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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem

Direito Penal

PENAL 2ª FASE XXXIII EXAME

Direito Penal
“TCHÊ, É BOM ESTUDAR!” (aulas gravadas)

Professor Me. Nidal Ahmad

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Olá, Alunos!

Espero que vocês tenham a melhor


preparação para a prova do Exame de Ordem.
Este missioneiro preparou um material bem
completo para você dar aquele soco no dia da
prova da OAB. Um beijo carinhoso e
respeitoso nas meninas e um abraço bem de
longe nos meninos!

Nidal Ahmad @prof.nidal

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

2ª FASE OAB | XXXIII EXAME

Direito Penal
Prof. Nidal Ahmad

SUMÁRIO

DA CONDUTA ......................................................................................................................... 6
1.1. Introdução........................................................................................................................ 6
1.2. Conceito .......................................................................................................................... 7
1.3. Ausência de conduta ....................................................................................................... 7
1.4. Dos crimes omissivos ....................................................................................................... 9
1.4.1. Crimes omissivos próprios ............................................................................................ 9
1.4.2. Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão ......................................... 10

DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ...........................................................................................16


2.1. Introdução ......................................................................................................................16
2.2. Causas absolutamente independentes ..........................................................................16
2.2.1. Conceito ......................................................................................................................16
2.2.2. Espécies de causas absolutamente independentes ....................................................16
2.2.3. Consequências das causas absolutamente independentes ........................................ 18
2.3. Causas relativamente independentes ............................................................................19
2.3.1. Conceito ......................................................................................................................19
2.3.2. Espécies de causas relativamente independentes .....................................................19
2.4. Dúvida mais recorrente................................................................................................. 23

CONFLITO APARENTE DE NORMAS ..................................................................................... 30


3.1. Introdução ..................................................................................................................... 30
3.2. Conflito aparente de normas x concurso de crimes ...................................................... 31
3.3. Princípios para dirimir o conflito aparente de normas .................................................. 31
3.3.1. Princípio da especialidade .......................................................................................... 31
3.3.2. Princípio da subsidiariedade ..................................................................................... 33
3.3.2.1. Subsidiariedade expressa........................................................................................ 34
3.3.2.2. Subsidiariedade tácita ............................................................................................ 36
3.3.3. Princípio da consunção ou da absorção .................................................................... 36
3.3.3.1. Introdução ............................................................................................................... 36
3.3.3.2. Hipóteses de incidência do princípio da consunção .............................................. 38
3.3.4. Princípio da alternatividade ........................................................................................41

CONCURSO DE CRIMES ....................................................................................................... 44


4.1. Introdução ..................................................................................................................... 44

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4.2. Concurso de crimes e a relação com outros institutos ................................................ 44


4.3. Concurso material de crimes ........................................................................................ 46
4.3.1. Conceito .................................................................................................................... 46
4.3.2. Concurso material e penas restritivas de direitos ..................................................... 46
4.3.3. Cumprimento simultâneo ou sucessivo de penas restritivas de direitos .................. 47
4.3.4. Aplicação da pena .................................................................................................... 47
4.4. Concurso formal ........................................................................................................... 48
4.4.1. Conceito .................................................................................................................... 48
4.4.2. Concurso formal perfeito e concurso formal imperfeito ........................................... 49
4.4.3. Aplicação da pena no concurso formal .................................................................... 50
4.4.4. Concurso formal e crime único ................................................................................ 52
4.5. Crime continuado ......................................................................................................... 53
4.5.1. Conceito .................................................................................................................... 53
4.5.2. Requisitos .................................................................................................................. 53
4.5.2.1. Pluralidade de condutas .......................................................................................... 54
4.5.2.2. Crimes da mesma espécie ...................................................................................... 54
4.5.2.3. Conexão temporal .................................................................................................. 54
4.5.2.4. Conexão espacial.................................................................................................... 55
4.5.2.5. Maneira de execução .............................................................................................. 55
4.5.2.6. Unidade de desígnios ............................................................................................. 55
4.5.3. Crime continuado específico .................................................................................... 56
4.5.4. Aplicação da pena ..................................................................................................... 57

CONCURSO DE PESSOAS .................................................................................................... 63


5.1. Conceito de concurso de pessoas ................................................................................ 63
5.2. Requisitos ..................................................................................................................... 63
5.2.1. Pluralidade de condutas ............................................................................................. 63
5.2.2. Relevância causal das condutas ................................................................................ 64
5.2.3. Vínculo subjetivo ....................................................................................................... 65
5.2.4. Identidade de infração para todos os agentes .......................................................... 66
5.3. Modalidades de atuação no concurso de pessoas ....................................................... 67
5.3.1. Autoria ....................................................................................................................... 67
5.3.1.1. Teoria objetiva ou dualista ....................................................................................... 67
5.3.1.2 Teoria do domínio do fato ........................................................................................ 69
5.3.2. Coautoria ................................................................................................................... 70
5.3.3. Participação ................................................................................................................ 71
5.3.3.1. Formas de participação ........................................................................................... 72
5.3.3.1.1. Participação moral ................................................................................................ 72
5.3.3.1.2. Participação material ............................................................................................ 74
5.3.3.2. Participação impunível ........................................................................................... 74
5.3.3.3. Participação posterior ao crime.............................................................................. 75
5.4. Punibilidade do concurso de pessoas .......................................................................... 76
5.4.1. Participação de menor importância ........................................................................... 76
5.4.2. Da cooperação dolosamente distinta ou desvios subjetivo entre os participantes....77

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5.5. Comunicabilidade das elementares e circunstâncias do crime.................................... 78

EFEITOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA ............................................................................ 83


6.1. Nota introdutória ............................................................................................................ 83
6.2. Efeitos principais .......................................................................................................... 83
6.3. Efeitos secundários ...................................................................................................... 83
6.3.1. Efeitos secundários de natureza penal ....................................................................... 84
6.3.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal .............................................................. 84
6.3.2.1. Efeitos genéricos ..................................................................................................... 85
6.3.2.2. Efeitos específicos .................................................................................................. 86

DESCRIMINANTES PUTATIVAS ............................................................................................. 89


7.1. Conceito ........................................................................................................................ 89
7.2. Espécies ........................................................................................................................ 89
7.3. Consequências ..............................................................................................................91

PADRÃO DE RESPOSTAS...................................................................................................... 94

Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do seu curso preparatório
para a 2ª Fase do XXXIII Exame da OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas
aulas. Além disso, recomenda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação
pertinente.

Bons estudos, Equipe Ceisc.


Atualizado em outubro de 2021.

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Da conduta

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

1.1. Introdução
Fato típico é o que se amolda ao modelo legal da conduta proibida. É o fato que se

enquadra no conjunto de elementos descritivos do delito contidos na lei penal. Se não se

enquadrar rigorosamente na descrição que consta no tipo penal, o fato será atípico.

Para todos verem: esquema

CONDUTA

ELEMENTOS DO
TIPICIDADE RESULTADO
FATO TÍPICO

NEXO DE
CAUSALIDADE

Ausente um dos elementos do fato típico a conduta passa a constituir um indiferente

penal. É um fato atípico.

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1.2. Conceito
Conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada

finalidade.

1.3. Ausência de conduta


Para a caracterização da conduta, sob qualquer aspecto, é indispensável a existência

do binômio vontade e consciência.

VONTADE é o querer ativo, apto a levar o ser humano a praticar um ato livremente.

O ato voluntário deve ser espontâneo, isto é, mediante um proceder por vontade própria;
caso contrário, será ato coagido e forçado, levando à exclusão do crime.

CONSCIÊNCIA é a possibilidade de o ser humano ter noção clara da diferença

existente entre realidade e ficção.

Ausente vontade ou consciência, não haverá conduta punível. Não havendo conduta

punível, o fato será atípico.

Pode-se dizer que há ausência de conduta nos seguintes casos, por exemplo:

a) Coação física irresistível (“vis absoluta”)

Ocorre quando o sujeito pratica o movimento em consequência de força corporal

exercida sobre ele. Quem atua obrigado por uma força irresistível não age

voluntariamente. Neste caso, o agente é mero instrumento realizador da vontade do coator.

Imaginemos alguém sendo fisicamente forçado a falsificar um documento. Nesse

caso, não haverá conduta punível, por ausência de vontade, sendo o fato atípico em relação

ao agente fisicamente coagido. Somente o coator responderia pelo delito.

Assim, não havendo vontade, não há conduta. Não havendo conduta, não há fato

típico. Não havendo fato típico, não há crime. Logo, o fato praticado pelo fisicamente

coagido é atípico. Não responde por nenhum crime.


Diversa é a situação, contudo, quando se tratar de coação moral.

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Na coação moral, não há aplicação da força física, mas de ameaça ou intimidação,

feita através da promessa de um mal, para que se determine o coato à realização do fato

criminoso. O coagido poderá optar.

No caso da coação moral, o fato é revestido de tipicidade, mas não é culpável, em

face da inexigibilidade de conduta diversa.

Portanto, existe o fato típico, pois a ação é juridicamente relevante, mas não há que

se falar em culpabilidade, aplicando-se a regra do art. 22, 1ª parte, do Código Penal (causa

de exclusão da culpabilidade). A coação moral irresistível será estudada no tema

culpabilidade.

EM SÍNTESE:

Coação física irresistível: causa de exclusão da tipicidade

Coação moral irresistível: causa de exclusão da culpabilidade

Coação moral resistível: atenuante (art. 65, III, “c”, CP)

Para todos verem: esquema

COAÇÃO FÍSICA IRRESISTÍVEL COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL COAÇÃO MORAL RESISTÍVEL

Sujeito é forçado Sujeito é ameaçado ou Sujeito é ameaçado ou


fisicamente a praticar o intimidado a praticar o intimidado a praticar o
fato típico fato típico fato típico, mas poderia
resistir

CAUSA DE EXCLUSÃO DA CAUSA DE EXCLUSÃO DA


TIPICIDADE CULPABILIDADE ATENUANTE (ART. 65, III,
"C", CP)

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b) Movimentos reflexos

Os atos reflexos não dependem da vontade, uma vez que são reações motoras,

secretórias ou fisiológicas, produzidas pela excitação de órgãos do corpo humano.

EXEMPLO

Tosse, espirro, etc.

c) Estados de inconsciência
Consciência “é o resultado da atividade das funções mentais. Não se trata de uma

faculdade do psiquismo humano, mas do resultado do funcionamento de todas elas”.

Quando essas funções mentais não funcionam adequadamente se diz que há estado de
inconsciência, que é incompatível com a vontade, e sem vontade não há ação.

EXEMPLO

Praticar determinada conduta em estado de sonambulismo.

1.4. Dos crimes omissivos


A conduta delitiva não se limita a uma atividade positiva, ou seja, a uma ação,

podendo, ainda, o agente praticar delito por meio de uma conduta omissiva, por um não

fazer, por uma abstenção de um movimento corpóreo.

Os crimes omissivos podem ser próprios ou impróprios (ou comissivos por omissão).

1.4.1. Crimes omissivos próprios


São os que se perfazem com a simples conduta negativa do sujeito,

independentemente da produção de qualquer consequência posterior.

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Há um tipo penal específico descrevendo a conduta omissiva. O verbo nuclear do

tipo descreve uma conduta omissiva. Nesse caso, o crime consiste em o sujeito amoldar a

sua conduta ao tipo legal que descreve uma conduta omissiva. Em síntese, o agente será

responsabilizado por não cumprir o dever de agir contido implicitamente na norma

incriminadora.

Nos crimes omissivos próprios basta a abstenção, é suficiente a desobediência ao

dever de agir para que o delito se consume. A OBRIGAÇÃO DO AGENTE É DE AGIR E NÃO

DE EVITAR O RESULTADO. O resultado que eventualmente surgir dessa omissão será

irrelevante para a consumação do crime, podendo apenas configurar uma majorante ou

uma qualificadora.

Exemplo: Omissão de socorro

Art. 135 do CP. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave
e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de


natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

1.4.2. Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão

Para todos verem: esquema

CONDUTA RESULTADO
ART. 13, §2º CP
OMISSIVA

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Nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão são aqueles em que o

tipo penal descreve uma conduta ativa, ou seja, o verbo nuclear do tipo descreve uma ação.

Nesse caso, o agente será responsabilizado por ter deixado de agir quando estava

juridicamente obrigado a desenvolver uma conduta para evitar o resultado.

Nos crimes omissivos impróprios, o agente não tem simplesmente a obrigação de

agir, mas a OBRIGAÇÃO DE AGIR PARA EVITAR UM RESULTADO, isto é, deve agir com a

finalidade de impedir a ocorrência de determinado evento. Nos crimes comissivos por

omissão há, na verdade, um crime material, isto é, um crime de resultado.

Ou seja, se o agente que tinha o dever de agir para evitar o resultado mantém-se

inerte, omisso, responderá pelo resultado gerado.

Ressalta-se, no entanto, que somente será atribuído ao agente a responsabilidade por

sua conduta omissiva se, nas circunstâncias, era possível agir para evitar o resultado.

EXEMPLO

Se um médico plantonista deixa de atender um paciente que falece, porque estava


atendendo a outro enfermo em situação de emergência, à evidência, não poderá
ser responsabilizado pela morte do paciente que aguardava atendimento.

O Código Penal regulou expressamente as hipóteses em que o agente assume a

condição de garantidor.
De fato, para que alguém responda por crime comissivo por omissão é preciso

que tenha o dever jurídico de impedir o resultado, previsto no artigo 13, § 2º, do Código

Penal:

a) Ter por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância

Nesse caso, por expressa imposição da lei, o agente estará obrigado a agir para evitar

o resultado. Assim, se o agente se omitir, ou seja, deixar de agir, quando lhe era possível,

responderá pelo resultado gerado.

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Isso porque, se o sujeito, em virtude de sua abstenção, descumprindo o dever de

agir, não busca evitar o resultado é considerado, pelo Direito Penal, como se o tivesse

causado.

É o caso, por exemplo, dos pais em relação aos filhos (art. 1634 e 1566, IV, ambos do

Código Civil) e do dever de mútua assistência entre os cônjuges (art. 1566 do Código Civil).

EXEMPLO

Mãe que deixa de alimentar o filho, que, por conta da sua negligência, acaba
morrendo por inanição. Essa mãe deverá responder pelo resultado gerado, qual
seja, homicídio culposo. Se, de outro lado, a mãe desejou a morte do filho ou
assumiu o risco de produzi-la, responderá por homicídio doloso.

b) De outra forma, assumir a responsabilidade de impedir o resultado

A doutrina não fala mais em dever contratual, uma vez que a posição de garantidor

pode advir de situações em que não existe relação jurídica entre as partes. O importante é

que o sujeito se coloque em posição de garante no sentido de que o resultado não ocorrerá.
Aqui a obrigação de agir para evitar o resultado não decorre de lei, mas do fato de o

agente ter assumido a responsabilidade de impedi-lo.

EXEMPLO

Babá que, por negligência, deixa de cumprir corretamente sua obrigação de cuidar
da criança, que acaba caindo na piscina e, por isso, morre afogada. Nesse caso,
responderá pelo resultado gerado, qual seja, homicídio culposo. Se, de outro lado,
desejou a morte da criança ou assumiu o risco de produzi-la, responderá por
homicídio doloso.

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EXEMPLO

Salva-vidas Carlos que presta em clube social, que, com várias crianças brincando
na piscina, fica observando a beleza física da mãe de uma das crianças e, ao mesmo
tempo, falando no celular com um amigo, ficando de costas para a piscina. Se,
nesse momento, uma criança vem a falecer por afogamento, o salva-vidas
responderá por homicídio culposo, diante da sua omissão culposa, já que violou o
seu dever de garantidor.

c) Com o comportamento anterior, criar o risco da ocorrência do resultado

Nesta hipótese, o sujeito, com o comportamento anterior, cria situação de perigo

para bens jurídicos alheios penalmente tutelados, de sorte que, tendo criado o risco, fica

obrigado a evitar que ele se degenere ou desenvolva para o dano ou lesão.

Não importa que o tenha feito voluntariamente ou involuntariamente, dolosa ou


culposamente; importa é que com sua ação ou omissão originou uma situação de risco ou

agravou uma situação já existente.

EXEMPLO

Aluno veterano, por ocasião de um trote acadêmico, sabendo que a vítima não sabe
nadar, joga o incauto calouro na piscina. Nesse caso, contrai o dever jurídico de
agir para evitar o resultado, sob pena de responder por homicídio.

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Para todos verem: esquema

1) (QUESTÃO 2 - V EXAME)

Joaquina, ao chegar à casa de sua filha, Esmeralda, deparou-se com seu genro, Adaílton,

mantendo relações sexuais com sua neta, a menor F.M., de 12 anos de idade, fato ocorrido

no dia 2 de janeiro de 2011. Transtornada com a situação, Joaquina foi à delegacia de polícia,
onde registrou ocorrência do fato criminoso. Ao término do Inquérito Policial instaurado

para apurar os fatos narrados, descobriu-se que Adaílton vinha mantendo relações sexuais

com a referida menor desde novembro de 2010. Apurou-se, ainda, que Esmeralda, mãe de

F.M., sabia de toda a situação e, apesar de ficar enojada, não comunicava o fato à polícia

com receio de perder o marido que muito amava.

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Na condição de advogado(a) consultado(a) por Joaquina, avó da menor, responda aos

itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação

legal pertinente ao caso.

A) Adaílton praticou crime? Em caso afirmativo, qual? (Valor: 0,3)

B) Esmeralda praticou crime? Em caso afirmativo, qual? (Valor: 0,5)

C) Considerando que o Inquérito Policial já foi finalizado, deve a avó da menor oferecer

queixa-crime? (Valor: 0,45)

2) (QUESTÃO 04 – X EXAME)

Erika e Ana Paula, jovens universitárias, resolvem passar o dia em uma praia paradisíaca e,

de difícil acesso (feito através de uma trilha), bastante deserta e isolada, tão isolada que não

há qualquer estabelecimento comercial no local e nem mesmo sinal de telefonia celular. As


jovens chegam bastante cedo e, ao chegarem, percebem que além delas há somente um

salva-vidas na praia. Ana Paula decide dar um mergulho no mar, que estava bastante calmo

naquele dia. Erika, por sua vez, sem saber nadar, decide puxar assunto com o salva-vidas,

Wilson, pois o achou muito bonito. Durante a conversa, Erika e Wilson percebem que têm

vários interesses em comum e ficam encantados um pelo outro. Ocorre que, nesse intervalo

de tempo, Wilson percebe que Ana Paula está se afogando. Instigado por Erika, Wilson

decide não efetuar o salvamento, que era perfeitamente possível. Ana Paula, então, acaba

morrendo afogada.
Nesse sentido, atento(a) apenas ao caso narrado, indique a responsabilidade jurídico-

penal de Erika e Wilson. (Valor: 1,25)

O examinando deve fundamentar corretamente sua resposta. A simples menção ou

transcrição do dispositivo legal não pontua.

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Da relação de causalidade

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

2.1. Introdução
Pela própria denominação (nexo causal) é possível perceber que consiste no vínculo

ou liame de causa e efeito entre a ação e o resultado do crime.

Via de regra, a conduta do agente produz o resultado criminoso de forma direta.

Trata-se de relação de causa (conduta) e efeito (resultado): Nexo de causalidade.

Todavia, pode ocorrer que, aliada à conduta do agente, outra causa contribua para o

resultado. É a chamada concausa.


Esta “concausa” pode ser absolutamente independente ou relativamente

independente, dependendo se teve ou não origem na conduta do agente.

2.2. Causas absolutamente independentes

2.2.1. Conceito
São aquelas que não tem origem na conduta do agente. A expressão “absolutamente”

serve para designar que a outra causa independente por si só produziu o resultado. São

causas que não se inserem na linha do desdobramento natural da conduta do agente, ou

seja, causas inusitadas, desvinculadas da ação do agente, surgindo de fonte distinta.

Em síntese, por serem independentes, tais causas atuam como se tivessem por si sós

produzido o resultado, situando-se fora da linha de desdobramento causal da conduta.

Há, na verdade, uma quebra do nexo causal.

2.2.2. Espécies de causas absolutamente independentes


a) Preexistentes

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Trata-se de causa que existia antes da conduta do agente e produzem o resultado

independentemente da sua atuação. Ou seja, com ou sem a ação do agente o resultado

ocorreria do mesmo modo.

EXEMPLO

O agente desfere um disparo de arma de fogo contra a vítima, que, no entanto, vem
a falecer pouco depois, não em consequência dos ferimentos recebidos, mas
porque antes ingerira veneno com a intenção de suicidar.

Nesse caso, há a conduta do agente (efetuar o disparo), mas o que gerou o resultado

morte foi outra causa (o veneno). Essa outra causa é independente da conduta do agente

(porque por si só produziu o resultado). É absolutamente independente (porque não teve

origem na conduta do agente, pois tendo ou não efetuado o disparo o resultado ainda assim

se produziria). É preexistente porque essa outra causa (veneno) já existia antes da ação do

agente.

b) Concomitantes
São as causas que não têm nenhuma relação com a conduta e produzem o resultado

independentemente desta, no entanto, por coincidência, atuam exatamente no instante em


que a ação é realizada.

EXEMPLO

“A” desfere golpe de faca contra “B” no exato momento em que este vem a falecer
exclusivamente por força de uma queda de um lustre sobre sua cabeça.

Nesse caso, há a conduta do agente (desferir o golpe de faca), mas o que gerou o
resultado morte foi outra causa (lustre na cabeça). O lustre na cabeça se trata de causa

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É

absolutamente independente (porque não teve origem na conduta do agente, pois tendo

ou não efetuado desferido o golpe o resultado ainda assim se produziria). É concomitante

porque essa outra causa (queda do lustre na cabeça) ocorreu exatamente no momento da

ação do agente.

c) Supervenientes

São causas que atuam após a conduta. Ou seja, que surgem depois da conduta

desenvolvida pelo agente.

EXEMPLO

“A” ministra veneno na alimentação de “B”. Antes do veneno produzir efeitos, mas
minutos depois de ser ministrado, cai um lustre na cabeça da vítima, matando-a.

Nesse caso, há a conduta do agente (ministrar veneno), mas o que gerou o resultado

morte foi outra causa (lustre na cabeça). O lustre na cabeça é uma causa independente da
conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É absolutamente independente
(porque não teve origem na conduta do agente, pois tendo ou não ministrado o veneno o

resultado ainda assim se produziria). É superveniente porque essa outra causa (queda do

lustre na cabeça) ocorreu depois da conduta do agente.

2.2.3. Consequências das causas absolutamente independentes


Quando a causa é absolutamente independente da conduta do sujeito, o problema é

resolvido pelo art. 13, caput, do CP: Há exclusão da causalidade decorrente da conduta. Ou
seja, o agente responde somente por aquilo que deu causa.

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Direito Penal

Nos exemplos, a causa da morte não tem ligação alguma com o comportamento do

agente. Em face disso, ele não responde pelo resultado morte, mas sim pelos atos

praticados antes de sua produção. Isso porque ocorreu quebra do nexo causal. Assim, se o

dolo era de matar, o agente responderia por tentativa de homicídio.

CUIDADO: Se o enunciado apontar dolo de lesão corporal, por


exemplo, o agente responderá por aquilo que deu causa: lesão
corporal (leve, grave ou gravíssima).

2.3. Causas relativamente independentes


2.3.1. Conceito
Causas relativamente independentes são aquelas que tiveram origem na conduta do

agente. Ou seja, essas causas somente surgiram porque o agente desenvolveu uma

conduta.

Como são causas independentes, produzem por si sós o resultado, não se situando

dentro da linha de desdobramento causal da conduta. Por serem, no entanto, apenas

relativamente independentes, encontram sua origem na própria conduta praticada pelo


agente.

Aqui não há, de regra, uma quebra do nexo causal, mas uma soma entre as causas,

que, ao final, conduzem ao resultado lesivo.

2.3.2. Espécies de causas relativamente independentes


a) Preexistentes

A causa que efetivamente gerou o resultado já existia ao tempo da conduta do


agente, que concorreu para a sua produção.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
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EXEMPLO

“A”, com a intenção de matar, desfere um golpe de faca na vítima, que é hemofílica
e vem a morrer em face da conduta, somada à contribuição de seu peculiar estado
fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria insuficiente para produzir o
resultado fatal, de modo que a hemofilia atuou de forma independente, produzindo
por si só o resultado.

Nesse caso, há a conduta do agente (golpe de faca), mas o que desencadeou

efetivamente o resultado morte foi outra causa (hemofilia). Essa outra causa é

independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É

relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não

tivesse desferido a facada, essa outra causa não seria desencadeada e o resultado não

ocorreria). É preexistente porque essa outra causa (hemofilia) já existia ao tempo da ação

do agente.

Nesse caso, como há uma soma de causas e não quebra do nexo causal, o agente

responde pelo resultado pretendido. No caso, homicídio consumado, a menos que não

tenha concorrido para ele com dolo ou culpa.

Isso, porque, segundo doutrina majoritária, a imputação do resultado ao agente exige


que ele tenha conhecimento do estado de saúde do agente (que denota dolo) ou que, pelo

menos, que lhe fosse previsível (indicativo de culpa).

Assim, se, por exemplo, o agente não sabia do estado de saúde da vítima ou não lhe
era previsível, não poderia lhe ser atribuído o resultado morte, responderia, pois, pelo delito

de tentativa de homicídio (se agiu com a intenção de matar).

Se, no entanto, pretendia ferir a vítima, agredindo-a com um soco e, esta em razão

da hemofilia, desconhecida pelo agente, vem a falecer em razão da eclosão de uma

hemorragia, o agente somente será responsabilizado pelo delito de lesão corporal.

20
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

b) Concomitantes

A causa que efetivamente produziu o resultado surge no exato momento da conduta

do agente.

EXEMPLO

Considera-se o ataque à vítima, por meio de disparo de arma de fogo, que, no exato
momento da agressão, sofre ataque cardíaco, vindo a falecer, apurando-se que a
soma desses fatores (causas) produziu a morte, já que a agressão e o ataque
cardíaco, considerados isoladamente, não teriam o condão do produzir o resultado
morte.

Nesse caso, há a conduta do agente (disparo de arma de fogo), mas o que

desencadeou efetivamente o resultado morte foi outra causa (ataque cardíaco). Essa outra

causa é independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É

relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não

tivesse desferido a facada, essa outra causa não seria desencadeada e o resultado não

ocorreria). É concomitante porque essa outra causa (ataque cardíaco) já existia ao tempo

da ação do agente.
Nesse caso, como há uma soma de causas e não quebra do nexo causal, o agente

responde pelo resultado pretendido. No caso, homicídio consumado, a menos que não

tenha concorrido para ele com dolo ou culpa.

c) Supervenientes

A causa que efetivamente produziu o resultado ocorre depois da conduta praticada

pelo agente.

21
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

EXEMPLO

O agente desfere um golpe de faca contra a vítima, com a intenção de matá-la.


Ferida, a vítima é levada ao hospital e sofre acidente no trajeto, vindo, por esse
motivo, a falecer. A causa é independente, porque a morte foi provocada pelo
acidente e não pela facada, mas essa independência é relativa, já que, se não fosse
o ataque, a vítima não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo
atuado posteriormente à conduta, denomina-se causa superveniente.

Nesse caso, há a conduta do agente (golpe de faca), mas o que desencadeou

efetivamente o resultado morte foi outra causa (traumatismo decorrente do acidente). Essa

outra causa é independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado).

É relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não

tivesse desferido a facada, a vítima não estaria na ambulância e, portanto, não teria falecido
por conta do acidente). É superveniente porque essa outra causa (traumatismo pelo
acidente) surgiu depois da conduta do agente.

Na hipótese das causas supervenientes, embora exista nexo físico-naturalístico, a


lei, por expressa disposição do art. 13, § 1º, CP, que excepcionou a regra geral,
exclui a imputação do resultado ao agente, devendo, no entanto, responder pelos
atos anteriormente efetivamente praticados.

Assim, o agente não responde pelo resultado ocorrido, mas somente pelos atos

anteriores, que, no caso, foi tentativa de homicídio.

CUIDADO:

Se o enunciado apontar dolo de lesão corporal, por exemplo, o agente responderá


pelos atos anteriores praticados, no caso, lesão corporal (leve, grave ou
gravíssima).

22
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

2.4. Dúvida mais recorrente


E se o agente não sabia e não tinha condições de saber da existência da causa

preexistente ou concomitante, como fica?

No contexto do nexo causal, notadamente nas causas relativamente independentes

preexistentes e concomitantes, a responsabilização do agente depende do elemento

psicológico (dolo) ou normativo (culpa). Assim, o agente somente responderá pelo

resultado se tiver agido com dolo ou culpa em relação à morte, sob pena de

responsabilidade objetiva.

Assim, para que o agente responda pelo resultado morte e, portanto, a concausa

relativamente independente preexistente e concomitante deve ser conhecida do agente ou

ao menos existir possibilidade de conhecimento, sob pena de responsabilidade penal

objetiva. Foi o que caiu no XXI exame da OAB. O agente não foi responsabilizado pela morte,

porque não tinha conhecimento da causa preexistente, nem lhe era previsível. Responderia

apenas por lesão corporal.

Exemplo de questão

Paulo e Júlio, colegas de faculdade, comemoravam juntos, na cidade de São Gonçalo, o título
obtido pelo clube de futebol para o qual o primeiro torce. Não obstante o clima de
confraternização, em determinado momento, surgiu um entrevero entre eles, tendo Júlio
desferido um tapa no rosto de Paulo. Apesar da pouca intensidade do golpe, Paulo vem a
falecer no hospital da cidade, tendo a perícia constatado que a morte decorreu de uma
fatalidade, porquanto, sem que fosse do conhecimento de qualquer pessoa, Paulo tinha uma
lesão pretérita em uma artéria, que foi violada com aquele tapa desferido por Júlio e causou
sua morte. O órgão do Ministério Público, em atuação exclusivamente perante o Tribunal do
Júri da Comarca de São Gonçalo, denunciou Júlio pelo crime de lesão corporal seguida de
morte (Art. 129,§ 3º, do CP). Considerando a situação narrada e não havendo dúvidas em
relação à questão fática, responda, na condição de advogado(a) de Júlio:

A) É competente o juízo perante o qual Júlio foi denunciado? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Qual tese de direito material poderia ser alegada em favor de Júlio? Justifique. (Valor: 0.60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal
não confere pontuação.

23
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

GABARITO COMENTADO

A) O(A) examinando(a) deve concluir pela incompetência do Juízo, tendo em vista que o
crime praticado não é doloso contra a vida. Nos termos do Art. 74, § 1º, do Código de
Processo Penal (ou Art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da CRFB), ao Tribunal do Júri cabe apenas
o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os conexos. No caso, mesmo de acordo
com a imputação contida na denúncia, o resultado de morte foi culposo; logo, a competência
é do juízo singular.

B) O(A) examinando(a) deve defender que não poderia Júlio responder pelo crime de lesão
corporal seguida de morte, porque aquele resultado não foi causado a título de dolo nem
culpa. O crime de lesão corporal seguida de morte é chamado de preterdoloso. A ação é
dirigida à produção de lesão corporal, sendo o resultado morte produzido a título de culpa.
Costuma-se dizer que há dolo no antecedente e culpa no consequente. Um dos elementos
da culpa é a previsibilidade objetiva, somente devendo alguém ser punido na forma culposa
quando o resultado não querido pudesse ser previsto por um homem médio, sendo que a
ausência de previsibilidade subjetiva, capacidade do agente, no caso concreto, de prever o
resultado, repercute na culpabilidade. Na hipótese, não havia previsibilidade objetiva, o que
impede a tipificação do delito de lesão corporal seguida de morte. Também poderia o
candidato responder que havia uma concausa preexistente, relativamente independente,
desconhecida, impedindo Júlio de responder pelo resultado causado. Em princípio, a
concausa relativamente independente preexistente não impede a punição do agente pelo
crime consumado. Contudo, deve ela ser conhecida do agente ou ao menos existir
possibilidade de conhecimento, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

Agora, se, por exemplo, a intenção fosse de lesionar e resultou morte, tendo ciência

da hemofilia, responde por lesão corporal seguida de morte. Isso já caiu na prova da OAB.

Exemplo de questão

Wallace, hemofílico, foi atingido por um golpe de faca em uma região não letal do corpo. Júlio,
autor da facada, que não tinha dolo de matar, mas sabia da condição de saúde específica de
Wallace, sai da cena do crime sem desferir outros golpes, estando Wallace ainda vivo. No
entanto, algumas horas depois, Wallace morre, pois, apesar de a lesão ser em local não letal,
sua condição fisiológica agravou o seu estado de saúde. Acerca do estudo da relação de
causalidade, assinale a opção correta.

24
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

A) O fato de Wallace ser hemofílico é uma causa relativamente independente preexistente,


e Júlio não deve responder por homicídio culposo, mas, sim, por lesão corporal seguida
de morte.

B) O fato de Wallace ser hemofílico é uma causa absolutamente independente preexistente,


e Júlio não deve responder por homicídio culposo, mas, sim, por lesão corporal seguida de
morte.

C) O fato de Wallace ser hemofílico é uma causa absolutamente independente concomitante,


e Júlio deve responder por homicídio culposo.

D) O fato de Wallace ser hemofílico é uma causa relativamente independente concomitante,


e Júlio não deve responder pela lesão corporal seguida de morte, mas, sim, por homicídio
culposo.

Em relação à causa concomitante relativamente independente, a FGV já considerou

que o agente, no contexto do roubo por meio de ameaça, não responderia pelo resultado

morte de um rapaz jovem e de boa saúde, já que não era previsível que a vítima viesse a

falecer. Ou seja, não basta que haja um nexo naturalístico entre a conduta e o resultado.

Para imputar ao agente o resultado, é necessário que tenha agido com dolo ou culpa em

relação à morte.

Em síntese, além de não incidir o latrocínio em decorrência da ameaça, já que o artigo

157, § 3º, II, do CP, prevê que o roubo será qualificado quando da violência resulta morte,

se não tinha como prever eventual resultado morte, ou seja, não agiu nem com dolo ou

culpa em relação ao resultado morte, não responderá pela morte, mas por roubo

consumado ou tentado, conforme o caso. Isso já caiu na 1ª fase da OAB, no IX Exame. Note

que o enunciado traz a informação de que a vítima se trata de um rapaz jovem e de boa

saúde, sem histórico de doença cardiovascular.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Exemplo de questão

José subtrai o carro de um jovem que lhe era totalmente desconhecido, chamado João. Tal
subtração deu-se mediante o emprego de grave ameaça exercida pela utilização de arma de
fogo. João, entretanto, rapaz jovem e de boa saúde, sem qualquer histórico de doença
cardiovascular, assusta-se de tal forma com a arma, que vem a óbito em virtude de ataque
cardíaco. Com base no cenário acima, assinale a afirmativa correta.

A) José responde por latrocínio.

B) José não responde pela morte de João.

C) José responde em concurso material pelos crimes de roubo e de homicídio culposo.

D) José praticou crime preterdoloso.

Para todos verem: esquema

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

3) (QUESTÃO 03 – EXAME 2010-02)

Pedro, almejando a morte de José, contra ele efetua disparo de arma de fogo, acertando-o

na região toráxica. José vem a falecer, entretanto, não em razão do disparo recebido, mas

porque, com intenção suicida, havia ingerido dose letal de veneno momentos antes de

sofrer a agressão, o que foi comprovado durante instrução processual. Ainda assim, Pedro

foi pronunciado nos termos do previsto no artigo 121, caput, do Código Penal.

Na condição de Advogado de Pedro:

I. Indique o recurso cabível;

II. O prazo de interposição;

III. A argumentação visando à melhoria da situação jurídica do defendido.

Indique, ainda, para todas as respostas, os respectivos dispositivos legais.

4) (QUESTÃO 1 – XXI EXAME)

Paulo e Júlio, colegas de faculdade, comemoravam juntos, na cidade de São Gonçalo, o

título obtido pelo clube de futebol para o qual o primeiro torce. Não obstante o clima de

confraternização, em determinado momento, surgiu um entrevero entre eles, tendo Júlio

desferido um tapa no rosto de Paulo. Apesar da pouca intensidade do golpe, Paulo vem a

falecer no hospital da cidade, tendo a perícia constatado que a morte decorreu de uma

fatalidade, porquanto, sem que fosse do conhecimento de qualquer pessoa, Paulo tinha

uma lesão pretérita em uma artéria, que foi violada com aquele tapa desferido por Júlio e

causou sua morte. O órgão do Ministério Público, em atuação exclusivamente perante o

Tribunal do Júri da Comarca de São Gonçalo, denunciou Júlio pelo crime de lesão corporal

seguida de morte (Art. 129, § 3º, do CP). Considerando a situação narrada e não havendo
dúvidas em relação à questão fática, responda, na condição de advogado(a) de Júlio:

A) É competente o juízo perante o qual Júlio foi denunciado? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Qual tese de direito material poderia ser alegada em favor de Júlio? Justifique. (Valor:

0.60)

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal

não confere pontuação.

5) Durante uma grave discussão, ocorrida no serviço, Licurgo Moicano agrediu Coitinho

Lelo com uma paulada na cabeça, com a intenção de matá-lo. Atendido com rapidez,

Coitinho Lelo foi colocado dentro de uma ambulância que rumou para o Pronto Socorro

Municipal. No trajeto, a ambulância capotou, vindo Coitinho Lelo a falecer em razão do

acidente. Diante do fato e à luz do ordenamento jurídico penal, responda se Licurgo

Moicano deve ser responsabilizado penalmente? Em caso afirmativo, indique qual o

crime, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal


pertinente ao caso.

6) (QUESTÃO 4 – XXV EXAME – REAPLICAÇÃO PORTO ALEGRE)

Vitor efetuou disparos de arma de fogo contra José, com a intenção de causar sua morte.

Ocorre que, por erro durante a execução, os disparos atingiram a perna de seu inimigo e

não o peito, como pretendido. Esgotada a munição disponível, Vitor empreendeu fuga,

enquanto José solicitou a ajuda de populares e compareceu, de imediato, ao hospital para

atendimento médico. Após o atendimento médico, já no quarto com curativos, enquanto

dormia, José vem a ser picado por um escorpião, vindo a falecer no dia seguinte em razão

do veneno do animal, exclusivamente. Descobertos os fatos, considerando que José

somente estava no hospital em razão do comportamento de Vitor, o Ministério Público

oferece denúncia em face do autor dos disparos pela prática do crime de homicídio

consumado, previsto no Art. 121, caput, do Código Penal. Após regular prosseguimento do

feito, na audiência de instrução e julgamento da primeira fase do procedimento do Tribunal

do Júri, quando da oitiva das testemunhas, o magistrado em atuação optou por iniciar a

oitiva das testemunhas formulando diretamente suas perguntas, sem permitir às partes

complementação. Após alegações finais orais das partes, o magistrado proferiu decisão de

pronúncia. Apesar da impugnação da defesa quanto à formulação das perguntas pelo juiz,

28
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

o magistrado esclareceu que não importaria quem fez a pergunta, pois as respostas seriam

as mesmas. Com base apenas nas informações narradas, na condição de advogado(a)

de Vitor, responda aos itens a seguir.

A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado e qual argumento de

direito processual pode ser apresentado em busca da desconstituição de tal decisão?

Justifique. (Valor: 0,65)

B) Existe argumento de direito material a ser apresentado, em momento oportuno, para

questionar a capitulação jurídica apresentada pelo Ministério Público? Justifique. (Valor:

0,60) Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do

dispositivo legal não confere pontuação.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Conflito aparente de normas

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

3.1. Introdução
O conflito aparente de normas se revela quando se tem a percepção da incidência,

em tese, de duas ou mais normas em vigor sobre determinado fato. Neste caso, surge o que

se denomina conflito aparente de normas penais, também chamado concurso aparente de

normas, concurso aparente de normas coexistentes, concurso ideal impróprio e concurso

impróprio de normas.

Há um fato, em tese, punível, mas que sobre ele podem incidir, aparentemente, duas
ou mais normas penais. Todavia, tendo em vista ser vedada a incidência de mais de uma

norma penal sobre fato único, apenas uma das normas possíveis deverá ser aplicada ao

caso concreto.

Assim, no conflito aparente de normas, há a presença dos seguintes elementos: a)

unidade do fato (há somente uma infração penal); b) pluralidade de normas (duas ou mais

normas pretendendo regulá-lo); c) todas as normas em vigor, com a incidência de apenas

uma delas sobre o fato.

Imaginemos o caso de uma mãe matar, sob influência do estado puerperal, o próprio

filho, logo após o parto. Há um único fato sobre o qual, aparentemente, pode incidir o crime

de homicídio, previsto no art. 121 do CP, ou infanticídio, previsto no art. 123 do CP. Eis o

conflito de normas estabelecido, já que apenas uma delas deverá incidir sobre o fato.

A solução do conflito aparente de normas ganha especial importância sobretudo para

evitar o bis in idem, já que não se admite no nosso ordenamento jurídico dupla punição pelo

mesmo fato. Ou seja, não se mostra possível punir a mãe pelo crime de homicídio e de

infanticídio, devendo, no caso, incidir apenas uma dessas normas.

30
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

O conflito de normas é aparente, pois será sanado com a aplicação do princípio

adequado ao caso. Em outras palavras, o conflito que se estabelece entre as normas é

apenas aparente, porque, na realidade, somente uma delas acaba regulamentando o fato,

ficando afastadas as demais.

3.2. Conflito aparente de normas x concurso de crimes


No conflito aparente de normas há um único fato, retratado por única conduta,

devendo sobre ela incidir apenas uma das normas vigentes. No concurso de crimes há

pluralidade de condutas, ensejando a incidência de dois ou mais fatos delituosos. Nesse

caso de pluralidade de crimes, evidentemente será possível a aplicação de mais de uma

norma penal, uma para cada fato praticado, resultando na soma ou exasperação da pena

final.

O conflito aparente de normas não encontra previsão expressa no ordenamento

jurídico, sendo suas bases construídas pela doutrina e jurisprudência. Já as regras do

concurso de crimes estão expressamente previstas no Código Penal, mais especificamente

nos arts. 69 a 72 do referido diploma legal.

3.3. Princípios para dirimir o conflito aparente de normas


Diante da ausência de expressa previsão legal de regras voltadas a dirimir o conflito

aparente de normas, a doutrina aponta quatro princípios para solucionar tal conflito: a)

especialidade; b) subsidiariedade; c) consunção; e d) alternatividade.

3.3.1. Princípio da especialidade


Trata-se da aplicação da regra de que a lei especial afasta a aplicação da lei geral.

A lei especial, ou específica, caracteriza-se por se revestir de sentido diferenciado,

individualizado, que a particulariza em relação às demais normas. Dito de outro modo, além

31
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

de reunir todos os elementos que integram a lei geral, a lei especial contém outros que a

torna específica, que a particulariza, chamados elementos especializantes.

E, nos termos do art. 12 do CP, a lei especial prevalece sobre a lei geral.

Tomemos, novamente, como exemplo o caso de uma mãe matar, sob influência do

estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto. Há um único fato sobre o

qual, aparentemente, pode incidir o crime de homicídio, previsto no art. 121 do CP, ou

infanticídio, previsto no art. 123 do CP. O crime de infanticídio possui núcleo idêntico ao do

crime de homicídio, ou seja, reúne todos os elementos descritos no art. 121 do CP,

consistentes em “matar alguém”. Todavia, além dos elementos da norma geral, prevista no

art. 121 do CP, o art. 123 do CP contém elementos que o especializa e o diferencia do crime

de homicídio, quais sejam: autora do fato ser a própria genitora da vítima; vítima nascente

ou neonato; crime praticado sob influência do estado puerperal.


Note-se que se estabeleceu um conflito entre as normas dos arts. 121 e 123 do CP,

mas que é aparente, pois será solucionado pelo princípio da especialidade, prevalecendo,

no caso, a norma penal que define o crime de infanticídio, já que as elementares contidas

neste crime o torna especial em relação à norma geral que define o homicídio.

As normas genéricas e as específicas não exigem que estejam presentes no mesmo

diploma legal, podendo estar previstas em leis distintas. Ou seja, não se afigura necessário

que a norma geral e a especial estejam previstas no Código Penal, por exemplo. É possível,

portanto, que a norma geral esteja prevista no Código Penal e a especial em legislação

extravagante.

É o que ocorre, por exemplo, entre os crimes de contrabando, previsto no art. 334-A
do CP, e o crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei no 11.343/2006.

Sobre a conduta de importar cocaína pode, aparentemente, incidir duas normas: a que

define o crime de contrabando e a que prevê o crime de tráfico de drogas. Todavia, esse

conflito é resolvido pelo princípio da especialidade. O art. 33, caput, da Lei no 11.343/2006

reúne todos os elementos contidos no tipo penal que descreve o crime de contrabando,

32
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

acrescido de elementares que o especializa, qual seja, importar droga, prevalecendo, assim,

sobre a norma geral.

Convém destacar que a gravidade de um crime em relação a outro não é

determinante para se definir qual a norma especial. De fato, a comparação entre as leis não

leva em conta a gravidade dos crimes, mas o critério especializante, mediante o confronto

dos elementos que integram a definição abstrata das normas penais.

A comparação não recai sobre o fato, mas entre as normas penais que aparentemente

podem incidir sobre o delito praticado. Assim, deve-se buscar adequar o fato praticado às

normas possíveis. Se, além de se enquadrar na norma geral, o fato praticado apresentar

algum elemento que o especialize, que o destaque, que o especifique em relação à conduta

descrita na norma geral, prevalecerá a incidência da lei especial. Em outras palavras, se,

além de abrigar todos os elementos da lei geral, conter ainda elementos que a
especifiquem, a lei especial prevalece sobre a geral.

3.3.2. Princípio da subsidiariedade


Para melhor compreensão do princípio da subsidiariedade, convém, por primeiro,

estabelecer distinção entre norma primária e norma subsidiária.

A norma primária ou principal é aquela que descreve a conduta de forma mais


abrangente, contemplando, inclusive, aquela descrita na norma subsidiária. Trata-se, pois,

de norma que descreve conduta de forma mais abrangente, que atinge com maior

gravidade determinado bem jurídico.

Considera-se subsidiária a norma que descreve uma conduta que atinge em menor

grau um determinado bem jurídico, sendo, pois, menos grave do que a norma principal. A

norma subsidiária, portanto, além de ser menos grave, descreve conduta que representa

parte da execução do delito previsto na norma principal. A norma subsidiária está abarcada

pela norma principal.

Tomemos como exemplo o tipo penal que define o crime de constrangimento ilegal

(CP, art. 146) em consonância com o crime de estupro (CP, art. 213). O delito de

33
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

constrangimento ilegal é menos grave que o de estupro. Além disso, o tipo penal que define

o crime de constrangimento ilegal descreve uma parte da execução do crime de estupro,

consistente em “constranger”. Logo, a norma que define o crime de constrangimento ilegal

é subsidiária, enquanto a que define o crime de estupro é a principal.

Note-se que, ao contrário do que ocorre no princípio da especialidade, a comparação

não é meramente entre as normas (uma mais especial do que a outra), mas em relação ao

fato. Ou seja, para a aplicação do princípio da subsidiariedade, é imprescindível a análise

do caso concreto, sendo insuficiente a mera comparação abstrata dos tipos penais,

devendo ser verificado, por exemplo, a intenção do agente, os meios empregados para a

prática do crime, além de outras circunstâncias que envolvem o contexto fático, a fim de

ser verificada a extensão da gravidade do delito praticado.

Isso porque a norma principal ou primária absorve a norma subsidiária, que incidirá
somente na impossibilidade de aplicação da norma principal mais grave. Primeiro, verifica-

se, considerando as circunstâncias do caso concreto, se não incide a norma primária. Se a

conduta não se enquadrar perfeitamente no tipo penal mais grave, passa-se então a cogitar

da incidência da norma subsidiária. É como, perdoe-nos a analogia, se o jogador titular do

grande grêmio imortal não puder entrar em campo, jogará o reserva.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita.

3.3.2.1. Subsidiariedade expressa


A subsidiariedade expressa se caracteriza por estar formalmente declarada na norma.

A própria norma penal prevê expressamente que será aplicável somente quando outra

norma de maior gravidade não incidir. Em outras palavras, a própria lei faz expressa ressalva

ao seu caráter de subsidiariedade, admitindo incidir somente se o fato praticado não

caracterizar crimes mais grave.

O crime de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente constitui

exemplo de subsidiariedade expressa, porquanto o próprio art. 132 do CP prevê que incidirá

a pena de detenção, de três meses a um ano pela prática de tal delito, “se o fato não

34
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

constitui crime mais grave”. Assim, se não restar caracterizada a prática, por exemplo, de

tentativa de homicídio (norma primária), poderá, conforme o caso, incidir o delito previsto

no art. 132 do CP (norma subsidiária).

O crime de lesão corporal seguido de morte também se reveste de caráter de

subsidiariedade, uma vez que, como expressamente consta no art. 129, § 3o, do CP,

somente incidirá se “as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem

assumiu o risco de produzi-lo”. Logo, se não restar demonstrado que o agente quis a morte

da vítima ou assumiu o risco de causá-la, o que ensejaria a aplicação do art. 121 do CP (norma

primária), incidirá o crime previsto no art. 129, § 3o, do CP (norma subsidiária).

A norma subsidiária que define o crime de subtração de incapaz, previsto no art. 249

do CP, somente incidirá “se o fato não constitui elemento de outro crime”. Assim, se, por

exemplo, o agente subtraiu/sequestrou o menor de 18 anos como condição ou preço de


resgate, incorrerá no crime de extorsão mediante sequestro, previsto no art. 159 do CP

(norma principal).

O crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do CP, incluído pela Lei no

13.718/2018, incidirá “se o ato não constitui crime mais grave”, conforme expressamente

prevê o referido dispositivo legal. Logo, o delito de importunação sexual somente incidirá

se a conduta do agente não caracterizar crime mais grave, como, por exemplo, estupro (CP,

art. 213) ou estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).

Assim, como já decidiu o STJ, a conduta do agente que surpreendeu a vítima,

puxando-a pelo braço, para fazê-la tocar em seu órgão genital, não obtendo êxito porque a

vítima conseguiu dele se desvencilhar, enquadra-se no art. 213 c/c art. 14, II, ambos do CP,
já que se trata de ato mais grave do que aquele previsto no art. 215-A do CP. Poder-se-ia

cogitar da incidência do art. 215-A do CP (norma subsidiária), se a ação atentatória contra o

pudor praticada com propósito lascivo contra a vítima tivesse ocorrido sem violência ou

grave ameaça.1

1
STJ, AgRg no REsp no 1767968/MG, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6a T., j. 5-5-2020.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

3.3.2.2. Subsidiariedade tácita


A subsidiariedade tácita ou implícita ocorre quando a norma penal não ressalva, de

modo expresso, a sua incidência na hipótese de outra norma de maior gravidade punitiva

não ser aplicável ao caso concreto.

Não há previsão expressa da natureza subsidiária da norma, extraindo-se essa

condição do contexto que envolveu o fato praticado, que não se enquadra em norma penal

mais grave. Busca-se, agora, adequar o fato ao tipo penal subsidiário, que prevê tratamento

menos grave, tanto que, não raras vezes, constitui elementar, qualificadora, causa de

aumento de pena, agravante ou meio de execução do crime previsto na norma principal ou

primária.

O crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146) é tacitamente subsidiário em relação

ao crime de estupro (CP, art. 213). Assim, se, no caso concreto, não restar caracterizado que

o constrangimento, praticado mediante violência ou grave ameaça, tinha por finalidade a

prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, possível incidir o crime de

constrangimento ilegal.

Logo, a conduta do agente que aponta uma arma em direção à vítima maior de idade,

determinando que fique nua, sem o dolo lascivo, mas tão somente para constrangê-la, não

se enquadra no crime de estupro, porque não foi compelida a praticar ou permitir que com
ela se pratique ato sexual. Todavia, porque a vítima foi constrangida a fazer algo contra sua

vontade, incide a norma subsidiária, prevista no art. 146 do CP.

3.3.3. Princípio da consunção ou da absorção

3.3.3.1. Introdução
Diversamente do princípio da subsidiariedade, em que a prática de um ato delituoso

deve ser enquadrada na norma mais grave, o princípio da consunção é aplicado para dirimir

conflito aparente de normas decorrente de uma sequência de fatos delituosos, que,

isoladamente, constituem crime, mas que, ao final, devem ser subsumidos a um único tipo

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

penal. Em outras palavras, os atos delituosos praticados para alcançar o resultado esperado

serão absorvidos pelo crime desejado, resultando, assim, na responsabilização do agente

pela prática de um crime.

Contextualizando para melhor compreensão. Imaginemos um agente que desfere

golpe de faca na vítima, causando-lhe lesões corporais; na sequência, desfere outro golpe

de faca na vítima, gerando outra lesão corporal; e, por fim, desfere o golpe fatal, matando-

a. Temos duas lesões corporais em sequência e, ao final, o homicídio. Dessa sequência de

fatos delituosos surge o conflito aparente de normas. O agente deverá responder por três

crimes (duas lesões corporais e homicídio) ou apenas pelo crime de homicídio?

Pelo princípio da consunção, ou da absorção, o fato mais abrangente e grave

consome, absorve, o(s) fato(s) menos abrangentes. Os fatos menos abrangentes figuram

como meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime. Nesse
caso, a norma consuntiva prevalece sobre a norma consumida. Trata-se da hipótese de o

crime meio ser absorvido pelo crime fim.

Prevalece, nessa hipótese, a norma penal que define o crime mais abrangente, que

absorverá a norma que prevê conduta de menor amplitude, evitando-se a incidência do bis

in idem.

A aplicação do princípio da consunção se justifica, porque o bem jurídico protegido

pela norma menos abrangente já está tutelado pela norma mais abrangente. Além disso, a

violação da norma menos abrangente constitui meio necessário para atingir o bem jurídico

tutelado pela norma mais abrangente.

Assim, considerando o exemplo acima, a integridade corporal (bem jurídico tutelado


pelo art. 129 do CP) também está protegido pela norma mais abrangente prevista no art. 121

do CP. E, ainda, como a ofensa à integridade corporal constitui meio necessário para

alcançar o crime de homicídio, as lesões corporais previamente praticadas serão absorvidas

pelo crime de homicídio. Em síntese, o agente responderá unicamente pelo crime de

homicídio (CP, art. 121).

37
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

3.3.3.2. Hipóteses de incidência do princípio da consunção


O princípio da consunção pode ser aplicado em quatro situações distintas: crime

progressivo, progressão criminosa, crime complexo e fatos impuníveis.

a) Crime progressivo

No crime progressivo, o agente, desejando desde o início produzir um resultado mais

grave, pratica previamente sucessão de fatos, que, isoladamente, constituem crime, até

alcançar o resultado final almejado. Ou seja, para alcançar o resultado pretendido, o agente

pratica atos antecedentes de menor gravidade, sem os quais não seria possível atingir a

consumação do delito desejado. O ato final, ensejador do resultado inicialmente

pretendido, absorve todos os anteriores. Trata-se da hipótese dos denominados crimes de

passagem.

No crime progressivo há, portanto, unidade de elemento subjetivo, sendo a conduta

composta de vários atos praticados progressivamente até produzir o resultado desejado.

Tomemos como exemplo o agente que pretende desde o início produzir a morte da

vítima. Para tanto, utiliza-se de uma faca, golpeando a vítima em várias partes do corpo,

vindo ao final a aplicar o golpe fatal, causando-lhe a morte. Há um único elemento subjetivo,

sendo a conduta composta por vários atos praticados de forma progressiva até atingir o

resultado mais grave. Surge, assim, o conflito aparente de normas: o agente responderá
pelos delitos de lesão corporal (CP, art. 129) e homicídio (CP, art. 121) ou apenas pelo crime

de homicídio (CP, art. 121)?? Nesse caso, aplicando-se o princípio da consunção, o agente

responderá apenas pelo crime de homicídio (CP, art. 121), pois as várias lesões corporais
produzidas pelos golpes de faca constituíram meio necessário para a execução do delito
pretendido, sendo, por isso, absorvidas pelo crime de homicídio.
Convém ressaltar que o princípio da consunção somente poderá ser adotado se

evidenciada relação de dependência ou de subordinação entre as condutas, bem como que

os delitos sequenciais foram praticados no mesmo contexto fático.

38
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Essa premissa é fundamental para a verificação da incidência do princípio da

consunção em relação aos crimes de porte ilegal de arma e homicídio, bem como crime de

porte ilegal de arma de fogo e roubo majorado pelo emprego de arma de fogo.

E, nesse aspecto, o STJ sedimentou entendimento no sentido de que a absorção do

crime de porte ilegal de arma de fogo pelo de homicídio exige que as condutas tenham sido

praticadas no mesmo contexto, guardando relação de dependência ou subordinação, de

modo que o porte tenha como fim unicamente a prática do delito de homicídio. 2

Assim, se restar demonstrado que o agente portava a arma em ocasiões distintas da

prática do crime de homicídio, não será aplicado o princípio da consunção, diante da

incidência de crimes autônomos e independentes entre si. Logo, nesse caso, o agente

responderá pelo delito previsto na Lei no 10.826/2003 e crime de homicídio, em concurso

material de crimes.
b) Progressão criminosa

A progressão criminosa não se confunde com crime progressivo.

Enquanto no crime progressivo há, desde o início da conduta do agente, único

elemento subjetivo, na progressão criminosa a intenção inicial é praticar o delito menor, e,

durante a execução do delito, o agente delibera por cometer o crime mais grave. Há,

portanto, pluralidade de fatos e de desígnios em progressividade delitiva.

Assim, se o dolo inicial era o de praticar apenas lesão corporal, mas, ao longo da

execução, o agente decidir matar a vítima, haverá pluralidade de desígnios, com

modificação do dolo (primeiro, pretendia lesionar; após, deliberou por matar a vítima) e

pluralidade de condutas, praticadas em progressividade delitiva. Nesse caso, o agente

responderá apenas pelo crime de homicídio, restando absorvidas as lesões corporais

praticadas.

2
STJ, AgRg no AgREsp no 1186399/MS, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6a T., j. 3-5-2018.

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c) Fatos impuníveis

Pode ocorrer de o agente realizar uma conduta anterior ou posterior, previstos como

delitos autônomos, mas que, ao final, são impuníveis. Trata-se das hipóteses dos chamados

ante factum impunível e pos factum impunível.

O ante factum não punível ocorre quando um fato anterior menos grave constitui

meio necessário para a prática de outro fato, mais grave, ficando, por conseguinte, o

primeiro absorvido, sendo o fato antecedente mero indiferente penal.

Tomemos como exemplo o fato de o agente quebrar o vidro de um veículo,

caracterizando fato definido como crime de dano (CP, art. 163), para subtrair uma bolsa

feminina que se encontra no interior do automóvel. Nesse caso, o dano provocado na porta

caracteriza o ante factum impunível, já que funcionou como meio de execução para a

subtração da bolsa. Logo, o agente responderá apenas pelo crime de furto qualificado pelo
rompimento de obstáculo (CP, art. 155, § 4º, I), sendo o fato anterior (dano) absorvido.

Nos termos da Súmula no 17 do STJ, o crime de falso é absorvido pelo de estelionato,

quando nele se exaure

O post factum impunível ocorre quando, após realizada a conduta, o agente pratica

nova conduta voltada a ofender o mesmo bem jurídico, visando apenas tirar proveito da

prática anterior. Trata-se, pois, de mero exaurimento. Assim, se após o furto o agente destrói

a coisa subtraída, só responde pelo furto (CP, art. 155), que absorverá o crime de dano (CP,

art. 163). Neste caso, a lesão ao interesse jurídico causada pela conduta precedente torna

indiferente o crime de dano.

Adotando esse fundamento, o STJ já decidiu no sentido de que o uso de documento

falsificado (CP, art. 304) deve ser absorvido pela falsificação do documento público ou
privado (CP, arts. 297 e 298), quando praticado pelo mesmo agente, caracterizando o delito

de uso post factum não punível, ou seja, mero exaurimento do crime de falso, não

respondendo o falsário pelos dois crimes, em concurso material.3

3
STJ, AgRg no RHC no 112730/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a T., j. 3-3-2020.

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3.3.4. Princípio da alternatividade


O princípio da alternatividade se aplica nos crimes de ação múltipla ou de conteúdo

variado, no qual o tipo penal descreve duas ou mais condutas como verbos nucleares do

tipo. Nesse caso, o tipo penal descreve várias condutas, que, se praticadas pelo agente, de

forma sucessiva, configura fato único.

Se o agente adquirir, guardar e vender determinada droga, praticando, assim, três

das condutas previstas no art. 33 da Lei no 11.343/2006, deverá ser imputado a ele a prática

de um crime de tráfico de drogas, não incidindo, no caso, concurso de três infrações.

Para todos verem: esquema

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7) (XXV EXAME – REAPLICAÇÃO EM PORTO ALEGRE – TESE PRINCIPAL DA PEÇA)

Breno, nascido em 07 de junho de 1945, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,

falsifica uma assinatura em uma folha de cheque e a apresenta em loja de eletrodomésticos

localizada no bairro de sua residência, com a intenção de realizar compras no valor de R$

5.000,00 (cinco mil reais). Após a apresentação do cheque, apesar de a falsificação não ser

grosseira e ser apta a enganar, o gerente do estabelecimento comercial percebe que aquele

cheque não fora assinado pelo verdadeiro correntista do banco, já que o nome que

constava do título de crédito era de um grande amigo seu. Descoberta a fraude, o referido

gerente aciona a polícia, e Breno é preso em flagrante antes de obter a vantagem

pretendida. Com o recebimento dos autos, o Ministério Público opina pela liberdade de

Breno e oferece denúncia pela prática dos crimes do Art. 171, caput, e Art. 297, § 2º, na

forma do Art. 69, todos do Código Penal. Após concessão da liberdade provisória e
recebimento da denúncia, houve juntada do laudo pericial do cheque, constatando a

falsidade e a capacidade para iludir terceiros, bem como da Folha de Antecedentes

Criminais, no qual consta uma condenação definitiva pela prática, no ano anterior, do crime

de homicídio culposo na direção de veículo automotor, além de uma ação em curso pela

suposta prática de crime de furto. Durante a instrução, todos os fatos acima descritos são

confirmados pelas testemunhas, não tendo sido o réu interrogado, já que, apesar de

intimado, apresentou problemas de saúde no dia e não pôde comparecer à audiência. Ainda

durante a audiência de instrução e julgamento, após a instrução, as partes apresentaram

suas alegações, sendo consignado pela defesa o inconformismo com a ausência do réu, já

que foi apresentado atestado médico, e, em seguida, o juiz proferiu sentença condenatória

nos termos da denúncia, condenando o agente pela prática dos dois delitos em suas
modalidades consumadas. No momento de fixar a pena-base, aumentou o magistrado a

pena do estelionato em 02 meses, destacando que o comportamento de Breno não deixa

qualquer dúvida de que agiu com dolo. Já a pena do uso de documento falso foi aplicada

em seu patamar mínimo. Na segunda fase, não foram reconhecidas atenuantes, mas foi

reconhecida a agravante da reincidência, aumentando a pena de cada um dos delitos em

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Direito Penal

mais 02 meses de reclusão. No terceiro momento, não foram reconhecidas causas de

aumento ou de diminuição. Assim, foi fixada a pena de 01 ano e 04 meses de reclusão e 14

dias-multa, no que tange ao crime de estelionato, e 02 anos e 02 meses de reclusão e 12

dias-multa para o crime de falsificação de documento equiparado ao público, restando a

pena final em 03 anos e 06 meses de reclusão e 26 dias-multa. O regime inicial de

cumprimento de pena aplicado pelo magistrado foi o semiaberto e não houve substituição

da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, tudo fundamentado na reincidência

do agente. Intimado da decisão, o Ministério Público apenas tomou ciência de seu teor, não

apresentando qualquer medida. Já a defesa técnica de Breno foi intimada de seu teor em

06 de dezembro de 2017, quarta-feira, sendo quinta-feira dia útil em todo o país.


Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado(a) de Breno,

redija a peça jurídica cabível, diferente de habeas corpus e embargos de declaração,


apresentando todas as teses jurídicas pertinentes. A peça deverá ser datada no último

dia do prazo para interposição. (Valor: 5,00)

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Concurso de crimes

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

4.1. Introdução
Quando um sujeito, mediante unidade ou pluralidade de ações ou omissões, pratica

dois ou mais delitos, surge o concurso de crimes ou de penas.

O concurso pode ocorrer entre crimes de qualquer espécie, comissivos ou omissivos,

dolosos ou culposos, consumados ou tentados, simples ou qualificados e ainda entre

crimes e contravenções.

O concurso de crimes está inserido no Título V do Código Penal, relativo às penas,

justamente porque sua incidência repercute no total da pena aplicada ao agente que

praticou dois ou mais crimes.

Há três espécies de concurso de crimes: concurso material, concurso formal e crime

continuado.

4.2. Concurso de crimes e a relação com outros institutos


As regras do concurso de crimes não repercutem somente na pena definitiva, mas

também influenciam em outros institutos jurídicos, como, por exemplo, na determinação

do procedimento, na concessão da suspensão condicional do processo, na prescrição.

Nos termos do art. 394 do CPP, para determinar o procedimento a ser seguido, deve-

se verificar o máximo da pena cominada ao delito, considerando os critérios do concurso

de crimes. Assim, para definir o procedimento no contexto de concurso material de crimes

ou de concurso formal imperfeito, as penas deverão ser somadas. Tratando-se de concurso

formal perfeito e crime continuado, considera-se a pena mais grave, com a elevação da

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

fração que mais aumenta a pena (1/2, se concurso formal perfeito; 2/3, se crime

continuado).

Para a concessão da suspensão condicional do processo, um dos requisitos é que a

pena mínima cominada ao delito não seja superior a um ano (Lei no 9.099/1995, art. 89),

devendo ser considerado nesse limite o concurso de crimes. No contexto de concurso

material de crimes, as penas mínimas cominadas devem ser somadas. Se as penas mínimas

somadas superarem um ano, o réu não poderá ser beneficiado pela suspensão condicional

do processo.

Em relação ao concurso formal de crimes e crime continuado, deve-se considerar a

fração que menos aumenta a pena. É o que dispõe a Súmula nº 723 STF:

Súmula 723 do STF:

Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a


soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto
for superior a um ano.

E também a Súmula nº 243 STJ:

Súmula 243 do STJ:

O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações


penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva,
quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da
majorante, ultrapassar o limite de um (1) ano.

No contexto de concurso de crimes, o prazo prescricional deve ser verificado com

base na pena máxima cominada ou na pena imposta na sentença em relação a cada um dos

crimes, ou seja, isoladamente. É o que se extrai do art. 119 do CP e da Súmula no 497 do

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

STF: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na

sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

4.3. Concurso material de crimes


4.3.1. Conceito
Ocorre o concurso material, também chamado de real, quando o agente, mediante

mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não (CP, art. 69,

caput), não sendo necessário que tenham sido praticados no mesmo contexto fático. Há,

pois, pluralidade de condutas e pluralidade de crimes.

4.3.2. Concurso material e penas restritivas de direitos


Conforme dispõe o art. 69, § 1º, do CP, no caso de concurso material, se o agente
sofrer pena privativa de liberdade por um dos delitos, não sendo concedido o sursis, não

seria possível atribuir, em relação ao outro, pena restritiva de direitos, porque, em tese, seria

incompatível o cumprimento simultâneo das penas.

Conclui-se, em sentido contrário, que, se concedido o sursis à pena privativa de

liberdade, será possível a substituição dessa pena pela restritiva de direitos em relação ao

outro delito, já que, uma vez suspensa a execução da pena privativa de liberdade, não

haveria impedimento para o cumprimento da pena restritiva de direitos.

Imaginemos, por exemplo, que o réu tenha sido condenado pelo crime de lesão

corporal grave (CP, art.129, § 1o), com pena aplicada de um ano e oito meses de reclusão,

sendo concedida suspensão condicional da pena, e, no mesmo processo, em concurso

material de crimes, pelo crime de furto (CP, art. 155), com pena aplicada em um ano. Logo,

como foi concedida a suspensão condicional da pena em relação ao crime de lesão corporal

grave, pode o magistrado substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,

em relação ao delito de furto.

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Direito Penal

4.3.3.Cumprimento simultâneo ou sucessivo de penas restritivas de direitos


Nos termos do art. 69, § 2º, do CP, quando forem aplicadas na sentença duas ou mais

penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem

compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

Assim, o condenado pode, por exemplo, cumprir simultaneamente uma pena de

prestação de serviço à comunidade e uma prestação pecuniária. Por outro lado, diante da

incompatibilidade de cumprimento simultâneo, o cumprimento de duas penas de

prestação de serviços à comunidade deverá ser de forma sucessiva.

Imaginemos, por exemplo, que o agente tenha sido condenado pelo crime de furto

simples (CP, art. 155), em concurso material com o crime de estelionato (CP, art. 171). Em

relação ao crime de furto foi aplicada a pena privativa de liberdade de um ano, substituída

por prestação de serviços à comunidade; em relação ao crime de estelionato, foi aplicada

pena privativa de liberdade de dois anos, também substituição por prestação de serviço à

comunidade. Nesse caso, não há possibilidade de cumprimento simultâneo das penas

restritivas de direitos, devendo o condenado cumprir as prestações de serviços à

comunidade de forma sucessiva: Assim, por exemplo, após cumprir a pena do crime de

furto, passará a cumprir a prestação de serviços à comunidade em relação ao crime de

estelionato.

4.3.4. Aplicação da pena


Nos termos do art. 69, caput, do CP, quando o agente realiza o concurso real de

crimes, “aplicam-se cumulativamente as penas em que haja incorrido”. Portanto, no

concurso material as penas são cumuladas, somadas.

Aplica-se, pois, o sistema do cúmulo material de crimes.

Na hipótese de crimes conexos apurados na mesma ação penal, a soma das penas,
pelo concurso material, será realizada na própria sentença, após a adoção do critério

trifásico para cada um dos delitos.

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Direito Penal

Exemplo: O agente pratica o crime de estupro (CP, art. 213) e, para assegurar a sua

impunidade, desfere golpes de faca na vítima, matando-a, praticando o crime de homicídio

qualificado (CP, art. 121, § 2º, V). Imaginemos que o juiz fixe, em relação ao delito de estupro,

a pena de 8 anos de reclusão. Em relação ao crime de homicídio qualificado, a pena de 20

anos. Ao final, considerando se tratar de concurso material de crimes, o Magistrado deverá

aplicar o sistema do cúmulo material, mediante o somatório das penas. Logo, no caso, a

pena definitiva do réu será de 28 anos de reclusão.

De outro lado, na hipótese de não haver conexão entre os crimes, sendo, por isso,

julgados em processos distintos, a soma das penas será realizada perante o juízo da

execução criminal, por força do disposto no art. 66, III, a, da LEP.

4.4. Concurso formal


4.4.1. Conceito
Ocorre o concurso formal (ou ideal) quando o agente, mediante uma só ação ou

omissão, pratica dois ou mais crimes (CP, art. 70, caput). Há unidade de conduta e

pluralidade de crimes.

A unidade de conduta se concretiza quando os atos são realizados no mesmo

contexto espacial e temporal, não sendo necessário que seja praticado em ato único. De

fato, pode haver unidade de conduta mesmo quando fracionada em vários atos, como, por

exemplo, agente que subtrai objetos pertencentes a pessoas distintas, no mesmo contexto

fático.

Para incidir o concurso formal de crimes, a única conduta deve produzir duas ou mais

infrações penais, atingindo mais de um bem penalmente tutelado, causando, pois,

pluralidade de resultados.

Assim, quem efetua disparos em direção a uma pessoa, atingindo a vítima pretendida
e também pessoa diversa, terá praticado, mediante uma única ação, dois crimes, uma vez

que violou mais de um bem penalmente tutelado.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Do mesmo modo, o motorista que conduz seu veículo de modo imprudente, vindo a

matar várias pessoas, desenvolveu um único comportamento, do qual resultaram vários

crimes.

4.4.2. Concurso formal perfeito e concurso formal imperfeito


O concurso formal perfeito, ou próprio, está previsto na primeira parte do art. 70 do

CP. Ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais mediante uma única

conduta, movido por um único desígnio. O agente, por meio de um só impulso volitivo, dá

causa a dois ou mais resultados, sem desígnios autônomos em relação a cada um dos

resultados.

Quando a unidade de comportamento corresponder à unidade interna da vontade do

agente, assim compreendido como sendo o desejo de realizar apenas um crime e obter um

único resultado danoso, fala-se em concurso formal perfeito.

Assim, se, por exemplo, o agente, na condução de veículo automotor, atropela e

causa a morte de uma pessoa e lesão corporal em outra, praticará o crime de homicídio

culposo na condução de veículo automotor (CTB, art. 302) e o crime de lesão corporal

culposa na condução de veículo automotor (CTB, art. 303), em concurso formal perfeito, já

que não tinha desígnios autônomos em relação a cada um dos resultados.


No concurso formal imperfeito, ou impróprio, o agente, mediante uma ação ou

omissão, pretende, de forma consciente e voluntária, o resultado em relação a cada um dos

crimes. Ou seja, o agente desenvolve a conduta única com desígnios autônomos em

relação a cada um dos resultados.


Desígnio autônomo se caracteriza pelo fato de o agente pretender, mediante uma

única conduta, atingir dois ou mais resultados. Ou seja, o agente, mediante uma ação ou

omissão, age com consciência e vontade em relação a cada um deles, considerados

isoladamente.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

EXEMPLO 1:

O agente provoca fogo em uma residência com a intenção de matar todos os


moradores. O agente tem desígnios autônomos (intenção de matar) em relação a
cada um dos moradores da residência.

EXEMPLO 2:

Wilson, maior, capaz, na saída de um estádio de futebol, tendo avistado diversos


torcedores do time adversário embarcados em um veículo de transporte regular,
aproveitou-se da oportunidade e lançou uma única bomba incendiária contra o
automóvel, causando graves lesões em diversas vítimas e a morte de uma delas.
Nesse caso, Wilson será apenado com base no concurso formal imperfeito ou
impróprio.

A expressão “desígnios autônomos” abrange tanto o dolo direto quanto o dolo

eventual. Assim, haverá concurso formal imperfeito, por exemplo, entre o delito de

homicídio doloso com dolo direto e outro com dolo eventual.

4.4.3. Aplicação da pena no concurso formal


a) Em relação ao concurso formal perfeito

O concurso formal próprio ou perfeito (CP, art. 70, primeira parte) foi concebido com

a finalidade de conferir tratamento menos severo a agente que, mediante uma conduta,

gerou pluralidade de resultados não derivados de desígnios autônomos, afastando, com

isso, os rigores do concurso material (CP, art. 69).

Por esse motivo, em relação ao concurso formal perfeito, ou próprio, o Código Penal

adotou o sistema de exasperação da pena. Aplica-se a pena do crime a mais grave ou, se

iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Nesse sentido, se a regra da exasperação da pena se mostrar prejudicial ao réu em

comparação ao cúmulo material, deverá ser afastada. Trata-se, portanto, da regra do

concurso material benéfico como teto do produto da exasperação da pena.

Isso porque, conforme dito:

O concurso formal próprio ou perfeito (CP, art. 70, primeira parte), cuja regra para a

aplicação da pena é a da exasperação, foi criado com intuito de favorecer o réu nas

hipóteses de pluralidade de resultados não derivados de desígnios autônomos, afastando-

se, pois, os rigores do concurso material (CP, art. 69). Nesse diapasão, o parágrafo único do

art. 70 do CP impõe o afastamento da regra da exasperação, se esta se mostrar prejudicial

ao réu, em comparação com o cúmulo material. Nos termos da jurisprudência deste STJ, o

aumento da pena decorrente do concurso formal próprio é calculada com base no número

de infrações penais cometidas, que concretizará a fração de aumento abstratamente


prevista (1/6 a 1/2), exasperando-se a pena do crime de maior reprimenda. Nesses termos,

aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4

para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações e 1/2 para 6 ou mais infrações. 4


Assim, o critério adotado pela jurisprudência para a fixação do aumento da pena em

decorrência do concurso formal perfeito de crimes tem relação com o número de crimes

cometidos pelo agente.


Para todos verem: esquema

Número de crimes Aumento da pena

2 crimes 1/6 de aumento

3 crimes 1/5 de aumento

4 crimes 1/4 de aumento

5 crimes 1/3 de aumento

6 ou mais crimes 1/2 de aumento

4
STJ, HC no 325411/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a T., j. 19-4-2018.

51
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

b) Em relação ao concurso formal imperfeito

Como dissemos, o critério da exasperação da pena visa a favorecer o agente que, por

meio de uma conduta, produz dois ou mais resultados, sem desígnios autônomos em

relação a cada um deles.

No concurso formal imperfeito, ou impróprio, embora tenha desenvolvido uma

conduta, recai sobre o agente maior grau de reprovabilidade, já que revelou desígnios

autônomos em relação a cada resultado, não merecendo, por isso, tratamento menos

severo proporcionado pelo critério da exasperação da pena.

Por isso, no concurso formal imperfeito, o critério adotado é o cúmulo material,

devendo ser somadas as penas aplicadas em relação a cada um dos crimes praticados pelo

agente, nos termos do art. 70, caput, 2ª parte, do CP.

Imaginemos que Wilson, pretendendo matar dois colegas de trabalho que exerciam
suas atividades em uma sala ao lado da dele, inseriu substância tóxica no sistema de

ventilação dessa sala, o que causou o óbito de ambos em poucos minutos. Nessa situação,

Wilson, com uma única conduta, praticou dois resultados, com desígnios autônomos em

relação a cada um deles. Trata-se, pois, de dois homicídios dolosos em concurso formal

imperfeito.

Nesse caso, o Magistrado terá de realizar a dosimetria da pena em relação a todas as

vítimas, e, ao final, aplicar o critério do cúmulo material. Assim, vamos considerar que, em

relação a vítima “A”, a pena aplicada foi de 12 anos, e, em relação à vítima “B”, a pena

aplicada tenha sido de 15 anos. Como se trata de concurso formal imperfeito, o magistrado

terá de adotar o critério do cúmulo material, somando as penas, ficando a pena definitiva

em 27 anos.

4.4.4. Concurso formal e crime único


O concurso formal se caracteriza pela produção de dois ou mais resultados, embora

decorrentes de conduta única. Logo, a partir da conduta do agente, devem resultar dois ou

mais crimes.

52
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Há, no entanto, determinadas situações em que, num primeiro momento, poderia

ensejar a percepção da prática de dois ou mais crimes, quando, na verdade, se trata de

crime único. Quando, por exemplo, há o emprego de violência ou grave ameaça contra

várias pessoas, mas subtração de patrimônio pertencente a apenas uma delas, estaremos

diante de crime único de roubo, já que ocorreu crime contra apenas um patrimônio.

Todavia, se, num mesmo contexto fático, são subtraídos bens pertencentes a vítimas

distintas, não haverá crime único, mas concurso formal, já que com uma conduta, o agente

atingiu patrimônios distintos. caracterizando concurso formal, por terem sido atingidos

patrimônios diversos, nos moldes do art. 70 do CP. 5

O STJ tem entendido que a prática do crime de roubo contra vítimas diversas, no

mesmo contexto fático, configura uma única ação, incidindo, por isso, as regras do

concurso formal de crimes.6

4.5. Crime continuado


4.5.1. Conceito
O crime continuado está previsto no art. 70 do CP.

Ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou

omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subsequentes, pelas

condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como

continuação do primeiro.

4.5.2. Requisitos
Para a incidência das regras do crime continuado é preciso verificar a presença de

requisitos dispostos no art. 71 do CP, consistentes: a) na pluralidade de condutas; b) na

5
STJ, HC no 608932/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a T., j. 6-10-2020.
6
STJ, AgRg no HC no 412140/MG, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6a T., j. 1-3-2018.

53
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

pluralidade de crimes da mesma espécie; c) nas mesmas condições de tempo, lugar,

maneira de execução e outras semelhantes.

4.5.2.1. Pluralidade de condutas


Nos termos do art. 71 do CP, o crime continuado se caracteriza pelo fato de o agente

praticar crimes mediante mais de uma ação ou omissão, exigindo, pois, pluralidade de

condutas.

Distingue-se do concurso material, que também exige pluralidade de condutas, por

força da incidência dos demais requisitos, consistentes na prática de crimes de mesma

espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.

4.5.2.2. Crimes da mesma espécie


Crimes da mesma espécie são os que estão previstos no mesmo tipo penal,

considerando-se, inclusive, as figuras simples ou qualificadas, dolosas ou culposas,

tentadas ou consumadas.

Além disso, para caracterizar crimes da mesma espécie, é necessário que os crimes

parcelares devem tutelar os mesmos bens jurídicos e possuem a mesma estrutura jurídica.

Por isso, a teor da jurisprudência do STJ, não há como reconhecer a continuidade delitiva

entre os crimes de roubo e o de latrocínio, porquanto são delitos de espécies diversas, já

que tutelam bens jurídicos diferentes, uma vez que o roubo tutela o patrimônio e a

integridade física (violência) ou o patrimônio e a liberdade individual (grave ameaça); o

latrocínio, por outro lado, tutela o patrimônio e a vida.

4.5.2.3. Conexão temporal


Exige-se, para caracterizar crime continuado, conexão temporal entre as condutas
praticadas para que se configure a continuidade delitiva. Deve existir, em outros termos, uma
certa periodicidade que permita observar-se um certo ritmo, uma certa uniformidade, entre as
ações sucessivas, embora não se possam fixar, a respeito, indicações precisas.

54
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

A jurisprudência tem admitido crime continuado quando entre as infrações penais não
houver decorrido período superior a 30 dias.

4.5.2.4. Conexão espacial


Além dos demais requisitos, para que seja possível reconhecer a continuidade delitiva,
deve, ainda, estar presente a conexão espacial.
A lei não estabelece parâmetros para o reconhecimento da conexão espacial, tendo a
jurisprudência do STJ admitido a continuidade delitiva quando tratarem de crimes praticados na
mesma cidade, bem como em comarcas limítrofes ou próximas.
Assim, a prática de crimes da mesma espécie em locais diversos não exclui a
continuidade. Crimes praticados em bairros diversos de uma mesma cidade, ou em cidades
próximas, podem ser entendidos como praticados em condições de lugar semelhantes.

4.5.2.5. Maneira de execução


A lei exige que a forma de execução das infrações continuadas seja semelhante,
traduzindo-se no modo, forma e os meios empregados para a prática dos delitos.
Exemplo: Empregado de um estabelecimento comercial que subtrai, diariamente, objetos
da empresa.
Por outro lado, um crime de furto qualificado pela escalada e outro furto qualificado pela
destreza, conquanto crimes da mesma espécie, inviabilizam a incidência do crime continuado, já
que empregaram modos de execução distintos.
Da mesma forma, verifica-se a diversidade da maneira de execução dos diversos delitos,
quando o agente pratica furto ora sozinho, ora em companhia de comparsas, não configurando,
pois, continuidade delitiva, mas sim a habitualidade criminosa.

4.5.2.6. Unidade de desígnios


Exige-se unidade de resolução, devendo o agente desejar praticar os crimes com
continuidade. Portanto, além dos requisitos objetivos, exige unidade de desígnios, isto é, uma
programação inicial, com realização sucessiva.

55
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

É o entendimento adotado pelo STJ 7, segundo o qual na prática dos crimes em


continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar de
imediato terem sido esses delitos subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes
parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente.
Com efeito, o próprio Código Penal, ao dispor que os crimes subsequentes devem ser
havidos como continuação do primeiro, sinaliza pela necessidade da ligação subjetiva entre os
diversos crimes praticados pelo agente. Não há como considerar um crime subsequente ao
primeiro sem a presença de liame ou vínculo subjetivo entre eles. Logo, deve restar demonstrado
que o agente agiu com consciência e vontade em praticar crimes da mesma espécie em
sequência, nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução.

4.5.3. Crime continuado específico


Além dos requisitos previstos no art. 71, caput, do CP, o crime continuado específico prevê
a necessidade de três requisitos, que devem ocorrer simultaneamente:
a) Contra vítimas diferentes
Admite-se nexo de causalidade entre crimes que lesam interesses jurídicos pessoais,
ainda que praticados contra vítimas diversas.
De fato, a circunstância de os delitos componentes atingirem bens jurídicos pessoais não
impede a continuação. Entretanto, cumpre observar o disposto no parágrafo único do art. 71 do
Código Penal:

Art. 71, parágrafo único, do Código Penal:

Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave,
se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do
art. 75 deste Código.

7
STJ, HC no 419094/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a T., j. 15-3-2018.

56
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Assim, admite o Código Penal nexo de continuidade entre homicídios, lesões corporais ou
roubos contra vítimas diversas, podendo o juiz, de acordo com as circunstâncias judiciais do art.
59, caput, do CP, aumentar a pena de um dos delitos até o triplo, desde que a pena não seja
superior à que seria imposta se o caso fosse de concurso material.
b) Com violência ou grave ameaça à pessoa
Mesmo que o crime seja contra vítimas diferentes, se não houver violência – real ou ficta
– contra a pessoa, não haverá a continuidade específica.
c) Somente em crimes dolosos
Se a ação criminosa for praticada contra vítimas diferentes, com violência à pessoa, mas
não for produto de uma conduta dolosa, não estará caracterizado o crime continuado específico.

4.5.4. Aplicação da pena


Tratando-se de crime continuado comum, aplica-se a pena de qualquer um dos crimes,
se idênticas, aumentada de 1/6 até 2/3.
Tratando-se de crime continuado qualificado, aplica-se a pena do crime mais grave,
aumentada de 1/6 até 2/3.
O parâmetro para o aumento da pena entre 1/6 e 2/3 deve ser proporcional ao número de
infrações praticadas. Ou seja, “em se tratando de aumento de pena referente à continuidade
delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações;
1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações”. 8

8
STJ, AgRg no EDcl-AgREsp no 1629001/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 3a Seção, j. 28-10-2020.

57
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Para todos verem: esquema

Número de crimes Aumento da pena

2 crimes 1/6 de aumento

3 crimes 1/5 de aumento

4 crimes 1/4 de aumento

5 crimes 1/3 de aumento

6 crimes 1/2 de aumento

7 crimes ou mais 2/3 de aumento

Tratando-se de crime continuado específico, previsto no art. 71, parágrafo único, do CP,
aplica-se a pena do crime mais grave aumentada até o triplo. Todavia, segundo o entendimento
do STF, no crime continuado qualificado, a majoração da pena não está adstrita ao número de
infrações praticadas, uma vez que o art. 71, parágrafo único, do CP, determina que poderá

o juiz, “considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade

do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes,

se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo”. Logo, a fração de aumento de pena
no crime continuado qualificado lastreia-se nos vetores em questão, e não apenas no número de
infrações praticadas. 9
Se, da aplicação da regra do crime continuado, a pena resultar superior à que restaria se
somadas as penas, aplica-se a regra do concurso material benéfico (CP, art. 71, parágrafo único,
parte final).

9
STF, HC no 131871/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 2a T., j. 31-5-2016.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Para todos verem: esquema

8) (QUESTÃO 04 – XXII EXAME)

Diego e Júlio caminham pela rua, por volta das 21h, retornando para suas casas após mais

um dia de aula na faculdade, quando são abordados por Marcos, que, mediante grave

ameaça de morte e utilizando simulacro de arma de fogo, exige que ambos entreguem as
mochilas e os celulares que carregavam. Após os fatos, Diego e Júlio comparecem em sede

policial, narram o ocorrido e descrevem as características físicas do autor do crime. Por

volta das 5h da manhã do dia seguinte, policiais militares em patrulhamento se deparam

com Marcos nas proximidades do local do fato e verificam que ele possuía as mesmas

características físicas do roubador. Todavia, não são encontrados com Marcos quaisquer

dos bens subtraídos, nem o simulacro de arma de fogo. Ele é encaminhado para a Delegacia

e, tendo-se verificado que era triplamente reincidente na prática de crimes patrimoniais, a

59
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

autoridade policial liga para as residências de Diego e Júlio, que comparecem em sede

policial e, em observância de todas as formalidades legais, realizam o reconhecimento de

Marcos como responsável pelo assalto. O Delegado, então, lavra auto de prisão em

flagrante em desfavor de Marcos, permanecendo este preso, e o indicia pela prática do

crime previsto no Art. 157, caput, do Código Penal, por duas vezes, na forma do Art. 69 do

Código Penal. Diante disso, Marcos liga para seu advogado para informar sua prisão. Este

comparece, imediatamente, em sede policial, para acesso aos autos do procedimento

originado do Auto de Prisão em Flagrante.

Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado de Marcos,

responda, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, aos itens a seguir.
A) Qual requerimento deverá ser formulado, de imediato, em busca da liberdade de

Marcos e sob qual fundamento? Justifique. (Valor: 0,65)


B) Oferecida denúncia na forma do indiciamento, qual argumento de direito material

poderá ser apresentado pela defesa para questionar a capitulação delitiva constante da

nota de culpa, em busca de uma punição mais branda? Justifique. (Valor: 0,60)

9) (QUESTÃO 02 – XXVII EXAME)

Em cumprimento de mandado de busca e apreensão, o oficial de justiça Jorge compareceu

ao local de trabalho de Lucas, sendo encontradas, no interior do imóvel, duas armas de fogo

de calibre .38, calibre esse considerado de uso permitido, devidamente municiadas, ambas

com numeração suprimida. Em razão disso, Lucas foi preso em flagrante e denunciado pela

prática de dois crimes previstos no Art. 16, caput, da Lei 10.826/2003, em concurso

material, sendo narrado que “Lucas, de forma livre e consciente, guardava, em seu local de

trabalho, duas armas de fogo de calibre restrito, devidamente municiadas”.

Após a instrução, em que os fatos foram confirmados, foi juntado o laudo confirmando o

calibre .38 das armas de fogo, a capacidade de efetuar disparos, bem como que ambas

tinham a numeração suprimida. As partes apresentaram alegações finais, e o magistrado,

60
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

em sentença, considerando o teor do laudo, condenou Lucas pela prática de dois crimes

previstos no Art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/2003, em concurso formal.

Intimada a defesa técnica da sentença condenatória, responda, na condição de

advogado(a) de Lucas, aos itens a seguir.

A) Qual o argumento de direito processual a ser apresentado em busca da

desconstituição da sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Reconhecida a validade da sentença em segundo grau, qual o argumento de direito

material a ser apresentado para questionar o mérito da sentença condenatória e,

consequentemente, a pena aplicada? Justifique. (Valor: 0,60)

10) (QUESTÃO 03 – XXX EXAME)

Eduardo foi preso em flagrante no momento em que praticava um crime de roubo simples,
no bairro de Moema. Ainda na unidade policial, compareceram quatro outras vítimas, todas

narrando que tiveram seus patrimônios lesados por Eduardo naquela mesma data, com

intervalo de cerca de 30 minutos entre cada fato, no bairro de Moema, São Paulo.

As cinco vítimas descreveram que Eduardo, simulando portar arma de fogo, anunciava o

assalto e subtraía os bens, empreendendo fuga em uma bicicleta. Eduardo foi denunciado

pela prática do crime do Art. 157, caput, por cinco vezes, na forma do Art. 69, ambos do

Código Penal, e, em sede de audiência, as vítimas confirmaram a versão fornecida em sede

policial.

Assistido por seu advogado Pedro, Eduardo confessou os crimes, esclarecendo que

pretendia subtrair bens de seis vítimas para conseguir dinheiro suficiente para comprar uma

motocicleta. Disse, ainda, que apenas simulou portar arma de fogo, mas não utilizou

efetivamente material bélico ou simulacro de arma. O juiz, no momento da sentença,

condenou o réu nos termos da denúncia, sendo aplicada a pena mínima de 04 anos para

cada um dos delitos, totalizando 20 anos de pena privativa de liberdade a ser cumprida em

regime inicial fechado, além da multa. Ao ser intimado do teor da sentença, pessoalmente,

já que se encontrava preso, Eduardo tomou conhecimento que Pedro havia falecido, mas

61
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

que foram apresentadas alegações finais pela Defensoria Pública por determinação do

magistrado logo em seguida à informação do falecimento do patrono. A família de Eduardo,

então, procura você, na condição de advogado(a), para defendê-lo.

Considerando apenas as informações narradas, responda, na condição de advogado(a)

de Eduardo, constituído para apresentação de apelação, aos itens a seguir.

A) Existe argumento de direito processual, em sede de recurso, a ser apresentado para

desconstituir a sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Diante da confirmação dos fatos pelo réu, qual argumento de direito material poderá

ser apresentado, em sede de apelação, em busca da redução da sanção penal aplicada?

Justifique. (Valor: 0,60)

FIQUE LIGADO!

Edição 23 STJ – CONCURSO DE CRIMES

4) Não há crime único, podendo haver concurso formal, quando, no mesmo


contexto fático, o agente incide nas condutas dos arts. 14 (porte ilegal de arma
de fogo de uso permitido) e 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito) da Lei n. 10.826/2003.

5) Não há crime único, podendo haver concurso material, quando, no mesmo


contexto fático, o agente incide nas condutas dos arts. 14 (porte ilegal de arma
de fogo de uso permitido) e 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito) da Lei n. 10.826/2003.

7) A apreensão de mais de uma arma de fogo, acessório ou munição, em um


mesmo contexto fático, não caracteriza concurso formal ou material de crimes,
mas delito único.

62
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Concurso de pessoas

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

5.1. Conceito de concurso de pessoas


Trata-se de contribuição entre dois ou mais agentes para o cometimento de uma

infração penal. Ocorre quando duas ou mais pessoas, em conjugação de esforços, reúnem-

se para a prática de um ou mais delitos.

A doutrina utiliza também as expressões concurso de agentes e codelinquência.

5.2. Requisitos
Não basta a contribuição de duas ou mais pessoas na prática delituosa para

caracterizar o concurso de pessoas. É necessária, ainda, a presença de determinados

requisitos, sem os quais não há como configurar o concurso de pessoas.

Para a incidência do concurso de pessoas devem estar presentes, cumulativamente,

os seguintes requisitos: a) pluralidade de condutas; b) relevância causal das condutas; c)

liame ou vínculo subjetivo; d) identidade de infrações.

5.2.1. Pluralidade de condutas


Trata-se de requisito elementar do concurso de pessoas: a concorrência de mais de

uma pessoa na execução de uma infração penal.

Assim, para que haja concurso de pessoas, exige-se que cada um dos agentes tenha

realizado ao menos uma conduta relevante. Pode ser autoria e participação, em que há uma

conduta principal e outra acessória, praticadas, respectivamente, por autor e partícipe, bem

como em coautoria, em que há duas condutas principais.

63
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

5.2.2. Relevância causal das condutas


Nos termos do art. 29, caput, do CP, quem, de qualquer modo, contribuir para a

prática de um delito incide nas penas a este cominadas. A expressão de “qualquer modo”

revela a amplitude da forma de atuação do agente na empreitada delituosa, seja na forma

de contribuição pessoal, direta ou indireta, física ou moral.

Extrai-se, ainda, do art. 29, caput, do CP, que, para incidir a hipótese de concurso de

pessoas, a conduta do agente deve concorrer para o crime, contribuindo, ainda que

minimamente, para a produção do resultado. É imprescindível, pois, que a conduta do

agente tenha sido relevante para a infração penal, a ponto de, se excluída do curso causal,

o resultado não teria ocorrido da forma como ocorreu.

Em outras palavras, se a conduta não tem qualquer relevância causal, isto é, se não

contribuiu em nada para a produção do resultado, não há que se falar em concurso de

pessoas.

A simples manifestação de adesão a uma prática delituosa não configura

participação. Assim, se, sem realizar qualquer outra conduta, simplesmente manifestar que

irá concorrer para a prática de um homicídio que efetivamente foi consumado, o crime não

poderá ser imputado ao agente, por força do concurso de pessoas, uma vez que sua

conduta foi absolutamente irrelevante. Agora, se induzir, estimular, o executor a matar a


vítima, o agente será responsabilizado pelo crime de homicídio, já que sua conduta foi

relevante para a produção do resultado.

Imaginemos que a empregada doméstica de uma residência, profundamente irritada

por ter sido ofendida pela patroa, observa que há uma movimentação suspeita no lado

externo da casa, concluindo que era alguém observando o local para praticar o delito de

furto. Para facilitar o sucesso da subtração, a empregada deixa aberta a porta da frente da

residência. Durante a empreitada criminosa, sem saber que a porta da frente se encontrava

destrancada, o agente de atitude suspeita arrombou a porta dos fundos, ingressou na

residência, e subtraiu diversos objetos. Diante desse quadro fático, a empregada doméstica

64
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

não deverá responder por qualquer infração penal, uma vez que a sua contribuição foi

absolutamente irrelevante para o sucesso da subtração.

Para implementação deste requisito, além de ser relevante para o resultado, a

contribuição do agente deve ser antes ou durante a execução do delito. Se posterior ao

delito, não haverá concurso de pessoas, podendo incidir, conforme o caso, um delito

autônomo, como, por exemplo, receptação (CP, art. 180), favorecimento pessoal (CP, art.

348) ou favorecimento real (CP, art. 149).

5.2.3. Vínculo subjetivo


Além da pluralidade de condutas relevantes para o resultado, afigura-se, ainda,

imprescindível o elemento subjetivo, consistente na conjugação de vontades de cada um

dos agentes para a produção do mesmo resultado.

Os agentes devem atuar conscientes de que participam de crime comum, ainda que

não tenha havido acordo prévio de vontades. A ausência desse elemento psicológico

inviabiliza o concurso de pessoas, ensejando condutas isoladas e autônomas.

A atuação de cada um dos agentes deve ser voltada para a produção do mesmo

resultado. Trata-se do princípio da convergência de vontades dos agentes voltados para a

prática do mesmo crime, ainda que não haja combinação prévia, ou seja, que um dos
agentes não saiba da contribuição do outro.

No vínculo subjetivo, que caracteriza o concurso de pessoas, basta que um dos

agentes tenha conhecimento que está contribuindo para prática delituosa, ainda que não

tenha havido combinação prévia com o outro agente envolvido no delito. Basta, em síntese,

um dos agentes aderir à conduta ou à vontade de outrem, e concorrer, ainda que sem o

conhecimento do outro, para a produção do resultado.

Consideremos o mesmo exemplo acima, com uma pequena e determinante

adaptação. Imaginemos que a empregada doméstica de uma residência, profundamente


irritada por ter sido ofendida pela patroa, observa que há uma movimentação suspeita no

lado externo da casa, concluindo que era alguém observando o local para praticar o delito

65
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

de furto. Para facilitar o sucesso da subtração, a empregada deixa aberta a porta da frente

da residência. Durante a empreitada criminosa, sem saber do auxílio da empregada

doméstica, o agente de atitude suspeita ingressou na residência pela porta da frente

deixada aberta, e subtraiu diversos objetos. Agora, diante desse quadro fático, a empregada

doméstica deverá responder pelo furto praticado na residência, já que sua contribuição foi

relevante para o resultado (se não tivesse deixado a porta aberta, o furto não teria ocorrido

da forma como ocorreu), estando, ainda, presente, em relação a ela a qualificadora do

concurso de pessoas, diante da concorrência de vontades, uma vez que aderiu à conduta

e à vontade do agente suspeito.

A inexistência do vínculo subjetivo descaracteriza o concurso de pessoas, podendo,

conforme o caso, ensejar a hipótese de autoria mediata, autoria colateral ou crimes

autônomos e independentes em relação a cada um dos agentes.

5.2.4. Identidade de infração para todos os agentes


Nos termos do art. 29, caput, do CP: “Quem, de qualquer modo, concorre para o

crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Significa que,

via de regra, todos aqueles que contribuem para a prática de delito responderão pelo

mesmo crime.
É a aplicação da teoria unitária ou monista, segundo a qual haverá um único crime

para os diversos agentes. Assim, o agente que anuncia o assalto e realiza a subtração

responderá pelo mesmo crime daquele que o conduziu até o local do roubo, aguardando-

o para empreender fuga, e daquele que planejou toda a atividade criminosa. Os três agentes

responderão pelo crime de roubo majorado.

66
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

5.3. Modalidades de atuação no concurso de pessoas


O agente pode atuar no contexto do concurso de pessoas na condição de autor,

coautor ou partícipe. Logo, as modalidades de atuação no concurso de pessoas são: a)

autoria; b) coautoria; c) participação.

5.3.1. Autoria
Para a adequada imputação do delito ao agente, revela-se necessário identificar o

seu modo de atuação na empreitada delituosa, verificando-se se contribuiu para o delito na

condição de autor.

Todavia, diante da omissão do legislador, estabelecer o conceito de autoria não se

revela tarefa das mais pacíficas, surgindo, em razão disso, várias teorias para a definição do

conceito de autor de um crime.

Dentre essas teorias, merecem destaque: a) teoria objetiva (na qual está alojada a

vertente restritiva); b) teoria do domínio do fato.

5.3.1.1. Teoria objetiva ou dualista


A teoria objetiva ou dualista está estreitamente vinculada a um conceito restritivo de

autor, uma vez que estabelece evidente distinção entre a figura do autor e do partícipe,

delimitando a atuação dos agentes na empreitada delituosa, e restringindo a figura do autor

à determinada forma de atuação.

Com efeito, ao contrário da teoria extensiva, que tratava a autoria como figura única,

ampliando sobremaneira seu conceito, a teoria restritiva limita o conceito de autor à

determinada forma de atuação, estabelecendo nítida distinção em relação à figura do

partícipe.

Agora, com a teoria objetiva, na vertente restritiva, não há só a figura do autor, mas a

figura do autor e do partícipe.

Para a teoria objetivo-formal, autor é aquele que realiza a ação ou omissão descrita

no verbo nuclear do tipo penal que define o crime ou contravenção. É, em síntese, aquele

67
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

que pratica a conduta descrita no tipo penal incriminador. É aquele que pratica, por

exemplo, a ação de “matar” (CP, art. 121); de subtrair (CP, arts. 155 e 157); de constranger

(CP, arts. 146, 158 e 213).

Partícipe é aquele que contribui, de qualquer modo, para a empreitada delituosa, mas

sem realizar a ação ou omissão descrita no verbo nuclear do tipo. É aquele que induz, instiga

ou auxilia o autor a executar a conduta descrita no tipo penal.

Assim, o agente que efetua disparos contra a vítima, atuará no crime de homicídio na

condição de autor, ao passo que aquele que induziu a matá-la atuará na condição de

partícipe.

Quem ingressa numa agência bancária e, portando uma arma de fogo, anuncia o

assalto e realiza a subtração do dinheiro, atuará no crime de roubo majorado na condição

de autor, enquanto o agente que se posta no lado externo do prédio e aguarda, com o motor
do veículo acionado, o comparsa para empreenderem fuga, atua no delito na condição de

partícipe.

E é justamente na adequação típica da conduta do partícipe que reside a importância

do estudo do concurso de pessoas. Com efeito, em tese, a conduta do partícipe seria

atípica, pois, teoricamente, não se enquadra no modelo legal de conduta proibida descrita

no tipo penal. Não existe tipo penal definindo a conduta de “mandar matar” ou “auxiliar a

subtrair”. Se não existisse a norma de extensão do art. 29, caput, do CP essas condutas

vinculadas ao partícipe seriam atípicas, gerando impunidade.

Por meio dessa norma de extensão, que serve como verdadeira ponte, é possível

adequar, ainda que de forma indireta, a conduta do partícipe ao tipo penal que descreve a
conduta criminosa.

Assim, por exemplo, a conduta do autor intelectual ou do mandante do crime será

típica, por força da norma de extensão (ou ponte de ouro) do art. 29, caput, CP, que

estabelece a ligação entre a sua conduta e o tipo penal correspondente.

68
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

5.3.1.2 Teoria do domínio do fato


De acordo com a teoria do domínio do fato, autor é quem tem o controle final do fato.

É quem domina o decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e

circunstâncias. O partícipe não tem o domínio do fato, pois apenas coopera, induz e incita

a prática do delito.

Em síntese, a teoria do domínio do fato amplia o conceito de autor, abarcando

também o agente que realiza uma parte necessária da execução do plano global, com o

domínio funcional do fato, mesmo que não constitua um ato típico em sentido estrito. É

aquele que domina a realização do fato, quem tem poder sobre ele, bem como quem tem

poder sobre a vontade alheia.

Assim, para a teoria do domínio do fato, a figura do autor não se restringe somente

aquele que executa a conduta descrita no tipo penal, mas também aquele que tem o

controle da ação típica dos demais agentes, inserindo-se, nesse contexto, o autor executor,

o autor intelectual, o autor mediato, bem como o coautor.

O partícipe é aquele que contribui para o delito alheio, sem realizar a figura típica,

nem tampouco comandar a ação. É quem não domina a realização do fato, mas contribui

de qualquer modo para ele.

EXEMPLO 1:

Clodoaldo, Alan e Patrícia, todos maiores e capazes, deliberaram para assaltar uma
empresa local. Em data e hora combinadas, no período noturno e após o
fechamento, Clodoaldo e Alan arrombaram a porta dos fundos da empresa, na qual
entraram e ficaram vigiando enquanto Patrícia subtraía objetos valiosos, que
seriam divididos igualmente entre os três. Como se vê, a rigor somente Patrícia
praticou a ação nuclear do tipo penal que define o crime de furto, já que somente
ela praticou o ato de subtrair. Não há dúvida que Patrícia atuou no delito na
condição de autora. Clodoaldo e Alan não realizaram a ação descrita no tipo penal,
mas, sem dúvida, tinham o controle de toda a ação delituosa, o domínio final do
fato, sendo, portanto, também autores do delito.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

EXEMPLO 2:

Clodoaldo, Alan e Patrícia deliberaram praticar um crime de roubo. Clodoaldo se


encarregou somente de emprestar a arma. Alan ficou responsável por transportar
em seu veículo Patrícia até o local do crime e dar-lhe fuga. Patrícia atraiu a vítima
ao local ermo, anunciou o assalto, apontando a arma para a vítima, e, após, subtraiu
sua carteira. Nesse contexto, pela teoria do domínio do fato, Alan e Patrícia atuaram
na condição de autores, já que tinham o domínio de toda empreitada delituosa, ao
passo que Clodoaldo, por ter somente emprestado a arma, sem o controle de
dominar a ação dos comparsas, responderá pelo crime de roubo majorado na
condição de partícipe.

5.3.2. Coautoria
A coautoria é a modalidade de atuação no concurso de pessoas em que dois ou mais

agentes figuram como autores do crime, desenvolvendo a conduta em busca do mesmo

resultado.

A coautoria pode ser parcial (ou funcional) ou direta (ou material).

A coautoria parcial (ou funcional) é aquela em que há divisão de tarefas entre os

agentes, que, somadas, produzem o resultado desejado por todos.

EXEMPLO:

Um dos agentes segura a vítima, enquanto o outro desfere nela golpes de faca.

A coautoria direta (ou material) é aquela em que todos os agentes executam atos

iguais, voltados à produção do resultado.

70
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

EXEMPLO:

Mauro e Arnaldo, ambos portando faca, desferem golpes de faca contra a vítima até
levá-la à morte.

5.3.3. Participação
Conforme a teoria restritiva de autoria, partícipe é quem contribui para que o autor

ou coautores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo nuclear

do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. De acordo com a teoria do

domínio do fato, participação é a contribuição dolosa de menor relevância, em que o agente

contribui para o fato de outrem, sem ter o domínio do fato.

Assim, considerando a teoria restritiva, adotada pelo Código Penal, autor seria o

agente que pratica a conduta descrita no verbo nuclear do tipo incriminador, ao passo que

partícipe seria aquele que contribui, de qualquer modo, para a atividade delituosa, mas sem

realizar a conduta descrita no tipo penal.

EXEMPLO:

Imaginemos a hipótese de Carlos instigar e encorajar Pedro a matar João. Se


efetivamente praticar a ação de matar João, Pedro responderá pelo crime de
homicídio na condição de autor, enquanto Carlos responderá pelo mesmo crime na
condição de partícipe.

Dessarte, a participação é a atividade acessória daquele que colabora para a conduta

do autor com a prática de uma ação que, em si mesma, não é penalmente relevante no

sentido de realização da conduta descrita no tipo penal. Logo, partícipe de um crime é o

sujeito que induz, instiga ou auxilia na prática do crime, sem praticar a conduta típica.

71
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Como se vê, a participação é conduta acessória à do autor, considerada principal.

Somente haverá participação se o agente der início à execução do delito. Se o crime nem

sequer chegar a ser tentado, não haverá participação punível (CP, art. 31).

5.3.3.1. Formas de participação


O art. 29, caput, do CP não delimitou a forma de atuação dos agentes, estabelecendo,

apenas, que quem, de qualquer modo, concorre para o crime responderá nas penas a este

cominadas.

A expressão concorrer “de qualquer modo” se reveste de forma extremamente

genérica para alcançar a conduta daquele que contribuiu, ainda que minimamente, para a

produção do resultado.

Todavia, em termos de participação, a doutrina aponta a existência de duas espécies:

a) participação moral; b) participação material.

5.3.3.1.1. Participação moral


a) Induzir

A participação moral é aquela vinculada ao apoio psicológico dado pelo partícipe,

induzindo ou instigando o autor a praticar o delito.

No induzimento, o agente introduz na mente do autor a ideia criminosa. O autor não

tinha a representação mental da prática delituosa, sendo induzido pelo partícipe a cogitar

a execução do delito. Em síntese, na indução, o partícipe faz surgir na mente do agente a

intenção delituosa.

72
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

EXEMPLO:

Suponha-se que tenha ocorrido um desentendimento entre Marcelo e João, sem


maiores consequências. Marcelo conta o ocorrido a Fernando, que passa a induzi-
lo a matar João, introduzindo na sua mente a ideia homicida. Se efetivamente matar
João, Marcelo atuará na condição de autor do homicídio, ao passo que Fernando
responderá pelo mesmo delito na condição de partícipe.

É irrelevante que o executor pratique o fato delituoso imediatamente à determinação

ou que o cometa depois de longo tempo. Pode apresentar-se sob as formas de mandato,

paga, promessa, ordem ou artifício.

b) Instigar

Instigar é reforçar uma ideia criminosa já existente. O agente já cogitava a

possibilidade de praticar o crime, sendo apenas encorajado, instigado pelo partícipe.

O partícipe reforça, estimula, a preexistente resolução delituosa. Pode ocorrer de

duas maneiras: a) mediante reforço da resolução de o executor cometer o delito; b)

mediante promessa de ajuda material ou moral após o cometimento por parte do executor.
Do contrário, há determinação e não instigação, embora as duas formas possam coexistir

(o partícipe induz e depois instiga o autor principal a praticar o delito).

EXEMPLO:

Suponha-se que tenha ocorrido um desentendimento entre Marcelo e João.


Marcelo conta o ocorrido a Fernando, manifestando, ainda, a vontade de matar
João. Fernando, então, passa a instigá-lo, reforçando a ideia criminosa,
encorajando Marcelo a levar adiante a conduta delituosa e consumar o seu desejo
de matar João. Se efetivamente matar João, Marcelo atuará na condição de autor
do homicídio, ao passo que Fernando responderá pelo mesmo delito na condição
de partícipe.

73
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Se a pessoa determinada ou instigada a cometer o crime não está sujeita à autoridade

do partícipe, ou é punível (inexistente a impunidade em virtude de condição ou qualidade

pessoal), a sua responsabilidade é igual à do instigador ou determinador.

5.3.3.1.2. Participação material


A participação material se exterioriza na forma de auxílio. O partícipe será aquele que

presta ajuda efetiva na preparação ou execução do delito.

O auxílio é a forma de participação material que corresponde à antiga cumplicidade.

Pode ser prestado na preparação ou execução do delito.

Auxilia na preparação quem fornece a arma ou informações úteis à realização do

crime. Auxilia na execução quem permanece de atalaia, no sentido de avisar o autor da

aproximação de terceiro; quem leva o ladrão em seu veículo ao local do furto; quem

empresta a arma ao homicida.

5.3.3.2. Participação impunível


Para a participação ser punível, afigura-se imprescindível que o ato executório do

crime tenha sido iniciado. Com efeito, o ajuste, a determinação, a indução, instigação e o

auxílio somente serão punidos se o autor der início à execução do delito. Se o crime nem

sequer chegar a ser tentado, a conduta do partícipe não será punível (CP, art. 31).

Imaginemos que Fabrício contrata Félix para matar Mafalda. Félix sai em busca de

Mafalda e, ao avistá-la, apiedado, nem sequer dá início aos atos executórios. Nesse caso,

tanto Fabrício quanto Félix não sofrerão qualquer tipo de punição, uma vez que o delito

nem sequer chegou a ser tentado.

Trata-se de decorrência lógica do caráter de acessoriedade da participação, uma vez

que, para existir participação punível, afigura-se imprescindível que o autor ao menos tenha
dado início à prática de um fato típico e ilícito.

74
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Essa regra, no entanto, comporta exceção, insculpida na expressão “salvo disposição

em contrário”, que consta no art. 31 do CP.

Com efeito, há situações expressamente previstas em lei em que o ajuste, a

determinação, instigação ou auxílio são tipificados como crimes autônomos, como, por

exemplo, nos crimes de incitação ao crime (CP, art. 286) e de associação criminosa (CP, art.

288). Nesses casos, basta, respectivamente, a incitação ao crime e a associação de três ou

mais pessoas com a finalidade de praticarem crimes para a tipificação da conduta,

independentemente se os crimes objeto da incitação ou da associação vierem a ser

praticados.

5.3.3.3. Participação posterior ao crime


A participação em concurso de pessoas exige que a conduta acessória tenha sido

praticada antes ou durante a execução do delito. Isso porque, diante do caráter de

acessoriedade, a participação do agente deve contribuir para o crime praticado pelo

executor até a fase da consumação.

Se a contribuição do partícipe for posterior à consumação do crime, pode configurar,

conforme o caso, o crime de favorecimento pessoal (CP, art. 348) ou real (CP, art. 349),

dentre outros.
E aqui cabe uma ressalva. Pode ser que a conduta do partícipe se limite a encorajar

ou influenciar o executor a praticar o delito, vindo a ter proveito somente após a

consumação do delito. Nesse caso, o partícipe responderá pelo crime praticado pelo autor,

uma vez que sua contribuição, no sentido de influenciar, instigar, encorajar, ocorreu antes

da consumação do delito.

Contextualizando a situação: Imaginemos que uma pessoa estimule o agente a

praticar o crime de furto de um veículo, sob a promessa de que ficaria com o automóvel,

mediante pagamento em dinheiro. Nesse caso, aquele que estimulou responderá,

juntamente com o autor, pelo crime de furto qualificado, uma vez que sua contribuição foi

anterior à consumação do delito.

75
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Se, eventualmente, sua conduta se restringir a atos praticados posteriormente à

consumação do delito, o agente não responderá pelo crime praticado pelo autor, podendo,

conforme o caso, responder por delito autônomo. É o caso do sujeito que, sem qualquer

contribuição anterior, adquire o veículo subtraído sabendo ser produto de furto.

Evidentemente não responderá pelo crime de furto, mas de receptação, previsto no art. 180

do CP, já que sua atuação ocorreu após a consumação do delito de furto.

Para todos verem: esquema

AUTOR executa a
ação descrita no
verbo nuclear do
≠ PARTÍCIPE NÃO EXECUTA AÇÃO
DESCRITA NO VERBO
NUCLEAR DO TIPO

tipo:
FORMAS
TEORIA
RESTRITIVA

MORAL MATERIAL

INDUZIR; AUXILIAR
INSTIGAR

5.4. Punibilidade do concurso de pessoas


5.4.1. Participação de menor importância – Art. 29, §1º
A participação aqui referida diz respeito exclusivamente ao partícipe. Isso porque,

ainda que tenha sido pequena, a contribuição do coautor não pode ser considerada de

menor importância, uma vez que atuou diretamente na execução do crime. A sua

culpabilidade, naturalmente superior à de um simples partícipe, será avaliada nos termos

76
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

do art. 29, caput, do CP, e a pena a ser fixada obedecerá aos limites abstratos previstos pelo

tipo penal infringido.

O partícipe que houver tido “participação de menor importância” poderá ter sua pena

reduzida de um sexto a um terço, nos termos do art. 29, § 1º.

Trata-se, pois, de uma causa de diminuição da pena.

5.4.2. Da cooperação dolosamente distinta ou desvios subjetivo entre os


participantes – Art. 29, § 2º
O agente que desejava praticar um delito, sem a condição de prever a concretização

de crime mais grave, deve responder pelo que pretendeu fazer, não se podendo a ele

imputar outra conduta indesejada, sob pena de se estar tratando de responsabilidade

objetiva.

Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que

o pretendido pelo partícipe ou coautor.

EXEMPLO:

“A” determina “B” a espancar “C”. “B” mata “C”. Segundo o art. 29, § 2º, “A”
responde por crime de lesão corporal, cuja pena deve ser aumentada até metade
se a morte da vítima lhe era previsível.

De fato, a solução dada pelo CP leva à punição de “A” pelo delito de lesões corporais,

que foi o crime desejado, cuja pena será elevada até a metade se o homicídio for previsível.

77
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Para todos verem: esquema

PARTICIPAÇÃO DE COOPERAÇÃO
MENOR IMPORTÂNCIA DOLOSAMENTE DISTINTA

Autor comete delito


Exclusivamente ao mais grave que o
partícipe pretendido pelo
partícipe ou coautor

Aumenta-se até a
metade, na hipótese
Causa de diminuição
de ter sido previsível
de pena de 1/6 a 1/3
o resultado mais
grave.

5.5. Comunicabilidade das elementares e circunstâncias do crime


Via de regra, as circunstâncias e condições pessoais relacionadas a um dos agentes

não se comunica aos outros que contribuíram para a prática delituosa.

Todavia, há determinadas circunstâncias ou condições pessoais que compõem,

integram o tipo penal, figurando, no caso, como verdadeira elementar no tipo penal. Nesse

caso, quando também constituem o tipo penal, ou seja, figuram como elementares do tipo

penal, as circunstâncias ou condições pessoais relacionadas a um dos sujeitos se

comunicam aos demais coautores ou partícipes.

EXEMPLO:

“A”, funcionário público, comete um crime de peculato (art. 312), com a


participação de “B”, não funcionário público. A condição pessoal (funcionário
público) é elementar do crime de peculato, comunicando-se, portanto, ao agente
que não é funcionário público. Logo, os dois respondem por crime de peculato.

78
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

De outro lado, as circunstâncias objetivas alcançam o partícipe ou coautor se, sem

haver praticado o fato que as constitui, houveram integrado o dolo ou culpa.

EXEMPLO:

“A” instiga “B” a praticar homicídio contra “C”. “B”, para a execução do crime,
emprega asfixia. O partícipe não responde por homicídio qualificado (art. 121, § 2º,
III, 4ª figura), a não ser que o meio de execução empregado pelo autor principal
tenha ingressado na esfera de seu conhecimento.

Conforme ESTEFAM (2010, p. 285), da regra contida no artigo 30 do Código Penal

podem-se extrair duas conclusões:

a) Todas as elementares do crime, objetivas, normativas ou subjetivas, comunicam-

se a todos os agentes (se por eles conhecidas). Assim, por exemplo, a condição de

funcionário público, elementar do crime de peculato (CP, art. 312), estende-se ao coautor

ou partícipe que não ostente tal qualidade, fazendo com que ele, embora particular,

responda pelo delito.


b) As circunstâncias da infração penal comunicam-se apenas quando objetivas (e

forem conhecidas pelos demais concorrentes). Por esse motivo, o emprego de arma por

um dos agentes no crime de roubo provoca, com relação a todos, a incidência da causa de

aumento de pena daí decorrente (CP, art. 157, § 2º, I). Se subjetivas, serão incomunicáveis.

EXEMPLO:

O motivo egoístico, que qualifica o crime de dano (CP, art. 163, parágrafo único,
IV, primeira figura), não se comunica aos demais concorrentes que tenham
colaborado com o fato por outros motivos.

79
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Para todos verem: esquema

11) (QUESTÃO 01 – IX EXAME)

Raimundo, já de posse de veículo automotor furtado de concessionária, percebe que não

tem onde guardá-lo antes de vendê-lo para a pessoa que o encomendara. Assim, resolve

ligar para um grande amigo seu, Henrique, e após contar toda sua empreitada, pede-lhe

que ceda a garagem de sua casa para que possa guardar o veículo, ao menos por aquela

noite. Como Henrique aceita ajudá-lo, Raimundo estaciona o carro na casa do amigo. Ao

raiar do dia, Raimundo parte com o veículo, que seria levado para o comprador.

Considerando as informações contidas no texto responda, justificadamente, aos itens a


seguir.

A) Raimundo e Henrique agiram em concurso de agentes? (Valor: 0,75)

B) Qual o delito praticado por Henrique? (Valor: 0,50)

80
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

12) (QUESTÃO 01 – XXIX EXAME)

Caio e Bruno são irmãos e estão em dificuldades financeiras. Caio, que estava sozinho em

seu quarto, verifica que a janela da casa dos vizinhos está aberta; então, ingressa no local e

subtrai um telefone celular avaliado em R$500,00. Ao mesmo tempo, apesar de não saber

da conduta de seu irmão, Bruno percebe que a porta da residência dos vizinhos também

ficou aberta. Tendo conhecimento que os proprietários eram um casal de empresários

muito rico, ingressa no local e subtrai uma bolsa, avaliada em R$ 450,00.

Os fatos são descobertos dois dias depois, e Bruno e Caio são denunciados pelo crime de

furto qualificado (Art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal), sendo acostadas as Folhas de

Antecedentes Criminais (FAC), contendo, cada uma delas, outra anotação pela suposta

prática de crime de estelionato, sem, contudo, haver condenação com trânsito em julgado

em ambas.
Após instrução, a pretensão punitiva do Estado é julgada procedente, sendo aplicada pena

mínima de 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, em regime inicial aberto, devidamente

substituída por restritiva de direitos.


Com base nas informações expostas, intimado(a) para apresentação de recurso,

responda, na condição de advogado(a) de Caio e Bruno, aos itens a seguir.

A) Existe argumento de direito material a ser apresentado para questionar a capitulação

jurídica apresentada pelo Ministério Público e acolhida na sentença? (Valor: 0,60)

B) Mantida a capitulação acolhida na sentença (Art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal),
existe argumento em busca da redução da pena aplicada? (Valor: 0,65)

O(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal

não confere pontuação.

13) (QUESTÃO 3 – XIX EXAME)

Sabendo que Vanessa, uma vizinha com quem nunca tinha conversado, praticava diversos

furtos no bairro em que morava, João resolve convidá-la para juntos subtraírem R$ 1.000,00

de um cartório do Tribunal de Justiça, não contando para ela, contudo, que era funcionário

81
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

público e nem que exercia suas funções nesse cartório. Praticam, então, o delito, e Vanessa

fica surpresa com a facilidade que tiveram para chegar ao cofre do cartório. Descoberto o

fato pelas câmeras de segurança, são os dois agentes denunciados, em 10 de março de

2015, pela prática do crime de peculato. João foi notificado e citado pessoalmente,

enquanto Vanessa foi notificada e citada por edital, pois não foi localizada em sua

residência. A família de Vanessa constituiu advogado e o processo prosseguiu, mas dele a

ré não tomou conhecimento. Foi decretada a revelia de Vanessa, que não compareceu aos

atos processuais. Ao final, os acusados foram condenados pela prática do crime previsto

no Art. 312 do Código Penal à pena de 02 anos de reclusão. Ocorre que, na verdade,

Vanessa estava presa naquela mesma Comarca, desde 05 de março de 2015, em razão de

prisão preventiva decretada em outros dois processos. Ao ser intimada da sentença, ela
procura você na condição de advogado(a). Considerando a hipótese narrada, responda
aos itens a seguir.

A) Qual argumento de direito processual poderia ser apresentado em favor de Vanessa

em sede de apelação? Justifique. (Valor: 0,65)

B) No mérito, foi Vanessa corretamente condenada pela prática do crime de peculato?

Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o mero “sim” ou “não”, desprovido de justificativa ou mesmo com a indicação de

justificativa inaplicável ao caso, não será pontuado.

82
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Efeitos da sentença condenatória

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

6.1. Nota introdutória


Após a prática de um fato típico, ilícito e sendo o agente culpável, em tese, instaura-

se uma ação penal, que pode ser pública ou privada. Observando as garantias

constitucionais do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal, objetiva-se

chegar ao final e, se comprovada a materialidade e a autoria, o Estado, por meio do Poder

Judiciário, aplicar uma sentença ou acórdão condenatório, com a fixação de uma pena.

Essa sentença condenatória, ao transitar em julgado, naturalmente gera efeitos que,


direta ou indiretamente, atingem o condenado. Os efeitos não são apenas na esfera penal,

mas também em outras áreas do direito, como cível, administrativa, eleitoral, por exemplo.

Os efeitos da condenação são divididos em principais e secundários:

6.2. Efeitos principais


Como corolário lógico da sentença penal condenatória, o efeito principal consiste na
aplicação de uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e/ou multa, além de

medida de segurança, no caso de agente semi-imputável que revela periculosidade.

6.3. Efeitos secundários


Além dos efeitos principais, a sentença condenatória gera efeitos secundários,

também denominados efeitos mediatos, acessórios, reflexos ou indiretos, de natureza penal


e extrapenal.

83
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

6.3.1. Efeitos secundários de natureza penal


São inúmeros os efeitos secundários da sentença penal condenatória transitada em

julgado, dentre os quais podem ser destacados os seguintes:

a) gerar a reincidência (Art. 63 do CP);

b) configuração de maus antecedentes, se não utilizada para fins de reincidência;

c) fixação do regime inicial fechado na hipótese de prática de novo crime, ressalvada

a hipótese da Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça ;

d) vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos na

hipótese de prática de novo crime, ressalvada a hipótese do artigo 44, § 3º, do Código

Penal;

e) vedação da concessão da suspensão condicional da pena em relação ao novo

crime (Art. 77, inciso I, do CP), e revogação da “sursis” (Art. 81, inciso I, e § 1º, do CP);

f) causa de revogação do livramento condicional (Arts. 86 e 87, ambos do CP);

g) aumento e interrupção do prazo da prescrição da pretensão executória, quando

reconhecida a reincidência pela prática de outro crime (Arts. 110, caput, e 117, inciso VI,

ambos do CP);

h) vedação da concessão da transação penal e da suspensão condicional do

processo, em relação ao novo crime (Arts. 76, § 2º, inciso I, e 89, caput, ambos da Lei nº
9.099/95).

6.3.2. Efeitos secundários de natureza extrapenal


Além de gerar efeitos penais, a sentença penal condenatória transitada em julgado

gera efeitos extrapenais, ou seja, em outras áreas do direito, como na esfera cível,

administrativa, trabalhista, eleitoral, etc.

Esses efeitos se dividem em genéricos e específicos:


Os efeitos genéricos incidem sobre todos os crimes e estão previstos no artigo 91

do Código Penal, consistentes em reparar o dano e confisco. Incidem de forma automática,

84
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

não sendo necessário, portanto, o juiz declarar na sentença. É o que se extrai, a contrario

sensu, do disposto no artigo 92, parágrafo único, do Código Penal.

Os efeitos específicos são aqueles previstos no artigo 92 do Código Penal. Nos

termos do artigo 92, parágrafo único, do Código Penal, esses efeitos não incidem de forma

automática, devendo o juiz declará-los motivadamente na sentença.

6.3.2.1. Efeitos genéricos


a) Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime

Nos termos do artigo 91, inciso I, do Código Penal, constitui efeito da sentença penal

condenatória “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. Trata-se

de efeito automático decorrente da sentença penal condenatória, já que meramente

declaratória no tocante à indenização civil, não sendo necessário mandamento expresso no

sentido de o réu reparar o dano resultante do crime.

A sentença penal condenatória transitada em julgado permite à vítima promover a

ação de execução ex delicto, nos termos do artigo 63 do Código de Processo Penal, já que

constitui título executivo judicial, conforme prevê o artigo 515, inciso I, do Código de

Processo Civil de 2015.

Assim, transitada em julgado a sentença penal condenatória a sua execução no juízo


cível visa tão somente estabelecer o quantum da reparação do dano, não sendo, portanto,

objeto de discussão o mérito da causa.

b) A perda em favor da união, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de

boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico,

alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito

É a hipótese do confisco como efeito da condenação, previsto no artigo 91, inciso II,

do Código Penal. Trata-se da perda em favor da União de bens de origem ilícita, decorrente

do delito praticado.

Constitui efeito automático da sentença penal condenatória transitada em julgado,

não sendo, pois, necessário que o juiz declare expressamente na sentença.

85
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

c) Confisco alargado

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) introduziu mais um efeito da sentença

penal condenatória.

Nos termos do artigo 91-A do Código Penal, na hipótese de condenação por infrações

às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser

decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à

diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o

seu rendimento lícito.

Para efeito da perda prevista no caput do referido artigo, entende-se por patrimônio

do condenado todos os bens:

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício

direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e


II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a

partir do início da atividade criminal.

O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a

procedência lícita do patrimônio.

A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério

Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.

Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e

especificar os bens cuja perda for decretada.

Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e

milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da

Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das
pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o

cometimento de novos crimes.

6.3.2.2. Efeitos específicos


a) A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo

86
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

O artigo 92, inciso I, do Código Penal, prevê duas hipóteses de perda de cargo,

função ou mandato eletivo como efeito da sentença penal condenatória:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano,

nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração

Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)

anos nos demais casos.

A primeira hipótese pode incidir quando o funcionário público praticar o delito no

exercício das suas funções ou em razão dela, e a pena privativa de liberdade seja aplicada

por tempo igual ou superior a um ano.

Não se tratando de crime funcional, a perda do cargo, função pública ou mandato

eletivo poderá incidir quando a pena aplicada for igual ou superior a quatro anos.
Esse efeito, no entanto, não é automático, ou seja, exige para sua incidência que o

juiz declare expressamente em decisão motivada (Art. 92, parágrafo único, do CP).

b) A incapacidade para o exercício do pátrio poder (poder familiar), tutela ou

curatela

Além do vínculo entre autor do fato e a vítima, a incidência do efeito específico

consistente na incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, depende

de duas condições: a) que o crime seja doloso; b) que seja cominada pena de reclusão.

Esse efeito não é automático, devendo ser declarado na sentença em decisão

motivada, conforme se extrai do artigo 92, parágrafo único, do Código Penal. Assim,

cumpre ao Magistrado, no caso concreto, avaliar a necessidade da imposição da

incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela. Exemplo: pai

condenado pela prática do crime estupro de vulnerável (Art. 217-A do CP) contra filha de

tenra idade.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

c) A inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática

de crime doloso.

A aplicação desse efeito específico depende de dois requisitos: a) que o crime seja

doloso; b) que o veículo tenha sido utilizado “como meio” para a sua prática. Logo, não

incide esse efeito no caso de crime culposo.

88
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Descriminantes putativas

Prof. Nidal Ahmad


@prof.nidal

7.1. Conceito
É a causa excludente da ilicitude erroneamente imaginada pelo agente. Ela não existe

na realidade, mas o sujeito pensa que sim, porque está errado. Só existe, portanto, na

mente, na imaginação do agente. Por essa razão, é também conhecida como descriminante

imaginária ou erroneamente suposta.


Logo, é possível que o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias

do caso concreto, suponha encontrar-se em estado de necessidade, legítima defesa, estrito


cumprimento do dever legal ou em exercício regular do direito. Quando isso ocorre, aplica-

se o disposto no art. 20, § 1º, 1ª parte.

7.2. Espécies
A) Descriminante putativa por erro de tipo

É um erro de tipo essencial incidente sobre elementares de um tipo permissivo. Os


tipos permissivos são aqueles que permitem a realização de condutas inicialmente

proibidas. Compreendem os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude. São

espécies de tipo permissivo:


Para todos verem: esquema

Legítima defesa

Estado de necessidade

Exercício regular do direito

Estrito cumprimento do dever legal

89
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Ocorrerá um erro de tipo permissivo quando o agente, erroneamente, imaginar uma

situação de fato totalmente diversa da realidade, em que estão presentes os requisitos de

uma causa de justificação.

Assim, por exemplo, se o agente praticar uma conduta supondo estar diante de uma

agressão injusta, mas, que na verdade, não existe. Trata-se de legítima defesa putativa.

O agente pratica uma conduta supondo estar numa situação de perigo, que, na

verdade, não existe. Trata-se de estado de necessidade putativo.

Os efeitos são os mesmos do erro de tipo, já que a descriminante putativa por erro

de tipo não é outra coisa senão erro de tipo essencial incidente sobre tipo permissivo.

Assim, se o erro for vencível, o agente responde por crime culposo, já que o dolo

será excluído, da mesma forma como sucede com o erro de tipo propriamente dito; se o

erro for inevitável, excluir-se-ão o dolo e a culpa e não haverá crime.


Cuidando-se de erro invencível, há exclusão do dolo e culpa.

Tratando-se de erro vencível, responde o sujeito por crime culposo, se prevista a

modalidade culposa. Provando-se que o sujeito não foi diligente no verificar as

circunstâncias do fato, responde por crime de homicídio culposo (art. 20, § 1º, CP).

B) Descriminante putativa por erro de proibição

O agente tem perfeita noção de tudo o que está ocorrendo. Não há qualquer engano

acerca da realidade. Não há erro sobre a situação de fato. Ele supõe que está diante da

causa que exclui o crime, porque avalia equivocadamente a norma: pensa que esta permite,

quando, na verdade, ela proíbe; imagina que age certo, quando está errado; supõe que o

injusto é justo.
O sujeito imagina estar em legítima defesa, estado de necessidade etc., porque

supõe estar autorizado e legitimado pela norma a agir em determinada situação.

Exemplo: uma pessoa de idade avançada recebe um violento tapa em seu rosto,

desferido por um jovem atrevido. O idoso tem perfeita noção do que está acontecendo,

sabe que seu agressor está desarmado e que o ataque cessou. Não existe, portanto,

90
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

qualquer equívoco sobre a realidade concreta. Nessa situação, no entanto, imagina-se

equivocadamente autorizado pelo ordenamento jurídico a matar aquele que o humilhou,

atuando, assim, em legítima defesa de sua honra.

Ocorre aqui uma descriminante (a legítima defesa é causa de exclusão da ilicitude)

putativa (imaginária, já que não existe no mundo real) por erro de proibição (pensou que a

conduta proibida fosse permitida). No exemplo dado, a descriminante, no caso a legítima

defesa, foi putativa, pois só existe na mente do homicida, que imaginou que a lei lhe tivesse

permitido matar. Essa equivocada suposição foi provocada por erro de proibição, isto, por

erro sobre a ilicitude da conduta praticada.

As consequências dessa descriminante putativa encontram-se no art. 21 do CP e são

as mesmas do erro de proibição direto ou propriamente dito.


O dolo não pode ser excluído, porque o engano incide sobre a culpabilidade e não
sobre a conduta (por isso, erro de proibição). Se o erro for inevitável, o agente terá

cometido um crime doloso, mas não responderá por ele; se evitável, responderá pelo crime

doloso com pena diminuída de 1/6 a 1/3.

7.3. Consequências
No contexto das descriminantes putativas, aplica-se a teoria limitada da
culpabilidade.

Pela teoria limitada da culpabilidade, quando a descriminante putativa incidir sobre

pressupostos de uma situação de fato (exemplo: o agente imaginar que está diante de

uma injusta agressão, mas que era imaginária. Supor que o desafeto iria sacar uma arma,

quando, na verdade, era um celular), o efeito em relação à conduta do agente é o mesmo

do erro de tipo (art. 20, CP): Se o erro foi invencível, exclui o dolo e a culpa; se vencível,

exclui o dolo, mas o agente responde pelo delito culposo, se previsto em lei. Para Cleber

Masson, “acarreta a atipicidade do fato, pois no finalismo o dolo e a culpa compõem a

estrutura da conduta. Sem eles não há conduta, e sem conduta o fato é atípico”.

91
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Agora, se a descriminante putativa recair sobre pressupostos os limites legais das

excludentes, ou seja, apesar de conhecer a situação de fato, ignora a ilicitude do

comportamento (supõe ser comportamento lícito), o efeito será o mesmo do erro de

proibição: se inevitável, o agente será isento de pena; se evitável, o agente responde pelo

delito, mas terá a pena reduzida (art. 21, CP). Exemplo: um senhor de idade recebe um soco

de um jovem rapaz e acredita estar autorizado a revidar, lesionando-o gravemente por conta

do desaforo. O senhor sabe exatamente o que está fazendo, mas ignora que sua conduta

será ilícita (que, no caso, não se trata de hipótese de legítima defesa). É o caso das

descriminantes putativas por erro de proibição.

14) (QUESTÃO 4 - XXVII EXAME)

Revoltada com o fato de que sua melhor amiga Clara estaria se relacionando com seu ex-
companheiro João, Maria a procurou e iniciou uma discussão.

Durante a discussão, Clara, policial militar, afirmou que, se Maria a xingasse novamente, ela

a mataria gastando apenas uma munição da sua arma. Persistindo na discussão, Maria

voltou a ofender Clara. Esta, então, abriu sua bolsa e pegou um bem de cor preta.

Acreditando que Clara cumpriria sua ameaça, Maria desferiu um golpe na cabeça da rival,

utilizando um pedaço de pau que estava no chão. A perícia constatou que o golpe foi a

causa eficiente da morte de Clara. Posteriormente, também foi constatado que Clara, de

fato, estava com sua arma de fogo na bolsa, mas que ela apenas pegara seu telefone celular

para ligar para João.

Após denúncia pela prática do crime de homicídio qualificado e encerrada a instrução da

primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, entendeu o magistrado por pronunciar

Maria nos termos da inicial acusatória.

Com base nas informações expostas, responda, na condição de advogado(a) de Maria,

aos itens a seguir.

A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado? Caso tivesse ocorrido

a impronúncia, o recurso pela parte interessada seria o mesmo? Justifique. (Valor: 0,65)

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

B) Qual a tese de direito material a ser apresentada em sede de recurso para combater

a decisão de submeter a ré ao julgamento pelo Tribunal do Júri? Justifique. (Valor: 0,60)

15) (QUESTÃO 1 - VI EXAME)

Ao chegar a um bar, Caio encontra Tício, um antigo desafeto que, certa vez, o havia

ameaçado de morte. Após ingerir meio litro de uísque para tentar criar coragem de abordar

Tício, Caio partiu em sua direção com a intenção de cumprimentá-lo. Ao aproximar-se de

Tício, Caio observou que seu desafeto bruscamente pôs a mão por debaixo da camisa,

momento em que achou que Tício estava prestes a sacar uma arma de fogo para vitimá-lo.

Em razão disso, Caio imediatamente muniu-se de uma faca que estava sobre o balcão do

bar e desferiu um golpe no abdome de Tício, o qual veio a falecer. Após análise do local por

peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, descobriu-se que Tício estava tentando
apenas pegar o maço de cigarros que estava no cós de sua calça.
Considerando a situação acima, responda aos itens a seguir, empregando os

argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

A) Levando-se em conta apenas os dados do enunciado, Caio praticou crime? Em caso

positivo, qual? Em caso negativo, por que razão? (Valor: 0,65)

B) Supondo que, nesse caso, Caio tivesse desferido 35 golpes na barriga de Tício, como

deveria ser analisada a sua conduta sob a ótica do Direito Penal? (Valor: 0,60)

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Direito Penal

PADRÃO DE RESPOSTAS

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Direito Penal

1) (QUESTÃO 2 - V EXAME)

Joaquina, ao chegar à casa de sua filha, Esmeralda, deparou-se com seu genro, Adaílton,

mantendo relações sexuais com sua neta, a menor F.M., de 12 anos de idade, fato ocorrido

no dia 2 de janeiro de 2011. Transtornada com a situação, Joaquina foi à delegacia de polícia,

onde registrou ocorrência do fato criminoso. Ao término do Inquérito Policial instaurado

para apurar os fatos narrados, descobriu-se que Adaílton vinha mantendo relações sexuais

com a referida menor desde novembro de 2010. Apurou-se, ainda, que Esmeralda, mãe de

F.M., sabia de toda a situação e, apesar de ficar enojada, não comunicava o fato à polícia

com receio de perder o marido que muito amava.

Na condição de advogado(a) consultado(a) por Joaquina, avó da menor, responda aos


itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação

legal pertinente ao caso.


A) Adaílton praticou crime? Em caso afirmativo, qual? (Valor: 0,3)

B) Esmeralda praticou crime? Em caso afirmativo, qual? (Valor: 0,5)

C) Considerando que o Inquérito Policial já foi finalizado, deve a avó da menor oferecer

queixa-crime? (Valor: 0,45)

GABARITO COMENTADO

A) Sim. Estupro de vulnerável, conduta descrita no art. 217-A do CP.

B) Sim. Esmeralda também praticou estupro de vulnerável (artigo 217-A do CP c/c artigo 13,

§2º, “a”, do CP), uma vez que tinha a obrigação legal de impedir o resultado, sendo

garantidora da menor.
C) Não, pois se trata de ação penal pública incondicionada, nos termos do art. 225,

parágrafo único, do CP.

Observação: A Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018 trouxe importantes mudanças em

relação aos crimes contra a dignidade sexual. Agora a ação penal pública

incondicionada é a regra para os crimes contra a liberdade sexual e os crimes sexuais

95
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

contra vulnerável (arts. 213 a 218-C) e está prevista no artigo 225, caput, do Código

Penal.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) Sim. Estupro de vulnerável (0,2) – art. 217-A do CP (0,1) 0 / 0,1 / 0,2 / 0,3
B) Sim. Estupro de vulnerável (0,3) – artigo 217-A do CP c/c artigo 13, §2º, “a”, do
CP OU era garantidora (0,2). 0 / 0,3 / 0,5
Não pontua só artigo ou fundamento isolados.
C) Não, por se tratar de ação penal pública incondicionada (0,35). Art. 225,
0 / 0,35 / 0,45
parágrafo único, do CP (0,1).

2) (QUESTÃO 04 – X EXAME)

Erika e Ana Paula, jovens universitárias, resolvem passar o dia em uma praia paradisíaca e,

de difícil acesso (feito através de uma trilha), bastante deserta e isolada, tão isolada que não

há qualquer estabelecimento comercial no local e nem mesmo sinal de telefonia celular. As

jovens chegam bastante cedo e, ao chegarem, percebem que além delas há somente um

salva-vidas na praia. Ana Paula decide dar um mergulho no mar, que estava bastante calmo

naquele dia. Erika, por sua vez, sem saber nadar, decide puxar assunto com o salva-vidas,
Wilson, pois o achou muito bonito. Durante a conversa, Erika e Wilson percebem que têm

vários interesses em comum e ficam encantados um pelo outro. Ocorre que, nesse intervalo

de tempo, Wilson percebe que Ana Paula está se afogando. Instigado por Erika, Wilson

decide não efetuar o salvamento, que era perfeitamente possível. Ana Paula, então, acaba

morrendo afogada.

Nesse sentido, atento(a) apenas ao caso narrado, indique a responsabilidade jurídico-

penal de Erika e Wilson. (Valor: 1,25)

O examinando deve fundamentar corretamente sua resposta. A simples menção ou

transcrição do dispositivo legal não pontua.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

GABARITO COMENTADO

Segundo os dados narrados na questão, Wilson, por ser salva-vidas, tem o dever legal de

agir para evitar o resultado e, naquele momento, podia perfeitamente agir. Assim, trata-se

de agente garantidor. Nesse caso, responde por delito comissivo por omissão, qual seja,

homicídio doloso praticado via omissão imprópria: art. 121 c/c art. 13, § 2º, alínea 'a', ambos

do CP. Erika, por sua vez, por ter instigado Wilson a não realizar o salvamento de Ana Paula,

responde como partícipe de tal homicídio, nos termos do art. 29 do CP. Não há que se falar

em omissão de socorro por parte de Erika, pois, conforme dados expressos no enunciado,

ela não sabia nadar e nem tinha como chamar por ajuda.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
Wilson, por ser agente garantidor (0,30) /responde pelo delito de homicídio
0,00/0,30/0,60/0,90
(0,30) / praticado via omissão imprópria. (0,30)
Erika responde como partícipe de tal homicídio (0,35). 0,00/0,35

3) (QUESTÃO 03 – EXAME 2010-02)

Pedro, almejando a morte de José, contra ele efetua disparo de arma de fogo, acertando-o

na região toráxica. José vem a falecer, entretanto, não em razão do disparo recebido, mas

porque, com intenção suicida, havia ingerido dose letal de veneno momentos antes de

sofrer a agressão, o que foi comprovado durante instrução processual. Ainda assim, Pedro

foi pronunciado nos termos do previsto no artigo 121, caput, do Código Penal.

Na condição de Advogado de Pedro:

Indique o recurso cabível;

O prazo de interposição;

A argumentação visando à melhoria da situação jurídica do defendido. Indique, ainda, para

todas as respostas, os respectivos dispositivos legais.

97
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

GABARITO COMENTADO

I – Recurso em sentido estrito, nos termos do artigo 581, IV, do Código de Processo Penal.

(0,2)

II – 5 dias, nos termos do artigo 586, do Código de Processo Penal. (0,2)

III – deveria ser requerida a desclassificação do crime consumado para tentado, já que a

ação de Pedro não deu origem a morte de José. Trata-se de hipótese de concausa

absolutamente independente pré-existente. (0,4)

Artigo 13 do Código Penal. (0,2)

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS


ITEM PONTUAÇÃO
Recurso em sentido estrito (art. 581, IV, CPP) 0/0,2

5 dias (art. 586, CPP) 0/0,2

Consumado para tentado (art. 13 CP) 0/0,2/0,4/0,6

4) (QUESTÃO 1 – XXI EXAME)

Paulo e Júlio, colegas de faculdade, comemoravam juntos, na cidade de São Gonçalo, o

título obtido pelo clube de futebol para o qual o primeiro torce. Não obstante o clima de
confraternização, em determinado momento, surgiu um entrevero entre eles, tendo Júlio

desferido um tapa no rosto de Paulo. Apesar da pouca intensidade do golpe, Paulo vem a

falecer no hospital da cidade, tendo a perícia constatado que a morte decorreu de uma

fatalidade, porquanto, sem que fosse do conhecimento de qualquer pessoa, Paulo tinha

uma lesão pretérita em uma artéria, que foi violada com aquele tapa desferido por Júlio e

causou sua morte. O órgão do Ministério Público, em atuação exclusivamente perante o

Tribunal do Júri da Comarca de São Gonçalo, denunciou Júlio pelo crime de lesão corporal

seguida de morte (Art. 129, § 3º, do CP). Considerando a situação narrada e não havendo

dúvidas em relação à questão fática, responda, na condição de advogado(a) de Júlio:

A) É competente o juízo perante o qual Júlio foi denunciado? Justifique. (Valor: 0,65)

98
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

B) Qual tese de direito material poderia ser alegada em favor de Júlio? Justifique. (Valor:

0.60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal

não confere pontuação.

GABARITO COMENTADO

A) O(A) examinando(a) deve concluir pela incompetência do Juízo, tendo em vista que o

crime praticado não é doloso contra a vida. Nos termos do Art. 74, § 1º, do Código de

Processo Penal (ou Art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da CRFB), ao Tribunal do Júri cabe apenas

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os conexos. No caso, mesmo de acordo

com a imputação contida na denúncia, o resultado de morte foi culposo; logo, a

competência é do juízo singular.


B) O(A) examinando(a) deve defender que não poderia Júlio responder pelo crime de lesão

corporal seguida de morte, porque aquele resultado não foi causado a título de dolo nem

culpa. O crime de lesão corporal seguida de morte é chamado de preterdoloso. A ação é

dirigida à produção de lesão corporal, sendo o resultado morte produzido a título de culpa.

Costuma-se dizer que há dolo no antecedente e culpa no consequente. Um dos elementos

da culpa é a previsibilidade objetiva, somente devendo alguém ser punido na forma culposa

quando o resultado não querido pudesse ser previsto por um homem médio, sendo que a

ausência de previsibilidade subjetiva, capacidade do agente, no caso concreto, de prever

o resultado, repercute na culpabilidade.


Na hipótese, não havia previsibilidade objetiva, o que impede a tipificação do delito de lesão

corporal seguida de morte. Também poderia o candidato responder que havia uma

concausa preexistente, relativamente independente, desconhecida, impedindo Júlio de

responder pelo resultado causado. Em princípio, a concausa relativamente independente

preexistente não impede a punição do agente pelo crime consumado. Contudo, deve ela

ser conhecida do agente ou ao menos existir possibilidade de conhecimento, sob pena de

responsabilidade penal objetiva.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) O Tribunal do Júri não é o juízo competente, pois o crime imputado não é doloso
contra a vida (0,55), nos termos do Art. 74, § 1º, do CPP OU do Art. 5º, inciso XXXVIII, 0,00 / 0,55 / 0,65
da CRFB/88. (0,10)
B) Júlio não poderia responder pelo resultado morte (0,25), nem mesmo a título de
culpa, em razão da ausência de previsibilidade OU porque existe causa relativamente
independente preexistente desconhecida OU porque a atribuição do resultado
violaria o princípio da vedação da responsabilidade objetiva (0,35). 0,00 / 0,25 /
0,35 / 0,60
Obs.: A mera repetição do enunciado no sentido de que o resultado decorreu de uma
fatalidade em razão de lesão em artéria desconhecida, sem qualquer fundamentação
jurídica, não é suficiente para atribuição do segundo intervalo de pontuação.

5) Durante uma grave discussão, ocorrida no serviço, Licurgo Moicano agrediu Coitinho

Lelo com uma paulada na cabeça, com a intenção de matá-lo. Atendido com rapidez,

Coitinho Lelo foi colocado dentro de uma ambulância que rumou para o Pronto Socorro

Municipal. No trajeto, a ambulância capotou, vindo Coitinho Lelo a falecer em razão do

acidente. Diante do fato e à luz do ordenamento jurídico penal, responda se Licurgo

Moicano deve ser responsabilizado penalmente? Em caso afirmativo, indique qual o

crime, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal

pertinente ao caso.

GABARITO COMENTADO

O estudante deverá indicar que o crime praticado foi o de tentativa de homicídio,

ressaltando que o caso trata de hipótese de causa superveniente relativamente

independente, enfatizando, ainda, o artigo 13, § 1º, do Código Penal.

6) (QUESTÃO 4 – XXV EXAME – REAPLICAÇÃO PORTO ALEGRE)


Vitor efetuou disparos de arma de fogo contra José, com a intenção de causar sua morte.

Ocorre que, por erro durante a execução, os disparos atingiram a perna de seu inimigo e

não o peito, como pretendido. Esgotada a munição disponível, Vitor empreendeu fuga,

100
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

enquanto José solicitou a ajuda de populares e compareceu, de imediato, ao hospital para

atendimento médico. Após o atendimento médico, já no quarto com curativos, enquanto

dormia, José vem a ser picado por um escorpião, vindo a falecer no dia seguinte em razão

do veneno do animal, exclusivamente. Descobertos os fatos, considerando que José

somente estava no hospital em razão do comportamento de Vitor, o Ministério Público

oferece denúncia em face do autor dos disparos pela prática do crime de homicídio

consumado, previsto no Art. 121, caput, do Código Penal. Após regular prosseguimento do

feito, na audiência de instrução e julgamento da primeira fase do procedimento do Tribunal

do Júri, quando da oitiva das testemunhas, o magistrado em atuação optou por iniciar a

oitiva das testemunhas formulando diretamente suas perguntas, sem permitir às partes

complementação. Após alegações finais orais das partes, o magistrado proferiu decisão de

pronúncia. Apesar da impugnação da defesa quanto à formulação das perguntas pelo juiz,
o magistrado esclareceu que não importaria quem fez a pergunta, pois as respostas seriam

as mesmas. Com base apenas nas informações narradas, na condição de advogado(a)


de Vitor, responda aos itens a seguir.

A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado e qual argumento de

direito processual pode ser apresentado em busca da desconstituição de tal decisão?

Justifique. (Valor: 0,65)

B) Existe argumento de direito material a ser apresentado, em momento oportuno, para

questionar a capitulação jurídica apresentada pelo Ministério Público? Justifique. (Valor:


0,60)

GABARITO COMENTADO

A) O recurso cabível da decisão de pronúncia é o Recurso em Sentido Estrito, nos termos

do Art. 581, inciso IV, do CPP. Em relação ao argumento de direito processual, deveria o

candidato alegar que houve nulidade durante a instrução probatória, tendo em vista que o

magistrado formulou diretamente perguntas às testemunhas, sendo que o Código de

Processo Penal prevê o sistema de cross examination para oitiva das testemunhas, cabendo

101
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

as partes formularem as perguntas diretamente para as testemunhas, podendo ser

complementados pelo magistrado, na forma do Art. 411 e do Art. 212, ambos do CPP. No

caso, o magistrado formulou diretamente as perguntas, não oportunizou às partes a

complementação e houve devida impugnação em momento adequado. A conduta do juiz

configura cerceamento de defesa, de modo que devem ser anulados todos os atos desde a

instrução.

B) Em relação ao argumento de direito material, deveria a defesa de Vitor questionar a

capitulação jurídica realizada pelo Ministério Público. De fato, Vitor, ao efetuar disparos de

arma de fogo contra José, em direção ao seu peito, tinha a intenção de matá-lo, como o

enunciado deixa claro. Todavia, os disparos de Vitor não foram suficientes para causar a

morte de seu inimigo por circunstâncias alheias à sua vontade, já que os projéteis atingiram

a perna de José. José recebeu atendimento médico e já estava no quarto com curativos.
Posteriormente, José veio a ser mordido por escorpião, sendo que o veneno do animal

causou, exclusivamente, sua morte. Certo é que José só estava no hospital em razão dos

disparos de Vitor, mas houve causa superveniente, relativamente independente, que por si

só causou a morte de José. Diante disso, o resultado fica afastado, mas responde Vitor pelos

atos já praticados, conforme previsão do Art. 13, § 1º, do Código Penal. Assim, por mais que

José tenha falecido, Vitor deveria responder pelo crime de tentativa de homicídio.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO

A1) O recurso cabível da decisão de pronúncia é o Recurso em Sentido Estrito


0,00/0,20/0,30
(0,20), na forma do Art. 581, inciso IV, do CPP (0,10).

A2) O argumento de direito processual a ser apresentado é o de que houve


nulidade com a formulação de perguntas diretas por parte do magistrado, sem
0,00/0,15/0,20/0,35
oportunizar complementação das partes (0,20), o que viola o princípio da ampla
defesa OU o que gera o cerceamento de defesa (0,15).
B) O argumento de direito material é o de que ocorreu causa superveniente
relativamente independente que por si só causou o resultado (0,35), devendo Vitor 0,00/0,15/0,25/0,35/
responder por tentativa de homicídio (0,15), nos termos do Art. 13, § 1º, do CP 0,45/0,50/0,60
(0,10).

102
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

7) (XXV EXAME – REAPLICAÇÃO EM PORTO ALEGRE – TESE PRINCIPAL DA PEÇA)

Breno, nascido em 07 de junho de 1945, na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul,

falsifica uma assinatura em uma folha de cheque e a apresenta em loja de eletrodomésticos

localizada no bairro de sua residência, com a intenção de realizar compras no valor de R$

5.000,00 (cinco mil reais). Após a apresentação do cheque, apesar de a falsificação não ser

grosseira e ser apta a enganar, o gerente do estabelecimento comercial percebe que aquele

cheque não fora assinado pelo verdadeiro correntista do banco, já que o nome que

constava do título de crédito era de um grande amigo seu. Descoberta a fraude, o referido

gerente aciona a polícia, e Breno é preso em flagrante antes de obter a vantagem

pretendida.

Com o recebimento dos autos, o Ministério Público opina pela liberdade de Breno e oferece

denúncia pela prática dos crimes do Art. 171, caput, e Art. 297, § 2º, na forma do Art. 69,
todos do Código Penal. Após concessão da liberdade provisória e recebimento da

denúncia, houve juntada do laudo pericial do cheque, constatando a falsidade e a

capacidade para iludir terceiros, bem como da Folha de Antecedentes Criminais, no qual

consta uma condenação definitiva pela prática, no ano anterior, do crime de homicídio

culposo na direção de veículo automotor, além de uma ação em curso pela suposta prática

de crime de furto.

Durante a instrução, todos os fatos acima descritos são confirmados pelas testemunhas,

não tendo sido o réu interrogado, já que, apesar de intimado, apresentou problemas de

saúde no dia e não pôde comparecer à audiência. Ainda durante a audiência de instrução e

julgamento, após a instrução, as partes apresentaram suas alegações, sendo consignado

pela defesa o inconformismo com a ausência do réu, já que foi apresentado atestado
médico, e, em seguida, o juiz proferiu sentença condenatória nos termos da denúncia,

condenando o agente pela prática dos dois delitos em suas modalidades consumadas. No

momento de fixar a pena-base, aumentou o magistrado a pena do estelionato em 02 meses,

destacando que o comportamento de Breno não deixa qualquer dúvida de que agiu com

dolo. Já a pena do uso de documento falso foi aplicada em seu patamar mínimo. Na segunda

103
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

fase, não foram reconhecidas atenuantes, mas foi reconhecida a agravante da reincidência,

aumentando a pena de cada um dos delitos em mais 02 meses de reclusão. No terceiro

momento, não foram reconhecidas causas de aumento ou de diminuição. Assim, foi fixada

a pena de 01 ano e 04 meses de reclusão e 14 dias-multa, no que tange ao crime de

estelionato, e 02 anos e 02 meses de reclusão e 12 dias-multa para o crime de falsificação

de documento equiparado ao público, restando a pena final em 03 anos e 06 meses de

reclusão e 26 dias-multa. O regime inicial de cumprimento de pena aplicado pelo

magistrado foi o semiaberto e não houve substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direito, tudo fundamentado na reincidência do agente.

Intimado da decisão, o Ministério Público apenas tomou ciência de seu teor, não

apresentando qualquer medida. Já a defesa técnica de Breno foi intimada de seu teor em

06 de dezembro de 2017, quarta-feira, sendo quinta-feira dia útil em todo o país.


Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado(a) de Breno,

redija a peça jurídica cabível, diferente de habeas corpus e embargos de declaração,

apresentando todas as teses jurídicas pertinentes. A peça deverá ser datada no último

dia do prazo para interposição. (Valor: 5,00)

GABARITO COMENTADO

Considerando as informações expostas na questão, deveria o candidato formular um

Recurso de Apelação, na forma do Art. 593, inciso I, do CPP, com elaboração da petição de

interposição acompanhada das respectivas razões recursais. A peça de interposição

deveria ser direcionada para o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre/RS,

enquanto que as razões recursais deveriam ser endereçadas para o Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. A data indicada deveria ser o dia 11 de dezembro de 2017,

tendo em vista o prazo de 05 dias para interposição da apelação.

Em suas razões recursais, inicialmente deveria o advogado buscar o reconhecimento da

nulidade dos atos praticados a partir da audiência de instrução e julgamento e da sentença,

tendo em vista que o ato foi realizado na ausência do réu, que não pode comparecer

104
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

justificadamente, inclusive sendo apresentado atestado médico pela defesa técnica. Dessa

forma, houve violação ao princípio da ampla defesa, em seu elemento autodefesa (direito

de presença), de modo que configurado cerceamento de defesa, pois o réu não foi

interrogado.

Em seguida, como tese principal de mérito, deveria o examinando defender a

impossibilidade de condenação do agente pela prática de dois crimes autônomos, tendo

em vista que a falsificação do cheque foi apenas um meio para prática do crime de

estelionato, de modo que o delito previsto no Art. 297, §2º do Código Penal deveria ser

absorvido pelo delito do Art. 171, caput, do Código Penal.

Em princípio, quando um delito é praticado apenas como meio para a prática de outro

delito, aquele deve ficar absorvido por este, em respeito ao princípio da consunção. Trata-

se de um dos princípios que soluciona o conflito aparente de normas.


Uma das elementares do crime de estelionato é exatamente a fraude, a intenção de

enganar. Quando a fraude é utilizada através da falsificação de um documento cuja

falsidade se exaure no estelionato, o delito autônomo de falsificação ficará absorvido pelo

estelionato, pois aquele foi apenas um crime meio para a prática do mesmo e o potencial

lesivo do crime meio foi exaurido.

Consagrando tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado 17 de sua

Súmula de Jurisprudência, prevendo que “Quando o falso se exaure no estelionato, sem

mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

Na hipótese apresentada, não há dúvidas de que a intenção do agente era praticar um crime

de estelionato. Ademais, o falso no caso (folha de cheque com assinatura falsificada) se


exaure no estelionato, não mais tendo potencialidade lesiva, de modo que o crime do Art.

297, §2º do Código Penal deveria ser absorvido, restando apenas o crime de estelionato.

Ressalta-se ser desnecessário encaminhamento dos autos para análise de proposta de

suspensão condicional do processo, tendo em vista que o réu responde a outros processos,

não preenchendo os requisitos do Art. 89 da Lei nº 9.099/90, não havendo prejuízo, porém,

caso o examinando elabore tal requerimento.

105
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Após, deveria o examinando questionar a pena aplicada em relação ao crime de estelionato,

especialmente.

No momento de fixar a pena base do delito, o magistrado entendeu por aumentá-la, de

acordo com as circunstâncias do Art. 59 do Código Penal, sob o fundamento de que o

denunciado agiu com dolo. Ocorre que o delito de estelionato somente é punido em razão

de comportamento doloso, não havendo previsão de punição em caso de conduta culposa,

de modo que o elemento subjetivo dolo já é inerente ao tipo, não podendo o magistrado

incrementar a pena sob esse fundamento.

Na segunda fase, deveria ter sido reconhecida a atenuante em razão da idade do autor do

fato, tendo em vista que o agente era maior de 70 anos na data da sentença, pois nascido

em 07 de junho de 1945 e a sentença foi proferida no ano de 2017.

Já na terceira fase, deveria ser reconhecida a causa de diminuição de pena da tentativa. Isso
porque o crime de estelionato é delito classificado pela doutrina como sendo de natureza

material, ou seja, existe um resultado naturalístico previsto no tipo e ele precisa ocorrer para

a consumação do crime. Na hipótese apresentada, Breno pretendia pagar suas compras

através de cheque de terceiro, falsificando a assinatura do mesmo. Diante disso, pretendia

obter vantagem patrimonial em prejuízo alheio. Todavia, quando buscava realizar, mediante

fraude, compras no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o gerente do estabelecimento

descobriu o ocorrido e acionou a polícia, permitindo a prisão em flagrante de Breno e

impedindo a consumação do delito. Assim, necessária a aplicação do Art. 14, inciso II, do

Código Penal, com redução da pena aplicada.

Após a dosimetria da pena, deveria o examinando defender a possibilidade de substituição


da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Isso porque a condenação anterior

do agente, em que pese, de fato, configure reincidência, não impede a substituição, uma

vez que o Art. 44 do Código Penal apenas veda a medida para o condenado reincidente na

prática de crime doloso. Na hipótese, a pena aplicada foi inferior a 04 anos e o agente

apenas tinha uma condenação anterior pela prática de crime culposo, logo possível a

substituição.

106
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Caso não acolhido o pleito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos, mesmo que mantida a pena aplicada em primeira instância, caberia o pedido de

suspensão condicional da pena, nos termos do Art. 77, § 2º, do Código Penal, tendo em

vista que a sanção aplicada foi inferior a 04 anos e o réu é maior de 70 anos, logo aplicável

o sursis etário.

Em razão do exposto, deveria o examinando formular o pedido de conhecimento e

provimento do recurso, com os seguintes fundamentos:

a) Reconhecimento de nulidade em razão da ausência do réu em audiência e não realização

de interrogatório;

b) Afastamento do delito autônomo de falsificação de documento equiparado ao público;

c) Aplicação da pena base no mínimo legal, tendo em vista que o dolo é elemento inerente

ao tipo penal;
d) Reconhecimento da atenuante pelo fato de o réu ser maior de 70 anos na data da

sentença;

e) Reconhecimento da causa de diminuição de pena da tentativa;

f) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que

a condenação anterior era por crime culposo.

g) Subsidiariamente, aplicação da suspensão condicional da pena.

O prazo a ser indicado na petição de interposição da apelação era o dia 11 de dezembro de

2017, já que o prazo previsto para a interposição do recurso de apelação é de 05 dias.

No fechamento, deveria o examinando indicar local, data, advogado e OAB.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
Petição de Interposição
1) Endereçamento: Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre/RS (0,10). 0,00/0,10
2) Fundamento legal: Art. 593, inciso I, do Código de Processo Penal (0,10). 0,00/0,10
Razões Recursais
3) Endereçamento: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (0,10). 0,00/0,10
4) Preliminarmente, nulidade dos atos de instrução ou da sentença (0,30) 0,00/0,30

107
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

4.1) porque ocorreu cerceamento de defesa OU porque houve violação ao princípio


0,00/0,15/025
da ampla defesa (0,15), nos termos do Art. 5º, LV, CRFB (0,10).
4.2) porque o réu não pode comparecer ao ato justificadamente e não foi realizado
0,00/0,15
interrogatório OU e o réu não estava presente quando da produção das provas (0,15)
5) No mérito: Absorção do crime de falsificação de documento pelo de estelionato
0,00/0,70/0,80
(0,70), nos termos do Enunciado 17 da Súmula de Jurisprudência do STJ (0,10).
6) Deverá ser aplicado o princípio da consunção (0,15), tendo em vista que se trata
0,00/0,15/0,20/0,35
do crime meio para a prática do crime patrimonial (0,20).
7) Redução da pena base ao mínimo legal (0,40), tendo em vista que o elemento
0,00/0,15/0,40/0,55
subjetivo dolo já é inerente ao tipo (0,15).
8) Reconhecimento de atenuante em razão de o agente ser maior de 70 anos na data
0,00/0,35/0,45
da sentença (0,35), nos termos do Art. 65, inciso I, do CP (0,10).
9) Reconhecimento da tentativa (0,45), tendo em vista que o crime de estelionato é
0,00/0,10/0,45/0,55
de natureza material e não houve obtenção da vantagem ilícita (0,10).
10) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (0,20), tendo
0,00/0,15/0,20/0,25/
em vista que a condenação anterior foi pela prática de crime culposo (0,15), de
0,30/0,35/0,45
acordo com o Art. 44, inciso II, do Código Penal (0,10).
11) Subsidiariamente, aplicação da suspensão condicional da pena (0,15), tendo em
0,00/0,10/0,15/
vista que a pena aplicada foi inferior a 4 anos e o réu era maior de 70 anos OU em
0,20/0,25/0,35
razão do sursis etário (0,10), nos termos do Art. 77, §2º, do Código Penal (0,10)
Pedidos:
12) Conhecimento (0,10) e provimento do recurso (0,20). 0,00/0,10/0,20/0,30
Prazo:
13) 11 de dezembro de 2017 (0,10). 0,00/0,10
Estrutura e Fechamento:
14) local, data, advogado e OAB. (0,10). 0,00/0,10

8) (QUESTÃO 04 – XXII EXAME)

Diego e Júlio caminham pela rua, por volta das 21h, retornando para suas casas após mais

um dia de aula na faculdade, quando são abordados por Marcos, que, mediante grave

ameaça de morte e utilizando simulacro de arma de fogo, exige que ambos entreguem as

mochilas e os celulares que carregavam. Após os fatos, Diego e Júlio comparecem em sede

policial, narram o ocorrido e descrevem as características físicas do autor do crime. Por

volta das 5h da manhã do dia seguinte, policiais militares em patrulhamento se deparam

com Marcos nas proximidades do local do fato e verificam que ele possuía as mesmas

características físicas do roubador. Todavia, não são encontrados com Marcos quaisquer

dos bens subtraídos, nem o simulacro de arma de fogo. Ele é encaminhado para a Delegacia

108
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

e, tendo-se verificado que era triplamente reincidente na prática de crimes patrimoniais, a

autoridade policial liga para as residências de Diego e Júlio, que comparecem em sede

policial e, em observância de todas as formalidades legais, realizam o reconhecimento de

Marcos como responsável pelo assalto. O Delegado, então, lavra auto de prisão em

flagrante em desfavor de Marcos, permanecendo este preso, e o indicia pela prática do

crime previsto no Art. 157, caput, do Código Penal, por duas vezes, na forma do Art. 69 do

Código Penal. Diante disso, Marcos liga para seu advogado para informar sua prisão. Este

comparece, imediatamente, em sede policial, para acesso aos autos do procedimento

originado do Auto de Prisão em Flagrante.

Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado de Marcos,


responda, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, aos itens a seguir.

A) Qual requerimento deverá ser formulado, de imediato, em busca da liberdade de


Marcos e sob qual fundamento? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Oferecida denúncia na forma do indiciamento, qual argumento de direito material

poderá ser apresentado pela defesa para questionar a capitulação delitiva constante da

nota de culpa, em busca de uma punição mais branda? Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo

legal não confere pontuação.

GABARITO COMENTADO
A) A defesa de Marcos deverá formular requerimento de relaxamento da prisão, tendo em

vista que não havia situação de flagrante a justificar a formalização do Auto de Prisão em

Flagrante. Narra o enunciado que, de fato, Marcos, mediante grave ameaça, inclusive com

emprego de simulacro de arma de fogo, subtraiu coisas alheias móveis de Diego e Julio,

logo praticou dois crimes de roubo.

As vítimas reconheceram o acusado, de modo que há justa causa para o oferecimento de

denúncia. Todavia, não havia situação de flagrante a justificar a prisão do acusado. Isso

porque o reconhecimento e prisão de Marcos ocorreram mais de 07 horas após o fato,

109
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

sendo certo que não houve perseguição e nem com o agente foram encontrados

instrumentos ou produtos do crime. Dessa forma, nenhuma das situações previstas no Art.

302 do Código de Processo Penal restou configurada. Em sendo a prisão ilegal, o

requerimento a ser formulado é de relaxamento da prisão. Insuficiente, no caso, o

examinando apresentar requerimento de liberdade provisória. Primeiro porque, em sendo

a prisão ilegal, sequer deveriam ser analisados os pressupostos dos Artigos 312 e 313 do

Código de Processo Penal nesse momento. Além disso, a princípio, não seria caso de

reconhecimento de ausência dos motivos da preventiva, já que foi praticado crime com

circunstâncias graves e o agente é triplamente reincidente.

B) O equívoco a ser alegado em relação à capitulação delitiva refere-se ao concurso de

crimes. Sem dúvidas, confirmados os fatos, houve crime de roubo, já que foram subtraídas

coisas alheias móveis e houve emprego de grave ameaça, ainda que apenas através de
palavras de ordem e emprego de simulacro de arma de fogo. Da mesma forma, dois foram

os crimes patrimoniais praticados. Isso porque dois patrimônios foram atingidos e presente

o elemento subjetivo, tendo em vista que Marcos sabia que estava subtraindo pertences de

duas pessoas diversas. Todavia, com uma só ação, mediante uma ameaça, foram subtraídos

bens de dois patrimônios diferentes. Assim, deverá ser reconhecido o concurso formal de

delitos, aplicando-se a regra da exasperação da pena, e não o concurso material, com

aplicação do cúmulo material de sanções.

DISTRIBUIÇÃO DE PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) O requerimento a ser formulado é de relaxamento da prisão (0,35), tendo em
vista que não está presente nenhuma das situações de flagrante elencadas no Art. 0,00/0,30/0,35/0,65
302 do CPP (0,30).
B) O argumento é que houve concurso formal de crimes (0,35), tendo em vista
0,00/0,15/0,25/0,35/
que, com uma só ação, foram praticados dois delitos (0,15), nos termos do Art. 70
0,45/ 0,50/0,60
do CP (0,10).

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

9) (QUESTÃO 02 – XXVII EXAME)

Em cumprimento de mandado de busca e apreensão, o oficial de justiça Jorge compareceu

ao local de trabalho de Lucas, sendo encontradas, no interior do imóvel, duas armas de fogo

de calibre .38, calibre esse considerado de uso permitido, devidamente municiadas, ambas

com numeração suprimida. Em razão disso, Lucas foi preso em flagrante e denunciado pela

prática de dois crimes previstos no Art. 16, caput, da Lei 10.826/2003, em concurso

material, sendo narrado que “Lucas, de forma livre e consciente, guardava, em seu local de

trabalho, duas armas de fogo de calibre restrito, devidamente municiadas”.

Após a instrução, em que os fatos foram confirmados, foi juntado o laudo confirmando o

calibre .38 das armas de fogo, a capacidade de efetuar disparos, bem como que ambas

tinham a numeração suprimida. As partes apresentaram alegações finais, e o magistrado,

em sentença, considerando o teor do laudo, condenou Lucas pela prática de dois crimes
previstos no Art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/2003, em concurso formal.
Intimada a defesa técnica da sentença condenatória, responda, na condição de

advogado(a) de Lucas, aos itens a seguir.

A) Qual o argumento de direito processual a ser apresentado em busca da

desconstituição da sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Reconhecida a validade da sentença em segundo grau, qual o argumento de direito

material a ser apresentado para questionar o mérito da sentença condenatória e,

consequentemente, a pena aplicada? Justifique. (Valor: 0,60)

GABARITO COMENTADO

A) O argumento de direito processual a ser apresentado é o de que houve violação ao

princípio da correlação, o que gera a nulidade da sentença por violação ao princípio da

ampla defesa e ao princípio do contraditório. Isso porque a denúncia narrou que Lucas

guardava, em seu local de trabalho, duas armas de fogo de calibre restrito.

Sem que houvesse aditamento da denúncia, o magistrado condenou o réu pela prática de

dois crimes de posse de arma de fogo de numeração suprimida, previsto no Art. 16,

111
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03. Apesar do crime imputado na denúncia e o

reconhecido na sentença estarem previsto no mesmo dispositivo legal, eles não se

confundem e a narrativa dos fatos é diferente. O réu somente se defendeu sobre as armas

apreendidas como sendo de uso restrito, não podendo, então, o magistrado modificar os

fatos para dar nova capitulação jurídica, nos termos do Art. 384 do CPP. Se não houvesse

alteração dos fatos, poderia o juiz aplicar o Art. 383 do CPP, mas não foi isso que ocorreu

na hipótese narrada. Dessa forma, deve ser reconhecida a nulidade da sentença.

B) Em busca de questionar o mérito da decisão, o advogado deveria argumentar que a

conduta de Lucas de guardar, em seu local de trabalho, duas armas de fogo com numeração

suprimida configura crime único previsto no Art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei

10.826/03 e não dois crimes autônomos, seja em concurso material ou formal. As armas

estavam sendo guardadas em um mesmo contexto, logo a violação ao bem jurídico


protegido foi única, podendo, porém, a quantidade de armas ser considerada no momento

da aplicação da pena.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

ITEM PONTUAÇÃO
A) Houve violação ao princípio da correlação OU não houve aditamento dos
fatos narrados na denúncia, não podendo o magistrado alterá-los (0,40), nos 0,00/0,15/0,25/0,40/
termos do Art. 384 do CPP (0,10), o que representa violação ao princípio da 0,50/0,55/0,65
ampla defesa OU contraditório (0,15)
B) Houve crime único OU Não houve qualquer espécie de concurso de delitos
(0,50), tendo em vista que as armas de fogo foram apreendidas em um mesmo 0,00/0,10/0,50/0,60
contexto (0,10)

10) (QUESTÃO 03 – XXX EXAME)


Eduardo foi preso em flagrante no momento em que praticava um crime de roubo simples,

no bairro de Moema. Ainda na unidade policial, compareceram quatro outras vítimas, todas

narrando que tiveram seus patrimônios lesados por Eduardo naquela mesma data, com

intervalo de cerca de 30 minutos entre cada fato, no bairro de Moema, São Paulo.

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

As cinco vítimas descreveram que Eduardo, simulando portar arma de fogo, anunciava o

assalto e subtraía os bens, empreendendo fuga em uma bicicleta. Eduardo foi denunciado

pela prática do crime do Art. 157, caput, por cinco vezes, na forma do Art. 69, ambos do

Código Penal, e, em sede de audiência, as vítimas confirmaram a versão fornecida em sede

policial.

Assistido por seu advogado Pedro, Eduardo confessou os crimes, esclarecendo que

pretendia subtrair bens de seis vítimas para conseguir dinheiro suficiente para comprar uma

motocicleta. Disse, ainda, que apenas simulou portar arma de fogo, mas não utilizou

efetivamente material bélico ou simulacro de arma. O juiz, no momento da sentença,

condenou o réu nos termos da denúncia, sendo aplicada a pena mínima de 04 anos para

cada um dos delitos, totalizando 20 anos de pena privativa de liberdade a ser cumprida em

regime inicial fechado, além da multa. Ao ser intimado do teor da sentença, pessoalmente,
já que se encontrava preso, Eduardo tomou conhecimento que Pedro havia falecido, mas

que foram apresentadas alegações finais pela Defensoria Pública por determinação do

magistrado logo em seguida à informação do falecimento do patrono. A família de Eduardo,

então, procura você, na condição de advogado(a), para defendê-lo.


Considerando apenas as informações narradas, responda, na condição de advogado(a)

de Eduardo, constituído para apresentação de apelação, aos itens a seguir.

A) Existe argumento de direito processual, em sede de recurso, a ser apresentado para

desconstituir a sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,65)


B) Diante da confirmação dos fatos pelo réu, qual argumento de direito material poderá

ser apresentado, em sede de apelação, em busca da redução da sanção penal aplicada?

Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo

legal não confere pontuação.

113
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

GABARITO COMENTADO

A questão exige do examinando conhecimentos sobre o tema concurso de crimes, além

dos direitos básicos dos acusados.

Narra o enunciado que Eduardo teria praticado cinco crimes de roubo, contra vítimas

diferentes, todos no bairro de Moema, com curto intervalo de tempo entre os fatos, com o

mesmo modo de agir, sendo seu objetivo obter dinheiro suficiente para a compra de uma

motocicleta.

A) O argumento a ser apresentado, em sede de recurso, para desconstituir a sentença

condenatória, é o de que haveria violação ao princípio da ampla defesa, em sua vertente de

defesa técnica, tendo em vista que as alegações finais foram apresentadas pela Defensoria

Pública, não sendo o acusado intimado para, querendo, constituir novo patrono. De acordo

com o que consta do enunciado, durante a instrução processual, Eduardo foi assistido por
Pedro, advogado por ele constituído. Ocorre que, ao tomar conhecimento de que Pedro

teria falecido, de imediato o magistrado encaminhou os autos à Defensoria Pública para

apresentação de alegações finais, o que foi incorreto, já que o réu deveria ter sido intimado

pessoalmente, pois estava preso, para esclarecer se teria interesse em ser assistido pela

Defensoria ou se pretendia constituir novo advogado. Ao retirar esse direito do réu, o

magistrado violou direito do acusado e o princípio da ampla defesa.

B) Em sede de apelação, poderia ser buscado o reconhecimento da continuidade delitiva,

o que geraria redução da sanção penal aplicada. De acordo com o que consta do

enunciado, de fato foram praticados cinco crimes de roubo. Mesmo sem emprego de arma

de fogo ou simulacro de arma de fogo, houve grave ameaça na subtração dos bens de cinco

vítimas diferentes, logo cinco patrimônios foram atingidos e cinco crimes autônomos foram

praticados. Ainda que Eduardo tenha confessado os fatos, a pena mínima foi aplicada, não

cabendo redução com fundamento na atenuante do Art. 65, III, d, do CP, nos termos da

Súmula 231 do STJ. Todavia, o magistrado reconheceu o concurso material de crimes e

somou a pena aplicada para cada um dos delitos. De acordo com o Art. 71 do CP, a pena de

apenas um dos crimes será aplicada e aumentada de 1/6 a 2/3 quando o agente, mediante

114
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

mais de uma ação, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições

de tempo, lugar, maneira de execução, sendo os subsequentes continuação do primeiro.

Todas as exigências legais foram preenchidas. Os delitos foram praticados no mesmo

bairro, com intervalo de 30 minutos entre eles, sempre com o mesmo modo de execução.

A intenção do agente sempre foi praticar vários crimes, um em continuidade do outro, para

obter dinheiro suficiente para comprar uma motocicleta. Assim, ao invés do cúmulo

material, deveria o magistrado ter aumentado a pena de um dos delitos (04 anos) em 1/6 a

2/3, ou, até mesmo, aplicar a previsão do Art. 71, parágrafo único, do CP.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS:

ITEM PONTUAÇÃO
A) Sim. Tendo em vista que Eduardo deveria ter sido intimado para manifestar seu
interesse em constituir novo advogado ou ser assistido pela Defensoria Pública,
0,00/0,15/0,25/0,40/
para oferecimento das alegações finais, em razão do falecimento do antigo patrono
0,50/0,55/0,65
(0,40), houve violação ao princípio da ampla defesa (0,15), nos termos do Art. 5º,
inciso LV, da CRFB (0,10).
B) Reconhecimento da continuidade delitiva (0,35), na forma do Art. 71 do CP
0,00/0,15/0,25/0,35/
(0,10), já que os crimes são da mesma espécie e foram praticados nas mesmas
0,45/0,50/0,60
condições de tempo, local e modo de execução (0,15).

11) (QUESTÃO 01 – IX EXAME)

Raimundo, já de posse de veículo automotor furtado de concessionária, percebe que não


tem onde guardá- lo antes de vendê-lo para a pessoa que o encomendara. Assim, resolve

ligar para um grande amigo seu, Henrique, e após contar toda sua empreitada, pede-lhe

que ceda a garagem de sua casa para que possa guardar o veículo, ao menos por aquela

noite. Como Henrique aceita ajudá-lo, Raimundo estaciona o carro na casa do amigo. Ao

raiar do dia, Raimundo parte com o veículo, que seria levado para o comprador.

Considerando as informações contidas no texto responda, justificadamente, aos itens a

seguir.

A) Raimundo e Henrique agiram em concurso de agentes? (Valor: 0,75)

B) Qual o delito praticado por Henrique? (Valor: 0,50)

115
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

GABARITO COMENTADO

A) Não há concurso de agentes, pois o auxílio foi proposto após a consumação do crime de

furto. Assim, não estão presentes os requisitos necessários à configuração do concurso de

agentes, mormente liame subjetivo e identidade da infração penal.

B) Favorecimento real (Art. 349, do CP).

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) Não, pois o auxílio foi proposto após a consumação do crime de furto (0,75) OU
Não, pois inexistente liame subjetivo e identidade da infração penal entre ambos 0,00/ 0,75
(0,75).
B) Favorecimento real OU praticou o delito descrito no Art. 349, do CP (0,50). 0,00/ 0,50

12) (QUESTÃO 01 – XXIX EXAME)

Caio e Bruno são irmãos e estão em dificuldades financeiras. Caio, que estava sozinho em

seu quarto, verifica que a janela da casa dos vizinhos está aberta; então, ingressa no local e

subtrai um telefone celular avaliado em R$500,00. Ao mesmo tempo, apesar de não saber
da conduta de seu irmão, Bruno percebe que a porta da residência dos vizinhos também

ficou aberta. Tendo conhecimento que os proprietários eram um casal de empresários

muito rico, ingressa no local e subtrai uma bolsa, avaliada em R$ 450,00.

Os fatos são descobertos dois dias depois, e Bruno e Caio são denunciados pelo crime de

furto qualificado (Art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal), sendo acostadas as Folhas de

Antecedentes Criminais (FAC), contendo, cada uma delas, outra anotação pela suposta

prática de crime de estelionato, sem, contudo, haver condenação com trânsito em julgado

em ambas.

Após instrução, a pretensão punitiva do Estado é julgada procedente, sendo aplicada pena

mínima de 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, em regime inicial aberto, devidamente

substituída por restritiva de direitos.

116
Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

Com base nas informações expostas, intimado(a) para apresentação de recurso,

responda, na condição de advogado(a) de Caio e Bruno, aos itens a seguir.

A) Existe argumento de direito material a ser apresentado para questionar a capitulação

jurídica apresentada pelo Ministério Público e acolhida na sentença? (Valor: 0,60)

B) Mantida a capitulação acolhida na sentença (Art. 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal),

existe argumento em busca da redução da pena aplicada? (Valor: 0,65)

O(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal

não confere pontuação.

GABARITO COMENTADO
A) Sim, a capitulação jurídica realizada pelo Ministério Público e acolhida na sentença

poderá ser questionada, tendo em vista que não deveria ter sido imputada a qualificadora
do concurso de agentes. O Art. 155, § 4º, inciso IV, do CP prevê qualificadora do furto

quando este for praticado mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Ocorre que, apesar de Caio e Bruno serem irmãos e terem praticado crimes de furto no

mesmo local, data e horário, não houve concurso de agentes. Dentre os requisitos para

configuração do concurso de agentes está o liame subjetivo, que não restou configurado

na hipótese apresentada. A todo momento o enunciado deixa claro que Caio e Bruno sequer

sabiam da conduta um do outro, não havendo que se falar, então, em comunhão de ações

e desígnios e, consequentemente, concurso de agentes, apesar de configurado o crime de

furto simples em relação a ambos.


B) Mesmo em caso de manutenção da capitulação apresentada, ou seja, de furto

qualificado, seria possível a redução da pena aplicada em razão do privilégio previsto no

Art. 155, § 2º, do CP. Apesar de os agentes responderem a outras ações penais, nos termos

da Súmula 444 do STJ, não havendo sentença condenatória anterior com trânsito em

julgado, são considerados tecnicamente primários e de bons antecedentes. Ademais, as

coisas furtadas podem ser consideradas de pequeno valor, não havendo que se falar em

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

insignificância, na hipótese, seja pelo valor dos bens seja porque o enunciado indaga sobre

a redução da pena aplicada e não afastamento da tipicidade da conduta.

É preciso, ainda, ressaltar que os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que

a figura do furto privilegiado poderá ser reconhecida ainda que o crime em questão seja de

furto qualificado, topograficamente localizado após a disciplina do privilégio, nos termos

da Súmula 511 do Superior Tribunal de Justiça.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) Sim, o argumento seria pela inexistência de liame subjetivo entre os agentes
0,00/0,15/0,45/0,60
(0,45), afastando-se a qualificadora do concurso de pessoas (0,15).
B) Sim, aplicação do furto privilegiado (0,35), já que a coisa é de pequeno valor 0,00/0,20/0,30/0,35/
e os réus são primários (0,20), conforme a Súmula 511 do STJ (0,10). 0,45/0,55/0,65

13) (QUESTÃO 3 – XIX EXAME)

Sabendo que Vanessa, uma vizinha com quem nunca tinha conversado, praticava diversos

furtos no bairro em que morava, João resolve convidá-la para juntos subtraírem R$ 1.000,00

de um cartório do Tribunal de Justiça, não contando para ela, contudo, que era funcionário

público e nem que exercia suas funções nesse cartório.

Praticam, então, o delito, e Vanessa fica surpresa com a facilidade que tiveram para chegar

ao cofre do cartório. Descoberto o fato pelas câmeras de segurança, são os dois agentes

denunciados, em 10 de março de 2015, pela prática do crime de peculato. João foi

notificado e citado pessoalmente, enquanto Vanessa foi notificada e citada por edital, pois

não foi localizada em sua residência.

A família de Vanessa constituiu advogado e o processo prosseguiu, mas dele a ré não tomou
conhecimento. Foi decretada a revelia de Vanessa, que não compareceu aos atos

processuais. Ao final, os acusados foram condenados pela prática do crime previsto no Art.

312 do Código Penal à pena de 02 anos de reclusão. Ocorre que, na verdade, Vanessa estava

presa naquela mesma Comarca, desde 05 de março de 2015, em razão de prisão preventiva

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

decretada em outros dois processos. Ao ser intimada da sentença, ela procura você na

condição de advogado(a).

Considerando a hipótese narrada, responda aos itens a seguir.

A) Qual argumento de direito processual poderia ser apresentado em favor de Vanessa

em sede de apelação? Justifique. (Valor: 0,65)

B) No mérito, foi Vanessa corretamente condenada pela prática do crime de peculato?

Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o mero “sim” ou “não”, desprovido de justificativa ou mesmo com a indicação de

justificativa inaplicável ao caso, não será pontuado.

GABARITO COMENTADO

A) O examinando deveria alegar que, em relação à Vanessa, o processo é nulo desde a


citação. Quando Vanessa foi citada por edital, ela estava presa em estabelecimento na

mesma unidade da Federação do juízo processante, logo sua citação foi nula, conforme

Enunciado 351 da Súmula de Jurisprudência do STF. Como ela não tomou conhecimento da

ação e nem mesmo foi interrogada, pois teve sua revelia decretada, o prejuízo é claro.

Assim, em sede de apelação, antes de enfrentar o mérito da apelação, deveria o advogado

buscar a anulação de todos os atos após sua citação, inclusive da sentença. Poderia, ainda,

o candidato justificar a nulidade na exigência trazida pelo Art. 360 do CPP, que prevê que

o réu preso deve ser citado pessoalmente.

B) Vanessa não foi corretamente condenada pela prática do crime de peculato. Em que

pese o Art. 30 do Código Penal prever que as “circunstâncias” de caráter pessoal se

comunicam quando elementares do crime, não é possível, no caso concreto, a aplicação

desse dispositivo, porque o enunciado deixa claro que Vanessa não tinha conhecimento da

condição de funcionário público de João, não sendo possível responsabilizá-la por peculato.

A simples afirmação de que as circunstâncias pessoais não se comunicam é insuficiente

para atribuição da pontuação, pois, quando elementares, poderá haver comunicação,

desde que o agente tenha dessa situação. Da mesma forma, inadequada a afirmativa no

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Penal 2ª Fase XXXIII Exame de Ordem
Direito Penal

sentido de que o particular não pode ser responsabilizado pelo crime próprio de peculato,

pois insuficiente.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) Nulidade dos atos processuais praticados após sua citação OU nulidade da
sentença (0,25), pois a citação por edital foi inválida, já que Vanessa estava presa 0,00/0,10/0,25/0,30/
OU já que a citação de Vanessa deveria ter sido realizada pessoalmente (0,30), nos 0,35/0,40/0,55/0,65
termos da Súmula 351 do STF OU do art. 360, CPP (0,10).
B) Vanessa não foi corretamente condenada por peculato porque não tinha
conhecimento da condição de funcionário público de João, dependendo a
0,00 / 0,60
comunicação da elementar desse elemento subjetivo OU porque não pode ser
aplicado o Art. 30 do CP pela ausência de elemento subjetivo (0,60).

14) (QUESTÃO 4 - XXVII EXAME)

Revoltada com o fato de que sua melhor amiga Clara estaria se relacionando com seu ex-

companheiro João, Maria a procurou e iniciou uma discussão.

Durante a discussão, Clara, policial militar, afirmou que, se Maria a xingasse novamente, ela

a mataria gastando apenas uma munição da sua arma. Persistindo na discussão, Maria

voltou a ofender Clara. Esta, então, abriu sua bolsa e pegou um bem de cor preta.

Acreditando que Clara cumpriria sua ameaça, Maria desferiu um golpe na cabeça da rival,

utilizando um pedaço de pau que estava no chão. A perícia constatou que o golpe foi a

causa eficiente da morte de Clara. Posteriormente, também foi constatado que Clara, de

fato, estava com sua arma de fogo na bolsa, mas que ela apenas pegara seu telefone celular

para ligar para João.

Após denúncia pela prática do crime de homicídio qualificado e encerrada a instrução da


primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, entendeu o magistrado por pronunciar

Maria nos termos da inicial acusatória.

Com base nas informações expostas, responda, na condição de advogado(a) de Maria,

aos itens a seguir.

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Direito Penal

A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado? Caso tivesse ocorrido

a impronúncia, o recurso pela parte interessada seria o mesmo? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Qual a tese de direito material a ser apresentada em sede de recurso para combater

a decisão de submeter a ré ao julgamento pelo Tribunal do Júri? Justifique. (Valor: 0,60)

GABARITO COMENTADO

A) A questão narra que Maria foi pronunciada pela suposta prática de crime de homicídio

qualificado, sendo que, ao final da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri,

entendeu o magistrado por pronunciar Maria nos termos da denúncia. Da decisão de

pronúncia caberá recurso em sentido estrito, nos termos do Art. 581, inciso IV, do CPP. Caso

a decisão proferida pelo magistrado fosse de impronúncia, não haveria que se falar em

recurso em sentido estrito. Antes da edição da 11.689/08, a decisão de impronúncia


também era combatida através de recurso em sentido estrito. Todavia, houve alteração

legislativa e, desde então, da decisão de impronúncia, por ser terminativa, caberá recurso

de apelação, assim como ocorreria na absolvição sumária, conforme previsão do Art. 416

do CPP.
B) A tese de direito material seria que Maria agiu em legítima defesa putativa, nos termos

do Art. 20, §1º do Código Penal (erro de tipo permissivo), tendo em vista que acreditava

estar atuando em legítima defesa. Isso porque Clara havia ameaçado Maria de morte caso

essa realizasse um xingamento, o que foi feito por Maria.


Ainda que diante de eventual injúria, se verídica, a conduta de Clara de efetuar disparo de

arma de fogo configuraria uma injusta agressão, pois, no mínimo, haveria excesso em sua

conduta. Caso, de fato, Clara tivesse pego, em sua bolsa, sua arma de fogo, configurada

estaria a legítima defesa e, consequentemente, a conduta de Maria seria legítima. Todavia,

na verdade Maria supôs situação que não existia, já que Clara apenas pegou seu celular para

realizar uma ligação. Diante disso, a atuação em legítima defesa foi apenas putativa

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Direito Penal

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A1) O recurso cabível da decisão de pronúncia é o recurso em sentido estrito
0,00/0,30/0,40
(0,30), conforme Art. 581, inciso IV, do CPP (0,10).
A2) Caso a decisão fosse de impronúncia, o recurso cabível seria de apelação
0,00/0,15/0,25
(0,15), conforme previsão do Art. 416 do CPP (0,10).
B) A tese de direito material seria que Maria agiu em legítima defesa putativa
0,00/0,15/0,25/0,35/
(0,15), estando amparada por descriminante putativa OU erro de tipo permissivo
0,45/0,50/0,60
(0,35), conforme Art. 20, §1º do CP (0,10).

15) (QUESTÃO 1 - VI EXAME)

Ao chegar a um bar, Caio encontra Tício, um antigo desafeto que, certa vez, o havia

ameaçado de morte. Após ingerir meio litro de uísque para tentar criar coragem de abordar

Tício, Caio partiu em sua direção com a intenção de cumprimentá-lo. Ao aproximar-se de

Tício, Caio observou que seu desafeto bruscamente pôs a mão por debaixo da camisa,

momento em que achou que Tício estava prestes a sacar uma arma de fogo para vitimá-lo.

Em razão disso, Caio imediatamente muniu-se de uma faca que estava sobre o balcão do

bar e desferiu um golpe no abdome de Tício, o qual veio a falecer. Após análise do local por

peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, descobriu-se que Tício estava tentando

apenas pegar o maço de cigarros que estava no cós de sua calça.

Considerando a situação acima, responda aos itens a seguir, empregando os

argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

A) Levando-se em conta apenas os dados do enunciado, Caio praticou crime? Em caso

positivo, qual? Em caso negativo, por que razão? (Valor: 0,65)

B) Supondo que, nesse caso, Caio tivesse desferido 35 golpes na barriga de Tício, como

deveria ser analisada a sua conduta sob a ótica do Direito Penal? (Valor: 0,60)

GABARITO COMENTADO

A) Não, pois atuou sob o manto de descriminante putativa, instituto previsto no art. 20,
parágrafo 1º do CP, uma vez que supôs, com base em fundado receio, estar em situação de

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legítima defesa. Como se limitou a dar uma facada, a sua reação foi moderada, não havendo

que se falar em punição por excesso.

B) Ainda que tenha procurado se defender de agressão que imaginou estar em vias de

ocorrer, Caio agiu em excesso doloso, devendo, portanto, responder por homicídio doloso,

na forma do artigo 23, parágrafo único, do CP.

DISTRIBUIÇÃO DOS PONTOS

ITEM PONTUAÇÃO
A) Não, pois atuou sob o manto de descriminante putativa, uma vez que supôs estar
em situação de legítima defesa, (0,5) nos termos do artigo 20, §1º, do CP (0,15). 0,00/0,50/0,65
Obs.: A mera indicação do artigo não é pontuada.
B) Ainda que tenha procurado se defender de agressão que imaginou estar em vias
de ocorrer, Caio agiu em excesso doloso (0,45), na forma do artigo 23, parágrafo 0,00/0,45/0,60
único, do CP (0,15).

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