados pela ausência de elementar, entendo ter razão a
defesa dos denunciados.

De fato, não é possível a consumação do crime de embaraçar a


investigação de infração penal em fase posterior em que judicializada a
pretensão punitiva estatal.

Conforme consta dos autos, os supostos crimes de obstrução à


justiça ocorreram entre outubro de 2017 e março de 2018, quando a
Procuradoria-Geral da República já tinha oferecido denúncia no Inq
4.074 e no Inq 3.989, em 16 de novembro de 2016 e 4 de setembro de
2017, respectivamente.

Com relação ao Inq 4.631, não houve tentativa de obstrução em


reação a essas investigações, de acordo com o que se lê do relatório do
Delegado responsável pelo caso:

[...] nos documentos policiais que instruem as ações


cautelares ns. 4375, 4376, 4383 e 4384 (objeto deste relatório),
afirmo que as condutas de MÁRCIO JUNQUEIRA e dos
parlamentares CIRO NOGUEIRA e EDUARDO DA FONTE
tinham como propósito o embaraço às investigações

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formalizadas no INQ 4631/DF. Existe, portanto, erro material,


uma vez que as declarações prestadas por JOSÉ EXPEDITO à
Polícia Federal em outubro de 2016 foram de fato juntadas aos
Inqs. 3989/DF e 4074/DF. Portanto, nas respectivas investidas a
JOSÉ EXPEDITO, o ex-deputado federal MÁRCIO
JUNQUEIRA, agindo por determinação de CIRO NOGUEIRA
e de EDUARDO DA FONTE, na verdade embaraçou as
investigações formalizadas nos Inqs. 3989/DF e 4074/DF,
procedimentos nos quais foram juntados os termos de
declarações de JOSÉ EXPEDITO e os respectivos relatórios de
análise da Polícia Federal. (…). Apenas fica esclarecido que as
condutas de CIRO NOGUEIRA, EDUARDO DA FONTE e
MÁRCIO JUNQUEIRA não se destinavam ao embaraço do
Inq. 4631/DF, mas sim dos Inqs. 3989/DF e 4074/DF.
(Grifei)

Diante desse contexto, concluo que, na época dos fatos, inexistia


investigação em curso sobre crimes em tese praticados por organização
criminosa, uma vez estarem os dois inquéritos, nos quais supostamente
investigado o crime de obstrução, na fase de recebimento da denúncia.
Mostra-se, portanto, atípica a conduta de obstrução de justiça, neste
ponto, tendo em vista que o tipo legal restringe o cometimento desse
crime na fase pré-processual das investigações.

Ademais, pedindo vênia ao Relator, entendo inviável alterar a


capitulação descrita na denúncia para o crime de falso testemunho
previsto no art. 343 do Código Penal, uma vez que, quando a
inadequação típica é aferida já na fase de prelibação da denúncia, deve o
magistrado rejeitá-la, reconhecendo a atipicidade da conduta narrada
e/ou o vício da peça acusatória. Ao juiz é vedado de ofício consertá-la ou
modificá-la, sob pena de afronta ao princípio da inércia de jurisdição e
comprometimento da indispensável isenção e imparcialidade do julgador.

Em conclusão, de todo o exposto, rejeito a denúncia formulada em


desfavor de Ciro Nogueira Lima Filho, Eduardo Henrique da Fonte

10

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Albuquerque e Márcio Henrique Junqueira Pereira.

É como voto.

11

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INQUÉRITO 4.720 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE
SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO
ADV.(A/S) : PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Trata-se de


denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o
Senador Ciro Nogueira Lima Filho, o Deputado Federal Eduardo
Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Márcio Henrique Junqueira
Pereira, atribuindo a todos a prática do tipo penal previsto no art. 2º, § 1º,
da Lei 12.850/2013, que tem a seguinte redação:

“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem
prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa.”

Nessa linha, segundo a peça acusatória, os denunciados, de forma


organizada e com unidade de desígnios, praticaram diversos atos de
embaraço às investigações realizadas nos autos dos Inquéritos 4.074/DF,
3.989/DF e 4.631/DF, consubstanciados, em apertada síntese, nas

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tentativas de suborno e ameaças de morte, em diferentes datas, com a


finalidade de modificar os depoimentos prestados pela testemunha José
Expedito Rodrigues de Almeida.

Bem examinados os autos, convém registrar, inicialmente, a situação


processual dos cadernos investigatórios identificados na denúncia, que
tramitam perante o Supremo Tribunal Federal, e que têm como alvos os
parlamentares Ciro Nogueira Lima Filho e Eduardo Henrique da Fonte
de Albuquerque Silva.

No que concerne ao Inquérito 4.074/DF, o investigado Ciro Nogueira


foi denunciado pelos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Todavia, em 14.8.2018, a Segunda Turma do STF rejeitou a peça
acusatória, uma vez que, de acordo com a ementa do acórdão, não existia
“indícios de autoria em relação ao Senador Ciro Nogueira Lima Filho
quanto a esse fato (supostos contratos fictícios), carecendo, portanto, de
justa causa as imputações de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro
subjacentes a essa narrativa, pela ausência de lastro mínimo probatório
quanto ao liame subjetivo”.

No mesmo sentido, ao dar provimento aos embargos de declaração


interpostos pelo investigado Eduardo da Fonte nos autos do Inquérito
3.989/STF, a Segunda Turma rejeitou a denúncia oferecida pela
Procuradoria-Geral da República pela alegada prática do crime de
organização criminosa. Isso porque o enredo acusatório estava ancorado
em simples depoimentos dos colaboradores, sem a existência, portanto,
de elementos autônomos de corroboração.

Por fim, verifico que os investigados não foram denunciados no


Inquérito 4.631/DF.

Fixadas essas premissas iniciais, que apontam a fragilidade da tese


acusatória, passo à análise das preliminares arguidas pelos investigados.

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Acompanho, de saída, o entendimento quanto à rejeição da


preliminar da incompetência do relator para supervisionar as
investigações, na forma do art. 76, III, do CPP. Isso porque, tratando-se de
delito subsequente que teria por finalidade, em tese, a ocultação ou
facilitação de outros crimes antecedentes, entendo correta a relatoria
designada pela Presidência desta Suprema Corte, na forma regimental,
nada havendo a ser modificado quanto a este ponto.

Ademais, como é de conhecimento geral, incumbe à Presidência do


STF deliberar sobre questões de ordem suscitadas na distribuição dos
processos, nos termos do art. 13, III e VII, c/c art. 69, todos do Regimento
Interno desta Corte.

Rejeito, também, a tese de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da


Lei 12.850/2013, por não vislumbrar, ao menos pelas balizas aqui
definidas, vício material em sua redação. Trata-se, em verdade, de tipo
penal aberto, cujo conteúdo, por seu elemento normativo, admite a sua
delimitação em abstrato, o que afasta a alegação da mácula ofensiva à
Carta Magna.

No que concerne à alegação de ilicitude das provas obtidas em razão


da interceptação telefônica, depreende-se da Lei 9.296/1996, norma
regente da matéria em nosso ordenamento, que tal medida cautelar está
condicionada à ordem expedida pelo juiz competente para a ação
principal, e somente será cabível se: (i) houver indícios razoáveis de
autoria ou de participação em infração penal; (ii) a prova não puder ser
feita por outros meios; e (iii) o fato investigado for punível com pena de
reclusão.

No caso, como detalhadamente exposto nos votos que me


antecederam, a análise dos elementos contidos nos autos da Ação
Cautelar 4.376/DF indicam que a referida intercepção, além de possuir
respaldo no art. 2º, I e II, da Lei 9.296/1996, também encontra guarida no

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art. 3º, V, da Lei 12.850/2013, bem como na jurisprudência dominante


desta Suprema Corte.

Mas não é só. Verifica-se, outrossim, que os distintos meios de


obtenção de prova - ação controlada e interceptação telefônica - foram
utilizados com propósitos divergentes, com a finalidade de dirimir
circunstâncias fáticas autônomas, revelando-se indispensável para a
tentativa de demonstração do alegado vínculo existente entre os
denunciados. Tal situação afasta, a meu sentir, a alegação de vício da
cautelar decretada, razão pela qual também entendo que a preliminar de
nulidade desta prova deve ser rejeitada.

Todavia, passando agora à outra diligência cautelar autorizada nos


autos da Ação Cautelar 4.376/DF, peço vênia ao relator e à Ministra
Cármen Lúcia para apresentar posicionamento contrário, acompanhando
a divergência inaugurada pelo Ministro Gilmar Mendes.

Com efeito, a medida de ação controlada, segundo a dicção do art. 8º


da Lei 12.850/2013, consiste no retardamento da atuação estatal com
relação à prática delituosa cometida por membros de organização
criminosa, com fim de efetivá-la apenas em momento mais oportuno,
para garantir o êxito na obtenção de informações a subsidiar a
investigação criminal.

De fato, a expansão da criminalidade organizada legitimou a


implementação legislativa de meios de investigação mais eficazes na
desestruturação de tais organizações. Um destes instrumentos consiste na
infiltração de indivíduos dentro das organizações, o que foi
regulamentado pela supracitada Lei 12.850/2013, e também pela Lei
13.441/2017– no âmbito dos crimes organizados em meio cibernético -.
Trata-se de instrumento deveras importante, que possibilitará o
conhecimento mais aprofundado sobre a estrutura da organização, ao
mesmo tempo em que favorece a coleta de provas decisivas para o

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desmantelamento e a condenação do grupo envolvido em atividades


ilícitas.

No caso concreto, contudo, como bem destacado no voto vista


proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, o que se viu foi uma sequência
de atos de instigação praticados pela testemunha José Expedito, com o
fim de obter supostos pagamentos indevidos por parte do corréu Márcio
Junqueira. Tais atitudes provocativas teriam se iniciado ainda em meados
de 2017, ou seja, antes mesmo que fosse autorizada a referida ação
controlada nos autos da supracitada ação cautelar, o que somente ocorreu
em fevereiro em 2018.

A prova dos autos indica que a mencionada testemunha marcava


reuniões, solicitava contratação para empregos, pleiteava o custeio de
pequenas despesas e até mesmo o pagamento de uma suposta
indenização trabalhista a Márcio Junqueira, tudo sob a hipotética
orientação para que permanecesse “calado”. Tais encontros eram
registrados pela supracitada testemunha. Os documentos a eles relativos
eram cuidadosamente preservados, como bilhetes de viagens,
comprovantes de despesas em hotéis, tudo para que fossem
posteriormente apresentados às autoridades policiais com a exclusiva
finalidade de subsidiar as imputações contra aqueles que já eram
formalmente investigados.

Verifica-se, portanto, que a testemunha José Expedito desempenhava


verdadeiro papel de agente infiltrado, sem que, para tanto, houvesse
ainda autorização judicial. Suas funções não se resumiam apenas à
condição de observador da cadeia fática, mas sim de partícipe no
desenrolar dos eventos que culminaram nas medidas subsequentes para a
apuração dos supostos ilícitos, situação a atrair, mutatis mutandis, o
disposto na Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que:
“não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação”.

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Como sempre tenho me manifestado em casos semelhantes, provas


colhidas em situações análogas não podem ser utilizadas como
fundamento de acusação em matéria penal, sob pena de indevida
relativização da garantia fundamental do devido processo legal. Não
fosse a conduta provocativa e instigante da testemunha, os agentes
estatais teriam que desempenhar outras medidas investigativas para, só
então, obter provas aptas a justificar o pedido de ação controlada.

Em outras palavras, a fim de legitimar-se a investigação, foram


reiteradas as atitudes de instigação, todas elas descritas detalhadamente
no voto divergente, levando à criação de situações delitivas simuladas, já
preparadas, aptas a excluir o próprio motivo que justificava a medida
pretendida. Ao agir dessa forma, os atores que participaram da
investigação acabaram por solapar os fundamentos que autorizavam a
sua própria existência, tendo em vista não ser dado a testemunhas,
atuando verdadeiramente como agentes infiltrados, criarem, de certo
modo, as situações permissivas da medida prevista no art. 8º da Lei
12.850/2013, o que obsta, por si só, o recebimento da denúncia.

Sem prejuízo, convém examinar outra preliminar arguida pelos


investigados. Com efeito, a defesa técnica de Ciro Nogueira e de
Eduardo da Fonte afirmam a atipicidade da conduta a eles imputada, o
que obstaria, também por este motivo, o recebimento da peça
acusatória.

Para a melhor delimitação da controvérsia, transcrevo, mais uma


vez, as elementares típicas do crime de embaraço às investigações
relativas a organizações criminosas, na forma da Lei 12.850/2013, verbis:

“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar,


pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem
prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais

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praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de
qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal
que envolva organização criminosa.” (grifei).

Trata-se, portanto, de tipo penal que contém dois núcleos: (i)


impedir, que significa causar obstáculo à investigação, danificando,
destruindo, estragando, inutilizando, total ou parcialmente elementos
informativos ou provas; (ii) embaraçar, no sentido de dificultar, colocar
empecilhos, tornando algo mais difícil e moroso à descoberta dos fatos.
Guilherme de Souza Nucci chega a afirmar que ambos teriam o mesmo
significado, argumentando que, “na realidade, os termos são sinônimos,
mas se pode extrair, na essência, a seguinte diferença: impedir é mais
forte e provoca cessação; embaraçar é menos intenso, significando causar
dificuldade”. (Organização Criminosa, 5. ed, São Paulo: Forense, 2020, p.
147)

Ocorre que, de acordo com a prova dos autos, a PGR já havia


oferecido denúncia nos autos do INQ 4.074 (datada de 16/11/2016) e do
INQ 3.989 (ocorrida em 4/9/2017), quando os delitos de obstrução à
justiça, segundo a acusação, teriam sido praticados pelo Senador da
República e pelo Deputado Federal. Rememoro, a propósito, que as
citadas peças acusatórias foram rejeitadas pela Segunda Turma.

Ademais, de acordo com a denúncia ora sob exame, a obstrução teria


sido praticada entre os meses de outubro de 2017 e março de 2018, datas
nas quais, entretanto, não mais existia qualquer investigação em curso
sobre crimes praticados por organização criminosa. Como dito, nos
inquéritos nos quais teria ocorrido a obstrução já havia denúncias
oferecidas, aguardando-se apenas o seu recebimento naquele espaço
temporal.

Trata-se, portanto, de situação apta a retirar as elementares objetivas


e subjetivas do tipo, impossibilitando o recebimento da inicial acusatória

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Voto Vogal

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INQ 4720 / DF

também por esta razão.

Isso posto, pedindo vênia ao Ministro relator, acompanho a


divergência inaugurada pelo Ministro Gilmar Mendes e voto pela
rejeição da denúncia formulada em desfavor de Ciro Nogueira Lima
Filho, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e de Márcio
Henrique Junqueira Pereira, com fundamento no art. 395, I, II e III, do
CPP.

É como voto.

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Extrato de Ata - 22/08/2021

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 4.720
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. GILMAR MENDES
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : CIRO NOGUEIRA LIMA FILHO
ADV.(A/S) : ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (4107/DF) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : EDUARDO HENRIQUE DA FONTE ALBUQUERQUE SILVA
ADV.(A/S) : PIERPAOLO CRUZ BOTTINI (25350/DF, 163657/SP) E
OUTRO(A/S)
INVEST.(A/S) : MARCIO HENRIQUE JUNQUEIRA PEREIRA
ADV.(A/S) : TICIANO FIGUEIREDO (0023870/DF)
ADV.(A/S) : PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO (23944/DF,
450956/SP)

Decisão: Após o voto do Ministro Relator, recebendo a


denúncia, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia. Falaram, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco; pelo
denunciado Ciro Nogueira Lima Filho, o Dr. Antônio Carlos de
Almeida Castro; pelo denunciado Eduardo Henrique da Fonte
Albuquerque Silva, o Dr. Pierpaolo Cruz Bottini; e, pelo
denunciado Marcio Henrique Junqueira Pereira, o Dr. Luís Henrique
Machado. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma, 6.11.2018.

Decisão: Após o voto da Ministra Cármen Lúcia, que recebia a


denúncia, acompanhando o Relator, pediu vista o Ministro Gilmar
Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma,
13.11.2018.

Decisão: A Turma, por maioria, rejeitou a denúncia formulada


pela Procuradora-Geral da República em desfavor de Ciro Nogueira
Lima Filho, Eduardo Henrique da Fonte Albuquerque Silva e Márcio
Henrique Junqueira Pereira, com fundamento no art. 395, I, II e
III, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Ministro
Gilmar Mendes, Redator para o acórdão, vencidos o Ministro Edson
Fachin (Relator) e a Ministra Cármen Lúcia. Segunda Turma, Sessão
Virtual de 13.8.2021 a 20.8.2021.

Composição: Ministros Nunes Marques (Presidente), Gilmar


Mendes, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin.

Hannah Gevartosky

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Extrato de Ata - 22/08/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 156 de 156

Secretária

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