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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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17/02/2021 SEGUNDA TURMA

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 191.873 SERGIPE

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


AGTE.(S) : CARLOS AUGUSTO FERREIRA
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO
AGDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.


PROCESSO PENAL. INC. I DO ART. 1º DO DECRETO-LEI N. 201/1967.
INADMISSIBILIDADE DO HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. LICITUDE DE PROVAS OBTIDAS
POR GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR INTERLOCUTORES.
PRECEDENTES DESTE SUPREMO TRIBUNAL. AGRAVO REGIMENTAL
AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do
Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento, por
unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto da Relatora. Sessão Virtual de 5.2.2021 a 12.2.2021.

Brasília, 17 de fevereiro de 2021.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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AG.REG. NO HABEAS CORPUS 191.873 SERGIPE

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


AGTE.(S) : CARLOS AUGUSTO FERREIRA
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO
AGDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Em 4.11.2020, foi negado seguimento ao habeas corpus, com


requerimento de medida liminar, impetrado por Eugênio José Guilherme
de Aragão, advogado, em benefício de Carlos Augusto Ferreira, contra
acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual
negado provimento ao Agravo Regimental no Recurso Ordinário em
Habeas Corpus n. 104.363 em 18.8.2020, Relator o Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca.

2. Publicada essa decisão no DJe de 9.12.2020, foi interposto, em


14.12.2020, tempestivamente, o presente agravo regimental.

3. O agravante sustenta que o processo penal em seu desfavor estaria


fundamentado em provas ilícitas, que seriam provenientes de gravação
ambiental clandestina ilegal, “estimulada pela Polícia Judiciária Federal” por
meio de ação controlada, sem autorização judicial, e que “a finalidade da
medida se assentou exclusivamente no intuito de produzir provas à afogadilho de
pretensa participação do ora agravante em um esquema de dispensa/fraude à
licitação e peculato, tratando‐se, portanto, de meio de obtenção de provas para
propiciar a acusação de terceiros, e não para produzir provas de inocência”.

Assevera “injustificável tratamento conferido pelo Parquet aos réus


confessos, JOSÉ EVALDO DOS SANTOS e RONMILDO ALMEIDA MEIRA,
os quais foram beneficiados pela ausência de imputação na exordial acusatória em

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função do auxílio prestado ao órgão de persecução penal na produção de provas.


(…) Sobre esse ponto, enfatiza‐se: o Ministério Público escusou‐se de
incluir o nome dos empresários na imputação pelo delito de peculato‐desvio,
mesmo em face da evidente alusão a condutas coparticipativas na prática do
delito previsto no art. 1º, inc. I, do Dec.‐Lei nº 201/67”.

Menciona que “o princípio da obrigatoriedade que rege as ações penais


públicas incondicionadas estabelece importante vedação ao titular, Ministério
Público, consistente na impossibilidade de efetuar juízos de conveniência e
oportunidade quanto à denunciação de agentes cuja autoria e materialidade
delitiva tenham sido reconhecidas pelo próprio representante do Ministério
Público.
(…) A narrativa tecida na exordial acusatória afirma categoricamente que
JOSÉ EVALDO DOS SANTOS e RONMILDO ALMEIDA MEIRA foram
beneficiados pelos delitos de peculato imputados ao ora agravante, visto que, nos
termos adotados pelo Parquet, CARLOS AUGUSTO FERREIRA teria desviado
mão de obra e materiais de construção de titularidade do ente municipal em prol
da ENGECAR.
(…) Entretanto, como mencionado, aos dois sócios da própria ENGECAR
jamais foram imputadas as condutas previstas no art. 1º, inc. I, do Dec.‐Lei nº
201/67.
(…) Por esta razão, é forçoso concluir que houve tratamento diferenciado e
privilegiado aos réus confessos, tudo em detrimento de um juízo de
disponibilidade efetuado pelo Parquet a respeito das imputações a serem lançadas
em relação aos demais investigados, tudo na contramão dos princípios da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública (inteligência dos
arts. 24 e 42 do Código de Processo Penal).
(…) No que pese a possibilidade legítima do órgão acusador ‘excluir da
denúncia, depois de melhor exame, quem era o objeto da suspeita inicial’, não se
pode admitir que o Parquet ignore os fatos apontados na exordial e proceda a
tipificação dos agentes de maneira descontextualizada e contrária à própria
narrativa acusatória”.

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Ressalta que “o writ jamais pretendeu sustentar que as gravações


ambientais feitas por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro não
seriam provas legítimas e admitidas em ações penais.
96. O que se afirmou foi que as gravações clandestinas são inteiramente
admissíveis, desde que produzidas com o intuito exclusivo de atesta a inocência
do agente.
97. Para todos os efeitos, a admitir‐se o emprego de gravações rapinadas
como meio de prova legítimo, estar‐se‐ia a transformar a defesa da intimidade e
da privacidade humanas, tal como consignadas no art. 5º, inc. X, da CF/88, em
distantes lembranças de um período onde ainda se podia falar abertamente sem
receio da intervenção estatal no dia‐a‐dia das pessoas” (sic).

Acrescenta ser “inadmissível em Juízo a gravação ambiental clandestina


que é produzida (1) sem intuito meramente defensivo e (2) sem autorização
judicial prévia.
108. Na presente hipótese não se verifica qualquer dessas possibilidades.
Não há provas de inocência, tampouco pretérita autorização judicial a abonar o
conteúdo eventualmente constante das gravações de áudio e de vídeo colhidas de
maneira clandestina
109. Ao contrário, o que se tem é uma gravação ambiental de áudio e vídeo
empreendida por agente confesso (portanto, sem qualquer intuito de provar
inocência, visto que admitiu expressamente a autoria e materialidade delitiva)
que ‘colaborou’ com a autoridade policial fornecendo‐lhe registro de conversas
obtido clandestinamente numa conversa com terceiro (portanto, o interlocutor
nem sequer era o ora agravante) versando sobre fatos supostamente praticados
por pessoa não participante do diálogo, tudo, refrise‐se, com único intuito de
culpabilizar terceiros”.

Estes os pedidos:
“Reconhecimento da nulidade da prova originada por gravação
ambiental clandestina (áudio e vídeo) e determinado o seu
desentranhamento, bem como sejam as provas delas decorrentes
consideradas inadmissíveis em juízo por nulidade de derivação, ante a
incidência, na hipótese da teoria da frutos da árvore envenenada (Art.

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157, caput e § 1º do Código de Processo Penal), culminando‐se com o


reconhecimento da ausência de justa causa para o prosseguimento da
Ação Penal na origem em face da ausência de provas lícitas,
independentes e admissíveis em juízo a amparar a persecução penal
movida contra o Paciente.
Alternativamente, seja promovido o trancamento da ação penal
em relação ao Paciente no que tange à imputação por peculato‐desvio,
com supedâneo nas já demonstradas violações aos princípios da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal e, em última
instância, ao princípio da isonomia.
Por fim, acaso seja alcançado entendimento diverso por este
Egrégio Supremo Tribunal Federal, requer‐se seja intimado o
Procurador Regional da República, em analogia ao art. 28 do CPP,
para que promova o aditamento da exordial acusatória, incluindo o
nome dos Srs. JOSÉ EVALDO SANTOS e RONMILDO ALMEIDA
MEIRA no rol de denunciados pelo delito de peculato‐desvio (Art. 1º,
inc. I, do Dec.‐Lei nº 201/67) ante o fato de terem figurado,
supostamente, como beneficiários do desvio de bens de propriedade do
Município de Brejo Grande/SE”.

É o relatório.

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Voto - MIN. CÁRMEN LÚCIA

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VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (Relatora):

1. Razão jurídica não assiste ao agravante.

2. O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o


agravante pela prática do delito previsto no inc. I do art. 1º do Decreto-Lei
n. 201/1967.

Recebida a denúncia, em 6.3.2018, ao analisar a defesa preliminar, o


juízo da Nona Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe afastou as
preliminares arguidas, nos termos seguintes:

“Trata-se de Ação Penal decorrente do desmembramento do


Processo nº 0800347-27.2017.4.05.8504, que visa à condenação do
réu Carlos Augusto Ferreira, ex-prefeito do Município de Brejo
Grande/SE, nas penas do Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº
201/1967.
Conforme se constata do Processo nº 0800347-
27.2017.4.05.8504, a denúncia foi recebida nos seus termos
originários, sendo desmembrada apenas para fins de gestão processual,
por meio da decisão lançada no id 4058504.1506066.
Após o saneamento do incidente suscitado pelo réu, que teve por
base a falta de acesso aos elementos indiciários relatados na inicial
acusatória, foi determinada a sua citação para a apresentação de defesa
prévia (ID 4058504.1554963).
Citado, o réu apresentou resposta à acusação ID.
4058504.1542648, no bojo da qual suscitou as seguintes preliminares:
a) necessidade de reunificação do feito ao de nº 0800347-
27.2017.4.05.8504 por suposto prejuízo à defesa decorrente do
desmembramento; b) existência de prova ilícita apta a contaminar
toda a demanda; c) inépcia da inicial acusatória; d) existência de réus

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que não foram inseridos na denúncia; e) necessidade de aditamento da


denúncia para a inclusão de corréus, mormente pela possibilidade de
imputação em co-autoria da prática do crime do Art. 1º, I, do Decreto-
Lei nº 201/97.
Ademais, sustenta, no mérito, a atipicidade da conduta
imputada, bem como a possibilidade de absolvição sumária diante da
demonstração da efetiva realização da obra licitada na Carta Convite
nº 06/2009 com a utilização de mão de obra e material de construção
adquiridos pela empresa ENGECAR.
Diante das preliminares suscitadas, foi determinada a intimação
do MPF, momento no qual este apresentou manifestação (ID
4058504.1625757), pugnando pelo afastamento de toda a
argumentação lançada na defesa prévia.
É o relatório, no seu essencial.
2. Fundamentação.
Antes de analisar as preliminares suscitadas pelo demandado,
cumpre-me relembrar os fatos imputados pelo MPF ao réu CARLOS
AUGUSTO FERREIRA, nestes autos, especialmente diante da cisão
determinada no curso do Processo nº 0800347-27.2017.4.05.8504.
Nos termos da denúncia oferecida nestes autos, "CARLOS
AUGUSTO FERREIRA, na qualidade de prefeito do Brejo Grande/SE
e administrador da coisa pública municipal, desviou mão de obra e
materiais de construção de titularidade do ente municipal, em proveito
da empresa ENGENCAR , o que caracteriza o delito previsto no art.
1, I, do Dec.-Lei 201/67 ."
É de se ver, portanto, que os fatos ora apurados dizem respeito
unicamente à execução do contrato oriundo do Convite nº 06/2009,
(contrato n. 310/2009 no valor de R$ 147.013,11), cujo objeto era a
reforma da Escola Santo Antônio no Povoado Saramém e da Escola do
Povoado Mulatas. Contrato executado pela empresa ENGECAR.
Assentada tal premissa, passo a analisar a argumentação encartada na
defesa prévia oferecida.
2.1. Da preliminar de prejuízo à defesa decorrente do
desmembramento determinado ex officio - pedido de reunião ao
Processo nº 0800347-272017.4.05.8504.
Consoante as alegações do réu, ‘no feito em epígrafe tem-se

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evidente conexão passível de ser enquadrada tanto no querer do art.


76, I, do Código de Processo Penal como no art. 76, III, do Código de
Ritos Penais, razão pela qual roga a defesa que este douto juízo acate a
presente preliminar de mérito, reconheça a existência de conexão
processual e torne sem efeito a decisão de desmembramento da
demanda, devendo o acusado vir a responder um único processo
criminal, considerando a denúncia anteriormente ofertada’.
De saída, entendo que o pedido em questão não merece acolhida.
Explico. No caso dos autos, a determinação de desmembramento
em relação ao crime tipificado no Decreto-Lei 201/1967 decorreu, a
despeito da inexistência de pedido ministerial, do fato de que apenas o
presente réu possui imputações tipificadas na legislação específica
referente aos crimes de responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.
Nesse sentido, não ignoro a conexão dos fatos em apuração com
aqueles imputados aos demais réus.
Contudo, diante da existência da condição pessoal de agente
político sujeito ao espectro da legislação especial, bem como da
capitulação típica diversa para os demais corréus, tive por revelantes
tais razões e determinei a separação processual.
Não fosse o bastante, o decisum que determinou o
desmembramento teve, dentre seus propósitos, os de garantir: a) a
eficaz apreciação das imputações, especialmente diante da inegável
carga negativa imposta pela existência de um processo penal em
desfavor do cidadão; b) o desenvolvimento célere do processo penal em
tela, trazendo, por consequência, benefícios à instrução processual e; c)
a melhor gestão processual, diante da multiplicidade de réus e de fatos
descritos na inicial.
Saliente-se ainda que a determinação não ocorreu ao arrepio da
legislação processual penal, mas sim em respeito e obediência ao dever
do Magistrado de gerir e conduzir o processo de maneira célere (Art.
80, do Código de Processo Penal). Tudo em busca da entrega do
provimento jurisdicional justo e efetivo.
Nessa toada, não se vislumbra o prejuízo alegado pela defesa,
pela suposta quebra da conexão intersubjetiva, bem como da conexão
probatória existente. Isso porque, para o manejo do processo ora
desmembrado houve a expressa determinação de que deveriam ser

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colacionados todos os elementos indiciários já existentes e que


mantivessem correlação aos fatos imputados. Tal determinação foi
cumprida pelo Parquet que carreou, em conjunto com a denúncia, a
íntegra do procedimento investigatório nº 036/2011, bem como os seus
anexos.
Nesse sentido, na eventual ausência de elemento probatório
porventura não colacionado, por não possuir, primo oculi, correlação
com os fatos ora apurados, que a defesa entenda ser imprescindível ao
deslinde do presente feito, poderá esta requerer a utilização do material
a título de prova emprestada, bastando, durante a instrução que
doravante se iniciará, a realização de requerimento específico e
devidamente fundamentado. (...)
Logo, pela não constatação do alegado prejuízo e por ainda
estarem presentes as razões que justificaram o desmembramento,
mantenho-o.
2.2. Da inexistência de acordo de colaboração premiada - Lei nº
12.850/2013.
Em sua exposição, o réu pugna pelo reconhecimento da
inexistência de qualquer acordo de colaboração premiada no curso do
inquérito policial, nos moldes da Lei de Organizações Criminosas.
Prima facie, deve-se afastar a incidência da legislação suscitada, em
especial do instituto da colaboração premiada (Art. 3º, I, da Lei
12.850/13).
Apesar de reconhecer que a ‘delação premiada’ já possuía
previsão em diplomas legais anteriores, não posso deixar de anotar que
a investigação em tela foi deflagrada antes mesmo da vigência da Lei
de Organizações Criminosas. E, mesmo sendo possível o
reconhecimento da sua aplicação retroativa - por trazer benefícios
despenalizadores em favor do réu - não há nos autos nenhum elemento
que indique a existência de acordo proposto e autorizado pelo Poder
Judiciário, condição necessária para a sua realização.
No caso dos autos, houve, efetivamente, a deflagração da
investigação criminal baseada na noticia criminis oferecida pelo
então vice-prefeito de Brejo Grande/SE, Marcelino Ferreira da Silva.
A partir de então todos os atos posteriores, incluídos os
depoimentos dos réus suscitados como delatores, foram realizados em

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sede de diligências investigativas, próprias da fase pré-processual.


Consigne-se, no mesmo sentido, que não há nos autos indicativo
de concessão de qualquer benefício aos réus RONMILDO ALMEIDA
MEIRA e JOSÉ EVALDO SANTOS, conforme sustenta a defesa.
Ambos os pretensos colaboradores foram denunciados nos autos do
processo originário nº 0800347-27.2017.4.05.8504, não sendo corréus
na presente demanda simplesmente diante do desmembramento
ordenado por este Juízo.
Logo, resta patente a inexistência de qualquer acordo de
colaboração premiada, nos termos da Lei n.º 12.850/2013.
2.3. Da inexistência de provas ilícitas - gravação clandestina.
Dentre os argumentos lançados pela defesa, encontra-se alegação
de existência de prova ilicitamente colhida. Prova que teria deflagrado
o Inquérito nº 036/2011, que ensejou o ajuizamento da presente ação
penal.
A prova impugnada consiste na gravação ambiental realizada
pelos réus RONMILDO ALMEIDA MEIRA e JOSÉ EVALDO
SANTOS da conversa mantida com JOÃO AUGUSTO BOTTO DE
BARROS, na data de 10.03.2011, sem o conhecimento deste.
Antes de analisar a impugnação apresentada, cumpre distinguir,
no campo teórico das modalidades de prova, três das principais
espécies de gravação reconhecidas pela doutrina e jurisprudência, a
saber: a interceptação telefônica, a escuta e a gravação ambiental.
Em primeiro lugar, trago à baila a mais conhecida das três: a
interceptação. Esta tem lugar quando um terceiro capta o diálogo
telefônico travado entre duas pessoas, sem que nenhum dos
interlocutores saiba. Para que seja válida, é indispensável a
autorização judicial da medida, que somente pode ser ordenada para
prova em investigação criminal e em instrução processual penal, nos
termos do Art. 5º, XII, da CF/88. Há, inclusive, legislação
infraconstitucional a reger a matéria, Lei n.º 9.296/96. Há também a
possibilidade de escuta. Nesse caso, há correlação em relação à
modalidade acima descrita. Ambas possuem como condição essencial a
autorização judicial. Entretanto, no caso da escuta, a gravação
realizada por terceiro é de ciência de um dos interlocutores.
Por fim, a gravação ambiental ocorre quando o diálogo telefônico

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ou pessoal travado entre duas ou mais pessoas é gravado por um dos


interlocutores, sem o consentimento ou a ciência do outro. Esta
terceira hipótese também é conhecida como gravação clandestina.
A despeito da denominação existente, a clandestinidade não
confere, por si só, o caráter de ilicitude ao meio de prova. O termo
clandestino não é empregado na concepção de meio ilícito, mas sim de
realização às escuras, sem o consentimento da parte gravada. Nesse
sentido, a gravação ambiental é válida ainda que sem autorização
judicial, excepcionando-se os casos em que a conversa seja protegida
por sigilo. Sobre a licitude da gravação ambiental, já se pronunciou,
por diversas vezes, a Egrégia Corte do Supremo Tribunal Federal,
razão pela qual opto por transcrever uma de suas ementas: (…)
No caso dos autos, conforme salientado pelo próprio réu, a
gravação objeto da impugnação foi realizada diretamente pelos corréus
RONMILDO ALMEIDA e JOSÉ EVALDO.
Nesse sentido, não há como se considerar a situação em apreço
como hipótese de Ação Controlada ilegal, nos termos da Lei de
Organizações Criminosas (Lei n.º 12.850/2013), especialmente pela
ausência de autorização judicial. Afinal, repiso, a gravação ocorreu em
10/03/2011, antes, portanto, da entrada em vigor do supracitado
diploma legal.
Ademais, ainda que se sustente violação à Lei n.º 9.034/1995,
vigente à época dos fatos, não há provas de que a gravação em análise
foi determinada ou capitaneada pela autoridade policial. Uma vez que
esta, em sede de diligências próprias da fase de inquérito, apenas
averiguou o suposto encontro relatado pelo réu JOSÉ EVALDO em
seu interrogatório policial (fl.129/130- IPL 0036/2011), realizando, a
posteriori , a apreensão da mídia contendo o teor da gravação
(fl.132/133A - IPL 0036/2011).
Em linha de convergência, o Parquet foi claro ao afirmar que a
gravação impugnada foi trazida a conhecimento da autoridade policial
pelo também denunciado JOSÉ EVALDO, que confessou ‘o fato de
JOÃO AUGUSTO BOTTO DE BARROS NASCIMENTO,
advogado e amigo pessoal do ex-prefeito CARLOS AUGUSTO, ter se
oferecido para intermediar o pagamento da obra de pavimentação do
acesso à quadra poliesportiva do povoado Brejão dos Negros"’(ID

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4058504.1625757).
Por fim, mesmo considerando a qualidade de advogado de um
dos interlocutores (JOÃO AUGUSTO), não há como entender que a
conversa gravada encontra-se acobertada pelo manto do sigilo
profissional, tendo em vista que não se tratava, a priori, de conversa
entre o cliente e seu advogado, a justificar o manto da intangibilidade.
É de se ver, portanto, que não cabe acolher a alegação de ilicitude da
gravação realizada, com a consequente contaminação de todos os atos
preparatórios dela decorrentes, especialmente por ter sido obtida
aparentemente sem máculas à legislação e aos entendimentos
jurisprudenciais consolidados pátrios.
2.4. Da impossibilidade de aditamento da inicial
Nos termos do tópico 2.5 da petição de defesa, requer o réu
CARLOS AUGUSTO FERREIRA o reconhecimento da possibilidade
de co-autoria e participação nos crimes capitulados no Decreto-Lei
201/67, de forma que seja realizado o aditamento da denúncia
oferecida, com a inclusão dos supostos beneficiados pelo desvio
imputado. É firme na doutrina e jurisprudência o entendimento de
que ainda nos crimes próprios - assim conceituados os delitos que
exigem condição especial do agente prevista no tipo penal para a sua
consumação - é possível a configuração da participação e co-autoria
desde que o elementar do crime seja de conhecimento dos demais
participantes da empreitada criminosa, tendo por base os Art. 29 e 30
do Código Penal. (...)
Contudo, a pretensão da defesa de incluir novos réus à
demanda, carece de amparo legal. Não se reconhece, no processo penal,
qualquer hipótese de denunciação à lide ou determinação ex-officio de
inclusão de outros réus não denunciados. Isso porque o sistema
processual pátrio erigiu à categoria de titular da ação penal o
Ministério Público, a quem cabe, privativamente, a propositura da
ação penal. Dessa forma, reconhecer qualquer possibilidade judicial de
determinação de aditamento da inicial acusatória afronta,
frontalmente, o sistema processual penal vigente. Outrossim, em se
tratando de ação penal pública, regida pelo princípio da
indisponibilidade, não se pode ignorar que também tem lugar o
princípio da divisibilidade para o Ministério Público.

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HC 191873 A GR / SE

Nesse sentido, a ausência de denúncia contra algum dos


eventuais corréus, ao tempo em que não impede o oferecimento
posterior da peça acusatória, não caracteriza hipótese de arquivamento
implícito da persecução penal.
Saliente-se ainda que, conforme bem argumentou o Órgão
Ministerial, em sua manifestação (id 4058504.1625757), os demais
réus também foram denunciados pelos fatos apurados, apenas havendo
divergência na tipificação dos delitos, uma vez que foram denunciados
pelos ilícitos penais previstos nos arts. 89 e 90, da Lei nº 8.666/1993,
bem como nos arts. 316 e art. 288, do CP.
Nesse sentido, a atuação do Órgão acusador não revela qualquer
tipo de perdão aos demais réus, mas apenas tipificação diversa, que,
caso seja considerada indevida, no decorrer da instrução, poderá ser
analisada, nos termos do Art. 384 do CPP. Não é este, contudo, o
momento adequado para a sua apreciação. Por tudo isso, afasto a
preliminar suscitada. (...)
3. Dispositivo.
Ante o exposto, reconheço a inexistência de qualquer acordo de
colaboração premiada em relação à presente ação penal, nos termos do
tópico 2.2 e afasto as demais preliminares suscitadas, bem como nego o
pedido de absolvição sumária. Prossiga-se na instrução do feito com
designação de audiência de instrução até que se ultimem os atos
processuais necessários ao julgamento” (grifos nossos).

3. Pretendendo o trancamento da Ação Penal n. 0800502-


30.2017.4.05.8504, a defesa impetrou o Habeas Corpus n. 0809051-
93.2018.4.05.0000. Em 31.7.2018, o Tribunal Regional Federal da Quinta
Região concedeu parcialmente a ordem, apenas para determinar ao juízo
de origem a expedição de ofícios requerida pela defesa. Esta a ementa do
julgado:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. GRAVAÇÃO
AMBIENTAL CLANDESTINA FEITA POR UM DOS
INTERLOCUTORES. ILICITUDE DA PROVA. NÃO
CONFIGURAÇÃO.DETERMINAÇÃO DE ADITAMENTO DA
DENÚNCIA PARA INCLUSÃO DE OUTROS RÉUS.
VIOLAÇÃO À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO

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HC 191873 A GR / SE

MINISTÉRIO PÚBLICO. DESCABIMENTO. DILIGÊNCIAS


REQUERIDAS PELA DEFESA. RAZOABILIDADE. - Paciente
acusado de exigir, durante seus mandatos como prefeito de Brejo
Grande/SE, vantagem indevida de 30% (trinta por cento), em média,
do valor das notas de empenho, assegurando, em contrapartida, a
vitória nas concorrências públicas para a realização de obras e serviços
de engenharia. Ademais, teria determinado a dispensa de licitações
fora das hipóteses previstas na lei. - Hipótese em que a gravação cuja
ilegalidade se pretende ver reconhecida foi realizada diretamente por
dois dos investigados (e posteriormente denunciados), cuidado-se, em
verdade, de prova admitida em nosso ordenamento jurídico, conforme
assente entendimento jurisprudencial. Precedentes do STF. - Não há,
no processo penal, a obrigatoriedade de aditamento da denúncia, por
absoluta falta de amparo legal, eis que inexistem hipóteses de
denunciação à lide ou determinação, de ofício, de inclusão de outros
réus não denunciados. A providência almejada pelo writ, uma vez
deferida, traduziria manifesta violação à independência funcional do
Ministério Público. Precedente do eg. STF (2ª Turma, HC 62.110/RJ,
rel. Min. Oscar Dias Correia, DJ 22.2.1985, p. 1589). - Além disso,
em se tratando de ação penal pública, regida pelo princípio da
indisponibilidade, há que se ter em conta o princípio da divisibilidade
para o Ministério Público. A ausência de denúncia contra quaisquer
dos eventuais investigados não impede o oferecimento posterior da
peça acusatória, além de não caracterizar hipótese de arquivamento
implícito. - Não ocorrência de violação à Lei nº 12.850/2013,em
especial ao instituto da colaboração premiada, eis que a gravação
ocorreu anteriormente ao início da vigência do diploma. Embora já
existisse previsão da delação premiada em diplomas legais anteriores, a
investigação foi deflagrada antes mesmo da vigência da Lei de
Organizações Criminosas. Mesmo sendo possível o reconhecimento da
sua aplicação retroativa - por trazer benefícios despenalizadores em
favor do réu -não há nos autos nenhum elemento que indique a
existência de acordo proposto e autorizado pelo Poder Judiciário,
condição necessária para a sua realização. - Conquanto não tenha
havido, propriamente, um cerceamento de defesa, é de bom alvitre
determinar, desde logo, sejam expedidos os ofícios objeto do pleito,até

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porque tais providências não se mostram procrastinatórias. As


informações parecem ter alguma relevância para o esclarecimento dos
fatos objeto da denúncia, razão pela qual interessam, sim, à defesa. -
Por se tratar de pedido de diligências razoável, não há sentido em se
esperar que todos os elementos apontados pela magistrada sejam
colhidos para, só então, ponderar-se acerca da necessidade de
expedição dos ofícios, até porque os dados ora solicitados podem,
inclusive, nortear a estratégia a ser adotada pela defesa ao longo da
instrução processual. - Ordem concedida em parte”.

4. Esse julgado foi objeto do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.


104.363, interposto em 14.8.2018. Em 1º.7.2020, o Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento ao
recurso defensivo.

Interposto agravo regimental, a Quinta Turma manteve a decisão


agravada:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO
EM HABEAS CORPUS. DECRETO LEI Nº 201/67. GRAVAÇÃO
AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES.
LICITUDE DA PROVA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.
AÇÃO CONTROLADA. INEXISTÊNCIA. ALEGADA
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA
AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. 1. ‘É pacífico, neste Superior Tribunal e no Pretório
Excelso, que a gravação ambiental, realizada por um dos
interlocutores, com o objetivo de preservar-se diante de atuação
desvirtuada da legalidade, prescinde de autorização judicial’ (RHC n.
313.456/PI, Relatora Ministra MARIA THEREZA de Assis Moura,
DJe de 24/3/2014). 2. No caso, as instâncias ordinárias afirmaram que
a gravação clandestina foi realizada pelos interlocutores José e
Ronmildo, inexistindo prova de que o fato tenha sido determinado ou
capitaneado pela polícia judiciária, o que afasta a alegação de ação
controlada. 3. Quanto à suposta violação ao princípio da
indisponibilidade da ação penal, as informações do juízo não deixam
dúvidas de que os demais réus também foram denunciados pelos fatos

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investigados, tendo ocorrido, apenas, divergência na tipificação dos


crimes, uma vez que o MPF atribui-lhes a prática dos ilícitos penais
dos arts. 89 e 90 da Lei nº 8.666/93, assim como aqueles previstos nos
arts. 316 e 288 do Código Penal. Ademais, ‘o princípio da
indivisibilidade da ação, expressamente previsto no art. 48 do Código
de processo penal, prevendo a impossibilidade de fracionamento da
ação penal, é restrito à ação penal privada’ (RHC n. 111.211/STF,
Relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ de 20/11/2012). 4.
Agravo regimental improvido”.

5. Esse julgado é o objeto da presente impetração, à qual neguei


seguimento ao proferir a decisão agravada.

6. Como afirmado na decisão agravada, no presente habeas corpus, a


defesa pretende o “reconhecimento da ausência de justa causa para o
prosseguimento da ação penal na origem em face da ausência de provas lícitas”
ou, “alternativamente, seja promovido o trancamento da ação penal em relação
ao Paciente no que tange à imputação por peculato‐desvio”.

O habeas corpus visa a impedir que alguém sofra violência ou coação


em sua “liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (inc. LXVIII
do art. 5º da Constituição da República).

No art. 647 do Código de Processo Penal se estabelece que o habeas


corpus será concedido “sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de
sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de
punição disciplinar”.

A garantia do habeas corpus está ligada a outra garantia, a liberdade


de locomoção. Somente a contrariedade a essa liberdade delineia a causa
de pedir da ação de habeas corpus.

Nessa linha, o Ministro Roberto Barroso, no Habeas Corpus n. 192.311,


assentou que “a Constituição Federal de 1988 autoriza a impetração de habeas

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corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou


coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (inciso
LXVIII do art. 5º). Com efeito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no
sentido de que não cabe vulgarizar e banalizar a garantia fundamental do habeas
corpus, empregando-a se não há prisão ou constrangimento atual, iminente ou
pelo menos próximo à liberdade de locomoção (HC 103.779, Rel. Min. Rosa
Weber)” (DJe 8.10.2020).

7. É de se realçar a jurisprudência consolidada deste Supremo


Tribunal no sentido de que “o reconhecimento da ausência de justa causa
para a persecução penal, embora cabível em sede de habeas corpus, reveste-se de
caráter excepcional. É que, para tal revelar-se possível, impõe-se inexistir
qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes
à acusação penal” (HC n. 124.693-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello,
Segunda Turma, DJe 27.4.2015).

Confira-se, por exemplo, o seguinte julgado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL


E PROCESSUAL PENAL MILITAR. CRIME DE FURTO
QUALIFICADO. ARTIGO 240, §§ 5º E 6º, I, IV, DO CÓDIGO
PENAL MILITAR. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE
UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO
DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. (…). 2. O trancamento da ação
penal por meio de habeas corpus é medida excepcional, somente
admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a
inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da
punibilidade. Precedentes: HC 138.507, Segunda Turma, rel. min.
Ricardo Lewandowski, DJe de 4/8/2017; RHC 120.980-AgR, Primeira
Turma, rel. min. Roberto Barroso, DJe de 10/4/2014; RHC 133.426,

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HC 191873 A GR / SE

Segunda Turma, rel. min. Cármen Lúcia, DJe de 28/4/2016. 3. In


casu, os pacientes foram denunciados pela suposta prática do crime
previsto no artigo 240, §§ 5º e 6º, I, IV, c/c artigo 240, § 2º, do Código
Penal Militar. 4. O habeas corpus é ação inadequada para a
valoração e exame minucioso do acervo fático-probatório engendrado
nos autos. 5. O habeas corpus é impassível de ser manejado como
sucedâneo de recurso ou revisão criminal. 6. (…). 7. Agravo
regimental desprovido” (HC n. 171.939-AgR, Relator o Ministro
Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 17.9.2019).

8. Na espécie, tem-se nos autos que os corréus Ronmildo Almeida e


José Evaldo realizaram a gravação ambiental questionada na presente
ação. A licitude dessa prova é questionada pelo agravante.

O Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de


Justiça, assentou no voto condutor do julgado objeto da presente
impetração:
“Em que pesem os argumentos lançados no regimental pela
brilhante defesa, a decisão agravada deve ser mantida por seus
próprios fundamentos. Vejamo-la (e-STJ fls. 10.098⁄10.107:
‘(...) Primeiramente, quanto à ilicitude da prova obtida
(gravação ambiental realizada por um dos interlocutores), assim
decidiu a Corte de origem (e-STJ fls. 9.945⁄9.947): (...)
Como bem ressaltou a Corte de origem, ‘é pacífico, neste
Superior Tribunal e no Pretório Excelso, que a gravação
ambiental, realizada por um dos interlocutores, com o objetivo
de preservar-se diante de atuação desvirtuada da legalidade,
prescinde de autorização judicial’ (RHC n. 313.456⁄PI, Relatora
Ministra MARIA THEREZA de Assis Moura, DJe de
24⁄3⁄2014). Colaciono, ainda, os seguintes precedentes: (...)
Portanto, a gravação da conversa privada por um dos
interlocutores, sem o conhecimento do outro, não configura
ilegalidade da prova.
Também não se pode falar em ‘ação controlada’, pois
estabeleceu-se no acórdão recorrido que não há provas da
premissa de que a gravação em análise foi determinada ou

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capitaneada pela autoridade policial. Uma vez que esta, em sede


de diligências própria da fase de inquérito, apenas averiguou o
suposto encontro relatado pelo réu JOSÉ EVALDO em seu
interrogatório policial (fls. 129⁄130-IPL 0036⁄2011), realizando,
a posteriori, a apreensão da mídia contendo o teor da gravação
(fls. 132⁄133A - IPL 0036⁄2011). Em linha de convergência, o
Parquet foi claro ao afirmar que a gravação impugnada foi
trazida a conhecimento da autoridade policial pelo também
denunciado JOSÉ EVALDO, que confessou 'o fato de JOÃO
AUGUSTO BOTTO DE BARROS NASCIMENTO, advogado
e amigo pessoal do ex-prefeito CARLOS AUGUSTO, ter se
oferecido para intermediar o pagamento da obra de
pavimentação do acesso à quadra poliesportiva do povoado
Brejão dos Negros' (ID 4058504.1625757). [...] Em suma, na
impossibilidade de dizer mais e melhor do que o il. juízo prolator
da decisão, encampo a fundamentação acima reproduzida para
repelir por completo a aventada ilicitude da prova impugnada,
na medida em que sua colheita deu-se diretamente pelos corréus
RONMILDO ALMEIDA e JOSÉ EVALDO, a configurar a
hipótese de gravação realizada por um dos interlocutores,
medida em consonância com a legislação pátria e plenamente
aceita pelos tribunais’ (e-STJ fl. 9.968⁄9.969).
Em relação ao desrespeito aos princípios processuais da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, disse o
Relator (e-STJ fls. 9.969⁄9.970):
O writ ainda sustenta que, em face dos princípios da
obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública,
seria juridicamente impossível o oferecimento de denúncia
contra o paciente pela infração penal de que cuida o art. 1º, I, do
DL nº 201⁄67, sem que figurem como corréu os pretensos
beneficiários do desvio de recursos noticiado pelo Parquet, os
quais estariam perfeitamente identificados e nominados.
Por tal razão, entendem obrigatória a aplicação analógica
do art. 28 do CPP, para que o MPF promova o aditamento da
denúncia, incluindo os beneficiários do suposto desvio de
recursos públicos,como coautores da referida infração penal.

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A alegação não prospera. Como bem ressaltado pelo


parecer da douta Procuradoria Regional da República,o
ordenamento jurídico não contempla a hipótese de
obrigatoriedade de aditamento da exordial acusatória, dada a
inexistência, no processo penal, de casos de denunciação à lide
ou determinação, de ofício, de inclusão de réus não denunciados.
A propósito,salientou o ilustrado Procurador: (...)
Advirta-se, inclusive, que as informações do juízo não
deixam dúvidas de que os demais réus também foram
denunciados pelos fatos investigados, tendo ocorrido, apenas,
divergência na tipificação dos crimes, uma vez que o MPF
atribui-lhes a prática dos ilícitos penais dos arts. 89 e 90 da Lei
nº 8.666⁄93, assim como aqueles previstos nos arts. 316 e 288 do
Código Penal.
Quanto ao tema, é bom recordar lição do Supremo
Tribunal Federal no sentido de que ‘o princípio da
indivisibilidade da ação, expressamente previsto no art. 48 do
Código de processo penal, prevendo a impossibilidade de
fracionamento da ação penal, é restrito à ação penal privada’
(RHC n. 111.211⁄STF, Relator Ministro LUIZ FUX, Primeira
Turma, DJ de 20⁄11⁄2012).
No mesmo sentido, é a orientação deste Superior Tribunal
de Justiça: (...)
Por outro lado, como bem lembrou o Relator no writ
originário, os demais réus foram denunciados pelos fatos
investigados, tendo ocorrido, apenas divergência na tipificação
dos crimes, uma vez que o MPF atribui-lhes a prática dos
ilícitos penais dos arts. 89 e 90 da Lei n. 8.666⁄1993, assim como
aqueles previstos nos arts. 316 e 288 do Código Penal, o que
afasta a violação dos princípios mencionados.
Por fim, quanto à não aplicação da Lei n. 12.850⁄2013
(réus confessos que supostamente teriam recebido tratamento
privilegiado), o acórdão recorrido foi categórico ao afirmar que,
mesmo sendo possível o reconhecimento da sua aplicação
retroativa — por trazer benefícios despenalizadores em favor do
réu — não há nos autos nenhum elemento que indique a

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existência de acordo proposto e autorizado pelo Poder Judiciário,


condição necessária para a sua realização. Consigne-se, no
mesmo sentido, que não há nos autos indicativo de concessão de
qualquer benefício aos réus RONMILDO ALMEIDA MEIRA e
JOSÉ EVALDO SANTOS, conforme sustenta a defesa. Ambos
os pretensos colaboradores foram denunciados nos autos do
processo originário n. 0800347-27.2017.4.05.8504, não sendo
corréus na presente demanda simplesmente diante do
desmembramento ordenado por este Juízo (e-STJ fl. 9.950).
Desse modo, não há, em sede do remédio constitucional do
habeas corpus, como modificar as premissas estabelecidas no
aresto impugnado para acolher a tese defensiva no sentido de
que os corréus Ronmildo e José são ‘réus colaboradores’ e dessa
forma deveriam ser tratados.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em
habeas corpus’.
Da leitura da decisão agravada, observa-se que todos os temas
apresentados no recurso ordinário foram examinados, apoiando-se o
julgado em precedentes deste Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal, inexistindo motivos para alteração do
entendimento sufragado.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental”.

9. Quanto à alegada ofensa ao princípio da obrigatoriedade e da


indisponibilidade da ação penal, descabe cogitar-se de ilegalidade.

Extrai-se dos autos que os “demais réus também foram denunciados


pelos fatos investigados, tendo ocorrido, apenas, divergência na tipificação dos
crimes, uma vez que o MPF atribui-lhes a prática dos ilícitos penais dos arts. 89
e 90 da Lei nº 8.666⁄93, assim como aqueles previstos nos arts. 316 e 288 do
Código Penal”.

Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o


“órgão acusador pode excluir da denúncia, depois de melhor exame, quem era
objeto de suspeita inicial; pode aditá-la para ampliar os limites da imputação e o

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rol de acusados, ocasião em que poderá ocorrer alteração da competência, sem que
restem feridos os princípios da legalidade, obrigatoriedade, indisponibilidade e
indivisibilidade, este só aplicável a ação penal privada (art. 48 do CPP)” (HC n.
71.899, Relator o Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 2.6.1995).

Confiram-se também os seguintes julgados:

“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL.


ESTELIONATO. NÃO INCLUSÃO DE TODOS OS SUPOSTOS
COAUTORES E PARTÍCIPES NO POLO PASSIVO DA AÇÃO
PENAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE.
AÇÃO PENAL PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.
ORDEM DENEGADA. 1. Embora a ação penal pública seja pautada,
como regra, pelo princípio da obrigatoriedade, “o Ministério Público,
sob pena de abuso no exercício da prerrogativa extraordinária de
acusar, não pode ser constrangido, diante da insuficiência dos
elementos probatórios existentes, a denunciar pessoa contra quem não
haja qualquer prova segura e idônea de haver cometido determinada
infração penal” HC 71429, Min. CELSO DE MELLO, Primeira
Turma, DJ 25-08-1995). Doutrina. Precedentes. Nesses casos, não se
verifica inépcia da peça acusatória, tampouco renúncia ao direito à
acusação. 2. Ordem denegada” (HC n. 117.589, Relator o Ministro
Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 25.11.2013).

“Penal eleitoral. Recurso Ordinário em Habeas Corpus.


Corrupção ativa – art. 299 do Código Eleitoral (oferecimento de
vantagem pecuniária em troca de voto). Denúncia oferecida apenas
contra os corruptores. Violação dos princípios da obrigatoriedade e da
indivisibilidade da ação penal. Inocorrência. 1. O princípio da
indivisibilidade da ação, expressamente previsto no art. 48 do Código
de Processo Penal, prevendo a impossibilidade de fracionamento da
ação penal, é restrito à ação penal privada. Precedente: RTJ 737/719.
2. In casu, o Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia pela
prática do crime de corrupção ativa, tipificado no art. 299 do Código
Eleitoral, apenas contra os recorrentes, em face do oferecimento de
vantagem pecuniária para a obtenção de votos, omitindo os

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corrompidos, que prestaram depoimentos como testemunhas de


acusação. 3. O crime tipificado no art. 299 é formal e, por isso,
consuma-se com o oferecimento da vantagem indevida, cujo
recebimento constitui mero exaurimento do delito, vale dizer, ainda
que não fosse possível incriminar o eleitor que se recusou a receber tal
vantagem, a responsabilidade penal do corruptor resta configurada. 4.
A alegada inidoneidade dos depoimentos dos corrompidos não tem a
virtude de infirmar a condenação, porquanto não foram tais
depoimentos os únicos elementos formadores da convicção do Juiz, que
deu relevância à oitiva de informante e aos depoimentos das
testemunhas arroladas pela defesa, que não lograram construir um
álibi capaz de afastar a responsabilidade penal dos recorrentes. 5. A
responsabilidade pelo não oferecimento da denúncia em relação aos
corrompidos, a evidenciar violação do princípio da obrigatoriedade da
ação penal, recai sobre o órgão do Ministério Público, à luz do art. 28
do CPP, sem reflexo na situação processual dos denunciados,
sobretudo em se tratando de delito formal cuja consumação prescinde
da conduta típica da parte corrompida. 6. A não instauração da
persecução penal em relação a determinados agentes não é, a toda
evidência, garantia da impunidade de outros. 7. Recurso Ordinário
em Habeas Corpus ao qual se nega provimento” (RHC n. 111.211,
Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 20.11.2012).

10. Ao afastarem a alegada ilicitude da prova, as instâncias


antecedentes decidiram em harmonia com a jurisprudência consolidada
neste Supremo Tribunal, no sentido de que as gravações ambientais feitas
por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro são provas
legítimas e admitidas em ações penais. Essa orientação foi reafirmada no
julgamento da Repercussão Geral na Questão de Ordem no Recurso
Extraordinário n. 583.937, em 18.12.2009, Relator o Ministro Cezar Peluso:

“AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por


um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade.
Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso
extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita
a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos

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interlocutores sem conhecimento do outro”.

Em idêntico norte os seguintes julgados:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO


REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DENÚNCIA
ANÔNIMA. DILIGÊNCIAS PRELIMINARES. GRAVAÇÃO
AMBIENTAL POR INTERLOCUTOR. AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL. DESNECESSIDADE. VOLUNTARIEDADE E
ESPONTANEIDADE. DISTINÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO
PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. 1. A denúncia anônima pode
servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que
precedida por diligências tendentes a averiguar os fatos nela
noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedentes. 2.
No caso concreto, a investigação foi precedida por diligências
empreendidas com o fim de apurar a fidedignidade das informações
apócrifas, cumprindo as balizas definidas pela Suprema Corte no
Habeas Corpus nº 109.598, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda
Turma, DJe de 26.4.2016. 3. No Recurso Extraordinário com
Repercussão Geral nº 583.937 a Corte firmou a tese de que: ‘É lícita a
prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos
interlocutores sem conhecimento do outro’, guiada pela premissa de
que ‘quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou
receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e,
portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação
(...)’. 4. A espontaneidade do interlocutor responsável pela gravação
ambiental não é requisito de validade do aludido meio de prova, sendo
a atuação voluntária (mas não necessariamente espontânea) do agente
suficiente para garantir sua integridade. Precedentes. 5. Agravo
regimental conhecido e não provido” (HC n. 141.157-AgR, Relatora
a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 11.12.2019).

“Habeas corpus. Trancamento de ação penal. investigação


criminal realizada pelo Ministério Público. Excepcionalidade do caso.
Possibilidade. gravação clandestina (gravação de conversa telefônica
por um interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova.

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Precedentes. ordem denegada. 1. Possibilidade de investigação do


Ministério Público. Excepcionalidade do caso. O poder de investigar
do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e
irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente,
direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida
pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria
natureza, vigilância e controle. O tema comporta e reclama disciplina
legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não
prejudique a defesa dos direitos fundamentais. A atuação deve ser
subsidiária e em hipóteses específicas. No caso concreto, restou
configurada situação excepcional a justificar a atuação do MP: crime
de tráfico de influência praticado por vereador. 2. Gravação
clandestina (Gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem
o conhecimento do outro). Licitude da prova. Por mais relevantes e
graves que sejam os fatos apurados, provas obtidas sem a observância
das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade
ao disposto em normas de procedimento não podem ser admitidas no
processo; uma vez juntadas, devem ser excluídas. O presente caso
versa sobre a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem
o conhecimento de outro, isto é, a denominada “gravação telefônica”
ou “gravação clandestina”. Entendimento do STF no sentido da
licitude da prova, desde que não haja causa legal específica de sigilo
nem reserva de conversação. Repercussão geral da matéria (RE
583.397/RJ). 3. Ordem denegada” (HC n. 91.613, Relator o
Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 17.9.2012).

“QUESTÃO DE ORDEM. INQUÉRITO INSTAURADO A


PARTIR DE CARTA DENÚNCIA E DE DEGRAVAÇÃO DE FITA
MAGNÉTICA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. CONVERSAS NÃO
PROTEGIDAS POR SIGILO LEGAL. AUSÊNCIA DE
ILICITUDE. INDÍCIOS DE PARTICIPAÇÃO DE AGENTE
DETENTOR DE PRERROGATIVA DE FORO. COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
QUESTÃO DE ORDEM RESOLVIDA, POR MAIORIA, PARA
DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES
NO STF . 1. É lícita a prova obtida mediante a gravação ambiental,

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por um dos interlocutores, de conversa não protegida por sigilo legal.


Hipótese não acobertada pela garantia do sigilo das comunicações
telefônicas (inciso XII do art. 5º da Constituição Federal). 2. Se
qualquer dos interlocutores pode, em depoimento pessoal ou como
testemunha, revelar o conteúdo de sua conversa, não há como
reconhecer a ilicitude da prova decorrente da gravação ambiental. 3. A
presença de indícios de participação de agente titular de prerrogativa
de foro em crimes contra a Administração Pública confere ao STF o
poder-dever de supervisionar o inquérito. 4. Questão de ordem
resolvida no sentido da fixação da competência do Supremo Tribunal
Federal para supervisionar as investigações e da rejeição da proposta
de trancamento do inquérito por alegada ilicitude da gravação
ambiental que motivou a abertura desse procedimento investigatório”
(Inq n. 2.116-QO, Redator para o acórdão o Ministro Ayres
Britto, Plenário, DJe 29.2.2012).

11. Como salientado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de


Justiça, “as instâncias ordinárias afirmaram que a gravação clandestina foi
realizada pelos interlocutores José e Ronmildo, inexistindo prova de que o fato
tenha sido determinado ou capitaneado pela polícia judiciária, o que afasta a
alegação de ação controlada”.

Para se concluir em sentido diverso, seria necessário o revolvimento


de fatos e provas, inviável na estreita via do habeas corpus (HC n. 155.612-
AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 25.10.2018,
e HC n. 188.701-AgR, Relator o Ministro Alexandre de Moraes, Primeira
Turma, DJe 18.9.2020).

12. O contorno fático delineado nos autos demonstra ser idônea a


fundamentação pela qual rejeitados os argumentos para o trancamento
da ação penal, devendo prosseguir o feito para que as instâncias
competentes decidam quanto à responsabilidade penal imputada ao
agravante, com a devida dilação probatória.

13. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

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Extrato de Ata - 17/02/2021

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SEGUNDA TURMA
EXTRATO DE ATA

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 191.873


PROCED. : SERGIPE
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
AGTE.(S) : CARLOS AUGUSTO FERREIRA
ADV.(A/S) : EUGENIO JOSE GUILHERME DE ARAGAO (04935/DF, 30746/ES,
428274/SP)
AGDO.(A/S) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo


regimental, nos termos do voto da Relatora. Segunda Turma, Sessão
Virtual de 5.2.2021 a 12.2.2021.

Composição: Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Ricardo


Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Nunes Marques.

Maria Clara Viotti Beck


Secretária

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